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tos e que uma simples e inculta mulher, Catarina de Siena, antes dele
apostrofara contra vícios o papa, com palavras fulminantes de ira
que não é maldade, como ele mesmo lembrou, citando o padre Ma-
nuel Bernardes. O apóstolo da verdade acabaria acalmando a sua in-
quietação religiosa se melhor tivesse conhecido a Igreja.
O papa e o Concílio revelou uma formidável erudição histórica sobre
a Igreja, uma acumulação de conhecimentos quase inverossímil em
jovem de vinte e seis anos. Mas, como procuramos expor, Rui não se
deixou ou resistiu ou se opôs à assimilação de sua privilegiada inteli-
gência pela doutrina da Igreja, como, até então, havia sido ela ensina-
da pelos padres, doutores e os papas. Daí a sua inquietação religiosa,
a hierarquia, a infalibilidade, a Imaculada Conceição e, em geral, os
dogmas. O apóstolo da verdade aceitava o Cristo, mas não aceitava o
seu Corpo Místico. Pode-se imaginar, à distância, em alma sensível,
em inteligência sequiosa da verdade, o que foi o seu drama íntimo,
os debates internos entre a sua abertura para o século e a herança ca-
tólica recebida no lar. O apóstolo da verdade lia assiduamente os
Evangelhos. Sabia, portanto, que o Cristo disse: “E conhecereis a
Verdade, e a Verdade vos libertará” (João, 8-12). E a sua pergunta
patética: “Se eu vos digo a verdade, porque não me vedes?” (João,
8-46). Mas, sobretudo, a soberana afirmação do Cristo: “Eu sou o
caminho, e a verdade, e a vida: ninguém vem ao Pai senão por mim”
(João, 14-6).
Rui não queria aceitar o Cristo da Igreja Romana, mas foi esse o
Cristo que fundou a Igreja Romana. Não houve, portanto, na vida
de Rui o embate da fé com a dúvida, mas da inquietude religiosa
com a Igreja visível, docente, a mãe e mestra dos povos, constituída
por Jesus Cristo para que, no decorrer dos séculos, todos quantos vi-
essem ao seu seio e aos seus braços encontrassem a salvação na pleni-
tude de uma vida mais elevada (João XXII, Mater et Magistra, I). Só
nos seus últimos dias, já no vestíbulo da morte, deu mostras de acei-
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Piedade, desenho de Cornélio Pena.
Reproduzido por Andrade Murici em seu
Panorama do movimento simbolista brasileiro (1952).
Simbolismo: origens e
irradição internacional
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O Simbolismo na literatura
São essas as raízes conceituais que informam o movimento esté-
tico que se desencadeou, sobretudo nos domínios da poesia, nos
círculos artísticos e literários franceses durante as duas últimas dé-
cadas do século XIX como reação à impassibilidade e à rigidez das
fórmulas parnasianas e, de certo modo, à crueza do romance natu-
ralista. Em sentido amplo, o Simbolismo caracterizou-se pelo sub-
jetivismo expressivo, com intensa utilização de uma linguagem
amiúde hermética, pelo gosto das impressões vagas e fluidas, eva-
nescentes, antes musicalmente sugeridas do que expressas, pelo
cultivo de sentimentos místicos e das artes esotéricas. Pode-se di-
zer ainda que, no plano social e filosófico, o Simbolismo constitu-
iu uma réplica ao positivismo científico-mecanicista e ao realismo
objetivo que dominaram a segunda metade do século XIX. Os
principais representantes da primeira fase do movimento, sob in-
fluência direta de Baudelaire e Edgar Allan Poe, propugnavam a si-
multaneidade da criação poética e da criação cósmica, reclamando
para o artista a condição de intérprete de uma simbologia univer-
sal, de idéias que se manifestariam através das aparências sensíveis
de cada objeto da realidade fenomênica.
