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Observatório de Justiça & Conservação

JustiçaECO
Política | Meio Ambiente | Cidadania | Ciência | Cultura
#6 A no 1 | 2020
Distribuição Dirigida

Crédito: Pexels / Pixabay

O
EMARANHADO
da multinacional
Projeto de multinacional francesa em território brasileiro é marcado por
práticas colonialistas, desrespeito à lei e ausência de transparência

Meio Ambiente Política Ciência


LINHAS DE TRANSMISSÃO ARAUCARIÁCEAS MATA DO URU ENTREVISTA DESMONTE AMBIENTAL COVID-19
E DOENÇAS As árvores pré-histó- Um oásis de conser- Com Marina Silva: Como as políticas abusi- Investimentos
Por que a proximidade da ricas que já alimen- vação ambiental “O afastamento do vas contra o patrimônio em ecologia e
vida humana com linhas de taram dinossauros que sobrevive em ministro do Meio natural que predominam o controle do
transmissão de energia elétrica sofrem com o risco de meio à agricultura, Ambiente é urgente em Brasília encontram desmatamento
de alta tensão pode acelerar extinção por omissão pecuária e aos ou os prejuízos eco no Sul do país. preveniriam
doenças, como o câncer, e do poder público. reflorestamentos. serão enormes!” pandemias globais.
até causar mortes? PÁG. 10 PÁG. 12 PÁG. 42 PÁG. 21 PÁG. 27 PÁG. 31
EDITORIAL

2020: o ano em que tivemos a prova de Por onde andamos


que o ser humano não pode ignorar nesta edição
os limites da Natureza
O velho dilema, desenvolvimento econômico versus conservação Fernando de
Noronha
da natureza, muitas vezes, pode ser entendido também como o con-
flito entre interesses pessoais e aqueles de toda uma população. O
Lençóis
tema em si, não deveria ser tão polêmico quanto se apresenta no Maranhenses
Brasil, uma vez que temos uma miríade de leis e organismos estatais
dos poderes Executivo, Legislativo e, principalmente, do Judiciário,
voltados à disciplinar esses conflitos de interesses. O nome “Ministé-
rio Público”, por exemplo, vem, justamente, do seu caráter protetivo
dos direitos da coletividade. Vale salientar que, embora existam tais
instituições, sem a vigilância e participação da população, seus fun-
cionamentos ficam comprometidos. Brasília
Em última instância, somos nós os seus guardiões e “patrões”. São
nossos impostos, votos e participação popular que dão condições e Bonito
legitimidade para que esses organismos desempenhem suas funções Pantanal
Mariana

constitucionalmente estabelecidas. É assim nas democracias de pa- Ponta Grossa Rio de Janeiro
íses desenvolvidos, e assim deveria ser aqui também. Infelizmente, Foz do Iguaçu Campo Largo Ilhabela
estamos na contramão do mundo. Apesar de reconhecidos esforços Matinhos
São Luis do Purunã
de instituições como o MP, a questão ambiental tem sido cada vez Lapa
Piçarras/SC
mais desprezada pelo governo federal e por vários governos esta- Guarapuava
duais. União da Vitória

Trazemos nesta edição alguns temas que envolvem os tais confli-


tos entre o público e o privado. Nossa matéria de capa e abertura
trata do megaprojeto da multinacional franco-belga Engie, que se
recusa a rever o traçado de suas linhas de transmissão, de forma a
maximizar seus lucros (que devem ser remetidos aos seus acionis-
tas, na maioria europeus). Na página 15, o destaque são as obras de
grande impacto ambiental das engordas de praia. Apesar de serem,
em tese, de interesse público, abordamos um caso onde há claros
interesses eleitoreiros (e particulares). Na mesma linha da confu-
são entre o público e o privado, na seção de Política, questionamos
os limites da interferência governamental nos conselhos federais e
estaduais – lembrando, sempre, que a participação da sociedade ci-
vil por meio de conselhos (comitês, juntas, etc.) multidisciplinares, SUA DENÚNCIA PODE VIRAR REPORTAGEM!
como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) ou o Con-
selho do Patrimônio Histórico e Artístico (Cepha), estão assegura- Soube de alguma prática suspeita ou ilegal contra o
dos pela Constituição Federal. nosso patrimônio natural? Entre em contato com a
Embora estejamos todos esgotados e esperançosos pelo fim da gente por meio de nossas redes sociais ou pelo e-mail
pandemia, entendemos que é nosso papel lembrar que a questão [email protected].
ambiental é central neste assunto. Por isso trazemos na página
31, um artigo esclarecedor da mundialmente respeitada Revista Sua denúncia pode ser encaminhada aos órgãos res-
Science. Ele demonstra que há provas científicas de que o contro- ponsáveis e virar reportagem. Fique atento, denuncie e
le e a regulamentação do comércio de animais silvestres poderiam conte conosco para tornar pública qualquer ilegalidade.
limitar as zoonoses. Se já sabemos que consumir animais silvestres
não faz bem à nossa saúde, que tal refletir sobre nossos hábitos ali-
mentares e seus impactos em todo o planeta? Descubra na página
35, como ajudar a reduzir as mudanças climáticas, simplesmente,
mudando seu cardápio. Trazemos também nesta edição uma exclu-
siva entrevista com a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva @justicaeco @justicaeco
(página 21). E que tal saber mais sobre as araucariáceas? Você sabia
que elas são tão antigas quanto a separação dos continentes (ou
Pangeia)? Saiba tudo sobre elas e suas variedades na página 12.
Por fim, gostaríamos de agradecer o apoio de todos os doado-
res e associados do OJC em 2020, que, juntamente com o traba-
lho sério da nossa equipe, possibilitou chegarmos na sexta edição @justicaeco @ojc_pr
deste jornal, que a partir de agora se chama JustiçaECO. Com o
apoio, conseguimos manter uma edição a cada dois meses, em
média, neste ano tremendamente complicado. Ano em que en-
tes queridos, conhecidos e uma enormidade de irmãos brasilei-
ros se foram, ou sofreram muito com a catástrofe da pandemia. EXPEDIENTE
Esperamos que as vacinas, independentemente de onde venham, Jornal JustiçaECO
possam reduzir muito em breve o sofrimento de todos nós. Dito isto, Número 6 | Ano 1 (2020)
é bom sempre lembrar que o planeta nos deu um claro sinal de que Tiragem: 5 mil exemplares
o ser humano não pode ignorar os limites da Natureza. Que tenha- Os conteúdos são de responsabilidade do Observatório
mos um 2021 renovados de esperança e que todos os aprendizados de Justiça e Conservação (OJC)
que levaremos conosco desta triste experiência secular nos ajudem
a evitar que outras tragédias como esta aconteçam. Iniciativa do Observatório de Justiça e Conservação
Telefone: (41) 3528-4847
Giem Guimaraes www.justicaeco.com.br
Diretor Executivo [email protected]
JustiçaECO 3

Meio Ambiente

[ OJC INVESTIGA ]

Escarpa Devoniana. Crédito: Henrique Pontes

PROJETO DE MULTINACIONAL
FRANCESA EM TERRITÓRIO
BRASILEIRO É MARCADO POR As linhas de transmissão da
Engie destruiriam algumas
PRÁTICAS COLONIALISTAS, das últimas porções de
Floresta com Araucária e
DESRESPEITO À LEI E AUSÊNCIA Campos Naturais do Sul do
Brasil e poderiam impactar
DE TRANSPARÊNCIA a vida de dezenas de
comunidades tradicionais

A instalação de 2.118 torres de transmissão de energia elétrica novamente, com os riscos dos prejuízos que podem ser impos-
que a multinacional francesa Engie quer instalar no Paraná, na re- tos pelo empreendimento. Resta menos de 1% de Floresta com
gião dos Campos Gerais, pode provocar resultados devastadores e Araucária e Campos Naturais em bom estado de conservação em
irreversíveis. Corte de vegetação nativa, de araucárias centená- todo o Paraná. De tão valiosos do ponto de vista visual, turístico
rias, degradação de algumas das últimas parcelas de campos e de biodiversidade, os Campos Gerais já chegaram a ser de-
naturais nativos, perda de habitat, morte de animais, destrui- finidos pelo naturalista francês Saint Hilaire, como “o paraíso
ção do solo e perda de riquezas arqueológicas seriam algumas na Terra”.
das consequências geradas pelo empreendimento. Sem falar Um dos trechos de instalação das torres e linhas vai de Ponta
nos riscos que a implantação das torres simboliza para os peque- Grossa, nos Campos Gerais, até Campo Largo, na Região Metropo-
nos produtores rurais e para as comunidades tradicionais das 27 litana de Curitiba e passa, exatamente, em cima da APA da Escar-
cidades que receberiam as linhas de transmissão. pa Devoniana – uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável
Essas linhas, que podem passar por mais de mil quilômetros rica em tesouros arqueológicos, em fauna e flora – e que é protegi-
do território paranaense, afetariam mais de dois mil hectares da por lei. Somente neste trecho está previsto, segundo Estudo de
de áreas naturais protegidas, impactando a vida de, aproxima- Impacto Ambiental (EIA) realizado pela própria empresa, que 398
damente, 30 comunidades tradicionais do estado. A instalação novas torres sejam instaladas. O custo do projeto está estimado
dessas torres de transmissão elétrica alteraria para sempre a paisa- em mais de R$ 2 bilhões, sendo R$ 1,4 bilhão com recursos
gem e o meio ambiente de diversas localidades. do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
As linhas, que podem ser implantadas pela multinacional Engie Social). Dinheiro público subsidiado a um empreendimento que
e fazem parte do projeto ironicamente batizado de “Gralha-Azul”, remeterá o lucro ao exterior. Para ter seus recursos envolvidos em
passariam por mais de duas mil propriedades rurais. A gralha-azul empreendimentos, o BNDES, vale lembrar, precisa comprovar a
é a espécie dispersora do pinhão, a semente da árvore Araucária adoção de critérios ambientais, sociais e de governança (ESG, do
(Araucaria angustifólia). Algumas das últimas porções de Flores- inglês “environment, social and governance”) para a avaliação de
ta com Araucária e Campos Naturais que ainda existem no Sul empresas com as quais se envolve.
do Brasil estão na região dos Campos Gerais e agora sofrem, No outro trecho do projeto Gralha-Azul, que vai de Ivaiporã à
4 JustiçaECO

Meio Ambiente

Ponta Grossa, a Engie estima instalar ou-


Crédito: RPC
tras 728 torres. Somando, seriam implan-
tadas 1.168 torres somente no primeiro e
segundo trechos. Somados todos os tre-
chos, seriam 2.118 torres, dispostas a cer-
ca de 500 metros cada, que afetariam, por
exemplo, toda a biodiversidade e o solo
dessa região do estado.
As licenças ambientais do empreen-
dimento foram emitidas pelo Instituto
Ambiental do Paraná (IAP), atual Ins-
tituto Água e Terra (IAT), em outubro
de 2019 e em fevereiro deste ano. Se
esse empreendimento for adiante, resulta-
rá em um impacto ambiental irreversível
e altamente danoso. O IAP, vale lembrar,
foi rebatizado pela gestão de Ratinho Jr.,
e o atual secretário de Turismo e Desen-
volvimento Sustentável, Marcio Nunes, já
esteve envolvido em diferentes denúncias
envolvendo ameaças ao patrimônio natu-
ral no Estado.

Transparência zero
Uma análise encomendada pelo Obser-
vatório de Justiça e Conservação (OJC),
feita por uma equipe técnica formada por
nove pesquisadores e profissionais espe-
cialistas em estudos de impacto ambiental,
revela os riscos desse projeto. O estudo,
coordenado pelo professor da Universida- Projeto de multinacional francesa é rechado de fragilidades e inconsistências legais. Crédito: divulgação OJC
de Federal do Paraná (UFPR) Eduardo Ve-
dor, que é doutor em Geografia, e também
gerados pelo empreendimento, com desta- da possui significativa diversidade geográ-
pelo geógrafo e mestre em Geografia Mar-
que para a inexistência de mapas com o fica e biológica, altíssimo potencial espele-
celo Ban Hung, avalia criteriosamente os
perímetro das propriedades rurais afe- ológico e áreas de bens tombados, como a
Estudos de Impacto Ambiental (EIA) da
tadas por ele, fato que torna impossível própria Escarpa Devoniana.
instalação das linhas de transmissão.
avaliar a real alteração sobre o seu poten-
A conclusão é de que o licenciamen-
cial produtivo e sobre outros aspectos que
to do projeto apresenta diversos pro-
envolvem as comunidades diretamente
blemas em relação ao cumprimento da
legislação vigente. Os Termos de Re-
afetadas. Unidades de
ferência – que são os documentos que conservação
informam as diretrizes para a elabora-
ção do Estudo de Impacto Ambiental Os estudos apontam que cerca de
– sequer constam no processo de licen- 2.484,15 hectares de Reserva Legal, Uni-
ciamento ambiental. Esses Termos são dades de Conservação e Áreas de Preserva-
documentos públicos e que deveriam ser Este grave problema, da au- ção Permanente seriam impactados pelas
disponibilizados à sociedade pelo Instituto instalações das linhas de transmissão da
Água e Terra. De modo nada transparen- sência da localização das tor- Engie. Não há, no entanto, detalhamen-
te, muitos documentos que deveriam
ser públicos, só foram obtidos por inter-
res de transmissão, oculta o to das localidades que podem sofrer
com a remoção da cobertura vegetal. O
médio do Ministério Público. real impacto do empreendi- Estudo alega que o impacto será temporá-
A análise aponta, ainda, que os EIAs rio e reversível. Mas, os pesquisadores que
(Estudos de Impacto Ambiental) não mento, visto que os EIAs não o analisaram confirmam que esse impacto
apresentam mapas ou cartogramas,
apesar de citarem um “caderno de mapas”,
avaliaram, em nenhum mo- é permanente, irreversível e de alta signifi-
cância para o meio.
mas que também não foi disponibilizado. mento, o impacto das torres O empreendimento está próximo de al-
Isso pode fazer com que as localidades gumas Unidades de Conservação, como
impactadas pelo empreendimento sofram no diagnóstico ambiental do a Reserva Biológica das Araucárias, em
variações no decorrer das instalações das
torres. Os estudos apenas citam a previ-
meio físico, biótico e socioe- Teixeira Soares, e a APA da Escarpa De-
voniana. Também fica perto da Reserva
são de instalação das torres, sem apresen- conômico. Particular do Patrimônio Natural (RPPN)
tar mapas de onde elas serão localizadas. Papagaio Velho. Os impactos sobre as uni-
Também não são indicados os impactos dades de conservação sequer foram abor-
que elas causariam nas localidades de dados pela Engie.
instalação. Outro fator que chama a aten- “Este grave problema, da ausência da lo- Os EIAs da Engie também não con-
ção é que o licenciamento, que é bastante calização das torres de transmissão, oculta templam a necessidade de um criterio-
complexo, foi obtido em um prazo recorde o real impacto do empreendimento, visto so mapeamento das nascentes dos rios
de seis meses, quando o normal, segundo que os EIAs não avaliaram, em nenhum e áreas alagáveis. Assim, os estudos não
os técnicos, é de que ele deveria ter leva- momento, o impacto das torres no diag- avaliam a dinâmica das áreas úmidas,
do, no mínimo, dois anos para ser con- nóstico ambiental do meio físico, biótico que possuem fauna e flora específicas. O
quistado. e socioeconômico”, ressalta a análise dos ecossistema dessas regiões é extremamen-
A deficiência de representações carto- pesquisadores. te frágil e dinâmico. A caracterização da
gráficas dificultou a análise dos impactos Constatou-se, ainda, que a região afeta- cobertura vegetal não foi realizada pelos
JustiçaECO 5

Meio Ambiente

EIAs de forma conjunta com a rede hidrográfica, corredores ecológicos, unidades de con-
servação e áreas com potencial para refúgio da fauna. Os EIAs também fazem uma descri-
ção do empreendimento em termos de localização, mas não especificam quais as estradas
Comunidades
vicinais seriam utilizadas e abertas para acesso às torres. Estima-se que cerca de 400 tradicionais
quilômetros de novos acessos serão necessários, mas os EIAs ignoram esses relevantes
impactos. Também não está especificado em que pontos das estradas o empreendimento afetadas
estabelecerá algum tipo de interferência. O mapa inserido no Estudo não apresenta essas
informações. Os pesquisadores que se debruça-
ram a analisar o processo de licen-
ciamento da Engie, apontam, ainda,

Mais falhas
que as linhas de transmissão afeta-
riam mais de 30 comunidades tra-
dicionais que habitam a região,
Os pesquisadores verificaram que os diagnósticos ambientais que constam nos Estudos como comunidades quilombolas,
de Impacto Ambiental do empreendimento são “extremamente superficiais e não estabe- indígenas, rurais reassentadas e
lecem relações entre os elementos do meio físico, bem como com o empreendimento faxinais.
em diversos pontos”. Os documentos apresentados
“Os estudos apresentam predominantemente descrições gerais da região central do Es- pela multinacional e publicizados
tado do Paraná e não abordam as particularidades encontradas nas áreas de influência do pelo IAT apresentam dados con-
empreendimento”, concluiu a equipe de pesquisadores. Os Estudos de Impacto Ambiental traditórios em relação a essas co-
da Engie contemplam, portanto, um déficit marcante de informações exigidas a respeito munidades tradicionais. Afirma-se,
da flora e da fauna. A abrangência das amostras no trabalho que eles fizeram, segundo os por exemplo, que “o Licenciamento
pesquisadores, é pouco representativa para a extensão das áreas em que as linhas serão Quilombola do Empreendimento
instaladas. está sendo conduzido pela Funda-
ção Cultural Palmares”, no entanto,
tal estudo não apresenta a anuência

Riscos para o
rico registro paleontológico que ela acu- da Fundação Palmares e nem o ma-
mula. É considerada, inclusive, elevada a terial que foi produzido para a emis-
possibilidade de recuperação de material
patrimônio histórico e paleontológico durante a etapa de escava-
são do licenciamento.
Os pesquisadores que analisa-
arqueológico ção das fundações para a implantação das
torres, o que exigiria um cuidado especial.
ram os EIAs também apontam que
não houve aprovação da Fundação
Essa fase da operação do empreendimen- Nacional do Índio (Funai), mesmo
O empreendimento, que pode atraves-
to, contudo, não está especificada e, tam- com o Estudo tendo identificado
sar todo o Segundo Planalto Paranaense,
pouco, detalhada nos EIAs. terras indígenas distantes a pou-
coloca em risco a preservação arque-
Os EIAs não trazem informações so- co mais de cinco quilômetros do
ológica e histórica do estado. O Grupo
bre a distância do empreendimento e empreendimento.
Universitário de Pesquisas Espeleológicas
os bens tombados, nem sobre o patri- Os Estudos também identificam
(GUPE), da Universidade Estadual de Pon-
mônio arqueológico. Os Estudos, por assentamentos rurais, mas não fo-
ta Grossa (UEPG), realizou trabalhos de
exemplo, não identificam a Igreja de São ram inseridas as distâncias em re-
campo objetivando a prospecção espeleo-
Josafat, em Prudentópolis, tombada pelo lação ao empreendimento. Consta
lógica na área do empreendimento. Foram
Patrimônio Histórico e também não tratam apenas que “nenhum assentamen-
identificadas recentemente dez novas ca-
do caso de São Luís do Purunã, que teria to é interceptado” pelas linhas de
vernas subterrâneas que possuem fauna e
torres instaladas em seu território, cujo transmissão. Porém, os pesquisado-
flora específicas.
projeto de desenvolvimento da comunida- res apontam que o mapa da página
O GUPE ressalta que a implementa-
de é calcado no turismo rural. 658 do EIA sobre as linhas de trans-
ção das linhas de transmissão pode
Segundo o Relatório de Avaliação de missão do trecho entre Ivaiporã a
representar um alto risco às cavidades
Potencial de Impacto sobre o Patrimônio Ponta Grossa, sugere a localização
naturais existentes na região e que o
Arqueológico (RAIPA), foram identifica- dentro da área de alguns assenta-
empreendedor não considerou esse im-
dos na localidade onde passará as linhas mentos rurais.
portante aspecto do patrimônio natural
de transmissão, 46 sítios arqueológicos, “Embora haja referência às comu-
nos Estudos de Impacto Ambiental.
32 ocorrências arqueológicas isoladas, nidades tradicionais quilombolas e
Ao todo, já foram identificadas 31 no-
e quatro Sítios Históricos de Interesse faxinalenses, suas caracterizações
vas cavidades naturais subterrâneas na
Arqueológico. Segundo o relatório, o im- são insuficientes, pois não permi-
área de influência direta das Linhas de
pacto causado ao patrimônio arqueológico tem identificar nem mesmo seus
Transmissão. Essas cavernas podem guar-
com a instalação do empreendimento “im- aspectos mais gerais, tais como os
dar tesouros arqueológicos e precisam ser
pedirá a realização de pesquisas futuras, meios de acesso, número de famí-
preservadas e estudadas, segundo o grupo.
com a completa e definitiva destruição dos lias, situação socioeconômica etc.”,
Outra atenção especial deve ser dada,
vestígios”. concluem os pesquisadores. Não há
conforme apontam os pesquisadores, à
formação geológica da bacia do Rio do nem mapa da localização dos faxi-
Rastro, que passa pela região, devido ao A região afetada pela instalação das torres possui altís- nais.
simo potencial espeleológico e valor cultural. O turismo O diagnóstico, dessa forma, não
seria fortemente afetado. Crédito: Murilo Milleo
apresenta as condições necessárias
para avaliar os efeitos e impactos
que as linhas de transmissão te-
riam sobre o modo de vida dessas
comunidades. Além disso, é preciso
avaliar se as estradas que dão aces-
so a essas comunidades tradicionais
seriam comprometidas pela instala-
ção do empreendimento, principal-
mente, no caso de estradas não pa-
vimentadas. Integrantes da equipe
de pesquisadores chegaram a
afirmar que, em 20 anos de tra-
balho, nunca haviam se deparado
com um processo de licenciamen-
to tão falho.
6 JustiçaECO

Meio Ambiente

Alteração da Beleza Cênica


Segundo os pesquisadores, o empreendimento alteraria para sempre a bele-
za cênica da região que abriga cânions, corredeiras, relevos residuais, caver-
nas, cachoeiras e escarpamentos. Estão nessa região, por exemplo, o Parque
de Vila Velha e o Cânion do Guartelá.
O valor turístico e científico dessa localidade é imensurável. A instala-
ção dessas torres de transmissão de energia traria um impacto negativo
irreversível. “Considerando que as torres e os cabos de linha de transmissão
de energia podem ser notados de grandes distâncias, a escala de abrangência
do impacto deixa de ser local para se tornar regional. No que se refere aos impac-
tos cumulativos associados podemos citar: pressão na atividade turística, pressão
no patrimônio paleontológico, interferência na qualidade de vida das pessoas com
possibilidade de acidentes elétricos, ausência de medidas mitigatórias e de alternativas
locacionais, entre outros”, apontam.
Crédito: Mochilão das ideias.com.br

Associação dos Moradores Queremos ser conhecidos pelas belezas naturais e pelas ca-
valgadas, e não como um parque de torres de transmissão de
de São Luiz do Purunã é contra obra Engie”, enfatiza. Murilo também sabe que, como presidente da
Associação, é fundamental que ele demonstre preocupação com
as necessidades básicas e urgentes da população. “A gente preci-
Apaixonado pelo meio ambiente e fã das belezas cênicas da re- sa lutar para, aos poucos, todo esse ‘apartheid social’, que ainda
gião dos Campos Gerais, o presidente da Associação de Morado- predomina tanto, diminua”. Dentre as lutas encabeçadas por ele e
res de São Luiz do Purunã, Murilo Zanello Milléo, se posiciona pela Associação dos Moradores está o esforço para suprir a falta de
contrário à construção das torres de transmissão da francesa Engie. água na comunidade e a implantação de uma linha de ônibus para
O distrito de Balsa Nova, na Região Metropolitana de Curitiba, Campo Largo, por exemplo, onde muitos moradores trabalham.
é conhecido pelo ecoturismo, pelas cavalgadas, pela natureza exu- Há, também, a preocupação com a questão do pedágio. “A gente
berante, com cachoeiras, lagos e cânions. A eventual instalação das paga pedágio para ir a Balsa Nova. É um absurdo isso”, ressalta.
linhas de transmissão, ele defende, deixará a região com uma pai- O preço do pedágio de um carro é de R$ 8,90 ida e mais R$ 8,90
sagem altamente afetada.“Essas torres estarão presentes todos os a volta.
dias no nosso visual. Isso nos ofende profundamente. O que mais Milléo promove, ainda, ações voltadas ao cuidado com o
me preocupa, é a destruição da natureza. Desmatar a região co- meio ambiente, como campanhas de reciclagem de lixo e es-
loca em risco toda a riqueza natural, geológica e histórica que tímulos à produção de sacolas reutilizáveis, a fim de reduzir
a Escarpa e os Campos Gerais carregam”, ressalta o presidente o uso das sacolas plásticas. A sacola é feita de saco de ráfia e é
da Associação. doada para a comunidade. Milléo se preocupa, ainda, em realizar
A consequência direta dessas linhas, segundo Murilo, seria um mutirões de plantio de árvores nativas, como a araucária. Perio-
prejuízo incalculável para a natureza e traria enorme impacto ne- dicamente, a Associação realiza cavalgadas, nas quais os par-
gativo ao turismo de São Luiz do Purunã. “Se não preservarmos ticipantes plantam mudas de árvores nos trechos percorridos
a natureza agora, chegaremos todos a uma situação irreversível. durante o passeio.

