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JOSÉ CARLOS ALVES DO NASCIMENTO

A PRÁTICA DA LEITURA NO ENSINO


FUNDAMENTAL: UMA ABORDAGEM À LUZ DAS
NOVAS CONCEPÇÕES DO ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGUESA

Orientadora: Professora Doutora Maria Neves Leal Gonçalves

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias


Escola de Educação, Administração e Ciências Sociais

Instituto de Educação

Lisboa
2014
José Carlos Alves do Nascimento - A Prática da Leitura no Ensino Fundamental: Uma Abordagem à Luz
das Novas Concepções do Ensino de Língua Portuguesa

JOSÉ CARLOS ALVES DO NASCIMENTO

A PRÁTICA DA LEITURA NO ENSINO


FUNDAMENTAL: UMA ABORDAGEM À LUZ DAS
NOVAS CONCEPÇÕES DO ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGUESA

Dissertação apresentada para a obtenção do Grau de


Mestre em Ciências da Educação, no Curso de
Mestrado em Ciências da Educação, conferido pela
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia.

Presidente: Prof.ª Doutora Rosa Serradas Duarte


Arguente: Prof. Doutor José Bernardino Duarte
Orientadora: Professora Doutora Maria Neves Leal
Gonçalves

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias


Escola de Educação, Administração e Ciências Sociais
Instituto de Educação
Lisboa
2014

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Um público comprometido com a leitura é crítico,


rebelde, inquieto, pouco manipulável e não crê em
lemas que alguns fazem passar por ideias.

Mário Vargas Llosa

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DEDICATÓRIA

À minha querida filha, Sofia, que tem como principal atividade de lazer a leitura. Que
esta obra sirva para você refletir sobre o ato de ler, quando tiver maturidade suficiente para
realizar esta leitura.

1.

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AGRADECIMENTOS

A Deus,
Por nunca me deixar fraquejar diante dos obstáculos deste percurso;

A toda minha família,


Que sempre me apoiou nas horas mais difíceis. Esta vitória é de todos nós. Muito obrigado!

Aos colegas do curso,


Por reconhecerem o meu esforço e dedicação e me incentivarem a ir em frente! Muito obrigado!

À coordenação do curso (Laura Teresa e Gleice),


Por estarem sempre ao meu lado nos momentos em que precisei de ajuda. As palavras de carinho
e incentivo que ouvi de vocês foram fundamentais para eu atingir o meu objetivo;

À Universidade Lusófona,
Por me dar a oportunidade de realizar um sonho antigo: cursar o mestrado. Sou extremamente
grato a todos que fazem a instituição;

À minha inesquecível orientadora Drª Maria Neves Leal Gonçalves,


Por ter dispensado a mim toda a sua dedicação em prol da produção desta dissertação de
mestrado. Sou-lhe eternamente grato!

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RESUMO

O presente trabalho de investigação discorre sobre a prática da leitura numa turma do 5º ano do
ensino fundamental do Colégio Estadual Manuel Bonfim, na cidade Arauá/SE. O objetivo
central é analisar como se dá a prática de leitura em sala de aula, tomando-se como premissa
norteadora as novas concepções do ensino de Língua Portuguesa. A fundamentação do processo
investigativo tem como suporte, entre outros autores, Bakhtin (1981,1997,1999, 2002); Chartier
(2001); Parâmetros Curriculares Nacionais [PCNs] de Língua Portuguesa (1997,1998); Koch
(2008, 2012). O processo metodológico pauta-se na consulta bibliográfica e na pesquisa de
campo, tendo como instrumentos investigativos o questionário e a observação direta. Ao cotejar
o enquadramento teórico com os dados coletados, evidencia-se que o ensino da leitura, pelas
estratégias desenvolvidas pelo professor em sala de aula, não atende às exigências para a
formação de um leitor competente, conforme preconizam as novas diretrizes do ensino de
Língua Portuguesa. Isso porque não se admite mais a formação de um leitor apenas
decodificador, passivo, que tem uma participação nula no ato da recepção do texto. Tudo leva a
crer, então, que os quadros teóricos não são operacionalizados nas práticas de sala de aula.
Palavras-chave: Leitura, Aluno, Professor, Escola

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ABSTRACT

This present research work talks about the reading’s practice in the class of stage 5th of the
elementary school of the Colégio Estadual Manuel Bonfim, in Arauá city, in Sergipe state. The
central objective is analyze how is the reading’s practice in the classroom, taking as guiding
premise the new conceptions of teaching of Portuguese language. The reasoning in the
investigative process is based, among other authors, Bakhitin (1981, 1997, 1999, 2002); Cartier
(2001), Parâmetros Currculares Nacionais [PCNs] de Língua Portuguesa (1997, 1998); Koch
(2008, 2012). The methodological process is guided bibliographic research and field research,
taking as investigative tools the questionnaire and direct observation. To compare the theoretical
framing data collected, it is shown that the teaching of reading, strategies developed by teacher
in the classroom doesn’t meet the requirement for the formation of the competent reader, as
advocated in the new guidelines of the Portuguese language teaching. This because isn’t
admitted more the formation of the reader decoder only, passive, having no participation in the
act of receiving of the text. It seems likely, then, that the theoretical frameworks aren’t
operationalized in the practice of classroom.
Keywords: reading, student, teacher, school

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ABREVIATURAS E SÍMBOLOS

IBOPE – Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística


INEP – Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IPM – Instituto Paulo Montenegro
LDP – Livro Didático de Português
MEC – Ministério da Educação
PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais
SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica

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ÍNDICE GERAL

INTRODUÇÃO.................................................................................. 12
CAPÍTULO I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO ................ 14
1.1 Conceito de Sociedade ................................................................ 16
1.1.1 Conceito de Linguagem ...................................................................... 17

1.1.2 Linguagem e Sociedade ...................................................................... 18

1.2 Língua e Discurso ........................................................................ 20


1.2.1 Conceito de Língua.............................................................................. 20

1.2.2 Conceitos de Discurso ......................................................................... 21

1.3 A Consolidação das Novas Concepções de Língua e de Discurso


no Ensino de Língua Portuguesa ............................................................... 23

1.4 A Leitura e seus Conceitos ......................................................... 26


1.4.1 A Intertextualidade ............................................................................. 29

1.4.2 A Leitura e o Leitor ............................................................................. 30

1.4.3 O Papel do Professor na Prática da Leitura ..................................... 38

1.4.4 Leitura e Escola ................................................................................... 41

1.4.5 O Leitor Competente .......................................................................... 48

1.4.5.1 Literatura e Literariedade ....................................................... 49

1.4.5.1.1 Conceito ............................................................................... 49

1.4.5.1.2 O Texto Literário ................................................................. 52

1.4.6 Gêneros Textuais ................................................................................ 55

1.4.7 A Importância da Biblioteca Escolar para a Formação do Leitor . 58

CAPÍTULO 2 – CONTEXTO METODOLÓGICO DA


PESQUISA .................................................................................. 63

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2.1 Problemática do Estudo ............................................................. 64

2.2 Pergunta de Partida .................................................................... 66

2.3 Objetivos ...................................................................................... 67


2.3.1 Objetivo Geral ..................................................................................... 67

2.3.2 Objetivos Específicos........................................................................... 67

2.3.3 Hipóteses .............................................................................................. 67

2.4 Caracterização da Pesquisa ....................................................... 68

2.5 Instrumentos e Coleta de Dados ................................................ 69


2.5.1 Observação Direta ............................................................................... 69

2.5.2 Questionário ......................................................................................... 69

2.5.3 População e Amostra .......................................................................... 70

CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÃO DOS


RESULTADOS ........................................................................... 71
3.1 A Observação Direta em Sala de Aula ...................................... 72
3.1.1 As Estratégias de Ensino Adotadas pelo Professor .......................... 72

3.1.1.1 Diversidade Textual .................................................................. 74

3.1.1.3 O Texto Literário em Sala de Aula ......................................... 81

3.1.2 – O Material Didático Utilizado na Prática da Leitura ................... 84

3.1.2.1 – O Livro Didático de Português (LDP) ................................. 84

3. 1. 3 - O Envolvimento dos Alunos nas Atividades de Leitura .............. 90

3.1.3.1 A Relação Professor/Leitura/Aluno ................................................ 92

3.1.4 A Biblioteca Escolar como Espaço para Formar Leitores .............. 94

3.2 Análise do Questionário Aplicado aos Alunos ......................... 97

3.3 A Prática da Leitura em Sala de Aula X A Competência Leitora


Exigida pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
(SAEB)/Prova Brasil ................................................................................. 101

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CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................... 105


BIBLIOGRAFIA ............................................................................. 109
NOTAS ......................................................................................... CXVI
Anexo 1 – Questionário aplicado aos alunos ............................ II

Anexo 2 – Prova Brasil: descritores de avaliação do 5º ano . IV

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INTRODUÇÃO

Nos anos 60 e, especificamente nos 70, no Brasil, surgiram propostas para reformular o
ensino de Língua Portuguesa, uma vez que já havia uma preocupação com o pouco domínio da
leitura e da escrita pelos alunos no Brasil. A esse pouco domínio dessas duas atividades era
atribuído o insucesso escolar. À época, pensava-se que, com a valorização do potencial criativo
do aluno, resolver-se-ia a situação, dado que se tornariam competentes na comunicação e na
expressão. É, por isso, que, nesse período, a disciplina Língua Portuguesa passa a ser
denominada de Comunicação e Expressão. (Parâmetros Curriculares Nacionais [PCNs], 1998)
Os anos 80 do século XX vão marcar o início de uma nova era no ensino de Língua
Portuguesa. Vários estudos são realizados no campo da Linguística e eles apontam que o ensino
tradicional de língua precisa passar por mudanças radicais para que seja verdadeiramente
eficiente. Essas pesquisas enfocam o estudo da língua numa perspectiva mais complexa,
extrapolando o campo da Linguística, como atesta o excerto abaixo:
Na década de 80, difundiram-se pesquisas sobre a língua escrita com fundamentos
linguísticos e psicolinguísticos, com reflexos positivos na alfabetização, e estudos que
evidenciaram ser a escrita e a leitura mais que a decifração de códigos e sons, pois é
uma atividade que se orienta pela busca de significados. (Salto para o Futuro –
Educação de Jovens e Adultos, 1999, p. 14)
Dada a descrição acima, até a década de 70 do século passado, a condição para fazer
parte do mundo da escrita era apenas ter o domínio da decifração de códigos, já que, se o
indivíduo soubesse decifrar, significava que sabia ler. Os estudos no início da década de 80
comprovaram que essa concepção era equivocada e que ler, na verdadeira acepção da palavra,
não pode equivaler apenas a decifrar códigos. Ler significa interagir, questionar, encontrar
sentido na essência da leitura conforme o perfil intelectual do leitor.
A partir desse período, intensificaram-se as discussões acerca de uma nova concepção
de leitura com foco no leitor como sujeito autônomo frente ao texto. Ultimamente, diversos
trabalhos vêm sendo produzidos nesse sentido, evidenciando-se a importância da formação de
um leitor competente como condição para sua participação social.
Numa sociedade letrada em que a leitura e a escrita estão onipresentes, torna-se
imprescindível que o indivíduo domine essas duas práticas, sob pena de viver alienado dentro
dela. Fica difícil vislumbrar um futuro mais promissor se ele não puder desenvolver com
competência a sua capacidade de ler, não somente no sentido de decifrar, mas sim, no sentido de
ser um leitor na mais completa acepção da palavra.

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Apesar de a leitura ser tão importante para a vida do indivíduo, a grande maioria dos
estudantes brasileiros apresenta extremas dificuldades para ler, dado que “os índices de
aproveitamento escolar das crianças e dos jovens que frequentam os colégios brasileiros são
muito baixos” (Zilberman, 2010, p. 98).
E o mais grave é que essa deficiência em leitura acaba por afetar o desempenho do
aluno em todo o seu processo ensino-aprendizagem, como frisa bem isso Kleiman (2012, p. 7):
“o ensino de leitura é fundamental para dar solução a problemas relacionados ao pouco
aproveitamento escolar: ao fracasso na formação de leitores podemos atribuir o fracasso geral do
aluno no primeiro e segundo graus1”.
Os resultados das avaliações externas de Língua Portuguesa aplicadas pelo Ministério
da Educação (MEC), que se fundamentam essencialmente no grau de competência leitora dos
alunos, demonstram quão baixo é o nível deles nesse quesito. Segundo a organização da Prova
Brasil/Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), uma dessas avaliações
aplicadas por esse Ministério, “a ideia é avaliar se o aluno tem a capacidade de fazer uma leitura
crítica” (Gisele Gama Andrade2, citada por Paulina, 2009, p. 12). Ora, como os resultados são
pífios, deduz-se que os alunos não estão aptos a realizarem uma leitura um pouco mais profunda
do que aquela que se restringe apenas à superficialidade do texto.
As pesquisas realizadas para avaliar a competência leitora dos estudantes brasileiros no
ensino fundamental também sempre indicam aspectos bastante negativos nesse sentido. As
conclusões a que chegam tais pesquisas são bastante desanimadoras, tendo em vista que o tempo
passa, e a política de leitura adotada pela tradição escolar parece continuar a mesma.
Esse despreparo dos alunos em ler de forma crítica é surpreendente na medida em que,
nos dias de hoje, dispõe-se de um acervo significativo de estudos linguísticos que demonstra
como formar leitores competentes. Além disso, grande parte dos professores, nos últimos anos,
teve acesso a cursos de graduação em Pedagogia e Letras e também a cursos de formação
continuada na área da Linguística.
A preocupação com essa situação e a curiosidade em saber por que ela ocorre foi o que
motivou a iniciativa para a elaboração desta pesquisa, que tem como tema A Prática da Leitura
no Ensino Fundamental: Uma Abordagem à Luz das Novas Concepções do Ensino de
Língua Portuguesa. As referências bibliográficas que deram suporte à abordagem são: Bakhtin

1
Denominações do ensino fundamental e do ensino médio, respectivamente, antes da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996).
2
Consultora da Abaquar Consultores e Editores Associados, organizadora dos estudos de Língua Portuguesa
realizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).

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(1981, 1997, 1999, 2002); Mangueneau (1997, 2008); Chartier (2001); PCNs3 (1997,1998);
Koch (2008, 2012); Antunes (2003); Kleiman (1993, 2002, 2012); Zilberman
(2010); Perrenoud (2000) e várias outras.
O presente trabalho de pesquisa estrutura-se em duas partes. A primeira parte foi
subdividida em dois capítulos, que correspondem ao enquadramento teórico e ao contexto
metodológico da pesquisa; a segunda parte é constituída exclusivamente por um capítulo, o qual
se destina à coleta de dados e à análise dos resultados.
No primeiro capítulo, reservado ao enquadramento teórico, busca-se, inicialmente,
conceituar todos os fenômenos que são intrínsecos à linguagem, como uma estratégia para dar
precisão aos aspectos abordados. Em seguida, passa-se a discorrer sobre as concepções de
língua, discurso e leitura, destacando-se, em especial, a concepção de leitura com foco na
interação autor-texto-leitor. Também, neste capítulo, discute-se a importância da biblioteca
escolar para viabilizar políticas de leitura inovadoras no contexto escolar.
No segundo capítulo, descreve-se o contexto metodológico da pesquisa, com ênfase nos
aspectos imprescindíveis para a execução de um estudo científico. Nele, definem-se a
problemática de estudo, a pergunta de partida, os objetivos, as hipóteses, a caracterização da
pesquisa e os instrumentos de coleta de dados. É profícuo ressaltar que o objeto de estudo é uma
turma do 5º ano (4ª série) do Colégio Estadual Manuel Bonfim, no município de Arauá/SE.
E, por fim, no último capítulo, expõem-se os dados coletados e promove-se uma
discussão fundamentada nas referências consultadas. Nessa discussão, vários aspectos
relacionados à prática da leitura em sala de aula são evidenciados, sobretudo aqueles que
envolvem as estratégias de ensino e o material didático. Após toda essa abordagem, apresenta-se
a conclusão a que chegou todo esse processo de investigação.

CAPÍTULO I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

3
Referencial de qualidade para a educação no ensino fundamental em todo o Brasil.

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Não há leitura ‘correta’ ou ‘errada’ de um texto, há gradações. Temos leituras que


mais se aproximam do projeto de dizer de um autor e as que ficam mais distantes até
que se tornam inaceitáveis. Tudo porque a leitura depende de nossos conhecimentos
de mundo. Duas pessoas dificilmente farão a mesma leitura de um texto. Não há texto
totalmente explícito. Como se chega ao que está implícito? Ligando o que está no
texto ao nosso saber de mundo. O leitor com pouco conhecimento fará a leitura
superficial. Quanto mais acumulamos de saber, mais a fundo chegaremos. (Koch,
2014, p. 42)
A leitura e todos aqueles fenômenos que são inerentes a ela, de um modo ou de
outro, apresentam complexidade para serem estudados. Diante disso, na primeira parte do
presente trabalho de pesquisa, esses fenômenos serão devidamente conceituados a fim de
clarificá-los e, com isso, facilitar a compreensão de toda a abordagem.

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1.1 Conceito de Sociedade

A sociedade tem suma importância para o homem, tendo em vista que foi através da
convivência social que ele conseguiu sobreviver e domar parte da natureza. Seria improvável que
o homem sobrevivesse até os dias atuais se não procurasse se associar a seus pares para enfrentar
os desafios impostos pelos fenômenos naturais. Existem muitas ideias para conceituar o
fenômeno que é a sociedade, a depender do que se entende por tal expressão.
Kruppa (1994, p. 21) opina que “a sociedade é toda ela uma situação educativa, dado
que a vivência entre os homens é condição da educação. A ação desenvolvida entre os homens os
educa e, ao interagirem, educando-se entre si, os homens formam a sociedade.” Por esse ponto
de vista, a sociedade é produto da educação, a entender-se educação como a adaptação do
indivíduo à convivência social. Não seria possível, então, formar-se uma sociedade sem a prática
educativa. A interação, nesse caso, é um fator preponderante, posto que é o agente responsável
pelo intercâmbio cultural entre os indivíduos.
Freyre (2009, p. 145) atribui à sociedade o conceito abaixo:
No sentido específico, uma sociedade humana significa, em Sociologia, qualquer
grupo humano relativamente permanente como diz o professor Hankins, unido por
tradição de origem comum e de destino comum e capaz de conduzir a seu modo os
processos de perpetuação da raça - o que implica em alguma forma de vida e de
organização de família - e de conservação de usos e técnicas - o que implica cultura,
no sentido sociológico.
Esse conceito de sociedade proposto por Freyre, a partir de uma perspectiva
sociológica, coloca em evidência a importância das tradições como elo que une os membros de
uma sociedade e, consequentemente, proporciona as interações sociais entre os mesmos.
Pressupõe-se que, para que exista a sociedade, é necessário existir toda uma organização social,
composta por vários subgrupos que se intercomplementam.
Nesse sentido, a organização familiar e a cultura tornam-se os principais elementos para
proporcionar a existência e a permanência da sociedade. A primeira, pelo poder de continuação
da vida humana; a segunda, pelo poder de proporcionar aos membros da sociedade meios para a
sua sobrevivência.
Levy4, citado por Morrish (1975, p. 43), descreve a sociedade como: “um grupo de
seres humanos que compartilham de um sistema autossuficiente de ação, o qual é capaz de
existir mais tempo do que o período de vida de um indivíduo, sendo o grupo recrutado, pelo
menos em parte, pela reprodução sexual dos seus membros.” Esse conceito de sociedade coloca

4
Filósofo francês da cultura virtual contemporânea.

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a pré-existência dela ao indivíduo como condição para que ela continue a existir. E essa
continuação da sua existência é garantida pela reprodução sexual, porque à medida que vão
perecendo alguns dos seus membros, outros vão surgindo. Assim nessa sequência da ordem
natural da vida, a sociedade vai sempre se renovando.
Ao analisar os conceitos apresentados, conclui-se que a sociedade é resultado de uma
complexa rede de elementos que se somam para legitimar a sua existência como organismo de
coesão entre as instituições e o homem.

1.1.1 Conceito de Linguagem

Santos, no seu Dicionário de Linguística (1981), conceitua a linguagem como “língua


no mais amplo sentido, com todas as suas formas e manifestações.” Essa é uma conceituação de
linguagem muito abrangente e genérica porque se pode entendê-la como um veículo de
comunicação, mas se pode entendê-la também como outra manifestação da língua, a exemplo da
linguagem corporal.
Orlandi (2012, p. 21) assim se pronuncia: “concebo a linguagem como trabalho, como
produção, e procuro determinar o modo de produção da linguagem enquanto parte da produção
social geral.” A linguagem, segundo afirma a autora, é um trabalho, embora simbólico, mas é
trabalho. O fenômeno da linguagem é resultado de uma produção da sociedade, na medida em
que é resultado das interações verbais que ocorrem nas várias situações cotidianas. Todas as
ações humanas são mediatizadas pela linguagem, por isso a produção social e linguística é
constante e contínua.
Soares (2000, p. 16) declara que “[...] a linguagem é, ao mesmo tempo, o principal
produto da cultura, e é o principal instrumento para sua transmissão.” A partir dessa concepção,
a linguagem é a responsável para levar os bens culturais de uma geração para outra, mas não é
apenas o veículo para cumprir essa missão, inclui-se também entre os tais bens culturais.
Os PCNs (1997, pp. 23-24) afirmam que “a linguagem é uma forma de ação
interindividual orientada por uma finalidade específica; um processo de interlocução que se
realiza nas práticas sociais existentes nos diferentes grupos de uma sociedade, nos distintos
momentos de uma história.” Como fica evidente, a obra conceitua a linguagem de um modo mais
técnico e reflexivo, ao descrevê-la como um ato individual e também ressaltar que é usada pelos
diferentes grupos de uma sociedade. Depreende-se, já por essa descrição, que a linguagem pode
apresentar variações, como consequência da existência de grupos sociais distintos.

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Diante dos conceitos de linguagem acima explorados, torna-se óbvia a


indissociabilidade entre a linguagem e as ações humanas, tendo em vista que as ações humanas
produzem linguagem, e a linguagem é a responsável pelas ações humanas.

1.1.2 Linguagem e Sociedade

Desde os seus primórdios, o homem buscou viver em grupo, não só porque é sociável
por natureza, como também porque era a única maneira de sobreviver e, consequentemente,
garantir a continuação de sua existência na Terra. A linguagem foi o elo que o aproximou a seu
semelhante, proporcionando as condições necessárias para a formação dos grupos sociais. Sendo
assim, caso não houvesse a mediação da linguagem para que o homem procurasse viver em
grupo, a convivência social não poderia existir.
Benveniste (2006, p. 93) define a relação entre linguagem e sociedade do seguinte
modo:
[...] cada uma destas duas entidades, linguagem e sociedade, implica a outra. Pareceria
que se pudesse e mesmo que se devesse estudá-las em conjunto, descobri-las em
conjunto, uma vez que em conjunto nasceram. Pareceria também que se pudesse e
mesmo que se devesse encontrar de uma a outra, da língua à sociedade, correlações
precisas e constantes, uma vez que uma e outra nasceram da mesma necessidade.
Essa descrição sobre a relação entre linguagem e sociedade deixa patente que ambas se
confundem numa mesma instituição, são interdependentes e uma funciona como extensão da
outra. A relação de reciprocidade é que dá o sustentáculo para que elas tenham existência,
interpenetrem-se e formem um conjunto de diversos substratos que são produtos dessa dualidade.
As relações estabelecidas na sociedade são originárias da linguagem, e essas relações,
por sua vez, originam também linguagem, assim, em um processo de intercâmbio social e
linguístico, tais instituições perpetuam sua existência. Elas mantêm uma relação intrínseca que
permite formar uma cadeia de conexões linguístico-social dinâmica em prol das relações
humanas. A linguagem espelha a sociedade, e a sociedade espelha a linguagem.
Nesse sentido, a linguagem não é apenas mais uma ferramenta da sociedade a serviço da
comunicação, uma vez que ela incorpora a própria sociedade com todas as suas esferas.
Corroborando com a tese do autor acima citado, Bakhtin (1981, p. 95) assim
dimensiona a linguagem:
[...] Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades
ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis,
etc. A palavra está sempre carregada de conteúdo ou de um sentido ideológico ou

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vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que


despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida.
Consoante tal argumentação, a palavra, ou seja, a linguagem, é produto do contexto, por
estar submetida a uma norma de uma comunidade linguística. Não se pode entender a palavra
sem associá-la às situações de uso, ela está intrínseca aos enunciados produzidos e também
reproduzidos em conformidade com certas circunstâncias. A mensagem não tem sentido se a
palavra for pronunciada descontextualizada, alijada do seu significado social.
Isso porque é por meio da palavra que se manifestam as crenças, os valores, as
ideologias, enfim, tudo aquilo que é imprescindível para uma comunidade linguística estabelecer
comunicação. Então, pode-se afirmar, categoricamente, que a coexistência entre palavra e
sociedade determina a convivência social.
As ideias de Azeredo (2007, p. 69-70) vão na mesma direção das concepções expostas
por Benveniste e Bakhtin, pois, afirma ele que:
A palavra é o mais elaborado, versátil e abrangente instrumento de criação, circulação
e assimilação de representações do conjunto de nossas experiências da realidade. Eu
diria, até mesmo, que a linguagem é muito mais que um instrumento, ela é o próprio
espaço simbólico que torna possíveis essas representações e, em larga medida, é por
meio dela que modelamos mentalmente o que chamamos de contexto social em que
interagimos [...]
Azeredo enfatiza o poder da palavra, atribuindo-lhe uma dimensão fenomenal que dá
uma ideia exata do que ela pode significar dentro de um contexto. A supremacia dessa entidade
reside, sobretudo, no fato de reunir e representar o conjunto de experiências acumuladas pelas
relações cotidianas, que é indispensável para a formação e consolidação de uma cultura.
O seguinte excerto dos PCNs (1997, p. 30) ilustra muitíssimo bem a importância do
trabalho eficaz com a linguagem de acordo com as novas concepções do ensino de Língua
Portuguesa:
Toda educação verdadeiramente comprometida com o exercício da cidadania precisa
criar condições para o desenvolvimento da capacidade de uso eficaz da linguagem que
satisfaça necessidades pessoais – que podem estar relacionadas às ações efetivas do
cotidiano, à transmissão e busca de informação, ao exercício da reflexão. De modo
geral, os textos são produzidos, lidos e ouvidos em razão de finalidades desse tipo.
Sem negar a importância dos que respondem a exigências práticas da vida diária, são
os textos que favorecem a reflexão crítica e imaginativa, o exercício de formas de
pensamentos mais elaboradas e abstratas, os mais vitais para a plena participação
numa sociedade letrada.

Os PCNs elevam a linguagem ao patamar de protagonista do processo educativo de


forma geral, destacando que o seu domínio pelo aluno não é importante apenas para o contexto
escolar, mas também para toda a sua formação pessoal e participação cidadã. Com efeito, a

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escola ao negligenciar o trabalho pedagógico tendo como suporte a linguagem, estará a


negligenciar toda a formação do aluno.
Portanto, um projeto de ensino pactuado com a formação plena do indivíduo jamais
pode renunciar à linguagem como instrumento fomentador das atividades didáticas
desenvolvidas em sala de aula.

1.2 Língua e Discurso

1.2.1 Conceito de Língua

Sabe-se que a língua é o elemento unificador de um povo e tem um valor


incomensurável para a consolidação de uma sociedade. O poder da língua é tamanho que vários
povos se impuseram e se impõem sobre outros, valendo-se dela como instrumento de dominação.
Borba (1972, p. 42) levanta uma interrogação sobre essa instituição e em seguida lhe atribui o
conceito abaixo:
Mas o que é língua? Para nós, ela não se confunde com a linguagem; é somente uma
parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, um produto
social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas
pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos.
O autor do conceito acima não concorda que língua seja sinônimo de linguagem, ambas
são distintas. Enquanto a linguagem é um fenômeno individual, a língua é um fenômeno social
que, através de um conjunto de signos linguísticos, com seus significantes e seus respectivos
significados, constitui um sistema de comunicação disponível aos indivíduos de uma dada
sociedade.
Ferreira e Cardoso (1994, p. 11) dão o seguinte conceito de língua: “uma língua é um
sistema de sinais acústico-orais, que funciona na intercomunicação de uma coletividade. É
resultado de um processo histórico, evolutivo.” A partir de tal conceito, a língua é um fenômeno
de caráter fonológico que intermedeia a comunicação entre os membros de uma sociedade. A
língua é descrita como produto da evolução humana porque no decorrer da história da
humanidade as línguas se alteram conforme o grau de desenvolvimento tecnológico de uma
sociedade.
Bakhtin (1997, p. 279) descreve a língua como o expoente de todas as instituições
sociais:
Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre
relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter e os

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modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade
humana, o que não contradiz a unidade nacional de uma língua.
De acordo com a concepção bakhtiniana, os enunciados da língua estão em todos os
meios sociais e são eles que mediatizam as interações verbais. A língua se torna complexa
justamente por esse aspecto na medida em que, a depender das situações de uso, faculta aos seus
usuários utilizá-la da maneira que lhe aprouver, surgindo, desse modo, uma infinidade de
variações linguísticas em suas várias instâncias. No entanto, mesmo a sofrer tantas oscilações,
ela é o elo que une um povo.
Azeredo (2007, p. 35- 36) se refere à língua do seguinte modo:
Uma língua não existe por si, mas para seus falantes e em virtude do uso que eles
fazem dela. A língua é uma instituição social, uma criação histórica e coletiva.
Ordinariamente, os indivíduos a adquirem e a aceitam como ‘uma coisa natural’, e
limitam-se a servir-se dela pelo resto da vida. A aquisição de uma língua –
especialmente da língua materna – não se resume, porém, à aprendizagem de um meio
de comunicação. Com a língua, aprendemos também – e sobretudo – uma certa
maneira de conhecer o mundo, de entender a realidade no que ela tem de significativo
para as nossas relações com as outras pessoas.
Depreende-se pela abordagem acima que o elemento cultural mais importante para a
identificação de um povo é a língua, através dela é que se produz a cultura de uma nação. É
também a primeira instituição social com a qual o falante estabelece seus primeiros contatos com
o mundo exterior, permitindo-lhe, assim, inter-relacionar-se com os membros da sua comunidade
linguística e adaptar-se às regras de convivência social.
Uma prova do valor inestimável da língua pode ser dada pelo fato de várias civilizações
desaparecerem, mas, graças às marcas que foram deixadas por ela, é possível hoje conhecer a
cultura dessas civilizações. Por isso, os signos linguísticos não se prestam apenas para codificar e
decodificar mensagens nas situações triviais em que são usados, mas sim, constituem uma
entidade que funciona como sustentáculo de uma sociedade num determinado momento histórico
e proporciona a outras sociedades futuras usufruir de seus conhecimentos.

