Fundamentos Da Tábua de Sexuação

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MINICURSO

A tábua da
sexuação
E seus desdobramentos
para o homem e a mulher

Thaís Limp e Luciano Pachêco


1 Os fundamentos da tábua
da sexuação
Aula de 10/10/20
...eu enuncio que o discurso
analítico se sustenta pelo
enunciado de que não há, de
que e impossível colocar-se a
relação sexual.”
—Jacques Lacan
Seminário 20, lição de 21 de novembro de 1972
Fundamentos da tábua da sexuação
Recordemos que, em Freud, a sexualidade humana se desenvolve sobre o
falo (o primado do falo)
• Os complexos freudianos do Édipo e da castração se dão sobre a única
diferença anatômica preponderante na infância – uma protuberância
nos machos da espécie
• “a característica principal dessa organização genital infantil é
sua diferença da organização genital final do adulto. Ela consiste
no fato de, para ambos os sexos, entrar em consideração apenas
um órgão genital, ou seja, o masculino” (Freud, 1923, p. 180 - A
organização genital infantil).

• O falo não se confunde com o órgão masculino, mas com a


representação que se dá no psiquismo a partir da diferença marcada
por ele.
Fundamentos da tábua da sexuação
A teoria explica relativamente bem a questão para o menino, mas a
feminilidade é para Freud um “continente obscuro” (Freud, 1926, p. 205 - A
questão da análise leiga)

• Pelo complexo de castração a menina inicia o Édipo


(constatação/inveja) – no menino, a castração o dissolve (ameaça).
• Encerrar o Édipo para uma mulher seria um desafio que poderia
terminar de 3 formas*:
1. a inibição sexual (neurose);
2. o complexo de masculinidade;
3. Feminilidade;
• Esta última, marcada pela substituição do desejo de
pênis pelo desejo de um filho. (Volta-se ao pai, a mãe
torna-se rival/modelo identificatório)
*A dissolução do Complexo de Édipo, 1924
Fundamentos da tábua da sexuação
A elaboração lacaniana:
• Lacan se distancia da reivindicação fálica que a castração causa na
menina e se concentra no efeito de divisão que o primado do falo
lhe causa.
• Ele também se afasta da questão da identificação e introduz a
questão do gozo.
• “a feminilidade é a problemática de um ser que não pode se
assujeitar inteiramente ao Édipo e à lei da castração” (André, 1998, p.
209)

• Dois pontos base sobre a teoria da sexuação em Lacan:


