Sagarana

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OS REGIONALISMOS LATINOS

NO CONTO CONVERSA DE BOIS,


EM SAGARANA DE GUIMARÃES ROSA
Álvaro Alfredo Bragança Júnior (UFRJ)

“regionalismo. S.m.
3. Locução peculiar a uma região, ou a regiões

I) INTRODUÇÃO

Estudar Literatura em sua parte teórica é embasar-se para sua contra-


parte prática, isto é, o texto literário. Estudar Filologia é fazer as duas, pois
uma é excludente sem a outra. Aliando-se às diversas metodologias de pes-
quisa filológica, temos como matéria básica o texto, condição indispensável
para se resgatar o legado cultural de uma sociedade em forma escrita.
João Guimarães Rosa tem assegurado, na galeria dos autores univer-
sais, a posição de um dos melhores ou talvez do expoente máximo da prosa
regionalista brasileira no século XX. Encontramos em todo o acervo literá-
rio do autor mineiro o fato estético sendo (trans) formado, (re)criado, sem-
pre relacionado com a realidade de sua nação, o Brasil. Partindo do texto
Conversa de Bois, presente em seu livro de contos Sagarana, tentaremos
resgatar um pouco da genial criatividade do autor de Cordisburgo, para de-
monstrarmos como ele utilizava o vocabulário regionalista com maestria i-
nigualável, léxico este que apresenta inúmeros exemplos de origem neolati-
na. Nossa definição de regionalismo insere-se dentro do universo literário,
onde locuções de uso de uma ou mais regiões mesclam-se ao labor estético
do autor.
A restauração do étimo primeiro, desde seus primórdios até os dias
modernos se faz necessária, já que tencionamos explicitar, como o prosador
mineiro dominava o vernáculo e que, da mesma forma, nossa língua portu-
guesa, em seu vocabulário ligado às coisas do campo, oferece ao estudioso
uma rica fonte de pesquisa no que tange à influência lexical do espanhol, do
latim, do francês e do provençal.
Foge ao escopo deste trabalho uma análise estilística mais aprofun-
dada do texto, entretanto são convenientes algumas linhas sobre autor e
obra.

II) RESUMO BIOBIBLIOGRÁFICO SOBRE JOÃO GUIMARÃES ROSA


Nasceu o autor de Grande Sertão: Veredas na pequena cidade mi-
neira de Cordisburgo em 27 de junho de 1908, que se situa entre a zona de
fazendas e de engorda de gado de Curvelo e Sete Lagoas.
As primeiras letras quem o ensinou foi Mestre Candinho, na cida-
de natal do autor. Filho de pequeno comerciante, em 1918 é levado pelo avô
para Belo Horizonte, onde estuda no Colégio Arnaldo. Entra para a Facul-
dade de Medicina e em 1934 ingressa na vida diplomática, servindo em vá-
rias cidades como Hamburgo, Lisboa, Bogotá e Paris, dentre outras. Foi e-
levado ao posto de ministro em 1958. Em 1963 foi eleito para a Academia
Brasileira de Letras, só vindo a ocupar a cadeira em 16 de novembro de
1967, na vaga de João Neves, vindo a falecer três dias depois.
A vida literária de Guimarães Rosa é extensa e, por isso, destacamos
os principais títulos de sua produção:

A) Livros

1) Sagarana - 1ª edição, Rio de Janeiro, Editora Universal, 1946;


2) Corpo de Baile - 1ª edição, 1956. O livro passa a ser editado em
três volumes independentes, a saber: 1º volume - Manuelzão e Miguilim
(Uma estória de amor e Campo geral); 2º volume - No Urubùquaquá (Lé-
lio e Lina, O Recado do Morro - Cara de Bronze); 3º volume - Noites do
Sertão (Dão-Lalalão, Buriti);
3) Grande Sertão: Veredas - 1ª edição, 1956.; 2ª edição (texto defi-
nitivo)Editora José Olympio, 1958;
4)Primeiras Estórias - 1ª edição, José Olympio, 1962;
5)Tutaméia (Terceiras Estórias) - 1ª edição, José Olympio, 1967;
6) Estórias, estórias - 1ª edição, José Olympio, 1969;
7) Ave, Palavra - 1ª edição, José Olympio, 1970.

