Profissionais Da Educação Social: Desafios Contemporâneos

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Profissionais da educação social: desafios contemporâneos

Social education professionals: contemporary challenges

Ana Camões1
Cindy Vaz2
Renata Machado3
Susana Sá4 6

Resumo: A formação dos profissionais socioeducativos poderá ser a resposta para as novas
exigências sociais e profissionais. Assim, a formação contínua é instigante, motivadora, e
prepara-os para um conjunto mais alargado de funções e tarefas altamente especializadas que
requerem um desempenho em contextos cada vez mais complexos. A investigação recaiu nos
educadores sociais, com recurso à técnica da entrevista semiestruturada. A amostra foi
composta por três profissionais socioeducativos, na área da Educação Social, da região Norte
de Portugal. A análise de conteúdo foi elaborada com o software webQDA. Concluíu-se que há
práticas de formação contínua, ainda que os programas existentes sejam escassos. Mesmo
assim, consideram a formação contínua muito relevante para a sua prática profissional, mas
alegam que a mesma não é ainda valorizada no âmbito profissional.
1
Doutora e mestre em Ciências da Educação, com especialização em Pedagogia Social, pela Universidade Católica
Portuguesa. Pós-graduada em Direito das Crianças e dos Jovens em Perigo, bem como na área da Organização e
Gestão da Formação. Formadora certificada, Mediadora de Cursos de Educação e Formação de Adultos (EFA) e
formadora acreditada pelo Conselho Científico-pedagógico da Formação Contínua. É Professora Assistente e
Coordenadora da Licenciatura em Educação Social, no IESF- Portugal. https://orcid.org/0000-0003-1554-0678.
Email: [email protected].

2
Mestre e doutoranda em Ciências da Educação, com especialização em Pedagogia Social, pela Universidade
Católica Portuguesa. Licenciada em Educação Social pela Universidade Portucalense. É Professora Assistente da
Licenciatura em Educação Social, no IESF - Portugal. https://orcid.org/0000-0001-8789-2045. Email:
[email protected].

3
Mestre e doutoranda em Ciências da Educação, com especialização em Pedagogia Social, pela Universidade
Católica Portuguesa. Licenciada em Educação Social pela Universidade Portucalense. Formadora acreditada pelo
Conselho Científico-pedagógico da Formação Contínua. É Professora Assistente da Licenciatura em Educação
Social, no IESF – Portugal. https://orcid.org/0000-0003-3554-182X. Email: [email protected].

4
Pós-doutorada, Doutora e Mestre em Educação pela Universidade do Minho. Licenciada em Ensino de Física e
Química pela Universidade do Minho. Professora Adjunta no Instituto de Estudos Superiores de Fafe (IESF).
Investigadora do Centro de Investigação, Desenvolvimento e Inovação (CIDI) - IESF – Portugal. Investigadora da
Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade. Avaliadora externa do IGEC- Inspeção Geral do Ensino
e Ciência, Perita da equipa de verificação EQAVET, Portugal. https://orcid.org/0000-0003-1339-5745. Email:
[email protected]

Recebido em 10/11/2020
Aprovado em 17/11/2020

HUMANIDADES & TECNOLOGIA (FINOM) - ISSN: 1809-1628. vol. 27- out/dez. 2020
Palavras-chave: Educação Social, Educadores Sociais, Formação Contínua.

Abstract: The training of socio-educational professionals may be the answer to the new social
and professional requirements. Thus, continuous training is thought-provoking, motivating, and
prepares them for a broader set of highly specialized functions and tasks that require
performance in increasingly complex contexts. The investigation fell on social educators, using
the semi-structured interview technique. The sample consisted of three socio-educational
professionals, in the area of Social Education, from the North of Portugal. The content analysis 7
was carried out with the webQDA software. It was concluded that there are practices of
continuous training, even though the existing programs are scarce. Even so, they consider
continuous training very relevant to their professional practice but claim that it is not yet valued
in the professional sphere.

Keywords: Social Education, Social Educators, Continuing Education.

