Lendas e Contos Do Alto Minho
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Lenda da Cabeça da Velha 2
Webgrafia: 10
Era uma vez uma jovem chamada Leonor, de rara beleza e dona de fartos haveres.
Órfã de pais, vivia com um tio, D. Bernardo, num pequeno lugar situado na Serra da Peneda, no
Norte português, junto às terras da Galiza.
D. Bernardo, também ele abastado, tinha a sobrinha em muita estima e desejava, para ela, um
casamento feliz mas tardio, para poder beneficiar, até ao fim da sua vida, que prometia ser longa,
pois o fidalgo era, em extremo, robusto e saudável, dos cuidados e carinhos de Leonor.
A jovem, porém, já se havia enamorado de um seu primo, D. Afonso, moço belo e inteligente, com
nobre solar na região.
Conhecia Leonor os propósitos egoístas de D. Bernardo.
Mas o coração negava-se-lhe a acatar-lhe decisão tão cruel.
E, não resistindo ao sentimento que nutria pelo primo, passou a encontrar-se com ele, no mais
rigoroso segredo.
Tinha uma cúmplice, em tais arrebatados encontros.
Era Marta, uma velha serviçal do tio, que, havendo-a criado de menina, tinha por fiel confidente.
Marta alegrava-se de poder apadrinhar o amor dos dois primos, que a enternecia.
Temendo, no entanto, que a criada, pela fraqueza da velhice, alguma ocasião caísse em revelar ao
amo aquela paixão proibida,
Leonor lembrou-se, gravemente, o mal que atingiria os três, se D. Bernardo soubesse da
desobediência da sobrinha.
Marta indignou-se.
Ao olharem, porém, para trás, para agradecerem a Marta aquela prova de lealdade que lhes salvara a
vida e o amor, apenas distinguiram a rijeza de uma pedra, onde se esculpia a face rugosa da velha
criada: o seu nariz adunco, a saliência do queixo.
A jura de Marta havia-se cumprido.
Feita pedra, a velha parecia despedir-se de Leonor e de Afonso, a cavalgarem já longe, com os seus
olhos cegos, que um manto de musgo começava a cobrir, macio e piedoso.
Era uma vez uma veiga a que chamam a Veiga da Matança, em terras de beleza e viço dos Arcos
de Valdevez.
O seu nome nasce da convicção popular de que, em 1143, aí se travou uma batalha sanguinária entre
as hostes de D. Afonso Henriques e as de seu primo, o Imperador e rei D. Afonso VII, de Leão.
O motivo da contenda residia na quebra do tratado de Tuy, em que o primeiro rei de Portugal
prometia vassalagem ao soberano vizinho.
Mas D. Afonso Henriques era um espírito rebelde, valente e determinado, disposto a fazer do
Condado Portucalense que exigira, pelas armas, a sua mãe D. Teresa, um país independente e
dilatado á custa das conquistas dos territórios da Moirama, a estenderem-se do Mondego ao reino
do Algarve.
Tivera, já, sob a proteção divina, uma batalha decisiva, nos Campos de Ourique, além-Tejo, contra
cinco reis moiros.
Como memória desta vitória e da milagrosa presença de Cristo, pois a lenda afirma o seu
aparecimento ao rei, encorajando-o à luta contra os infiéis, a bandeira de D. Afonso Henriques
passou a ostentar, em cinco quinas, as cinco chagas do Crucificado.
Sabendo da entrada do imperador pelo norte do país que estava a construir, com entusiasmo, o rei
português sobe aos Arcos, disposto a terçar armas pelos direitos do seu sonho patriótico. E foi
ocupar logo, para dar batalha, um lugar privilegiado, o alto Castelo de Santa Cruz, onde os seus
cavaleiros aguardaram, impacientes, o inimigo leonês.
Em piores condições encontrava-se D. Afonso VII, à frente das suas mesnadas.
Combater o primo, em tais apuros, era uma temeridade!
Então, sabiamente aconselhado, propôs a D. Afonso Henriques o encontro dos dois exércitos na
planura da veiga, não para a violência de uma batalha, mas apenas para a destreza de um torneio, ou
baforada, como então era chamado.
Assim, cada cavaleiro português desafiava um cavaleiro leonês, para um confronto singular.
E venceria quem mais inimigos houvessem derrubado.
D. Afonso Henriques aceitou o repto e, rodeado de bons e esforçados cavaleiros, experientes em
manejar a lança e a espada no corpo do contendor, saiu-se vencedor do bafordo, obrigando o
imperador a regressar aos seus domínios de além-Minho.
Pouco tardou que D. Afonso VII não assinasse um armistício com o primo português, aceitando-lhe,
diante de um alto dignitário da Igreja, o título de rei.
Graças ao acordo entre dois monarcas, a veiga arcuense assistiu, assim, não a uma carnificina, mas
quase a um espetáculo palaciano, embora temerário, que, noutras circunstâncias, poderia, até, ser
admirado por damas e donzéis, entre guiões de seda e ornamentos de festa. Mas a lenda
sobrepõe-se à História.
