LIMA Et Al, 2003 (EN)

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EDUCAÇÃO NUTRICIONAL...

LIMA, E. da S.; OLIVEIRA, C. S. e GOMES,


M. do C. R.: ‘Educação nutricional: da
ignorância alimentar à representação social na
pós-graduação do Rio de Janeiro (1980-98)’.
História, Ciências, Saúde — Manguinhos,
vol. 10(2): 603-35, maio-ago. 2003.
O objetivo deste estudo é analisar o
conhecimento produzido em educação
Educação nutricional em cursos de pós-graduação. A
ignorância alimentar como matriz justificadora

nutricional: da da disciplina é uma característica das


dissertações de 1980 até 1990.
Tal abordagem intervencionista e técnica mostra
ignorância que o campo temático no qual se iniciou a
formação do pesquisador em nutrição
obedecia a uma lógica externa. Após 1990, as
alimentar à dissertações realizaram a crítica do currículo
formador do nutricionista e da prática
representação social educativa à luz do conceito de representação
social, mas não se afastaram do modo como
era abordada a relação entre representações e
na pós-graduação práticas. A reconstituição da trajetória da
ciência e da profissão mostra que as

do Rio de Janeiro representações que os nutricionistas fazem da


formação e das práticas educativas é mais
efeito de idealizações externas do que
(1980-98) significados das práticas reveladoras da
experiência relacional dos indivíduos com o
meio social e entre si.
PALAVRAS-CHAVE: educação nutricional,
Nutritional education: pós-graduação em nutrição,
institucionalização, história.

from ignorance to LIMA, E. da S.; OLIVEIRA, C. S. e GOMES, M. do


C. R.: ‘Nutritional education: from ignorance to

social representations social representations in post-graduation by


Rio de Janeiro (1980-98)’.
História, Ciências, Saúde — Manguinhos,
in post-graduation by vol. 10(2): 603-35, May-Aug. 2003.
The present article aims at analyzing the of
Rio de Janeiro nutrition teaching in post-graduation
programs from 1980 to 1998. As the main
cause for nutrition as an academic subject,
(1980-98) nutritional ignorance is the basic focus of
dissertations from the 1980’s up to 1990,
showing that the beginning of researchers’
education was marked by a technical and
intervening approach whose subject scope
Eronides da Silva Lima followed an outside logic. After 1990,
Instituto de Nutrição Josué de Castro dissertations began to criticize nutrition
Bloco J 2o andar, CCS, Universidade Federal do curriculum and practice and to introduce the
Rio de Janeiro (UFRJ) concept of social representation. On doing so,
21941-590 Rio de Janeiro — RJ Brasil they kept structural concepts when relating
[email protected] representations and practices. Tracing back
the relevant chronological facts of nutrition,
as a science and as a profession, ends up to
Celina Szuchmacher Oliveira empty informers’ statements, revealing that
Conselho Regional de Nutricionistas, nutritionists represent their education and
Rua Pedro Américo, 244 practice more as a result of external idealized
22211-200 Rio de Janeiro — RJ Brasil views than as a group of meaningful
[email protected] representations rendered by their practice, in
which relational experiences among
Maria do Carmo Rebello Gomes individuals and with their social
environment take place.
Hospital Infantil Getúlio Vargas
Rua Teixeira de Freitas, s/no Fonseca KEYWORDS: nutrition, education,
24130-610 Niterói — RJ Brasil
post-graduation in nutrition,
institutionalization, history.
helenarebello@bol. com.br

vol. 10(2):603-35, maio.-ago. 2003vol. 10(2):603-35, maio-ago. 2003 603


ERONIDES DA S. LIMA, CELINA S. OLIVEIRA E MARIA DO CARMO R. GOMES

A literatura geral e específica sobre educação nutricional indica


com freqüência a escassez de estudos sobre essa área, evidenciando
o desconhecimento do modo, como e onde se produz a pesquisa nessa
disciplina. Como assinala Schaff (1995), “a saúde de uma disciplina
científica exige, da parte do sábio, uma certa inquietação metodológica,
a preocupação de tomar consciência do mecanismo do seu
comportamento, um certo esforço de reflexão sobre os problemas
concernentes à teoria do conhecimento implicados por este”. Desse
modo, o conhecimento adquirido na formação atual do pesquisador é
passível de questionamento.
A atitude reflexiva em torno da pesquisa em educação nutricional
na pós-graduação nos anos de 1980 a 1998 justifica-se em dois aspectos:
a perspectiva histórica na análise da produção acadêmica dessa disciplina
permite traçar uma genealogia das premissas e categorias que
sucessivamente constituíram os objetos da pesquisa durante a formação
do pesquisador. Bloch (s. d.) propõe como método para isso um duplo
movimento: compreender o presente pelo passado e compreender o
passado pelo present; a ênfase na dimensão ético-política do
conhecimento produzido enriquece o debate a questão de sua
legitimidade social e da autonomia institucional que a disciplina detém.
Significa recuperar a emergência da pós-graduação em nutrição, quando
tem início a institucionalização de um novo espaço de investigação e
formação de recursos humanos específico para o desenvolvimento das
suas atividades. Isso é fundamental para quem deseja compreender o
sentido e o alcance da disciplina em questão.
Dessa forma, o presente trabalho visou os seguintes objetivos:
explicitar as bases nas quais se desenvolve a formação do pesquisador
em nutrição e sua relação funcional com as exigências políticas colocadas
pela dinâmica social do Estado brasileiro; caracterizar o campo temático
que norteia a formação do pesquisador e as perspectivas de alcance da
produção acadêmica; e analisar os elementos conceituais constitutivos
da produção acadêmica em educação nutricional.
Inicialmente, nosso olhar se voltou para a década de 1970, quando
se institucionalizou a pós-graduação em nutrição no âmbito da política
estatal, de modo a verificar em que medida se concretizaram alguns
dos seus aspectos na formação do pesquisador em nutrição,
particularmente na produção acadêmica em educação nutricional. Em
seguida, destacamos as premissas e os elementos conceituais que,
sucessivamente, constituíram os objetos das dissertações produzidas
no período de 1980 a 1998, evidenciando o deslocamento conceitual e
metodológico que marcou a transição da ignorância alimentar para a
representação social do nutricionista (educador) no âmbito da formação
e da prática em educação nutricional.

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EDUCAÇÃO NUTRICIONAL...

A institucionalização da pós-graduação em nutrição no Brasil


A literatura indica que, na década de 1970, a transformação econômica
e social da sociedade brasileira estava condicionada de tal modo pela
ciência e pela tecnologia que o seu domínio se tornou fator fundamental
na determinação do poder de competição entre os diferentes países.
No I Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PBDCT)
com vigência para o biênio 1973-74 já se encontravam detalhadas as
diretrizes da política e as linhas de ação que foram definidas no Plano
Nacional de Desenvolvimento para esse setor, com uma concepção
ainda restrita das áreas de conhecimento (Peixoto, 1994).
O II PBDCT do governo Ernesto Geisel, referente ao período de
1975 a 1979, era sugestivo quando definia que:

A orientação básica é transformar a ciência e tecnologia em força


motora do processo de desenvolvimento e modernização do país;
industrial, econômica e socialmente. Vale lembrar que, em campo
muito próximo, está sendo implementado, ainda, o Plano Nacional
de Pós-Graduação, com aplicações, no período de 1975 a 1977, de
Cr$ 3,7 bilhões (Reis Velloso, 1976, p. 1).

Isso incluía a transformação do Conselho Nacional de


Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em instrumento
auxiliar do governo na coordenação da política de integração entre
pós-graduação e pesquisa, por meio do Plano Nacional de Pós-
Graduação. É visível no II PBDCT a subordinação da ciência e da
tecnologia aos objetivos gerais da sociedade brasileira em seus aspectos
sociais e humanos, na garantia da qualidade de vida, o que descarta a
sua indeterminação. Como bem atesta Sayd (1998, p. 173), no
contexto da crise desencadeada em todos os setores da economia
do país, gerando recessão e inflação, aumento dos níveis de
desemprego e subemprego, queda no poder aquisitivo dos
trabalhadores, aumento dos impostos e corte dos gastos públicos, os
programas das políticas sociais (saúde, habitação, educação) foram
os mais afetados. Neste contexto,

o homem é ao mesmo tempo recurso, instrumento e objeto do


desenvolvimento; conseqüentemente, sua saúde é — principalmente
e acima de tudo — um poderoso fator de desenvolvimento ... . Mais
ainda, o grau de desenvolvimento socioeconômico de um país está
estreitamente relacionado ao seu contingente de pessoal para as
atividades de saúde, a maneira como esse pessoal é utilizado em
benefício da população e, especialmente, ao nível e à qualidade de
sua preparação e treinamento.

O II PBDCT constituiu o marco da emergência da pós-graduação no


país, incluindo a nutrição, como afirmava o ministro Reis Velloso (1976,
p. 26), durante a solenidade de lançamento do plano: “O outro campo

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a que, finalmente, desejo referir-me é o das soluções para problemas


de bem-estar social, em setores como nutrição, saúde, saneamento e
educação. A ciência e a tecnologia deverão desempenhar importante
papel para os programas governamentais que envolvem a nutrição,
dada a significação dessa área para a promoção, preservação e
restauração da saúde da população brasileira, especialmente em
determinadas regiões ou faixas etárias II Plano Básico de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico”.
Nesse sentido, a pós-graduação em nutrição foi institucionalizada
a partir do momento em que se tornava objeto de política científica
específica e passava a ter sua produção regulada pelo aparelho estatal.

Os programas de ciência e tecnologia deverão levar em conta a


influência da desnutrição nos elevados coeficientes de mortalidade
infantil, no comprometimento da produtividade e na desvitalização
do homem brasileiro, reduzindo sua capacidade criativa e econômica
(idem, ibidem, p. 127).

Em contrapartida, as diretrizes básicas da ciência e tecnologia


para o setor deveriam estar voltadas para: “modificar as condições
nutricionais do país; minorar os problemas de má nutrição de grupos
prioritários (crianças de zero a seis anos, gestantes e nutrizes); diminuir
a prevalência das enfermidades nutricionais e lograr um estado
nutricional ótimo para a população” (idem, ibidem, p. 127).
Para desenvolver as diretrizes mencionadas, o governo atuaria
principalmente através do Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição
(Inan), com as seguintes estratégias:

dinamização do Projeto de Nutrição do Brasil, destinado a garantir


os objetivos pretendidos e a desenvolver condições, instituições e
capacidades requeridas para planejar e implementar as diretrizes
nacionais de alimentação e nutrição; combinação adequada dos
elementos ligados às três variáveis correlacionadas: oferta, demanda
e aproveitamento biológico dos alimentos: melhoria das instalações
e fortalecimento financeiro e técnico de instituições específicas:
incentivo à implementação de novos projetos enquadrados nas
diretrizes governamentais para a área; criação de base sistemática
de informações e intensificação de treinamento de pessoal
especializado (idem, ibidem, pp. 127-8).

