Dramaturgia Feminina Na América Latina Da Década de 1990
Dramaturgia Feminina Na América Latina Da Década de 1990
Dramaturgia Feminina Na América Latina Da Década de 1990
8 maio/2015 187
Griselda Gambaro, Inés Margarita Stranger, Maria Adelaide Amaral and the
feminine dramaturgy in Latin America of the 1990s
Resumo: a mulher, através dos séculos, foi privada da construção de um discurso próprio e
submetida a gerações e gerações de discursos distorcidos e sexistas. À medida que a mulher
passa a conquistar seu espaço e seu direito à expressão, ela se desloca dentro do ambiente
social e se retira do lugar de passividade e submissão. Considerando que a presença da mulher
na dramaturgia faz parte desse processo, nossa pesquisa se propôs a analisar como a temática
feminina é apresentada dentro da dramaturgia latino-americana na década de 1990, a partir do
lugar de enunciação da própria mulher. Para tal, propusemo-nos a analisar seis textos
dramáticos escritos por mulheres na América Latina. As autoras escolhidas foram: a
argentina, Griselda Gambaro; a chilena Inés Margarita Stranger; e a portuguesa, radicada no
Brasil, Maria Adelaide Amaral.
Palavras-chave: dramaturgia feminina; mulher; silêncio; teatro.
Abstract: Women, over the centuries, have been denied the construction of their own speech
and submitted to generations and generations of distorted and sexists speeches. As they
conquest their space and their right of expression, they move inside of the social environment
and gets out of the passivity and submission place. Considering the female presence in the
dramaturgy as a part of this process, our research proposes to analyze how the female
thematic is presented inside the dramaturgy in Latin America in the 1990’s, from the women
point of view. For this intent, we propose to analyze six dramatics texts written by three Latin
American women. The chosen writers are the Argentinean Griselda Gambaro; the Chilean
Inés Margarita Stranger; and the Portuguese one, rooted in Brazil, Maria Adelaide Amaral.
Keywords: female dramaturgy; woman; silence; theatre.
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Estudante de graduação em Teatro da Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista do Programa de Bolsas
de Iniciação Científica FAPEMIG, orientada pelo prof. Dr. Marcos Antônio Alexandre. E-mail:
[email protected]
Revele n.8 maio/2015
Introdução
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Tradução nossa. No original: “[...] más allá de los condicionamientos biológico-sexuales y psico-sociales que
definen el sujeto autor e influencian ciertas modalidades de comportamiento cultural y público, la escritura pone
en movimiento el cruce interdialéctico de varias fuerzas de subjetivación. Al menos dos de ellas se responden
una a otra: la semiótico-pulsional (femenina) que siempre desborda la finitud de la palabra con su energía
transverbal, y la racionalizante-conceptualizante (masculina) que simboliza la institución del signo y preserva el
límite sociocomunicativo.”
Revele n.8 maio/2015
que uma obra que se propõe à ruptura de paradigmas pode ficar enfraquecida ou até perder
esse poder ao se limitar a uma estética que reforça padrões pré-estabelecidos.
Para analisarmos os textos dramáticos femininos com mais rigor e embasamento, de
forma a perceber de que maneira neles ainda se encontra impregnada a cultura patriarcal,
devemos pensar em como a pulsão anárquica se faz presente, seja como conteúdo, seja dentro
do aspecto formal da obra. A estética anarquista se diferencia do que é padronizado e repetido
sem reflexão e entendimento. Nessa estética o resultado final é menos importante que todo o
processo de criação. Nela se tem liberdade para criar sem restrições de padrões formais e
modos de fazer já desgastados, como a questão temporal que perde a obrigatoriedade de
cronologia, como afirma a autora:
A ruptura com esses padrões estéticos se torna, dessa forma, uma ferramenta dentro
dos demais processos que levam a mudanças de paradigmas culturais. A estética que traz o
novo e inusitado pode ser capaz de demonstrar o quanto o padrão conservador pode estar
ultrapassado e, muitas vezes, equivocado.
