Cof 39
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A primeira função de uma elite intelectual é restaurar a língua portuguesa. Esta restauração
não acontecerá se nós não começarmos pelo essencial, que é a restauração do sistema de verbos.
A língua portuguesa no Brasil é a única que na história do Ocidente perdeu duas pessoas verbais.
Perdeu a segunda pessoa do singular e a segunda pessoa do plural, obrigando-nos a rodeios para
distinguir se estamos falando da própria pessoa que está em nossa frente ou de um terceiro. Por que
se não temos o “tu” e o “vós” acabou a possibilidade de comunicação, então se começa a apelar
para uma expressão indireta, o próprio “você” - “Vosmecê” já é um expressão indireta, como se fosse
“Vossa excelência”, quer dizer, não se está dirigindo à pessoa, mas à excelência que se supõe residir
nela, que é um terceiro personagem. Se chamo o Lula de Vossa excelência, não estou me referindo
à pessoa dele, mas ao cargo que ele ocupa que é um terceiro elemento na comunicação.
Estes rodeios vão se tornando cada vez mais complicados e tornando a comunicação cada vez mais
difícil, tanto que, viajando pelo mundo, se observa que em nenhum país a distância entre
a linguagem formal, de um discurso, de um livro, de um tratado científico, é tão distante da língua
corrente como no Brasil. São praticamente duas línguas.
Se escrever na língua que o povão fala, ninguém entende, e, mais ainda, é uma língua de curta
duração, porque há os elementos de gíria, as construções improvisadas, que dentro de dois
anos as pessoas não conhecem mais. Por exemplo, experimentem ler um exemplar do Pasquim,
que nos anos setenta era a “língua” da juventude carioca, hoje ele se tornou incompreensível. É mais
fácil ler Camilo Castelo Branco do que o Pasquim, por que aquela língua toda se perdeu.
A língua popular se transforma muito rapidamente e não há tempo de estabilizá-la na literatura. Como
resultado, a linguagem formal e a linguagem informal vão se distanciando, ao ponto que a
possibilidade de educar pessoas, partindo da linguagem informal delas e trazendo-as para a língua
formal, é quase impossível. Então, se não restaurarmos esta linguagem formal, como língua de
cultura, como instrumento de comunicação, acabou, não vai haver cultura superior no Brasil
jamais.
Cada um acha que a língua do seu local é a língua universal. Cai exatamente na definição do
provinciano de Ortega y Gasset, que dizia ser o provinciano um sujeito que acha que o mundo é igual
a sua província. Este não sabe que no mundo existem outras províncias. E, no Brasil, todo o mundo
é assim. O sujeito usa ingenuamente aquela linguagem do seu grupo de referência e acredita que o
universo tem a obrigação de compreendê-lo.
O artigo do Humberto Eco, onde ele diz que as pessoas que não receberam uma educação religiosa
não podem entender certas obras de arte. Não é que elas não podem entender certas obras de arte,
elas, praticamente, não podem é entender nada da cultura dos séculos anteriores. Há é um processo
de esquecimento geral, e, portanto, de baixa formidável da consciência histórica e da consciência
em geral. No Brasil, isto aconteceu com muito mais profundidade e com enorme rapidez.
É claro que se a restauração da língua é tão importante, então, isto não é um problema específico
do ensino de filosofia, mas do treinamento intelectual geral, e nós teremos de voltar a isso de tempos
em tempos.
Conhecimento
O primeiro motivo pelo qual eu digo isto é o seguinte: estudar e descobrir coisas, avançar no
mundo do conhecimento, é saber coisas que outras pessoas não sabem. Isto é por definição.
O que quer que você tenha estudado, as pessoas irão estudar aquilo e elas não sabem. Você irá
adquirir conhecimentos que para a totalidade das pessoas do meio que você frequenta são
absolutamente inacessíveis. Saber o que os outros não sabem modifica completamente o teor
das suas relações com eles.
Num primeiro momento, sentindo-se então rejeitados pelo seu meio, as pessoas, ou carregam uma
solidão terrível, sentem-se angustiadas, ou buscam outro grupo de referência. Deixe-me falar,
primeiramente, como é que a aquisição de conhecimento, como que, a elevação do seu nível
intelectual modifica as suas relações com outras pessoas. Goethe dizia que o talento se aprimora
na solidão, mas o caráter se aprimora na agitação do mundo. Há sempre de se levar em conta
estes dois pontos; e, pela minha observação, o desenvolvimento do caráter é o mais importante.
Por que sem ele você não tem a resistência para o aprendizado.
Quando você começa a aprender coisas, a ler coisas, que a sua própria personalidade não está
suficientemente sólida para agüentar, você vira uma espécie de monstro de duas cabeças. Você vê
uma pessoa com “desenvolvimento intelectual” relativamente grande colocado em uma alma de
criança, em uma alma pueril. É claro que a alma pueril não entende as implicações do que ela mesma
está sabendo. É ridículo você ver um indivíduo saber discutir Kant ou Hegel, mas que, ao mesmo
tempo, não é capaz de administrar a sua vida, não é capaz de se relacionar com as pessoas de uma
maneira adulta. Tudo isso é muito feio. Isto tudo cria personalidades disformes, verdadeiramente
caricaturais. E, infelizmente no Brasil, como, a atividade intelectual é precária, é incipiente, a maior
parte das pessoas que se dedica a ela é exatamente assim. São, personalidades disformes. São
pessoas que tem certo conteúdo de leitura, certa capacidade de raciocínio verbal, mas que não tem
estofo suficiente para arcar com a responsabilidade daquele conhecimento, então, evidentemente
viram caricaturas. Como esta caricatura é o que predomina em certos meios, sobretudo no
universitário, ela dará a projeção social da idéia de intelectual no Brasil. É evidente que nós
não podemos nos deixar guiar por esta caricatura, não é isso que nós queremos ser quando
crescermos!