Instalação das linhas geraria tremendo impacto


negativo ao turismo em São Luiz do Purunã.
Crédito: Ralf Andreas Berndt

Curiosidade
Não há, sequer, um mapa que mostre a relação das escolas mais próximas ao empreendimento. Essa informação seria importante para
municiar programas de educação ambiental, assim como outras ações compensatórias em benefício dos estudantes que a empresa poderia
propor.
JustiçaECO 7

Meio Ambiente

Engie deveria seguir recomendações de conservação e respeitar comunidades


locais apontadas pelo Banco Mundial
Os Estudos de Impacto Ambiental da Engie apontavam que os recursos para a implantação dos empreendimentos seriam oriundos de
investimento próprio da empresa. Entretanto, a multinacional já estava negociando o financiamento do projeto junto ao Banco Nacio-
nal de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), cujo contrato de nº 202006311 foi estabelecido em 30/03/2020 com o valor de
R$ 1.480.641.000,00.
O BNDES é signatário dos Padrões de Desenvolvimento sobre Sustentabilidade Socioambiental da International Finance Corporation
(IFC), do Grupo Banco Mundial. Esses padrões estabelecem as diretrizes de riscos e os impactos socioambientais ao responsável pela imple-
mentação e operação do projeto e devem ser seguidos durante todo o período de investimento concedido pela IFC. Dessa forma, a Engie
deveria ter uma ação ambiental calcada nas recomendações do Banco Mundial, mas não é o que vem fazendo.

Quem é a Engie?
A Engie é uma multinacional fran- da hidrelétrica.
cesa que está presente no Brasil há Em 2012, a Engie retirou US$ 1 bilhão de uma usina australiana
mais de 20 anos. A operação da antes de o imposto sobre o carbono vigorar na Austrália. A empre-
empresa no país representa o se- sa francesa transferiu esse montante em dividendos da Austrália de
gundo maior faturamento da mul- volta às empresas controladoras do Reino Unido. O esquema rece-
tinacional no mundo. Até 2008, beu o nome de Projeto Salmão – uma referência dada a capacidade
a empresa era chamada de GDF do peixe de nadar contra a corrente, exatamente como esses lucros
SUEZ. Responsável pela constru- estavam prestes a fazer.
ção da Usina Hidrelétrica de Ji- Detalhes intrincados dessas transações surgiram no
rau, no rio Madeira, em Rondônia, Paradise Papers, em 2017, por meio de um vazamento de 13,4 mi-
a Engie foi indicada em 2010 para o lhões de documentos para o jornal alemão Suddeutsche Zeitung,
‘Public Eye Award’, um “antiprêmio” atri- investigado pela equipe Four Corners da ABC em parceria com o
buído todos os anos no Fórum de Davos, na Suíça, à empresa Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos.
ou organização mais irresponsável social e ambientalmente No ano de 2015, a agência de notícias Reuters divulgou a aber-
em todo o mundo. tura de uma investigação para apurar possíveis violações das leis
A empresa foi acusada por organizações ambientais de violar anticorrupção dos EUA e do Brasil envolvendo a Eletrobrás e in-
as normas de proteção ambiental e de ignorar os direitos hu- cluindo a construção da usina de Jirau, de responsabilidade da
manos das populações indígenas, ameaçadas pela construção empresa Engie.

Os suspeitos elos políticos da Engie


A Engie deve faturar, aproximadamente, nove bilhões de reais o Programa do Ratinho.
nessa concessão em solo paranaense, com o direito a 30 anos Bolsonaro e Ratinho Jr. voaram juntos em março deste ano, para
de receitas ininterruptas. O projeto custaria R$ 2 bilhões, sendo os Estados Unidos, em uma viagem que teve como objetivo um en-
R$ 1,4 bilhão com recursos de um banco público, o BNDES. contro com o presidente norte-americano, Donald Trump. Ratinho
Apesar disso, a empresa não detalha, em momento ou lugar ne- foi o único governador brasileiro convidado para a viagem. Ele
nhum, as medidas compensatórias que seriam pensadas e execu- foi acompanhado de Fabio Wajngarten, secretário de Comunica-
tadas pela companhia. Orçamentos para compensar os incontáveis ção do Planalto, que testou positivo para a Covid-19 no dia 12 de
danos gerados pelo projeto também não foram tornados públicos março. Essa viagem, vale lembrar, contaminou quase metade da
até o momento. comitiva de Bolsonaro com o vírus. Poucos dias depois, 22 pessoas
Em 2019, integrantes da empresa estiveram no Palácio do foram diagnosticadas com Covid por conta da viagem. O secretário
Planalto, em Brasília, pelo menos três vezes. Isso é o que mostra da rebatizada Secretaria de Desenvolvimento Sustentável e Turis-
a agenda oficial do Planalto. Dia 30 de janeiro de 2019, às 9h30, mo (antiga Secretaria Estadual de Meio Ambiente), o ruralista e
um funcionário que, segundo consta na própria agenda do gover- agrônomo Marcio Nunes, vale lembrar, apoiou Bolsonaro nas elei-
no, trabalharia para a companhia chamado Luis Artur, se reuniu ções de 2018.
com o cerimonial do presidente. O nome deste funcionário não foi O próprio ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque já
encontrado na página oficial da Engie. deu indícios, em outras situações, de que mantém diálogos com
Em agosto, no dia 20, às 11 horas, o CEO da Engie no Brasil, o governador do Paraná para tratar de licenças ambientais. Um
Maurício Bähr teve agenda com o chefe do cerimonial da presi- exemplo recente ocorreu em maio de 2020. Durante uma video-
dência da República. Os temas debatidos nessas reuniões não se conferência entre o ministro e o governador Ratinho Jr., foi discu-
tornaram públicos. Uma nova reunião de Bähr no Palácio do Pla- tida a necessidade de “uma maior celeridade no licenciamento
nalto ocorreu no dia 15 de outubro. Desta vez, com o próprio pre- ambiental de empreendimentos hidrelétricos”, como revela um
sidente Jair Bolsonaro (sem partido). A reunião aconteceu às 14h release produzido pelo próprio governo do Paraná. “O objetivo era
e contou com a presença do ministro da Economia, Paulo Guedes destravar a construção de PCHs, as Pequenas Centrais Hidrelétri-
e com o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Uma cas, e de CGHs, as Centrais Geradoras Hidrelétricas no Estado.
das licenças concedidas pelo Instituto Água e Terra (antigo Insti- O Paraná tem 85 empreendimentos aprovados pela ANEEL
tuto Ambiental do Paraná – IAP) que autoriza o empreendimento (Agência Nacional de Energia Elétrica), que somam nove bilhões
da Engie no Paraná aconteceu justamente nove dias após esse en- de reais em investimentos”, continua o texto. O ministro Bento Al-
contro. buquerque, conforme dados do Portal da Transparência, também
Bolsonaro é apoiado e mantém uma relação bem próxima com participou no dia 10 de fevereiro de uma reunião na Engie. O tema
o governador do Paraná, Ratinho Jr. Inclusive, já concedeu entre- tratado no encontro não foi especificado no documento.
vistas ao pai do governador no programa que ele mantém no SBT:
8 JustiçaECO

Meio Ambiente

O projeto em números

EXTENSÃO: MIL QUILÔMETROS (Fonte: site da Engie)

QUANTIDADE DE TORRES: 2.118 (Fonte: EIA/Rima e RAS)

OS SETE TRECHOS

1 2 3 4 5 6 7

Ivaiporã Ponta Grossa São Mateus do Sul Guarapuava Uniãoda Vitória Irati Castro

Ponta Grossa Campo Largo Ponta Grossa Pinhão São Mateus do Sul Ponta Grossa Ponta Grossa

728 torres 398 torres 294 torres 238 torres 295 torres 121 torres 24 torres

ALTURA DAS TORRES: Estima-se que cerca de Seriam devastadas


Máximo 82 metros 14 mil araucárias cerca de 204 mil
Fonte: Engie / https://tabocas.com.br/contents/lt-s-projeto-gralha-azul
possam ser derrubadas pela empresa. árvores nativas.

A implantação das torres afetaria ainda a vida de pelo menos duas mil propriedades rurais e de cerca de 30 comunidades tradicionais.
A área de influência direta (AID) total desses sete grupos sobre o meio
2.484,15 hectares de Áreas de 320 mil hectares
físico e biótico (fauna e flora) soma cerca de
Preservação Permanente (APPs), de Reserva Legal (RL) do território paranaense – o que significa que essa área seria afetada de
e Unidades de Conservação (UC) seriam afetados alguma maneira pelas obras do projeto (seja por desmatamento, por
de alguma maneira pela obra danos provocados pelo transporte e locomoção até os locais das torres,
aberturas de estradas, entre outros.)

As torres terão entre 285 a 500 metros de distância uma das outras.
Em relação aos trechos Ivaiporã a Ponta Grossa e Ponta Grossa a Campo Largo: mais de 620 hectares afetados (Fonte EAI/Rima)

BATEIAS: IVAIPORÃ:
O traçado previsto para instalação desta linha de transmissão intercepta O Empreendimento interferirá em outras Áreas de
uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável, a APA da Escarpa Importância Ecológica, como APPs e RL. A Linha de
Devoniana, e ocasiona intervenção direta em cerca de 98 hectares de Área Transmissão (LT) intercepta, com intervenções diretas cerca
de Preservação Permanente e em 160 hectares de Reserva Legal. de 172 ha de APP e 191 ha de RL.

Ameaça já ganhou a atenção da imprensa


Vem sendo expressiva a atenção que a imprensa paranaense, e também a brasileira, vêm con-
cedendo ao assunto. O Programa Fantástico, por exemplo, exibiu no dia 20 de setembro, um dia
antes do Dia da Árvore (21 de setembro), uma reportagem especial feita pela jornalista Sonia Bridi, Aponte a câmera do
seu celular para o
sobre os problemas que envolvem a intenção da obra. Ela pode ser assistida acessando o QR Code QR Code
ao lado:
JustiçaECO 9

Meio Ambiente

O traçado da instalação das torres, destacado no mapa.

Por que a pressa, Engie?


Multinacional prega iminente apagão energético no Paraná e compara o Estado ao Amapá, mas não embasa a catástrofe em dados. Sua
“preocupação”, coincide com a suspensão do negócio bilionário da multinacional pela Justiça Federal

Se há investimentos na infraestrutura energética do Paraná e os antecipados em relação ao cronograma contratual”, disse Marcio
órgãos que regulam o setor não se arvoram em alardear o risco de Daian Neves, responsável pelo projeto.
um apagão iminente no Paraná, qual a razão de a Engie investir no A íntegra desses pronunciamentos está divulgada no mesmo site
anúncio do desastre? Logo agora? A multinacional francesa não da Engie em que o comunicado catastrofista foi publicado. No lei-
chegou ontem aqui, então, poderia estar fazendo esse alerta há lão vencido pela multinacional, o prazo para o início da operação
mais de 20 anos. Ela está desde 1998 no Brasil e no Paraná. Só que, comercial é março de 2023. Mas com a gestão das frentes de
até 2016, antes da campanha de marketing para reposicionamento trabalho ele planeja pôr as linhas de transmissão em operação
da marca, a Engie respondia pelo nome de Tractebel Energia. comercial em setembro de 2021, um ano e meio antes. Qual o
Em comunicado institucional no qual a Engie profetiza um imi- motivo da pressa?
nente apagão no Paraná, ela diz que a paralisação das obras preju- A Engie começará a receber R$ 231,7 milhões por ano como
dica em especial os trabalhadores, que perderão sua fonte de ren- contrapartida pela construção e manutenção das linhas de
da. “A suspensão do projeto, além dos riscos energéticos, também transmissão. Apesar de ter até março de 2023 para concluir o
coloca em risco milhares de empregos atrelados a ele. Tendem a Projeto Gralha-Azul, a Engie sempre planejou botar o sistema à
ser demitidos com embargo das obras gerando impactos socioe- disposição da ONS com antecedência. Outros documentos a que
conômicos significativos em tempos de pandemia”, argumenta a a reportagem teve acesso falavam em entregar a obra pelo me-
empresa. nos doze meses antes do prazo. O motivo? Quanto antes fizer
O trecho acima é do dia 25 de novembro. Só que, para os acio- isso, mais cedo começa a receber pelo serviço. Diferente de uma
nistas, alguns dias antes, o recado foi muito diferente: “para evitar rodovia pedagiada, que cobra por veículo, as concessionárias de
os impactos no projeto (Gralha-Azul) nós conseguimos realocar linhas de transmissão recebem o RAP (receita anual permitida)
todas as equipes para as demais frentes de trabalho, isso signi- independente do uso que o mercado energético faz dele. Cada mês
fica dizer que nós podemos evoluir e antecipar as demais frentes, antecipado vale, numa conta de padaria, R$ 19 milhões para
e depois retornar para as frentes de 500 KV”. “Hoje ainda estamos os cofres da empresa.
10 JustiçaECO

Meio Ambiente

COMO AS LINHAS DE TRANSMISSÃO


PODEM PROVOCAR DANOS À SAÚDE?

Diversos estudos nacionais e internacionais vêm


indicando a relação direta entre a proximidade da vida
humana e as linhas de transmissão de energia elétrica
de alta tensão com o desenvolvimento de doenças
degenerativas, e até a morte

Os mais de mil quilômetros de extensão das linhas de transmissão que podem ser ins-
taladas em áreas naturais de 27 municípios do Paraná pela multinacional francesa Engie
podem provocar sérios danos à saúde do ser humano. Pesquisadores de diversas insti-
tuições, ao longo de décadas, atestam que a proximidade da vida humana com linhas
de transmissão de energia elétrica de alta tensão pode causar tumores, depressão,
aborto espontâneo, esclerose lateral amiotrófica, mal de Alzheimer e problemas de
coração, por exemplo.
O projeto, ironicamente chamado de Gralha-Azul – a árvore dispersora do pinhão, se-
mente da árvore Araucária – está dividido em sete grupos e, no total, pretende instalar
mais de duas mil torres no estado do Paraná, provocando impactos devastadores e irrever-
síveis. Corte de vegetação nativa da Floresta com Araucária, ocupação de áreas de Campos
Naturais, perda de habitats, morte de animais, degradação do solo e afetação de riquezas
arqueológicas serão algumas das consequências provocadas pelo empreendimento. Esti-
ma-se que um total de 14 mil araucárias, árvore que corre risco de extinção, possam
ser derrubadas pela empresa. Seriam devastadas, pelo menos, 204 mil árvores nati-
vas.
Estima-se, por exemplo, que aproximadamente 30 comunidades tradicionais, como al-
deias indígenas e grupos quilombolas, sejam afetadas de alguma maneira pelo empreen-
dimento. Várias delas estão localizadas próximas à Área de Proteção Ambiental (APA) da
Escarpa Devoniana, na região dos Campos Gerais do estado, que é uma Unidade de Con-
servação de Uso Sustentável, protegida por normativa ambiental. As torres teriam entre
285 a 500 metros de distância uma das outras e mais de 80 metros de altura. As linhas
podem passar por mais de duas mil propriedades rurais, ou seja: acabariam ficando
em contato direto coma população local. Isso, na visão de especialistas, implica em di-
versos riscos. O pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Sergio Koifman,
fez uma análise histórica sobre dos efeitos da exposição do corpo humano à campos eletro-
magnéticos no mundo. Em uma de suas pesquisas, ele atesta a possibilidade de a exposição
às linhas de transmissão estar ligada ao óbito de crianças por leucemia em municípios de
São Paulo.
Desenvolvida entre os anos de 1992 e 2002 em 289 residências de diferentes municí-
pios paulistanos, a pesquisa teve como objetivo investigar se o ambiente de exposição ao
campo eletromagnético na região – onde 187 crianças com menos de 15 anos morreram
em decorrência de leucemia – se diferenciava dos municípios onde 182 crianças da mesma
faixa etária foram a óbito por causas diversas. Segundo Koifman, a pesquisa constatou
que ao contrário dos domicílios nos quais as crianças morreram por causas diversas,
as residências das crianças que foram a óbito por leucemia eram mais próximas dos
circuitos primários de energia (cabeamento que chega a transportar 3200 volts de
energia) e dos transformadores de energia (responsáveis pela adaptação da voltagem
para 110 e 220 volts utilizados nas residências).
Crédito: Odair Padilha

Suspeita na medida em que existem suspeições, em em crianças que moram nas proximidades.
que existem evidências, procurar se limi- O órgão recomendou "como precaução"
A Agência Nacional de Pesquisa do tar o tipo de exposição. Evitar a exposi- "não criar novas escolas perto das li-
Câncer da Organização Mundial de Saú- ção desnecessária a algo que se suspeita nhas de alta tensão", mesmo que não se
de (OMS) suspeita que a proximidade como danoso à saúde”, concluiu. tenha ainda demonstrado nenhum elo
das linhas de alta tensão esteja ligada Um fato divulgado em 2019 reforça comprovado de causa e efeito direto en-
aos casos de tumores no mundo, mas essa suspeita. A Agência de Saúde France- tre os riscos para as crianças e os fios de
ainda não há uma confirmação científica sa (Anses) divulgou dados de que campos alta tensão.
capaz de encerrar o debate. “É o acúmulo magnéticos de baixas frequências, emiti- A Agência Nacional de Segurança Sani-
de evidências que vai dar uma direção. O dos, em particular, por linhas de alta ten- tária da França já havia alertado em 2010
que se costuma fazer nessas situações é, são, representariam um risco de leucemia sobre uma "possível associação entre a
JustiçaECO 11

Meio Ambiente

Pesquisas alertam para riscos


exposição a campos eletromagnéticos de baixa frequência e
um risco a longo prazo de leucemia infantil”. O site do Instituto
Nacional do Câncer (Inca) reforça que “as evidências sugerem que
a exposição crônica à radiação não ionizante de baixa frequên- Ao longo das décadas, diversas pesquisas alertam sobre os riscos
cia e fontes de campos eletromagnéticos de frequência extre- que os campos de alta tensão podem provocar na saúde humana.
mamente baixa pode aumentar o risco de câncer em crianças Um estudo da Universidade de Berna, da Suíça, apontou, por
e adultos”. exemplo, que quem reside a menos de 50 metros de uma linha
de alta tensão pode duplicar o risco de desenvolver a doença
de Alzheimer. O estudo foi publicado na revista norte-americana

Parecer contrário
Journal of Epidemiology.
Os cientistas examinaram todos os óbitos causados na Suíça pela
doença neuro-degenerativa entre 2000 e 2005, num total de 9.200
Em agosto de 2017, a Comissão de Saúde e Ambiente de Traba- casos. E concluíram que 20% dos casos surgiram em pessoas
lho da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio que residiram cerca de 50 metros durante 15 anos próximos
Grande do Sul (UFRGS), emitiu um parecer contrário à instalação de uma linha de alta tensão, o que representa o dobro da pre-
de torres de alta tensão no ambiente acadêmico. A Comissão en- valência registada no resto da população.
tendeu que “os limites de exposição a campos eletromagnéticos Diversos outros estudos correlacionam a influência de ondas
originados em linhas elétricas de alta tensão devem ser pauta- eletromagnéticas e o surgimento de tumores. Em 1979, a biólo-
dos sob o princípio regulatório da precaução”. ga e socióloga americana Nancy Wertheimer, da Universidade do
“O reconhecimento das incertezas sobre os problemas de saúde, Colorado, comparou 900 crianças que viviam perto das linhas de
assim como a impossibilidade de controlar possíveis riscos asso- alta tensão e dos transformadores de rua, na cidade de Denver,
ciados à saúde humana e o ambiente devem pautar tal questão”, com outras que moravam mais longe da rede elétrica. Descobriu-se
aponta o documento. Segundo o parecer, a OMS e organismos de entre as primeiras uma incidência duas vezes maior de casos de
Saúde da Comunidade Europeia “consideram ser possível que leucemia.
campos magnéticos possam estar associados a formas de cân- Outro estudo publicado pelo British Medical Journal, em pesqui-
cer, para o que recomenda a adoção de medidas de precaução, sa realizada por cientistas da Universidade de Oxford, avaliou 29
desde que não ponham em causa os benefícios sociais e para a mil crianças com câncer - entre elas 9,7 mil com leucemia - nasci-
medicina da eletricidade”. das entre 1962 e 1995. A conclusão foi de que as crianças que
moravam num raio de 200 metros de distância das linhas de
transmissão tinham um risco 70% maior de desenvolver leuce-
mia do que as que moravam a mais de 600 metros.
No Brasil, o epidemiologista Sérgio Koifman, da Escola Nacional
Os limites de exposição a cam- de Saúde Pública, ligada à Fundação Oswaldo Cruz, se debruça
há tempos para pesquisar o assunto. Em uma pesquisa, ele desco-
pos eletromagnéticos originados briu que, entre 1.476 trabalhadores da empresa, falecidos de 1965
em linhas elétricas de alta tensão a 1986, 88 foram portadores de algum tipo de câncer – sempre
numa proporção bem maior do que na população carioca em geral.
devem ser pautados sob o princípio Pelas estatísticas, o câncer no estômago, por exemplo, deveria
ter acometido 40 eletricitários na amostra examinada. Houve 55
regulatório da precaução. casos. Koifman verificou, ainda, uma incidência excessivamen-
te alta de tumores cerebrais entre 202 daqueles 1.476 funcio-
nários, que haviam passado muito tempo próximos de linhas
de alta tensão.

