Cof Aula 010 - 20090613

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Curso Online de Filosofia

OLAVO DE CARVALHO
Aula 10
13 de junho de 2009

[verso provisria]
Para uso exclusivo dos alunos do Curso Online de Filosofia.
O texto desta transcrio no foi revisto ou corrigido pelo autor.
Por favor no cite nem divulgue este material.

[COF2009061309]

Ol, boa tarde a todos. Vamos comear mais uma aula. Prosseguindo ainda o tema da
aquisio de cultura literria e filosfica que ns estvamos tratando nas outras aulas, eu queria
hoje enfatizar duas coisas:
Primeiro, em todo pas, alm da classe intelectual que est em exerccio, existe uma opinio
pblica letrada um certo crculo de pessoas que tem uma certa cultura histrica, literria,
cientfica etc., e que podem receber e julgar os produtos dos novos escritores, filsofos etc. No
Brasil isso no existe mais. Isso foi abolido. H pelo menos quarenta anos isso desapareceu,
no h um pblico letrado ao qual voc possa se dirigir. E pior ainda, o topo, a parte superior
deste pblico, que seria o crculo dos intelectuais propriamente dito, a rigor tambm no
existe. O que existe um grupo ativista militante que, atravs do processo conhecido como a
revoluo cultural gramsciana, foi ocupando espaos este um termo tcnico deles em
todas as universidades, instituies de cultura etc., e que desempenham perante o pblico geral
um papel que simula o da classe letrada. A classe letrada o conjunto de pessoas que por ter
cultura, por ter informao, est mais ou menos habilitada a separar o que faz sentido do que
no faz sentido, e criar mediante essa seleo uma espcie de senso comum superior da
sociedade. Como esta turma militante ocupou todos os espaos, hoje ela desempenha, perante
o pblico, o papel dessa classe letrada superior. S que ela no letrada, ela no preparada;
aquilo um bando de ignorantes. No entanto, para quem mais inculto ainda do que eles,
para o pblico em geral ou para o estudante que chega a uma universidade, esse crculo de
indivduos desempenha a autoridade que seria da classe letrada.
Isso criou uma situao muito especfica, muito peculiar, no Brasil: as opinies desse grupo de
ignorantes funcionam para a populao como se fossem a prpria expresso da cultura
superior. S que essa cultura superior no existe mais. Eu no estou brincando, no uma
maneira de dizer, no um insulto, uma descrio objetiva de um estado de coisas. Eu
asseguro para vocs que, na USP, por exemplo, na parte de cincias humanas que a parte
que eu acompanho; eu no acompanho o que est se passando na biologia, na fsica, na
engenharia; mas na parte de filosofia e cincias humanas, a gente acompanha no s o que est
acontecendo na USP, mas tambm o que acontece em outras universidades do pas no h
um s professor com menos de sessenta anos que seja sequer alfabetizado. Eu asseguro isto
para vocs. Eu nunca li um escrito de um desses sujeitos que no fosse abundante em erros de
gramtica primrios, bocs, coisa de criana. Isso significa que toda esta ostentao de

autoridade intelectual deles toda falsa.


Note que isso no aconteceu nunca em pas nenhum. Aqui nos EUA realmente no acontece
isso. O que voc tem a ocupao do espao pelo pessoal esquerdista, mas esse pessoal
esquerdista recebeu efetivamente alguma formao. Eles s se distinguem dos outros por
serem esquerdistas; s vezes, por serem pessoas desonestas etc., mas nunca se pode dizer que
so incultos. Isso no existe aqui, isso impossvel. Os livros que so usados para o ensino
secundrio na parte de lnguas, literatura etc., por exemplo. Eu garanto que o ensino
secundrio aqui d mais cultura para o sujeito do que ele pode adquirir na USP, ou na
Unicamp, ou qualquer universidade brasileira. O aluno de ginsio dos EUA tem mais cultura
do que os professores universitrios brasileiros. Essa uma verdade, uma coisa que pode ser
demonstrada objetivamente, cientificamente.
O que est acontecendo no Brasil que essa autoridade desempenhada por um crculo de
farsantes, iletrados, semi-analfabetos, sobre outros que so mais analfabetos ainda, cria uma
inibio mental, uma paralisia cultural, que uma coisa catastrfica. E dentro disso que vocs
esto vivendo. No se iludam. Por exemplo, quando essas pessoas, esses professores
universitrios, pretendem posar como se fossem os porta-vozes do que a cultura superior no
s no Brasil, como no mundo, eles esto enganando vocs, eles no tm cultura nenhuma.
Essa semana eu pude verificar isso novamente quando, ao ler brevemente um artigo publicado
na USP em defesa dos estudantes que fizeram aquele quebra-quebra l sob o ttulo A
universidade no caso de polcia, assinado por um tal de Vladimir Safatle, professor de
filosofia na USP. Eu fui verificar quem era o tal de Vladimir Safatle e qual era a produo
intelectual dele. Havia uma lista de artigos acadmicos, que aparece no Currculo Lattes, onde,
infelizmente, ele colocava um link para cada um desses artigos, dando acesso produo
cerebral total dessa criatura. Eu li vrios dos seus trabalhos acadmicos e, se eu j estava
espantado com o que ele dizia no artigo publicado na Folha de So Paulo, fiquei mais
espantado ainda com a produo acadmica do cidado, onde o uso do vocabulrio usual da
Escola de Frankfurt somado a Jacques Lacan e mais meia-dzia de outros dava um ar de
refinamento intelectual para a coisa, coexistindo com erros de gramtica brutais, e com
primores de inconscincia e de incompreenso que seriam mais dignos de se encontrar em um
ginasiano, em um adolescente. No obstante, eu asseguro para vocs que o Vladimir Safatle
aquele onde eu encontrei menos erros de gramtica no artigo acadmico que eu irei
comentar devia ter apenas uns sete ou oito; em geral, a mdia cinquenta, sessenta e, por
incrvel que parea, o sujeito no era totalmente incapaz, ele demonstrou alguma capacidade.
Eu consideraria o Vladimir Safatle um sujeito qualificado para ser meu aluno, para sentar a,
ouvir e aprender comigo e se tornar gente. Pelo que a gente v do trabalho dele tudo que esse
sujeito leu foi aquele crculo de autores regulamentares que so praticamente obrigatrios para
todos os intelectuais esquerdistas de hoje: Escola de Frankfurt, Michel Foucault, Jacques
Lacan, e isso tudo. Eu duvido que esse sujeito tenha lido, algum dia, alguma obra literria,
porque o mau gosto com que ele escreve uma coisa incrvel. No possvel que algum que
tenha lido Cames, Cervantes etc., depois escreva assim. Ele aprendeu a escrever com os seus
mestres, e os seus mestres so esses; ento basta aprender assimilar aquele vocabulrio deles,
aquele jargo deles e voc parece estar falando uma coisa sria. Esse o estilo padro dos

professores da USP, todos escrevem assim. Uns pior, outros melhor, mas tudo assim. uma
coisa absolutamente impressionante essa exibio de misria mental.
Eu vou tomar aqui a liberdade de ler para vocs umas observaes que eu fiz a respeito, e que
eu pretendo publicar depois no Dirio do Comrcio. Como um artigo longo que vai ter de
ser subdividido, provavelmente ainda vai levar algum tempo para que chegue ao Dirio do
Comrcio, mas eu quero que vocs tomem conhecimento disso antes.
Esta primeira parte da aula, essas coisas que eu estou explicando agora, so apenas para
vocs tomarem conscincia cada vez mais aprofundada da misria cultural, moral e humana,
dentro da qual vocs vivem, e da qual vocs vo ter de se libertar. Vocs vo ter de sair deste
lamaal, erguer-se acima dele, dominar a situao, no s intelectualmente, mas
existencialmente no permitir que essa porcaria toda os contamine, os deprima, os
desencoraje, ou os corrompa. Esse ponto, no nosso curso, mais importante at do que o
aprendizado positivo do que ns estamos passando.
[00:10]

O maior problema para vocs o da constituio da personalidade moral e intelectual de cada


um. Sem isso vocs no aguentaro, iro se corromper, vocs chegaro aos quarenta anos e
estaro to medocres quanto essa gente. Isso se no realizarem o prodgio de se tornarem
ainda piores do que eles logo em um ou dois anos, como aconteceu com vrios alunos meus
que passaram dois ou trs meses no curso e saram dando palpite por a. Naquela poca em
que isso acontecia eu sempre avisava as pessoas: olha, eu no tenho alunos, eu s tenho
pblico. Porque aluno o sujeito que segue o seu ensinamento, aprende com voc durante
cinco, dez, quinze, vinte anos. Isso normal em filosofia. Quando voc pega um professor
para aprender com ele, voc vai segui-lo a vida inteira. E depois, voc vai continuar o que ele
fez em um nvel maior, s vezes at contestando, corrigindo vrios pontos dele. Isso o
aprendizado normal. Como Aristteles, que segue Plato durante vinte anos e depois o
corrige. Isso que o normal em filosofia. O sujeito que assiste algumas aulas no um aluno,
ele um pblico apenas. Vocs entraram neste curso na condio de alunos, efetivamente.
Pelo menos isso que se prope a ser. Isso j os coloca em uma situao um pouco diferente
das pessoas que assistiram aulas em outras pocas. Se bem que eu tenho alguns alunos que me
acompanharam durante muito tempo; mas eles no tinham o compromisso formal que vocs
tm, e isso vai fazer toda a diferena. Porque vocs tm um compromisso que no comigo,
mas com a sua prpria formao. Vocs vo ter de atingir certos resultados intelectuais,
existenciais e morais.
Eu vou ler isso aqui para vocs apenas como amostra da situao:
Os exemplos da inverso psictica de sujeito e objeto so to abundantes na produo escrita
dos intelectuais revolucionrios, que a nica dificuldade para encontr-los o embarrass de choix
(a dificuldade de escolha). O caso que vou comentar aqui interessante porque ilustra esse
mecanismo em dois nveis ao mesmo tempo: na reao de um professor de filosofia aos
acontecimentos imediatos e na sua anlise de transformaes sociais mais durveis e profundas.
Quando os alunos da USP, pela milsima vez, ocuparam o prdio da instituio, depredando o
que podiam e intimidando seus colegas e professores para que interrompessem as aulas e

aderissem ao quebra-quebra aes que a prof. Olgria Matos, muito significativamente,


definiu como manifestao pacfica , o prof. Vladimir Safatle, da Faculdade de Filosofia,
protestou contra a interveno policial que ps fim ao ataque, rotulando-a de brutalidade
securitria e demonstrando que normal entre os professores daquela escola no saber
distinguir, na escolha do seu vocabulrio, entre questes de segurana pblica e a indstria de
seguros.

Securitrio no se refere segurana pblica, se refere indstria de seguros. Como que um


professor de filosofia um homem que j est com trinta e seis anos, ele no uma criana
domina to pouco o seu vocabulrio a ponto de usar uma coisa dessas? Em uma redao
escolar isso j no admissvel. Em um escrito de professor de filosofia que pretende opinar
sobre questes pblicas importantes e influenciar a opinio do povo, isso o sinal de uma
inpcia criminosa, porque uma inpcia que ele no tem o direito de ter. O sujeito que posa
como profissional qualificado de certa rea e no tem a capacidade para aquilo um charlato,
um vigarista, e tem de ser expulso da profisso. Isso muito importante. Ele no tem o
direito. A profisso intelectual uma profisso nobre, digna e muito exigente. Ningum
obrigado a ser intelectual. Ser intelectual traz um certo prmio social, certa respeitabilidade,
certa posio. s vezes no d muito dinheiro, mas traz uma respeitabilidade e d uma
autoridade. Se algum no est qualificado para isso e exerce essa autoridade, um charlato.
O procedimento desse sujeito no admissvel. Eu no estou discutindo as idias dele, no
estou entrando na questo. Se vocs querem descobrir uma discusso sobre o quebra-quebra,
leiam o artigo do Reinaldo Azevedo que est muito bom. Ele discute isso do ponto de vista
poltico, ideolgico etc. No disso que eu estou falando. Eu estou assegurando para vocs: o
Vladimir Safatle no est qualificado para ensinar filosofia e para opinar sobre o que quer que
seja. Eu vou demonstrar isso para vocs:
Depois dessa performance quase presidencial, ele ainda se julgou habilitado a avaliar o
desempenho intelectual dos estudantes, jurando que no eram simples arruaceiros, mas alunos
aplicados, empenhados em altas tarefas cientficas. Tendo examinado alguns trabalhos
acadmicos da lavra do referido, cheguei concluso de que ele tem toda a razo ao qualificar
de bons alunos os depredadores, pois sem a menor sombra de dvida eles aprendem o que ele
ensina.
A ttulo de amostra, examinemos o estudo Certas Metamorfoses da Seduo: Destruio e
Reconfigurao do Corpo na Publicidade Mundial dos Anos 90, reproduzido no site do autor,
http://www.geocities.com/vladimirsafatle, entre outras efuses do seu intelecto brilhante. No
um trabalho de filosofia, mas de sociologia da publicidade, um ramo bem mais modesto de
conhecimento. Sem exigir-lhe cobardemente algo que se assemelhe a uma filosofia, coisa que
nenhum membro do seu departamento jamais teve e que absolutamente dispensvel em quem
deseje ali posar como filsofo, vejamos como o professor se sai na anlise de um fenmeno
limitado e historicamente bem localizado.
Ele comea por observar que, no perodo mencionado, a imagem do corpo humano nos
anncios publicitrios mudou muito. Em vez do corpo como imagem estvel e positiva da
pessoa, apareciam agora duas novidades: de um lado, o corpo como entidade fluida e mutvel,
sujeita a toda sorte de alteraes (piercings, pinturas extravagantes e at mutilaes); de outro,

o corpo como imagem da sua prpria destruio pessoas desalinhadas, mulheres plidas com
roupas sombrias, homens com aparncia de doentes, de cocainmanos, de moribundos e at de
cadveres. Para dizer isso, ele leva mais de dez pginas, em estilo intragvel, com razovel dose
de erros de gramtica e farto uso de uma terminologia pedante que deve lhe parecer muito
cientfica e olhem que Safatle um dos homens mais inteligentes que j passaram por aquela
subseo do Instituto Butant. Mas o interessante vem quando ele passa a explicar as causas do
fenmeno. Para ele, a destruio do corpo na publicidade reflete um astuto mecanismo da
lgica do mercado que, vendo esgotado o potencial das imagens estereotipadas de beleza e
integridade corporal usuais nos anos 60, decidiu incorporar os elementos de rebelio e
inconformismo, de modo a neutraliz-los mediante rupturas internas controladas e coloc-los
a servio de novos processos de mercantilizao da negatividade.
Para chegar a essa concluso, ele confessa que usou mtodos lacanianos de investigao
segundo os quais a imagem corporal de cada um construda por introjeo de padres
estereotipados vindos do exterior, da maldita sociedade. Isto significa fundamentalmente que a
experincia de produzir uma imagem corporal alienao de si no sentido de submisso da
referncia-a-si referncia-a-outro... (frase maravilhosa na qual eu mesmo, fazendo-me de coautor, tive de colocar a crase para que se tornasse relativamente inteligvel). No h
prossegue Safatle nada de prprio na imagem do corpo. Lacan dir que o corpo prprio, na
verdade, corpo do Outro. Quando a repetio das imagens corporais positivas [00:20]
transformou a publicidade em alvo maior da crtica ideologia da sociedade de massa,... esta
crtica foi logo assumida pela prpria publicidade. Tratava-se de uma publicidade que
ridicularizava a prpria publicidade e certos aspectos da cultura de consumo.
Os dois elementos em jogo so a a cultura de massas do capitalismo tardio, com sua
estereotipagem positiva das imagens corporais, e a crtica cultural que se volta contra esses
esteretipos com um radicalismo que, seguindo o exemplo de Lacan, no hesita em destruir a
prpria noo de imagem corporal pessoal, acusada de ser uma camuflagem da dominao
psquica imposta pelo Outro ao infeliz portador da imagem. Dessa oposio resulta, segundo
Safatle, a sntese que nos anos 90 absorve e instrumentaliza a destruio do corpo,
transformando o que era inicialmente crtica cultural em novos processos de mercantilizao.
Essa anlise pode funcionar como exemplo daquilo que, na USP, passa como alta manifestao
de inteligncia e at como trabalho cientfico.

Note que o pessoal constri o seu Currculo Lattes publicando coisas como essa e da diz:
est aqui o meu currculo cientfico.
Mas vejamos como a coisa funciona realmente.
Os conceitos lacanianos usados na anlise j so, por si, exemplos claros de inverso psictica.
Dizer que a imagem do eu se forma por introjeo de padres exteriores e da concluir que isso
configura uma alienao obviamente autocontraditrio. Se a imagem do eu no existe antes
da introjeo, no h nada que esta possa alienar. Ou a introjeo dos padres exteriores a
prpria origem da imagem, ou a sua alienao: as duas coisas ao mesmo tempo ela no pode
ser de maneira alguma, a no ser na hiptese de que exista um eu substancial metafsico anterior
sua prpria construo como auto-imagem hiptese que todo materialista (como Lacan e
Safatle) tem de rejeitar in limine.