Um ponto fundamental para este aprendizado, é que você aprenda a se relacionar com as
mesmas pessoas com quem você se relacionava antes, com os mesmos meios sociais, só
que de outra maneira. Antes você era igual, as pessoas gostavam de você por que sentiam que
você tinha os mesmos objetivos, os mesmos valores, a mesma linguagem, as mesmas
preocupações, as mesmas emoções etc. e tal. Há aí aquela identificação fácil de um primeiro
momento. Mas, a partir do momento em que você começa a ter outros conteúdos e outras
preocupações que eles não compreendem, você está no meio destas pessoas como alguém que
está investido de uma responsabilidade para com elas.
Ser compreendido
Regra número um: estas pessoas não tem nenhuma obrigação de compreender você, é você
quem tem a obrigação de compreendê-las. Isto é absolutamente Fun-Da-Men-Tal! Não espere
compreensão. Dê compreensão! Compreensão significa paciência com a burrice alheia e, ao
mesmo tempo, nenhuma cumplicidade com a burrice alheia. Se as pessoas não o
compreendem, você as compreende. Você está colocado como um pai perante seus filhos,
ou como se fosse um psiquiatra diante dos seus louquinhos, ou como um professor diante dos
seus alunos do primeiro ano primário. As pessoas estão se tornando crianças em relação
a você. Se você não assume esta diferença em relação ao nível de consciência você
não amadurece. Uma das características do homem maduro é precisar de pouca afeição e
de pouca compreensão, e ser capaz de dar muita. Quando a gente é pequenininho precisa
destas confirmações. Por quê? Porque não temos uma personalidade estruturada. Nós somos
realmente uma massa amorfa que qualquer vento modifica, especialmente no Brasil, as
pessoas permanecem neste estado por muito tempo, é o que se chama adolescência
prolongada, ela pode ir até os 50 anos.
2. A outra confirmação é dada pela autoridade; alguém que você não considera igual a você,
mas que considera um superior. Esse superior por sua vez terá de representar alguma
entidade que transcende a sua relação pessoal com ele. Por exemplo, ele representa uma
igreja, ele representa um partido, ele representa uma tradição, ele representa o governo,
ele representa alguma coisa que lhe parece transcendente. A busca da autoridade, a busca
da confirmação pela autoridade se torna tanto mais intensa quanto menos há autoridades
dignas de confiança.
Tudo isso que aconteceu dentro do judaísmo no começo do século XIX, aconteceu dentro do
catolicismo a partir dos anos trinta, quarenta e, principalmente, a partir do Concílio Vaticano II. Seja
judeu, seja católico, o sujeito está solto dentro de uma sociedade de massas sem a devida proteção
espiritual, psicológica da sua comunidade religiosa. Aquela proteção simplesmente não funciona
mais.
E, nesta altura, então você imagina: o adolescente real ou o adolescente prolongado, que se sente
isolado ou até perdeu a cumplicidade dos seus amigos e se sente incompreendido por todo mundo.
Diz assim: “ah, depois que eu comecei a estudar, a minha namoradinha não gosta mais de mim” ou
“mamãe fica rindo da minha cara”. O sujeito pega uma comunidade religiosa, um movimento religioso
e ele se apega àquilo como se fosse uma tábua de salvação, como se ele estivesse se afogando no
mar e apareceu um tronco. Ele se apega mesmo àquilo e, pessoas que não têm discernimento
espiritual nenhum estão guiando outras que têm discernimento espiritual menos ainda do que
elas. E são, na verdade, pessoas inermes. Daí se explica o surgimento desses movimentos de
massa, cristãos, protestantes ou católicos, que estão arregimentando milhões de pessoas na base
da manipulação emocional mais besta que há.
Como é que você vai se entregar ao guiamento dessas pessoas? Não existe mais. A única coisa que
existe é a possibilidade de, através do seu próprio desenvolvimento intelectual e da sua própria
formação de caráter, compreender certas coisas e conseguir, mais ou menos, guiar-se a si próprio,
dentro dessa barafunda. Isso é possível. Por quê? Porque a estrutura humana não foi revogada. As
capacidades humanas continuam aí. Basta você exercê-las, pois os meios de adestrar e de fortalecer
essas capacidades ainda são os mesmos e ainda funcionam.
Naquele trecho de Mateus, eu acho que é 6:11, quando perguntam: “Quem é você? Você é o Messias
que estamos esperando ou devemos esperar outro?” Ele diz — é o João Batista que está
perguntando isso — digam a João o que vocês viram e ouviram. Vocês viram o paralítico andar,
viram o cego enxergar.
Não interessa de que religião o sujeito vem, se veio da Índia, se veio do protestantismo, se veio da
Igreja Católica. Se vier da Igreja Católica é pior ainda, muito pior. Por que é pior? Porque se o sujeito
é um padre e ele foi ordenado padre, a ordenação dele vale. Isso significa que a missa que ele reza
vale, a confissão que ele recebeu vale, e a comunhão que ele deu vale, independentemente do que
ele seja. Isso quer dizer que, junto com toda uma atividade manipuladora e até criminosa — e no
caso, essa organização acobertava até um monte de crimes —, existe uma atividade que é legítima.
O padre que está rezando pode ser até um criminoso, pode ser um pedófilo, pode ser um
assassino; a missa continua valendo.