TRF4 mantém suspensão das obras de linha de transmissão


Dia 13 de novembro, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região indeferiu o pedido de suspensão da liminar para que a multina-
cional Engie possa fazer a instalação de mais de mil quilômetros de linhas de transmissão no estado.
A empresa recorreu da decisão favorável ao Observatório de Justiça e Conservação (OJC), Instituto de Pesquisa em Vida Selva-
gem e Educação Ambiental (SPVS) e Rede de Organizações Não Governamentais da Mata Atlântica (RMA), que entraram com uma
Ação Civil Pública alegando que dois licenciamentos ambientais estariam eivados de irregularidades.
Na decisão inicial, a Justiça determinou que o projeto Gralha-Azul “se abstenha de adotar qualquer medida tendente à supressão
vegetal de mata nativa do Bioma Mata Atlântica até ulterior determinação, sob pena de multa diária que fixo em 1% sobre o valor
do Contrato de Concessão n.º 01/2018-Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica)”. Segundo o resultado do leilão da Aneel
divulgado em 2017, o investimento do empreendimento seria de R$ 2.017.009.000.
Ao negar o recurso da Engie, o presidente do TRF4, Victor Laus, sustentou que “eventual lesão econômica pode ser repa-
rada; a lesão ambiental, por sua vez, jamais poderá ser restaurada caso executados os trabalhos de construção civil, ante
o impacto que provocam. Confrontados o interesse privado e o público, deve-se privilegiar este - que é irreparável - em
detrimento daquele. Havendo o prosseguimento da construção, corre-se o risco de autorizar provimento apto a macular a
fauna e a flora locais de maneira irreversível”, disse.
12 JustiçaECO

Meio Ambiente

Monkey-Puzzle, ou Araucaria araucana. Crédito: James Gaither/Flickr

ARAUCARIÁCEAS
AS ÁRVORES PRÉ-HISTÓRICAS
MAIS RARAS DO MUNDO QUE
SOBREVIVEM À EXTINÇÃO
John Muir, herói ambiental escocês-americano, é famoso por seu mo a Sydney.
ativismo para preservar as sequoias do oeste norte-americano. En- Um estudo de 2018 classificou as espécies de gimnospermas
tretanto, em 1911, aos 73 anos, ele viajou para o outro extremo (plantas sem flores) no mundo segundo sua história evolutiva e
das Américas em busca de uma espécie de árvore diferente, um risco de extinção. Das quatro espécies identificadas como tendo a
gigante das florestas que ele só tinha visto em fotos: a araucária. maior prioridade de conservação, três foram Araucariaceae: o pi-
Nas montanhas nubladas do Sul do Brasil, Muir caminhou entre nheiro Wollemi, a araucária brasileira e a Kauri.
as coníferas de copa plana por uma semana e escreveu em
seu diário: “Manhã chuvosa. Araucárias por centenas
e milhares. Paisagem maravilhosa”. Ele havia visi- John Muir descreveu as araucárias como as árvores mais interes-
tado a Amazônia recentemente, mas as araucá- santes que ele já viu. Crédito: Arquivos do Goga Park/Flickr.
rias eram as árvores que ele queria ver antes
de morrer. Foi, como escreveu, a floresta
mais interessante que ele já havia visto
em sua vida. A ilha dos
As araucárias do Brasil pertencem
à família ancestral das Araucariace- tesouros
ae, as quais eram encontradas em
todo o mundo durante os períodos Apesar da distribuição geográ-
Jurássico e Cretáceo (entre 200 e fica dessa família ancestral, quase
65 milhões de anos atrás). Algumas metade das espécies vivas – 19 de
pesquisas sugerem que, devido as 45 – se encontra somente em um
suas folhas ricas em energia e com pequeno arquipélago do Pacífico,
baixa fermentação, elas eram um ali- Nova Caledônia, cerca de 1.000 qui-
mento essencial para os dinossauros lômetros da Austrália.
saurópodes. Essas ilhas tropicais montanhosas abri-
Atualmente, os três gêneros sobreviven- gam cinco espécies de Agathis e quatorze
tes dessa família estão limitados ao hemisfério de Araucária. “Essas plantas são maravi-
sul. E, como os dinossauros que antes vagavam lhosas, são diferentes de qualquer outra”, diz
entre eles, essas árvores de aparência peculiar agora Robert Nasi, diretor geral do Centro de Pesquisa
estão em risco de extinção. Florestal Internacional (CIFOR). Como parte de sua pes-
Dentro da família Araucariaceae, existem 20 espécies no gêne- quisa para obter seu título de mestrado, Nasi mapeou a distribui-
ro Araucária, incluindo o Araucaria araucanaou Monkey-Puzzle do ção das diferentes espécies de Araucariaceae nas ilhas.
Chile, o Hoop Pine da Austrália e Papua-Nova Guiné e o Norfolk Algumas crescem apenas na atitude das montanhas chuvosas
Island Pine da Ilha Norfolk. Outras 22 espécies pertencem ao gêne- e nubladas da Nova Caledônia, algumas entre florestas de folhas
ro Agathis, encontrado no Pacífico Sul e no Sudeste Asiático, dos largas e outras em recifes rochosos elevados, próximos à costa.
quais o mais famoso é a árvore colossal Kauri, da Nova Zelândia. E “Então você tem todas essas esquisitices que parecem esconder um
o gênero Wollemia, da Austrália, contém apenas uma espécie, um dinossauro por trás”, diz Nasi. “Você olha para ver que tipo de
“fóssil vivo” espetacular tão somente descoberto em 1994, dentro monstro antediluviano vai pular do outro lado.”
de sua última fortaleza em um cânion escondido localizado próxi- A Nova Caledônia está isolada de outras massas terrestres há
JustiçaECO 13

Meio Ambiente

pelo menos 45 milhões de anos, sua geologia é complexa e possui Cris Brack, cientista florestal da Universidade Nacional da Austrá-
uma ampla variedade de ecossistemas em uma superfície de ape- lia em Canberra. “Sabíamos que algo como esta árvore havia exis-
nas 18.275 quilômetros quadrados – metade do tamanho da Suí- tido em todo o continente, e depois desapareceu”.
ça. O resultado é uma biodiversidade exuberante, não apenas em Acreditava-se que eles estavam extintos há milhões de anos. En-
Araucariaceae, mas também em plantas em geral: o arquipélago tão, em 1994, um guarda florestal, David Noble, fez rapel em um
possui 3.261 espécies nativas – quase tantas quanto toda a Europa desfiladeiro no Parque Nacional Wollemi, nas Montanhas Azuis, a
continental – o que a torna o menor hotspot de biodiversidade do noroeste de Sydney, e encontrou uma árvore imponente que ele
mundo. não reconheceu. Tinha folhas e cascas de samambaia cobertas de
Entretanto, com cada uma adaptada a um ambiente específico, bolhas cor de chocolate. “Foi realmente como encontrar um dinos-
as Araucariaceae da Nova Caledônia são vulneráveis. Uma espécie, sauro vivo”, disse Brack.
Araucaria scopulorum, é conhecida apenas em alguns locais onde Desde então, foram encontrados cerca de 100 pinheiros Wollemi
há mineração de níquel, uma das indústrias mais importantes do em quatro bosques no mesmo sistema de cânions, cuja localização
país. Contudo, esta não é a única ameaça, as mudanças climáticas é mantida em segredo para protegê-los de vandalismo ou introdu-
também representam um risco para muitas dessas espécies. ção acidental de phytophthora.
“Eu não acho que elas desaparecerão durante o nosso tempo de A análise genética revelou que a população tem uma diversida-
vida, mas também não acho que elas irão durar muito”, diz Nasi. de genética extremamente baixa, tornando-a menos resistente a
“Uma espécie restrita a uma faixa de 200 metros de altitude em ameaças.
uma montanha em uma ilha do Pacífico provavelmente não tem Em um esforço para preservar os pinheiros Wollemi para as ge-
um futuro esperançoso sob as mudanças climáticas”. rações futuras, os horticultores do Jardim Botânico Australiano no
Deveria haver mais esforço para propagar os tesouros botânicos Monte Annan desenvolveram um método de clonagem de árvores.
da Nova Caledônia e cultivá-los em coleções vivas, mesmo fora do Desde 2006 elas estão sendo plantadas em jardins familiares e bo-
país, afirma Nasi – e os últimos bastiões das espécies mais amea- tânicos na Austrália e em todo o mundo.
çadas devem ser totalmente protegidos da mineração e de outros O Royal Botanic Garden de Sydney lançou recentemente um
distúrbios. projeto de ciência cidadã, “I Spy a Wollemi Pine”, para tentar ras-
trear os diferentes ambientes nos quais as espécies podem crescer.
No final de 2019, enquanto a Austrália queimava, um incêndio

Combatendo incêndios e pragas na florestal sem precedentes começou no Parque Nacional Wollemi,
que acabou com mais de 444.000 hectares e se tornou o maior in-
Nova Zelândia e na Austrália cêndio florestal com ponto único de ignição na história australiana.
Brack acompanhou sua evolução e temeu que fosse a sentença
de morte para os pinheiros Wollemi na natureza. “Eu pensei, não
Um dos membros icônicos da família Araucariaceae na Nova Ze-
há como eles sobreviverem a esse incêndio.” Mas em janeiro, o go-
lândia, Agathis australis, está enfrentando outras ameaças. As ár-
verno de New South Wales anunciou que havia salvado as árvores
vores kauris podem viver por mais de 2.000 anos e crescer até 50
em uma missão secreta de resgate.
metros. Eles são considerados uma taonga, ou uma posse preciosa,
Aviões jogaram bombas de água e retardantes de fogo em um
pelos povos indígenas maoris.
anel ao redor da floresta. Alguns bombeiros foram levados de he-
Uma grande floresta de kauris já atingiu o norte do país, mas a
licóptero para o desfiladeiro para instalar e operar um sistema de
demanda por madeira e terras agrícolas após a chegada dos euro-
irrigação e manter o solo úmido. Poucas árvores saíram chamusca-
peus levou à destruição de 99,5% da mesma floresta no início do
das e outras duas foram incendiadas, mas o fogo terminou e o resto
século XX.
da população não foi afetada.
Alguns fragmentos ainda permanecem em áreas protegidas
O esforço valeu a pena, afirma Brack. Graças a produção de mu-
e em terras particulares, mas os kauris estão atualmente en-
das em viveiros, o pinheiro Wollemi não corre o risco de desapare-
frentando um novo inimigo – um patógeno do solo chamado
cer. Mas muitos mistérios sobre a genética e a biologia das espécies
Phytophthora agathidicida, também conhecido como ‘assassi-
permanecem, como por que quase foi extinto e como esse pequeno
no dos kauris’. Não há cura, mas os cientistas e os maoris estão
grupo sobreviveu por milênios.
trabalhando juntos, tentando combinar microbiologia e conhe-
Essas respostas só podem vir da população silvestre e das intera-
cimento antigo em um esforço para salvar as árvores.
ções das árvores com o solo, o clima e o ecossistema circundante.
O pinheiro Wollemi da Austrália, Wollemia nobilis, é ainda mais
“Poucas coisas vivem isoladas, (na verdade) elas vivem em comu-
raro e poderia ter desaparecido completamente em estado selva-
nidade”, afirma Brack.
gem no final de 2019, se não fosse por uma missão de resgate
ousada e secreta. Até a década de 1990, árvores como Wollemi
eram conhecidas apenas de registros antigos de pólen, segundo

Araucárias na Argentina. Crédito: Mariano Mante/Flickr.


14 JustiçaECO

Meio Ambiente

A floresta perdida do Brasil


entre 3 e 5% da extensão original da floresta permanece.
A exploração de araucárias hoje em dia é ilegal, mas uma
pesquisa realizada em 2019 descobriu que as mudanças cli-
Sabe-se mais sobre as espécies de araucária que Muir tanto máticas provavelmente levarão as espécies ainda mais perto
admirava, a Araucária angustifolia do Brasil. Elas são as es- da extinção.
pécies dominantes em um tipo de floresta que já se estendeu Oliver Wilson, da Universidade de Reading e seus colegas, usa-
por 200.000 quilômetros quadrados nos três estados do sul do ram simulações para combinar informações climáticas com mapas
Brasil – Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná – além de de vegetação e topografia de alta resolução. Eles previram que até
fazer parte da província argentina de Misiones. 2070, apenas 3,5% das florestas restantes serão adequadas para
Como parte do bioma da Mata Atlântica, outro hotspot da biodi- araucária e identificaram pequenos refúgios – áreas frias e úmidas
versidade global, a araucária abrigava uma variedade de palmeiras onde as árvores poderiam sobreviver – mas descobriram que mais
endêmicas, arbustos e árvores frutíferas, incluindo Ilex paragua- de um terço dessas áreas já havia sido desmatada.
riensis, cujas folhas são usadas no sul da América do Sul para pro- As araucárias já haviam sobrevivido à grandes mudanças climá-
duzir a popular bebida quente conhecida como mate (espanhol) ou ticas (afinal, elas têm estado presentes há quase 100 milhões de
chimarrão (português). anos). Entretanto, embora no passado as florestas pudessem mu-
As árvores eram uma fonte crucial de alimento para pássaros, dar para cima e para baixo no continente sul-americano na medida
mamíferos e os primeiros habitantes nativos da região, que os ar- em que o clima flutuava, agora estão essencialmente presas, revela
queólogos chamam de proto-Jê do Sul. No outono, eles coletavam Wilson.
das árvores cones gigantes cheios de sementes nutritivas e ricas em “Elas existem no extremo sul das terras altas do sul do Bra-
amido, chamadas pinhão. A araucária ainda faz parte da cultura ri- sil. Elas não podem subir muito mais. Estão presas a oeste pelo
tual dos sobreviventes do sul do Jês, dos povos indígenas Kaingang desmatamento, ao sul por elevações baixas e ao norte pela mu-
e Xokleng-Laklãnõ. dança de clima. É como se o clima e as ações humanas juntas
Evidências arqueológicas recentes indicam que há quase 1.000 estivessem se aproximando. Elas não têm mais para onde ir.”
anos, os Jês do Sul ajudaram as florestas de araucária a se expan- Ainda assim, algumas intervenções direcionadas podem garantir
direm de sua distribuição natural limitada para cobrir quase todo o sua sobrevivência na natureza, revela Wilson. Isso poderia incluir
platô, mas não se sabe ainda como ou por quê. maior proteção nos pontos climáticos mais adequados, refloresta-
Após a colonização do Brasil, os seres humanos começaram mento e adaptação das regulamentações para incentivar os pro-
a causar o efeito oposto na floresta, derrubando-a para obter prietários de terras a conservar e restaurar a araucária em regiões
madeira e abrir caminho para a agricultura. de pastagem.
Na época da visita de Muir, no início do século XX, as serrarias já Também podemos descobrir mais sobre como o Jê do Sul mane-
estavam em operação. Na década de 1940, a madeira de araucária java a floresta, declara Wilson.
brasileira foi um dos principais insumos usados para reconstruir a “Se, há 1000 anos, eles aumentaram essas florestas diante de um
Europa após a Segunda Guerra Mundial, e cerca de 100 milhões de clima que não os ajudava, talvez possamos aprender lições para
árvores foram derrubadas entre 1930 e 1990. Atualmente, apenas ajudar a floresta a persistir”.

Se, há 1000 anos, eles aumentaram essas flo-


restas diante de um clima que não os ajudava,
talvez possamos aprender lições para ajudar
a floresta a persistir.

A história faz parte da série Landscape News Forgotten Forests. Tradução de Márcio Lázaro. Este texto foi originalmente veiculado no portal O ECO, parceiro do OJC.

EKÔA PARK, MATA ATLÂNTICA, MORRETES, PR


JustiçaECO 15

Meio Ambiente

A ENGORDA DE PRAIA JÁ
FUNCIONOU EM ALGUM
LUGAR DO BRASIL?

Um exemplo com intenções bastante


duvidosas, que vem do Paraná, nos
motivou a fazer a investigação e também
contar nesta reportagem as incoerências
que envolvem esta possibilidade. De
modo bastante inconsistente, ela vem
sendo apoiada pelo Governo do Estado
Crédito: AEN

Em um contexto de mudanças climáticas dos. Ampliar a faixa de areia em áreas nesta reportagem as incoerências que en-
globais, sabe-se que as regiões costeiras se- afetadas pelo avanço do mar é um tema volvem esta possibilidade. De modo bas-
rão as primeiras a serem afetadas com o recorrente em épocas de eleição e, em tante inconsistente, ela vem sendo apoia-
aumento no nível dos oceanos. O Jornal sua maioria, tem efeitos temporários. da pelo Governo do Estado.
JustiçaECO pesquisou experiências seme- Um exemplo com intenções bastante du-
lhantes para entender como funciona esse vidosas, que vem do Paraná, nos motivou
tipo de obra e o que foi obtido de resulta- a fazer a investigação e também contar

Engorda da Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro

1893 1923

1956 2007

Crédito: Coleção Estudos Cariocas - O Rio de Janeiro e a sua orla: história, projetos e identidade carioca (2009)

Uma das primeiras experiências com alargamento de praia feita Enseada de Botafogo. A granulação, segundo antigos moradores,
no Brasil foi no Rio de Janeiro, na praia de Copacabana. Cartão é semelhante à areia original, mas muito mais escura. O aterro
postal nacional, a praia possuía uma faixa com uma areia fina e gigantesco afastou o mar oitenta metros da zona de arrebentação
branca que ficou conhecida mundo afora pela sua delicadeza e be- original, o que faz com que, em alguns pontos, seja a causa de in-
leza. festações de fungos e parasitas.
As obras começaram na década de 1970 e trouxeram areia da
16 JustiçaECO

Meio Ambiente

Mesmo após a “engorda”, Piçarras ainda


Além da engorda, o projeto contou com alargamento da Avenida
Atlântica, estacionamento e calçadas em pedra portuguesa, com
desenho de ondas em preto e branco, projetadas pelo paisagista
Roberto Burle-Marx. A praia perdeu sua característica original da convive com as inundações
areia fina e clara, mas por muitos anos ficou livre de grandes inun-
dações.
Em Piçarras, litoral norte de Santa Catarina, foi feito o engor-
O custo da obra estava previsto na época em NCr$ 20.000.000,00,
damento da faixa de areia e o aterro já passou por várias obras de
o que representava 5% do orçamento do Estado do Rio de Janeiro,
manutenção. Desde a década de 1980, o balneário era destruído
mas no final foi bem maior, com números que são um verdadeiro
pelo avanço do Oceano Atlântico. As ressacas, de forma cíclica, re-
mistério contábil.
moviam a areia da orla central. As ondas também comprometiam
Por muitos anos, Copacabana teve uma tranquilidade com as
a infraestrutura urbana, redes de drenagem, esgotos domiciliares e
ressacas e marés altas. Mesmo com o serviço de manutenção, a
o calçadão da avenida Beira Mar.
faixa de areia foi reduzida em 10% na última década. Já houve
Nos anos 1990, a cidade viu a orla ser engolida pelas ressacas,
sérios episódios climáticos que ameaçaram este projeto, expondo,
que levaram o município a uma grande crise no setor turístico,
inclusive, as pedras colocadas no século passado como barreira de
fundamental para a economia local. A primeira recuperação foi
contenção e que ficaram por muito tempo encobertas pelo aterro.
executada em 1999, quando uma draga de origem belga realizou
um aterro hidráulico e recuperou a faixa de areia.
Doze anos depois, a prefeitura empregou tecnologia parecida
para refazer o que a força do mar destruiu. Também foi instalada
uma tubulação para fazer o escoamento da avenida Beira Mar em
águas mais profundas. A areia para o aterramento da praia foi re-
tirada a 12 km da costa, porque a areia fina, nativa, é a primeira a
ser levada pelas marés.
O projeto de engordamento da faixa de areia precisa de ma-
nutenção para ser eficiente, mas nem sempre é o suficiente.
Em Piçarras, o mar não deu trégua e, no ano passado, a maré
alta voltou a destruir com violência parte da orla.
Outro aspecto é a aparência dos “espigões”, como são chamadas
as estruturas para desviar as correntes marítimas. O impacto visual
na paisagem é terrível. São imensos muros de pedra e teias de me-
tal que seguem mar adentro.

Mesmo com as obras, as ressacas voltaram encobrir a faixa


de areia e a ameaçar construções. Crédito: O Globo

Em Piçarras, litoral norte de Santa Catarina, foi feito o


processo de “engorda” para recuperar a faixa de areia
que incluiu a construção de imensos “espigões” para
desviar e segurar as correntes marinhas.
A praia de Copacabana possuía uma larga faixa de areia fina Crédito: Governo de Santa Catarina/divulgação
e branca. Crédito: oriodeantigamente.blogspot.com

A areia foi retirada a 12 quilômetros da costa e é um


pouco mais grossa do que a areia nativa da praia.
Crédito: Governo de Santa Catarina.

Obras de alargamento da praia de Copacabana.


Crédito: saudadesdoriodoluizd.blogspot.com
JustiçaECO 17

Meio Ambiente

Água empoça e forma lago com lodo na


praia de Jaboatão após aterramento
Em Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco, a obra foi reali-
zada em 2013, com a colocação de um volume de areia de 850
mil metros cúbicos e um custo de R$ 41,5 milhões, dinheiro do
Ministério de Integração Nacional e do município. Até a engorda
acontecer, o mar havia destruído completamente a faixa de areia e
ameaçado a estrutura dos edifícios.
O município tinha apenas 300 metros de praia, passou a ter 5,8
quilômetros após a engorda. Mas cinco anos após a obra, alguns
trechos voltaram a ser engolidos pela água. Em alguns pontos, a
areia foi totalmente levada pelo mar, em outros, a água ficou em-
poçada, criando um banhado na frente das construções.

Mesmo com a “engorda da praia” Piçarras sofreu novamente a ação das marés e das
ressacas que destroem a orla. Crédito: Prefeitura de Piçarras.

Impacto visual
A imagem dos “espigões” reais em Piçarras é bem diferente do
projeto apresentado pelo Paraná para divulgar a obra. Na imagem,
a simulação da barreira de contenção possui uma aparência bem
agradável e conta ainda com uma extensa faixa de areia branca e
uma significativa faixa de restinga que harmonizam perfeitamente
com a água azul.
Para execução de um projeto assim, seria necessária uma
Jaboatão com água empoçada. Crédito: G1 /Globo
obra do porte de Copacabana, com 80 metros de aterro para
manter a estrutura imobiliária existente.

Em 2017, começaram novas obras para instalação de estruturas


de quebra-mar para conter a ação de ondas canalizadas e evitar
a erosão da praia. Também foi feita a reposição de areia em três
trechos, entre Candeias e Piedade. O custo das intervenções foi de
cerca de R$ 1,2 milhão.
Após execução da obra, a praia passa por um longo período de
retrabalhamento de sedimentos, ficando mole e instável, até atin-
gir a sua forma de equilíbrio, o que significa que a praia passa-
rá por mudanças contínuas em sua dinâmica sedimentar durante
muitos anos.
O monitoramento da praia pós-obra fica a cargo do município
que deve prever recursos para as obras de manutenção que não
são baratas.