gozo e divisão.
• Estes pontos vão nos orientar nesta aula.
Fundamentos da tábua da sexuação
Gozo
• O que diz o direito: gozar de algo é poder usa-lo até o abuso, ponto
em que se coloca um limite – o usufruto.
• O limite que o direito coloca ao gozar se refere a utilidade
(utilização)
• O gozo de que fala Lacan é o contrario do gozo do direito, pois ele
se opõe ao útil e por isso torna-se ilimitado.
• “O gozo se coloca assim como uma instância negativa que
não se deixa reduzir nem às leis do princípio do prazer, nem
ao cuidado da autoconservação, nem à necessidade de
descarregar a excitação” (André, 1998, p. 212).
• Esta seria a noção de gozo ‘amplo’, que se aproxima do real.
Fundamentos da tábua da sexuação
Gozo sexual
• De dentro dessa noção de gozo amplo, Lacan extrai a noção de
gozo sexual.
• Para ele o gozo sexual é uma limitação do gozo geral:
• “O gozo sexual faz limite, porque depende do significante: é
com efeito o significante que introduz a dimensão do sexual
no ser humano — ou seja, a organização fálica e a
concentração em que ela implica sobre um órgão que o
significante isola do corpo” (André, 1998, p. 212).
• O gozo sexual é limitado pelo falo, pelo significante fálico.
Fundamentos da tábua da sexuação
Freud
Para dizer de um gozo sem limites e do gozo limitado, Freud elabora uma
estória mítica em Totem e Tabu - O mito da horda primeva:
• No princípio da humanidade, existia uma horda primeva, na qual
apenas o pai-chefe podia tomar para si todas as mulheres do clã. Seus
filhos, insatisfeitos com a tirania do Pai, se rebelaram e o assassinaram,
comendo seu corpo. Após esta passagem ao ato, se sentiram culpados
e, para evitar um novo tirano entre eles, instituíram que nenhum deles
poderia tomar todas as mulheres.
• A morte do pai o torna um elemento simbólico cujo efeito de interditar
os filhos se torna mais eficaz.
Fundamentos da tábua da sexuação
O mito da horda
• “O mito freudiano parece indicar, de fato, que só aquele que
não é castrado, ou seja, o pai primitivo, pode gozar, no sentido
em que pode possuir todas as mulheres; quanto aos filhos, estes
se vêem divididos entre a vontade de gozar como o pai e o
temor de serem por ele castrados. Sabe-se que, acreditando
resolver assim sua ambivalência, eles acabam se resolvendo a
matar o pai; realizado esse ato, gozam ainda menos do que
antes, pois que interditam a si mesmos, mais rigorosamente
ainda, o gozo que cobiçavam, instituindo as regras do tabu”
(André, 1998, pp. 212-213).
Fundamentos da tábua da sexuação
• Para Lacan o gozo do pai primevo não é gozo sexual. Lacan o chama
de gozo do ser (corresponde ao gozo amplo).
• o gozo do ser se situa em um tempo não marcado pelo
significante falo, ou seja, pela castração.
• Para ele, o gozo sexual seria um recorte feito no campo do gozo
(amplo).
• Essa restrição, se inclui enquanto falta que permite o sujeito ter
acesso a algum gozo, pois o gozo infinito traz uma impossibilidade.
• “Este gozo nos é, certamente, quase inacessível, pois não
correspondendo a desejo algum do sujeito, resiste a toda apreensão
e a todo raciocínio significante. As populações que se reproduzem
não têm a menor idéia de seu gozo de ser que, de resto, se
manifesta na maior parte do tempo sob aspecto de sofrimento”
(André, 1998, p. 213).
Fundamentos da tábua da sexuação
O gozo do ser e o gozo sexual
• A humanidade se pergunta: De onde viemos, para onde vamos?
• O que nos faz existir é o significante, ou seja, o que isolamos do
infinito para que possamos nos orientar
• Quão grande é o cosmos?
• Nossa existência enquanto seres que pensam sobre si seria um
acidente o universo que não sabe que é/existe?
• o significante (a linguagem) é o que nos permite nos destacar do
sem-sentido e não sermos aniquilados por ele.
• Por isso Lacan liga o significante a possibilidade de existência.
• Mas, se esmaece o limite da linguagem, nos deparamos com o real
do gozo e nos angustiamos.
Fundamentos da tábua da sexuação
• Um rio que só existe por que tem margens, que o limitam.
• Mas, às vezes, ele transborda:
• “E, para dizer tudo, o gozo sexual tem o efeito de nos
interditar. O gozo sexual, de fato, não é alguma coisa onde
ingressamos por nosso ser, mas sim pelo significante. Ora, a
organização significante apresenta essa característica, que
forma a base da elaboração freudiana da castração: falta ali
um significante, aquele que daria conta do sexo feminino
como tal. Só há um significante da sexuação: o falo”.
(André, 1998, pp. 213-214)
Fundamentos da tábua da sexuação
• Se há um significante que delimita o gozo sexual, o que está fora
dele é não-simbolizável, não compreensível e indizível: fora da
linguagem
• Por isso não há dois sexos: há um sexo, o delimitado pelo falo. Este
seria o lado homem.
• Do outro lado, não delimitado pelo falo, há um infinito. Este seria o
lado mulher.
• Por isso não há equivalência homem e mulher, como se o feminino
e o masculino fossem pares opostos complementares: as metades
da laranja... (leite e café, carne e unha)
• Se não há um complemento para o sexo delimitado pelo falo, logo,
não há relação.
Fundamentos da tábua da sexuação
• Se não há um complemento para o sexo delimitado pelo falo, logo,
não há relação.
• “ao nível do discurso inconsciente, não há relação formulável
entre dois sexos opostos. Para o inconsciente, o Outro
sexuado não existe, a Mulher não recebe fundamento para
seu ser. O gozo sexual, por isso, articulando-se ao significante
fálico, exclui a possibilidade que se goze de um ser feminino
como tal” (André, 1998, p. 214).
Fundamentos da tábua da sexuação
• É o falo, enquanto significante que realiza essa divisão do gozo: De
um lado ele o proíbe, de outro ele o permite.
• “O gozo interdito pelo significante é o gozo infinito, aquele que
Freud supunha ao pai primitivo e cujo princípio geral poderia ser
assim enunciado: todo homem pode gozar de toda mulher. O
primado do falo implica, com efeito, na impossibilidade da relação
de sexo a sexo, de um "ser macho" a um "ser fêmea", só
autorizando a relação no registro do semblante” (André, 1998, p. 214).
• E por estar na dimensão do significante (da linguagem) não
prevalece no ser humano o instinto sexual, no sentido da atração
automática de todo homem por toda mulher e vice-versa (André,
1998)
Fundamentos da tábua da sexuação
• Esse gozo que não é o regido pelo falo, Lacan o chama de ‘Outro’.
• O gozo do Outro é um fora-da-linguagem:
• “Deste, não temos idéia alguma, pois ele escapa ao domínio
do significante: só podemos supô-lo [quando] o deduzimos
logicamente do furo de alguns discursos, como o dos
psicóticos ou o de alguns místicos” (André, 1998, p. 216).
• Este gozo do Outro Lacan o situa do lado feminino.
Fundamentos da tábua da sexuação
• No seminário 20, onde Lacan elabora a tábua da sexuação, ele
retoma as discussões de Freud sobre a bissexualidade e reformula
a diferença entre a posição masculina e a posição feminina no ser
humano.
• Para isso, ele faz uso de algumas fórmulas matemáticas e noções
de lógica criando um quadro com dois lados, que chamamos de
tábua da sexuação ou fórmulas quânticas da sexuação.
• Vejamos:
Tábua da sexuação
• A coluna da esquerda descreve a posição estrutural do homem,
enquanto que a da direita, se refere a mulher.
• Essa divisão em dois lados “não corresponde absolutamente à
diferença anatômica entre os sexos, mas indica uma divisão do
sujeito em duas metades, sendo a escolha da posição subjetiva
determinada no próprio discurso do sujeito, às vezes contra sua
anatomia” (André, 1998, p. 219).
• Em ambas colunas, todas as operações lógicas se referem à função
do falo (Ф), o que demonstra que a posição do sujeito em relação a
sexuação, quer seja homem ou mulher, se dá de acordo com a
maneira em que este se insere na função fálica.
• Na linha do meio da tabela se encontram as fórmulas
proposicionais, subordinadas por quantificadores existenciais e
universais.
Proposição existencial Proposição existencial