E ainda há pessoas que se impressionam com a presença desses criminosos e dizem: “ah, ela irradia
santidade”. Santidade não se irradia. Santidade se vê pelos frutos e não pela impressão, não
pela aparência. Como é que alunos meus desconhecem isso? Desconhecem porque o ônus da
responsabilidade intelectual é pesado demais para eles.
Autoridade externa
Se você não tem essa certeza na esfera intelectual, a sua suposta fé religiosa será deficiente. Porque
a Igreja Católica sempre ensinou que o conhecimento e a certeza da existência de Deus não é
matéria de fé, é matéria de razão e conhecimento. Se você não tem isso, que fé você pode ter? Se
a existência de Deus para você se torna matéria de fé, você está lascado. Isso não pode ser matéria
de fé, jamais. Você tem que ter a plena evidência.
Se você não tem, então está colocado numa situação de imaturidade intelectual e espiritual. Você
depende de uma autoridade externa que legitime aquilo. É claro que, para a maioria dos seres
humanos, não existe a possibilidade do desenvolvimento intelectual como vocês estão tendo. Então,
eles sempre dependerão de uma autoridade externa e é para isso mesmo que existe o sacerdócio.
Porque a fé se refere, por exemplo, à pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. Que Jesus Cristo
nasceu da Virgem Maria, que Ele é o Logos Divino e que ele é o caminho da salvação, isto é matéria
de fé. Mas, a existência de Deus, a bondade de Deus, a infinitude de Deus e modus operandi de
Deus, nada disso é matéria de fé. A Igreja sempre ensinou isso. E as pessoas ainda não querem
aprender, porque preferem que isso seja matéria de fé. Porque isso permite que elas se agarrem à
autoridade de uma instituição. Precisa ser uma instituição bem grande, bem rica, cheia de prédios,
cheia de templos, cheia de bibliotecas, de museus, para inspirar uma respeitabilidade O que você
está chamando de fé, ao transformar o que deveria ser matéria de conhecimento em matéria de fé,
degrada a própria noção da fé, porque a fé que você tem é, de fato, na instituição tal como
materialmente ela se apresenta.
Papa X AntiPapa
Um dos papas dos primeiros séculos tinha um inimigo. Esse papa achava que as pessoas que
saíssem da Igreja e depois voltassem arrependidas deveriam ser aceitas. E ele tinha um
inimigo, que era um sujeito mais caxias, mais rigoroso, que achava que não: se o sujeito
abandonou, está fora. E, por causa disso, esse camarada combatia muito o papa. E, chegou
a ser nomeado anti-papa. Ele foi nomeado papa também pelos seus cupinchas. Claro que o
mandato dele não era legítimo, mas ele não era uma pessoa má, ele não era um homem de
má intenção, ele estava com intenção certa, mas estava com a doutrina errada.
Esse anti-papa foi preso pelos romanos e mandado para trabalhos forçados numa mina de
prata, onde as pessoas duravam três meses, porque, quando chegavam lá, a primeira coisa
que faziam era castrar o sujeito. Depois, recebiam sessenta chicotadas de uma vez. Isso no
primeiro dia. Não, o contrário, primeiro as chicotadas, depois capavam. E, aconteceu que esse
anti-papa foi mandado para as minas de prata e, logo depois, alguns meses depois, o papa
foi preso também e mandado para as mesmas minas de prata. Então, os inimigos se
encontraram ali. E ali o anti-papa reconheceu o seu erro, pediu perdão ao papa, pediu
absolvição e foi absolvido e logo depois os dois morreram.
Qual a autoridade que esse papa representava para o seu inimigo? Os dois dentro da prisão,
os dois castrados, os dois reduzidos à escravidão, os dois submetidos a um regime de
privações que prometia matá-los em pouco tempo. Certamente não era uma instituição com
templos bonitos, com muito dinheiro. Não era isso. Era outra coisa. Se você não está pronto
a obedecer à autoridade desse papa na mina de prata, é melhor você nem ligar muito para o
outro papa que está aí, porque o que você está pensando como papa não é o papa. Você está
pensando no cargo dentro de uma instituição enorme, poderosa e milenar. Isso não é o papa,
isso é vestimenta do papa. Se o papa não tivesse... Você tem aí na sua frente um papa semi-
pelado, sangrando, capado, pronto para morrer. É esse que você tem que obedecer.
É claro que nós somos poupados desse destino. Nós todos, eu e você, somos muito felizes.
Nós não fomos submetidos a esse tipo de desafio. Nosso desafio é bem mais simples e,
mesmo assim, muita gente fica com medo dele e corre. Nós não estamos enfrentando o perigo
dessa devastação física a que esses mártires foram submetidos. Não, nós só temos uma
situação psicologicamente intimidatória, que é a situação de você sentir-se isolado e
incompreendido pelo seu meio.
Solidão Intelectual
Já me aconteceu de todas as pessoas que eu conhecia, todas, todas, com exceção da minha atual
esposa Roxane, me virarem a cara e ninguém querer nem falar comigo porque eu estava dizendo
uma verdade que eles não queriam engolir. E isso durou anos. E eu perdi assim todos os meus
alunos, todos os meus amigos, todo apoio, tudo, tudo, tudo. Fiquei absolutamente sozinho. Morri?
Não morri. Fortaleci-me muito com isso. O dia em que você entender que está dizendo que dois mais
dois e quatro, e todo mundo está dizendo que é cinco, fique tranqüilo, você vai ganhar. Pode demorar.
Pode até acontecer de, se você for muito azarado, ter uma vitória post mortem, mas eles vão perder.