1.2.2 Conceitos de Discurso

Nos últimos anos, há uma preocupação dos linguistas em aprofundar os estudos sobre a
análise do discurso, dada a importância das práticas discursivas nos atos de comunicação. Mas o
que é mesmo discurso? Como conceituá-lo?
Maingueneau (2008, p. 15) atribui ao discurso a seguinte acepção: “[...] entenderemos
por discurso uma dispersão de textos, cujo modo de inscrição histórica permite definir como um
espaço de regularidades enunciativas.” O discurso é concebido pelo autor como um processo de

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comunicação intertextual em que os interlocutores recorrem a um determinado texto conforme


suas necessidades imediatas.
Os tais textos aos quais Maingueneau se refere são as construções linguísticas e
históricas que estão disponíveis aos interlocutores para fazerem uso deles nas interações verbais.
Os interlocutores, assim, têm ao seu dispor uma infinidade de enunciados que pode ser posto em
prática em conformidade com as exigências do contexto das práticas discursivas. Bakhtin (1997,
p. 279) explica o papel do enunciado na comunicação nestes termos: “qualquer enunciado
considerado isoladamente é claro, individual, mas cada esfera da utilização da língua elabora
seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do
discurso.”
De acordo com Ducrot & Todorov (1998, p. 92), “chama-se situação de discurso o
conjunto das circunstâncias no meio das quais se desenrola um ato de enunciação - seja ele
escrito ou oral.” Esse conjunto de circunstâncias envolve desde o ambiente físico, o quadro
social em que a prática discursiva ocorre, até a imagem que os interlocutores constroem de forma
recíproca.
Azeredo (2007, p. 42) conceitua o discurso desse modo:
A prática da comunicação linguística oral ou escrita constitui o que chamamos de
discurso (substantivo derivado do verbo discorrer, que significa desenvolver um
assunto por meio de palavras). O discurso é necessariamente um acontecimento
protagonizado por um enunciador e um ou mais destinatários numa dada situação (=
conjunto de variáveis circunstanciais relevantes para a interlocução).

O autor utiliza-se da etimologia da palavra para explicar o seu significado e, a partir


disso, dá-se a impressão de que a condição para que haja discurso é a existência de um assunto.
Porém, quando ele fala em enunciador, destinatário, circunstâncias, entende-se que é
indispensável no discurso a participação de interlocutores a compartilhar um conjunto de
enunciados comuns a ambas as partes e que permita o desenvolvimento do ato comunicativo.
Ressalte-se que tais enunciados surtirão o efeito desejado conforme as situações comunicativas,
isto é, o discurso tem de necessariamente se adequar às circunstâncias em que estão inseridos os
envolvidos na prática discursiva.
Brait et al. (2012, p. 146) têm uma opinião bem semelhante à abordagem acima, ao
definir o discurso como uma produção linguística e histórica:
O discurso é um objeto linguístico e um objeto histórico, o que significa que ele é uma
construção linguística, gerada por um sistema de regras que define sua especificidade,
mas, ao mesmo tempo, que nem tudo é dizível. O que se pode dizer forma um sistema
e delimita uma identidade.

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Conforme essa definição, depreende-se que por trás das práticas discursivas há sempre
uma realidade linguística, social e histórica que fornece a ‘matéria-prima’ disponível para
viabilizá-las. No momento em que se inicia o discurso, seus interlocutores acionam seus
mecanismos intelectuais para expor suas ideias, fundamentados no contexto de significação.
Orlandi (2012, p. 77) segue essa mesma linha de raciocínio ao tentar definir o discurso: “a
formação discursiva se define como aquilo que numa formação ideológica dada - isto é, a partir
de uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica dada - determina o que pode e deve ser
dito.”
Todos os conceitos abordados confluem para uma conclusão: as práticas discursivas não
podem ocorrer independentemente do contexto em que são realizadas. Os discursos não
acontecem no vácuo, sem um pano de fundo que possibilite a partilha de conhecimentos, pois
seria impossível ocorrer a interlocução exclusivamente com os recursos linguísticos sem o
auxílio dos aspectos sociais e históricos de um determinado contexto.

1.3 A Consolidação das Novas Concepções de Língua e de Discurso no Ensino de Língua


Portuguesa

As décadas de 80 e 90 do século passado e a primeira década deste século foram um


período fertilíssimo para os estudos linguísticos, fato que proporcionou a consolidação das novas
concepções de língua e de discurso no ensino de Língua Portuguesa. O eixo do ensino desloca-se
da imposição da gramática normativa para outra perspectiva totalmente diferente, na medida em
que “a nova perspectiva de ensino da língua pautou-se numa visão centrada na noção de
interação na qual a linguagem verbal constitui-se numa atividade e não num mero instrumento”
(Santos et al. 2006, p. 18).
Dentro dessa nova perspectiva, não se concebe restringir o ensino de língua apenas ao
espaço escolar, tampouco se deve situar o aluno numa condição de passividade.
O fragmento abaixo retirado da obra de Santos et al. (2006, p. 20) dá uma ideia bem
precisa sobre as novas propostas:
Um dos avanços promovidos pelas propostas quanto ao ensino da língua escrita é, sem
dúvida, o fato de a linguagem ser vista como sendo eminentemente social e com
propósitos e não como algo abstrato e formal, focalizando o seu uso em um contexto
particular. Outro aspecto é reconhecer que o aprendiz não é passivo e mobiliza seus
conhecimentos como usuário da língua no seu processo de aprendizagem.
Por essa abordagem, a importância das novas propostas está em considerar a linguagem
numa perspectiva social, ou seja, as práticas sociais de uso da língua devem fazer parte do

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cotidiano escolar. O aluno, por sua vez, mesmo iniciante no aprendizado da língua, não é mero
receptor da mensagem, pelo contrário, sua participação, agora, é na condição de sujeito dentro da
tríade locutor/mensagem/interlocutor.
Bakhtin (1981, p. 123), ao estabelecer uma discussão sobre a constituição da língua,
reitera o que afirma a abordagem anterior:
[...] a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de
formas linguísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato
psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal,
realizada pela enunciação ou pelas enunciações. A interação verbal constitui, assim, a
realização fundamental da linguagem [...]
Como se pode comprovar acima, o fragmento, a exemplo da abordagem anterior,
destaca a importância do caráter social da língua e das interações verbais para a prática
discursiva. Essa concepção se contrapõe a outras concepções anteriores de língua no ensino de
Língua Portuguesa, que tinham como pressuposto fundamental a sua instrumentalidade, ou seja,
a língua focada sob uma perspectiva de independência do contexto social.
O autor ressalta também a importância do dialogismo na linguagem, dando a
compreender que ela não se realiza apenas com o locutor, e sim, com o locutor e com o
interlocutor. A interlocução, desse modo, será fator determinante para que o processo de
enunciação proporcione a interação verbal.
Mas o que seria a enunciação? Bakhtin (1981, p. 112) define a enunciação como “o
produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um
interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual
pertence o locutor.”
Infere-se que a enunciação é a materialização da linguagem que, por sua vez, está
subordinada à existência de um interlocutor (ainda que imaginário) e de uma situação social.
Esses dois elementos proporcionam as condições necessárias para que haja a interação verbal e,
com isso, a linguagem produza sentido. Isso quer dizer que quem produz discurso, produz para
alguém e esse alguém deve compartilhar conhecimentos comuns com quem o produziu, a
palavra não é dirigida para o vazio. Frise-se que a palavra, nessa acepção, não é aquela separada
do contexto social, ela depende das circunstâncias sociais nas quais é produzida.
Assim sendo, não é suficiente apenas a existência da língua e da sociedade para que um
discurso se concretize, mas é necessária também a existência de certas condições sócio-históricas
que proporcionem a sua realização. Sobre tal fenômeno, Maingueneau (1997, p. 30) a ele refere
nominando-o como um contrato, isto é, uma espécie de convenção entre os indivíduos para que
aconteçam as atividades interativas verbais, observe-se,

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A noção de contrato pressupõe que os indivíduos pertencentes a um mesmo corpo de


práticas sociais sejam capazes de entrar em acordo a propósito das representações de
linguagem dessas práticas. Consequentemente, o sujeito que se comunica sempre
poderá, com certa razão, atribuir ao outro (o não-EU) uma competência de linguagem
análoga a sua que o habilite ao reconhecimento. O ato de fala transforma-se, então, em
uma proposição que o EU diga ao TU e para a qual aguarda uma contrapartida de
conivência.
Pelo teor do excerto supracitado, a noção de contrato é fundamental para que o emissor
e o receptor da mensagem estabeleçam o diálogo e tenham pleno reconhecimento daquilo que
está em discussão. Desse modo, torna-se imperativo que o emissor, no processo de interlocução,
esteja consciente da realidade linguística da qual o receptor faz parte. Isso porque o código
linguístico comum por si só não assegura a realização do ato comunicativo entre os
interlocutores. É preciso que se leve também em consideração o nível da linguagem, que pode
sofrer variações conforme as experiências vividas pelo produtor do discurso e pelo receptor.
Além disso, não se devem esquecer os aspectos sociais, econômicos e culturais envolvidos nessa
situação.
Os PCNs (1998) contemplam a perspectiva interacional e discursiva da língua e
destacam os temas fundamentais para o ensino de Língua Portuguesa, a saber:
a) Adoção do texto como unidade básica de ensino;
b) Produção linguística tomada como produção de discursos contextualizados;
c) Atenção para a língua em uso sem se fixar no estudo da gramática como
conjunto de regras, mas frisando a reflexão sobre a língua;
d) Atenção especial para a produção e compreensão do texto oral e escrito;
e) Clareza quanto à variedade de usos da língua e variação linguística.
Azeredo et al. (2008, p. 122) afirma que “os princípios norteadores dos PCNs seguem
uma linha bakhtiniana na medida em que suas propostas pedagógicas são assim pautadas”:
i-) a compreensão ativa dos textos e não a decodificação do texto e o silenciamento; ii-
) a interlocução efetiva e não a produção de textos para serem objeto de correção; iii-)
a reflexão voltada para a compreensão e utilização da linguagem oral e escrita de
maneira adequada às situações e intenções.
Levando-se em conta os aspectos considerados, infere-se que língua, discurso e
contexto sócio-historicoeconômico são indissociáveis. Para a compreensão do funcionamento da
língua na sociedade, a priori, é imperativo que se compreenda tal indissociabilidade, na medida
em que os fatores linguísticos, discursivos e contextuais exercem influência decisiva na
comunicação. Foi por negar ou ignorar essa realidade que a escola, por muito tempo, ditou um
ensino de Língua Portuguesa pautado na gramática normativa e negligenciou o que, de fato,
contribui para a formação do aluno.

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1.4 A Leitura e seus Conceitos

A leitura tem importância fundamental para a vida do ser humano nas civilizações
grafocêntricas. Desde a infância, o indivíduo é obrigado a conviver com essa atividade
intelectual que estará omnipresente durante toda a sua vida, quer seja no contato direto com ela,
quer seja na sua convivência social nesse mundo letrado.
Numa perspectiva científica, a leitura é focada sob diferentes ângulos, dependendo do
que se entende pelo ato de ler. Consoante Koch (2008), existem três concepções de leitura, a
saber: a leitura com foco no autor, a leitura com foco no texto e a leitura com foco na interação
autor-texto-leitor.
A leitura com foco no autor “é entendida como a atividade de captação das ideias do
autor, sem que se leve em conta as experiências e os conhecimentos do leitor, a interação autor-
texto-leitor com propósitos constituídos sociocognitivo-interacionalmente” (Koch, 2008, p. 214).
Nessa concepção, o autor é sujeito soberano do texto, e o leitor é apenas um elemento passivo
que não exerce nenhuma influência sobre ele e também não pode interferir de forma subjetiva,
porque deve ser fidedigno às ideias de quem escreve.
A leitura com foco no texto “é vista como uma atividade que exige do leitor o foco no
texto, em sua linearidade, uma vez que tudo está dito no texto” (Koch, 2008, p. 214). De acordo
com essa concepção, a atividade de ler independe das experiências de vida do leitor, cabendo a
ele apenas o papel de mero reprodutor das ideias contidas no texto. A partir dessa visão de
leitura, essa atividade se restringe apenas a um código a ser decifrado.
A terceira concepção de leitura, com foco na interação autor-texto-leitor, contrapõe-se
às duas anteriores, pois, segundo Koch (2008, p. 215),
É uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se
realiza, evidentemente, com base nos elementos linguísticos presentes na superfície
textual e na sua forma de organização, mas que requer a mobilização de um vasto
conjunto de saberes no interior do evento comunicativo.
Conforme essa concepção, a leitura não se reduz apenas à captação das ideias do autor
nem também ao código linguístico. Ela envolve uma série de elementos linguísticos e
extralinguísticos que proporciona condições de o texto ser lido com vários sentidos, isto é, a
interação entre o autor, o texto e o leitor é condição ‘sine qua non’ para que a leitura se realize.

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Essa última concepção de leitura concebe o ato de ler como uma atividade interativa em
que o leitor tem um papel ativo diante do autor e do texto e, consequentemente, tem plena
liberdade de atribuir vários sentidos ao que lê.
E, compactuando com essa concepção, observe-se abaixo como é conceituada a leitura
pelos PCNs (1998, pp. 69-70), documento oficial que foi muito importante na consolidação das
novas concepções de língua e discurso no ensino de Língua Portuguesa:
A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e
interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto,
sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc. Não se trata de extrair
informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma
atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem
as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita
controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de
compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto suposições feitas.
Como fica evidenciado acima, o aludido documento dá um conceito de leitura bastante
abrangente. O ato de ler é descrito como uma atividade interativa que requer um conjunto de
procedimentos inter-relacionados permitindo, assim, ao leitor realizar uma leitura proficiente.
Por esse prisma, não basta apenas ao leitor dominar as técnicas de leitura tradicionais, que são
pautadas mais na extração de informações, mas sim, dispor de todo um aparato linguístico que
lhe possibilite penetrar no dinamismo do texto.
O pensamento de Antunes (2003, p. 67) em relação ao conceito de leitura é bem
semelhante ao dos PCNs de Língua Portuguesa, e a autora ainda acrescenta um elemento novo, a
escrita, com a qual o ato de ler mantém uma relação intrínseca. Segundo ela:
A atividade da leitura completa a atividade da produção escrita. É, por isso, uma
atividade de interação entre sujeitos e supõe muito mais que a simples decodificação
dos sinais gráficos. O leitor, como um dos sujeitos da interação, atua
participativamente, buscando recuperar; buscando interpretar e compreender o
conteúdo e as intenções pretendidas pelo autor.
Depreende-se que a leitura, além de ser um processo de interação verbal, também é um
complemento da escrita. O código a ser interpretado não se encerra em si mesmo, vez que é o
encontro entre dois sujeitos, locutor e interlocutor e, nesse encontro, o leitor é ativo, sendo sua
participação fundamental para desvelar o verdadeiro sentido do texto.
Conforme essa visão, a verdadeira leitura é aquela em que o leitor não se satisfaz com a
superficialidade do texto, mas sim, imerge nas acepções mais profundas dele. Na condição de
sujeito, ele não deve se contentar apenas com uma leitura única, pelo contrário, deve levantar
diversas possibilidades de leitura sobre a intenção de quem escreveu o texto e ter perspicácia
suficiente para descobrir o seu verdadeiro sentido.

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Matêncio (1994, p. 42) também segue uma linha de raciocínio análoga à da autora
citada anteriormente. Para ela,
A leitura, assim como a escrita, é uma atividade realizada de forma visual, por
movimento de globos oculares. Ao longo desse processo, os olhos não se fixam em
cada uma das palavras, como fariam pressupor as atividades de leitura na escola, mas
identificam um conjunto de palavras. Por outro lado, o leitor não é passivo frente ao
texto, mesmo que a escola o oriente nessa conduta: os sentidos que ele estabelece na
leitura são vinculados aos seus conhecimentos da atividade, da estrutura textual e de
mundo; ao longo desse processo ele cria, confirma ou rebate suas hipóteses acerca do
que ali lhe é exposto.
Evidencia-se que a leitura, a exemplo da escrita, não é uma atividade fragmentada,
composta por signos isolados que são decifrados de forma ordenada para, posteriormente,
construir um todo com sentido, como dá a entender as práticas escolares de leitura. Mesmo que a
escola não reconheça, o leitor é um ser ativo que depende essencialmente de seu conhecimento
de mundo e de escrita para ler o texto e, consequentemente, conferir significação à sua leitura.
Koch & Elias (2012, p. 22) conceituam esse conhecimento de mundo, também
denominado por essas autoras como conhecimento enciclopédico, como aquele que “refere-se a
conhecimentos gerais sobre o mundo – uma espécie de thesaurus5 mental – bem como a
conhecimentos alusivos a vivências pessoais e eventos espácio-temporalmente situados,
permitindo a produção de sentidos”.
Lajolo (1982, p. 59), como as referências já citadas, conceitua a leitura como uma
atividade que está muito além da decifração de signos linguísticos:
Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É, a partir
do texto, ser capaz de atribuir-lhe significação, conseguir relacioná-lo a todos os
outros textos significativos para cada um reconhecer nele o tipo de leitura que seu
autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se
contra ela, propondo outra não prevista.
Como fica patente na concepção de leitura da autora, o ato de ler é altamente
dependente da competência do leitor porque essa competência lhe faculta a possibilidade de
realizar suas inferências textuais e intertextuais. Tais inferências dão condições a ele para que
seja autônomo diante das ideias do texto e, frente a isso, possa aceitar ou rejeitar as intenções do
seu autor. Portanto, a leitura, por essa ótica, está subordinada ao grau de conhecimento do leitor
e também à sua capacidade de interpretar e de inter-relacionar as ideias dos textos.
Chartier et al. (2001, p. 108) associa o ato da leitura à competência do leitor:
Ler é dar sentido de conjunto, uma globalização e uma articulação aos sentidos
produzidos pelas sequências. Não é encontrar o sentido desejado pelo autor, o que

5
Thesaurus é um instrumento que reúne termos escolhidos a partir de uma estrutura conceitual previamente
estabelecida e destinados à indexação e à recuperação de documentos e informações num determinado campo do
saber. O que é o thesaurus? Acessado em 25 de julho de 2014 em http://portal.inep.gov.br

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implicaria que o prazer do texto se originasse na coincidência entre o sentido desejado


e o sentido percebido, em um tipo de acordo cultural, como algumas vezes se
pretendeu, em uma ótica na qual o positivismo e o elitismo não escaparão a ninguém.
Ler é, portanto, constituir e não reconstituir um sentido.
A descrição acima sobre o encontro do leitor com o texto é bem ilustradora acerca da
posição que será ocupada pelo primeiro diante do segundo. Cabe ao leitor estabelecer a conexão
de sentidos que seja compatível com as suas ideias, mesmo que elas contrariem as ideias do
autor. Dessa maneira, não se pode aplicar, nesse caso, o argumento de que leitura seria
construção secundária, pois o leitor do texto se reduziria a um mero coadjuvante.
Nesse sentido, é oportuno refletir sobre duas indagações de Kramer (2001, p. 158):
“Como alguém se torna leitor? A escola produz leitores ou estes se formam apesar dela?” A
primeira indagação pode ser encontrada no quadro acima descrito. Quanto à segunda, somente a
escola pode responder.

1.4.1 A Intertextualidade

Um dos aspectos mais importantes do estudo do texto são as suas relações intertextuais
ou a intertextualidade. A intertextualidade é considerada pelos autores abaixo citados como um
dos requisitos essenciais para que o texto adquira significação.
Prestes (1999, p. 40) afirma que “quando o produtor de um texto repete expressões,
enunciados ou trechos de outros textos, ou então o estilo de certo autor ou de certo tipo de
discurso, temos a intertextualidade.” Esse conceito de intertextualidade considera apenas as
referências explícitas que um texto faz a outro. Esse tipo de intertextualidade é muito explorado
nas produções literárias, em que um texto recorre a outro com a finalidade reafirmar, inverter,
contestar ou deformar o seu sentido. (Fiorin & Savioli, 1999, p. 19)
Koch (2012, p. 86) aprofunda esse conceito e afirma que “a intertextualidade ocorre
quando, em um texto, está inserido outro texto (intertexto) anteriormente produzido, que faz
parte da memória social de uma coletividade.” Entende-se que um texto não pode ser produzido
sem que se recorra a outros textos que, por sua vez, já foram produzidos a partir de textos
anteriores. Então, nessa sucessão de produção e reprodução, os textos, mesmo se diversificando,
continuam a conservar em seu bojo, quer sejam de forma, quer sejam de conteúdo, marcas de
outros textos.
Maingueneau (2008, p. 77) define a intertextualidade como as “relações intertextuais
que a competência discursiva define como legítimas”, ou seja, um discurso somente recorre a

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outro quando há uma relação interdiscursiva que legitime a sua existência. Maingueneau (2008)
também faz uma distinção entre intertextualidade interna e intertextualidade externa. A primeira
se caracteriza quando um discurso se remete a outro dentro da mesma esfera do conhecimento; a
segunda, quando um discurso se remete a outro de uma esfera de conhecimento diverso.
Azeredo (2007, p. 25- 26) assim explica o seu conceito de intertextualidade:
Nenhum texto veicula informações cem por cento inéditas, assim como nenhum texto
é cem por cento novo no formato, ou gênero pelo qual essas informações são
veiculadas. Qualquer texto lembra, retoma ou evoca, implícita ou explicitamente,
outro texto ou parte de algum texto. A essa propriedade, que é também uma espécie de
conhecimento compartilhado – só que numa dimensão social e histórica -, chamamos
intertextualidade, um importante suporte de coerência.

Conforme a reflexão acima, todos os textos que são produzidos mantêm vínculos com
outros textos, sendo impossível ser totalmente autêntica sua produção. Ao produzir um texto, o
produtor, de uma forma ou de outra, vale-se de elementos de outras produções. Mesmo que ele
não admita recorrer a outras produções textuais, não há possibilidade de escapar às influências da
realidade sócio-histórica em que está inserido, o que se caracteriza como intertextualidade. É a
partir dessa premissa que Bakhtin (1999, p. 113) assegura que a palavra é “uma espécie de ponte
lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra, apoia-se
sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor.”
Sendo assim, a intertextualidade é pressuposto essencial para qualquer produção textual,
não esquecendo que também no ato da recepção esse fenômeno da linguagem atua como fator
determinante para a compreensão do texto. Então, pode-se afirmar categoricamente que a
produção textual e recepção são determinadas pelas relações intertextuais.

1.4.2 A Leitura e o Leitor

São inegáveis as vantagens que a leitura proporciona ao leitor, como bem esclarece
Antunes (2003, p. 70):
A atividade da leitura favorece, num primeiro plano, a ampliação dos repertórios de
informação do leitor. Na verdade, por ela, o leitor pode incorporar novas ideias, novos
conceitos, novos dados, novas e diferentes informações acerca das coisas, das pessoas,
dos acontecimentos, do mundo em geral. Nesse sentido, a leitura escolar dos textos de
outras disciplinas representa uma oportunidade bastante significativa de aquisição de
novas informações. Como se sabe, informações de um texto de geografia ou de
história podem ser bastante relevantes para apoiar os argumentos apresentados num
comentário, por exemplo.
Fica óbvio acima que a atividade da leitura proporciona ao leitor a oportunidade de
enriquecer seu universo de conhecimentos de um modo geral, porque quanto mais leituras ele

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fizer, mais conhecimentos adquirirá. Acresça-se que, como o excerto acima destaca, os textos
não precisam ser necessariamente apenas da disciplina Língua Portuguesa. As demais disciplinas
que compõem a grade curricular podem contribuir com seus textos em virtude de
proporcionarem aos alunos a aquisição de mais ideias para defenderem seus pontos de vista.
Acerca da relação entre leitor e texto, assim discorre Antunes (2003, p. 78):
[...] O sentido de um texto não está apenas no texto, não está apenas no leitor. Está no
texto e no leitor, pois está em todo o material linguístico que o constitui e em todo o
conhecimento anterior que o leitor já tem do objeto de que trata o texto. É por isso que
não se pode ver no texto o que lá não está nem se pode ver apenas o que lá está sobre a
página. A leitura tem, assim, a dinâmica de qualquer outro encontro: seu sentido é de
agora e é de antes.

A partir do momento em que o leitor entra em contato com o texto, inicia-se um


processo de alimentação e retroalimentação dinâmica que possibilita uma cumplicidade
recíproca entre esses dois elementos. Nesse processo de fluxo e refluxo, o que proporcionará a
dinâmica da leitura são os conhecimentos prévios de que o leitor dispõe.
À proporção que o leitor for adentrando no texto, seus conhecimentos prévios serão
pressupostos fundamentais para que ele tenha o domínio de tudo aquilo que está a ler. Ao
mergulhar na leitura, aparece a necessidade de recorrer ao seu repertório intelectual para auxiliá-
lo a compreender a mensagem. É como se andasse para frente, mas, simultaneamente, a voltar
seu olhar para trás.
Barroso (2006, p. 55) descreve a leitura, em seu sentido lato, com estas palavras:
Leitura em sentido geral é, portanto, um processo de vivência, de observação, de
relação e de aprendizagem realizado pelo interesse do leitor. Assim a leitura é
determinada por elementos internos ou subjetivos e por elementos externos ou
objetivos. Ou seja, há que se considerar, nesse processo, tanto os lados sensitivos e
sensoriais-emotivos do indivíduo, quanto as questões externas a ele, isto é, os
estímulos dos meios sociais, culturais e políticos do contexto no qual está inserido.
A leitura, assim descrita, pode ser considerada como uma grande cadeia de elementos
intrínsecos e extrínsecos que se inter-relacionam para atribuir significado a ela. Tais elementos
vão desde a idiossincrasia do leitor até os aspectos contextuais em que está envolvido. Quando se
remete a leitura, não se pode descrevê-la como uma ação intelectual independente de outros
fenômenos que a circundam, sob o risco de categorizá-la como uma ação puramente verbal
quando, na verdade, é uma ação interativa por excelência.
Souza & Gamba Jr. (2002, p. 110) veem o momento do encontro entre a leitura e o
leitor como algo mágico e como sendo o êxtase desse encontro:
A leitura não é um ato solitário, mas o encontro com as muitas vozes que ecoam no
texto de um escritor e que só terão oportunidade de se manifestar pelo encontro
marcado entre o leitor e o texto. A leitura é comunhão, é o momento em que o

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indivíduo isolado se vê perante a possibilidade de reconhecer a sua inserção particular


na história de uma época. Com base na narrativa de outrem, a minha própria
identidade se restabelece. Ler é um modo de viajar e deixar-se impregnar pela névoa
do desconhecido. O desafio maior que enfrentamos hoje é preservar a dimensão
mágica da leitura no contexto da utilização da tecnologia.
A leitura só pode ter significação se o leitor interagir com o texto a fim de suscitar as
possibilidades de interpretação, pois está no leitor, no texto e no entrelaçamento de vários
condicionantes contextuais a extração dos significados da leitura. É um momento de dúvidas,
certezas, inferências, angústias, prazeres, enfim tudo aquilo que se revela na interpenetração das
ideias do texto e das ideias do leitor, cabendo a esse último a faculdade de deliberar sobre o
resultado de sua leitura.
Koch (2008, p. 41) dá ainda mais ênfase à relação entre o leitor e o texto e denomina
essa relação de referenciação:
A referenciação não privilegia a relação entre as palavras e as coisas, mas a relação
intersubjetiva e social no seio da qual as versões de mundo são publicamente
elaboradas, avaliadas em termos de adequação às finalidades práticas e às ações em
curso dos enunciadores.
Entende-se que o processo de referenciação vai muito mais além das ideias do texto. O
processo não é limitado apenas ao texto, mas sim, é um processo que engloba uma realidade
extratextual em que a ‘memória discursiva’ (Koch, 2008), isto é, todo o contexto que envolve o
discurso dos enunciadores é constantemente retomado e mobilizado. A atividade discursiva se
desenvolve abrangendo o contexto que, por sua vez, disponibiliza todo o aparato linguístico para
que a comunicação se concretize.
Desse modo, nada que vem à tona durante o discurso é aleatório. Pelo contrário, os
enunciados são construídos de acordo com as circunstâncias linguísticas, num processo de
construção e reconstrução da prática discursiva. O que está implícito no discurso pode ter até
mais relevância do que aquilo está sendo explicitado.
Conforme Antunes (2003, p. 92), o texto está presente em todas as formas de
comunicação verbal:
Toda atuação verbal se dá através de textos, independentemente de sua função e de
sua extensão. Ou seja, o óbvio - mas nem sempre levado em conta - é que ninguém
fala ou escreve a não ser sob a forma de textos, tenham eles esta ou aquela função,
sejam eles curtos ou longos. Fazer entender textos não é, assim, uma atividade
eventual, alguma coisa que as pessoas fazem uma vez ou outra, em circunstâncias
muito especiais - em dias de prova, por exemplo -. É coisa que se faz todo dia, sempre
que se fala ou sempre que se escreve.
O texto é a unidade básica de qualquer atuação verbal, jamais se pode entender a
interlocução sem que antes se pense em uma construção textual. Quer seja na fala, quer seja na

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escrita, a comunicação só se estabelece por meio de textos, mesmo que tenham extensão e/ou
finalidades diferentes. Por isso, não tem sentido afirmar que a escola não trabalha com textos
porque, se assim for entendido, reduz-se sua função a uma mera atividade que apenas é realizada
por exigências do sistema escolar.
Koch (2008, p. 217) esclarece que, a depender da relação que se estabelece entre leitor e
texto, um texto escrito também dá margem a várias interpretações,
A pluralidade de leituras e de sentido pode ser maior ou menor dependendo, por um
lado, do texto, do modo como foi construído, do que foi explicitamente revelado, e do
que foi implicitamente sugerido; por outro lado, da ativação por parte do leitor, de
conhecimentos de natureza vária, bem como de seus objetivos e de sua atitude perante
o texto.
Assim, considerar o leitor e seus conhecimentos e que esses conhecimentos são
diferentes de um leitor para outro implica, necessariamente, aceitar uma pluralidade de
leituras e de sentidos em relação a um mesmo texto.
Um texto pode oferecer um leque de opções de leitura e a cada uma delas pode ser
atribuído pelo leitor um sentido diferente. A depender da estrutura do texto, ele pode trazer ideias
óbvias, como também pode trazer em seu bojo ideias sem clareza e, com isso, apenas insinuar,
deixando o leitor ao seu bel-prazer para, através de seu raciocínio, chegar as suas inferências.
Além disso, o repertório intelectual conta muito, pois essa diversidade de leituras está
subordinada ao seu poder de interpretação juntamente aos seus conhecimentos acumulados, que
são decisivos para a pluralidade de leituras. Nesse sentido, um mesmo texto pode ser lido
distintamente por leitores de graus de conhecimentos diferentes e, de acordo com o ponto de
vista de cada um, podem chegar a conclusões diferentes.
No entanto, a autora supracitada adverte que o texto, mesmo oferecendo uma gama de
possibilidades de leitura, não pode ser lido arbitrariamente, de qualquer maneira, já que “o
sentido não está apenas no leitor, nem no texto, mas na interação autor-texto-leitor. Por isso, é de
fundamental importância que o leitor considere na e para a produção de sentido as sinalizações
do texto, além dos conhecimentos que possui” (Koch, 2008, p. 217).
Orlandi (2012, p. 49) considera a recepção da leitura até mais importante do que a
produção do texto, uma vez que assim argumenta:
[...] se pode dizer que a leitura é o momento crítico da constituição do texto, o
momento privilegiado do processo de interação verbal, uma vez que é nele que se
desencadeia o processo de significação. No momento em que se realiza o processo da
leitura, se configurará o espaço da discursividade em que se instaura um modo de
significação específico.
Não é na produção do texto que se manifesta sua plurissignificação, mas no ato da
leitura. É através da leitura reflexiva que se manifestam os vários sentidos de um texto, produto
da interação verbal que vai proporcionar ao leitor quantas leituras forem possíveis. A partir dessa

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perspectiva, deve-se levar em consideração os conhecimentos acumulados pelo leitor, fato que
distingue a competência interpretativa entre os diversos leitores.
Santos (2009, p. 130), baseada nos estudos da estética da recepção, teoria que privilegia
o papel do leitor frente ao texto, afirma: “Com a valorização do papel do receptor durante as
atividades de leitura, o texto passa por uma abertura de análise, eximindo-se do leitor a culpa e a
frustração em não ter atingido conclusões até então ditas como corretas.” Isso significa que,
antes desses estudos, o receptor do texto tinha apenas um papel passivo, visto que tudo que se
poderia extrair do texto estaria somente na produção dele.
Essa concepção de leitor anulava totalmente o seu poder de interpretação, ficando,
assim, à mercê do texto, sem a oportunidade de também opinar, comprovar que nem tudo que
está no texto pode ser restrito à sua produção.
Faulstich (2008, p. 23) esclarece o que se deve considerar para que haja o entendimento
de um texto: “Entender um texto é compreender claramente as ideias expressas pelo autor para,
então, interpretar e extrapolar essas ideias. Nesse momento o leitor deve ajustar as informações
contidas no contexto em análise às que ele possui em seu arquivo de conhecimento.”
Entender um texto não se resume apenas a um ato de recepção de forma estática pelo
leitor, contentando-se unicamente com as ideias de quem o produziu. Há o entendimento de um
texto quando o leitor tem ciência daquilo que está a ler e, assessorado por outras leituras, ser
capaz de extrapolar as ideias contidas nele. Nesse processo, o leitor aciona todo o seu repositório
cognitivo disponível para contestar, discernir, inferir, reconstruir e, por fim, construir.
Zilberman (2010, p. 45)) associa a aprendizagem da leitura à habilidade do leitor em
atribuir sentido a ela:
A leitura implica aprendizagem se o texto foi aceito como alteridade com a qual um
sujeito dialoga e perante a qual se posiciona. A leitura implica aprendizagem quando a
subjetividade do leitor é acatada e quando o leitor, ele mesmo, aceita-se como o eu
que perde e ganha sua identidade no confronto com o texto. Que nem todos os leitores
admitem as regras desse processo [...]; que instituições como a escola ainda não
descobriram como trabalhar com esse jogo entre identidade-alteridade, mostra a
trajetória da leitura no ensino da língua portuguesa.
A leitura só pode ser considerada legítima quando o leitor é o sujeito da relação entre
ele e o texto, quando a sua habilidade intelectual é mobilizada a fim de que, de forma autônoma
e consciente, atribua significação ao que leu. Nesse processo, ele pode estabelecer várias linhas
de leitura, já que tal processo tem para o leitor um caráter idiossincrático, independente e ativo.
Essa concepção de leitura garante ao aluno uma formação sólida, consciente do conhecimento
que o texto escrito pode proporcionar e, por outro lado, dos ardis que esse mesmo texto pode
trazer em suas entrelinhas.