Introdução

Somos confrontados, diariamente, com grandes mudanças, das quais se destacam a


globalização, a mundialização da economia e a aceleração da revolução científica e tecnológica,
o que exige profissionais flexíveis a novas situações e com grande capacidade de respostas. É
neste contexto que a formação contínua se torna imprescindível para qualquer profissional em
geral, neste caso em particular, para os Educadores Sociais enquanto profissionais
socioeducativos.
Assim, a questão que norteia a investigação é: de que modo a formação dos educadores
sociais poderá ser a resposta para as novas exigências sociais e profissionais?

Formação contínua

A sociedade exige dos profissionais um conjunto de competências intelectuais e técnicas


(pensar estrategicamente), competências organizacionais ou metódicas (capacidade de auto-
organização, estabelecer métodos próprios), competências comunicativas (capacidade de
expressão e comunicação interpessoal, negociação), competências sociais (capacidade de
utilizar todos os seus conhecimentos, transferir conhecimentos da vida quotidiana para o
ambiente de trabalho e vice-versa) e competências comportamentais (iniciativa, criatividade,
vontade de aprender, abertura a mudanças),

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detentores de conhecimentos e domínio de alguns instrumentos teóricos
e técnicos das ciências sociais e educativas, que lhes permite
compreender e estudar os fenómenos socioeducativos com uma
preocupação de autenticidade, compreensão e rigor metodológico
(CAMÕES, 2018, p.55).

E é nesta conjuntura de transformação, criadora de novas identidades e pretensões, onde


se exige um maior nível de formação e qualificação dos cidadãos, podemos concluir que a 8
formação é a chave da melhoria contínua para enfrentar as exigências e desafios do mundo atual
(GOMES; SANTOS, 2017).
Por outro lado, as políticas públicas apontam cada vez mais para a importância do
trabalho em rede e numa lógica de integração em equipas multiprofissionais. O que vem
reforçar a necessidade de reflexão sobre as práticas num quadro de afirmação de competências
específicas. Além do mais, a identidade profissional corresponde a um processo, a uma
construção contínua, mas uma construção estrategicamente configurada por valores e padrões
de desempenho distintivos (BAPTISTA, 2005).
As principais finalidades da formação contínua, levam a uma “evolução” do cidadão e
da organização empregadora, uma vez que recaem sob a transmissão de conhecimentos,
competências e capacidades que são necessárias ao desempenho de uma função social; que
sustentam a estratégia global definida pela organização; pretendem aumentar a motivação e a
satisfação dos cidadãos ativos, tornando-os recetivos à aquisição de qualificações e à sua
aplicação na prática profissional; promovem o autodesenvolvimento contínuo e proporcionam
oportunidades de promoção de carreira; levam a uma mudança organizacional pelas
oportunidades de participação e de resolução de problemas; criam um mercado de trabalho mais
qualificado e competitivo e por fim, tornam-se um mecanismo do processo de socialização e
integração do individuo, através do papel da explicitação do papel organizacional esperado.
No caso particular dos Educadores Sociais (profissionais socioeducativos), a sua
formação surge da sua praxis, das múltiplas intervenções educativas em e a partir de contextos
sociais, trabalhando junto de pessoas e grupos humanos especialmente vulneráveis e em
contextos muito diversificados. O Educador Social, profissionalmente "é um técnico
«intrometido» e implicado na vida das pessoas. Logo, importa atender às suas necessidades de
reflexão e formação ética"(VAZ, 2010, p.87).