Você tem de buscar a segurança no conhecimento da verdade, não no apoio da comunidade ou da
autoridade.
Autoridade real
A única autoridade é o próprio Senhor Jesus Cristo, que é o Logos Divino, que você poderá conhecer
por duas maneiras.
1. é por evidência intelectual, quando você começar a entender como a razão divina governa
o mundo, como é a estrutura da realidade. Você não vai entender no conjunto, mas alguma
coisa você vai entender.
2. é pela intervenção pessoal d’Ele na sua vida concreta, o que você obterá através da prece,
e não de espetáculos que fazem as pessoas chorarem.
Agora, se as pessoas se deixam levar por esse tipo de coisa, depois de ter estudado anos a fio
comigo, eu digo, que coisa! Quanta covardia existencial! Que medo da solidão! Que necessidade de
sentir que você está falando com Jesus, quando você está falando apenas com um vigarista! Isso já
aconteceu várias vezes para vários alunos meus e, graças a Deus, acontece cada vez menos.
Muitas dessas organizações criam em você o sentimento de pertencer a uma elite. Preste atenção:
você não pertence a elite nenhuma. Vocês vão compor uma elite pelas suas obras. Daqui a
dez, vinte ou trinta anos, quando tiverem feito obras de inteligência que justifiquem uma autoridade
sua, aí sim, começarão a compor uma elite. Agora, não! Você não pode pertencer a uma elite por
impregnação, só porque você freqüenta o lugar. Também, se o senso de pertencer a uma elite
lhe infunde alguma segurança, algum reconforto, é porque isso não é uma elite, é falso. A elite é
baseada no velho adágio “noblesse oblige”, a nobreza traz obrigações.
Formas de autoridade
Entenda que as fontes da autoridade são duas: há a autoridade da evidência, que é justamente o
que nós vamos buscar aqui, e que depende de muito treinamento até você começar a ter uma certeza
pessoal dessas coisas, e existe a autoridade de Deus, que se transmite através da tradição religiosa,
quando ela não foi rompida. No caso da Igreja Católica, ela não foi rompida totalmente e nunca
será. Enquanto houver um sujeito rezando missa, aquilo está funcionando. Mas toda a encarnação
social da autoridade já caiu. Essas organizações grandes, cheias de gente, com uns prédios bonitos,
ali mesmo é que não tem autoridade nenhuma. É de uma vacuidade assombrosa. Nós estamos
espiritualmente falando, na fase mais perigosa da História humana.
Por isso eu recomendo, para as pessoas que estão tentando realmente adquirir as condições de um
trabalho intelectual – este sim, de elite –, é imperdoável pertencer a qualquer dessas coisas e é
imperdoável não suportar o isolamento social, que não é um isolamento, na verdade, porque você
vai continuar vivendo no meio das mesmas pessoas. Pelo contrário, são esses movimentos que
gostam de isolar as pessoas do mundo, fazê-las perder o contato com família etc., e ainda
comprometê-las com o chefe, por um juramento de segredo. Dois mil anos de doutrina de Igreja
condenam qualquer segredo. O único segredo que a Igreja aceita é o da confissão. Se alguém lhe
fez um juramento secreto, é contra a Igreja, evidentemente. Agora, se o padre fez isso com você,
mas ao mesmo tempo ele reza a missa, é o seguinte: o juramento de segredo não vale nada e é
criminoso, mas a missa continua valendo.
Essas organizações católicas são as piores de todas porque elas usam dos meios criminosos junto
com instrumentos legítimos e válidos, e justamente nessa ambiguidade é que elas ganham
credibilidade. Quando digo pra fugir dessas coisas, de qualquer organização que seja, eu estou
dizendo o seguinte: cada um de vocês, que é um estudante e está se preparando, tem de arcar com
a responsabilidade do seu conhecimento, e tem de ajudar as pessoas em torno e ser paciente com
elas, não exigir que o compreendam.
E digo, com toda a sinceridade, você ser amado por todas as pessoas do seu grupo não vale nada
perto desta capacidade que você pode ter de compreendê-los e amá-los mesmo quando eles não te
compreendem, mesmo quando eles não gostam de você. Isto é o sentimento paternal por excelência.
Eu não estou pedindo recompensa porque eles não têm nada para me dar, eu é que tenho para dar
ajuda a eles, e esta é a minha obrigação. Se eles não gostarem de mim, não importa. Eu não estou
precisando desse reconforto.
A fé
A fé não é você buscar reconforto numa instituição rica e multitudinária, onde todos pensam igual,
choram igual, se dão as mãozinhas... Não é isso. A fé é a confiança numa pessoa que fez uma
promessa, e esta pessoa não está visível no momento. Ela age, eu garanto para vocês que ela age.
Nós vemos a ação, depois de algum tempo. Porém, não age sempre, age condicionalmente. Como
as pessoas não sabem qual é a possibilidade de resposta, elas ficam numa incerteza e, às vezes,
quando pedem alguma coisa, dizem “Jesus Cristo, me dê tal coisa se você achar que é conveniente.”
Mas espere aí. Jesus Cristo disse que, se você pedir a Deus-Pai em nome d’Ele, Jesus Cristo, Deus-
Pai atenderá. Então, se é uma coisa que você não pode legitimamente levar lá e pedir em nome de
Jesus Cristo com a autoridade de Jesus Cristo, não adianta você pedir. Se pedir coisas muito vagas
e incertas, é porque você não sabe o que está querendo. E como é que você vai levar a assinatura
de Jesus Cristo num requerimento cujo objeto é mais ou menos indefinido?