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Foucambert (1994, p. 5) atribui um significado especial à escrita e ao processo no


momento da leitura:
Ler significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo, significa que certas
respostas podem ser encontradas na escrita, significa poder ter acesso a essa escrita,
significa construir uma resposta que integra parte de novas informações ao que já se é.

Tal reflexão leva a entender que o primeiro requisito para a leitura é o


autoconhecimento e a autocrítica do leitor em relação ao texto, condição essa que vai
proporcionar a sua compreensão, porque tal compreensão é o somatório do assimilado mais o
cognoscível. Então, se o leitor não tem participação nesse processo, a leitura perde o seu
autêntico significado.
Mas o problema está na política de leitura consagrada pela escola, que ainda se mantém
inflexível quanto à posição subalterna do aluno em relação ao professor, aliás, não somente na
área do ensino de língua, mas também em relação a todas as áreas de ensino. Essa postura
conservadora acaba por fazer com que a o aluno continue subordinado à leitura do professor, e,
assim torne-se um mero reprodutor de ideias. É por ter consciência dessa realidade que, para
Silva (1985, p. 102) “recuperar o significado da leitura da palavra no meio escolar,
transformando as condições de sua realização, não é tarefa das mais fáceis, pois envolve toda
uma história de carências acumuladas e extremamente complexas.”
Orlandi (2012, p. 117) ressalta qual seria a contribuição do professor nas atividades de
leitura:
A contribuição do professor, em relação às leituras previstas para um texto, é
modificar as condições de produção de leituras do aluno, dando oportunidade a que ele
construa sua história de leituras e estabelecendo, quando necessário, as relações
intertextuais, resgatando a história dos sentidos do texto, sem obstruir o curso da
história (futura) desses sentidos.
As ideias da autora supracitada corroboram as ideias de Zilberman, quando da
autonomia do leitor frente ao texto. Seria mais producente envolver o aluno de forma mais
intensa nas produções de leitura, pois ele, como sujeito das suas leituras, terá a chance de
relacioná-la a sua vivência e, com isso, ganhará mais autonomia nesse processo. Nesse contexto,
cabe aqui uma assertiva de Freire (2000, p. 17): “A leitura de um texto tomado como pura
descrição de um objeto, e no sentido de memorizá-la, nem é real leitura, nem dela, portanto,
resulta o conhecimento do objeto de que o texto fala.”
Sobre a concentração da interpretação da leitura nas mãos do professor, Orlandi (2012,
p. 52) tece a seguinte crítica:
A ordem imposta pelo método de ensino ao processo de aprendizagem – método este
que se funda sobre presunções e constrói a representação do aluno-leitor – aponta

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sempre para a não relação com o inesperado, o múltiplo, o diferente. No entanto, esta
relação deveria fazer parte do processo de aprendizagem. Não estamos com isso
propondo que se entregue o projeto pedagógico ao espontaneísmo das relações já
estabelecidas pelo aluno. Mas tampouco aceitamos a imposição (onipresente) do
controle total exercido pela autoridade escolar. O que se propõe é uma relação
dialética entre aprendiz e professor na construção do objeto de conhecimento, no caso
presente, a leitura.
A relação que se estabelece nas práticas de leitura adotadas pela escola é a da
verticalidade entre o conhecimento do professor e o conhecimento do aluno. É como se houvesse
uma leitura única do texto e só o professor dominasse aquela representação textual que guia a
interpretação do aluno. Ao aluno não é dada a voz para que ele chegue às suas próprias
conclusões sobre o que leu, pelo contrário, a ele só é dado o direito de percorrer o caminho, mas
o ponto de chegada já está pré-determinado pelo professor.
Isso não quer dizer também, pela abordagem de Orlandi, que aqui está a se defender a
total permissividade nos projetos pedagógicos de leitura, mas sim, defende-se que exista mais
flexibilidade na relação entre professor e aluno; que o leitor, mesmo na condição de discípulo,
tenha suas opiniões respeitadas; que o professor, mesmo como autoridade máxima da sala de
aula, não se valha disso para impor a sua leitura. Assim, pode-se formar um leitor crítico, com
ideias próprias e, desse modo, ser capaz de ter o domínio sobre a leitura.
Silva (2003, p. 30) assim discorre sobre formação de um leitor crítico:

Ensinar a ler criticamente significa, antes de tudo, dinamizar situações em que o aluno
perceba, com objetividade, os dois lados de uma mesma moeda ou, se quiser, os
múltiplos lugares ideológico-discursivos que orientam as vozes dos escritores na
produção de textos.
A primeira condição para formar um leitor crítico é conscientizá-lo de que a leitura não
é una, ela pode apresentar nuances que desmitificam a ideia de que o leitor não tem nenhuma
influência no ato da recepção do texto. De posse dessa realidade, o aluno já percebe que ele
também é importante na atribuição de sentido ao texto, não sendo apenas um simples receptor
das ideias do escritor. A partir desse pressuposto, de forma paulatina, suas concepções
equivocadas sobre leitura, geralmente consolidadas nos primeiros anos do ensino fundamental,
podem mudar e, consequentemente, transformar-se-á em outro leitor.
Segundo Kleiman (1993, p. 49) “a leitura é uma atividade de procura do passado, de
lembranças e conhecimentos do leitor. O que orienta o ato de ler é a direção, elaboração do
pensamento e sua imagem de mundo.” Essa afirmação quer dizer que a leitura da palavra
mantém uma relação simbiótica com a visão de mundo do leitor, pois diante de uma leitura pode-
se remeter a outras leituras já passadas. No ato de ler há toda uma rede de ideias que se entrelaça

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à medida que se vai explorando o texto. Sendo assim, é inconcebível desvincular a palavra
escrita da palavra do mundo.
Freire (2000, p. 15) faz uma abordagem interessante sobre a leitura do mundo:
Mas, é importante dizer, a “leitura” do meu mundo, que me foi fundamental, não fez
de mim um menino antecipado em homem, um racionalista de calças curtas. A
curiosidade do menino não iria distorcer-se pelo simples fato de ser exercida, no que
fui mais ajudado do que desajudado por meus pais. E foi com eles, precisamente, em
certo momento dessa rica experiência de compreensão do meu mundo imediato, sem
que tal compreensão tivesse significado malquerenças ao que ele tinha de
encantadoramente misterioso, que eu comecei a ser introduzido na leitura da palavra.
Fica evidente que, para o autor, a leitura do mundo é muito mais importante que a
leitura da palavra, pois se entende que é a palavra que está inserida no mundo e não vice-versa.
O acesso à leitura propriamente dita se dá por uma leitura anterior, que é mais profunda e mais
concreta, que faz parte da realidade imediata, proporcionando ao leitor, assim, a imersão no
mundo letrado.
Zappone (2001, p. 47) reforça o comentário acima ao analisar a concepção de leitura
freireana:
Sua concepção de leitura está ancorada numa premissa que poderia ser chamada de
sócio-política. A leitura para ele seria uma interpretação crítica e, de certa forma,
personalizada do que se lê, pois o leitor levaria em conta todo o seu conhecimento
prévio, sua experiência de vida e de leituras anteriores e, acima de tudo, a sua
realidade. Sua concepção de leitura, portanto, supõe para o leitor uma posição de
sujeito no processo de atribuição de significado e não de mero receptor das ideias
veiculadas pelo texto e pelo autor.

Vê-se que a concepção de leitura de Paulo Freire tem um viés político, que pode ser
justificado pela sua posição de não aceitar que a escrita seja tratada como uma prática neutra,
independente das ideologias e do controle social no contexto em que está inserida. Nesse sentido,
jamais o leitor pode deixar de ocupar a sua posição de sujeito em sua relação com a leitura
porque seria o mesmo que renegar sua identidade e sua história de vida.
Ainda, de acordo com Kleiman (1993, p. 49):
Ler é interagir, o ato de ler não se dá linearmente como um processo contínuo,
tranquilo e sem interrupções. Ao contrário, é uma operação mental complexa, marcada
por tensões, porque envolve ativamente a pessoa que lê, não é fácil, exige esforço
mental e físico.
Engana-se quem pensa que a leitura é um processo simples, essa atividade intelectual
requer previsões, especulações, dúvidas, inferências, negações, enfim uma série de elementos
que se entrecruzam na mente do leitor. A mobilização desses elementos, por sua vez, implica um
trabalho árduo e sofrível, tanto em relação ao aspecto físico, como em relação ao intelectual.

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Mas é justamente por ser um processo complexo que a leitura se torna um bem
inestimável para o indivíduo, pois o seu domínio pode significar libertação e participação social.

1.4.3 O Papel do Professor na Prática da Leitura

Bezerra (2010, p. 67) afirma que todo professor deve estar plenamente consciente da
importância da leitura para todas as áreas de conhecimento que constituem o currículo escolar:
A leitura como meio de ensino implica o reconhecimento de que, independentemente
da área de conhecimento específico de cada professor, a aprendizagem dos diversos
conteúdos implica necessariamente o trabalho com a leitura e a compreensão de
textos. Nesse sentido, todo professor deve, primeiro, constituir-se a si próprio como
leitor proficiente, sob pena de não dispor das condições minimamente necessárias ao
ensino de seu objeto de conhecimento.

O óbvio, mas, para isso, os professores ainda não se atentaram é que as atividades de
leitura devem ser desenvolvidas em quaisquer das disciplinas que fazem parte do currículo
escolar. Além disso, essas atividades devem ser articuladas de modo que elas não fiquem
limitadas apenas à pedagogia tradicional de leitura, em que o texto, geralmente, é usado
simplesmente como pretexto.
É necessário um trabalho interdisciplinar. A harmonização dos conteúdos das diversas
áreas é de extrema importância, considerando-se que uma proposta dessa natureza requer
concepções e processos metodológicos consistentes por parte de todo o corpo docente da escola.
Os PCNs (1997, p. 48) chamam a atenção quanto ao papel do professor nos projetos de
leitura:
Em se tratando da área de Língua Portuguesa, o professor também terá outro papel
fundamental: o de modelo. Além de ser aquele que ensina conteúdos, é alguém que
pode ensinar o valor que tem, demonstrando o valor que tem para si. Se é usuário da
escrita de fato, se tem boa e prazerosa relação com a leitura, se gosta verdadeiramente
de escrever, funcionará como um excelente modelo para seus alunos. Isso é
especialmente importante quando eles provêm de comunidades pouco letradas, onde
não participam de atos de leitura e escrita junto com adultos experientes. Nesse caso,
muito provavelmente, o professor será a única referência.
O professor não deve ser apenas um espectador nessas atividades, ele também deve se
envolver nas situações de leitura, sendo coparticipante e, com isso, mostrando o valor da leitura
para os seus alunos. Ele não pode propor uma atividade de leitura ou de escrita e ficar apenas na
condição de um fiscal, a observar quem está envolvido nas atividades e quem não está. Pelo
contrário, sua postura deve ser também de leitor ou de escritor, uma vez que esse procedimento
serve como exemplo para os alunos, pois eles gostam de ver o professor seduzido pelo que faz.

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Ressalte-se também que esse momento na sala de aula pode ser único e especial, muitos
alunos das classes populares têm a oportunidade de interagir e adquirir um conhecimento mais
aprofundado é unicamente na escola, por isso, o papel do professor ser tão fundamental.
Em pesquisa realizada por Kramer (2001, p. 52) para saber o grau de comprometimento
do professor com a leitura, eis um dos seus principais questionamentos: “Como pode um
professor que não gosta de ler e de escrever, que não sente prazer em desvendar os sentidos de
um texto, tornar seus alunos pessoas que gostem de ler e escrever?”. A autora não entende como
um professor não gosta de ler e de escrever e, paradoxalmente, é lhe dada a incumbência de
ensinar essas práticas aos seus alunos para torná-los leitores. Isso é o que se pode denominar
literalmente de contrassenso, posto que “toda a retórica pedagogista se funda sobre esse
argumento: podemos ensinar mal o que não se conhece bem. Talvez seja verdadeiro. Mas há
outra verdade, essa incontestável: jamais poderemos ensinar bem o que conhecemos mal.”
(Zilberman, 2010, p. 106)
Bezerra (2012, p. 71) faz uma avaliação crítica da formação do professor e do aluno
quanto à aprendizagem da leitura:
Pode-se argumentar no sentido de que os alunos, e mesmo os professores, foram
formados dentro dessa tradição que consagra determinados tipos de práticas, como a
cópia e a identificação de informações explícitas no texto – uma habilidade que requer
tão-somente a mobilização do conhecimento acerca do código da língua – como
centrais no processo de ensino, prejudicando ou inviabilizando a aprendizagem dos
procedimentos complexos aos quais recorremos para ler.
Essa é uma das razões pelas quais, segundo a autora, os alunos apresentam um
rendimento baixíssimo na leitura: as atividades de leitura propostas a eles, em sua maioria, têm
como principal objetivo a repetição do que está no texto. A partir dessa constatação, não se pode
esperar muito quanto ao progresso dos mesmos na competência leitora, tendo em vista que são
vítimas de um ciclo vicioso no qual o professor lhes ensina da mesma forma que foi ensinado.
Paulino et al. (2001, p. 28) critica severamente tal proposta de prática de leitura e assim
expõe seu ponto de vista:
No âmbito escolar, em que as atividades de leitura fazem parte de um projeto de
ensino, de uma pedagogia, a leitura mostra-se como uma técnica e uma prática que
não podem se esgotar na decodificação dos signos escritos ou nos limites impostos
pela frase. A partir do momento em que o leitor e a leitura são vistos como elementos
integrantes da produção de sentido, o circuito texto/leitor deixa de ser pensado como
uma direção de mão única, em que as significações saltariam do texto e o leitor
permaneceria preso irremediavelmente às malhas das letras.

Subentende-se que a leitura como a prática de decodificação só pode ocorrer naqueles


ambientes escolares em que não há um projeto de ensino de língua consistente, comprometido

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com a formação do leitor competente. Nesses ambientes, o conceito de leitura ainda está preso às
amarras da pedagogia tradicional, cuja finalidade para formar o leitor é fazer com que ele seja
hábil na arte de reproduzir.
Quando, ao contrário, tem-se um projeto de ensino arrojado, inovador, distinto daqueles
que têm como proposta principal a prática da leitura pela leitura, aí sim, pode-se vislumbrar a
formação de um leitor consciente e capaz de dialogar com o texto, já que ambos são
indissociáveis. Em tal diálogo, o leitor exerce primazia sobre o texto porque penetra em seus
meandros e, à medida que vai penetrando, o caminho de leitura se ramifica e, com isso, depende
dele a direção a seguir.
Silva (2005, p. 75), em sua dissertação de mestrado, chega a essa conclusão:
[...] mesmo quando os professores reconhecem a importância da leitura e da prática
(sic) para a aprendizagem dos conteúdos de suas disciplinas, utilizam como argumento
para não se envolverem em questões sobre o letramento a necessidade de trabalhar o
conteúdo específico de sua disciplina. Acredito, no entanto, que esses argumentos
escondem a questão principal: a falta de uma reflexão aprofundada sobre a linguagem,
leitura e escrita, e sobre seus usos e funções nos diferentes espaços em que é utilizada.
Sem essa reflexão, os professores possivelmente sentem-se inseguros, pois não sabem
o que significa efetivamente ler e, portanto, também não sabem como desenvolver
práticas de leitura eficazes em suas aulas.
Segundo tal estudo, existem professores que têm conhecimento da importância do
domínio da leitura pelo aluno. Eles podem até ter vontade de desenvolver a prática, o problema
está na falta de preparo para esse desafio. É um desafio porque, para desenvolver uma prática de
leitura producente, é indispensável que haja uma mudança radical, partindo-se daquelas práticas
tradicionais que são desenvolvidas sob o rótulo de leitura para um trabalho focado na leitura
como produto da interação verbal.
Observe-se esta apreciação feita por Zappone (2001, p. 201), em sua tese de doutorado,
sobre o modelo do aluno leitor no cotidiano escolar:
Relacionado a uma concepção mais estruturalista de linguagem e de texto, o aluno
leitor é capaz de identificar e apreender as ideias contidas no texto. Assim, quanto
mais capazes de reproduzir o conteúdo referencial de um texto, melhores leitores serão
os alunos. Esta imagem de aluno é estática, pois ele pouco ou quase nunca pode
interferir no sentido do texto, pois este já é dado, indiferentemente das circunstâncias
em que seja feita a leitura. Algumas atividades, como questionários atestam o
direcionamento dado pelo professor para a referencialidade e para a literariedade do
texto e deixam entrever esta imagem de aluno em questão.

Consoante a apreciação da autora, a concepção de aluno leitor está atrelada a sua


capacidade de retirar corretamente as informações do texto e reproduzir tais informações, sem
direito algum de contestação nem de interferir no sentido do texto. Não é aquele sujeito intruso,

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que pode levantar uma série de possibilidades de leitura, sua atuação é circunscrita apenas ao
código escrito.
Esse é o modelo de aluno leitor que a escola ainda considera como o leitor ideal, que
não contesta, que não se rebela contra o sentido do texto, que não tem direito de expor suas
incertezas diante do que lê.
Pela constatação do trabalho de pesquisa de Zappone (2001, p. 205), não existe na
escola uma harmonia de ideias para uma implementação de política de leitura com objetivos
definidos para uma mesma finalidade. Assim o aluno fica na situação abaixo descrita:
O leitor escolar adapta-se à expectativa de leitura criada em sua sala de aula e passa a
desenvolver maneiras de ler específicas para cada disciplina ou de acordo com a
concepção de leitura de cada professor. Ele busca sempre alcançar os resultados
esperados para cada situação de ensino onde a leitura seja requisitada. Assim, a boa
leitura, na aula de Ciências, por exemplo, será aquela capaz de reproduzir os
conteúdos da unidade; na aula de Literatura, a reprodução das características de obras
e autores.
É evidente que não há uma política de leitura interdisciplinar que norteie o trabalho
pedagógico para que sejam auferidos resultados similares. Pelo contrário, prevalece a
intradisciplinaridade, em que cada docente se preocupa apenas com os conteúdos de sua
disciplina e conduz o processo de leitura conforme sua concepção, sem se preocupar se aquele
processo metodológico é mais apropriado para formar o aluno leitor.
Nesse sentido, essa política de leitura tem de ser repensada urgentemente, sob pena de
continuar formando analfabetos funcionais.

1.4.4 Leitura e Escola

Sabe-se que o domínio leitura é o passaporte para que o aluno adquira os


conhecimentos necessários para ter um bom aproveitamento, não somente na área do ensino de
língua, como também nas outras áreas que compõem o currículo escolar. Apesar de essa
atividade ter tamanha importância, a escola não conseguiu ainda implementar uma política de
leitura eficaz, que proporcione ao seu aluno a aquisição das habilidades essenciais para chegar à
competência leitora. Diante disso, Kramer (2001, p. 6) alerta:
Um dos grandes desafios da escola brasileira é permitir o acesso a essa produção
cultural para que o professor e a professora assumam o papel de mediador entre as
crianças e o conhecimento: - Num contexto como o brasileiro, no qual temos uma
desigualdade tão acentuada e, portanto uma situação de exclusão de parcelas
significativas da população, a possibilidade de acesso à leitura/escrita se dá
principalmente pela escola.

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O fragmento acima deixa claro que a escola deve tomar para si a responsabilidade de
levar a produção cultural aos alunos das classes menos desfavorecidas da sociedade, já que, para
esses alunos, a escola é o principal elo que pode aproximá-los tanto da leitura como também da
escrita. Nesse caso, professor e professora devem estar bem cientes da sua responsabilidade:
mediar esse processo de aprendizagem que depende essencialmente da atuação deles.
Feitosa (2008, p. 28) chama atenção para a responsabilidade da escola no que concerne
à aprendizagem da leitura e também da escrita pelos alunos:
Nesse contexto, a escola, enquanto instituição social considerada democrática por
excelência, torna-se o local privilegiado para viabilizar as condições propícias ao
ensino e aprendizagem das práticas leitora e escritora, em especial, àqueles que têm
menos oportunidade de vivenciar situações cotidianas de leitura e escrita, a fim de que
essa carência não constitua um obstáculo ao progresso educacional dessas crianças e
jovens e ao consequente exercício da cidadania.

A autora considera a escola como a instituição que pode alçar o aluno à condição de
participante ativo na sociedade, devido ao seu suposto status de promotora da equidade social.
Sabe-se que, na maioria dos lares brasileiros, as crianças e os jovens não são incentivados a ler, o
que já lhes impinge uma desvantagem para sua vida escolar. Então, só resta a eles a escola para
que não sejam penalizados.
Além de acolhê-los, a escola tem de respeitar também a diversidade cultural dos seus
alunos. Não se pode impor a prática da escrita a uma determinada comunidade linguística se tal
prática não condiz com a sua cultura, fator decisivo para a aceitação ou não de uma dada
tecnologia. Nesse sentido, é oportuno aqui destacar uma conclusão de Orlandi et al. (2007) que
exemplifica o que foi afirmado acima: as línguas indígenas são por natureza orais, o que
contradiz a sua submissão ao uso escrito da língua portuguesa. A autora chegou a essa conclusão
porque existem políticas linguísticas no Brasil que tentam submeter tais línguas à prática da
escrita na escola, mas não obtêm o êxito desejado. Eis aí, então, o fator preponderante para tal
fracasso: as diferenças de cultura.
A preocupação de Lajolo (2001, p. 105) é no sentido do desinteresse das pessoas em ler
espontaneamente e assim se expressa:
O ato de ler foi de tal forma se afastando da prática individual que a tarefa que hoje se
solicita de profissionais da leitura, como professores, bibliotecários e animadores
culturais, é exorcizarem o risco da alienação, muito embora eles possam acabar
constituindo elo a mais na e agora inevitável cadeia de mediadores que se interpõem
entre o leitor e o significado do texto.

A leitura no plano ideal deveria ser de livre iniciativa por parte do leitor, sem a
intervenção de intermediários para se constituírem em um elo entre ele e o texto. A busca da

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leitura deve ser espontânea, o verdadeiro leitor se orgulha das leituras realizadas e vive
incessantemente a procurar novas leituras, esse é o seu maior prazer. Quando, ao contrário, o
leitor é compelido a ler, perde-se toda a essencialidade do processo de leitura, o que a torna
uma atividade apenas mecânica.
Na atualidade, existem muitos projetos culturais que têm como principal objetivo
formar leitores, pois, nos últimos tempos, houve um retrocesso quanto às iniciativas individuais
de leitura. A atividade de leitura, devido às novas tecnologias perdeu espaço entre as crianças e
os jovens, tornando-se, assim, uma prática mais desenvolvida pelo público mais adulto.
Bamberger (2006, p. 10) compartilha da preocupação da autora acima citada acerca do
retrocesso da prática da leitura entre as crianças:
A leitura é dos meios mais eficazes de desenvolvimento sistemático da linguagem e da
personalidade. Trabalhar com a linguagem é trabalhar com o homem. Se psicólogos de
Viena descobriram que, atualmente, a aptidão das crianças vienenses para a linguagem
retrocedeu, ao passo que aumentou seu talento técnico, isto é algo que deve nos
inquietar como seres humanos, do ponto de vista da educação geral. Significa que o
elemento humanitário está enfraquecendo e a capacidade de compartilhar uma
experiência, por simpatia e valorização, está diminuindo.
A leitura tem importância capital na formação da personalidade do homem porque é
resultado da linguagem que, por sua vez, é um fenômeno inerente à condição humana. Por
conseguinte, à medida que o indivíduo ler e avança no domínio da linguagem, avança também na
sua formação como humano. Isso quer dizer que a existir uma não pré-disposição das crianças
em ler, consequentemente, haverá um comprometimento em sua personalidade e, futuramente,
poderão ser adultos que venham a ter problemas nas relações sociais.
Nesse sentido, Paulino et al. (2001, p. 35) vincula o domínio da leitura à condição da
convivência do indivíduo na sociedade:
Desde o momento em que aprendemos a ler, entramos no mundo da escrita e
subordinamo-nos às suas leis, reforçando nossa condição social, marcada pela
aquisição da linguagem. Não é sem razão que autores como Goody mostram que a
escrita liga-se ao controle, às leis sociais. Se sei ler, estou pronto para conhecer a lei,
não podendo mais desrespeitá-la impunemente. Por outro lado, estou pronto também
para me deixar seduzir pelo texto e pelos mundos que ele configura. Assim, como no
pacto com o diabo, sedução e repressão se instalam no próprio processo de
alfabetização e letramento.

A partir de tal comentário, pode-se afirmar que a aprendizagem da leitura nas


sociedades grafocêntricas se configura como um dos principais elementos, senão o principal, que
faculta ao indivíduo os conhecimentos necessários para viver conforme suas regras. Mesmo
sendo uma habilidade adquirida, nem por isso a leitura deixa de ser um fenômeno intrínseco ao

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homem nas sociedades letradas, pois ele depende dela para manter as relações sociais, como
também para sua realização pessoal.
Os PCNs (1998, p. 54), ao fazer uma crítica ao tratamento didático dado à leitura pela
escola, tece o seguinte comentário:
A leitura na escola tem sido fundamentalmente, um objeto de ensino. Para que possa
constituir também objeto de aprendizagem, é necessário que faça sentido para o aluno,
isto é, a atividade de leitura deve responder do seu ponto de vista, a objetivos de
realização imediata. Como se trata de uma prática social complexa, se a escola
pretende converter a leitura em objeto de aprendizagem deve preservar sua natureza e
sua complexidade de textos e de combinações entre eles. Significa trabalhar com a
diversidade de objetivos e modalidades que caracterizam a leitura, ou seja, os
diferentes ‘para quês’ – resolver um problema prático, informar-se, divertir-se,
estudar, escrever ou revisar o próprio texto – e com as diferentes formas de leitura em
função de diferentes objetivos e gêneros: ler buscando as informações relevantes, ou o
significado implícito nas entrelinhas, ou dados para a solução de um problema.
Entende-se, conforme o comentário acima, que a escola tem dado um tratamento
equivocado ao processo ensino-aprendizagem da leitura. Esse equívoco se explica pelo fato de a
prática da leitura ser focada a partir da didática do ‘como se ensina’ quando, na realidade, deve
ser focada também a partir da didática do ‘como se aprende’. Significa dizer que as propostas
pedagógicas de leitura não têm de atender apenas aos objetivos traçados pela escola para ela ser
ensinada, mas, necessariamente, têm de atender aos anseios do aluno, ou seja, é preciso que
tenha também um significado para ele.
Para Kleiman (2012, p. 42),
Ninguém gosta de fazer aquilo que é difícil demais, nem aquilo do qual não consegue
extrair o sentido. Essa é uma boa caracterização da tarefa de ler em sala de aula: para
uma grande maioria dos alunos ela é difícil demais, justamente porque ela não faz
sentido.
Como bem esclarece a autora à qual se fez referência acima, o grau de dificuldade do
aluno em ler está relacionado ao sentido que a leitura tem para ele. Se essa leitura não faz
sentido, é óbvio que essa tarefa se torne de extrema dificuldade. Como a escola ainda não
reconheceu esse equívoco, continua nesse contrassenso e, consequentemente, grande parte dos
alunos não se sente atraída para ler.
Kramer (2001, p. 150) não discorda de colocar o leitor no centro das produções de
leitura, mas faz a seguinte ressalva:
E qual o contexto escolar das atividades em que se institui a obrigação de ler neste ano
tal livro para qual dia? Em que contexto escolar podem se instituir práticas reais de
leitura? O pretexto da leitura querida, escolhida, procurada, conquistada é o da
liberdade; o subtexto da leitura-obrigação é a obediência. Entre uma e outra, múltiplas
formas de ação e criação de leitura. Superando dialeticamente uma e outra, é preciso
garantir condições de produção de leitura.

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A autora chama a atenção para o fato de que nem sempre a liberdade de escolha para ler
é a melhor solução para tornar o aluno leitor. Se na escola não há condições de pôr em execução
práticas de leitura que realmente estejam comprometidas com uma proposta inovadora e que
também não atendam às expectativas dos alunos, a concepção da liberdade de leitura pode se
transformar em mais uma tentativa fracassada quanto ao desafio de fazer do aluno um autêntico
leitor.
Desse modo, Kramer considera as condições de produção de leitura como o bastião para
que se obtenha o êxito esperado, independentemente de que a proposta de leitura seja por
obrigação ou por livre escolha.
Feitosa (2008, p. 40) lança a seguinte problemática à escola no que tange ao seu desafio
para tornar a leitura uma prática com significação e atratividade para os jovens:
Alçar a leitura a uma escala de valores para que se torne uma prática cotidiana na vida
de nossos jovens e adolescentes impõe-nos mudanças de concepções na busca por
respostas a questões básicas que envolvem essa prática social, particularmente, no
âmbito da instituição escolar. O que é a leitura? Como ensiná-la? Qual a forma para
convertê-la em uma atividade significativa e prazerosa que extrapole os muros da
escola?
O pensamento acima exposto pela autora leva a entender que o problema em relação à
resistência dos jovens à leitura está no modo como a escola concebe e desenvolve sua política da
prática dessa atividade. A escola ainda não descobriu a verdadeira acepção da leitura e também
ainda não encontrou a forma mais adequada para ensiná-la e, nesse impasse, fica a problemática
em relação às reais possibilidades de envolver os jovens no mundo da leitura, tanto dentro da
escola quanto fora dela.
Feitosa (2008, p. 58), tendo como referência a concepção de leitura de Geraldi et al.
(2006),6 faz a seguinte apreciação:
(...) ler pelo simples prazer de ler não é uma atividade exclusiva do texto literário, já
que podemos ir a outros textos, dependendo de nossos interesses, de forma gratuita,
desinteressada, para satisfação própria, quando, por exemplo, lemos um jornal pelo
prazer de informar-nos, um panfleto de viagem pela alegria de conhecer novos lugares
(...)
O prazer de ler não está, necessariamente, associado à leitura do texto literário. O prazer
da leitura está vinculado à iniciativa do leitor na busca pelo texto ideal, independentemente de
seu gênero. Há pessoas que não leem literatura, no entanto, são leitores assíduos de outros
gêneros textuais. Até mesmo um dicionário pode proporcionar prazer ao leitor, depende de seu
objetivo. Caso o objetivo seja atingido, obviamente, é prazer realizado.