Partindo do princpio de que a imagem corporal alienao, a nica coisa decente que resta a
fazer destru-la, evidentemente. Pode-se fazer isso com piercings, mutilaes, ou com ataques
lacanianos sociedade malvada que impingiu ao sujeito aquilo que, no seu isolamento de
menino-lobo, ele no poderia adquirir de maneira alguma: um eu, com sua devida imagem
corporal. Para que da destruio da imagem estereotipada pudesse surgir um verdadeiro eu,
seria preciso que este existisse antes e independentemente da introjeo, com o que voltamos
hiptese metafsica lacanianamente inaceitvel. Mas, se a destruio no visa a desenterrar da
massa dos esteretipos um impossvel eu autntico, ento claro que a destruio s tem
como objetivo a prpria destruio um mecanismo que Hegel j previra com muita
antecedncia (h um artigo meu, Uma lio de Hegel que explica tudo isso. Disponvel em
http://www.olavodecarvalho.org/semana/081114dc.html). No legado da escola de Frankfurt,
mais ainda quando enfeitado de lacanismo, a destruio , com efeito, a nica ocupao decente
a que, no inferno geral do capitalismo tardio, se podem entregar as pessoas boas e inteligentes
como o prof. Vladimir Safatle e seus aplicados alunos da USP. O que o professor no suporta
que to boas intenes tenham sido maquiavelicamente absorvidas e instrumentalizadas pelo
capitalismo tardio e transformadas em meios de incentivar o consumo, aumentar a produo
e espalhar riquezas. Isso mesmo um insulto intolervel.
Deixando de lado agora a referncia lacaniana e examinando a contribuio pessoal do prof.
Safatle ao entendimento dessas prfidas astcias do capitalismo tardio (expresso que por si j
denota uma inverso milenarista da percepo do tempo, como expliquei no artigo A Histria
segundo Godot disponvel em http://www.olavodecarvalho.org/semana/030816globo.htm),
observo, desde logo, que no metodologicamente admissvel atribuir aes de transformao
social a entidades genricas abstratas sem ter na mnima conta os agentes individuais e grupais
concretos envolvidos no processo. O autor da transformao assinalada pelo prof. Safatle no
o capitalismo tardio, mas sim a classe publicitria. Foram publicitrios e no uma
assemblia de acionistas, muito menos o esprito do capitalismo que escolheram as novas
imagens de gente com cara chupada, olheiras e barba por fazer que se substituram aos
saudveis papais e mames e s beldades esfuziantes dos anncios dos anos 60. Para saber por
que um grupo social fez isto ou aquilo, preciso investigar suas idias e crenas dominantes.
Por que os publicitrios mudaram assim o teor das imagens? Que tipo de idias esses
profissionais adquiriram nas faculdades de comunicaes? Teriam sido suas mentalidades
moldadas segundo a lgica dos novos processos de mercantilizao ou segundo os cnones da
crtica cultural e da destruio lacaniana do corpo? Emergiram eles dos bancos escolares
imbudos da lgica do lucro ou do dio revolucionrio sociedade, cultura, a tudo quanto
existe? O prof. Safatle deveria conhecer melhor seus prprios alunos. Se h uma coisa bvia
neste mundo que poucas classes odeiam o capitalismo tanto quanto o proletariado elegante da
indstria cultural. Ento, das duas uma: ou esses infelizes foram obrigados por astutos patres a
abdicar da pureza da sua crtica e a transform-la em instrumento de dominao capitalista, ou,
ao contrrio, a mudana assinalada pelo prof. Safatle reflete exatamente o oposto do que ele diz
em vez de uma astcia capitalista que instrumentaliza a destruio, a destruio que se
apodera dos instrumentos da cultura de massas para impor-se como padro dominante a toda
sociedade existente.
Aqui observa-se o mesmo fenmeno de delrio autoprojetivo que j assinalei em Pierre
Bourdieu (v. Um guru da educao brasileira, Dirio do Comrcio, disponvel em
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090204dc.html
e
sua
continuao
em
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090212dc.html): para que os capitalistas dominassem
hegemonicamente a crtica cultural ao ponto de poder neutraliz-la por uma estratgia como a

sugerida pelo prof. Safatle, seria preciso que, em cima da classe dos revoltados produtores
culturais, houvesse uma outra classe intelectual mais esperta ainda que, a servio do capitalismo,
escravizasse sutilmente essas pobres vtimas, obrigando-as a trabalhar pelo contrrio do que
desejam, fomentando a economia em vez da destruio. Para que isso fosse possvel, seria
necessrio que esta classe de super-intelectuais tomasse a totalidade da crtica cultural como
objeto de anlise, produzindo uma bibliografia cientfica pelo menos to vasta quanto ela
mesma, acrescida de complexos planos estratgicos para o seu aproveitamento inverso. Em vo
o prof. Safatle procurar na bibliografia acadmica ou em qualquer outra parte do universo os
sinais de estudos dessa natureza. Essa coisa simplesmente no existe.

Vocs podem procurar. Encontrem algum trabalho que diz: existe a uma crtica cultural
desenvolvida pelo pessoal da esquerda, mas ns podemos peg-la e instrumentaliz-la e
transform-la em instrumento de lucro para ns, de maneira que ns vamos neutralizar esses
camaradas. Podem procurar estudos dessa natureza; no existem. Pode ser que algum tenha
tido essa idia, ento tem um escrito, dois... mas como que voc pode pegar uma tradio
universitria inteira que a que vem da crtica cultural da Escola de Frankfurt at Lacan,
Foucault etc. e absorv-la dentro de uma estratgia sem que para isso voc faa estudos,
anlises, planejamentos estratgicos, crie o pessoal qualificado para fazer a operao? Nada
disso existe.
O que existe, sim, uma biblioteca mastodntica de estudos culturais com ataques
furibundos cultura do capitalismo (essa a bibliografia abundante). Ento, das duas uma: ou
o gnio maligno do capitalismo produziu toda essa estratgia e a colocou em ao de maneira
totalmente imaterial e invisvel, por meios telepticos, sem precisar de estudos, de anlises, de
planejamentos estratgicos ou de qualquer outro recurso usual nas aes humanas, ou ento o
fenmeno de mercantilizao da revolta tal como o prof. Safatle o descreve simplesmente no
aconteceu.
O que aconteceu, em vez disso, foi que milhares ou milhes de estudantes universitrios
intoxicados de crtica cultural, de frankfurtismo e de lacanismo saram da faculdade, ocuparam
todos os postos altos e baixos da indstria publicitria e a injetaram sua ideologia da
destruio. O prprio prof. Safatle, embora no seja profissionalmente um publicitrio, um
estudioso da rea e portanto faz parte dessa classe. Ele mesmo foi um dos agentes do processo.
No a imagem do corpo que sempre dos outros: a culpa pelas aes dos intelectuais
enrags.
A pretensa anlise que o prof. Safatle faz das transformaes da publicidade um exemplo claro
de paralaxe cognitiva deslocamento entre o eixo da construo terica [00:30] e o eixo da
experincia real levada ao extremo da inverso total de sujeito e objeto, na qual uma classe
agente e militante atribui suas prprias aes mais bvias autoria da entidade genrica e
abstrata que ela imagina combater: o capitalismo tardio.

Ou seja, tudo aquilo que ns fizemos contra o capitalismo tardio, no fomos ns que
fizemos, foi o capitalismo tardio que nos obrigou a fazer para ganhar dinheiro em cima de
ns.
Como exatamente a prtica reiterada e obsessiva dessa inverso que o prof. Safatle ensina a
seus alunos na USP, no espanta que, quando eles se pem a quebrar tudo e a atemorizar seus

colegas, ele os veja como empenhados na mais alta e nobre das ocupaes humanas, sem
declarar j que est escrevendo para um pblico de fora do grmio que essa ocupao
simplesmente a destruio. Quem quer que tente impedi-los de fazer isso um agente da
opresso capitalista, com o agravante de nem mesmo pratic-la com a astcia maquiavlica dos
instrumentalizadores da crtica cultural, mas sim com abominvel brutalidade securitria. O
que os professores de filosofia e cincias humanas fazem na USP simplesmente moldar as
cabeas dos alunos segundo o padro da sua prpria alienao da realidade, do prprio divrcio
entre suas pomposas idias e sua existncia concreta de sujeitos agentes. Eles no sabem o que
fazem, e ensinam seus alunos a ignor-lo tambm. Que por isso recebam dinheiro pblico e
ainda acreditem ser merecedores de alta considerao, no de maneira alguma uma conduta
respeitvel: uma sem-vergonhice pattica.

Pessoas com essas cabeas dominam todo o panorama cultural brasileiro e, portanto, dominam
a formao da mentalidade. E elas exercem nessa sociedade a mesma funo que a opinio
letrada normal desempenha em outra sociedade. Ento, por exemplo, a opinio letrada tem de
ser capacitada para saber se uma determinada opinio que entrou em circulao uma coisa
razovel, admissvel, que pode ser discutida, ou apenas uma extravagncia, uma aberrao.
Note bem que, na estratgia do Antonio Gramsci, existe um uso muito especfico do termo
aberrao; quer dizer, qualquer coisa que saia do tipo de dilogo fechado e limitado a que
eles esto acostumados declarada aberrao. O povo que est ouvindo a conversa no sabe
que o termo aberrao a est sendo usado como, vamos dizer, um termo tcnico
gramsciano, e pensa que uma aberrao porque sai da normalidade da cultura humana, a
qual no existe mais ali.
O que est acontecendo um impedimento efetivo ao desenvolvimento da inteligncia,
criao de uma classe letrada sria. Isto uma usurpao, em que um crculo relativamente
pequeno eu creio que so umas dez mil pessoas no mximo se apoderam dos meios de
cultura, dos meios de ensino, e reduzem todo mundo ao seu prprio nvel de inpcia e, como
eles agora representam a classe letrada, eles desfrutam da mesma autoridade que uma classe
letrada normal teria em outras circunstncias. Ou seja, uma farsa doente, uma coisa
mrbida. Isso no pode continuar. Ns no podemos mais aceitar que essas pessoas posem
dessa maneira. Ns temos de tirar essa gente da profisso intelectual e transform-los em
trabalhadores, mandar esses camaradas trabalhar. Dizer, por exemplo: Vladimir Safatle, voc
no tem qualificao intelectual para ser professor de nenhuma Universidade. Voc, no
mximo, pode ser professor de geografia no ginsio, ou professor primrio. Isso o mximo
que voc pode fazer. O certo seria sair da profisso intelectual totalmente.
O sujeito, por exemplo, est lendo Lacan, e ele l aquela coisa: olha, a imagem corporal que
voc tem foi imposta a voc pela introjeo de esteretipos sociais. A eu digo, muito bem,
ento isso quer dizer que o meu eu foi criado por essa introjeo. Eu no teria um eu;
quer dizer, se eu vivesse sozinho, um menino lobo criado por lobos ou orangotangos eu no
teria esta imagem corporal, eu no teria este eu, e o eu surge ento inteiramente dessa
introjeo. Mas se a introjeo que gera o eu, como que ela pode alien-lo ao mesmo
tempo? Alienar tirar uma coisa que sua e passar para o outro. Mas se voc no tinha
nenhum eu antes, como que pode o prprio mecanismo que est gerando o seu eu ser
alienao? Se dissesse assim: voc nasce com um eu substancial metafsico, o eu que voc tem

perante Deus. a sua verdadeira identidade eterna. E vem a sociedade e veste em voc um
camisa de fora, e te obriga a ser uma outra coisa. Pe l uma falsa imagem. A sim seria uma
alienao. Mas se no h nenhum eu substancial e o nico eu que voc tem deriva da
introjeo, ento no pode ser alienao de maneira alguma. Isso uma coisa que o bom
leitor tem de perceber imediatamente, sem precisar pensar. Agora, esse sujeito leu isso, utiliza
isso, repete isso, aplica isso na anlise de fenmenos, e no percebe o que est fazendo ele
no tem capacidade de leitura, ele no entende o que l! Ento um analfabeto funcional.
Todos os professores de cincias humanas da USP so assim. Praticamente todos. Pode ter
alguma exceo, uma ou outra. Mas aqueles que costumam opinar, esses camaradas que
escrevem na Folha de So Paulo todos os professores da USP escrevem na Folha de So
Paulo, e a Folha de So Paulo o house organ da USP , so todos assim. No se trata de um
problema poltico. As posies polticas deles no so o problema, elas so os sintomas
secundrios de uma inpcia profunda e de um divrcio entre pensamento e realidade. So
pessoas literalmente inconscientes de si; elas no se conhecem a si prprias como agentes
humanos e como grupos. Elas no sabem o que esto fazendo. Tudo o que elas fazem uma
ocultao. um jogo de prestidigitao para no ver o que esto fazendo. Tudo isso um
sintoma psicopatolgico. S que uma psicopatologia social. Agora, deixar o destino de um
pas na mo dessa gente um crime, isso no pode acontecer. S que o seguinte: ns no
temos fora para tirar esses camaradas de l. O que ns podemos fazer exatamente o que
estamos fazendo neste curso: ns vamos pular fora dessa contaminao; ns no queremos
conversa com essa gente. Ns no os julgamos qualificados, e no queremos saber a opinio
deles. Quando as examinamos exatamente como o laboratorista examina o coc. Ns no
queremos saber nada disso, e ns vamos adquirir outra formao baseada numa seleta de
modelos tirados de outras culturas, de outras pocas, onde houve uma cultura superior de
verdade.
Ns, como estamos no Brasil, e ns no temos nada e o pouco que tnhamos nos foi
tomado de certo modo temos uma vantagem, porque podemos olhar para o universo
inteiro e buscar ali o melhor. Fazer como recomenda So Paulo apstolo: experimentai de
tudo e ficai com o que bom. Eu passei minha vida fazendo isto: coletando estes modelos de
educao, estas vrias estratgias de educao superior, e fazendo um arranjo que era
proporcional s minhas prprias necessidades, minha prpria auto-educao. E, aps ter feito
isso durante quarenta anos, hoje eu posso repassar isso vocs e assegurar que funciona.
Ora, vocs sabem perfeitamente como o debate cultural entre eu e esse pessoal universitrio.
Voc chega para eles e menciona o Olavo de Carvalho e eles falam: Olavo de Carvalho, Ah!
Ah! Ento voc pergunta: por que Ah! Ah!? O que voc tem de superior a ele? Por que voc
no vai l e o enfrenta num debate? Ah! Ah! [O que acontece a] o seguinte: o sujeito est
aterrorizado; no chega perto de mim por nada deste mundo, nem por dinheiro, e fica l longe
se fazendo de superior. claro que isto da fingimento, arrogncia infantil. [0:40] Ento,
como que eu posso levar a srio pessoas cujo confronto intelectual comigo consiste nesse
fingimento de criana, nessa coisa pueril de fingir, com risadinha, que so superiores a um cara
que no enfrentariam por nada deste mundo. Isso mesma coisa que chegar para mim e dizer:
olha, o Mike Tyson est te desafiando para uma briga; e eu digo: o Mike Tyson? Ah!, Ah!