A história da América Latina foi marcada por uma constante de dominação, desde sua
colonização, até os dias de hoje. Essa dominação foi se modificando, mas permanece presente
influenciando em diversas questões políticas, econômicas e sociais da região.
A partir da década de 1990 a imposição do neoliberalismo pelos países do centro do
capitalismo mundial aos países da periferia do sistema, como os Latino-americanos, gera uma
nova fase de dependência ligada ao capital fictício e aos endividamentos externos crescentes.
A relação entre centro e periferia gera uma grande perda de recursos e restrições ao
crescimento externo dos países menos desenvolvidos, ao mesmo tempo em que favorece e
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enriquece os países hegemônicos. Essa relação resulta, dentre outras coisas, em uma forte
exploração do trabalho nos países periféricos, como forma de reverter esses prejuízos.
A imposição desse novo modelo econômico, que se deu de forma extensiva, nos países
periféricos, dentre eles os pertencentes à América Latina, se deu por meio de promessas de
melhorias econômicas e sociais como explica Marisa Silva Amaral (2007, p. 4):
Dentro desse cenário a sociedade é obrigada a arcar com diversos prejuízos sociais,
dentre eles o não acesso à educação de qualidade para grande parte da população dos países
latino-americanos. Esse quadro permite que se perpetuem antigos pensamentos e atitudes
preconceituosas, já superadas em algumas culturas do mundo. A título de exemplo, para
justificar este argumento, podemos fazer alusão aos altos índices de violência sofridos pelas
mulheres nesses países, seja ela pela opressão cultural, seja pela sua forma física, que, sem
sombra de dúvidas, é ainda mais brutal.
De acordo com a Organização das Nações Unidas (2013)3, 70% das mulheres sofrem
algum tipo de violência no decorrer da vida, que pode ser física, psicológica ou sexual. Um
estudo da Iniciativa de Pesquisa sobre Violência Sexual na América Latina e no Caribe
(Sexual Violence Research Initiative, 2010, p. 28; p.40)4 demonstra que além desse tipo de
violência ainda ser uma realidade constante, acontece com mulheres e crianças e em grande
parte das vezes é realizada por pessoas próximas, inclusive parceiros, que ainda acreditam ter
esse direito. Além disso, ainda hoje, as vítimas de violência sexual muitas vezes não
denunciam esses atos por medo de represarias ou até mesmo por vergonha e sentimento de
culpa.
Isso demonstra e reafirma que, apesar dos avanços alcançados pelos movimentos
feministas e pela luta político-social da mulher, ela ainda é vítima de preconceitos,
estereótipos, padrões culturais discriminatórios e violência.
Diante desse contexto, onde a mulher ainda se encontra em processo de afirmação
dentro da sociedade latino-americana, e dos demais problemas socioeconômicos criados pela
política neoliberalista dos anos 1990, é que pretendemos analisar textos de três de suas
importantes dramaturgas.
Griselda Gambaro nasceu em Buenos Aires em 1928, iniciou sua carreira como
romancista, mas logo se dedicou à escrita dramatúrgica. Suas obras estão sempre em
consonância com o contexto político-social do momento em que foram escritas, pois
preocupava-se em romper com os padrões opressores e se apoiava na estética do absurdo para
tal. Devido à grande capacidade questionadora de suas obras, teve uma delas, Ganarse la
muerte, proibida no período ditatorial argentino por ter sido considerada contrária à instituição
familiar e à ordem social, além de ter vivido exilada na Espanha durante os anos de 1977 e
1980. Detentora de uma série de prêmios tanto por sua produção literária quanto pela
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Disponível em: http://www.onu.org.br/unase/sobre/situacao. Acesso em: 20 dez. 2014.
4
Disponível em: http://www.svri.org/ViolenciaSexualnaALenoCaribe.pdf. Acesso em: 20 dez. 2014.
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dramatúrgica, Gambaro vive hoje no subúrbio de Buenos Aires. Dentre as temáticas presentes
em sua dramaturgia, a feminina possui grande destaque. No presente trabalho, analisaremos as
obras Falta de Modestia e De Profesión Maternal (GAMBARO, 2011), ambas do ano de
1997.