6
Geraldi, J. V. et al. (2006). O texto na sala de aula. 4ª edição: São Paulo: Ática.

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E, para que a escola obtenha êxito na sedução do aluno pela leitura, é essencial que essa
instituição priorize o trabalho com a diversidade de textos, das mais variadas espécies e com os
mais variados objetivos. Dessa maneira, a escola pode ter proficiência nesse desafio, já que “uma
prática de leitura que não desperte e cultive o desejo de ler não é uma prática pedagógica
eficiente.” (PCNs, 1998, p. 58)
Mas Paulino et al. (2001, p. 30) chamam a atenção para o seguinte:
Não basta fazer circular os textos em sua diversidade na escola, é preciso também
aparelhar os alunos para sua recepção. Para isso, faz-se necessário explicitar as
diferentes estratégias de composição textual, que resultam em diferentes tipos de
texto: informativos, opinativos, didáticos, literários, entre outros. Mais que discutir a
validade de tais classificações, importa analisar os textos em sua composição,
observando o contexto de sua produção, circulação e consumo. Não se pode ler um
poema como se lê uma crônica ou uma notícia de jornal, embora esses textos possam
estar em constante interação.

Fazer circular textos diversos no ambiente escolar não é garantia por si somente de que
o trabalho didático no ensino de língua traga bons resultados. De nada importa pôr em prática
uma estratégia de ensino inovadora e eficaz, se o mentor de tal estratégia não mudar também sua
postura frente a ela. E o trabalho com a diversidade textual envolve muitos aspectos inerentes à
língua, o que requer um trabalho bem orientado para que os objetivos pré-estabelecidos sejam
atingidos.
Um dos pressupostos para o desenvolvimento de tal prática é o conhecimento prévio de
que o texto não se encerra apenas no seu código linguístico. Ao ter consciência disso, as
possibilidades de exploração e extrapolação do texto são inúmeras, o que proporciona aos alunos
a oportunidade de conhecer os diversos elementos que estão envolvidos na produção de um
texto.
Beltran (1989, p. 120) assim descreve a metodologia adotada pelo professor para
trabalhar a leitura na escola:
É comum o professor preocupar-se apenas com a quantidade de leitura, sem atentar
para a qualidade. A leitura feita segundo essa metodologia de quantidade torna-se
muito estanque. Cada aluno lê, faz seu relatório de leitura para o professor, mas
não são criadas condições próprias para a discussão das leituras efetuadas, em que
cada um poderá expor suas opiniões sobre o livro lido. Torna-se uma atividade
isolada de leitura, que não atende às finalidades.
O autor do trecho destacado tece uma crítica à atitude da escola em priorizar a
quantidade em detrimento da qualidade da leitura. Segundo ainda o autor, ao aluno não são dadas
oportunidades reais de apresentar suas ideias, seus pontos de vista, o que, consequentemente, faz
da leitura na escola uma atividade desinteressante e contraproducente.
Sobre a leitura na escola, Prestes (1999, p. 15) concorda com a crítica do autor anterior:

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Quando se trabalha a leitura na escola, em geral, este é um quadro que ainda se


apresenta: se são textos de maior fôlego, o objetivo é só preencher as famosas fichas
de leitura que, muitas vezes, até já vêm prontas das editoras. E quando se trabalham
pequenos textos, estes são retirados de livros didáticos que não possuem tipologia
textual variada nem temas que realmente despertem o interesse do aluno – textos esses
cuja análise, muitas vezes, se limita a responder perguntas óbvias.

A leitura praticada pela escola é, desse modo, caracterizada como uma atividade que
atende apenas às formalidades didáticas, com objetivos estanques bem definidos e sem nenhum
dinamismo. Geralmente, as estratégias de seu ensino fundamentam-se exclusivamente em propor
atividades que não proporcionam ao aluno desenvolver sua criatividade, mas sim, reproduzir o
que foi lido.
Ferrarezi (2007, p. 51) tece uma crítica incisiva aos métodos utilizados pela escola para
ensinar o aluno a ler:
[...] a escola usa a leitura contra o aluno, não a favor dele. Desde os primeiros dias na
escola, que coincidentemente ocorrem numa das fases de formação psicológicas mais
delicadas das crianças, elas percebem que a leitura é um conhecimento que ainda não
detêm e que é usado contra elas nos procedimentos corriqueiros da escola.
A escola, nesse caso, já inicia o processo de formação do leitor de forma equivocada, a
penalizar as crianças antes mesmo de elas saberem a verdadeira utilidade da leitura. É por isso,
que a maioria das crianças cria aversão à leitura e lê mais por imposição da escola do que por sua
própria iniciativa, tornando-se futuramente maus leitores.
Lajolo (1993, p. 108) afirma que
A prática de leitura patrocinada pela escola precisa ocorrer num espaço de maior
liberdade possível [...] a leitura só se torna livre quando respeita, pelo menos em
momentos iniciais do aprendizado, o prazer e a aversão de cada leitor em relação a
cada livro.
Compreende-se que, nos primeiros encontros entre os pequenos leitores e as leituras,
deve já haver certo cuidado para que esses encontros se iniciem de modo agradável para que
aconteçam outros encontros. Portanto, é importante que os pequenos leitores nesses momentos se
sintam à vontade diante das leituras, tenham suas preferências em relação a elas, porque essas
situações podem ser decisivas para formação ou não de futuros leitores.
Kleiman (1993, p. 16) também não poupa críticas à metodologia das práticas de leitura
desenvolvidas pela escola: “As práticas desmotivadoras, perversas até, pelas consequências
nefastas que trazem, provêm, basicamente, de concepções erradas sobre a natureza do texto e da
leitura, e, portanto, da linguagem.”
Pela reflexão da autora, os problemas no ensino da leitura advêm da concepção
equivocada da escola sobre o que é o ensino de língua portuguesa, desenvolvido ainda com
práticas obsoletas que não atraem os alunos para as atividades didáticas relacionadas ao estudo

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da linguagem. A escola ainda não entendeu que os tempos mudaram, os alunos na era da
tecnologia são outros e, consequentemente, as exigências do ensino-aprendizagem também são
outras.
Desse modo, cabe àqueles que estão à frente do ensino da leitura proporcionar as
condições necessárias às crianças e aos jovens para que eles, por vontade própria, busquem a sua
realização no ato de ler.

1.4.5 O Leitor Competente

Entende-se que, para a leitura fazer sentido para o leitor, é essencial que ele tenha o
domínio dessa prática, isto é, que conte com todos os requisitos necessários a fim de tirar o maior
proveito dela. Nesse sentido, cabe à escola formar um leitor competente, formação essa que pode
ser assim definida pelos PCNs (1997, p. 54):
Formar um leitor competente supõe formar alguém que compreenda o que lê; que
possa aprender a ler também o que não está escrito, identificando elementos
implícitos; que estabeleça relações entre o texto que lê e outros textos já lidos; que
saiba que vários sentidos podem ser atribuídos a um texto; que consiga justificar e
validar a sua leitura a partir da localização de elementos discursivos.

Consoante essa concepção, a competência do leitor está condicionada a suas habilidades


de ler nas entrelinhas do texto, ou seja, deve-se ler buscando captar também aquilo que nele está
subentendido. Além disso, é pressuposto fundamental para um leitor competente saber fazer
relações intertextuais entre a leitura que está a fazer e o conhecimento anterior que ele já
adquiriu por meio de outras leituras. Dessa maneira, estará apto a atribuir significados coerentes
a partir dessa leitura.
Lajolo (1982, p. 53) dá a seguinte definição de leitor maduro: “Leitor maduro é aquele
para quem cada nova leitura desloca e altera o significado de tudo o que já leu, tornando mais
profunda sua compreensão dos livros, das gentes, e da vida”. Nesse caso, a maturidade do leitor
está relacionada a sua capacidade de recorrer a outras leituras antes realizadas e, a partir disso,
viabilizar a apreensão do teor do texto aliada a sua visão de mundo.
Chauí (1980, p. 25) chama a atenção para a relação entre leitor e texto e, assim, afirma:
O diálogo do aprendiz de natação é com a água, não com o professor, que deverá ser
apenas mediador deste diálogo aprendiz-água. Na leitura, o diálogo do aluno é com o
texto. O professor, mera testemunha deste diálogo, é também leitor e sua leitura é uma
das leituras possíveis.
Ao fazer uma comparação entre o ato de ler e uma atividade plenamente física, que é a
prática da natação, a autora destaca a importância do papel daquele que está ali para instruir o

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aprendiz. Conforme essa tese, o papel do professor é apenas intermediar a relação entre o aluno e
o texto, ele é apenas um parceiro nesse processo e tanto um quanto o outro podem chegar a
conclusões distintas sobre uma mesma leitura que realizaram.
Paulinho et al. (2001, p. 29) apresenta as características do leitor ideal, fundamentado
numa concepção de leitura interativa:
Importa perguntar, pois, qual o papel da escola na formação do leitor. Não o leitor
obediente, que preenche devidamente fichas de livros ou reproduz com propriedade
enunciados textuais. Mas o leitor que, instigado pelo que lê, produz sentido, dialoga
com o texto, com os intertextos e com o contexto, ativando sua biblioteca interna,
jamais em repouso. Um leitor que, paradoxalmente, é capaz de se safar até mesmo das
camisas-de-força impostas pela escola e pela sociedade, na medida em que produz
sentidos que fogem ao controle inerente à leitura e à sua metodologia.
O autor caracteriza como o bom leitor aquele que em sua leitura é capaz de encontrar
significado nela, capaz de interagir com o texto e, nessa interação, emaranhar-se em suas ideias.
O leitor competente não é aquele que considera o texto sob uma perspectiva de um produto
acabado, mas sim, aquele que, ao entrar em contato com o texto, já tenha consciência de que
naquele momento vai iniciar-se, na verdade, a sua construção. Além disso, o autor ainda coloca
como condição para a formação do leitor a sua capacidade de manter o domínio sobre a leitura
além dos muros da escola.
Então, se a escola pretende formar leitores na mais completa acepção da palavra,
necessariamente tem de implementar uma política de leitura que tenha o indivíduo como um ser
autônomo, ‘senhor’ da palavra no ato de ler.

1.4.5.1 Literatura e Literariedade

1.4.5.1.1 Conceito

Etimologicamente, literatura “significa saber relativo à arte de escrever e ler, gramática,


instrução, erudição” (Silva, 1988, p.2). Entretanto, com o passar do tempo, essa palavra adquiriu
um caráter plurissêmico, tornando-se quase impossível atribuir-lhe um conceito satisfatório que
dê conta plenamente da complexidade do que é hoje a literariedade.
O primeiro estudioso a se preocupar para fazer um estudo sistemático da arte literária
foi o filósofo grego Aristóteles, 384-322 a.C. “Para Aristóteles todas as modalidades poéticas
[...] dependem da mímese (imitação), isto é, são formas de imitação” (Pires, 1981, p. 27). Essa
imitação é fundamentada na realidade humana e depende muito do poder de imaginação e
criatividade do artista.

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Porém, Aristóteles condicionava a qualidade da obra literária, além do poder de


imaginação e criatividade do artista, à probabilidade, à verossimilhança e à necessidade no
interior da obra de arte. “Numa obra-de-arte literária tudo deve ser provável, verossímil e
necessário” (Pires, 1981, p. 27). Provável se refere à lógica interna do texto, pois o artista deve
estruturá-lo de forma que tudo seja conveniente; verossímil diz respeito à semelhança com a
verdade, ou seja, mesmo que a obra seja resultado da imaginação do artista, deve parecer que é
real; e necessário faz alusão aos elementos que são essenciais à construção da obra literária, isto
é, tudo aquilo que dá verossimilhança a ela.
Van Loon7, citado por Ledo e Martins (2001, p. 1), dá o seguinte conceito sobre
literatura: “é universal, mas não está ligada em particular a este ou àquele país ou período
histórico. É de fato tão antiga quanto a raça humana e é inerente ao homem, como são parte dele
os olhos ou os ouvidos, a fome e a sede.” Infere-se por esse conceito que a literatura é um bem
cultural que está atrelado ao homem de forma intrínseca e, por isso, é considerado um bem
inalienável sob quaisquer hipóteses. Essa concepção de literatura leva-se a imaginar o grau de
congenialidade entre ela e o homem, mesmo porque, já nos seus primórdios, o homem já se valia
da literatura oral, pois as lendas são de tempos tão imemoriais quanto o ser humano.
O conceito de literatura defendido pelo Formalismo Russo, grupo de estudantes da
Universidade de Moscou que fundou o Círculo Linguístico de Moscou entre 1914-1915,
colocava a forma sobreposta ao conteúdo da linguagem. Eagleton (1997, p. 5) assim define o
postulado dessa corrente literária: “Os formalistas, portanto, consideravam a linguagem literária
como um conjunto de desvios da norma, uma espécie de violência linguística: a literatura é uma
forma especial de linguagem, em contraste com a linguagem comum, que usamos
habitualmente.”
Consoante tal abordagem, qualquer construção linguística que contrarie a norma é
linguagem literária. Desse modo, em todas as situações em que há uma transgressão ao uso
comum da linguagem, está a se fazer literatura.
Eagleton (1997, p. 5) refuta tenazmente essa tese, principalmente, ao contra-argumentar
que “a ideia de que existe uma única linguagem normal, uma espécie de moeda corrente usada
igualmente por todos os membros da sociedade, é uma ilusão.” A linguagem é suscetível a
variações, a depender de grupos linguísticos, das situações de uso, etc., então a concepção de que
existe uma linguagem ideal para todas as circunstâncias, segundo a teoria dos formalistas, por si
só, já mostra a sua fragilidade científica.

7
Historiador e jornalista neerlandês.

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O poeta Ezra Pound8, citado por Nicola (1993, p. 63), dá a seguinte conceituação de
literatura:
Literatura é a linguagem carregada de significado. Grande literatura é
simplesmente a linguagem carregada de significado até o máximo grau possível. A
literatura não existe no vácuo. Os escritores, como tais, têm uma função social
definida, exatamente proporcional à sua competência como escritores. Essa é a sua
principal utilidade.

A literatura vista por esse ângulo é eminentemente plurissêmica, sua essência está na
carga semântica que os escritores atribuem às palavras, sem a qual, o texto não adquire a
literariedade. A linguagem literária extrapola a semântica convencional e lança a palavra em
outras dimensões, desafiando o leitor a descobrir o conteúdo da mensagem pela sua perspicácia
de leitura.
O que dá sentido ao texto literário é a sua capacidade de interligar aquilo que está no
plano da abstração àquilo que está no plano da realidade. E, para isso, é imprescindível a
habilidade dos escritores em fazer o uso devido das palavras, de forma que essas palavras
ganhem conotações que levem o leitor às suas reflexões e, consequentemente, às suas inferências
sobre o texto lido. Caso os escritores não consigam atingir esse objetivo, não se pode considerar
que estão a fazer literatura.
Para Silva (1988, p. 29), uma definição que poderia atender à complexidade que o termo
‘literatura’ requer atualmente, seria “o conjunto de propriedades específicas da arte que se
designa por literatura.” Entende-se que essas propriedades específicas seriam as características
que distinguiriam a arte literária das outras artes, visto que há uma série dessas características
que, de certa maneira, repetem-se ao longo da produção literária ocidental. No entanto, fica clara
a lacuna deixada por essa definição porque as tais propriedades não ficam tão explícitas para que
se detecte a literariedade em uma obra.
Eagleton (1997, p. 13) nem mesmo ousa conceituar literatura e assim se expressa:
“nenhuma obra, e nenhuma avaliação atual dela, pode ser simplesmente estendida a novos
grupos de pessoas sem que, nesse processo, sofra modificações, talvez quase imperceptíveis. E é
essa uma das razões pelas quais o ato de se classificar como literatura seja extremamente
instável.” O autor não conceitua literatura, apenas condiciona o fenômeno da literariedade a
conceitos de valor numa sociedade em uma determinada época. Por essa ótica, os critérios para
que se julgue se uma obra é ou não literária, não são universais nem atemporais, mas sim,
mutáveis, flexíveis, instáveis, porque os valores se alteram conforme mude a visão de mundo das
pessoas.
8
Crítico literário americano.

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Apesar de reconhecer essas peculiaridades da literatura, o autor admite que alguns


valores são intrínsecos a ela, portanto, inalteráveis. Todavia, ele explica isso a partir da seguinte
justificativa: “o fato de sempre interpretarmos as obras literárias, até certo ponto, à luz de nossos
próprios interesses – e o fato de, na verdade, sermos incapazes de, num certo sentido, interpretá-
las de outra maneira poderia ser uma das razões pelas quais certas obras literárias parecem
conservar seu valor através dos séculos” (Eagleton, 1997, p. 13). Essa justificativa leva a
entender que a interpretação de várias obras clássicas, desde A Ilíada a Memórias póstumas de
Brás Cubas, têm seu valor inalterável porque a tradição dos estudos literários assim o quer.
Diante dos aspectos considerados, o conceito de literatura está muito longe de ser
homogêneo para os estudiosos citados, pelo contrário, existe uma série de divergências no que
diz respeito à definição da literariedade. Porém, ninguém nega sua importância cultural para a
humanidade.

1.4.5.1.2 O Texto Literário

A leitura do texto literário proporciona ao indivíduo imergir na sua própria história a


partir da história do outro. Ler literatura permite ao leitor a penetração no mundo do impossível,
vislumbrar novos horizontes e chegar até onde nunca ele imaginaria chegar, sendo transportado
do plano existencial para o plano surreal. Essa peculiaridade faz com que o texto literário seja
praticamente único, porque, dificilmente, pode haver um tipo de leitura que proporcione tanto o
enriquecimento cultural do indivíduo quanto ele. Além disso, a leitura literária tem o poder de
elevar a autoestima, facultando ao leitor, assim, um prazer indescritível. (Santos et al., 2008, p.
53)
Os PCNs (1998, p. 27) tece a crítica abaixo em relação ao tratamento dado pela escola
ao texto literário:
O tratamento do texto literário oral ou escrito envolve o exercício de reconhecimento
de singularidades e propriedades que matizam um tipo particular de uso da linguagem.
É possível afastar uma série de equívocos que costumam estar presentes na escola em
relação aos textos literários, ou seja, tomá-los como pretexto para o tratamento de
questões outras (valores morais, tópicos gramaticais) que não aquelas que contribuem
para a formação de leitores capazes de reconhecer as sutilezas, as particularidades, os
sentidos, a extensão e a profundidade das construções literárias.

O tratamento dispensado pela escola ao texto literário, geralmente, é equivocado,


baseado essencialmente na extração de informações e aspectos puramente gramaticais. Ao tratar
o texto literário desse modo, a escola perde a oportunidade de explorar os aspectos mais

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importantes de seu processo de construção, ou seja, os recursos utilizados pelo autor para dar
sentido à linguagem literária. A crítica do excerto acima alerta para o perigo de o aluno ser
apenas um leitor medíocre, caso a escola negligencie o verdadeiro objetivo do estudo da
literatura.
Mas se a escola trabalhar a leitura literária de forma apropriada, o aluno perceberá
paulatinamente, que ela é relevante para o seu desenvolvimento cognitivo e para sua formação
como cidadão. Ele notará também que esse tipo leitura é importante para que se conheça a
sociedade de cada época, os seus valores culturais, as suas tradições, e o leitor se reconheça a si
mesmo dentro do contexto social de que faz parte.
Zilberman (2010, p. 148), através do comentário abaixo, destaca a importância da leitura
literária:
Que a leitura é importante, todos sabemos: a leitura ajuda o indivíduo a se posicionar
no mundo, a compreender a si mesmo e à sua circunstância, a ter suas próprias ideias.
Mas a leitura da literatura é ainda mais importante: ela colabora para o fortalecimento
do imaginário de uma pessoa, e é com a imaginação que solucionamos problemas.
Com efeito, resolvem-se dificuldades quando recorremos à criatividade, que, aliada à
inteligência, oferece alternativas de ação.

A autora considera a leitura literária de relevância fundamental para a formação do


indivíduo, não somente como fonte de imaginação, mas também como um recurso intelectual de
caráter pragmático. Desse modo, a literatura não se resume apenas a uma forma de lazer, sua
utilidade é também para outros fins, entre eles, o aumento do grau intelectual do leitor para
enfrentar os desafios das situações cotidianas.
Barroso (2006, p. 38), fundamentada nas ideias de Bakhtin9 (2002), vai mais profundo
quanto ao pragmatismo do texto literário e, assim, descreve-o:
É o lugar de convergência das diversas vozes sociais. A fala no romance representa as
múltiplas vozes dos mais variados grupos. Ao estar inserida em um determinado
contexto histórico e social, a palavra não é individual, mas sim representativa do
espaço social-histórico, ao qual pertence o sujeito falante. A leitura do texto literário
pode, dessa maneira, levar à renovação da enunciação pela dialética entre o psíquico e
o ideológico, entre a vida interior e a vida exterior.

Sob essa perspectiva, o texto literário representa a vivência, os conflitos, as tensões, que
são característicos de uma sociedade. Então, a leitura do texto literário possibilita ao leitor
relacionar o individual ao social e, a partir dessa relação, situar-se dentro do contexto social em
que vive.

9
Bakhtin, M. (2002). A pessoa que fala no romance. In. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance.
Trad. Aurora Fornoni Bernardini, José Pereira Júnior, Helena Spryndis Nazário e Homero Freitas de Andrade. São
Paulo: Hucitec.

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Azeredo (2007, p. 86) vincula a significação da leitura dos textos literários à capacidade
de ler do leitor:
É sabido que os textos, em particular os literários, prestam-se a diferentes leituras
segundo as experiências individuais, culturais e históricas de seus leitores. A
atribuição de sentido realizada na leitura está sujeita às projeções do leitor. Isto não
quer dizer que as leituras sejam arbitrárias. As ressonâncias de experiências pessoais
que encontramos em certos textos certamente não são um critério de valoração
literária, mas é claro que um texto incapaz de mexer com o leitor, de alcançar alguma
empatia com ele, teria o mesmo efeito de uma declaração de amor a um rochedo.

A vivência de cada leitor é a condição principal para que a leitura adquira significação,
por isso, sua visão de mundo se reflete na interpretação do texto literário. As atribuições de
sentido ao texto são proporcionais ao seu conhecimento e, através disso, ele chega as suas
inferências. É no momento dessa leitura que o leitor se reporta a outras leituras já feitas e essas,
somadas a suas experiências de vida, dão-lhe condições de realizar uma interpretação mais
consciente do texto.
Mota (1990, p. 28) compartilha dessa mesma opinião e destaca o caráter metafórico da
linguagem como o fator responsável pela pluralidade de leituras que o leitor possa fazer:
O caráter metafórico da linguagem literária encerra uma gama diversificada de
significações, admitindo diferentes interpretações segundo os sentidos que a
mensagem e as indagações da obra literária suscitam ao leitor. O caráter polissêmico
da linguagem literária possibilita que cada leitor seja respeitado a partir de sua
capacidade recepcional de atribuir sentido ao texto lido, conforme sua visão de
mundo.

O fragmento acima ratifica a multiplicidade de sentidos que o texto literário


proporciona ao leitor, evidenciando, como condição essencial para tal possibilidade, o seu grau
de conhecimento de mundo e a sua perspicácia em entender a polissemia da linguagem literária.
Desse modo, “o texto literário não é dado, não tem o mesmo sentido para todos os leitores, ele
não é moldado e padronizado como quer a indústria da cultura.” (Barroso, 2006, p. 57).
A obra Práticas de Leitura e Escrita [PLE] (2006, p. 154), por sua vez, dá as seguintes
sugestões para o trabalho didático com o texto literário surtir os efeitos que se espera deles:
Os textos literários devem ser bastante utilizados. Eles vão desde as pequenas
narrativas, como fábulas, contos populares, contos de fada até as formas mais
extensas, como os romances. Em suas páginas podem ser encontradas oportunidades
de trabalho com inúmeras situações da linguagem literária, como, por exemplo,
caracterização de personagens, estruturação de enredos, estabelecimento de relações
de temporalidade e de causalidade, sequenciação de ideias, encadeamento de ações,
posicionamento do foco narrativo, colocação do discurso direto e indireto, escolha e
utilização do vocabulário.
Segundo tais sugestões, o trabalho didático com os textos literários não pode ser de
forma esporádica e superficial, esses tipos de texto podem oferecer muitas possibilidades para

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explorá-los. Desde textos simples aos mais complexos, pode-se extrair deles não somente dados
explícitos, mas também se pode explorar uma série de elementos tanto implícitos ao texto quanto
outros relacionados aos mecanismos de linguagem utilizados no processo de construção literária.
Conforme os aspectos discutidos a respeito dos textos literários, é evidente que eles têm
muita importância para a formação do aluno, sobretudo no que se refere à área de estudo da
língua. O trabalho didático com esse gênero textual pode promover várias situações de ensino
proveitosas e interessantes, só depende da condução das atividades por aqueles que são os
maiores responsáveis pela aprendizagem dos alunos: os professores.

1.4.6 Gêneros Textuais

Nos últimos anos, vem se corporificando uma proposta de ensino de língua baseada na
noção de gênero do discurso, os chamados gêneros textuais. Segundo Landeira (2009, p. 4-5),
“gêneros textuais são modelos comunicativos que nos possibilitam gerar expectativas e previsões
para compreender um texto e, assim, interagir com o outro.” Esses textos são produtos culturais
que exercem determinada função na sociedade e cada um tem uma estrutura própria que o
distingue de outro. Desse modo, uma conta de luz, um carnê, um texto publicitário, um e-mail,
uma tirinha, entre outros que fazem parte das práticas sociais, devem ser explorados pela escola.
A partir dessa proposta, espera-se que o aluno, ao lidar com uma diversidade de textos
que tenham um sentido concreto em sua vida, desenvolva suas habilidades linguísticas e, com
isso, torne-se um leitor e ‘escritor’ competente.
Conforme os PCNs (1998, p. 21),
Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função das intenções
comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos, as quais geram
usos sociais que os determinam. Os gêneros são, portanto, determinados
historicamente, constituindo formas relativamente estáveis de enunciados, disponíveis
na cultura. São caracterizados por três elementos:
.conteúdo temático: o que é ou pode tornar-se dizível por meio do gênero;
.construção composicional: estrutura particular dos textos pertencentes ao gênero;
.estilo: configurações específicas das unidades de linguagem derivadas, sobretudo, da
posição enunciativa do locutor; conjuntos particulares de sequências que compõem o
texto etc.

Todo gênero textual tem sua própria estrutura, justamente para atender às exigências da
situação em que é produzido. Cada um deles é construído conforme convenções linguístico-
sociais pré-estabelecidas que lhe dão características próprias, a depender de suas situações de
uso.
Segundo Bakhtin (1997, p. 281), existem dois gêneros do discurso:

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O gênero do discurso primário (simples) e o gênero do discurso secundário


(complexo). [...] Durante o processo de formação, esses gêneros secundários absorvem
e transmutam os gêneros primários (simples) de todas as espécies, que se constituíram
em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea.

O entendimento dessa categorização dos gêneros do discurso proposta por Bakhtin é


muito importante porque esclarece as distinções entre um discurso informal e um discurso mais
formal. O primeiro está restrito aos atos de comunicação do cotidiano, em que não há maiores
preocupações com o estilo; já o segundo está restrito às atividades discursivas com objetivos
bem mais definidos, a exemplo dos discursos literários, eleitorais, religiosos etc.
Azeredo (2007, p. 57), desse modo, descreve os gêneros: “os gêneros textuais
constituem instrumentos historicamente consagrados pela comunidade para o desempenho dos
papéis sociais assumidos pelos indivíduos no quadro sociocomunicativo.” Há toda uma tradição
que consagra os gêneros textuais, fato que impossibilita o indivíduo de produzir um gênero com
características de outro, se quiser ser entendido. Ele só pode se utilizar de um gênero para
escrever em outro quando o seu objetivo for outro. Na produção de gêneros publicitários,
gêneros lúdicos, gêneros de humor etc., por exemplo, é comum o artista recorrer a hibridização
dos gêneros para conseguir o seu efeito esperado.
Segundo os PCNs (1998, p. 23):
A importância e o valor dos usos da linguagem são determinados historicamente
segundo as demandas sociais de cada momento. Atualmente, exigem-se níveis de
leitura e de escrita diferentes dos que satisfizeram as demandas sociais até há bem
pouco tempo e tudo indica que essa exigência tende a ser crescente. A necessidade de
atender a essa demanda, obriga à revisão substantiva dos métodos de ensino e à
constituição de práticas que possibilitem ao aluno ampliar sua competência discursiva
na interlocução.
Cumpre ressaltar, consoante a abordagem acima, que a linguagem não é estática, pelo
contrário, ela é dinâmica e, desse modo, à medida que sofre mudanças na esfera social, está
sujeita também a exigir habilidades diferentes de leitura. Tais mudanças requerem
gradativamente habilidades mais complexas do leitor não só pelo grau crescente de competência
interpretativa, mas também pela diversidade de gêneros textuais que passam a circular e fazer
parte da vida do indivíduo, tanto na escola quanto fora dela.
Para Santos et al. (2006, p. 21) :
[...] a perspectiva de ensino de língua baseada no conceito de gênero está pautada num
conceito de língua como interação, compreende a escrita como prática social e
reconhece que todo texto ‘oral ou escrito’ realiza um propósito particular em uma
situação específica.
De acordo com essa visão de ensino de língua, baseada no conceito de gênero, o
trabalho com o texto não pode limitar-se apenas àquela tipologia clássica já saturada, que explora

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apenas a narração, a descrição e a dissertação. Nessa nova perspectiva, esse trabalho deve
contemplar também aquelas produções discursivas que são derivadas das práticas sociais e que
têm significação para o aluno posto que “entender a leitura como prática social implica expandir
os seus domínios e associá-la a diferentes formas de inserção do indivíduo na sociedade”
(Zappone, 2001, p. 31).
Santos et al. (2006, p. 28) assegura que “o texto não é uma entidade abstrata sem
qualquer marca de identidade. Os textos não são todos iguais, não só porque têm conteúdos
diferentes, mas porque se configuram como gêneros textuais diversos.” Depreende-se que cada
texto que circula na sociedade cumpre uma determinada função. A depender da sua função, sua
estrutura e seus propósitos, eles divergem uns dos outros. Sua razão de existir tem um sentido,
por isso a sua diversidade é justamente para atender aos objetivos a que eles especificamente se
propõem.
Kato (1985, p. 57) comunga da mesma opinião do autor anterior, a considerar “[...] o
texto não apenas como unidade formal, mas, sobretudo, como uma unidade funcional, isto é,
uma unidade de comunicação.” Confirma-se mais uma vez que o texto tem uma utilidade prática
que fica à disposição dos membros da sociedade nas situações discursivas cotidianas,
funcionando, desse modo, como canal para estabelecer as práticas comunicativas necessárias à
coexistência humana nas sociedades letradas.
As conclusões do estudo de Batista (2010, p. 40) apontam que a escola ainda não se
apercebeu de seu equívoco, pois
[...] a escola, geralmente, trabalha com textos não autênticos, normalmente escritos
para os livros didáticos e que não fazem parte do dia a dia do aluno. O intuito, nesses
casos, é utilizar palavras e/ou frases isoladas com o objetivo principal de ensinar a
gramática normativa. Mesmo quando os professores utilizam textos autênticos em sala
de aula (reproduções de matérias jornalísticas, livros e documentos, por exemplo)
limitam-se a utilizá-los como ferramentas exclusivamente metalinguísticas e não como
objetos sociais.
As conclusões da autora são pertinentes, elas explicam, em parte, porque mesmo com
tantas propostas de inovação na área da leitura, não há resultados significativos que possam gerar
maiores perspectivas em relação ao seu domínio pelo aluno. O texto não é explorado de forma
adequada, restringindo-se a sua exploração a estudos metalinguísticos, que não têm significado
algum para o aluno e só fazem afastá-lo ainda mais do ensino de língua.
Em reportagem da revista Nova Escola, Paulina (2007, p. 53) ressalta que há uma
constatação de uma pesquisa que ilustra bem a situação do trabalho com texto em sala de aula
realizado pelo professor:

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Existe uma enorme dificuldade de inovar a didática nesse campo. A constatação é de


Artur Gomes de Morais, do Centro de Estudos em Educação e Linguagem da
Universidade Federal de Pernambuco, que fez uma pesquisa sobre o tema em 2002.
Ele pretendia verificar o que se realizava em classe com as séries iniciais do Ensino
Fundamental em relação às novas orientações para o desenvolvimento do conteúdo.
Foram entrevistados 12 professores de 3ª e 4ª série da rede pública municipal do
Recife. Apesar de se esforçarem, Morais verificou que elas mantinham um pé na
inovação e outro no convencional. O que chamam de gramática contextualizada, em
geral, são aulas sobre nomenclatura e classificações, só que travestidas porque se
baseiam em um texto.
A realidade está aí. Apesar de haver inovações no campo teórico quanto ao trabalho
com a língua, especificamente com o texto, o professor não está preparado para trabalhar com o
mesmo. E essa realidade não está restrita ao estado em questão, é uma realidade mais
abrangente, pois a deficiência de leitura aplica-se a todo o país. Os professores tentam mudar
suas estratégias, mas não sabem aplicar adequadamente estratégias inovadoras que realmente
surtam o efeito esperado.
Koch (2012, p. 119) faz questão de distinguir os gêneros dos tipos textuais quando
afirma que “os gêneros são formados por sequências diferenciadas denominadas tipos textuais.
Portanto, devemos ter em vista que a noção de gênero não se confunde com a noção de tipo.” Em
conformidade com essa observação, nos gêneros textuais podem estar os tipos textuais, mas o
inverso não é verdadeiro. Cabe aqui o exemplo do gênero propaganda, em que podem estar
inseridas no seu conteúdo a narração, a descrição e a argumentação, ao mesmo tempo.
Frente ao quadro acima descrito, conclui-se que os gêneros textuais se constituem numa
alternativa muito proficiente para o desenvolvimento das atividades didáticas porque grande
parte deles são produções que circulam na sociedade e, por isso, fazem parte da vida do aluno
além dos muros da escola. O professor, ao explorá-los na escola, está a relacionar a teoria com a
prática, fato que dá sentido ao trabalho pedagógico.

