Correio Das Modas Jornal 1820
Correio Das Modas Jornal 1820
Correio Das Modas Jornal 1820
ABSTRACT: The present work aims to make visible the representation of women in
newspapers Correio das modas (1807), published in Lisbon and the Novo Correio das
Modas (1854), published in Rio de Janeiro. Although there are periods of distinction
and origin of the newspapers, there was a common way to write and publish their own
stories of the day, which allows closer relations between Lisbon and Rio de Janeiro to
place the communication network that was among them. To this end, these newspapers
were analyzed from the perspective of the New Cultural History, which has considered
the uses of writing as a very significant source for understanding how communities and
individuals construct their representations of the world and invest them with meaning.
Correio das modas and Novo Correio das Modas were for women, and also submit their
materialities distinct similarities both periodic point to guide your readers on ways and
means to be a woman on both sides of the Atlantic. In this sense, the papers mentioned
above offered to readers of the Lisbon and Rio de Janeiro, at different times,
instructions on the home life while having fun through the various literary genres in the
nineteenth century.
Key words: Journal; Woman; Eight hundred.
1
Doutorado em Educação pela Universidade Federal da Bahia. Professor Adjunto da Universidade
Estadual de Feira de Santana.
2
Doutorado em Letras pela Universidade Federal da Paraíba. Professora do Programa de Pós-Graduação
em Educação da UFPB.
Revista Graphos, vol. 14, n° 2, 2012 | UFPB/PPGL | ISSN 1516-1536 68
Introdução
A imprensa feminina europeia surgiu nos fins do século XVII em fevereiro de
1693, na Grã-Bretanha, através do jornal Lady’s Mercury, no qual trazia pauta variada e
serviu de modelo para o mundo todo (TEIXEIRA e VALÉRIO, 2008). No século
seguinte, emergiram outros periódicos femininos, a exemplo de Jornal des dames
(1750-1778), Courrier de La Nouvouté, Feile Hebdomadaire à l’Usage des Dames
(1758) na França, e Female Spectator (1774-1746) na Grã-Bretanha, Akademie der
Grazien (1774-1780) na Alemanha, Toilette (1770), Biblioteca Galante (1775) e
Giornale delle Donne (1781) na Itália (BUITONI, 2009). De acordo com Teixeira e
Valério (2008), “nessa época, as revistas desse estilo traziam uma fórmula editorial
voltada aos afazeres domésticos, às novidades da moda, algumas traziam até moldes de
roupas e bordados, grande novidade que se popularizou [...]”.
Já no século XIX, na civilização ocidental, houve uma proliferação de jornais
voltados para o público feminino, pois a imprensa tornou-se um meio de comunicação
mais usual entre a população alfabetizada. Em Portugal, o primeiro jornal destinado ao
público feminino surgiu em Lisboa no ano de 1807, sob o título Correio das Modas
“com figurinos e secções recreativas, ao elevado preço de 240 réis, de que saíram
apenas 5 números” (TENGARRINHA, 1989, p. 54). Posteriormente, foram publicados
outros como, O Recreio: jornal das famílias (1835-1842); A Abelha: jornal de utilidade,
instrucção e recreio (1836); O Ramalhete: jornal d'instrucção e recreio (1837-1844)3; O
Beija-Flor, semanário d‟instrução e recreio (1838-1842).
No Brasil, a imprensa feminina emergiu apenas na década de 20 do século XIX,
na província do Rio de Janeiro, com a publicação d‟ O Espelho Diamantino em 1827.
Em 1829, surgiu o Mentor das Brasileiras (1829-1832), publicado na província de
Minas Gerais. Segundo Buitoni (2009, p. 32), “a imprensa feminina brasileira começava
a nascer por volta de 1820, junto com a efervescência política da independência,
constituinte etc.”. A partir de então, inúmeros títulos foram lançados, a saber: O Espelho
das Brazileiras (1831), O Correio das Modas (1839), Jornal das Senhoras (1852-1855)
entre outros4.
Entretenimento, moda, comportamento e utilidades domésticas eram os temas
centrais dos jornais portugueses e brasileiros destinados às mulheres no século XIX. Por
meio desses temas, o presente trabalho tem como objetivo tornar visível a representação
de mulher nos jornais Correio das Modas (1807) publicado em Lisboa e Novo Correio
das Modas (1854) publicado no Rio de Janeiro. Destacamos que ambos encontram-se
disponíveis na Internet, o que nos facilitou o acesso a esse material. Nessa perspectiva,
partimos dos seguintes questionamentos: Como deveria ser a mulher no século XIX?