Inés Margarita Stranger é chilena, atriz, formada pela Escola de Teatro da Pontifícia
Universidade Católica do Chile, mestre em Artes do Espetáculo e Estudos Teatrais pelo
Institut d’Études Théâtrales, de la Université, Paris III, de la Sorbonne Nouvelle, onde
desenvolve, atualmente, seu doutorado. Também é diretora, desde 2006, do Teatro da
Universidade Católica do Chile e dramaturga, tendo escrito dentre outros, os textos Cariño
Malo (STRANGER, 1996) em 1990 e Malinche (STRANGER, 2012) em 1992, ambos os
trabalhos serão analisados a seguir.
Maria Adelaide Amaral nasceu em 1942 em Alfena, distrito do Porto em Portugal.
Aos doze anos, mudou-se para São Paulo, onde, anos depois, se formou em jornalismo pela
Faculdade Cásper Líbero. Já em 1975 escreveu seu primeiro texto dramático, denominado A
Resistência, inspirando-se na situação econômica do período e em seus impactos nas relações
sociais. Em 1990, inicia seu trabalho junto à Rede Globo como dramaturga, escrevendo
diversas novelas, séries e minisséries de sucesso. Pensando na temática feminina dentro do
trabalho da autora, serão analisados seus textos intitulados: Para Tão Longo Amor
(AMARAL, [1993]) escrito em 1993, e Querida Mamãe (AMARAL, 1995) de 1994.
Griselda Gambaro
ressalta essa afirmação: “Eu recebi a vida como uma camisa apertada demais para os meus
desejos” (GAMBARO, 2011, p. 182)5.
A troca com um possível público, que acontece ao longo do texto, demonstra um
rompimento com a forma mais tradicional e naturalista do teatro que opta pela presença da
quarta parede. Esse rompimento aproxima o público da atriz-personagem e permite uma
maior comunicação entre eles.
A personagem narra que durante toda a vida desejou fazer parte da parcela mais bem
abastada da sociedade, porém sempre foi pobre e jamais pôde consumir aquilo que era
consumido pela população de classe alta. O contexto da época em que o texto foi escrito, que
permanece bastante atual até os dias de hoje, explica a ênfase dada à desigualdade social. O
contexto do neoliberalismo agravou essa situação em toda a América Latina, o que demonstra
o engajamento político-social da autora.
Outro aspecto bastante enfatizado na obra é a ausência do chamado “instinto maternal”
por parte da personagem. Ao descrever seus filhos, marido e sua vida em família com
desprezo, a personagem deixa claro não sentir a esperada vocação feminina para o trato
familiar.
O texto De Profesión Maternal narra o tumultuado reencontro entre mãe e filha depois
de quarenta anos de separação. O conflito está baseado na falta, na ausência, da mãe para a
filha, que se ressente profundamente disso. A sensação de abandono pela figura cujo amor é
considerado incondicional gera tristeza e rancor na filha, que é incapaz de perdoar a mãe.
Mais uma vez, Gambaro questiona o “instinto maternal” considerado intrínseco à
mulher. No caso do texto em questão a personagem principal se comporta de maneira
contrária ao esperado e deixa sua filha, ainda bebê, aos cuidados do pai. É interessante
observar que as características atribuídas à personagem, como egoísmo, individualismo e
irresponsabilidade, são normalmente destinadas à figura masculina sem que isso implique o
mesmo peso que têm quando dedicadas à mulher.
A presença de um casal homossexual no texto também revela a preocupação da autora
em fugir dos modelos tradicionais de família e discutir questões de diversidade. Ao mesmo
tempo, Gambaro revela o tabu existente nesse tipo de relação já que uma das personagens
evita comentar a relação diante de sua filha.
O contexto socioeconômico da América Latina também pode ser observado quando,
ao justificar sua ausência, a mãe revela as dificuldades econômicas que enfrentou por optar
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Tradução nossa. No original: “Yo recibí la vida como una camisa demasiado estrecha para mis deseos”.