Um dos projetos a cargo do Inan era a formação e o


desenvolvimento de recursos humanos para atender aos projetos
prioritários, cujos dispêndios programados somavam 120 milhões
de cruzeiros no triênio 1975-77 nos seguintes itens: inquérito
nutricional; elaboração de políticas de produção e comercialização
de alimentos, orientadas nutricionalmente; produção de alimentos e
melhora do estado nutricional em áreas de baixa renda; projeto
integrado de nutrição e saúde; desenvolvimento de alimentos infantis;

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EDUCAÇÃO NUTRICIONAL...

suplementos alimentares e alimentos enriquecidos; assistência alimentar


a gestantes e pré-escolares; assistência ao pré-escolar do estado/ou
município de São Paulo; desenvolvimento da capacidade técnica do
Inan e formação e desenvolvimento de recursos humanos (idem, ibidem,
pp. 128-9).
No documento do CNPq (1978, p. 183, 184), a avaliação do
desenvolvimento estratégico alcançado pela área da nutrição em nosso
país abrangia instituições as mais variadas:

Centros onde existem programas de pós-graduação e atividades


de pesquisa em nutrição humana e saúde, e em ciências sociais
com ênfase na análise socioeconômica da desnutrição, produção,
comercialização e consumo de alimentos.
Universidade Federal de Pernambuco: Departamento de Nutrição
(pós-graduação em nutrição e saúde pública) e Instituto de Ciências
Humanas e Sociais (programas de pós-graduação em economia e
sociologia).
Universidade de São Paulo (Departamento de Nutrição), Faculdade de
Saúde Pública da USP (programa de pós-graduação em saúde pública,
com ênfase opcional em nutrição); Departamento de Medicina Preventiva
da Escola Paulista de Medicina (atividades de pesquisa em aspectos
epidemiológicos e sociais da desnutrição e análise das práticas
alimentares), Instituto de Pesquisas Econômicas da USP (estudos sobre
alimentos e análise socioeconômica da desnutrição).

Assim, segundo o documento, nas quatro instituições que


ministravam cursos de pós-graduação em nutrição humana, estavam
em atividades 13 mestres, 19 doutores e 22 especialistas Até o início de
1978 haviam setenta alunos nos cursos de mestrado, dos quais apenas
43 concluíram o curso até o final daquele ano. Por extensão, os esforços
deveriam ser canalizados para a institucionalização de programas
multidisciplinares de treinamento em nutrição e saúde. Esses programas
eram caracterizados de dois modos:

— Visam proporcionar, ao mesmo indivíduo, os conhecimentos


essenciais em diversas disciplinas que se integram na análise do
problema da desnutrição e na avaliação de programas para
combatê-la ou preveni-la; e
— Visam atrair para a pesquisa, em nutrição, pessoas com
treinamento avançado em outras áreas pertinentes, na expectativa
de que dirijam as suas atividades para o estudo do problema
nutricional (CNPq 1978, p. 184).

Disto se depreende que a especificidade da pós-graduação em nutrição


se justificava muito mais pelo reforço do seu caráter instrumental e
técnico para a execução dos programas de alimentação e nutrição. “Os
programas de treinamento multidisciplinar, acima descritos, devem ser

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apoiados, pois, além de formarem o pessoal para as medidas de


intervenção em andamento, geram experiência em ensino
multidisciplinar e aproximam especialistas de diferentes áreas” (idem,
ibidem, p. 185).
Na perspectiva imediata da eficiência e eficácia subjacente à
relação custo/benefício, a formação do pesquisador se delineava no
contexto das políticas do Estado com base na intenção de integrar
pós-graduação e pesquisa ao projeto de nutrição do Brasil. Postulavam
seus formuladores que a meta poderia vir a ser alcançada, na medida
em que o sistema de pós-graduação exercesse eficazmente suas
funções formativas e realizasse um trabalho constante de investigação
e análise em todos os temas prioritários do conhecimento sobre o
grave problema da desnutrição brasileira:

Tema I — Avaliação epidemiológica da desnutrição com ênfase


nos chamados grupos vulneráveis (gestante, nutriz e pré-escolar)
com base nos critérios antropométricos, clínicos e bioquímicos,
indicadores de saúde e indicadores sociais, visando definir
características qualitativas e quantitativas da desnutrição e seus
determinantes ambientais e sociais. Na medida do possível, estas
avaliações devem ser integradas com os dados do ENDEF,
contribuindo para criar critérios que permitam concluir sobre o
estado nutricional dos componentes da família, a partir do consumo
familiar.
Tema II — Análise do sistema de produção, comercialização e
consumo de alimentos.
Tema III — Suplementação e fortificação de alimentos. Pesquisa
de alimentos especiais, incluindo desenvolvimento técnico,
avaliação biológica e estudos de viabilidade.
Tema IV — Programas de nutrição: estudos operacionais e avaliação
de programas: desenvolvimento e experimentação de metodologias
contribuindo para a avaliação efetiva dos programas em andamento
por grupos acadêmicos (idem, ibidem, pp. 185-6).

As intenções de consolidação de uma forte relação entre pós-


graduação e desenvolvimento econômico-social, numa perspectiva de
curto prazo, leva à indagação acerca de que tipo de pesquisadores a
pós-graduação estaria formando. Nos termos em que foram definidas,
as prioridades temáticas da política científica da pós-graduação em
nutrição sugerem que não foram atribuídas nem para a formação de
pesquisadores criativos exemplarmente situados na realidade cultural
brasileira nem para produtores de conhecimento novo, na perspectiva
de uma política de autonomia relativa no setor alimentar, mas para
aplicadores de um conhecimento técnico externo. Como eixo
propulsor de alcance duradouro para a superação dos problemas
nutricionais brasileiros, os resultados da pesquisa em nutrição só se

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EDUCAÇÃO NUTRICIONAL...

verificariam a médio e a longo prazos, enquanto o governo pretendia


obter resultados imediatos.
Se a política de pós-graduação visava o uso da ciência como força
produtiva, instrumento de poder e ideologia, é pertinente verificar em
que medida se concretizaram alguns dos seus aspectos na formação do
pesquisador em nutrição, particularmente na produção acadêmica em
educação nutricional.
Nessa perspectiva, o Rio de Janeiro constituiu pólo significativo para
se conhecer a produção acadêmica em educação nutricional no âmbito
da pós-graduação, principalmente porque foi nesse estado que eclodiu
o movimento de gênese e constituição desse campo disciplinar nos
anos de 1934 a 1946, período em que os cientistas fundadores constituíam
a política alimentar nacional implantada pelo Estado. Dada a interface
da educação nutricional com as áreas da educação e da saúde, o
levantamento da produção foi realizado nas bibliotecas de nutrição,
educação e saúde pública dos quatro cursos de pós-graduação das
seguintes universidades públicas: Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (Uerj), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Escola Nacional de Saúde Pública
(ENSP/ Fiocruz).
Considerando-se a institucionalização da pós-graduação a partir de
1975, adotou-se o período de 1980 a 1998 como parâmetro da pesquisa.
O rastreamento da produção localizou apenas sete dissertações de
mestrado e nenhuma de doutorado. Daí se deduz que, embora a
disciplina educação nutricional perpasse a formação stricto sensu na
área da nutrição, ela não detém posição de destaque no âmbito da
pesquisa interna nem orienta os esforços dos mestrandos para áreas
afins (ver ao final a relação das dissertações analisadas).
A leitura das dissertações mostrou que o ano de 1990 constituiu
uma fase de transição conceitual e metodológica no plano do
conhecimento produzido, marcando duas abordagens muito
diferenciadas quanto às suas premissas e categorias de análise. Com
1
As terminologias isso, considerou-se mais apropriado recuperar o movimento dos autores
‘educação nutricional’ e
‘educação alimentar’ no período de 1980 a 1998.
adotadas neste estudo
visam apenas a
preservar a
terminologia utilizada
Da ignorância alimentar à representação social do
nas dissertações nutricionista (educador) (1980-98)1
analisadas, onde se
empregam A produção acadêmica em educação nutricional referente aos anos
indefinidamente os 1980 no âmbito da pós-graduação é marcada pela ênfase na tese da
dois termos.
Certamente isso não ignorância alimentar como matriz justificadora de seu sentido. Nesse
decorre de um enfoque, a dissertação de Lemos (1980, p. 5) traz como problema/
equívoco semântico,
mas constitui, em certa objeto de estudo o grau de formação/conhecimento em nutrição do
medida, a polêmica em professor de primeiro grau, de modo a verificar a forma como ele atua
torno da delimitação da
identidade da e o alcance de seus objetivos à luz das seguintes questões: qual o grau
disciplina. de conhecimento sobre nutrição; como se posiciona sobre a inclusão

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da educação nutricional nas atividades escolares; quais as atividades


relativas à educação nutricional desenvolvidas pelo professor e qual o
processo de avaliação, na escola, sobre a educação nutricional. Para a
autora, a importância do problema está no fato de que a educação
nutricional implica a formação e a mudança de hábitos de grupos
sociais vulneráveis: “A educação nutricional torna-se, portanto, atividade
de suma importância para eliminar tabus e práticas errôneas da
alimentação, os quais constituem um dos fatores que determinam as
carências nutricionais mais prevalentes, especialmente incidindo sobre
os grupos vulneráveis de populações de menor poder aquisitivo.
Em consonância com Carvalho (1971), Berg (1975) e Chaves (1971),
Lemos (ibidem, pp. 5, 8-9) afirma que: “uma das principais causas de
subnutrição dos brasileiros parece ser a falta de educação nutricional,
motivada, principalmente, não só pela ignorância dos princípios básicos
da alimentação, como por vícios de paladar e por superstições
alimentares, fortemente arraigados em todas as classes sociais”. Nesta
visão, a educação nutricional tem a função precípua de moldar o
homem para ajustá-lo à situação: “a educação nutricional, ao pretender
conscientizar o homem comum para aprender a comer, pode ser
considerada como elemento de estratégia nutrológica, uma vez que o
seu propósito é de que as pessoas se habituem a valorizar os recursos
disponíveis e modifiquem hábitos errôneos arraigados”.
Nesse sentido, a política alimentar é descrita pela autora por meio
de uma narrativa cronológica da institucionalização da merenda escolar.
Em primeiro plano, Lemos (op. cit., p. 19-20) indica que o governo
federal instituía a Campanha Nacional de Alimentação Escolar (CNAE),
através do decreto 37.106, de 31 de março de 1955. Como órgão
normativo, em âmbito central e regional, a CNAE tinha como objetivo
geral proporcionar suplementação e educação alimentar aos escolares
do primeiro grau, tendo como objetivos gerais:

(a) estabelecer hábitos alimentares corretos; (b) conscientizar sobre


a importância da nutrição para manter a saúde; (c) ensinar os
princípios de boa nutrição e a aplicação dos mesmos na vida diária;
(d) transmitir noções de produção, estocagem, seleção, preservação
e preparação de alimentos, a fim de obter uma alimentação adequada;
(e) ensinar a utilizar, adequadamente os recursos financeiros
disponíveis, para assegurar uma dieta suficiente para a família.