Espigão de Piçarras. Crédito: Felipe Bieging/ADJORISC

Projeto Matinhos. Crédito: AEN


18 JustiçaECO

Meio Ambiente

Por que as ressacas acontecem? mana aumentou a intensidade desses eventos globalmen-
te com as mudanças climáticas e localmente com ocupação
imobiliária nas orlas. As construções irregulares no litoral não
As ressacas são consequência da elevação do nível do mar só destroem a paisagem, como contribuem para uma destrui-
durante eventos repentinos que ocorrem nos oceanos. Costu- ção de proporções ainda maiores.
mam ser mais comuns durante o inverno e a primavera, A Universidade Federal do Paraná (UFPR) fez uma pesquisa
quando frentes frias e ciclones extratropicais se formam e ouviu 115 moradores do litoral do Paraná, que estão no local
com maior frequência, mas podem acontecer em qualquer há mais de 70 anos. A grande maioria percebeu alterações evi-
época do ano. Quanto mais forte o vento, maior será a altura dentes no clima, com ressacas mais fortes e frequentes.
das ondas que chegam à costa. Nada pode, ou deve, ser construído em cima da areia da
A destruição é maior quando as praias são abertas e há praia, de dunas e restinga. Os nativos da costa sabem disso
construções irregulares perto da areia. O formato do fundo e constroem suas casas no interior. Em Matinhos, morado-
marinho e a direção em que a praia aponta, também são fato- res permanentes, em sua maioria (mais de 80%), ocupam
res que influenciam. residências afastadas da orla. As construções à beira mar
Apesar de a ressaca ser um processo natural, a ação hu- são, fundamentalmente, imóveis de temporada.

Engorda da praia de Matinhos: especialistas contestam projeto apresentado


pelo Governo do Paraná como solução para as ressacas no litoral

O anúncio das obras de revitalização em custo para manter os anteparos artifi- previsto um volume de areia de 3.222.250
Matinhos, praia do litoral do Paraná, foi ciais. m3. Porém, não existe comprovação da
feito com grande alarde. Imagens e víde- A pedido do Ministério Público do Pa- ocorrência de jazida de areia em volu-
os simulam o resultado para convencer a raná, um grupo formado por 17 pesqui- me e características adequadas para re-
população pela estética do projeto. Mas sadores da UFPR, com ampla experiência alizar o aterramento proposto. Ou seja:
sobre os detalhes técnicos e como será a em pesquisa e atuação no litoral do Para- o volume da jazida não foi adequada-
execução, pouco foi apresentado. A reação ná, elaborou uma segunda nota técnica mente determinado, o que é grave, já que
da comunidade científica foi imediata. O sobre a proposta de revitalização e en- recursos públicos serão destinados a uma
impacto ambiental, social e paisagístico gordamento da orla de Matinhos. Entre obra sem viabilidade técnica demonstra-
da proposta será imenso e não há licen- eles, há quatro geólogos, três oceanógra- da”, aponta o texto da nota técnica.
ciamento ambiental para as interven- fos, dois geógrafos, quatro biólogos, além O Grupo de Trabalho também reforça
ções propostas. O que existe é um licen- de um engenheiro cartógrafo, um advoga- que, tanto as empresas envolvidas na pro-
ciamento para outro projeto, de 2009, do, um químico e uma socióloga, todos re- posta quanto o Estado, não se preocupa-
totalmente diferente e com impactos ferência em suas áreas de pesquisa. ram em fazer um estudo específico para
bem menores que o desenho atual. Uma primeira nota técnica já havia trazi- saber de que modo a engorda da praia
A obra tem um custo estimado de R$ do uma série de questionamentos e críticas vai alterar a arrebentação das ondas e a
513 milhões, o que significa também um à proposta. A segunda, tornada pública prática de surf, tradicional em Matinhos.
maior endividamento do Estado. O em- dia 1º de dezembro – depois de a equi- De acordo com a nota, todo o projeto
préstimo será feito junto ao Banco do Bra- pe ter tido acesso a mais documentos e é passível de questionamentos na Jus-
sil e Caixa Econômica Federal, conta que contatos com o próprio governo – teve tiça. Além de inconsistências envolvendo
será paga com dinheiro público e que fi- as críticas acentuadas e feitas com ain- o licenciamento ambiental, o projeto não
cará a cargo dos próximos governos. Já a da mais propriedade. Recomendações tem embasamento técnico, não houve
manutenção do empreendimento deverá técnicas alternativas ao projeto, mais participação pública, nem aderência ao
ficar sob responsabilidade do município e baratas e com maior eficiência, também plano diretor municipal e ao Plano de
não é barata, pelo contrário. foram feitas na nota. Desenvolvimento Sustentável do Lito-
A engorda de praia, na prática, é o alar- Foi esse grupo que analisou os estudos ral, o PDS.
gamento da faixa de areia com obras de apresentados pelo Governo para confirmar
aterramento e colocação de areia dragada que as guias-correntes, ou “espigões” ins-
de outro local. O projeto do Estado prevê a talados na foz de rios e canais, não servem
colocação de blocos de rocha compactados para controle de erosão, pelo contrário,
em uma faixa de oito quilômetros, na Ave- alteram a dinâmica costeira com impac-
nida Atlântica e Avenida Beira Mar. tos negativos irreversíveis e permanentes.
As imensas barreiras da costa até o mar Para os pesquisadores, os “espigões”
mudam a dinâmica do oceano e causam em formato de headlands (com uma
um grande impacto visual e ambiental. O praça e mirante na ponta) foram ado-
projeto atual prevê um par de guias-cor-
rentes no canal da Avenida Paraná, outro
tados apenas por critérios paisagísticos
e trazem grandes prejuízos ambientais,
...o volume da jazida não foi
par na foz do Rio Matinhos e um terceiro além de serem incompatíveis com a pai- adequadamente determinado,
par na foz de um canal artificial a ser esca- sagem natural de uma região tombada
vado no Balneário Saint Etienne. pelo Patrimônio Histórico. o que é grave, já que recursos
A obra prevê, ainda, um espigão ao Nor-
te da Praia Brava, e dois headlands (es-
Com base na experiência técnico-cien-
tífica da equipe, o bloqueio físico des-
públicos serão destinados
pigões com alargamento na extremidade sas estruturas vai provocar acúmulo de a uma obra sem viabilidade
voltada para o mar) localizados nos bal- areia do lado sul das construções e, con-
neários Riviera e Saint Etienne. Também sequentemente, erosão costeira do lado técnica demonstrada.
estão previstas a reposição de areia com norte, ou seja, transferir o problema de
engordamento artificial, obras de macro- Matinhos para Pontal do Paraná.
drenagem e microdrenagem, revitaliza- Outro problema grave é que não há
ção urbanística e pavimentação. Mas não comprovação de que exista areia para
existe qualquer projeto de manutenção esse empreendimento: “Para a alimen-
associado ao real dimensionamento do tação artificial da praia de Matinhos está
JustiçaECO 19

Meio Ambiente

“Este grupo de trabalho ratifica seu ta já está comprometida.


alerta para as consequências ambientais, “Na praia central de Matinhos, não há mais nem vestígios da área de Restinga.
paisagísticas e financeiras do empreendi- Houve uma ocupação desordenada anterior à legislação vigente, feita por pessoas que com-
mento, assim como para a qualidade de praram legalmente os terrenos e por isso teriam direito a indenizações em caso de desocu-
vida da população afetada, especialmente pação. Mas também há ilegalidades, ocupações posteriores. Por ausência de fiscalização e
a longo prazo. A insistência em se man- pelo risco que esses proprietários assumiram, não caberia qualquer tipo de indenização”,
ter este empreendimento, mesmo frente argumenta Vedor.
às inconsistências técnicas apontadas, Cabe lembrar que o Plano de Desenvolvimento Sustentável do Litoral (PDS), finalizado
significará, de fato, protelar a solução no ano passado, a um custo de aproximadamente R$ 5 milhões, foi o maior investimento
dos problemas ou até mesmo intensi- que o Estado realizou até hoje no que se refere a planejamento para o litoral. Houve
ficá-los ou transferi-los para outras lo- ampla participação da sociedade nas discussões que envolveram 76 projetos. A engorda de
calidades do litoral paranaense. Assim, Matinhos sequer entrou na pauta das discussões.
recomenda-se fortemente a reformula- Giem Guimarães, diretor-executivo do Observatório de Justiça e Conservação (OJC), re-
ção da proposta conceitual e do projeto, força que as notas técnicas são a prova de que o governo Ratinho Jr. não está nem um pou-
alinhando-as com as melhores práticas co preocupado com as prioridades no Estado do Paraná: “Esse projeto deveria se chamar ‘o
recomendadas por documentos orien- Engodo da Praia’, e não ‘a Engorda da Praia’, porque não faz, nem devia fazer, parte das
tadores do assunto, tanto na literatura prioridades para o Estado. Trata-se, portanto, de uma obra desnecessária com cunho mera-
especializada como em nível federal.” mente eleitoreiro. Por que aplicar tanto dinheiro em uma obra de estética no litoral?
Um dos pesquisadores envolvidos no Para simplesmente angariar votos”.
grupo de trabalho é Daniel Telles, coor- O Governo do Paraná também ignorou recomendações do Guia de Diretrizes de Pre-
denador do Laboratório de Geografia venção e Proteção à Erosão Costeira (2018), resultado de quatro anos de trabalhos e
Marinha e Gestão Costeira do Centro de articulações entre representantes de diversos órgãos e instituições. O documento foi plane-
Estudos do Mar (CEM/UFPR). Para ele, o jado para dar subsídios à tomada de decisões dos responsáveis pelas obras costeiras. O Guia
projeto foi trazido em uma perspectiva de deixa claro que a intervenção em linhas de costa com colocação de “próteses”, ou obras
monólogo por parte do governo e merece rígidas, deve ser evitada, pois resultam em problemas futuros repassados a outras áreas.
ser analisado em sua essência e não só na No caso de Matinhos, o impacto deve ocorrer com o Balneário de Saint Etienne, que não
aparência, pelas maquetes apresentadas. sofre erosão.
Para Telles, a solução não é simples.
“A engorda de praia é um assunto de alta
complexidade dentro da Ciência do Mar, e
que toca diferentes países costeiros mundo
afora. Esse recurso inicial é só um primeiro
investimento. O projeto exige, dentro das
experiências já conhecidas, a manutenção
das obras e monitoramento. Quanto mais
você interfere em uma paisagem natural,
maior o custo de manutenção exigido dos
cofres públicos”.
O litoral brasileiro tem sofrido com
ressacas cada vez mais fortes, erosões
seríssimas e enchentes. As ondas avan-
çam sobre ruas, casas e comércios. É o
caso do município de Matinhos, no Para-
ná, que passou, ao longo da história, por
um processo indevido de urbanização
que ocupou e destruiu toda a faixa de
restinga, ecossistema associado ao bioma
Mata Atlântica que tem, entre suas fun- Matinhos possui 36 balneários. Na Praia Central e no balneário de Riviera, se construiu
ções, o controle das inundações. A vegeta- dentro da linha de faixa de areia, então, naturalmente, o mar retomará essas áreas.
Crédito: Agência Estadual de Notícias
ção da Restinga serve como uma barreira
e é capaz de absorver ou segurar grande
parte da água após a alta das marés.
Para pessoas desatentas ou com pou-
co conhecimento, pode parecer apenas
“mato”, mas seus arbustos, flores, plantas
rasteiras e árvores de diversos tamanhos
formam uma rica floresta. É a barreira
mais eficaz para proteger a cidade do
aumento do nível do mar. Sem a restin-
ga, nada impede a água de avançar cada
vez mais. Nem uma milionária obra de
aterramento da praia.
Para o professor Eduardo Vedor, coorde-
nador do Laboratório de Geoprocessamen-
to e Estudos Ambientais (LAGEAMB) da
UFPR, que também participou do estudo,
existe uma pressão e um lobby do se-
tor imobiliário, que busca valorizar os
empreendimentos que já existem com
esse tipo de revitalização proposta.
Mas, para ele, é muito mais barato de-
sapropriar os imóveis e ressarcir os mo-
radores e comerciantes do que investir
em um processo de engorda de praia. O
professor esclarece que a desapropria-
ção envolveria de 15 a 20 imóveis na
Praia Central, local onde a linha de cos-
20 JustiçaECO

Meio Ambiente

Quais são as alternativas?


Toda a paisagem da orla marítima é tombada pelo Governo
Estadual, por meio da Secretaria de Estado da Cultura e Coorde-
nadoria do Patrimônio Cultural (CPC), sendo obrigatória por lei
a preservação de bens de valor histórico, cultural, arquitetônico O grupo de trabalho da UFPR propõe Soluções Baseadas na Na-
e ambiental, impedindo que venham a ser destruídos ou desca- tureza, mais baratas e eficientes. O ponto de partida é a desocu-
racterizados. Qualquer intervenção exige aprovação do Conselho pação das áreas em ambiente que deveria ser de restinga, e recu-
Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Cepha). peração dessa vegetação para conter as ressacas.
O oceanógrafo e biólogo Paulo Lana, foi conselheiro do Cepha Além disso, é possível recuperar a faixa dinâmica da praia, com a
na época em que houve debate da necessidade de obras em Mati- reconstrução das dunas frontais. Os “espigões” podem ser subs-
nhos. Mas Lana foi surpreendido com o novo projeto, totalmen- tituídos por recifes artificiais submersos. “Os recifes têm poten-
te diferente do que foi discutido no passado com o Projeto Orla cial de funcionar como atrativo turístico de mergulho e cumprem
(2000) e o Paraná Cidade (2009). o papel de reduzir a energia das ondas. Com ondas mais fracas, o
“Esse empreendimento, por maiores que possam ser suas justi- sedimento artificialmente depositado se mantém, com um custo
ficativas, em face dos processos de erosão, vai gerar uma grande menor e benefícios sociais e ambientais relevantes”, esclarece Edu-
intervenção paisagística, além das questões ambientais, geo- ardo Vedor.
lógicas e marinhas. Então, deve ser objeto de uma reflexão Outra questão fundamental é o saneamento básico. Afinal, de
técnica ainda maior de todos os órgãos responsáveis. É uma que adianta ter uma orla revitalizada e o Rio Matinhos estar
nova proposta. Ela não pode e não deve ser aprovada com base completamente poluído? A urgência está na despoluição, desobs-
em análises de dez anos atrás, feitas para outro empreendimento”. trução e recuperação das margens e da navegabilidade.
O geólogo Rodolfo José Angulo, do Laboratório de Estudos Cos- A pesquisadora Camila Domit, do Laboratório de Ecologia e
teiros da UFPR, foi o coordenador do Estudo de Impacto Ambiental Conservação (UFPR), lembra que a maior colônia de pesca artesa-
feito em 2009, e conta sobre a preocupação quando surgiu o novo nal do estado está em Matinhos e a despoluição vai beneficiar toda
projeto do IAT, em 2019: “Vendo o material de divulgação na im- a sociedade e a fauna marinha.
prensa e na internet, percebi que era um projeto totalmente am- “Mesmo os animais que são capturados pela pesca, muitos de-
pliado, com novas linhas correntes, canais artificiais e novos obje- les já estão com doenças, com patologias fúngicas, bacterianas e
tivos. Eu tentei acessar esse projeto, fui pessoalmente ao Instituto, virais, que são características de um animal imunossuprimido pela
para saber sobre o novo estudo de impacto ambiental, porque não contaminação da água. Hoje em dia, com a Covid-19, as pessoas
achava adequado usar aquele antigo. Do ponto de vista técnico, têm ouvido muito sobre comorbidades, e a fauna também tem.
sempre fui contra essas intervenções rígidas, chamadas como Existe um problema que não enxergamos na natureza, que é essa
guias-correntes, headlanders ou espigões. Elas alteram toda a poluição química, por esgoto e pelo microplástico. Ela passa pela
dinâmica costeira. Esse tipo de obra não se recomenda desde fauna muito rápido e reduz muito a população marinha. As conse-
os anos 50, 60 do século passado. Ela pode causar problemas quências de médio e longo prazo devem estar no nosso radar em
irreversíveis em Pontal do Paraná e outros municípios. Uma obras como essa”, alerta Domit.
obra muito impactante e que está sendo proposta sem base
técnico-científica”, reforça Angulo.
“Esse espigão é um ‘Frankenstein’ previsto também para o Bal-
neário de Saint Etienne, que não tem problema de erosão, área
que, sequer, passou pelo estudo de impacto ambiental. Depois vão
dizer que o Ministério Público barrou o investimento, mas, in-
felizmente, o governo não cumpre o mínimo do que a lei exige
para a obra”, sentencia Eduardo Vedor.

Esse empreendimento, por maiores que possam ser suas justificativas, em


face dos processos de erosão, vai gerar uma grande intervenção paisagística, além
das questões ambientais, geológicas e marinhas. Então, deve ser objeto de uma re-
flexão técnica ainda maior de todos os órgãos responsáveis. É uma nova proposta.
Ela não pode e não deve ser aprovada com base em análises de dez anos atrás, feitas
para outro empreendimento.

Conflito de interesses
Um dos principais responsáveis técnicos pela nova proposta do IAT, professor Eduardo Felga Gobbi, é também conselheiro
do Cepha, ou seja, uma das pessoas que vão avaliar a nova proposta diante da questão paisagística. Um evidente conflito de
interesses, muito marcado, presente e significativo.
Outra suspeita recai sobre o engenheiro civil Eduardo Ratton, coordenador do Instituto Tecnológico de Transportes e Infra-
estrutura (ITTI), que assina os atuais estudos da engorda da praia de Matinhos. Ratton foi denunciado pelo jornal Gazeta
do Povo por usar dinheiro público de convênios com órgãos federais para bancar uma série de privilégios pessoais,
como viagens internacionais em hotéis de luxo, refeições em restaurantes de renome e até festas de confraternização.
De acordo com a Gazeta do Povo, Ratton é professor aposentado da UFPR e criou o ITTI em 2009, não para promover as
atividades fins da UFPR – como ensino, pesquisa e extensão –, mas para convênios com órgãos públicos. No ano passado, a
UFPR já foi condenada a devolver R$ 16 milhões, em razão de convênios executados pelo ITTI, órgão que atua em estradas
e gestão portuária sem nenhuma experiência em obras de engorda de praia.
JustiçaECO 21

Política

[ ENTREVISTA ]
com Marina Silva

O AFASTAMENTO
DO MINISTRO DO
MEIO AMBIENTE
É URGENTE OU OS Crédito: Site Carta Capital

PREJUÍZOS SERÃO compromisso com a agenda ambiental. Uns fizeram mais, outros
fizeram menos, mas é a primeira vez que temos um ministro que

ENORMES está na cadeira para sabotar a própria pasta.


O cenário atual me causa muita tristeza e indignação, porque
conseguimos, na minha gestão com ministra, fazer o plano que
reduziu o desmatamento em 83% por dez anos. Foi a maior con-
tribuição de um país para a redução de seu CO2 no âmbito da
convenção do protocolo de Kyoto. Cerca de quatro bilhões de to-
A ativista política, professora e historiadora, Marina Silva atua neladas de CO2 deixaram de ser lançadas na atmosfera e agora
dentro e fora do Brasil em defesa do meio ambiente do país e pelo estamos nessa situação. Não é por falta de experiência, gestão e es-
desenvolvimento sustentável há mais de três décadas. tratégia. Tudo isso existe e foi implementado com sucesso enorme.
Já foi vereadora, deputada estadual, senadora, Ministra do Meio O problema é que o atual governo não quis fazer.
Ambiente e três vezes candidata à presidência da República. Ela
conversou recentemente com a equipe do Observatório de Justiça Jornal JustiçaECO - O Ministério Público Federal pediu o afas-
e Conservação (OJC) sobre o momento atual do país e as perspec- tamento de Salles do cargo. É um começo?
tivas para o futuro.
Marina Silva - Sim, inclusive, a atitude do MPF está altamen-
Jornal JustiçaECO - Cada vez mais o Brasil é cobrado interna- te calçada na lei. Um ministro, antiambientalista, que foi lá para
cionalmente por providências contra o desmatamento, inclusive, sabotar, comete irregularidades, improbidade administrativa e
com ameaças de boicote a produtos nacionais. O que isso significa? prevaricação de suas funções com articulações contrárias à pasta.
Então, seu afastamento é urgente. O Brasil não pode caminhar na
Marina Silva - Essa sinalização é dada por investidores estran- contramão sob pena de continuar sofrendo embargos e vários tipos
geiros como uma avalanche em função do desmonte que esse go- de boicote em relação aos seus produtos. Nosso maior vetor de
verno fez da política. Em função também dos resultados terríveis emissão de CO2 é em função de desmatamento. Se não cuidarmos
que temos em relação ao desmatamento da Amazônia, que come- dessa agenda, os prejuízos serão enormes.
çou no ano passado, com uma situação fora de controle, e que, nes-
te ano, dá indícios de que será pior. As articulações que prejudicam Jornal JustiçaECO - Qual sua opinião sobre o presidente Jair
os interesses econômicos do Brasil ocorrem em função da falta de Bolsonaro e o vice-presidente Hamilton Mourão, responsável pelo
cuidado, compromisso e responsabilidade do atual governo com os Conselho da Amazônia, negarem dados científicos sobre desmata-
nossos interesses ambientais, sociais e econômicos. mento e queimadas?
Os satélites não mentem e os investidores são muito bem infor-
mados. Não vai ser com propaganda enganosa que o governo vai Marina Silva - Ambos desqualificam as informações trazidas
reverter essa situação. Aliás, os que podem reverter essa situação pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e ainda na-
são os próprios empresários do agronegócio brasileiro. Eles têm turalizam o problema, dizendo que é comum porque os agriculto-
que assumir a responsabilidade porque, se deixar na mão do go- res estão preparando a terra. Quando dizem isso, mais uma vez
verno, o prejuízo ambiental, social e econômico será muito grande. querem justificar as queimadas que já extrapolaram tudo o que
tinha acontecido nos últimos 13 anos. Medidas tinham que ter sido
Jornal JustiçaECO - Como você enxerga a atuação do Ministro tomadas. Quando entrei no Ministério, em 2003, o desmatamento
Ricardo Salles? estava em uma curva de alta. Percebendo que aquilo não se resol-
via com ações isoladas do Ibama, pensamos um plano estruturado
Marina Silva - É o primeiro ministro "antiambiental" da história em cima de três diretrizes: combate às práticas ilegais, fortaleci-
do Brasil. Até na ditadura militar os responsáveis pela proteção aos mento das ações de comando e ordenamento territorial e fundiá-
recursos naturais eram pessoas que tinham uma história de relação rio com apoio às atividades produtivas sustentáveis. Esse plano foi
com o meio ambiente. De lá para cá, sempre tivemos ministros com implementado com a participação de 13 ministérios. A partir daí o
22 JustiçaECO

