DISSERTAÇÃO Práticas de Leitura e Formação Do Aluno Leitor
DISSERTAÇÃO Práticas de Leitura e Formação Do Aluno Leitor
DISSERTAÇÃO Práticas de Leitura e Formação Do Aluno Leitor
Ribeirão Preto – SP
2019
ANA CAROLINA PALMA FRANCISCO AVILA
Ribeirão Preto – SP
2019
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional
ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
FICHA CATALOGRÁFICA
Banca Examinadora
Prof. Dr. Cláudio Marcondes de Castro Filho Instituição: Universidade de São Paulo
Prof. Dra. Soraya Maria Romano Pacífico Instituição: Universidade de São Paulo
Ao meu orientador Profº. Drº. Cláudio Marcondes de Castro Filho, pela oportunidade;
À Claudete Souza, professora mediadora da sala de leitura Clarice Lispector, pelo
apoio amigável e humano;
À Sandra Helena Ferreira Rosa, pelo suporte e pela atenção carinhosa no informar;
À amiga Valéria Ferreira, pela assessoria na formatação e na normatização desta
dissertação;
Ao Branco, companheiro de aprendizagem nos estudos e na vida;
À minha mãe, pelo incentivo e amor.
Em surdina; nas profundezas de um mar social em ebulição na superfície da
desvalorizada escola, a maioria de nossos companheiros professores temos
compartilhado textos e compreensões, temos partilhado ideias e linguagens,
porque temos compreendido que ler e escrever não são atos mecânicos de
reconhecimento, mas processos de construção de compreensões dos objetos,
do mundo e das pessoas.
AVILA, Ana Carolina Palma Francisco. Práticas de leitura e formação de jovens leitores
no contexto escolar: reflexões sobre o Programa Sala de Leitura. 2019. 198 f. Dissertação
(Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São
Paulo, Ribeirão Preto, 2019.
AVILA, Ana Carolina Palma Francisco. Reading practice and young readers formation
inside the school context: reflections on the reading classroom program. 2019. 198 f.
Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto,
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2019.
Based in the Cultural Historical approach as a theoretical framework, the research is based in a
case study and represents a qualitative investigation which its general objective is to discuss the
possibilities and limits of the contribution of the Reading classroom program into forming
readers in the school context. The place chosen to develop the research was the reading class
Clarice Lispector, at the Escola Estadual Professora Djanira Velho, a public school in the city
of Ribeirão Preto and linked to the São Paulo State Department of Education. The data
collection was performed through a semi-structures interview and interactions via focus group,
carried out, respectively, with the reading classroom mediator and the seven sample students.
The research dialogues with other approaches that include studies about reading and its
practices; contextualizes the Reading Classroom Program before the main public policies linked
to the formation of readers; ascertain the process of formation of the book collection and the
organization of the space of the reading classroom; analyzes the process of choosing the teacher
responsible for the Reading Classroom Program, as well as the official guidelines that guide
their practice; characterizes the students’ relations with the book collection, the space, the
mediator teacher and the reading practices; identifies and describes the practices that occur in
the reading classroom. The results indicate that, although there is rejection of the students to
the books that belong to the collection, the space, the presence of a teacher and the involvement
in reading practices are declared positive for the reading education of the sample students. In
addition, it recognizes the potential of the reading classroom in reading education of the
students and points out the limits to be overcome through suggestions that support
diversification of the book collection, the offer of free reading moments and, most importantly,
the teaching of reading strategies in literary literacy practices.
Key words: Reading practice; Readers formation; Reading mediations; Reading Classroom
Program.
LISTA DE FOTOS
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 23
CAPÍTULO 1 – DAS OPÇÕES TEÓRICA E METODOLÓGICAS DA PESQUISA .... 30
1.1 A abordagem Histórico Cultural de Lev Semenovich Vygotsky como referencial
teórico ...................................................................................................................................... 30
1.2 A entrevista e o grupo focal na pesquisa qualitativa ..................................................... 44
CAPÍTULO 2 – AS CONCEPÇÕES SOBRE A LEITURA E SUAS PRÁTICAS .......... 61
2.1 A pesquisa sobre a leitura e suas práticas: uma visão interdisciplinar ....................... 61
2.2 A experiência da leitura. .................................................................................................. 69
2.3 Leitura: uma perspectiva interacionista......................................................................... 74
2.4 Práticas de leitura no contexto escolar: a leitura na sala de aula ................................ 76
CAPÍTULO 3 – O PROGRAMA SALA DE LEITURA NO CONTEXTO DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCENTIVO E FORMAÇÃO DE LEITORES NO
CONTEXTO ESCOLAR. ...................................................................................................... 85
3.1 Políticas Públicas de Fomento à Leitura: as propostas do Programa Nacional
Biblioteca na Escola (PNBE) e Programa Nacional de Incentivo à Leitura (PROLER)
em meio às descontinuidades. ................................................................................................ 85
3.2 O Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) como diretriz de uma Política Nacional
de Leitura e Escrita (PNLE). ................................................................................................. 91
3.3 A lei 12.244/2010 e a obrigatoriedade das Bibliotecas nas Unidades Escolares .......... 99
3.4 Considerações sobre o Programa Sala de Leitura no contexto das políticas públicas
de incentivo à leitura. ........................................................................................................... 110
CAPÍTULO 4 - A SALA DE LEITURA CLARICE LISPECTOR: RESULTADOS DA
PESQUISA E DISCUSSÃO................................................................................................. 117
4.1 Acervo e Espaço .............................................................................................................. 117
4.2 Formação de leitores e a atuação do professor mediador da sala de leitura ............ 130
4.3 Práticas de leitura ........................................................................................................... 155
4.3.1 Todos juntos contra o Aeds aegypti ........................................................................... 156
4.3.2 Setembro Amarelo ....................................................................................................... 158
4.3.3 Mediação e Linguagem ............................................................................................... 158
4.3.4 Leitura de crônicas e contos ....................................................................................... 159
4.3.5 Feira do livro ................................................................................................................ 160
4.3.6 Roda de Leitura ........................................................................................................... 161
4.3.7 Constelação .................................................................................................................. 162
4.3.8 Livro que anda ............................................................................................................. 164
4.3.9 Amar se aprende amando ........................................................................................... 166
4.3.10 Dança com poesia ...................................................................................................... 169
4.3.11 Rap e Paródia ............................................................................................................. 169
4.3.12 Jardineiros do espaço ................................................................................................ 170
4.3.13 Aperfeiçoamento em Língua Portuguesa ................................................................ 171
4.3.14 Datas comemorativas ................................................................................................ 171
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 184
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 188
23
INTRODUÇÃO
A história das bibliotecas nas escolas tem várias etapas em nosso país. No
modelo defendido e inaugurado por Anísio Teixeira, já se vão uns setenta
anos, as bibliotecas faziam necessariamente parte das instalações da "Escola
Nova" (LINDOSO, Felipe).
No entanto, em boa parte das etapas dessa história, uma sala de aula ou uma área
adaptada no pátio tentam cumprir a função da biblioteca, um equipamento cultural de elevada
importância para o desenvolvimento cognitivo e social do educando e que deveria ser um dos
pilares da estrutura educacional. Por isso, quando enfatizada a situação do contexto social,
cultural e educacional em que a maioria da nossa população é formada, entende-se que a leitura
de um livro é um ato de resistência.
Na maioria das vezes, sempre identificava que a escola possuía uma biblioteca pela
existência de alguma porta que ostentasse na parte superior uma placa ora de metal, ora de
cartolina, com a inscrição “Biblioteca” seguida do nome de algum autor ou político
homenageado. Quase sempre fechadas, desorganizadas, transformadas em depósito para as
24
“caixas de livros que chegavam do governo” e para os professores readaptados; a partir de 2009,
passariam a integrar o recém criado Programa Sala de Leitura.
No mesmo ano, ocorreu uma ampla distribuição de livros literários (romances, contos,
poesias, peças de teatro) aos educandos do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio. Cada
um recebia três livros que deveriam ser levados para a casa, contribuindo com a formação de
um pequeno acervo particular. Os livros que chegavam à Unidade Escolar faziam parte do
Programa Apoio ao Saber, da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, e eram entregues
em pequenas caixas feitas de papelão resistente e já previamente classificados por etapa de
ensino.
relação com o educando, entre atividade de ensino e atividade de estudo, são interações sociais
importantes que forjam os processos interpsicológicos de mediação responsáveis pela formação
leitora do educando. Desta forma, o professor precisa levar em consideração as desigualdades
e desvantagens sócio culturais dos educandos, repensando sua atuação, abandonando a
concepção elitista de leitura (CHARTIER, 1995) e oferecendo variedade em materiais de leitura
e práticas que possibilitem o ensino das estratégias de leitura (BUTLEN, 2016). Sobre a
formação do professor mediador, constata-se que o Instituto Ayrton Senna, em parceria com a
Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, foi responsável pela configuração do Programa
Sala de Leitura e autor exclusivo dos materiais formativos responsáveis por disseminar os
referenciais teórico metodológicos que fundamentam o trabalho do professor mediador.
o processo de desenvolvimento do fenômeno, naquilo que ele é, no que foi e no que pode vir a
ser.” (CEDRO; NASCIMENTO, 2017, p. 33).
Neste sentido, Vygotsky (2007) apresenta a ideia de que a emergência das funções
psicológicas superiores humanas (atenção, raciocínio, percepção, memória, pensamento) se dá
a partir da orientação social, ou seja, o desenvolvimento humano não ocorre pela simples
maturação do sistema neural, mas pela ação intencional dos homens entre si. Desta forma,
apresenta o desenvolvimento do comportamento humano atrelando dialeticamente os planos
biológico e cultural.
O objetivo central da teoria histórico cultural é, portanto, “estudar a formação da
subjetividade dos indivíduos a partir do seu mundo objetivo, concreto, isto é, a formação da
consciência humana em sua relação com a atividade. ” (RIGON; ASBAHR; MORETTI, 2016,
p. 25).
Para isso, Vygotsky (2016), junto aos outros cientistas do Instituto de Psicologia de
Moscou, como Leontiev e Luria, “estudaram desde processos neurofisiológicos até as relações
entre o funcionamento intelectual e a cultura da qual os indivíduos fazem parte, trabalhando
intensamente com as relações entre linguagem e pensamento”. (VYGOTSKY, 2016, p.15-16).
Na visão vigotskyana, "o pensamento não está limitado pelo cérebro ou pela mente do
indivíduo, pois a mente se encontra ligada de maneira inseparável com outras mentes.”
(CABRERA;VILLALOBOS, 2007, p. 412).
A proposta de Vygostsky, portanto, é caminhar para fora do organismo, colocando em
evidência como os processos culturalmente determinados e as relações sociais que o indivíduo
mantém no mundo exterior se entrelaçam com os mecanismos biológicos para produzir as funções
psicológicas.
Vygotsky e seus colaboradores dedicaram-se, então, a criar um modelo explicativo que
reunisse “tanto os mecanismos cerebrais subjacentes ao funcionamento psicológico, como o
desenvolvimento do indivíduo e da espécie humana, ao longo de um processo sócio-histórico.”
(OLIVEIRA, 2011, p. 11).
O cérebro é compreendido como a base biológica do funcionamento psicológico,
“formado por um sistema aberto, de grande plasticidade cuja estrutura e modos de
funcionamento são moldados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento individual.
” (OLIVEIRA, 2011, p. 17).
(OLIVEIRA, 2011, p. 17). Desta forma, ao assumir uma posição de não indiferença perante a
natureza e apropriando-se das expressões culturais já produzidas pela humanidade, o homem
torna-se humano. Tornar-se humano, portanto, é um processo biológico e histórico-cultural.
Nesta perspectiva, o trabalho adquire papel central na teoria marxista, pois “o trabalho
é aquilo que fundamentalmente humaniza e possibilita o desenvolvimento da cultura”.
(RIGON; ASBABR; MORETTI, 2016, p. 18).
Através do trabalho, o homem age intencionalmente sobre a natureza, transformando-a
a fim de satisfazer suas necessidades “ao mesmo tempo em que deixa sobre a natureza as marcas
da atividade humana, também transforma a si próprio constituindo-se humano. ” (RIGON;
ASBABR; MORETTI, 2016, p. 18).
O trabalho, portanto, é uma atividade humana essencial, pois movido pela
intencionalidade humana cria e inventa o meio, “imprimindo sobre a terra a marca de sua
vontade”. (ENGELS, 2002, p. 125 apud RIGON; ASBAHR; MORETTI, 2016, p. 18).
Desta forma, através do trabalho o homem domina a natureza, mediante o uso de
instrumentos, mas também modifica e produz a si mesmo, controlando seu comportamento e
seu intercambio material com a natureza. (MARX, 2002, p. 211 apud RIGON; ASBAHR;
MORETTI, 2016, p. 18).
Assim, o propósito do trabalho não está em si mesmo, mas na sua condição de mediador
para atingir determinado objetivo. O trabalho é, pois, entendido enquanto mediador da
atividade constituinte do ser humano.
O conceito de mediação é essencial para compreendermos os aspectos sócio históricos
do funcionamento psicológico. Um dos pressupostos da teoria vygotskyana é que a relação do
homem com o mundo não se dá de forma direta, já que se trata de uma “relação mediada, sendo
os sistemas simbólicos os elementos intermediários entre o sujeito e o mundo”. (OLIVEIRA,
2011, p. 17).
A relação mediada, portanto, pressupõe a intervenção de um elemento intermediário na
relação. No entanto, considerando a obra de Vygotsky, Costas e Ferreira (2011, p. 206)
esclarecem que não devemos entender por mediação como “a simples e assistemática inter-
relação entre sujeitos ou como a mera interferência nas interações entre sujeitos”, mas como
um rico processo entre os sujeitos que ocorrem no âmbito da linguagem, pois para Vygotsky os
seres humanos são construídos historicamente por meio da linguagem.
Sendo o trabalho, atividade socialmente organizada, o uso de instrumentos e dos signos,
como sistema simbólico, “tornam-se necessidade e condição para o desenvolvimento social e
34
individual dos homens.” (RIGON; ASBAHR; MORETTI, 2016, p. 23). Por meio do trabalho e
da comunicação as leis sócias históricas passam a gerir o desenvolvimento do homem.
Os elementos mediadores – tanto mentais, quanto físicos – de que o sujeito possui para
dominar seu próprio comportamento e o ambiente são socialmente estruturados, “não surgiram
plenamente desenvolvidos da cabeça de Deus” (LURIA, 2016, p. 26) e foram aperfeiçoados ao
longo da história do homem. Desta forma, Vygotsky distingue dois tipos de elementos
mediadores: os instrumentos e os signos.
O instrumento é um elemento mediador da relação entre o indivíduo e o mundo que
amplia a capacidade de transformação e controle da natureza pelo homem. Segundo Leontiev
(2004, p. 287) o instrumento não é apenas um objeto de forma determinada, mas um objeto
social, produto da cultura material que leva em si os traços característicos da criação humana,
na qual estão incorporadas e fixadas as operações de trabalho historicamente elaboradas pelo
homem.
Os signos são instrumentos psicológicos que coordenam e controlam as ações
psicológicas.
A invenção e o uso dos signos como meios auxiliares para solucionar um dado
problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc.), é
análoga à invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico.
O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira
análoga ao papel de um instrumento no trabalho. (VYGOTSKY, 1984, p. 59-
60 apud OLIVEIRA, 2011, p. 21).
Dizer que os signos são, em sua origem e função, relações reais, objetivas,
entre os homens, significa afirmar que se tratam de meios especiais – criados
pelo homem – em seu processo real e fundamental de relação com a natureza:
o trabalho. Os signos, como afirma Vygotsky, são um produto da atividade
humana mediada tanto quanto o são as ferramentas de trabalho. Entretanto, o
signo tem a particularidade especialíssima de estar direcionado para a
transformação da própria natureza psíquica do homem. (CEDRO;
NASCIMENTO, 2017, p. 38).
35
Em uma acepção simplista, o signo é uma marca externa, que auxilia o homem no
processo de representação do mundo material bem como de elementos ausentes do espaço e do
tempo presentes. A mediação com signos é, portanto, um processo essencial para “tornar
possíveis atividades psicológicas voluntárias, intencionais, controladas pelo próprio indivíduo”.
(OLIVEIRA, 2011, p. 22). Os signos expandem nossas possibilidades de armazenamento de
informações e auxiliam o homem em tarefas que exigem memória ou atenção. (OLIVEIRA,
2011, p. 21).
O processo de elaboração e uso de signos é a chave para compreender a fundamentação
filosófica da teoria histórico cultural. (CEDRO, NASCIMENTO, 2017, p. 37).
36
Toda función del desarollo cultural del niño aparece dos veces, o en dos
planos. Primiero, aparece em el plano social, y luego aparece en el plano
psicológico. Primeiro, aparece entre las personas como una categoria
intersicológica, y luego en el interior del niño como una categoria
intrasicológica. Lo mismo ocurre con respecto a la atención voluntaria, la
memória lógica, la formación de conceptos y el desarrollo de la voluntad.
Podemos considerar esta posición como una ley em el sentido total de la
palabra... Las relaciones sociales o entre personas sustentan todas las
funciones superiores y sus relaciones. (VYGOTSKY, 1981, p. 163 apud
MOTA DE CABRERA; VILALLOBOS, 2007, p.412).
A criança não está de modo algum sozinha em face do mundo que a rodeia.
As suas relações com o mundo têm sempre por intermediário a relação do
homem aos outros seres humanos; a sua atividade está sempre inserida na
comunicação. A comunicação quer esta se efetue sob a sua forma exterior,
quer sob a forma de comunicação verbal ou mesmo apenas mental, é a
condição necessária e específica do desenvolvimento do homem na sociedade.
As aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões humanas não são
simplesmente dadas aos homens nos fenômenos objetivos da cultura material
e espiritual que os encarnam, mas são aí apenas postas. Para se apropriar
destes resultados, para fazer deles as suas aptidões, a criança, o ser humano
deve entrar em relação com os fenômenos do mundo circundante através
doutros homens, isto é, num processo de comunicação com eles. Assim, a
criança aprende a atividade adequada. Pela sua função, este processo é,
portanto, um processo de educação. (...). O movimento da história é, portanto,
possível, com a transmissão, às novas gerações das aquisições da cultura
humana, isto é, com educação. (LEONTIEV, 2004, p. 290).
40
Por isso a mediação é um conceito essencial na teoria histórico cultural, pois “aponta
para a relação indissociável e dialética entre a atividade psíquica e o meio sociocultural”
(PRESTES; TUNES; NASCIMENTO, 2017, p.72). O desenvolvimento psíquico e a
apropriação das formas culturais humanas, portanto não ocorrem por si só, são mediados pela
relação do homem com o meio sociocultural no qual está inserido e se processa a partir da
mediação de signos e instrumentos.
Metaforicamente, Vygostsky afirma que as mediações dos adultos no ambiente
sociocultural e no contexto escolar são como andaimes; ou seja, um sistema de apoio que
permite a criança continuar construindo novas competências a partir da interação e da “ayuda
sensible, facilitando el pensamiento estratégico y representacional del nino.” (MOTA DE
CABRERA; VILLA LOBOS, 2007, p. 414,416).
Desta forma, é precisamente através da linguagem que os seres humanos interagem entre
si, com seu ambiente social e cultural. A linguagem, para Vygotsky, é o meio pelo qual o ser
humano se constitui como sujeito “porque el lenguaje es el mecanismo a traves del cual ocurre
la negociacion del significado” (MOTA DE CABRERA; VILLALOBOS, 2007, p. 413)
Sendo assim, fica estabelecida a inter-relação entre linguagem, aprendizagem e
desenvolvimento, pois “não há desenvolvimento sem ensino, sem formação humana, sem o
intencionalmente organizado trânsito do patrimônio cultural da humanidade de geração em
geração.” (LONGAREZI; FRANCO, 2017, p. 29).
Vygotsky (2007 p. 103) considera o aprendizado um aspecto necessário e universal do
processo de desenvolvimento, pois “desperta vários processos internos de desenvolvimento,
que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e
quando em cooperação com seus companheiros.”
Desta forma, Vygotsky (2007, p. 102) propõe que o bom aprendizado é somente aquele
que se adianta ao desenvolvimento, pressupondo assim que o aprendizado se converte em
desenvolvimento, ou seja, dois processos que não expressam identidade entre si, mas que
formam uma unidade.
Vygotsky (2007, p. 100) defende que o aprendizado humano “pressupõe uma natureza
social especifica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual
daqueles que a cercam. ” Como a aprendizagem é mediada culturalmente, a escola se apresenta
como um “espaço de aprendizagem, como o lugar da realização da aprendizagem dos sujeitos
orientados pela ação intencional de quem ensina” (CEDRO, 2004, p. 47).
Neste sentido, a abordagem histórico cultural aponta para a “profunda influência do
ensino na formação das pessoas” (LONGAREZI; FRANCO, 2017, p. 31). A escola, portanto,
é o espaço onde, a partir das atividades de ensino e das atividades de estudo, se estabelecem
conexões e relações que visam à aprendizagem voltada ao desenvolvimento e à formação do
homem (Longarezi; Franco, 2017, p. 109). É na relação com o meio social e físico, mediada
por instrumentos e signos, que se realiza o desenvolvimento cognitivo do ser humano.
A escola, a partir da ação intencional dos professores, exerce uma força muito grande
no que diz respeito às práticas que visam à formação de leitores, pois potencializa a formação
e o desenvolvimento da linguagem. Para Vygotsky, 1991a, p. 159 apud Longarezi; Franco,
2017, p. 29) o “professor é o organizador do meio social educativo, o regulador e o controlador
da interação deste meio com cada aluno.”
Partindo dos conceitos da teoria histórico cultural discutidos até aqui pretende-se neste
trabalho, abordar como as práticas da sala de leitura e seus elementos estruturantes (acervo,
espaço e professor) participam do processo de mediação que visa a formação dos leitores.
Por sua vez, a formação leitora a que se deve almejar a escola, e todos os programas e
políticas públicas voltadas a este fim, devem estar alinhadas para compreender a natureza
sociocultural da linguagem e, consequentemente da leitura.
Ler é “perceber e tratar diretamente a informação escrita, a partir de categorias
perceptivas e intelectuais já presentes na memória.” (CHARTIER, 1995, p. 33). A leitura não é
a “recepção passiva dos signos percebidos, e sim a antecipação ativa do sentido. O bom leitor
verifica nos signos do texto a validade de suas expectativas.” (CHARTIER, 1995, p. 33).
A leitura, pela sua atividade intensa com os signos, torna-se, então, um processo de
mediação que pode proporcionar melhorias na condição social e humana, pois se revela como
uma das vias mais interessantes no processo de construção do pensamento e da formação
cultural do sujeito.
O objetivo da escola deve ser o desenvolvimento de um leitor crítico, que busca no ato
da leitura alimentar-se dos signos, das palavras que lhes servirão para a construção de seu
pensamento, de sua personalidade, das suas vivências e dos sentidos que elas despertam.
Assim, nas pesquisas em educação, fundamentar-se na teoria histórico cultural é assumir
uma posição científica e política (CEDRO; NASCIMENTO, 2017, p. 41), já que a meta da
teoria histórico cultural é o desenvolvimento pleno do homem e a educação é um processo
fundamental para atingir este fim.
Por essa razão é que se faz fundamental conhecer a que se dirige a teoria de
Vygotsky. Esse ponto final, para o qual toda teoria é conduzida, reside na
possibilidade e necessidade histórica de cada ser singular alcançar para si as
máximas possibilidades de desenvolvimento já alcançadas pela humanidade.
(VYGOTSKY, 2004 apud CEDRO; NASCIMENTO, 2017, p. 39).
Sendo assim, a questão principal que se coloca é a das possibilidades concretas da escola
contribuir para que cada indivíduo se aproprie das realizações produzidas historicamente pelo
homem a fim formar sua personalidade. Nesse sentido, a problemática que a pesquisa procura
responder é: as aprendizagens, atividades e práticas que a sala de leitura Clarice Lispector
propõe estão sendo capazes de contribuir com o processo de formação de leitores no contexto
escolar?
1.2 A entrevista e o grupo focal na pesquisa qualitativa
45
Vygotsky apresenta, portanto, o sentido como uma formação dinâmica e fluida que se
origina de um conjunto de eventos psicológicos que aparecem na consciência em decorrencia
do uso de determinada palavra.
Para o psicologo russo, o sentido refere-se ao “significado da palavra para cada
indivíduo, composto de relações que dizem respeito ao contexto de uso da palavra e às vivências
afetivas do indivíduo.” (OLIVEIRA, 2011, p. 32).
Assim, partindo das atividades sociais dos sujeitos, as experiencias individuais, como
afeto e emoção atuam, portanto, na formação do sentido da palavra. O sentido é uma
“organização da psique como um todo”, uma categoria onde o cognitivo e o afetivo se
relacionam (GONZÁLEZ REY, 2007, p. 157).
Conforme aponta González Rey (2007, p. 158), no princípio Vygotsky analisa a
categoria do sentido associando-a essencialmente ao uso da palavra e posteriormente “vai
enfatizando, cada vez mais, a relação do sentido com a personalidade e com a vida psíquica
como um todo.”
Através da categoria sentido, além da influência dos outros e das relações sociais na
formação da psique huamana, Vygotsky propõe considerar o “pensamento integrado de forma
inseparável dos processos afetivos da pessoa.” (GONZÁLEZ REY, 2007, p. 160).
47
A inserção do sentido como uma categoria de análise é o ponto onde se fundem em uma
unidade cognição e afeto. Desta maneira, o reconhecimento das emoções como elementos da
vida psíquica coloca em pauta a questão da subjetividade na perspectiva histórico-cultural.
Vygostsky vai atribuir um “caráter gerador à psique e reconhecer a autonomia relativa
das emoções nesses espaços de produção psicológica que, sem dúvidas, apontam à conversão
do sentido numa nova unidade do sistema da psique humana.” (GONZÁLEZ REY, 2007, p.
162).
Assim, a partir da categoria de sentido, Vygotsky reconhece a condição criadora da
psique, rompendo com a primizaia do processo de interiorização que estabelece uma relação
linear e direta entre as operações interpsicológicas e intrapsícológicas. (GONZÁLEZ REY,
2007, p. 162).
Avançando nas proposições sobre a questão da subjetividade na teoria histórico cultural,
González Rey define a categoria de sentido subjetivo, enfatizando a relação inseparável do
simbólico com o emocional, e não apenas entre o intelectual e o afetivo, que tinha sido o foco
de Vygotsky (GONZÁLEZ REY, 1995 apud GONZÁLEZ REY, 2007, p. 170 ).
Em vista disso, o sentido subjetivo não se apresenta como uma expressão linear, mas
como resultado de interferências das práticas sociais de carater simbólico, que se expressam em
complexas produções psíquicas que vão além da simples internalização. O sentido é “antes de
mais nada uma relação que se cria na vida, na actividade do sujeito” (LEONTIEV, 1978, p. 97).
A vivencia é outro conceito vygotskyano, intimamente ligado ao conceito de sentido, e
ambos necessários a compreensão dos objetivos desta pesquisa.
A vivência, portanto, deve ser entendida como uma “unidade de elementos do meio e
de elementos da personalidade”. (VIGOTSKI; tradução VINHA; WELCMAN, 2010, p. 687). Neste
sentido, não há determinação do meio no sujeito. A vivência é que determina qual a influência
do meio. A relação com o acontecimento é diferente para cada sujeito, ou seja, a mesma
circusntância pode resultar em vivências diferentes. Vygotsky afirma que:
No contexto desta pesquisa optou-se pela entrevista semiestruturada e pelo grupo focal
como as técnicas de coleta e de análise de dados qualitativos que mais se adequaram aos
50
(...) os dados de uma pesquisa desse tipo serão sempre resultado da ordenação
do material empírico coletado/construído no trabalho de campo, que passa
pela interpretação dos fragmentos dos discursos dos entrevistados,
organizados em torno de categorias ou eixos temáticos, e do cruzamento desse
material com as referências teórico/conceituais que orientam o olhar desse
pesquisador. (DUARTE, 2004, p. 222).
A composição do grupo focal para esta pesquisa contou com a participação de sete
integrantes, cuja experiência em comum baseia-se no fato de serem todos educandos
matriculados no primeiro ano do Ensino Médio da Escola Estadual Professora Djanira Velho e
ativos frequentadores da sala de leitura Clarice Lispector, lócus e objeto da nossa investigação.
Gatti (2005, p. 18), afirma que o grupo deve ter uma “composição que se baseie em
algumas características homogêneas dos participantes” Além disso, o grupo deve ser composto
a partir de critérios associados aos objetivos da pesquisa. Desta forma, de acordo com Gatti
(2005, p. 18), respeitou-se os requisitos básico para a utilização do grupo focal como técnica de
55
Como afirma Gatti (2005, p.8-9), o moderador não deve adotar uma posição
controladora, não deve emitir opiniões particulares, conclusões ou quaisquer outras maneiras
de interferência direta na discussão. Deve-se, portanto, respeitar o princípio da não diretividade
como forma de garantir o foco nas interações entre os participantes.
Segundo Pizzol (2003, p.9 apud GATTI, 2005, p. 34) a função do moderador “inclui,
entre outras ações, manter produtiva a discussão, garantir que todos os participantes exponham
suas ideias, impedir a dispersão da questão em foco e evitar a monopolização da discussão por
um dos participantes. ”
O moderador, que pode ser o próprio pesquisador, guiará as interações grupais através
de um roteiro de discussão que, por sua vez, deve abordar os tópicos e assuntos a serem
discutidos, mas deverá assumir uma postura flexível diante do roteiro e das interações. Nas
palavras de Gatti (2005, p. 35) o moderador:
56
precisa ser experiente, hábil, ter clareza de expressão, ser sensível, flexível e
capaz de conduzir o grupo com segurança, lidando competentemente com as
relações e interações que se desenvolvem e as situações que se criam no grupo
em função das discussões. Precisa ser um profissional capaz de despertar
confiança e de gerar empatia, para conduzir com habilidade o grupo na direção
dos objetivos de pesquisa, sem criar situações embaraçosas. (GATTI, 2005, p.
35)
Em suma, para Gatti (2005) os objetivos da pesquisa devem guiar a elaboração das
análises, ou seja, é importante que haja um alinhamento entre os objetivos da pesquisa e a
análise do material coletado.
58
fatores importantes para explicar porque um certo método e não outro foi
escolhido. A orientação teórica do pesquisador, sua experiencia anterior, seu
grau de imersão nos dados, seus valores, suas crenças e perspectivas podem
orientar o foco da investigação (...). É preciso pois levar em conta que o
processo de categorização do material qualitativo vai envolver não so
conhecimento logico, intelectual, objetivo, mas também , conhecimento
pessoal, intuitivo, subjetivo, experiencial (ANDRE, 1983, p. 68).
As diferentes modalidades físicas do ato de ler – de uma prática de leitura que necessita
de oralização, em voz alta ou baixa, à leitura silenciosa, que apenas percorre o texto com os
olhos – é, por exemplo, “o indicador mais manifesto de uma diferença nas maneiras de ler”
(CHARTIER, 2011, p. 84).
Embora importante, a perspectiva histórica da leitura é somente uma das formas abordar
a complexidade da leitura e de suas práticas como objeto de estudo. Como vimos, esta
63
complexidade nos impõe a necessidade de uma visão multi e interdisciplinar, pois os estudos
sobre a leitura ocupam referenciais teóricos dos mais diferentes campos do conhecimento.
Mediante a viabilidade de uma perspectiva teórica heterogênea, conclui-se que “a leitura
não constitui uma disciplina cientifica autônoma, mas apenas um objeto de estudo
diferentemente construído e parcelado por um conjunto de disciplinas” (BATISTA; GALVÃO,
2011, p. 11).
Desta forma, ainda que a pesquisa trate da leitura e suas práticas no contexto escolar,
não se deve obscurecer o fato de que a leitura é uma prática social, sócio-historicamente
determinada, ou seja, não se limita à exclusividade do ambiente escolar ou do campo
educacional, pois as experiências de leitura ocorrem em diferentes realidades histórico-sociais
e possuem diferentes aplicabilidades.
O caráter plural das práticas de leitura não se limita ao mundo contemporâneo e digital
que, sem dúvida, tem oferecido novas formas de acesso à leitura. A pluralidade das práticas de
leitura pode ser atestada, por exemplo, quando Paulo Freire (2011) inicia sua obra “A
importância do ato de ler”.
Contextualizando e narrando as memórias de suas práticas de leitura, ou dos seus “atos
de leitura”, desde a mais tenra idade, quando foi ajudado pelos seus pais a ser introduzido na
“leitura da palavra”, Freire recria e revive suas primeiras experiências com a escrita:
Isto posto, primeiro é importante frisar que o olhar da tradição pedagógica para as
práticas de leitura encontra sincronicidade com aspectos da tradição sociológica, haja vista que
são complementares e não excludentes; ou seja, considera a inter-relação entre as áreas
pedagógica e sociológica, tal como pretende esta pesquisa.
Podemos elencar como objetivos dos estudos históricos e sociológicos sobre as práticas
de leitura:
a) saber quem lê, o que, quando, onde, por que motivos, de que modos, com
que intensidade;
b) apreender processos de natureza técnica e de natureza social que interferem
na ampliação do público leitor, nos modos de ler, nas maneiras de atribuir
sentido, na própria organização da página, do impresso, de seus suportes
(CHARTIER, 2011, p. 10-12).
Neste sentido, tendo em vista sua singularidade histórica e social, os estudos sobre a
leitura mostram o modo pelo qual as “condições históricas e sociais particulares fazem emergir
modos de ler, usos da leitura e significações”. No entanto, a apreensão destas condições ocorre
pelo “inter-relacionamento entre os dois componentes centrais de toda leitura e principais
referências dos estudos sobre práticas de leitura: o texto e seus leitores” (BATISTA; GALVÃO,
2011, p. 22).
67
Embora estabelecido por um autor, os textos não são independentes das esferas materiais
e das condições sociais nas quais são produzidos e lidos, pois “se diversificam tendo em vista
as práticas e os leitores que efetivamente deles se apropriam” (BATISTA; GALVÃO, 2011, p.
24).
Para a compreensão concreta do texto deve se levar em conta que o autor não é o único
a guiar os sentidos de um texto, pois este, assim como o leitor, se submete às “múltiplas
determinações que organizam o espaço social da produção literária ou que, comumente,
delimitam as categorias e as experiências que são as próprias matrizes da escrita. ”
(CHARTIER, 1994, p. 36 apud BATISTA; GALVÃO, 2011, p. 23).
O texto não oferece por si só sua significação. A imobilidade, a estabilidade e a unidade
do texto são falsos pressupostos. O texto “existe apenas em estado potencial e supõe um leitor
que o atualize” e “pode se transformar ao ser destinado a novos públicos” (BATISTA;
GALVÃO, 2011, p. 24).
Por isso, Batista e Galvão (2011, p. 25) apontam a tendência à instabilidade e à
diversidade que os textos adquirem ao percorrem os fios da história e moverem-se em distintos
espaços sociais, distanciando-se dos contextos originais de sua produção e circulação.
Neste contexto, os estudos sobre as práticas de leitura também pretendem mostrar que
o texto não é neutro perante as instâncias responsáveis pela sua produção e reprodução física,
tampouco independente das práticas em que ocorre sua leitura.