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E vou embora para minha casa e fico a uma saudvel distncia do Mike Tyson. o que esse
pessoal faz. Como que vocs podem levar a srio essa gente?
Outro dia me telefona um aluno dizendo: Ah, mas se eu falo de voc eles fazem assim. Eu
lhe pergunto: como que voc se coloca sob o julgamento dessas pessoas? Dessas
formiguinhas, desses mosquitinhos? Porque todos eles, os melhores dentre eles, que j
pertencem a uma outra gerao e que vieram me enfrentar, se saram todos muito mal. Os
discpulos deles, que agora so os professores, morrem de medo de mim. Ento eles fazem
umas risadinhas, ou soltam duas ou trs frases feitas, e mais no dizem nem lhes perguntado.
Como que vocs no percebem que esse pessoal est fingindo, que isso tudo uma afetao
de superioridade distncia? Mais ainda, por que vocs querem agradar a essas pessoas? Se
voc est freqentando uma universidade, e seus professores so assim, no tente agrad-los de
maneira alguma. mais fcil intimid-los. Quando o sujeito fizer assim, diga: olha, voc est
dizendo isto porque voc no capaz de enfrentar o Olavo de Carvalho. Ele sabe cem vezes
mais que voc e voc morre de medo de chegar perto dele, ento no venha me enganar. Se
voc disser isso, o sujeito vai enfiar o rabo entre as pernas e vai te respeitar pelo resto do curso.
Agora, se voc cede, ele vai pisar em voc, vai de humilhar, e pode realmente destruir sua
carreira. Nunca ceda perante isso, porque ceder perante esta situao no uma atitude
estratgica puramente exterior. Isso tem um efeito dentro de voc. Isto vai enfraquec-lo e
torn-lo mais covarde, mais inepto, e vai destruir a sua inteligncia. A inteligncia humana tem
um carter sistmico; quer dizer, a inteligncia no uma funo especializada. Ela uma
espcie de condensado de toda a sua experincia, de toda a sua personalidade; ela a parte
superior de sua personalidade, a parte superior que unifica tudo. Portanto, voc no pode
isolar pedaos onde a sua inteligncia no entra. Se voc diz: olha, este pedao da minha vida
no vai ser conduzido pela minha inteligncia, mas pelo medo que eu tenho do meu
professor. Voc acabou de ficar lesado. Se voc quer manter a sua inteligncia voc vai ter de
aprender em primeiro lugar a sinceridade. A inteligncia a capacidade de perceber a verdade.
E voc no pode perceber a verdade nas altas idias se voc tampa a verdade da sua prpria
existncia. Isso impossvel, gente. Olha, o que falta para os Saflates, Gianottis, Chauis isto
aqui: eles no perceberam a ligao essencial que existe entre inteligncia e sinceridade. Se o
sujeito no diz a verdade para si mesmo, ele est destruindo a sua inteligncia.
Dentro dessa perspectiva, preciso ver que a atividade de leitura e de aquisio de
conhecimento a que voc pode se dedicar ser totalmente intil se tudo isso que voc est
supostamente aprendendo no for incorporado, no na sua memria, mas na sua pessoa.
preciso que cada frase que voc leia seja incorporada ao ponto de se transformar num novo
mecanismo de percepo que voc adquiriu. Cada frase. Ento eu vou sugerir um exerccio,
que vai levar muito tempo e que ns no vamos nem poder corrigir aqui porque ele vai levar
provavelmente toda a extenso do nosso curso, mas que uma coisa que vai marcar voc para
o resto de sua vida. Isso vai mudar a sua vida.
Voc vai pegar um livro de filosofia qualquer, da sua escolha, de preferncia um livro que lhe
faa bem. Eu lhe sugiro algum do Louis Lavelle. Louis Lavelle o unido filsofo do mundo,
alm de Aristteles, do qual eu me considero um discpulo. Com os outros eu aprendi muitas
coisas, mas um discipulado, sobretudo no sentido de que para mim muito difcil discordar de

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qualquer coisa que Louis Lavelle diga, muito difcil mais difcil at que discordar de
Aristteles. O homem costuma ter razo. Por mais que voc vire, vire, vire e mexa, mexa,
mexa, voc diz: isto aqui mesmo. E voc vai prometer para mim que voc no vai ler mais
de duas ou trs frases daquilo por dia. S que voc vai ler cada frase e voc vai transform-la
em objeto de meditao. O que que meditao? Meditao significa um confronto
aprofundado com o que est sendo dito; confronto aprofundado que deve levar voc a
reconhecer na sua prpria experincia interior exatamente do que que o autor est falando.
Para voc fazer isto voc vai ter que puxar elementos de memria, de imaginao, de
associao de idias, e tudo o que voc tiver. E voc no vai se satisfazer enquanto aquela frase,
que lhe chegou como idia, no tiver se transformado em percepo. como se voc tivesse
lido num dicionrio uma definio de vaca e depois tivesse sado procurando uma vaca; e a
hora que voc reconheceu as vacas e as observou por muito tempo, ento o seu conhecimento
de vaca j no mais aquele enunciado verbal, experincia real que voc teve das vacas. isso
que voc vai fazer, tem de fazer, com cada frase do livro. Esse livro voc vai levar anos para ler.
Mas o seguinte: se ficar interessante e voc quiser passar adiante e continuar lendo, no faa
isso. Voc vai ler algumas frases, um pargrafo, onde tem alguma unidade. Faa esta
experincia com o primeiro pargrafo que voc escolher. Quando passar para o segundo, voc
vai ter de fazer isto duplamente, porque tem a mesma absoro imaginativa existencial do que
est dito ali e ainda tem a continuidade do que vem antes. Quando terminar esse exerccio,
voc, evidentemente, saber o livro de cor, no com as palavras, mas com a seqncia exata
das idias, porque elas j no sero mais idias, sero recordaes e percepes. Isso quer dizer,
que cada conceito abstrato que tiver ali, voc vai ter de transformar em exemplos concretos
vivenciados e reais.
Eu vou lhes dar um exemplo de como se faz isso. Eu vou pegar exatamente um do livro do
Louis Lavelle, que se chama A Presena Total (La Prsence Totale). um livro particularmente
til por ser um resumo. A grande obra do Louis Lavelle um trabalho em quatro volumes que
se chama Dialtica do Eterno Presente (La Dialectique de Lternel prsent) e como o livro estava
muito comprido, ele fez este resumo. Este aqui o primeiro volume da srie De Ltre (Do
Ser). A Presena Total s vezes menos clara do que a obra maior. J dizia Horcio que a
brevidade se ope clareza: para explicar a coisa nos seus mnimos detalhes, voc tem de botar
os mnimos detalhes; ento da fica maior. Por isso mesmo, um livro propcio para esse tipo
de exerccio, por ele ser muito compactado. Eu vou ler aqui o primeiro pargrafo do livro,
saltando aqui a introduo voc no vai saltar a introduo coisa nenhuma; eu vou saltar s
para efeito da presente aula o primeiro pargrafo o seguinte: H uma experincia [0:50]
inicial, que est implcita em todas as outras, e que d a cada uma delas a sua gravidade e a sua
profundidade: a experincia da presena do ser. Reconhecer essa presena, reconhecer, no mesmo
ato, a participao do eu no ser.
Eu vou ler de novo:
H uma experincia inicial que est implcita em todas as outras e que d cada uma delas a sua
gravidade e a sua profundidade. a experincia da presena do ser. Reconhecer essa presena
reconhecer no mesmo ato a participao do eu no ser.

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O que que voc vai fazer com esse pargrafo? Ele est dizendo o seguinte: primeiro, que h
uma experincia inicial. Inicial quer dizer que ela anterior a todas as outras. E segundo, que
esta experincia que d s outras experincias possveis a sua gravidade e a sua profundidade.
Ou seja, as outras experincias tm alguma importncia por causa desta. Que experincia
essa? o que ele chama a presena do ser . O que o ser? tudo quanto existe. Como que
voc pode meditar isto aqui? Eu sugiro o seguinte exerccio.
Voc fecha os olhos e tente imaginar que no h nada, tente suprimir toda a referncia a
qualquer coisa existente. Tente suprimir a presena do ser. Faa isso mil vezes, para voc
entender do que ele est falando. Ou seja, voc jamais teve a experincia do nada. Mas voc
tem de tentar isso aqui, se voc no tentar vai ficar tudo no bl bl bl. O que eu estou
sugerindo que voc transforme uma seqncia de afirmaes genricas e abstratas em
experincia concreta e pessoal. Voc no vai discutir com o autor, voc no vai querer saber se
ele est certo ou errado, voc vai incorporar isso aqui como se fosse uma idia que lhe ocorreu
como se no fosse uma coisa que voc leu em Louis Lavelle, mas como se fosse uma coisa
que voc pensou. E em seguida voc voltar quilo no para discutir, no para analisar
logicamente, mas para buscar o equivalente experiencial do que ali est colocado como
conceito abstrato. Ento voc vai fazer a experincia. Essa experincia vai tomar duas direes
ao mesmo tempo: primeiro voc vai tentar suprimir o ser; claro que voc no vai conseguir
mas voc tem de experimentar. Voc vai ver que se suprimir imaginariamente tudo, tudo,
tudo, ainda sobra muita coisa. Sobra, por exemplo, a sua respirao voc no vai parar de
respirar enquanto faz esta experincia. Quer dizer, no s o penso, logo existo do Descartes,
h muita coisa alm do pensamento que sobra, voc no consegue suprimir sobretudo a sua
prpria presena, que a segunda etapa do nosso exerccio: tente imaginar que voc no
existe. Faa uma fora.
Muito bem, depois de voc ter feito isso mais algum tempo, partimos para outra direo do
exerccio. Voc tentou suprimir o ser, agora voc vai tentar perceber conscientemente a
presena do ser. A presena do ser to bvia que voc nunca pensa nela. Voc simplesmente
a admite, mas admite de passagem e de tal modo que o seu raciocnio s vezes desmente a
presena do ser. Na hora em que o seu raciocnio desmente a presena do ser, por exemplo na
hora em que voc duvida da existncia, o que voc est fazendo? Voc est rompendo a ligao
entre pensamento e experincia, voc est mentindo, est aprendendo a mentir. Os
pensamentos s valem alguma coisa quando vem para dentro deles o conjunto da experincia
real imediata que voc no pode negar. Claro, tem coisas que podem sumir da sua memria,
mas elas se elas sumirem da sua memria no quer dizer que elas sumiram da existncia, voc
sabe que elas esto l. Quando voc esquece de alguma coisa, por exemplo: onde deixei a
chave do carro? Voc s pode fazer essa pergunta porque sabe que a chave do carro existe.
Ela no est acessvel a voc, ela no objeto de experincia imediata, mas ela faz parte do
mundo da experincia. Ento, na hora em que voc procura uma coisa que no sabe onde
deixou, voc est admitindo uma situao temporria de diviso pela qual est atravessando.
Uma parte do real est parecendo irreal, mas voc sabe que real.
Para voc fazer essa segunda experincia, eu sugiro um exerccio que aprendi num livro do
Narciso Irala psiclogo e padre jesuta que chama-se Controle Cerebral e Emocional. Ele

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d esse exerccio, como muitos outros, para o bem da sua sade mental. Mas o que ns
estamos visando aqui no bem da nossa sade mental, ou pelo menos no s isso, outra
coisa. Eu estou usando esse exerccio com uma finalidade que no a do Narciso Irala, mas lhe
trar de qualquer maneira tambm o proveito que o Narciso Irala sugere. Esse exerccio de
voc deitar, relaxar, fechar os olhos e tentar perceber conscientemente todos os rudos em
torno rudos prximos e rudos distantes. E a voc ver como h uma infinidade de rudos
que voc no estava percebendo conscientemente, mas tambm no pode-se dizer que voc
no percebia de maneira alguma, pois voc os percebia no fundo. Ou seja, no eram rudos
importantes para a sua ao imediata, eles constituam o fundo da sua ao imediata. Existe o
cenrio prximo onde voc est agindo e existe, vamos dizer, o ambiente em torno que se
prolonga como uma srie de crculos concntricos, de modo que os rudos vo se tornando
cada vez mais imperceptveis, mas eles esto l. Voc no vai pensar, voc no vai analisar,
voc no vai fazer nada, voc vai fazer apenas a coleo dos rudos. Voc vai reparar: Ah! tem
um rudo do ar condicionado!; Ah! Tem uma buzina l longe!; Ah! Tem um cachorro
latindo!; Ah! Tem um passarinho piando! Os mais mnimos rudos. Esse exerccio somente
de percepo passiva, voc vai s perceber aquilo que j estava percebendo no fundo.
Simplesmente, aquilo que estava no fundo voc vai trazer para frente. No para pensar nada,
s para perceber.
Em seguida, voc vai fazer um segundo exerccio. Voc novamente vai fechar os olhos e
imaginar um fundo preto. [1:00] Nesse fundo preto voc vai traar, da esquerda para a direita,
uma linha branca, mais ou menos deste tamanho. E da, da ponta direita da linha branca, voc
vai traar um ngulo reto, e traar outra linha branca perpendicular quela e do mesmo
tamanho daquela. Deste ponto aqui voc traar uma terceira perpendicular, terceira linha
branca tambm do mesmo tamanho, e da ponta desta voc vai puxar uma outra linha branca e
fechar um quadrado.
O primeiro exerccio de percepo, o segundo exerccio de construo mental. Os rudos
estavam presentes, o quadrado no estava presente, foi voc que ps, voc o inventou, voc o
construiu. A atividade construtiva da mente evidentemente muito importante, porque
existem muitas coisas que esto para alm do nosso crculo de experincia imediata, e que sem
essa atividade construtiva ns no poderamos conceber. Porm, quando ela comea a se
exercer prematuramente, antes de voc ter desenvolvido a conscincia de percepo, ao ponto
de voc poder incorporar a presena do ser como um dado constante e consciente, o que
acontece? Voc substitui o mundo das suas idias pelo mundo da realidade como faz
Vladimir Safatle. Isso uma doena. O mundo do pensamento sem dvida interessante, e
pode ser at bastante rico. Mas c entre ns, nunca poder haver tantas coisas nele quanto
existe no universo real. O mundo do pensamento comparado ao universo real [no nada];
ora, o mundo do pensamento de Aristteles comparado com o universo real uma titica de
galinha, um nada. Ento, antes de poder aprender alguma coisa com Aristteles, ou quem
quer seja, ns temos de comear a aprender com o universo real. E o universo real matria de
percepo.
S que, preste bem ateno. Quando voc fizer esse exerccio, voc vai ver que os rudos mais
distantes depois... esses crculos vo se afastando at que chega uma hora em que voc chega

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ao inaudvel. Mas preste ateno que, durante todo esse exerccio, voc sempre soube que os
rudos saem de algum lugar que o som de buzina sai de um carro, que o latido sai de um
cachorro, o piado sai de um passarinho, o rudo da mquina de ar condicionado sai da
mquina de ar condicionado. Ou seja, voc no percebeu s os rudos, voc percebeu
presenas. Voc no precisou pensar para saber que o latido vem de um cachorro, voc est
percebendo isso a. Voc tem sua volta um crculo de presenas ao qual voc no presta
ateno, mas do qual voc est de certo modo consciente. Por que? Porque aquilo assinala
onde voc est, o que voc est fazendo agora e onde voc est fazendo. Essa referncia est
permanentemente presente. No h ningum, ningum, ningum que aja no vazio. E essa
percepo de presena contm tambm a percepo de inmeras presenas latentes que voc
no pode captar agora, mas que voc sabe que esto l. Por exemplo: se todas as criaturas
estavam emitindo barulho, porque elas esto em algum lugar do espao. E voc sabe disso,
no uma concluso que voc tira. Na hora em que voc percebe que um rudo est longe, o
longe no um rudo, uma referncia espacial. Como que voc poderia distinguir entre os
vrios rudos mais prximos e mais distantes se no estivesse implcita a presena do espao?
Ento, esse tambm mais um elemento consciente.
Portanto, depois de voc ter feito o exerccio do Narciso Irala a percepo dos rudos ,
mais tarde eu vou lhes dar outros exerccios, como a presena do universo. Mais tarde; por
enquanto v fazendo s o do Narciso Irala. So exerccios que puxam a presena do fundo para
frente e a incorporam na sua pessoa. Ora, normalmente ns no fazemos isso, ns prestamos
ateno s naquilo que nos interessa. Mas quem escolheu o que lhe interessa? Foi voc mesmo.
Portanto, escolher o que lhe interessa uma atividade construtiva da mente. A sua mente
separa um pedao para prestar ateno s naquilo. Por exemplo, voc est l comendo um
pedao de bolo, ento certamente voc no est pensando em outra coisa. No mximo voc
est pensando em duas coisas: voc est comendo um pedao de bolo e conversando sobre
futebol. Voc est prestando ateno em duas coisas. Voc capaz de imaginar um universo
que se compusesse to apenas de bolo e futebol? No, isso no existe evidentemente. Isso s
existe mentalmente, quer dizer, o seu crculo de ateno recortou aquilo, mas o bolo, o
assunto da conversa e as pessoas com quem voc est conversando, tudo isso existe num
universo que est presente.

Esse exerccio de voc trazer do fundo para si o universo a garantia de que seus pensamentos
no vo fugir muito da realidade. a garantia de que seus exerccios, as suas atividades de
construo mental, no construiro uma jaula para prender voc dentro e isol-lo da realidade.
Ou seja, voc no vai cair num estado de alienao de um Vladimir Safatle ou de qualquer
desses outros uspianos que se isola da realidade, ao ponto de quando ele est lendo, ele
chega no fim do pargrafo j perdeu o comeo. Isso exatamente o que acontece no pargrafo
do Lacan que o homem leu a: A introjeo cria o eu, portanto alienao. Epa!! H, h,
h! Que eu!? Se ela criou o eu, ela no tinha o eu para ela alienar antes. Note bem, a gente no
percebe essas coisas analisando os textos, essa percepo imediata. Ao criar o senso de
presena do ser, voc cria o senso de continuidade. Porque a nossa mente, a nossa memria
toda picotadinha, ela no te d as coisas de maneira contnua; elas so contnuas na realidade.