b) Adaptações para teatro, cinema, literatura infantil e balé

1) Teatro - Conversa de Bois (1967); A Volta do Marido Pródigo


(1960); Sarapalha (1957);
2) Cinema - Grande Sertão: Veredas (1965); A Hora e a Vez de Au-
gusto Matraga (1966);
3) Literatura infantil - A Última Aventura de Sete de Ouros (adapta-
ção de O Burrinho Pedrês, de Sagarana (1963);
4) Balé - Diadorim - São Paulo.
Dentre seus livros que abarcam o universo regional, Sagarana nos
chama a atenção pela presença, em seus contos, de dados sobre o modus vi-
vendi e modus cogitandi do nosso homem do campo, com todas as suas ca-
racterísticas regionais. Passemos a algumas considerações sobre o livro.

III) SAGARANA – OBSERVAÇÕES SOBRE O LIVRO

Reproduzimos aqui a opinião de Álvaro Lins, que sintetiza toda a


força intelectiva criadora de Rosa:
“As nove histórias de Sagarana são como faces distintas, ajuntadas
rigorosamente para a composição de uma fisionomia coletiva, que é a de
uma região de Minas Gerais, mas também representativa, em grande par-
te, de todo o Brasil do interior, tão diferente do litoral e tão desconhecido
como se fosse um país estrangeiro.”i
Continuando em sua análise, o erudito assim se pronuncia sobre o li-
vro:
“Ele (Guimarães Rosa) apresenta o mundo regional com um espírito
universal de autor que tem a experiência da cultura altamente requintada e
intelectualizada, transfigurando o material da memória com as potências
criadoras e artísticas da imaginação, trabalhando com um ágil, seguro, ele-
gante e nobre instrumento de estilo. Em Sagarana temos assim um regiona-
lismo como processo da estilização, e que se coloca portanto na linha do
que, a meu ver, deveria ser o ideal da literatura brasileira na feição regiona-
lista: a temática nacional numa expressão universal, o mundo ainda bárbaro
e informe do interior valorizado por uma técnica aristocrática de representa-
ção estética.”ii
Sagarana é composto por nove contos: O Burrinho Pedrês; Sarapa-
lha; Minha Gente; A Volta do Marido Pródigo; Duelo; Conversa de Bois;
Corpo Fechado; São Marcos; A Hora e Vez de Augusto Matraga. Escolhe-
mos Conversa de Bois para nossa pesquisa filológica e, a seguir, teceremos
algumas observações sobre o conto.

IV) CONVERSA DE BOIS - CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTO

Na continuação das Ressalvas, publicadas na última página da pri-


meira e segunda edições de Sagarana, lê-se: “As cantigas e os provérbios
entre aspas foram ouvidos mesmo em Minas Gerais; a canção “De madru-
gada, quando a lua etc.” (Minha Gente) deve ser paraibana; o coro que ser-
ve de epígrafe à Conversa de Bois é uma variante deste, que figura no in-
teressante livro “O Gororoba”, de Lauro Palhano: “Lá vai! ... Lá vai! ... Lá
vai, - Queremos ver. - Lá vai boi Pingo – Prata Fazendo a Terra tremer!...” iii
Conversa de Bois, juntamente com O Burrinho Pedrês são os dois
contos, onde os bichos são os personagens mais comoventes, mais simpáti-
cos e mais bem tratados. Em Conversa de Bois, os bois e os homens cru-
zam-se como num contraste que se prolonga até o fim. Guimarães Rosa a-
presenta alternadamente os diálogos dos homens e os “diálogos” dos bois,
revelando-se aqui uma espécie de “filosofia bovina”, uma síntese do que
“pensam” sobre a vida e sobre os homens. Neste conto, os bois são verda-
deiros personagens, possuidores de capacidades intelectuais quase iguais às
dos homens. Os bois não possuem humanidade, não agem, “pensam” e “fa-
lam” como os homens, à maneira das fábulas e histórias da carochinha, mas
sim como nós podemos imaginar, com o recurso da intuição, que eles o fari-
am se realmente pudessem.
O homem, no conto, tem seus problemas, suas revoltas contra ele
próprio, em oposição ao boi, que carrega o jugo de e na sua vida e que, à
noitinha, resmunga, discutindo sua vida, filosofando sobre o círculo nasci-
mento-crescimento-morte.
No decorrer do trabalho literário, saltou aos nossos olhos o vocabulá-
rio amplamente universal de Guimarães Rosa. Pela necessidade de conhe-
cimento dos termos ditos regionalistas, empreendemos a “descoberta” de vá-
rias raízes neolatinas no referido texto. Apreciaremos, a partir de agora, es-
ses vocábulos.