Então é isso: você não pode pedir uma coisa e dizer “Ah, me dê isso se você quiser.” Entenda que
tudo aquilo que é bom, Deus quer dar para você, tudo, tudo, Ele disse isso, Ele prometeu, e,
se você não confia nisso, você não tem fé. As coisas que tem de pedir são coisas objetivas, reais
e que você tem certeza que Jesus Cristo quer dar a você. Se não tem certeza, não peça.
Então, peça coisas de que realmente precisa e que são boas para você. Peça-as da maneira mais
explícita possível, em nome de Jesus Cristo O que significa pedir em nome de Jesus Cristo? Significa
chegar junto ao trono de Deus-Pai e dizer: “Olha aqui, Teu filho me garantiu.” Às vezes, só para
saber o que você quer, leva um tempo. Se você não tem a prática da meditação, da confissão
interior, do exame de consciência, muito menos você vai saber o que quer.
É por isso que eu faço dois pedidos por ano, se tanto, porque é só pra eu esclarecer. Eu tenho que
chegar lá com firmeza e clareza perante Deus, “Olha, estou pedindo isso em nome do Teu filho,
porque Ele me prometeu.” Mas se eu estou em dúvida, bom... Se você não sabe se quer ou não
quer, por que vai pedir? Por que jogar o problema de volta para Deus? Que estupidez! Isso é o não
pedir. Ou você quer, ou você não quer. Sim, sim, não, não. E a coisa pode vir pelos meios mais
inesperados e improváveis.
Essa experiência você vai ter mais tarde na sua vida, se não está tendo agora. Este é o conhecimento
baseado na fé. A fé é aposta que você faz numa pessoa em quem você confia. Você sabe que
ela o ama e você a ama, e que não há problema entre você e ela, não tem frescura. Não há frescura
entre você e Jesus Cristo.
Elementos da realidade
Quando você percebe a realidade, há ali três elementos: você, a realidade que você está
percebendo e o Espírito Santo, que está conectando os dois. Só tem esses três elementos, não
tem ninguém mais. Ninguém está vendo aquilo. Quando você tenta explicar aquela realidade para
outras pessoas, elas às vezes não compreendem, e às vezes até o matam porque você disse a
realidade. Viver na realidade é viver nessa conexão onde só há três elementos. Se você quiser mais
alguém, já complicou o negócio. Mas você pode e deve tentar ensinar essas pessoas, porque
não há a menor possibilidade de que as suas partes falsas, constituídas de meras ilusões da
cabeça, sobrevivam após a morte. A sua fantasia, a sua mentira, vai acabar. Só pode se conservar
aquilo que é real mesmo.
“Ah, mas o papa é infalível”. O papa é infalível em matéria de doutrina e moral, quer dizer, ele não
vai modificar a doutrina católica no sentido errado, mas é perfeitamente possível que um papa
perfeitamente legítimo erre em todas as suas decisões desde que elas não modifiquem a doutrina.
Qual foi a última modificação doutrinal, a última novidade doutrinal? Foi a ascensão de Nossa
Senhora, que foi proclamada no século 19. Depois disso não houve mudança doutrinal nenhuma. Os
papas não erraram, simplesmente porque eles não acrescentaram nada, aliás, o papa não está lá
para alterar as doutrinas, ele está para mantê-la e quando acrescentar alguma coisa tem de ser uma
coisa coerente com o resto. É infalível só nesse sentido, porém todas as decisões políticas, pastorais,
educacionais, podem estar todas erradas, podem ser um desastre
Então, nós temos de dar o nosso apoio espiritual a ele e não ficar pendurado na
autoridade do papa. O papa não garante ninguém. Você tem de aprender a solidão em
companhia, a solidão da responsabilidade intelectual, a solidão de quem sabe mais e de quem
arca com uma responsabilidade maior do que os outros e nunca fugir da companhia humana.
Mas também nunca esperar que as pessoas de mais baixo nível de consciência o
compreendam. É você quem deve compreendê-las, ajudá-las, corrigi-las e assim por diante,
ou seja, você não é mais irmãozinho de seus amigos, agora você é o pai deles.
Você está em um upgrade. Essa posição é muito honrosa. Certo, só que isto também
corresponde a um grau de solidão pelo qual indiretamente você participa dos padecimentos
de Nosso Senhor Jesus Cristo, porque nunca houve um sujeito que estivesse mais sozinho
no mundo do que Jesus Cristo na cruz, que estava sabendo de tudo e ninguém estava
entendendo de nada, e até os próprios discípulos saíram todos correndo, deram o maior
vexame. A cruz é o começo da nossa civilização e é a imagem em que todos nós nos
inspiramos, independentemente da nossa religião pessoal. Porque se você está dentro
desta civilização historicamente judaico-cristã, este é seu ponto de referência e todo
seu imaginário está condicionado aí.
De certo modo, o destino das pessoas que buscam o conhecimento é o próprio Cristo
na cruz, é a solidão, só que ele viveu isto de uma maneira muito pior do que nós, ele
não está nos jogando todo aquele peso nas costas, está? É só um pedacinho e notem que
o pedacinho que nós carregamos é muito menor do que carregou um Richard Wurmbrand, do
que carregaram tantos mártires. O que está sendo pedido a vocês é pouco, não afrouxem,
não se acovardem, não fiquem com choradeira! É uma grande honra poder fazer esse trabalho
aqui. Agradeçam a Deus. Por que logo eu fui escolhido para me dedicar a estes estudos, para
elevar a minha consciência, para ensinar? Não tem nada de choradeira.
