O Idris Coranico e Hermes Trismegistos

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O IDRIS CORNICO E HERMES TRISMEGISTOS: AS RAZES DO HERMETISMO RABE E SUA INFLUNCIA NO OCIDENTE. David Pessoa de Lira RESUMO: Quando o Califa Abssida al Mamun, em 830 E.C., em uma misso contra os bizantinos, deparou-se com pessoas estranhamente paramentadas na cidade de Harran, perto de Bagdad, duas culturas religiosas se influenciaram multuamente. Ele queria saber quem eram aquelas pessoas, se eram crists, judias ou pags ou se possuiam alguma Escritura Sagrada. Como elas no lhe deram uma resposta satisfatria, ele apresentou duas alternativas para que elas no fossem dizimadas como pags infis: ou se converter ao Isl ou deveriam se apresentar como seguidoras de uma das religies descritas no Koran. Logo os habitantes de Harran se identificaram com os Sabeus, buscando se afirmar como Povo do Livro, ou pelo menos, descrito no Livro. Sendo indentificados como seguidores do Sabesmo, poderiam ser protegidos como Povo do Livro. Ademais, Hermes Trismegistos foi afirmado como profeta dos Sabeus e uma coletnea de Livros Hermticos foi elevada Sagrada Escritura. Hermes, sempre associado com Enoque, foi identificado como o prprio Idris do Koran. So suscitadas, a partir da, as influncias mtuas entre o Isl e o Hermetismo: de um lado, o Hermetismo abriu novas possibilidades do Isl se propagar; de outro, o Isl interpretava e moldava o Hermetismo a partir de sua cultura religiosa, produzindo uma rica obra literria de cunho hermtico, influenciando, posteriormente, o Ocidente. Esse artigo pretende descrever algumas pistas que elucidam o percurso das influncias intercambiveis do Islamismo e do Hermetismo, culminando em Textos Hermticos rabes, que no se encontram diretamente relacionados aos escritos gregos do Hermetismo, cujas influncias se fazem sentir no Ocidente. PALAVRAS CHAVES: Hermetismo rabe; Islamismo; Sabesmo; Escritos Hermticos rabes; Idris; Hermes Trismegistos.

Bacharel e Mestre em Teologia pelas Faculdades EST. Doutorando em Teologia rea: Bblia/ Novo Testamento, pelas Faculdades EST, sob a orientao do Prof. Flvio Schmitt, com perodo sanduche na Pontifcia Universidade Catlica de Gois, sob a orientao do Prof. Dr. Haroldo Reimer. Bolsista da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES). Ttulo da pesquisa do Doutorado: (Kratr): Uma Anlise do Corpus Hermeticum IV.3-6a. Contato: [email protected].

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INTRODUO -nos sabido que os Textos Hermticos foram produzidos em um contexto egpcio helenizado, no incio da poca imperial romana,

principalmente entre sculos I a III da Era Comum (FILORAMO, 2002, p. 669; MAH, 2005, p. 3944; REALE, 2008, p. 375-376; REALE; ANTISERI, 2003, p. 350). No entanto, possvel encontrar, j no sc. III a.E.C, alguns escritos hermticos de carter mais mgico-astrolgico (FILORAMO, 2002, p. 669; MAH, 2005, p. 3938-3939; GONZLEZ BLANCO, 1973, p. 358). O que mais chama a ateno o fato de que a produo textual desses escritos pode, sim, est situada largamente entre o sc. I e IV da Era Comum, ainda encontrando sua reproduo no sc. V E.C. (DODD, 1970, p. 11; SCOTT, 1985, p. 96-97). No fcil mensurar a extenso ou contar a quantidade de livros que formavam a Literatura Hermtica na Antiguidade. O que se pode afirmar que a quantidade de Textos Hermticos maior do que aquela que existe hoje em dia. Apenas se conhece uma pequena parcela dessa imensa literatura antiga. (DODD, 1970, p. 11; WILLOUGHBY, 1929, p. 197; MAH, 2005, v. 6, p. 3939). Assim, possvel que Joo Estobeu, no sc. V E.C., tivesse acesso a essa literatura em toda sua inteireza, copiando alguns textos que deram origem aos Excerpta Hermetica de Estobeu. (SCOTT, 1985, p. 96-97). Nesse intervalo temporal, o Hermetismo foi conservado pelos habitantes da cidade de Harran, tendo sido divulgadores de seus escritos e das crenas aos rabes de religio Islmica, os quais transmitiram consideravelmente essa tradio no s no seu ambiente religioso, mas tambm na Europa por conta da expanso mulumana. Assim, o Hermetismo conseguiu ser propagado e ao mesmo tempo fora moldado pela f islmica (de cultura rabe) (VAN BLADEL, 2009, p. 64ss., 121ss.).