1.4.7 A Importância da Biblioteca Escolar para a Formação do Leitor

A biblioteca é um espaço que já deveria ter ser seu lugar no momento em que se projeta
a planta da escola, assim como não há escola sem sala de aula, não deveria haver escola sem
biblioteca. Uma biblioteca escolar não é um apêndice da escola, ela é a própria escola, pois é lá
que os alunos podem encontrar tudo aquilo de que precisam para sua formação acadêmica e
cidadã através de suas leituras. Esse espaço é um laboratório para os alunos produzirem
conhecimento através de pesquisas bem orientadas por professores e bibliotecários que tenham
formação adequada para acompanhá-los.

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Ribeiro (1994, p. 14) reforça esse comentário inicial sobre a importância da biblioteca
escolar:
[...] a biblioteca possibilita acesso à leitura e às informações para dar respostas e
suscitar perguntas aos educandos, configurando-se numa instituição cuja tarefa centra-
se na formação não só do educando, como também no apoio informacional ao pessoal
docente para atender a essas premissas. A biblioteca precisa ser entendida como um
espaço demonstrativo onde interajam alunos, professores e informação. Esse espaço
democrático pode ser circunscrito a duas funções: a função educativa e a formação
cultural do indivíduo.

Apesar de sua importância incontestável, grande parte das escolas brasileiras não dispõe
de uma biblioteca e são pouquíssimas aquelas que contam com os equipamentos adequados e
com profissionais capacitados para mediarem a relação entre a leitura e o aluno leitor.
Observe-se o que constatou Fernandes (2012, p. 42):
O primeiro Plano Nacional de Educação (PNE) previa que em cinco anos todas as
escolas deveriam possuir uma biblioteca. De 2000, quando ele foi aprovado, para
2005, os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP) mostram que, em vez de ampliação, houve a redução de 52.783 para 48.479
estabelecimentos com espaços dessa natureza.

Esse é um dado preocupante porque comprova que não se atribui a devida importância à
biblioteca escolar, mesmo com o PNE a demonstrar que toda escola, quer seja grande, quer seja
pequena, tem de dispor de uma biblioteca para respaldar as atividades de alunos e professores no
cotidiano escolar. Como fazer do Brasil um país de leitores, se os espaços para formá-los estão a
decrescer?
Mesmo que uma biblioteca bem estruturada e aconchegante não seja necessariamente
garantia para atrair futuros leitores, não se pode negar que um ambiente dessa natureza chama a
atenção dos alunos porque eles percebem que tal ambiente tem importância, consequentemente,
os leitores daquele ambiente são também importantes. Isso pode inflar seu ego e motivá-los a
visitá-la.
Conforme Bamberger (2006, p. 50), “se há uma biblioteca e um bom bibliotecário
comprometido com sua função como educador, poderá criar condições para que os alunos se
interessem”. Uma biblioteca, além de ser bem estruturada, precisa de um bibliotecário a sua
altura. Um profissional capacitado a sua frente, que desenvolva projetos de leitura e pesquisa
compatíveis com as carências dos alunos, é de valor inestimável para o processo ensino-
aprendizagem, pois de nada vale uma biblioteca bem estruturada, mas que não tenha alguém que
saiba conduzir as atividades de leitura.

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Uma biblioteca nessas condições seria o primeiro passo para fisgar leitores. Ainda que a
escola não pudesse dispor desse espaço de leitura com tal exigência de estruturação, a simples
existência de um por si só, na pior das hipóteses, já seria alguma coisa.
Todavia, a denúncia de Fernandes (2012, p. 43) ainda traz mais pessimismo:
Em geral, entre garantir a construção de uma sala de aula ou outra destinada a livros,
muitos gestores ficam com a primeira opção. Com isso, diminuem a pressão social por
vagas e ampliam a arrecadação de recursos com o aumento das matrículas. Enquanto o
novo espaço significa mais verba, a biblioteca gera mais gastos. O investimento não
acaba com a instalação. É preciso fazer a manutenção do mobiliário, ampliar
constantemente o acervo, contratar profissionais qualificados e formar os professores
para incorporar a leitura no planejamento anual.
Os gestores públicos, em sua maioria, não veem a implantação de bibliotecas como
investimento, e sim, como custos. Essa aberração de privilegiar os interesses políticos em
detrimento do incentivo à pesquisa e à cultura prejudica, e muito, o desenvolvimento da
educação, já que a existência de uma biblioteca escolar, aparelhada devidamente, é garantia de
mais produção cultural.
Silva10 (1999), citado por Alonso (2007, p. 32), coloca a biblioteca na condição de fonte
de conhecimento para que os alunos enfrentem a situação da ditadura cultural a que são
diariamente submetidos na escola:
A imposição de um arbitrário cultural (Bordieu & Passeron, 1975) aos alunos, por
meio de conteúdos, práticas, textos etc., é uma das dimensões mais evidentes do
autoritarismo escolar. O contato frequente com a biblioteca escolar representa, para
o educando, a possibilidade de se apropriar de um conhecimento que possibilite
desvelar e questionar esse arbítrio, embora o acervo disponível na biblioteca
também seja, de certa forma, parte daquele arbitrário cultural. De qualquer modo,
há sempre lugar para a alternativa, para a controvérsia e para a diferença nos
meandros de uma biblioteca, seja ela escolar ou não.
A escola é o veículo cultural, por excelência, que reproduz a ideologia dominante para
alienar os seus alunos. Os conteúdos escolares cumprem a função de moldá-los a pensarem de
acordo com a ideologia burguesa porque a escola moderna é de origem burguesa. Assim, essa
instituição coloca uma espécie de camisa-de-força neles, impedindo-os de forjarem concepções
mais revolucionárias e expressarem-nas, transformando-os em reprodutores do paradigma
cultural do pensamento único.
Boaventura, em entrevista concedida a Tavares, reafirma que o conhecimento deve ser
pluralista, e não único. Deve coexistir uma diversidade de saberes para responder aos desafios
impostos à humanidade para que se construa um mundo mais equitativo e justo. Nesse sentido,

10
Silva, Tomaz Tadeu. (1999). Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte,
Autêntica.

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nenhum saber deve prevalecer em detrimento do outro, isso desde o saber do senso comum até
aquele eminentemente científico. A essa harmonia de saberes dá-se o nome de Ecologia dos
Saberes. (Tavares, 2007)
É justamente nesse contexto que a biblioteca pode assumir um papel de extrema
importância para que os alunos, através de suas leituras, possam saber que não existe, única e
exclusivamente, um princípio epistemológico, isto é, uma única forma com que se constrói o
conhecimento. O conhecimento pode ser construído em qualquer sociedade, em qualquer
contexto, em qualquer cultura, o que desconstrói, assim, o mito das verdades absolutas.
Bamberger (2006, p. 36) destaca a importância de levar em consideração o tipo de leitor
para que ele seja incentivado a visitar a biblioteca:
A diversidade dos tipos de leitor entre os jovens deve ser levada em conta na
biblioteca da escola. Cumpre proporcionar felicidade à criança à sua própria
maneira, dentro dos limites do bom-gosto. O direito que tem a criança ao material
de leitura que se ajusta aos seus gostos e à sua natureza deve ser mais do que nunca
enfatizado numa era em que tudo nos empurra para a cultura de massa.
Cada aluno tem sua preferência de leitura. Mesmo que os alunos sejam do mesmo sexo
e da mesma faixa etária, eles têm gostos diferentes sobre leituras. Isso quer dizer que uma obra
produzida, tendo como público alvo determinados alunos de uma mesma faixa etária, não
assegura que ela tenha uma boa aceitação pela maioria desses alunos, pois as preferências deles
podem estar vinculadas à questão do gênero textual. Assim, um aluno pode encontrar prazer em
ler um romance; outro, poesia; outro, comédia; e, assim, sucessivamente.
Antunes et al. (2002, p. 105-106) descreve abaixo como deve se estabelecer os
primeiros contatos entre os pequenos leitores e as leituras:
A iniciação à leitura tem por objetivo desenvolver na criança o prazer e o gosto de ler.
Escolher os livros, manuseá-los, trocar por outro que lhe interesse mais, inculcando-
lhe enfim, o prazer de estar com os livros, o hábito de ler. Mas quando dão os
primeiros passos para a biblioteca, as crianças estão longe de ter todas a mesma
aptidão para a leitura, os mesmos gostos e a mesma capacidade; e não progridem todas
no mesmo ritmo. O importante será, pois, orientá-las, já que a prática é a melhor
escola, deixá-las, desde cedo, procurar, folhear e comparar, para habituá-las ao
manuseio dos livros.
A iniciação à leitura exige que se conheça cada criança, seus gostos, suas necessidades
e suas aptidões, assim como os livros de sua preferência. Estes deverão ser tão
variados quanto possível no gênero e no assunto, e serão necessários tanto livros de
figuras, obras de ficção, livros de documentação e obras de referência, como jornais,
periódicos e folhetos. É deixando a criança procurar livremente, examinar, comparar,
pegar, rejeitar, que lhe permitimos alargar o horizonte e aprender a escolher bem as
leituras.
A biblioteca escolar pode proporcionar várias situações de aprendizagem que as salas de
aula tradicionais geralmente não proporcionam, como o respeito ao ritmo de aprendizado de cada

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aluno, considerando-se suas diferenças, e o seu atendimento individualizado. A biblioteca é o


único espaço da escola em que um trabalho pedagógico dessa natureza pode ser desenvolvido,
tendo em vista que na sala de aula o ensino é dirigido indiscriminadamente a todos, e “é absurdo
ensinar a mesma coisa, no mesmo momento, com os mesmos métodos, a alunos muito
diferentes.” (Perrenoud, 2000, p. 9)
Antunes et al. (2002, p. 112) atribui à falta de estrutura da biblioteca o desinteresse do
adolescente em frequentá-la:
A programação para adolescentes é uma das atividades mais difíceis e para a qual as
bibliotecas estão muito pouco preparadas. Além de faltar informação sobre
características, necessidades e interesses do adolescente, os acervos são também muito
pobres nesse campo. A literatura já contempla esses usuários com livros dedicados a
essa faixa etária. Se por um lado o adolescente está abandonando a infância, ele
também não é adulto que frequenta a biblioteca pública. Vale ressaltar que
bibliotecários e educadores de modo geral precisam voltar suas atenções para esse
grupo de usuários. É preciso reconhecer o valor das publicações que tratam dos
diferentes aspectos desse período difícil de transição que é a adolescência. É nessa
época que o jovem desperta para a escolha da carreira a seguir, suas ocupações e
passatempos, interesses por aventuras amorosas, esportes, questões sexuais,
preparação para o matrimônio e a vida no lar, dentre outros assuntos.
Reconhece-se que as bibliotecas não estão preparadas para receber o público
adolescente, em virtude de não disporem de materiais de leituras apropriados para essa fase da
vida. E o mais grave é que justo nessa fase o indivíduo tem a necessidade de extravasar seus
sentimentos, e a leitura pode transformar-se numa alternativa para ele canalizar as suas emoções.
Se a biblioteca implantar uma política pedagógica de leitura eficaz direcionada para esse público
alvo, certamente os adolescentes irão procurá-la e, com isso, a escola pode afastá-los de vários
problemas característicos dessa fase, principalmente aqueles das classes menos favorecidas e que
se encontram em situação de risco.
Os PCNs (1998, p. 46) advertem sobre o tratamento que se deve dar aos adolescentes
quanto ao aspecto da linguagem:
[...] é preciso considerar o fato de que os adolescentes desenvolvem um tipo de
comportamento e um conjunto de valores que atuam como forma de identidade, tanto
no que diz respeito ao lugar que ocupam na sociedade e nas relações que estabelecem
com o mundo adulto quanto no que se refere a sua inclusão no interior de grupos
específicos de convivência. Esse processo, naturalmente, tem repercussão no tipo de
linguagem por eles usada, com a incorporação e criação de modismos, vocabulário
específico, formas de expressão etc.
As atividades no trabalho com a língua voltado para os adolescentes devem ser
diferenciadas, eles só gostam de fazer aquilo com que se identifiquem. Não se pode impor-lhes,
então, leituras descontextualizadas, com uma linguagem totalmente fora da sua realidade e que
não faz nenhum sentido. É, por isso, que os materiais de leitura devem ser bem diversificados e

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selecionados, produzidos com uma linguagem mais livre e espontânea para envolvê-los em suas
malhas.
Por isso, é primordial que as escolas mantenham sempre suas bibliotecas não somente
em constante atividade, mas também que sejam adequadamente aparelhadas e desenvolvam
projetos de ensino consistentes que estimulem as crianças e os jovens a frequentá-la
assiduamente.

CAPÍTULO 2 – CONTEXTO METODOLÓGICO DA PESQUISA

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Na realidade, em linguagem (e, logo , em leitura) não há grau zero, assim como não há
grau dez. na dicotomia entre método de ensino e processo de aprendizagem, a escola
se coloca como se o aluno não tivesse já instalado um processo de aprendizagem e ao
propor, dentro de suas perspectivas e funções, um método de ensino, coloca o aluno
no grau zero e o professor no grau dez. No entanto, assim como não se para de
aprender a ler num momento dado (grau dez), também não há possibilidade de se
reconhecer um momento em que se começa do nada (grau zero). Então, o que a escola
faz, ao supor o grau zero, é utilizar um conhecimento prévio, que o aluno tem, sem
explicitar essa utilização. Dessa forma esse conhecimento é, ao mesmo tempo, suposto
e recusado, ou seja, desvalorizado. Isto resulta em uma relação coercitiva do método
de ensino sobre o processo de aprendizagem. (Orlandi, 2012, p. 52).
2.1 Problemática do Estudo

Segundo Flick (2005, p. 49), “as questões da investigação não surgem do nada: em
muitos casos têm origem naquilo que o investigador é, na sua história pessoal ou no seu contexto
social.” Partindo dessa premissa, esta proposta de pesquisa surgiu exatamente da experiência
pessoal e profissional do pesquisador, experiência essa que o motivou estudar a problemática que
será abordada abaixo.
De acordo com Dionne e Laville (1999, p. 85), “a fase de estabelecimento e de
clarificação da problemática e do próprio problema é frequentemente considerada como a fase
crucial da pesquisa. É ela que serve para definir e guiar as operações posteriores, como uma
espécie de piloto automático, uma vez que tenha sido bem planejada.” Nesse sentido, é oportuno
trazer à tona a problemática da investigação e esclarecer o contexto em que a tal problemática se
apresenta.
Os estudantes no Brasil concluem o ensino fundamental muito aquém do desejado no
quesito leitura, pois, demonstram muita dificuldade na hora em que são solicitados a interpretar
um simples texto. Segundo pesquisa do Instituto Paulo Montenegro (IPM), vinculado ao Instituto
Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), (2009), o analfabetismo funcional11 atinge
um percentual de 22% entre os jovens que concluíram o ensino fundamental (8ª série ou 9º ano).
E a situação se complica ainda mais quando se constata que a escola não está obtendo êxito para
despertar o interesse dos alunos pela leitura, pois “os brasileiros não estão sendo seduzidos para

11
É considerada analfabeta funcional a pessoa que, mesmo sabendo ler e escrever um enunciado simples, como um
bilhete, por exemplo, ainda não tem as habilidades de leitura, escrita e cálculo necessárias para participar da vida
social em suas diversas dimensões: no âmbito comunitário, no universo do trabalho e da política, por exemplo. O
que significa analfabetismo funcional. Acessado em 08 de novembro de 2013 em http://www.ipm.org.br

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a leitura, e 61% das crianças e dos jovens em idade escolar dizem ler apenas por obrigação”
(Fernandes, 2012, p. 42).
Kleiman (2012) classifica a leitura como o instrumento mais eficaz para que o aluno
obtenha êxito em todos os componentes curriculares. Desse modo, caso ele mostre deficiência na
leitura, é bem provável que aconteça o mesmo em outras áreas de conhecimento.
Como é responsabilidade da escola proporcionar condições apropriadas para que os
alunos desenvolvam sua competência para ler, fica a comprovação de que essa instituição está a
fracassar nessa missão de extrema importância para o sucesso escolar deles. De acordo com os
PCNs (1998, p. 55), esse fracasso da escola se deve à adoção de concepções equivocadas sobre o
aprendizado da leitura, as quais já são adotadas lá na base, ou seja, quando os alunos têm seus
primeiros contatos com a leitura. Diante disso,
É preciso superar algumas concepções sobre o aprendizado inicial da leitura. A
principal delas é a de que ler é simplesmente decodificar, converter letras em sons,
sendo a compreensão consequência natural dessa ação. Por conta desta concepção
equivocada a escola vem produzindo grande quantidade de leitores capazes de
decodificar qualquer texto, mas com enormes dificuldades para compreender o que
tentam ler.
E o que mais chama a atenção é que, a partir da década de 80 do século passado,
iniciou-se uma vasta produção de estudos na área do ensino de língua, com destaque para a
importância da leitura para o aprendizado escolar de maneira geral, e, mesmo assim, a
proficiência dos alunos em leitura, à exceção de uma minoria, não se efetivou. A partir desse
descompasso, é premente que se busquem as explicações para tal fenômeno que está sendo
submetido a esse estudo.
O estudo concentrar-se-á na cidade Arauá, um dos 75 municípios do estado de
Sergipe/Brasil. Esse município localiza-se na região centro-sul de Sergipe, distante da capital 99
Km, sendo considerado de médio porte. Sua extensão territorial é de 198, 746 Km2 e conta com
uma população de 10.796 habitantes.
A economia do município tem como base a agropecuária. Na agricultura, há produção
de laranja, limão, mandioca, manga, maracujá, abacaxi e tangerina; quanto à pecuária, há a
criação de bovinos, suínos, equinos, ovinos e galináceos. Existe apenas uma indústria no
município, que produz laticínios. O comércio é pequeno, resumindo-se na comercialização de
produtos básicos para a população. A fonte de renda dos habitantes da área urbana é basicamente
a prefeitura municipal da cidade, que emprega um número significativo de pessoas. A população
rural vive basicamente da agropecuária, produzindo e comercializando produtos típicos do setor.

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Os alunos do município estudam na rede municipal de ensino e em um colégio estadual,


sendo que a rede municipal atende aqueles que pertencem à educação infantil e ao ensino
fundamental; já o colégio estadual atende alunos do ensino fundamental e do ensino médio. O
número de escolas da rede municipal é de 20, com 2.724 alunos matriculados no ano de 2013, e
um efetivo de 145 professores para atendê-los. No município, existe também ensino superior
ofertado pela Universidade Federal de Sergipe, na modalidade a distância. São oferecidos 7
cursos de licenciatura nas áreas de Letras, História Geografia, Matemática, Química, Física e
Biologia. Existem atualmente 375 acadêmicos matriculados, sendo parte deles do próprio
município e parte dos municípios circunvizinhos.
A instituição escolar escolhida para ser submetida ao presente processo de investigação
é o Colégio Estadual Manoel Bonfim, localizado na cidade de Arauá/SE. Esse é o único colégio
estadual no município e sempre foi referência em matéria de educação, pois o número de alunos
matriculados em tal colégio sempre foi superior a de qualquer outra escola da rede municipal de
ensino, conforme dados estatísticos coletados na Secretaria Municipal de Educação de Arauá/SE.
O quadro discente do colégio, tanto o dos alunos do ensino fundamental quanto o dos
alunos do médio, é composto por alunos da zona rural e da zona urbana. A maior parte deles é
oriunda da classe social menos favorecida, com pais de nível de escolaridade baixo, e os níveis
de evasão e de reprovação são altíssimos. A situação não é pior no ensino fundamental porque o
Governo Federal incentiva os pais a manterem seus filhos na escola por meio de um programa
assistencial nacional chamado ‘Bolsa Família’. Esse programa paga um benefício às famílias que
mantêm seus filhos na escola, condicionando o pagamento à frequência escolar do aluno.
Atualmente atende nos três turnos alunos da cidade e de seus povoados e oferece o
ensino fundamental e o ensino médio. O número de alunos matriculados no ano de 2013 no
ensino fundamental foi de 362 e no ensino médio foi de 674.
Esta investigação incidirá sobre uma turma do 5º ano - 4ª série - do ensino fundamental,
cujo número de alunos é 18. Justifica-se a opção por essa etapa do ensino fundamental porque é
nela que o aluno está a concluir o ensino fundamental menor - a primeira fase do ensino
fundamental.

2.2 Pergunta de Partida

Para Dionne e Laville (1999, p. 106), “a função de uma boa pergunta é ajudar o
pesquisador a progredir em sua pesquisa; ela lhe fornece um fio condutor para o desenrolar de
seu trabalho, guia-o nas operações futuras.” Uma pergunta, então, bem formulada é um dos

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alicerces para que todos os elementos envolvidos no processo de investigação tenham coerência
no desenvolvimento do trabalho científico.
Assim sendo, optou-se pela seguinte pergunta de partida: Como melhorar o
desempenho dos alunos do 5º ano do ensino fundamental em leitura, levando-se em
consideração as novas concepções que norteiam o ensino de Língua Portuguesa nos
programas vigentes?

2.3 Objetivos

Os objetivos de uma pesquisa devem ter clareza e ser bem definidos para viabilizar a
condução da investigação e, consequentemente, obter os resultados pré-estabelecidos. O objetivo
geral está atrelado ao tema do trabalho, enquanto os objetivos específicos se prendem à
demonstração a que se propõe a pesquisa. (Andrade, 2009)

2.3.1 Objetivo Geral

Analisar a prática da leitura dos alunos do 5º ano do ensino fundamental desenvolvida


pelo professor de Língua de Portuguesa, tendo como parâmetro as novas concepções norteadoras
do ensino de Língua Portuguesa.

2.3.2 Objetivos Específicos

a. Verificar se a pedagogia da leitura implementada pelo professor de Língua


Portuguesa do 5º ano (4ª série) proporciona condições apropriadas para que os
alunos desenvolvam suas potencialidades em relação a tal atividade;
b. Identificar as prováveis dificuldades dos alunos do 5º ano (4ª série) do ensino
fundamental na prática da leitura;
c. Constatar se as estratégias de ensino de leitura colocadas em prática pelo
professor de Língua Portuguesa do 5º ano (4ª série) ensino fundamental exercem
atração sobre os alunos;
d. Avaliar quais as estratégias mais eficazes na formação do aluno leitor.

2.3.3 Hipóteses

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Andrade (2009, p. 131) define hipótese como “uma solução provisória que se propõe
para o problema formulado. Trata-se de solução provisória porque o desenvolvimento da
pesquisa determinará uma validade: pode ser confirmada ou rejeitada.”
As hipóteses norteiam o investigador na busca de explicações sobre o objeto a ser
investigado, constituindo-se, assim, em pressupostos teóricos ainda não verificáveis. São linhas
especulativas que, embora subsidiem e sejam relevantes para o investigador no seu trabalho,
podem, na conclusão desse trabalho, confirmarem-se ou não.
As hipóteses levantadas acerca do problema em questão são:

a. A pedagogia da leitura desenvolvida pelo professor de Língua Portuguesa do 5º


ano (4ª série) do ensino fundamental não é eficiente o bastante para fazer dos
alunos leitores competentes;
b. As recomendações dos especialistas da área da leitura não são aplicadas em sala
de aula;
c. As estratégias de ensino de leitura não motivam os alunos a praticá-la;
d. As estratégias de ensino de leitura não potenciam a formação do aluno leitor.

2.4 Caracterização da Pesquisa

No que diz respeito aos fins, a investigação é de caráter explicativo, já que “tem como
principal objetivo tornar algo inteligível, justificar-lhe os motivos, visa, portanto, quais fatores
contribuem de alguma forma, para a ocorrência de determinado fenômeno (Chaves, 2003, p. 64).
Em relação aos meios, a investigação terá duas fases para atingir os seus fins. A primeira é a fase
da pesquisa bibliográfica, que “é o estudo sistematizado desenvolvido com base em material
publicado em livros, revistas, jornais, redes eletrônicas [...]” (Chaves, 2003, p. 65). A segunda é
a fase da pesquisa de campo, que é a investigação empírica realizada no local onde ocorre ou
ocorreu o fenômeno a que se propõe explicá-lo. (Chaves, 2003, p.65) O processo investigativo é
de caráter descritivo misto, pois serão utilizados instrumentos quantitativos e qualitativos. Tais
instrumentos fornecerão o suporte para que se possa realizar o estudo analítico entre o conteúdo
coletado e o referencial teórico construído.
O método de abordagem utilizado é o hipotético-dedutivo, na medida em que a pesquisa
parte da percepção das dificuldades do aluno no domínio da leitura e formula suas hipóteses.

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2.5 Instrumentos e Coleta de Dados

2.5.1 Observação Direta

Consoante Cervo et al. (2007, p. 31), “observar é aplicar atentamente os sentidos físicos
a um objeto para dele obter um conhecimento claro e preciso”. Fica claro por essa afirmação
que, por meio da observação, podem-se adquirir conhecimentos mais consistentes sobre o
fenômeno estudado. A condição de estar a lidar com esse fenômeno diretamente possibilita ao
investigador uma percepção mais ativa e fidedigna daquilo que ele se propôs a investigar.
Gil (2006, p. 110) tem uma opinião semelhante à de Cervo ao explicar que “a
observação apresenta como principal vantagem, em relação a outras técnicas, a de que os fatos
são percebidos diretamente, sem qualquer intermediação”. Além disso, é um instrumento que
pode proporcionar mais credibilidade à investigação porque, segundo Bell (1993, p. 141), “a
observação directa pode ser mais fiável do que o que as pessoas dizem em muitos casos. Pode
ser particularmente útil descobrir se as pessoas fazem o que dizem fazer ou se se comportam da
forma como afirmam comportar-se”.
A observação direta em sala de aula será um dos dois instrumentos que serão utilizados
nesta pesquisa. Tal observação consistirá em examinar se as estratégias de ensino de leitura
desenvolvidas pelos professores estão em conformidade com o que recomendam as referências
que dão fundamentação a este estudo.

2.5.2 Questionário

Gil (2006, p. 128) define questionário “como a técnica de investigação composta por
um número mais ou menos elevado de questões apresentadas por escrito às pessoas, tendo por
objetivo o conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas, situações
vivenciadas etc”. O questionário é um dos instrumentos mais utilizados pelos pesquisadores para
a coleta de dados, sua utilidade decorre, em grande parte, devido ao seu caráter objetivo,
prestando-se ao estudo de uma infinidade de assuntos que podem ser explorados por meio dele.
Ademais, “os pesquisados se sentem mais livres para exprimir opiniões que temem ser
desaprovadas ou que poderiam colocá-los em dificuldades” (Goldenberg, 2005, p. 87).
No entanto, Bell (1997, p. 99) adverte que se o pesquisador for usar o inquérito como
instrumento de coleta de dados, “deverá conceber um bom inquérito que lhe dê a informação
necessária que, por um lado, seja aceite pelos indivíduos e, por outro, não lhe levante problemas

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na altura de os analisar e interpretar.” O investigador tem de ser o mais claro possível na


elaboração do questionário, descartando perguntas ambíguas ou que dê margens a muitas
interpretações por parte do investigado. Por isso, esse instrumento deve ter perguntas claras,
tendo em vista que “é indispensável levar em conta que o informante não poderá contar com as
explicações adicionais do pesquisador” (Andrade, 2009, p. 136).
Tendo em vista tais peculiaridades deste instrumento, decidiu-se elaborar um
questionário aberto, com perguntas bem objetivas e claras para facilitar as respostas dos
inquiridos e, ao mesmo tempo, viabilizar a interpretação do pesquisador.

2.5.3 População e Amostra

A turma que será submetida à investigação é o 5º ano, 4ª série, do ensino fundamental e


o professor de Língua Portuguesa da respectiva turma. A turma tem 18 alunos, sendo que 10 são
do sexo masculino e 8 são do sexo feminino, na faixa etária entre 9 e 12 anos. Os critérios para a
escolha dos alunos para serem submetidos ao estudo foram a faixa etária e o sexo. Foram
selecionados seis alunos, 50% do sexo masculino e 50% do sexo feminino. Quanto à faixa etária,
foram 2 com nove anos; 2 com 10 anos; e 2 com 12 anos. A amostra, então, é representada por
33,3% dos alunos da turma.
Quanto ao professor de Língua Portuguesa, o instrumento de investigação será a
observação em sala de aula. Pretende-se observar 10 aulas em sua turma entre o início do
primeiro bimestre do ano letivo de 2014 e o final do segundo bimestre. O processo de
observação das aulas desenvolver-se-á do seguinte modo: o investigador assistirá às aulas
ministradas pelo professor integralmente, anotando em seu diário de campo tudo aquilo que for
de interesse para o tema da pesquisa. Os principais aspectos a serem considerados em tal
observação serão: as estratégias de ensino adotadas pelo professor, o material didático utilizado
durante as aulas, o envolvimento dos alunos nas atividades propostas e a utilização da biblioteca
como espaço para formar leitores.