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Sendo este profissional, responsável pelo seu percurso formativo, cabe-lhe também, a
responsabilidade de fazer escolhas formativas para que possa ser mais e melhor na sua práxis,

A formação, sendo cada vez mais uma autoformação pela implicação


do sujeito na construção do próprio saber, não pode ficar-se pela
formação inicial, mas ser um propósito sempre presente pela obtenção
de competências que as situações de aprendizagem, no terreno ou em
espaços formais, lhe conferem (CARDOSO, 2006, p.11).
9
Os Educadores Sociais carecem de dinâmicas de formação específicas e
consistentemente exigentes, tanto do ponto de vista científico, como do técnico e ético.
Proclama-se, assim, uma formação contínua instigante, motivadora. É necessário
“pensar numa nova forma de fazer formação contínua, uma forma baseada essencialmente na
investigação (...) muito baseada também na reflexão” (VIEIRA, 2011, p.100). Fala-se de
formação que os prepare para um conjunto cada vez mais alargado de funções e tarefas
altamente especializadas que requerem um desempenho extraordinário em contextos cada vez
mais complexos.
Atualmente, num contexto epidemiológico internacional inscrito numa sociedade
demarcada pela elevada afluência de informações, ainda que muitas vezes incongruentes, a
subjetividade de interpretações aliada à alienação organizacional imiscui na tomada de posição
e/ou decisão dúbias e carentes de um sentido ético e profissional (SALARDI, et al. 2020).
Indiscutivelmente vivencia-se tempos de doloroso sofrimento e ansiedade perante a ameaça
silenciosa da COVID-19 que se intrusa em todo o cenário social, numa guerra aberta entre o
desconhecido, num mundo repleto de recursos ineficazes, face ao desnudar da fragilidade e
vulnerabilidade humana. A humanidade deixa-se arrebatar por uma maré viva de medo, pânico
e incerteza, em tempos que devem ser forjados em princípios éticos de solidariedade social e
bem comum e não de continuidade de solitude individual. Neste sentido, a dinâmica e a
estrutura organizacional assume um papel preponderante na orientação e nortear de um ethos
profissional ancorado na dimensão humana (CAMÕES; BAPTISTA, 2016).

Educador Social

Considerando que “os técnicos de acção socioeducativa e agentes de desenvolvimento


humano são chamados a desenvolver, em permanência, uma atitude reflexiva, geradora de

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conhecimento e de recursos de vida” (MACHADO, 2008, pp. 32-33), torna-se primordial que
este profissional reconheça as suas competências, as suas habilidades, os seus conhecimentos,
bem como as suas limitações e as suas necessidades de modo a ultrapassar as suas dificuldades
e atuar, de modo eficaz, nos diversos campos de ação. "Os contextos de intervenção
sociocomunitária promovidos numa lógica de aprendizagem ao longo da vida, (...), constituem
um campo privilegiado para o desenvolvimento profissional dos educadores sociais" (VAZ,
2010, p.85). Contudo, são campos de atuação que exigem uma multiplicidade de saberes que 10
sustentam o seu trabalho e a sua própria identidade profissional,

Os contextos e as áreas de intervenção dos Educadores Sociais portugueses


são complexos e trabalhosos, e na sociedade contemporânea erguem-se novas
exigências sociais e educacionais, o que, tal como sustentaremos, vem reforçar
a necessidade de formação como um dos eixos fundamentais de
desenvolvimento profissional, logo de profissionalidade (CAMÕES, 2018,
p.60).

Os campos de atuação dos Educadores Sociais impõem técnicas e metodologias


específicas, logo, exigem profissionais com formação específica e orientada para práticas de
intervenção mais adequadas, mais solidárias, mais particulares, que permitam definir o perfil
destes profissionais. Estes profissionais têm de estar "conscientes que o caminho da
interprofissionalidade, assumido como um valor vital, exige uma dinâmica de trabalho coesa,
na procura de um sentido comum emergente na multiplicidade de saberes profissionais"
(MACHADO, 2008, p.96).
Neste sentido, as Associações Profissionais do setor, nacionais e internacionais,
reforçam, atualmente a necessidade de formação neste grupo profissional (CAMÕES, 2019).
É neste campo de ação que é exigido ao Educador Social uma multiplicidade de saberes.
Saberes que sustentam o seu trabalho e a sua própria identidade profissional, que justificam a
pertinência de um programa de formação contínua (CAMÕES; BAPTISTA, 2017) de capaz de
os dotar de novos conhecimentos e competências que podem contribuir para o desenvolvimento
profissional, sendo este “um processo a longo prazo, no qual se integram diferentes tipos de
oportunidades e experiências planificadas sistematicamente para promover o crescimento e
desenvolvimento” (MARCELO, 2009, p.7) deste profissional socioeducativo – o educador
social.
Não se poderia deixar de referir o contexto atual que o mundo vive devido à pandemia
provocada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), a pandemia Covid-19. As trágicas