V) FONTES LATINAS EM CONVERSA DE BOIS

As fontes latinas do conto Conversa de Bois estão bem visíveis ao fi-


lólogo. Nosso texto-base de Sagarana é o da 27ª edição, ano de 1983. In-
dexamos após a análise de cada vocábulo o número da página referente à e-
dição supra citada.

agorinha - lat. hac hora, com sufixo diminutivo, p.281;


arengando - latim medieval harenga, do gótico hrings, “reunião”, “discurso”,
p.284;
ajoujo - latim adjugare - “cordão ou corrente com que se prendem ou jun-
gem animais pelo pescoço”, p. 289;
afanados - lat. *affanare, relacionado com o latim vulgar affanae, com pro-
vável influência do provençal, “buscados”, “procurados”, p. 291,
arrepicam - variante de origem expressiva, que remonta provavelmente ao
latim vulgar *piccare, de *piccus, forma expressiva de piccus, p. 294;
apeiragem - latim vulgar appariare, “emparelhar”. Antenor Nascentes dá
aparare, “conjunto das correias necessárias para jungir bois”, p. 305;
apeiro - variante do termo acima estudado;
adjutório - latim adjutorium, “ajuda, auxílio gratuito que prestam uns aos
outros os lavradores, trabalhando em proveito de um só”, p. 311;
aluir - latim alluere, “mexer-se”, “mover-se”, “sacudir”, “oscilar”, p. 310;
Ara! - latim hac hora ou variante de Era!, pretérito imperfeito do verbo ser,
p. 310;

belfas - latim bellua, “excrescência carnosa que certos galináceos têm por
baixo da cabeça”, p. 303;
bijungidos - latim, prefixo bis + jungere, “ligado duas vezes”, p. 291;
babujando - variante do latim *baba , “tocar de leve na comida, sujar-se de
baba ou comida”, p. 292;
belfos - latim bifidu, “beiços inferiores mais volumosos ou pendentes que os
superiores”, p. 283;
barbela - latim barbula, diminutivo de barba, “pele pendente do pescoço do
boi”, p. 283;

chazeiro - latim *plateu + sufixo ariu. A.G. Cunha propõe que seja forma
desnasalada de chanzeiro, de chã, “chão, plano”, p. 309;
chavelha - latim clavicula, “espiga do cabeçalho dos carros, junto à canga”,
p. 303;
cernelha - latim vulgar cernicula, plural de cerniculu, “a parte do corpo de
alguns animais onde se juntam as espáduas”, p. 307;
covanca - latim vulgar *cova, “terreno pouco extenso, cercado de morros,
com entrada natural apenas de um lado, formando uma espécie de bacia,
e que é, de ordinário, o extremo de um vale ou de uma várzea”, p. 296;
colgados - latim collocare, “suspendidos, deixados pendentes”, p. 291;
cornil - latim cornu, “aparelho usado na cabeça da rês para melhorar seu ju-
go”, p. 289;
coisando - latim causa, “pensando, imaginando”, p. 285;
comborço - latim cum + pelex, “prostituta(?)”, “aquele que é amante de uma
mulher em relação ao marido ou outro amante dessa mulher”, p. 285;
cachaço - latim * cacculus, clássico caccabus, “panela, caldeirão”, “parte
posterior do pescoço”, p. 294;
corrupiou - latim corrupio, “girar muito”, p. 282;
cilhador - lat. cingula, “tira com que se aperta a sela ou a carga por baixa do
ventre das cavalgaduras”, p. 299;