Como deveria se vestir? Qual a importância da moda e do recato ao se vestir? Quais as
orientações sobre moda e conduta dadas às leitoras?
Em nossa análise, levamos em consideração que o ser mulher ou homem, além
de ter base nas diferenças biológicas, é algo constituído historicamente, conforme
afirma Safiotti (1987, p. 8):
3
O Recreio: jornal das familias. Lisboa: Imprensa Nacional, 1835-1842; A Abelha: jornal de utilidade,
instrucção e recreio. [Lisboa: Impr. de C.A.S. Carvalho], 1836; O Ramalhete: jornal d'instrucção e
recreio. Lisboa: Imp. de C. A. S. Carvalho, 1837-1844.
4
Cf. a relação de títulos de periódicos femininos do século XIX nos estudos de Lima (2007) e Buitoni
(2009).
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hum quarto de hora‟. Assim, ao mesmo tempo em que o jornal ensina às leitoras a se
vestirem, segundo as tendências de Paris, Londres e de Lisboa, também as divertiam
através de diversos gêneros literários.
Na introdução do referido jornal, há a informação de que são publicados dois
folhetos a cada mês, de forma quinzenal. Cada número consta de dezesseis páginas com
duas figuras, totalizando 80 páginas disponíveis atualmente na Internet. Na época de sua
circulação, os interessados poderiam fazer a assinatura na Loja Borel aos Martyres,
pagando um valor de 240 rs (duzentos e quarenta reis) por cada folheto. Para obter um
maior número de assinantes, o redator oferecia vantagens, afirmando que receberiam em
primeira mão as ilustrações e descontos de dez por cento, o que evidencia uma
estratégia de ampliação de venda do jornal.
Conforme o título do periódico e o objetivo acima apontados, o tema central é a
moda. Embora o redator reconheça os inconvenientes do luxo e da moda, ele afirma que
ambos “[...] produzem grandes vantagens, promovendo os progressos das Artes, e
fomentando diferentes ramos de industria [...]” (CORREIO DAS MODAS, 1807, p.4).
Entretanto, o jornal não trata apenas de moda. Nele, há seção de entretenimento, com
coleções de contos, anedotas e ditos sentenciosos, sob o título de „Entretenimento de
hum quarto de hora‟. Assim, ao mesmo tempo em que o jornal ensina às leitoras a se
vestirem, segundo as tendências de Paris, Londres e de Lisboa, também as divertiam
através de diversos gêneros literários.
Um dado curioso do jornal que ora analisamos é que não apresenta ilustrações.
Entretanto, na introdução do jornal, o redator comunica às leitoras que as figuras
estavam disponíveis apenas para as assinantes do Correio das Modas. Há somente as
descrições delas, segundo um exemplo sobre a figura „Dois vestidos serios‟:
Hum vestido de fina caça bordada, sobre outro de setim branco, cauda
bem comprida, decotado bastantemente nas costas, e hombros, mas
por diante que suba acima dos peitos de maneira apertado, que faça
formar a figura dos dois peitos, debruado com huma fita, as mangas
curtas, e largas, que as atravesse huma fita bordada. O penteado
simples, adornado com uma fitinha de topasios. Hum colar de perolas,
do qual pende huma Cruz de Malta de topasios. Braceletes de perolas
com broches de topázios, luvas e çapatos brancos5 (CORREIO DAS
MODAS, 1807, p. 49).
5
Manteremos a ortografia da época.
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Outro dado interessante no Correio das Modas é que as edições não são
especificadas por meio de datas e cabeçalhos, dificultando-nos compreender o seu
processo de circulação.
No que diz respeito aos gêneros textuais presentes nesse periódico português, há
a presença de anedotas e histórias de modo geral. Enquanto um gênero tem como
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objetivo distrair, outro visa instruir as mulheres. Por exemplo, as anedotas tinham a
função de recrea-las e „As respostas discretas‟ instruí-las. A junção entre literatura e
textos instrutivos nos jornais femininos, segundo Buitoni (2009, p. 29) “já nasceu
complementar, revestido de um caráter secundário, tendo como função o entretenimento
e, no máximo, um utilitarismo prático ou didático”.
