Matéria de 11º Ano

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PREPARAR O EXAME NACIONAL DE FILOSOFIA

MATÉRIA DO 11.º ANO


ÍNDICE

MÓDULO 3 ‒ Filosofia e racionalidade


argumentativa UNIDADE 1 ‒ Argumentação e
lógica formal

CAPÍTULO 1 ‒ Noções elementares de lógica (2-10)

CAPÍTULO 2 ‒ Percurso A – A lógica aristotélica (11-25)

CAPÍTULO 2 ‒ Percurso B – A lógica proposicional (26-44)

UNIDADE 2 ‒ Argumentação e retórica

CAPÍTULO 1 ‒ O discurso argumentativo: diversos tipos de argumentos (45-53)

CAPÍTULO 2 ‒ O discurso argumentativo: mais algumas falácias informais (54-69)

CAPÍTULO 3 ‒ A retórica e a procura da adesão do auditório (70-70)

CAPÍTULO 4 ‒ Argumentação e filosofia (71-82)

MÓDULO 4 ‒ O conhecimento e a racionalidade científico-tecnológica


UNIDADE 1 ‒ Descrição e interpretação da atividade cognoscitiva

CAPÍTULO 1 ‒ O que é o conhecimento (83-93)

CAPÍTULO 2 ‒ Análise comparativa de duas teorias do conhecimento: o


racionalismo de Descartes (94-109)

CAPÍTULO 3 ‒ Análise comparativa de duas teorias do conhecimento: O empirismo


de David Hume (110-132)

UNIDADE 2 ‒ O conhecimento científico

CAPÍTULO 1 ‒ Conhecimento vulgar e conhecimento científico (133-133)

CAPÍTULO 2 ‒ Ciência e construção: validade e verificabilidade das hipóteses


(134- 144)

CAPÍTULO 3 ‒ Racionalidade e objetividade da ciência (145-169)

1
MÓDULO 3
Filosofia e racionalidade argumentativa
UNIDADE 1
Argumentação e lógica formal
CAPÍTULO 1
Noções elementares de lógica

1. O que é a lógica?
A lógica é o estudo da validade dos argumentos.
2. Que tipos de validade existem?
Há, em termos gerais, dois grandes tipos de validade: a validade dedutiva e
a validade não dedutiva.
3. O que as distingue?
A validade dedutiva de um argumento depende exclusivamente da sua forma
lógica. A validade não dedutiva não depende unicamente da forma lógica, mas
também do conteúdo e do contexto da argumentação.
4. A que tipo de argumentos estão associados estes tipos de validade?
A validade dedutiva está associada aos argumentos dedutivos. A validade
não dedutiva está associada aos argumentos não dedutivos, como é o caso
dos argumentos indutivos, por analogia, e de outros que iremos estudar.
5. O que é um argumento dedutivamente válido?
É um argumento em que a verdade das premissas – suposta, imaginada ou de facto
– implica a verdade da conclusão. Esta é uma consequência lógica daquelas.
6. Em que condições podemos considerar que um argumento não dedutivo
é válido?
Um argumento não dedutivo é válido quando: 1. A verdade das premissas
torna mais provável do que improvável a verdade da conclusão e 2. A
verdade das premissas é relevante para que aceitemos a conclusão.
7. O que são argumentos?
Os argumentos são inferências em que certas proposições denominadas
premissas visam defender, apoiar ou sustentar a verdade de uma outra – a
conclusão.
8. Como são constituídos os argumentos?
Os argumentos são constituídos por uma determinada ligação entre proposições.
9. O que são proposições?
As proposições são ideias ou pensamentos expressos através de frases
declarativas (atribuem, declaram ou constatam) com sentido que podem ser
verdadeiras ou falsas, isto é, que têm valor de verdade.
10. O que distingue os argumentos das proposições?
Apenas as proposições podem ser verdadeiras (ou falsas); apenas os
argumentos podem ser válidos (ou inválidos). Em lógica, é incorreto dizer que
um argumento é verdadeiro ou que uma proposição é válida.
EXERCÍCIOS

Das frases a seguir apresentadas, indique, se for o caso, as que exprimem


proposições. Justifique a sua resposta.

1. Ó Madonna, não cantas nada!

Proposição. Declara-se que Madonna é má cantora.

2. Portugal já foi alguma vez campeão do mundo de futebol? Não. Nunca.

Proposição. Responde-se à pergunta dizendo que Portugal nunca foi campeão do


mundo de futebol.

3. Basta ir ao Brasil uma semana para saber que é um país tropical.

Proposição. Afirma-se que o Brasil é um país tropical, o que é uma frase


declarativa, neste caso, verdadeira.

4. Deus me livre!

Não se trata de uma proposição, mas de uma frase exclamativa.

5. Ser rico é ser poderoso.

R.: Proposição. Declara-se que os ricos são poderosos.

6. Os insetos voam e por isso são aves.

Trata-se de um argumento cuja premissa implícita é: Tudo o que voa é

ave. P1 – Tudo o que voa é ave.

P2 – Os insetos voam.

C – Logo, os insetos são aves.

7. Ser artístico implica ser belo.

R.: Proposição. Apesar da partícula «implica» não ser um argumento, diz-se


simplesmente que as coisas artísticas são belas.

8. Impostos não! São um roubo!

Apesar das exclamações, o que se quer dizer é isto: Os impostos são um


roubo. É portanto uma proposição.
II

Distinga argumentos de não argumentos.

1. Que enunciados contêm um argumento?


a) César é meu aluno há três anos. Nestes três anos, nada evoluiu.
Continua a cometer os mesmos erros.
b)Não somos livres porque algumas vezes não fazemos o que queremos.
c) A maioria dos jovens portugueses pratica sexo sem preservativo. Esse é
o resultado de um estudo recente sobre hábitos sexuais dos nossos
adolescentes. Não se conhece ainda a reação de entidades governamentais e
não governamentais.
A alínea c) é uma descrição de um facto. A alínea a) é um argumento
porque se justifica a não evolução de César dizendo que continua a cometer os
mesmos erros. A alínea b) é também um argumento porque se justifica a
ausência de liberdade afirmando que esta consiste em fazer o que queremos e
isso nem sempre acontece.
III
Clarifique os argumentos seguintes.
1.1. Porque todos os crimes são violações da lei, o roubo é uma violação
da lei. Neste argumento, não temos indicador de conclusão, mas um indicador
de premissa («Porque»). A partir desta indicação, podemos reconstituir o
argumento na forma clássica ou padrão:
Premissa: Todos os crimes são violações da
lei. Premissa: O roubo é um crime.
Conclusão: Logo, o roubo é uma violação da lei.

1.2. As mulheres grávidas não deviam fumar, dado que o tabaco pode
prejudicar o desenvolvimento do feto.
Não temos neste argumento indicador de conclusão, mas indicador de premissa
(«dado que»). O que está depois deste indicador é a premissa, e o que está
antes é a conclusão.
Esquematizando:
Premissa: O tabaco pode prejudicar o desenvolvimento do
feto. Conclusão: Logo, as mulheres grávidas não deviam
fumar.

1.3. Trezentas mil pessoas foram ao Rock in Rio, e isso leva-me a pensar
que não há crise económica em Portugal.

a) Qual é a conclusão de este argumento?

«Isso leva-me a pensar» pode traduzir-se pela expressão «Por conseguinte», o


que nos indica que a conclusão é «Não há crise económica em Portugal».
Uma das premissas está presente e é «300 mil pessoas foram ao Rock in
Rio». A outra premissa (subentendida) será «Se 300 mil pessoas foram ao
Rock in Rio, então Portugal não está em crise económica». Esta premissa pode
formular-se também do seguinte modo: «Um país em que 300 mil pessoas
foram ao Rock in Rio não é um país em crise económica».

b)Apresente o argumento.

P 1 ‒ Se 300 mil pessoas foram ao Rock in Rio em Lisboa, então não há


crise económica em Portugal.

P 2 – 300 mil pessoas foram ao Rock in Rio em

Lisboa. C – Logo, não há crise económica em

Portugal.

1.4. Portugal está em crise económica porque não soube aproveitar o dinheiro
que veio da Europa.

a) Identifique a premissa explícita, a conclusão e a premissa implícita deste


argumento.

O indicador «porque» é um indicador de premissa, ou seja, a seguir vem


uma premissa, a saber: Portugal não soube aproveitar o dinheiro que veio da
Europa. O que se pretende justificar? Que Portugal está em crise económica. Há
uma premissa subjacente. Qual? Esta: Se Portugal tivesse sabido aproveitar o
dinheiro que veio da Europa, então não estaria em crise económica.
b) Apresente o argumento.

Podemos reconstituir o argumento desta forma:


P 1 ‒ Se Portugal tivesse sabido aproveitar o dinheiro que veio da Europa, então
não estaria em crise económica.

P 2 – Portugal não soube aproveitar o dinheiro que veio da

Europa. C – Logo, Portugal está em crise económica.

1.5. Tendo sido tão desorganizados, não admira que tenhamos perdido o jogo.

a) Identifique a tese defendida.

O que se pretende provar? Pretende-se mostrar por que razão perdemos o


jogo. Que razão é apresentada? A desorganização da equipa. Esta será a
premissa explícita. A conclusão será: «Perdemos o jogo». Por outras palavras,
diz-se Perdemos o jogo porque fomos uma equipa desorganizada. Qual é a
premissa subentendida? Esta: Equipas desorganizadas não ganham jogos.

b) Apresente o argumento.

Eis a reconstituição do argumento:

P1 – Equipas desorganizadas não ganham jogos.

P2 – Fomos uma equipa desorganizada.

C – Logo, perdemos o jogo.

IV

Validade dedutiva e validade não

dedutiva 1

Assinale com V ou F as seguintes afirmações:

a) A conclusão de um raciocínio válido tem de ser verdadeira. F

b) Não podemos construir argumentos válidos a não ser com premissas


e conclusão de facto verdadeiras. F

c) O objetivo da lógica formal é determinar se entre as premissas e a


conclusão há uma relação de consequência lógica e de que depende essa
relação. V

d) Um raciocínio pode ser correto, apesar de partir de premissas falsas. V


A conclusão de um argumento pode ser uma consequência lógica das
premissas, mesmo que as premissas sejam falsas.

e) O conceito de validade diz respeito à relação que se estabelece entre as


proposições do argumento e a realidade factual. F

Falso, porque é isto que carateriza o conceito de verdade.

f) A verdade ou a falsidade de uma proposição depende da sua relação com


a realidade. O mesmo acontece com a validade de um argumento dedutivo.
F

g) Quando dizemos que a validade de um argumento dedutivo não


depende do conteúdo das proposições que o constituem, estamos a dizer que
há argumentos válidos com premissas verdadeiras, argumentos válidos com
premissas falsas e argumentos inválidos com premissas verdadeiras. V

h) Para determinar se um argumento é ou não válido, não é relevante que


as premissas e a conclusão sejam de facto verdadeiras, mas se, imaginando
que as premissas são verdadeiras, se pode ou não deduzir dessas
premissas uma conclusão falsa. Se pode, é inválido. Se não pode, não é.
V

2.1. Podemos dizer que os argumentos são verdadeiros ou falsos?

Não. Os argumentos são válidos ou inválidos, bons ou maus, fracos ou fortes,


mas nunca verdadeiros ou falsos. Falsas ou verdadeiras podem ser as premissas
ou a conclusão, ou seja, as proposições que constituem o argumento.

2.2. Em que consiste a validade de um argumento?

A validade de um argumento tem a ver com a relação entre o valor de verdade


das premissas e o valor de verdade da conclusão. Em termos gerais, a validade
de um argumento significa que as premissas sustentam e apoiam logicamente a
conclusão.

2.3. Em termos gerais, de que tipos de validade podemos falar?

Há, em termos gerais, dois tipos de validade: a validade própria dos argumentos
dedutivos e a validade caraterística dos argumentos não dedutivos.
2.4. O que são argumentos dedutivos?

São argumentos cuja validade depende exclusivamente da sua forma lógica.

2.5. O que são argumentos não dedutivos?

São argumentos cuja validade não depende unicamente da sua forma lógica.

2.6. O que carateriza um argumento dedutivamente válido?

Um argumento dedutivamente válido é um argumento com a seguinte caraterística:

• Se as premissas forem verdadeiras, então a conclusão também tem de


ser verdadeira.

Por outras palavras, se, por exemplo, for verdade que todos os portugueses
gostam de cerveja e se for verdade que Miguel é português, então segue-se
necessariamente das premissas apresentadas que é verdade que Miguel gosta
de cerveja.

Para avaliar a validade de um argumento dedutivo, não importa saber se as


premissas ou a conclusão são de facto verdadeiras. O que importa é saber
se, supondo ou imaginando que as premissas são verdadeiras, a conclusão pode
ser considerada uma consequência necessária das premissas.

2.7. O que é a validade dedutiva?


É a qualidade de um argumento em que é logicamente impossível as
premissas serem verdadeiras e a conclusão ser falsa.
2.8. Um argumento pode ser dedutivamente válido tendo premissas e
conclusão falsas?
Sim. Ex.: Um mês tem 365
dias. Um ano tem 31 dias
Logo, um mês é maior do que um ano.
2.9. Um argumento dedutivo pode ser inválido tendo premissas e
conclusão verdadeiras?
Sim.
Ex.: Bocelli é um cantor.
Todos os tenores são
cantores. Logo, Bocelli é
italiano.
2.10. Será que o argumento seguinte dedutivamente válido? Justifique.
Todos os portugueses são
filósofos. Barak Obama é
português.
Logo, Barak Obama é filósofo.
R.: É válido. Apesar de as premissas e a conclusão serem falsas, verificamos que
as premissas implicam a conclusão, ou seja, esta segue-se daquelas. Dadas
as premissas, a conclusão só pode ser esta. Deriva necessariamente das
premissas. Se assumirmos que não há português que não seja filósofo, assumir
que Barak Obama é português implica que é filósofo.
3

Mostre se os seguintes argumentos são dedutivamente válidos, ou seja, se


as premissas obrigam a aceitar a conclusão.

3.1. Dado que Miguel é «Peixes», segue-se que nasceu em março.

Argumento dedutivamente válido porque a conclusão é suportada pelas


premissas, seguindo-se dela sem margem para dúvidas.

Todos os nativos do signo «Peixes» nasceram em março. Miguel é nativo do signo


«Peixes». Logo, Miguel nasceu em março.

3.2. As estatísticas revelam que 86% das pessoas que se vacinam contra a
gripe não a contraem. João vacinou-se contra a gripe há dois meses. Logo, João
ficará imune à gripe que agora atinge tanta gente.

Este argumento não é dedutivamente válido porque parte-se da premissa de


que algumas (muitas mas não todas) pessoas que se vacinam contra a
gripe não a contraem. Do facto de João se ter vacinado pode inferir-se que
provavelmente não será afetado por essa doença, mas as premissas não
garantem absolutamente a verdade da conclusão. Só seria dedutivamente
válido se a premissa inicial dissesse:
«Todo aquele que se vacina contra a gripe não a contrai».

3.3. Esta caixa registadora contém mais de 50 moedas. Dez moedas


tiradas ao acaso tinham datas anteriores a 1945. Logo, as moedas da caixa
terão datas anteriores a 1945.

É provável que as moedas tenham datas anteriores a 1945, mas pode também
haver nessa caixa moedas posteriores a 1945. O que é verdade no que
respeita a dez moedas não é necessariamente verdadeiro para as restantes. O
raciocínio generaliza
uma observação que nada garante não poder ser desmentida por
observações posteriores. Não há qualquer necessidade lógica na passagem das
premissas à conclusão. As premissas não obrigam a aceitar a conclusão. Por
isso, não é um raciocínio dedutivamente válido.

3.4. Os dois argumentos seguintes são dedutivamente válidos?

1 2
José Saramago e António Lobo José Saramago e António Lobo
Antunes são escritores famosos. Antunes são arquitetos famosos.
Logo, José Saramago é um Logo, José Saramago é um arquiteto
escritor famoso.
famoso.

Os dois argumentos são válidos. A validade do segundo não é afetada pelo facto
de, ao contrário do primeiro, ser constituído por proposições falsas. Imaginando
um mundo em que Saramago e Lobo Antunes fossem arquitetos, a premissa
seria verdadeira e daí seguir-se-ia que a conclusão teria de ser verdadeira.
Tendo a mesma forma dedutivamente válida, os dois argumentos são válidos
ou as duas formas argumentativas são válidas.
MÓDULO 3
Filosofia e racionalidade argumentativa
UNIDADE 1
Argumentação e lógica formal
CAPÍTULO 2
Percurso A – A lógica aristotélica

1. O que é um silogismo categórico?


É um argumento dedutivo formado por três proposições que afirmam ou negam
algo sem restrições, ou seja, incondicionalmente.
2. Que termos o constituem?

O silogismo categórico é formado por três termos: maior, médio e menor.

3. O que distingue o termo médio do termo maior?

O termo médio só pode ocorrer nas premissas, ao passo que o termo maior
aparece numa das premissas e é predicado na conclusão.

4. O que distingue o termo médio do termo menor?

O termo médio só pode ocorrer nas premissas, ao passo que o termo menor
aparece numa das premissas e é sujeito na conclusão.

5. Que tipo de proposições podem surgir num silogismo categórico?

Num silogismo categórico, podem surgir quatro tipos de proposições: universais


afirmativas (A), particulares afirmativas (I), universais negativas (E) e
particulares negativas (O).

6.O que significa dizer que um termo está distribuído? O que significa dizer
que não está distribuído?

Quando um termo está tomado em toda a sua extensão, dizemos que está
distribuído ou que tem extensão universal. Quando um termo está tomado em
parte da sua extensão, dizemos que não está distribuído ou que tem extensão
particular.

7. Nas proposições de tipo A, I, E e O, como estão distribuídos o sujeito e


o predicado?

Numa proposição universal afirmativa, o sujeito está distribuído ou é universal,


mas o predicado é particular (não está distribuído). Numa proposição universal
negativa,
o sujeito está distribuído ou é universal, e o predicado também (está
distribuído). Numa proposição particular afirmativa, o sujeito não está
distribuído e o predicado também não. Numa proposição particular negativa, o
sujeito não está distribuído, mas o predicado está.
SILOGISMO CATEGÓRICO PROPOSIÇÕES TÍPICAS DO SILOGISMO
CATEGÓRICO

PM – Todos os portugueses
são europeus.
Tipo A – Universal afirmativa.
Pm – Todos os alentejanos
Todos os portugueses são
são portugueses.
europeus.
C – Logo, todos os alentejanos
Tipo E – Universal negativa.
são europeus.
Nenhum alemão é
Termo médio – portugueses
(termo das duas premissas). português. Tipo I –

Termo maior – europeus Particular afirmativa. Alguns


(predicado da conclusão.
animais são mamíferos. Tipo
Acompanha o termo médio na
premissa maior, que lhe deve o O – Particular negativa.
nome).
Alguns animais não são mamíferos.
Termo menor – alentejanos
(sujeito da conclusão. Acompanha
o termo médio na premissa
menor, que lhe deve o nome).

FORMAS VÁLIDAS DO SILOGISMO CATEGÓRICO

1.ª 2.ª 3.ª 4.ª


FIGURA FIGURA FIGURA FIGURA
Modos Válidos

AAA EAE AAI AAI

EAE AEE IAI AEE


AII EIO AII IAI

EIO AOO EAO EAO

EIO EIO

OAO
fracosModos

EAO AEO AEO

AAI EAO

Regras para avaliar a validade dos


silogismos categóricos

1. Só se admitem três termos e usados sem ambiguidades (a infração a esta regra


origina a falácia dos quatro termos ou do equívoco).

2. O termo médio só deve aparecer nas premissas.

3.Os termos maior e menor não podem ter, na conclusão, maior extensão do que
nas premissas. Devem estar distribuídos nas premissas se estiverem
distribuídos na conclusão, ou seja, não podem ser universais na conclusão e
particulares nas premissas (a infração da regra origina a falácia da ilícita maior ou
a falácia da ilícita menor).

4. O termo médio deve ter extensão universal – estar distribuído – pelo menos
em uma premissa (a infração da regra origina a falácia do termo médio não
distribuído).

5. Premissas afirmativas pedem conclusão afirmativa. (De duas premissas afirmativas


não se pode tirar conclusão negativa.)

6. De duas premissas negativas nada se pode concluir.

7. De duas premissas particulares nada se pode concluir. (O termo médio não é


universal em nenhuma.)

8. A conclusão segue sempre a parte mais fraca: será negativa se houver uma
premissa negativa e particular se houver uma premissa particular.
DEVE DAR ESPECIAL ATENÇÃO ÀS SEGUINTES FALÁCIAS FORMAIS ASSOCIADAS
AO SILOGISMO CATEGÓRICO.

FALÁCIA DOS QUATRO FALÁCIA DA ILÍCITA FALÁCIA DA ILÍCITA FALÁCIA DO TERMO


TERMOS MAIOR MENOR MÉDIO NÃO DISTRIBUÍDO
Comete-se esta falácia Comete-se esta falácia Comete-se esta falácia Comete-se esta falácia
quando se viola a regra quando se viola parte quando se viola parte quando se viola a regra
4: O termo médio deve
1: Só pode conter três da regra 3 referente da regra 3 referente
ter extensão universal
termos, e cada termo ao termo maior: O ao termo menor: O pelo menos em uma
deve ter o mesmo termo maior não deve termo menor não deve premissa (o termo médio
deve estar distribuído
significado ao longo do ter maior extensão na ter maior extensão na
pelo menos uma vez).
argumento. conclusão do que nas conclusão do que nas
Exemplo desta falácia:
Exemplo desta falácia: premissas (um termo premissas.
Todos os tablets são
Todos os bancos são deve estar distribuído Exemplo desta falácia:
portáteis.
instituições financeiras. nas premissas se estiver Todos os leões são seres
Todos os telemóveis são
Algumas peças de distribuído – se for vivos.
portáteis.
mobiliário são bancos. universal – na Alguns mamíferos não
são leões. Logo, todos os
Logo, algumas peças de conclusão).
telemóveis são tablets.
mobiliário são Exemplo desta falácia: Logo, nenhum mamífero
Explicação:
instituições financeiras. Todos os cães são é ser vivo.
Explicação: mamíferos. Explicação: Portáteis é predicado de
duas premissas
Banco tem dois Nenhum gato é cão. Na premissa, mamíferos
afirmativas, pelo que é
significados diferentes, Logo, nenhum gato é está quantificado particular em ambas.
pelo que designa dois mamífero. claramente como Devia ser universal pelo
termos diferentes. menos numa delas.
Explicação: particular. Alguns é um
Na premissa, mamíferos quantificador particular.
é
predicado de uma Na conclusão, está
afirmativa, pelo que é quantificado como
particular. Na conclusão,
é predicado de uma universal, tem mais
negativa, pelo que é extensão na conclusão
universal. Tem assim
mais extensão na do que na premissa.
conclusão do que na
premissa.
Notas importantes
1– Dizer que um termo está distribuído é dizer que tem extensão universal.