Política

desmatamento caiu por dez anos. Foram medidas muito bem pen- país da agricultura verde e de baixo carbono. A própria Embrapa
sadas, em parceria com a comunidade científica, a sociedade civil, já desenvolveu tecnologia e prova que não precisamos mais des-
a polícia federal e com o exército dando suporte, não tomando o truir florestas. O governo tem que parar com esse “Florestão”. Do
lugar do Ibama, como estão fazendo agora. mesmo jeito que, no Petrolão, o governo roubava dinheiro da Pe-
O plano existe, é só fazer as atualizações e começar a trabalhar: trobras para se perpetuar no poder, agora rouba recurso natural, o
recuperar o orçamento do Ministério do Meio Ambiente, parar de patrimônio dos brasileiros.
perseguir fiscais do Ibama quando estão cumprindo sua função e
articular com a polícia federal o trabalho de inteligência para der- Jornal JustiçaECO - No Paraná, há um projeto de lei em trami-
rotar o sistema criminoso de grilagem, garimpo ilegal e roubo de tação (PL 537/2019) para permitir o manejo, ou corte, de arau-
madeira na Amazônia. cárias, espécie ameaçada de extinção. Além disso, a obra de uma
Não será da noite para o dia, porque o governo estimulou os linha de transmissão vai derrubar milhares de pinheiros. O que a
criminosos e a coisa está fora de controle. Os órgãos ambientais sociedade pode fazer para impedir esse retrocesso ambiental?
estão desestruturados, as pessoas estão desmotivadas, com medo
porque são perseguidas, inclusive, na sua liberdade de expressão. Marina Silva - As Florestas com Araucária são uma benção, uma
Os funcionários não podem falar, nem conversar com a imprensa. beleza, uma maravilha que vocês têm. Quando era Ministra do
Eu preciso marcar hora em lugares exóticos como se estivéssemos Meio Ambiente criei, em parceria com o então governador, Roberto
na época da ditadura. Requião, as unidades de conservação para proteger esses rema-
nescentes de araucária, ameaçados de extinção. As pessoas ficam
Jornal JustiçaECO - Como avalia as ameaças às populações in- justificando que tem que ter projetos econômicos, que os interesses
dígenas neste cenário? econômicos são mais importantes do que os ambientais e eu costu-
mo dizer que é preciso buscar formas de compatibilizar. Qualquer
Marina Silva - A situação é muito preocupante, até mesmo atividade econômica ou intervenção dentro de uma unidade de
dramática, porque nesse momento elas estão sendo prejudicadas conservação precisa de um conjunto de estudos e de licença do
por várias frentes: a frente da contaminação pela COVID-19 que órgão ambiental. Não basta os projetos terem viabilidade econô-
já contaminou milhares de índios; a frente do garimpo ilegal; a mica. Precisam ser viáveis do ponto de vista econômico, social,
frente da exploração de madeira; a frente da grilagem de terra; e a ambiental e até mesmo cultural. Existem espécies endêmicas que
principal frente que é a ameaça do próprio governo, com um pro- só sobrevivem nesses ecossistemas, então, você não está apenas
jeto de lei para mudar as regras do jogo em relação a demarcação derrubando uma árvore, está desmontando todo um ecossistema,
das terras indígenas que é um marco temporal. uma cadeia de vida e de formas particulares.
Nós estamos em uma situação de muito sofrimento para essas Essa destruição é um crime contra a natureza e contra as futuras
populações e os índios são, sem sombra de dúvidas, os que mais gerações. Temos que parar com esse ciclo perverso de contar para
protegem a floresta. Estão há milhares de anos ocupando áreas os nossos filhos que antigamente existiam animais, araucárias, su-
com um índice de desmatamento quase zero, e eles têm conheci- maúmas, ipês. Não precisamos mais fazer isso. É preciso cumprir
mento e tecnologia de como usar e preservar a floresta. a lei e ter todo o cuidado com as intervenções. A necessidade das
E uma coisa que aconteceu no Brasil, e acontece de um modo ge- obras e a capacidade de suporte devem comprovadas técnica e
ral nos países que têm grande cobertura florestal com populações cientificamente.
originárias, é que a nossa cultura ocidental chega a esses territórios
e quer usar a tecnologia dos índios para ser o maior produtor de Jornal JustiçaECO - Diante de tantos ataques e retrocessos,
grãos e de proteína animal, utilizando a técnica das coivaras. Essa quem trabalha na área ambiental tem que se manter firme, resistir
técnica de queimada foi criada pelos índios para pequenas clarei- sempre?
ras de subsistência, com baixíssimo impacto, já que depois a flores-
ta se recompõe completamente. Há todo um cuidado, com aceiros, Marina Silva - Sim. O Gilberto Gil, que eu gosto muito, diz em
para não pegar fogo na mata úmida. Mas imagina um fogaréu des- uma música. “O povo sabe o que quer. Mas o povo também quer
se numa mata que está ficando a cada ano mais estressada, com o que não sabe”. Isso é muito profundo, porque, muitas vezes, as
secas mais prolongadas chegando a um ponto de não recuperação, pessoas no aqui, agora, arriscam destruir recursos de milhares de
segundo os cientistas. anos pelo lucro de poucas décadas. Mas é função da justiça, dos le-
gisladores, do poder executivo e da própria sociedade fazer aquilo
Jornal JustiçaECO - Que medida deve ser tomada? que é necessário, correto.
Eu tive uma experiência muito forte no meu estado quando eu
Marina Silva - Primeiro você tenta convencer, depois constran- era senadora, por volta de 1996. O governo do Acre tentou fa-
ger e aí não tem jeito, tem que punir severamente. E é isso que zer uma estrada para ligar a capital Rio Branco ao segundo maior
esse governo não faz. O crime avança com a certeza da impuni- município, no vale do Juruá. A obra não tinha estudo de impacto
dade. Quando há expectativa de punição, as pessoas pensam duas ambiental, nem licitação. O Ministério Público entrou com uma
vezes. Foi isso que fizemos na minha gestão como ministra. ação e eu fui a única dos 16 parlamentares do meu esta-
Colocamos 725 criminosos na cadeia, implodimos 86 do que apoiou a ação do MP. Fiquei mais de quatro
pistas clandestinas na Amazônia, aplicamos mais anos sem poder andar na metade do meu estado
de R$ 4 bilhões em multas, apreendemos um sob pena de ser linchada. Houve uma revolta
milhão de metros cúbicos de madeira ile- muito grande porque a estrada era impor-
gal. Para quem não sabe o que que é isso, tante para a região, mas passava dentro
é como uma fila daqueles caminhões de unidades de conservação e terras
enormes de tora, um colado no outro, indígenas, e não havia um processo
de São Paulo ao Rio de Janeiro. Foi transparente de licitação.
isso que foi apreendido. Depois de quatro anos, a estrada
Vedamos o crédito para todos foi feita cumprindo os requerimen-
os ilegais, criminalizamos a cadeia tos necessários e as pessoas passa-
produtiva, inibimos mais de 35 mil ram a compreender que eu estava
propriedades de grilagem, criamos certa. No caso das hidrelétricas do
25 milhões de hectares de unidades Rio Madeira, em Rondônia, fize-
de conservação na frente da expan- mos um trabalho muito forte, com
são predatória, e o desmatamento várias condicionantes para implan-
caiu vertiginosamente por dez anos. tação e funcionamento das usinas.
Se o trabalho não tivesse sido descon- Depois que eu saí, flexibilizaram to-
tinuado a partir de 2012 com a Dilma, das as condicionantes que havíamos
depois com o Temer e agora com o pla- colocado.
no jogado na lata do lixo pelo Bolsonaro, o
Brasil estaria em outra situação. Poderíamos
Crédito: Nelson Almeida / AFP
ser uma potência agrícola e, ao mesmo tempo, o
JustiçaECO 23

Política

Tenho vários exemplos para mostrar que você não deve fazer é na natureza, então, o lobo precisa de ar puro, o cordeiro também.
aquilo que rende popularidade e voto, e sim o que precisa ser feito. O capitalista precisa de ar puro e o trabalhador também. O idoso
Tem que parar com essa história de políticas de curto prazo para precisa de água potável e o jovem também. O hétero preciso de
alongar o prazo dos políticos. Precisamos fazer políticas de longo terra fértil, e a pessoa de orientação sexual LGBTQ também.
prazo para deixar um legado para as gerações que virão. A natureza é um lugar de convergência. Do mesmo jeito que
você tem os capitalistas desenvolvimentistas, os socialistas desen-
Jornal JustiçaECO - Uma boa parte dos brasileiros é a favor volvimentistas, você vai ter que ter, agora, os sustentabilistas. Pode
do desenvolvimento que sacrifica o patrimônio natural. É falta da ser uma pessoa conservadora ou progressista, mas tem que ser sus-
compreensão das consequências que virão, entre elas, a escassez tentabilista, porque o ponto comum é a preservação das bases na-
de água? turais do nosso desenvolvimento.
Não é apenas uma maneira de fazer, uma visão de mundo, é um
Marina Silva - Sim, inclusive, em relação às questões referen- ideal de vida, um modelo para ser sustentado do ponto de vista
tes ao clima. Quanto mais desmatamento, quanto mais emissão de econômico, social, ambiental e cultural, ético e estético.
CO², mais descontrole hídrico, mais problemas como os ciclones, Então, o sustentabilismo é uma brincadeira que eu faço com as
por exemplo. Cientistas reforçam que esses processos estão cada palavras, porque muitas vezes as pessoas ficam querendo um rótu-
vez mais intensos em função das mudanças climáticas. São proces- lo, “você é socialista, capitalista…” Eu digo que sou sustentabilista
sos irreversíveis e ninguém pode se isentar da responsabilidade. progressista, porque eu defendo a proteção do meio ambiente, a
A lei trata questões dessa complexidade a partir daquilo que cha- justiça social, os direitos humanos e uma sociedade que seja inclu-
mamos, na área ambiental, de “princípio da precaução”. Quando dente.
sabemos que algo ruim vai acontecer e será um processo irrever-
sível, com consequências incalculáveis, devemos ser precavidos. O Jornal JustiçaECO - O custo do cuidado é sempre menor do que
que não se deve fazer é destruir as florestas. Muita gente diz: “mas o custo do reparo, de remediar a situação que já foi impactada?
a Mata Atlântica foi destruída, só sobrou menos de 8% e não acon-
teceu nada”. Isso não é verdade. Pesquisas mostram que as chuvas Marina Silva - Sempre! O Brasil tem no Acordo de Paris o com-
que eram produzidas pela Mata Atlântica não acontecem mais em promisso de recuperar algo em torno de 12 milhões de hectares de
função dessa mancha de destruição. E muitos pesquisadores já des- floresta destruída. Essa recomposição custaria algo em torno de R$
confiam que as secas em São Paulo e Rio de Janeiro, além de ou- 52 bilhões. Algo colocado ali pela natureza para nosso benefício.
tras regiões do país, já podem estar acontecendo em função dessa No entanto, o custo de reparar vai ser sempre maior do que o custo
mancha de quase 20% da Floresta Amazônica que foi destruída. de preservar.
Temos que parar com essa história de opor economia e ecolo-
Jornal JustiçaECO - Como incentivar a conservação e a restau- gia. 75% do PIB dos países em desenvolvimento dependem dos
ração das florestas? recursos naturais. Imagine se a gente perde isso. A biodiversidade
sustenta a economia dos países em desenvolvimento e particular-
Marina Silva - Com mecanismos de compensação financeira mente o nosso caso aqui na América do Sul.
para municípios que oferecem um serviço ambiental, um serviço
ecossistêmico para o estado e para a região. Existem municípios
que são verdadeiras indústrias de água e, sem elas, vai haver pre-
juízo econômico, social e ambiental para todos. A Amazônia é a
maior indústria de água do mundo. Ela produz 20 bilhões de tone-
ladas de água lançada na forma de vapor, responsável pelas chuvas
do sul, sudeste e centro-oeste.
Para produzir água assim seriam necessárias 50 mil Itaipus tra-
balhando 24 horas sem parar. É isso que a natureza oferece. A
floresta e os ecossistemas produzem serviços que nós não quanti-
ficamos, não precificamos, além, claro, da beleza. A floresta é um
verdadeiro monumento imagético, pictórico, acústico e tudo isso
tem que ser considerado na hora de preservar. Mas existem aqueles
que não têm essa sensibilidade ou, pelo menos, a racionalidade de
não destruir as bases naturais do nosso desenvolvimento.

Jornal JustiçaECO - As tentativas de economia ambiental que


surgem na Europa poderiam ser um espelho para o Brasil?

Marina Silva - Sim. Nós temos uma situação agora com a pan-
demia, em que vários governos no mundo debatem quais recursos
serão investidos para reerguer as economias que estão em profun-
da crise, com encolhimento do PIB global. Então o que a Holanda,
a França e a Inglaterra estão dizendo é que esses investimentos
têm que criar uma sinergia positiva, com empregos já alinhados
com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e o Acor-
do de Paris. Se nos Estados Unidos houver vitória dos democra-
tas, que defendem a questão ambiental e a economia verde, isso
vai criar uma força gravitacional nessa direção com Europa e EUA
no mesmo caminho. Quem não se ajustar a essa agenda vai ficar
trancado pelo lado de fora, e é isso que não devemos permitir que
aconteça no Brasil.

Jornal JustiçaECO - A senhora apresenta o “sustentabilismo”


como uma nova veia política, que supera a divisão ultrapassada,
entre esquerda e direita. Como seria essa nova política? A entrevista que Marina
Silva concedeu ao progra-
Marina Silva - Seja nas experiências do capitalismo ou do socia- ma Justiça e Conservação,
Aponte a câmera do
lismo, a natureza sempre foi negligenciada, colocada em segundo em julho de 2020, pode ser seu celular para o
plano. Mas se existe um lugar onde todos nos encontramos, é, exa- assistida aqui: QR Code
tamente, na natureza. Existe um versículo bíblico que diz que um
dia o leão iria conviver com a ovelha e assim por diante, o lobo com
o cordeiro e assim por diante. E o único lugar onde isso é possível,
24 JustiçaECO

Política

JANEIRO FEVEREIRO MARÇO


D S T Q Q S S D S T Q Q S S D S T Q Q S S

1-Confraternização Universal 16-Carnaval

JULHO AGOSTO SETEMBRO


D S T Q Q S S D S T Q Q S S D S T Q Q S S

7-Independência do Brasil
JustiçaECO 25

2021
2021
Política

Hanna
Hanna

SãoLuiz
São Luizdo
doPurunã
Purunã

1158metros
1158 metros

RaphaelSobania
Raphael Sobania
@sobania_aves
@sobania_aves
@raphael.sobania.1
@raphael.sobania.1

ABRIL
ABRIL MAIO
MAIO JUNHO
JUNHO
DD SS TT QQ QQ SS SS DD SS TT QQ QQ SS SS DD SS TT QQ QQ SS SS

2-Sexta-feira
2-Sexta-feira Santa
Santa / 21-Tiradentes
/ 21-Tiradentes 1-Dia
1-Dia dodo Trabalhador
Trabalhador 3-Corpus
3-Corpus Christi
Christi

OUTUBRO
OUTUBRO NOVEMBRO
NOVEMBRO DEZEMBRO
DEZEMBRO
DD SS TT QQ QQ SS SS DD SS TT QQ QQ SS SS DD SS TT QQ QQ SS SS

2-Finados
2-Finados / 15-Proclamação
/ 15-Proclamação dada República
República 25-Natal
25-Natal
26 JustiçaECO

Meio Ambiente

[ OPINIÃO ] Crédito: João Marcos Rosa

A AGONIA INSUPORTÁVEL DA
ONÇA-PANTANEIRA É A NOSSA
Observar onças-pintadas, símbolo
maior de um dos biomas mais belos e
importantes do planeta, morrerem
lentamente no meio de queimadas
provocadas intencionalmente e em
grande escala, mostra que nossa
condição de civilidade está num
patamar muito abaixo do mínimo
aceitável

Ao longo dos dois últimos anos, vivemos um agressivo processo sidade imediata de mudanças. Não há mais justificativas para a
de diminuição da capacidade de controle dos órgãos ambientais manutenção de uma situação tão caótica, pois todos os limites do
federais e também nas diversas instâncias estaduais. A bandeira do aceitável foram ultrapassados. E muito. Estamos sendo profunda-
“desenvolvimento a qualquer custo” passa a representar uma nova mente prejudicados por uma gestão pública imoral e inconsequen-
fase de avanço indiscriminado e irresponsável sobre o patrimônio te.
natural brasileiro. As atividades de alto impacto, como minera- A sociedade precisa remover da representação política todas as
ção, desmatamento e abertura de frentes agrícolas – que já se figuras culpadas pelo quadro atual, por ação e omissão. As mudan-
encontravam muito além de seus limites – avançam de forma ças de maior alcance terão de ocorrer em 2022, mas o momento
exponencial, estimuladas pela atual gestão pública. das eleições atuais (para prefeitos e vereadores) precisa represen-
Juntando-se a isso, eventos climáticos extremos têm aumen- tar um passo determinante. Trabalhemos ativamente para que a
tado os impactos negativos da ampla degradação do território, sociedade não eleja novamente os responsáveis ou parceiros
especialmente, em biomas como a Amazônia e o Pantanal, com de tantos crimes. Muitos estarão, em breve, pedindo nossos
o advento de queimadas criminosas de grandes proporções. Ao votos, ao mesmo tempo em que continuarão apoiando as pau-
contrário do que diz o discurso governamental, os avanços do des- tas destruidoras de nosso patrimônio natural.
matamento e das queimadas não são mera continuidade de prá- Mas não há tempo a perder. Recompor imediatamente uma con-
ticas correntes. São fenômenos intensamente incrementados pelo dição de norteamento adequado das políticas ambientais e de pro-
estímulo do governo, que atua de forma criminosa contra a maior teção do patrimônio natural é uma obrigação dos brasileiros e de
parte da sociedade brasileira. Adicionalmente, eventos extremos todas as suas instituições, públicas e privadas. Esta recomposição
têm causado efeitos drásticos em todos os biomas brasileiros, a deve ter início com a saída imediata do atual ministro do Meio Am-
exemplo do ciclone bomba de julho e dos dois tornados de agosto, biente, Ricardo Salles, responsável direto pela pior crise ambiental
que impactaram o Sul, em especial Santa Catarina, e deixaram um da história do Brasil, por assumir uma conduta radicalmente con-
rastro de destruição na Mata Atlântica. trária à sua missão na posição que ocupa indevidamente.
A cena brutal e descabida de onças-pintadas, com as patas Configura uma agressão sem limites a presença de um ministro
queimadas pelo fogo, prostradas em meio às cinzas da floresta, responsável por dar apoio à políticas que assassinam onças-pinta-
atingidas pelas queimadas que avançam sem controle no Pan- das e uma infinidade inimaginável de outros elementos da fauna e
tanal, esfrega na nossa cara a realidade que não dá mais para flora do Brasil. E que limita e compromete, de forma inconsequen-
esconder: todos temos responsabilidade sobre esses eventos te, a disponibilidade de serviços ecossistêmicos, dos quais não po-
que assolam o país. Como chegamos a uma condição dantesca em demos abrir mão, se quisermos ter esperanças reais de um futuro
proporções de impacto continental? melhor para todos nós.
Observar onças-pintadas, símbolo maior de um dos biomas mais
belos e importantes do planeta, morrerem lentamente no meio de Artigo escrito por Adalberto Eberhard, fundador da Ecotrópica, Clóvis Borges, diretor-executivo
queimadas provocadas intencionalmente e em grande escala, mos- da SPVS e Fernando Fernandez, professor da UFRJ.
tra que nossa condição de civilidade está num patamar muito abai-
xo do mínimo aceitável. Também nos permite uma avaliação mais
realista do que estamos fazendo com a natureza e com o futuro de Você sabia que existe um
nosso país. Se quisermos mudar, não será com as retóricas e com projeto de conservação da
os padrões falsos atualmente praticados. onça-pintada no Brasil?
Aponte a câmera do
O cenário de descontrole e total inconsequência do governo Acesse o QR Code ao lado seu celular para o
federal e de outras instâncias da sociedade reflete uma neces- e saiba mais. QR Code
JustiçaECO 27

Política

Crédito: Adriano Machado/Reuters via UOL

DESCONSTRUINDO
O BRASIL: COMO O
GOVERNO FEDERAL
ATUA NA CORROSÃO
DA DEMOCRACIA
E ELIMINA A
PARTICIPAÇÃO DA
SOCIEDADE CIVIL

A sociedade civil, que tinha direito a até 29 representantes no Conama, hoje tem apenas
seis, sendo quatro de entidades ambientalistas e dois do setor empresarial

Num malfadado jantar de extremistas extintos colegiados previstos no estatuto corrupção, criminalidade, questões de
nos Estados Unidos, o presidente Jair Bol- de instituições federais de ensino. saúde e escolaridade indígena.
sonaro teceu uma frase que ficou famosa Hoje, apesar de parcialmente infrutífe-
no mundo político. Ele disse que, antes de ra, a iniciativa da “desconstrução” men-
construir qualquer coisa no Brasil, “sua ta- cionada por Bolsonaro se manifestaria Redução drástica
refa seria a da desconstrução”. Isso seria através de diversos atos antidemocráticos
uma forma de livrar o Brasil do “comunis- totalmente contrários ao interesse público. O que ocorreu, portanto, foi que o STF
mo”, de acordo com a vertente terraplanis- Mais adiante, essa desconstrução demo- apenas freou parte dos ímpetos de
ta. O fatídico jantar, ocorreu no dia 17 de crática na área ambiental, também ficaria Bolsonaro. Isso porque, mesmo com a
março de 2019, e foi amplamente divulga- conhecida como o famoso “ir passando a recriação de parte dos conselhos por de-
do pela imprensa. boiada,” do infelizmente, ainda ministro terminação do STF, a configuração desses
Três semanas depois, em 11 de abril de do Meio Ambiente, Ricardo Salles. colegiados sofreu mudanças drásticas,
2019, o governo Bolsonaro publicou um com uma redução intensa da participa-
decreto que extinguiria, a partir do dia 28 ção dos membros da sociedade civil.
de junho, todos os colegiados ligados à ad- Desse modo, nossa já cambaleante demo-
ministração federal. O decreto determina- O estrago foi grande... cracia, foi tremendamente prejudicada.
va o fim de conselhos, comissões, comi- De acordo com levantamento publicado
tês, juntas e outras entidades do gênero. Conforme revelado pelo jornal O Globo, pelo portal UOL, dos 74 conselhos recria-
Muitos deles eram formados por integran- o Planalto publicou um decreto no dia 28 dos até julho de 2019, o mais afetado
tes de órgãos do governo em conjunto com de junho de 2019 que manteve o funcio- foi o do Meio Ambiente (Conama). An-
membros e representantes da sociedade ci- namento de apenas 32 comitês consul- tes, cada estado da federação e cada mi-
vil. O tema tomou ampla discussão pública tivos, o que representava 1,2% dos 2.593 nistério tinha direito a uma representação.
e foi parar nos tribunais. colegiados até então existentes. Foram Com isso, o total de membros podia passar
O decreto de Bolsonaro foi apreciado em preservados também os 996 colegiados de 90. Com a mudança, ficaram apenas 23
13 de junho pelo Supremo Tribunal Fede- ligados a instituições federais de ensi- nomes definidos por decreto, sendo que o
ral (STF), que derrubou parte da medida. no. Em julho do ano passado, o número poder federal ocupa praticamente a meta-
Todos os ministros da Corte entenderam de conselhos recriados chegou a 74. Não de.
que o presidente da República pode fechar houve, até hoje, informações sobre a re- A sociedade civil, que tinha direito a
somente os conselhos e comitês criados criação de outros. até 29 representantes no Conama, hoje
por decreto ou por outra norma infralegal. Pelo levantamento do jornal, existiam tem apenas seis, sendo quatro de en-
No entanto, os criados por lei não podem ainda 734 órgãos criados por atos inter- tidades ambientalistas e dois do setor
ser extintos, como o Conselho Nacional de nos, como portarias, e que devem perma- empresarial. A composição atual ainda
Educação, o Conselho Nacional de Saúde e necer extintos. Entre eles, há os que abor- exclui o ICMBio (Instituto Chico Mendes
o Conselho Nacional de Segurança Pública dam temas como diversidade, políticas de Conservação da Biodiversidade) e a
e Defesa Social. Também não podem ser públicas para refugiados, ações contra ANA (Agência Nacional de Águas).
28 JustiçaECO