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Por exemplo, se voc conta a sua vida, voc no vai contar tudo que se passou, voc vai contar
s aqueles pedaos que lhe parecerem interessantes. Mas, e no intervalo? Voc cessou de
existir? Voc foi abduzido? No! Voc continua existindo. E essa continuidade da sua
existncia a base em cima da qual voc opera as selees. Agora, se voc confunde as selees
com a prpria realidade, voc realmente fugiu da realidade.
Ento, aquilo que voc presta ateno, que voc recorta como objeto da sua ateno, s vale
quando est colocado no fundo permanente daquilo no qual voc no presta ateno. Do
mesmo modo que hoje se fala tanto de comunicao no verbal. Mas claro que existe
comunicao no-verbal, porque quando voc diz alguma coisa, para dizer alguma coisa eu
tenho de estar fisicamente presente, mas a sua presena fsica no faz parte da mensagem
verbal, ela a base da mensagem verbal. O mundo do verbal, daquilo que dito, daquilo que
pensado etc., ele um recorte de dentro do mundo da experincia real e, para alm do mundo
da experincia real, existe o mundo presente [1:10] que no objeto da experincia, mas que
est ali presente. O exemplo mais bvio o seguinte: as pessoas com quem voc conversa s
esto sendo olhadas de fora, de maneira que voc no est vendo o interior dos corpos delas
o pulmo, os intestinos, o crebro. Agora, suponha por um momento que essas pessoas no
tenham nada disso, que elas so apenas formas ocas, que dentro do corpo delas no existe
nada, que vazio; seria macabro e aterrorizante, no mesmo?! Ou seja, voc no est vendo
os rgos internos, no est vendo o seu funcionamento, mas voc conta com isso, pois est
presente. E, note bem, isso no uma concluso que voc tira. Ns estamos agora pensando
sobre isso, mas no atravs do pensamento que voc sabe disso, atravs do senso de
presena.
Esses exerccios vo fazer voc recuar do mundo do pensado para o mundo do percebido, e do
mundo do percebido para a conscincia de presentes. Depois disso, quando vocs lerem esta
frase: H uma experincia inicial que est implcita em todas as outras e que d a cada uma delas a
sua gravidade e a sua profundidade, a experincia da presena do ser, a vocs sabero do que
Louis Lavelle est falando. S que voc vai fazer isso com o livro inteiro. Eu sugiro que faa
com este pequeno livro, que no tem traduo. E se for um livro numa lngua que voc no
conhece, melhor ainda, pois ser necessrio traduzir cada pedao e isto impedir que voc
passe para frente. O meu mtodo de aprender lnguas esse: o primeiro livro que eu li em
francs foi La Noeud de Viperes (O N das Vboras), de Franois Mauriac. Eu havia tido um
pouco de aula de francs no ginsio, mas no o suficiente para ler um livro desse, de forma que
cada linha possua duas ou trs palavras que eu no conhecia e tinha de ir ao dicionrio. Ento
eu falei: Eu vou ler este livro at o fim, mesmo que leve dez anos e eu vou anotar e escrever
cada palavra que eu no saiba; no vai passar nenhuma e se tiver uma palavra que eu j vi
pginas atrs, mas eu esqueci e eu olhar no dicionrio de novo, eu vou escrever de novo e vou
ler dez linhas por dia. Quando eu terminei de fazer isso, eu sabia ler qualquer livro em
francs. Mas esse mtodo no serve somente para o aprendizado de linguagem. Se voc fizer
isso como prtica da sua aprendizagem filosfica, no vai apenas ter aprendido a ler um livro
de Filosofia, ter entendido uma coisa muito importante: um livro de Filosofia como uma
pauta musical, ele s compreendido quando executado interiormente. O falecido Otto
Maria Carpeaux, que era um grande crtico musical e historiador da msica, ele no ouvia
msica, ele nem tinha vitrola em casa, ele lia as partituras e as executava mentalmente como se

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ele fosse o maestro. Ele ouvia mentalmente cada instrumento, coordenava todos os
instrumentos. Era a que ele adquiria a compreenso profunda da msica, porque ele a reviveu
interiormente, e de certo modo a reconstruiu interiormente. assim que se l um livro de
Filosofia, somente assim. Se voc l um livro de Filosofia muito rpido, nunca ir entender
nada. Cada frase tem de ser recomposta. claro que com o tempo voc ir pegar velocidade
nisso, porque acontecer que, medida que se vai acumulando estas experincias interiores,
elas ficam no fundo da sua memria, elas se incorporam em seu interior e, quando voc ler um
novo livro, ele vai trazer uma srie de evocaes que j lhe pertencem e a sua experincia na
leitura daquele livro e dos livros sucessivos vai ficando cada vez mais rica, de modo que, depois
de dez ou vinte anos de prtica disso, quando voc l uma frase, um mundo inteiro que se
descortina para voc. Isso tudo, claro, incomunicvel, podendo ser comunicado
esquematicamente como eu estou fazendo, mas somente assim. No d para reproduzir
verbalmente a totalidade dessa experincia de leitura.
Todos os grandes leitores do passado leram assim, todos sem exceo. Quando voc v, por
exemplo, como um grande romancista entendeu outro grande romancista, entendeu desta
forma. O mundo do outro romancista se incorpora nele e est implcito naquilo que ele est
escrevendo. Eu estava lendo, quando vinha no carro, a introduo aos romances completos de
Franois Mauriac, que um autor que eu adoro e que foi o primeiro autor que eu li em
francs, o qual um mestre, um guru da arte do romance, ele sabe fazer um romance como
rarssimos sabem. Mauriac, por sua, vez era um grande leitor de Balzac e aconteceu o seguinte:
o Balzac escreveu um livro, depois escreveu outro e outro e assim por diante, e criou vrias
estrias, que foram se cruzando e, de repente, ele percebeu que no estava escrevendo um
romance, mas sim um mapa inteiro da sociedade francesa. Os mesmos personagens
reapareciam em circunstncias diferentes e o sujeito que era o heri de uma estria, aparecia
como personagem secundrio no outro e assim por diante. Ento, aquilo no uma srie de
romances, uma rede e, quando o prprio Balzac percebeu isso, a que ele fez o plano do
restante da comdia humana; ele tinha escrito alguns livros, mas que no eram os mais
importantes. A partir da hora que ele percebeu que era esse o truque, ele chegou em casa e
disse: turma, preparem-se, pois eu estou prestes a me tornar um gnio. Acontece que, de
tanto ler o Balzac, o Franois Mauriac foi incorporando aquele imaginrio todo da rede da
sociedade francesa e reparou que, at certo ponto, ele, que no queria fazer nada disso e
considerava que, quando comeava um novo romance, achava que este iria libert-lo do
anterior, sendo, ento, algo totalmente novo, de maneira que no queria mais pensar nos
anteriores, pois j tinham ficado no passado percebeu que acabou fazendo a mesma coisa
que o Balzac e que seus personagens tambm reapareciam. No tinham, evidentemente, todas
aquelas ramificaes como em Balzac, mas algo sobrou daquilo, sem que ele quisesse. Vejam,
portanto, como o mundo do Balzac se incorporou to profundamente na alma de Mauriac que
este que era um talento to completamente diferente daquele, e que, alis, queria fazer
coisas completamente diferentes no conseguiu escapar de Balzaquiar as coisas um
pouquinho. O legado de Balzac persistiu no fundo da alma de Mauriac, no sendo mais
Balzac, mas sim coisa prpria de Mauriac, era a prpria imaginao deste. A leitura de Balzac,
Shakespeare, Homero etc., foi abrindo janelas dentro da alma dele, de forma que as coisas lidas
se tornaram instrumentos de percepo e fornecedoras de um oceano de analogias, de
associaes de idias, que se tornaram o seu prprio imaginrio.

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Esse imaginrio, na sua totalidade, no transmissvel, nenhum escritor jamais conseguiu


botar no papel tudo que estava no imaginrio dele, da mesma forma que nenhum filsofo
conseguiu colocar todas as idias que teve. Mas isso a sua personalidade, o seu legado, e a
partir da voc algum, tem uma existncia anmica. Normalmente, ns somos to alheios a
ns mesmos que o nico sinal de continuidade de ns para com ns mesmos o nosso corpo.
Quando voc acorda, est com o mesmo corpo e no mesmo lugar onde dormiu na vsperan a
no ser que algum tenha lhe transportado para outro lugar de sacanagem. [1:20] Eu e um
amigo gostvamos de fazer isso. Ns dvamos soporfero ao cara que ia dormir e, enquanto ele
dormia, levvamos a cama at a praia. O sujeito dormia dentro de casa e acordava na praia!
Aluno: Pode repetir o nome do livro?
Olavo: La Prsence Totale (A Presena Total), que um livro pequeno (esta capa aqui fui eu
que fiz, pois a original estragou de tanto que eu mexi neste livro e arrebentei com a capa) e
este aqui [pega outro livro na mo] o primeiro volume da srie Dialtica do Eterno Presente,
que se chama De L'tre (Do Ser). mais fcil de ler a srie inteira, que muito mais clara do
que o La Presence Totale, mas vo no menor justamente porque ele compacto e porque um
material excelente para vocs fazerem esse exerccio. Se vocs comearem a filosofar em cima, a
ter outras idias, esqueam. Se comearem a querer discutir, esqueam. A discusso s vale
quando voc tem a posse do objeto sobre o qual voc est discutindo. Esse exerccio para
voc tomar posse do livro, que vai se incorporar em voc, com a seqncia de experincias
interiores que o Louis Lavelle colocou l. Exatamente como um romance como se fosse um
sonho acordado dirigido, um livro de Filosofia exatamente a mesma coisa, um sonho
acordado dirigido, apenas colocado numa outra linguagem para efeito de maior clareza.
Discutir filosoficamente isto ficar para muito depois ento por favor nao me mandem
consideraes filosficas sobre o livro do Louis Lavelle. No para discutir, para absorver.
Este livro no para ser lido para ser comido. Alis, qualquer livro que se leia para ser
comido, mas alguns podem dar indigesto depois...
Sem esta assimilao em profundidade, o que quer que se diga a respeito bl-bl-bl, porque
no se ter chegado efetiva intercomunicao das conscincias. Voc no vai ter as
experincias interiores do Louis Lavelle, mas vai ter as anlogas dela, do modo que se voc
conversasse com ele, voc saberia do que ele est falando e ele saberia do que voc est falando.
Depois que voc fizer isso com um livro, voc far com outros de maneira muito mais veloz,
at que chega um ponto em que esta a sua maneira de ler, voc s l assim.
Por um lado, um exerccio de percepo e memria, por outro lado um exerccio tambm
de construo, porque voc vai reconstruindo; medida que vai avanando, voc vai
reconstruindo os nexos entre um pargrafo e outro, ou seja, entre uma experincia interior e a
outra. Por exemplo, s neste pargrafo h lugar para vrias experincias interiores e voc no
vai passar para o pargrafo seguinte enquanto no tiver se aprofundado tanto nestas
experincias que voc comece a repeti-las, somente ento que voc deve passar para o
pargrafo seguinte. Por exemplo, quando Lavelle diz que a experincia da presena do ser o
que d s outras experincias a sua gravidade (mesma coisa que dizer, a sua importncia, o seu

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valor) e a sua profundidade (poderia se dizer tambm a sua densidade), estas outras
experincias no so apenas fantasmagorias que se passaram num eu subjetivo totalmente
separado da realidade, porque elas tm a raiz na presena do ser. A hora que voc comear a
absorver esse negcio, a sua intolerncia para com o bl-bl-bl filosfico vai se tornar extrema
e quando voc perceber que o sujeito est falando uma coisa sem a devida experincia interior,
como fala esse Senhor Safatle, voc vai devolv-lo ao pr-primrio: voc no do ramo, voc
cala a boca, voc sai daqui, no me amole com esta sua bobagem, eu estou preocupado com
coisas que tm gravidade e profundidade, eu no sou moleque brincando de filsofo...
Se todos os alunos deste curso assimilarem todas estas coisas, pouco a pouco, vocs vero que,
dentro de algum tempo, ns teremos uma poderosa classe intelectual no Brasil como jamais
houve, porque ser constituda de pessoas srias, de pessoas que estaro presentes realidade,
no sero meros combinadores de palavras, no sero pessoas que querem escrever bonitinho.
Sero pessoas que, para cada palavra que for dita, havero outras dez mil que no podero ser
enunciadas, porque patrimnio delas e inexpressvel. Por exemplo, quando voc l um
Shakespeare e v as coisas que ele est lhe mostrando, e voc faz um pouco de esforo de
imaginao para pensar assim: de onde ele tirou isso?, voc se d conta de que tem um
oceano de riquezas, mas aquilo que est aparecendo no teatro somente a espuma. E note
bem: Shakespeare no Deus, somente um ser humano. Quando voc comea perceber a
riqueza de imaginao e de experincia humana que tem dentro de uma pessoa desta voc fica
maravilhado, mas da voc no quer mais o bl-bl-bl: Eu no quero mais uma sopinha,
canjinha, eu quero comida de verdade, eu quero um bife. No vou ficar perdendo tempo com
estes bobocas. O que um boboca? Tem um boboca de terceiro mundo, tipo este Sr. Safatle
e tem um boboca de primeiro mundo que o Jaques Lacan, os quais so especialistas em no
entender nada do que lem e j fizeram disso uma tcnica, porque eles nunca se abrem
experincia, jamais se abrem experincia! Eles nunca fazem isto que eu estou dizendo, eles
fazem o contrrio, fazem a negao de tudo. Eles esto to convencidos de que so superiores
a toda cultura humana, que a transformam em objeto das suas pretensas anlises, o que um
mtodo de auto-emburrecimento.
Foi isso que eu chamei o Imbecil Coletivo, o qual no constitudo de imbecis, mas de pessoas
normais e s vezes pessoas de alta inteligncia, que por um vcio, por uma convenincia
poltica, uma solidariedade corporativa, se renem para se imbecilizar uns aos outros,
assimilando cacoetes de linguagem que os impedem de entender qualquer coisa, que os fazem
entender sempre invertido. Isso no tem nada a ver com poltica embora tenha claramente
uma expresso poltica , no comeou como tal. No estudo que eu estou fazendo da
mentalidade revolucionria, a gente v que a inverso do tempo voc supor que conhece
um futuro hipottico, tomando-o como base e premissa para o entendimento que se tem do
presente ou do passado comeou no milenarismo judaico, antes mesmo do Cristianismo.
Voc vai dizer que aqueles caras eram revolucionrios? Claro que no! Na poca do
Cristianismo, da mesma forma, no podemos dizer que Santo Irineu era revolucionrio, assim
como no era herege nem nada disto, mas o esquema da inverso est l. Todos estes
elementos que vo construir depois a mentalidade revolucionria, eles vm de fontes que em si
mesmas no so revolucionrias e se incorporam de tal maneira no hbitos culturais do
homem ocidental [1:30] que dificilmente algum escapa disto e, quando escapa, um Louis

19

Lavelle, um Edmund Husserl, um Eric Voegelin, pois so pessoas que tem amor realidade.
De outro lado, se voc fala que tem amor Cincia, eu digo que esta no passa de uma
construo humana, que como se fosse um jogo. Por exemplo: Eu gosto de futebol. Existe
futebol na natureza? No, pois uma inveno humana, uma construo. Se for assim, voc
est vivendo no mundo do imaginrio, participando de um jogo. O universo real no um
jogo (jogo uma coisa que existe dentro do universo) e, portanto, no podendo ser um jogo
ele outra coisa a qual no sabemos exatamente o que .
Esta abertura ao universo real, presena total do ser, a condio sem a qual todas as suas
idias no valero nada, porque ser tudo somente construo mental, sem o aporte verdadeiro
da presena do ser, de maneira que ser apenas um jogo, onde idias sero trocadas por outras.
Durante uma certa poca houve uma certa classe letrada capaz de perceber essas coisas, que,
instintivamente, percebia se, por exemplo, um poema ou uma teoria tinha densidade suficiente
ou no tinha. Hoje, no Brasil, isto utopia, pois ningum mais tem isso. Vocs sero os
nicos que vo ter. Eu vejo, por exemplo, o Bruno Tolentino: alm de ser um grande poeta ele
era um grande leitor de poesia. Acho que ele sabia de cor as obras de uns cem poetas, e as
recitava, e tudo aquilo tinha se incorporado de tal modo na sua alma que os ecos daquilo
reapareciam na poesia dele. Cada linha do Bruno tem milhes de referncias aos poetas que ele
leu e das quais nem ele se tocava que era uma referncia. isso que o torna um grande poeta,
porque isso o coloca na linhagem dos poetas. Ele um membro da sociedade de Goethe,
Shakespeare, Cames, este o mundo dele. Isso quer dizer que, se voc, lendo o Bruno
Tolentino, tiver uma abertura para isto, vagamente ir perceber as evocaes de todo um
imaginrio cultural de milnios, e no somente a imaginao do Bruno. No entanto, se no
tiver esta abertura, voc no vai pegar quase nada da leitura do Bruno, vai discutir somente a
periferia da sua obra, e vai se perder e vai falar s bobagem.
Desde que o Movimento de 1922 tornou obrigatrio no Brasil o verso livre, isto , o verso
sem mtrica, as pessoas desaprenderam a mtrica. Ento, quando o Bruno, que escrevia tudo
metrificado, chegou no Brasil, as pessoas comearam a discutir isso, como no artigo do
Arnaldo Jabor que apresentou o Bruno ao pas, cujo ttulo era Bruno Tolentino Traz de Volta
Peste Clssica dando a entender que o modernismo tinha nos livrado disto e vem o Bruno
com a peste clssica de novo. Mas eu pergunto: por que que a poesia com mtrica provoca
tanta estranheza no Brasil se toda poesia modernista do mundo metrificada? Vejam as obras
de Yeats, esto todas metrificadas. As de Eliot, ou esto metrificadas ou, pior ainda, ele usa,
em ingls, a mtrica francesa, parecendo fazer versos livres. Em ingls, contam-se somente as
slabas tnicas, ento h versos de 3, 4, 5 slabas. Nas lnguas latinas, contam-se todas as
slabas, o que muito mais difcil, mais exigente, mais matemtico. Eliot, muito espertamente,
fazia uma aparncia de verso livre, mas com metrificao francesa. Est tudo metrificado no
mundo. Ningum jamais expulsou a mtrica. Foi s uma moda lanada por poetas de dcima
quinta categoria, por sub-poetas, num pas do terceiro mundo. Mas todo o pblico em volta
acredita que isto assim, ah, mtrica coisa de antigamente. Uma moda provinciana de um
pas de terceiro mundo torna-se a chave interpretativa da literatura universal. Ento, quando
Bruno chegou e as pessoas falavam isso, estranhavam a mtrica etc., inicialmente ele no sabia
do que estavam falando. E quando percebeu, ficou puto da vida. Falou que aquilo era de uma
caipirice monstruosa, que nunca imaginou que aquilo pudesse acontecer.