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consequências que marcam a nossa contemporaneidade, levantam novos desafios aos
educadores sociais, que impelem a repensar em estratégias e metolodogias diferenciadoras de
ação, bem como a readaptar a intervenção socioeducativa. Os novos modelos interventivos,
devem incluir alternativas sociopedagógicas, socioculturais, sociopolíticas e socioeconómicas
(GONÇALVES; LOPES; SANTOS, 2020).

Metodologia 11

Neste ponto passamos a descrever e a fundamentar as nossas opções metodológicas que


orientaram o trajeto do nosso estudo. “Esta fase constitui, portanto, o ponto de partida
fundamental para a tomada de decisões sobre a operacionalização do trabalho empírico”
(AFONSO, 2014, p.55), isto é, selecionamos os métodos, as metodologias, as técnicas e os
instrumentos, para tentarmos responder às questões de investigação.
Assim, em termos metodológicos, o nosso estudo assenta numa abordagem de natureza
qualitativa, tendo por base um processo de recolha de dados através da entrevista na inquirição
direta de atores. Acreditamos que a abordagem quantitativa, enquadrada por um paradigma
interpretativo e hermenêutico foi a opção mais adequada, facilitando a nossa investigação,
sobretudo pretendendo identificar e analisar as perceções dos profissionais sobre necessidades,
interesses e expectativas de formação, mas também identificar e analisar práticas de formação
contínua.
A “investigação qualitativa consiste em descrições detalhadas de situações, (...),
incorpora o que os participantes dizem, as suas experiências, atitudes, crenças, pensamentos e
reflexões (...)” (SERRANO, 2011, p.328). Para Oliveira (2007, p.37), a mesma metodologia, é
vista como “um processo de reflexão e análise da realidade através da utilização de métodos e
técnicas para compreensão detalhada do objeto de estudo”.
Em termos de estratégia de desenvolvimento, privilegiamos, por um lado, a consulta
documental, para efeitos de contextualização, e, paralelamente, desenvolvemos um guião de
entrevistas individuais a profissionais, de modo a contemplar o desdobramento das categorias
principais A entrevista em investigação ajuda o entrevistador adquirir, através do diálogo com
o entrevistado, o parecer do próprio entrevistado sobre o fenómeno em estudo.
O guião constituiu uma orientação destinada a garantir níveis adequados de consistência
entre as informações recolhidas. Importa, ainda, referir que o guião foi elaborado tendo como

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principais referentes a Matriz da investigação e as Questões e Objetivos acima mencionados.
Desta forma, procurou-se igualmente garantir a consistência necessária relativamente à
formulação de questões consideradas críticas e/ou fundamentais, para não se comprometer os
objetivos centrais do estudo.
Quivy e Campenhoudt (2005) catalogaram três tipos de pessoas que podem ser
entrevistadas e em coerência, optamos por escolher a terceira categoria defendida pelos autores
que consideram “interlocutores úteis: os que constituem “o público a que o estudo diz 12
directamente respeito (…)” (QUIVY; CAMPENHOUDT, 2005, p.72). No nosso caso, esse
público foi constituído dois educadores sociais no cargo de direção técnica e um docente e
dirigente associativo.
De notar, que todos os participantes são Educadores Sociais. Curioso, também é que
quem tem mais anos de serviço é também quem possui mais habilitações académicas, como se
pode verificar na Tabela 1 que passamos a apresentar:

Tabela 1- Caraterização dos Educadores Sociais


Nº IDADE HAB. LITERÁRIAS SITUAÇÃO TEMPO DE CARGOS CARGO ATUAL
ENTRV. PROFISSIONAL SERVIÇO DESEMPENHADOS
Educador Social e Educadora Social e
1 32 anos Licenciatura Ativo 4 anos
Direção Técnica Direção Técnica

Educadora Social e Educadora Social e


2 30 anos Mestrado Ativo 8 anos
Direção Técnica Direção Técnica

Educadora Social, Docente e Dirigente


Direção Técnica, Associativo.
3 36 anos Doutoramento Ativo 10 anos
Docente e Dirigente
Associativo.