Para os poetas do grupo, as relações essencialmente misteriosas
entre a exterioridade física do mundo e seu substrato espiritual se-
riam apreendidas por uma espécie de intuição sensível, expressa por
alusões ou sugestões, e não pela razão lógica. O Simbolismo declara-
va-se inimigo “de l’enseignement, de la déclamation, de la fausse
sensibilité, de la description objective...”. Por isso mesmo, e por
tudo mais – a força que conferia à fluidez dos sentimentos e da
expressão, o interesse que devotava às formas mais esdrúxulas da
religiosidade e do esoterismo, a quase indiferença que exibia em re-
lação à razão e ao discurso lógico, ao esprit de clarté francês –, o novo
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Informação estético-filosófica
Ao desafiarem as duas correntes de pensamento dominantes na
segunda metade do século XIX, o mecanicismo cientificista e o po-
sitivismo, os simbolistas já haviam mobilizado as principais fontes
de sua informação estética e filosófica. Não se trata aqui de precur-
sores do movimento, mas dos elementos que o informaram, como é
o caso da arte dos pintores pré-rafaelitas ingleses (Dante Gabriel
Rossetti, também poeta, William Holman Hunt, John Everett
Millais, William Dyce e o crítico de arte John Ruskin), dos
neo-românticos ingleses (em especial o esteticista Walter Horacio
Pater), dos românticos alemães (Novalis, os irmãos Schlegel) e do
drama musical de Wagner, com sua atmosfera mágica e lendária.
Na própria França, esse ideário estético beneficiou-se da pintura de
Puvis de Chavannes, Gustave Moreau, Félicien Rops, Odilon Redon
e Eugène Carrière. A vagueza cromática, o esteticismo, o hieratismo
oriental, o satanismo e o hermetismo desses artistas muito contri-
buíram para a formação do ambiente simbolista, em particular o que
caracterizou o Decadentismo. Poder-se-iam acrescentar ainda talvez
outros nomes, como os do norte-americano James Whistler, do suíço
Arnold Böcklin, do alemão Franz von Stuck, mas estes, como alguns
dos anteriormente referidos, já são, a rigor, pintores simbolistas.
Em sua busca da espiritualidade e das idéias que se moviam sob as
aparências exteriores do mundo, os simbolistas se avizinharam de al-
gumas das teses do idealismo transcendental alemão, sobretudo das
de Arthur Schopenhauer, buscando assim fundamentar o pessimis-
mo que foi um dos traços dominantes dos decadentistas. Mas a in-
formação filosófica heterodoxa do Simbolismo não hesitou também
em arrolar o pensamento poético e assistemático de Nietzsche, com
seu poder de sugestão e seu tom às vezes hermético, seu verbo im-
pregnado de uma carga simbólica universal, irresistível como a músi-
ca de Tristan und Isolde, de Tannhäuser, de Lohengrin.
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Decadentismo
Além do evasionismo, dos processos da “arte pela arte” (a poésie
pure que floresceria depois, tão esplendidamente, com Valéry, o
maior dos discípulos de Mallarmé) e do anti-retoricismo, é preciso
registrar o decadentismo que caracterizou certa poesia e prosa sim-
bolistas, os quais se sentiam como testemunhas de um universo em
decadência, de um fin de siècle que seria, também, o fim do mundo. E
pode-se afirmar que esse sentimento de decadência impregnou
quase todos os primeiros simbolistas, anunciando-se com Verlaine
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Histórico
Oficialmente, o Simbolismo teve início com a publicação, a 18 de
setembro de 1886, no suplemento literário de Le Figaro, do manifes-
to de Jean Moréas, poeta francês nascido na Grécia com o nome de
Yánnis Papadiamantópoulos. O manifesto de 1886 afirma a trans-
cendência do real e declara que o Simbolismo, em sua radical oposi-
ção ao positivismo, ao Realismo e ao Naturalismo, é um movimento
idealista e transcendente, contrário às descrições objetivas, à ciência
positiva, ao intelectualismo e à rigidez formal parnasiana. Moréas (e
logo depois todos os demais simbolistas) postula uma linguagem e
um ritmo capazes de apenas sugerir os estados afetivos e as idéias
cósmicas através da orquestração de converter a realidade em pathos
onírico mediante o jogo metafórico, as ressonâncias musicais e as
variações cromáticas.
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Precursores
A utilização explícita do símbolo na poesia francesa da segunda
metade do século XIX já se insinua, e de modo inequívoco, no sone-
to das “Correspondances”, de Baudelaire, geralmente tomado como
ponto de partida para o estabelecimento dos cânones estéticos e
conteudísticos do Simbolismo. Mas o autor das Fleurs du mal (1857)
deve algo, no que respeita às suas próprias convenções, à doutrina
poética de Poe, que, como outros, já preludia, ainda que de forma
não tão flagrante, o advento da arte simbolista. Aqui, aliás, torna-se
imperativo advertir que o emprego de símbolos em arte e literatura
não constitui invenção ou privilégio dos poetas da nova escola. Em
verdade, o símbolo existiu desde o momento em que o primeiro ar-
tista realizou uma obra criativa, e aí estão para prová-lo os signos
pictográficos da pré-histórica caverna de Altamira.