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O sujeito publicou livros de poesia em francs, espanhol, italiano e nunca ningum estranhou
que estivessem metrificados, porque a mtrica existe na poesia universal. Mas no Brasil ficou
proibido e os brasileiros no sabem que no resto do mundo no . E muitas dessas pessoas
escreveram livros sobre poesia, eram crticos literrios, analistas de poesia. Todos
masturbadores mentais, gente que no tem prtica de leitura. Quando Bruno examinou aquela
traduo que Augusto de Campos fez de um poema de Dylan Thomas, mostrou que no que
ele no tenha entendido Dylan Thomas, ele no sabia ingls. E se no sabia a lngua, por que
que foi traduzir a partir dela? Pode-se fazer como eu fiz com Franois Mauriac: ler numa
lngua que voc no sabe e traduzir para o prprio proveito. Mas no se vai publicar essa
porcaria de traduo, vai? Paulo Rnai, que era um grande linguista, fazia tambm a mesma
coisa: pegava o livro numa lngua que no conhecia e comeava a traduzir para aprender. Ele
pegou uma poesia, acho que do Augusto Meyer foi a primeira coisa que ele leu em
portugus , e tinha l uma palavra, que eu no me lembro se era rede ou um sinnimo,
que ele, no sabendo o que significava, procurou, procurou e, ento, entendeu que era uma
rede no sentido abstrato, algo como um tecido de idias. E quando chegou ao Brasil ele
descobriu que era aquela rede em que os nordestinos deitam-se. V-se como o entendimento
que teve da poesia estava longe da realidade.
Esses camaradas como Augusto de Campos lem como Paulo Rnai lia a sua primeira poesia
em portugus. Eles lem numa lngua que efetivamente no conhecem. Isso no Brasil
costumeiro. O charlatanismo intelectual prtica geral no Brasil. No resto do mundo ele existe
tambm, mas as pessoas reconhecem-no. No Brasil no. O charlatanismo intelectual adquiriu
autoridade, e pior, existem jovens srios, talentosos e bem intencionados que vo estudar com
esses caras e os aceitam como autoridades e deformam-se para ficar iguais a eles. como
entrar para um clube em que todo mundo corta a orelha, ento voc corta tambm, corta o
peru etc., para ficar igual aos outros. Isso uma monstruosidade. dentro desse meio que
vocs esto. Isolar-se desse meio no possvel. O que vocs tm de fazer viver em franca
atitude de desprezo e at de hostilidade. preciso rejeitar, dizer no quero isso da. E se
voc aceitar isso, dizendo que se reclamar seu professor ir faz-lo repetir de ano, eu pergunto
se voc quer mesmo um diploma assinado por esse cara. Pense bem, daqui vinte anos, um
diploma assinado por mim valer 1000 vezes mais que um diploma da USP, porque o diploma
assinado por mim mostra que voc sabe alguma coisa e o da USP apenas uma formalidade
encobrindo uma falsidade. Se ns entrarmos na briga com [01:40] esta farsa em que se
transformou a cultura superior no Brasil, claro que ns iremos ganhar. Esse pessoal no tm
nada, so todos ocos, s fingimento. Passam trs anos daquilo e ningum mais se interessa.
J o que ns estamos fazendo, o que eu estou fazendo, isso ficar e ser a base da cultura
brasileira futura, pois a nica base existente. Neste perodo em que houve a destruio, eu
cujo nome noruegus e, por acaso, significa sobrevivente fui o nico que sobreviveu.
Tinha o Bruno tambm, mas ele morreu. O nico sujeito que ainda tem o legado da cultura
brasileira anterior que vinha se formando sou eu. Os outros no tm, nem sabem onde esto.
Ento, s quem pode criar essa cultura no futuro somos ns, vocs so responsveis por isso.
E por isso que eu fiz questo que assinassem este compromisso de permanecer no curso at o
fim, para poder fazer um trabalho de formao verdadeiro. Cinco anos pouco para isso e,
portanto, eu espero que mesmo depois de terminado o curso vocs ainda continuem

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mantendo contato, para a gente continuar passando outras coisas, mas cinco anos o mnimo.
Deu para entender tudo at aqui? Ento vamos passar a responder algumas perguntas que
chegaram aqui.
Aluno: Esse livro do Lavelle est online e em portugus. (...)
Olavo: Mas precisa ver se a traduo boa, hein?
Aluno: () . O tradutor Amrico Pereira. (...)
Olavo: uma traduo portuguesa ou brasileira? Se portuguesa, geralmente confivel; se
brasileira, fuja.
Aluno: () Acho que portuguesa. O site lusosofia.
Olavo: Ah, ento traduo portuguesa. Pode ter alguma dificuldade de leitura mas tradues
portuguesas geralmente so muito srias.
Aluno: Alguns crticos e escritores apontam Geraldo Mello Mouro como um dos grandes poetas da
lngua portuguesa. Qual a sua avaliao sobre ele?
Olavo: exatamente essa. Geraldo Mello Mouro um monstro. um mundo imaginrio de
um riqueza imensa! s vezes muito peculiar e esquisito, mas no mais esquisito do que Ezra
Pound, por exemplo.
Alis, Geraldo Mello Mouro era meu amigo, gostava muito dele. Ns tnhamos um amigo
em comum, o Paulo Mercadante. Vocs sabem que o Geraldo foi acusado de ser espio nazista
durante a guerra, no? Quem o prendeu foi o Paulo Mercadante. E depois ficaram grandes
amigos. Paulo Mercadante era da Aeronutica (o Servio Secreto era da Aeronutica naquele
tempo) e foi ele que espionou a rede e prendeu Geraldo Mello Mouro. Depois foi visit-lo na
cadeia, comearam a conversar e ficaram amigos at a velhice.
Aluno: O Geraldo j morreu?
Olavo: Acho que j, porque quando o conheci ele j era velhssimo.
Aluno: Na ltima aula voc disse que o que chamamos de realidade na verdade um complexo de
possibilidades abertas e disse, por exemplo, que o nosso corpo fsico apenas um dado dessa realidade.
Segundo compreendi, vamos nos abrindo gradativamente a esse mundo das possibilidades que, por sua
vez, tem muito pouco a ver com o corpo fsico. Entretanto, em uma aula do curso de Teoria do Estado
dada em Curitiba voc nos ensinou que muitas deficincias de aprendizagem se explicam por uma
incapacidade de articulao do prprio corpo fsico, e menciona como exemplo o aprendizado de lngua
estrangeira, certas capacidades de abstrao matemtica e o caso do ator que s consegue sentir (...)

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Olavo: Epa! No estou conseguindo entender a sua pergunta.


Aluno: () possvel que no consigamos expressar nossas experincias da realidade para ns mesmos
e para os outros porque no desenvolvemos suficientemente aspectos de articulaes do nosso prprio
corpo fsico?
Olavo: Isso certamente possvel. Por exemplo, ao aprender lnguas estrangeiras, v-se que
diferentes lnguas fazem vibrar diferentes partes do crnio. No Brasil ns movemos muito os
lbios. O portugus do Brasil move muito os lbios. Quando se aprende ingls, notvel
como o ingls fala-se entre dentes, como se fosse linguagem de ventrloquo: quanto menos
mover-se os lbios, melhor, do contrrio no se acerta a pronncia. s vezes a inabilidade de
passar de uma coisa dessas para outra no s torna a sua pronncia deficiente, mas impede que
voc capte o som. por isso que criana aprende lnguas com mais facilidade, elas tm mais
disponibilidade para imitar corporalmente os gestos dos outros o que a gente, depois de
adulto, no tem mais. Mesmo que voc treine, a sua pronncia no ficar boa. Mas a sua
audio pode ficar boa, bem como a sua compreenso das nuances, ainda que voc no consiga
imitar.
Ao falar italiano, vibra-se o cu da boca. E a comea a aparecer uma srie de analogias
absolutamente extraordinrias. Essas cpulas de igreja que apareceram na Renascena, essas
abbadas, so caractersticas da arte italiana. Enquanto os gticos faziam igrejas verticais, os
italianos comeam a fazer aquelas abbadas onde tudo ressoa formidavelmente. A lngua deles
assim, ento o imaginrio espacial deles tambm assim.
A pronncia do ingls, como acabei de dizer, entre dentes, movendo pouco os lbios. Ora,
voc faz isso quando no quer que sua emoo passe para fora. Tem a emoo de um lado e a
expresso verbal que a emoo atenuada, o que eles chamam understatement, ou seja, voc
fala propositadamente menos do que est sentindo ou pensando. Por exemplo, voc est lendo
uma coisa e, ao ver que uma besteira completa, fala isso a no est muito certo. O ouvinte,
se est acostumado, j sabe que voc est querendo dizer que uma besteira completa. Eu no
comeo tive muita dificuldade para me adaptar a isso porque no portugus o contrrio, ele
hiperblico, voc at exagera.
V-se que h muitos traos psicolgicos, existenciais, que esto ligados a uma certa maneira de
expresso corporal tpica de certos povos, lugares, culturas etc. Isso uma coisa muito bonita
de se estudar e observar. Observando isso, uma vez eu pude fazer um experimento com alunos
meus em So Paulo. Eu lia para eles poesia numa lngua que eles no conheciam
absolutamente e pelas analogias sugeridas pelo som eles acabavam entendendo. Lembro que li
para eles uma poesia do Giosu Carducci (1835 1907) chamada Il bove (o boi). Eles no
sabiam nem que bove era boi. Mas foi, foi, foi e eles entenderam quase o poema inteiro.
Aluno: O Slvio est falando aqui que o Amrico Pereira est traduzindo as obras completas do
Lavelle em Portugal e est procurando editora para publicar a coleo no Brasil.
Olavo: Aproveitando, eu quero anunciar para vocs que o Seminrio de Filosofia vai publicar

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alguns livros utilizados por ns aqui. Vamos lanar o livro na seguinte base: ele ser vendido
com um preo para vocs e um preo maior para o pblico em geral, e ser vendido mediante
assinatura. Ns lanamos a assinatura do livro e, dois ou trs meses depois, o entregamos.
Como alguns livros do Louis Lavelle so absolutamente indispensveis, [01:50] ns certamente
somos fortes candidatos a nos tornar editores desse trabalho do Amrico Pereira. Creio que
dentro de um ms, mais ou menos, vamos anunciar para vocs formalmente como isso vai
funcionar. Porque tm muitos livros que so inacessveis, difceis de se encontrar, ou que no
existem em portugus e ns gostaramos de ir formando um pouco desta bibliografia filosfica
em portugus, pelo menos para vocs.
Agora, Bruno, o seguinte: eu no disse que a realidade um complexo de possibilidades, mas
um complexo de latncias. Isso importante. O que eu chamo de latncia? exatamente o que
est presente, que voc sabe que est presente, sem que voc o perceba atravs dos cinco
sentidos como, por exemplo, saber que o corpo de uma pessoa que est presente um corpo
vivo. Isso no uma concluso que voc tira. No basta dizer: eu sei que est vivo porque se
mexe. No assim. Se voc fosse saber essas coisas por concluso, teria de ficar pensando em
milhes de detalhes o tempo todo e isto seria impossvel. Portanto, existe a percepo de
latncia. O que voc percebe menos a presena fsica do que a latncia, ou seja, o que aquele
ente, aquele corpo, ou aquela presena fsica pode fazer. Voc no o percebe s como forma
fsica esttica. Eu acho que j dei nesse curso este exemplo: voc est vindo por uma rua e tem
ali um cachorro deitado. Voc sabe que aquele cachorro pode abanar o rabo, pode latir para
voc, atac-lo ou ficar com medo de voc sabe tudo isso imediatamente. Agora, voc sabe
que ele no vai sair voando, porque se o fizesse no saberia o que um cachorro. Isso quer
dizer que voc tem a percepo imediata do conjunto de latncias. A latncia no s uma
possibilidade, uma fora que j est quase manifestando-se. E essa latncia perceptvel em
tudo. Por exemplo, do conjunto de utenslios que existem na sua sala, voc sabe para que serve
cada um. Tem ali um abridor de lata e voc sabe que ele no serve para escovar os dentes. Em
suma, sejam seres animados ou inanimados, voc sabe a latncia deles (o que eles podem fazer
e o que se pode fazer com eles) e percebe tudo isso condensado na presena fsica, ou
condensado numa presena que tambm latente por exemplo, os objetos que originam
esses sons distantes no exerccio do Narciso Irala. No so simplesmente possibilidades. Por
isso escolhi a palavra latncia. O latente o contrrio do patente o patente o que est
bvio. Uma coisa quando no est patente, est latente. Mas latente no uma mera
possibilidade. Os escolsticos distinguiam entre o que potncia, ato primeiro e ato segundo.
Por exemplo, toda mulher em potncia tem a capacidade de ser me. Se ela j est grvida, est
em ato primeiro. Depois que o filho nascer, em ato segundo, quer dizer, a j me
definitivamente.
Parece que houve um problema tcnico aqui, vamos voltar.
[pausa na transmisso]

O aluno disse: voc disse que o que chamamos de realidade na verdade um complexo de
possibilidades abertas. Bem, eu no disse isso, disse complexo de latncias. E latncia no
mera possibilidade, mas um poder que j est a ponto de se manifestar. Voc tem a percepo

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da presena; por trs dela a percepo da latncia; e por trs dela, a sim, a conjeturao das
possibilidades em aberto. Possibilidades no podem ser percebidas, mas latncias podem. As
possibilidades s sero percebidas por construo mental, por lgica, ou por imaginao. Mas
as latncias no, elas so percebidas como coisas imediatas. Quer dizer que a ao na qual o
ente ou objeto percebido... A latncia no a mera possibilidade, mas um poder, a ao na
qual o ser ou objeto j est envolvido de maneira iminente. Se voc no percebe a latncia, no
entende a situao. Se a nossa percepo fosse apenas a de formas sensveis e estticas ns no
entenderamos nada do que est acontecendo, nem saberamos onde estamos. E se tudo o que
est para alm do perceptvel pelos cinco sentidos fosse conjeturao, voc teria que viver num
mundo de pensamentos, no num mundo de percepes. E isso seria impossvel na prtica.
Se eu digo alguma coisa e sei que a pessoa est compreendendo em mais ou em menos, eu sei
que ela est voltada para a compreenso, praticamente j compreendendo o que vou dizer em
seguida, antecipando aquilo a no ser que eu esteja falando uma coisa muito chata e ela
queira ir embora. Se voc no percebe esta reao latente das pessoas ao que voc est dizendo
ou fazendo, no entende a situao. o que acontece em certos quadros patolgicos, como na
chamada despersonalizao epilptica, em que o sujeito deixa de perceber uma parte da
latncia e fica completamente desorientado.
Como eu dizia, os escolsticos ento distinguiam entre potncia, ato primeiro e ato segundo.
Potncia assim: toda mulher tem a capacidade de ser me. Quando ela engravidou, ela j
quase me. Depois que o filho nasceu, ela j me. A segunda fase que a latncia. Quer
dizer, a mulher que est grvida no tem apenas a capacidade de ser me tanto quanto uma
outra que no est grvida, ou que nunca ficou grvida. Essa capacidade j est em ao.
Aqui um aluno menciona uma parte das Memrias pstumas de Brs Cubas em que Quincas
Borba inventou uma filosofia maluca chamada humanitismo.
Aluno: Em certo trecho, apesar da clara ironia de Machado de Assis sobre essa pseudo-filosofia, escreve
o seguinte na fala de Quincas Borba, ao tratar das boas aes: primeiramente h o sentimento de
uma boa ao e dedutivamente a conscincia de que somos capazes de boas aes. Em segundo lugar,
recebe-se uma convico de superioridade sobre outra criatura [02:00], superioridade no estado e nos
meios, e esta uma das coisas mais legitimamente agradveis, segundo as melhores opinies, ao
organismo humano.(...) Na sua viso, h alguma parcela de verdade nessa afirmao de que as
pessoas que tm uma vida interior mais rica dedicam-se mais a ela, porque vm riqueza nessa vida
interior e se admiram com ela; e as que no tm a mesma riqueza de vida interior no se dedicam a
ela, mas s exterioridades, porque nada vm de bom quando olham para dentro de si mesmas?
Olavo: Isso claro. No exatamente isso que o Machado de Assis est dizendo, mas o que
voc est dizendo e isso verdade. Se voc no tem essa riqueza de mundo interior, voc vive
da exterioridade, vive do olhar dos outros. Ento no como o Safatle diz, que a sua imagem
corporal introjetada desde fora. No voc que est procurando criar uma imagem sua luz
do que o outro est vendo, porque voc no tem um olhar prprio. A riqueza do seu
imaginrio interior, das suas memrias etc., cria um espao interior para voc, onde voc
alguma coisa e voc ento tem uma convivncia consigo mesmo que essas pessoas no tm.