Apesar disso, embora tanto os autores do texto quanto os produtores do impresso tenham
a intenção de orientar a atividades do leitor através de inúmeros protocolos de leitura, “seus
usos e os significados que serão de fato produzidos, encontrarão sempre nos contextos de leitura
68
um regime de condições que poderá favorecer ou não a realização das leituras visadas”
(BATISTA; GALVÃO, 2011, p. 27).
Assim, quanto aos leitores, os estudos sobre práticas de leitura geralmente procuram
apreender as peculiaridades e os traços característicos das diferentes comunidades de leitores,
sempre considerando o contexto de instabilidade e mobilidade das configurações sociais que os
produzem.
As investigações sobre práticas de leitura cujo foco está nos processos sociais e
históricos de formação de leitores mostram que os leitores compartilham de experiências de
leitura e expectativas com relação ao uso do livro que, muitas vezes, não são previstas nos
protocolos que sugerem e orientam as práticas sociais historicamente predominantes.
Ou seja, os leitores podem se apropriar dos textos de formas variadas, que pouco tem a
ver com aquelas visadas em sua produção, proporcionando, assim, a circulação de novos usos,
novos objetivos e significados para o texto.
Em suma, é preciso considerar que, assim como os autores, os leitores estão também,
“quanto maior for o grau de institucionalização das situações que leem, submetidos às múltiplas
determinações que organizam as esferas sociais em que se utilizam os textos” (BATISTA;
GALVÃO, 2011, p. 27).
As reflexões até aqui esboçadas permitiram perceber a dimensão interdisciplinar e a
inevitável diversificação teórico-metodológica atribuídas aos estudos das práticas de leitura.
Neste sentido, o estudo das práticas que ocorrem no âmbito da sala de leitura Clarice
Lispector leva em conta o que os educandos leem (relação com as obras e os materiais de leitura
que compõem o acervo), onde eles leem (relação com o espaço onde as leituras se dão) e como
leem (práticas propriamente ditas), considerados aspectos essenciais na análise, pois são
elementos chave das ações visam à formação de leitores.
Desta forma, não se trata aqui de abordar as condições do ensino da leitura ou o processo
de escolarização da leitura, mas de analisar os usos e apropriações do acervo e do espaço da
sala de leitura Clarice Lispector bem como a atuação da professora mediadora e as práticas que
são propostas.
Como vimos, as práticas de leitura resultam dos modos diferenciados de abordá-la como
objeto de pesquisa. Diante dos diferentes pontos de vista, a pesquisa prioriza os pontos de vista
pedagógico, sociológico e literário, pois embora assumam perspectivas diferentes, apresentam
de maneira inter-relacionada respostas às necessidades teóricas da referida pesquisa.
69
Todos lemos a nós e ao mundo à nossa volta para vislumbrar o que somos e
onde estamos. Lemos para compreender ou para começar a compreender. Não
podemos deixar de ler. Ler, quase como respirar, é nossa função essencial.
(MANGUEL, 2004, p. 6).
O depoimento de Manguel mostra que não basta apenas decifrar palavras para ocorrer a
leitura. Ler o mundo, ler a si mesmo, ler o outro, ler o olhar de alguém: a todo instante nossa
razão, nossa psique e nossos sentidos respondem a algo. Assim, “a leitura vai, portanto, além
do texto – seja ele qual for – e começa antes do contato com ele” (MARTINS, 2006, p. 33).
Freire (2011), por exemplo, aponta que a leitura do mundo é a primeira manifestação da
vontade e da capacidade humana do ato de ler, e propõe que a “leitura de mundo” e a “leitura
da palavra” sejam expressões de um mesmo movimento dentro da realidade. Yunes, que
referencia constantemente Freire, afirma:
Ninguém aprende a ler nos livros: todos aprendemos a ler lendo o mundo a
nossa volta. Lemos na natureza o tempo que vai fazer, ou em que estação do
ano estamos; lemos nos rostos e gestos dos que nos cercam se estão felizes,
tensos, tristes, irritados; lemos sinais, placas, imagens; lemos cores, sons;
usamos nossos cinco sentidos no ato de ler o mundo e somente por isso, um
dia, aprendemos a ler a palavras escrita” (VERSIANI;YUNES; CARVALHO,
2012, p.17)
(...) quem lê o faz com toda sua carga pessoal de vida e experiência, consciente
ou não dela, e atribui ao lido as marcas pessoais da memória, intelectual e
emocional. Para ler, portanto, é necessário que estejamos minimamente
dispostos a desvelar o sujeito que somos – ou seja, lugar do qual nos
pronunciamos – ou que desejamos construir pela tomada de consciência da
linguagem e de nossa história, nos traços deixados pelas memórias
particulares, coletivas e institucionais. (Yunes, 2003, p. 10, grifo da autora)
Esse leitor analfabeto é um leitor que não põe em jogo a si mesmo no que lê,
um leitor que pratica um modo de leitura no qual não existe relação entre o
texto e sua própria subjetividade. É também um leitor que vai ao encontro do
texto, mas que são caminhos só de ida, caminhos sem reflexão, é um leitor
que não se deixa dizer nada. Por último, é um leitor que não se transforma.
Em sua leitura não há subjetividade, nem reflexividade, nem transformação.
Ainda que compreenda perfeitamente o que lê. Ou, talvez, precisamente
porque compreende perfeitamente o que lê. Porque é incapaz de outra leitura
que não seja a da compreensão. (LAROSSA, 2011, p.9, grifo nosso).
Do ponto de vista da experiência, o que importa não é saber o que o autor quis dizer,
mas o modo como os pensamentos e as palavras do autor formam e transformam os próprios
pensamentos e palavras do leitor. A experiência da leitura pode, portanto, formar e transformar
o próprio pensamento, levando o leitor a pensar por si mesmo, em primeira pessoa, com suas
próprias ideias.
Atrelando a leitura à ideia de experiência, Larossa mostra-nos como pode ser íntima a
relação que se desenvolve entre o ato de ler e a experiência de formação/transformação da
subjetividade, isto é, trata da leitura como formação ou como transformação do que somos.
Conforme afirma Larossa (2011, p. 16), o conceito de experiência, ao qual o ato de
leitura está atrelado, não deve ser confundido com a ideia de experimento. Segundo o autor, é
preciso “descontaminar a palavra experiência de todas as aderências empíricas e empiristas”,
pois não se trata da experiência como um experimento ao modo das ciências experimentais,
mas da experiência como dimensão subjetiva que promove “singularidade, irrepetibilidade,
pluralidade princípios”.
Diferentemente dos experimentos, que devem apresentar sentido, significado e
resultados homogêneos, uma experiência é única, isto é, para cada um a sua. Este é o princípio
da singularidade que acompanha as experiências de leitura. Um mesmo texto como objeto de
leitura de diferentes leitores pode provocar diferentes experiências.
Ademais, acompanhando o princípio da singularidade da experiência de leitura, o
princípio da irrepetibilidade aponta para a ideia de que uma experiência é, por definição,
irrepetível, o que faz da experiência algo singular, distinto, único e surpreendente. Assim, para
Larossa, “na experiência, a repetição é diferença, ou que, na experiência, a mesmidade é
alteridade. A experiência, portanto, sempre tem algo de primeira vez, algo de surpreendente. ”
(LAROSSA, 2011, p.17)
Por fim, Larossa (2011, p. 17), aponta o princípio da pluralidade como consequência
das premissas da singularidade e da irrepetibilidade ao que se refere à experiência da leitura.
74
não se pode saber de antemão qual vai ser o resultado de uma experiência,
onde pode nos conduzir, o que vai fazer de nós. Isso porque a experiência não
tem a ver com o tempo linear da planificação, da previsão, da predição, da
prescrição, senão com o tempo da abertura. A experiência sempre tem algo de
imprevisível (do que não se pode ver de antemão), de indizível (do que não se
pode dizer de antemão, do que não está dito), de imprescritível (do que não se
pode escrever de antemão, do que não está escrito). E mais, a incerteza lhe é
constitutiva. Porque a abertura que a experiência dá é a abertura do possível,
mas também do impossível, do surpreendente, do que não pode ser. Por isso a
experiência sempre supõe uma aposta pelo que não se sabe, pelo que não se
pode, pelo que não se quer. A experiência é um talvez. Ou, o que é o mesmo,
a experiência é livre, é o lugar da liberdade” (LAROSSA, 2011, p.19).
entendida como atividade de captação das ideias do autor, sem levar em conta
as experiências e os conhecimentos do leitor, a interação autor-texto-leitor
com propósitos constituídos sociocognitivo-interacionalmente. O foco de
atenção é, pois, o autor e suas intenções, e o sentido está centrado no autor,
bastando tão somente ao leitor captar essas intenções. (KOCH; ELIAS, 2017,
p.10).
Quando as análises convergem para texto, a concepção de língua adotada traz à tona a
ideia de estrutura, ou seja, a língua como um código, como um simples instrumento de
comunicação, cuja inscrição em um texto é vista como produto da codificação de um emissor
a ser decodificado por um leitor. Nesta concepção, a leitura exige do leitor foco no texto e no
reconhecimento do sentido das palavras e das estruturas que compõem o texto. (KOCH; ELIAS,
2017, p.10)
O ponto de vista da interação entre autor-texto-leitor nos leva à concepção interacional
e dialógica da língua, na qual os sujeitos se constroem, e são construídos, dialogicamente no
texto, entendido como o próprio lugar da interação.
Sendo assim, nesta concepção de leitura, o sentido do texto “é construído na interação
texto-sujeito e não algo que preexista a essa interação. ” (KOCH; ELIAS, 2017, p.11).
O lugar mesmo de interação é o texto cujo sentido “não está lá”, mas é
construído, considerando-se, para tanto, as sinalizações textuais dadas pelo
autor e os conhecimentos do leitor, que, durante todo o processo de leitura,
deve assumir uma atitude responsiva ativa. Em outras palavras, espera-se que
o leitor, concorde ou não com as ideias do autor, complete-as, adapte-as (...)
(BAKHTIN, 1992, p.290 apud KOCH; ELIAS, 2017, p.12).
Por isso ler não é apenas decodificar. É produzir significado, reagindo ao texto, partindo
das pistas textuais e dos conhecimentos prévios do sujeito, respaldando-se nos arquivos de sua
memória, ideologicamente atrelados à sociedade à cultura que o delineou. Neste processo,
diante de cada texto, o leitor apela para diferentes estratégias e habilidades que o auxilia no
entendimento do objeto de leitura e no objetivo da leitura.
Há diferentes estratégias e abordagens que o leitor usa para negociar seus caminhos no
texto, ao redor dele e entre os textos, e que orientam o desenvolvimento das tarefas que visam
à localização e recuperação da informação no texto, a elaboração de um entendimento amplo
do texto, o desenvolvimento de uma interpretação, a reflexão e análise do conteúdo e do formato
de um texto, dentre outras estratégias que podem ser mediadas e ensinadas no ambiente escolar,
principalmente.
Como apontam Koch e Elias (2017, p.21), no processo de leitura e produção de sentidos
ativamos valores da época e da comunidade em que vivemos, “orientados por nossa bagagem
sociocognitiva: conhecimentos da língua e das coisas do mundo – lugares sociais, crenças,
valores, vivencias”.
Assim, na interação com o autor e o texto, a leitura se processa de maneiras diversas
dependendo do leitor – seus valores, seus conhecimentos e vivencias.
Diante do que foi apresentado anteriormente pode-se afirmar que o processo de leitura
entendido como construção de sentidos a partir da linguagem e dos sentidos – precede o ensino
formal da alfabetização. Ainda assim, desde que a escola alcançou papel primordial no ensino
da leitura e da escrita, a formação de leitores tem sido uma das preocupações centrais da
instituição escolar.
Chartier (2016, p. 291) conclui que entre os séculos XVI e XXI delinearam-se três
modelos de leitura escolar. No primeiro modelo, ler significava ler em voz alta aquilo que se
sabia ser verdade: “saber ler era encontrar na página impressa um texto que se sabia de cor ou
já ouvido no ambiente social”.
O segundo modelo de leitura foi instituído na escola no século XIX e refere-se à leitura
como recepção de textos desconhecidos e como trabalho de seleção das informações que
permitem a “construção de uma representação global do texto”. Neste modelo, que ainda vigora
atualmente, através da leitura obtemos acesso ao pensamento de um outrem.
O mesmo não ocorre em relação à escrita e à leitura, que não podem ser
objetos de um procedimento espontâneo de aquisição: trata-se aí,
necessariamente, de práticas sociais instituídas em que o simples contato com
os escritos e a observação das leituras, silenciosas ou não, não são suficientes
para transmitir. A passagem da forma oral primitiva da língua e uma forma
gráfica codificada nunca é imediata, e é útil perguntar-se por que, mesmo em
sociedades como a nossa, completamente alfabetizadas e onde o escrito é
constantemente colocado sob nossos olhos, a aprendizagem da leitura e da
escrita requer ensino. (BRESSON, 2011, p. 26)
79
Bresson (2011, p. 34), aponta assim, o caráter instituído do escrito e da leitura, que não
podem ser objetos de um processo espontâneo de aquisição, pois são práticas sociais que
apontam para a necessidade de seu ensino. Afirma-se, portanto, a leitura como fenômeno
cultural, e, portanto, “pouco natural, já que não podemos prescindir de um ensino para ter acesso
à leitura”
Ainda assim, Hébrard (2011, p.37), afirma que para a Sociologia das práticas culturais,
a aquisição leitura é transmitida mais pelo “enraizamento nos grupos dominantes que praticam
as formas dominantes de cultura” do que pelo seu “valor de instrumento de mobilidade social
em direção a esses mesmos grupos”.
Colocando o acento sobre o ler mais do que o livro, sobre a recepção, mais do
que sobre a posse, os pesquisadores demostraram que, na escola, não é a
leitura que se adquire, mas são maneiras de ler que aí se revelam. Ao aprender
a ler, a criança contentar-se-ia em reinvestir no domínio do escrito as práticas
culturais mais gerais do seu meio imediato. (HÉBRARD, 2011, p. 37).
recursos multimídias estão cada vez mais disponíveis para todos. A leitura não
está restrita ao universo letrado e escolarizado: o bom leitor é o que estabelece
relações, associa fatos e leituras anteriores, analisa contextos, tira suas
próprias conclusões. Pode ser um analfabeto, mas não está impedido de ler
seu entorno. (VERSIANI; YUNES; CARVALHO, 2012, p.17)
Em outras palavras, é preciso entrar na pauta dos debates que ocorrem no interior das
escolas questões quem apresentem formas verdadeiramente exequíveis sobre como
implementar práticas que partam de um conceito amplo de leitura, como por exemplo, mediante
o planejamento de situações que permitam a leitura como experiência. (LAROSSA, 2011).
Fazendo uma análise, ainda que superficial, das experiências de leitura no contexto da
sala de aula, verifica-se que as práticas de leitura que permeiam o processo ensino-
aprendizagem não condizem com o conceito de letramento em leitura.
As debilidades da intervenção pedagógica no trato com a leitura, a necessidade de a
leitura ser abordada com efetividade por todas as disciplinas, e não apenas a língua portuguesa,
as deficiências no processo formativo dos professores, a hegemonia dos livros didáticos, nem
sempre de boa qualidade, e a ausência da biblioteca escolar e dos bibliotecários que dinamizam
e criam situações de mediação de leitura configuram o contexto que justifica a urgente
preocupação com a questão da leitura na esfera escolar.
Como consequência dos fatores citados acima, as práticas escolares de leitura se
realizam quase que exclusivamente no domínio da sala de aula, em especial na escola pública,
e operam mais no sentido de afastar que aproximar os leitores dos livros.
Assim, as possibilidades do educando de construir relações com os livros e outros tipos
de impressos devem ser pensadas e planejadas com prioridade pela equipe escolar como um
todo, tendo em vista que a excessiva escolarização da leitura tem contribuído com o menosprezo
do enfoque cultural e do papel social da escola com relação à leitura, já que o gosto pela leitura
também se ensina.
Se a escola vem formando não leitores, ou leitores que não gostam de ler, é
porque, entre outros equívocos, há algo de errado no modelo de leitura
assumido por ela e que se reflete nas práticas de leitura oferecidas por seus
professores e pelo abandono das bibliotecas escolares. A escola parece ter
perdido sua “cara humana”; parece ter esquecido de sua dimensão cultural e
de seu papel social com relação à leitura” (KLEBIS, 2008, p.44).
Se uma das funções da escola é ensinar a ler, expectativa que deve ser cumprida
especialmente nos primeiros anos durante o processo de alfabetização, nos anos posteriores,
que correspondem às etapas do Ensino Fundamental dos Anos Finais e ao Ensino Médio, as
82
situações didáticas de leitura realizadas em sala de aula exigem ler para aprender. Neste sentido,
é o próprio ato de ler que inicia o educando no movimento que o levará a desenvolver
habilidades e se apropriar das estratégias que facilitam a compreensão da leitura, cabendo aos
professores e mediadores orientar o desenvolvimento da compreensão leitora através das
situações de aprendizagem.
Silva (1998, p. 64) aponta que a questão da finalidade no trabalho com a leitura escolar
é fundamental à construção de uma nova pedagogia da leitura que se preocupe com a formação
de leitores críticos e criativos. Ou seja, o ato de pensar no propósito da leitura em sala de aula
é uma “questão fundamentalmente política, na medida em que o trabalho pedagógico é acionado
para o cumprimento de determinados propósitos e interesses sociais.”
Para que esta finalidade de formar leitores críticos e criativos se cumpra, as práticas de
leitura escolar devem ser desenvolver de maneira planejada e envolvente, proporcionando a
interação e o intercâmbio entre os textos e as inquietações dos educandos, pois “mandar o aluno
ler é bem diferente do que envolvê-lo significativa e democraticamente nas situações de leitura.