Política

Outros cenários
O Conselho Nacional de Política Cultural também foi afetado pelo gover-
no, com o corte de 17 cadeiras antes destinadas à sociedade civil. O número
passou de 36 para 18 membros. O Conselho Nacional de Combate à Discrimi-
nação extinguiu representantes da população LGBT, um dos grupos que mais
sofrem com a intolerância e com a violência no Brasil.
A linha política desfavorável à participação popular e das minorias sociais
prosseguiu neste ano. Em fevereiro, o presidente Bolsonaro excluiu a socie-
dade civil do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente
(FNMA). Em julho deste ano, em meio à pandemia causada pelo coronavírus,
ele retirou a vaga dos indígenas do Conselho Nacional de Educação.
Esse cenário motivou a Organização das Nações Unidas (ONU) a prepa-
rar um documento alertando o país a respeito da decisão do governo de Jair
Bolsonaro de restringir o trabalho de conselhos, limitando a participação
da sociedade no delineamento das políticas públicas. A informação foi
publicada primeiramente pelo jornalista Jamil Chade, em sua coluna no UOL
em junho deste ano.
Crédito: OJC

Cenário Nacional: Bolsonaro e o “cocô petrificado”


A política do atual governo federal com o patrimônio histórico, Larissa Peixoto, uma amiga da família Bolsonaro, turismóloga e
arqueológico e natural do Brasil é, no mínimo, pífia. Um exemplo servidora do Ministério do Turismo há 11 anos. Em junho, uma
é a declaração do presidente Jair Bolsonaro durante a famosa reu- decisão liminar suspendeu a nomeação de Larissa para o cargo.
nião ministerial de 22 de abril de 2020. Em sua decisão, o juiz Adriano de Oliveira França, da 28ª Vara
O presidente disse que um bem arqueológico dos índios bra- Federal do Rio de Janeiro, afirmou que a nomeação de Larissa para
sileiros que tinha sido encontrado em uma obra da loja Havan, a presidência do Iphan fere o artigo 2º do Decreto nº 9.727. Em seu
de propriedade do Luciano Hang, no Rio Grande do Sul, era inciso II, a lei diz que são critérios gerais para a ocupação do cargo
um “cocô petrificado”. Hang havia se queixado com o chefe do um “perfil profissional ou formação acadêmica compatível com o
Executivo Nacional porque as obras tinham sido embargadas. cargo ou a função para o qual tenha sido indicado”.
“O Iphan para qualquer obra do Brasil, como para a do Luciano Em abril, a blogueira de viagens Monique Aguiar foi nomeada
Hang. Enquanto tá lá um cocô petrificado de índio, para a obra, por Marcelo Álvaro Antônio, Ministro do Turismo, como superin-
pô! Para a obra. O que tem que fazer? Alguém do Iphan que re- tendente do Iphan do Rio de Janeiro. Ela não tem a qualificação
solva o assunto, né? E assim nós temos que proceder”, declarou o curricular exigida por lei para ocupar cargo de direção de nível 3,
presidente. o chamado DAS 3. Monique não tem curso superior em nenhuma
Ao jornal ‘Folha de S.Paulo’, a ex-presidente do Iphan, Kátia Bo- área. Em junho a Controladoria Geral da União (CGU) confirmou
géa, disse ter sido demitida por Bolsonaro após reclamações de que ela não possui qualificação para o cargo. No mesmo mês, sua
Hang e do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente. Essa po- nomeação foi suspensa. Em agosto Monique recebeu o cargo de
lítica intervencionista toma conta do cenário nacional como um Coordenadora de Projetos Especiais da Fundação Nacional de Ar-
todo. tes (Funarte).
Em 11 de maio, o governo nomeou para a presidência do órgão
JustiçaECO 29

Política

PARANÁ: O MAIS
“BOLSONARISTA” DOS
ESTADOS BRASILEIROS?

Desqualificar a participação
da sociedade civil também
é uma realidade na política
paranaense. Se no cenário
nacional essa prática tem se
tornado recorrente, no Sul do
Brasil esse quadro já existe Crédito: Rodolfo Buhrer via UOL
há anos

Era o início do segundo mandato do então governador Beto Ri- A preservação do Patrimônio Cultural no Paraná, um dos estados
cha (PSDB), uma gestão que foi marcada pela ingerência nas pioneiros nesse trabalho, sempre teve pressões por parte de grupos
políticas culturais e ambientais que envolvem as áreas do pa- políticos e econômicos insatisfeitos, mas as dificuldades acabavam
trimônio histórico, artístico e natural do Estado. sendo contornadas pelos argumentos técnicos que prevaleciam.
Richa assinou então o Decreto 2.445, publicado em setembro de Porém, essas ações intensificaram-se após a homologação do De-
2015. Ele estabeleceu que a abertura dos processos de tombamen- creto, o que desestruturou o setor.
to deveria ter a anuência prévia do governador e da Procuradoria- Na prática, o governador da época passou a opinar sobre proces-
-Geral do Estado. A partir daquela data, toda e qualquer política sos de tombamento que viessem a interferir nas questões com rele-
de preservação cultural passou a ser centralizada nas mãos e vância econômica. Segundo fontes que participavam das reuniões
nas vontades do governador. do Conselho, ocorreram situações em que, nas reuniões do Cepha,
Com uma canetada, alterou-se de maneira autoritária uma práti- durante o ano de 2016, o secretário da Cultura da época, João Luiz
ca consagrada por muitos anos, uma vez que a decisão era tomada Fiani, chegou a sugerir aos conselheiros que o projeto em discussão
por um colegiado formado pelo Conselho Estadual do Patrimônio deveria ser aprovado “porque o governador queria”.
Histórico e Artístico do Paraná (Cepha) – após a instrução do pro- Foi enorme a indignação contra a ingerência e o descarado
cesso elaborada pelos técnicos da Coordenação do Patrimônio Cul- interesse que se apresentava contrário à preservação, principal-
tural (CPC). Com o Decreto, porém, a decisão passou a se concen- mente, em favor das áreas naturais. Foi nesse cenário que a Co-
trar na mão de Richa e submetida às vontades e influência de seus ordenação do Patrimônio Cultural trocou de mãos. A arquiteta
“apoiadores” do momento. Rosina Parchen, que coordenava a área, dedicou 37 anos de sua
Depois de algum tempo, a medida foi cassada pela Justiça, no vida funcional à preservação do patrimônio cultural do Paraná.
entanto, durante o período em que o tal decreto vigorou, os inte- Mas, diante de tanto desmonte, pediu a aposentadoria em fe-
resses econômicos se sobrepuseram aos interesses da sociedade e vereiro de 2017. Na sequência, 17 dos 19 membros do Cepha
passaram a pressionar cada vez mais o governo do Paraná, espe- pediram demissão coletiva de suas funções junto ao Conselho,
cialmente nas políticas públicas voltadas à defesa do patrimônio em maio de 2017.
cultural, histórico e natural.
O que se viu dessa data em diante foi uma desfiguração gra-
dativa da Coordenação do Patrimônio Cultural (CPC) do Paraná.
Empreiteiros, empresários, agricultores, mineradores e pecua-
ristas passaram a exigir ações do governador, na contramão de
práticas e cuidados mínimos com a conservação do patrimônio
natural.
Medidas como os tombamentos e os estudos de viabilidades e
medidas compensatórias que, de certa
forma, acompanhavam as dis-
cussões sobre as intenções
de intervenções em áreas
já protegidas, deixaram
de existir. O Cepha dei-
xou de ter a autono-
mia necessária que
historicamente teve
nas decisões relati-
vas à preservação,
sofrendo, inclusive,
um grande desgaste
em sua atuação.

O ex-governador do Paraná, Beto Richa


30 JustiçaECO

Política

Pressões Externas: os interessados Cepha: um mero avalista de


por trás do desmonte ambiental obras faraônicas?
A possibilidade de instalação de linhas de transmissão de ener- A orla litorânea do Paraná, é detentora de um belíssimo trecho
gia pela multinacional francesa Engie, (que já derrubou centenas de Mata Atlântica, cujo tombamento remonta ao ano de 1970. O
de araucárias na região de Campo Largo, na Região Metropolitana governador Ratinho Jr. elencou a “engorda da praia de Matinhos”,
de Curitiba – ver matéria na página 3), neste ano, foi uma das no litoral do Estado, como uma daquelas obras que devem marcar
obras beneficiadas pelo Decreto Estadual de 2015, que só teve seus seu governo. Palco de multidões durante a temporada, Matinhos
efeitos freados por uma liminar em 2018. Acontece que a licitação recebe, aproximadamente, um milhão de pessoas no verão. Uma
da ANEEL ganha pela Engie foi em 2017. O decreto caducou efeti- obra emblemática ali, certamente pode render muitos votos a qual-
vamente em 2020, quando foi anulado pelo Poder Judiciário. quer político interessado em reeleger-se.
A confusão gerada pela ingerência do governo estadual no O que ocorre, no entanto, é que a obra teria um custo (apenas
Cepha, aliada a incompetência e falta de transparência do Go- inicial) de R$ 513 milhões de reais. E, pior que isso: há uma
verno do Estado, tem produzido resultados desastrosos. Em enormidade de riscos ambientais associados, que foram levantados
dezembro do ano passado, durante uma reunião no conselho sobre por cientistas renomados. A própria necessidade da obra deve ser
o Empreendimento Gralha-Azul, que corta os últimos remanescen- questionada, uma vez que há inúmeras outras formas mais em con-
tes de Florestas com Araucárias e Campos Naturais em bom estado ta de abordar a questão da erosão marinha. Formas muito menos
do Paraná, houve visível interferência do Governo Ratinho Jr. para danosas ao Meio Ambiente e também ao erário.
que o processo fosse aprovado de qualquer jeito pelo Conselho. O tal megaprojeto foi recentemente submetido a aprovação do
Os conselheiros que participaram da reunião sequer soube- Cepha, e apesar da grita da classe científica local, aprovado pelo
ram com antecedência que, naquele dia, seria votado o projeto Conselho. A pressão sobre o Cepha vem crescendo desde a gestão
das linhas de transmissão. Não houve nenhum informativo ou Richa. “O Conselho se transformou num carimbador das vontades
anúncio anterior sobre o tema. A imprensa foi impedida de perma- do governador”, relata Aristides de Athayde, ex-conselheiro do ór-
necer na sala e de registrar a reunião. Vale lembrar que todas as gão.
reuniões do Cepha devem ser convocadas com antecedência, em O impacto ambiental, social e paisagístico da proposta de
atendimento ao Regimento Interno deste Conselho, e com pauta engorda da praia será imenso e não há licenciamento ambien-
pré-definida. tal para as intervenções propostas. O que existe é um licencia-
Segundo conselheiros presentes, a Engie não apresentou aos mento para outro projeto, de 2009, totalmente diferente e com
membros do Conselho qualquer estudo que indicasse alterna- impactos bem menores do que o desenho atual.
tivas locacionais menos danosas ao ambiente do traçado das A obra tem um custo estimado de R$ 513 milhões, o que signi-
linhas. Ao fim, depois de quatro horas de reunião e repetidos pedi- fica também um maior endividamento do Estado. O empréstimo
dos de integrantes do conselho sobre a necessidade de terem mais será feito junto ao Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal,
tempo para discutir e acordar sobre um parecer com a aprovação conta que será paga com dinheiro público e que ficará a cargo
ou não do pedido, o então secretário de Comunicação e Cultura dos próximos governos. Já a manutenção do empreendimento de-
do Paraná e presidente do Cepha, Hudson José, submeteu o verá ficar sob responsabilidade do município e não é barata, pelo
empreendimento à aprovação do Conselho. contrário.
Pouco tempo depois dessa reunião, em maio deste ano, sem ex-
plicações, o advogado ambiental Aristides de Athayde Bisneto foi
afastado do Cepha a pedido do Instituto Água e Terra (antigo IAP).
“Fui afastado por conta da minha posição combativa em defe-

Importância financeira
sa do meio ambiente. Fui afastado por buscar transparência
nas decisões do Cepha”, revelou Aristides em entrevista ao portal
Porém.net.
Ele afirmou ainda que o Conselho é formado em sua maioria por É por meio do Conselho de Patrimônio que projetos
pessoas esclarecidas e experientes. “Mas também sofre a pressão que chegam a custar bilhões de reais são analisados e
explícita e absurda do Governo Ratinho Jr”, ressaltou. Aristides podem ser aprovados ou rejeitados. O tempo para se-
acredita que, por tudo que vivenciou no Conselho, “não interessa rem analisados varia conforme as especificidades de cada
ao Governo dividir seu poder de decisão com a sociedade. As con- projeto, bem como a quantidade de projetos que são ana-
vocatórias, dirigidas aos conselheiros, não traziam o assunto a ser lisados anualmente. Independente disso, fica nas mãos do
debatido. Veja que absurdo. Isto não só impede os conselheiros de Cepha a continuidade ou não de projetos que geralmente
buscar informações sobre o que será debatido, como também im- passam da cifra dos milhões de reais. Para se ter uma
pede a sociedade de participar”, salientou o advogado. ideia, apenas o projeto da Engie é avaliado em aproxi-
madamente R$ 2 bilhões.

Não interessa ao Governo dividir seu po- Sem concurso


der de decisão com a sociedade. As con-
Desde a data de sua criação em 1979 até seu aniversário
vocatórias, dirigidas aos conselheiros, não de 36 anos, a Coordenação do Patrimônio Cultural (CPC)
traziam o assunto a ser debatido. Veja que manteve um razoável quadro de funcionários. Houve épo-
ca que trabalhavam, aproximadamente, 25 pessoas, entre
absurdo. Isto não só impede os conselhei- técnicos, funcionários administrativos, estagiários de Ar-
quitetura, História, Sociologia, Direito, Geografia, entre
ros de buscar informações sobre o que outros.
será debatido, como também impede a Ao longo dos anos, alguns funcionários faleceram, se
aposentaram ou assumiram compromissos profissionais
sociedade de participar. em outros lugares. Infelizmente, não aconteceu a repo-
sição desse pessoal, principalmente, via concursos, o que
seria ideal. O último Concurso Geral para contratação de
funcionários no Paraná ocorreu em 1979.
JustiçaECO 31

Ciência

ECOLOGIA E ECONOMIA PARA


PREVENÇÃO DE PANDEMIAS
Investimos relativamente pouco na pre-
venção do desmatamento e na regula-
mentação do comércio de animais silves-
tres, apesar de estudos demonstrarem
um alto retorno de investimentos na li-
Crédito: NIAID / Wikipedia / Novel_Coronavirus_SARS-CoV-2
mitação de zoonoses.
ARTIGO VEICULADO NA REVISTA SCIENCE / 24 Jul 2020: / Vol. 369, Issue 6502, pp. 379-381

Durante um século, dois novos vírus por restal original é perdida, e esses conta- plo de maior escala de redução direciona-
ano se espalharam de seus hospedeiros na- tos determinam o risco de transmissão da do desmatamento vem do Brasil entre
turais para os seres humanos. As epidemias de doenças. A transmissão de patógenos 2005 e 2012. O desmatamento na Amazô-
de MERS, SARS e 2009 H1N1 e as pande- depende da taxa de contato, da abundân- nia caiu 70%, mas a produção da safra de
mias de HIV e doença de coronavírus 2019 cia de seres humanos e animais suscetíveis soja dominante na região ainda aumentou.
(COVID-19) testemunham seus danos. Os e da abundância de hospedeiros selvagens Contribuições internacionais, complemen-
vírus zoonóticos infectam as pessoas que infectados. As taxas de contato variam de tadas pelo Fundo Amazônia, de cerca de
convivem com primatas, morcegos e ou- acordo com o perímetro, ou seja, de acor- US $ 1 bilhão, apoiaram o zoneamento do
tros animais selvagens (ou sua carne) di- do com o comprimento da fronteira da flo- uso da terra, restrições de mercado e cré-
retamente ou indiretamente quando elas resta, área compreendida entre o que é e dito e monitoramento de satélite de última
convivem com animais de fazenda, como o que já não é mais floresta. O desmata- geração. O programa brasileiro reduziu a
galinhas e porcos. Os riscos são mais altos mento tende a criar tabuleiros de xadrez fragmentação e a borda das florestas a um
que nunca na medida em que associações quando vemos um perímetro máximo com custo menor do que poderia ser alcançado
entre humanos e reservatórios de doenças um nível de 50% de conversão florestal. pelas abordagens de precificação de car-
selvagens aceleram o potencial de disse- Posteriormente, a abundância de humanos bono.
minação global de vírus. Aqui, avaliamos e animais domésticos excede rapidamente Várias estimativas da eficácia e custo de
o custo do monitoramento e prevenção da a dos animais selvagens. Portanto, embora estratégias para reduzir o desmatamento
disseminação de doenças, impulsionado esperemos que a transmissão diminua, a tropical estão disponíveis. Com um custo
pela perda e fragmentação sem preceden- magnitude de qualquer surto resultante é anual de US$ 9,6 bilhões, os pagamentos
tes das florestas tropicais e pelo crescente maior. A fragmentação do habitat natural diretos de proteção florestal para superar
comércio de animais silvestres. Atualmen- complica isso porque o comprimento do o desmatamento economicamente, pode-
te, investimos relativamente pouco na perímetro aumenta. Campos de constru- riam alcançar uma redução de 40% em
prevenção do desmatamento e na re- ção de estradas, mineração e extração áreas com maior risco de propagação de
gulamentação do comércio de animais de madeira, expansão de centros e as- vírus. Vários programas de pagamento por
silvestres, apesar de estudos demons- sentamentos urbanos, migração e guer- serviços ecossistêmicos demonstram a efi-
trarem um alto retorno de investimen- ras, assim como monoculturas e a pecu- cácia dessa abordagem. A adoção do mo-
tos na limitação de zoonoses. À medida ária intensiva, levaram a um aumento delo anterior da política brasileira poderia
que o financiamento público em resposta crescente do vírus. A caça, o transporte, alcançar a mesma redução por apenas US$
ao COVID-19 continua a aumentar, nossa a agricultura, o comércio de animais 1,5 bilhão por ano, removendo subsídios
análise sugere que os custos associados a selvagens para alimentação, animais que favorecem o desmatamento, restrin-
esses esforços preventivos seriam substan- de estimação e medicina tradicional gindo o desmatamento privado e apoiando
cialmente menores que os custos econômi- compõem essas rotas de transmissão e os direitos territoriais dos povos indígenas.
cos e de mortalidade proveniente desses acompanham de perto o desmatamento. Todos exigem motivação nacional e vonta-
patógenos depois de seu surgimento. Por exemplo, os morcegos são os prováveis de política. Um forte apoio público às polí-
reservatórios de Ebola, Nipah, SARS e o ticas semelhantes de prevenção ao desma-
vírus por trás do COVID-19. Os morcegos- tamento pode surgir em outros países se
-frutíferos (Pteropodidae no Velho Mundo, recuperando da devastação do COVID-19.
Reduzindo o o gênero Artibeus no Novo Mundo) têm
maior probabilidade de se alimentar perto
desmatamento de assentamentos humanos quando seus Morcego Artibeus.
Crédito: Wikipedia
habitats florestais são perturbados. Esse
As fronteiras das florestas tropicais foi um fator-chave no surgimento viral na
são as principais plataformas de lança- África Ocidental, Malásia, Bangladesh e
mento de novos vírus aos seres huma- Austrália.
nos. As fronteiras surgem na medida em O vínculo claro entre desmatamento
que os humanos constroem estradas ou e emergência de vírus sugere que um
desmatam florestas para produção agrí- grande esforço para manter a cober-
cola e de madeira. Os seres humanos e tura florestal intacta teria um grande
seus animais são mais propensos a en- retorno sobre o investimento, mesmo
trar em contato com a vida selvagem que seu único benefício fosse reduzir os
quando mais de 25% da cobertura flo- eventos de emergência de vírus. O exem-
32 JustiçaECO

Ciência

mais silvestres, estimamos os custos desse esforço, considerando


O vazamento do comércio de o orçamento operacional anual da Organização Mundial de Saúde
animais selvagens Animal (OIE), que tem como missão avaliar o risco de doenças no
comércio de gado sem realizar testes. Adicionamos então os custos
da vigilância de doenças em larga escala na fauna silvestre, dimen-
A demanda global por animais silvestres faz com que as pes- sionada para o volume global do comércio de animais silvestres.
soas entrem nas florestas para coletar esses animais para venda A restrição do acesso à vida selvagem para alimentação humana
nos mercados em áreas urbanas e rurais. Nas cidades, onde as e outros usos deve considerar os povos indígenas e indivíduos em
pessoas têm diversas opções de proteínas, a carne de animais comunidades remotas para quem a fauna fornece proteína essen-
selvagens é um luxo comprado para mostrar status e, ocasional- cial. Em algumas partes do mundo, a dependência da fauna migra-
mente, por feito por razões culturais. O COVID-19 é o enorme tória, como o caribu e o salmão, motiva a administração de grandes
preço que a sociedade paga agora por esses encontros com extensões de habitat. Embora o direito às dietas tradicionais deva
espécies selvagens. ser respeitado, as pessoas ainda podem estar em risco de contactar
Os mercados de vida selvagem e o comércio de animais silves- animais selvagens. Essas são questões de segurança alimentar que
tres colocam animais selvagens vivos e mortos em contato com os governos e as agências de desenvolvimento devem enfrentar.
caçadores, comerciantes, consumidores e todos os envolvidos nes- Onde necessário, eles devem incluir educação e conscientização
se comércio. O comércio segue a demanda global do consumidor. sobre manuseio de animais, saneamento e transmissão de doen-
Os Estados Unidos são um dos maiores importadores globais de ças, bem como manejo sustentável da vida selvagem e apoio ao
animais selvagens, inclusive para a enorme indústria de animais desenvolvimento de alimentos alternativos em nível de aldeia. A
exóticos. As condições de trânsito, a falta de exames de saúde na caça e a comercialização legais de animais silvestres, que atendem
importação e os armazéns que armazenam animais antes e depois de forma sustentável aos requisitos nutricionais básicos, podem ser
da importação, são semelhantes aos mercados de animais vivos, regulamentados para reduzir o risco de pandemias emergentes.
todos propícios à propagação de doenças. Com o tempo, medidas culturalmente sensíveis podem garantir o
Alguns países têm indústrias de criação de animais silvestres des- acesso dos indígenas às dietas tradicionalmente saudáveis e redu-
tinadas a evitar a caça excessiva de espécies selvagens, atendendo zir os riscos.
as demandas do mercado por proteínas e apelando às tradições
culturais. Na China, a criação de animais silvestres é uma indústria
de US$ 20 bilhões, empregando cerca de 15 milhões de pessoas.
Com o anúncio em fevereiro de 2020, pelo Comitê Permanente
do Congresso Nacional do Povo, de uma proibição do consumo
Detecção e controle antecipados
de animais silvestres para alimentação e comércio relacionado na Existe uma subnotificação substancial da exposição a doen-
China, há discussões em andamento sobre a eliminação gradual ças zoonóticas. Corrigir isso proporcionaria grandes oportunida-
dessa indústria. A justificativa é que ela cria riscos para o surgi- des de prevenção. O vírus Nipah foi descoberto em 1998, originário
mento de doenças e que os regulamentos de saúde e segurança de morcegos, e causou um surto maciço de doenças respiratórias
associados à criação de animais selvagens são frequentemente in- em porcos e encefalite letal em pessoas na Malásia. A vigilância sa-
suficientes. Leis para proibir o comércio nacional e internacional nitária nos hospitais de Bangladesh revelou vários grupos de casos
de espécies que sejam reservatórios de doenças de alto risco e a e surtos anuais com uma taxa média de mortalidade de 70%.
vontade de sustentar sua aplicação, são medidas necessárias e pre-
ventivas para evitar doenças zoonóticas. Os regulamentos devem
manter primatas, morcegos, pangolins, civetas e roedores fora
do mercado.