E, séculos atrás de séculos, o povo olha a pujança pacífica daquela extensa veiga cultivada, como
local fatídico de uma horrenda batalha, com a terra empapada em sangue, cavalos desventrados,
guerreiros agonizantes, segurando, ainda, na mão exangue, lanças, escudos, espadas, gemendo de
dor, suspirando de morte. Incólume, no meio desta hecatombe, empunhando a branca bandeira das
quinas, montando um cavalo banhado de espuma, mas de crinas agitadas ao vento da glória,
qualquer pode imaginar o vulto espesso e nobre de D. Afonso Henriques, o rei-herói, anunciando,
naquela veiga, naquela matança, o Dia Primeiro de Portugal!
Era uma vez um fidalgo, dos mais nobres das terras que se estendem, num vale fértil, entre altas
montanhas, banhadas por um rio, o Vez, pequeno no caudal, é certo, mas de margens graciosas e
elegante no percurso até às águas do Lima.
Chamava-se D. Soeiro e era alcaide do castelo de Tora, de perfil aguerrido, eriçado de ameias,
erguido sobre espessas rocas.
Enviuvara, há bem pouco, de D. Aldonça, aparecida morta subitamente, tão nova ainda e tão bela.
Ninguém conheceu a dimensão do desgosto do alcaide, nem ninguém lhe vira as lágrimas de dor,
pois, por alguns dias, permaneceu encerrado no seu Paço do Vale, sem conviver com amigos ou
parentes.
Parecia, todavia, misterioso, a muitos, o triste desaparecimento da dama, coincidindo com o
afastamento de uma das suas aias, Dulce, a quem D. Soeiro dirigia, muita vez, ora um galanteio, ora
um sorriso cúmplice.
Por isso, nos castelos e solares das redondezas, se murmurava, aliás sem existência de probas, que o
marido se vingara na esposa, com veneno ou punhal, por ela haver descoberto o seu amor adúltero e
o haver interrompido com a expulsão de Dulce.
Passado o tempo de luto, D. Soeiro regressou às suas funções de alcaide do castelo de Tora, próximo
da fronteira, vigia e defesa do solo português.
Ia ele, num entardecer doce, vulgar por aquelas bandas, a caminho do castelo, quando ao passar
junto do cemitério onde jazia D. Aldonça, avistou um vulto de mulher, cuja riqueza do trajo mostrava
ser alguém de elevada estirpe.
Trazia o rosto pudicamente oculto por um véu de tecido leve.
D. Soeiro, encantado com aquela aparição, não resistiu em rogar-lhe que se mostrasse aos seus
olhos, despojada de ocultações.
Ela obedeceu.
E D. Soeiro pôde, então, admirar melhor essa mulher, muito jovem e muito formosa.
Solícito, indagou-lhe se necessitava de auxílio; de companhia até casa, pois a noite avançava e
cresciam os perigos de uma dama, como ela, se aventurar, sozinha, por esses ermos.
E, enquanto dizia tais palavras, o alcaide cada vez mais se sentia dominado pela sedução daquela
mulher.
Num ímpeto apaixonado, tentou mesmo tocá-la, mas parecia que as suas mãos unicamente
prendiam o sopro do vento.
Tomou-lhe a mão, mas sentiu-lha de gelo e como desprovida de carne.
Dir-se-ia haver palpado, apenas, os ossos de um esqueleto!
Todavia, não deixou de lhe confessar um amor eterno, pois pensava que lhe era impossível, a partir
do instante em que avistara aquela dama, continuar a viver de coração tranquilo e solitário.
A visão sorriu enigmaticamente.
Depois, exigiu do alcaide que jurasse a eternidade desse amor, no recinto sagrado do cemitério.
E ambos se dirigiram para lá.
Mas, quando D. Soeiro transpôs o portão da mansão dos mortos, o sino da capela do solar do Vale
começou a tanger, cadenciado.
Espantou-se o alcaide com aquele dobre, pois havia proibido aos seus criados, após o falecimento de
D. Aldonça, de fazer tocar o sino da capela.
Então, ao som das badaladas, D. Soeiro viu-se envolvido pelos braços da estranha dama e, mudo de
assombro, ouviu-se a confissão:
Ela era o cadáver de D. Aldonça, traída e assassinada pelo marido, a vingar-se, naquele encontro, do
seu sofrimento e da sua morte violenta.
E, à medida que fazia esta revelação, sem deixar de abraçar D. Soeiro, ia-se transformando, lenta,
lentamente, num esqueleto apavorante.
Um grito imenso, arrepiante, soltou-se da boca escancarada do alcaide.
A Lua já nascera no céu, pálida e misteriosa.
Na manhã seguinte, o coveiro foi descobrir D. Soeiro, morto e tombado sobre o sepulcro da esposa.
Então, o povo e a fidalguia daquelas paragens, lamentando-lhe a morte, arrependiam-se de haver
duvidado da fidelidade do alcaide, afinal, tão apaixonado por D. Aldonça.