De fato, segundo Lemos (ibidem, p. 28), a educação para a saúde na


escola de primeiro grau estava assegurada no artigo 7 da lei 5.692/71,
sob a denominação “Programas de saúde”. Para isso, previa o Conselho
Federal de Educação, “a capacitação dos docentes, com a introdução
maciça de conhecimentos sobre nutrição nas escolas para formação de
professores, propiciando-lhes condições para melhor transmitir esses
conhecimentos”.
No entanto, a autora constata em sua pesquisa a superficialidade da
formação em nutrição do professor de primeiro grau, por meio da
610 História, Ciências, Saúde — Manguinhos, Rio de Janeiro
EDUCAÇÃO NUTRICIONAL...

existência de duas disciplinas afins à área da saúde no currículo do


curso de formação de professores do Instituto de Educação do Rio de
Janeiro: ciências aplicadas e programas de saúde, que contemplavam
em seus conteúdos programáticos apenas uma unidade de estudo, sob
a denominação “O homem e sua nutrição”.
Sob esta ótica, a dissertação em foco limita-se à exposição descritiva
dos dados obtidos dos questionários aplicados aos professores do
primeiro grau, mostrando que 60,2% não haviam feito estudo
relacionado à nutrição, e dos 39,8% que o fizeram, 60% realizaram-no
por iniciativa própria. Com isso fica visível a carência de definição de
categorias explicativas que permitam contextualizar historicamente a
dinâmica da política de alimentação escolar cronologicamente descrita
e a formação em nutrição do professor no tempo, de modo a fornecer
uma explicação plausível a esse processo.
A título de ilustração, da análise de Inocêncio (1978) podemos
inferir que a política de formação do magistério adotada na época com
a lei 5692/71, ao criar os programas de saúde na escola do primeiro
grau, criava também condições para que o sistema de ensino fosse
servido por professores com níveis de preparo desiguais, o que
contrariava o que o próprio Estado declarava como princípio básico de
sua filosofia educacional — a democratização do ensino — e como
uma de suas metas prioritárias — a melhoria do rendimento escolar.
Na mesma linha de pensamento de Lemos, Fraga (1984, p. 14)
realizou uma revisão bibliográfica sob o título Os problemas da má
alimentação e a educação alimentar no Brasil. A autora inicia a
apresentação do trabalho destacando que

as perturbações da nutrição sob todos os seus matizes se constituem


num grave problema brasileiro ... . Como o desequilíbrio nutricional
no país é provocado por uma série de fatores negativos, optou-se,
para fins de um estudo mais profundo, por aqueles que dizem
respeito à ignorância dos princípios básicos de uma dieta
equilibrada, englobando as crenças infundadas sobre alimentação
através de toda a história nacional. Isto porque a gravidade destes
fatores, em conjunto, não foi ainda plenamente reconhecida.

Nessa perspectiva, os objetivos da pesquisa consistiram em: verificar


que o problema da má nutrição tão generalizada no país não é
conseqüência apenas de fatores econômicos, mas também de hábitos
alimentares errôneos decorrentes da falta de conhecimentos e orientações
no que respeita aos princípios da ciência da alimentação; alertar para
o perigo do uso indiscriminado de produtos da indústria farmacêutica
em detrimento de uma alimentação balanceada e mais adequada às
necessidades individuais; relacionar fatos concretos que ofereçam a
comprovação de que a problemática da subnutrição e desnutrição está
sendo agravada pela falta de informações, pelos preconceitos, tabus e

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induções alimentares; assinalar a importância de uma educação


alimentar ampla e eficaz.
A autora, apoiada em fontes secundárias, introduz na delimitação
do seu problema/objeto de estudo os fatos relacionados à história
da alimentação e da ciência da nutrição, assinalando que, no plano
brasileiro, a terceira década do século XVI constituiu o marco da
organização econômica e civil dessa sociedade, caracterizando o processo
de colonização. As primeiras etapas desse movimento civilizador
marcaram a influência sobre a formação dos hábitos alimentares da
sociedade emergente: do tradicional regime alimentar dos portugueses,
composto de variedade de vegetais, como frutas, legumes e verduras
característicos da policultura, ao consumo abusivo do peixe seco e da
farinha de mandioca, acrescidos mais tarde da carne de charque e o
uso inadequado e perigoso de alimentos importados característicos da
implantação da monocultura dos senhores de engenho, cuja provisão
era reservada de forma cuidadosa.
O estudo considerou três séculos de contatos das três raças que
deram origem ao povo brasileiro, evidenciando uma tradição alimentar
baseada no consumo rotineiro de alimentos acessíveis, em preparações
simples. Disso se deduz que, na realidade, a monocultura se introduziu
a fome entrou no Brasil. A autora busca demonstrar que os fatores
históricos passam e os hábitos se perpetuam por uma espécie de
história linear e cronológica que reforça muito mais o plano da
justificação, e menos a definição de categorias explicativas que
permitam decifrar também as descontinuidades no processo histórico
da má alimentação no Brasil e da formação dos hábitos alimentares.
Desse modo, na revisão bibliográfica são descritos os fatores
causais do problema nutricional brasileiro: distorções na área da
saúde; influência dos hábitos alimentares; origem econômica; origem
social; origem cultural; origem filosófica ou religiosa; resistência às
mudanças alimentares. A exemplo de Lemos, Fraga (1984, p. 65,
70) também incorpora em sua descrição termos próprios da política
alimentar estatal e as diretrizes temáticas definidas no Plano Nacional
de Pós-Graduação para a área da nutrição, quando assinala que no
conjunto dos fatores causais da desnutrição os componentes dos
grupos sociais vulneráveis adquiriam peso importante.
Em nutrição consideramos grupos vulneráveis todo o indivíduo
que se apresentar em momento fisiológico onde é maior a sua
necessidade nutricional proporcional. Quando o consumo de
alimentos observado não cobre as necessidades básicas, os problemas
nutricionais serão observados com maior gravidade naqueles indivíduos
que se encontrarem nos momentos fisiológicos onde suas necessidades
nutricionais são mais elevadas.

612 História, Ciências, Saúde — Manguinhos, Rio de Janeiro


EDUCAÇÃO NUTRICIONAL...

Esses grupos destacam-se pela magnitude e importância em termos


da gravidade dos efeitos residuais: a gestante, a nutriz, o infante, que
corresponde à criança de um a quatro anos de idade. Com isso a autora
reforça que:
o fenômeno da subalimentação não decorre apenas do fator econômico,
embora a maioria dos elementos pertencentes aos mais diversos grupos
sociais assim concluam. O fato de serem os orçamentos populares
reduzidos não significa que não deva realizar a educação alimentar do
indivíduo e da coletividade a que ele pertence, pois é sempre possível,
graças a uma boa orientação técnica, comprar melhor, mesmo comprando
muito outros gastam muito com alimentos pobres em nutrientes.

Para isso, o Inan, criado em 1972, constituía o órgão centralizador


da política alimentar por meio dos vários programas nacionais de
nutrição. Assim, segundo Fraga (op. cit., p. 72), o I Programa Nacional
de Alimentação e Nutrição (I Pronan), era composto de vários
subprogramas, tendo como objetivos prioritários a assistência alimentar
aos grupos vulneráveis e a promoção de programas de educação
nutricional. Encontrava-se em execução naqueles anos o II Pronan,
aprovado pelo decreto 77116, de 8 de fevereiro de 1976, caracterizado
por uma estrutura dirigida aos grupos mais carentes, urbanos e rurais:

Através de suplementação alimentar, procurava atingir as faixas


biologicamente carentes: gestantes, nutrizes e pré-escolares,
contemplando famílias cuja renda não ultrapassa dois salários
mínimos; alcança os escolares, através da merenda escolar, hoje
largamente difundida; procura desenvolver um programa de
educação alimentar, a fim de difundir técnicas de enriquecimento
dos alimentos, muitas vezes de maneira simples e de baixo custo.

Vale destacar que a autora desenvolveu sua dissertação no


Programa de Pós-Graduação em Estudos de Problemas Brasileiros.
Segundo Brito (1976, p. 9), essa disciplina foi estruturada a partir do
decreto-lei 869/69, que dispõe sobre a inclusão da educação moral
e cívica como disciplina obrigatória em todos os segmentos, desde
o ensino fundamental até o nível superior. Em plena vigência da
ditadura pós-1964, a disciplina devia ser ministrada de acordo com
as finalidades da educação moral e cívica, visando “a formação do
caráter do brasileiro e ao seu preparo para o perfeito exercício da
cidadania democrática, com o fortalecimento dos valores morais da
nacionalidade”. Assim, no ensino superior de graduação e pós-
graduação, a educação moral e cívica era ministrada sob a forma de
estudos de problemas brasileiros (EPB), encerrando uma pluralidade
de assuntos a serem tratados por professores especializados nos
diferentes temas nacionais.
Sendo assim, a ênfase de Fraga (op. cit.) na tese da ignorância
alimentar, como matriz justificadora da educação nutricional sob a

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ERONIDES DA S. LIMA, CELINA S. OLIVEIRA E MARIA DO CARMO R. GOMES

ótica intervencionista e técnica, encontrava fundamento na visão


moralista proposta na disciplina de EPB, na medida em que o importante
era incentivar a consciência cívica dos indivíduos para formar bons
cidadãos, contribuindo assim na busca de soluções para os grandes
problemas nacionais e “reduzindo o descompasso entre o Brasil e as
grandes potências do século” (Alves, 1971).
Nessa perspectiva, os grandes problemas sociais que afligiam a
sociedade brasileira, incluindo a alimentação e a saúde, eram tratados
à época de forma pontual, com medidas paliativas e assistencialistas.
Isso parece ter influenciado não somente a escolha do tema do estudo
de Fraga, mas principalmente as soluções recomendadas, entre outras,
a agilização da educação alimentar nas instituições, a fim de que se
tornasse operante na modificação dos hábitos alimentares errôneos.
Sob a forma de generalizações abstratas carentes de base empírica para
uma análise consistente da má alimentação e da educação alimentar
no Brasil, o estudo parece ter contribuído muito mais para consolidar
uma concepção de educação baseada em pilares ideológicos.
A dissertação de Silva (1990) parte da premissa de que educação
e saúde devem ser consideradas indissociadamente no processo
ensino-aprendizagem, o que levou a autora à consulta da lei 5692/
71, que tornou obrigatória a inclusão de programas de saúde nos
currículos plenos de primeiro e segundo graus. Segundo ela, a
ausência de orientação do profissional licenciado em nutrição na
preparação do livro didático referente ao programa de saúde levava
a questionar o conteúdo desses livros, no que tangia à definição de
objetivos e conteúdos que propiciassem ao aluno a oportunidade de
conhecer elementos básicos de uma alimentação equilibrada e os fatores
que envolviam os problemas nutricionais de sua região e comunidade.
O objetivo da dissertação foi avaliar os conteúdos de nutrição
contidos nos livros didáticos de ciências para a sétima série, distribuídos
pelo Programa Nacional do Livro Didático no estado do Rio de Janeiro,
à luz das seguintes categorias: abrangência e forma de apresentação
dos conteúdos em relação à faixa etária dos alunos; exatidão e atualização
dos conteúdos apresentados; atendimento às necessidades da realidade
dos usuários segundo o nível socioeconômico e cultural. A justificativa
da escolha do tema da dissertação reside na premissa de que, por meio
de uma educação nutricional correta, de caráter preventivo, dirigida às
crianças em fase de formação de seus hábitos, é possível obter
mudanças de atitudes e de práticas com vistas à proteção da saúde.
Segundo Silva (1990) cinco livros de ciências para a sétima série
do primeiro grau, de diferentes autores, constituíram o material
empírico analisado na dissertação em foco.
Embora se mantenha também nesse estudo o vínculo com as
diretrizes da política alimentar estatal, nele já se evidencia a
preocupação em definir um quadro teórico-conceitual norteador da
análise, começando pela conceituação do livro didático, sua