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1. A RESISTNCIA ATRAVS DA CONSCINCIA DO CONHECIMENTO Com sua institucionalizao e novo status religioso oficial, a Cristandade expeliu ou baniu as outras religies para fora do seu domnio. Dentro do seu domnio, as outras religies foram exterminadas em nome da f, alm das perseguies etc. Isso pressupe que no havia espao para as prticas no-crists dentro dos limites internos no qual a Cristandade incidia. No se sabe ao certo se o Hermetismo teve contato direto com o Cristianismo e suas influncias. O que se sabe que os autores hermticos so contemporneos e esto situados no contexto de ascenso e propagao da f crist, e possivelmente sofreram as consequncias dessa expanso. Scott diz que os hermticos podem ter empregado os termos [asebeis] e [atheoi] para descrever grupos de pessoas, incluindo tambm os cristos, considerados detratores, impiedosos e ateus. So justamente esses que invadiro o Egito e destruiro impiedosamente sua religio. No Tratado Hermtico Asclepius 24-26, h uma possvel aluso expanso e hegemonia da Cristandade: descrevendo a profecia da invaso do Egito por outros povos, como citas, hindus ou povos brbaros vizinhos, implicando na destruio da religio egpcia. (SCOTT, 1985, p. 13). Assim, medida que a massa impiedosa da Cristandade vai crescendo, o Hermetismo cria uma Resistncia atravs Conscincia do Conhecimento:
, , , [ . . . ] , , 1 , (Corp. Herm. IX.4).

Embora os textos do Corp. Herm. XI e Asclepius 24-26 pressuponham um embate diante de uma nova onda de religiosidade emergente que est se institucionalizando (da se deduz que seja a Cristandade), nos Escritos Hermticos, no h nenhuma citao ou referncia explcita Cristandade. A no referncia Cristandade pode ser, de duas uma: a) cristo era um nome indigno para ser pronunciado; b) cristo era um nome que no tinha qualquer
Por isso, os que esto no conhecimento nem podem agradar massa nem a massa a eles. E acham que eles esto loucos, e so submetidos condenao como objeto de riso, sendo odiados e desdenhados, e qui tambm assassinados [ . . . ] No obstante, o devoto, tendo conscincia do conhecimento, suportar todas as coisas; pois todas as coisas para ele, mesmo as ms para os outros, so boas; mesmo sendo hostilizado, dirige todas as coisas ao conhecimento, e somente ele faz boas as coisas ms (traduo prpria).
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relevncia para os autores hermticos, sendo, portanto, desnecessrio citar (SCOTT, 1985, p. 13). 2. AGOSTINHO DE HIPONA SE CONTRAPE A HERMES TRISMEGISTOS Fato interessante que a ascenso da Cristandade no palco das religies do Mediterrneo, no sculo IV, sua hegemonia e seu exclusivismo coincide com o decrscimo desse tipo de literatura. Alguns fatores contribuem para essa coincidncia: a) no sculo IV E.C., a Cristandade se institucionaliza e se torna a religio oficial do Imprio Romano; b) os elementos que representavam o paganismo so suprimidos, como os jogos; c) Agostinho de Hipona atua justamente entre os sc. IV e V E.C.; d) em 413, Agostinho escreveu De Civitate Dei (PESSANHA; SANTOS; PINA, 2004, p. 25-26). De qualquer forma, foi coincidentemente quando Agostinho de Hipona escreveu seu De Civitate Dei, no qual, ataca Hermes Trismegistos, as esttuas, os daimones e a magia, que o Hermetismo e a Literatura Hermtica desapareceram do ambiente em que a Cristandade2 se torna hegemnica e exclusivista. Agostinho acreditava em Hermes Trismegistos e o citava como personagem no-fictcia3. E com essa compreenso que Agostinho se contrape ao Hermetismo, afirmando que a passagem, em Asclepius 23-24, uma prtica mgica de invocao aos daimones e de idolatria (por meio da adorao a esttuas), sendo, assim, uma doutrina enganosa e falsa. Ademais, Agostinho interpretava que a destruio da religio egpcia estava associada ao domnio da Cristandade sobre as prticas idlatras (De Civ. Dei, VII, 23-24; YATES, 1991, p.9-11). Em suma, do sc. VI ao XI, pouco ou quase nada se falava acerca da Literatura Hermtica na Europa at o Reavivamento Intelectual em Constantinopla (SCOTT, 1985, p. 96-97).4