D (alguns exemplos)

desageração - neologismo proveniente de exaggeratio, p. 310;


desesquentou - neologismo proveniente de callentem, particípio de callere,
p. 314;
danisco - ligado ao latim damnare, “incrível, pasmoso, danado”, p. 304;
destamanhos - neologismo proveniente de tam magnus, p. 305;
desmochada - segundo Paul Barbier, citado por Nascentes, de murculu,
“pessoa que por não seguir a vida da milícia amputava o polegar”; existe
também a fonte hispânica, citada por A.G. Cunha, do castelhano mocho,
provavelmente de origem expressiva, p. 299;
dessorava - neologismo proveniente de de + soro + are, “enfraquecer, debili-
tar”, p. 292
desenxabida - neologismo proveniente de enxabido, do latim *insapidu, com
hiperbibasmo, p. 284;

E (alguns exemplos)

espertar - latim expergitu, “estimular, ativar, dirigir”, particípio passado de


expergiscere, “acordar”, p. 309;
enxergão - latim enxerga, do latim en + serica, plural de sericum, “estofo de
seda”- “suadouro que se põe sobre o lombo do cavalo, por baixo dos ar-
reios; espécie de colchão de palha muito apertado”, p. 298;
enjerizado - latim ingerere, “enrugado, encolhido de frio”, p. 291;
espevitada - latim *pipita, de pituitia, “estimulada, irritada, zangada”, p.
284;
empoou-se - latim *pulvus, sendo a forma originária *pulus, “cobrir de pó,
poeira”, p. 282;
escanchado - latim *exquassiare, “separar de meio a meio, alargar as pernas,
quando monta-se a cavalo ou à maneira de quem o faz”, p. 316;
estrambelhado - de trambelho, latim *trabeculu, “pequena trave”; “indivíduo
desorganizado”, p. 317;
F

fueiros - latim funariu, “estaca destinada a amparar a carga do carro de


bois”, p. 292;

giba - latim gibba, “corcunda”, p. 287;

ilhais - de um primitivo ilha, do latim ilia, “ilhargas”, p. 288;

lanço - deverbal de lançar, latim lanceare, “manejar ou atirar a lança”, p.


299;

M (alguns exemplos)

mossas - latim morsu, “mordedura, morso, com mudança de declinação, si-


nal que se faz, como marca, na orelha de uma rês; abalo, vestígio de pan-
cada ou pressão”, p. 286;
meão - latim medianu, “peça central, grossa, da roda dos carros, na qual se
embebe o eixo e assentam as cambas; cavalo cuja marcha habitual é o
meio”, p. 295;

palhada - latim palea, “mistura de palha e farelo dada aos animais”, p. 282;
pegador, latim picare, “untar de pez”, “colar, grudar”, p. 281;

R (alguns exemplos)

rilhando - latim vulgar *ringulare, derivado de ringi, “ranger os dentes”; A.


Coelho, citado por Nascentes dá rigare ou o hipotético rodiculare; Corte-
são fala em rigidulare, p. 285;
rabeio - latim rapu, “ato de rabear”, p. 282;
rezinguenta - vocabulário onomatopaico, talvez com base em rezar e este do
latim recitare, “dizer por entre os dentes”, p. 312;
retinto - latim tingere, “tingido de novo”, p. 283;

S (alguns exemplos)

sestro - latim sinistru, através do arcaico seestro, “esquerdo”, p. 309;


sola - latim vulgar *sola, pelo clássico solea, “couro curtido de boi”; “cabe-
çalho para puxar a grade ou a charrua”, p. 310;
sovela - latim *subella, por subula, “instrumento de ferro ou de aço, em for-
ma de haste cortante e pontuda, que os sapateiros e correeiros usam para
furar o couro a fim de coser”, p. 310;
sojigar - alteração de subjugar, do latim subjugare, “dominar, subjugar”, p.
310;
soalheira - latim *solaculum, “a luz e o calor mais intensos do sol”, p. 312;
salmilhado - latim salis + miliu + sufixo ado, “salpicado de branco e amare-
lo”, p. 283;
soga - latim tardio soca, “soga, corda grossa usada para prender animais ao
poste”, p. 289;
solevou - latim levare, “erguer-se”, p. 282;