2 – O termo médio pode ser universal nas duas premissas. O que não pode é ser
particular nas duas. Tem de ser universal – estar distribuído – pelo menos numa
delas.

3– O termo maior pode ser universal na premissa e na conclusão. Pode ser também
particular na premissa e particular na conclusão. Pode ser igualmente universal na
premissa e particular na conclusão. O que não pode é ser particular na premissa e
universal na conclusão.

4 – O termo menor pode ser universal na premissa e na conclusão. Pode ser


também particular na premissa e particular na conclusão. Pode ser igualmente universal
na premissa e particular na conclusão. O que não pode é ser particular na premissa e
universal na conclusão.

5 – Nas proposições do tipo E e O – universais negativas e particulares negativas


–, o predicado é sempre universal. Nas proposições do tipo A e I – universais
afirmativas e particulares afirmativas –, o predicado é sempre particular.

AS FALÁCIAS FORMAIS MAIS IMPORTANTES: AS FALÁCIAS DO TERMO MÉDIO NÃO


DISTRIBUÍDO, DA ILÍCITA MAIOR E DA ILÍCITA MENOR

TÉCNICA PARA AS DETECTAR

As falácias formais – defeitos na forma do raciocínio – mais importantes na


lógica dita aristotélica são estas:

Termo médio não Ilícita maior Ilícita menor


distribuído
O termo médio não tem O termo maior tem O termo menor tem
extensão universal em mais extensão na mais extensão na
nenhuma das premissas. conclusão do que na conclusão do que
premissa. na premissa.

Considere o seguinte silogismo:

Todos os filósofos são pessoas com espírito

crítico. Algumas pessoas com espírito crítico são


cientistas.

Logo, alguns cientistas são filósofos.


Perguntemos: Que falácia comete este silogismo?

Comete a falácia da ilícita maior?


Identifiquemos o termo maior. O que define o termo maior é ser o
predicado da conclusão. O termo maior é filósofos.

Vejamos qual a sua extensão quer na premissa quer na conclusão. Vemos


que na primeira premissa ‒ Todos os filósofos são pessoas com espírito
crítico – ele está quantificado universalmente ou tem extensão universal.
Está distribuído.

E na conclusão? Na conclusão ‒ Logo, alguns cientistas são filósofos ‒ tem


extensão particular. Dizer que alguns cientistas são filósofos equivale a dizer
que alguns filósofos são cientistas. Lembre-se que predicado de proposição
afirmativa é, regra geral, particular.

Assim, o termo maior – filósofos – é universal na premissa e particular na


conclusão. Não se comete portanto a falácia da ilícita maior porque o
termo maior não tem mais extensão na conclusão do que na premissa.

Um problema está resolvido. O termo maior passou no teste. Vamos assinalar


esse facto a verde.

Todos os filósofos são pessoas com espírito crítico.

Algumas pessoas com espírito crítico são cientistas.

Logo, alguns cientistas são filósofos.

Passemos a outro problema. Comete a falácia da ilícita menor?


Identifiquemos o termo menor. O que define o termo menor é ser o sujeito
da conclusão. O termo menor é cientistas.

Vejamos qual a sua extensão quer na premissa quer na conclusão. Vemos


que na segunda premissa ‒ Algumas pessoas com espírito crítico são
cientistas – ele tem extensão particular. Dizer que algumas pessoas com espírito
crítico são cientistas
equivale a dizer que alguns cientistas são pessoas com espírito crítico. Lembre-se
que predicado de proposição afirmativa é, regra geral, particular.

E na conclusão? Na conclusão ‒ Logo, alguns cientistas são filósofos ‒ tem


extensão particular. O quantificador é alguns.

Assim, o termo menor – cientistas – é particular na premissa e particular na


conclusão. Não se comete portanto a falácia da ilícita menor porque o termo
menor não tem mais extensão na conclusão do que na premissa.

Mais um problema está resolvido. O termo menor passou no teste. Vamos


assinalar esse facto a verde.

Todos os filósofos são pessoas com espírito

crítico. Algumas pessoas com espírito crítico são

cientistas.

Logo, alguns cientistas são filósofos.

Como se perguntou que falácia comete este silogismo, antevê-se que é a falácia
do termo médio não distribuído. É verdade, mas temos de justificar essa
afirmação.

Vejamos qual a extensão do termo médio em ambas as premissas. O termo


médio é «pessoas com espírito crítico». Na premissa maior é particular porque
dizer que todos os filósofos são pessoas com espírito crítico equivale a dizer que
algumas pessoas com espírito crítico são filósofos. Lembre-se que predicado de
proposição afirmativa é, regra geral, particular.
Na premissa menor, o quantificador alguns indica-nos que o termo médio –
pessoas com espírito crítico – está quantificado particularmente, tem extensão
particular.

Assim, vemos que o termo médio é particular em ambas as premissas. Ora,


devia ser universal pelo menos em uma. Este silogismo é inválido ou
falacioso. O termo médio não está distribuído ou não tem extensão universal
em nenhuma premissa.

O termo médio não passou no teste. Assinalemos esse facto a vermelho.


Todos os filósofos são pessoas com espírito

crítico. Algumas pessoas com espírito crítico são

cientistas.
Logo, alguns cientistas são filósofos.

O termo médio pode ser universal nas duas premissas. O que não pode é
ser particular nas duas. Tem de ser universal – estar distribuído – pelo menos
em uma delas

EXERCÍCIOS

ATIVIDADE

1. Considere o seguinte silogismo:

Todos os poemas são obras

literárias. Todos os sonetos são

poemas.

Logo, todos os sonetos são obras literárias.

1.1. De que tipo de silogismo se trata? Porquê?

Trata-se de um silogismo categórico porque é um argumento dedutivo


constituído por proposições que, neste caso, afirmam algo sem restrições ou
condições. O silogismo categórico tem e só deve ter três termos: maior,
médio e menor.

1.2. Identifique o termo médio. Justifique.

O termo médio é poemas porque se repete nas premissas e estabelece a


ligação entre os dois outros termos.

1.3. Identifique o termo maior. Justifique.

O termo maior é obras literárias porque é o predicado da conclusão.

1.4. Identifique o termo menor. Justifique.

O termo menor é sonetos porque é o sujeito da conclusão.

2. O que distingue as proposições de tipo A das proposições de tipo E?

Nas proposições de tipo E – universais negativas –, nega-se um


determinado predicado a todos os membros da classe representada pelo
sujeito. Nas proposições de tipo A – universais afirmativas –, atribui-se um
determinado predicado a todos os membros da classe representada pelo sujeito,
ou seja, afirma-se que esse predicado convém a toda a classe representada
pelo sujeito.

3. O que distingue as proposições de tipo O das proposições de tipo I?


Nas proposições de tipo O – particulares negativas –, nega-se um
determinado predicado a alguns membros da classe representada pelo sujeito.
Nas proposições de tipo I – particulares afirmativas –, atribui-se um determinado
predicado a alguns membros da classe representada pelo sujeito.

6. O que significa colocar as proposições do silogismo categórico na forma-


padrão? Colocar as proposições do silogismo categórico na forma-padrão
significa dar às proposições a seguinte estrutura:
quantificador...... sujeito....... cópula ...... predicado.

7. Dê um exemplo.
Ex.: A – Proposição que não se encontra na forma-padrão:
Não há português que não seja patriota.
B – Proposição colocada na forma-padrão:
Todos os portugueses são patriotas.
Todos é o quantificador. Portugueses é o sujeito. São é a cópula. Patriotas é
o predicado.
ATIVIDADE 2

1.Como se descobre a extensão do predicado – se é particular ou universal


– de uma proposição quando essa extensão não está explicitada?
Quando o predicado de uma proposição não está explicitamente
quantificado, aplicam-se as seguintes regras de descoberta da sua
extensão:
a) o predicado de uma proposição afirmativa é particular;
b) o predicado de uma proposição negativa é universal.
Nas proposições – na forma canónica ou padrão – do silogismo categórico,
só o sujeito está explicitamente quantificado, dado que é imediatamente
antecedido por um quantificador (Todos, Alguns, Nenhuns). O predicado não
está explicitamente quantificado, pelo que a sua extensão tem de ser
explicitada. Note-se que estas regras não valem para o caso das definições
essenciais.
2. Coloque as proposições seguintes na forma-padrão do silogismo categórico e
explicite a extensão do predicado.
2.1. Não há português que seja espanhol.
Forma-padrão: Nenhum português é espanhol. Predicado de uma negativa é
universal. Se nenhum português é espanhol, todos os espanhóis são excluídos
da classe dos portugueses.

2.2. O que é cetáceo é igualmente mamífero.


Forma-padrão: Todos os cetáceos são mamíferos. O termo predicado –
mamíferos – é particular porque predicado de afirmativa é particular. Alguns dos
mamíferos são cetáceos, mas nem todos os mamíferos o são, como é o caso dos
seres humanos.

2.3. Ser europeu não é uma caraterística de quem nasceu no Canadá.


Forma-padrão: Nenhum canadiano é europeu. O termo predicado – europeu
– é universal porque predicado de negativa é universal. Se nenhum
canadiano é europeu, todos os europeus são excluídos da classe dos
canadianos.

2.4. Há pessoas que são ambiciosas e ao mesmo tempo invejosas.


Forma-padrão: Algumas pessoas ambiciosas são invejosas. O termo predicado
– invejosas – é particular porque predicado de afirmativa é particular.
Algumas pessoas invejosas são também ambiciosas.

2.5. Se é canadiano então é norte-americano.


Forma-padrão: Todos os canadianos são norte-americanos. O termo predicado
(norte-americanos) é particular porque predicado de afirmativa é particular.
Alguns dos norte-americanos são canadianos, mas nem todos o são, como é
o caso dos habitantes dos Estados Unidos da América. Se todos os
canadianos são norte- americanos, nem todos estes são canadianos.

2.6. Existem europeus que são protestantes.


Forma-padrão: Alguns europeus são protestantes. O termo predicado – protestantes
– é particular porque predicado de afirmativa é particular. Se ser
protestante é caraterística de alguns europeus, ser europeu é caraterística de
alguns protestantes.
2.7. É próprio de um triângulo ser um polígono de três lados.
Forma-padrão: Todos os triângulos são polígonos de três lados. Aqui temos
uma exceção porque se trata de uma definição explícita e essencial. O termo
predicado – polígonos de três lados – é universal porque é suficiente e necessário
ser polígono de três lados para ser triângulo. Todos os triângulos são polígonos
de três lados, e todos os polígonos de três lados são triângulos. Quer o
termo sujeito quer o termo predicado são universais.

2.8. Só há gatos que não têm asas.


Forma-padrão: Nenhum gato é alado. O termo predicado – alado – é
universal porque predicado de negativa é universal. Se nenhum gato é alado,
todos os animais que têm asas – alados – são excluídos da classe dos
gatos.

2.9. Ninguém é sábio, exceto se for inteligente.


Forma-padrão: Todos os sábios são inteligentes. O termo predicado –
inteligentes – é particular porque predicado de afirmativa é particular. Se ser
inteligente é caraterística de todos os sábios, nem todos os inteligentes
são sábios.

III
ATIVIDADES DE AVALIAÇÃO DE SILOGISMOS CATEGÓRICOS

ATIVIDADE 1
Corrija os silogismos seguintes.

1. Todo o touro tem


chifres. Touro é um
signo.
Logo, um signo tem chifres.

Silogismo inválido – falácia dos quatro termos – porque touro é um conceito com
dois significados distintos: animal e signo.
Correção possível:
Todo o touro é animal que tem chifres.
Lampeiro é um touro.
Logo, Lampeiro é animal que tem chifres.

2. Todos os mortais são


humanos. Todos os humanos são
psicólogos. Todos os psicólogos
são mortais.

O termo menor psicólogos tem extensão universal na conclusão e particular


na premissa, dado que é predicado de uma proposição afirmativa. Por outras
palavras, está distribuído na conclusão, mas não está na premissa. Comete-se a
falácia da ilícita menor.

Correção possível:
Todos os humanos são
mortais. Todos os psicólogos
são humanos.
Logo, todos os psicólogos são mortais.

3. Todos os cães são


animais. Todos os gatos
são animais. Logo, todos os
cães são gatos.
O termo médio como predicado de duas afirmativas é particular. Não sendo
tomado em toda a sua extensão (não sendo universal), não está distribuído em
nenhuma das premissas. Comete-se, pois, a falácia do termo médio não
distribuído.
Correção possível:
Todos os animais são cães.
Todos os gatos são
animais. Logo, todos os
gatos são cães.

ATIVIDADE 2

Coloque os silogismos categóricos seguintes na forma-padrão, corrija-os de


modo a torná-los válidos e identifique a sua figura e modo.
1. Qualquer virtuoso é justo.

Não há virtuosos que não sejam

altruístas. Logo, todos os altruístas

também são justos.


Forma-padrão: Todos os virtuosos são justos. Todos os virtuosos são altruístas.
Logo, todos os altruístas são justos.

O silogismo é inválido porque ocorre a falácia da ilícita menor. O termo altruístas


na conclusão está distribuído e não está distribuído na premissa menor. A
correção origina um silogismo de 3.ª figura, modo AAI:

Todos os virtuosos são justos. Todos os virtuosos são altruístas. Logo, alguns
altruístas são justos.

2. Nem um único ditador é virtuoso.

Os opositores à liberdade são ditadores.

Logo, os opositores à liberdade são

virtuosos.

Forma-padrão: Nenhum ditador é virtuoso. Todos opositores à liberdade são


ditadores. Logo, todos os opositores à liberdade são virtuosos.

Silogismo inválido porque não segue a parte mais fraca. A conclusão tem de
ser negativa. A correção dá origem a um silogismo de 1.ª figura, modo EAE.

Nenhum ditador é virtuoso. Todos opositores à liberdade são ditadores.


Logo, nenhum opositor à liberdade é virtuoso.

3. O justo é virtuoso.

Determinados homens são virtuosos.

Logo, qualquer homem é justo.

Forma-padrão: Todo o justo é virtuoso. Alguns homens são virtuosos. Logo, todo
o homem é justo.

Silogismo inválido porque, mais uma vez, não segue a parte mais fraca (falácia
da ilícita menor). A correção fornece-nos um silogismo de 2.ª figura, modo
AOO:

Todo o justo é virtuoso. Alguns homens não são virtuosos. Logo, alguns homens
não são justos.

4. Os céticos moderados não são dogmáticos.

Alguns dogmáticos são filósofos.


Logo, existem filósofos que são céticos moderados.

Forma-padrão:
Nenhum cético moderado é dogmático. Alguns dogmáticos são filósofos. Logo,
alguns filósofos são céticos moderados.

Silogismo inválido porque não segue a parte mais fraca. Corrigido, dá origem a
um silogismo de 4.ª figura, modo EIO:

Nenhum cético moderado é dogmático. Alguns dogmáticos são filósofos. Logo,


alguns filósofos não são céticos moderados.

ATIVIDADE 3

Identifique as falácias cometidas nos silogismos seguintes.

1. Todos os céticos são críticos.

Nenhum cético é dogmático.

Logo, nenhum dogmático é

crítico.

Falácia da ilícita maior. O termo maior surge distribuído na conclusão, enquanto


na premissa maior, como predicado de uma proposição de tipo A, tem
extensão particular.

2. Todos os filósofos são indivíduos problematizadores.

Alguns indivíduos problematizadores são

cientistas. Logo, alguns cientistas são filósofos.

Falácia do termo médio não distribuído. O termo médio indivíduos


problematizadores em ambas as premissas tem uma extensão particular.

3. Os céticos moderados são céticos.

Alguns céticos são céticos radicais.

Logo, os céticos radicais são céticos moderados.

Falácia da ilícita menor. O termo menor (céticos radicais) surge não


distribuído na segunda premissa e está distribuído na conclusão.
4. Alguns filósofos da ciência são falsificacionistas.

Qualquer popperiano é falsificacionista.

Logo, todos os popperianos são filósofos da ciência.

Falácia do termo médio não distribuído. O termo médio (falsificacionista),


enquanto predicado de proposições afirmativas, tem sempre extensão
particular.

5. Todos os socialistas são democratas.

Algumas pessoas são socialistas.

Logo, todas as pessoas são democratas.

O silogismo é inválido e comete a falácia da ilícita menor, dado que o termo


menor (pessoas) não está distribuído na premissa e surge distribuído na
conclusão.

6. Os racionalistas são defensores da supremacia da razão.

Nenhum racionalista é empirista.

Logo, nenhum empirista é defensor da supremacia da razão.

O silogismo é inválido e comete a falácia da ilícita maior, porque o termo


maior (defensores da supremacia da razão) não está distribuído na premissa
maior e está distribuído na conclusão.
MÓDULO 3
Filosofia e racionalidade argumentativa
UNIDADE 1
Argumentação e lógica formal
CAPÍTULO 2
Percurso B – A lógica proposicional

LÓGICA PROPOSICIONAL

EXERCÍCIOS

Operadores verofuncionais

Os operadores verofuncionais são operadores de formação de frases que têm


a propriedade de alterar o valor de verdade das frases que ligam, mas que não são
frases. No cálculo proposicional, destacam-se cinco operadores
verofuncionais:

Designação Símbolo Uso Leitura Exemplo

Negação  P Não se dá que É falso que Descartes


P. seja

empirista.
Conjunção  PQ P e Q. Descartes é racionalista
e

Hume é empirista.
Disjunção  PQ P ou Q. Descartes é racionalista ou

Hume é empirista.

Condicional  PQ Se P, então Q. Se Descartes é


racionalista,

então Hume é empirista.


Bicondicional  PQ P se e só se Q. Descartes é racionalista se
e

só se Hume for empirista.

Negação: A negação inverte o valor de verdade de uma proposição.

Conjunção: Uma conjunção é verdadeira se e só se ambas as conjuntas são


verdadeiras. É suficiente que uma das proposições conjuntas seja falsa para que a
conjunção seja falsa.
disjuntas seja verdadeira.

Disjunção exclusiva: A disjunção exclusiva é falsa se e só se as fórmulas que a constituem


têm o mesmo valor de verdade.

Condicional: A condicional só é falsa se e só se o antecedente for verdadeiro e o


consequente falso.

Bicondicional: A bicondicional é verdadeira se e só se as fórmulas que a constituem têm o


mesmo valor de verdade.

1. O que é uma proposição?

Uma proposição é todo o enunciado que tem a propriedade de ser


verdadeiro ou falso.
2. O que é uma proposição simples?

Uma proposição simples é aquela que não possui conetiva ou operador lógico,
ou seja, é a proposição que não é abrangida pela negação, conjunção,
disjunção, pelo condicional ou pelo bicondicional.
4. O que é uma proposição composta?

Uma proposição composta é a proposição que possui pelo menos uma conetiva
ou operador lógico.

5. Forme uma proposição composta com duas proposições simples.

P Q

Proposição simples: P

Proposição simples: Q

6. De que depende o valor de verdade de uma proposição composta ou complexa?

O valor de verdade de uma proposição composta, em geral, depende do valor

de verdade das proposições simples que a compõem e do conetor usado

para ligar essas proposições.


7. Atente na seguinte

proposição: (P  Q)  P

O que é preciso para a proposição ser verdadeira?

Para a proposição ser verdadeira, é suficiente que P seja verdadeiro.

Justificação: A proposição é uma conjunção. Para uma conjunção ser


verdadeira, é necessário que ambas as conjuntas sejam verdadeiras. A
segunda conjunta é a proposição simples P. A primeira conjunta é uma
disjunção. Para uma disjunção ser verdadeira, é suficiente que pelo menos uma
das disjuntas seja verdadeira. Ora, uma das disjuntas é P. Logo, é suficiente P
ser verdadeira para que a disjunção seja verdadeira. Sendo P a segunda
conjunta, conclui-se que basta P ser verdadeira para a conjunção ser
verdadeira.

8. Construa três proposições compostas com pelo menos duas conetivas


cada uma e explique o que é preciso para serem verdadeiras.

1. (P  Q)  (P  Q)
Para a proposição ser verdadeira, é suficiente que P seja verdadeiro (outra
hipótese ainda era Q ser verdadeira).

Justificação: A proposição é um condicional. Um condicional apenas não é


verdadeiro quando o antecedente for verdadeiro e o consequente for falso.
Nesse sentido, é suficiente o consequente ser verdadeiro para o condicional
ser verdadeiro. O consequente da proposição condicional acima é uma
disjunção. Para uma disjunção ser verdadeira, é suficiente que pelo menos uma
das disjuntas seja verdadeira. Sendo uma das disjuntas P, é suficiente que P seja
verdadeira para a disjunção ser verdadeira. Ora, sendo a disjunção o
consequente do condicional, concluímos que é suficiente P ser verdadeira
para o condicional ser verdadeiro.
2. (P  Q)  (Q  P)
Para a proposição ser verdadeira, é necessário que as proposições P e Q
sejam ambas verdadeiras (ou, então, que as proposições P e Q sejam
ambas falsas).

Justificação: A proposição é uma conjunção. Para uma conjunção ser verdadeira,


é necessário que as conjuntas sejam verdadeiras. As conjuntas são condicionais.
Um condicional é verdadeiro sempre que não ocorrer o caso de o
antecedente ser verdadeiro e de o consequente ser falso. Encontrando-se na
primeira conjunta o condicional P  Q e na segunda conjunta o condicional Q
 P, verificamos que as proposições P e Q não podem possuir valores de
verdade diferentes, porque, se isso suceder, irá acontecer o caso de uma das
conjuntas ser falsa, concretamente, o caso do antecedente de um dos
condicionais ser verdadeiro e o consequente ser falso. Ora, se uma das
conjuntas for falsa, a conjunção não pode ser verdadeira. Pelo contrário, se
ambas as proposições P e Q forem verdadeiras, ambas as conjuntas serão
verdadeiras e, portanto, a conjunção será igualmente verdadeira (o mesmo
ocorrendo para o caso das proposições P e Q serem falsas, porque um
condicional com o antecedente falso e o consequente falso fica verdadeiro, o
que significa que ambas as conjuntas serão verdadeiras e, portanto, a conjunção
será igualmente verdadeira).

3. P  [(P  Q)  Q)]
Para a proposição ser verdadeira, é suficiente que a proposição P seja
verdadeira (outro caso possível era o de a proposição Q ser verdadeira).

Justificação: A proposição é uma disjunção. Para uma disjunção ser verdadeira, é


suficiente que uma das disjuntas seja verdadeira. Ora, uma das disjuntas é
a proposição P. Logo, é suficiente que a proposição P seja verdadeira para a
disjunção ser verdadeira.