” (SILVA, 1998, p. 66).
Segundo Smolka, "o ensino e a aprendizagem da língua precisam desenvolver-se por
meio de situações em que a leitura tenha finalidades específicas, pois a aprendizagem precisa
fazer sentido para quem aprende." (SMOLKA, 1988, p. 20).
Neste sentido, as dinâmicas pedagógicas que promovem o estatuto de criticidade da
leitura devem permitir aos educandos mobilizar conhecimentos, constatar e comparar
informações, refletir e ser refletido, transformar e ser transformado pelos textos. Assim, ao
compreender a leitura como um processo de interação entre autor-texto-leitor permitimos que
cada educando execute, de maneira própria e singular, o trabalho de atribuir significado àquilo
que se lê. (SILVA, 1998, p. 66).
Por isso é importante que os professores e mediadores revertam, em termos
metodológicos, parte da atenção dedicada às atividades em que o leitor é obrigado a reproduzir
83
Segundo a última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil ( 2015), a maioria dos leitores
mora em capitais e municípios da região Sudeste com mais de 100 mil habitantes. A pesquisa
considera a definição de leitor como aquele que leu, inteiro ou em partes, pelo menos um livro
nos últimos três meses. Os dados mostram que 46% da população do Sudeste é considerada
leitora, apresentando a maior ampliação de leitores, de 50% em 2011 para 61% em 2015.
Dificilmente o Programa Nacional de Incentivo à Leitura (PROLER) tem dado muitas
contribuições já que, como vimos, seus comitês no Sudeste encontram-se de forma muito
esparsa e limitada.
Com relação ao Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), sua contribuição para
com a formação e dinamização de uma coleção de livros nas unidades de ensino através da
distribuição de diferentes obras foi essencial. No entanto, o PNBE encontra-se em meio às
descontinuidades que historicamente envolvem as políticas públicas de fomento a leitura, pois
está revogado e a aquisição de novos livros literários está, atualmente, a cargo do Programa
Nacional do Livro Didático Literário (PNLD), como consta no decreto nº 9.099/2017.
Instituído em 1997, e atualmente extinto, o Programa Nacional Biblioteca da Escola
(PNBE) era coordenado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e tinha
como objetivo principal democratizar o acesso a obras de literatura, materiais de pesquisa e de
referência a professores e alunos de escolas públicas brasileiras. O programa era dividido em
três frentes de ação diferentes:
O PNBE Literário distribui acervos literários que são compostos por textos
em prosa (novelas, contos, crônica, memórias, biografias e teatro), em verso
(poemas, cantigas, parlendas, adivinhas), livros de imagens e livros de história
em quadrinhos; o PNBE Periódicos, que avalia e distribui periódicos de
conteúdo didático e metodológico para as escolas da educação infantil, ensino
fundamental e médio e o PNBE do Professor, que tem por objetivo apoiar a
prática pedagógica dos professores da educação básica e também da Educação
de Jovens e Adultos por meio da avaliação e distribuição de obras de cunho
teórico e metodológico (BRASIL, MEC.)
Sendo assim, Paiva (2012, p. 23), confirma o avanço obtido com a implantação de
política públicas oferta e distribuição, mas alerta para o erro de considerarmos exageradamente
o alcance prático da “mera distribuição de acervos, pois até agora as ações desencadeadas só
corresponderam à garantia de acesso”, pois a maioria dos “professores e alunos, considerados
potenciais leitores dos acervos distribuídos, continua à margem das obras disponibilizadas.”
Neste sentido, pode-se afirmar que, apesar do Programa Nacional Biblioteca da Escola
(PNBE), o potencial da biblioteca escolar, como recurso estruturado nas redes de ensino voltado
à pesquisa e leitura; e do profissional bibliotecário, como recurso humano auxiliar na formação
de leitores e no planejamento e execução do processo ensino aprendizagem, tem sido pouco
valorizados.
Apesar das limitações, tanto o Programa Nacional de Incentivo à Leitura (PROLER) quanto
o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) foram programas de âmbito nacional
intimamente relacionados aos temas da leitura e da formação de leitores que perduraram,
durante muitos anos, em meio aos percalços que afetam os campos da Educação e da Cultura.
Versiane; Yunes e Carvalho (2012, p. 41) apontam que, no caso brasileiro, os programas
e iniciativas voltados ao compartilhamento de ações com o livro geralmente carecem de
estrutura para se consolidar, devido às interrupções e falta de continuidade, e que podem ser
evitadas a partir do fortalecimento de parcerias e da criação de novos modelos de institucionais
de promoção de leitura.
Infelizmente, o quadro atual demonstra que carecem de esforços por parte dos nossos
representantes políticos em compreender o quão fundamental é para um país ter uma política
nacional que direcione a formação de seus cidadãos para a plena “leitura do mundo”, de maneira
que o “movimento do mundo à palavra e da palavra ao mundo está sempre presente” (FREIRE,
2011, p.29).
É inegável que avanços em torno do tema do livro e da leitura foram conquistados, mas
não se devem desconsiderar os movimentos de retrocesso de que é feita a história política, quase
sempre envolta de “interesses menores e vaidades pessoais”. (YUNES, 2010, p. 154)
90
Não é uma campanha, não é um evento nem pode ser apenas uma série de
acontecimentos espalhados no tempo. A mera distribuição de livros também
não configura, a rigor, uma política pública, nem tampouco se podem
considerar políticas de Estado outras iniciativas parecidas, realizadas
isoladamente por ministérios, governos estaduais e municipais, empresas
públicas e privadas. (PSZCZOL, 2008, p. 13).
Espera-se que com a instituição definitiva de uma política de leitura e escrita para nosso
país consiga modificar a realidade desvelada pelos dados da pesquisa Retratos da Leitura no
Brasil (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2015, p.22) que mostram um país cuja população é formada
91
por quarenta e quatro por cento de não leitores. Ainda mais grave, a pesquisa também indica
que entre professores, considerados sujeitos primordiais no processo de mediação do ensino e
da aquisição do gosto pela leitura, trinta por cento não são leitores.
O estabelecimento de uma política de estado voltada para a área do livro, leitura,
literatura e bibliotecas já se fazia urgente no Brasil. Espera-se que a Política Nacional de Leitura
e Escrita (PNLE) torne-se um instrumento efetivo na implementação de políticas públicas que
promovam e democratizem a leitura e a escrita, bem como o acesso ao livro e às bibliotecas.
3.2 O Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) como diretriz de uma Política Nacional
de Leitura e Escrita (PNLE).
A Lei 13.696/2018 que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita foi originada por
um projeto de lei apresentado pela senadora Fátima Bezerra. A lei também é conhecida como
Lei Castilho, devido à intensa participação de José Castilho Marques Neto, que foi secretário
executivo do Plano Nacional do Livro e da Leitura durante os governos Lula e Dilma, além de
consultor do Centro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e Caribe (Cerlalc)
para políticas públicas de leitura.
A Política Nacional de Leitura Escrita (PNLE) assim explicita seus dispositivos legais:
(PNLL) institui políticas claras e efetivas para o livro e a leitura. De forma detalhada, estabelece
eixos e metas para implantação das políticas de livro e leitura no país.
tais práticas façam parte das vivências de qualquer sujeito, isso não garante que o acesso a elas
seja significativo.
Assim, cabe aqui o questionamento compartilhado com Geraldi, (2009, p. 106), “É
possível comprometer-se com uma política de leitura sem comprometer-se com as histórias de
vida dos sujeitos leitores? ”
Dois são os estudos que periodicamente nos fornecem dados que procuram identificar
as características dos sujeitos leitores brasileiros: a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil e o
Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF).
A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil já está em sua quarta edição e é promovida
pelo Instituto Pró-Livro, uma associação de caráter privado, sem fins lucrativos, formada por
entidades como a Associação Brasileira de Livros Escolares - Abrelivros, Câmara Brasileira do
Livro (CBL) e o Sindicato Nacional dos Editores de livros (SNEL). O objetivo do Instituto Pró-
Livros (IPL) é a melhoria dos “indicadores de letramento e de hábitos de leitura do brasileiro,
como condição de inclusão cultural e desenvolvimento sustentado, por meio do apoio e
promoção de ações voltadas a fomentar a leitura e a produção, distribuição e acesso ao livro no
Brasil.” (INSTITUTO PRÓ-LIVRO).
O objetivo geral da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil é “conhecer o
comportamento do leitor, medindo a intensidade, forma, limitações, motivação, representações
e as condições de leitura e de acesso ao livro – impresso e digital – pela população brasileira”
(INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2016, p. 8).
O estudo coleta dados e gera informações específicas sobre: os hábitos e motivações
para a leitura, os índices de leitura de livros; o perfil do leitor e do não leitor de livros; as
percepções, representações e valorização da leitura; o acesso, as motivações e preferências
sobre livros, gêneros; as práticas leitoras em diferentes materiais (livros, jornais, revistas e
hipertextos), suportes (impressos, digitais) e ambientes, entre outros.
É uma pesquisa quantitativa, que abrange todo território nacional, feita por amostragem
e mediante entrevistas pessoais face a face domiciliares e com a utilização de questionário.
Realizada desde 2000, a pesquisa está em sua quarta edição, e permite:
Através dos dados gerados pela última pesquisa, realizada em 2015, percebeu-se, por
exemplo, que aumentou a opção pelas respostas positivas que identificam a “leitura como uma
atividade prazerosa (de 4% para 13%) e que relacionam leitura a acesso ao conhecimento (de
42% para 49%) ou crescimento profissional (de 8% para 23%)”. (FAILLA, 2016, p. 23).
Os resultados também apontam que houve um aumento no número de leitores, de 50%
para 56% da população. Estes dados podem ser explicados pela análise do perfil da amostra,
que contou com uma representação significativa de pessoas com maior escolaridade, o que nos
leva a sugerir que há relação entre um maior nível de escolaridade e o aumento do número de
leitores. (FAILLA, 2016, p. 28).
Com relação ao gênero de livros que mais se costuma ler “verificamos que a soma de
Bíblia e livros religiosos lidos atinge, em média, mais de 70% dos gêneros citados pela
população com mais de 30 anos e mais de 80% na faixa acima de 40 anos” (FAILLA, 2016, p.
32). Uma possível explicação para estes dados é o aumento de indivíduos devotos nas religiões
evangélicas. (FAILLA, 2016, p. 33).
Com relação às formas de acesso aos livros “metade dos entrevistados indicou o
empréstimo – de parentes ou conhecidos, bibliotecas ou outros locais – como principal meio de
acesso e 30% dos entrevistados afirmaram nunca ter comprado um livro” (FAILLA, 2016, p.
39).
O aumento do número dos que afirmam ter alguma dificuldade para ler é outro
resultado apresentado pela pesquisa. Entre os não leitores, 60% indicam que
a dificuldade de compreensão ou habilidade leitora é a razão de sua não leitura.
A falta de tempo (32%) e falta de gosto pela leitura (28%) também são
mencionadas como motivo para a não leitura. (FAILLA, 2016, p. 36).
A crônica falta de contato com a leitura, sobretudo entre as populações mais pobres,
contribui com o elevado índice de analfabetismo funcional. O indivíduo pode ser tecnicamente
alfabetizado, mas se não houver contato com experiências e práticas de leitura, sua capacidade
de compreensão de diferentes gêneros textuais ficam comprometidas.
Por sua vez, a relação dialética entre analfabetismo funcional e falta de proximidade e
vivência com a leitura nos permite inferir que o insucesso no processo de alfabetização, e a
consequente formação de sujeitos analfabetos funcionais, também tornam-se um obstáculo que
pode influenciar a participação do cidadão em práticas de leitura. Segundo a última pesquisa
Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF) – publicada em agosto de 2018, aponta que 29%
da população brasileira com idade entre 15 e 64 anos, residentes tanto de zonas rurais quanto
97
Por isso, corre-se o risco de fazer uma leitura ingênua do Plano Nacional do Livro e
Leitura (PNLL) se não considerar que o plano, ao tentar congregar harmoniosamente interesses
tão divergentes e muitas vezes conflitantes, como no caso das editoras, governos, autores,
leitores, mediadores, escolas, gráficas etc., não está ponderando os possíveis fatores de
interferência, tal como a forte influência tanto das disputas políticas governamentais, que
alteram diretamente a validação das políticas públicas, quanto da lógica do mercado –
inerentemente presente em todas as relações às quais possam se envolver os atores da cadeia
produtiva da leitura e da escrita.
Enfim, faz-se necessária a atenção crítica ao contexto sociopolítico nacional e certa
propensão ao desprendimento da exclusividade da burocracia estatal no momento da elaboração
das ações de incentivo e fomento à leitura. Gambi (2010) chama atenção à ousadia de propor
novos formatos, novas parcerias e à necessidade de reinvenção da gestão na área da cultura:
O Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) deixa claro, por exemplo, que a
implantação de novas bibliotecas e a conquista de novos espaços de leitura são ações chave
para a democratização do acesso ao livro e à leitura. Como fazer isto diante das turbulências do
momento histórico que não sinalizam educação e cultura como temas prioritários das políticas
públicas nacionais é a questão que se coloca.
Da necessidade urgente do país apresentar, ainda que tardiamente, uma Política
Nacional de Leitura e Escrita e de conferir um salto, tanto qualitativo quanto quantitativo, no
que se refere à formação leitora dos brasileiros, surgiu a Lei 13.696/2018, que institui a Política
Nacional de Leitura e Escrita e determina que o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) seja
99
o documento norteador das metas e ações desta política nacional, devendo ser reelaborado a
cada decênio conjuntamente pelo Ministério da Educação e pelo Ministério da Cultura.
Ou seja, o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) como documento norteador das
metas e ações para o desenvolvimento da leitura e escrita deve ser repensado, reformulado e
readaptado às necessidades e especificidades do tempo histórico vivido, considerando as
metamorfoses das práticas de leitura. (CHARTIER, 2011)
O trabalho por se fazer ainda encontra-se em estágio inicial, pois escolas e bibliotecas,
dois equipamentos culturais essenciais ao fomento da leitura, caminham isolados e desajustados
ao propósito em comum de formar leitores. Exceto nas grandes capitais do Sul e Sudeste, a
presença da biblioteca como instituição pública participante da vivência e da constituição do
cidadão brasileiro ainda é rarefeita se comparada à instituição escolar, por exemplo.
A expectativa é que com a efetivação de uma política nacional, o Brasil possa ampliar
verdadeiramente a democratização do acesso ao livro e a leitura e às bibliotecas.
A Política Nacional de Leitura e Escrita é um grande avanço a ser concretizado no
campo das políticas públicas, pois propõe tornar-se a diretriz de uma política de estado que seja
capaz de orientar as instituições e governos na formação do cidadão leitor. Deve ser uma
política de estado “comprometida com as ações transformadoras que resultam do ato de ler,
menos para consumir livros e mais para consumar o humano que clama pelo bem comum. ”
(Yunes, 2010, p. 154).
Até aqui foram apontados os esforços das principais políticas públicas voltadas à
formação do leitor. À luta dos envolvidos para concretizar uma Política Nacional de Leitura e
Escrita para nosso país soma-se a necessidade de reconhecer legalmente a importância das
bibliotecas no espaço escolar.
Assim como na sala de aula, a biblioteca escolar também é o território das práticas de
leitura. As práticas e a interação entre educando e leitura também são competências do
profissional bibliotecário, assim como seu posicionamento frente à aprendizagem do educando
e as estratégias aplicadas durante os momentos de leitura – entonação, gestos, orientações,
observações, etc – são elementos mediadores que facilitam a compreensão e a construção do
sentido, além de tornarem-se exemplos nos quais os alunos poderão embasar-se a fim de
construir seus próprios conhecimentos.
Mas, por que as escolas devem ter bibliotecas? É na biblioteca que temos a oportunidade
de democratizar o acesso aos livros e de promover o desenvolvimento do gosto pela leitura,
especialmente a literária. Pensamos também na biblioteca como grande aliada para disseminar
conhecimento e formar cidadãos mais críticos e conscientes, pois o ato de ler tem algo de
transformador, como se pertencesse a um estado de coisas que permite a construção do sujeito.
Em sua trilogia – Leituras: do espaço íntimo ao espaço público (2013), A arte de ler
ou como resistir à adversidade (2009a) e Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva (2009b) –
Petit não enfoca a biblioteca como instrumento pedagógico, mas como um espaço de liberdade,
onde o fundamental é incentivar a construção do amálgama simbólico que nos constitui
enquanto sujeito.
Petit (2009a) que é antropóloga e pesquisadora do Laboratório de Dinâmicas Sociais e
Recomposição dos Espaços, do Centre National de la Recherche Scientifique, na França,
mostra, através de relatos emocionantes, como as experiências de leitura tornaram-se um sopro
de vida e esperança quando vivenciadas por pessoas marginalizadas e traumatizadas pelas
adversidades que a guerra, a pobreza e a exclusão social lhes impuseram, revelando uma
maneira especial de resistir às situações de crise a partir do contato com o que a literatura
coloca-lhes em movimento.
Nas obras de Petit, a leitura é apreciada como elemento transformador e motivador dos
processos de construção e reconstrução dos sujeitos, pois o livro torna-se um instrumento capaz
de propiciar a multiplicidade de sentidos ao transcender seu aspecto informacional e
pedagógico.
Contribuindo com este rico processo de (re) construção de si mesmo, as pesquisas de
Petit reforçam a importância dos espaços – bibliotecas públicas e escolares – e dos profissionais
– bibliotecários, mediadores de leitura e educadores – que “dão vida às práticas de leitura e
atuam convencidos de que os recursos culturais, de linguagem, narrativos e poéticos são tão
vitais quanto a água”. (PETIT, 2009a, p. 32).