O fato de situar Baudelaire como precursor do Simbolismo já
implica uma série de dificuldades. Há quem considere, inclusive,
que Baudelaire foi o maior dos simbolistas, pois em sua poesia
não estariam apenas esboçadas, mas até mesmo cristalizadas, as
diretrizes fundamentais do movimento. De fato, a poesia de Bau-
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Mallarmé e os mallarmeanos
O núcleo do Simbolismo francês reside, sem dúvida, na obra de
Mallarmé; e sua influência já se manifesta antes de 1880, com a pu-
blicação, quatro anos antes, do Prélude à l’après-midi d’un faune, que
Anatole France acusou, na época, de pouco claro. Com Mallarmé
tem início também o hermetismo, a poesia pura da chamada “torre
de marfim”, onde se reuniam os evasionistas e os experimentalistas
do verso e do verbo. O hermetismo de Mallarmé deu origem a uma
febril atividade exegética por parte de seus admiradores. Sucedi-
am-se as interpretações da obra mallarmeana, cuja fortuna deve mui-
to ao talento de seus comentadores. Tais interpretações chegavam às
vezes ao absurdo de atribuir ao hermetismo do poeta veladas inten-
ções filosóficas, sobretudo de linhagem hegeliana.
Mas o autor de Un coup de dès jamais n’abolira le hasard (1914) prova-
velmente sequer chegou a cogitar de pretensões dessa ordem. Mal-
larmé foi, acima de tudo, um consumado artista do verso, cujas po-
tencialidades rítmicas e musicais explorou à exaustão. Mais do que
isso: Mallarmé foi um poeta de palavras, que, como ele mesmo diz,
cedeu “l’initiative aux mots”. Está aí, talvez, a origem da avassalado-
ra influência que haveria de exercer sobre todo o movimento simbo-
lista. Por outro lado, a atividade exegética em torno da obra mallar-
meana de modo algum caiu no vazio. Terá servido, na pior das hipó-
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Irradiação internacional
O período que vai de 1900 a 1910 assinala a agonia do Simbo-
lismo francês, apesar das atividades propagandísticas de um Paul
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Em Portugal e no Brasil
O Simbolismo português, já preludiado pela poesia “metafísi-
ca” e de grave espiritualidade de Antero de Quental, tem início
com Antônio Nobre, um baudelairiano intimista e extremamente
pessoal, autor do Só (1892) e de Despedidas (1902). Nobre tem
também muito de romântico, e algo da tristeza desolada de La-
forgue. Sua influência foi muito grande em Portugal e no Brasil.
Mas, em geral, a paternidade do Simbolismo português costuma
ser atribuída a Eugênio de Castro. Duas obras desse poeta, Oaris-
tos (1890) e Horas (1891), são anteriores ao Só. Mas a poesia do
autor de Silva (1894) não provém dos grandes mestres do Simbo-
lismo francês, e sim dos decadentistas menores, tanto da França
como da Bélgica.
Historicamente, a contribuição de Eugênio de Castro – o único
poeta português da época realmente lido pela Europa inteira – é
muito importante. Castro, um esteticista que renovou o gosto literá-
rio em seu país, é dono de uma linguagem puríssima e decantada,
menos idiomática que a de Nobre, mas que, em obras posteriores (O
rei Galaor, 1899; Depois da ceifa, 1901; O anel de Polícrates, 1907), reatou
relações com o classicismo da tradição portuguesa. O outro grande
nome do Simbolismo em Portugal é Camilo Pessanha, autor de um
único livro, Clepsidra (1920), de imagens altamente sugestivas e deli-
cada musicalidade. Pessanha, que viveu solitário na colônia chinesa
de Macau, está mais próximo do Modernismo do que Nobre ou Eu-
gênio de Castro.
Ainda em Portugal, outros poetas, conquanto de menor expres-
são, cederam ao impacto do Simbolismo, que foi sentido até mesmo
por um verbalista como Guerra Junqueiro, quando renunciou à retó-
rica hugoana para escrever Os simples (1892). O próprio Cesário
Verde, em seu Livro (public. póstuma, 1887), parece estar marcado
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Anísio Teixeira, diretor
da Instrução Pública no
Rio de Janeiro e secretário
da Educação na Bahia,
onde criou, em Salvador,
a Escola-Parque.