614 História, Ciências, Saúde — Manguinhos, Rio de Janeiro


EDUCAÇÃO NUTRICIONAL...

importância, forma de seleção e indicadores de avaliação, destacando-


se o papel do professor no processo. Trata-se de uma aproximação
com os livros didáticos para verificar em que medida eles são veículos
de conteúdos sobre nutrição e a forma como eles estão dispostos para
os estudantes. Segundo Silva (1990, p. 11), “apesar do uso crescente
de novos recursos e procedimentos de comunicação, o livro continua
ocupando lugar de destaque, tanto no âmbito do entretenimento
como no da informação e no da educação”.
Aproximando-se de Pfromm Netto (1974) a autora destaca que,
como instrumento educacional, o livro auxilia a organização dos cursos,
completa o seu conteúdo básico e proporciona material acadêmico
para a aprendizagem dos alunos. No entanto, ela adota as sugestões
de uma análise centrada em quatro aspectos: conteúdo, linguagem
usada, aspectos técnico-gráficos e anexos. Em síntese, ela conclui
que o objetivo a ser alcançado na avaliação do livro didático é
diagnosticar as deficiências que ele possa apresentar, aprimorando sua
qualidade.
Nessa perspectiva, a educação nutricional é trabalhada em seus
aspectos conceituais e finalidades, como componente de intervenção
no âmbito dos programas de saúde ministrados na escola do primeiro
grau. Em consonância com Boog (1984), Silva reitera que o aumento
do poder aquisitivo da população não traduz necessariamente melhoria
do consumo alimentar, pois as atitudes negativas ou a falta de
conhecimento impedem as famílias de baixa renda de utilizar melhor
seus recursos disponíveis. Significa dizer que o componente cognitivo
dessa conduta corresponde àquilo que o indivíduo sabe sobre alimentos
e nutrição, e que influencia, em maior ou menor grau, seu
comportamento alimentar. Nas dissertações até aqui abordadas tal
justificativa encontrava ressonância na plataforma de criação, pelo
governo federal, da Campanha Nacional de Alimentação Escolar (CNAE).
Assim, a partir da avaliação dos cinco livros didáticos de ciências
da sétima série do primeiro grau, distribuídos pela FAE, para a rede
pública do estado do Rio de Janeiro, em 1987, Silva conclui que,
quanto à abrangência do conteúdo, havia uma forte convergência
entre os autores na inclusão dos temas “estudo dos alimentos” e
“sistema digestivo/doenças”. No entanto, se, por um lado, todos os
livros demonstravam preocupação com a forma de apresentação
dos assuntos, partindo sempre de conteúdos mais simples para os
mais complexos, por outro, nenhum dos cinco livros analisados
propunha atividades que estimulassem a reflexão sobre nutrição. O
texto, as ilustrações e o vocabulário eram adequados e apropriados
para a faixa etária dos alunos, o que sugere uma preocupação muito
maior com os aspectos técnicos do livro didático no assunto nutrição
do que com o significado dos termos apresentados nos textos.
Quanto à exatidão e atualização dos conteúdos, Silva verificou que
a caracterização dos nutrientes quanto à sua função estava presente em

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ERONIDES DA S. LIMA, CELINA S. OLIVEIRA E MARIA DO CARMO R. GOMES

quatro dos cinco livros analisados, mas que eles eram omissos quanto
à classificação dos alimentos segundo a origem, a caracterização de
uma dieta equilibrada e a orientação sobre a seleção dos alimentos,
fato interpretado como desconhecimento dos princípios técnicos
nutricionais que orientam o processo de seleção dos diferentes alimentos
para estabelecer a composição de uma refeição racionalmente
equilibrada, de acordo com a faixa etária, estágio biológico e poder
aquisitivo do indivíduo.
Para a autora, a falta do profissional licenciado em nutrição para a
orientação técnica necessária à compreensão e ao manejo dos grupos
básicos de alimentos e seus equivalentes, de acordo com o valor nutritivo
dos mesmos, estava confirmada pela ausência desses conteúdos nos
livros avaliados. Além da ausência de conteúdos relacionados a uma
conceituação adequada do alimento, às enfermidades causadas pelo
excesso de alimentos e à deficiência na higienização dos alimentos, a
noção de refeição equilibrada presente nos livros levava em conta
apenas a idéia de quantidade, e não incluía a qualidade na elaboração
da refeição.
A exemplo de Silva, Mohr (1994), ao analisar os conteúdos de saúde
nos livros didáticos de primeira a quarta séries, assinala que eles possuem
uma abordagem preconceituosa e estigmatizadora, não levando o aluno
a refletir sobre os aspectos da saúde e doença sob as influências dos
fatores físicos, sociais e culturais. Os conteúdos ministrados não
contribuem para a construção da cidadania. Nesse sentido, a autora
também considera fundamental a melhoria da qualidade dos livros
didáticos, mostrando a importância da colaboração de diversos
especialistas das áreas de conhecimento.
Dessas leituras, é possível deduzir que o enfoque central da produção
acadêmica em educação nutricional referente à década de 1980 até o
ano de 1990 é de natureza intervencionista e técnica e é mediado pela
tese da ignorância alimentar em estreita consonância, na base
argumentativa, com as diretrizes da política estatal de pós-graduação
em nutrição, de modo a atender aos objetivos do projeto de nutrição
do Brasil. Tal atrelamento evidencia que a base temática na qual se
iniciou a formação do pesquisador com ênfase na educação nutricional
obedecia a uma lógica externa, fato que parece ter limitado a autonomia
dessa disciplina em direção à construção de uma identidade própria e
de uma prática educativa cujo alcance social exige audácia imaginativa.
Se a pesquisa não é apenas busca de conhecimento, mas igualmente
atitude ético-política, o princípio educativo que rege o ato de
pesquisar na formação do nutricionista-pesquisador passa
necessariamente mais pela ótica da emancipação, e menos pela da
domesticação.
Como assinala Salum (1999), o abandono do papel crítico e
transformador da universidade está nos planos do Estado neoliberal,
que a tudo cede para beneficiar o mercado. Nesse sentido, o “caminho

616 História, Ciências, Saúde — Manguinhos, Rio de Janeiro


EDUCAÇÃO NUTRICIONAL...

emancipatório não pode vir de fora, imposto ou doado, mas será


conquista de dentro, construção própria, para o que é mister lançar
mão de todos os instrumentos de apoio” (Demo, 2000, p. 17). Em
concordância com Peixoto (1994, p. 33), “a formação do pesquisador
pressupõe a posse de uma teoria geral da pesquisa científica, cujo
ponto de partida se encontra na compreensão filosófica do significado
do conhecimento — sua fonte, função, procedimentos e finalidades.
Pressupõe também a compreensão do seu efeito” e seu alcance social,
pois, sendo uma prática social, a pesquisa integrada aos conflitos gerais
da sociedade é um dos trabalhos humanos que se preocupa em oferecer
respostas às indagações sobre a realidade: não é uma atividade mecânica
que, sob receitas modelares, se realiza sem conexão com o mundo no
qual vivemos e atuamos.
Foi nessa direção que, a partir de 1990, as dissertações analisadas a
seguir encaminharam as abordagens sobre a disciplina educação
nutricional, buscando operar tanto a crítica do currículo formador do
nutricionista bem como a prática educativa profissional nos diversos
espaços de atuação. Nesse deslocamento, é introduzido o conceito de
‘representação social’, para abrir a discussão sobre a tese da ignorância
alimentar como categoria justificadora da educação, o reducionismo
técnico e o atrelamento dessa concepção às orientações da política
estatal, utilizando-se, para isso, de categorias representacionais pelas
quais os profissionais pesquisados concebem a formação e a prática.
Configura-se, também, a preocupação em recuperar a história da
disciplina e sua institucionalização.
A esse respeito, a dissertação de Lins (1990) assinala que a
concepção da educação nutricional que embasava os currículos de
nutrição de grande parte das escolas de nutrição do Brasil é a que
admite a tese de causa e efeito entre ignorância alimentar e
desnutrição. A autora constata que, segundo essa ótica, a disciplina
educação nutricional tem sido concebida como um componente
específico de intervenções nutricionais, estando as ações educativas
em nutrição aliadas a outros tipos de intervenção em saúde. De
fato, ao proceder a sua revisão bibliográfica, Lins verificou que a
maior preocupação dos estudos sobre educação nutricional
produzidos em São Paulo e no Rio de Janeiro era meramente técnica.
No entanto, ela menciona o texto de Valente (apud Lins, 1990) que
traz uma nova proposta para o ensino da disciplina educação
nutricional, pretendendo ultrapassar a visão instrumental e conferindo-
lhe uma dimensão política e social.
A partir dessas leituras, a autora pode formular novas questões para
o seu estudo, entre as quais destacam-se: qual o contexto histórico-
social que influenciou a teoria e a prática dessa disciplina? Será que, a
partir de uma análise histórica, emergiria um marco teórico-conceitual
que contribuísse para a análise do estado atual da disciplina educação
nutricional? Como pode ser descrito atualmente o ensino da disciplina