(Também existe o caso de a proposição Q ser verdadeira para a disjunção


ser verdadeira. A segunda das disjuntas é uma conjunção. Para uma
conjunção ser verdadeira, é necessário que as conjuntas sejam verdadeiras.
Uma das conjuntas é Q, à qual atribuímos o valor verdadeiro. A outra das
conjuntas é o condicional P 
Q. Um condicional apenas é falso quando o antecedente for verdadeiro e o
consequente for falso. Sendo Q verdadeira, o condicional fica verdadeiro.
Ora, verificamos deste modo que, se Q for verdadeira, a conjunção fica
verdadeira. Sendo a conjunção uma das disjuntas, a disjunção fica
verdadeira. Logo, é suficiente a proposição Q ser verdadeira para a
disjunção ser verdadeira.)

8. Construa a tabela de verdade da negação e interprete-a.

A A

V F

F V

A negação de uma proposição P gera a proposição P (que se lê «não P» ou «é

falso que P»). P será verdadeira se P for falsa e P será falsa se P for

verdadeira. Isto significa que a negação () altera o valor de verdade de

uma proposição.

9. Apresente várias formas de exprimir negações.

É falso que Espinosa seja empirista.

Não é verdade que Espinosa seja

empirista. Espinosa não é empirista.

É um erro afirmar que Espinosa é empirista.

Se atendermos que P indica a proposição «Espinosa é empirista», todas aquelas


afirmações passam a simbolizar-se de uma mesma forma: P.
As negações de uma negação são antecedidas novamente pelo símbolo .

Assim, se eu disser «É falso que Espinosa não seja empirista», simbolizo

como  P.

Por sua vez, uma dupla negação de P,  P, equivale a P ‘P’, porque, se a

negação altera o valor de verdade de P, a dupla negação mantém o valor

de P, porque vou negar a negação, ou seja, vou alterar o valor de verdade

da negação.

10. Construa a tabela de verdade da conjunção e interprete-a.

P Q P  Q
V V V
V F F
F V F
F F F

A conjunção de duas proposições P e Q é simbolizada pela seguinte


proposição complexa P  Q (que se lê «P e Q»). Esta proposição complexa P
 Q apenas será verdadeira se ambas as conjuntas P e Q forem verdadeiras.

11. Apresente várias formas de exprimir conjunções.

Ana saiu, mas Pedro ficou.

Ana saiu, apesar de Pedro ter

ficado. Ana saiu e Pedro ficou.

Ana saiu quando Pedro ficou.

Ana saiu, embora Pedro tenha ficado.


12. Construa a tabela de verdade da disjunção inclusiva e interprete-a.

P Q P  Q

V V V
V F V
F V V
F F F
A disjunção inclusiva de duas proposições, P e Q, expressa-

se pela seguinte proposição P  Q (que se lê «P ou Q»). A disjunção

inclusiva, P  Q, é verdadeira quando pelo menos uma das frases disjuntas for

verdadeira, quando P ou Q for verdadeira.

Podem constatar-se os quatro casos ou circunstâncias possíveis que dão conta

das várias combinações de valor de verdade possíveis para as proposições A

e B.

Verificamos que apenas no caso em que as disjuntas são falsas a disjunção

inclusiva é falsa. Assim:

A disjunção inclusiva apenas é falsa quando ambas as frases disjuntas forem

falsas. Ou então:

É suficiente uma disjunta ser verdadeira para que a disjunção inclusiva seja

verdadeira.

A disjunção inclusiva encontra-se em afirmações como:

Aceitam-se candidaturas de engenheiros ou de arquitetos.

O que verificamos a partir desta afirmação? Que a afirmação apenas será falsa

se a empresa decidir que já não aceita candidaturas de engenheiros e de

arquitetos. Desde que qualquer uma das possibilidades P «Aceitam-se


candidaturas de engenheiros» ou Q «Aceitam-se candidaturas de arquitetos»

seja verdadeira (ou as


duas sejam verdadeiras), a proposição disjuntiva (inclusiva) P  Q será

verdadeira. Se um indivíduo se candidatar a essa empresa com os cursos de

Engenharia e Arquitetura, a sua candidatura será igualmente aceite.

Verificamos assim que, na disjunção inclusiva P  Q, a verdade de uma das

disjuntas não exclui a outra disjunta. A verdade de P não exclui a verdade de Q

e a verdade de Q não exclui a verdade de P. Esta irá ser uma caraterística

que vai distinguir a disjunção inclusiva da disjunção exclusiva.

Concluímos deste modo que a disjunção inclusiva «A ou B» é verdadeira, desde

que pelo menos uma das disjuntas seja verdadeira.

Na disjunção exclusiva, constatamos algo de diferente. Agora as disjuntas

não podem ser ambas verdadeiras. Por exemplo, atenta na seguinte proposição

disjunta exclusiva:

Quatro é par ou ímpar.

O que concluímos da proposição? Que as proposições P «Quatro é par» e Q

«Quatro é ímpar» não podem ambas ser simultaneamente verdadeiras. Ou P é

verdadeira ou Q é verdadeira.

Portanto, a disjunção exclusiva já não terá a forma P  Q, mas sim a forma

(P  Q), e é falso que (P  Q), simbolizando-se (P  Q)  (P  Q).


13. Construa a tabela de verdade do condicional e interprete-a.

P Q P  Q
V V V
V F F
F V V
F F V

O operador condicional coneta duas proposições, a A, denominada antecedente,

e a B, denominada consequente, simbolizando-se como A  B (que se lê «Se A,

então B»).

Analisando a tabela, verificamos que o condicional apenas é falso quando o

antecedente for verdadeiro e o consequente for falso.

Assim:

O operador condicional só é falso quando o antecedente for verdadeiro

e o consequente for falso.

A leitura de um condicional é sempre de P para Q, do antecedente para o

consequente. Ao afirmar que P é verdadeira, obrigo-me a afirmar que

Q é igualmente verdadeira. Por exemplo, se digo «Se é sardinha, então é

peixe» e verificar que, se o antecedente «é sardinha» for verdadeiro, o

consequente «é peixe» será igualmente verdadeira.

Mas já não é a mesma coisa que afirmar «Se é peixe, então é sardinha», porque,

se o antecedente «é peixe» for verdadeiro, o consequente «é sardinha» pode

ser falso.

Na relação entre P e Q, neste caso, entre o antecedente P e o consequente

Q, P e Q desempenham funções diferentes no condicional P  Q:


P é condição suficiente de Q: ser sardinha é condição suficiente de ser peixe.

Q é condição necessária de P: ser peixe é condição necessária de ser sardinha.

14. Apresente várias formas de exprimir condicionais.

Fico, se também ficares.

Quando ficares, ficarei.

Fico, na condição de

ficares. Se ficares, fico.

No caso de ficares, ficarei também.

Todas estas afirmações simbolizam-se da mesma forma, P  Q, sendo «P: ficas» e «Q:

fico», traduzindo-se assim por «Se ficas, então fico». Se reparar, o consequente surge

em primeiro lugar nas afirmações. No entanto, a leitura apropriada do condicional é

sempre do antecedente para o consequente. Para não se enganar, uma boa maneira

de simbolizar sempre corretamente um condicional é a de perceber que uma das

proposições está dependente da outra, designadamente o consequente está

dependente do antecedente.

15. Construa a tabela de verdade do bicondicional e interprete-a.

P Q P ↔ Q
V V V
V F F
F V F
F F V

O operador bicondicional coneta duas proposições P e Q da seguinte maneira: «P se e só

se Q».
Pela análise da tabela, podemos constatar que o bicondicional apenas é verdadeiro

quando A e B tiverem o mesmo valor de verdade. A bicondicional pode ser

considerada a abreviatura da conjunção de dois condicionais, «(Se A, então B) e (Se B,

então A)», a qual se usa para as situações em que «A» e «B» são simultaneamente

a condição necessária e suficiente uma da outra. Se disser por exemplo que:

X é par se e só se X é divisível por 2.

Verifico que a proposição «X é par se e só se X é divisível por 2» faz utilização do

bicondicional e que simultaneamente a proposição A: «X é par» e a proposição B:

«X é divisível por 2» são a condição necessária e suficiente uma da outra, podendo

permutar-se sem que haja alteração do valor de verdade da proposição. Neste aspeto,

o bicondicional torna-se útil para determinar equivalências.

II

Simbolização de proposições complexas

1. Se é falso que a Mona Lisa é bela, então a arte não precisa de


beleza. Seguimos os seguintes passos:

1. Identificamos as proposições simples:


P: A Mona Lisa é bela.
Q: A arte precisa de beleza.
2. Apresentamos uma simbolização parcial:
Se (não P), então (não Q).
Mas como a negação só se aplica à proposição que se lhe segue e tem
precedência sobre os outros operadores, omitimos os parênteses e
escrevemos apenas:
Se não P, então não Q.
3. Simbolizamos:
¬P Q
2. É falso que, se a Mona Lisa é bela, então a arte não precisa da beleza.
É falso que (se P, então não Q).
¬ (P ¬Q)
Compare as simbolizações 1. e 2. A primeira é uma condicional e a segunda
uma negação, sendo a diferença dada pela posição das expressões «se» e «é
falso que» nas proposições originais.

3. É falso que, se a que a Mona Lisa não é bela, então a arte não precisa da beleza.
É falso que (se não P, então não Q).
¬ (¬P ¬Q)

4. Caso a pena de morte seja aceitável, os tribunais não erram ou é


aceitável executar inocentes.
A paráfrase do enunciado deve expor os operadores na sua leitura canónica:
Se a pena de morte é aceitável, então os tribunais não erram ou é aceitável
condenar inocentes.
P: A pena de morte é
aceitável. Q: Os tribunais
erram.
R.: É aceitável condenar inocentes.
Se P, então (¬Q ou
R). P (¬Q  R)

5. A pena de morte é aceitável, a menos que os tribunais errem ou que


não aceitemos executar inocentes.
P: A pena de morte é
aceitável. Q: Os tribunais
erram.
R: É aceitável executar inocentes.
Uma primeira simbolização parcial «P a menos que (Q ou não R)» não
dispensa a paráfrase. Como «…a menos que…» significa «… se não suceder que…»
ou «… exceto se…», obtemos:
A pena de morte é aceitável, se não se der que ou os tribunais errem ou
que não aceitemos condenar inocentes.
Note que o primeiro «ou» foi inserido para evitar a leitura errada «(P, se
não Q) ou não R» e tornar clara a leitura correta «P se não (Q ou não R)».
Com o mesmo objetivo, também se poderia escrever: «P se for falso o seguinte
(Q ou não R)». Falta enunciar o antecedente e o consequente na sua ordem
canónica:
Se for falso que ou os tribunais errem ou que não aceitemos a pena de morte,
então a pena de morte é aceitável.
Se não (Q ou não R), então P.
¬(Q ¬R) P

6. A pena de morte é aceitável apenas aceitando a execução de inocentes.


Aceitar a execução de inocentes é condição necessária para aceitar a pena de morte.
Ou:
Se aceitamos a pena de morte, então aceitamos a execução de
inocentes. Se P, então R.
PR

7. Construa o dicionário e simbolize a seguinte proposição:

Sem igualdade económica, não há paz social, e, não havendo esta, o Estado periga.

Traduzindo a proposição na sua forma modelo, fica:

Se não há igualdade económica, então não há paz social, e, se não há paz


social, então o Estado periga.

P: «Há igualdade económica.»

Q: «Há paz social.»

R.: «O Estado periga.»

Simbolização da proposição: (P  Q)  (Q  R)


8. Construa o dicionário e simbolize a seguinte proposição:

Sem paz social ou segurança, o Estado periga.

Traduzindo a proposição na sua forma modelo, fica:

Se não há paz social ou se não há segurança, então o Estado periga.

P: «Há paz social.»

Q: «Há segurança.»

R: «O Estado periga.»

Simbolização da proposição: (P  Q)  R

9. Construa o dicionário e simbolize a seguinte proposição:

Um Estado é legítimo, se for legitimado pelos cidadãos ou por algum


fundamento superior aos cidadãos.

Traduzindo a proposição na sua forma modelo, fica:

Se um Estado for legitimado pelos cidadãos ou se um Estado for legitimado


por algum fundamento superior aos cidadãos, então um Estado é legítimo.

P: «O Estado é legitimado pelos cidadãos.»


Q: «O Estado é legitimado por um fundamento superior aos
cidadãos.» R: «O Estado é legítimo.»
Simbolização da proposição: (P  Q)  R

10. Traduza simbolicamente a seguinte afirmação: Não é verdade que os touros


sofram e que as touradas não sejam condenáveis.

P: Os touros sofrem.

Q: As touradas são condenáveis.


 (P  Q)

Esta mesma proposição pode ainda ser simplificada para o seguinte modo:

P V Q

P Q

11. Traduza simbolicamente a seguinte afirmação: Se a alma não é material,


então não pode causar acontecimentos corporais e não tem relação com o
corpo.

P: A alma é material.

Q: A alma pode causar acontecimentos

corporais. R.: A alma tem relação com o

corpo.

P  (Q  R)

III

Tabelas de verdade

1. Calcule, mediante tabelas de verdade, os valores que as seguintes proposições


assumem em cada circunstância ou caso possível:

1.1. P  (Q  P)

P Q P  (Q  P)

V V V F V F F

V F V F F F F

F V F F V V V

F F F F F F V
1.2.P  (Q  Q)
P Q P  (Q  Q)

V V F F V F F

V F F F F F V

F V V V V F F

F F V V F F V

1.3. P  (Q  Q)
P Q P  (Q  Q)

V V F F V V F

V F F F F V V

F V V V V V F

F F V V F V V

1.4. P  (Q  P)


P Q P  (Q  P)

V V V V F F F

V F V V V F F

F V F F F F V

F F F V V V V
1.5. (P  Q)  P
P Q (P  Q)  P

V V V V V V V

V F V F F V V

F V F F V V F

F F F F F V F

1.6.  (P  Q)  (P   Q)
P Q  (P  Q)  (P  Q)

V V F F V V V V F F

V F V F F F V V V V

F V F V V V V F F F

F F F V V F V F F V

1.7. (P  Q)  [P  (Q   Q)]


P Q (P  Q)  [P  (Q  Q)]

V V V V V V F V V V F

V F V V F V F V F V V

F V F V V V V V V V F

F F F F F V V V F V V
IV

Argumentos válidos e inválidos

1. O que é um argumento válido?

Um argumento válido é aquele onde se verifica a impossibilidade de as


premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa (ou então é aquele em que
as premissas implicam a conclusão). Não deve esquecer dois pontos sobre o
argumento válido: se tem premissas verdadeiras, não pode ter conclusão falsa;
se tem conclusão falsa, então pelo menos uma das premissas é falsa.
Todas as restantes combinações de argumento válido ou inválido e de verdade e
falsidade das premissas e da conclusão são possíveis.

2. Dê um exemplo de um argumento válido.

Exemplo de um argumento válido:

Se somos livres, podemos fazer tudo aquilo que

queremos. Somos livres.

 Podemos fazer tudo aquilo que queremos.

3. O que quer dizer uma proposição implicar a outra?

Uma proposição implica a outra quando não se der o caso de a primeira


proposição ser verdadeira e de a segunda proposição ser falsa.

4. Mostre que o seguinte argumento é inválido e que falácia comete.


Se o golfinho é um mamífero, então o golfinho não é um
inseto. O golfinho não é um inseto.
Logo, o golfinho é um mamífero.

Sendo P: O golfinho é um mamífero e Q: O golfinho é um inseto, o


argumento simboliza-se assim: P ¬Q, ¬Q |= ¬P.
O inspetor mostra que o argumento não é válido porque há um caso, o
quarto, em que as premissas são verdadeiras e a conclusão falsa. Não sendo
válido, não pode ser sólido. O facto de a sua conclusão «Os golfinhos são
mamíferos» ser verdadeira é irrelevante — o inspetor prova que ela é
verdadeira por acaso e não por ter sido implicada pelas premissas.

P Q P  ¬Q ¬Q |= P

V V F F F V

V F V V V V

F V V F F F

F F V V V F

Comete-se a falácia da afirmação do consequente. Pode provar que a pessoa


que usou tal argumento fez um mau raciocínio apresentando um contraexemplo.
Um contraexemplo é um argumento que se simboliza da mesma maneira
que o argumento que se quer refutar, mas que tem premissas obviamente
verdadeiras e conclusão obviamente falsa. O objetivo é tornar claro que aquela
é uma má forma de raciocínio porque nos pode conduzir de verdades a
falsidades. Eis um contra exemplo:

Se a baleia for molusco, então não é um


inseto. A baleia não é um inseto.
Logo, a baleia é um molusco.
MÓDULO 3

Filosofia e racionalidade argumentativa


UNIDADE 2
Argumentação e retórica
CAPÍTULO 1
O discurso argumentativo: diversos tipos de argumentos

1. O que distingue essencialmente um argumento dedutivo de um argumento


não dedutivo?
Os argumentos dedutivos são argumentos cuja forma lógica é decisiva para
avaliarmos a sua validade. São argumentos cuja forma garante a verdade
da conclusão, no caso de as premissas serem também verdadeiras. Os
argumentos não dedutivos são argumentos cuja forma lógica não é decisiva
para avaliarmos a sua validade. São argumentos em que da verdade das
premissas não implica a verdade da conclusão.

2. Quais são os principais tipos de argumentos não dedutivos?


Os principais tipos de argumentos não dedutivos são os argumentos
indutivos (generalizações e previsões), os argumentos por analogia e os
argumentos de autoridade.

3. O que são argumentos indutivos?


São argumentos cuja validade depende de outros fatores (contexto e conteúdo)
que não simplesmente a sua forma lógica.

4. O que significa dizer que um argumento indutivo é válido?


Quem aceita que se possa chamar válidos aos argumentos indutivos afirma que
um argumento indutivo é válido quando a verdade das premissas nos dá boas
razões para considerar mais provável do que improvável a verdade da
conclusão sem que isso exclua a possibilidade de ser falsa.

5. A validade indutiva admite graus? O que significa isso?


Considera-se que sim. Isso significa que um argumento indutivo válido pode ser
mais forte ou mais persuasivo do que outro argumento indutivo válido. Como a
relação entre a verdade das premissas e a verdade é de probabilidade, esta
assume graus. A probabilidade de a conclusão ser verdadeira é em alguns
argumentos indutivos superior à de outros. O que todos têm em comum é
que nenhum garante absolutamente a verdade da conclusão. São argumentos
de risco ou em que o risco de erro ou engano não pode ser completamente
eliminado, mas unicamente controlado. Com efeito, a conclusão baseia-se
em premissas que lhe conferem simplesmente um maior ou menor grau de
probabilidade.
6. O que são generalizações?
São argumentos indutivos que consistem em tornar extensível a toda uma
classe de objetos ou de seres uma caraterística (ou caraterísticas)
observada num determinado número de casos considerados
representativos. Convém evitar generalizações precipitadas. Devemos avaliar se
as premissas que apoiam as nossas conclusões são suficientemente fortes para
isso.

7. O que são previsões?


São argumentos indutivos em que se conclui algo acerca de um
acontecimento futuro com base numa amostra considerada representativa.

8. O que são argumentos por analogia?


São argumentos que concluem que coisas diferentes, por serem semelhantes
em certos aspetos, sê-lo-ão também noutros. Para que um argumento por
analogia seja aceitável, deve cumprir duas condições: 1) Os objetos
comparados têm de ser semelhantes nos aspetos relevantes e 2) O número de
semelhanças entre os objetos comparados tem de ser significativo.

9. O que são argumentos de autoridade?


São argumentos que defendem a verdade de uma certa conclusão porque
uma autoridade num dado assunto (uma ou várias pessoas, uma ou várias
instituições) sustenta que ela é verdadeira. Para que este tipo de argumento
seja aceitável, deve respeitar as seguintes condições: 1. A autoridade invocada
tem de ser de facto um especialista reconhecido na matéria; 2. Não devem existir
divergências significativas entre os especialistas sobre o assunto em causa; 3.
As opiniões de quem é reconhecido como autoridade não devem ser
condicionadas por interesses pessoais.

EXERCÍCIOS

Considere as afirmações seguintes e analise-as criticamente.

1.1. A lógica formal e a lógica informal podem contradizer-se: a segunda


pode aprovar o que a primeira rejeita.

Não se trata de contradição, mas de complementação. Se a lógica dedutiva diz


que o argumento é inválido, diz apenas que ele nunca poderá garantir a sua
conclusão; dizer se, apesar de inválido, o argumento pode apoiar a conclusão é
tarefa da lógica informal.
1.2. A lógica informal é necessária porque só o concreto, a experiência,
pode garantir que as ideias estão bem relacionadas.

Só a lógica formal, dedutiva, pode garantir que as ideias estão bem


relacionadas (supondo que estamos a falar de relações lógicas e não, por
exemplo de «boas relações estéticas»). Argumentos baseados na experiência
poderão fortalecer relações entre ideias, mas não as garantem. A necessidade
da lógica informal tem de ser explicada de outra maneira, referindo a
necessidade de abranger todo o campo da argumentação, considerando
também os argumentos que de um ponto de vista dedutivo são ditos inválidos,
mas que podem dar razões plausíveis para aceitar a conclusão.

1.3. A lógica forma é inútil por ser abstrata, não se ocupa de contextos práticos.

A lógica dedutiva não se ocupa de contextos práticos particulares porque se


ocupa das regras gerais da validade que se aplicam… a todos os contextos
práticos. É nesse sentido que é abstrata. Mesmo em contextos em que a
lógica informal é mais relevante, o raciocínio dedutivo é indispensável. Basta
notar que o raciocínio ou argumento com que aplicamos uma regra ou padrão
informal a um argumento é ele mesmo um modus ponens. A analogia com a
aritmética pode ser esclarecedora: a matemática não se ocupa de maçãs
porque se ocupa de operações que fazemos com maçãs, laranjas, moedas…

2. Apresente um caso de argumento que possa ser usado para refutar a


ideia de que a lógica formal esgota o domínio da argumentação.

Pode apresentar-se um argumento que, apesar de dedutivamente inválido, é


bom de um ponto de vista indutivo. A resposta pode ser dada na base de
uma crença simples como a de que «beber esta água não me vai fazer mal»,
desde que se faça
acompanhar de razões (indícios) de que a situação em que a água vai ser
bebida nada tem de anormal.

Assinale com verdadeiro (V) ou falso (F).

a) Argumentos em que a conclusão pode ser falsa, apesar de as premissas


serem verdadeiras, denominam-se argumentos dedutivos. (F). Esta é uma
forma de caraterizar os argumentos indutivos.

b) Damos o nome de argumentos indutivos aos argumentos cujas


premissas podem tornar provável a conclusão, mas não asseguram a sua
verdade. (V)

c)Apesar de não serem dedutivamente válidos, os argumentos indutivos podem


ser bons. Um bom argumento indutivo é aquele em que as razões
apresentadas (premissas) dão força à nossa crença de que a conclusão é
verdadeira. Quando as premissas tornam pouco provável a verdade da
conclusão, não estamos perante um bom argumento indutivo. (V)

d) Ao contrário dos argumentos dedutivos, os argumentos indutivos são


argumentos de risco ou em que o risco de erro ou engano não pode ser
completamente eliminado, mas unicamente controlado. Com efeito, a conclusão
baseia-se em premissas que lhe conferem simplesmente um maior ou menor
grau de probabilidade. (V)

f) Os argumentos indutivos são uma espécie de argumentos informais


porque a verdade das premissas (ou da premissa) e a sua forma lógica não são
suficientes para assegurar a verdade da conclusão. (V)

g)No caso dos argumentos indutivos, a validade não se baseia numa


ligação necessária entre as premissas e a conclusão, pelo que a verdade
desta é apenas provável. (V)

Responda às questões seguintes

3.1. Que tipo de argumentos indutivos estudou?

Os argumentos indutivos estudados foram a generalização e a previsão.