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O texto também aborda o tema da violência contra as mulheres que ainda é bastante
atual no contexto da América latina na contemporaneidade. Após ser violentada pelos
estrangeiros uma das filhas diz um texto forte que pode resumir a dor posterior a um ato de
violência sexual: “Minha boca já não é minha boca. Minhas mãos já não são minhas mãos.
Estou muda para a dor e muda para o prazer” (STRANGER, 2012, p. 18)6.
Cariño Malo é um texto dramático construído de forma colaborativa e conta com as
experiências pessoais e pesquisa das três atrizes e da própria autora como base para sua
construção. No texto três mulheres discutem sobre a relação afetiva entre homem e mulher
trazendo os conflitos de gênero e as opressões comumente presentes nessas relações.
Em Cariño Malo observamos a presença de três pontos de vista diante de uma mesma
questão: a relação entre gêneros. As três personagens parecem estar presas em relações
amorosas desgastantes e lidam de formas diferentes com essa questão. Eva, fazendo jus ao
nome, tem medo de se desvincular do amor, mas procura uma saída menos dolorosa. Victória,
mais realista, percebe a situação ruim em que se encontra e procura se livrar da mesma. Já
Amapola é mais condescendente e busca justificativas para permanecer onde está.
A violência aparece no texto como a forma de se libertar da figura masculina
opressora. De maneira alegórica elas assassinam o ser amado e passam a tentar lidar com esse
fato sob os três pontos de vista, mais uma vez.
Ao final nota-se que pode se tratar de uma única personagem em um conflito interno,
rompendo assim com os estereótipos da figura feminina.
A dramaturgia fragmentada corresponde à ideia de escrita feminina. O texto é divido
em quadros aparentemente pouco relacionados entre si e com quebras bruscas entre as cenas.
O texto das personagens também é truncado e, muitas vezes elas parecem não se escutar
enquanto dialogam. Além disso, a quebra com os padrões de escrita dramática demonstra a
presença de uma pulsão anárquica que evita a linearidade e coerência entre os textos e ações.
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Tradução nossa. No original: “Mi boca ya no es mi boca. Mis manos ya no son mis manos. Estoy muda para el
dolor y muda para el placer”.
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O texto Para tão longo amor narra os conflitos presentes no relacionamento amoroso
da poeta Raquel com o editor Fernando, trinta anos mais velho. Os personagens pertencem à
classe alta carioca e precisam lidar com um constante conflito de gerações. Por isso,
discordam sobre várias questões como trabalho, relacionamento e família.
A personagem feminina é uma jovem de classe alta que apresenta atitudes infantis e de
constante rebeldia, o que se justifica pelo autoritarismo do pai. Raquel apresenta
características que, num primeiro momento, parecem refletir autonomia e liberdade, mas ao
longo do texto percebe-se que se trata de uma mulher frágil e depressiva. O contrário acontece
com Fernando que parece se fortalecer com a decadência da parceira. O personagem reflete a
figura do homem pobre, porém batalhador, que alcança sozinho prestígio e riqueza.
O texto é escrito de forma bem convencional, apesar de apresentar planos diferentes
que se intercalam. Esses planos permitem que o leitor saiba logo no início do texto que aquela
personagem jovem, petulante e cheia de vida se transformará em um ser debilitado e
dependente da figura masculina que despreza inicialmente.
A violência aparece diversas vezes ao longo do texto, sendo constante de maneira
verbal e vinda de ambos os personagens. Já a violência física é descrita mais de uma vez
quando Fernando bate em Raquel durante as discussões. Podemos dizer que o texto reflete a
realidade latino-americana já que a violência doméstica é bastante comum nesses países. Em
uma dessas situações, após agredir Raquel, Fernando diz: “Eu não queria fazer isso, mas você
me fez perder o controle” (AMARAL, [1993], p. 52), como se as provocações de Raquel
justificassem a agressão empreendida.
Por tentar ser independente e livre sexualmente Raquel acaba tachada de promíscua e
preguiçosa. Fernando a descreve como a chamada “mulher fácil” e insinua que “dois tanques
de roupa suja iam resolver todos os seus problemas” (AMARAL, [1993], p. 47). Essas
afirmações reafirmam o machismo presente na sociedade descrita pelo texto.