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CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÃO DOS


RESULTADOS

A leitura, como prática social, é sempre um meio, nunca um fim. Ler é resposta a um
objetivo, a uma necessidade pessoal. Fora da escola, não se lê só para aprender a ler,

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não se lê de uma única forma, não se decodifica palavra por palavra, não se responde a
perguntas de verificação do entendimento preenchendo fichas exaustivas, não se faz
desenho sobre o que mais se gostou e raramente se lê em voz alta. Isso não significa
que na escola não se possa eventualmente responder a perguntas sobre a leitura, de vez
em quando desenhar o que o texto sugere, ou ler em voz alta quando necessário. No
entanto, uma prática constante de leitura não significa a repetição infindável dessas
atividades escolares. (PCNs, 1997, p. 57).

Nesta terceira parte do trabalho, o objetivo é descrever o que se observou e coletou-se


na investigação de campo, cujo objeto de estudo foi uma turma do 5º ano (4ª série), com um
número total de 18 alunos, e seu professor de Língua Portuguesa. Os dois processos
metodológicos de investigação foram o questionário e a observação direta. O questionário foi
aplicado exclusivamente aos alunos da referida turma; já a observação direta foi realizada com o
intuito de comprovar ‘in loco’ o que acontece realmente em sala de aula e envolveu o professor e
os alunos.
O número de aulas observado foi 10 (dez) no início do primeiro bimestre do ano em
curso, repetindo-se esse procedimento no final do segundo bimestre. Optou-se por essa estratégia
porque o tema em pauta, a leitura, envolve muitas nuances que tornam complexo um processo de
investigação sobre ele.
Os aspectos a serem considerados na observação em sala de aula para a análise e a
discussão foram: as estratégias de ensino adotadas pelo professor, o material didático utilizado
durante as aulas, o envolvimento dos alunos nas atividades de leitura e a utilização da biblioteca
como espaço para formar leitores.
Passam-se, a seguir, a ser descritos os aspectos observados na presente pesquisa.

3.1 A Observação Direta em Sala de Aula

3.1.1 As Estratégias de Ensino Adotadas pelo Professor

As estratégias de leitura propostas pela professora de Língua Portuguesa do 5º ano do


ensino fundamental não são diversificadas. A principal delas é aquela indicada com a finalidade
de cobrança posterior. A professora solicita aos alunos uma determinada leitura e fica na
expectativa de que todos leiam a fim de promover a discussão do texto em sala de aula, mas o
problema é que as leituras propostas não motivam os alunos, pois a maioria deles não as faz o
que, já de início, compromete o planejamento feito por ela .

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Não há opções de leitura para que os alunos escolham o que querem ler. Geralmente, é
apenas uma mesma obra que, quando há em quantidade suficiente na biblioteca da escola, é
distribuída para todos os alunos da classe. Apenas alguns fazem a leitura e se interessam em
participar da aula, enquanto os demais ficam sem ter o que fazer e, com isso, acabam por
atrapalhar o trabalho que a professora está desenvolvendo.
O ideal seria que os alunos fossem sensibilizados para ler e atribuíssem sentido à sua
leitura, pois é o sentido “que nos orienta em nossa relação com o mundo e com os seres e objetos
que o povoam” (Azeredo, 2007, p. 71). Ao atribuir sentido ao texto, eles estarão tornando-se
leitores autônomos, mesmo que a sua compreensão possa divergir bastante das ideias do texto.
Na verdade, as divergências fazem parte do processo, porque cada leitor é uno e, nessa condição,
tem total liberdade para divagar nas entrelinhas do texto.
É por isso que nas situações em que existam diferentes compreensões de um mesmo
texto, a decisão para atribuir o sentido a ele deve ser coletiva, sempre a depender da
argumentação dos alunos, cabendo ao professor conduzir a discussão para que se chegue a um
consenso. (PCNs, 1997)
Ferraz (2008, p. 23) enfatiza que:
Ao dar voz a seus alunos, permitindo que eles comentem sobre a história, apresentem
suas impressões sobre o texto e estabeleçam relações, o professor dá condições para
que eles percebam que a leitura de cada leitor é única e pessoal, independente da
intenção real do autor, desde que a interpretação seja autorizada pelo próprio texto.

A estratégia de conceder autoridade ao aluno para que ele chegue as suas inferências
textuais é um modo democrático de trabalho com a leitura. As inferências ocorrem quando o
receptor recorre ao seu conhecimento de mundo para estabelecer uma relação entre os elementos
do texto como forma de compreendê-lo e interpretá-lo, embora essa relação não seja expressa
(Prestes, 1999, p. 30). Em relação às inferências textuais, o contexto verbal é um fator decisivo
na elaboração delas, na medida em que as partes de um texto mantêm uma relação intrínseca
entre antecedentes e consequentes (Koch, 2008, p. 30).
Ao participar da leitura do texto como coautor da produção, o aluno passa a desenvolver
a consciência de que ele é também sujeito ativo nesse processo, uma vez que sua participação é
levada em consideração para a compreensão do texto. Conforme Solé (1998, p. 72), “quem lê
deve ser capaz de interrogar-se sobre sua própria compreensão, estabelecer relações entre o que
lê e o que faz parte do seu acervo pessoal, questionar seu conhecimento [...]”
Orlandi (2012, p. 116) afirma que “não há leituras previstas por um texto em geral,
como se o texto fosse fechado em si mesmo e autossuficiente. Há leituras previstas para ele.” A

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cada leitura, as possibilidades de significação do texto se ampliam o que implica sempre uma
renovação de leituras.
Kleiman (2012, p. 76) ressalta que “a característica mais saliente do leitor proficiente é
sua flexibilidade na leitura, ele não tem apenas um procedimento para chegar aonde ele quer, ele
tem vários possíveis, e se um não der certo, outros serão ensaiados.” Muitas vezes, o leitor
depara-se com leituras complexas que exigem alto grau de reflexão para entendê-las, então, é
mister que ele se utilize de toda sua versatilidade para chegar a conclusões coerentes.
Outro problema, este, gravíssimo, constatado na pesquisa de campo é que alguns
alunos, apesar de já estarem no 5º ano, 4ª série, do ensino fundamental, ano de conclusão da
primeira etapa desse nível de ensino, praticamente não sabem ler. Eles leem soletrando, com
enorme dificuldade para decifrar a escrita das palavras.
A romancista francesa Danièle Sallenave12, citada por Zilberman (2010, p. 105), ao
fazer um estudo na França com jovens, especificamente aqueles descendentes de africanos ou de
imigrantes africanos, tentando descobrir a razão por que não gostavam de ler, chegou ao seguinte
diagnóstico: “muitos alunos não gostam de ler, porque não aprenderam a ler bem. Eles leem
muito lentamente, têm as maiores dificuldades de deciframento, como desejamos que eles não se
aborreçam?” Esse diagnóstico pode muito bem ser aplicado à realidade dos alunos submetidos à
pesquisa, pois eles estão muito aquém das competências exigidas pelo (SAEB) Sistema de
Avaliação da Educação Básica para essa etapa de ensino.

3.1.1.1 Diversidade Textual

A formação de um leitor exige familiaridade com um grande número de textos, pois se


vive numa realidade complexa. É oportuno aqui recorrer à obra PLE (2006, p. 159) a fim de
enfatizar a verdadeira dimensão da leitura: “ensinar a ler é levar o aluno a reconhecer a
necessidade de aprender a ler tudo o que já foi escrito, desde o letreiro do ônibus aos nomes das
ruas, dos bancos e das casas comerciais [...]”
Os PCNs (1997, p. 61) colocam a diversidade textual em lugar privilegiado para o
ensino da prática da leitura: “Eis a primeira e talvez a mais importante estratégia didática para a
prática de leitura: o trabalho com a diversidade textual. Sem ela pode-se até ensinar a ler, mas
certamente não se formarão leitores competentes.”

12
Sallenave, D. (2009). Nous, on n’aine pas live. Paris: Gallimard.

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No entanto, isso não quer dizer que não seja imprescindível saber selecionar os textos.
Pelo contrário, os textos devem ser selecionados cuidadosamente, e o seu planejamento para
serem explorados deve ser coerente com os objetivos propostos para a formação do leitor
competente e também deve ter uma abrangência interdisciplinar.
É importante também lembrar que o professor, ao disponibilizar uma grande variedade e
diversidade de textos, possibilita o aluno a ter contato com diferentes abordagens, distintos
pontos de vista. Isso enriquece o ‘fazer’ pedagógico, na medida em que o aluno tem a
oportunidade de aprender que os textos podem trazer diferentes concepções de mundo e, mesmo
com ideias divergentes, eles mantêm permanentemente uma relação interdiscursiva. Esse contato
com leituras diversas contribui decisivamente para o amadurecimento da capacidade leitora do
aluno à proporção que a sociedade constrói sua pluralidade. (PLE, 2006)
Diante disso, o professor não se deve dar por satisfeito apenas com um tipo de texto que
atenda somente às necessidades dos conteúdos relativos ao ensino da Língua Portuguesa. Pelo
contrário, a leitura de quaisquer outros textos das várias disciplinas pode fazer parte da aula de
Língua Portuguesa, podendo ser explorados da forma que o professor achar mais conveniente,
apenas com uma ressalva: que proporcione ao aluno o aprimoramento da sua competência
leitora.
No que concerne à diversidade textual, a professora mostrou boa vontade, dedicação e
esforço para implementar seu plano de trabalho em relação à leitura, entretanto, faltam-lhe
subsídios teóricos para que esse trabalho obtenha o êxito almejado. Sua abordagem na condução
das atividades didáticas em relação à leitura mostrou-se superficial e carente de conhecimentos
mais técnicos e mais consistentes para a execução do seu trabalho.
Ela tentou até diversificar os textos explorados em sala de aula, todavia não conseguiu
explorá-los adequadamente, como também não conseguiu chamar a atenção dos alunos para que
o trabalho fluísse. Além disso, existe a dificuldade de recursos didáticos nesse sentido, pois
alguns textos tiveram de ser escritos na lousa, perdendo-se um preciosíssimo tempo, embora isso
não justifique o não aprofundamento dos aspectos linguísticos do texto.
Então, a soma da carência de recursos técnicos da professora à falta de recursos
didáticos acaba por fazer com que as atividades com a diversidade textual não tenham grande
proveito como estratégia de leitura.

3.1.1.2 Os Gêneros Textuais na Sala de Aula

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Uma das propostas dos novos estudos sobre o ensino de língua é justamente sugerir à
escola a trabalhar o texto na perspectiva de gênero. Ao trabalhar com os diversos gêneros
textuais em sala de aula, a escola estará trazendo a realidade externa para fazer parte de sua
rotina, fato que, por si só, já dá sentido ao trabalho pedagógico na medida em que alia a teoria à
prática.
A obra PLE (2006, p. 25) confirma as palavras acima:
[...] os gêneros, como formas historicamente cristalizadas nas práticas sociais, fazem a
mediação entre a prática social, ela própria e as atividades de linguagem dos
indivíduos. Os locutores sempre reconhecem um evento comunicativo, uma prática de
linguagem, como instância de um gênero.
Não se concebe mais o professor se contentar apenas com materiais didáticos
burocráticos, que não fazem nenhum sentido para o aluno, produto de uma pedagogia
ultrapassada que não mais dá conta das novas exigências do processo ensino-aprendizagem. E é
oportuno lembrar que “hoje, a situação mudou muito. Há uma grande gama de materiais
didáticos, em vários suportes, que podem ser utilizados pelo professor em sua sala de aula. Esses
materiais, bem empregados, podem enriquecer muito o ensino.” (PLE, 2006, p. 170)
Queiroz (2010, p. 24) destaca a importância dos gêneros textuais como recurso didático
para serem explorados em sala de aula:
Entre as particularidades dos gêneros como objetos de ensino-aprendizagem é
conferido destaque ao seguinte fato: a didatização de um permite a configuração de
novos, os chamados gêneros escolarizados. Este ponto de vista baseia-se no fato de
que, ao se tornarem objetos a serem ensinados, eles já não se apresentam com o
mesmo aspecto.
Há uma infinidade de gêneros textuais que circulam na sociedade. Esses gêneros são
fontes autênticas e podem tornar-se fontes riquíssimas de conhecimento conforme a estratégia de
exploração adotada pelo professor. Na medida em que esses gêneros já fazem parte da
conjuntura social em que o aluno está inserido, as condições de aprendizagem são bem mais
viáveis do que aquelas em que os textos são praticamente ‘artificiais’.
Segundo ainda Queiroz (2010, p. 30) sobre os gêneros textuais,
Como implicação pedagógica para o trabalho do professor com a leitura em sala de
aula, temos a utilização de textos autênticos e diversificados que tornem possível a
reconstrução do texto por meio de uma leitura global que despertem a atenção do
aluno para as diferenças lexicais, estruturais, entre outras.
Além do caráter de autenticidade dos gêneros, há também a possibilidade de se trabalhar
com a alteridade, fator importantíssimo quando do trabalho com o texto. O contato do aluno com
os diversos gêneros lhe proporciona mais conhecimentos teóricos, porque o prático ele já tem

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sobre muitos deles. É justamente essa familiaridade do aluno com o gênero que facilitará o
desenvolvimento do trabalho pedagógico em sala de aula.
A professora, cujas aulas foram observadas, demonstrou certo conhecimento acerca da
importância do trabalho com os gêneros textuais em sala de aula, mas o modo de explorá-los não
foi o mais indicado. Talvez esse equívoco aconteça justamente porque ela tem como referência o
modo como os gêneros textuais são explorados no livro didático de português.
A título de ilustração, descreve-se aqui uma situação em que a professora tinha tudo nas
mãos para realizar um trabalho eficaz, mas devido a sua falta de recursos técnicos para a
exploração do texto, findou por perder esta oportunidade. Em determinada aula, ela levou para
sala de aula dois gêneros textuais, uma bula de remédio e uma receita de bolo. Em vez de
promover uma discussão sobre os elementos mais amplos dos textos – como situação da
produção e estrutura composicional desses dois gêneros textuais – e fazer uma análise linguística
de ambos, a professora se prendeu apenas às informações da bula e ao estudo apenas dos verbos
na receita.
Na verdade, os textos foram utilizados apenas como pretexto para ensinar conteúdos
gramaticais, deixando-se, assim, de se realizar um trabalho producente de análise linguística.
Em conformidade com as ideias de Santos et al. (2006, p. 74), a análise linguística
Não equivale ao que se tem chamado de gramática contextualizada, expressão que
aparece no discurso de alguns professores como uma prática de ensino de português.
Esse termo, muitas vezes, encobre o uso do texto como pretexto para análises
gramaticais convencionais.
A análise linguística não deve ser confundida com o ensino de conteúdos gramaticais.
Se o professor se vale do texto para apenas ensinar gramática, então está a haver um sério
equívoco porque, pelas novas propostas de ensino de língua, o objetivo maior do estudo textual é
proporcionar condições para que o aluno dialogue com o texto. Quando o professor negligencia
essa premissa, não pode haver perspectivas para a formação de bons leitores.
Uma das recomendações dos PCNs (1998, p. 60) com relação à prática de análise
linguística é o “reconhecimento do universo discursivo dentro do qual cada texto e gêneros de
texto se inserem, considerando as intenções do enunciador, os interlocutores, os procedimentos
narrativos, descritivos, expositivos, argumentativos e conversacionais que privilegiam, e a
intertextualidade (explícita ou não).”
Com relação ao Livro Didático de Português (LDP) adotado pela escola, tal instrumento
de apoio deixa muito a desejar quando do trabalho com os gêneros textuais. Essa obra tem como

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dados bibliográficos: título: Aprender juntos língua portuguesa; ano 5º; autor: Adson
Vasconcelos; editora: Edições SM; edição: 3ª; ano de publicação: 2011.
Na página 199 desse livro, há uma proposta de trabalho de interpretação textual com o
gênero ‘propaganda’. O teor do texto que interessa à análise será transcrito abaixo a fim de que
se faça uma apreciação acerca da proposta da exploração textual:

Até hoje ela não existia e você não precisava dela.


Mas pense bem: prática; bonita, várias opções de cores; sem esforço para lavar seu cão.
Além disso, está em promoção. Você compra uma e a segunda sai quase de graça.
E tem mais: se você ligar nos próximos 5 minutos, ganhará um xampu especial.

Atente-se agora para a atividade proposta para explorar o referido gênero textual:

a) Qual circunstância o advérbio hoje expressa no anúncio?


b) Qual advérbio do anúncio expressa a ideia de que, ao levar a segunda máquina, ela
não sai totalmente gratuita?
c) Qual o advérbio da parte final do anúncio cria uma ideia de intensificação das
vantagens para o comprador?

O texto publicitário tem todos os requisitos necessários para se colocar em prática uma
atividade proveitosa sobre gênero textual. Primeiro, porque esse gênero textual está onipresente
na sociedade moderna, sobretudo no meio midiático; segundo, porque ele oferece uma gama de
possibilidades para o trabalho com a análise linguística.
Entretanto, o LDP ignorou tais aspectos e se restringiu apenas a usar a velha estratégia
de usar o texto exclusivamente como ‘pano de fundo’ para o ensino da gramática. No caso da
interpretação acima, toda a essência do texto foi preterida em prol do ensino apenas de
advérbios.
Santos et al. (2006, p. 76) rejeita tenazmente essa postura equivocada e esclarece que:
Quanto ao trabalho com os gêneros especificamente, focaliza-se não mais a análise da
estrutura das frases, mas a análise da função social dos gêneros; não mais a fixação
das regras em exercícios repetitivos, e sim a reflexão sobre a adequação do registro à
situação de comunicação em que o gênero se insere.
A proposta da atividade do LDP foge completamente às novas concepções sobre o
trabalho com gênero textual. Nem há a preocupação de ao menos propor uma questão sobre a
função que o gênero propaganda desempenha na sociedade, como também as estratégias

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utilizadas para atrair o consumidor. Até mesmo as características peculiares às mensagens


publicitárias, (mensagens curtas, diretas, positivas; verbos no imperativo; ilustrações atrativas)
que deveriam vir em primeiro plano, não são mencionadas.
Santos et al. (2006, p. 49) ainda acrescenta o comentário abaixo:
Uma preocupação ainda rara dos autores e editores, no processo de edição, é um
tratamento adequado à propriedade do gênero, o que envolve, muitas vezes, o respeito
pelo suporte, pela apresentação multimodal dos textos (fotos, imagens, infográficos
etc.), pela diagramação e disposição de alguns elementos, etc.
Não basta apenas ao LDP explorar os aspectos verbais do texto, mas também se devem
explorar os aspectos não-verbais. No caso dos textos publicitários, é imprescindível que se faça
uma leitura da linguagem não-verbal, visto que tal gênero, geralmente, vale-se de ilustrações e
outros elementos similares.
Ademais, o texto publicitário articula a sua linguagem ao contexto em que se insere a
fim de atingir seu objetivo, ou seja, ter aceitabilidade pelo leitor. De acordo com as palavras de
Orlandi (2012, p.50),
[...] o processo de compreensão de um texto certamente não exclui a articulação entre
as várias linguagens que constituem o universo simbólico. Dito de outra maneira: o
aluno traz, para a leitura, a sua experiência discursiva, que inclui sua relação com
todas as formas de linguagem.
Na sociedade letrada, as linguagens fazem parte do cotidiano das pessoas e, atualmente,
devido aos avanços tecnológicos, tornou-se quase impossível o indivíduo viver no meio urbano
sem que recorra a elas. O êxito da publicidade justamente está na exploração dessa relação
simbiótica entre o indivíduo e o meio.
Na verdade, ainda há um conservadorismo do LDP no tocante ao texto publicitário,
como ressalta Casagrande e Braga (2012, p. 7):
A legitimação do texto publicitário como objeto pedagógico provoca certas
inquietações, já que o comum é relacioná-lo como meio de atender a interesses
comerciais e que nada tem a ver com o pedagógico. Embora seja indiscutível o caráter
comercial do texto publicitário, ele se encontra em um cenário dicotômico, pois no
momento que sai dos suportes convencionais e vai para o livro didático, o anúncio
publicitário passa a se constituir, também, em material didático, possibilitando assim,
sua utilização como objeto pedagógico.
Quando um LDP não reconhece o texto publicitário como um material de relevante
valor didático, ele passa a ser um instrumento de pouca valia, tendo em vista que tal gênero é um
autêntico produto da sociedade capitalista, e não se pode ignorar a relação intrínseca entre
sociedade e escola. Se o livro didático transmite uma visão alienada das relações sociais, então
não tem compromisso com a formação cidadã do aluno.

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É oportuna, neste contexto, a abordagem de Citelli (1998, p. 43) quando assim se


manifesta: “o texto publicitário nasce na conjunção de vários fatores, quer psicossociais-
econômicos, quer do uso daquele enorme conjunto de efeitos retóricos aos quais não faltam as
figuras de linguagem, as técnicas argumentativas, os raciocínios.”
Diante disso, Martins & Camargo (2013, p. 18) sugere:
Ao utilizar o anúncio publicitário, em sala de aula, torna-se interessante que o
professor discuta com os alunos todos os aspectos e peculiaridades relativas à
produção desse texto. Desta forma, ele estará criando condições para que o aluno
reconheça essas estratégias da publicidade, e torna-se menos vulnerável aos seus
apelos.
O trabalho com o texto publicitário é uma das estratégias de que o professor pode-se
valer para educar seus alunos a viver numa sociedade consumista, em que o ‘ter’ prevalece sobre
o ‘ser’. Como se sabe, a mídia veicula os anúncios publicitários com a única e exclusiva
preocupação de incentivar os indivíduos a consumir cada vez mais. Nesse sentido, a intervenção
do professor é providencial, na medida em que pode desenvolver atividades didáticas em sala de
aula que agucem a percepção dos alunos com relação às tentações do ‘marketing’ na sociedade
capitalista.
O gênero textual proposto para ser explorado na página 224 do LDP é uma cantiga de
roda, a qual será transcrita abaixo com sua respectiva interpretação a fim de que se promova uma
discussão:

Teresinha de Jesus
de uma queda foi ao chão.
Acudiram três cavalheiros,
todos três de chapéu na mão.

O primeiro foi seu pai;


o segundo, seu irmão;
o terceiro foi aquele
a quem Teresa deu a mão.

a) Qual palavra da cantiga indica a quantidade de pessoas que ajudaram Teresinha?


b) Quais palavras dão ideia da ordem em que essas pessoas ajudaram Teresinha?

Evidencia-se mais uma vez que o texto serviu apenas para a gramática, especificamente
para trabalhar o conteúdo ‘numeral’. A cantiga de roda faz parte das manifestações folclóricas do
Brasil e, por isso, haveria a possibilidade do LDP explorar vários aspectos em relação a esse

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fenômeno folclórico. A título de exemplo, poder-se-ia levantar várias questões sobre a cantiga de
roda, como, a sua origem, a sua tradição oral, a sua composição, o seu ritmo, etc.
Todavia, o LDP optou por preterir todas as possibilidades de explorar a cantiga dentro
da concepção de gênero textual, desperdiçando toda uma oportunidade de grande utilidade
didática.
Nesse sentido, o desenvolvimento das atividades didáticas acerca dos gêneros textuais
não atende aos requisitos dos pressupostos para as atividades de leitura e escrita, fato que impede
que o trabalho na perspectiva de gêneros não traga resultados concretos em sala de aula.

3.1.1.3 O Texto Literário em Sala de Aula

O LDP desconsidera a essência do texto literário, limitando-se apenas a utilizá-lo como


pretexto para simplesmente ensinar gramática. Transcreve-se abaixo um poema que se encontra
na página 75 com sua respectiva exploração textual:

Cachorros e gatos13
O cachorro lambe o dono
com seus olhos de mel,
derramando tudo o que encontra
pelo meio do caminho:
um vaso de barro,
uma lata, o vizinho.

Já o gato é outra história:


caminha no chão como no ar,
e seus pensamentos são finos
fios de seda espalhados pela casa.
Para o cachorro, um osso;
Para o gato, um telhado.
a) Todos os seres vivos do poema são do sexo masculino. Se fossem do sexo feminino, como
ficariam os substantivos que se referem a eles?
b) Como ficaria esse título no diminutivo?
c) No poema, que palavras terminam em - inho, mas não estão no diminutivo? Em que grau
estão?

13
Roseana Murray

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d) Copie no caderno a melhor opção. O título está no plural porque:


 No poema são citados vários cachorros e gatos.
 O poema trata de ações da maioria dos cachorros e gatos.
 Os substantivos cachorro e gato são citados mais de uma vez.
e) O adjetivo espalhados (masculino e plural) concorda com qual substantivo no poema?

Pode-se perceber, acima, que o texto literário acaba por não cumprir sua função se o
professor se ativer apenas a questões gramaticais. O autor do livro sequer abordou a estrutura
desse tipo de texto, como versos, estrofes, rimas, o que seria o mínimo aceitável. Mais uma vez a
reflexão sobre o tema do texto foi preterida, e toda a abordagem sobre ele incidiu sobre o plano
gramatical. É impossível que os alunos sejam estimulados a tomar gosto pela literatura a partir
de uma estratégia que, nem ao menos, desafia o aluno a refletir sobre a linguagem literária.
Essa realidade descrita acima ratifica o que declara a obra PLE (2006, p. 150): “de fato,
quando ingressamos na escola, dificilmente somos estimulados a ouvir e ler poemas. O texto
serve de trampolim, na maioria das vezes, para o estudo de vocabulário, regras gramaticais e de
estilo.”
O fundamental na leitura literária é não romper a magia entre os leitores e os desafios
impostos pela linguagem, já que é nessa relação entre ambos que vão surgir várias leituras e
somente os leitores terão autoridade para atribuir-lhe a significação mais coerente. Quando se
rompe esse momento mágico, o texto literário deixa de ter significação. (PLE, 2006)
Ainda que grande parte dos textos literários se assemelhe na forma aos demais, eles
também apresentam características peculiares no aspecto linguístico. Sua construção está
condicionada ao poder de manipulação das palavras pelo autor que, por sua vez, está submetido
às suas exigências nos aspectos de sensibilidade e estética. (PCNs, 1998)
A habilidade do autor em lidar com as palavras é um dos segredos da composição
verbal da produção literária. É justamente nesse aspecto que estão as nuances que dão sentido ao
texto, como tão bem observa Fiorin & Savioli (1999, p. 351): “no texto literário, o escritor não
apenas procura dizer o mundo, mas recriá-lo nas palavras, de modo que, nele, importa não
apenas o que se diz, mas o modo como se diz.”
Todo esse trabalho com os aspectos composicionais e formais da literatura são muito
importantes, mas, antes de tudo, conforme Meirelles (2010, p. 48), deve-se lembrar de que:
[...] é preciso compreender que, antes de analisar e refletir sobre os aspectos formais
da literatura (história, linguagem etc), os estudantes têm de gostar de ler. E isso só se
faz de uma maneira: lendo, lendo, lendo. Porém, ninguém nasce sabendo. Cabe à
escola dar acesso às obras e ensinar os chamados comportamentos leitores [...]

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Não há prática didática que almeje o êxito, no ensino de língua, e desconsidere o


pressuposto de que o aluno tem de ser atraído para a leitura. No ensino específico de literatura,
principalmente, visto que é esse pressuposto que dinamizará todo o processo para a
aprendizagem do aluno quanto aos elementos do texto literário. Mais uma vez ratifica-se a
necessidade de a escola dispor o maior número possível de textos de diferentes gêneros e
espécies para os alunos, como estratégia de atraí-los para o universo da leitura.
Zilberman (2010, p.42) coloca o leitor como coautor da criação literária ao assim
discorrer:
O mundo representado pelo texto literário corresponde a uma imagem esquemática,
contendo inúmeros pontos de indeterminação. Personagens, objetos e espaços
aparecem de forma inacabada e exigem, para serem compreendidos e introjetados, que
o leitor os complete. A atividade de preenchimento desses pontos de indeterminação
caracteriza a participação do leitor, que, todavia, nunca está seguro se sua visão é
correta. A ausência de uma orientação definida gera a assimetria entre o texto e o
leitor; além disso, as instruções que poderiam ajudar o preenchimento dispersam-se ao
longo do texto e precisam ser reunidas para que se dê o entendimento; assim, o
destinatário sempre é chamado a participar da constituição do texto literário, e a cada
participação, em que ele contribui com sua imaginação e experiência, novas reações
são esperadas.
Pelas palavras da autora supracitada, conclui-se que só pode haver literatura se houver a
participação ativa do leitor. O esplendor do texto literário está exatamente na simbiose entre
texto e leitor, uma vez que sua leitura não se resume apenas a palavra pela palavra. Pelo
contrário, a palavra é por excelência plurissêmica, possibilitando ao leitor fazer leituras distintas
cada vez que ele se reencontre com o mesmo texto.
Eis outro poema pinçado do LDP, página 68, e sua respectiva interpretação para
posterior análise:

A lua cheia14
A lua mais que redonda
hoje está cheia.
Tem a cara inchada
como quem sofre
de dor de dente.
a-) Que adjetivos dos dois primeiros versos foram necessários para que você imaginasse e
desenhasse a Lua do modo como o poeta a descreveu?
b-) Por que os adjetivos dos dois primeiros versos estão no feminino e não no masculino?

14
José Antônio Dávila

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c-) Se o poema fosse sobre o Sol, como ficariam os adjetivos que aparecem nos dois primeiros
versos?
d-) Que adjetivo há no terceiro verso?
e-) Se no terceiro verso a palavra cara fosse substituída por rosto, que alteração precisaria ser
feita no adjetivo?
f-) Para reforçar o aspecto arredondado da Lua cheia, que comparação o poeta faz?

A exemplo do poema anterior, toda a interpretação novamente concentrou-se sobre o


conteúdo gramatical. Não se fez nenhuma alusão ao tema do poema, que é a Lua. O que é
inconcebível. Por que não abrir uma discussão sobre o caráter romântico e confessionário que se
atribui à Lua? Por que não propor uma atividade de pesquisa sobre poemas e letras de música
que tenham a Lua como tema? Uma vez mais a gramática saiu a ganhar, pois o texto foi
monopolizado em torno dela.
É uma pena que as produções literárias sejam tratadas didaticamente desse modo, visto
que elas trazem consigo um conjunto de elementos estruturais e composicionais que não devem
ser preteridos quando de sua exploração. Ademais, a coparticipação do leitor na sua leitura é
imprescindível.

3.1.2 – O Material Didático Utilizado na Prática da Leitura

3.1.2.1 – O Livro Didático de Português (LDP)

Mügge (2011, p. 39) assim explica o que significa o livro didático:

O resultado da compilação de textos com o objetivo de servir de material de apoio


para o ensino resulta no livro amplamente conhecido como didático. Ao longo de sua
existência, adquire os mais diferentes formatos e denominações e é organizado sob os
mais variados métodos, reforçando, muitas vezes, ideologias vigentes.

A professora conta com parcos recursos para desenvolver suas estratégias de leitura. O
principal instrumento didático é o LDP, cujos dados bibliográficos já foram anteriormente
descritos.
O livro está dividido em quatro unidades, e cada uma dessas unidades é constituída de
três capítulos que, por sua vez, são divididos em seções. As seções estão divididas em subseções.
Duas delas merecem aqui ser destacadas como objeto de análise, porque evidenciam como a
leitura é trabalhada nesse LDP, são elas: hora da leitura e linha e entrelinha.
Transcreve-se abaixo um excerto do texto a ser lido na subseção hora da leitura, p. 12:

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O mandachuva15

O piloto, maior autoridade a bordo, era responsável pela definição do rumo, tomada a
partir da posição dos astros. Sua opinião sobre a rota a ser tomada prevalecia até sobre a do
comandante (...)

Observe-se agora uma das questões da proposta para trabalhar a subseção linha e
entrelinha:
1-) O sentido de mandachuva é líder, chefe, indivíduo influente. Por que o piloto era o
mandachuva a bordo?