3.2. Defina indução por generalização. Exemplifique.

A indução por generalização consiste em tornar extensível a toda uma classe de


objetos ou de seres uma caraterística (ou caraterísticas) observada num
determinado número de casos considerados representativos. É o caso do
raciocínio seguinte:

Todos os corvos observados até hoje são pretos. Logo, todos os corvos são pretos.

3.3. O que é um argumento por analogia? Exemplifique.

A analogia é um tipo de argumento informal que se baseia em comparações.


Tira-se uma conclusão acerca de uma coisa (A) comparando-a com outra (B).
Exemplo:

Os Mercedes são semelhantes aos BMW. Os Mercedes têm a caraterística de


serem seguros. Logo, os BMW são carros seguros.

O princípio no qual se baseia o argumento por analogia é este: dados dois


objetos ou entidades semelhantes (A e B), o que se diz ser verdade para A
também é verdade para B.

3.4. O que são previsões indutivas? Exemplifique.

As previsões indutivas são argumentos em que se afirma o que vai


acontecer no futuro a partir de uma amostra considerada representativa.
Exemplo:

Todos os corvos até agora observados são negros. Logo, o próximo corvo
observado será negro.

3.5. O que são argumentos de autoridade? Exemplifique.

Argumentos de autoridade são argumentos que fornecem como justificação


para a conclusão o facto de ela ter sido emitida por uma pessoa ou instituição
considerada qualificada na matéria. Exemplo:

A Comissão Europeia considera o Futebol Clube do Porto um exemplo. Logo,


o Futebol Clube do Porto é um exemplo.

Identifique os seguintes argumentos informais.

1. Bertrand Russell, um reputado lógico, afirmou que os costumes sociais a


respeito do sexo fora do casamento são nocivos e opressivos. Portanto, os
costumes sociais a respeito do sexo fora do casamento são nocivos e opressivos.
Identifique este tipo de argumento e explique a condição, ou condições, que
tem de respeitar para ser um bom argumento do ponto de vista informal.

Argumento de autoridade. Para que este tipo de argumentos seja bom, a


autoridade evocada tem de ser, de facto, uma autoridade e não podem
existir divergências entre os especialistas acerca da matéria.

2. «De acordo com o meu Epicuro… nada continua a existir depois da


dissolução do ser vivo, e no termo “ser vivo” ele incluía tanto o homem
como o leão, o lobo, o cão, e todas as outras coisas que respiram. Concordo
com tudo isto. Eles comem, nós comemos; eles bebem, nós bebemos; eles
dormem, e o mesmo fazemos nós. Eles geram, concebem, dão à luz, e
alimentam os seus jovens da mesma forma que os nossos. Eles têm alguma
capacidade de raciocínio e de memória, alguns mais do que outros, e nós um
pouco mais que eles. Somos como eles em quase tudo; por fim, eles
morrem e nós morremos – ambos de forma definitiva.»

Lorenzo Valla, On Pleasure, Nova Iorque, Abaris Books, 1977, pp. 219-

221. Identifique e explique em que consiste o argumento que o texto

exemplifica.

Argumento por analogia. Os argumentos por analogia baseiam-se em


comparações. Dadas duas entidades ou situações, A e B, com várias
caraterísticas semelhantes, da observação de que A tem uma caraterística
conclui-se que o mesmo se passa com B.

3.O BCP, O BPI, o BES, a GALP e a PT estão cotados em bolsa. Portanto,


todas as grandes empresas portuguesas estão cotadas em bolsa.

Identifique este tipo de argumento e explique a condição (ou condições) que


tem de respeitar para ser um argumento bom.

Trata-se de uma generalização por indução. Para que estes argumentos sejam
bons, a amostra expressa pela premissa deve ser ampla e representativa.

4. «Podemos verificar que existe uma grande semelhança entre a Terra que
habitamos, e os outros planetas, Saturno, Júpiter, Marte, Vénus e Mercúrio.
Como a Terra, todos giram em torno do Sol, embora a distâncias e períodos
diferentes. Como a Terra, recebem toda a sua luz do Sol. Como a Terra,
vários rodam em torno do seu eixo e, desse modo, têm também a sucessão
dos dias e das noites. Alguns têm luas, que servem para lhes dar luz na
ausência do Sol, como a nossa Lua faz para nós. Como a Terra, estão todos,
nos seus movimentos, sujeitos à mesma lei
da gravitação universal. Com base nestas semelhanças não é irracional pensar
que esses planetas, como a nossa Terra, sejam habitados por vários tipos de
criaturas vivas.»

Thomas Reid, Essays on the Intellectual Powers of Man, Cambridge, John Bartlett, 1850, p. 16.

Identifique este tipo de argumento e explique a condição (ou condições) que


tem de respeitar para ser um bom argumento do ponto de vista informal.

Este argumento é um argumento por analogia. Para que um argumento por


analogia seja bom, deve cumprir três condições: 1) a amostra deve ser
suficiente (quanto maior o número de objetos comparados maior a força do
argumento); 2) o número de semelhanças deve ser suficiente (a força da
analogia cresce com o aumento do número de semelhanças verificadas); 3) as
semelhanças verificadas devem ser relevantes.

5. No Dictionary of Philosophy, Anthony Flew define «logicismo» como o


ponto de vista segundo o qual a «matemática, e em particular a aritmética,
faz parte da lógica». Portanto, o logicismo é isso.

Identifique este tipo de argumento e explique as condições que tem de respeitar


para ser um argumento bom.

É um argumento de autoridade. Para que este tipo de argumento seja bom,


deve respeitar as seguintes condições: as fontes devem ser autoridades na
matéria e não pode haver discordância entre elas.

6. A esmagadora maioria das nozes deste saco que parti até agora estava
estragada. Portanto, a próxima noz que tirar do saco também estará estragada.

Identifique e explique em que consiste o argumento que o texto exemplifica.

Este argumento é uma previsão indutiva. A partir de uma amostra


considerada representativa, tira-se uma conclusão acerca de um
acontecimento futuro.

Identifique a falácia cometida e elabore uma breve crítica


1. Augusto eliminou as dores com o comprimido X. Logo, se eu tomar
comprimidos X, também as dores me vão passar.

Trata-se de um argumento por analogia (uma previsão por analogia). Parece


que o argumentador apenas se baseou em duas semelhanças entre ele e o
Augusto: o facto de ambos serem humanos e o facto de ambos terem
dores. Portanto, a analogia falha sob todos os aspetos: o número de objetos
comparados, a quantidade de semelhanças apontadas e, sobretudo, a irrelevância
das semelhanças apontadas: cada ser humano tem a sua história clínica, as dores
podem ter muitas e diferentes causas...

2. Há vários anos que tenho lucro com ações da empresa X. Vou continuar a
comprar ações da empresa X e o meu lucro aumentará.

Trata-se de um argumento indutivo com uma amostra pouco lata, mas relevante
pela relação entre o conteúdo das premissas e o da conclusão. No entanto,
omite conhecimentos significativos para avaliar a conclusão, nomeadamente a
evolução da empresa X e as tendências gerais da economia e da bolsa. Essa
omissão torna o argumento difícil de aceitar.

3. Os subordinados são como os cães: se desde cedo os habituarmos a


ordens bastante precisas e irreversíveis e obrigarmos sempre ao seu
cumprimento, obedecer torna-se um hábito e, com o hábito, discussões e
demoras deixam de existir.

Argumento por analogia que comete a falácia da falsa analogia.

4. «Mas poderá duvidar-se de que o ar tem peso quando temos o claro


testemunho de Aristóteles afirmando que todos os elementos, exceto o fogo,
têm peso?»

Galileu Galilei reproduzindo o discurso de um aristotélico.


Apelo a autoridade não qualificada, melhor dizendo, apelo não apropriado à
autoridade. Há métodos científicos para resolver o problema e, por mais
genuíno que tenha sido o génio científico de Aristóteles, numerosos também
foram os seus erros (nada escandalosos numa fase de fraco desenvolvimento
tecnológico). Mais do que isso: o confronto com os factos não pode ser
substituído pelo que alguém, por mais renome que tenha, afirmou acerca dos
elementos (terra, água, ar e fogo).

5. Deve haver algo de errado nesta teoria indeterminista defendida pelos


partidários da mecânica quântica porque o próprio Einstein se lhe opôs
dizendo que não podia acreditar que Deus jogava aos dados no que
respeita aos fenómenos naturais.

Apelo não apropriado à autoridade. Os especialistas no assunto divergem.

6.O cancro do pulmão verifica-se frequentemente em pessoas que fumam. Logo,


fumar é causa do cancro do pulmão.

Que haja uma correlação entre fumar e ter cancro é, hoje em dia, consensual.
Mas isto não pode levar-nos a concluir que todos os que fumam têm ou terão
cancro do pulmão. A correlação não é necessária. O argumento comete a
falácia da generalização apressada ou inadequada.
MÓDULO 3

Filosofia e racionalidade argumentativa


UNIDADE 2
Argumentação e retórica
CAPÍTULO 2
O discurso argumentativo: mais algumas falácias informais

1. O que são falácias informais?

As falácias informais são argumentos e m q u e a s p r e m i s s a s n ã o


s u s t e n t a m a conclusão devido sobretudo a deficiências no conteúdo.
Por várias razões, que não têm exclusivamente a ver com a estrutura formal
do argumento, não conseguem dar razões suficientes para que acreditemos na
verdade da sua conclusão. As razões podem ser:

a) As premissas não são relevantes para a conclusão; b) as premissas não


fornecem dados suficientes para garantir a conclusão; c) as premissas são
formuladas em linguagem ambígua; c) o argumento pode ter premissas
falsas; d) as razões que pretendem defender a conclusão não estão
adequadas ao contexto da argumentação.

2. O que distingue as falácias informais das falácias formais?

Identificamos uma falácia formal avaliando exclusivamente a forma lógica de um


argumento (dedutivo ou, em geral, formal). No caso das falácias informais,
não podemos limitar-nos à análise da forma lógica do argumento. As falácias
formais devem-se a defeitos na forma lógica. As falácias informais devem-se
sobretudo a problemas no conteúdo e desadequação do argumento ao contexto
argumentativo.

3. Em que consiste a falácia da petição de princípio?

A falácia da petição de princípio consiste em argumentar utilizando como prova o


que se quer provar. A petição de princípio ocorre quando se justifica a conclusão
usando a própria conclusão de uma forma mais ou menos disfarçada.

4. Em que consiste a falácia da petição do falso dilema?

A falácia do falso dilema consiste em argumentar apresentando duas alternativas


como as únicas existentes, quando na verdade há mais alternativas.
5. Em que condições o apelo à ignorância é falacioso?
O apelo à ignorância é falacioso quando se considera erradamente que uma
proposição é verdadeira por não termos provas de que é falsa; ou se
considera erradamente que uma proposição é falsa por não termos provas
de que é verdadeira.

6. Em que condições um argumento ad hominem é falacioso?


Em geral, atacar a pessoa que defende certas ideias e não as ideias que
defende é falacioso. O meio mais frequentemente usado consiste em negar
credibilidade à pessoa, julgando assim que as suas opiniões serão com isso
refutadas e desvalorizadas.

7. O que carateriza a falácia da derrapagem?


A falácia da derrapagem ou da bola de neve consiste em apoiar a conclusão de
um argumento numa série de premissas cuja razoabilidade vai sendo cada vez
mais fraca. A conclusão do argumento apoia-se numa alegada cadeia de passos,
mas não há razões suficientes para pensar que essa cadeia se verifica.
Neste tipo de argumento, premissas apenas prováveis são enunciadas como se
fossem certas, escondendo assim o facto de que a conclusão é necessariamente
menos provável do que cada uma das suas premissas. Na verdade, a
probabilidade de uma série de acontecimentos é sempre menor do que a
probabilidade de cada acontecimento.

8. Em que consiste a falácia denominada «boneco de palha»?


A falácia do «boneco de palha» consiste em distorcer e deturpar as ideias
do adversário, julgando-se assim que se podem refutar ou que é mais fácil
refutá-las.

Seis falácias informais

Falácia da derrapagem A conclusão resulta de um suposto e improvável


encadeamento de situações.
Ex.: Se és um apreciador de bons vinhos, então
depois
de um bom copo, beberás outro e outro e mais
tarde ou mais cedo tornar-te-ás um alcoólico.
Falácia do falso dilema Apresentam-se duas alternativas como sendo as únicas,
ignorando ou tentando fazer com que se acredite
que não há mais alternativas disponíveis.

Ex.: Ou és crente ou és ateu. Se não acreditas na


existência de Deus, só posso concluir que és ateu.
Falácia da petição de Usamos como prova, aquilo que estamos a tentar
princípio provar: supõe-se a verdade do que se quer provar,
ou seja, provamos a conclusão tendo como
premissa a própria conclusão.

Ex.: Não falta ninguém, uma vez que está cá toda


a gente.

Falácia do «boneco de Distorcem-se as ideias do adversário para as


palha» atacar mais facilmente. A tese do adversário é
deturpada para ser atacada, mas isso significa que
se falha o alvo.

Ex.: O João diz que para se protegerem certas


espécies os Jardins Zoológicos são importantes.
Então mais valia prenderem todos os animais.
Falácia do ataque à Ataca-se indevidamente a pessoa que defende
pessoa (ad hominem certas ideias, julgando-se erradamente que isso é
falacioso) atacar as suas ideias.

Ex.: É impossível acreditar no que dizes. Como podes


ter uma opinião inteligente sobre o aborto? Não
és mulher, pelo que esta é uma decisão que nunca
terás de tomar.

Falácia do apelo à Transforma-se em prova a ausência de prova. Se


ignorância (apelo não provarmos a falsidade de uma afirmação, então
falacioso à ignorância) ela é verdadeira; se não provarmos a verdade de
uma afirmação, então ela é falsa.
Ex.: 1. Ninguém provou que os fantasmas não
existem. Logo, existem.

2. Nunca se observaram extraterrestres. Logo,


não existem.
EXERCÍCIOS

Explique as falácias seguintes e dê exemplos.

1. Petição de princípio.

A petição de princípio ocorre quando, ao argumentarmos a favor de uma


dada proposição, usamos essa mesma proposição como premissa, assumindo assim
como verdadeiro na premissa o que se pretende provar na conclusão.
Exemplo: «[É] absolutamente verdadeiro que se tem de acreditar na
existência de Deus porque as Sagradas Escrituras a ensinam e, inversamente,
que se tem de acreditar nas Sagradas Escrituras por provirem de Deus.» René
Descartes, Meditações sobe Filosofia Primeira, Coimbra, Liv. Almedina,
1976, p. 84.

2. Falso dilema.

Esta falácia ocorre quando uma das premissas de um argumento é uma


disjunção e apresenta duas alternativas como se fossem as únicas disponíveis,
quando de facto há mais alternativas. Exemplo: Ou diminuímos o orçamento
para a educação ou não seremos capazes de cortar a despesa pública. Mas temos
forçosamente de diminuir a despesa do Estado. Logo, temos de cortar no
orçamento para a educação.

3. Apelo indevido ou falacioso à ignorância.

A falácia do apelo à ignorância ocorre quando se considera uma proposição


verdadeira por não haver provas de que é falsa; ou se considera uma
proposição falsa por não haver provas de que é verdadeira. Exemplo: Como
a ciência foi incapaz de dar uma explicação natural para a remissão do cancro do
senhor António, essa remissão é um milagre.
4. Ad hominem (ataque falacioso à pessoa).
A falácia do ataque à pessoa ocorre quando, em vez de atacar o ponto de vista
que a pessoa defende, se ataca a própria pessoa. Exemplo: A – A guerra
colonial acabou há muito tempo, e as más relações entre Portugal e Angola são
prejudiciais para ambos os países. B – Pois, e você ganha uma pipa de massa
com a importação de diamantes.

5. Derrapagem (bola de neve ou declive ardiloso)

Esta falácia ocorre quando a conclusão de um argumento se apoia numa


alegada cadeia de passos, e não há razões suficientes para pensar que essa
cadeia se verifica. Por exemplo, quando, para mostrar que uma proposição, P, é
inaceitável, se extrai uma sequência de consequências inaceitáveis de P. O
argumento é falacioso quando pelo menos um dos seus passos é falso ou
duvidoso. Exemplo: A descriminalização da canábis será apenas o começo. Isso
vai conduzir a uma espiral de abuso de drogas fortes como a heroína e a
cocaína.

6. Boneco de palha.

Ocorre quando o orador distorce o ponto de vista do opositor com o


propósito de mais facilmente o atacar e, destruindo esse ponto de vista assim
distorcido, conclui que o ponto de vista que o seu opositor de facto defende
foi refutado. Exemplo: Aquilo que os defensores da eutanásia querem é muito
claro. Eles querem poder matar quem esteja muito doente. É por essa a razão
me oponho à eutanásia.

II

Complete os espaços em branco.

Considera-se verdadeira uma afirmação porque não se provou que é falsa ou


vice- versa. Trata-se do apelo falacioso à ignorância. Distorcem-se as ideias
do adversário para se atacarem mais facilmente. Trata-se da falácia do
boneco de palha. Consideram-se apenas duas alternativas, embora haja mais.
Trata-se da falácia do falso dilema. Usa-se como premissa a própria
conclusão. Trata-se da falácia da petição de princípio. Ataca-se a pessoa em
vez da ideia que defende.
Trata-se da falácia do ataque indevido à pessoa (ad hominem). A conclusão
resulta de uma cadeia de passos que é duvidoso que se verifique. É a
falácia da derrapagem.

III

Identifique a falácia cometida e selecione a opção correta.

1.Sou contra a pena de morte, porque a pena de morte tira a vida a uma pessoa.

a)Petição de princípio.

b)Ad hominem.

c)Apelo à ignorância.

d)Boneco de palha.

A conclusão «Sou contra a pena de morte» e a premissa «A pena de morte tira a


vida a uma pessoa» expressam a mesma proposição, embora por intermédio de
frases diferentes.

2.Ninguém provou a sua inocência. Logo, ela é culpada.

a)Derrapagem.

b)Falso dilema.

c)Apelo à ignorância.

d)Petição de princípio.

Usa-se a ausência de prova como prova.

3. «Quando uma oposição a única coisa que tem a dizer ao governo é


que o governo é propaganda, é porque realmente não tem mais nada para
dizer.» José Sócrates, TSF.

a)Ad hominem, porque ataca-se a oposição em vez da tese que esta defende.

b)Petição de princípio, porque a premissa é a mesma que a conclusão.


c) Apelo à ignorância, porque do facto de a oposição só ter uma coisa a
dizer se conclui que não tem mais nada a dizer.

d) Falso dilema, porque se assume que a oposição só tem duas opções, dizer
que o governo é propaganda ou nada dizer, quando há outras opções.

4.Se se legaliza o aborto até às 10 semanas, a seguir legaliza-se o aborto


até às 20 semanas. E, se se legaliza o aborto até às 20 semanas, a seguir
legaliza-se o aborto até às 30 semanas. E, se se legaliza o aborto até às 30
semanas, a seguir legaliza- se o aborto até imediatamente antes o
nascimento. E, se se legaliza o aborto até imediatamente antes o nascimento,
a seguir legaliza-se o infanticídio. Logo, não se pode legalizar o aborto até às
10 semanas.

a) Derrapagem, porque se refuta uma afirmação, derivando delas


consequências prováveis mas inaceitáveis.

b)Derrapagem, porque o argumento obriga a aceitar a conclusão.

c) Falso dilema, porque o argumento coloca duas possibilidades como as únicas


existentes: legalizar o infanticídio ou legalizar o aborto até às dez semanas.

d)Boneco de palha, porque se distorce o que o opositor defende.

5. O meu professor está sempre a dizer que devemos fazer os trabalhos de


casa. Mas, no seu tempo de estudante, ele era o maior «baldas» da escola:
nunca fazia o que lhe mandavam e reprovou pelo menos três anos por faltas.
Portanto, não faço os trabalhos de casa e não vou à aula.

a)Falso dilema.

b)Boneco de palha.

c)Ad hominem.

d)Derrapagem.

Ataca-se o professor e não aquilo que ele afirma. O comportamento


passado do professor é irrelevante para determinar a verdade do que
defende.
6. [Sobre Camões] Poeta ou aventureiro? Cartaz publicitário da RTP ao programa
«Grandes Portugueses»

a)Falso dilema, porque as opções não esgotam todas as possibilidades.

b)Apelo à ignorância, porque Camões foi ambas as coisas.

c)Apelo à ignorância, porque se quer concluir algo sobre Camões a partir da


nossa ignorância sobre ele.

d)Falso dilema, porque as alternativas são falsas.

7. Aquilo que os defensores da eutanásia querem é muito claro. Querem


poder matar quem esteja muito doente. É essa a razão pela qual me oponho
à prática da eutanásia.

a)Ad hominem, porque apresentam uma objeção irrelevante para atacar o que
os defensores da eutanásia dizem.

b)Falso dilema, porque sugere que tem de se optar entre ser a favor ou
contra a eutanásia.

c)Ad hominem, porque atacam os defensores da eutanásia e não aquilo


que defendem.

d)Boneco de palha, porque distorcem a posição dos defensores da eutanásia.

8.A: – A tua decisão viola claramente a lei.

B: – O quê, não me digas que cumpres sempre a lei? És daqueles que nunca
anda a mais de 120 na autoestrada? Não me digas que nunca andaste a
mais de 120 na autoestrada!

a)Não incorre em qualquer falácia.

b)Ad hominem.

c)Boneco de palha.
d)Apelo à ignorância.

Ataca-se a pessoa e não o que ela disse.

9. Não há uma ligação clara entre fumar e cancro de pulmão, apesar do que
os médicos dizem e de anos de estudos científicos. Portanto, fumar não faz mal
aos teus pulmões.

a)Ad hominem.

b)Petição de princípio.

c)Apelo à ignorância.

d)Falso dilema.

A ausência de prova é usada como prova.