Tudo isto, a dose, o mico que a humanidade está pagando nestas últimas décadas é o mico
universal, então nós estamos sendo poupados de pagar esse mico, não queremos fazer com
que a nossa vida seja uma palhaçada. E o único segredo disso é a sinceridade interior
que deve permanecer viva não somente nas horas das grandes decisões morais, mas
na própria busca do conhecimento. Você tem de confessar para si mesmo se o que você
está estudando, se o que você está lendo realmente corresponde com o que você sabe, com
o que você viu, mas não somente com uma parte do que você sabe. A sinceridade é o método
de buscar a verdade.
Perguntas
Se você pede uma coisa que é objetivamente má embora você esteja subjetivamente persuadido de
que é bom, como é que se coloca isso?
O que você está colocando é o problema da sinceridade. O que vai decidir isso é a sinceridade.
Agora, na linguagem corrente, as pessoas usam a palavra sinceridade para apenas designar o que
você faz quando você diz o que pensa, exatamente como o pensa, mas a sinceridade não se compõe
só disso, sinceridade não é só você dizer o que pensa, é pensar as coisas como elas
efetivamente se apresentaram.
É você aceitar o que a presença delas está dizendo por si mesma. Quer dizer, a sinceridade não
está só na emissão do que você diz, mas está também na percepção. Não há sinceridade na
emissão se não há sinceridade na percepção. Quer dizer, consciência falsa não tem sinceridade
alguma, apenas autoengano. Infelizmente na linguagem corrente as pessoas restringem o sentido
da sinceridade apenas à emissão, de modo que diz que ele tem de ser sincero só quando fala, mas
tem de ser sincero quando percebe também. Sincero ao receber, quer dizer, aceitar o que a realidade
está lhe dizendo.
É impossível que o sujeito que está, por exemplo, no narcotráfico, não perceba o dano e o sofrimento
que ele está espalhando para milhões de pessoas. Se ele não quer perceber isto, se ele não quer
perceber a realidade, ele está vivendo dentro de uma redoma de ilusões que ele mesmo criou para
seu próprio reconforto, então não há sinceridade aí.
Mesmo que ele diga exatamente o que ele pensa — digamos que o que ele pensa não reflete o que
ele percebe — há, mesmo assim, esses três elementos: dizer o que pensa, pensar como percebe
e perceber as coisas como elas são, ou seja, como elas realmente se apresentaram. Sem isso
não há sinceridade.
Então a sinceridade na percepção só se realizará se você tiver um amor à realidade, se gostar que
as coisas sejam o que elas são. Se você está querendo compreender uma pessoa, tem de gostar
que ela seja do jeito que ela é para poder conhecê-la, mesmo que ela seja errada, seja uma pessoa
chata, não interessa isso. Querer conhecer a pessoa como ela é, é deixar que o modo de ser dela
lhe fale alguma coisa.
O que pensar sobre os grupos que transformam a sociedade usando manipulação negativa de forças
que não são exatamente positivas, como as igrejas e os partidos de massa, o que está levando os
homens a perder sua humanidade transformando-os em cães tais quais o experimento Pavlov.
Olavo: Mas é isto mesmo! Você estupidificar o ser humano é uma coisa tão fácil. Eu vi uma vez um
sujeito fazendo a seguinte coisa: Estava lá dentro de uma seita e o sujeito conduzindo uma reunião
e o pessoal na seita fazendo um barulho desgraçado, ou seja, as práticas espirituais deles eram que
nem cachorro latindo. Isto era meia noite. Daí chegou um policial, chamado pela vizinhança, e ele foi
lá reclamar. O sujeito chegou lá e falou duas ou três coisinhas e fez dois ou três gestos e o policial
esqueceu o que ele tinha ido fazer ali! Programação neurolingüística.
Isso existe, mas claro que o policial vai acordar no dia seguinte e perguntar se: mas que diabos eu
fiz, porra?! Que nem o negócio na Itália, quando o sujeito chegava no caixa de banco, falava duas
ou três coisas meio sem sentido, e o caixa do banco começava a dar dinheiro para ele que pegava
e enfiava no bolso. Dez minutos depois o caixa acordava e pensava, “que coisa eu fui fazer?!”. O
efeito passa, mas na hora dura, e se você for submetido a isto uma vez, duas, três fica fácil viciar, e
não se consegue sair mais.
Eu já fui vítima disto, foi um sujeito que entrou nos meus cursos, pegou todos os meus alunos e ele
ficava me convidando para ir lá à seita tal, daí um dia, de tanto encher meu saco, eu fui e cheguei lá
estavam todos os meus alunos, e falei “e agora? No que eu fui me meter?”. Eu fiquei aterrorizado
com a coisa, eu não sei o que é isso, nem como eles fizeram isso. Daí eu pensei “vou ficar bem
quietinho aqui e observar”. E se eu tivesse ficado com medo de confessar que fui feito de trouxa, eu
estaria lá até hoje! Mas o capítulo um da minha história é que os sujeitos vieram e me fizeram de
trouxa legal! Eu não sou tão inteligente como vocês estão pensando! Eu sou inteligente numas
coisas, mas não inteligente em tudo o tempo todo.
Nunca vi ninguém começar a fazer este curso meu e começar a deteriorar. As pessoas melhoram,
entram nos eixos, melhora vida familiar, melhora tudo! Porque você está usando a inteligência que é
a única arma que você tem. Agora se você vai nessas impressões de santidade, daí já começou
a ficar idiota. É claro que sua vida vai pro buraco, mas você vai arrumar várias explicações,
tudo para não dar o braço a torcer de que você foi feito de trouxa.