A apropriação de diversos gêneros textuais e sua transposição ao suporte do
jornal feita pelos editores e redatores permite uma “produção de sentidos pelo leitor e
essa transformação na forma e no suporte, propicia a criação de um novo público, novas
formas de leitura e de novos usos para os textos” (CHARTIER, 1999, p. 22). Nesse
sentido, Jinzenji (2009, s/p) afirma que:
Assim, podemos perceber que tais vocábulos estão associados, pois a moda está
relacionada a um ambiente de formas, de valores e de crenças. De acordo com o
Lipovetsky (2009, p. 43), “a moda é um sistema original de regulação e de pressão
sociais: suas mudanças apresentam um caráter constrangedor, são acompanhadas do
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Nos trajes descritos acima, podemos perceber a classe a qual eram destinadas
tais vestimentas femininas, a da elite, pois os detalhes possuem ouro. Em todos os
folhetos as descrições de indumentária e de acessórios ratificam o tipo de leitor a que
esse jornal se destinava, pois, de acordo com Lipovetsky (2009, p. 44), “o traje de moda
permaneceu assim por muito tempo um consumo luxuoso e prestigioso, confinado, no
essencial, às classes nobres”.
Nesse periódico, há também descrições de vestuário para os homens. Cores,
tecidos e acessórios também são demarcados para o uso masculino em diversas
ocasiões. Podemos compreender que tais descrições de vestimenta masculina se dão na
intenção das mulheres saberem como seus respectivos maridos, filhos, irmão e outros
parentes do sexo masculino devem se vestir. Essas preocupações acabam por revelar um
dos papéis da mulher de elite: preocupar-se com a forma de vestir dos membros de seu
núcleo familiar.
Correio das Modas: jornal crítico e literário das modas, bailes e teatros..., foi
publicado em 1839, na tipografia de Laemmert, no Rio de Janeiro. Com 131 números,
esse jornal “era semanal e circulou entre janeiro de 1839 e 31 de dezembro de 1840,
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mudando de periodicidade em seu segundo ano, passando a circular duas vezes por
semana” (COSTA, 2007, p. 110). Este periódico publicou em suas páginas textos sobre
modas, crônicas, charadas e novelas. Muitos textos foram assinados por escritores
nacionais, e, segundo Donegá (2011, p. 68),
Benta Bestunta era uma parda que regulava ahi pelos seus quarenta:
fora captiva, mas era uma dessas captivas como hoje já se não vêm,
era um typo que infelizmente se perdeu. Benta Bestunta não era
mucamba, não era cozinheira, não era costureira, não era
engommadeira, não era lavadeira: era tudo isso, e mais que tudo isso.
Em casa de sua senhora havia uma perfeita, mas quando vinhão
hospedes à casa, a nossa Benta lá ia para a cozinha e era quem dava o
último de mão a todos o quitutes e guisados que tinhão de figurar na
mesa. (NOVO CORREIO DAS MODAS, 1854, p. 3).
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Consideração final
Embora sejam separados pelo tempo e pela distância Correio das Modas e Novo
Correio das Modas apresentam uma tradição de orientar as mulheres através de gêneros
textuais e literários, bem como da moda. A partir de anedotas, contos, novelas e
orientações sobre o comportamento que deveria ser adotado pelas mulheres, os jornais
em análise ajudam a compreender as representações que se tinha de mulher nas épocas
que escolhemos como recorte histórico, bondosa, afeita aos sacrifícios e composta e
bem ornamentada, comparadas muitas vezes às estrelas e mesmo à beleza estonteante
do Sol. Mesmo sabendo que poucas mulheres tinham acesso direto aos periódicos,
podemos considerar que as ideias neles veiculadas faziam parte de representações
sociais que norteavam não só as condutas e valores femininos daquelas pertencentes às
camadas de elite, pois, conforme destacamos neste texto, outros sujeitos pertencentes à
classes menos abastadas tinham acesso ás notícias, á moda e aos padrões de
comportamento através da impregnação cultural, bem como dos círculos de leituras
realizados em armazéns e sarais familiares entre outras oportunidades de leitura ou de
audição desta.
Mesmo com quatro décadas após a circulação de Correio das Modas em Lisboa,
O Novo Correio das Modas, no Rio de Janeiro, permaneceu com a mesma perspectiva
de leitura do outro lado do Atlântico.
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