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Na sua solido existe um oceano de presenas. E quando voc se encontra com uma pessoa
que tem a mesma coisa, esses dois oceanos confluem-se e a convivncia enormemente rica.
Mas se no h isso, uma convivncia na qual ningum tem nada para dar e um fica esperando
algo do outro. Isso no uma convivncia, um vampirismo, onde cada um vai tentar
adquirir substncia a partir do outro. feio isso. O ser humano no foi feito para ser assim. Se
ele tem a capacidade de no ser assim, ele tem a obrigao de no ser assim.
Aluno: Minha dvida diz respeito ao seu texto As doze camadas da personalidade. Gostaria de
entender se esses estgios esto necessariamente encadeados na ordem apresentada, apresentando uma
progresso necessria, ou se, ao contrrio, o que se verifica so tipos que podem seguir um trajeto no
linear no decorrer da vida. (...)
Olavo: No, isso impossvel.
Aluno: () Minha dvida surgiu em funo da dcima segunda camada, o destino final, o estar em
completa harmonia com a vontade divina. Me ocorreu que muitos santos podem chegar ao estgio de
contemplao sem que necessariamente tenham sido perfeitos exemplos das camadas anteriores. De
fato, muitos no eram sequer alfabetizados, o que exclui a possibilidade de terem passado pela nona
camada, da personalidade intelectual.
Olavo: Como exclui? O aluno d o exemplo de Joana DArc. Voc veja as respostas de Joana
DArc no processo, e voc v a imensa superioridade intelectual dela em relao aos juzes.
Como no tinha personalidade intelectual? Ela estava entendendo a situao real, eles no!
Voc no vai confundir a personalidade intelectual com o exerccio de certas atividades
escolares ou acadmicas, ou literrias, cientficas. Eu estou falando da personalidade
intelectual, o que a pessoa tem. O que a personalidade intelectual? o conjunto das idias e
crenas que voc tem sobre o mundo, e que voc sabe que tem e que caracterizam a sua
singularidade. Claro que Joana DArc tinha uma personalidade intelectual altissimamente
desenvolvida. O que no quer dizer que esta camada tinha tido uma camada exterior
identificvel; no, no precisa ter.
O aluno pergunta se a sequncia que eu dei uma sequncia objetiva ou se uma exposio
pedaggica. uma sequncia objetiva porque cada camada absorve a anterior, e s pode ser
construda em cima da anterior. Nunca se pode confundir o que a formao verdadeira da
personalidade, com o que a situao externa da pessoa. O sujeito pode chegar a Cardeal da
Igreja sem ter passado da 4 ou 5 camada. Quer dizer, ele est em uma situao que exige um
desenvolvimento pessoal correspondente pelo menos 9 camada, mas que ele no tem
efetivamente. Ento a a vida farsa. Quando o sujeito est em uma camada preciso que ele
tenha a capacidade de ocup-la plenamente.
O conjunto de idias e crenas de Joana DArc que a personalizam mostra uma fora
intelectual tremenda, ainda que ela no tivesse estudado. Isto a maior prova que para
desenvolver a 9 camada, a mulher nem precisou estudar para freqentemente dar um baile em
seus juzes, que eram caras que tinham estudado a vida inteira. E quando voc v a firmeza

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com que ela se atm a sua simplicidade de propsito e no se deixa enganar em um nico
minuto, um nico segundo por aqueles jogos dialticos que os juzes maliciosos faziam em
cima dela; a mulher no sai, ela fica ali mas que coisa! muito impressionante isso a! Isso
uma personalidade intelectual altissimamente desenvolvida. Veja, quer um teste maior para a
personalidade do que voc ser cercado de desafios maliciosos que querem lhe fazer confessar o
que voc no fez, e lhe fazer admitir o que voc no cr? Nas nossas faculdades as pessoas so
submetidas a isso diariamente, e elas caem na primeira. Porm, mesmo Joana DArc correndo
perigo de morte e os caras fazendo todos aqueles jogos dialticos para ver: Ah, vamos pegar
essa mulher, e criando armadilhas lgicas para ela, ela mantm-se impvido colosso, no sai do
lugar. Como no tem personalidade intelectual? A personalidade intelectual voc saber o que
voc realmente sabe, o que voc realmente cr. voc ser responsvel pelas suas idias. voc
saber onde essas idias esto na realidade da sua vida. Joana DArc deu exatamente o exemplo
disso, em cada passo do seu interrogatrio.
Aluno: Caro professor Olavo, no resisto a transcrever aqui um e-mail que um amigo me enviou como
parte de uma conversa sobre filosofia que estvamos tendo. Achei que as suas observaes so muito
interessantes e gostaria que o senhor as comentasse. Ele leitor de Gunon e Schuon e provavelmente as
suas opinies so inspiradas nesses autores. Veja: tambm nunca acreditei na filosofia universitria,
nem jamais encarei a filosofia como uma espcie de carreira. Ela s real se for vivida, como, alis, era
originalmente, na poca em que era uma via espiritual. Hoje em dia os seus mtodos de racicnio
continuam vlidos, mas voc h de concordar que ela no basta para reger toda a vida do indivduo.
Afinal os grandes filsofos gregos ascetas e seus homlogos cristos nem se falam. Mas os mtodos
ascticos especificamente filosficos pitagricos, platnicos, aristotlicos, neoplatnicos se perderam.
Por isso, no meu entender, hoje em dia o que resta dos mtodos filosficos s podem ganhar vida se forem
acompanhados de uma ascese especificamente religiosa.
Olavo: Isto est 100% errado! Ele no est dizendo o que eu estou dizendo, e no verdade
que os grandes filosofos gregos eram ascetas, de maneira alguma. Acompanhando a vida de
Scrates voc v que no h ascetismo nenhum. H apenas a dedicao a um dever que ele
assumiu e isto mais suficiente para construir a sua personalidade [02:10]. No h
necessidade de tcnicas de concentrao, rituais etc. Ao contrrio, tudo isso pode trazer um
mal desgraado. Todas as tcnicas ascticas so extremamente perigosas. Todas elas podem
funcionar s vezes, mas por outro lado podem destrui-lo completamente. Todos os camaradas
da ordem jesuta, por exemplo, fizeram os exerccios ascticos de Santo Igncio de Loyola. De
onde saiu a Teologia da Libertao e tudo quanto porcaria? No foi dos jesutas? Leiam o
livro do Malachi Martin, Os Jesutas, e voc vai ver. A tcnica asctica no garante nada,
meu filho. Pior, se voc confia na tcnica j se alienou. S h uma coisa que funciona: a
sinceridade inflexvel de voc para para com voc mesmo, de voc para com Deus s isto
funciona. O resto tudo sonho, iluso, poesia, romance, quando no idealizao de
iniciaes e rituais etc. Eu j conheci um monte de iniciados e o que eu j vi esses caras
fazendo de besteiras... inclusive Schuon e Gunon. O Gunon eu vi pelo o que estudei, e o
Schuon por observao direta. O Schuon, pela minha convivncia com ele, se demonstrou de
uma falta de discernimento psicolgico assombroso. Situaoes simples que o homem
simplesmente no entendia, e se deixava levar por uma falsa concepo de qual era a sua
posio na realidade pois ele achava que era uma espcie de Papa de todas as religies. Os

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outros no achavam absolutamente, e ele no era de fato. Sem tirar a grandeza dele de muita
coisa que ele fez. Ele era um homem grande, mas ele achava que ele era maior ainda, ento a
errou.
Aluno: Na aula de 06 de junho, o senhor, ao tratar a questo sobre a suprema beatitude do
conhecimento, apresentou o argumento que o conhecimento humano limitado, que essa realidade
que ns devemos compreender, e que essa uma condio intrnseca do ser humano. Concordo, contudo
o senhor usou um argumento que eu gostaria que o senhor aprofundasse agora. O senhor disse que se
adquire um conhecimento no quer dizer que a humanidade tambm o adquire, que no h um
ns na aquisio desse conhecimento, que a aquisio desse conhecimento individual. O que a
tradio cultural ento?
Olavo: A tradio cultural muito simples, meu filho. aquilo que esses vrios indivduos
conseguiram repassar aos outros, e que sempre uma parte do que eles sabem. Parte que o
recebedor do conhecimento ter de complementar com sua prpria imaginao. Shakespeare
passou para voc o que? As peas de Shakespeare. Ele no passou a imaginao de
Shakespeare. No passou o mundo interior de Shakespeare. Voc tem de recompor isso a
partir das peas. E voc s pode fazer se voc adquirir por outros meios, que no a leitura
das peas de Shakespeare, as experincias interiores correspondentes que lhe permitem
apreender parte disso.
Aluno: Pergunto: se o conhecimento ficar registrado em qualquer meio material para isso (livros,
arquivos digitais etc.) no h uma cumulatividade do conhecimento para a coletividade da
humanidade?
Olavo: No. Existe uma cumulatividade dos registros. E este um dos grandes problemas da
humanidade. Porque o universo inteiro um depsito de conhecimentos; tudo o que existe.
Por exemplo, todo o conhecimento sobre mineralogia no mundo est nos minerais. Tudo o
que a mineralogia j sabe e pode vir a saber, est registrado nos minerais. O que falta? Falta
somente voc decodificar. Se voc cria um monte de registros e coloca nas prateleiras, o que
resta a fazer? Decodific-los. E s vezes o registro pode ser to complexo que a decodificao
deles mais difcil do que a decodificao direta dos dados da natureza. Isso um tema que eu
j explorei h quase de trinta anos. O aumento do volume de registros no o aumento do
conhecimento. o aumento dos objetos do conhecimento que tem de ser decodificados para
que se tornem conhecimento. Agora, em cada gerao, voc tem um nmero relativamente
pequeno de pessoas que tm as decodificaes, e que incorporaram aquilo a si mesmo.
Existem dois tipos de progresso do conhecimento: (a) um o progresso da acumulao de
registros; (b) o outro o progresso na gerao de pessoas capacitadas para a decodificao. E
esse o verdadeiro progresso do conhecimento. Progresso que altamente problemtico,
cheio de fracassos, porque s vezes de uma gerao para outra se perde tudo como
aconteceu no Brasil. Quando leio um daqueles crticos literrios dos anos 50, como Otto
Maria Carpeaux ou lvaro Lins, eu vejo a riqueza de sensibilidade daqueles caras. uma coisa
impressionante! Eu vejo os dilogos que havia entre os escritores, entre eles e o Manuel
Bandeira, um Augusto Mayer. Mas que riqueza de experincia humana impressionante. E tudo

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isso se perdeu! recupervel, principalmente se aparece um elo. E esse elo este que vos fala.
Porque eu recebi tudo isso na poca em que existia. E quando foi acabando e foi morrendo, eu
fui vendo isto, e fui ficando angustiado. E quanto mais eu via isso morrer, mas me esforava
para preservar dentro de mim aquilo. Eu dizia no, pelo menos eu vou conservar isso, mesmo
que todo mundo esquea e eu no consiga retransmitir a ningum, bom, pelo menos est aqui,
no morreu. Os registros certamente esto a. Mas se existe uma ruptura total de uma gerao
para outra dificlimo recuperar. Uma boa parte da cultura brasileira ficou ininteligvel. E da
cultura portuguesa ento? Experimentem ler Camilo Castelo Branco ou Aquilino Ribeiro.
Vocs no vo entender a do que esto lendo ali. As geraes e geraes que perderam
contato com a cultura portuguesa, perderam a linguagem. Ento preciso de um esforo
monstro para recuperar isso a.
Um aumento do volume de registros cria uma segunda camada de objetos em cima dos
objetos da natureza os objetos culturais que tem de ser decodificados, tem de se transformar
em patrimnio de pessoas reais. Por exemplo: voc v um escritor bom que em uma gerao
bastante lido, conhecido, comentado etc., e a gerao seguinte o apaga. Quando chega na 3
gerao, aquilo j tornou-se quase ininteligvel. Voc tem de recuperar o imaginrio do
pblico para quem ele falava para voltar a entend-lo. Por exemplo, o Brasil tem grande
escritor que o Jos Geraldo Vieira. Na poca em que ele estava vivo, todos os escritores
brasileiros o respeitavam como uma espcie de guru da arte do romance. Depois sumiu.
Sumiu completamente. Ento hoje, quando as pessoas vo l-lo, aquilo parece esquisito, fica
difcil voc recuperar aquilo. E se passar duas ou trs geraes, bom da s se vier um erudito e
passar a vida estudando aquilo.
Aluno: Por que no foi citado o rico Verssimo como um dos autores brasileiros importantes?
Olavo: Bem, o rico Verssimo tem uma certa importncia, mas ele no um criador original.
Todos os procedimentos dele so procedimentos aprendidos. claro que ele tem o domnio
da tcnica e a usa bem. Eu acho que tem de ler, que O Tempo e o Vento tem de ser lido de
qualquer maneira, uma coisa importantssima da vida brasileira.
O aluno aqui me pergunta qual a minha opinio do Jos Saramago como escritor. Eu nunca
consegui ler o Saramago. Eu tentei vrias vezes. Eu no consigo me interessar por aquilo.
Quando chego na pgina 3, acho que est muito besta para o meu gosto. Eu tentei vrias
vezes. [02:20]
Aluno: Boa tarde, suas aulas esto excelentes. Creio que algo assim jamais tenha sido feito em nosso
pas. Gostaria de fazer duas perguntas: o senhor poderia falar mais a respeito da importncia da
poesia, e se possvel defini-la? Acredito que no se trata apenas de uma questo de estrutura ou forma.
Como se dever ler a poesia? O que o senhor pensa do escritor ingls Charles Williams?
Olavo: Jamais li o Charles Williams. Quanto poesia, eu ainda acho que quem estava na pista,
se que no resolveu o problema, era o Benedetto Croce, em um livro que se chama
precisamente La Poesia. uma leitura que eu recomendo, como comeo de conversa. Eu tenho
uma apostila que se chama Poesia e Filosofia, que est no meu site. Procure l que voc vai

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encontrar isso a. J est um pouco velha essa apostila, mas at onde eu pude esclarecer
naquele momento. Eu acho que se no lhe der uma resposta, pelo menos lhe coloca na pista da
resposta. E como ns vamos voltar a este assunto formalmente em aulas futuras, eu peo que
voc tenha um pouco de pacincia e espere a gente chegar l. Porque se eu for explicar isso
agora, eu tenho que dar outra aula de trs horas.
Aluno: Sobre um comentrio feito em aula passada, eu gostaria de dizer que a Editora 34 est
publicando a obra de Dostoievski e apresentando o trabalho como a primeira traduo direta do
original para a lngua portuguesa.
Olavo: Isso mentira. Teve vrios tradutores: Paulo Rnai falava russo de trs para diante,
Boris Schnaiderman era russo, e tudo isso est na edio da Jos Olympio. Eu no sei se todas
as tradues que esto na coleo da Jos Olympio so direto do original, mas algumas eu
tenho certeza que so. E esse Paulo Bezerra [tradutor das edies da Editora 34], eu no sei se
ele bom como tradutor, eu no li essas tradues, mas me mostraram uma vez uma
introduo que ele fez, e era um besteirol atroz.
Aluno: Sobre o curso, tenho duas breves perguntas: a transcrio de aulas, dita como material essencial
do curso, est sendo feita?
Olavo: Todas as aulas esto sendo transcritas, ns j temos vrias transcries prontas, estamos
apenas com uma dificuldade de correo. Talvez sejamos obrigados a colocar as transcries
disposio de vocs em estado bruto, portanto com a possibilidade de erros. Mas isso logo vai
ser colocado disposio de vocs.
Aluno: At que ponto a idia da arte pela arte, devidamente rechaada em Aristteles em Nova
Perspectiva, compromete a obra de autores como Oscar Wilde?
Olavo: Oscar Wilde tem vrios escritos que tm um sentido moral elevadssimo. H algumas
fbulas que ele escreveu que podem ser usadas at para a educao de crianas. O fato de o
sujeito ser o maior veado da parquia, de levar aquela vida escandalosa, no quer dizer que no
fosse uma boa pessoa, que no tivesse uma alta moralidade sobre outros aspectos. Aquilo ali
foi uma fraqueza, ele se engraou l com o rapaz e tal, e aconteceu. Ele no deve ser julgado
por isso. um grande, excelente escritor, e embora ele s vezes proclamasse esse negcio de
arte pela arte, o sentido moral de tantas obras dele to bvio, que isso era uma coisa mais de
pose porque o Oscar Wilde era um cara muito engraado, ele gostava de fingir, tomar umas
atitudes mais para chocar; pour pater le bourgois. Mas acho que ele no acreditava nisso
realmente. Esse negcio de arte pela arte, acho que ele nunca acreditou, seno no
conseguiria... Por exemplo, tem uma histria de que se chama O Gigante Egosta. Leiam e
vejam se aquilo no uma coisa boa para educar, para a formao da moralidade das crianas.
Est a. Devolvemos a pergunta sobre as transcries.O Silvio Grimaldo est lembrando que a
tarefa de transcries compete aos alunos do Seminrio, e no equipe. Todo mundo tem de
colaborar nesse negcio. Vocs tem de ser bons uns para os outros e se ajudar. Quem quiser
colaborar, entre em contato com o Eduardo Dipp. Todo mundo que puder, por favor,