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e ação do educador
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Compensação
Se não pude, a seu lado, aplaudi-lo no Conselho, tive, antes, uma
oportunidade compensadora. Conheci-o na intimidade e na planí-
cie, sem nenhum cargo público, quando excluído pela ditadura Var-
gas da formação do pensamento nacional. Era, então, nos anos 40,
simples comerciante de minérios. A informalidade no trato e a agu-
deza de espírito refletiam a dimensão do homem superior: de inteli-
gência peregrina, culto, genuinamente democrata. Preocupado em
acompanhar as mudanças da sociedade, vivia sempre em dúvida, não
a dúvida de quem vacila sobre a estrada a seguir, mas a de quem se
perguntava e indagava aos outros se a realidade vivida era a ideal ou
justa, ou se novos horizontes seriam rasgados.
Parece que prenunciava, nessas perquirições, “a longa revolução
de nosso tempo”, produto, em magna parte, da ciência e da tecnolo-
gia, como veio a examinar, depois de 1945, em duas conferências
magistrais, em que revelou mais “perplexidades” que “conclusões”.
Ao invés de fixar dogmas, situava os contrastes, para desenvolver o
esforço de reduzi-los a formas civilizadas de convívio livre e criativo.
Não queria a padronização da cultura, antes o confronto de inteli-
gências diversificadas e diferentemente formadas. Empolgava-o a
divergência fundamentada, que descobre equívocos, aponta exage-
ros, aperfeiçoa conceitos, conduz a revê-los, ou a inovar com objeti-
vidade. Alargando e aprofundando análises, não incidia em abstra-
ções. Para ele, “fins inaplicáveis não são fins, mas fantasias. Os fins
são verdadeiramente fins quando os conhecemos de tal modo que
deles se desprendem os meios de sua realização”. E invocando Dewey,
matriz de suas reflexões desde a mocidade, rematou: “Os meios são
frações de fins” (Educação progressiva – Uma introdução à filosofia da educa-
ção, Cia. Editora Nacional, 1933, p. 21). Pensava e dialogava para al-
cançar a objetividade.
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Alma de educador
Era um espírito lastreado na filosofia social, como fonte de inter-
pretação dos fenômenos da vida, conjugando a especulação, a obser-
vação e a experiência. Desse complexo de fatores extraía a matéria-
prima de seus estudos sobre a educação como problema político.
Não temia, ao contrário cultivava, a presença do dado filosófico no
seu pensamento. “Nos dias de hoje – escreveu, note-se bem, em
1933 – nos dias de hoje, quando a ciência vai refazendo o mundo e a
onda de transformação alcança as peças mais delicadas da existência
humana, só quem vive à margem da vida, sem interesses, sem posi-
ção, sem amores e sem ódio, pode julgar que dispensa uma filoso-
fia.” (Educação progressiva, ed. cit., p. 176.)
Não a dispensou até o fim de seus dias, apesar das injustiças sofri-
das. Quando suspeitado, insidiosamente, em 1935, de orientação
extremista, de índole comunista, repeliu a maldade, e pedindo de-
missão do cargo de Secretário de Educação e Cultura do prefeito
Pedro Ernesto, no antigo Distrito Federal, objetou com firmeza:
“Se, porém, os educadores, os que descrêem da violência e acreditam
que só as idéias e o seu livre cultivo e debate, é que operam, pacifica-
mente, as transformações necessárias, se até esses são suspeitados e
feridos e malsinados nos seus esforços – que outra alternativa se abre
para a pacificação e a conciliação dos espíritos?” (Educação para a de-
mocracia, 2a ed., Edit. UFRJ, 1997, p. 34.).