(Fonte: autores)
Por fim, importa também realçar os procedimentos tidos a fim de respeitar as questões
éticas. A entrevista a cada um dos educadores sociais teve início após consentimento escrito de
cada um; o primeiro contacto foi efetuado por e-mail, dando conta da nossa finalidade e objetivos
do estudo. No que concerne às entrevistas semiestruturadas procedemos, previamente, a
contactos com cada um, solicitando a entrevista, informando dos nossos objetivos e solicitando
autorização para a gravação áudio.
Com a finalidade de manter o sigilo dos contextos estudados, o anonimato de todos os
seus participantes, bem como a confidencialidade das declarações dos diretores, procedemos à

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sua codificação. Os respetivos instrumentos de recolha e o tratamento de dados foram objeto de
análise detalhada.
Tendo principiado com uma “leitura flutuante” (BARDIN, 2004), a fim de estabelecer
um primeiro contacto com os documentos, seguiram-se posteriores leituras – dada a riqueza e
extensão do corpus analisado. Após esta fase, começaram a emergir as grandes categorias, de
forma indutiva, conforme os objetivos pré-estabelecidos, o quadro teórico e o resultado das
entrevistas. Tendo sido possível a sua replicação pelas três entrevistas, encontrámos 13
categorias: programas de formação contínua; práticas de formação contínua; perceção dos
profissionais
Com a ajuda do software webQDA, incluíram-se os dados das entrevistas nas fontes,
seguida das codificações, onde se construiu a árvore de categorias com as dimensões e
subcategorias e, por último, o questionamento, onde se questionaram os dados para dar resposta
à questão de investigação (SÁ; ALVES, 2017).

Resultados e Discussão

Segundo Bell (2010), “os dados em estado bruto, provenientes de inquéritos, esquemas,
de entrevistas, listas, etc., têm de ser registados, analisados e interpretados. (…) O trabalho do
investigador consiste em procurar continuamente semelhanças e diferenças, agrupamentos,
modelos e questões de importância significativa.” (BELL, 2010, p.183). Foi seguindo esta linha
de pensamento que procedemos à análise e interpretação dos dados.

Programas de formação contínua

Em relação à questão do conhecimento de planos de formação contínua para educadores


sociais, as respostas obtidas confirmam que sim, que têm conhecimento, no entanto apenas
referem a associação profissional, como sendo detentora de plano de formação contínua para
os educadores sociais, de acordo com Machado (2008), como se pode verificar através das
respostas dos mesmos:

“A associação profissional tem também investido em formações de


curta e média duração para os seus profissionais” (E2/Q2.1).
“ Sim. Plano de formação da associação profissional.” (E1 e E3 /Q2.1).

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No entanto, quando questionados se os planos de formação contínua, direcionados
especificamente para os educadores sociais, respondem às necessidades dos profissionais, os
participantes referem que sim, contudo deveriam ser mais específicos, tal defende Vieira
(2011). Referem também que a formação ainda não é valorizada como deveria ser, como se
poderá verificar em algumas respostas que se passa a citar:

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“Acho que poderiam responder mais. Falta abrir novas perspetivas de
intervenção” (E1/Q2.2).
“Penso que sim. Todavia, a frequência destas formações é pouco
valorizada e reconhecida: depende mais do investimento do profissional
na sua reciclagem profissional do que propriamente no “peso” que essas
formações têm no CV.” (E2/Q2.2).
“Sim, mas podiam às vezes serem mais específicos para a intervenção
do educador social” (E3/Q2.2).