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colabore. Transcrio um negcio altamente trabalhoso e leva tempo; quanto mais


subdividir, melhor. Tem mais de 30 pessoas participando e tem vrias transcries j prontas.
A gente s est demorando porque eu, incialmente, queria colocar tudo corrigidinho, mas j vi
que no vai dar.
Aluno: Os livros do Jos Guilherme Merchior so adequados aos alunos do Seminrio no momento?
Olavo: Ele escreveu uma Histria da Literatura Brasileira que no terminou, chegou at 1910,
mas que sem dvida a melhor que se escreveu. uma pena que no terminou, mas pelo
menos para conhecer literatura do sculo XIX, eu acho isso imprescindvel. Eu gosto muito de
um outro livro do Jos Guilherme Merchior, que poderia ser interessante para ns, no j, mas
para mais tarde, que Saudades do Carnaval, uma espcie de histria crtica dos modelos
educacionais.
[pausa na transmisso]

Na Histria da Literatura Brasileira, acho que o ltimo autor de que o Jos Guilherme
Merchior trata o Raul Pompia, salvo engano. Ele nunca completou essa obra, o que uma
pena porque, ainda que incompleta, a melhor histria da literatura brasileira que algum j
tentou. Ele tem realmente um compreenso muito profunda dos autores e um excelente
expositor.
E h um outro livro dele que talvez possa nos ser til mais tarde, que Saudades do Carnaval,
que uma histria dos grandes modelos educacionais, como se fossem modelos de
personalidade do homem de estudos propostas ao homem ocidental ao longo da histria.
um livro muitssimo interessante, infelizmente ainda muito influenciado por aquele pessoal da
Escola de Frankfurt, que para mim um bando de charlates. No comeo eu adorava, eu lia
Adorno, Horkheimer, achava os caras de uma profundidade extraordinria. Com o tempo eu
fui vendo que aquilo uma bolha de sabo. Mais tarde falamos disso.
Quanto aos livros de polmica pr-liberal que ele fez, eu os acho muito deficientes. Por
exemplo, O Argumento Liberal, eu acho um livro fundado em uma premissa histrica
absolutamente inaceitvel, que a de que antigamente o destino das pessoas era imposto pela
sociedade, e hoje um destino de livre-arbtrio. Isto absolutamente impossvel porque, se
voc pensar, os meios de educao que existiam na Idade Mdia, por exemplo, eram limitados,
atingiam um pequeno nmero de pessoas. Comparando isso com o aparato educacional que
hoje faz um massacre ideolgico em cima das pessoas, eu digo que o cara da Idade Mdia
estava muito mais livre que o de hoje [2:30] neste aspecto. Quando o Benedetto Croce diz que a
histria a histria da liberdade... Ah, sim! V perguntar para Hitler e para Stlin, porra!
Como pode ser a histria da liberdade? Quando voc l no Benedetto Croce A Histria como
Histria da Liberdade, leia junto o livro do Bertrand de Jouvenel (Du Pouvoir), que a histria
do poder, de como o poder vai crescendo, crescendo, e dominando cada vez mais as pessoas.
Agora, tudo isso um negcio dialtico, voc no tem uma soluo simples. Nem a liberdade
est crescendo em termos absolutos, nem o poder est crescendo em termos absolutos; h uma
luta que, no presente momento, eu acho que o poder est ganhando. Durante o sculo XX

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ganhou, e acho que continua ganhando.


Aluno: Em que medida a experincia musical importante para o processo de enriquecimento do
imaginrio?
Olavo: fundamental, absolutamente fundamental. Porque voc ouvir uma msica e voc
assimilar... Antigamente eu dava este exerccio aos meus alunos: voc vai ouvir, por exemplo, a
5. Sinfonia de Beethoven, e depois ouvir de novo, e de novo, at conseguir assoviar a coisa
inteira, porque a que voc vai pegar a continuidade das experincias interiores que essa
msica sugere. E msica continuidade. Msica a arte que se desenrola no tempo; uma
sequncia de emoes e experincias. como se fosse um sonho acordado dirigido sem
imagens, s com a repercusso interior. Voc abstrai as imagens, mas a repercusso interior
est l. muito importante no s ouvir boa msica, mas decor-la, com-la. s vezes acho
que as pessoas ficam at irritadas comigo pelo nmero de vezes que eu fico tocando as mesmas
msicas. Desde que eu ouvi, por exemplo, as Valqurias. Aquele final das Valqurias, que
comentei no curso da Realizaes, eu escuto pelo menos trs vezes por semana, e ainda no
acabei de comer tudo o que tem ali.
Aluno: O senhor tambm autodidata em lnguas?
Olavo: Sem dvida. Para mim, o nico processo de aprendizado possvel o autodidatismo.
Eu fico impaciente. Por exemplo, quando eu fui estudar alemo na Casa de Goethe, eles
queriam que eu decorasse os nomes de quarenta tipos de salsichas. Bratwurst, Wienwurst. Eu
fiquei revoltado com aquele negcio. O que eu fazia era pegar um livro e tentar ler. Eu tinha
uma professora espetacular, a Daniela Caldas, ento eu lia os negcios, fazia as tradues
capengas e levava para ela corrigir e explicar onde eu tinha errado, e assim aprendi alguma
coisinha de alemo. S que at hoje eu tenho de ler alemo assim, traduzindo. No consigo ler
corrente, tenho que fazer a traduo de cada linha, seno no entendo. Tem gente que capaz
de aprender de outras maneiras, mas todos esses mtodos que eles chamam de impregnao
total, isto pra mim s me enlouquece, porque tudo isso foi feito para voc aprender a falar.
Agora, existe uma diferena enorme entre voc aprender uma lngua para falar e para ler. Tem
um autor, acho que o Frederick Bodmer, que explica isso em uma frase. Ele diz que para falar
voc precisa saber um nmero limitado de palavras, mas que precisa estar na ponta da lngua;
mas para ler, voc precisa saber mal uma infinidade de palavras, pois voc no ter de recordlas por si mesmo, voc s vai recordar quando elas aparecerem. um negcio que mais vasto
e de certo modo passivo. Eu nunca aprendi nada para falar, aprendi para ler e s vezes um
pouco para escrever. Ento esse negcio de conversao nunca me interessou, para mim
perda de tempo. Tanto que a primeira vez que vim aqui nos EUA, em 86, eu falava ingls,
conversava com as pessoas, s que elas riam do meu jeito de falar, porque era muito pedante.
Para pedir um cachorro-quente, falava aquilo em linguagem universitria, usando palavras de
origem latina. Ento eu perguntava se tinha falado alguma coisa errada e as pessoas diziam:
no, but its a little bizarre. o understatment, ou seja, completamente ridculo.
Do mesmo modo quando eu cheguei na Frana. Quando fui fazer o teste na Aliana Francesa,
eles j me colocaram no ltimo ano; eu tinha aprendido do jeito que eu contei para vocs. Fui

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fazer o teste e me disseram: no, mas o senhor j sabe muito francs, vamos coloc-lo logo
no ltimo ano. Cheguei na Frana confiante dos meus poderes francfonos, e fui logo no
prdio da UNESCO, onde tinha um senhor sentado na portaria. Eu disse monsieur, sil vous
plit, o est la delegacion brazilienne?. Ele olha para mim e diz: o senhor portugus, no ?.
Aluno: Sempre tive o costume de escrever coisas enquanto lia uma outra coisa. Com relao a esse
exerccio de memria e percepo do Lavelle, tentar escrever pode ser uma continuao do exerccio?
Olavo: Pode, mas somente quando voc aprofundar devidamente a experincia anterior. Voc
pode registrar algo de sua experincia anterior e at talvez seja bom que o faa, porque pode
ser til para outras pessoas. Mas no comeo resista tentao de escrever, guarde tudo dentro
de voc. Depois mais tarde, quando escrever, j vai ser um negcio mais definitivo.
Aluno: Estou assistindo ao Seminrio, mas no consigo entrar no chat.
Olavo: Entre no Ustream. Voc tem de se registrar l seno no vai conseguir entrar no chat.
Aluno: Gostaria de sugerir o programa IBM Via Voice, a fim de que as transcries sejam agilizadas.
Trata-se de um programa que descreve diretamente o que dito, necessitando apenas acrescentar a
pontuao.
Olavo: , poderia facilitar. Eu comprei um Via Voice e tentei dom-lo, mas ele insistia em
escrever do jeito dele escrever o que ele queria, e no o que eu queria. Talvez minha voz
no tenha se adequado muito bem. Mas uma sugesto boa.
Aluno: Gostaria de fazer uma pergunta que acredito nada ter a ver com a aula de hoje, mas vamos
l. A maioria das questes que tem grande importncia para mim so referente a Deus. No passado li
vrios livros de teologia. Em que medida isso ajuda ou atrapalha?
Olavo: Isso s pode ajudar. Qualquer coisa que voc faa para responder uma questo que
realmente lhe interessa boa para voc. Eu s sugiro que voc faa isso de acordo com o
mtodo que ns explicamos no comeo, que a formao da bibliografia, reconstituio do
status quaestionis. Agora, por outro lado, uma coisa voc ter uma dvida teolgica, outra
coisa voc ter uma dvida existencial com relao a Deus. Se a dvida existencial, se uma
busca de Deus, ento voc ter de buscar atravs da orao, voc vai ter de falar com Ele, falar,
falar, at que Ele decida lhe dar uma resposta. Isso funciona.
Aluno: Professor, o que o senhor acha do Elias Canetti?
Olavo: Eu no conheo o Elias Canetti como romancista, s li aquele livro Massa e Poder, que
parece uma boa anlise sociolgica. Ele como socilogo muito bom, agora no sei se como
romancista tambm . Falam muito bem, mas no sei.
Aluno: Acompanhando a aula de hoje, pude perceber sob certos aspectos uma relao com o filme
de Truffaut, Farenheit 451, em que um grupo de bombeiros, certamente uma metfora dos professores
[2:40]

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da USP, queimava livros encontrados em qualquer ambiente de uma cidade. Considerando a


impossibilidade de veiculao material dos livros , graas ao ataque dos bombeiros, certos indivduos se
transformavam em livros-humanos. Assim o filme transmite o problema do ambiente adverso que fora
a conscincia individual no sentido de absorver oralmente as obras clssicas. (...)
Olavo: Maravilha! isso mesmo! Temos que fazer de conta que estamos naquele ambiente do
Farenheit 451, em que os caras esto queimando todos os livros, e a gente tem de decor-los.
Aluno: (...) H algum paralelo entre a idia do filme e a proposta dos exerccios desta aula?
Olavo: Sem sombra de dvida.
Aluno: A latncia captada pela estimativa ou aquela ultrapassa o seu campo de atuao? possvel
fazer esta relao?
Olavo: A resposta a seguinte: no sei. Eu acho que o conhecimento por presena uma
forma de conhecimento especfica, e acho que ns temos uma capacidade especfica de
perceber esta presena latente. Eu acho que no estimativa, uma outra coisa que no foi
nomeada na tradio filosfica, mesmo porque o conhecimento por presena raramente foi
estudado. Existe alguma coisa disto na filosofia islmica, mas a nica exposio que eu
encontrei, achei um pouco desastrada, porque o sujeito sabe muita filosofia islmica e sabe
muita filosofia ocidental, mas as referncias que ele tem na filosofia ocidental so Wittgenstein,
escola analtica, essa coisa toda, o que s vai confundir a guerra. Este um problema que para
mim ainda est em aberto.
Eu diria, na verdade, que o conhecimento por presena adquirido por confisso, por
admisso. uma coisa que voc s comea a admitir quando realmente se abre para aquilo e
comea a confessar para si mesmo o que voc j sabe, sem fazer nenhuma crtica filosfica, sem
analisar a coisa, mas somente relatando para voc mesmo, como por exemplo no exerccio do
Narciso Irala. Note bem, esse exerccio apenas uma amostra parcial do que eu estou falando
do conhecimento por presena. Mais tarde eu vou dar outros exerccios que tornaro isso mais
claro. Eu acho que a estimativa pode entrar como uma contribuio, para completar o que no
est sendo percebido, mas a percepo de latncia em si mesma no estimativa.
Aluno: Era comum que outros manifestassem a meu respeito um conceito muito acima daquilo que eu
de mim vislumbrava. De primeiro aquilo no me intrigava muito, porque eu achava falsa cortesia e
exagero. Entrementes, Louis Lavelle dizia que os homens, embora no o percebam, comunicam entre si
com o mais profundo de si mesmos, a ponta da alma que fala por meio da vocao no me lembro as
palavras exatas. O que ao interlocutor evidncia, ao homem a quem ele se refere surpresa, por vezes
grata, por vezes decepcionante. At que ponto este testemunho, considerando que venha de pessoas
sinceras, indcio do que se h de fazer?
Olavo: Se que eu entendi a sua formulao da coisa... em primeiro lugar, a avaliao que as
pessoas fazem umas das outras, ela s importante quando uma avaliao positiva. Se
algum falar mal de voc, mande passear. Agora, se for um elogio sincero, aquilo pode fazer

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bem. S aceite crticas quando voc mesmo as pedir. A no ser que seja uma pessoa que tem
alguma autoridade sobre voc, e da qual voc precisa do parecer um diretor de conscincia,
um professor, uma coisa assim , e que voc sabe que vai julgar a coisa com objetividade e
seriedade. Fora isso, no oua crticas e nunca fale mal de ningum. Claro que isso no tem
nada a ver com o combate cultural, que deve ser implacvel.
Mas, por exemplo, nunca diga coisas do tipo fulano de tal muito preguioso, ou ele muito
mulherengo, ou ele veado etc.. Isso um vcio que destri a inteligncia porque, de fato, s
serve para voc imaginar que melhor que o outro. E para qu imaginar que voc melhor
que o outro se voc nunca ser o outro? Que diferena far ser melhor ou pior que ele? O que
interessa o seguinte: ser melhor hoje do que voc era ontem, melhor que voc mesmo isto
a nica coisa que interessa. Os outros nada podero fazer por voc; sobretudo, os defeitos
deles, para qu vo lhe servir? Na minha casa isso norma: no venha falar mal de ningum.
Entre os alunos tambm; um aluno que chega criticando o outro, eu j mando praquele lugar
na mesma hora.
Se o sujeito tem um defeito, voc vai l e o ajuda. So coisas to simples: no fazer fofoca, no
criticar as pessoas por pequenos defeitos pessoais que, inclusive, elas podem perder de um
dia para o outro. No perca tempo com essas bobagens. Se as pessoas falam bem de voc,
timo, pode acreditar. Se falarem com sinceridade que voc um gnio, pode acreditar. No
vai lhe fazer mal nenhum. Se voc no for um gnio, ao menos desenvolver o seu talento.
Aluno: O que voc recomendaria para iniciantes no estudo da psicologia, e onde na Europa encontro
as melhores histrias desta cincia?
Olavo: A capital da psicologia no Europa foi Zurique. Todo mundo que interessava morava
ou deu aula ali durante um tempo. A Zurique durante os anos de 1920 a 1940, at o comeo
da II Guerra Mundial, e at depois continuou a ser um centro importante. A psicologia do
sculo XX uma coisa to imensamente rica, e o que dela se ignora nas faculdades de
psicologia no Brasil at mais rico. Quando eu falava dos grandes psiclogos do sculo XX,
falava do Szondi, por exemplo, ningum tinha ouvido falar. Dentre os psiclogos formados
em universidade, ningum tinha ouvido falar. Falava do Maurice Pradines, nunca ningum
tinha ouvido falar; falava do Ren Le Senne, tambm no. Por isso eu pergunto: o que vocs
sabem? Alm de Freud e behaviorismo, no sabem nada, so um bando de ignorantes. E em
psicologia a coisa ainda pior que na filosofia.
O que eu recomendaria para voc ler? No recomendo para voc ler, mas recomendo para
voc ter, o Tratado de Psicologia do Maurice Pradines que um livro meio difcil de achar.
No precisa comprar, ns vamos traduzir e soltar no Seminrio, espere que voc ter isso.
Enquanto isso, se voc puder ler os livros do Paul Diel, Psicologia da Motivao e Simbolismo na
Mitologia Grega, so livros altamente sugestivos e que s podem lhe fazer bem.
Aluno: Em primeiro lugar, parabns pelo curso. Quero saber se os livros do professor Denis Rosenfield,
Jos Giusti Tavares e Jos Guilherme Merquior so dignssimas excees ao estado fecal da cultura
universitria e editorial brasileira.