Exercendo, com o restabelecimento da ordem democrática, ou-
tros cargos na direção do ensino, manteve a mesma determinação,
fiel a princípios filosóficos. Criador de serviços e obras – que serão
decerto apreciados por especialistas – jamais restringiu suas ativida-
des a realizações materiais. Estas eram sempre um desdobramento
ou uma concretização de idéias amadurecidas, com que impregnava
a administração educacional de valores permanentes. Quando, por
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Filósofo da educação
O feixe crescente de idéias que iluminava a ação de Anísio Teixeira
fê-lo um filósofo da educação. O poder de penetração de sua inteligên-
cia levou-o, desde cedo, a ver que o conhecimento não se completa, pro-
longa-se e se renova, dia a dia, com as transformações da sociedade. De
modo singular ele percebeu, como na observação de Leo Strauss, que “a
filosofia é, essencialmente, não a posse da verdade, mas a pesquisa da
verdade” (Qu’est ce que la philosophie politique?, PUF, 1959, trad. do inglês
por Olivier Sedeyn, p. 17). Por isso mesmo, quanto mais estudou e in-
vestigou maior foi o seu empenho em alargar o saber, para melhor inter-
pretar as variações da educação, em face da evolução geral.
Desde moço, não via apenas a superfície das coisas. Divisava a
profundidade delas. Tendo estudado nos Estados Unidos ainda jo-
vem, não se impressionou com o poder econômico, nem com os ar-
ranha-céus, e observou que assim também refletiam os americanos.
O que lhe tocou a sensibilidade, escreveu em 1929, foi “a grande
tradição nacional de democracia”, evolvendo do “direito de ter um
voto” para “significar o direito de cada indivíduo de encontrar
oportunidade para, na medida de suas forças, se encontrar plena-
mente no campo econômico ou no campo social” (“O espírito de-
mocrático da civilização americana”, in Revista de Cultura Jurídica, no 3,
1929, Bahia, p. 659-668, cit. p. 663). Trouxe, desta sorte, a convic-
ção das vantagens do processo democrático, titubeante entre nós.
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Idéias sobreviventes
Tanto ensinou e combateu, entretanto, que suas idéias continuam
a projetar-se no tempo. Realça o professor Luiz Antônio Cunha, na
“apresentação” já referida, que “ler e reler Educação para a democracia é
um meio de conhecer a educação brasileira em suas mudanças e per-
sistências” (Educação para a democracia, ed. cit., p. 27). E, na edição de
19 de março deste ano, do Jornal do Brasil, a pesquisadora Clarice Nu-
nes sublinhou a presença permanente de Anísio Teixeira na discus-
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Última lição
Mas ele nos deixou uma última lição, como estímulo à renovação
dos conhecimentos e como testemunho de compreensão do dever
do mestre. É a conferência intitulada “Cultura e tecnologia”, profe-
rida em 1970 – morreria em março de 1971 – para os alunos do
curso de Teoria e Prática de Microfilmagem, do Instituto de Docu-
mentação da Fundação Getúlio Vargas. O texto tem o conteúdo do
trabalho de pesquisa, o estilo lógico do professor, o sentido de apre-
ciação universal do filósofo. Resume a evolução da cultura ou das
culturas, fixando a importância da “cultura tipográfica” e conside-
rando “o microfilme como descoberta equivalente à do livro” – por-
que “universaliza o acesso do homem de qualquer nação ao saber to-
tal da espécie, tanto ao saber antigo quanto ao moderno, e quanto ao
de hoje”.
É a mensagem derradeira do educador, a uma assembléia de alu-
nos, e não a um corpo de figuras eminentes. Não corresponde ao tes-
tamento do seu saber porque nessa conferência abre a perspectiva do
“dia em que, além do mercado, que é a dinâmica da procura e oferta,
as nações desenvolvidas compreenderão que a cultura é riqueza fon-
te, riqueza matriz, que deve ser paga e promovida, como é a defesa
nacional, por princípios diferentes dos do mercado e comércio. A
biblioteca será então bem comum, como a água e a luz, e o microfil-
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me, o recurso novo que a fará tão rica e abundante quanto a dos paí-
ses desenvolvidos”. E se referia “a algo como televisão por assinatu-
ra”. O juízo percuciente vislumbrava a esteira do desenvolvimento
da informática.
Criador de esperanças
Era o talento rasgando sempre outros horizontes, para o conheci-
mento e a felicidade da criança e do homem.
Diante desse vigor de inteligência criadora, parece que Anísio
Teixeira, retomando aos 70 anos o curso de sua vida fulgurante,
repetia a mensagem de confiança de Sartre: “Eu morrerei na espe-
rança.”
As gerações que lhe sobrevivem, agradecidas pelo bem que trans-
mitiu à sociedade e à cultura, hão de prolongar suas esperanças.
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