E nunca chegaram a conhecer a verdade.
Era uma vez um rei chamado Ordonho II, que governava as Astúrias e todos os territórios para o Sul,
conquistados aos guerreiros do Islão.
Neles, figurava o Vale do Vez, com as suas altas montanhas e a beleza do seu rio.
Tinha uma filha: D. Urraca, princesa piedosa, protetora de igrejas e conventos, devotadamente
dedicada à divulgação da fé cristã, em que despendia grande parte das suas riquezas.
Um dia, decidiu fundar um Mosteiro para frades, em lugar sossegado e fecundo, rodeado de
vegetação e boas águas, onde vicejasse uma horta e frutificasse um pomar; onde houvesse ermos
floridos para meditação, vinhedos e trigais que fornecessem o pão e o vinho para o mistério
eucarístico e a sobrevivência da comunidade.
Com o consentimento real, acompanhada das suas aias e alguns soldados protetores, meteu pés a
caminho, por montes e vales do seu reino.
Chegada à Serra da Peneda, que lhe prometia larga vista sobre uma paisagem pacífica e alegre, o
silêncio e a oração, começou a subi-la, com entusiasmo, parando, ora aqui, ora ali, para ganhar forças
e melhor contemplar quanto a rodeava. Uma dessas paragens chama-se, ainda, Bouças das Donas,
lembrando o arvoredo onde D. Urraca e as suas aias repousaram, abrigadas do Sol ardente.
Junto à vila do Soajo, onde se aconchegavam algumas casas de pedra e colmo, achou lugar
apropriado para edificação do Mosteiro e logo contratou pedreiros para lhe abrir os alicerces.
Contente com o lugar que obedecia às condições desejadas, D. Urraca correu à Corte de seu pai, a
participar a D. Ordonho a feliz decisão.
Perguntou-lhe a curiosidade do rei:
- E o que se avista dessas alturas?
Respondeu-lhe a princesa:
- Longes e longes. Vêem-se, para o Sul, as torres da Sé de Braga e o imenso casario da antiga cidade.
Para o Norte, as Catedrais de Tuy e de Ourense, junto ao rio Minho. Para o Oeste, praias onde vão
quebrar-se as ondas bravias do mar. Para Leste, campos e montes sem conta, onde pastam rebanhos
e cavalgam guerreiros dos vossos exércitos.
D. Ordonho manteve-se por uns momentos calado, com uma ruga na testa, como quem segue a
seriedade de um pensamento.
Depois, disse a D. Urraca:
- Minha filha, gostaria bem de satisfazer a tua vontade de servir a Deus, com a construção desse
Mosteiro. Mas não posso, para isso, despender, em tal projeto, metade do meu reino. É
demasiadamente grande esse horizonte. Terás que descobrir outro sítio menos amplo para morada
dos teus frades.
Triste com esta decisão real, a princesa, todavia, não desistiu do seu intento e resolveu, então,
mandar edificar o seu Mosteiro, não no desafogo dos cimos do monte, mas na profundeza do vale,
quase oculto pela densidade das brenhas, sempre coberto de sombras, escutando um rio discreto,
mirando a solidão do ermo.
E deu-lhe o nome de Mosteiro de Ermelo.
A batalha de Valdevez entre os exércitos de D. Afonso Henriques e Afonso VII de Castela não teve um
resultado decisivo para nenhuma das hostes envolvidas. D. Afonso Henriques retirou-se para
Guimarães com o seu amigo Egas Moniz e com os outros chefes das cinco famílias mais importantes
do Condado Portucalense, interessadas na independência.
O monarca castelhano pôs cerco ao castelo de Guimarães mas o futuro rei de Portugal preferia
morrer a render-se ao primo. Egas Moniz, fundamentado na autoridade que a posição e a idade lhe
conferiam, decidiu negociar a paz com Afonso VII a troco da vassalagem de D. Afonso Henriques e
dos nobres que o apoiavam.
O rei castelhano aceitou a palavra de Egas Moniz de que D. Afonso Henriques cumpriria o voto de
vassalagem. Mas um ano depois, D. Afonso Henriques quebrou o prometido e resolveu invadir a
Galiza, dando origem a um dos momentos mais heroicos da nossa história. Vestidos de condenados e
com corda ao pescoço, Egas Moniz apresentou-se com toda a sua família na corte de D. Afonso VII,
em Castela, pondo nas mãos do rei as suas vidas como penhor da promessa quebrada.
O rei castelhano, diante da coragem e humildade de Egas Moniz, decidiu perdoar-lhe e presenteou-o
com favores. Este ato heroico impressionou também D. Afonso Henriques, que concedeu ao seu
velho amigo extensos domínios.
Pensa-se que esta terá sido uma estratégia inteligente por parte de Egas Moniz para que o primeiro
rei de Portugal pudesse ganhar tempo. Ao entregar-se, Egas Moniz ressalvava a sua honra e também
a de Afonso Henriques, assegurando através da sua astúcia a futura independência de Portugal.
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