Principalmente com a ascenso da Igreja Romana ou Latina. Para Agostinho, Hermes Trismegistos era uma personagem Histrica. 4 necessrio chamar a ateno ao fato de que Santo Agostinho tem mais influncia na Igreja Latina do que na Igreja Grega e Oriental. Sua crtica e contraposio ao Hermetismo nada pode influir na aproximao e recepo de Escritos Hermticos por parte dos ortodoxos orientais.
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3. HERMES RECEBIDO COMO O PROFETA IDRIS DO KORAN No perodo entre o sculo VI a XI, a autoridade de Hermes Trismegistos (sic os autores e os Escritos Hermticos) como conhecedor da religio diminuiu consideravelmente na Europa dominada pela Cristandade. Enquanto isso, na cidade de Harran5, formava-se o principal centro de resistncia Cristandade. Isso pode ser explicado facilmente porque Harran era uma importante cidade ao norte da Mesopotmia6, situada em uma estrada que levava da Babilnia ao Ocidente, economicamente e fortemente independente, no dependendo de nenhuma cidade dentro do Imprio (SCOTT, 1985, p. 97; VAN BLADEL, 2009, p. 64-). No decurso do sc. IV E.C., enquanto as cidades no entorno se curvavam Cristandade, os habitantes de Harran recusavam ceder nova religio de Roma, adorando seus deuses como de costume. Essa uma das razes porque era chamada de 7 (SCOTT, 1985, p. 97; VAN BLADEL, 2009, p. 64ss.). No obstante sua resistncia, os habitantes de Harran foram perseguidos pelos cristos at o sc. VII E.C. (VAN BLADEL, 2009, p. 65). Os cristos deixaram de perseguir os habitantes de Harran quando a regio passou a ser controlado pelos rabes, tendo eles negociado seu status de religio com os califas. relatado que o Califa Abssida al Mamun negociou a situao religiosa daquele povo. O status religioso dos habitantes de Harran s poderia ser vlido no momento em que se confirmasse a declarao explcita de que sua religio estava em conformidade com uma daquelas relatadas no Koran. Para se proteger contra uma possvel guerra santa (contra os pagos da cidade), os habitantes de Harran se assumiram como seguidores do Sabesmo, sendo identificados como Povo do Livro (sobre os sabeus e sabesmo, cf. VAN BLADEL, 2009, p. 64ss.; CYROUS, 2009, 799801). Mas ao se assumirem como Sabeus, eles defenderam Hermes Trismegistos como profeta dos Sabeus e os Livros Hermticos foram elevados Sagrada Escritura. Hermes, sempre associado com Enoque, foi identificado como o prprio Idris do Koran (cf. Koran 19.57 e 21.85; VAN BLADEL, 2009, p.
No perodo de dominao romana, costumavam chamar arrn (em rabe) de [karrai] or Carrh. 6 arrn se situa, hoje, entre Turquia e Sria (adentrando mais o atual territrio turco). 7 [helnn polis] cidade dos pagos, cidade dos gentios.
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95, 121, 125-126, 129-130, 155-158, 164, 166ss.; SCOTT, 1985, p. 101). No se sabe em que medida essa tradio influenciou o Islamismo, mas pode-se dizer que sua recepo incutiu elementos de uma tradio que modelou aquilo que se pode chamar de Hermetismo rabe em maior ou menor grau (VAN BLADEL, 2009, p. 12ss.). Os Sabeus de Harran contriburam com um dos elementos mais expressivos da Cultura Ocidental atravs do Islamismo: a propagao e conservao da Resistncia atravs da Conscincia do Conhecimento do Hermetismo. Faz-se necessrio chamar a ateno aos veculos de propagao. Harran era relativamente prxima de Constantinopla, cidade onde, em 1050, houve o reavivamento intelectual do Hermetismo atravs do monge ortodoxo oriental Miguel Psellos. sabido que Psellos teve acesso aos Escritos Hermticos e isso s foi possvel por causa da conservao de textos numa cidade onde havia uma resistncia efetiva contra a cultura da Cristandade. Ademais, nenhum texto poderia ser traduzido da lngua grega para o rabe sem que antes estivesse disponvel (ao tradutor) algum manuscrito contendo aquele texto (VAN BLADEL, 2009, p. 10). Isso colaborou para que alguns Textos Hermticos fossem preservados em grego, inclusive aquela coleo que chegou s mos de Psellos, a qual serviu de base para a traduo do Corpus Hermeticum por Marslio Ficino em 1471 (FAIVRE, 2005. v. 6, p. 3945, 3947; SCOTT, 1985, nota 2, p. 31, 33; DODD, 1954, p. xiii). CONCLUSO As consequncias e implicaes para isso advm do fato de que as sementes espalhadas pelas conquistas islmicas no Ocidente carregaram o germe que preparava o caminho da redescoberta do Hermetismo na Renascena. Mas antes mesmo de culminar na Renascena, o encontro entre os Sabeus de Harran e os Mulumanos deu origem a um Hermetismo rabe autctone, que influenciou os movimentos msticos no Islamismo, sem citar sua influncia nas cincias, conservando os manuscritos e textos, o que ajudou a divulgar os modelos hermticos na prpria Renascena. A essa altura tanto a Europa influenciada pela Igreja Catlica Romana quanto o Oriente influenciado pelas Igrejas Orientais j tinham experimentado da cultura rabe mulumana.

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REFERNCIAS
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