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ERONIDES DA S. LIMA, CELINA S. OLIVEIRA E MARIA DO CARMO R. GOMES

educação nutricional nas escolas de nutrição do município do Rio de


Janeiro?
O estudo de Lins teve como objetivo central resgatar a história da
educação nutricional, identificando o referencial teórico que a alicerçava
e analisando sua influência no ensino. Com isso, ela buscou captar o
momento em que a referida disciplina foi introduzida no currículo dos
cursos de nutrição no Brasil, de modo a verificar os elementos de
continuidade no ensino atual.
Não obstante a extensa narrativa cronológica desenvolvida pela
autora para situar a emergência da educação alimentar e suas bases
cognitivas, para efeito do presente artigo vale destacar a descrição que
ela faz do Serviço de Alimentação da Previdência Social (Saps) como
a instituição que nasceu diretamente vinculada à questão da educação
em nutrição, por força do decreto-lei 2.478, de 5 de agosto de 1940,
assinado por Getúlio Vargas e que criava o Saps. O serviço constituiu
um centro de pesquisa e ensino tanto para a formação de pessoal
(visitadoras de alimentação, nutricionistas, nutrólogos) como para a
formação de uma consciência alimentar junto ao público, através da
educação nutricional massiva, feita à época. Assim orientado, o Saps
dedicou-se a exercer uma ação educativa sistemática junto às famílias
de operários, orientando-os no sentido de reconhecer os resultados
benéficos de uma alimentação racional e econômica.
O decreto-lei 5.443, de 30 de abril de 1943, possibilitava ao Saps a
criação de cursos técnicos e profissionais para formação de pessoal
apto a desenvolver atividades relativas à nutrição. Três cursos foram
então organizados, os dois primeiros funcionando na cidade do Rio de
Janeiro, e o último, em Fortaleza: curso de auxiliares técnicos de
alimentação, curso de nutrólogos e curso de visitadoras de alimentação.
A primeira turma de auxiliares técnicos de alimentação formou-se em
1943, sob a orientação de Dante Costa. Foi esse curso que, inicialmente
com duração de um ano, estendeu-se a dois e passou a formar dietistas.
A importância desse curso para o estudo da autora reside no fato de se
ter detectado o momento em que a prática educativa em nutrição se
transforma em uma disciplina teórico-prática que integra até hoje os
2
Trata-se da inclusão, currículos dos cursos de nutrição no Brasil.2
pelo Saps, em 1959, da
cadeira pedagogia Lins (1990) cita alguns autores, como por exemplo Wigth (1970),
aplicada à nutrição no Behar e Icaza (1972), Beach (1978), Jellife (1974), ao mostrar como
terceiro ano do curso, se encontra arraigada na educação nutricional a tendência a transmitir
obedecendo a
recomendação da 4ª conhecimentos para a mudança de hábitos alimentares.
Conferência para Nesse aspecto, Lins reitera a crítica de Valente (1984) quando
Assuntos de Nutrição
da América Latina, assinala que, nessa visão, o próprio indivíduo é culpado por sua
convocada doença, sendo a cura obtida através de informações sobre nutrição,
pelaOrganização para
alimentação e a fim de ‘corrigir’ hábitos alimentares. Tal postura implica uma visão
Agricultura da funcionalista de estratificação social, fundada na idéia de uma
Organização Mundial
de saúde (FAO/OMS)
sociedade harmônica, onde a educação teria um papel de força
em 1957 (Lins, 1990). homogeneizadora, com a função social de eliminar as diferenças. Assim,

618 História, Ciências, Saúde — Manguinhos, Rio de Janeiro


EDUCAÇÃO NUTRICIONAL...

a educação nutricional se atém apenas àquelas situações passíveis de


serem modificadas por métodos educacionais, mantendo uma
‘neutralidade técnica’ a ser assumida pelo educador, evitando-se a
interferência de questões políticas.
Para Valente (apud Lins, 1990)), a reflexão social sobr a fome/
desnutrição passa pela análise do modo de produção capitalista. O
objetivo da educação nutricional deveria visar a superação das ‘causas
básicas’ da problemática nutricional, representadas pelas estruturas
econômica, política e ideológica dos locais onde o nutricionista
atua. Disso se depreende que a educação nutricional se configura
como um instrumento de apoio às ações sociais que visem a explicitar
as contradições da estrutura social, num esforço para a superação
das causas básicas dos problemas nutricionais das populações.
Foi a partir deste enfoque estrutural que Lins (op. cit.) construiu
o modelo de análise das abordagens acadêmicas no ensino da
disciplina educação nutricional, adotando a entrevista e a observação
da prática pedagógica de dois grupos de professores dos cursos de
graduação em nutrição do Rio de Janeiro, introduzindo a análise do
discurso como guia interpretativo.
A pesquisa mostrou que os docentes do grupo 1 entrevistados foram
unânimes na crítica ao modelo de sua formação na disciplina. No
entanto, ao descrever a docência e os conteúdos trabalhados, eles
privilegiavam exatamente aqueles conteúdos direcionados para
alimentação e nutrição: “noções sobre educação e relações com
educação nutricional”; “métodos, técnicas e recursos didáticos para
ações educativas”; “recursos audiovisuais: cartazes, flanelógrafos, álbum
seriado, slide, retroprojetor”; “etapas de planejamento de cursos:
diagnóstico, avaliação”; “hábitos e tabus alimentares, papel do
nutricionista em programas de educação alimentar”. Não se conseguiu,
nas entrevistas desse grupo, detectar categorias discursivas que
explicitassem a dimensão social da educação nutricional.
No que se refere ao discurso discente sobre o tema da concepção da
educação nutricional, a autora observou que as expectativas iniciais
dos alunos em relação à disciplina eram: “aprender os meios mais
objetivos para educar pessoas ou grupos”; “ensinar corretamente as
pessoas a se alimentar”; “aprender métodos e técnicas de ensino”;
“aprender a adequar a nutrição ao nível socioeconômico da população”;
“orientar pessoas principalmente de baixo nível econômico”, entre
outras. Nisso residia a idéia de que a disciplina educação nutricional
ensinava a ensinar. De modo geral, essas expectativas dos alunos e
sua visão da educação nutricional ajustavam-se perfeitamente às
concepções emitidas pelos seus professores. Dito de outro modo, o
ensino da educação nutricional vem tentando acompanhar e utilizar
os meios instrucionais com o máximo de eficiência, supervalorizando,
portanto, a dimensão técnica da educação e pondo de lado as dimensões
política e social que lhe são inerentes.

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ERONIDES DA S. LIMA, CELINA S. OLIVEIRA E MARIA DO CARMO R. GOMES

Nesse sentido, Lins detectou que os docentes do grupo 2 da pesquisa


traziam em seus depoimentos, a exemplo dos do grupo 1, as críticas à
forma como a disciplina em foco foi ministrada na sua formação como:
“meramente didática”; “primou por ensinar a utilização de recursos
audiovisuais”; “muita técnica, pouco reflexiva”; “prática desvinculada
da teoria”. O que caracterizava esses docentes, no entanto, era a
resistência a dar continuidade a esse tipo de ensino, decidindo-se por
ministrar a disciplina com uma abordagem não tradicional. Por
motivações diferentes, os docentes alinhavam-se à proposta de Valente
(apud Lins, 990). Para eles, a concepção de educação nutricional
fundamentava-se nas seguintes categorias discursivas: “o ensino da
educação nutricional deve suscitar reflexões sobre o papel social do
nutricionista”; “a educação e a educação nutricional devem servir como
instrumento de apoio às ações sociais que visem a modificações
estruturais”; “a educação é crítica porque, ao mesmo tempo que é
determinada, pode influenciar o determinante, numa relação dialética,
fortalecendo a luta de classes”.
Conseqüentemente, esse grupo trabalhava com conteúdos diferentes
dos do grupo 1, privilegiando, por exemplo, “educação, teorias
educacionais, tipos de pedagogia”; “correntes de pensamento na área
da saúde”; “determinação social dos hábitos alimentares”. Embora os
professores do grupo 2 também valorizassem conteúdos de didática,
esta instrumentalizava o aluno para atender à dimensão técnica da
educação, acompanhada porém da dimensão social e política. Eram
priorizadas algumas técnicas de dinâmica de grupo e dramatizações,
visando a facilitar o desenvolvimento de trabalhos com comunidades.
No que se refere à concepção da sociedade, o discurso dos docentes
deixava entrever algumas categorias encontradas no texto de Valente,
tais como: “luta de classes”, “relações de produção”, “nutrição social”
“mudanças estruturais”, entre outras (Lins, 1990, p. 158).
Não obstante as insuficiências metodológicas e documentais do
estudo em foco para uma sólida reconstituição da história da disciplina
educação nutricional nos espaços de formação do nutricionista/educador,
a autora assinala que, ao ser institucionalizada via Saps, como prática
educativa, a educação alimentar cristalizou no tempo um conceito e
uma prática, a qual objetivava transmitir informações de nutrição para
mudança de hábitos e atitudes alimentares. Calcadas no serviço de
extensão norte-americano e fundamentadas em teorias sociológicas
funcionalistas, tais idéias foram aprisionadas e reproduzidas nas
instituições de ensino, onde se legitimava a dimensão meramente
técnica da educação alimentar como disciplina formadora.
Nesse ponto cabe destacar que, embora a educação alimentar
tenha sido concebida em sua origem nos anos de 1934 a 1946 sob a
ótica da ignorância alimentar, configurando-se como instrumento de
correção dos hábitos alimentares errôneos do povo, ela não se limitava
à dimensão técnica, mas perpassava de fato, no plano das idéias, um

620 História, Ciências, Saúde — Manguinhos, Rio de Janeiro


EDUCAÇÃO NUTRICIONAL...

enfoque social bem mais amplo, do qual foi gestada uma política
alimentar nacional de caráter abrangente. A essa política correspondeu
uma reforma alimentar que demandava do Estado diversas formas de
intervenção que, não obstante sua natureza compensatória, deveria
redefinir o uso e a distribuição da terra, a produção de alimentos e o
seu barateamento, instituindo o salário mínimo do trabalhador e a
criação de um conjunto de instituições necessárias à sua implementação
e legitimação, a exemplo do Saps, entre outras, de modo a assegurar
à população a alimentação racional cientificamente preconizada e o
pleno desenvolvimento científico das pesquisas projetadas (Lima, 2000).
Dois aspectos parecem fundamentais para se realizar um
empreendimento sólido de pesquisa histórica da educação alimentar
como disciplina formadora. O primeiro deles é o grau de assimilação
e o alcance das idéias projetadas pelos fundadores dessa disciplina nos
primórdios da institucionalização da política alimentar nacional, que
incluía a plataforma inaugural dos programas de ensino nas instituições
recém-criadas, de modo que se visualize a relação entre as idéias e as
ações. Isso significa resgatar práticas esquecidas, documentos obscuros,
discursos já silenciados, num processo de reconstituição que nos leve
a compreender tanto outros sistemas de pensamento quanto as
continuidades e descontinuidades históricas que se sucederam até aquilo
que temos hoje e até aquilo que somos.
O segundo aspecto diz respeito à análise dos desdobramentos teórico-
práticos acrescidos na disciplina educação nutricional, que, em sua
evolução histórica nas instituições formadoras, contribui para que se
elucide o reducionismo técnico instituído no tempo. Nesse aspecto, o
que importa não é o que se diz que se faz, mas o que verdadeiramente
se faz. O significado real da disciplina não se reduz ao plano ordenado,
mas à prática real onde se dá a experiência da formação.
Assim, a contribuição do estudo de Lins reside, por um lado, na
introdução de novas questões sobre a necessidade do delineamento
do enfoque histórico na instrumentalização da análise da educação
alimentar como disciplina, e, por outro, na conclusão que aponta
para a realização de pesquisa no âmbito da prática educativa. Disso
poderia resultar o direcionamento do ensino da educação nutricional
tendo em vista a promoção do homem, o que exige a intensificação
do diálogo com outras disciplinas afins, como história, filosofia,
antropologia e educação.
Nesse aspecto, a dissertação de Baião (1993) reforça a crítica à tese
da ignorância como categoria justificadora da educação nutricional,
introduzindo o conceito de representação social do nutricionista como
educador no cotidiano da sua prática profissional nas diversas áreas de
atuação. Isso permitiu à autora a formulação de outras questões: é
possível uma prática educativa em nutrição que não se limite à
transmissão de conhecimentos e à prescrição de normas? Que elementos
críticos apontados com relação à educação em saúde têm sido