Imagem microscópica do vírus Nipah. Crédito: Wikipedia


Pangolim. Crédito: Shutterstock

Da mesma forma, o SARS e o COVID-19 surgiram como surtos


Convenções internacionais como a Convenção sobre Comércio de doenças respiratórias em Guangdong e Wuhan, na China, res-
Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora (CITES), pectivamente. Pesquisas sorológicas de pessoas na província rural
tratam apenas de uma parte do problema. Redes regionais e agên- de Yunnan, mostraram que 3% possuíam anticorpos para espécies
cias nacionais de monitoramento do comércio de animais silvestres de vírus semelhantes em seu reservatório principal (local onde o
são severamente subfinanciadas. As redes regionais de controle da vírus se encontra para viver, crescer e se multiplicar), provenientes
fauna silvestre (WENs) poderiam ser fortalecidas para formar uma dos morcegos-ferradura (Rhinolophus spp.).
fronteira de resposta eficaz à futura prevenção de pandemias. O Quantificar e reduzir o risco de transbordamento de patógenos,
orçamento anual de uma WEN, organizada pela Associação das requer descoberta viral em animais selvagens e teste de popula-
Nações do Sudeste Asiático, é de US$ 30.000. O orçamento anu- ções humanas e animais em regiões de alto risco de emergência de
al da CITES é de US$ 6 milhões. Seu secretariado declarou re- doenças. Por exemplo, o programa VIZIONS da Wellcome Trust,
centemente que as doenças zoonóticas estão fora do mandato da testou animais silvestres e humanos em busca de patógenos conhe-
CITES. Para ajudar a evitar o próximo surto, seria necessário in- cidos no Vietnã rural. O projeto PREDICT da Agência dos EUA para
cluir o aumento do orçamento das WENs para respostas regionais o Desenvolvimento Internacional (USAID), analisou a dissemina-
e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de protocolos coordenados ção de vírus em pessoas com alto contato com a vida selvagem em
globalmente para aumentar a capacidade das WENs na triagem 31 países. A PREDICT incluiu programas de educação comunitária
da saúde da vida selvagem. Embora não exista uma agência glo- para aumentar a conscientização sobre o risco zoonótico e reduzir
bal com a missão de realizar vigilância sobre o comércio de ani- o contato com a vida selvagem. Os responsáveis por esse programa
JustiçaECO 33

Ciência

trabalharam para evitar transbordamentos através da identificação nas, meses ou anos antes da identificação do patógeno. As defasa-
de comportamentos de alto risco e também usaram pesquisas de gens na identificação diminuíram, mas isso varia geograficamente.
sorologia para examinar os padrões sazonais de risco. As interven- Nos países de baixa renda, grandes surtos com mortalidade subs-
ções incluíram o uso de saias de bambu para reduzir a contamina- tancial geralmente não são diagnosticados, principalmente quan-
ção por seiva de palma pelo vírus Nipah, maior biossegurança nas do os sintomas imitam os de outras doenças conhecidas. Projetos-
fazendas de gado para reduzir o contato entre animais selvagens -piloto estão em andamento em clínicas em muitas regiões rurais
e não selvagens, promoção da lavagem das mãos e uso de equipa- para identificar a etiologia de casos com sintomas semelhantes, é
mentos de proteção individual quando em contato próximo com a chamada “vigilância sindrômica” que, conceitualmente, é uma
a fauna. O programa reduziu a capacidade da vida selvagem de estratégia da vigilância epidemiológica que se baseia na detecção
lançar vírus nas interfaces, fechando cavernas de morcegos de alto de um conjunto de manifestações clínicas comuns a um maior nú-
risco. mero de doenças, com o objetivo de identificar precocemente um
Os custos das medidas para evitar derramamentos variam. A maior número de casos, favorecendo a identificação de eventuais
USAID PREDICT gastou US$ 200 milhões em dez anos. Esse custo surtos ou riscos. Por exemplo, um projeto-piloto que custa US$
se compara favoravelmente aos US$ 1,2 bilhão do Global Virome 200.000 por ano para vigilância sindrômica do vírus Nipah nos
Project, um projeto de 10 anos criado para identificar 70% dos hospitais de Bangladesh, resultou em um aumento de três vezes
vírus potencialmente zoonóticos desconhecidos na vida selvagem. na detecção de eventos de transbordamento. O Instituto Nacio-
Embora tenhamos provas de conceito para a descoberta de doen- nal de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA está lançando uma
ças com potencial de emergência, para a identificação de trans- série de Centros de Pesquisa em Doenças Infecciosas Emergentes.
bordamentos ativos e para programas que reduzam o risco, são Os contratos para este trabalho são estimados em US$ 1,5 milhão
necessárias pesquisas para quantificar o retorno de investimento por ano, com foco em zoonoses virais de alto risco específicas nos
para esses programas. Os programas piloto devem priorizar indica- hotspots emergentes de doenças. Programas de detecção e con-
dores que permitam uma melhor avaliação dos custos e benefícios trole direcionados a surtos em seus estágios iniciais resulta-
da redução de riscos. riam em economias consideráveis, reduzindo a morbidade e
Após a disseminação desta primeira estratégia, uma segunda ja- mortalidade. Uma prioridade é identificar indicadores de re-
nela crítica de oportunidade é a prevenção de surtos maiores. Os dução de risco à medida que os programas piloto são lançados
primeiros casos de HIV / AIDS, síndrome pulmonar por hantavírus, e calcular os custos, a economia de custos e os benefícios de
vírus Nipah, SARS e COVID-19, não foram detectados por sema- expandi-los.

O vazamento de animais de criação


Os animais são reservatórios críticos e elos de doenças emer- bem pesquisados, como o programa de intervenção em bios-
gentes. A gripe H5N1 se deparou com a interface humano-vida segurança agrícola One World One Health do Banco Mundial,
selvagem (aves selvagens › aves de capoeira › cadeia de trans- projetado para reduzir o risco de influenza H5N1. Com custos
missão humana1), assim como a gripe H1N1 (aves › porco › hu- na ordem de bilhões de dólares, as propostas que lidam com o
mano2). Muitos surtos relacionados ao gado atingiram o ápice papel do gado em pandemias estão entre as mais avançadas e
do surgimento de uma pandemia, como o vírus Nipah (morcego ambiciosas e são as mais seriamente consideradas. Conhecemos
› porco › humano3) e o coronavírus da síndrome da diarréia agu- esses riscos há mais tempo (por exemplo, influenza) e podemos
da suína (morcego › porco4). Esses links são bem reconhecidos controlar a biossegurança agrícola mais facilmente que o con-
e são o foco dos pacotes de prevenção de pandemia propostos tato com a vida selvagem no comércio ou nas margens de uma
pelo Congresso dos EUA. Existem planos de saúde veterinária floresta.
1 2 3
4

Conclusões
a perturbações nos sistemas médicos e a custos da pandemia de COVID-19.
perda para a sociedade de atividades sus- Reconhecemos que não fornecemos
pensas devido ao distanciamento social. mais que um esboço dos principais compo-
As ações que delineamos podem aju- nentes de um conjunto economicamente
dar a prevenir futuras pandemias zoo- Para justificar os custos da prevenção, viável de estratégias de prevenção de pan-
nóticas antes que aconteçam. Somente o valor de um ano dessas estratégias pre- demia ecológica. Os limites da disponibili-
o monitoramento proporcionaria uma cisaria apenas reduzir a probabilidade de dade de informações interferem na nossa
economia substancial de custos, mesmo outra pandemia, como a COVID-19, no capacidade de realizar uma análise mais
no contexto de surtos de pandemias mui- próximo ano, em cerca de 27% abaixo da exaustiva. Em vez disso, disponibilizamos
to menos graves que o COVID-19. O custo probabilidade de referência no cenário informações prontamente livres para ava-
bruto estimado das ações que propomos mais provável, mesmo ignorando os bene- liar a probabilidade de um investimento
totalizam de US$22 a US$ 31 bilhões por fícios auxiliares de sequestro de carbono. nos custos de prevenção de pandemias
ano. O desmatamento reduzido tem o be- Exploramos oito cenários alternativos com render benefícios líquidos positivos para
nefício auxiliar de cerca de US$ 4 bilhões suposições variadas, extraídas dos valores o mundo. Nossos cálculos são conservado-
por ano em benefícios sociais decorrentes mais altos e mais baixos de custos de pre- res no sentido de dificultar a descoberta
da redução das emissões de gases de efeito venção e danos de pandemias, e assumin- de que a prevenção provavelmente valerá
estufa, portanto, os custos líquidos de pre- do que pandemias extremas ocorrem uma a pena - e, no entanto, essa é a nossa des-
venção variam de US$ 18 a US$ 27 bilhões vez a cada 100 ou 200 anos. Em todos os coberta. Estudos futuros podem reduzir as
por ano. Em comparação, o COVID-19 nos cenários, exceto um, a prevenção precisa incertezas nos custos e na eficácia dessas
mostrou o imenso custo potencial de uma apenas reduzir a probabilidade de uma estratégias e apontar o conjunto de ações
pandemia. O mundo pode perder pelo me- pandemia em menos da metade e, em um mais econômico. Uma análise de custo-be-
nos US$ 5 trilhões em PIB em 2020, e a caso, a redução da probabilidade de por- nefício completa da prevenção de pande-
disposição de pagar pelas vidas perdidas centagem de ponto de equilíbrio é tão bai- mias pode rastrear os fluxos de custos de
constitui trilhões a mais. Esses custos ex- xa quanto 12%. Estimamos que o valor prevenção ao longo do tempo, permitir
cluem o aumento da contagem de mor- presente dos custos de prevenção por dependências intertemporais e modelar as
bidades, mortes por outras causas devido 10 anos seja apenas cerca de 2% dos pandemias impedidas como produtos de
34 JustiçaECO

Ciência

uma distribuição de eventos de doenças que não são tão graves


quanto o COVID-19. Nossas descobertas deixam claro que esse es-
forço de pesquisa se justifica, porque os benefícios líquidos pela in-
terrupção das pandemias antes de começarem podem ser enormes.
Reconhecemos que, à medida que o mundo emerge da pande-
mia do COVID-19, as prioridades econômicas podem mudar para
lidar com demandas crescentes de desemprego, doenças crônicas,
falências e graves dificuldades financeiras das instituições públi-
cas. No entanto, existem evidências substanciais de que a taxa
de surgimento de novas doenças está aumentando e que seus
impactos econômicos também estão aumentando. Adiar uma
estratégia global para reduzir o risco de pandemia levaria a
custos crescentes contínuos. Dada a enxurrada de onerosas do-
enças emergentes nos últimos 20 anos, instamos que estímulos e
outros financiamentos de recuperação incluam as estratégias que
estabelecemos para reduzir o risco das pandemias. Toda sociedade
deve se esforçar para evitar esses impactos futuramente.

Artigo de autoria de Andrew P. Dobson, Stuart L. Pimm, Lee Hannah,


Les Kaufman, Jorge A. Ahumada, Amy W. Ando, Aaron Bernstein, Jonah
Busch, Peter Daszak, Jens Engelmann, Margaret F. Kinnaird, Binbin V.
Li, Ted Loch-Temzelides, Thomas Lovejoy, Katarzyna Nowak, Patrick R.
Roehrdanz, Mariana M. Vale.
JustiçaECO 35

Cidadania

QUAL CULINÁRIA FAZ MAL


PARA O MEIO AMBIENTE?
Já parou para pensar de onde vem o
alimento que ocupa nosso prato e qual
o impacto que nossa alimentação cau-
sa ao mundo e aos seres dos quais nos
alimentamos?

O consumo de animais silvestres entrou na pauta de 2020 como


vilão do mundo com o Coronavírus. Mas existem outros consumos
de carne animal, autorizados e comuns à grande parte da sociedade, que
oferecem enorme prejuízo ambiental. A criação de gado para produção de
carne e leite, por exemplo, é a principal responsável pelo desmatamento e
extinção de espécies, além de ser a maior produtora de gases do efeito estufa. E
pratos à base de camarão e cação também causam um grande impacto no ecossistema
marinho. Precisamos refletir e repensar nossos hábitos alimentares.
Não é uma convocação para que todos virem vegetarianos da noite para o dia. Mas um convite para que possamos, cada vez mais, redu-
zir, ou até suspender o consumo de alguns produtos para adotar uma dieta mais sustentável e diversificada. Que tal uma vez por semana
tentar fazer uma refeição totalmente vegetariana ou vegana? Trocar a carne vermelha por fontes de proteína vegetal como legumes,
feijões, ervilhas e grão de bico, por exemplo, pode ser a escolha mais consciente e responsável hoje em dia. Vamos explicar por quê.

Em um cenário em que as mudanças climáticas são uma reali-


Reduzir o consumo de carne vermelha é dade que precisa de atitudes urgentes para ser controlada, a ação
essencial para segurar o aumento pode começar pelo nosso prato. Dentro do possível, dentro do viá-
vel, toda a ação em prol de uma mudança nos hábitos de consumo
das temperaturas que intensificam o é positiva.

aquecimento global
Áreas de floresta são queimadas ilegalmente para abrir
A pecuária responde pela maior parte das emissões de gases de espaço para o pasto. Crédito: Greenpeace Brasil.
efeito estufa no mundo. Causa mais emissões que todos os sistemas
de transporte juntos. Para se ter ideia, a Organização das Nações
Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), estima que cerca
de 14,5% das emissões de gases do efeito estufa oriundas de ativi-
dades humanas têm origem no setor pecuário.

Em média, cada boi produz de 4,2 toneladas de metano por


ano. As vacas leiteiras emitem 20% mais porque consomem
mais calorias. É o dobro de um carro (Vide QR Code abaixo). O
levantamento mais recente do IBGE, de 2018, mostra que o
rebanho bovino brasileiro é de 213 milhões de cabeças. O nú-
O boi e a vaca são animais ruminantes, cuja digestão provoca uma fermentação que faz o mero é maior que a população do país, que está em 209,5 milhões.
animal liberar pela boca e pelas narinas muito gás metano (CH4), 21 vezes mais poluente Então, a conta da poluição, como se vê, é gigantesca.
do que o gás carbônico (CO2).
Pesquisas científicas buscam formas de regular as emissões de
metano e a perda de energia por meio, por exemplo, da incorpo-
ração de nutrientes na dieta dos animais. Mas mesmo que essa
Além disso, o desmatamento para aumentar áreas de pasto é
redução atinja níveis re-
uma das principais causas da perda de algumas espécies únicas
levantes, temos, em con-
de plantas e animais das florestas. Na Amazônia, a pecuária é, de
trapartida, o crescimento
longe, a principal atividade responsável pela derrubada de mata
populacional e a tendên-
nativa. Mais de 90% de todas as terras da floresta amazônica
cia de aumento do consu- Aponte a câmera do
desmatadas desde 1970 são usadas para pasto. Além disso, a
mo de carne e derivados seu celular para o
principal cultura, onde antes existia floresta, é a soja, usada, prin- QR Code
em todo mundo.
cipalmente, na alimentação animal.
36 JustiçaECO

Cidadania

Laticínios também são um O setor pecuário é ainda o maior responsável pela erosão de
solos e contaminação de mananciais aquíferos no mundo. As
grande problema principais fontes de poluição são os excrementos dos animais, anti-
bióticos, hormônios e produtos químicos de curtumes. O pastoreio
do gado gera compactação do solo, o que dificulta a infiltração
A criação de animais para alimentação humana demanda da água da chuva e a reposição dos lençóis freáticos, além de
uma quantidade enorme de água. Uma única vaca usada para provocar a degradação das margens dos rios.
produção de leite pode beber até 50 litros de água por dia. E con-
sumir até o dobro disso em dias de calor.
Frango, boi e porco são as carnes mais consumidas no Brasil.
Todas as produções envolvem uma série de questões de sustenta-
bilidade ambiental, como o alto uso de recursos hídricos, emissões
de dejetos e geração de gases nocivos. Segunda Sem Carne
Para produzir: São necessários: A Campanha Segunda Sem Carne surgiu para incentivar
as pessoas para uma mudança de hábitos e redução do
consumo de carne ao menos uma vez na semana. A se-
gunda-feira foi escolhida de forma simbólica por ser um dia
já tradicional de mudar e iniciar novos hábitos. A iniciati-
va propõe não consumir produtos animais de nenhum
1kg de carne vermelha 15.415 litros de água tipo, como carne, leites e derivados e ovos. O consumo
desses produtos, além gerar um grande sofrimento para os
animais na cadeia produtiva, também pode prejudicar a
saúde humana e do planeta.
Tiago Perez, engenheiro ambiental e consultor, é vegeta-
riano há 12 anos e explica que apenas um dia sem produtos
de origem animal já faz diferença: “40% da superfície da
1 litro de leite 1.020 litros de água Terra é para agricultura. Dessa fatia, 83% é utilizado
pela agropecuária. Só que esses 83% são responsáveis
por apenas 18% das calorias que a gente ingere. Ou seja,
estamos presos a um sistema antigo de produção que causa
um impacto desproporcional. Em apenas um dia sem esse
consumo, poupamos, no mínimo, 3.400 litros de água,
1 kg de manteiga 5.553 litros de água
fora quase 14,5 quilos de CO2 que deixamos de emi-
tir na atmosfera. Então, hoje, em plena crise hídrica, cada
pessoa que faça isso deixa de poluir muito.”
Para uma Segunda Sem Carne, a dica do consultor é di-
versificar os pratos: “Faça uma lista de dez itens de origem
vegetal para consumir ao longo do dia. Inclua feijões e
1 kg de carne de frango 4.325 litros de água
grãos, como a lentilha, que têm bastante proteína, e outros
vegetais refogados ou em forma de salada. Com essa lista
vão surgir ideias de receitas e seu corpo vai se sentir
mais leve e com mais energia”. No site da Sociedade Ve-
getariana Brasileira (SBV) é possível encontrar opções
de receitas e dicas de substituição de alimentos, além
1 kg de carne de porco 5.553 litros de água
notícias e informações a respeito das razões éticas, am-
Fonte: Mekonnen e Hoekstra (2010) por Waterfootprint.org (Os valores podem variar de país bientais e de saúde para passar essa ideia adiante. Saiba
para país). mais aqui:

Vidas interrompidas
Aponte a câmera do
PEIXE seu celular para o
Na natureza › 8 anos QR Code
Na indústria › 2 anos

GALINHAS
Na natureza › 8 anos
Na indústria › 2 anos #21DIASSEMCARNE

PORCOS Este desafio quer mostrar que não só é possível, como


Na natureza › 20 anos também é fácil e pode ser muito mais saudável, adotar uma
Na indústria › 5 anos dieta sem carne e outros produtos de origem animal.

DURANTE OS 21 DIAS DE DESAFIO, VOCÊ RECEBERÁ:


VACAS
› Receitas fáceis e sem nada de origem animal;
Na natureza › 20 anos
› Suporte de nutricionistas e especialistas;
Na indústria › 5 anos
› Orientações de um time de especialistas prontos para es-
clarecer dúvidas;
› Um Guia Vegetariano para Iniciantes gratuito.
Crédito: Mercy for Animals
desafio21diassemcarne.com.br
JustiçaECO 37

Cidadania

Mudança de hábitos pelo meio


Pratos com camarão e cação: ambiente, pela saúde e pela ética
por que eles também são inimigos Nos Estados Unidos, uma pesquisa nacional de avaliação da saú-

do meio ambiente? de e nutrição publicada no periódico American Journal of Clini-


cal Nutrition em 2019, avaliou os hábitos alimentares de 16 mil
pessoas para calcular as emissões geradas pela alimentação. Ficou
A pesca comercial, com os métodos de arrasto e o uso constatado no estudo que deixar de consumir produtos de ori-
de redes, mata milhares de golfinhos, tartarugas marinhas, gem animal gera diversas vantagens ao meio ambiente. Agora,
tubarões e outros animais "capturados" mesmo que aciden- se a opção, antes de cortar, for reduzir o volume ou substituir as
talmente. Juliano Dobis, especialista em Gestão dos Recur- carnes consumidas, trocar a carne vermelha pelo frango já reduz
sos Naturais e Diretor Executivo da Associação MarBrasil, um pouco os prejuízos ambientais. Os frangos são mais eficientes
explica que as pessoas devem saber de duas situações: na conversão de ração em proteína de carne, o que reduz a área,

1.
a quantidade de fertilizante e a eletricidade necessária para a sua
“Muitas vezes quando vamos a uma peixaria e com- produção, resultando em uma pegada de carbono menor.
pramos cação, a carne que está sendo vendida é uma Mas é preciso também pensar sobre ética. As formas de cria-
raia ou um tubarão. A maioria dessas espécies está ção e confinamento desses animais geram grande sofrimento.
ameaçada de extinção, como, por exemplo, o tuba- O sistema industrial para produção de ovos e carne de frango é
rão-martelo. Além disso, como os tubarões são ani- constantemente denunciado pela crueldade e condições precárias
mais conhecidos como ‘topo de cadeia’, isto é, ani- dos animais. As galinhas passam a vida inteira em gaiolas minús-
mais que consomem todos os outros animais, eles culas onde mal podem esticar as asas, com privação total das ne-
acabam sendo o ponto final do acúmulo de conta- cessidades biológicas e psicológicas básicas.
minantes, principalmente por mercúrio, trazendo A ONG internacional Mercy for Animals fez fotos e vídeos em
com isso, sérios riscos à saúde dos consumidores da granjas de frango no Brasil mostrando o tratamento "brutal" a que
carne de cação.” as aves são submetidas. A ONG também investigou a terrível rea-
lidade das granjas suínas, onde porcos - animais sensíveis, inteli-
gentes e muito sociáveis - são mantidos em condições miseráveis.
Crédito: Isabella_Simões As imagens são chocantes e vão ao limite do que existe de mais
degradante. Você pode ver por conta própria no site www.mercyfo-
ranimals.org.br.
Os animais não são “coisas” e sim sujeitos de direito. Eles
sentem alegria, prazer, felicidade, amor, dor e sofrimento. Todos
têm uma complexa capacidade cognitiva e, por isso, são conside-
rados seres sencientes, com direitos jurídicos reconhecidos por Lei.
Quem tem um animal de estimação sabe como um gato ou um
cão são capazes de interagir e até se comunicar conosco. Um por-
co, uma vaca, e até uma galinha podem ser criados como pets e
manter essa relação. Por que, então, comemos uns e adotamos ou-
tros até como membros da família? Qual seria a diferença?
É preciso pensar sobre a ética e compreender que não devería-
mos achar que podemos decidir quem morre e quem vive. A éti-
ca não é algo imutável. Ela evolui conforme compreendemos
nossos limites e os direitos do outro, seja ele outro indivíduo
humano ou membros de outras espécies.
“A alimentação é algo muito sério. Colocamos dentro da gente
um alimento para dar energia e, com ela, desenvolver nossas ati-
vidades. Se me alimento da morte e do sofrimento de um ser, não