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Olavo: O Denis Rosenfield escreveu uma tese excelente sobre o Ren Descartes. No so
grandes descobertas originais, mas ele um profissional deste estudo, ele sabe do que est
falando. O Jos Giusti Tavares escreveu livros importantssimos sobre a situao poltica atual
do Brasil, inclusive sobre o PT. Ele um homem que veio da esquerda, um social-democrata,
alis, era. Outro dia ele disse fui social-democrata minha vida inteira, mas agora descobri que
s serve para ajudar comunista. [2:50] No diga que no avisei, n? E o Jos Guilherme
Merquior acabei de falar dos livros dele no um pensador original, no um filsofo
original. um excelente crtico literrio, acho que ele foi o melhor historiador da literatura
que houve no Brasil. Justamente o ponto em que ele podia ter produzido mais, que era
histria da literatura, ele abandonou para fazer outras coisas. Mas, claro que so trs autores
que merecem ateno.
Aluno: Estou aprendendo muito, apesar de ter perdido todos os meus antigos amigos...
Olavo: Ora, mas para qu serve? Uma vez o meu filho Pedro, quando era pequeno, falou:
pai, vou pegar os brinquedos que no uso mais e vou dar para os meninos pobrezinhos.
Respondi que muito bem, meu filho, uma boa inteno. Depois ele voltou dizendo que
tinha mudado de idia, que no os daria mais. Quando perguntei porqu, ele disse: a eles vo
querer ficar meus amigos, vo me encher o saco. No procure muitos amigos no, v pela
qualidade e, sobretudo lembre-se da definio que So Toms de Aquino dava para a amizade:
amizade querer as mesmas coisas e rejeitar as mesmas coisas. Seu amigo quem vai para
onde voc est indo e leal a voc nesta caminhada. No aquele que s tem uma simpatia
passageira porque no Brasil amizade parece que coisa assim, de atrao gentica, que uma
pessoa gosta, simpatiza com a outra, ento diz que amiga. Mas isso no quer dizer nada, a
amizade tem de ser baseada em afinidades mais srias, mais profundas e mais duradouras.
Aluno: Sempre que o senhor discorre sobre os perigos da alienao na sociedade brasileira
contempornea, lembro-me de Otto Maria Carpeaux. Como um homem capaz de produzir tesouros
magnficos como a Histria da Literatura Ocidental ou a Histria da Msica definhou a ponto de
terminar a vida assinando manifestos estudantis e escrevendo um pobre trabalho biogrfico apologtico
de Alceu Amoroso Lima?
Olavo: realmente uma coisa espantosa. O Brasil destruiu o Otto Maria Carpeaux, ele chegou
no auge da criatividade, tudo que ele escreveu de realmente bom foi escrito entre a sua
chegada (acho que em 1939) e 1956. A partir dali comea a cair, cair... De vez em quando ele
ainda levanta um pouco, como quem diz Eu ainda sou o Otto Maria Carpeaux, mas comea
a fazer muita besteira, vai perdendo o gs, at que termina escrevendo aqueles artiguinhos
polticos cheios de mentiras, tudo quanto era mentira do Partido Comunista. O Partido
mandava escrever, ele escrevia igualzinho. Isso aconteceu, em parte, por causa do seguinte: eu
tenho umas cartas do Otto Maria Carpeaux que ainda pretendo publicar um dia,
infelizmente no tive tempo de trabalhar nisso , uma coleo de cartas dele ao seu melhor
amigo, que era o Pedro Trompowsky, uma grande pessoa. Ali voc v que a esposa do Otto
Maria Carpeaux estava assustadssima, achando que a sua casa estava cercada, que eles estavam
sendo espionados. Eles viveram em Viena sob ocupao alem e passaram momentos de

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terror. Quando chegaram no Brasil o que houve contra o Otto Maria Carpeaux? Ele nunca foi
preso e houve um nico processo contra ele, em que ele deps por duas horas e o prprio
promotor cancelou o processo. Isso foi tudo. Ou seja, nunca foi espionado, perseguido ou
coisa alguma o total da perseguio foi isso.
Mas eu sei como era o zunzum nos meios esquerdistas, um negcio altissimamente exagerado.
Pelas notcias que me chegavam e eu estava no meio esquerdista na poca a gente tinha a
impresso que estava havendo uma noite de So Bartolomeu todo dia, que estavam matando
gente pra caramba. Quando voc v, no fim de vinte anos morreram umas trezentas pessoas
metidas na guerrilha, a maior parte em combate. Tem alguns que eu acho que foram de fato
mortos na cadeia, mas a maioria foi morta em combate. Trezentas pessoas armadas que levam
uns tiros ao longo de vinte anos, isso a no nada num pas de dimenses continentais
enquanto em Cuba havia cem mil prisioneiros polticos ao mesmo tempo. Isso no Brasil no
era nada; ento porque todo aquele barulho? At hoje, nada me tira da cabea que isso a foi
uma reao, porque quando houve o golpe de 64, se espalhou que seria uma matana. Ento,
todas as lideranas comunistas fugiram para dentro das embaixadas, e no teve matana
nenhuma: morreram exatamente duas pessoas em 64, uma delas por acidente. Depois que eles
estavam nas embaixadas e viram os milicos tomarem o poder sem ter matado ningum, ficou
aquele negcio: o que eu vou dizer l em casa? E o vexame desta covardia extraordinria?
Lembro-me que ns, que ramos estudantes, samos procurando as lideranas e elas haviam
desaparecido! O Luiz Carlos Prestes fugiu com tanta pressa que at deixou em casa as
cadernetas com os endereos de todos os contatos dele, facilitando a priso de todo mundo. E
a se v o terror pnico que deu. Esse terror pnico, esta covardia criou depois um complexo,
ento eles comearam a exagerar o perigo para no dizer que correram de coisa pouca. Muito
compreensvel, mas que uma vergonha, isso . Ficaram vinte anos aterrorizando seu prprio
pessoal, sobretudo os jovens, aumentando os perigos!
Uma vez, eu fiz uma pesquisa na escola de formao de oficiais da Polcia Militar de So
Paulo, e ela tinha umas provocaes polticas, pra ver como era a cabea dos jovens oficiais,
essa coisa toda. E, realmente, eu fui preso por causa disso. Pensei: p, vo me botar no paude-arara, vo me bater aqui..., mas o sujeito me ps numa sala l e me deixou horas
esperando. Era sexta-feira, fechou a academia, eu vi todo mundo saindo pelo porto, vi pela
janela todos indo embora, as luzes apagando... E agora? estou aqui preso, no posso sair, no
posso pular pela janela, a porta est trancada, vo me deixar aqui para morrer de fome, ou
ento viro aqui me bater, me pr no pau-de-arara, me dar choque eltrico... Em pouco
tempo, veio um tenente japons, me fez duas perguntas e me mandou embora! Que
anticlmax! Eu queria contar para as pessoas que fui uma vtima da ditadura mas, lamento
decepcion-los, no aconteceu nada. E acho que com muita gente foi assim. Tinha um sujeito
que havia sido diretor de um jornal comunista no tempo da Intentona de 1935, que era
regularmente preso; qualquer coisa que acontecia, ele era preso. Trabalhava comigo no Dirio
Popular em So Paulo. Mas era assim, o prendiam, chamavam o Seu Antnio Pinto de
Freitas! s vezes mandavam um tanque de guerra pra prend-lo , ele era levado l pelos
meganhas e meia hora depois j estava de volta. Ah, me fizeram as perguntas de sempre e
mandaram embora. A muita gente aconteceu isso. Eu tive uma parenta que, quando estava
presa, todo mundo dizia que ela havia apanhado tanto que tinha perdido um rim. Eu sei que

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eu estava com ela na vspera da sua priso, e fui busc-la no dia em que ela saiu da cadeia. Ela
estava muito melhor do que quando tinha entrado: saudvel, corada, gorda. At hoje ela est
na lista das vtimas da ditadura, mas ela morreu de velha na Sucia. Tudo isso a uma
mitologia, uma auto-vitimizao hiperblica.
Este ambiente de falsidade e mentira estragou muita gente, e tenho a impresso de que o Otto
Maria Carpeaux, por ter vivido na Alemanha nazista, acreditou em tudo isso. Da o que ele
fez? Quem lhe ofereceu proteo foi o Partido Comunista, que tinha o monoplio dos
empregos na mdia. Se voc perdia o emprego num lugar, o pessoal do Partido j vinha com
uma lista de oito empregos. Quem no era do Partido no tinha esta moleza. E o Otto Maria
Carpeaux, por exemplo, quando faliu o Correio da Manh ele no perdeu o emprego,
ningum foi expulso; o Correio da Manh faliu, no foi o governo que fechou o prprio
pessoal do Partido que arrumou outros empregos pra ele. Ento ele devia acreditar em tudo
que a turma do Partido contava e, voc acompanhando os artigos dele, aquilo est cheio de
mentiras grossas, estpidas, que eu sei de onde vinham. exatamente como o Jos Hamilton
Ribeiro, reprter da revista Realidade, contou da cobertura que ele fez no Vietn, onde ele
pisou em uma mina e perdeu uma perna. [3:00] Ele disse o seguinte: ns sabamos que todos
os nossos informantes eram agentes do Vietcong, e que eles estavam mentindo pra ns. Mas a
gente aceitava, porque era bonito ser de esquerda.
Agora, eu acho que o Otto Maria Carpeaux nem sabia, acho que ele realmente acreditava que
a casa dele estava cercada de tanques se ele no acreditava, pelo menos a mulher dele
acreditava , e acreditou em todas aquelas besteiras que o Partido Comunista falou. Eu
tambm acreditei na poca, s que depois eu continuei estudando o negcio e vi: p! Me
fizeram de trouxa! E o Otto Maria Carpeaux no viveu o suficiente para isso. Eu sei o mal
que esta impregnao de um ambiente de mentira faz pra pessoa. Agora, imagine aquele cara
refugiado do nazismo, sentindo que fugiu daquele negcio na Europa e estava tudo
acontecendo aqui de novo, um terror pnico total. Ele ento se agarrava ao pessoal do
Partido como sendo a garantia dele. Isso foi acabando com a sua vida, ele mesmo disse um dia
que a sua carreira literria estava esgotada, e que dali por diante ele somente se dedicaria luta
dos estudantes brasileiros etc. Suicdio intelectual. Ele morreu desesperado, deprimido. O
Brasil faz isso com as pessoas. Eu vi o Brasil liquidar o meu amigo Bruno Tolentino, que era
para ter desempenhado no pas uma funo pedaggica da mais alta importncia. Era festinha
daqui, puxao de saco dali, fofoca, falam mal, e ao mesmo tempo puxam o saco dele, o levam
para as festinhas, oferecem cocana, no sei que mais, cai para as gandaias o bundalel,
como ele chamava e acabaram com o sujeito! Ele no Brasil no fez praticamente mais nada,
somente publicou o que j tinha escrito antes. O que ele tinha feito antes, o que ele trouxe
debaixo do brao para o Brasil era uma verdadeira fortuna, um tesouro! Mas, no Brasil, ele
no fez mais nada. O Brasil corrompe as pessoas.
Aluno: A presena de que fala o Louis Lavelle o mesmo conceito de que fala o Luigi Giussani?
Olavo: No sei, eu no lembro o que o Luigi Giussani disse a esse respeito. Muito
provavelmente , porque o Louis Lavelle era um autor catlico, um filsofo catlico
extremamente influente nos meios catlicos mais ou menos at os anos 60. Eu acredito que o

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Giussani se formou numa poca em que as idias do Louis Lavelle estavam circulando por a.
Ento, provavelmente a mesma coisa, mas eu no posso jurar.
Aluno: Voc no acha que, no caso de morte cultural brasileiro, o que aconteceu com o Otto Maria
Carpeaux no similar quilo que aconteceu na Rssia com ???? (...) [3:03:25] e depois deflagrou na
Revoluo?
Olavo: Eu vejo que na Rssia no houve propriamente uma decadncia cultural, o perodo
anterior Revoluo era um perodo de extrema criatividade e at os camaradas que foram
embora, como o Berdiaev, continuaram produzindo coisas extraordinrias no mundo. Por
exemplo, o Pitirim Sorokin, que era um cientista poltico, um socilogo e que foi ministro do
governo Kerensky, teve de sair correndo de l para que no o matassem. Veio para os Estados
Unidos e foi aqui que ele fez a sua grande obra de socilogo, um negcio monumental. Ento,
eu nunca vi decadncia cultural na Rssia. L houve perseguio, houve opresso, tanto no
Czarismo quanto depois, cem vezes mais, no perodo comunista, mas eles no cederam.
O que eu acho que destri culturalmente as pessoas no a violncia, no o terror; a
corrupo da alma. Os caras da nova ditadura mundial estudaram a experincia da Unio
Sovitica, da China, e concluram que no podiam mais fazer daquela forma: seria melhor
dominar as pessoas por meios no-aversivos. Ento se trata de corromper e enganar as pessoas
e eu acho que isso muito pior. Veja, quando acabou o comunismo na Rssia se viu que a
f religiosa do povo russo no tinha diminudo em nada; aquela propaganda anticrist macia
no funcionou. Funciona muito mais o que eles esto fazendo agora: ns somos cristos, mas
temos de compreender as outras religies, e voc vai se fundindo s outras religies e fazendo
uma espcie de pool inter-religioso. No fim, o Papa vira um representante do ecumenismo, do
dilogo ecumnico. E isso estraga tudo, isso corrompe muito mais, destri a f, porque tudo
vira palhaada, teatro. E quando tudo vira teatro, as pessoas no confiam mais naquilo. Voc
quer cristianismo? Ah, meu filho, ento voc vai ter de mostrar aqui os santos cristos, as
aparies de Nossa Senhora, os milagres, tudo isso. No vir com essa conversa boc de que
temos de ser tolerantes etc. Tolerantes? A sua religio funciona? Me mostra a os milagres, o
que o seu deus faz? No fez nada? Ento no me interessa muito simples. Porque uma
coisa so os sistemas de crenas; democraticamente, tem-se que aceitar que o sujeito tenha
qualquer crena, pode acreditar no que ele quiser. Alguns sistemas de crena so nobres,
elevados etc. Mas outra coisa a realidade de Deus como presena agente, o que no depende
da sua f religiosa Ele age porque quer. Ele recomenda que voc tenha f, e recompensa sua
f de alguma maneira; mas se voc no tiver, Ele no pode agir. Que f tinha So Paulo
Apstolo quando Deus o derrubou do cavalo? Tinha f nenhuma! Foi iniciativa de Deus e isso
que a coisa decisiva, a ao divina e no a sua religio. Isso no uma questo de crena,
uma questo de realidade. Desde que eu descobri isso deixei de me interessar por esse assunto.
Eu estudava antigamente religies comparadas etc., e perdi cem por cento do interesse; porque
o que interessa comparar religies? Vamos supor que eu morra e v pro Juzo Final, no que
isso vai me ajudar? Em nada, porque l tem um Deus que eu j no compreendia antes e vou
compreender menos ainda, e estou na mo d'Ele, que far o que quiser! Ento s isso
interessa. Voc pedir a Ele que quebre o seu galho, s isso.

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Aluno: Minha dvida sobre Paul Ricoeur. Ele tem um livro que fiquei curioso para ler, parece
tratar de um tema pertinente a temas interligados que creio terem figurado em muitas de suas
ltimas aulas: a memria, a histria e o esquecimento. O livro se chama justamente "La Memoire.
recomendada a leitura, tem relao com os temas de que tratamos?
Olavo: Especificamente esse livro do Paul Ricoeur eu no li. Eu acho que na obra do Paul
Ricoeur tem muita coisa interessante sobre essa coisa da hermenutica. Tudo isso pode ser
bom, mas no sei se isso teria alguma utilidade para ns agora. Mas tambm tem certos
aspectos muito fracos, onde ele cede aos dolos do tempo. Sinceramente no sei o que lhe
dizer, se voc quiser ler, leia, mas no diga que fui eu que mandei.
Bem, hora de terminar. At a prxima semana e boa noite!
Transcrio: Daniel Bera, Eduardo Queiroz, Djane Bouas de Carvalho Britto, Jos Correa de Melo, Luza
Monteiro de Castro, Jos Manoel Domingues, Rodrigo Fernandez Peret Diniz e Ronald Pinheiro
Reviso: Marcelo Hamnickel, Mariana Belmonte
Reviso final: Mariana Belmonte

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