101
O que se oferece àqueles que tomam parte nesses lugares, além de atenção
calorosa e respeitosa, são bens culturais que abrem de modo radical o tempo
e o espaço e permitem, precisamente, um desvio. Desvio vital, que conduz a
vias desconhecidas, em ruptura com a situação de cada um, recoloca em
movimento o desejo, permite recarregar o coração, reencontrar, sob as
palavras, emoções secretas compartilhadas, um pano de fundo de sensações,
um laço com a infância; e que torna a movimentar o pensamento. É então, um
esquecimento temporário da dor, do medo ou da humilhação que se torna
possível. Um local de acolhida é igualmente encontrado: os livros são moradas
emprestadas onde é possível se sentir protegido e sonhar com outros futuros,
elaborar uma distância, mudar de ponto de vista. Para além do caráter
envolvente, protetor, habitável da leitura, uma transformação das emoções e
dos sentimentos, uma elaboração simbólica da experiência vivida torna-se, em
certas condições, possíveis. (PETIT, 2009a, p. 283-284).
O contato com os bens culturais que uma biblioteca coleciona oferece a oportunidade
do encontro com palavras que reverberam no coração e no pensamento do sujeito, conduzido
por vias desconhecidas a sonhar um outro mundo, levado por novos pontos de vista e motivado
pela (re) elaboração simbólica das suas experiências de vida.
Para a pesquisadora, a condição do acesso livre às obras em uma biblioteca torna-a lugar
propício “aos desvios e aos encontros inesperados”, permitindo que os usuários se beneficiem
na elaboração de “percursos singulares e achados imprevistos”. (PETIT, 2009a, p. 273).
Ali, podemos experimentar uma relação com o livro que não se funda somente
nas perspectivas utilitaristas da instrução, e nos abandonar a esses tempos de
devaneio em que não se deve prestar contas a ninguém, nos quais se forja o
sujeito e que, tanto quanto os aprendizados, ajuda a crescer e a viver. (PETIT,
2009a, p. 273).
Se entendida como espaço cultural a biblioteca pode ser referenciada para além do
serviço pedagógico. É na biblioteca que a leitura liberta-se do enquadramento da sala de aula,
podendo assumir todos os aspectos de seu caráter de prática social.
Em todas as leis, planos, pesquisas e políticas públicas que abordamos até aqui, a
biblioteca apresenta-se, como bem salientou Moraes (2012), como um elemento especial no
processo de formação de leitores, no entanto, apenas 55% dos brasileiros entrevistados sabem
da existência de biblioteca em seu município. Destes, 66% não frequentam e apenas 5%
frequentam sempre, sendo a biblioteca escolar a mais frequentada (55%). (FAILLA, 2016, p.
40).
Os números demonstram que as bibliotecas têm um grande público a conquistar e que a
biblioteca escolar tem se configurado como um espaço importante para os educandos. Como
aponta a Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (IPL, 2016) o usuário da biblioteca é
“principalmente o estudante, já que 90% dos não estudantes não frequentam ou frequentam
raramente. ” (FAILLA, 2016, p. 40).
Apesar disso, a presença das bibliotecas nas unidades escolares e do profissional
bibliotecário ainda é um direito que tem encontrado obstáculos para ser concretizado. Segundo
a pesquisa Avaliação de Bibliotecas Escolares no Brasil o Brasil conta com 162.819
estabelecimentos escolares, dos quais apenas 43.717 dispõem de Biblioteca, apenas 26,8% do
total de escolas. (BRASIL MEC/SEB, 2011, p. 26)
Diante disso, considerando a biblioteca escolar como espaço destinado à formação
leitora no interior das escolas, a simples oferta do livro e o estabelecimento de espaço próprio
para organizá-los não sustentam o desenvolvimento e o sucesso das políticas públicas de
incentivo à leitura e à formação de leitores no contexto escolar. As práticas de mediação de
leitura e a atuação de bibliotecários e mediadores são aspectos essenciais deste processo.
A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil mostra que, apesar de pouco frequentada, a
biblioteca é bem avaliada por aqueles que a utilizam, sendo considerada uma das principais
formas de acesso ao livro (INSTITUTO PAULO MONTENEGRO, 2016). Entretanto, também
aponta que a biblioteca ainda não atende aos interesses de seus frequentadores, pois a questão
“encontrar todos os livros que procura” obteve o menor índice de aprovação entre os
entrevistados frequentes. (FAILLA, 2016, p. 40).
Diante do que foi posto até aqui, podemos afirmar que a percepção de incompletude no
rol de políticas públicas voltadas à formação de leitores é evidenciada pela necessidade urgente
104
da valorização das bibliotecas, motivação fundante da lei 12.244/2010 que dispõe sobre a
universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do País.
A lei 12.244/2010 é resultado das mobilizações de bibliotecários e educadores a fim de
garantir a existência e o funcionamento das bibliotecas nas unidades escolares, obrigando os
sistemas de ensino a realizarem a implementação do acervo e a garantia de contratação do
profissional bibliotecário. A lei expressa que:
(...) em seu art. 2º. A nova redação do caput define biblioteca como
equipamento cultural com os seguintes objetivos:
“I – disponibilizar e democratizar a informação, ao conhecimento e às novas
tecnologias, em seus diversos suportes; II - promover as habilidades,
competências e atitudes que contribuam para a garantia dos direitos e
objetivos de aprendiz IV - apresentar-se como espaço de estudo, encontro e
lazer, destinado a servir de suporte para a comunidade em suas necessidades
e anseios”.
(...) a criação do Sistema Nacional de Bibliotecas Escolares (SNBE), com as
seguintes funções básicas:
“I - incentivar a implantação de bibliotecas escolares em todas as instituições
de ensino do país; II - promover a melhoria do funcionamento da atual rede
de bibliotecas escolares, para que atuem como centros de ação cultural e
educacional permanentes; III - definir a obrigatoriedade de um acervo mínimo
106
Como exemplo deste cenário, temos a situação das bibliotecas das escolas da rede
municipal de ensino fundamental de Ribeirão Preto, cidade onde esta pesquisa é executada,
analisada por Castro Filho e Copolla e que infelizmente reproduz um cenário de
descompromisso descrito acima, pois “as unidades escolares possuem salas de leitura, contendo
livros em estantes, porém sem organização adequada, contando com pessoal não especializado”
(CASTRO FILHO; COPOLLA, 2012, p.6).
Muitos estudos na área da Educação e da Biblioteconomia tem apontado para a
significância da biblioteca escolar e do profissional bibliotecário como importantes elementos
de apoio do processo ensino aprendizagem, como espaço propício à leitura e realização de
atividades educacionais voltadas aos letramentos literários (SOUZA, 2009) e informacional
(CAMPELLO, 2011), por exemplo.
No entanto, em muitas redes de ensino, a decisão a favor da existência das salas de
leitura, em detrimento das bibliotecas, é tomada de forma racional e estratégica, pois visa
substituir a função da biblioteca escolar e do bibliotecário por um professor licenciado, porém
na situação de readaptado.
A luta contra a ausência do bibliotecário no quadro do magistério também está refletida
na Lei nº 12.244/2010, que garante a gestão das bibliotecas escolares pelos bacharéis em
Ciências da Informação e Biblioteconomia. Segundo Moraes:
Assim como no Censo Escolar Brasileiro, que não diferencia biblioteca de sala de leitura
quando se trata dos recursos disponíveis na escola, a questão colocada pela pesquisa Retratos
da Leitura no Brasil explicita a confusão conceitual pela qual os termos Biblioteca e Sala de
Leitura são abordados como equivalentes em ambas as pesquisas de significativa importância
nacional.
A ambiguidade colocada pela expressão “biblioteca ou sala de leitura com livros” nos
impele a interpretar que sala de leitura e biblioteca são espaços equivalentes, pois ambos são
108
atravessados pelo universo da leitura. Na verdade, os efeitos nocivos deste equívoco apontam
para o não reconhecimento da biblioteca como espaço imprescindível ao ambiente escolar e do
bibliotecário como agente educador, o que “leva a um distanciamento crescente e à confirmação
da não necessidade de integrá-los ao exercício educacional”. (MORAES, 2012, p. 49).
A primeira constatação acerca desta interpretação é a falsa equivalência entre estes
espaços, devido, principalmente, à especificidade dos protocolos de planejamento e
funcionamento da biblioteca como unidade de informação, o que nos leva a considerar a
necessidade de uma formação teórica metodológica específica para gerar e oferecer os serviços
informacionais que lhes cabe.
A luta e defesa pelas bibliotecas escolares tomou proporção internacional com a 30ª
Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), realizada em Paris, quando foi aprovado o “Manifesto Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)/ International Federation of Library
Associations (IFLA) para Biblioteca Escolar”, um dos mais importantes documentos que tratam
desta questão.
O documento confirma a biblioteca escolar como parte integrante do processo educativo
e confirma a especificidade da função do bibliotecário como mediador do processo ensino
aprendizagem junto aos professores:
tenham acesso a projetos e serviços de biblioteca escolar eficazes, prestados por profissionais
qualificados.
Neste sentido, as diretrizes da Internacional Federation of Library Associations (IFLA)
para o funcionamento administrativo e pedagógico da biblioteca escolar é, ao mesmo tempo,
um documento esclarecedor das potencialidades educativas da biblioteca escolar e norteador
para as práticas exercidas pelos bibliotecários. Segundo as diretrizes, a biblioteca escolar é:
Com relação às práticas de leitura e à formação de leitores, foco deste trabalho, o papel
do bibliotecário escolar é de estimular o “interesse pela leitura e organizar programas que
promovam o desenvolvimento do gosto pela literatura” (IFLA, 2015, p. 19). Sendo assim:
Fica evidente que a biblioteca escolar pode contribuir com a mediação de práticas de
leitura que visam à formação do jovem leitor. São três pontos que merecem destaque para as
110
Todos os programas, políticas e planos comentados até aqui a foram realizados a nível
federal. No entanto, há muitos programas e projetos de leitura sendo desenvolvidos em
bibliotecas de escolas das redes estaduais e municipais por todo Brasil. Vejamos a seguir, o
caso do Programa Sala de Leitura, da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, foco do
nosso estudo.
3.4 Considerações sobre o Programa Sala de Leitura no contexto das políticas públicas
de incentivo à leitura.
Como exposto, o Censo Escolar brasileiro não diferencia biblioteca de sala de leitura
quando trata dos recursos disponíveis na escola. Dados do último Censo (BRASIL, 2019)
apontam que a biblioteca ou sala de leitura está presente em mais de 80,0% em todas as
dependências administrativas, passando de 90,0% nas redes federais e privadas. (BRASIL,
2019, p. 6).
É preciso cautela ao interpretar os dados do censo, pois a pesquisa aponta apenas a
porcentagem de escolas com bibliotecas ou salas de leitura e isso não necessariamente indica
se estão em funcionamento, se são geridas por profissional qualificado ou se há investimento
na criação ou ampliação de acervo e infraestrutura.
111
Outro ponto de cautela consiste na interpretação, que o uso da expressão “ou biblioteca
ou sala de leitura”, na questão redigida para a pesquisa do Censo, bem como as pesquisas
Retratos da Leitura no Brasil (IPL, 2016) e Avaliação de Bibliotecas Escolares no Brasil
(BRASIL, 2011), implica na consideração de uma identidade ou equivalência conceitual entre
os termos biblioteca e salas de leitura.
Na explicitação dos objetos de estudo, a pesquisa Avaliação de Bibliotecas Escolares
no Brasil (BRASIL, 2011) confirma o equívoco conceitual:
Neste contexto, em 2009, a rede estadual de ensino de São Paulo criou o Programa Sala
de Leitura. Na prática, os espaços anteriormente destinados às bibliotecas passaram a
denominar-se Sala de Leitura cuja gestão ficou a cargo dos professores, pois historicamente o
profissional bibliotecário não faz parte do rol de carreiras do magistério.
Segundo informações do site oficial, o Programa Sala de Leitura atende 2,6 milhões de
alunos, distribuídos em 3.144 escolas da Rede Estadual e alcançando 604 municípios paulistas.
(SÃO PAULO, 2017).
O Programa completa dez anos e, ao que parece, pretende manter a continuidade, bem
como ampliar a implantação das salas de leitura. A atual resolução, que dispõe sobre a
instalação de salas e de leitura nas escolas da rede pública estadual paulista, Resolução SE nº
76/2017, prevê, por exemplo, em seu artigo primeiro, a instalação de novas salas e ambientes
de leitura nas escolas estaduais, respeitando-se os cronogramas estabelecidos pelos órgãos
setoriais competentes.
Segundo a Resolução SE nº 15/2009, que dispõe sobre a criação das salas de leitura nas
escolas da rede estadual de ensino, as justificativas consideradas para a implementação das salas
de leitura são:
Desta forma, a resolução reconhece que a educação formal é lócus privilegiado no que
se refere ao desenvolvimento das competências de leitura e escrita. Ademais, a implementação
do Programa Sala de Leitura é justificada pela necessidade de se atender as exigências de acesso
cotidiano a fontes diversificadas de informação e cultura.
114
I - docente readaptado;
115
Com a observação destes três elementos garantidos pelas resoluções oficiais citadas –
disponibilidade de materiais diversificados de leitura, criação de um espaço especifico no
ambiente escolar voltado à leitura e a permanência de um profissional licenciado cuja função,
116
no começo nós recebemos várias caixinhas de livros, mas esses livros eram
repetidos, provavelmente que sobrou na Diretoria de Ensino e eles
encaminharam para a gente...agora quanto aos livros mais novos, recentes, que
a sala tem, a maioria foi doação...sabe...porque a direção poderia comprar...
Mas quando vem verba, a escola tem outras prioridades...embora eu acho que
a priorizar livros novos é uma ótima, né, mas não vem para a sala de leitura.
Programa Sala de Leitura não aborda questões acerca dos responsáveis e dos processos que
envolvem a aquisição a formação do acervo. Na frase “eles dizem que vão oferecer, porém não
chega até nós”, a professora deixa evidente sua frustração com relação ao desencontro entre a
legislação e a não correspondência das suas expectativas profissionais.
Apesar disso, confirma-se a nossa suposição de que o estabelecimento do Programa Sala
de Leitura foi uma iniciativa positiva, se levado em consideração que antigas bibliotecas
escolares eram abandonadas e trancafiadas, quando a professora comenta que já está à frente
da sala de leitura Clarice Lispector há cinco anos e que “antes era um amontoado de livros,
desorganizado, sem condições para o aluno”.
Além do acervo, a observação e análise da composição dos espaços de leitura também
são importantes, pois permite refletir acerca tanto das práticas quanto das concepções de leitura
que circulam no ambiente escolar. Com relação ao espaço, a professora afirma que foram
realizados pequenos investimentos como a aquisição de um computador e ar condicionado para
a sala, as mesas para reunião e pesquisas, além da ampliação do espaço da sala.
Corroborando com as colocações da teoria histórico cultural, o espaço e as relações que
nele se estabelecem através da linguagem tem influência direta no desenvolvimento do
comportamento e na forma como se vivencia os acontecimentos. Os instrumentos materiais e
sígnicos, o meio e as relações sociais concebidos a partir das atividades humanas são elementos
fundamentais do processo de mediação cultural entre os sujeitos e a realidade que os cercam.
Souza e Motoyama (2014), apoiadas no conceito de mediação vygotskyano afirmam
que os espaços destinados à leitura (salas de leitura e bibliotecas) devem ser entendidos como
mediadores na formação do leitor literário, desde que esteja estabelecida uma organização
dinâmica capaz de mediar o contato dos sujeitos com o material de leitura, seja através dos
aspectos físicos (decoração, mobiliário, acervo) seja através das práticas e estratégias
desenvolvidas pelos professores/bibliotecários mediadores.
Segundo as autoras, o espaço é um dos elementos de toda uma cadeia de mediações que
atua diretamente na construção do sujeito leitor. Bibliotecários e professores, através de suas
atividades, e mediados pela linguagem, possibilitam a formação do leitor criando processos de
mediação entre o educando e os “usos sociais dos textos diversos, as formas de exploração e
manuseio de livros e outros materiais de leitura”. (SOUZA; MOTOYAMA, 2014, p. 13).
O espaço, portanto, desempenha ele próprio a função mediadora ao manter os livros
acessíveis, acervo diversificado de materiais de leitura e mobiliário adequado; ao mesmo tempo
em que congrega todos os sujeitos e mediações em torno da leitura.
120
A zona formal seria aquela que recepciona o usuário e o encaminha para que
ele procura. Nessa área teríamos a entrada, a recepção e as mesas para
estudos/pesquisas. Já a zona informal seria aquela onde a criança pudesse ficar
mais à vontade, sem mesas, apenas com um tapete emborrachado, por
exemplo. (SILVA, 2009, p. 103).
Partindo desta racionalização, temos que o espaço da sala de leitura Clarice Lispector
pode ser compreendido da seguinte forma:
Além do espaço interior, o jardim da escola também pode ser classificado como zona
informal, já que a professora mediadora considera o jardim uma extensão da sala, se
dedicando semanalmente aos cuidados das plantas e da arborização do lugar com o objetivo
de ser um espaço de leitura e convivência.
Os espaços físicos onde ocorrem as práticas de leitura são, portanto, agentes mediadores
no processo de formação de leitores, pois interferem no desenvolvimento da relação entre o
sujeito e a linguagem. Por isso, precisam ser “intencionalmente e esteticamente compostos”
(SILVA; FERREIRA; SCORSI, 2009, p. 56) para se tornarem lugares de leitura.
Os ambientes onde se realizam as práticas de leitura – sala de aula, biblioteca escolar ou
sala de leitura – devem, portanto, ser entendidos como aliados no processo de formação leitora.