vol. 10(2):603-35, maio.-ago. 2003 621


ERONIDES DA S. LIMA, CELINA S. OLIVEIRA E MARIA DO CARMO R. GOMES

incorporados à prática em educação nutricional? Que aspectos norteiam


atualmente a prática educativa em nutrição, fazendo-se avançar ou não
com relação ao modelo tradicional da educação? Para isso, reforça-se
também a preocupação em elucidar a história da educação nutricional
por uma síntese narrativa e cronológica da emergência da nutrição no
Brasil, que se limita muito mais ao plano da justificação da pesquisa do
que à reconstituição histórica objetiva das bases sobre as quais se
sustentam as práticas educativas em foco.
O estudo discute e analisa a prática em educação nutricional
desenvolvida por profissionais graduados em nutrição que atuam em
diversas áreas, sob a premissa de que “somente no confronto entre a
teoria e a prática, quando se estabelece o espaço das relações
sociais de produção, o profissional sente o tamanho da
responsabilidade que lhe é atribuída, seja ela para prevenir e/ou
solucionar os problemas nutricionais cuja maioria vive em condições
de miséria e fome” (Baião, 1993, pp. 3-4).
Disso resulta a evidência, segundo a autora, de que o discurso
científico fornece aos nutricionistas todo referencial instrumental e técnico
que impede não somente a reflexão sobre os limites teórico-práticos da
sua atuação, como também capacita para uma intervenção nutricional
descontextualizada dos aspectos histórico-culturais. Nesse sentido, ela
introduz a teoria da ação comunicativa de Habermas (1989, 1987),
de modo a contribuir para a análise do sentido pedagógico-político
das práticas educativas como processo de interação dialógica de
atores envolvidos numa mesma situação, cuja racionalidade não se
restringe a uma abstração inerente ao indivíduo, mas a um
procedimento argumentativo por meio do qual os sujeitos envolvidos
refletem sobre questões relacionadas com a verdade.
É por essa ótica que o estudo em pauta procura enriquecer a reflexão,
discutindo aquelas questões mais significativas sobre o nutricionista
como educador. Para isso, Baião valeu-se da metodologia da pesquisa
qualitativa, elegendo o local de trabalho como cenário privilegiado
para a realização de entrevistas com dez profissionais e a observação
do contexto imediato da prática educativa. Usou também documentos
para dar subsídios a essa atividade, de modo a captar a interpretação
que os profissionais faziam da realidade — suas representações sociais.
Foram investigadas as razões da escolha da profissão, a avaliação da
formação, a vida profissional atual (trabalho, problemas,
relacionamento), problemas alimentares e nutricionais do Brasil e o
papel do nutricionista, sua história de vida (pessoal e profissional) e
nutrição-educação.
Nos limites deste artigo, destacamos a análise realizada por Baião
(op. cit., p. 80) com relação à prática educativa em nutrição para
descrever o que está implícito no modo dominante de educar e de
pensar o corpo e a saúde. Nesse aspecto, segundo a autora, a
prática educativa perpassa todas as áreas da nutrição, embora isso nem

622 História, Ciências, Saúde — Manguinhos, Rio de Janeiro


EDUCAÇÃO NUTRICIONAL...

sempre seja claramente percebido pelo conjunto dos profissionais


estudados. Os enunciados dos profissionais atestaram que a educação
nutricional ainda é realizada visando modificações dos hábitos
errôneos dos diversos grupos de baixa renda e a introdução de
alimentos, e nisso se confunde educação com orientação alimentar.
No campo da alimentação coletiva, as informações sobre alimentação
são veiculadas através do cardápio, em forma de mensagens sobre
a alimentação da semana. Nas demais áreas, a educação limita-se às
orientações individuais ou em grupo. Os conteúdos são técnicos e
nada reflexivos, e a autora conclui que a prática educativa observada
é identificada como um mero repasse do saber técnico e científico.
O vínculo existente entre o profissional e a população permanece
no plano intervencionista e técnico.

As técnicas empregadas visam, sobretudo, a aprendizagem de um


conjunto de maneiras de ser, de agir e de pensar e jamais
problematizam a realidade em que vivemos, sendo as mais comuns:
as salas de espera, as palestras, os cursos, os seminários e o
aconselhamento nutricional. Os conteúdos abordados ... referem-
se, principalmente, ao teor nutritivo dos alimentos e à função dos
mesmos, à importância e ao significado de uma alimentação
balanceada e aos princípios de higiene pessoal e dos alimentos.

O importante nesta constatação é que, subjacente à prática


educativa, há uma filosofia da educação centrada em parâmetros
normativos e prescritivos da conduta alimentar. A exemplo de Lins,
a autora, ao se aproximar das práticas, também aponta alguns
elementos que parecem fundamentais para o delineamento de novas
abordagens: “A questão nutricional e alimentar não pode ser tratada
somente sob a ótica metabólica. Devem ser resgatados e valorizados
outros pontos de vista como o econômico, o social, o cultural, o
psicológico. É preciso estabelecer uma relação de influência e
determinação entre os mesmos e sobre o estado nutricional dos
indivíduos” (idem, ibidem, p. 81). Disso decorre o reconhecimento
da possibilidade de livre escolha dos indivíduos sobre as modificações
no comportamento alimentar.
Como assinala Arruda (1993, p. 71), os “homens são seres bio-
ético-culturais”. Como seres estritamente biológicos, são simples
espécie subordinada às necessidades comuns ao gênero animal.
Como seres ético-culturais dependem da exigência de um sentido
subjetivo com o qual impregnam o modo de satisfação das
determinações biológicas. As realidades bioética-culturais representam
a unidade necessária entre a esfera estritamente fisiológica, o mundo
físico, o capital cognitivo e as formas convencionais das relações sociais.
A incorporação da teoria da ação comunicativa de Habermas por
Baião, no estudo em pauta, leva à possibilidade de uma nova orientação
para a prática da educação nutricional, à medida que não exclui a

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ERONIDES DA S. LIMA, CELINA S. OLIVEIRA E MARIA DO CARMO R. GOMES

racionalidade técnica, mas advoga a necessidade de uma comunicação


livre, sem radicalismos e imposições. Com isso opera-se a passagem da
razão instrumental e intervencionista que regula as relações dos sujeitos
na educação acentuando uma razão que persegue interesses
emancipatórios. Rocha (1990, p. 188) assinala que, na teoria consensual
da razão proposta por Habermas, a “racionalidade dos sujeitos que
participam da discussão que permite alcançar o consenso é pressuposta
a posteriori, isto é, o mesmo consenso que fundamenta a pretensão de
verdade é o que fundamenta a pretensão de racionalidade dos sujeitos”.
Se a teoria consensual da razão trouxe essa contribuição para a
discussão das práticas educativas, abrindo espaço para o encontro do
saber popular, onde o outro não seja mais objeto, a análise das categorias
representacionais que os profissionais fazem das suas ações demanda
a construção de uma base explicativa a partir dos modos pelos quais
eles vivenciam essas práticas e constroem seus significados. Assim,
deve-se dar atenção de fato aos processos interativos que se desenrolam
nas situações educativas em que os profissionais percorrem e utilizam
abordagens por vezes bastante contraditórias do ato de educar. A
explicação das representações exige menos uma operação de análise
da situação enunciativa dos pesquisados, entendida como as
determinações e os contextos que levaram os indivíduos a proferir os
seus enunciados e muito mais os encontros, conversas e relações que
configuram a vivência educativa num tempo determinado. Como
referidas que são ao estoque de conhecimento, as representações que
os profissionais fazem das práticas educativas “estão longe de ser um
sistema fechado que determina as práticas: constituem um conjunto
aberto e heterogêneo que comporta zonas de imprecisão e elementos
contraditórios e que é continuamente refeito-ampliado, deslocado,
problematizado — ao longo das práticas e relações dos indivíduos com
seu meio e entre si” (Alves, 1998, p. 115).
Em meio às abordagens das representações em torno da
formação e da prática educativa do nutricionista, o estudo de Pedrosa
(1994) acrescenta à discussão a dissertação sob o título Educação
nutricional sob a perspectiva da educação ambiental (1994), à luz
do conceito de desenvolvimento sustentado, que tem como postulado
a exploração racional dos recursos econômicos que preserve o
meio ambiente em proveito do bem-estar integral do homem e
das necessidades das futuras gerações. A exemplo das autoras
anteriormente mencionadas, ao analisar os programas da referida
disciplina nos cursos de graduação em nutrição, Pedrosa constatou a
predominância da abordagem biológica da nutrição, em detrimento
do enfoque social, ressaltando ainda a escassez de conteúdos
referentes à problemática ambiental. Ainda segundo o autor, faz-se
necessária a ampliação do debate acerca das diversas interfaces da
educação nutricional, objetivando modificar as práticas que contribuem
para o agravamento da problemática ambiental relacionadas à

624 História, Ciências, Saúde — Manguinhos, Rio de Janeiro


EDUCAÇÃO NUTRICIONAL...

produção e à utilização dos alimentos, considerando que, nesse


contexto, a educação ambiental possibilita a formação de uma
consciência que resulta em novos modelos de comportamento.
Para isto, o autor desenvolveu sua fundamentação teórica situando
a questão do meio ambiente no mundo, com destaque para a relação
com o desenvolvimento e a qualidade de vida do homem, o que
demanda uma visão holística: histórica, política, social e filosófica. As
agressões ao meio ambiente têm como uma de suas conseqüências
uma redução significativa da disponibilidade de alimentos, em oposição
à explosão demográfica mundial, repercutindo de forma mais negativa
nos países em desenvolvimento.
A introdução do conceito de desenvolvimento sustentado como
base de fundamentação teórica se opõe à incorporação, à educação
nutricional, do conceito de saúde pautado pela ausência de doença,
entendida como um processo baseado na existência de um agente, um
hospedeiro e ambiente. Recentemente, a ecologia contribuiu para
reformular esse conceito, demonstrando que, na exploração intensiva
do meio que resulta em danos ao ambiente e riscos para a saúde
humana, a saúde pode ser entendida como saúde ambiental, em oposição
ao conceito clássico que considera a saúde como mera ausência de
doenças.
De acordo com essa concepção, a saúde provém da forma de
organização das relações de produção em determinado sistema político
e econômico. Portanto, discussões acerca da saúde devem considerar
a questão do modelo de desenvolvimento vigente e a influência dos
fatores ambientais sobre a vida do homem.
Tal enfoque parece significativo para o debate sobre a educação
nutricional, à medida que, como assinala Fourez (1995, p. 250), na
vertente ecológica produz-se uma análise que vê na inversão da relação
dos seres humanos com os seus meios de produção a principal
contradição de nossa sociedade. Por este prisma, busca-se “demonstrar
que é na triangulação Nutrição, Meio Ambiente e Desenvolvimento
que se pode encontrar a gênese dos problemas nutricionais de um
país, a qual não é meramente sanitária ou ambiental, mas resulta da
concentração de poder e riqueza característico de modelos de
desenvolvimento como o nosso” (Bittencourt et al., 1992, p. 127). A
ênfase central dessa concepção funda-se na premissa de que a
produção da desigualdade e da miséria constitui o elemento principal
da degradação ambiental, sendo a fome a síntese dos fracassos humanos.
Postula-se a necessidade de se avaliarem os efeitos diretos de
determinado padrão tecnológico sobre a natureza e os alimentos.
Nesse sentido, Pedrosa destaca no estudo em pauta a relação entre
a educação nutricional e as questões ambientais, sendo necessário,
para superar os problemas decorrentes desse imbricamento, investir na
formação de recursos humanos. A compreensão da inter-relação entre
o homem e o meio ambiente é importante para que os profissionais