2.
“A pesca do camarão ocorre com o método do ar- tem como eu não ingerir essa energia depositada no momento da
rasto de uma rede no fundo do mar. Esse arrasto, morte dele. Isso é muito grave e ingerimos isso”, alerta Tiago Perez.
além do camarão, acaba capturando outros diver- Perez reforça que muitos pecuaristas e indústrias na Europa es-
sos organismos marinhos, que acabam morrendo na tão trocando fazendas de leite para produção de leite vegetal. Já
rede, muitas vezes ainda juvenis, sem nem ter se re- há um movimento, tanto pelo fator mercadológico de renda, como
produzido ainda. A estimativa é de que, a cada qui- também no entendimento desse impacto. “A criação tradicional
lo de camarão, dez quilos de outros organismos não é nada sustentável”.
marinhos são mortos. Resumindo: seria importante É preciso também pensar em saúde pública. Um relatório fei-
que a população não se alimentasse mais de cação e to pela Comissão EAT-Lancet, concluiu que dietas não saudáveis
camarão”. representam um risco maior de mortalidade do que sexo inse-
guro, álcool, drogas e uso de cigarro, por exemplo. A EAT-Lan-
cet é uma plataforma global de base científica, focada em mudar
Crédito:Pixabay o sistema alimentar global em direção a um modelo mais justo e
sustentável e que promova a saúde para as pessoas e para o plane-
ta. Conheça a plataforma:

Aponte a câmera do
seu celular para o
QR Code
38 JustiçaECO

Cidadania

O esforço conta com o envolvimento de 37 cientistas de 16 paí- “A produção global de alimentos ameaça a estabilidade climática
ses, em vários campos, incluindo saúde humana, agricultura, ciên- e a resiliência dos ecossistemas. Sem ação,
cia política e sustentabilidade ambiental. o mundo corre o risco de não atender
“A transformação para dietas saudáveis até 2050 vai exigir mu- aos Objetivos do Desenvolvimento
danças substanciais na dieta. O consumo geral de frutas, vegetais, Sustentável da ONU e do Acordo de
nozes e legumes terá que duplicar, e o consumo de alimentos como Paris”, complementa Johan Rocks-
carne vermelha e açúcar terá que ser re- tröm, PhD do Instituto Potsdam
duzido em mais de 50%. Uma dieta de Impacto Climático, do Centro
rica em alimentos à base de plantas de Pesquisa e Resiliência de Esto-
e com menos alimentos de origem colmo.
animal confere benefícios à saúde
e ao meio ambiente" diz Walter
Johan Rockström
Willett, da Escola Chan de Saúde
Pública, de Harvard, e presidente
da Comissão EAT-Lancet.
As escolhas que fazemos hoje são vitais para um futuro seguro
dos alimentos. Os recursos que usamos para produzir nossos ali-
Walter Willet
mentos estão se tornando mais preciosos neste clima em mudança.
Todos podemos adotar atitudes para minimizar as mudanças cli-
máticas, respeitando os alimentos que estão se tornando cada vez
O levantamento aponta que a produção global de alimentos mais difíceis de produzir.
ameaça a estabilidade climática e a resiliência dos ecossistemas e “Quando montamos nosso prato, tendemos a ir primeiro no bife
constitui o maior impulsionador individual de degradação e trans- e depois em alguns acompanhamentos. Isso gera uma monotonia
gressão das fronteiras planetárias. Tomados em conjunto, o resul- no cardápio: a carne e mais alguma coisa. A gente depende de um
tado é terrível. Uma transformação radical do sistema alimentar tipo de alimento na dieta. Quando se abre
global é urgentemente necessária. mão disso, automaticamente, busca-
-se outros alimentos, receitas e
formas de se alimentar, deixan-
Crédito: Pexels do o prato e a alimentação
muito mais rica e nutritiva.
Isso é muito importante”,
reforça o consultor Tiago
Perez.

O engenheiro ambiental Tiago Perez


é vegetariano há 12 anos. Presenciar
o sofrimento de um bezerro prestes a
morrer foi decisivo na escolha alimentar.
Crédito: acervo pessoal.

Uma dieta rica em alimentos à base de


plantas e com menos alimentos de origem
animal confere benefícios à saúde e ao
meio ambiente.

4 dicas de filmes e vídeos sobre os problemas do consumo de carne:

1. 2. 3.

WHATTHEHEALTHFILM.COM

4.
YOUTUBE NETFLIX MOOBILIZE.EARTH
JustiçaECO 39

Cultura

FOTOGRAFIA
[ FOTOGRAFIA ] COM FUNÇÃO
Mário Barila AMBIENTAL E
SOCIAL

“Muita água, muita vida. Pouca água, pouca vida. Sem água, Pantanal e nas Serras da Capivara e das Confusões. Também reali-
sem vida.” A frase do velejador Sir Peter Blake sintetiza a impor- zou doações para instituições como a Tucca, que cuida de crianças
tância vital da água para a vida no nosso planeta e serviu de inspi- carentes com câncer, a Caraivaviva, na Bahia, e para a Pastoral do
ração para as ações do “Projeto Água Vida”, do fotógrafo e ambien- Menor, no Pará.
talista Mario Barila. Por onde passa, Mario promove ações sociais No Paraná, o “Projeto Água Vida” participou em 2020 de uma
e ambientais. E muitos dos custos das iniciativas são pagos com a iniciativa, em parceira com o Observatório de Justiça e Conserva-
venda das fotografias que ele faz. ção (OJC), para proteger a Ilha do Mel, ameaçada pela possibili-
Mario sempre gostou de fotografar. Começou ainda adolescente dade de construção de um complexo industrial portuário. Foram
com uma câmera Zeiss Icon do pai. Sempre que viajava, buscava plantadas 500 árvores nativas da Mata Atlântica no continente, em
retratar os locais visitados. Insatisfeito com o resultado das fotos frente à Ilha.
que fazia, procurou estudar mais sobre o assunto e acabou fazendo A mais nova iniciativa do projeto do fotógrafo será também na
workshops com o renomado fotógrafo Araquém Alcântara, precur- região sul do país. Ele pretende estar agora à frente de uma ação
sor da fotografia de natureza no Brasil. A essa altura, Mario já que visa plantar espécies nativas da Floresta com Araucária e, com
estava usando uma Nikon F5. Acabou ficando amigo e fez até algu- isso, fortalecer as condições de sobrevivência da gralha-azul, a ave
mas assistências para o mestre Araquém. Nas viagens pelo Brasil, dispersora do pinhão, a semente das araucárias. Fotos da região sul
percebia muita pobreza e dificuldade nos locais visitados. E foi isso já foram feitas no Parque Nacional do Iguaçu, no oeste do Paraná, e
que o levou a buscar um modo de ajudar as comunidades visitadas. há uma exposição delas agendada para março de 2021, na Estação
A forma encontrada foi usar a venda das fotos para realizar alguma Paulista do metrô. Os valores arrecadados com a venda das ima-
ação social ou ambiental nos locais por onde passava. gens vão custear novas ações e expedições fotográficas. Mais
Desde então, Mario já promoveu ações de reflorestamento em detalhes e imagens do “Projeto Água Vida” estão disponíveis
Fernando de Noronha, na Amazônia, no Pantanal, na Chapada dos no site: www.mariobarila.com.br.
Veadeiros, em Mariana e Brumadinho. Ele também doou computa- Confira alguns registros já feitos por Mário.
dores para escolas carentes em Ilhabela, nos Lençóis Maranhenses,
40 JustiçaECO

Cultura

Bonito

Lençóis Maranhenses

Ilhabela
JustiçaECO 41

Cultura

Portugal

Mariana
Pantanal

Fernando de Noronha
42 JustiçaECO

Meio Ambiente

MATA DO URU

UM OÁSIS DE
CONSERVAÇÃO
AMBIENTAL, QUE
SOBREVIVE EM MEIO
AO PREDOMÍNIO DA
AGRICULTURA,
PECUÁRIA E DOS
REFLORESTAMENTOS Crédito: Zig Koch

Localizada a apenas seis quilômetros do


município da Lapa, no Paraná, a Reserva
Mata do Uru tem 128 hectares, 76% deles
cobertos por Floresta com Araucárias.
Em 17 anos de apoio, o Grupo Positivo, Brasil

por meio da gráfica, já investiu quase R$ Estado do Paraná

2 milhões na conservação, manutenção Município da Lapa


Apa Escarpa
e gestão da área Devoniana
RPPN Uru

Esta história de conservação começou com um sonho de família


e se tornou uma das mais bem-sucedidas parcerias de proteção am-
biental do Brasil. A Mata do Uru, Reserva Particular do Patrimônio
Natural (RPPN), é hoje uma das maiores referências brasileiras em
relação ao Pagamento por Serviços Ambientais (PSAs) envolvendo
uma propriedade privada. O convênio histórico entre o dono da
área e a empresa Posigraf, gráfica do Grupo Positivo, começou em
2003 e é mantido até hoje. A iniciativa pioneira serviu de mode-
lo para 40 outras parcerias que existem hoje, em três estados do
Brasil.
Localizada a apenas seis quilômetros do município da Lapa, no
Paraná, a Reserva Mata do Uru tem 128 hectares, 76% deles cober-
tos por Floresta com Araucária. O arvoredo forma uma espécie de
manto protetor que abriga muitas espécies vegetais e animais. No
local, já foram identificadas mais de 573 espécies da flora, sendo
15 ameaçadas de extinção, e 41 espécies de mamíferos de médio e
grande portes, sendo dez em extinção.
JustiçaECO 43

Meio Ambiente

Além da proteção de uma importante área em estágio avançado de conser-


vação, o espaço é berço de pesquisa científica e serve para ações de visitação
voltadas à educação ambiental. Um modelo que pode ser replicado ainda mais, em
escala nacional, com políticas públicas e envolvimento da iniciativa privada. “Esses
pesquisadores já descobriram algumas espécies novas e outras que acreditavam estar
extintas. "Nós temos imensa satisfação em ver a área sendo usada por colégios para a
educação ambiental e formação do cidadão de amanhã. Um agradecimento especial
à Posigraf, que há mais de 15 anos nos ajuda a manter a área. Essa é uma parceria de
valor elevado, pois envolve o particular, empresa privada e o tercei-
ro setor. A família dona da área, sozinha, não conseguiria manter
um local como este de forma adequada”, conta Aristides Tadeu
Gianello, um dos proprietários da Uru.
Cercada por fazendas, dedicadas à agricultura, pecuária e re-
florestamentos de espécies exóticas, a Mata do Uru é uma das
raras propriedades da região que escaparam da devastação e
da exploração comercial. Por ficar nos limites do Parque Estadu-
al do Monge, a reserva funciona como área de amortecimento da
unidade de conservação, ajudando a preservar a vegetação nativa em
seu entorno e evitando impactos ambientais, além de ser um importan-
te corredor ecológico para diversas espécies.

Como tudo começou


A Fazenda Uru foi adquirida na década de 1950 pelo Sr. Ari Cam-
panholo, que tinha como objetivo preservar os remanescentes ali
existentes. Em 1985, Gabriel Campanholo, filho de Ari, mudou-se Pica-Pau de
para a fazenda onde morou até o fim da vida. Durante décadas, Topete Vermelho.
Gabriel se dedicou ao plantio de espécies nativas, como o pinheiro Crédito: Zig Koch
paranaense. Foram 80 mil mudas plantadas e acompanhadas.
Para proteger a fauna, os caçadores eram afugentados tanto quan-
to possível. este modo de gestão e dar continuidade”, diz Aristides Tadeu
No início da década de 2000, Gabriel começou o processo para Gianello, um dos proprietários da Uru.
transformar a área em Reserva Particular do Patrimônio Natural Atualmente, o Programa Desmatamento Evitado apresenta
(RPPN), via IBAMA. A regulamentação só foi concluída meses após um resultado de mais de 4.500 hectares de remanescentes na-
sua morte, em 2004. Durante sua jornada, Gabriel enfrentou diver- tivos conservados e cerca de 40 propriedades apoiadas em três
sas dificuldades para conservar a propriedade. Até que certo dia, estados do sul do Brasil, viabilizadas pelo apoio de 17 institui-
ouviu uma entrevista pelo rádio do fundador e diretor executivo ções.
da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental Os recursos oriundos do PSA, por determinação legal, necessa-
(SPVS), Clóvis Borges, falando sobre a importância da conservação riamente devem ser aplicados na RPPN (Reserva Particular do Pa-
da natureza e da Floresta com Araucária. trimônio Natural) para manutenção da área. “Este aporte financei-
O contato foi por carta, endereçada a Borges. No texto, Gabriel ro possibilita que pequenas obras sejam planejadas e executadas,
explicava os problemas que proprietários rurais enfrentavam para como, por exemplo, refazer uma cerca, consertar uma ponte e até
conservação, destacando a dificuldade financeira. “Eu e o botânico promover melhorias na casa existente no local, onde mora o fun-
Ricardo Brites fomos até a reserva, uma área espetacular, em está- cionário”, esclarece Gianello.
gio avançado de preservação. Lembro de andar na picada e discu-
tir o que poderia acontecer ali para apoiar o trabalho solitário de
Gabriel. Neste momento, houve uma percepção de oportunidade,
em que duas demandas complementares poderiam ser atendidas:
a busca por áreas de Floresta com Araucária a serem protegidas e
a ajuda que o proprietário precisava. Fizemos essa aliança aconte-
Este aporte financeiro possibili-
cer. Firmamos um convênio histórico, com a adoção da reserva ta que pequenas obras sejam pla-
pela empresa Posigraf que perdura até hoje e é um dos mais
longos processos de Programa de Serviços Ambientais (PSA), nejadas e executadas, como, por
no Brasil”, destaca Clóvis Borges.
exemplo, refazer uma cerca, con-
sertar uma ponte e até promover
Iniciativa pioneira melhorias na casa existente no lo-
A Reserva Mata do Uru foi a primeira a integrar o Programa de cal, onde mora o funcionário.
Adoção de Áreas que, a partir de 2007, passou a se chamar Pro-
grama Desmatamento Evitado (PDE). A base é a aliança entre em-
presas interessadas na causa ambiental e proprietários de reservas
naturais bem conservadas. Essa parceria promove a viabilização de
recursos suficientes para manutenção de pessoal, para manejo da Pesquisa e Educação Ambiental
reserva, elaboração e execução do plano de manejo e obras neces-
sárias. Uma relação harmoniosa entre o proprietário, a empresa e Precursora da iniciativa, a Posigraf foi a primeira gráfica no
a intervenção técnica da SPVS que já dura quase 20 anos. “Esse Brasil a conquistar a certificação ISO 14001 e foi reconhecida
legado representa a materialização da vontade do meu avô, Sr. com o SELO SESI ODS 2017, que premia projetos de organiza-
Ari M. Campanholo que, nos anos 1950, adquiriu a área com ções públicas e privadas voltados aos Objetivos do Desenvolvi-
o fim específico de preservar a mata em que o ‘pinheiro Arau- mento Sustentável (ODS). A gráfica foi a vencedora na categoria
cária angustifolia era a mais bela das árvores’, nas palavras Grande Indústria, com o case “Compromisso com a Conservação
dele. Seu filho, Gabriel Campanholo, renunciando sua vida da Biodiversidade”, validado pela Certificação LIFE. A adoção da
profissional e até pessoal, deu continuidade à preservação e Mata do Uru, garantindo a preservação da área, foi a mais impor-
ajudou a moldar esta forma de gestão particular-público-pri- tante ação para que a gráfica se tornasse a primeira indústria bra-
vada. A nós, atuais proprietários, cabe o papel de aperfeiçoar sileira a receber a Certificação LIFE.
44 JustiçaECO

Meio Ambiente

Em 17 anos de apoio, o Grupo Positi-


vo, por meio da gráfica, já investiu qua- Abrigo de
se R$ 2 milhões na conservação, manu-
tenção e gestão da área. “Acreditamos nascentes e rios
que iniciativas concretas e pioneiras pro-
movem e inspiram o setor privado empre- Preservar a Mata do Uru,
sarial a assumir um papel de pró-atividade além de perpetuar os últimos
e implantar iniciativas capazes de modifi- remanescentes de floresta e a
car o cenário de conservação da natureza biodiversidade existente nela,
no Brasil”, ressalta Andréa Luiza Arantes, é salvar um recurso essencial
coordenadora do Sistema de Gestão da Po- para toda a vida, a água. A
sigraf. análise da hidrografia da re-
O foco da adoção está em manter a gião indica que a reserva faz
biodiversidade da floresta, mas também parte da grande bacia do Rio
abriu espaço para o desenvolvimento Iguaçu que, por sua vez, inte-
de mais de 15 pesquisas científicas e gra a bacia do Rio Paraná, a
atividades educativas no local. “A ação mais importante do Estado e
de adoção da Mata do Uru vai além do que abrange cerca de 80% do
objetivo conservacionista. Queremos sen- território.
sibilizar as pessoas sobre a importância da Um levantamento de
conservação da biodiversidade para garan- campo realizado na Reser-
tia da qualidade de vida. Conscientizar a va mostrou que existem 34
comunidade, crianças e adolescentes so- nascentes e 40 rios dentro
bre o impacto da conservação em aspectos de seu perímetro. O maior
como qualidade do ar, regulação do ciclo curso d’água é o Rio Calixto.
da água, disponibilidade de recursos que O regime das águas, as rochas
são extraídos da natureza para produção e a alta declividade do solo em
de medicamentos, vestuário, e vários ou- alguns locais deram origem a
três belas quedas d’água. A Crédito: Zig Koch
tros produtos”, diz Andréa.
maior tem cerca de dez me-
tros de altura.

Visitação
“A importância das ações de educação ambiental e apoio às pesquisas científicas de-
monstra como é possível viabilizar o investimento do setor empresarial em iniciativas que
promovem a proteção do Patrimônio Natural, o combate às mudanças climáticas e a pro-
Desde 2014, o Programa de Educação teção de espécies ameaçadas. Essa combinação resulta em um processo colaborativo, que
Ambiental já recebeu mais de 5.200 pes- contribui com a formação de futuras gerações, a manutenção da nossa qualidade de vida e
soas na área. De todas as trilhas existen- a longevidade dos negócios”, diz Giem Guimarães, diretor-geral do Observatório de Justiça
tes na Reserva Mata do Uru, a Trilha das e Conservação e um dos idealizadores e patrocinador do projeto. Giem foi o responsável
Araucárias foi escolhida para ser revitali- por enxergar a oportunidade de parceria entre a área e a Posigraf, da qual foi diretor-geral
zada e compor o Programa de Uso Público por mais de duas décadas.
da RPPN.
A trilha, de 653 metros, teve parte do
traçado refeito para melhor aproveitamen-
to do ambiente natural. Placas indicativas
e interpretativas foram instaladas ao longo
do percurso e em uma pequena praça pró- A origem do nome
xima à sede da propriedade, facilitando o
entendimento da dinâmica ecológica de Uru é uma pequena ave, típica da Mata Atlântica. A ave encontra na reserva um
uma área natural protegida. refúgio importante. As armadilhas fotográficas já captaram imagens de bandos de
Caminhando pelas trilhas é possível ob- Urus passeando pela mata protegida.
servar vários animais e plantas da Floresta Ela anda em grupos pelo solo e prefere escapar correndo, evitando voar. Seu
com Araucária. “Com o Programa de Edu- canto se destaca pela lenta e duradoura sequência de notas dissilábicas “u-rú”. Os
cação Ambiental temos o objetivo de co- ninhos são construídos no solo, às vezes dentro de um buraco. O casal canta em
nectar o visitante com a natureza, algo dueto. O macho inicia a cantoria e logo a fêmea se junta a ele. Isso ocorre no final
que normalmente está muito distante para das tardes, quando as aves estão empoleiradas para dormir. Quando um casal
a maioria das pessoas, principalmente, começa a cantar, o restante do bando silencia. Assim que o primeiro se cala, outro
para aquelas que vivem em grandes cen- casal começa a cantar.
tros urbanos, acrescenta Andréa. Diversos outros animais também já foram fotografados e filmados na Mata do
Uru. Confira a galeria:

Uru Calango Veado-catingueiro Gralha-azul

Irara Jararaca Bugio-ruivo Tucano-de-bico-verde


JustiçaECO 45

Meio Ambiente

Responsabilidade ambiental
A Posigraf, gráfica do Grupo Positivo, tem um sistema de gestão de áreas naturais com o nosso negócio”, esclarece.
ambiental implementado com o principal objetivo de minimizar o Atualmente, são realizadas no local atividades de educação am-
impacto de suas atividades no meio ambiente. Dentro do Sistema biental e pesquisas científicas. Desde que o Programa de Educação
de Gestão Integrado, a gestão ambiental é essencial para garantir Ambiental foi iniciado, a mata já recebeu mais de 4 mil visitantes,
o respeito ao meio ambiente, a minimização dos impactos e a uti- reforçando o compromisso da Posigraf com a multiplicação do co-
lização racional dos recursos. Uma das ações mais significativas nhecimento e conscientização das futuras gerações sobre a impor-
voltadas a esse objetivo é a adoção, em 2003, da Reserva Mata do tância da realização de ações de conservação da biodiversidade.
Uru, na Lapa (PR). “O Programa informa e sensibiliza alunos sobre a importância das
Por meio de um Programa de Desmatamento Evitado (PDE) áreas naturais protegidas e sua estreita relação com a qualidade
– uma iniciativa da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e de vida, além de aproximar a realidade ambiental da Floresta com
Educação Ambiental (SPVS) – o Grupo Positivo garante recur- Araucária, para formar tomadores de decisão conscientes e críticos
sos para manter a conservação da Mata do Uru. Ao longo dos das necessidades de ações e de políticas públicas no campo de con-
17 anos, o grupo já investiu quase R$ 2 milhões na conserva- servação da natureza”, explica.
ção e manutenção da área e, com esse investimento, consegue O público alvo são estudantes de ensino fundamental, médio,
minimizar os impactos de emissão de carbono gerados pela universitários, técnicos e visitantes com interesse na Reserva. Os
empresa. grupos de visitação são compostos por, no máximo, 30 pessoas por
“O Grupo Positivo entende a conservação da biodiversidade e a período, que são conduzidas por profissionais capacitados em uma
sustentabilidade como estratégia de manutenção dos negócios. En- visita realizada na trilha de educação ambiental da Reserva.
tendemos que todas as organizações, independente do tamanho ou
do setor de atuação, impactam de alguma forma o meio ambiente,
seja pela utilização de matérias primas oriundas da natureza, seja
pelo consumo de água, energia, geração de resíduos, gases do efei-
to estufa, até pela ocupação da área e mudança das atividades do
solo”, conta a coordenadora de sistema de gestão no Grupo Positi-
vo, Andréa Arantes.
Para ela, a contrapartida é que, ao mesmo tempo que as orga-
nizações geram impacto ao meio ambiente, elas também precisam
dos serviços fornecidos pela natureza, como regulação do clima e
fornecimento de todos os insumos para produção e manutenção
dos negócios. “Então, a partir do momento em que começamos a
enxergar a conservação da biodiversidade como estratégia, conse-
guimos entender a ligação direta da conservação da Mata do Uru e
NESTE NATAL,
VALORIZE O QUE É DA
NOSSA NATUREZA.
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que busca reunir pessoas que respeitam e
valorizam a natureza.

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o que acontece na área ambiental e que clamam
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