Se decidir ficar, bem, você vai ter um destino muito singular. Você vai criar hostilidades absurdas,
desconfianças loucas (as pessoas de repente têm uma paranoia, começam a desconfiar de você –
claro que depois tudo passa, é tudo impressão de momento), mas isso pesa, isso atrapalha a sua
vida. E no começo, quando você é jovem, fica muito entristecido, porque vai sofrer tanta injustiça,
mas tanta, tanta, tanta — tudo por causo de frescura, de impressão de momento —, e que depois
passa! Passam dez anos, a pessoa vem pedir desculpa. Só que aí o prejuízo já foi. Não é? Isso vai
acontecer com você, mas isso vai fortalecê-lo.
Se tiver o caráter forte, o caráter segura a inteligência. A inteligência humana também tem uma coisa:
quando a condição é hostil e está tudo difícil ela, às vezes, consegue abreviar, dar saltos. Adquire
uma capacidade de aprendizado que não é normal e que normalmente você não teria. Então tudo
tem vantagem. Por exemplo, uma situação favorável, onde a sociedade o acolhe, ajuda-o,
paternaliza, pode ser boa para certas pessoas e pode estragar outras. E a sociedade que é hostil,
que não lhe dá nada e ainda toma alguma coisa, pisa em você, despreza-o, também pode ser boa.
Só que uma situação é boa pra uma coisa e outra é boa pra outra coisa.
Eu vejo que o pessoal americano, quando falha, é por caráter: a inteligência cresceu, mas o
caráter ficou mole. As pessoas aqui se chocam com pouca coisa. Por exemplo, chega lá no meio,
você está falando a coisa mais sábia do mundo, daí você puxa um cigarro pra fumar, pronto! as
pessoas estão decepcionadas com você.
Se a ciência médica e mídia, especializada ou não, costumam denominar depressão como sendo a
doença do século, que teria ela de espiritual?
Bem, eu acho que a depressão não é uma doença, ela é um sintoma que pode ser de muitas coisas
diferentes. E a coisa vai se traduzir num comportamento depressivo, que é uma espécie de recusa
de fazer para si mesmo os benefícios mais óbvios que você precisa. Porque o sujeito depressivo não
quer viver. Conheci casos de um camarada que se deitava na cama e se deixava morrer, ficava lá
seis meses, não levantava nem pra tomar banho, nem coisa nenhuma. Se não o tratassem, o sujeito
iria pro brejo.
Eu vejo que um fundo de depressão existe também em muitas dessas condutas de covardia. O
sujeito que busca muito a proteção quando não precisa, comporta-se como um adolescente quando
já é um homem adulto. Está negando a si mesmo certos direitos que tem! Eu vejo, por exemplo,
como as pessoas falam hoje: todas falam com uma vozinha muito fraquinha, às vezes meio
afeminada – e não é homossexualismo não, o sujeito não é gay, mas a voz dele sai fraquinha. Por
quê? Se já é um homem adulto, tem direito a uma voz de homem adulto, então use a voz! Quando
ficar velho vai perder mesmo, no fim da vida estará falando feito uma velhinha. Mas enquanto pode
desfrute!
Que há um elemento espiritual, há, mas não que possa ser resolvido em cada caso, porque esse
elemento espiritual está disseminado na nossa sociedade. Nós estamos na sociedade da negação
do espírito, da destruição do espírito, da total separação entre o homem e suas possibilidades
espirituais e até intelectuais superiores! E está sendo tratado como tal inclusive por aquelas pessoas
que teriam a obrigação de fazer o contrário.
Então a causa espiritual está disseminada e todos nós estamos convidados a uma depressão.
Só que se você está num ambiente um pouco mais deprimente que o dos outros, como acontece no
Brasil, é aí, meu filho, que você tem de levantar e dizer: “Não! Eu não vou ficar deprimido não! Não
vou ser infeliz não! Porque a minha felicidade está colocada num outro plano que essa influência não
atinge...”. E veja bem: tem uma música aqui, uma música irlandesa que se chama Count Your
Blessings – Conte as suas bênçãos, conte o que você recebeu – uma canção muito bonita: você
fazendo a conta do que você já tem e do que você já recebeu, já tem um capital mais do que suficiente
para ser feliz. Veja o número de pessoas que simplesmente gostam de você. Em geral todo mundo
está recebendo mais afeição do que precisa.
Eu sempre disse que eu não quero que ninguém gosta de mim. Eu não faço questão que ninguém
gosta de mim, porque a minha mulher gosta de mim, os meus filhos gostam de mim, meus cachorros
gostam de mim, minha mãe gosta de mim. Já é mais do que eu mereço! Que mérito tenho para que
todas essas pessoas gostem de mim? Eu não tenho mérito nenhum! Então, se vocês estão gostando,
estou levando vantagem! Você tem um cachorro? A afetividade de um cachorro é uma coisa que
preenche dez almas humanas! Quando você chega à casa e vê a alegria extraordinária com que
aquele bicho te recebe eu digo: “Meu Deus do Céu, eu largo esse coitado aí, às vezes até esqueço-
me de dar-lhe comida e ele me ama desse jeito!”.
Acho que, em geral, os seres humanos recebem mais amor do que precisam! Mas como eles julgam
a situação de acordo com uma demanda afetiva anterior, do tempo de infância, eles ficam achando
que precisam de mais e não precisa! Está mais do que suficiente! Agora, se você não reconhece –
porque tem gente que tem isso, tem pessoas que não são capazes de amar outra pessoa, que não
são capazes de serem amadas! Por mais que você ame o desgraçado ou a desgraçada, eles não
sentem! Daí sabe o que você tem de fazer? Tem de bater na pessoa! “Você acha que eu estou com
raiva de você, agora vou te mostrar o que é a raiva!”