Proposição universal Proposição universal

• O x designa o sujeito e o traçado superior nega a proposição.


• A proposição na primeira linha, a que começa com um ∃ (existe) é
chamada de existencial.
• A de baixo, que começa com um ∀ (para todo) é a proposição
universal.
• No lado homem, as fórmulas podem ser lidas assim (André, 1998):
• Proposição existencial:
∃ x . (Φ x) : existe um sujeito para quem a função fálica (Фx) não
opera, ou seja, existe ao menos um homem para quem a castração
não incide. [o pai da horda]
• Proposição universal:
∀ x . Φ x : para todo sujeito é verdadeiro que a função fálica
funcione, isto é, todo homem está sujeito à castração.
• No lado mulher, lê-se (André, 1998):
• Proposição existencial:
(∃ x) . (Φ x) : não existe sujeito para quem a função fálica (Фx) não
opere, ou seja, não existe nenhuma mulher para quem a castração
não incida, não há exceção e nenhuma ‘supermulher’ funda a
existência de um sexo não-fálico.
• Proposição universal:
(∀ x) . Φ x : para não-todo sujeito é verdadeiro que a função fálica
funciona, ou, a mulher é não-toda sujeita à castração.
• Nas próximas aulas exploraremos a linha basal da tábua e as
consequências dessa elaboração para o homem e a mulher.
Referências
● André, S. (1998). O que quer uma mulher? (D. D. Estrada, trad.). Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed.

● Freud, S. (2006). Totem e tabu. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 13, pp. 21-162). Rio de
Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1913).

● Freud, S. (2006). A organização genital infantil: uma interpolação na teoria da


sexualidade. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas
de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 19, pp. 153-161). Rio de Janeiro: Imago.
(Trabalho original publicado em 1923).

● Freud, S. (2006). A questão da análise leiga. In S. Freud, Edição standard brasileira das
obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 20, pp. 179-
248). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1926).

● Lacan, J. (1985). O Seminário, Livro 20: mais, ainda. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed. (Trabalho original proferido em 1972-1973).
Agradecemos!
Luciano Pachêco
(31) 99477-2594 – [email protected]

Thaís Limp
(31) 98791-2231 – [email protected]

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