10. Se aprovarmos leis contra as armas automáticas, não demorará muito


até aprovarmos leis contra todas as armas. E, se aprovarmos leis contra
todas as armas, começaremos a restringir os nossos direitos. E, se
começarmos a restringir os nossos direitos, acabaremos por viver num
Estado totalitário. Portanto, não devemos banir as armas automáticas.

a) Boneco de palha, porque se distorce a posição do opositor de modo a


refutá-la mais facilmente.

b) Bola de neve, porque se tenta refutar que se deva aprovar leis contra as
armas automáticas derivando daí consequências cada vez mais
inaceitáveis.

c) Falso dilema, porque se põe as coisas em termos de ter ou não armas


automáticas, quando há outras opções.

d) Apelo à ignorância, porque se pretende esclarecer as pessoas acerca


das consequências nefastas da aprovação de leis contra as armas
automáticas.
IV

1. Considere os dois argumentos que se seguem.

1. Não está provado que o Pai 2. Não está provado que o réu não é
Natal não existe; logo, o Pai Natal culpado; logo, o réu é culpado.
existe.

1.1. Trata-se de argumentos dedutivamente válidos?

Não. No caso de 1., não podemos, do facto de a negação da existência do Pai


Natal não estar provada, sustentar que essa premissa garante a conclusão. No
segundo caso, não provar a culpa do réu não garante que este seja
inocente. Unicamente justifica presumir que não é culpado.

1.2. Considere a forma dos dois argumentos. Que ilação devemos tirar acerca
da diferença entre lógica formal ou dedutiva e lógica informal?

Os argumentos têm a mesma forma lógica. Contudo, isso não impede que um
dos argumentos seja válido – o argumento 2 – e o outro inválido ou
falacioso. Um argumento de tipo informal e válido pode ter a mesma forma
lógica que um argumento informal inválido. Ora, um argumento dedutivo
inválido não pode ter a mesma forma lógica que um argumento dedutivo válido.
Neste último caso, se a forma do argumento é válida, então premissas
verdadeiras justificam e garantem conclusões verdadeiras. Daqui se retira uma
importante ilação sobre a diferença entre argumentos dedutivos e não
dedutivos: a validade dedutiva depende inteiramente da forma lógica dos
argumentos; mas a validade indutiva não depende inteiramente da forma
lógica dos argumentos.

2. Compare estes dois argumentos.

1. A maioria dos alemães lê o Der 2. A maioria dos alemães lê o


Spiegel. Logo, o meu amigo alemão Expresso. Logo, o meu amigo
que me vai visitar lê o Der alemão que me vai visitar lê o
Spiegel. Expresso.
2.1. Estes dois argumentos exemplificam que tipo de argumentos? Porquê?

São dois exemplos de argumentos indutivos. Trata-se de previsões. As previsões


são formas de argumentos indutivos. Acresce que em ambos os casos a
eventual verdade das premissas não torna logicamente impossível a falsidade
da conclusão.
2.2. Avalie o valor de verdade das premissas.

As premissas são ambas proposições falsas.

2.3. Nenhum argumento indutivo garante a verdade da conclusão. Um


bom argumento indutivo é o que, portanto, diminui tanto quanto possível o
risco de a conclusão ser falsa. Neste sentido, qual dos argumentos é, de um
ponto de vista indutivo, melhor do que o outro?

Ambos os argumentos partem de premissas falsas e por isso comprometem


o objetivo de justificar a verdade da conclusão. Apesar disso, podemos dizer que
o argumento 2 torna muito mais provável que a conclusão seja falsa do que
o argumento 1. Com efeito, a premissa de 2 é claramente menos plausível do
que a de
1. A esmagadora maioria dos alemães não lê o Expresso. Assim sendo, o
argumento 2 corre menos riscos do que o argumento 1. Como a validade de
um argumento indutivo depende da força com que as premissas apoiam a
conclusão, estamos perante dois argumentos que não são indutivamente
bons.

3. Atente no argumento seguinte.

Não acredito que tenha ouro no meu terreno. Nunca tive notícia de haver ouro
por estas bandas e em terrenos deste tipo não é hábito encontrar ouro. Além disso,
já abri poços e caboucos e nunca vi ouro nenhum.

3.1. Trata-se de um argumento dedutivamente válido?

Não. As premissas não garantem a conclusão de que não há ouro nos terrenos
em questão.

3.2. De que tipo de argumento se trata?

Trata-se de um argumento indutivo, mais propriamente falando de uma previsão


indutiva.

3.3. Podemos considerar que o argumento é válido?

Sim, porque é bastante razoável acreditar que o argumentador tem razão.


Ele convenceu-nos de que as suas premissas são razões suficientemente fortes
para justificar a sua crença. É bastante plausível acreditar que não há ouro no
seu terreno e agir de acordo com essa crença. É um exemplo de argumento
que com fortes razões justifica a nossa aceitação da conclusão.
4. Considere os argumentos seguintes.

1. Até agora, nenhuma mulher foi 2. Até hoje, nenhum primeiro-


presidente da República, em ministro, em Portugal, foi
Portugal; logo, nenhuma mulher será analfabeto; logo, nenhum
presidente da República, em primeiro-ministro, em Portugal,
Portugal. será analfabeto.

4.1. Que tipo de argumentos são apresentados?

Trata-se de argumentos indutivos, mais propriamente falando de previsões


indutivas.

4.2. O argumento 1 é válido?

Podemos dizer que não, na medida em que, apesar de a premissa ser


verdadeira, é altamente improvável que a conclusão o seja. Se entendermos
que um argumento indutivo é válido quando a premissa torna mais provável
do que improvável a verdade da conclusão, facilmente concluímos que nos dá
uma razão muito fraca para justificar a verdade da conclusão.

4.3. O argumento 2 é válido?

Podemos dizer que sim. A premissa é verdadeira – ou a sua verdade é


bastante plausível – porque o exercício do cargo de primeiro-ministro não é
compatível com o analfabetismo. A conclusão é bem sustentada pelas
premissas, apesar de a sua falsidade não ser logicamente impossível. Apesar de
o argumento de Silva ser um bom argumento indutivo, não é impossível que
a conclusão seja falsa. A última palavra cabe ao conteúdo, ou seja, às
realidades a que as proposições se referem. Atribuímos validade a este
argumento porque pensamos que muito provavelmente a realidade não o vai
contradizer. Ao fazê-lo, temos em conta o nosso conhecimento de aspetos
gerais do curso do mundo, tais como o que é preciso para chegar a
primeiro-ministro e exercer o cargo.

5. Considere o argumento seguinte.

Até hoje, nenhum marciano foi ator de peças de Shakespeare. Logo,


nenhum marciano será ator de peças de Shakespeare. Podemos afirmar
que este argumento indutivo é válido?
Um argumento indutivo é válido quando o facto de as premissas serem
verdadeiras torna mais provável que a conclusão seja verdadeira do que falsa.
Vistas as coisas desse modo, parece que temos boas razões para acreditar na
verdade da conclusão. A premissa e a conclusão são verdadeiras. Mas
podemos perguntar o que é relevante para que a conclusão seja verdadeira:
Que nenhum marciano tenha sido até à data ator de peças de Shakespeare – ou
seja, que a premissa seja verdadeira – ou que não haja marcianos? Se for este
o caso, então o que é relevante não é a premissa, mas sim não existirem
marcianos, algo que pelo menos explicitamente a premissa não assume. Como
num argumento indutivo válido a premissa tem de ser relevante para a
conclusão, isso não aconteceria nesta última hipótese.

V
Identifique as falácias informais cometidas.

1.Não podes ver esse filme. Ainda não tens idade para isso.

Ah, então não queres que eu me divirta. Isso não é justo!

Boneco de palha. Deturpa-se a posição da autoridade paterna – suponhamos assim


– para mais facilmente a tentar atacar.

2. Luís: Penso que as pessoas não devem usar perfumes nem sprays. São
péssimos para o ambiente.

Maria: Então queres que as pessoas andem a cheirar mal e com cabelos que
parecem mato?

Boneco de palha. Deturpa-se a posição de Luís para mais facilmente a tentar atacar.

3. Os opositores da pena de morte defendem que a pena de morte é injusta


e discriminatória. Mas é ridículo sugerir que os assassinos não devem pagar
pelos seus crimes. Como é que isso poderá ser justo para as vítimas ou para
as suas famílias?

Boneco de palha. Quem se opõe à pena de morte não está


necessariamente a defender que os assassinos não devem ser castigados.

4.O meu pai diz-me que não devo mentir. Ele diz que mentir é errado
porque leva a que as pessoas deixem de confiar umas nas outras. Mas eu já
ouvi o meu pai
mentir. Às vezes ele telefona para o trabalho a dizer que está doente, quando
não está, de facto, doente. Portanto, mentir não é errado – o meu pai apenas não
gosta que eu minta.

Ataque indevido à pessoa ou argumento ad hominem falacioso. (Note-se que


nem todo o argumento ad hominem é falacioso.) O argumento ataca o pai e
não o que ele diz. Mas não é pelo facto de o pai mentir que deixa de ser
verdade que não se deve mentir.

5.Advogado – João afirma que o meu cliente cometeu o crime. Contudo, João
é um bêbado inveterado, portanto, o seu testemunho de João não tem valor
algum.

O argumento é falacioso – trata-se de um argumento ad hominem


falacioso – porque, mesmo que seja verdade que João é um bêbado, pode
contudo, estar a dizer a verdade, bastando para isso que, por exemplo,
estivesse sóbrio no momento em que observou a ocorrência. Temos um
ataque indevido à pessoa.

6. Advogado – João afirma que o meu cliente cometeu o crime na noite de 30


de junho. João estava completamente bêbado na noite de 30 de junho.
Portanto, o testemunho de João sobre o que ocorreu na noite de 30 de
junho não é digno de confiança.

O argumento não é um argumento ad hominem falacioso porque há boas –


embora não conclusivas – razões para duvidar da veracidade do testemunho
de João. O ataque à pessoa não é aqui indevido.

7.A razão pela qual este produto tem muita procura é porque muita e muita
gente o quer ter.

Petição de princípio. Há uma grande procura porque há uma grande procura.

8.A hipertensão arterial prejudica os rins, e as lesões renais produzem


hipertensão arterial.

Não há falácia da petição de princípio porque há fenómenos que se retroalimentam.

9. As cotações da bolsa baixam porque os investidores se sentem inseguros,


e os investidores sentem-se inseguros porque as cotações baixam.

Não há falácia da petição de princípio. Os efeitos retroalimentam as causas.

10. Não existem presos políticos neste país, mas somente cidadãos que
foram condenados por atividades políticas não permitidas pela lei.
Petição de princípio. Não existem presos políticos porque não existem presos
políticos.
11. Os céticos tentaram sem sucesso durante séculos provar que a
reencarnação é um mito. Portanto, devemos concluir que a
reencarnação é um facto.

Apelo falacioso à ignorância. A ausência de prova é usada como prova. Não


é pelo facto de os céticos não terem sido capazes de provar que a reencarnação
é um mito que a reencarnação é um facto.

12.Não tenho nenhuma prova de que a luz do meu frigorífico se apaga


quando fecho a porta. Portanto, é razoável acreditar que não se apaga.

Apelo falacioso à ignorância. Não é pelo facto de não ter prova de que a luz
se apaga que se pode concluir que não se apaga.

13.Ninguém conseguiu encontrar as causas naturais da recuperação do doente.


Por isso, foi um milagre que o curou.

Apelo falacioso à ignorância. A ausência de prova é usada como prova.

14. Se começares a jogar Bingo, vais tornar-te viciado no jogo. Se te


tornares viciado no Bingo, vais gastar todo o teu dinheiro no jogo. Se
gastares todo o teu dinheiro no jogo, vais ter de roubar para pagar as
tuas despesas. Logo, se começares a jogar Bingo, vais ter de roubar
para pagar as tuas despesas.

Falácia da derrapagem ou da bola de neve. Uma série de passos improváveis


levam à conclusão de que a pessoa não deve começar a jogar Bingo.

15.Os alunos pediram à direção da escola que lhes arranjasse um local


aonde a comissão de finalistas se pudesse reunir. Se lhes fizéssemos a vontade,
a seguir iriam pedir um salão de jogos e, em seguida, uma discoteca. Isso
transformaria a escola num centro de diversão. Por essa razão, não
podemos ceder a sala para reuniões.

Falácia da derrapagem ou da bola de neve. Está longe de ser óbvio que, se


se satisfizer o desejo dos alunos, a escola se transforme numa discoteca.

16. Se se legaliza a eutanásia para os doentes terminais, a seguir legaliza-se


para as pessoas com morte cerebral. Se se legaliza a eutanásia para as pessoas
com morte cerebral, a seguir legaliza-se para as pessoas muito idosas,
socialmente inadaptadas, com deficiências cognitivas profundas. Logo, não se
pode legalizar a eutanásia.

Falácia da derrapagem ou da bola de neve. Está longe de ser óbvio, como


pretende o argumento, que da legalização da eutanásia para os doentes
terminais se siga necessariamente a legalização da eutanásia para os
doentes mentais.
17.Não se pode ser ateu e pessoa com bons princípios morais ao mesmo
tempo. Logo, se és ateu não és moralmente recomendável.

Falácia do falso dilema ou da falsa dicotomia. Como se ser crente e


moralmente recomendável fossem sinónimos.

18. É comunista, mas é boa pessoa.

Falácia do falso dilema ou da falsa dicotomia. De uma forma implícita, afirma-


se que ou se é comunista ou se é boa pessoa. Como se não ser comunista
fosse condição necessária para ser boa pessoa. Aqui, aponta-se uma exceção,
mas o que importa é que a dicotomia se apresenta de forma absoluta.

19.Ou aceitas o racionalismo ou negas as verdades da matemática. Ora, se


não negas as verdades da matemática, resta-te aceitar o racionalismo.

Falácia do falso dilema ou da falsa dicotomia. Há alternativas que não são


consideradas. Pode negar-se o racionalismo sem negar a verdade das matemáticas.
É o caso do filósofo empirista David Hume.
MÓDULO 3
Filosofia e racionalidade argumentativa
UNIDADE 2
Argumentação e retórica
CAPÍTULO 3
A retórica e a procura da adesão do auditório

1. O que é a retórica?
A retórica é habitualmente definida como a arte da persuasão.
2. O que entende Aristóteles por retórica?
Aristóteles entende-a sobretudo como estudo do método da persuasão. Ela
é a faculdade de descobrir e considerar o que, para cada questão, pode ser
adequado para persuadir.
3. Porque se justifica o estudo da retórica?
O estudo da retórica justifica-se porque argumentar é tentar persuadir e
convencer, encontrar formas de obter a adesão a certas ideias e opiniões.
Tentamos persuadir os outros, e outros procuram fazer o mesmo. Na vida
prática, em processos comunicativos concretos, a argumentação destina-se a
convencer e a ganhar a adesão do interlocutor.
4. Qual é o domínio de atuação da retórica?
O campo da argumentação retórica é o verosímil, o provável, o controverso
e o discutível, e não o necessariamente verdadeiro. A retórica pretende
descobrir os meios que, relativamente a qualquer argumento, podem
persuadir um dado auditório. Procura fazer aceitar teses prováveis, que
podem ser controversas, verosímeis ou convincentes. É, por isso, «a técnica
ou a arte do verosímil».
5. O que entende Aristóteles por ethos?
O ethos é uma «prova» ou dispositivo retórico baseada no caráter do orador.
O orador tenta persuadir o auditório proferindo o discurso de maneira a
criar nele a impressão de que tem um caráter que o torna digno de crédito,
valendo-se da sua experiência no assunto, da sua reputação e da qualidade das
fontes e informações em que se apoia. É um apelo à credibilidade.
6. O que é o pathos?
É uma «prova» ou dispositivo retórico centrado no auditório. O orador tenta
persuadir despertando pelo discurso no auditório sentimentos e emoções que o
tornam recetivo ao que está a ser dito.
7. O que carateriza o logos?
É uma «prova» ou dispositivo retórico baseado no discurso. Apela à
racionalidade e capacidade lógica do auditório. Se o orador tenta persuadir
procurando apresentar razões em defesa de um determinado ponto de vista
(e não tentando despertar certas emoções ou transmitir a imagem de
credibilidade pessoal), então estamos no plano do logos.
MÓDULO 3
Filosofia e racionalidade argumentativa
UNIDADE 2
Argumentação e retórica
CAPÍTULO 4
Argumentação e filosofia

1. Que relação existe entre retórica e democracia?


A relação é a seguinte: enquanto arte da persuasão pelo discurso e pela
palavra, a retórica supõe um regime político em que diversas opiniões e crenças
se possam justificar perante as outras. A democracia é o regime em que o
acesso ao poder se faz através do voto e consagra o poder da palavra para
obter a adesão de quem escolhe os que vão governar.

2. Que importância tinham os sofistas na democracia ateniense?


A democracia estimulou o desenvolvimento da retórica porque persuadir os
outros pelo uso da palavra facilitava o acesso ao poder. Os sofistas são os
grandes especialistas na arte da retórica. Desempenham, enquanto professores
de retórica, um importante papel na formação de oradores especializados na
arte de falar eloquentemente, de forma persuasiva e convincente. Desse modo,
alcançar o poder através do voto ou defender uma causa em público exigiam o
domínio de técnicas discursivas que, dominadas pelos sofistas, os tornavam
grandes protagonistas da política ateniense.

3. Quais são as principais teorias filosóficas que, de um modo geral, parece


ser possível atribuir aos sofistas?
As principais ideias que através de Platão podem ser atribuídas aos sofistas são:
1.A descrença em verdades objetivas e universais e em valores morais
absolutos. A afirmação de Protágoras «O homem é a medida de todas as coisas»
foi interpretada por Platão como significando que não há verdades absolutas,
nem valores morais absolutos.
2. O relativismo. Esta posição decorre da anterior. Se a verdade é relativa e
particular (isto é, se a verdade muda consoante o homem que percebe o
objeto), e não absoluta e universal (isto é, sempre a mesma para todas as
pessoas), todo o conhecimento se reduz às crenças e às opiniões de que os
seres humanos podem ser persuadidos.

4. O que opõe radicalmente Platão e Sócrates aos sofistas?


O relativismo constitui para Sócrates e Platão o principal inimigo da filosofia
entendida como procura de uma verdade absoluta e permanente. Sócrates e
Platão
defendiam que há uma realidade objetiva e que há verdades objetivas e
universais, que podem ser conhecidas por intermédio, não da retórica, mas
da filosofia. A retórica sofista é um obstáculo ao conhecimento e à
descoberta da verdade.

5. Fala-se de dois usos da retórica: o bom e o mau. Identifique-os.


O bom uso da retórica consiste na persuasão racional. O mau uso da
retórica consiste na manipulação.

6. Em que consiste a persuasão racional?


É a tentativa de, evitando manobras falaciosas e construindo argumentos bons,
sem artifícios estilísticos, claramente organizados e expostos, obter a
adesão do auditório. Pode dizer-se que contribui para descobrir e comunicar
a verdade. A persuasão racional tem em vista a verdade, mas a
manipulação não.

7. Em que consiste a manipulação?


A manipulação consiste em usar a capacidade de persuasão para enganar, iludir
e convencer o auditório daquilo que mais interessa e convém ao orador. Tenta
tirar partido das limitações e dos preconceitos do auditório. Trata-se de uma
forma de argumentação desonesta que instrumentaliza o auditório e se afasta
da verdade.

8. Qual é a crítica fundamental que Platão dirige à retórica sofista?


Reconhecendo o poder da retórica, questiona de um ponto de vista ético o uso
de um tal poder. Platão não pensa que a retórica seja a arte da persuasão. Para
Platão, a retórica, em vez de visar a persuasão do auditório, visa a sua
manipulação.

9.Como justifica Platão que a retórica sofista é uma forma de manipulação


e não de persuasão?
Segundo Platão, a retórica não se baseia na razão e na procura da verdade, mas
na exploração das emoções, dos interesses e das necessidades do auditório. É
uma forma de manipulação porque, pensa Platão, quem não domina o assunto
de que fala só é persuasivo, e inclusive mais persuasivo do que quem sabe, se o
auditório estiver mal informado sobre o assunto de que fala o orador. A
ignorância é condição necessária do triunfo do ignorante.

10. Por que razão não a considera uma arte?


É o caráter manipulador da retórica que lhe retira o direito ao título de arte.
Não procurando a verdade, a retórica afasta-nos do triunfo do bem e da justiça.
Como uma atividade que não se baseia na verdade e não tem como finalidade a
realização do bem não merece o nome de arte, Platão conclui que, ao contrário
do que pensam os sofistas, a retórica não é uma arte.
11. Por que razão a relação entre retórica e filosofia é, em princípio,
problemática? Porque a filosofia tem como objetivo a descoberta da verdade, e
a retórica parece exclusivamente centrada na persuasão e na eficácia do
discurso.

12. Como procura Perelman superar esta aparente incompatibilidade?


Perelman procura superar esta aparente incompatibilidade defendendo que em
filosofia a verdade não pode, dada a natureza das questões filosóficas ser
sinónimo de evidência absoluta.

13. O que entende Perelman por retórica filosófica?


A retórica filosófica é o processo de construção da verdade mediante a
argumentação partilhada e discutida. Em filosofia não há respostas que
encerrem definitivamente as questões. Por isso, a razão filosófica é uma
racionalidade comunicativa que se baseia na ideia de que é possível
argumentar e discutir todas as posições de modo a descobrir os prós e os
contras de uma dada tese. Aponta as limitações da racionalidade lógica que,
dirigindo-se ao entendimento, esquece que o ser humano é mais do que razão.
A argumentação retórica dirige-se ao ser humano na sua totalidade visando a
adesão a uma ideia, sensibilizá-lo para certos valores e motivá-lo para certas
ações.

Os dois usos da retórica


Persuasão Manipulação

O orador não tem a intenção de Recorre a argumentos enganadores ou


enganar. Tenta apresentar toda a manobras falaciosas. Visa enganar e
informação relevante, não iludir, omitindo certos factos para
distorce factos nem os omite. destacar outros ou apresentando a
mensagem de forma propositadamente
parcial e ambígua.

Evita explorar os preconceitos do Explora os preconceitos do auditório.


auditório.

Procura que os membros do Trata os membros do auditório como


auditório pensem por si. meios ao serviço das suas finalidades
pessoais.
Procura obter adesão, apelando a Procura obter adesão, apelando
fatores emocionais e racionais, essencialmente a fatores emocionais, que
embora predomine o recurso ao impressionam mais o auditório.
logos.
É tanto mais eficaz quanto maior for É tanto mais eficaz quanto maiores
a capacidade de argumentação do forem a passividade, os preconceitos e
orador (apresenta os argumentos a falta de sentido crítico do auditório.
pela melhor ordem e sem
complicações
desnecessárias).
O bom uso da retórica O mau uso da retórica

EXERCÍCIOS
I
1. Analise as afirmações seguintes sobre a diferença entre persuasão
e manipulação. Selecione, de seguida, a alternativa correta.

1. A persuasão baseia-se exclusivamente em meios racionais.

2. A manipulação baseia-se exclusivamente em fatores emocionais.

3. A persuasão racional tem em consideração as emoções das pessoas,


mas a manipulação não.

4. A persuasão racional tem em vista a verdade, mas a manipulação não.

A – 1 e 2 falsas; 3 e 4 verdadeiras.