Aluno: Depressão não pode ser traduzida como ingratidão, especialmente ingratidão a Deus?
Olavo: Certamente tem este componente! Mas você não pode ser grato a uma coisa que você não
sabe que você recebeu! Daí o negócio do Count Your Blessings – conte o que você já tem. Conte o
que você já recebeu. Por exemplo, uma vez, veio uma pessoa pra mim e falou: “meu pai não fez
nada por mim, ele me abandonou logo quando eu era criança”. Bem, mas ele gerou você, não gerou?
Você poderia fazer isso por você mesmo? Então no mínimo, o pior dos pais fez isso por você – que
é infinitamente mais do que você poderia fazer.
Então esta gratidão você tem de ter. Quem disse que, naquele dia, precisamente, Seu Fulaninho
tinha que ir para a cama com a Dona Fulaninha e criar justamente EU? E por que tinha que ser eu
no meio de tantos milhões de espermatozoides que estavam lá no depósito? A consciência que você
tem de ter de a sua existência não ser necessária e que você poderia não existir — isso aí você
nunca pode tirar da cabeça —, isso é uma realidade. Você existe por um ato arbitrário do amor divino.
Só de você lembrar-se disto: “Pô, eu existo! Caramba! Eu poderia fazer isso por mim mesmo? Não
posso!”.
Isso aí deve ser um elemento de meditação constante, porque isso o encaixa dentro da estrutura da
realidade das coisas, onde você vê que há coisas que acontecem necessariamente; dadas certas
causas, outras se seguem necessariamente. Porém, o nascimento de um ser humano é
geneticamente inexplicável! Porque na hora que estão lá os dois transando, sai um montão de
espermatozoides! Que podia ser o seu vizinho, podia ser outra pessoa! Por que fui eu? A genética
não vai explicar isso jamais! Não há lei que determine isto!
Benefícios x Retorno
Se as pessoas recebem um monte de benefício e não precisam fazer nada para pagar o benefício,
ela vai se sentir insatisfeita e ainda vai querer mais! E quanto mais der, mais está se criando um
desequilíbrio de direitos e deveres! Então se não lhe deram obrigações, deveres morais a cumprir,
você busque algum! Então se não lhe deram obrigações, deveres morais a cumprir, você busque
algum!
Outro dia mesmo eu estava lendo uma obra do Jacob Wassermann onde há uma senhora, que é
uma mulher muito inteligente, notável, uma bela personalidade, e tem um chato de galocha que se
apaixona por ela. Ele fica lá e não larga, e não larga, e não larga, e a mulher desesperada: “como é
que vou fazer pra me livrar desse sujeito?”. Até que um dia ele chega, invade o apartamento dela,
põe um revólver na cabeça e diz que vai se matar se ela não der pra ele! Daí ela diz: “Quer saber?
Você se mate, não vale nada mesmo!”. E aí o sujeito se toca! E ela fala: “Vai cuidar da sua vida!
Sabe o que você tem de fazer? Você tem de se impor alguma obrigação para você valer alguma
coisa!”. E o sujeito sai agradecendo à mulher dizendo: “Muito obrigado, você salvou a minha vida!
Pode deixar que eu não vou mais amolar a senhora, vou fazer a minha vida agora”. Estava faltando
pra ele esse sentimento da obrigação autoimposta que faz você respeitar um pouquinho a si mesmo.
Sem isso você entra na depressão! E é isso o que está faltando para as pessoas! Você enche os
sujeitos de benefício e nada é exigido. Ou, às vezes, são exigidas certas obrigações absurdas, que
são de natureza puramente egoísta. Também exigem que se treine para ter um bom emprego ou
exigem que a pessoa suba na sociedade! Fazem o sujeito se envergonhar quando ele está sem
dinheiro. Mas isso é corromper mais o sujeito! Ele tem de exigir de si mesmo alguma coisa que
justifique minimamente os benefícios recebidos, não da vida, não de Deus, mas da própria sociedade
humana. Se não se impõe as suas obrigações você entra na depressão sim!
Porque está vivendo na injustiça e daí entra naquele discurso interno de acusação e defesa em que
ora você se sente totalmente injustiçado, ora se condena por todos os pecados do mundo. Todos os
erros humanos vêm do pensamento! Porque as pessoas estão querendo mais pensar do que
perceber a realidade. O pensamento, de fato, deve ser reduzido ao mínimo! Agora o curioso: pensar
dá trabalho, perceber não dá trabalho nenhum, é só deixar acontecer. E isso é a base da disciplina.
Agora, a presença total também implica o seguinte: não fugir da realidade, não fugir da
sociedade onde você está.
Entender... “A sociedade está horrível” – sim, mas esta é a minha vida. Deus me pôs no meio desta
miséria, esta miséria é a minha vida! Então daqui eu vou tirar os elementos com que vou criar
uma coisa melhor. Levar pedrada e devolver afagos. Levar cocô e responder com flores ou
diamantes. É isso o que há a fazer. Fazer cada vez o melhor com o material ruim que tem em torno.
Não busquem refúgio psicológico. Acreditem, eu juro, vocês não precisam disso! O ser humano é
imensamente forte na sua independência interior quando ele está ligado na realidade das
coisas. Ninguém precisa de tanta afeição, de tanta proteção quanto as pessoas imaginam. É o diabo
que espalha essas idéias: você é um coitadinho, você precisa de apoio, nós trouxemos aqui a solução
dos seus problemas, Jesus Cristo o chamou – ou Alá o chamou, ou Buda o chamou... Palhaçada
gente!