A participação dos educandos também foi essencial no levantamento de informações
que permitiu elucidar aspectos e características do acervo e do espaço na participação da sala
de leitura no processo de formação leitora. Para isso, foram escolhidos sete jovens
frequentadores, matriculados no primeiro ano do Ensino Médio e que tiveram histórico de
participação ativa nas práticas da sala de leitura em anos anteriores. A fim de verificar suas
opiniões e impressões sobre o comprometimento da sala de leitura com os interesses dos
educandos frequentadores, desenvolvemos no roteiro do grupo focal o seguinte eixo de análise:
“Atendimento aos interesses dos educandos”.
Quando o tópico “encontrar os livros que desejam na sala de leitura” foi colocado em
questão, os educandos se entreolharam simultaneamente e todos responderam de forma
negativa, confirmando novamente os resultados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil que
apontam a insatisfação dos frequentadores de bibliotecas com relação ao acervo, que muitas
vezes não atendem aos seus interesses, pois estão desatualizados e indiferentes às suas
necessidades e gostos.
Outro aspecto de insatisfação entre os educandos, e já levantado na entrevista pela
professora, é a falta do número suficiente de exemplares para atender as demandas geradas
pelas práticas da sala de aula. Demandas que, por exemplo, são recorrentes nas aulas de
literatura em que a professora indica uma obra, geralmente listada em vestibulares, para leitura
da sala inteira.
Como afirma o Aluno 2: “muitas vezes que a gente precisa fazer um trabalho de escola
e precisa pegar o livro, o livro está em falta na biblioteca ou não tem livro suficiente para a sala
inteira e a maioria das pessoas acaba recorrendo aos Portable Document Format (PDFs)”. Neste
caso, o problema do acervo insuficiente não é obstáculo para aqueles que já dominam as práticas
de leitura no meio digital. Os educandos participantes do grupo focal, situados na faixa etária
entre os quinze e dezesseis anos, caracterizam-se por serem leitores que “facilmente navegam
em telas e programas de leitura, num universo de signos evanescentes eternamente disponíveis
que surgem de uma ordenação associativa que só pode ser estabelecida no e através do ato de
123
Aluna 5: (...) são mais difíceis para alguns alunos se interessarem, porque eles
acabam descrevendo mais os lugares, as coisas e não são tão objetivos...
Aluno 1: são livros chatos de ler
Aluna 3: como Dom Casmurro.... se a pessoa que não tem o hábito de ler, ler
duas páginas de Dom Casmurro, vai achar uma merda e nunca mais vai querer
ler nada.
Aluno 1: não.... Memórias póstumas de Brás Cubas, cara, que livro chato
Aluna 5: imagina José Saramago, piorou.... Ele tem um estilo diferente.
124
A questão do gosto foi bastante enfatizada durante as interações dos educandos no grupo
focal. Diante da necessidade adolescente em firmar sua subjetividade em construção, naquele
momento, percebeu-se um esforço por parte dos educandos em demonstrar que eles querem ler,
mas que o ato da leitura deve estar subordinado aos seus interesses e gostos, quase sempre
voltados especialmente ao entretenimento e relacionados à satisfação de um prazer imediato.
Aluno 2: o que eu acho é que a Sala de leitura tem bastante livros destes
clássicos, só que muitas vezes as pessoas não pegam gosto pela leitura lendo
estes primeiro, sabe....na maioria das vezes você lê por obrigação, porque você
acha chato ...
Aluna 5: porque quem não tem a habitualidade de já ler e a primeira leitura já
vai ser uma leitura difícil, fica traumático
Aluno 2: faltam aqueles livros que a pessoa... tipo Harry Potter
mesmo....grande parte das pessoas já sabem a história, mas é um livro que a
pessoa quer ler e que vai dar um gosto pela leitura, porque você vai gostar... a
história... quando você vai ler é fácil de entender, é uma linguagem simples,
só que eu acho que é um tipo de livro que deveria ter porque é o tipo de coisa
que vai fazer você entrar no mundo leitura, é o que vai fazer você começar a
pegar o gosto .
a leitura praticada por obrigação é associada ao que é chato e traumático, ou seja, não facilita o
envolvimento com a leitura e o desenvolvimento do gosto, pelo contrário.
As relações entre leitura, literatura e escola na formação do gosto literário também
devem estar no cerne dos debates que colocam em pauta a formação do leitor. Como aponta
Magnani a escola é uma das esferas que atuam na institucionalização do literário, no entanto,
“percebe-se uma grande distância entre a intenção da legislação em formar alunos críticos, com
gosto e hábito de ler, e o fato destes alunos demonstrarem desagrado e incompetência em
relação à leitura. ” (MAGNANI, 2001, p. 2).
O fato é que a leitura é uma atividade complexa que atinge a cada um de acordo com
seus diferentes interesses, condições socioeconômicas e graus de motivação. Assim, o problema
que se coloca às instituições de ensino e de cultura não se relaciona apenas ao como ler e ao
saber ler, mas também ao que ler.
Durante a interação, a Aluna 7 relata que a professora da sala de leitura permitiu o
acesso a “alguns livros que eram de uso exclusivo para professores”. Em visita à sala de leitura
foi possível constatar a existência de um armário onde são alocados livros da área da Educação
e das diferentes disciplinas que compõem o currículo escolar. Verificou-se também que os
livros da coleção denominada “biblioteca do professor” foram enviados majoritariamente pelo
Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) entre 2003 e 2013.
A Aluna 7 relata, exprimindo surpresa, seu encontro com este acervo:
tinha uma vez que chegaram livros novos e a gente estava colocando estes
“selinhos” aqui (classificação do livro) e eu vi que tinha muitos livros sobre
diversos assuntos tipo racismo, sobre assuntos mais científicos e acadêmicos,
que também são interessantes, só que muitas vezes não fica no acesso fácil
para as pessoas
126
Aluno 4: a maioria das coisas que a escola Djanira participa é por conta da
sala de leitura e eu acho que se não tivesse ia ficar parada a escola, tipo assim,
ia só ter aula, acabar, ir embora da aula, todo dia...
Aluna 3: e muitas pessoas que agora tem o habito de leitura começaram aqui
de alguma forma... você pega aqui, de graça, é só pegar qualquer um... tem
variados temas... e ai você vai vendo... vai conhecendo as prateleiras....e você
vai procurando o que te agrada
Aluna 6: aqui a gente pode fazer isso, vir aqui... procurar um livro e tá na sua
mão... a gente pode começar no recreio, na aula vaga que pode acontecer e
que acontece quase sempre e você pode usar estes momentos para uma coisa
boa, você pode ampliar seus conhecimentos lendo alguma coisa.
Aluno 2: acho que uma coisa boa da sala de leitura seria esta coisa de fornecer
um espaço, sabe, as vezes a pessoa não tem espaço em casa pra ler, não tem
livros ou costume de ler ....fornece um espaço e um meio pra pessoa pode vir
aqui e pegar gosto pela leitura e ver isso como prazer e não só como obrigação
ou uma coisa chata.
Aluno 4: se não fosse por causa da Sala de Leitura a gente não ia conhecer
elas, por causa do trabalho do Dom Quixote
Aluno 2: por conta da Sala de Leitura conhecemos pessoas e interagimos com
pessoas da própria escola... tem essa coisa da interação...
Aluna 5: principalmente no meio de adolescente, onde a aceitação em grupo
é mais forte....
Este tópico do grupo focal tinha como objetivo estimular os educandos a relatarem suas
opiniões e percepções acerca da relevância da sala de leitura como um dos espaços que compõe
127
O Aluno 1, por exemplo, declara que “é uma coisa diferenciada você ter uma biblioteca,
uma sala de leitura ao seu dispor”, expressando assim uma perspectiva de semelhança entre os
dois ambientes.
Como já discutido anteriormente, a confusão conceitual e a dupla representatividade
geram aspectos negativos que sinalizam para a descaracterização da biblioteca e do profissional
bibliotecário, comprometendo a institucionalização deste equipamento cultural e de todos os
serviços e benefícios que tem a oferecer para os cidadãos.
Como se verificou através dos relatos, as vivências dos educandos com relação ao
acervo da sala de leitura comprovam que a exploração do acervo ocorre de forma livre, e
autônoma, apesar da avaliação insatisfatória do acervo por boa parte dos educandos.
Os educandos confirmam ter conhecimento do acervo, pois identificam a forte presença
da literatura no acervo da sala de leitura, mas demonstram que seus interesses de leitura não
estão representados neste acervo.
As expressões “livros tipo Harry Potter”, “livros atualizados”, “assuntos de agora”,
“autores que estão lançando livros” e “assuntos que deixam as pessoas mais interessadas” dão
indicações sobre qual tipo de leitura se interessam nossos jovens.
129
Talvez porque a aproximação geográfica entre leitores e livros não apaga a distância
cultural (BOURDIEU, 1966 apud BUTLEN, 2016, p. 25), considerada um dos maiores
obstáculos ao processo de apropriação.
Por isso, “as expectativas e preferências dos alunos refletem a complexidade das
relações que envolvem sua formação enquanto leitor e seu gosto traz marcas do aprendizado da
leitura a partir da exposição aos produtos da indústria cultural” (MAGNANI, 2001, p. 65).
Além disso, ao que parece, as políticas públicas de oferta e distribuição de livros não
bastam para efetivar o processo de formação de leitores neste tipo de política:
Desta forma, uma política de oferta do livro deve pensar nas condições de recepção dos
destinatários, dos novos públicos e nas suas práticas de leitura reais.
mas nos esquecemos, de certa forma, do sujeito leitor. O que nos leva a pensar
que para formar o leitor contemporâneo, é indispensável se trabalhar a partir
das práticas de leitura e das práticas reais dos jovens. (...) O desenvolvimento
eficiente das políticas de leitura e a construção do leitor moderno não podem
se realizar contra a identidade dos sujeitos, contra a sua construção identitária
(BUTLEN, 2016, p. 25).
Neste contexto, Butlen afirma que é necessário repensar a oferta escolar de leitura, o
que interfere diretamente no trabalho do professor ou do bibliotecário. É preciso “aceitar a ideia
de que os jovens têm práticas de leitura, leem, mesmo que estas leituras não sejam as desejadas
e as esperadas pelos professores” (BUTLEN, 2016, p. 38).
Para isso, é importante diversificar e alargar a oferta pedagógica e cultural, levando-se
em conta as práticas reais e as leituras usuais a fim de estabelecer pontes entre a cultura do
educando e a cultura erudita. (BUTLEN, 2016, p. 38).
A questão que se coloca é como equilibrar ações de incentivo a uma leitura ponderada
entre o respeito ao gosto e às preferências de leitura dos educandos e a garantia e o direito do
educando ser apresentado ao universo dos cânones e dos clássicos literários.
atividade de ensino e atividade de estudo, são interações sociais importantes que forjam os
processos interpsicológicos de mediação responsáveis pela formação leitora do educando.
A forte influência do meio, das condições e das interações sociais mostra que, apesar do
aumento sistemático do número de matrículas nos sistemas de ensino, ainda persistem as
dificuldades e os problemas relacionados ao processo de aprendizagem da leitura.
Além das perturbações psicológicas, “as condições da vida moderna (divórcio dos pais,
trabalho das mães, televisão), as modalidades da escolarização (classes sobrecarregadas,
professores sem formação, métodos de leitura inadaptados) e as perturbações da vida afetiva”
(CHARTIER, 1995, p. 24) explicam, em parte, a acentuada defasagem na aprendizagem da
leitura.
Acrescenta-se a estes fatores o que a sociologia da leitura já constatou: a forte correlação
entre origem social e fracasso escolar.
escolar, cujos valores, representações e expectativas conflitam, quase sempre, com a cultura e
o meio social aos quais os educandos estão inseridos.
De fato, a sociologia da leitura escolar tem mostrado que as disparidades sociais na
relação com a linguagem, que são precocemente constituídas e persistentes ao longo da
escolaridade, explicam boa parte dos obstáculos ligados à leitura.
Sabe-se que a escola não é a única instituição responsável pelo processo de formação
leitora dos indivíduos. A família, a cultura prévia e os saberes adquiridos que fomentam a
existência do indivíduo devem ser seriamente considerados neste processo.
Por isso, a escola precisa repensar suas práticas de leitura, pois, muitas vezes, “a escola
alfabetiza, mas não transforma os estudantes alfabetizados em leitores” (CHARTIER, 1995, p.
28). Em países onde boa parte de sua população convive em um meio social desigual e por
vezes degradante, que desfavorece o desenvolvimento pleno do indivíduo, o esforço da escola
deve estar para além da alfabetização.
Ou seja, mesmo que o educando saiba decifrar, ele ainda não pode ser considerado um
leitor. O fracasso fica evidente, pois as atividades praticadas não estão produzindo leitores
autônomos.
Desta forma, a escola que mantém uma concepção arcaica de leitura ao não rever seus
conteúdos propostos, suas formas textuais privilegiadas e suas práticas de leitura legitimadas
tende a não alcançar os sentidos e afetos das vivências dos educandos.
133
Com efeito, é importante que se diga que todos os professores, de todas as disciplinas,
e não apenas os de Língua Portuguesa, podem contribuir com o processo de formação leitora
134
dos educandos, pois “todas as disciplinas escolares são disciplinas discursivas e requerem
desempenhos tanto de linguagem quanto conceituais”. (CHARTIER, 1995, p. 38).
Em suas pesquisas, Butlen (2016) constatou algo semelhante. Alunos com competência
leitora declaravam tranquilamente não gostarem de ler e alunos com fraco desempenho de
leitura, apesar de evidenciarem dificuldades de compreensão da escrita, declaravam verdadeiro
amor pela leitura.
Butlen (2016) conclui que o prazer de ler e o compromisso com a leitura são condições
necessárias, mas não suficientes para formar leitores. Para o autor não há formação de leitores
sem que o leitor articule o contato com a multiplicidade de materiais, suportes e atos de leituras
ao domínio das estratégias de leitura.
Ou seja, não basta saber ler ou gostar de ler, é preciso que o educando tenha à disposição
uma variedade de leitura – leitura informativa e literária, leitura intensiva e extensiva,
diversidade de suportes – e, principalmente, domínio das estratégias de leitura. (BUTLEN,
2016, p. 36)
Mas, o que são estratégias de leitura? Segundo Butlen (2016), uma estratégia de leitura
é:
O desejo de ler é o fator mais poderoso para gerar hábitos de leitura e nasce
de associar esta atividade com prazer, com satisfação, com a sensação de
realização e entretenimento. Muitas pessoas sabem ler e tem livros a
disposição, mas não desejam ler, então não se produz a leitura. (SALAZAR
AYLLÓN, 2006, p. 23).
De fato, as práticas de leitura que se passam no ambiente escolar nem sempre, ou quase
nunca, visam formar o hábito leitor. As práticas de decifração e compreensão leitora são
importantes para conhecer o funcionamento da linguagem, mas relacionar o ato da leitura no
contexto escolar ao prazer, à satisfação e ao entretenimento é fundamental para estimular o
desejo de ler nos educandos.
Saber ler e adquirir as estratégias e capacidades de um leitor autônomo devem fazer
parte de uma formação leitora, mas não necessariamente conduzem à formação do hábito leitor,
pois “sem desejo as leituras são medíocres e seu destino é o esquecimento” (SALAZAR
AYLLÓN, 2006, p. 23).
A formação do hábito leitor é uma construção, requer o estabelecimento de objetivos
claros e a estruturação de processos mediados, ou seja, é um comportamento estruturado, não
espontâneo.
137
Em pesquisa sobre a formação do hábito leitor dos estudantes peruanos, por exemplo,
(SALAZAR AYLLÓN, 2006, p. 27) os resultados demonstraram que há sempre modelos ou
referências pessoais de leitores (famílias, amigos, professores) que geram percepções
favoráveis à leitura. Na pesquisa Retrato da Leitura no Brasil (2016), a importância do exemplo
e das referências na formação de leitores verifica-se quando 57% dos leitores afirmam terem
presenciado suas mães lendo sempre ou às vezes. (FAILLA, 2016, p. 35).
A comparação dos dados levantados pela pesquisa Retratos do Brasil aponta para a
importância da mediação: “83% dos não leitores não receberam a influência de ninguém,
enquanto 55% dos leitores tiveram experiências com a leitura na infância pela mediação de
outras pessoas – especialmente mãe e professor”. (FAILLA, 2016, p. 35).
Não basta a presença do livro, o ato inaugural do processo de mediação é o convite à
leitura, compreendido a partir de uma perspectiva dialógica entre os sujeitos. (FREIRE, 2011).
Família, escola e bibliotecas são, inegavelmente, as principais agências mediadoras das práticas
e ações de leitura.
Ou seja, tanto a aprendizagem da leitura como a formação do hábito e do gosto leitor
fazem parte de diversos processos intencionais, que visam a interação entre os sujeitos, as
instituições e cenários onde os objetos e os mediadores relacionados à prática da leitura
circulam.
Atrelado ao conceito de habitus de Bourdieu temos que o gosto não é natural ou inato
ao ser humano, não está relacionado somente aos aspectos da subjetividade, mas a uma série de
condições simbólicas e materiais ligadas ao nível de instrução do sujeito e vinculadas às
imposições e aos aspectos estruturais dominantes e dominadores da vida em sociedade.
Segundo Magnani, (2001, p. 63), o problema de propor ao aluno apenas a leitura do o
que ele gosta, “não podemos nos esquecer de que esse gosto não é tão natural assim, pelo
contrário, é profundamente marcado pelas condições sociais e culturais de acesso aos códigos
de leitura e escrita.”
138
Nesse sentido, Magnani, (2001, p. 47), afirma que quando se pretende despertar o gosto
de ler é preciso cautela e certa suspeita com relação à ênfase dada pelos atuais programas e
currículos na chamada leitura recreativa e lúdica sob o pretexto de estimular o gosto pela leitura.