B – 1 verdadeira; 2, 3 e 4 falsas.

C – 1 e 3 verdadeiras; 2 e 4 falsas.

D – 4 verdadeira; 1, 2 e 3 falsas.

2. A manipulação é

A – A consequência necessária da

persuasão. B – Uma consequência possível

da persuasão.

C – Uma forma de argumentação que nada tem a ver com as estratégias persuasivas.
D – Uma forma de argumentação que se centra exclusivamente nas
caraterísticas do auditório.
3. A transformação da persuasão em manipulação é facilitada por

A – Fatores estritamente

emocionais. B – Fatores

estritamente cognitivos.

C – Fatores cognitivos, psicológicos e sociológicos.

D – Fatores cognitivos e emocionais.

4. Analise as afirmações seguintes sobre a relação entre persuasão racional


e manipulação. Selecione, de seguida, a alternativa correta.

1. A manipulação tem em consideração as caraterísticas do auditório e a


persuasão racional não.

2. A persuasão racional é mais eficaz do que a manipulação.

3. No caso da persuasão racional o auditório também apresenta


limitações cognitivas.

4. A manipulação tem em consideração as emoções das pessoas, mas a


persuasão racional não.

A – 1 e 2 falsas; 3 e 4 verdadeiras.

B – 1 verdadeira; 2, 3 e 4 falsas.

C – 3 verdadeira; 1, 2 e 4 falsas.

D – 4 verdadeira; 1, 2 e 3 falsas.

5. A manipulação

A – Depende das caraterísticas do

auditório. B – Depende das caraterísticas

do orador.

C – É um argumento falacioso e atraente que é usado com

má-fé. D – As alíneas A e C são verdadeiras.


E – As alíneas A e B são

verdadeiras. F – Só a alínea B é

verdadeira.
6.Temos capacidade de raciocinar, mas há raciocínios que temos dificuldade
em acompanhar e compreender porque não dominamos o assunto em causa.
Esta caraterística

A – Impede a persuasão

racional. B – Facilita a

manipulação.

C – Facilita quer a persuasão racional quer a

manipulação. D – A alínea A é a única verdadeira.

E – As alíneas A e B são verdadeiras.

7. Persuadir e manipular dependem em boa parte do modo como o


orador encara as limitações do auditório. Esta afirmação é

A – Falsa, porque dependem da qualidade da argumentação.

B – Verdadeira, porque as limitações do auditório são uma oportunidade


para persuadir e manipular.

C – Falsa, porque o orador também apresenta limitações.

D – Verdadeira, porque pode ser pedagógico ou oportunista.

8. Analise as afirmações seguintes sobre os dois usos da retórica.


Selecione, de seguida, a alternativa correta.

1. A retórica pode ser usada para persuadir ou para manipular.

2. Não há dois usos porque a retórica promove a autonomia do pensar.

3. O mau uso explora os preconceitos e limitações do auditório; o bom


uso só explora os preconceitos.

4. A eficácia de cada um dos usos depende do grau de informação e de


disponibilidade racional do auditório.

A – 1 e 2 falsas; 3 e 4 verdadeiras.
B – 1 verdadeira; 2, 3 e 4 falsas.
C – 3 verdadeira; 1, 2 e 4 falsas.

D – 1 e 4 verdadeiras; 2 e 3 falsas.

9. Analise as afirmações seguintes sobre a relação entre os sofistas e


Platão. Selecione, de seguida, a alternativa correta.

1. Para Platão, a retórica não é uma arte nem uma forma de persuasão.

2. Na base da oposição platónica à retórica está o relativismo dos


sofistas.

3. Para Platão, a retórica sofista explora a ignorância e a falta de sentido


crítico do auditório.

4. A razão de ser da oposição tem a ver com diferentes conceitos de


A – 1 e 2 falsas; 3 e 4 verdadeiras.

B – 1, 2, 3 e 4 verdadeiras;

C – 3 verdadeira; 1, 2 e 4 falsas.

D – 1, 2 e 3 verdadeiras; 4 falsa.

10. No que respeita à procura da verdade em filosofia, é correto afirmar que

A – A lógica formal é necessária, mas insuficiente.

B – As premissas dos nossos argumentos são muitas vezes discutíveis.

C – Podemos argumentar a favor da verdade, mas não demonstrar a

verdade. D – As alíneas A e B são verdadeiras.

E – As alíneas A, B e C são verdadeiras.

11. Platão não considera que a retórica dos sofistas seja uma arte, entre
outras razões, porque

A – Lhe falta uma motivação

ética. B – Instrumentaliza o seu

auditório.
C – Faz com que o auditório acredite saber o que ignora.
D – As alíneas anteriores são todas falsas.

E – As alíneas anteriores são todas

verdadeiras. F – As alíneas A e B são

verdadeiras.

12. Analise as afirmações seguintes sobre as razões da ideia platónica de


que a retórica sofista não é a arte da persuasão. Selecione, de seguida, a
alternativa correta.

1. Não é uma arte porque o seu uso nos afasta da verdade e do bem.

2. Não é uma arte porque aproveita a ignorância do auditório.

3. Não é uma arte porque o desprezo pela verdade é um mal que nos
afasta do bem.

4. Não é uma arte porque a arte visa produzir sensações de agrado.

A – 1 e 2 falsas; 3 e 4 verdadeiras.

B – 1, 2, 3 e 4 verdadeiras;

C – 3 verdadeira; 1, 2 e 4 falsas.

D – 1, 2 e 3 verdadeiras; 4 falsa.

13. Para Perelman, o ideal filosófico de uma verdade

indubitável A – Esquece que a objetividade da verdade é uma

ilusão perniciosa. B – Não dá devida consideração às nossas

limitações cognitivas.

C – Desvaloriza o facto de no debate de problemas filosóficos não partirmos


de certezas evidentes e indisputáveis nem atingimos resultados conclusivos
que encerrem o debate.

D – Esquece que as verdades filosóficas são

indemonstráveis. E – As alíneas A, C e D são


verdadeiras.

F – As alíneas A, B, C e D são verdadeiras.


14. A principal crítica que é feita à ideia de que a filosofia se deve
basear na argumentação persuasiva é a de que

A – A persuasão é inimiga da verdade.

B – A retórica não distingue entre verdades objetivas e verdades

intersubjetivas. C – A filosofia é a procura de verdades certas e

indubitáveis.

D – A retórica pode conduzir-nos ao relativismo.

15. Para Perelman, a verdade objetiva é, em filosofia,

A – Um ideal regulador da atividade argumentativa.

B – Uma ficção inútil porque representa um ideal

inalcançável. C – Uma forma de dar uma orientação racional

à argumentação. D – As alíneas A, B e C são verdadeiras.

E – As alíneas A e B são

verdadeiras. F – As alíneas A e C

são verdadeiras.

16.A persuasão racional apela à capacidade de pensar do interlocutor. Esta


afirmação é
A – Falsa, porque um mau argumento nunca é persuasivo.
B – Verdadeira, porque todos os argumentos falaciosos são exemplo de
persuasão irracional.
C – Falsa, porque convencer exige que se apresentem argumentos baseados em
emoções.
D – Verdadeira, porque o uso da manipulação visa impedir os outros de
pensar. E – Todas as alíneas anteriores são verdadeiras.
F – Nenhuma das alíneas anteriores é verdadeira.
II
1. Por que razão Perelman considera que a argumentação retórica é
indispensável para a procura da verdade?
Porque, além da qualidade dos argumentos em si mesmos, é necessária a
capacidade persuasiva de quem argumenta. No debate filosófico, não partimos
de certezas evidentes e indisputáveis nem atingimos resultados conclusivos
que encerrem o debate.

2. Por que razão para Perelman o ideal de uma verdade demonstrativa


é prejudicial?
Porque desvalorizou o domínio do verosímil que é o domínio da maioria das
questões que interessam aos seres humanos, inclusive as filosóficas.
Excluiu a argumentação retórica, deixando a filosofia a oscilar entre um
ideal de verdade indubitável que não se coaduna com a natureza das suas
questões e o reino da pura e simples opinião. Segundo Perelman, os problemas
filosóficos são controversos, sendo praticamente impossível haver um consenso
sobre a resposta que devem receber. Assim sendo, a atividade filosófica é a
exposição de perspetivas que devem basear-se na argumentação persuasiva.
A filosofia não é, por isso, diferente de outros domínios do saber dos quais as
verdades evidentes ou aproximadamente exatas estão ausentes.

3.A impossibilidade de a filosofia atingir verdades demonstrativas ou evidências


irrefutáveis implica para Perelman que ela está condenada a ser um mero
conjunto de opiniões ou de enunciados subjetivos?
Não. A filosofia sempre aspirou a verdades universais e objetivas. Não
podendo ignorar a natureza problemática e muito polémica das respostas que
os filósofos dão aos problemas filosóficos, que não há um juiz supremo que
garanta a resposta verdadeira ou evidente, entende que se deve procurar a
maior universalidade possível. Afasta-se assim de um relativismo completo, ao
mesmo tempo que rejeita o fanatismo da verdade absoluta. O discurso
argumentativo deve apontar para esse ideal de modo a superar, na medida do
possível, a proliferação de pontos de vista particulares. Esta convicção é
ilustrada pela sua ideia de auditório universal. O auditório universal é, no
plano argumentativo, uma entidade ideal. É constituído
«por toda humanidade, ou pelo menos, por todos os homens adultos e
normais». O que na realidade existe são auditórios particulares, concretos,
constituídos por pessoas com diferentes raízes culturais, diversos modos de
pensar e de avaliar, com os seus preconceitos e interesses. Cada filósofo
também pertence a um auditório particular. Qual a importância do auditório
universal? Permite, em certa medida, dar uma orientação objetiva à
argumentação. Constitui, não tendo existência efetiva, um critério de
objetividade e de racionalidade.
4. Qual a razão fundamental da oposição de Platão aos sofistas?
Mais do que o uso que fazem da retórica, o que opõe fundamentalmente Platão
aos sofistas é o relativismo destes, a sua recusa em admitir que haja verdades
universais e objetivas. Filósofos como Platão e Sócrates concebem a filosofia
como procura de verdades objetivamente existentes, impessoais, e rejeitam o
relativismo dos sofistas.

5. Por que razão a crítica platónica à retórica sofista é sobretudo de


natureza moral?

A retórica dos sofistas, censura Platão, é uma atividade indiferente à verdade.


Aos olhos de Platão, tal facto é avaliado da seguinte forma: a atividade a que os
sofistas se dedicam não tem credibilidade moral. Não procurando a verdade,
a retórica afasta-nos do triunfo do bem e da justiça. Com efeito, pretendendo
fazer valer todas as opiniões convenientes ou de que alguém possa ser
convencido, os sofistas manifestam desprezo pela verdade e pelo
conhecimento. Mas como defender, por exemplo, o que é justo se não se sabe
o que é justo?

6. Resuma a crítica platónica à retórica sofista.

A objeção fundamental é esta: A retórica não está ao serviço do bem e da


verdade. A razão que justifica este duplo defeito é uma só: A retórica é
uma forma de manipulação e não de persuasão. Para Platão, a
retórica é uma forma de manipulação. Os oradores instrumentalizam os
auditórios, fazendo deles meios para os seus próprios fins ou os fins daqueles
que representam. Conseguem ser frequentemente bem-sucedidos em
influenciar atitudes e comportamentos. A que se deve tal sucesso? Às
limitações cognitivas do auditório.

Na verdade, pensa Platão, quem não domina o assunto de que fala só é


persuasivo, e inclusive mais persuasivo do quem sabe, se o auditório estiver
mal informado sobre o assunto de que fala o orador. A ignorância é condição
necessária do triunfo do ignorante. Só nesta situação o orador pode ser mais
convincente do que um especialista. Um auditório conhecedor do assunto
em discussão não se deixa manipular, pelo menos facilmente.

A manipulação dos auditórios – sinal de desprezo pela verdade – revela falta


de compromisso ético, desprezo pelo bem em si. Assim sendo, a retórica não
está ao serviço da justiça, na medida em que não se preocupa em descobrir o
que é a justiça, mas em fazer triunfar dados interesses.
7. Distinga os dois usos da retórica.

Considera-se que a retórica pode ser usada de duas maneiras: para


persuadir racionalmente ou para manipular. Em ambos os casos, muito
depende das caraterísticas do orador e do próprio auditório. Este, uma vez
que é formado por seres humanos, apresenta limitações de várias espécies.
Um auditório ignorante é mais fácil de manipular do que um auditório
informado, o mesmo acontecendo com um auditório com pouca aptidão para
seguir certos raciocínios ou descortinar o que podem conter de falacioso.
Assim, há manipulação sempre que o orador usa as limitações do auditório
para fazer aceitar as suas ideias (as limitações do auditório são uma
oportunidade que é explorada para obter adesão).

Há persuasão sempre que as limitações do auditório são encaradas como um


obstáculo a ultrapassar mediante argumentação cuidada, o mais simples
possível e suficientemente informativa.

A manipulação explora os preconceitos e limitações cognitivas do auditório,


baseando-se mais em fatores emocionais e apelativos para aquele e é tanto
mais eficaz quanto menor for a capacidade do auditório para pensar por si e
exibir sentido crítico. Assim, mais facilmente é instrumentalizado, enganado ou
iludido. O mesmo não acontece com a persuasão racional. Apesar da
complexidade dos assuntos humanos e de não haver respostas incontroversas
para os problemas fundamentais que aos humanos interessam, o objetivo é
alcançar a verdade ou mostrá-la. A persuasão racional apela a fatores
emocionais e racionais, embora predomine o recurso ao logos. Como prevalece a
busca da verdade, o orador não tem a intenção de enganar. Tenta apresentar
toda a informação relevante, não distorce factos nem os omite e preocupa-se
em ser entendido.
MÓDULO 4
O conhecimento e a racionalidade científico-
tecnológica UNIDADE 1
Descrição e interpretação da atividade cognoscitiva
CAPÍTULO 1
O que é o conhecimento

1. O que é a teoria do conhecimento?


A teoria do conhecimento é a área da filosofia que investiga os problemas
da essência, origem, possibilidade e alcance do conhecimento.

2. O que é o conhecimento?
O conhecimento é uma relação entre o sujeito, quem conhece, e um objeto,
aquilo que é conhecido.

3. Que tipos de conhecimento existem? Em que consiste cada um deles?


Existem o conhecimento prático, o conhecimento por contacto e o
conhecimento proposicional. O conhecimento prático é um conhecimento de
atividades ou de aptidões; o conhecimento por contacto é a experiência direta
de pessoas, lugares e coisas; o conhecimento proposicional é o conhecimento
de proposições verdadeiras.

4. Em que consiste a definição clássica de conhecimento?


Segundo a definição clássica de conhecimento, há três condições necessárias
para conhecer uma proposição: 1. A proposição deve ser verdadeira; 2.
Temos de acreditar que a proposição é verdadeira e 3. Deve haver boas razões
ou evidências para acreditar que a proposição é verdadeira. A crença por si não
é conhecimento porque temos crenças falsas e a verdade é inseparável do
conhecimento. A crença verdadeira não é conhecimento porque posso ter uma
crença verdadeira por acaso ou acidentalmente. Para haver conhecimento, não
é suficiente que uma crença seja verdadeira. É também necessária a sua
justificação.

5. Esta definição é indiscutível?


Não. Os contraexemplos de Gettier mostram que podemos ter boas razões a
justificar uma crença verdadeira e, contudo, não ter conhecimento.

6. Qual é o problema fundamental do conhecimento?

O problema fundamental do conhecimento é o da fundamentação ou justificação


das nossas crenças ou opiniões.

EXERCÍCIOS

1. A definição tradicional de conhecimento identifica este com

A – Uma crença verdadeira.

B – Uma crença verdadeira epistemicamente justificada.

C – Uma crença verdadeira empiricamente justificada.

D – Uma crença verdadeira justificada a priori.

2. Analise as afirmações seguintes sobre definição tradicional de conhecimento.


Selecione, de seguida, a alternativa correta.

1.Defende que a crença é condição suficiente do conhecimento.

2.Centra-se no objeto do conhecimento.

3.Centra-se no estado mental do sujeito.

4.Defende que basta que uma crença seja verdadeira para haver
conhecimento.

A – 1 e 2 falsas; 3 e 4 verdadeiras.

B – 3 verdadeira; 1, 2 e 4 falsas.

C – 1 e 3 verdadeiras; 2 e 4 falsas.

D – 2 verdadeira; 1, 3 e 4 falsas.
3. Analise as afirmações seguintes sobre definição tradicional de
conhecimento. Selecione, de seguida, a alternativa correta.

1.Pode haver conhecimento sem crença.

2.Podemos conhecer uma determinada proposição sem que esta seja


verdadeira.

3. Não pode haver conhecimento sem justificação do que acreditamos


ser verdadeiro.

4.Crença e conhecimento não são a mesma coisa.

A – 1 e 2 falsas; 3 e 4 verdadeiras.

B – 3 verdadeira; 1, 2 e 4 falsas.

C – 1 e 3 verdadeiras; 2 e 4 falsas.

D – 2 verdadeira; 1, 3 e 4 falsas.

1. João sabe que chove se está a nevar. De acordo com a noção tradicional
de conhecimento, esta proposição

A – É um conhecimento, mas não uma

crença. B – É uma crença, mas não um

conhecimento. C – É verdadeira mas

incrível.

D – É falsa, mas credível.

5.Para saber que P, é necessário ter boas razões para crer que P. Esta
afirmação significa que

A – A justificação de uma crença é suficiente para haver

conhecimento. B – Há justificações que não são aceitáveis.

C – O conhecimento é obra da razão.

D – O conhecimento é constituído por verdades racionais.


6. Joana acredita que Londres é a capital de Itália. Esta crença

A – É um conhecimento.

B – É falsa, porque não descreve fielmente um estado de

coisas. C – É um conhecimento porque toda a crença implica

a verdade. D – Uma proposição cujo valor de verdade é

justificável a priori. E ‒ As alíneas B e D são verdadeiras.

7. Para se saber algo, não se pode apenas adivinhá-lo, mesmo que se


acerte, e não o sabemos, por maior que seja a confiança que
depositamos no nosso palpite. Este argumento significa que

A ‒ Uma crença verdadeira não é conhecimento quando é deduzida de


uma crença falsa.

B – Uma crença verdadeira é sempre conhecimento.

C – Uma crença verdadeira não é saber se não for justificada de forma


adequada.

D – Não há conhecimento de falsidades.

8. Das afirmações seguintes, assinale a que melhor carateriza o estudo


filosófico do conhecimento.

A – O conhecimento é importante porque nos dá uma garantia de

verdade. B – É importante conhecer, mas mais importante é saber que

conhecemos.

C – É importante saber que conhecemos porque não devemos confundir


conhecimento e opinião.

D – É importante conhecer porque a verdade das nossas crenças é útil.


9. Analise as afirmações seguintes sobre o conhecimento proposicional.
Selecione, de seguida, a alternativa correta.

1.É um conhecimento empírico.

2.É um conhecimento de proposições verdadeiras referentes a factos e


ideias.

3. É um conhecimento que tem como objeto direto proposições e não


coisas, pessoas e acontecimentos.

4.É um conhecimento a priori.

A – 1 e 2 falsas; 3 e 4 verdadeiras.

B – 3 verdadeira; 1, 2 e 4 falsas.

C – 2 e 3 verdadeiras; 1 e 4 falsas.

D – 2 verdadeira; 1, 3 e 4 falsas.

10. A análise das condições necessárias e suficientes do conhecimento é


importante porque

A – As condições necessárias do conhecimento são individualmente


tomadas suficientes para haver conhecimento.

B – Há condições suficientes que não são necessárias.

C – Muitas vezes tomamos como suficiente uma condição que é apenas necessária.

D – As nossas crenças, por mais fortes e convictas que sejam, não fazem de
certas proposições um conhecimento.

E – As alíneas A, B e C são

verdadeiras. F – As alíneas C e D

são verdadeiras.
11. Analise as afirmações seguintes sobre as condições necessárias e
suficientes do conhecimento proposicional. Selecione, de seguida, a
alternativa correta.

1.Para saber primeiro há que acreditar.

2. Supor que uma proposição é verdadeira não chega para saber que é
verdadeira.

3. Não pode haver crença sem haver conhecimento porque para saber
primeiro há que acreditar.

4.A crença é o aspeto subjetivo do conhecimento.

A – 1 e 2 falsas; 3 e 4 verdadeiras.

B – 3 verdadeira; 1, 2 e 4 falsas.

C – 2 e 3 verdadeiras; 1 e 4 falsas.

D – 1, 2 e 4 verdadeiras; 3 falsa.

12. Nem tudo aquilo em que acreditamos constitui conhecimento porque

A – Podemos acreditar em proposições falsas tal como podemos acreditar


em verdadeiras.

B – Não há conhecimento de falsidades, ou seja, o conhecimento é factivo.

C – É possível termos uma crença verdadeira e essa crença não ser um


conhecimento.

D – As crenças não são

factivas. E – Só alínea A é

verdadeira.

F – As alíneas A e D são verdadeiras.

13. Suponhamos que, a fim de encontrar um potencial comprador,


estacionei o meu automóvel, que procuro vender, no lugar X. Fecho o
negócio e, no momento em que o meu interlocutor me pergunta onde é que
o carro está estacionado, respondo-lhe: «No lugar x». Contudo, durante as
negociações, um ladrão levou o veículo, a fim de participar em «picanços». No
final das corridas, volta a estacionar
o carro, completamente por acaso, precisamente no sítio de onde o tirara.
Poderá dizer-se que eu sabia onde estava o meu veículo no momento em
que afirmei que estava no lugar X?

Este exemplo
A – Mostra que podemos saber que algo é falso, mas não podemos
conhecer falsidades.
B – Mostra que a crença é apenas uma condição necessária para o
conhecimento. C – Mostra que podemos ter crenças verdadeiras justificadas
por mero acaso.
D – Uma crença verdadeira não é sinónimo de conhecimento.

14. Analise as afirmações seguintes sobre a crença enquanto condição de


possibilidade do conhecimento proposicional. Selecione, de seguida, a
alternativa correta.

1. Se a crença fosse sinónimo de conhecimento, poderíamos considerar


verdadeiras proposições falsas.

2.Todo o conhecimento é crença, mas nem toda a crença é


conhecimento.

3. É possível que um sujeito tenha uma crença verdadeira e essa crença não
seja um conhecimento.

4.São as nossas crenças que tornam uma proposição verdadeira ou falsa.

A – 1 e 2 falsas; 3 e 4 verdadeiras.

B – 3 verdadeira; 1, 2 e 4 falsas.

C – 1, 2 e 3 verdadeiras; 4 falsa.

D – 1, 2 e 4 verdadeiras; 3 falsa.

15. Segundo a definição tradicional do conhecimento

A – Uma crença verdadeira por si só não constitui conhecimento.

B – Qualquer razão serve para justificar uma crença verdadeira, porque se


há verdade há conhecimento.
C – O conhecimento é um palpite correto.