T (alguns exemplos)

tamoeiro - latim científico tamus, do latim tammus, “planta da família das


dioscoreáceas”, p. 311;
tavoas e tavãs - latim tabanus, “mosca-da-madeira”, p. 285;
tenteando - latim tentare ou temptare, “sondar, investigar”, p. 285;
torei - latim torus, “cortar uma tora”, p. 307;
touceira - possivelmente de um pré-romano *taucia, “mata”, diz A.G. Cu-
nha, p. 289;

unto - latim unctu, “óleo”, “banha ou gordura de porco”, p. 292;

vezo - latim vitiu, “vício”, “costume vicioso ou criticável”; “qualquer hábito


ou costume”, p. 297;

Z
zurzir - possível alteração de cerzir e este do latim sarcire, “açoitar, espan-
car, punir, afligir, magoar”, p. 300.

Outras fontes lexicais do conto, que agora listaremos, prendem-se a


vocábulos de criação eminentemente românica.

VI) FONTES NEOLATINAS DE CONVERSA DE BOIS

Podemos classificar os étimos românicos, de acordo com as respec-


tivas línguas, em:

VI.1.) Étimos italianos

bisca - italiano bisca, “lugar onde se joga, e este do antigo italiano biscazza,
derivado do latim médio biscatia, pessoa de mau caráter”, p. 298;
trilo - italiano trillo, “trinado, gorjeio”, p. 312.

VI.2.) Étimos provençais

soslaiando - antigo provençal d’eslais, “impetuosamente”, através do espa-


nhol soslayo, “de lado, de esguelha”, p. 306;
trabucar - provençal trabucar, “perturbar, derrubar”, p. 293.

VI.3.) Étimos franceses

boleto - francês boulet e este do latim boletu, “gênero de cogumelos ou a


parte superior de um trilho rodoviário sobre a qual se apóiam e deslocam
a roda dos veículos”, p. 287;
biselados - francês antigo bisel, “chanfrados”, p. 286;
bistre - francês bistre, “roxo das olheiras”, p. 283;
cinzéis - variante de cisel (antigo), este do francês antigo cisel; o n será por
influência de pincel, “instrumento de aço cortante numa das extremida-
des e usado especialmente por escultores e gravadores”, p. 289;
estúrdio - francês étourdi, do latim vulgar exturdius, “extravagante”, p. 300;
garraram - Figueiredo, citado por Nascentes, dá origem árabe al gara ou
francês garer do antigo alemão waron, “tirar as garras de couro do ani-
mal; prender com a garra”, p. 310;
hulha - francês houille, “carvão fóssil”, p. 282;
ocre - francês ocre, do latim ochra , “variedade de argila colorida pelo óxido
de ferro”, p. 283;
plissada - francês plisser, “em que se faz plissè”, p. 283;
rés - francês rez, do latim rasus,-a,-um, “raso, pela raiz”, p. 293;
rechinar - vocábulo onomatopaico, “produzir som agudo ou áspero”. A. Co-
elho dá talvez como origem o francês rechigner, p. 282.