Além disso, alerta que não se deve buscar “novas técnicas para motivar a leitura sem que se
discuta quem, como, o quê, para que, por que, quando e onde se lê sem considerar que a luta
pelo acesso à cultura faz parte da luta de classes.”
Para a autora, tratar da formação do gosto é “retornar as relações entre leitura, literatura
e escola do ponto de vista das possibilidades políticas do movimento no sentido de
desestabilização da dicotomia entre prazer e saber”. (MAGNANI, 2001, p. 43).
Neste sentido, a proposta é desestabilizar uma falsa dicotomia e mostrar que não há
oposição entre o prazer e o saber no ato da leitura. Pode-se “aprender a ler textos de qualidade
literária e gostar de aprender”, pois “saber e prazer não são excludentes”. (MAGNANI, 2001,
p. 136).
Sim, a gente tem que falar do lado bom né, tem o lado que eu falei que não é
oferecido tudo o que a gente precisa e tudo o mais, mas essa formação é muito
bem feita...no começo quando eu entrei pra este projeto eles nos levaram a
São Paulo para uma formação porque a gente tinha uma parceria com o
140
Instituto Ayrton Senna...e essa formação em São Paulo foi oferecida pelo
Instituto Ayrton Senna...maravilhosa, sabe... orientando, dando um norte
mesmo né...e depois disso nós temos as orientações técnicas que são
oferecidas na Diretoria de Ensino de Ribeirão Preto, por PCNPs – Professores
Coordenados do Núcleo Pedagógico – de Língua Portuguesa e Inglês e
também tem a Priscila, que cuida dessa parte de sala de leitura....então, ali,
elas não só nos orientam a trabalhar na sala de leitura como nos dão, assim,
oportunidade de sugerir, de questionar, de pedir orientação e elas nos
oferecem e nos dão um feedback bem bacana.
O objetivo desta parceria é contribuir para tornar a sala de leitura de sua escola
um espaço educativo que fortaleça a aprendizagem escolar e permita que os
jovens aprendam a ser, conviver, conhecer e fazer. Nesse novo espaço de
aprendizagem e convívio, os jovens alunos de sua escola aprenderão a ler por
vontade própria; a agir como protagonistas para melhorar a leitura na escola e
a serem estudantes especialistas em aprender. (INSTITUTO AYRTON
SENNA , 2011, p. 2)
Originado em 1994, o Instituto Ayrton Senna é uma organização sem fins lucrativos que
desenvolve “soluções educacionais, pesquisas e conhecimentos em pedagogia, gestão
educacional, avaliação e articulação”, propondo programas capazes de influenciar desde as
práticas pedagógicas até as políticas de formação dos educadores
Desta forma, o Instituto Ayrton Senna (IAS) contribuiu com a implementação de três
projetos importantes da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP) Iniciando
em 2003 pelo Programa Escola da Família, o Instituto Ayrton Senna (IAS) elaborou o Programa
SuperAção Jovem, uma proposta pedagógica que, posteriormente, embasaria outros dois
141
Ainda que a parceria entre a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP)
e o Instituto Ayrton tenha sido desfeita, consideramos pertinente realizar apontamentos sobre
as orientações contidas nos materiais formativos que nortearam a atuação do professor
mediador da sala de leitura nos últimos anos.
Ao longo dos oito anos em que o Programa Sala de Leitura foi coordenado pelo Instituto
Ayrton Senna (IAS) vários materiais formativos foram elaborados. As propostas, sugestões de
práticas e orientações pedagógicas foram apresentadas através de dois materiais que contém as
diretrizes para a mediação do trabalho docente na sala de leitura: o “Programa Sala de Leitura:
orientações para mobilizar e mediar a participação da comunidade escolar na sala de leitura”
(INSTITUTO AYRTON SENNA, [20--?]) e o “Programa SuperAção Jovem na Sala de Leitura:
roteiro para o professor mobilizar e mediar a participação da juventude e comunidade escolar
na sala de leitura” (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011).
Os materiais definem a sala de leitura como “um espaço que articula leitura, convívio,
participação juvenil e pesquisa” (INSTITUTO AYRTON SENNA, [20--?], p. 21), onde ler é uma
prática “não impositiva, ou seja, respeitando e estimulando o gosto e os interesses de seus
jovens alunos. ” (INSTITUTO AYRTON SENNA, [20--?], p. 30).
A essência da proposta pedagógica contida nestes materiais está alicerçada em dois
itinerários formativos: as “9 Atitudes que Impactam a Sala de Leitura” e o “Desafio de Leitura”
O objetivo da proposta “As 9 Atitudes que Impactam a Sala de Leitura” é:
É valido observar do que se trata a primeira proposta: praticar ações voltadas para a
parceria, o acolhimento, a criatividade, o convívio, a organização, a liberdade, a mobilização, a
divulgação e a avaliação fazem parte do que o documento chama atitudes que impactam a sala
de leitura.
As ações são bem descritas para que os professores mediadores possam nortear seu agir
durante as práticas. As práticas voltadas à parceria, por exemplo, são assim descritas:
(...) eles podem atuar como monitores da sala de leitura: faça a proposta e
monte um cronograma contendo o dia/hora em que os jovens voluntários
podem assumir a responsabilidade de ajudar na rotina e ações específicas da
sala. Eles podem ajudar a organizar o acervo, auxiliar os novos times na
condução das atividades dos Desafios, criar estratégias de comunicação da
sala de leitura com os demais alunos da escola etc. Outra opção é envolver
esses jovens como mobilizadores constante dos alunos das séries anteriores:
seja conversando com eles sobre as novidades da sala de leitura, seja fazendo
parceria com os professores de Língua Portuguesa, Leitura e Produção de
Texto e Hora da Leitura para planejar como podem ajudar a mobilizar os
alunos para a leitura, a partir de suas próprias experiências como leitores.
(INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011, p 12).
Diante do exposto, nota-se que a sala de leitura é um espaço que articula leitura,
convívio e participação juvenil. Um espaço onde a integração dos educandos é mobilizada pelo
convívio com os livros e com as práticas de leitura.
Orientada pela proposta “As 9 Atitudes que Impactam a Sala de Leitura”, a sala de
leitura, portanto, deve ter como característica ser um espaço de integração, convívio e leitura
para os jovens das escolas públicas estaduais paulistas.
Sendo assim, o acolhimento e a escuta atenciosa direcionada ao educando, o convite à
participação dos educandos na personalização da sala de leitura e na organização do acervo, o
esforço para fazer da sala de leitura um ambiente democrático, em que o jovem possa ter vez,
voz e liberdade de explorar o acervo e participar ativamente do planejamento e divulgação são
outras ações que compõem a relação das práticas que desenvolvem as nove atitudes que
impactam na sala de leitura. (INSTITUTO AYRTON SENNA, [20--?], p. 23-25).
Outras sugestões de práticas para o desenvolvimento das nove atitudes que impactam a
sala de leitura são as seguintes: organizar feiras culturais, saraus e leituras dramatizadas,
exposição de produções textuais dos estudantes, associar o encantamento do cinema ao prazer
de ler, promovendo a relação entre as obras da literatura e do cinema, realizar concursos de
poesias, de contos, de música e outras apresentações artísticas, promover pesquisas entre os
estudantes, movimentar a sala de leitura através de palestras com escritores, mobilizar e
144
convidar a família para conhecer e participar das práticas da sala de leitura, promover a
circulação do acervo da sala de leitura pela escola a partir de ações que contemplem a criação
de diferentes formatos de acervo móvel (carrinho de livros), realizar exposições regulares de
títulos da sala de leitura, promover visitas a feiras literárias e bibliotecas públicas. (INSTITUTO
AYRTON SENNA, [20--?], p. 26-28).
A segunda proposta, denominada de “Os Desafios de Leitura”, é direcionada,
especialmente, os educandos do 8º e 9º ano do Ensino Fundamental e do Ensino Médio e
buscam estimular a participação e o protagonismo da comunidade escolar através das práticas
de leitura.
de forma concisa e breve, facilitando a apropriação conceitual, ainda que superficial, por parte
do professor mediador.
O termo “multiletramentos” é usado para fazer referência às práticas letradas que fazem
uso de diferentes mídias e linguagens (COPE, B; KALANTIZIS, M., 2000 apud INSTITUTO
AYRTON SENNA, [20--?]) e prevê o desenvolvimento de práticas que “envolvem o trato com
diferentes mídias, inclusive relativo ao domínio de meios técnicos para navegar por elas,
compreender e produzir textos em vídeo, áudio etc.”. (INSTITUTO AYRTON SENNA, [20--
?], p. 8).
(...) no que diz respeito à esfera artístico literária, trata-se de formar leitores
de literatura e apreciadores críticos de produções culturais, explorando sempre
as múltiplas linguagens. Assim, além dos gêneros literários já explorados pela
escola – como crônica, conto, fábula e os livros clássicos já consagrados –,
pode-se trabalhar com miniconto, narrativas visuais, narrativas colaborativas,
comentários, canções, videoclipes, fanfic, playlists comentadas, vídeo-
minutos etc. (INSTITUTO AYRTON SENNA, [20--?], p. 9).
Além disso, as práticas de leitura literária devem oferecer condições de ampliarem seus
“gostos e preferências e de terem autonomia para investirem em novos desafios de leitura,
encontrando textos que realmente provoquem esse “afinamento” das opções estéticas e éticas.”
(INSTITUTO AYRTON SENNA, [20--?], p. 9). Para isso, propõe que a sala de leitura deve prever
atividades e práticas que permitam aos estudantes:
Além do material orientar a formação de leitores a partir das práticas de leitura literária
e da perspectiva dos multiletramentos, a proposta do Programa Sala de Leitura também inclui
os conceitos de aprendizagem colaborativa, protagonismo juvenil e competências do século
XXI na base teórico metodológica de suas práticas.
O conceito de aprendizagem colaborativa é explicada para o professor mediador
segundo a compreensão de que aprendemos necessariamente na interação com o outro. A
proposta considera que o professor deva ser um organizador do trabalho junto aos estudantes,
de forma que os educandos sejam os verdadeiros “responsáveis pela própria aprendizagem, bem
como corresponsáveis pelo desempenho dos colegas.” (INSTITUTO AYRTON SENNA, [20--?],
p. 11). Segundo o material formativo, o emprego da aprendizagem colaborativa justifica-se
porque durante o desenvolvimento das propostas “os estudantes aprendem a liderar e serem
liderados, capacidades fundamentais para o exercício da cidadania e para o mundo do trabalho.”
(INSTITUTO AYRTON SENNA, [20--?], p. 12).
O conceito de protagonismo juvenil também orienta as perspectivas teórico
metodológicas das práticas do Programa Sala de Leitura. Considera-se que o protagonismo do
jovem é expressado quando, em colaboração com seus pares, os jovens participam colaboram
e decidem o que farão e como encaminharão seus próprios processos de formação. Ao
professor, cabe exercitar o olhar para o potencial do jovem, promover a abertura do espaço para
as iniciativas que partem dos jovens, bem como mediar, junto aos jovens, as ações direcionadas
ao planejamento, execução e mobilização destas iniciativas. (INSTITUTO AYRTON SENNA,
[20--?], p. 13).
Competências para o século XXI, o último conceito apresentado pelo material
formativo, é baseado no documento da UNESCO, organizado por Jacques Delors, que definiu
as aprendizagens para a educação do século XXI sugerindo que as ações educativas levem em
147
Foi realizada breve descrição sobre os aspectos teórico metodológicos sob o qual o
Programa Sala de Leitura foi edificado e, de fato, é possível salientar aspectos interessantes
deste programa de leitura.
No entanto, convém fazer algumas observações. Primeira: tanto Chartier (1995) quanto
Butlen (2016) enfatizaram a necessidade de diversificar os materiais e suportes de leitura a fim
de se obter sucesso no processo de formação de leitores. Esta é uma falha considerável do
Programa Sala de Leitura, que não prevê em sua legislação nenhum responsável pela compra e
aquisição de novas obras para a composição e renovação do acervo. A entrevista e o grupo focal
permitiram concluir que, na sala de leitura Clarice Lispector, o acervo desatualizado e contrário
aos interesses de leitura dos jovens educandos tem encontrado dificuldades para estabelecer-se
como instrumento de mediação.
Segunda observação: como bem salientam Butlen (2016), Giroto e Souza (2010) é
preciso que haja preocupação dos professores em mediar o ensino das estratégias de leitura
como parte de um programa que busca formar leitores autônomos. No entanto, os materiais
produzidos pelo Instituto Ayrton Senna (IAS) para o Programa Sala de Leitura não abordam as
149
Apesar disso, o roteiro formativo do Programa Sala de Leitura enfatiza sua importância
como espaço que oferece a possibilidade da escolha própria e da leitura livre. Os autores
citados, por exemplo, partem da constatação de que as práticas individuais e sociais de leitura
são bastante discrepantes das práticas escolares e, por isso, colocam a necessidade dos
professores e outros mediadores de rever a preocupação excessiva com os cânones literários e
com atividades que se limitam a uma leitura fragmentária e literal do texto a fim de que o
educando identifique a “resposta certa”.
A quarta observação leva a refletir sobre o desenvolvimento das competências
socioemocionais (INSTITUTO AYRTON SENNA, [20--?]) e a afetividade no processo de
formação de leitores. É oportuno salientar a demonstração de afeto e satisfação da professora
mediadora por aquilo que faz. Ela diz:
Aluno1: se não tivesse uma pessoa que se preocupasse com a gente e chegasse
na sala e falasse assim: gente vamos pegar um livro...
Aluna 5: é questão de influência...
Aluno 1: porque hoje praticamente tudo tem a influência de alguém.... se não
tivesse a sala de leitura e se não tivesse uma pessoa, se não tivesse exemplares
para você pegar...para você poder escolher...
Aluna 3: a Claudete é uma grande motivadora, ela está sempre lá: vamos, vai
ser bom! Às vezes você nem está muito confiante e você vê que realmente é
legal, você vai adquirir conhecimento, vai ajudar você a conhecer as pessoas
(...) será que um dia a gente teria o interesse de ir na ADEVIRP...ah, um dia
vou acordar e vou na ADEVIRP...sem o incentivo de alguém? Com certeza
não!
Aluna 7: mesmo com os incentivos da Claudete eu não tinha tanto interesse
nestes projetos...chegou o momento em que o estímulo foi tão forte e daí eu
pensei, vamos ver como é...
No entanto, não se pode esquecer que a formação leitora realizada de forma integral
envolve foco nos processos internos dos educandos, no desenvolvimento tanto de suas
estruturas cognitivas (habilidades, capacidades, competências) como de suas motivações,
atitudes e vontade.
Por isso, segundo Cosson (2015, p. 169), a mediação da leitura literária não deve se
reduzir ao sentido comum de animação, “como uma atividade a ser desenvolvida apenas por
meio da empatia entre um leitor iniciante e um leitor experiente, que não requer nada além do
“amor” aos livros ou que não precisasse nenhuma formação específica” (COSSON, 2015, p.
169). Para o autor, a mediação e ensino da leitura literária devem caminhar juntos, pois a
formação do leitor deve contemplar tanto as práticas de leitura ilustrada – leitura de literatura
visando a fruição e o prazer – quanto as práticas de leitura aplicada – leitura de literatura
apoiando o ensino da língua. (COSSON, 2015).
A sexta observação: o material formativo deixou evidente que o letramento literário é
um importante aspecto do eixo teórico metodológico que sustenta o Programa Sala de Leitura.
O letramento literário pode ser entendido como “o processo de apropriação da literatura
enquanto construção literária de sentidos” (PAULINO; COSSON, 2009, p. 67) e tem como
objetivo formar um leitor “capaz de se inserir em uma comunidade, manipular seus
instrumentos culturais e construir com eles um sentido para si e para o mundo em que vive”
(SOUSA; COSSON, 2010, p. 106).
Segundo Paulino e Cosson (2009, p. 74), a disponibilização de um espaço, um acervo
de práticas que possibilitem o contato efetivo com o texto literário são premissas gerais para a
concretização da experiência literária. No entanto, o grupo focal permitiu-nos verificar certo
afastamento dos jovens educandos com relação à literatura oferecida pelo acervo da sala de
leitura, o que nos leva a duas questões.
Primeira: há um estado de tensão entre aquilo que os educandos gostam e desejam ler e
as obras que compõem o acervo, advindas de diferentes programas de distribuição e, portanto,
escolhidas por especialistas e seguindo critérios de qualidade (PAIVA, 2012, p. 25). Ainda que
o acervo tenha qualidade, a influência exercida sobre os jovens tem pouca relação com a
formação do seu gosto literário, sendo a dimensão coletiva e interacionista do funcionamento
da sala de leitura o item mais enfatizado pelos educandos participantes do grupo focal.
Segunda questão: a baixa receptividade dos educandos quanto aos livros que compõem
o acervo pode ser reparada através do processo da mediação da professora que, ao intermediar
a relação entre o educando e os livros da sala de leitura, contribui com a efetiva descoberta,
aceitação e circulação do acervo.
154
Apesar dos problemas detectados com relação ao acervo, ainda assim nos colégios da
rede estadual de São Paulo, para muitos educandos, a sala de leitura é o único espaço que
fornece a possibilidade de superar as carências relacionadas ao acesso e uso dos objetos
culturais de leitura.
Lidando com a leitura através de uma dinâmica própria, diferente dos procedimentos da
sala de aula, porque incentiva a leitura livre, o convívio e o protagonismo do jovem, o Programa
Sala de Leitura transformou a oferta da leitura na escola ao procurar estabelecer uma
aproximação e uma boa relação do educando com o ato de ler.
A sala de leitura revela-se, então, como mais um espaço mediador no processo de
construção das funções psicológicas superiores dentro do ambiente escolar e consequentemente
um espaço que pode proporcionar melhorias na condição social e humana do educando.