Ora, entende-se que entrelinha é aquilo que vem subtendido no texto, algo que não está
explícito e que só poderá vir à tona se o leitor tiver a competência de ir desvelá-lo. Pela
formulação da questão do LDP, não se encontra nada parecido com o que foi descrito acima
sobre entrelinha, pois a questão sequer pede ao leitor que deduza, pelo contexto, o significado de
mandachuva. Pelo contrário, já dá o significado da expressão pronto. Quanto à pergunta, resta
apenas ao aluno transcrever as informações sobre a responsabilidade do mandachuva a bordo.
O aluno, em nenhum momento, foi instigado a penetrar nas entrelinhas do texto,
restringindo-se o seu papel, assim, a um mero reprodutor de informações para prestar contas de
sua atividade. Uma prática de leitura dessa natureza, que não leve o aluno à reflexão, não pode
fazer dele um leitor ativo e consciente de sua participação na produção do texto.
Os textos do livro não parecem interessantes para os alunos, já que eles não
demonstraram nenhum entusiasmo em lê-los. Ao se fazer uma análise cuidadosa do LDP,
percebeu-se que seus textos seguem a metodologia tradicional, ou seja, em sua maioria, são
textos escritos exclusivamente para livros didáticos, realmente não estimulam ninguém a ler, e a
maior parte deles resume-se em textos descritivos, informativos e tirinhas.
Nessa fase, Beltran (1989) afirma que o aluno quer ação, movimento, suspense,
mistério. Então por que não começar com revistas em quadrinhos ou livrinhos de narrativas
curtas? A partir daí ele pode desenvolver o gosto pela leitura. Com o decorrer do tempo, o
professor pode adotar leituras mais aprofundadas, inclusive a literária.
A proposta de compreensão textual baseia-se também na metodologia tradicional, com
perguntas óbvias, bastando ao aluno apenas a tarefa de localizar as respostas e transcrevê-las. As

15
Ricardo Prado

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tirinhas são usadas essencialmente para o trabalho com a gramática, ficando a exploração do
sentido do texto relegado a um plano secundário, quando não ignorado.
Eis a reprodução do diálogo de uma tira contida no LDP, p. 180, diálogo esse que se
estabelece entre O Menino Maluquinho 16e sua mãe. Logo abaixo estão as questões formuladas
para a compreensão textual:

Menino Maluquinho – Mãe, por que você e o papai são casados?


Mãe – Ué, porque a gente se ama!
Menino Maluquinho – Quer casar comigo também?
a) A pergunta do Menino Maluquinho no último quadrinho demonstra o sentimento que ele tem
pela mãe. Que sentimento é esse?
b) Nos balões acima, por que foi usado em uma pergunta ou em uma resposta?
c) E porque foi usado em uma pergunta ou em uma resposta?

Não é preciso uma análise mais aprofundada para constatar que a tira acima foi usada
puramente para ensinar o uso do por que, preterindo-se, assim, o que seria essencial para que o
texto ganhasse sentido para o aluno. Por que não provocar os alunos a discutir o que é o amor?
Por que não discutir os vários tipos de amor? Como fica evidenciado, perde-se, no caso em
questão, a oportunidade da reflexão sobre a essência do texto, ou seja, as ideias do autor e do
receptor foram completamente anuladas.
Esta é outra reprodução de um diálogo de uma tirinha que se encontra na página 247 do
LDP, cujo protagonista é novamente O Menino Maluquinho17. Para fins de melhor
compreensão, descreve-se, primeiro, a situação e, logo após, o diálogo e a proposta de estudo de
texto.

Estão, em uma loja de brinquedos, o Menino Maluquinho, o pai dele e a vendedora:


Menino Maluquinho – Vou levar estes sete cartuchos...esta espada-laser, este carro de rádio-
controle, esta roupa de flash e estes robozinhos!
Vendedora – Vai pagar com dinheiro ou cheque?
Menino Maluquinho – com papai de crédito!
a-) Por que foram usadas reticências do primeiro para o segundo balão?
b-) Copie o texto do terceiro quadrinho e inclua o sinal de pontuação que falta.
c-) Por que, no último quadrinho, foi usado ponto de exclamação?

16
Ziraldo
17
Ziraldo

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d-) No segundo quadrinho, a vírgula serviu para separar itens de uma lista. Que tipo de itens
formaram essa lista?
e-) Que palavras da língua inglesa aparecem na tira?

O objetivo da tirinha se limitou somente a enfatizar as regras de pontuação, na maior


parte das questões, e a identificar as palavras de origem da língua inglesa, desconsiderando
completamente quaisquer outros aspectos do texto. O aspecto mais relevante do gênero, que seria
o humor provocado pelo trocadilho criado pela personagem ‘O Menino Maluquinho’, não foi
explorado.
O trocadilho, segundo o Dicionário Houaiss (2004, p. 736), é um “jogo de palavras que
apresentam sons semelhantes ou iguais, mas que possuem significados diferentes, de que
resultam equívocos por vezes engraçados.” O trocadilho criado, que é papai de crédito em
analogia a cartão de crédito, é o ápice da tirinha, pois o humor do texto está justamente nele.
Como não houve nenhuma referência a ele na exploração do texto, não houve também nenhum
sentido em trabalhar esse gênero.
Antunes (2003, p. 124) expõe o seu ponto de vista sobre o uso do livro didático em sala
de aula:
O livro didático e a sobrecarga de trabalho em sala de aula deixaram o professor sem
oportunidade de criar seu curso. Nada tinha que ser inventado. Tudo estava lá. O que
se pretende agora é diferente. Mesmo com o livro didático (que está bem melhor, diga-
se de passagem), se pretende um professor que lê (tudo!), que pesquisa, que observa a
língua acontecendo, no passado e agora, em seu país, em sua região, em sua cidade,
em sua escola, e que sabe criar suas oportunidades de analisar e de estudar os fatos
linguísticos que pesquisou.
O livro didático é apenas mais um instrumento do professor para desenvolver seu plano
de ensino, ele é um acessório entre muitos outros que podem subsidiar as atividades didáticas em
sala de aula. O mais grave é que se criou uma ‘cultura’ na escola baseada no pressuposto de que
sem o livro didático não há condições de o professor dar aula. A maioria dos livros didáticos já
traz o plano elaborado sobre o que deve ser ensinado durante o ano letivo pelo professor. Os
conteúdos já vêm distribuídos metodicamente, e ao professor resta copiar o plano e segui-lo, sem
uma avaliação dos conteúdos e das estratégias. Desse modo, o autor do livro ocupa o lugar do
professor, ficando esse apenas como repassador de conteúdos.
Citelli (1998, p. 53) assim analisa o livro didático:
Sendo livros idealizados, costumam esvaziar dos conceitos ensinados os traços da
História, deixando-nos uma fórmula que parece ter vindo de nenhum lugar e se dirige
para lugar algum. Por estarem marcados pelo estereótipo, tais obras conseguem
apresentar modelos que pouco ou nada têm a ver com a realidade da maioria das

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crianças, refletindo quase sempre formas ligadas ao padrão de vida de uma pretensa
classe média.
Embora seja inegável que o LDP tenha melhorado bastante nos últimos anos, alguns
aspectos da pedagogia tradicional ainda são intocáveis. Um deles é que o ‘bom livro’ de
português tem de conter, obrigatoriamente, a parte gramatical, pois se criou o estereótipo de que
quem sabe português é quem sabe gramática. Tal concepção ultrapassada termina por fazer com
que vários projetos inovadores do ensino de língua, que privilegiam a realidade da maioria das
crianças, encontrem resistência de serem postos em prática porque grande parte dos professores
ainda está presa à pedagogia tradicional do LDP.
Demo (1998, p. 45) mostra-se extremamente preocupado com a dimensão pedagógica
que o material didático direcionado pelo sistema atingiu no cotidiano escolar:
[...] será muito importante evitar que o professor se torne apenas usuário de material
didático alheio, decaindo na condição de mero porta-voz. Se isto suceder, o material
didático realiza exatamente o contrário do que deveria realizar, porque em vez de
instigar o questionamento reconstrutivo, consolida a condição de objeto de ensino. A
finalidade específica de todo material didático é abrir a cabeça, provocar a
criatividade, mostrar pistas em termos de argumentação e raciocínio, instigar ao
questionamento e à reconstrução. Neste sentido, é instrumento, não a última e única
palavra.
É notório que se superdimensionou o papel do material didático destinado ao trabalho
escolar. Os livros didáticos, muitas vezes, são usados como verdadeiros manuais que ditam o que
é ‘certo’ ou ‘errado’, reduzindo o professor à condição de mero adestrador e o aluno, à de mero
adestrado. Orlandi (2012, p. 115) ratifica as palavras acima: “muitas vezes, a leitura ideal do
professor é fornecida pelo livro didático. A autoridade imediata, nesse caso, é o autor do livro
didático adotado que, por sua vez, pode-se ter modelado no crítico.”
O aluno realiza as tarefas mecanicamente, transportando trechos do texto para cada
pergunta. O tempo que deveria ser usado para a exploração e a extrapolação do texto fica
destinado a uma atividade improdutiva, que não atende às reais necessidades do aluno no
processo ensino-aprendizagem.
Outra agravante é que alguns alunos conseguem o livro do professor, bastando apenas a
eles somente transcrever as respostas. O que se pode esperar de uma estratégia de leitura desta,
ou seja, mandar que o aluno responda às questões que já tem suas respostas padronizadas? Pode-
se dizer que houve exercício de raciocínio lógico? Existe aprendizagem? Conclui-se que, caso o
livro didático não seja usado adequadamente, acaba comprometendo o aprendizado do aluno.
Sua capacidade de criar é tolhida e, consequentemente, fica condicionado a apenas estereotipar.
E para que isso não aconteça, Demo (1998, p. 21) sugere que “quando só existe o livro didático,

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é preciso pelo menos fazer o aluno procurar nele o que interessa, usando-o mais como fonte de
pesquisa, do que como manual ou receita.”
Mas esse mito da hegemonia do livro didático foi criado mais pelo comodismo do
professor do que pela importância dele. É compreensível que, diante das carências que assolam
as escolas brasileiras, fica difícil para o professor contar com o apoio da escola para ter ao seu
dispor mais material didático. No entanto, isso não justifica que ele não busque alternativas para
desenvolver sua prática didática.
A obra PLE (2006, 106) coloca escola, planejamento e professor em primeiro plano
quando da escolha do material didático:
[...] podemos dizer que só o planejamento escolar e o planejamento pessoal de cada
professor, na medida em que incluam uma discussão sistemática sobre os materiais
didáticos, podem nos dizer, a cada momento e a cada situação, qual é o material (mais)
adequado, quais são os parâmetros e os procedimentos apropriados para uma escolha
qualificada, e que valores pedagógicos definem e favorecem o uso crítico.
Santos et al. (2006, p. 47) esclarece que: “De fato, não podemos negar que há
diversidade textual nos livros didáticos de português. No entanto, é importante salientar que
apenas a presença de textos em gêneros diversos no LDP não garante a formação de um leitor
crítico e autônomo.” É preciso que o professor esteja apto a fazer uma análise do livro didático e,
consequentemente, do tratamento que é dado aos textos, pois não basta que haja textos de vários
gêneros nesse instrumento didático se a exploração deles é apenas superficial e limita-se apenas
aos ditames da pedagogia tradicional.
Ao fazer uma análise sobre a produção de material didático destinado ao trabalho com o
ensino de língua no Brasil, Azeredo et al. (2008, p. 84) chega à seguinte conclusão:
É importante investir na produção de material didático que, em geral, tem estado sob a
tutela do mercado editorial pouco afeito à experimentação. Criar linhas de pesquisa
para possibilitar a elaboração de materiais mais compatíveis com o que se sabe hoje
sobre linguagem e seu funcionamento parece-me ser uma tarefa que a universidade
não pode mais negligenciar, principalmente se considerarmos a enorme carência que
marca a educação básica no Brasil.

Deve-se considerar também que o material didático produzido para ser trabalhado em
sala de aula não atende às exigências das diferentes realidades brasileiras. Devido à dimensão
continental do nosso país, existem as diversidades regionais, sejam essas no campo social ou no
campo cultural. É verdade que há autonomia para cada escola escolher seu livro didático, mas,
como, geralmente, os livros didáticos são produzidos no sul, eles são adequados para a realidade
de lá. Isso já cria sérios obstáculos para a aprendizagem dos alunos do norte do País.
Sendo assim, as opções para a escolha do livro didático não atendem às exigências das
peculiaridades regionais e locais, o que contraria uma premissa da obra PLE (2006, p. 102):

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“quanto mais adequado estiver o material, em relação à situação de ensino e aprendizagem em


que se insere melhor o seu rendimento didático.”
Venturi (2004, p. 78), em sua dissertação de mestrado, chama a atenção para a relação
entre autor e editora:
O professor Sargentim assinala que a produção de um livro didático surge da relação
do autor com a editora. A partir dessa relação, marcada pelo apelo comercial desse
tipo de produto e geralmente de prazos curtos para a entrega, se define o processo de
produção e o tipo de material a ser produzido. A própria editora pode propor ao autor
o tipo, as características do livro a ser criado e o público para o qual se destina.
Sargentim nos deixa claro como a independência do autor é relativa e que as
deliberações da editora na montagem do projeto e na execução da obra são marcantes.
Os livros didáticos são produzidos de acordo com os interesses do mercado editorial.
Nos tempos de hoje, em que o ‘marketing’ tem influência decisiva para a venda de produtos no
mercado, a preocupação das editoras é atrair seu público para vender seu produto. Diante dessa
realidade, não se pode delegar a responsabilidade das práticas pedagógicas unicamente aos livros
didáticos, considerando-os como a referência do ensino-aprendizagem.

3. 1. 3 - O Envolvimento dos Alunos nas Atividades de Leitura

Durante o período de observação das aulas, percebeu-se que os alunos, na maior parte
do tempo, permanecem dispersos, entretendo-se em conversas paralelas, sem que se concentrem
na leitura proposta pela professora. Alguns deles, devido a sua dificuldade de leitura, leem muito
devagar, o que causa impaciência nos colegas, que acabam por desistir de acompanhar a leitura.
Impacientes, inquietos, aqueles que desistem de acompanhar a leitura mediada pela
professora passam a atrapalhar o trabalho dela, ficando ela sem alternativa para controlar a sala
de aula, impotente diante daquela situação constrangedora. Não há como haver progresso diante
de tal situação, visto que uma das condições para que a prática da leitura tenha êxito é justamente
a atenção e a concentração do leitor.
Mas não é por isso que o educador tenha de desistir de fazer seus alunos leitores,
existem vários meios de levá-los ao mundo da leitura. Para isso, é necessário que o educador
mostre persistência e confiança naquilo que acredita, desafiando a curiosidade deles e colocando-
se ao seu dispor para ajudá-los no que for preciso. Cabe ao educador também orientá-los para as
‘armadilhas’ reservadas pela leitura, como também deixá-los à vontade para que cheguem onde a
capacidade intelectual deles permita chegar. (Abreu, Paula & Rocha, 2011, p. 4).
O leitor tem a expectativa de que o texto lhe diga alguma coisa que valha a pena, que o
motive a continuar a leitura e, a partir de seu envolvimento nela, inter-relacionar as suas

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vivências à mensagem do texto (Koch, 2008). É justamente a quebra dessa expectativa que faz
com que o leitor não seja seduzido pela leitura e, ao invés de aceitá-la, passa a repudiá-la.
Kleiman (2012, p. 23) atribui o desinteresse dos alunos às práticas equivocadas de
leitura:
As práticas desmotivadoras, perversas até, pelas consequências nefastas que trazem,
provêm, basicamente, de concepções erradas sobre a natureza do texto e da leitura, e,
portanto, da linguagem. Elas são práticas sustentadas por um entendimento limitado e
incoerente do que seja ensinar português, entendimento este tradicionalmente
legitimado tanto dentro como fora da escola.
O estímulo do aluno pela leitura é condicionado pela sua aceitabilidade e essa, por sua
vez, depende da identificação do aluno com o texto. Se esse pressuposto não for levado em
consideração pelo professor, são poucas as possibilidades de o aluno demonstrar interesse pelo
ato de ler.
Acerca do interesse do aluno pela leitura, Solé (1998, p. 91) dá a seguinte orientação:
Um fator que sem dúvida contribui para o interesse da leitura de um determinado
material consiste em que este possa oferecer ao aluno certos desafios. Assim, parece
mais adequado utilizar textos não conhecidos, embora sua temática ou conteúdo
deveriam ser mais ou menos familiares ao leitor; em uma palavra, trata-se de conhecer
e levar em conta o conhecimento prévio das crianças com relação ao texto em questão
e de oferecer a ajuda necessária para que possam construir um significado adequado
sobre ele – o que não deveria ser interpretado como explicar o texto, ou seus termos
mais complexos, de forma sistemática.

O trabalho com a leitura exige um diagnóstico sobre o grau de conhecimento do aluno a


fim de que o professor possa planejar atividades didáticas que despertem seu interesse por ler.
Então, não basta apenas ao professor ficar na expectativa de que o aluno demonstre interesse por
uma ou outra leitura. Antes disso, devem ser desenvolvidas atividades preliminares, que são
requisitos essenciais para que aflore esse interesse.
Não se concebe que as práticas de ensino de leitura sejam aleatórias, e Kleiman (2012,
p. 92) chama a atenção em relação a isso:
O ensino da leitura é um empreendimento de risco se não estiver fundamentado numa
concepção teórica firme sobre os aspectos cognitivos envolvidos na compreensão de
texto. Tal ensino pode facilmente desembocar na exigência de mera reprodução das
vozes de outros leitores, mais experientes ou mais poderosos do que o aluno.
A autora deixa claro a seriedade com que devem ser conduzidas as práticas de ensino de
leitura pelo professor, sob pena de se transformarem em mera repetição de ideias. Diante disso,
a responsabilidade de quem está à frente para conduzir tais práticas é muito grande, uma vez que
uma prática de leitura mal orientada pode penalizar o aluno no seu percurso escolar.

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Nesse sentido, Solé (1998, p. 104) adverte que a participação do professor deve ser
prudencial:
Por fim, frente à leitura na escola, parece necessário que o professor se pergunte com
que bagagem as crianças poderão abordá-la, prevendo que esta bagagem não será
homogênea. Esta bagagem condiciona enormemente a interpretação que se constrói e
não se refere apenas aos conceitos e sistemas conceituais dos alunos; também está
constituída pelos seus interesses, expectativas, vivências... por todos os aspectos mais
relacionados ao âmbito afetivo e que intervêm na atribuição de sentido ao que se lê.

O professor tem de estar ciente de que o ensino da leitura deve ser adequado às
peculiaridades de cada aluno, o que significa dizer que devem ser respeitados princípios não
somente relacionados à faixa etária, como também ao ritmo de aprendizagem. É preciso haver
certos cuidados quanto a esses aspectos porque a leitura é algo eminentemente pessoal e afetivo,
fato que leva o professor a ter bastante trabalho na identificação das dificuldades de cada aluno.

3.1.3.1 A Relação Professor/Leitura/Aluno

A prática comum de trabalho com a leitura, constatada pela pesquisa, é aquela feita por
indicação do professor, em que o aluno é obrigado a prestar contas do que leu para ser avaliado.
O professor é quem determina o que o aluno vai ler, exige-se dele que leia, mas não são lhe
dadas possibilidades reais para ler, como a disponibilização de textos de temas diversos para que
ele tenha o direito de escolha. Essa prática não pode garantir êxito, porque o aluno, muitas vezes,
lê por obrigação e não pelo prazer de ler.
Ao ler pelo simples motivo de que irá ser cobrado após sua leitura, ele se torna o objeto
dela, destituído de qualquer direito que lhe permita rebelar-se diante do conteúdo do texto,
tornando-se nula e passiva a sua participação. Consoante Solé (1998, p. 72), “ler é sobretudo
uma atividade voluntária e prazerosa, e quando ensinamos a ler devemos levar isso em conta.”
Assim, se há passividade diante do texto, isso faz com que o aluno não atribua
significado ao que leu. A leitura é, nesse sentido, realizada para tão-somente cumprir uma
obrigação que é imposta pela escola. Pode-se afirmar que esta estratégia de leitura não é mais
que é um processo de decifração de signos linguísticos.
Sobre este processo mecânico da prática da leitura, Franco (2008, p. 55) traça um
prognóstico bastante pessimista: “(...) enquanto perdurar nas escolas brasileiras uma prática de
leitura baseada no que o autor quis dizer, restrita ao texto pelo texto, não haverá uma formação
consistente do brasileiro enquanto leitor de textos escritos. Continuar-se-á fortemente ligado à
tradição da oralidade.”

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Kleiman (2012, p. 34) repudia veementemente essa prática de leitura, pois, segundo sua
concepção:
A leitura é, no entanto, justamente o contrário: são os elementos relevantes ou
representativos os que contam, em função do significado do texto, a experiência do
leitor é indispensável para construir o sentido, não há leituras autorizadas num sentido
absoluto, mas apenas reconstruções de significados, algumas mais e outras menos
adequadas, segundo os objetivos e intenções do leitor.
Sendo assim, não se concebe que haja uma prática de leitura autêntica se o leitor ocupa
apenas a mera posição de receptor passivo diante do texto, posto que, é através dele que todos os
elementos indispensáveis no processo de leitura são acionados.
Koch (2008, p. 219) concorda plenamente com a concepção de Kleiman e descreve a
relação entre leitor e leitura nos seguintes termos:
[...] a leitura é uma atividade que solicita intensa participação do leitor, pois, se o autor
apresenta um texto lacunoso ou incompleto, por pressupor a inserção do que foi dito
em esquemas cognitivos compartilhados, é preciso que o leitor o complete,
produzindo uma série de inferências.

Ao desconsiderar tal concepção de leitura, a escola acaba por perder a oportunidade de


desenvolver producentes estratégias de leitura em sala de aula. Uma dessas estratégias que se
enquadra nessa concepção de leitura é a leitura colaborativa, recomendada pelos PCNs. Essa
estratégia de leitura baseia-se numa “atividade em que o professor lê um texto com a classe e,
durante a leitura, questiona os alunos sobre as pistas linguísticas que possibilitam a atribuição de
determinados sentidos” (PCNs, 1997, p. 61). E o sentido do texto é a razão da leitura, afinal
“aprender a ler significa aprender a encontrar sentido e interesse na leitura. Significa aprender a
se considerar competente para a realização de tarefas de leitura e a sentir a experiência
emocional gratificante da aprendizagem.” (Solé, 1998, p. 172)
Solé (1998) também fala de uma estratégia de leitura bastante interessante, muito
simples e que pode trazer resultados benéficos para a formação leitora do aluno, essa estratégia é
a leitura compartilhada. Nessa estratégia de leitura, alunos e professor, de forma alternada entre
si, assumem o compromisso de planejar as atividades de leitura e de envolver toda a turma.
Várias alternativas existem para se trabalhar com a leitura de modo mais dinâmico,
todavia esbarram nos empecilhos arraigados no paradigma dominante da leitura mecânica. Um
desses empecilhos é apontado por Franco (2008, p. 59) quando assim se manifesta: “o professor,
normalmente vê o aluno como alguém sem conteúdo e sem capacidade crítica, que, por isso,
precisa ser moldado; não há interesse em que o aluno demonstre e debata suas leituras como
agente da leitura e edificador de sua história de leitura.”

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Em contraposição a essa concepção arcaica e sem nenhum fundamento científico,


Orlandi (2012, p. 61) recomenda:
Uma sugestão pedagógica seria os professores proporem uma organização curricular
que fosse capaz de provocar o aluno a trabalhar em sua própria história de leitura.
Colocar, portanto, desafios à sua compreensibilidade sem deixar de lhe propiciar as
condições para que esse desafio seja assumido de forma consequente.

Eis uma sugestão significativa e providencial no sentido de romper com a concepção da


leitura autorizada e verticalizada, submetida a uma ideia única, a do autor, e a uma leitura única,
a do professor.

3.1.4 A Biblioteca Escolar como Espaço para Formar Leitores

Demo (1998, p. 27) considera primordial a existência de uma biblioteca na escola:


Torna-se essencial que cada escola tenha sua biblioteca sempre renovada, com livros,
enciclopédias, livros didáticos de toda sorte, vídeos, filmes, dados importantes sobre a
realidade nacional, regional e local. Além de material ligado às necessidades
curriculares (...) é mister ter uma série de apoios importantes como obras sobre
propedêutica, enciclopédias e dicionários, literatura em geral, revistas informativas
etc.

A sociedade nos tempos atuais é bastante dinâmica, os fatos se sucedem numa


velocidade alucinante, o que exige das instituições educativas constante atualização para atender
a contento o seu público. E a biblioteca, sendo uma instituição educativa que tem a missão de
democratizar os bens culturais, deve estar em compasso com o ritmo ditado pela sociedade. Por
essa abordagem, já dá para se ter uma ideia da importância que uma biblioteca tem para uma
escola, pois, ao contrário da ideia do senso comum, “a biblioteca não é um lugar onde estão
reunidos os livros, mas o local onde se conserva a memória do mundo, onde os registros escritos
estão disponíveis para a reconstrução de novos conhecimentos.” (Vila, 2012, p. 146)
É lamentável que “a biblioteca ainda é pouco explorada, muitas vezes porque inexiste
em grande parte das escolas brasileiras, outras vezes porque não está inserida nas discussões
pedagógicas, portanto, a construção da leitura e do conhecimento não passa por ela.” (Silva,
2006, p. 20)
A assertiva do autor acima corrobora as palavras de Bari e Vergueiro (2010, p. 4) do
seguinte modo descritas: “na atualidade, apesar do amplo reconhecimento das funções da
biblioteca escolar no Brasil, de sua presença escolar garantida por diferentes legislações
sobrepostas, ela ainda não se constitui efetivamente como um ambiente de leitura inserido na
escolarização.”

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A biblioteca do Colégio Estadual Manuel Bonfim não tem uma estrutura física
adequada para atender o seu público leitor. A primeira impressão é de um depósito de livros,
pois, falta-lhe organização para ter a aparência de uma biblioteca, sem falar que apresenta
deficiência de ventilação e iluminação, o que pode causar danos irreparáveis ao acervo. A
biblioteca dispõe de estantes e armários em condições razoáveis para armazenar seu acervo. O
seu mobiliário para acomodar os alunos encontra-se em bom estado de conservação, mas o
problema é que não respeita a sua faixa etária, tendo em vista que as cadeiras e as mesas têm um
mesmo padrão para o público adulto e o público infantil.
Conforme ressalta Mota (1990, p. 52), “as instalações, nesse espaço, devem ser
adequadas, especialmente no que se refere ao equipamento, à ventilação e à iluminação, no
sentido de possibilitar a conservação do acervo e a comodidade do leitor.”
Não existe ao menos, atualmente, um funcionário para manter a biblioteca aberta, o que,
na pior das hipóteses, já seria alguma coisa. E quando há funcionário, confirma-se o que diz Bari
& Vergueiro (2010, p. 5): “geralmente, essas responsabilidades são entregues de forma precária
a funcionários escolares sem formação adequada, ou a responsabilidade por elas é delegada aos
educadores, como atividade complementar.”
Caso o professor queira visitá-la, terá que a abrir e procurar às cegas sua fonte de
pesquisa, pois os livros sequer encontram-se catalogados. Pelo contrário, encontram-se
desordenados, dificultando bastante a localização de uma obra. Esse descaso para com um
espaço tão importante da escola vai de encontro às ideias de Mota (1990, p. 51-52) quando assim
discorre: “[...] é necessário que a biblioteca disponha de um espaço amplo que comporte as
obras, o local de leitura e pesquisa e uma área de circulação, de forma que o usuário, tendo fácil
acesso ao material, possa ler, pesquisar e trocar informações.”
Acresça-se que a biblioteca escolar, para cumprir seu papel como uma instituição que se
presta em despertar o gosto pela leitura em seus futuros usuários, não basta apenas viabilizar o
acesso do aluno ao seu acervo. É necessário também que esse aluno aprenda a usufruir dos
serviços que a biblioteca oferece de maneira autônoma e consciente, ou seja, ele deve conhecer o
bastante para encontrar o que busca sem o auxílio de outrem.
Lembre-se também de que “o aluno não precisa saber ler para começar a frequentar a
biblioteca da escola” (Ferraz, 2008, p. 47). Mesmo sem o aluno saber ainda ler, é importante que
o professor leve-o à biblioteca para que ele ganhe intimidade com ela, que aprenda a apreciá-la e
a visitá-la, pois, com certeza, futuramente, ele será um assíduo frequentador.

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Por ser um espaço de tão grande relevância, o comentário de Villa (2012, p. 14) em sua
dissertação de mestrado é extremamente preocupante:
Infelizmente, alguns professores usam a biblioteca como forma de castigo para os
alunos que não se comportam em sala de aula [...] Se a biblioteca escolar é o local
onde o fazer educativo se faz presente, como pode um professor usá-la como forma
de punição? [...]

Não é à toa, então, que os alunos demonstrem insatisfação quando o professor se propõe
a visitar a biblioteca da escola. A ‘cultura’ que se construiu em torno dela explica por que ela não
é um lugar atrativo, agradável e prazeroso para eles, mas sim, um espaço onde prevalece a
pedagogia do medo, da intimidação e da obrigação. Como esperar que os alunos sintam-se
seduzidos por um ambiente desse? Qual o conceito de leitura que os alunos vão criar diante de
tal realidade? É preciso que os educadores reflitam sobre essas indagações que envolvem a
relação leitura/biblioteca escolar.
Em um estudo realizado sobre o funcionamento das bibliotecas escolares em Portugal,
Balça & Fonseca (2012) postulam que a relação entre docentes e biblioteca escolar deve ser
necessária. Tal postulado é justificado por uma série de benefícios que a biblioteca escolar pode
proporcionar aos alunos, entre eles, a aquisição da compreensão leitora, principal condição para
o seu sucesso educativo.
O acervo da biblioteca do colégio, em geral, até que não é tão mísero assim, podem-se
encontrar enciclopédias, livros didáticos, paradidáticos, obras literárias18, dicionários e vídeos
interessantes, que podem subsidiar o professor nas atividades didáticas, também há mapas e
gravuras. Faltam-lhe apenas periódicos, jornais, folhetos e filmes.
O acervo infanto-juvenil não oferece muitas opções de leitura. Esse acervo se resume a
poucos títulos, quando deveria oferecer uma grande variedade porque a maior parte do público
leitor da escola é formada de crianças e adolescentes. Justamente na fase em que o indivíduo
tem maiores possibilidades de despertar o gosto pela leitura, a biblioteca da escola não lhe
proporciona o mínimo, isto é, livros adequados para o seu gosto. “É importante que a biblioteca
tenha livros para atender ao gosto de seus usuários e que sejam adequados ao seu nível
intelectual.” (Antunes et al., 2002, p. 70)
Na condição de um espaço que tem como objetivo proporcionar o acesso à cultura, a
biblioteca escolar deve oferecer um serviço digno da função que lhe é atribuída. É necessário que
ela tenha um acervo que atraia toda espécie de público leitor, que tenha bibliotecários e/ou
dinamizadores competentes a fim de multiplicar sempre esse público. A inexistência de um rico

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Romances e livros de poesia

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acervo e desses profissionais na biblioteca escolar compromete o ensino, na medida em que esse
espaço cultural da escola é fundamental para a formação escolar e cidadã do corpo discente da
instituição de ensino.

3.2 Análise do Questionário Aplicado aos Alunos

Nesta secção, o objetivo da abordagem é analisar e discutir o que foi coletado junto aos
alunos por meio da aplicação de um questionário com perguntas abertas. Como já foi esclarecido
na parte metodológica, a turma em que o questionário foi aplicado tem 18 alunos na faixa etária
entre 9 e 12 anos. O questionário foi elaborado com 14 questões abertas sobre o tema da leitura,
as quais serão analisadas no decorrer da abordagem tendo como base as ideias expostas no
enquadramento teórico. As perguntas do questionário foram transformadas em tópicos que
resumem o conteúdo delas.