D – Podemos conhecer uma determinada proposição mesmo que esta não


seja verdadeira.

16. Acredito que é verdade que amanhã o Sol vai nascer. Logo, é verdade que
o Sol vai nascer.

A – A conclusão é um conhecimento porque é justificada pela premissa.

B – A conclusão é verdadeira, porque é a crença que torna uma proposição


verdadeira ou falsa.

C – O que justifica a verdade da conclusão é o facto de o Sol nascer.

D – A conclusão é verdadeira em virtude da qualidade intrínseca da minha crença.

17. O relógio da igreja da sua terra é bastante fiável e costuma confiar


nele para saber as horas. Esta manhã, quando vinha para a escola, olhou para o
relógio e viu que ele marcava exatamente 8 h e 20 m. Em consequência,
formulou a crença de que eram 8 h e 20 m. O facto de o relógio ter sido
fiável no passado justifica a sua crença. Contudo, sem que o soubesse, o
relógio tinha ficado avariado no dia anterior exatamente quando marcava
8 h e 20 m.

Este caso mostra que

A – Acreditar numa proposição e essa proposição ser verdadeira são duas


condições necessárias para que haja conhecimento, mas não são suficientes.

B – Podemos ter uma crença verdadeira justificada sem ter

conhecimento. C – Há justificações acidentais que constituem

conhecimento.

D – Há crenças injustificadas que constituem conhecimento.

18. A definição tripartida do conhecimento evita que o conhecimento seja


obra da sorte ou do acaso. Esta tese é
A – Verdadeira, porque rejeita que um palpite correto seja conhecimento.
B – Falsa, porque não dá às nossas crenças uma justificação sem margem
para dúvida.

C – Verdadeira, porque exige que o sujeito tenha razões para acreditar que a
crença é verdadeira.

D – Falsa porque, segundo Gettier, é possível que seja apenas por sorte que
uma crença seja verdadeira e esteja justificada.

19. Analise as afirmações seguintes sobre a posição crítica de Gettier


acerca da teoria tripartida do conhecimento proposicional. Selecione, de
seguida, a alternativa correta.

1. Podemos deduzir uma crença verdadeira e justificada de uma crença


justificada, mas falsa.

2.Uma crença verdadeira pode ser justificada de forma acidental.

3. É possível que um sujeito tenha uma crença verdadeira e essa crença não
seja um conhecimento.

4.São as nossas crenças que tornam uma proposição verdadeira ou falsa.

A – 1 e 2 verdadeiras; 3 e 4 falsas.

B – 3 verdadeira; 1, 2 e 4 falsas.

C – 1, 2 e 3 verdadeiras; 4 falsa.

D – 1, 2 e 4 verdadeiras; 3 falsa.

20. O ceticismo é a teoria segundo a qual

A – Nunca podemos justificar as nossas crenças, mesmo que possam ser

verdadeiras. B – Uma dada crença pode ser justificada mediante uma cadeia

infinita de crenças.

C – Podemos justificar as nossas crenças, desde que encontremos uma


crença verdadeira que se autojustifique.

D – Nenhuma crença precisa de justificação.


II

1. Apresente um exemplo que mostre que uma crença verdadeira justificada


pode não ser suficiente para haver conhecimento.

Rute vê Hélia com a mãe numa loja de roupa. Vê também que Hélia compra um
fato de banho cor-de-rosa. Infere daí que Hélia vai aparecer na praia no fim de
semana com esse fato. Acredita com boas razões que Hélia vai aparecer
com esse fato, porque gosta de factos de banho dessa cor. A proposição
formulada por Rute é a seguinte:

Hélia vai aparecer no fim de semana na praia com um fato de banho cor-de-rosa.

Rute tem uma crença verdadeira. Essa crença é justificada porque basta ver que
Hélia traz esse fato vestido e que o comprou para ir à praia. Mas suponhamos
agora que Hélia não gosta de factos daquela cor e que foi a mãe que a obrigou a
comprá-lo sob pena de não ir à praia no fim de semana. A crença de Rute
continua a ser uma crença verdadeira justificada – verdadeira, porque era sua
crença que Hélia iria à praia e, na verdade, de facto, foi; justificada porque
comprou o fato para poder ir à praia. Mas podemos dizer que Rute sabia que
Hélia iria à praia com o referido fato de banho? Não. A verdade da crença é o
resultado de uma coincidência. A razão que a leva a pensar que Hélia
aparecerá na praia com um fato de banho cor-de-rosa é diferente da razão
pela qual Hélia foi à praia com um fato de banho cor-de-rosa. Rute poderia
ter pensado que Hélia queria aparecer com um novo fato de banho, mas na
verdade foi a mãe que quis, provavelmente farta de ver a filha a usar sempre o
mesmo fato de banho.

2.João não sabe nada de futebol, mas gosta de falar sobre tudo e mais
alguma coisa. Certo dia, na véspera de um jogo entre o Benfica e o
Sporting, afirma que o Benfica vai ganhar. Quando lhe perguntam por que
razão acredita nisso, responde: Porque sim! Acontece que o Benfica ganha ao
Sporting. João teve por conseguinte uma crença verdadeira. Será que
podemos dizer que possuía um conhecimento desse facto, que sabia que
o Benfica ia ganhar?
Uma crença verdadeira não é sinónimo de conhecimento. Com efeito, haveria
conhecimento ou crença verdadeira justificada se argumentasse dizendo que
em 20 jogos do campeonato o Benfica empatou 4 e não perdeu nenhum, que o
Sporting vai jogar sem alguns titulares importantes, que uma vitória dá um
avanço importante na disputa do título, etc. O caso de João ilustra que o
conhecimento não se pode confundir com a simples opinião ou com
palpites, mesmo que corretos.

3. Suponhamos que, a fim de encontrar um potencial comprador, estacionei o


meu automóvel, que procuro vender, no lugar X. Fecho o negócio e, no
momento em que o meu interlocutor me pergunta onde é que o carro
está estacionado, respondo-lhe: «no lugar x». Contudo, durante as
negociações, um ladrão levou o veículo, a fim de participar em «picanços». No
final das corridas, volta a estacionar o carro, completamente por acaso,
precisamente no sítio de onde o tirara. Poderá dizer-se que eu sabia onde
estava o meu veículo no momento em que afirmei que estava no lugar X?

Tente responder à pergunta.

Tenho uma crença. Esta crença é verdadeira e está justificada. Contudo, revela-
se verdadeira por acaso porque a razão para a julgar verdadeira deve-se a uma
feliz coincidência. Julgo que sei, mas estou enganado. Assim, como diz
Gettier uma crença verdadeira pode estar justificada e não constituir contudo
conhecimento.

4.«Acreditar meramente em algo, não importa quão ardentemente, não faz


disso uma verdade. Para que se saiba algo, não temos somente de acreditar
nisso; isso também tem de ser verdade. Mas será isto tudo o que é
requerido? É o conhecimento mera crença verdadeira?»

Responda à pergunta que o texto formula.

A resposta é não. Posso acreditar que sou livre, mas, se me pedirem um


argumento ou razão que a justifique, se for incapaz de encontrar uma razão
plausível para provar aquilo em que acredito, então tenho de concluir que
não sei se sou livre. É possível que alguém tenha uma crença verdadeira e
essa crença não seja um conhecimento. Não basta, portanto, que uma
crença seja verdadeira para ser conhecimento.
MÓDULO 4
O conhecimento e a racionalidade científico-
tecnológica UNIDADE 1
Descrição e interpretação da atividade cognoscitiva
CAPÍTULO 2
Análise comparativa de duas teorias do conhecimento: o racionalismo de Descartes

1. Qual é o projeto de Descartes?

O projeto de Descartes é o encontrar uma verdade indubitável que, constituindo


o primeiro princípio do sistema dos conhecimentos, lhe permita construí-lo em bases
firmes e de forma ordenada. Descartes define conhecimento como crença verdadeira
justificada de forma que seja impossível ser falsa.

2.Por que razão é importante que a base do sistema seja uma verdade
absolutamente indiscutível?

Partir de uma verdade indubitável assegura que as verdades que rigorosamente


deduzirmos dela serão também indubitáveis.

3. Que método é utilizado nessa investigação?

O método consiste essencialmente em não aceitar como verdadeiro o que não


for indubitável.

4. O que carateriza a dúvida metódica?

A dúvida metódica consiste no exame rigoroso de todas as nossas opiniões e crenças


com o objetivo de encontrar uma verdade indubitável que permita descobrir de
forma ordenada outras verdades igualmente indubitáveis.

5.Que princípios do sistema tradicional dos conhecimentos são submetidos ao exame


da dúvida?

São os seguintes: a crença empirista de que o conhecimento tem origem nos


sentidos; a crença de que é por si evidente a existência de realidades físicas e a
crença de que as verdades da razão são por si verdades necessárias ou
indiscutíveis.

6. Por que razão esse exame é rigoroso?

O exame dos princípios básicos do conhecimento estabelecido é rigoroso (implacável)


94
porque Descartes decide dar à dúvida um aspeto hiperbólico. Se queremos verdades

95
devidamente fundamentadas, devemos considerar (provisoriamente) como falso o
que, por pouco que seja, for duvidoso. Só será verdadeiro o que for impossível
ser falso.

7. Qual é a conclusão negativa a que provisoriamente o exercício da dúvida


chega?

A aplicação da dúvida chega à conclusão de que não conseguimos provar que o


que considerávamos verdadeiro é indubitável. Logo, será declarado falso.

8. Que opiniões ou crenças são postas em causa?

São objeto de dúvida os princípios em que assentava o sistema tradicional do


conhecimento: mediante o argumento das ilusões percetivas, é lícito duvidar de que
os sentidos sejam fontes de conhecimento (rejeição do empirismo); o argumento dos
sonhos revela que a nossa crença na existência do mundo físico não tem fundamento
indiscutível, e a hipótese de Deus enganar lança suspeitas sobre o correto
funcionamento da nossa razão nas operações mais elementares da matemática e nas
suas demonstrações e reforça a suspeita de que não exista o mundo físico.

9. Qual é a conclusão positiva do exercício da dúvida metódica/hiperbólica?

Perguntando pelas condições do exercício da dúvida, Descartes reconhece não poder


duvidar da existência do sujeito que exerceu o ato de duvidar. Posso duvidar de
tudo menos de que penso e, logo, existo como condição de possibilidade do ato de
duvidar.

10. O que carateriza o «Penso, logo, existo» (o Cogito)?

É uma verdade indubitável e puramente racional, absolutamente primeira e por isso


o ponto de partida firme e seguro que vai permitir deduzir dele outros conhecimentos
de que não duvidaremos. Constitui um critério ou modelo de verdade. É uma
intuição existencial porque não se descobre mediante um raciocínio, mas no
próprio ato de pensar. É uma ideia inata porque a existência do eu impõe-se à razão
como indiscutível e autoevidente, sem qualquer dependência em relação à
experiência.
11. Em que consiste a prova da existência de Deus por intermédio da ideia de
perfeito?

Consiste em provar que só um ser perfeito pode ser causa da ideia que o representa.

12. Que importância assume esta prova para Descartes?

Provando que Deus não pode enganar, apercebe-se de que podemos confiar nas
operações da razão. O critério da evidência é fundamentado de modo que aquilo
que considero claro e distinto – evidente – é e continuará a ser claro e distinto. Por
outro lado, supera o solipsismo, dado que descobre uma existência que não
depende de si.

13. Qual é o papel de Deus no sistema dos conhecimentos?

Deus é o fundamento metafísico das crenças verdadeiras. Garante-as absolutamente


porque garante que as evidências atuais são realmente indubitáveis como também
que o serão sempre. O conhecimento torna-se assim um conjunto de verdades
objetivas, independentes do sujeito pensante.

14. Como se recupera a crença na existência do mundo físico, o objeto de


estudo das ciências naturais?

Descartes apercebe-se de que há ideias das coisas que não são produzidas pelo
sujeito pensante. Existindo, devem ter uma causa: as próprias coisas sensíveis. Esta
propensão ou crença natural é legítima e fundada, dado que Deus, a quem a
devo, não me engana.

Resumo da teoria cartesiana do conhecimento


O projeto Construir um sistema de verdades indubitáveis em que de
uma verdade que seja impossível considerar falsa possamos deduzir
outras verdades que sejam certezas absolutas.

As razões de ser do 1. O sistema dos ditos conhecimentos do seu tempo era


constituído
projeto por verdades e falsidades.

2. Temos de separar o verdadeiro do falso e justificar que o


que acreditamos ser verdadeiro é absolutamente verdadeiro.

3.O sistema dos ditos conhecimentos do seu tempo não tinha


bases firmes e estava desorganizado, a tal ponto que havia
falsidades na base do sistema e verdades noutros pontos
desse sistema.

4.Temos de encontrar uma verdade indubitável que sirva como


base ao sistema dos conhecimentos e permita organizá-lo
firme e seguramente.
A estratégia Vamos submeter ao exame rigoroso da dúvida as bases em
que assentava o sistema dos conhecimentos estabelecidos.
para atingir esse
objetivo 1.Consideraremos falso o que não for absolutamente verdadeiro
ou indubitável.

2.Consideraremos enganadora qualquer faculdade que alguma


vez nos tenha enganado ou de cujo funcionamento correto
possamos por muito pouco que seja suspeitar.

A dúvida será por isso aplicada de forma hiperbólica.

3. As bases do sistema dos ditos conhecimentos que


vamos examinar implacavelmente são:

‒ a crença de que os sentidos são fontes fiáveis de


conhecimento sobre as propriedades dos objetos físicos;

‒ a forte crença de que existem realidades físicas;

‒ a crença de que as mais fiáveis produções do nosso


entendimento –
as matemáticas – são um modelo de verdade indubitável.

O que passar neste exame rigoroso será indubitavelmente


verdadeiro.

O que não passa no 1. Os sentidos não são dignos de confiança quanto às informações
exame da dúvida quer sobre as qualidades das coisas sensíveis quer sobre a
metódica/hiperbólica existência dessas mesmas coisas.

As ilusões dos sentidos e o argumento de que não temos


forma de distinguir absolutamente o sonho da realidade, o
fictício do real, levam-nos a negar o empirismo (que o
conhecimento comece com a experiência sensível) e a crença
de que o mundo físico indubitavelmente existe.

2. O correto funcionamento do nosso entendimento (razão) é


colocado sob suspeita devido ao argumento de que Deus pode tê-
lo criado destinado a confundir o falso com o verdadeiro.

Os objetos sensíveis e os objetos inteligíveis – exemplificados


pela matemática – são colocados sob suspeita, e por isso deles
não pode derivar-se conhecimento algum.

O que resiste à Resiste à dúvida a existência do sujeito que de tudo duvida.


dúvida «Duvido
– penso – logo existo» é uma verdade indubitável porque a
existência de quem duvida não pode ser objeto de dúvida
alguma.
Caraterísticas da 1. É primeira porque impõe-se no momento em que de tudo
primeira verdade se duvida.

2. É primeira porque não deriva de nenhuma outra (teria de


haver outra, o que não acontece).

3.É objeto de intuição existencial e não de dedução – será o


ponto de partida de todas as deduções que faremos para
construir o sistema firme dos conhecimentos.

4.É, por isso, o primeiro princípio do sistema de


conhecimentos.

5. Corresponde à existência de um sujeito cuja natureza ou


essência consiste em pensar.

6. É uma ideia ou verdade inata porque se impõe como


absolutamente indubitável, independentemente da experiência.
Nasce connosco e descobrimo-la como certeza sem apoio
empírico.
7. É um critério ou modelo de verdade, dada a evidência,
clareza e
distinção com que se impõe.

Verdades 1. A alma é distinta do corpo.


indubitáveis que
Todas as coisas sensíveis – incluindo o meu corpo – podem
deduzimos da
não passar de realidades que só existem em sonho. Mas existo, e
primeira verdade
disso não posso duvidar. Se não preciso do corpo para existir,
então a alma
– o que eu sou – é distinta do corpo e mais fácil de conhecer
do que este.

2. Deus existe.

Se duvido e nada conheço a não ser que existo e sou um ser


pensante, então sou imperfeito. Mas de onde veio esta ideia?
Comparei as minhas qualidades com as que caraterizam um
ser perfeito. Logo, sem a ideia de um ser perfeito – do que é
ser perfeito
–, não saberia que sou imperfeito.

Mas sou a causa desta ideia? Sou o seu autor? Não, porque ela
representa mais perfeição do que a que possuo e poderia
causar. Logo, só um ser perfeito é causa da ideia de perfeito.
Quem é esse ser? É Deus. Logo, Deus existe.
A importância da 1. Afasta-se a desconfiança no funcionamento correto do
existência de nosso entendimento.
Deus como ser
Provado que Deus não pode enganar, podemos confiar nas
perfeito
operações do nosso entendimento/razão. O critério da
evidência é fundamentado de modo que aquilo que considero
claro e distinto – evidente – é claro e distinto, absolutamente
indubitável.

2. Supera-se, em parte, o solipsismo.

Com efeito, Deus é um ser cuja existência não depende do


sujeito pensante.
3. Deus é o fundamento metafísico das crenças verdadeiras.
Garante-as absolutamente porque garante que as evidências
atuais são realmente indubitáveis e também que o serão
sempre. O conhecimento torna-se assim um conjunto de
verdades objetivas, independentes do sujeito pensante.

A recuperação da Descartes apercebe-se de que há ideias das coisas que não


crença na existência são produzidas pelo sujeito pensante. Existindo, devem ter uma
do mundo físico
causa: as próprias coisas sensíveis. Esta propensão ou crença
natural é legítima e fundada, dado que Deus, a quem a devo,
não me engana.
1. A razão é a fonte ou origem do conhecimento.
Só as verdades descobertas pela razão e deduzidas desta têm
O racionalismo direito
cartesiano
ao título de conhecimento. O princípio do sistema dos
conhecimentos é uma verdade puramente racional. Os
sentidos não merecem
confiança.
2. O ideal de conhecimento em Descartes é o de um
sistema
dedutivo análogo ao modelo do raciocínio matemático que
sempre
o deslumbrou.
De uma verdade indubitável – a existência do eu – deduz
outras
verdades que devem apresentar a mesma clareza e distinção.
A
matemática é um ideal metodológico e não a rainha das
ciências,
dado que esse estatuto de ciência primeira pertence à
metafísica.
3. As ideias que desempenham um papel decisivo no conhecimento
são ideias inatas.
Ideias como as de eu e de Deus formam-se no pensamento
sem o
contributo da experiência. São ideias que, mediante a reflexão
puramente racional, a razão descobre em si, atualizando o que
potencialmente existe na alma desde que existimos. O inatismo é
a
afirmação da autonomia da razão em relação à experiência.
4. A dúvida metódica está ligada à natureza racionalista da filosofia
de Descartes.
A vontade de duvidar parte da ideia de que a razão não pode
atingir a
verdade, subordinando-se à experiência, aos sentidos. A
dúvida
cumpre a função de devolver a razão à plena posse de si
mesma,
torna-a autónoma ao libertá-la da dependência em relação aos
sentidos e dos falsos pontos de partida.
EXERCÍCIOS

I
1. Qual é o objetivo do pensamento de Descartes?

O objetivo principal de Descartes é constituir um sistema de conhecimentos


firme e seguro no qual não haja lugar para crenças ou opiniões falsas. Descartes
define conhecimento como crença verdadeira justificada de forma que seja
impossível ser falsa.

2. Qual é a função da dúvida?

A função da dúvida é separar o verdadeiro do falso, abrindo o caminho para uma


verdade indubitável a partir da qual se poderá reconstruir um sistema de
conhecimentos bem organizado.

3.Por que razão o primeiro nível da aplicação da dúvida (o do argumento das


ilusões dos sentidos) significa que Descartes nega o empirismo?

O empirismo é a tese de que os sentidos são a origem do conhecimento. Ora, o


argumento das ilusões dos sentidos mostra que os sentidos não são fontes seguras
de conhecimento e, por esse motivo, nunca poderão fornecer a primeira verdade
indubitável com base na qual reconstruir o conhecimento. Isso leva Descartes a
negar que os sentidos são a fonte de conhecimento.

4.Que resultados atinge Descartes com os argumentos das ilusões dos sentidos e dos
sonhos?

Com estes argumentos, Descartes mostra que os sentidos não são fontes fidedignas
de conhecimento e que é possível duvidar da existência das coisas sensíveis. Em
suma, que nem a crença na fiabilidade dos sentidos nem a crença na existência do
mundo exterior são indubitáveis.

5. Que função tem no pensamento de Descartes o argumento do Deus


enganador?
A função do argumento do Deus enganador é mostrar que nem as verdades de razão,
em particular os conhecimentos da matemática, são imunes à dúvida.

6. Que resultados atinge Descartes com a dúvida metódica?

Descartes mostra que nem as verdades de razão nem as verdades sensoriais, isto é,
que nem as proposições a priori nem as proposições a posteriori são indubitáveis e,
portanto, que aparentemente nem umas nem outras constituem o ponto de
partida do conhecimento.

7. Pode a dúvida cartesiana ser considerada cética?

Não. A dúvida cética tem por objetivo mostrar que o conhecimento não é
possível. A dúvida cartesiana tem o objetivo oposto, mostrar que há conhecimento,
isto é, verdades indubitáveis.

8. Descartes afirma que os céticos não conseguem demonstrar que não há


conhecimento. Porquê?

Porque há pelo menos uma verdade, «penso, logo, existo», que resiste a todas as
dúvidas, mesmo as mais radicais. Essa verdade é justificada pela própria dúvida.
Quando duvidamos, estamos a pensar e, se pensamos, somos necessariamente alguma
coisa. Este é um conhecimento que nenhum cético consegue abalar.

9. Que função tem Deus no sistema de Descartes?

Deus tem duas funções principais: garantir a fiabilidade das nossas faculdades (razão
e sentidos) e a existência do mundo físico, isto é, recuperar o que tinha sido posto
em causa pela dúvida metódica.

10. Se voltámos ao ponto de partida, qual a vantagem de toda esta


investigação?

Voltámos ao ponto de partida, isto é, recuperámos as crenças que a dúvida pôs


em questão, mas agora podemos estar certos da sua verdade, coisa que
anteriormente não era possível.
11. Distinga o conhecimento intuitivo do conhecimento dedutivo?

Conhecemos por intuição aquilo que se apresenta imediatamente como claro e


distinto à mente, sem resultar de uma cadeia de raciocínios. Os conhecimentos que
resultam de uma cadeia de raciocínios são aqueles que obtemos por dedução.