Tendo em conta todo o quadro anteriormente trabalhado, pode-se começar por afirmar
que existem programas existentes no âmbito da formação contínua para os educadores sociais,
ainda que escassos. Que os mesmos, deveriam ser mais específicos de modo a responder mais,
às necessidades dos profissionais.

Práticas de formação contínua

Falando da necessidade de formação contínua, todos os sujeitos afirmam sentir


necessidade de formação contínua para a sua prática profissional, tal preconiza Cardoso (2006).
Vejam-se as respostas:

“Sim. Cada vez existem mais exigências do mercado de trabalho e


penso que é uma mais valia para o profissional e para o
desenvolvimento do seu trabalho a aquisição de novos conhecimentos.”
(E1/Q3.1).
“Sim, continuadamente.” (E2/Q3.1).
“Sim, claro” (E3/Q3.1).

Analisando as respostas obtidas da questão de “Como tem gerido a sua formação


contínua?”, os sujeitos têm conseguido geri-la de uma forma positiva, tendo em conta os

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interesses, a questão financeira e disponibilidade de horários. Pode-se verificar nas seguintes
respostas:

“A minha formação contínua tem sido gerida em gestão da minha


disponibilidade financeira. Mas procuro complementar as necessidades
que vou sentindo a nível prático.” E1/Q3.2).
“Tenho possibilidades de, no meu horário de trabalho, realizar
formações. Todavia, muito do investimento nesta área é realizado em
horário pós-laboral.” (E2/Q3.2). 15
“Interesso-me por determinada área e procuro formação ajustada.”
(E3/Q3.2).

Dos três sujeitos entrevistados, todos afirmam frequentar formação contínua, fazem-no
em instituições de ensino superior e associações profissionais.

“Associações profissionais, Escolas Superiores.” (E1/Q3.3).


“Instituições de ensino superior, Associações profissionais.”
(E2/Q3.3).
“Centros de formação, Universidades e Institutos Superiores.”
(E3/Q3.3).

Também ficou bem claro, que há práticas de formação contínua por parte dos
profissionais que o fazem em instituições académicas nas associações profissionais de acordo
com Vaz (2010) .

Perceções dos profissionais

Analisando, agora, a questão da relevância da formação contínua, as respostas são


unânimes. Todos defendem que se trata de uma questão de grande pertinência, uma vez que se
os educadores necessitam de respostas para uma sociedade que está em constante mutação.

“Penso que a formação contínua para os educadores sociais tem muita


relevância para o Educadores Sociais, já que estes são trabalhadores de
contacto direto com as populações e existem sempre alterações sociais
e científicas que potenciam a aquisição de novos conhecimentos.”
E1/Q4.1).
“Numa área como é a Educação Social, com grande polivalência
técnica, multiplicidade de saberes, funções, pluralidade de contextos é
essencial a formação contínua. Aliás, a Educação Social tem de ser
capaz de se adaptar a novas reconfigurações sociais, o que exige uma

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permanente reciclagem. Só desta forma é que a Educação Social
consegue responder à rápida transformação de saberes.” (E2/Q4.1).
“A relevância é a mesma que para outras profissões, nomeadamente de
âmbito social. Quando se trabalha com pessoas e com contextos
psicossociais, é premente a continua atualização, pois a sociedade é um
espaço sempre em mutação.” E3/Q4.1).

No que toca ao Contributo da formação contínua dos educadores sociais para


valorização da sua identidade profissional, as respostas obtidas indicam que esta tem um papel 16
primordial na prática do profissional, contribui para uma especialização do mesmo e aprimora
o perfil profissional, como se pode verificar nas respostas que se seguem:

“a formação contínua dos educadores sociais vai permitir uma


especialização destes técnicos e contribuir para a valorização no
mercado de trabalho.” E1/Q4.2).
“A formação contínua tem um papel central na conceção de uma
Educação Social transformadora, capaz de provocar a transformação
social, mas também transformativa, capaz de se adaptar a novas
realidades e contextos.” (E2/Q4.2).
“Vai ajudar a aprimorar o perfil profissional e acima de tudo permitir
novas metodologias de trabalho, reflexão sobre a prática e
conhecimento mais científico e aprofundado das realidades onde
intervêm.” (E3/Q4.2).