VI.4.) Étimos espanhóis

cenho - espanhol ceño, “aspecto ou rosto severo, carrancudo; doença entre o


casco e o pêlo das cavalgaduras”, p. 303;
chorrilhando - espanhol chorrillo, “conjunto de coisas ou pessoas mais ou
menos semelhantes; seqüência rápida e contínua”, p. 304;
carapuçudo - espanhol caperuza, “objeto semelhante ao barrete cônico”, p.
293, brasileirismo, com o sentido de “couraçado, cabeça dura”;
chamurro - espanhol chamorro, p. 289, “novilho castrado e tosquiado”;
cincerro - espanhol platino cencerro, “campainha grande pendente do pes-
coço da besta que serve de guia às outras”, p. 289;
cogote - espanhol cogote, “região occipital, nuca”. M. Lübke dá cucutiu
como origem do termo hispânico, p. 288;
churrião - espanhol chirrión, “carruagem pesada”, p. 284;
carantonha - espanhol carãntoña. A.G. Cunha dá cara, “mas de formação es-
tranha”; talvez se prenda a carântula, “cara feia e grande”, p. 306;
garrão - espanhol garrón, “ligado a unha e força para segurar algo”, p. 287;
guampa - espanhol platino guampa e este possivelmene do mapuche, “chifre
pesado, especialmente o que foi preparado para servir como copo”, p.
289;
munhecas - espanhol muñeca, “parte da mão em que ela se liga ao braço”, p.
284;
padiola - latim paleola, através do espanhol parihuela, “maca”, p. 299;
patranha - espanhol patraña, “grande mentira”, p. 312;
perigalho - espanhol perigallo, “pele de barba ou pescoço, descaída por ma-
greza ou velhice; pelanca”, p. 314;
repisonga - origem obscura - talvez ligado ao espanhol songa, “burla”, p.
285;
sedenhos - origem controvertida - ou do latim seda + eniu ou diretamente do
espanhol sedeño, “crina cortada de que se fazem cordas; a cauda das re-
ses e o respectivo cabelo”, p. 292.

VII) CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sagarana é um livro que desperta a curiosidade e o fascínio do leitor


para toda a ambiência do campesino brasileiro. Conversa de Bois é um con-
to, no qual toda uma problemática da relação Homem - Natureza - Animal
está presente, com a “filosofia animal” e a “bestialidade humana” trabalha-
das conjuntamente. Neste trabalho, tentamos fazer a apresentação suscinta
dos termos regionalistas do conto e percebemos, quão rico o léxico dos ser-
tões das Minas Gerais é em termos latinos e neolatinos. Guimarães Rosa,
como diplomata, teve acesso à cultura lato sensu, elaborando e reelaborando
vocábulos ao sabor de sua riquíssima imaginação e senso estético.
Preferimos fazer um levantamento vocabular e explicação dos termos
por tentarmos, com esse nosso primeiro passo, fazer aquilo que Segismundo
Spina considera como a função substantiva da Filologia, ou seja, “A expli-
cação do texto, a sua restituição à forma original através dos princípios da
crítica textual, e a sua organização material e formal com vistas à publica-
ção,...” iv
Sabemos que o trabalho é pequeno, porém, como afirma Antonio
Houaiss, “cada um dá de si o melhor, para que, depois, o melhor possa ser
melhorado por outrem.” v

VIII) BIBLIOGRAFIA

AZEVEDO FILHO, Leodegário A. de. Iniciação em crítica textual. Rio de


Janeiro : Presença/EDUSP, 1987.
Dicionário biográfico dos grandes brasileiros. São Paulo : Abril Cultural,
1978.
CLEROT, L.F.R. Vocabulário de têrmos populares e gíria da Paraíba. Rio
de Janeiro : [s. e]/, 1959.
COSTA, F.A. Pereira da. Vocabulário pernambucano. Separata do volume
XXXIV da Revista do Instituto Archeologico Histórico e Geográphico
Pernambucano. Recife : Imprensa Oficial, 1937.
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira. Rio
de Janeiro : Nova Fronteira, 1982.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua por-
tuguesa. 15ª impressão. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1975.
MELO, Gladstone Chaves de. Iniciação à filologia e à lingüística portuguê-
sa. Rio de Janeiro : Acadêmica, 1971.
NASCENTES, Antenor. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio
de Janeiro : Acadêmica/Livraria São José/Francisco Alves/Livros de
Portugal, 1955.
ROSA, João Guimarães. Sagarana. 27ª edição. Rio de Janeiro : José Olym-
pio, 1983.
SPINA, Segismundo. Introdução à edótica. São Paulo : Cultrix/EDUSP,
1977.

IX) NOTAS

i
Apud ROSA, João Guimarães. Sagarana. 27ª edição. Rio de Janeiro : José Olympio , 1983.
p.XXXVIII.
ii
Apud ROSA, João Guimarães. Ibidem, p. XXXIX.
iii
Idem, ibidem, p. XVIII.
iv
In: SPINA, Segismundo. Introdução à edótica. São Paulo : Cultrix, EDUSP, 1977. p.76;
v
Apud ROSA, João Guimarães. Sagarana. 27ª edição. Rio de Janeiro : José Olympio , 1983.
p. 10.

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