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ERONIDES DA S. LIMA, CELINA S. OLIVEIRA E MARIA DO CARMO R. GOMES

tenham uma conduta que promova a utilização racional dos recursos


naturais entre os alimentos. Sendo assim, cabe ao nutricionista dar sua
contribuição como educador.
Pedrosa realizou uma investigação nas cidades de Niterói e do Rio
de Janeiro junto a professores da disciplina educação nutricional dos
cursos de graduação em nutrição públicos e privados e profissionais de
nutrição que estavam em pleno exercício da profissão. O objetivo geral
foi analisar a inter-relação entre educação nutricional e educação
ambiental na práxis do profissional de nutrição. Estiveram em questão
o conteúdo programático da disciplina educação nutricional na área de
estudo selecionada, as concepções dos professores sobre a inter-relação
educação nutricional/educação ambiental e a importância de conteúdos
de educação ambiental para o desempenho da profissão do nutricionista,
entre outras. Para isso, o autor fez uso de entrevistas não estruturadas
com os professores, analisou ementas da disciplina educação nutricional,
objetivando a identificação de conteúdos relativos à educação ambiental,
e aplicou questionários com perguntas abertas aos profissionais.
O resultado da pesquisa mostrou que o papel do nutricionista é
percebido pelos professores como de grande importância para a qualidade
de vida da população e que existe uma preocupação com a inserção
do profissional formado em ações voltadas para a promoção da saúde
e da qualidade de vida. No entanto, os conteúdos de educação
nutricional em geral são abordados na perspectiva da educação em
saúde, tendo como objeto os hábitos alimentares e seus determinantes,
o que, por sua vez, direciona a práxis do nutricionista.
Embora os temas relacionados à educação ambiental não constassem
dos currículos analisados, os professores reiteraram a importância da
discussão sobre a produção de alimentos e os determinantes econômicos,
sociais e culturais dos hábitos alimentares e advogaram a necessidade
de incorporação de conteúdos de educação ambiental na disciplina
educação nutricional, em função dos danos causados à saúde da
população pela ingestão de alimentos contaminados nas suas etapas
de processamento.
No que se refere à prática profissional, Pedrosa verificou que a
relação entre a ação do nutricionista e a qualidade de vida parece
ser percebida pela maioria dos profissionais que trabalham nos
locais mais diversos. Todavia, uma parcela dos que trabalham em
restaurantes parecem não percebê-la.
A atividade em educação nutricional é mais freqüente entre os
profissionais que trabalham em consultórios, instituições de pesquisa,
restaurantes, escolas/consultórios e entre profissionais de clínica. Segundo
o autor, o conceito ambiental reduzido a simples “preservação do
ambiente” foi respondido pela totalidade daqueles que trabalham em
consultório e escolas/creches e por parte dos que trabalham em
restaurantes e hospitais. Porém, significativa parcela dos pesquisados
identificou conceitos mais abrangentes de educação ambiental.

626 História, Ciências, Saúde — Manguinhos, Rio de Janeiro


EDUCAÇÃO NUTRICIONAL...

De fato, a maioria dos profissionais destacou que não foi capacitado


no seu tempo de formação para desenvolver atividades educativas
relacionadas às variáveis ambientais que interferem na produção,
comercialização e utilização de alimentos. Disso o autor concluiu que
se torna imprescindível resgatar o papel do nutricionista/educador a
partir da perspectiva da educação ambiental, idéia que foi apoiada
pelos profissionais pesquisados. Sendo assim, torna-se necessário
rediscutir a formação do nutricionista, capacitando-o para um exercício
profissional mais consciente e crítico e contribuindo para uma relação
mais harmônica entre homem e natureza.
Nesse aspecto, as palavras de Wood et al. (1999, p. 165) são instigantes
para se pensar o enfoque ambiental na educação:

O que ficava claro da análise de Marx era que humanidade e


natureza estavam inter-relacionadas e que a forma historicamente
específica das relações de produção constituía o âmago dessa inter-
relação em qualquer dado período ... Sob o capitalismo, todos os
relacionamentos naturais e humanos, argumentou Marx, foram
dissolvidos e transformados em relacionamentos monetários.
Em vez de uma sociedade governada pelo ‘grosseiro pagamento
à vista’ e pela necessidade de aumento ininterrupto da
produtividade, ele aspirava a uma ordem social que promovesse
o desenvolvimento multifacetado dos talentos humanos e uma
relação humana com a natureza, da qual somos parte.

No conjunto da produção acadêmica em pauta, a ênfase no conceito


de representação social torna-se mais visível no estudo de Menezes
(1997, p. 31), que teve como objeto central o nutricionista, “no sentido
de perceber que representações este profissional tem da sua própria
prática, em especial, da sua prática educativa” na nutrição clínica e na
alimentação coletiva. A prática educativa perpassa todo o estudo a
partir das seguintes questões: quais as características da prática educativa?
Como esta prática se apresenta na trajetória do nutricionista? Como o
profissional vê a sua prática? Que dimensões educativas se destacam
nessa prática? Quais os seus limites, impasses e possibilidades?
Para a análise desses aspectos, a autora partiu da premissa de que
o nutricionista tem por objeto a relação homem/alimento, atuando no
sentido da promoção e manutenção da saúde humana, tanto no plano
individual quanto no coletivo, utilizando os conhecimentos da nutrição.
Entre os diversos autores incluídos na delimitação do quadro teórico
do estudo, Menezes inclui Bourdieu (1990), segundo o qual as respostas/
ações dos sujeitos são produtos da história individual, cujo habitus vai
se formando pelas diferentes agências pedagógicas: família, escola,
universidade e o próprio local de trabalho. Aproximando-se também de
Minayo (1989), a autora destaca que os sujeitos da pesquisa (nutricionistas)
pertencem a uma determinada condição e grupo social e que possuem
crenças, valores e significados próprios. Assim,

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ERONIDES DA S. LIMA, CELINA S. OLIVEIRA E MARIA DO CARMO R. GOMES

utilizando o que pensam, o que sentem, o que falam os profissionais,


para buscar compreender a prática educativa que desenvolvem,
optou-se por trabalhar com o conceito de representações sociais,
entendida por senso comum, idéias, imagens, concepções e visão
de mundo que os atores sociais possuem sobre a realidade. É
através delas que os atores se movem, constroem suas vidas e
explicam-na mediante seu estoque de conhecimentos.

Na perspectiva da pesquisa qualitativa, foram eleitos dois hospitais


do Rio de Janeiro onde a autora entrevistou 11 nutricionistas (sete da
clínica e quatro da alimentação coletiva). Para situar a prática educativa
na trajetória do nutricionista, a autora reconstituiu o movimento de
normatização das atribuições do nutricionista, fazendo uso de revisão
bibliográfica e da legislação pertinente no período de 1930 a 1997 e de
fontes referentes aos congressos da área, a fim de identificar temas
educativo-profissionais e a concepção de educação subjacente. Disso
resultou a evidência de que os primeiros cursos de nutrição foram
criados no início da década de 1940, esboçando a primeira concepção
de educação centrada na ênfase da mudança do comportamento
alimentar. Nessa perspectiva, a análise do temário e das recomendações
dos congressos de nutrição ocorridos nos anos de 1970, 1972, 1974,
1976 mostrou, segundo Menezes, que a questão da educação nutricional
continuava a ser debatida não como atividade profissional inerente às
três áreas específicas de atuação, mas no interior dos programas
governamentais. Isso reforça mais uma vez o atrelamento desse campo
disciplinar às demandas e diretrizes das políticas públicas de alimentação
e nutrição, fundadas na racionalidade técnica que marcou esses anos
sob a ótica intervencionista e assistencial.
Do estudo de Menezes vale destacar que, nos debates extra-
acadêmicos da década de 1980, teve início a reflexão sobre a
formação e atuação do profissional a partir da VIII Conferência
Nacional de Saúde. Na I Conferência Nacional de Alimentação e
Nutrição, em 1986, esteve em discussão a concepção individualista
e biologizante em relação aos problemas alimentares e nutricionais,
recaindo o enfoque sobre a questão estrutural da problemática
alimentar (reforma agrária, política agrícola, política socioeconômica,
política salarial, política de abastecimento e comercialização). Da
desnutrição passou-se à discussão sobre a fome, por meio da
adoção de um enfoque social que punha em evidência a dimensão
política da educação. A educação nutricional deveria contemplar, por
meio de canais formais e informais de ensino, não apenas o valor
nutritivo dos alimentos e as práticas alimentares, mas também
esclarecer a população sobre seus direitos de cidadania.
Segundo Menezes, embora a ênfase nesse pensamento tenha
adquirido relevo com a realização do XI Congresso Brasileiro de Nutrição,
em 1987, com o tema ‘Fome: uma questão política’, e do XII Congresso
Brasileiro de Nutrição, em 1989, com o tema ‘A prática profissional em

628 História, Ciências, Saúde — Manguinhos, Rio de Janeiro


EDUCAÇÃO NUTRICIONAL...

nutrição: reprodutora ou transformadora?’, o predomínio da dimensão


política parece ter esvaziado a discussão da educação nutricional,
que não apareceu no temário desses congressos como se podia
esperar.
Nessa trajetória, Menezes constata também que a produção acadêmica
dos anos 1990 deu continuidade à discussão da problemática da
identidade profissional por meio da discussão acerca da formação e da
prática, com diferentes enfoques, a exemplo de Lins (1990), Sampaio et
al. (1991), Lash (1993), Pereira (1993), Sgavioli (1993), Bosi (1996),
Santos (1996) e Viana (1996). Coincidentemente, as mudanças na
legislação, em 1991, ampliaram as atividades do nutricionista, situando
a educação nutricional como atividade privativa desse profissional nas
diferentes áreas de atuação, como se observa no artigo 3º, parágrafo
VII, da lei 8.234/91: “assistência e educação nutricional à coletividade
ou indivíduos, sadios ou enfermos, em instituições públicas e privadas
e em consultório de nutrição e dietética”.
Merece nota o fato de que a educação nutricional tenha voltado
à tona no temário do XIV Congresso Brasileiro de Nutrição, realizado
em 1996, na mesa-redonda ‘Educação popular, cidadania e saúde’ e
na sessão das palestras ‘Diferentes abordagens em educação
nutricional’. A ênfase dada ao sujeito, à democratização do saber, à
cultura, à ética e à cidadania sinaliza que as questões que permearam
o debate no final do século XX diferem substancialmente daquelas
vivenciadas nos anos 1930 e 1940, quando se configurava a
ignorância alimentar do povo como matriz justificadora da constituição
desse campo disciplinar. Isso sugere que a polêmica em torno da
disciplina educação nutricional no espaço da formação e da prática
profissional tem fluxo descontínuo no tempo, mas sempre esteve
voltada para a discussão dos fundamentos teórico-práticos desse
campo como modo de conhecer e de educar.
Muito sinteticamente, vale destacar que, no estudo de Menezes,
os enunciados dos profissionais da área da ‘alimentação coletiva’ e
de ‘nutrição clínica’ demonstraram nítidas diferenças de concepção,
tanto no que se refere ao objeto de trabalho como na identidade
profissional, marcando um distanciamento entre a formação e a
prática. No âmbito do hospital, a alimentação coletiva tem como
foco de preocupação o alimento, pensado como objeto de trabalho,
e não se concebe o nutricionista como profissional de saúde, mas
como um administrador num serviço marcado por atividades
operacionais e gerenciais, o que traz à tona a questão dos limites da
autonomia profissional no espaço local da produção de refeições coletivas
para se pensar a saúde e a educação alimentar nos moldes das atribuições
profissionais normativamente estabelecidas.
Por conseguinte, o eixo da ação educativa é a higiene, via treinamento
informal dos funcionários do serviço de alimentação, com ênfase nas
regras básicas a serem seguidas, em geral de forma individualizada.