Apesar disso, contrariando a perspectiva das atuais políticas públicas que enfatiza o
papel da biblioteca e da atuação do profissional bibliotecário como agentes da formação de
leitores, percebe-se que o Programa Sala de Leitura tem sido um paliativo diante da falta de
reconhecimento da biblioteca como instituição fundamental para a plena formação do cidadão
e no consequente desapreço pela profissão de bibliotecário, ainda que isso não signifique negar
os méritos do Programa Sala de Leitura.
Até aqui, foi realizada ampla discussão acerca das condições materiais e das interações
sociais necessárias ao processo de formação do leitor, pois acreditamos que o acervo, o espaço
e o processo de mediação são os elementos estruturantes das práticas que visam à formação de
leitores. Com relação ao acervo da sala de leitura Clarice Lispector, conseguimos traçar um
panorama tanto dos modos com que os educandos de se relacionam com as obras quanto das
condições de formação da coleção. Com relação ao espaço, verificamos que a existência de um
ambiente destinado aos projetos de leitura é relatada como essencial à integração dos educandos
e ao exercício do protagonismo juvenil, pois é disposto de forma a permitir a circulação e o
acesso ao acervo. Por fim, a mediação, processo que visa intermediar e moderar a relação do
educando com a leitura, que orientada com base nas propostas teórico metodológicas do
Instituto Ayrton Senna (IAS) apresenta-se como função principal do professor responsável pela
sala de leitura.
Sendo assim, acervo e espaço correspondem às condições materiais; e processos de
mediação de leitura correspondem às interações sociais responsáveis pela estruturação das
práticas de leitura que objetivam a formação de leitores. A análise destes elementos permitiu
ressaltar aspectos importantes que, sem dúvida, interferem nas condições de produção das
práticas de leitura, além de poderem embasar uma possível reorganização do Programa Sala de
155
Como apresentado no capítulo dois, as práticas de leitura podem ser abordadas por
tradições de investigações – pedagógica, histórica sociológica, linguística – que embora
diferentes, podem ser complementares e não excludentes. Percebe-se assim, a dimensão
interdisciplinar e a inevitável diversificação teórico-metodológico atribuída aos estudos da
prática de leitura.
Por exemplo, na tradição pedagógica, a expressão práticas de leitura refere-se à criação
de situações reais de leitura, à busca de apreensão e negociação dos significados que os
educandos atribuem à leitura, bem como à leitura de diferentes gêneros. A noção pedagógica
também retoma a de usos sociais da leitura ao trazer para o interior da escola as práticas de leitura que
ocorrem em outras esferas da sociedade.
Sendo assim, as pesquisas sobre as práticas de leitura circunscrevem-se tanto ao domínio
do ato de ler propriamente dito – textos, gêneros e suportes em torno dos quais esse ato se
realiza – quanto das significações plurais que, no contato com o texto, os leitores produzem.
Por isso, a apreensão das condições deste inter-relacionamento dos dois componentes centrais
de toda leitura – texto e leitor – tem sido uma das principais referências dos estudos sobre
práticas de leitura dos últimos anos. (BATISTA; GALVÃO, 2011, p. 22).
O texto é imóvel, instável, não oferece por si só sua significação, pois pressupõe a
atuação do leitor na produção de sentidos e percepções. Segundo Orlandi:
o leitor não apreende meramente um sentido que está lá; o leitor atribui
sentidos ao texto. Ou seja, considera-se que a leitura é produzida e se procura
determinar o processo e as condições de sua produção. Dai se pode dizer que
a leitura é o momento crítico da constituição do texto, o momento privilegiado
do processo de interação verbal, uma vez que é nele que se desencadeia o
processo de significação. (ORLANDI, 1988, p. 38)
neutros, tampouco independentes das esferas materiais e das condições sociais nas quais são
produzidos e lidos.
Já na tradição sociológica e histórica, a pesquisa com práticas de leitura propõe
investigar quem lê, o quê lê, quando, onde, por que motivos, de que modos, com que intensidade
lê; apreender processos de natureza técnica e de natureza social que interferem na ampliação
do público leitor, nos modos de ler, nas maneiras de atribuir sentido, na própria organização da
página, do impresso, de seus suportes (CHARTIER, 2011, p. 10-12).
Nesse sentido, no presente estudo das práticas que ocorrem no âmbito da sala de leitura
Clarice Lispector, já foram analisados o que os educandos leem (relação com as obras e os
materiais de leitura que compõem o acervo) e onde eles leem (relação com o espaço onde as
leituras se dão). Sendo assim, a atenção, neste momento, está direcionada para a análise de
como leem (práticas propriamente ditas) os educandos.
Nesta etapa da pesquisa, realizaram-se a identificação e descrição das práticas de leitura
desenvolvidas pela professora mediadora da sala de leitura Clarice Lispector bem como a
verificação dos sentidos, vivências e experiências que tais práticas despertaram nos educandos
participantes da amostra.
É importante frisar que a coleta destas informações foi possível a partir do grupo focal
realizado com sete educandos, ativos frequentadores da sala de leitura, e da entrevista com a
professora, que gentilmente cedeu os registros escritos, fotográficos e audiovisuais que
documentam as práticas de leitura. Os professores são encorajados a publicar os registros de
suas práticas cotidianas em perfis nas redes sociais, pois a documentação das práticas de leitura
é uma das orientações contidas no material produzido pelo Instituto Ayrton Senna (IAS) para
os professores mediadores que atuam no Programa Sala de Leitura.
Toda prática é intencionalmente planejada pela professora mediadora, depende do
acesso a uma obra e ocorre em determinado ambiente. Por isso, neste estudo das práticas que
ocorrem no âmbito da sala de leitura Clarice Lispector considerou-se o acervo, o espaço e a
professora mediadora como elementos estruturantes da produção das práticas de leitura.
Até aqui, os dados permitiram compreender como os educandos se relacionam tanto
com as obras que compõem o acervo quanto com o espaço onde as leituras se dão. Neste
momento, a pergunta que norteia a terceira etapa da pesquisa é: além do empréstimo de obras,
que práticas ocorrem na sala de leitura Clarice Lispector?
Projeto realizado bimestralmente e direcionado aos sextos e sétimos anos, etapas iniciais
do Ensino Fundamental II na qual há intervenção direta da professora da sala de leitura com
relação ao empréstimo de livros. É distribuído aleatoriamente em uma grande mesa certa
quantidade de livros selecionados pela professora. Os alunos devem circular pela mesa e folhear
os livros. O objetivo é que eles passem um tempo observando e lendo as informações escrita e
visual contidas na capa e por fim, escolhem um exemplar que deverá ser emprestado, com
devido registro no caderno de empréstimo da sala de leitura. No próximo encontro acontece a
roda de leitura, que consiste na disposição dos alunos em círculo, a fim de que possam escutar
e visualizar uns aos outros enquanto comentam sobre suas leituras e respondem perguntas da
professora mediadora.
Segundo a professora, nesta prática de leitura ela consegue trabalhar a oralidade e a
expressão corporal, pois “vou percebendo aquele que tem facilidade de contar o que leu, aquele
que tem muita dificuldade, aquele que é tímido, aquele que não tem desenvoltura alguma por
ter alguma dificuldade em interpretação e foco mais nesses para ajudá-los”.
A prática é uma oportunidade para socializar a leitura realizada, compartilhando suas
apreciações pessoais, comentando o prazer ou o desprazer causado pela obra.
162
4.3.7 Constelação
A cada nova leitura comentada o aluno é agraciado com uma estrela no caderno. Os
registros de leitura, por sua vez, podem ajudar a diagnosticar e orientar os alunos quanto a suas
dificuldades de leitura.
163
contexto. A importância dessa prática está na situação de interação social em torno da discussão
coletiva de uma obra, que coloca o educando como participante de uma comunidade de leitores.
Cosson (2018, p. 145) reitera que os círculos de leitura e outras práticas semelhantes
não possuem forte componente instrucional, sendo necessário serem complementados com
outras práticas, dependendo dos objetivos do professor. Os benefícios desta prática são bastante
significativos. Além de contribuir com a formação de leitores, estas práticas proporcionam:
Essa prática poderia ser estendida a todas as etapas de ensino, pois nessa interação, os
educandos percebem-se participantes de um movimento socialmente dinâmico de atribuição de
sentidos já que nossas leituras “são construídas dentro do jogo de forças de uma comunidade e
que é por meio da participação nessa comunidade que nos constituímos como leitores”
(COSSON, 2018, p.138).
atuar em grupos a partir da leitura de um mesmo livro, intercalando a leitura entre o grupo; ou
cada qual no grupo com um livro diferente oferecendo a possibilidade de escolha ao leitor
ouvinte.
Uma adaptação desta prática é o grupo teatralizar a leitura tal como um coro falado.
Segundo Cosson, “trata-se da recitação conjunta de um poema ou texto narrativo em que o som
das vozes se alterna ou é emitido em uníssono, com ou sem acompanhamento musical”.
(COSSON, 2018, p. 109). O autor afirma que nesta prática de leitura o educando tem a
oportunidade de aprimorar a elocução e a pronúncia, de ampliar o vocabulário, desenvolver a
leitura intensiva e promover diferentes formas de interpretação.
Aluna 3: a gente sai de lá com o olhar mais amplo, sabendo que o mundo não
é só você e sua rodinha, que você só se preocupa com aquilo e futilidades...
você abre os olhos e vê ao seu redor.
Aluna 7: a leitura amplia nossa visão de mundo, porque quando eu fui
para a ADEVIRP eu percebi que o espaço do Djanira em si, o mundo
que a gente vive é muito pequeno....a nossa realidade.... foi uma
experiência incrível porque as vezes a gente pensa em tantas outras
coisas tão bobas e eles, perante a dificuldades... eles tem o sorriso no
rosto e ver que a leitura também proporciona prazer para eles, pela
alegria da visita e do contato que a gente teve com eles.
Aluno 1: muda nosso cotidiano isso, porque a gente visitou mas a gente
vai com um certo preconceito de que é, como é...
Aluno 5: acho que mais medo.
Aluna 7: acho que estes projetos, além da ação comunitária que a gente
faz também ajuda a desenvolver o nosso senso crítico em relação às
muitas falhas que a sociedade apresenta.
A experiência com a leitura (LAROSSA, 2011) torna-se assim, muito mais que um ato
mecânico e racional. De todos os projetos citados, este foi o mais significativo na opinião dos
educandos da amostra. As descobertas que surgem da relação com outros sujeitos e outros
contextos colocam os educandos em situação de abertura à transformação, de questionamentos
acerca de seus medos e preconceitos e de formação crítica.
Ler para o outro nunca é apenas oralizar um texto. Ledor e ouvinte dividem
mais que a reprodução sonora do escrito, eles compartilham um interesse pelo
mesmo texto, uma interpretação construída e conduzida pela voz, além de
outras influências recíprocas que, mesmo não percorrendo os caminhos
sugeridos pela ficção, são relações importantes de interação social.
(COSSON, 2018, p. 104).
.
Fonte: Claudete Souza
Alunas são motivadas a aliar a dança e a poesia. A apresentação se faz em dupla, pois
enquanto uma faz a declamação da poesia em voz alta, a outra desenvolve seus movimentos
artísticos na dança.
No projeto direcionado aos alunos dos anos finais do Ensino Fundamental II e do Ensino
Médio, o dia da poesia é comemorado com a realização de uma prática denominada “ataque”
poético. Os educandos previamente escolhem uma obra do acervo e realizam a seleção dos
textos para então começar o ataque poético, que consiste na visita surpresa dos educandos que,
em grupo, adentram as salas de aula para declamar poesias.
No projeto direcionado aos primeiros anos do Ensino Fundamental II, dois são os dias
trabalhados pela professora: o dia do índio e o dia do livro infantil, ambos em abril. No dia do
172
índio os alunos confeccionam cocares e fazem uma leitura coletiva de poesias, contos e crônicas
na qual a temática indígena é abordada. O dia do livro infantil é comemorado com uma
homenagem ao escritor Monteiro Lobato. Os educandos produzem os figurinos dos
personagens mais famosos do Sítio do Pica Pau Amarelo (Emilia, Narizinho, Tio Barnabé...),
selecionam e dramatizam alguns diálogos que compõem as obras do autor. Sobre a
dramatização como prática de leitura, Cosson afirma:
Embora nem sempre focada no aspecto da leitura, a dramatização como prática de leitura
promove grande interação entre os educandos, permitindo-lhes expressar os sentidos
produzidos pelo texto através dos gestos, dos figurinos e da ação dramática.
Estas sugestões podem ampliar o repertório das práticas oferecidas na sala de leitura.
Para isso, é importante que se estabeleçam práticas em que a relação dos educandos com o texto
não seja de submissão, pois devem permitir ao leitor adentrar com profundidade na produção
dos sentidos possíveis que permeiam os textos. É preciso aceitar o leitor como sujeito que
reconstrói o texto a partir de suas leituras subjetivas. Em suma, aceitar a expressão da
subjetividade do leitor nas experiências de leitura.
Além disso, seria interessante que os educandos tivessem mais oportunidades para
frequentar a sala de leitura, até mesmo durante o tempo regular, objetivando a realização diária
de uma leitura silenciosa sustentável, como é conhecida nas escolas americanas (COSSON,
2018, p. 99). Assim, os educandos teriam diariamente em torno de vinte minutos da aula
reservados à prática da leitura silenciosa sustentável.
No entanto Colomer nos aconselha cautela se considerarmos que as condições de leitura
na escola estão longe de permitir total liberdade ao educando leitor :
Ainda assim, oferecer a oportunidade de realizar uma leitura livre ao término das
atividades da sala de aula ou a determinar um horário permanente na grade curricular podem
fazer da sala de leitura um espaço de aproximação entre os educandos e o gosto pela leitura.
Apesar da simplicidade, existem condições para que prática da SSR aconteça de forma positiva.
Segundo Cosson (2018, p. 100), para a realização da prática da leitura silenciosa sustentável é
importante que se tenha um ambiente descontraído, um acervo que desperte o interesse e agrade
o gosto do leitor, bem como o apoio da direção e do corpo pedagógico da escola no sentido de
legitimar este modo de ler no ambiente escolar.
Segundo Rojo (2004), diferentes práticas de leitura, em diversas situações, vão exigir
diferentes combinações de capacidades – capacidades de decodificação, capacidades de
compreensão; capacidades de apreciação e réplica do leitor em relação ao texto.
177
quem é seu autor? Que posição social ele ocupa? Que ideologias assume e
coloca em circulação? Em que situação escreve? Em que veículo ou
instituição? Com que finalidade? Quem ele julga que o lerá? Que lugar social
e que ideologias ele supõe que este leitor intentado ocupa e assume? Como ele
valora seus temas? Positivamente? Negativamente? Que grau de adesão ele
intenta? Sem isso, a compreensão de um texto fica num nível de adesão ao
conteúdo literal, pouco desejável a uma leitura crítica e cidadã. Sem isso, o
leitor não dialoga com o texto, mas fica subordinado a ele. (ROJO, 2004, p.6).
A segunda prática é inferir pela capa e ilustrações, “com o intuito de usar todos os
aspectos de um livro para descobrir significados” (GIROTTO; SOUZA, 2010, p. 80). Nesta
prática os educandos podem registrar suas inferências em um quadro recapitulativo:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
alguns casos, o trabalho com o texto não seja o objetivo principal da prática de leitura, pois, às
vezes, o texto é adotado apenas como pretexto para outras finalidades (LAJOLO, 1991).
Mas, se o objetivo do Programa Sala de Leitura é mesmo formar leitores críticos e
autônomos, podem-se incluir outras práticas voltadas para a leitura como fonte de informação,
para momentos de leitura livre e silenciosa, bem como para a aprendizagem de estratégias de
leitura.
As estratégias de leitura podem ser incluídas em práticas que coloquem os sujeitos do
processo ensino-aprendizagem em diálogo entre si, motivados pelo texto e assumindo uma
perspectiva interacionista de compreensão e construção de sentidos, a partir da influência do
outro (autor e sujeitos envolvidos nas práticas) e dos signos linguísticos na construção do
pensamento, como é o caso dos círculos de leitura (COSSON, 2018) e das oficinas de leitura
(GIROTTO; SOUZA, 2010), por exemplo.
Na perspectiva da Teoria Histórico Cultural, instrumentos e signos são elementos
mediadores da relação entre o indivíduo e o mundo. Colocando o livro e a leitura em
correspondência a esta perspectiva, temos que o livro corresponde a um objeto social, um
instrumento criado pelo ser humano capaz de interferir na natureza cultural e na transmissão
desta para as gerações futuras.
E a leitura, enquanto produto da relação sígnica entre palavras e pensamento, enquadra-
se como um instrumento que mobiliza a atividade psicológica, auxiliando no desenvolvimento
das funções psicológicas superiores. A leitura, como um trabalho sígnico com a linguagem,
contribui com o processo de internalização das funções psicológicas superiores e,
consequentemente, com a capacidade humana de criar representações mentais dos objetos do
mundo real.
É na escola que grande parte da população tem garantido o acesso ao ensino da leitura
e o contato com a leitura literária, seja através das práticas curriculares pertinentes à sala de
aula, seja através das práticas promovidas pelas bibliotecas escolares ou das salas de leitura.
O fato é que o processo de construção do conhecimento nos indivíduos é um fenômeno
profundamente social, pois são as experiências que vivenciamos no constante contato com o
outro que delineiam as possibilidades de aquisição dos meios disponíveis para pensar e
interpretar o mundo, sendo a linguagem o principal elemento de mediação deste processo.
Por isso, o Programa Sala de Leitura potencializa a formação e o desenvolvimento da
linguagem nos indivíduos, pois, a partir da promoção da interação entre os educandos e as obras
literárias, os professores desempenham um importante papel no que diz respeito à ação
mediadora de práticas que visam à formação de leitores. Nesta mesma perspectiva, encontram-
187
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