A – O Gosto pela Leitura


Quando indagados se gostavam de ler, os alunos foram unânimes em afirmar que sim.
Quanto ao por que, as respostas foram estas: porque é interessante; porque aprende mais;
porque distrai; porque entrete e passa o tempo.
Essa afirmativa demonstra que os alunos gostam de ler, o que significa que o problema
não está no desinteresse deles pela leitura, mas sim, na política de leitura adotada pela escola.
Como a observação em sala de aula constatou que os alunos têm bastante dificuldade na leitura,
pode-se dizer seguramente que se a prática da leitura fosse eficaz, eles estariam bem mais
desenvolvidos nesse quesito.
Partindo do raciocínio de que quanto mais se lê, mais se tem fluência na leitura, os
alunos, nesse caso, não estão tendo suas potencialidades leitoras devidamente exploradas, já que
o gosto por ela é o principal pressuposto para que eles se envolvam em suas ‘malhas’.
Nesse sentido, é oportuno registrar aqui uma declaração de Queiroz (2010, p. 30):
A formação do leitor em ambiente escolar depende consideravelmente da atuação do
professor facilitador para esta prática. Este utiliza várias atividades para o
aperfeiçoamento da competência de leitura dos alunos como, por exemplo, a
construção de hipóteses sobre o conteúdo do texto e suas devidas verificações,
elaboração de questionamentos sobre as informações expressas no texto, a seleção de
textos a serem trabalhados em sala de aula, entre outros.
A intervenção do professor como mediador da relação aluno/leitura é primordial para
que essa relação se torne o mais íntima possível. Caso não haja por parte do mediador a perícia
exigida para conduzir esse processo, as perspectivas para formar leitores não são das melhores

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tendo em vista que, mesmo não sendo ele que vá colocar o livro nas mãos dos alunos, depende
dele a aproximação entre o aluno e o texto.
B – A Importância da Leitura
Sobre a importância da leitura, novamente os inquiridos responderam que sim e
justificaram sua resposta desse modo: ajuda a escrever; ajuda as pessoas a identificar as
letras; porque tira conclusões.
Os alunos têm consciência de que a leitura é importante para eles, e esse já é um dos
primeiros passos para formar leitores. Somando-se o gosto pela leitura e a consciência de sua
importância, tem-se aí dois requisitos preponderantes para se colocar em execução uma proposta
de leitura promissora que pode aliar o interesse dos alunos aos objetivos da proposta.
C – A Iniciativa para a Leitura
Perguntados se faziam a leitura por exigência do professor ou de forma espontânea,
todos responderam que faziam por vontade própria. Essa resposta é animadora porque eles têm
iniciativa para buscar a leitura, além disso, está coerente com as respostas das duas questões
anteriores, em que disseram que gostam de ler e que esse ato é importante.
D – A Fonte dos Textos Trabalhados em Sala de Aula
Inquiridos sobre qual a fonte dos textos trabalhados em Língua Portuguesa, todos os
alunos responderam que a única fonte é o LDP. Isso confirma o que foi percebido em sala de
aula quando do período de observação. O livro didático é que capitaneia as atividades de leitura,
ele é a fonte principal de que se extraem os textos.
E – Os Textos Trabalhados em Sala de Aula e o Interesse dos Alunos por Eles
Ao serem indagados se os textos trabalhados são interessantes, houve unanimidade nas
respostas, todos responderam de modo afirmativo. Mas apenas um dos indagados justificou sua
resposta ao ressaltar que, através dela, eles conhecem mais o mundo da leitura.
Essa resposta dos alunos contradiz o que foi observado durante o período da pesquisa de
campo, visto que a maior parte deles dava pouca atenção nos momentos de leitura. É por isso,
que a observação direta pode dar mais possibilidades de se conhecer a verdadeira realidade do
objeto de estudo.
F – A Abordagem dos Gêneros Textuais
Ao serem interrogados se já tinham ouvido falar em gêneros textuais, todos os
inquiridos afirmaram que nunca tinham ouvido falar deles. Essa resposta dos alunos ratifica o
que foi notado no decorrer do período de observação, a professora trabalhou com gêneros
textuais, mas, em nenhum momento, ela falou que o trabalho era com gêneros textuais.

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Essa omissão da professora quanto à expressão gêneros textuais demonstra que,


embora ela trabalhe com os gêneros, não sabe exatamente o processo para que essa atividade
tenha proveito para os alunos. Isso porque o trabalho com gêneros requer toda uma sequência
didática apropriada para que aconteça o processo de aprendizagem.
G – Visitas à Biblioteca Escolar
Com relação à pergunta sobre se já tinham visitado a biblioteca durante o ano letivo,
todos os alunos disseram que só foram até lá uma única vez. Mas o objetivo não foi pesquisar
nem ler. A sala de aula estava trancada, e a biblioteca serviu de sala de aula improvisada.
Como se pode observar, a biblioteca da escola não é considerada um espaço para
formação de leitores. Funciona exclusivamente para guardar livros e para pesquisas esporádicas,
quando um aluno ou professor lá vão à busca de algum material de que estejam precisando.
H – A Importância da Biblioteca Escolar
Quanto à importância da biblioteca, todos os alunos a consideram importante e deram
como justificativas: o aluno aprende mais; é lugar de pesquisa; ela empresta livros; ensina a
ler.
Apesar de os alunos não visitarem a biblioteca, eles admitem a importância dela para a
sua formação escolar, conforme atestam as respostas dadas acima. Então, isso quer dizer que
falta por parte da escola uma política de leitura inovadora, que contemple a biblioteca como um
espaço de extrema relevância para a formação de leitores.
Solé (1998, p. 91) explica que “as situações de leitura mais motivadoras também são as
mais reais: isto é, aquelas em que a criança lê para se libertar, para sentir o prazer de ler, quando
se aproxima do cantinho de biblioteca ou recorre a ela.” A biblioteca, então, como espaço ideal
para a busca da liberdade e do prazer do aluno é essencial, “pois o prazer é algo absolutamente
pessoal, e cada um sabe como o obtém.” (Solé, 1998, p. 96)
I – A Interpretação de textos
No que concerne à dificuldade para interpretar textos, todos eles responderam que não
encontravam nenhuma dificuldade para interpretá-los. Isso se explica pelas estratégias de
interpretação que são realizadas em sala de aula.
Conforme foi observado em sala de aula, a interpretação de textos não é mais que uma
transcrição de respostas do texto para o questionário. Há ainda uma agravante no processo de
interpretação, pois grande parte dos alunos não sabe distinguir o foco narrativo entre a primeira
pessoa e a terceira pessoa do discurso. Se o texto estiver com o foco narrativo em primeira, a

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maior parte dos alunos não sabe mudar para a terceira pessoa o que, literalmente, constitui-se em
uma cópia.
J – A Relação do Aluno com o Livro
Quando perguntados se já tinham lido um livro, todos afirmaram que já tinham lido,
pelo menos um. Tal resposta indica que os alunos podem ser estimulados a serem leitores
assíduos, isso dependerá das opções de leitura oferecidas a eles. Conclui-se, então, que, se
houver opções de leitura, existe a possibilidade até de os alunos preterirem outras formas de
lazer, como os aparelhos eletrônicos, e ficar com o livro.
K – A Leitura como uma Atividade de Lazer
Inquiridos se tinham alguma atividade de lazer mais importante que a leitura, 33%
responderam que não; 67% responderam que sim e citaram a internet, a televisão e o vídeo
game.
É óbvio que na contemporaneidade há diversas formas de lazer proporcionadas pela
tecnologia, principalmente aparelhos eletrônicos, que concorrem com a leitura. Entretanto, nem
por isso, todos os alunos abandonam a leitura completamente. Os percentuais acima provam que
parte dos alunos ainda tem a leitura como uma atividade de lazer importante.
L – Projeto de Leitura na Escola
Acerca da participação em projeto de leitura, todos responderam que, até o momento, não
tinham participado de nenhum. Essa constatação é preocupante, posto que na observação
verificou-se, realmente, que as atividades de leitura são planejadas de forma independente por
cada professor, sem um planejamento coletivo que busque conciliar os objetivos em prol de um
trabalho coletivo.
O Referencial curricular nacional para a educação infantil (1998, p. 57) define projetos
como “conjuntos de atividades que trabalham com conhecimentos específicos construídos a
partir de um dos eixos de trabalho que se organizam ao redor de um problema para resolver ou
um produto final que se quer obter.”
Nada mais apropriado, então, que a prática da leitura seja desenvolvida por meio de
projetos. Um projeto de leitura bem planejado, que contemple os aspectos interdisciplinares
através de um trabalho coletivo, é uma excelente estratégia para colocar em prática atividades de
leitura. Por meio dele, podem-se traçar objetivos, desenvolver novas estratégias de leitura e
avaliar os seus resultados ao final de sua implementação.
Caso os resultados ao seu final não sejam os esperados, pode-se tomá-lo como ponto de
partida e rever tudo aquilo que não deu certo e, novamente, colocá-lo em prática.

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A importância de um trabalho sistemático e coletivo em relação ao ensino da leitura é


confirmada por Kleiman (2012, p. 78):
Quando os professores das demais matérias se envolvem com o ensino de leitura,
como deveriam fazê-lo, as oportunidades de criar objetivos significativos para a leitura
de diversos textos se multiplicam. As oportunidades de diversificação e ampliação do
universo textual do aluno são ilimitadas, desde que a atividade de leitura seja
deslocada de uma atividade meramente escolar, sem outra justificativa a não ser
cumprir programa, até uma atividade para cujo desenvolvimento e realização a leitura
sirva como instrumento importante.
A ação docente integrada em torno do desenvolvimento de um projeto de leitura é de
grande importância porque, de um modo ou de outro, todas as disciplinas dependem da leitura
para o aprendizado do aluno. Até as disciplinas da área de exatas são subordinadas ao processo
de leitura, pois, em diversas situações de atividades didáticas necessita-se dela para resolver tais
situações.
Então, como o ensino da leitura deve abranger as diversas áreas curriculares, ela
também deve ser trabalhada com os mais diferentes objetivos. Ao focar a leitura por essa
perspectiva, recorre-se mais uma vez às ideias de Solé (1998, p. 100):
[...] é preciso levar em conta que o propósito de ensinar as crianças a ler com
diferentes objetivos é que, com o tempo, elas mesmas sejam capazes de se colocar
objetivos de leitura que lhes interessem e que sejam adequados. O ensino seria muito
pouco útil se, quando o professor desaparecesse , não pudesse se usar o que se
aprendeu.

M – A Influência dos Pais em Relação à Leitura


A respeito da influência dos pais no incentivo à leitura, os inquiridos declararam que os
pais os incentivam a ler. Essa é uma resposta que desmitifica, em parte, a tese de que a família é
omissa no que diz respeito ao incentivo para que os filhos leiam. A pesquisa mostra que os pais,
ao modo deles, incentivam os filhos a ler, o que comprova que eles têm consciência da
importância da leitura.
N – A Literatura no Lar
Perguntados se tinham algum livro literário em casa (romance ou poesia), 100%
disseram que tinham pelo menos um. Essa é uma boa notícia, porque indica que os alunos têm
certo contato com obras literárias, e esse contato pode ficar mais íntimo se o professor souber
estreitar os laços entre ambos.

3.3 A Prática da Leitura em Sala de Aula X A Competência Leitora Exigida pelo Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB)/Prova Brasil

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Nesta secção, a finalidade é estabelecer um confronto entre a competência leitora


exigida pelo SAEB/Prova Brasil e a prática da leitura em sala de aula. Segundo esse sistema de
avaliação, a competência leitora se caracteriza pelo conjunto de habilidades que os alunos
possuem para ler determinados textos, organizados em determinados gêneros (SAEB, Prova
Brasil, 2009). Assim, a depender da etapa de ensino em que os alunos estão inseridos, é exigida a
competência leitora correspondente a essa etapa.
Os alunos do 5º ano (4ª série), a cada dois anos, são submetidos a essa prova para
avaliar seu nível de competência leitora, e os resultados sempre ficam muito aquém do ideal.
Castro (2009, p. 24) chama a atenção para o fato de que “pelos testes do Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica (SAEB), na quarta série 50% dos brasileiros são funcionalmente
analfabetos. [...] o nosso processo educativo deve se preocupar centralmente com as falhas na
capacidade de compreensão e expressão verbal dos alunos.”
Conforme o SAEB/Prova Brasil (2009, p. 13-14), “a língua escrita deve ser apresentada
na escola da mesma forma que é organizada na vida cotidiana, ou seja, por práticas sociais de
leitura e escrita.” Então, todo aquele conhecimento dos alunos sobre tais práticas, os vários
gêneros textuais que circulam socialmente, constitui-se em matéria-prima para o ensino de língua
na escola.
É justamente dentro dessa concepção de gênero textual que é elaborada a Prova
Brasil/SAEB, cujo objetivo central se fundamenta em avaliar o grau de competência leitora dos
alunos do ensino fundamental.
Eis algumas das principais exigências (denominadas descritores) desta prova para
avaliar a capacidade de leitura dos alunos. Em seguida a cada explicação dos descritores,
confrontam-se a teoria com a prática em sala de aula.
1 – Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros:
A habilidade a ser avaliada nesse descritor refere-se ao reconhecimento, por parte do
aluno, do gênero a que se refere o texto-base, identificando, desse modo, qual o objetivo do
texto: informar, convencer, advertir, instruir, explicar, comentar, divertir, solicitar, recomendar
etc.
Ao fazer uma relação entre o que foi presenciado durante as aulas observadas e o que
determina o descritor acima, não se desenvolveu tal habilidade para os alunos distinguirem os
vários gêneros textuais. O trabalho que a professora desenvolveu nesse sentido ficou restrito a
dois textos, a bula e a receita culinária. No caso em questão, deve-se trabalhar com o maior

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número possível de textos a fim de que os alunos tenham conhecimento da função que cada um
desempenha nas práticas de escrita.
Se os alunos não conhecem a diversidade de textos que circula socialmente, eles não
podem identificá-los no momento em que essa habilidade lhes for exigida. Então, não há como
os alunos terem êxito neste descritor, já que o seu aprendizado sobre ele é mínimo.
É pertinente lembrar também que não basta apenas explorar o gênero textual sem que
explore na mesma proporção o seu contexto de produção porque, consoante abordagem de
Franco (2008, p. 54),
A leitura de textos escritos passa por componentes contextuais e pelos componentes
textuais, não podendo ser dissociados, pois o primeiro define o que é considerado
texto pelo leitor, além de fornecer parâmetros para interpretá-lo, e o segundo define as
relações e propriedades internas e intertextuais do texto.

O contexto da produção escrita é o pressuposto para que o indivíduo identifique o papel


desempenhado por determinado gênero textual. Por isso, numa sequência didática em que se vise
ao estudo de um gênero textual, todos os aspectos relacionados ao contexto devem ser também
considerados.
2 – Inferir uma informação implícita em um texto:
O que se avalia em tal descritor é a habilidade de o leitor ler nas entrelinhas do texto, ou
seja, entendê-lo por meio de inferências. Em relação a esse descritor, o problema é seriíssimo
porque a prática de leitura adotada pela professora se resume apenas em localizar as informações
explícitas. Tal postura didática traz como consequência “a formação de um leitor passivo, que
quando não consegue construir o sentido do texto acomoda-se facilmente a essa situação.”
(Kleiman, 2012, p. 27)
De acordo com Prestes (1999, p. 16),
Tais leituras geralmente não levam o aluno a refletir sobre o que leu nem a posicionar-
se criticamente sobre o assunto lido; muito menos vão colaborar para que seus
horizontes sejam ampliados ou vão servir como valiosos subsídios para que ele se
torne apto a realizar uma produção escrita de qualidade.

Se a leitura dos alunos se prende apenas ao que está na superfície do texto, eles não
podem realizar uma leitura por inferências. Deduz-se que é por causa disso que os alunos
mostrem tanta dificuldade nas questões em que se exige o mínimo de raciocínio para entendê-las.
3 – Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato:
O leitor, conforme esse descritor, deve ser capaz de distinguir um fato narrado de uma
opinião do narrador sobre esse fato. Pelo que se observou durante as aulas, não se trabalhou com

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a leitura para que os alunos desenvolvam essa habilidade, isto é, ter a perspicácia de estabelecer
a separação entre aspectos objetivos e subjetivos no texto.
Mais uma vez destaca-se a importância do trabalho com a diversidade textual, embora
essa diversidade por si só não seja o suficiente. O conhecimento e a habilidade do professor são
sempre determinantes para que o trabalho pedagógico seja eficaz.
4- Inferir o sentido de uma palavra ou expressão:
Nesse descritor, exige-se do aluno que realize inferências para chegar ao verdadeiro
sentido da palavra ou expressão que ele desconheça.
Conforme foi observado, essa estratégia não é adotada pela professora, pois qualquer
palavra ou expressão ignorada pelos alunos eram esclarecidas, sem a necessidade de eles
descobrirem o seu sentido por si próprios.
5 – Interpretar texto com o auxílio de material gráfico diverso (propagandas,
quadrinhos, fotos, gráficos, etc.)
Por meio desse descritor, avalia-se a habilidade do aluno em atribuir sentido ao texto,
tendo como recursos interpretativos elementos verbais e não verbais. De acordo com o que foi
observado, a professora não desenvolveu nenhuma proposta de atividade de leitura que
coadunasse linguagem verbal e linguagem não-verbal.
Essa é uma atividade que não pode faltar no planejamento do professor, pois não se faz
leitura apenas por meio de palavras, mas também se faz através de imagens.
6 – Reconhecer posições distintas entre duas ou mais opiniões relativas ao mesmo fato
ou ao mesmo tema:
Através desse descritor, é requerida do aluno a habilidade de reconhecer opiniões
diferenciadas sobre um tema, acontecimento ou pessoa, em um mesmo texto ou em textos
diferentes. Essa proposta de leitura não foi colocada em prática pela professora. Apesar de no
livro didático haver seções que exploravam o mesmo tema, não se explorou a intertextualidade,
perdendo-se, desse modo, profícua ocasião para se estabelecer relações entre os textos.
Evidencia-se que há uma discrepância entre as propostas de leitura do SAEB/Prova
Brasil e a prática da leitura em sala de aula. A explicação do baixo aproveitamento dos alunos
nessa prova, então, está nessas divergências entre o que se ensina em sala de aula e aquilo que é
cobrado deles nessa avaliação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista os aspectos considerados no decorrer de toda a abordagem, conclui-se


que a prática de leitura na turma submetida à pesquisa não atende aos pressupostos sugeridos
pelas referências bibliográficas que lhe serviram de fundamento. Segundo tais referências, a
leitura deve ser trabalhada de modo que o aluno tome gosto por ela, tenha prazer em ler e seja
coparticipante na recepção do texto, com autonomia para aceitar ou contestar as ideias dele.
O confronto entre as ideias do quadro teórico e a realidade em sala de aula deixa claro
que os procedimentos de leitura realizados pelo professor não condizem com a concepção de
leitura recomendada pelos novos estudos que norteiam o ensino de língua. Prevaleceu, na maior
parte do período de observação, a leitura por obrigação em que a imposição e o autoritarismo do
professor se sobrepõem à vontade do aluno. O ato de ler restringe-se a atividades rotineiras e
petrificadas pela escola, como o uso do texto apenas para pretexto.
O aluno fica na condição de subalternidade, apenas realiza suas leituras para cumprir a
rotina de atividades que lhe é imposta. Isso tem como consequência a formação de um leitor
passivo, que se vê indiferente às ideias de um texto e sem reação para fazer uma leitura crítica,

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quando lhe for solicitada. Esse comodismo traz problemas sérios para sua formação cidadã, uma
vez que uma das condições para que o indivíduo exerça sua cidadania justamente é o domínio da
língua.
E, para que o leitor não seja condicionado a esse comodismo, uma das primeiras
providências a ser tomada pelo professor é não se contentar apenas que o aluno realize uma
leitura superficial do texto. Pelo contrário, cabe a ele estimular os alunos a adentrar nas
entrelinhas do texto, pois o seu significado pode estar na sua camada mais profunda. Através de
tal providência, estará a proporcionar ao aluno condições para ele estabelecer uma relação
dialógica com o texto, um dos requisitos essenciais para a formação do autêntico leitor.
Convém ressaltar que, antes de quaisquer outras medidas a serem tomadas para a
formação do leitor, o professor deve ter a habilidade suficiente para sensibilizar seus alunos a
despertarem o prazer em ler. O gosto dos alunos pela leitura, então, é uma fase preambular a fim
de que eles possam desenvolver suas potencialidades e, consequentemente, possam chegar às
competências almejadas.
Pelo que foi constatado na pesquisa, os alunos têm gosto pela leitura. Isso demonstra
que faltam estratégias de ensino eficazes que lhes proporcionem condições apropriadas para se
transformarem em leitores competentes. Uma dessas estratégias seria o desenvolvimento do
trabalho didático a partir da disponibilização da diversidade textual para os alunos. Como já se
frisou na abordagem do texto, os alunos precisam ter, necessariamente, à sua disposição diversos
textos para ter seu direito de escolha.
Cada leitor se identifica com determinado texto, e esse direito dele deve ser respeitado
pelo professor. A resistência de muitos alunos em ler pode se explicar justamente por não se
levar em conta tal aspecto, pois não há como realizar uma leitura espontaneamente sem que tal
leitura se mostre interessante ao leitor. Por isso, é importante colocar várias obras à disposição
do aluno, pois há a possibilidade de que ele se identifique com alguma. E é importante lembrar
que nos programas da escola não há leituras obrigatórias, o aluno pode cursar todo o ensino
fundamental sem que tenha lido um único livro.
O material didático utilizado em sala de aula para desenvolver o trabalho com a leitura
reduz-se praticamente ao LDP, principal instrumento de apoio que fornece todo o
direcionamento das atividades ao professor. Os textos que circulam nas aulas são, na sua
maioria, extraídos dele, textos esses que nem sempre correspondem aos anseios dos alunos e,
muito menos, estão adequados à sua realidade. Há, geralmente, uma leitura oficial previamente

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determinada pelo autor do livro, menosprezando toda a capacidade intelectual do professor e do


aluno de extrapolar os sentidos do texto.
Como se não bastasse essa estratégia de leitura mecânica e contraproducente, a
exploração dos textos do LDP baseia-se essencialmente no ensino da gramática. Pouco ou nada
se realiza em prol da pragmática linguística, meio pelo qual um texto pode ser dissecado de
modo sequencial até os limites do seu completo entendimento. Até mesmo gêneros textuais
como o literário e o publicitário, que podem oferecer uma série de alternativas interessantes para
sua exploração, são usados como pretexto para ensinar conteúdos gramaticais.
A prática da leitura deve proporcionar aos alunos o contato com os diversos gêneros
textuais, eles não podem ficar a ler nas aulas apenas os textos do LDP, porque o trabalho por
meio dessa estratégia além de proporcionar aos alunos conhecer vários tipos de texto, também os
aproxima da realidade concreta. Não se quer dizer com isso que a professora não busca inovar,
pois ela traz outros gêneros textuais para complementar o seu trabalho didático com o texto.
O problema está na sua carência de recursos técnicos para trabalhar com o texto
adequadamente. Dados concretos coletados no trabalho de investigação demonstram que a
docente tenta variar suas atividades. Mas há situações em sala de aula em que o trabalho com o
gênero textual requer toda uma sequência didática para ser explorado e, se o professor não
souber conduzi-las, pouco adianta ter à sua disponibilidade um universo de textos de vários
gêneros.
Falta também na escola uma proposta didática que promova uma integração entre o
ensino de leitura e o ensino das outras disciplinas. Os professores planejam suas atividades de
modo autônomo, cada qual estabelece seus objetivos de ensino-aprendizagem conforme suas
convicções intelectuais. Como se sabe, um projeto de ensino interdisciplinar, com objetivos afins
elaborados de modo coletivo e consensual, pode contribuir decisivamente para que sejam
colhidos bons resultados quando da implementação de uma prática de leitura. Ademais, se o
aluno for um bom leitor, seguramente ele terá mais facilidade de obter um bom rendimento nas
outras disciplinas.
A biblioteca escolar, que é o espaço por excelência para formar leitores, praticamente
não funciona. O acervo é até razoável, mas o material de leitura destinado ao público infanto-
juvenil é escasso, o que se constitui num sério problema, visto que a maioria do alunado do
colégio é formada por esse público. Some-se a esse problema a falta de profissionais
capacitados, bibliotecários e dinamizadores, para implementar projetos de leitura que venham a
estimular os alunos a tomar gosto pelos livros.

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Nunca é demais lembrar que uma biblioteca escolar bem equipada e com profissionais
competentes é fundamental, pois pode atrair os alunos e torná-los verdadeiros leitores. Uma
política de leitura adotada pela escola, sem que se leve em consideração o envolvimento da
biblioteca nela, não pode ter ambiciosas perspectivas para seduzir os estudantes para o universo
leitor. Então, a partir do momento em que a escola relega esse espaço cultural, ela também relega
a formação do aluno leitor.
Um fato que chamou a atenção no processo de investigação foi a afirmação dos
inquiridos de que a família os incentiva a ler. A ideia do senso comum é que as deficiências
apresentadas pelos alunos na leitura se devem exatamente à omissão dos pais em incentivá-los.
Essa ideia não é comprovada cientificamente e pode ser um modo de a escola imputar à família
um problema que ela não tem competência o suficiente para resolver.
Evidencie-se também que, nos últimos anos, tem havido muitas campanhas publicitárias
veiculadas pela mídia com o objetivo de enfatizar a importância da leitura para aprendizagem do
aluno. Não é de se estranhar, então, que os pais se sensibilizaram e procuram incentivar os filhos
nesse sentido. Talvez a explicação para essa afirmativa dos alunos seja resultado dessas
campanhas.
No que concerne à prova que avalia a competência leitora dos estudantes da educação
básica no Brasil, o SAEB/Prova Brasil, constatou-se que há uma distância abissal entre as
habilidades exigidas dos alunos por esse exame e a prática da leitura em sala de aula. Esse
descompasso evidente entre teoria e prática traz graves consequências para os alunos, que
aprendem de um modo e são avaliados de outro modo totalmente diferente. Tal assimetria só
pode conduzir os alunos a um caminho: o insucesso escolar.
Então, se não houver uma mudança de postura por parte do professor nesse sentido, o
problema continuará e, consequentemente, teremos, cada vez mais, não leitores competentes,
mas sim, decodificadores. A proposta de leitura da turma apresenta lacunas inaceitáveis para
quem almeja um ensino de língua mais dinâmico e produtivo, por conseguinte, vários aspectos
devem ser revistos.
A prática de leitura, de um modo geral, requer urgentemente um processo de inovação,
visto que, a cada dia, a sociedade torna-se mais exigente nesse sentido. Não há mais como
continuar com um ensino de língua tradicional, retrógrado, numa época em que a criatividade e a
competência são requisitos essenciais para se viver numa sociedade letrada.
Para uma proposta de leitura mais significativa, faz-se mister promover uma mudança
radical nas estratégias, preterir aquelas que já se mostraram ineficazes e priorizar aquelas que

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realmente podem surtir o efeito desejado. Destarte, somente o professor poderá ser capaz de
mudar essa situação, isto é, transformar o conceito comum de leitura na escola em um autêntico
instrumento de ensino-aprendizagem. Eis o desafio!

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NOTAS

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José Carlos Alves do Nascimento - A Prática da Leitura no Ensino Fundamental: Uma Abordagem à Luz
das Novas Concepções do Ensino de Língua Portuguesa

Anexo 1 – Questionário aplicado aos alunos

UNIVERSIDADE LUSÓFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIA


CURSO: MESTRADO EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
ALUNO: JOSÉ CARLOS ALVES DO NASCIMENTO
PROFESSORA ORIENTADORA: Drª MARIA NEVES LEAL GONÇALVES
PESQUISA DE CAMPO: Dados complementares para a elaboração final da dissertação de
mestrado

QUESTIONÁRIO

Nome do inquirido:___________________________________________________________
Idade:____________ Sexo:____________ Ano:____________

1-) Você gosta de ler? Por quê?


R:_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
2-) A leitura é importante? Justifique sua resposta.
R:_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
3-) A leitura que você faz nas aulas de Língua Portuguesa é por exigência do professor ou é
de forma espontânea (por vontade própria)?
R:_________________________________________________________________________
4-) Os textos de Língua Portuguesa que o professor passa para vocês são interessantes? Por
quê?

Universidade Lusofona de Humanidades e Tecnologias –Instituto de Educação II


José Carlos Alves do Nascimento - A Prática da Leitura no Ensino Fundamental: Uma Abordagem à Luz
das Novas Concepções do Ensino de Língua Portuguesa

R:_________________________________________________________________________
5-) Os textos que são trabalhados nas aulas de Língua Portuguesa pelo seu professor são
apenas os do livro didático?
R:_________________________________________________________________________
6-) Você já ouviu falar em gêneros textuais nas aulas de Língua Portuguesa?
R:_________________________________________________________________________
7-) Você já foi levado à biblioteca da escola por seu professor? Caso sua resposta seja
afirmativa, que atividade o professor propôs que fizesse lá?
R:_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
8-) É importante uma biblioteca na escola? Por quê?
R:_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
9-) Você tem dificuldade de interpretar um texto? Se sua resposta foi sim, cite essa
dificuldade.
R:_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
10-) Você já leu um livro?
R:_________________________________________________________________________
11-) Você tem alguma(s) atividade(s) de lazer que julga mais importante(s) que a leitura? Se
tem, qual (is)?
R:_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
12-) Você já participou de algum projeto de leitura na escola?
R:_________________________________________________________________________
13-) Em casa, seus pais incentivam você a ler?
R:_________________________________________________________________________
14-) Você tem livros literários em casa (romance, poesia)? Se os tem, já os leu?
R:_________________________________________________________________________

Universidade Lusofona de Humanidades e Tecnologias –Instituto de Educação III


José Carlos Alves do Nascimento - A Prática da Leitura no Ensino Fundamental: Uma Abordagem à Luz
das Novas Concepções do Ensino de Língua Portuguesa

Anexo 2 – Prova Brasil: descritores de avaliação do 5º ano

Procedimentos de leitura
D1 Localizar informações explícitas em um texto
D3 Inferir o sentido de uma palavra ou expressão
D4 Inferir uma informação implícita em um texto
D6 Identificar o tema de um texto
D11 Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato

Implicações do suporte, do gênero e/ou do enunciador na compreensão do texto


D5 Interpretar texto com o auxílio de material gráfico diverso (propagandas, quadrinhos, etc.)
D9 Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros

Relação entre textos


D15 Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos que
tratam do mesmo tema, em função das condições em que ele foi produzido e daquelas em que
será recebido

Coerência e coesão no processamento do texto


D2 Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições ou substituições
que contribuem para a continuidade de um texto
D7 Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem a narrativa
D8 Estabelecer relação causa e consequência entre partes e elementos do texto
D12 Estabelecer relações lógico-discursivas presentes no texto, marcadas por conjunções,
advérbios etc.

Relações entre recursos expressivos e efeitos de sentido

Universidade Lusofona de Humanidades e Tecnologias –Instituto de Educação IV


José Carlos Alves do Nascimento - A Prática da Leitura no Ensino Fundamental: Uma Abordagem à Luz
das Novas Concepções do Ensino de Língua Portuguesa

D13 Identificar efeitos de ironia ou humor em textos variados


D14 Identificar o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outras notações

Variação linguística
D10 Identificar as marcas linguísticas que evidenciam o locutor e o interlocutor de um texto

Universidade Lusofona de Humanidades e Tecnologias –Instituto de Educação V

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