O contexto sexista é, mais uma vez, confirmado com o trágico final da personagem
feminina. Raquel retoma a posição de dominada, agora por outro homem que possui os
recursos e a saúde que ela já não mais possui.
Querida mamãe descreve o conflito de gerações presente na relação entre mãe e filha.
As discussões geradas pelas ideias contrárias e pelo contexto da falta, no qual a filha, que
também é mãe, se insere, faz com que, aos poucos, as personagens se revelem.
Revele n.8 maio/2015
Ao longo do texto, a ideia do que seria uma boa filha, ou uma mulher bem sucedida, é,
várias vezes, reforçada. Esse pensamento é personificado na figura da irmã mais velha de
Helô, também filha de Ruth, que é bonita, inteligente, “bem casada” e com uma carreira de
sucesso. Já Helô, de acordo com a própria personagem, foge desse padrão, pois tem
problemas na relação com a filha e separou-se do marido. Assim, percebe-se que a relação
entre mãe e filha é constantemente minada pelo discurso patriarcal.
A personagem de Helô parece não possuir um “instinto maternal” muito bem resolvido
como a mãe e a irmã e, por isso, se sente ainda mais frustrada como mulher. Além disso, seu
sentimento de rejeição é agravado quando sua relação amorosa com uma mulher é fortemente
repudiada pela mãe e pela filha.
A relação da mulher com a maternidade é ainda mais discutida no decorrer do texto.
Apesar de a personagem Helô reforçar a cada instante sua indiferença com relação à filha,
Ruth afirma que, apesar de todas as ofensas e desgostos vindos da caçula, o amor de mãe é
mais forte. Em revelação final Ruth diz a filha: “E também é verdade que muitas vezes odiei
você. Mas por mais rude e pervertida que você possa ser, você é minha filha. E eu te amo.”
(AMARAL, 1995, p. 81)
A violência aparece mais uma vez no texto de Maria Adelaide Amaral quando a mãe,
ofendida com as declarações da filha, bate-lhe no rosto. Há outro momento em que Helô,
irritada com a mãe, confessa ter vontade de agredi-la fisicamente.
O contexto é o da classe média brasileira e não há qualquer forma revolucionária de
escrita. O texto e as rubricas apontam para uma interpretação naturalista, assim como
acontece em outros textos de Maria Adelaide Amaral. Como afirma a própria autora:
Meu teatro não tem qualquer pretensão formal, não pretendo revolucionar a
dramaturgia brasileira e não me incomodo com aqueles que dizem que faço
um teatro velho. Estou mais preocupada em retratar a minha realidade,
dentro daquilo que uma vez disse Arthur Miller – o dramaturgo escreve com
os ouvidos. É isso que eu faço. Exatamente isso. (AMARAL apud
VINCENZO, 1992, p. 190).
Considerações finais
de vista da mulher também leva a crer que não há indícios de uma pulsão anárquica em sua
escrita.
O caráter de ruptura presente tanto em Stranger quanto em Gambaro, caráter este
apresentado tanto na forma quanto no conteúdo de suas obras, oferece às suas dramaturgias
um cunho anárquico. Essa ruptura acontece na valorização de personagens fora do padrão
feminino disseminado e no esforço pela desmistificação da mulher, mostrando sua
diversidade e, assim, quebrando com algumas questões de gênero.
Em um contexto como o da América latina, onde a mulher ainda sofre com
preconceitos, opressões sociais e violência, a busca pelo rompimento com o padrão sexista da
sociedade é sempre de grande importância. Por outro lado, o fato de termos mulheres
dramaturgas encenadas, que trazem personagens femininos importantes e mais próximos da
realidade, também faz parte da luta contra essa cultura opressora. Rompermos o silêncio já
configura um avanço em direção a mais e novas mudanças.
Referências
ROJO, S. Teatro e pulsão anárquica: estudos teatrais no Brasil, Chile e Argentina. Belo
Horizonte: Nandyala, 2011.