Quando os questionamos sobre as perceções e representações dos educadores sociais


relativamente à formação contínua, alegam que por parte dos educadores sociais não há
interesse em frequentar formação contínua, que esta não é valorizada pelos profissionais.

“Penso que ainda não é muito valorizada a formação contínua no seio


dos educadores sociais. Contudo, penso que a prática profissional leva
a que essa tomada de consciência aconteça e seja quase obrigatória a
formação continua para a construção de uma carreira profissional
sólida.” (E1/Q4.3).
“Infelizmente, não há ainda um grande investimento dos educadores
sociais relativamente à importância da aprendizagem ao longo da vida.”
(E2/Q4.3).
“ Penso que ainda não é muito valorizada a formação contínua no seio
dos educadores sociais. Boa parte dos profissionais não procuram
formação continua, umas vezes, por questões monetárias, outras porque
não trabalham na área e não vem isso como oportunidade e vantagem,
outras porque não estão sensíveis às exigências do mercado.”
(E3/Q4.3).

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Neste sentido, defendem um plano de formação contínua, devidamente legislado
obrigatório, por outro lado acham que será utópico legislar algo do género.

“Penso que uma obrigatoriedade de formação contínua para os


educadores sociais poderia dar outra visibilidade ao nível da profissão
na sociedade. Contudo, uma obrigatoriedade neste campo poderia levar
a uma necessidade “de fazer só porque é obrigatório” que penso que
não traria qualquer benefício para a profissão.” (E1/Q4.4).
“É essencial, uma vez que a formação contínua não pode ser apenas um 17
elemento “decorativo” do currículo.” (E2/Q4.4)
“Primeiro, devia de haver plano de formação específico para
educadores sociais não licenciados, que quisessem atualizar as suas
habilitações, valorizando a sua experiência profissional e não tendo que
ser inseridos em licenciaturas habituais; Segundo, penso que será
utópico pensar legislar algo desse género, mas as escolas de formação
e as associações deviam motivar e sensibilizar os alunos e os
profissionais para essa necessidade.” (E3/Q4.4).

Ficou claro que consideram a formação contínua muito relevante para a sua prática
profissional, no entanto consideram que a mesma não é ainda valorizada (referindo a falta de
interesse) no seio dos profissionais, e apontam questões monetárias, ausência de trabalho na
área de formação e falta de sensibilidade às exigências do Mercado, como razões para tal
desvalorização.
Apontam como medidas, para que o desenvolvimento profissional dos educadores
sociais seja valorizado, a acreditação da formação contínua e a criação da Ordem Profissional,
como instrumento regulador e formativo obrigatório para quem quer exercer a profissão.

Considerações finais

As mudanças ocorridas em todos os campos do conhecimento provocam, em todos os


profissionais, e, neste caso particular, nos profissionais socioeducativos e em concreto no
educador social, um sentimento de incapacidade face às novas exigências sociais e
profissionais. É neste sentido, que a formação dos educadores sociais se torna um fator
preponderante, num contexto, onde diariamente aumentam as exigências da sociedade e onde
cabe a estes profissionais dar uma resposta capaz, idónea, holística e imediata.
Assim, considera-se que a formação contínua, dado o seu caráter potencialmente
transformador e responsabilizador, deverá contribuir para o florescimento do profissional de

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modo a apoiar a melhoria e a valorização do seu desempenho. A formação contínua constitui-
se como um papel fundamental na atualização permanente de conhecimentos exigida pelo
contínuo progresso científico e tecnológico. Os programas na área da educação contínua têm
de ir ao encontro das necessidades de atualização de conhecimentos e de desenvolvimento de
novas competências por parte de múltiplos agentes sociais e económicos.

18
REFERÊNCIAS

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Profedições, 2005.

BARDIN, Lawrence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2004.

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