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ERONIDES DA S. LIMA, CELINA S. OLIVEIRA E MARIA DO CARMO R. GOMES

Além da orientação individual, também são realizadas reuniões no


horário de trabalho, em geral retirando do funcionário seu horário de
descanso no intervalo do almoço. Não há periodicidade nos encontros
e nem planejamento de uma atividade educativa organizada, centrando-
se as ações no erro dos funcionários, e no não cumprimento das regras
básicas de higiene. Isso configura a relação educação/treinamento/
doutrinação.
Nessa visão, o termo ‘treinamento’ é o mais usado, sendo o
componente técnico o mais enfocado, visando a uma atitude correta e
adotando-se para isso a afixação de cartazes com mensagens e conteúdos
normativos de higiene, embora os nutricionistas percebam que os
funcionários não entendem o alcance desse enfoque.
No que se refere aos usuários, a prática educativa assume mais o
caráter de evento e não faz parte das atividades cotidianas do
nutricionista. Os assuntos abrangem o valor nutritivo dos alimentos,
a importância de uma alimentação equilibrada e a alimentação
alternativa. Configura-se, portanto, segundo Menezes, uma ação
verticalizada na alimentação coletiva, em que o nutricionista é o
detentor do saber.
De modo diferente, os nutricionistas da clínica vêem-se como
profissional de saúde nas fronteiras da doença, da cura e da prevenção,
questionando como a natureza curativa das suas práticas é percebida
pelos outros. No espaço da clínica, os profissionais demonstram mais
satisfação com sua prática relacionada à retribuição e ao reconhecimento
social do trabalho realizado. Na visão dos nutricionistas pesquisados,
a prática educativa ocorre nas visitas diárias individualizadas aos
pacientes e no momento da distribuição das refeições, percebendo-se
também a preocupação com a dimensão coletiva, a qual se torna
possível na enfermaria.
Outro momento destacado é o da orientação de alta, em que o
foco da ação educativa são as patologias associadas à questão
nutricional e aos processos cirúrgicos complicados. No entanto,
também não há continuidade e planejamento nem conteúdos
definidos a serem trabalhados com os pacientes, limitando-se a
prática educativa ao atendimento de três dimensões da prática
clínica: a importância do acesso do paciente à informação técnica,
a boa relação profissional-paciente e uma postura ético-política
frente à difícil realidade do paciente.
No cerne do processo educativo aparece a questão da autonomia do
sujeito e sua plena participação no tratamento. No entanto, as atividades
burocráticas se interpõem entre as atividades educativas, constituindo
dificuldade interna em que o parâmetro é o tempo médio da internação,
acarretando não somente a rotatividade dos pacientes mas também das
especialidades e impedindo a plena realização das atividades.
A despeito disso, vale a advertência de Gusmão (1997), quando
afirma que os indivíduos não são produtos mecânicos de uma linha de

630 História, Ciências, Saúde — Manguinhos, Rio de Janeiro


EDUCAÇÃO NUTRICIONAL...

montagem, mas, como seres variáveis, mutáveis no temperamento e


no comportamento, não ficam à mercê de sua natureza e da sua cultura.
Tal como discutem Alves et al. (1998), os trabalhos voltados para as
representações e práticas de educação nutricional aqui descritos têm
como preocupação central explicitar os discursos de uma pequena
amostra de informantes, mediante o uso de entrevistas para penetrar
no seu universo de significações, fazendo uso de certas concepções
hermenêuticas e métodos qualitativos. Ao fazê-lo, eles não se
desprendem de uma concepção estrutural na forma como é abordada
a relação entre representações e práticas. Isso marca também uma
nítida determinação das primeiras sobre as segundas. Há uma tendência
ao delineamento de modelos fechados de significação, em detrimento
de uma compreensão dos processos de construção de significado.
O conceito de habitus, de Bourdieu, entre outros, e introduzido por
Menezes em sua análise, reforça essa perspectiva estrutural, pois, embora
desloque a determinação do plano das idéias para o domínio do habitus,
a nossa relação com o mundo da cultura encontra-se apoiada em
‘estruturas estruturantes’ que atuam como geradoras de práticas, sendo
irrelevante a sua relação com a experiência. Nesse sentido, “a experiência,
na verdade, nunca se enquadra perfeitamente nos modelos ou
representações propostas para explicá-la: há uma dinamicidade,
indeterminação ou excesso de sentido em toda experiência que faz
com que sempre haja espaço para novas e renovadas formulações a
seu respeito” (Alves et al., op. cit., p. 119). Segundo essa ótica, o
domínio das representações e práticas constituem dois elementos que
exercem influência recíproca um sobre o outro.
A reconstituição introduzida por Menezes sobre a constelação de
fatos que, no plano geral, marcaram a trajetória da profissão e sua
normatização, assim como os debates sobre a educação nos
congressos da área, acaba por esvaziar os enunciados dos
informantes, enfocando mais as representações que os nutricionistas
fazem das práticas educativas como efeito de determinações estruturais
e idealizações externas a eles do que elaborando uma configuração
explicativa contextualizada de categorias representacionais construídas
no interior das práticas nas quais se revela a experiência relacional dos
indivíduos e considerando as particularidades desse processo nas duas
instituições pesquisadas, de onde se poderia extrair os subprodutos da
dimensão interativa. Isso significa ir além dos limites do conteúdo do
3
Sobre as insuficiências discurso dos sujeitos3 e incorporar o conceito de experiência como
e os limites do conceito alternativa possível à superação das dicotomias.
de representação, ver
Almeida (1999).

Conclusão
O primeiro aspecto relevante nessa exposição diz respeito à
constatação da baixa produção científica da disciplina educação
nutricional no âmbito da pós-graduação em nutrição no período de

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ERONIDES DA S. LIMA, CELINA S. OLIVEIRA E MARIA DO CARMO R. GOMES

1980 a 1998, o que sugere a inexistência de um projeto institucional


que incluísse na agenda temática dos cursos as perspectivas de pesquisa
nesse campo do saber. Com isso, evidenciou-se o deslocamento
dos mestrandos para outros programas de pós-graduação,
particularmente os da área da educação.
O segundo ponto a destacar é o seguinte: por um lado, a
educação alimentar foi constituída sob orientação social como
instrumento de correção dos hábitos alimentares errôneos e pautada
na premissa da ignorância alimentar nos anos de 1934 a 1946
(Lima, 2000), em consonância com as demandas das políticas
públicas do Estado nacional de Getúlio Vargas. Mas, por outro
lado, o enfoque central da produção acadêmica em educação
nutricional referente à década de 1980 até o ano de 1990 foi
marcado pela continuidade, acentuando-se muito mais o caráter
intervencionista e técnico mediado também pela tese da ignorância
alimentar da população de baixa renda, em estreita consonância,
na base argumentativa, com as diretrizes da política estatal de pós-
graduação em nutrição, de modo a atender aos objetivos do projeto
de nutrição do Brasil, que se materializava através do Inan, criado
em 1972.
Assim, historicamente atreladas ao Estado, tanto a produção
acadêmica como as práticas educativas subjacentes estiveram pautadas
por parâmetros normativos e disciplinadores do hábito alimentar dessa
população, na perspectiva da obtenção de resultados imediatos sobre
o modo ignorante de se alimentar. Por esse prisma, e insistindo
numa prática educativa assistemática e desprovida de mecanismos
de comprovação empírica dos efeitos corretivos que pretende instituir,
a educação nutricional tem-se baseado em pilares ideológicos,
mantendo-se a incógnita do seu alcance social e o dilema epistemológico
relativo à modalidade de conhecer e educar.
As produções acadêmicas da década de 1990 marcaram um
deslocamento significativo no enfoque das dissertações anteriores,
pois, ao incorporarem o conceito de representação social, passaram
a perseguir interesses emancipatórios no ato de pesquisar, visando
à crítica do papel social do nutricionista como educador, nos espaços
onde se davam as suas práticas educativas, e do conteúdo formador
da disciplina em foco, o que reforça a importância do debate tanto
dos seus fundamentos como da sua dimensão ético-política.
Ainda que por investimentos metodológicos insuficientes, a tentativa
de resgatar a história da disciplina também esteve presente. Os estudos
voltados para as representações e práticas tiveram como preocupação
central explicitar os discursos de uma pequena amostra de informantes
mediante o uso de entrevistas, para penetrar no seu universo de
significações, utilizando certas concepções hermenêuticas e métodos
qualitativos. Ao fazê-lo, eles não se desprenderam de uma concepção

632 História, Ciências, Saúde — Manguinhos, Rio de Janeiro


EDUCAÇÃO NUTRICIONAL...

estrutural da forma como foi abordada a relação entre representações


e práticas. Enfatizaram uma nítida determinação das representações
sobre as práticas. A despeito da importância do deslocamento operado
no plano do conhecimento, há uma tendência ao delineamento de
modelos fechados de significação, em detrimento de uma compreensão
dos processos de construção de significado.
Faz-se necessário, portanto, “substituir a preocupação em (re)constituir
modelos fechados de significação por uma proposta analítica de
compreender as formas temporalmente circunscritas pelas quais os
atores imputam e negociam significados para as suas experiências,
vivenciam dificuldades de sustentar esses significados, delineiam e
levam a cabo projetos e estratégias para se (re)situar no mundo social”
(Alves et al., 1998, p. 119). A realidade vivida na formação do nutricionista
e na prática educativa em nutrição implica um fazer e um refazer
constantes, mediante processos culturais que produzem e veiculam
projetos de vida.

FONTES IMPRESSAS

Conselho Nacional de Sinopses avaliação & perspectivas: áreas do conhecimto


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