12. Mostre como Descartes prova a existência de Deus a partir da ideia de


perfeito.
Eis o argumento da existência de Deus como Ser perfeito (não enganador):
PONTO DE PARTIDA. A ideia de um ser perfeito (a ideia de perfeito) existe no
meu pensamento. A prova arranca com esta pergunta: qual a causa ou o autor
da ideia de perfeito? A questão não é saber se essa ideia existe, mas sim saber qual
a razão de ser ou causa da sua existência no sujeito pensante.
DUAS HIPÓTESES DE SOLUÇÃO DO PROBLEMA. A causa da existência da ideia de
perfeito ou é o sujeito pensante ou uma realidade diferente dele.
FORMULAÇÃO DO PRINCÍPIO DE CAUSALIDADE PARA DECIDIR QUAL DESTAS HIPÓTESES É
VERDADEIRA. Em termos gerais, o princípio de causalidade diz que tudo tem uma
causa. Em termos mais específicos, este princípio diz que no efeito não pode
haver mais realidade do que na causa, ou seja, a causa não pode ser inferior ao
efeito. A causa da ideia de perfeição tem de possuir formalmente (no seu ser) tanta
perfeição quanto a que existe objetivamente na ideia.
O SUJEITO PENSANTE NÃO PODE SER A CAUSA DA IDEIA DE PERFEITO. Como já sabemos,
o sujeito pensante é imperfeito. Sendo imperfeito, não pode ser causa da ideia
de ser perfeito porque então haveria mais realidade no efeito do que na causa; o
imperfeito não pode ser causa do que é perfeito. Se o sujeito pensante fosse a
causa da ideia de ser perfeito (da ideia de Deus), teria de ser causa dos predicados
que constituem a ideia de Deus. Como os predicados do ser perfeito são perfeições, o
sujeito pensante teria de ser perfeito para ser o seu autor. Ora, isso não acontece.
Logo, o sujeito pensante não pode ser a causa da ideia de perfeito.
DEUS, O SER PERFEITO, É A CAUSA NECESSÁRIA DA IDEIA DE PERFEITO. Se a ideia de um
ser perfeito existe, necessariamente existe o ser perfeito que a «pôs» no sujeito
pensante. Deus existe como causa da ideia de perfeito.

13. Tente criticar o argumento que Descartes usa para provar a existência de
Deus como causa da ideia de perfeito (também conhecido como argumento
da marca).

O princípio no qual se baseia o argumento – tem de haver pelo menos tanta realidade
na causa de algo como no efeito – é contestável. Nesta ordem de ideias, a vida só
poderia ser causada por coisas vivas. Ora, os cientistas afirmam hoje em dia que a
vida evoluiu a partir de matéria inanimada. E não se vê como pode a existência de
Deus ser uma evidência tão
clara e distinta como a do sujeito pensante.

14. Só Deus garante que as minhas ideias claras e distintas são objetivas e
verdadeiras. Ora, foi partindo de ideias claras e distintas – Existo como
substância pensante, sou imperfeito – que Descartes provou a existência de um
Deus em que podia confiar, de um Deus que é o garante de que, quando penso clara e
distintamente algum objeto, não me engano. Não há algo de falacioso no
raciocínio de Descartes?

Estamos perante aquilo que se convencionou chamar círculo cartesiano. Utiliza-se


como instrumento de prova da existência de um Deus que vai garantir a objetividade
das minhas ideias claras e distintas, precisamente o que depende da existência de
Deus, ou seja, a crença de que as minhas ideias claras e distintas são verdadeiras.
Por outro lado, como é o entendimento que se encarrega de provar a existência de
Deus quando ainda pairam dúvidas sobre a sua capacidade, não será que também
podemos duvidar da demonstração da existência de Deus?

O argumento parece circular. A existência de Deus é a garantia da veracidade das


minhas ideias claras e distintas, mas é baseado nesta crença (na veracidade das
ideias claras e distintas) que demonstro a existência de Deus.

15. Por que razão Descartes se empenha tanto em provar a existência de um


ser perfeito? Qual o papel de Deus no sistema cartesiano?

A estabilidade da verdade é condição da ciência dedutiva que Descartes quer


constituir. Não podemos prestar atenção a todas as verdades ao mesmo tempo
porque a capacidade de atenção do nosso entendimento é muito restrita. Ora, se
queremos constituir um corpo de conhecimentos científicos que progrida de
verdade em verdade, que se torne cada vez mais amplo, não podemos, contudo,
torná-las todas atualmente evidentes: temos de nos contentar em guardar as
evidências na memória. O que me garante que a verdade não muda enquanto eu
deixo de a conceber efetivamente, por outras palavras, o que me garante que as
evidências às quais dei o meu assentimento continuam a ser evidências quando
já nelas não penso, quando já não estão presentes efetivamente na minha
consciência? Esta estabilidade da verdade que a hipótese do Deus enganador
destruiria é agora garantida pela veracidade divina.

II
1
«Ora, depois de o conhecimento de Deus e da alma ter garantido a certeza dessa
regra, é fácil compreender que os sonhos que imaginamos não devem de modo
algum fazer-
nos duvidar da verdade dos pensamentos que temos quando acordados. [...] Todas as
nossas ideias ou noções devem ter algum fundamento verdadeiro; porque não
seria possível que Deus, que é inteiramente perfeito e verídico, as tivesse posto em
nós sem isso.»

René Descartes, Discurso do Método, Parte IV, Lisboa, Ed. Sá da Costa, 1981, p. 33

Depois de ter descoberto o Cogito, Descartes procede à recuperação de tudo o que


tinha sido posto em questão pela dúvida metódica. De que modo faz isso?

Orientações:

1.A função de Deus no sistema cartesiano.

2.A prova da existência de Deus.

3.A recuperação da confiança nas proposições matemáticas e racionais.

4.A recuperação da crença na existência do mundo exterior.

A superação da dúvida cética deixou-nos na posse de uma verdade indubitável, o


Cogito. Esta verdade é, dada a sua natureza, a base de todo o conhecimento,
porque toda e qualquer proposição que seja possível dela deduzir é, devido às
relações lógicas que com ela mantém, igualmente verdadeira. No entanto, a
descoberta do Cogito corresponde à posição solipsista, uma vez que tudo o que
sabemos, nessas circunstâncias, é que existe um eu e as suas experiências
mentais. Descobrir o Cogito, por si só, não permite, portanto, resgatar o que a
dúvida metódica tinha posto em questão. Enquanto a hipótese do Deus enganador
não for definitivamente afastada (e o Cogito por si só não o pode fazer), não há
nenhuma garantia de que é verdade o que conhecemos com clareza e distinção
nem de que existe uma realidade que corresponde e é a causa das experiências
mentais. Ora, a única forma de afastar a hipótese do Deus enganador é provar que
Deus existe e não é enganador. É, portanto, isso que Descartes vai fazer. E depois,
com a ajuda de Deus, é possível a Descartes demonstrar que a clareza e
distinção é o critério de verdade e que existe um mundo objetivo exterior ao
Cogito.

O argumento que Descartes apresentou a favor da existência de Deus é o seguinte.


Ao investigarmos o conteúdo da nossa mente, descobrimos aí a ideia de Deus, isto é,
a ideia de um ser perfeito. Qual a causa desta ideia de perfeição que o Cogito
descobre em si próprio? Existem duas alternativas possíveis: a ideia de perfeição
tem origem no próprio Cogito ou a sua causa é exterior ao Cogito. Ora, o Cogito é
imperfeito (se fosse perfeito, não duvidaria), e como, segundo Descartes, para que
uma coisa seja causa de outra tem de possuir pelo menos tanta realidade quanto
o efeito a que der origem, não pode, por
isso, ser a origem da ideia de perfeição. Qual é, então, a causa da ideia de perfeição
que o Cogito descobre em si? A resposta de Descartes é a de que a ideia de perfeição
tem de ter origem num ser que é ele próprio perfeito, isto é, em Deus, e,
portanto, Deus tem de existir.

A dúvida metódica pôs em questão a fiabilidade das nossas faculdades racionais


e a existência do mundo físico, em parte recorrendo à possibilidade de sermos
vítimas de um Deus enganador. Ora, uma vez que Deus é perfeito, não é
enganador. E, se Deus não é enganador, o que a mente concebe clara e
distintamente não pode ser falso. A veracidade divina garante a fiabilidade das
nossas capacidades racionais e, portanto, é eliminada a hipótese de nos estarmos a
enganar quando aceitamos como sendo verdadeiro aquilo que a mente concebe
com clareza e distinção.

Mas como posso estar certo de que o mundo existe? Como recupera Descartes a
crença na existência do mundo exterior? Concebo clara e distintamente que sou uma
substância pensante, que Deus existe e não me engana e que posso confiar no meu
entendimento quando concebe que as coisas sensíveis são extensas. A minha razão,
por si só (a priori), permitiu-me conhecer tudo isso de modo indubitável a partir
do Cogito.

O problema da existência do mundo, no entanto, não pode ser resolvido dessa forma
pelo nosso entendimento. O máximo que a razão nos pode assegurar é da
existência e veracidade divina. O que nos leva a crer na existência do mundo é
um sentimento obscuro, embora seja, segundo Descartes, uma certeza intensa na
qual devemos confiar. Certas sensações que eu experimento acontecem contra a
minha vontade. Não sou o seu autor, pois então acontecem quando eu quiser e como
eu quiser. Essas sensações exigem a existência de algo de exterior a mim que seja a
sua causa. A crença de que são as coisas corpóreas ou sensíveis a causa das
sensações é uma crença irresistível, ou seja, uma espécie de ensinamento da
natureza e um instinto. De tal modo assim é que, para a considerar falsa,
teríamos de supor um Deus enganador, o que sabemos agora ser impossível.
Logo, é preciso «confessar» que as coisas corpóreas existem.

Mostre como Descartes alcança, por intermédio da dúvida, a primeira verdade


indubitável do sistema dos conhecimentos.

Na sua resposta, contemple os seguintes tópicos:


1.O projeto de Descartes quanto ao problema do conhecimento.
2.A natureza e a função da dúvida.

3.Os «conhecimentos» que examina em busca da primeira verdade.

4.O duplo resultado do exercício da dúvida.

Tendo como projeto reorganizar e fundamentar o conjunto dos conhecimentos,


Descartes decide que o novo sistema dos conhecimentos terá de apresentar as
seguintes caraterísticas:

1 – Ser constituído por bases ou princípios que resistam a qualquer dúvida, isto
é, que sejam absolutamente evidentes (como diz a regra da evidência, não podem
suscitar a mínima suspeita de que sejam falsos).

2 – Ser organizado de tal forma que os conhecimentos derivem na devida ordem


dos primeiros princípios que foram estabelecidos.

Como encontrar conhecimentos absolutamente indubitáveis? Como encontrar


verdades sobre as quais não possa recair a mínima suspeita de falsidade?

Utilizando a dúvida como instrumento de exame crítico dos conhecimentos. De


todos? Não. Seria impossível analisá-los um a um. Descartes decide que vai submeter
a exame crítico os «alicerces do edifício do conhecimento», ou seja, as bases ou
princípios gerais em que se baseia.

Para que a dúvida metódica esteja intimamente ligada à primeira regra do método
que identifica o verdadeiro com o absolutamente verdadeiro, evidente ou
completamente claro e distinto (não há meio termo entre o verdadeiro e o falso),
ela terá de ser estrategicamente hiperbólica. Isto quer dizer o seguinte: qualquer
crença será considerada falsa se nela detetarmos a mínima fragilidade e qualquer
faculdade que usamos para conhecer será rejeitada como sempre enganadora se
alguma vez nos tiver enganado.
Mediante este princípio hiperbólico de aplicação da dúvida, Descartes pretende
separar radicalmente o verdadeiro do falso para encontrar conhecimentos que
sejam:

A – Fundamentais ou fundantes: deles dependerão todos os outros conhecimentos;

B – Absolutamente verdadeiros ou indubitáveis para que as bases do sistema do


saber sejam indiscutivelmente sólidas e firmes.

Então, apliquemos a dúvida, examinemos de forma implacável os princípios em que o


saber tradicional assenta.

Descartes começa por examinar criticamente a ideia de que os sentidos são o ponto
de partida do conhecimento. Rejeita, contudo, que o conhecimento derive da
experiência sensível porque, aplicando a regra hiperbólica associada à dúvida, se
apercebe facilmente de que, enganando-nos algumas vezes, os sentidos não são
de confiar quanto às informações que nos dão sobre as propriedades das coisas
sensíveis. A rejeição do empirismo está desde já claramente estabelecida: o
conhecimento não começa com a experiência porquê não pode começar com o que
várias vezes nos ilude. O que me engana algumas vezes não merece o mínimo
crédito.

E as coisas sensíveis ou físicas – o mundo físico ou material, natural – sobre as


quais os sentidos nos transmitem tantas informações erradas? Será que a crença na
sua existência está ao abrigo de qualquer dúvida? Será que esta crença pode ser o
indubitável princípio do sistema dos conhecimentos?

Parece absurdo pôr em causa a existência real de coisas físicas, mas lembremos que,
de acordo com a regra hiperbólica de aplicação da dúvida metódica, basta uma leve
e frágil suspeita – que não deixa por isso de ser suspeita e motivo de
desconfiança – para que uma crença seja declarada falsa. Baseado na dificuldade
em encontrar um critério que distinga de forma absolutamente clara o sonho da
realidade, o que vivemos acordados e o que vivemos a dormir, Descartes argumenta
que, por mais frágil que seja o argumento, temos razão para duvidar de que as coisas
físicas existam realmente. Não é verdade que vivemos tão intensamente o que nos
acontece durante os sonhos e o que nos acontece no
estado de vigília? O mundo físico pode ser um sonho, uma ilusão e não uma
realidade. A crença na sua real existência é colocada sob suspeita e
hiperbolicamente considerada falsa.

Deixemos o plano dos sentidos e das coisas sensíveis – o mundo físico ou sensível.
Parece que agora a dúvida encontrará algo que lhe resista completamente. Não é
verdade que objetos inteligíveis como os conhecimentos matemáticos gozam de uma
credibilidade a toda a prova. Parece insensato pôr em causa que 2 + 2 = 4. Mas
lembremos: basta uma frágil suspeita, uma razão minimamente perturbadora,
para pôr em causa certos conhecimentos. Debrucemo-nos sobre os mais simples.
Se puderem ser objeto de dúvida, mais facilmente o serão os mais complexos.
Acreditamos que 2 + 2 = 4. Parece inconcebível duvidar disto. Mas…. mas ouvi
dizer que Deus me criou e que, criando-me, criou o meu entendimento depositando
nele algumas verdades elementares como 2 + 2 =
4. Ora, também se diz do meu suposto criador que é omnipotente. Omnipotente?
Quer dizer que… é capaz de tudo. HUM… Se é capaz de tudo, o que me garante que
não tenha criado o meu entendimento destinando-o ao erro sem disso me
informar? O que me garante que Deus não seja um ser maligno que se diverte a
enganar-me e a baralhar o meu entendimento, levando-o a considerar verdadeiro o
que pode ser falso e falso o que pode ser verdadeiro. Esta hipótese parece
demasiado «metafísica», o cúmulo do absurdo, mas a verdade é que a suspeita se
instala. E, como basta suspeitar por pouco que seja de uma crença para a considerar
falsa, então devemos reconhecer que as supostas verdades matemáticas podem ser
falsidades.

Chegado a este ponto, Descartes pensa: todos os conhecimentos, quer os


respeitantes a objetos sensíveis quer os referentes a objetos inteligíveis, estão
sob suspeita. Não resistiram ao exame da dúvida. Hiperbolicamente, diremos que
são todos falsos. Mas, se tudo é falso, não será que falhou o projeto de encontrar um
conhecimento indubitável que seja o primeiro princípio em que assentam todos os
conhecimentos. Não estamos condenados ao ceticismo, à ideia de que não há
conhecimentos verdadeiros.
Descartes pensa com mais profundidade: se o exercício da dúvida me conduziu a
este ponto, devo reconhecer que a dúvida é um ato que tem de ser exercido por
alguém, por um sujeito. O sujeito que tudo pôs em causa não pode pôr em causa a
sua existência, não há como fazê-lo. O exercício da dúvida é a «prova» de que ele
existe. Como duvidar é um ato do pensamento, devo dizer que «penso – duvido de
todos os conhecimentos neste momento –, logo, existo». A existência do sujeito que
pensa é a condição sem a qual não é possível duvidar.

«Penso, logo, existo» – cogito ergo sum – é a primeira e absoluta verdade que
encontramos. Dela, por mais que nos esforcemos não podemos duvidar. Será por isso
o primeiro princípio do sistema dos conhecimentos que dele iremos deduzir de
forma puramente racional. Temos lançada a primeira pedra do «edifício» dos
conhecimentos. O termo cogito costuma usar-se como abreviatura desta primeira
verdade.
MÓDULO 4
O conhecimento e a racionalidade científico-
tecnológica UNIDADE 1
Descrição e interpretação da atividade cognoscitiva
CAPÍTULO 3
Análise comparativa de duas teorias do conhecimento: o empirismo de David
Hume

1. Em que consiste o projeto de David Hume?


O projeto de David Hume consiste em analisar a mente humana para determinar
as capacidades e os limites do entendimento humano.
2. Quais são os conteúdos da mente?
Os conteúdos da mente são as perceções. Hume divide-as em dois tipos: impressões e
ideias.
3. O que distingue as impressões das ideias?
As impressões distinguem-se das ideias pelo grau de força e vivacidade com que
se apresentam na mente. Há dois critérios para as distinguir: a) a força e vivacidade
com que umas e outras se apresentam. Assim, as ideias são perceções menos
intensas e fortes do que as impressões, de que são imagens mentais; b) a ordem ou
sucessão temporal da sua apresentação. Assim, como as ideias são imagens das
impressões, uma impressão é necessariamente anterior a uma ideia.
4. Que relação estabelece o princípio da cópia entre impressões e ideias?
Segundo o princípio da cópia, as ideias são cópias das impressões. As cópias são
menos intensas e vívidas do que as impressões, que estão na sua origem.
5. Por que razão o princípio da cópia implica que não há ideias inatas?
Se as ideias são cópias de impressões e são por isso causadas por estas, então têm
uma origem empírica. As nossas ideias formam-se todas a partir da experiência.
6. Como argumenta Hume a favor do Princípio da Cópia?
Hume argumenta que, se as ideias não fossem cópias das impressões, quem não
possuísse a capacidade de ter a experiência da cor formaria a ideia de cores, o que é
absurdo. Uma pessoa cega de nascença não poderá ter a ideia de branco porque
nunca terá a impressão de branco.
7. Que teses empiristas são expressas pelo princípio da cópia?
São as seguintes: do que não há impressão não há ideia. Só conhecemos aquilo de
que temos experiência.
8. Impressões e ideias são as unidades básicas do conhecimento. Que tipos de
conhecimento existem segundo Hume?
Existem conhecimentos formais (de relações de ideias) e conhecimentos de facto ou
factuais.
9. O que distingue conhecimentos de facto de conhecimento de ideias?
Os conhecimentos de ideias ou a priori são constituídos por proposições cuja verdade
é necessária ou logicamente impossível de negar e, em geral, por raciocínios
demonstrativos ou dedutivos absolutamente certos. Os conhecimentos de factos ou a
posteriori são constituídos por proposições cuja verdade é contingente ou logicamente
possível de negar e por raciocínios indutivos que não podem aspirar à certeza
absoluta
10. Em que se baseiam os nossos conhecimentos de factos?
Baseiam-se na relação de causa e efeito e em raciocínios indutivos. O pressuposto
destas relações e inferências é a crença na uniformidade da natureza.
11. Que elementos estão presentes na ideia de relação causal?
Na relação causal estão presentes elementos que são alvo de observação direta
(a contiguidade e sucessão ou conjunção constante de dois factos) e que são
inferidos (a ideia de que um acontecimento deve necessariamente produzir outro
– a ideia de conexão necessária).
12. Por que razão associamos a ideia de causa à ideia de conexão necessária?
Porque entendemos a ligação entre causa e efeito como uma relação que
acontece sempre e não só quando observamos dois eventos conjugados e
sucedendo um ao outro. Sempre que dois acontecimentos aparecem regularmente
conjugados, julgamos que a um se segue necessariamente o outro, de tal modo que a
causa tem o poder de necessária ou inevitavelmente produzir o outro.
13. Pode a experiência – o único critério de verdade dos juízos de facto –
provar essa conexão necessária?
Não. Quando dizemos que um acontecimento (A) causa necessariamente outro
(B), dizemos que A causa sempre B. Ora, causar sempre significa que causou, causa e
causará. Mas isto implica que teríamos de ter a impressão deste poder causal no
futuro. Contudo, de acontecimentos futuros não temos qualquer impressão sensível.
Logo, a experiência não encontra nenhuma impressão que corresponda à ideia de
conexão necessária.
14. A que se deve então a nossa crença de que há acontecimentos que
estão necessariamente conetados?
Deve-se a um fator psicológico: o hábito. Transformamos uma relação de
sucessão temporal constante entre dois factos – a única coisa que a experiência
nos pode dar – numa conexão necessária porque habituados a observar dois
acontecimentos constantemente conjugados julgamos um não pode acontecer sem
o outro. O costume ou
hábito gera em nós a crença, a convicção de que aquilo a que chamamos efeito deve
seguir-se àquilo a que chamamos causa.

15. Os nossos raciocínios relativos ao conhecimento do mundo têm caráter


indutivo? Sim. O que habitualmente fazemos são generalizações e previsões.
Assim, quando supomos que um acontecimento causa sempre outro, prevemos que
o surgimento do primeiro será seguido pelo surgimento do segundo.
16. Em que se baseiam as nossas relações causais e a confiança que
depositamos nos raciocínios indutivos?
Baseiam-se na crença da uniformidade da natureza, na suposição de que o que
sucedeu no passado voltará a acontecer no futuro do mesmo modo.
17. Podemos justificar o Princípio da Uniformidade da Natureza?
Não porque se trata de uma crença indutiva para a qual só encontramos uma
justificação de tipo indutivo, o que é falacioso. Usa-se como justificação o que
precisa de ser justificado.
18. O que conclui Hume da sua análise dos problemas da causalidade e da
indução? Conclui que o conhecimento do mundo não é possível porque não podemos
justificar nem a crença na causalidade nem a crença na indução. Apesar desta
conclusão, há razão para não considerar Hume um cético radical. O conhecimento
do mundo não tem um fundamento objetivo, mas o hábito assume o papel de
princípio produtor de uma crença natural segundo a qual o mundo funciona como
julgamos que funciona.

RESUMO DA TEORIA DO CONHECIMENTO DE DAVID HUME

Projeto Investigar as capacidades e os limites do entendimento humano no


que respeita ao conhecimento do mundo de modo a evitar
especulações inúteis e a determinar se e o que podemos
saber.
Estratégia Estratégia

Analisar os conteúdos da mente.

Os conteúdos da mente Os conteúdos da mente são as impressões e as ideias.

Impressões e ideias são as unidades básicas do conhecimento.

Segundo o Princípio da Cópia, as ideias são cópias das impressões.


As
cópias são menos intensas e vívidas do que as impressões que
estão na sua origem.
As ideias são cópias de impressões e são por isso causadas por
estas. Têm uma origem empírica. As nossas ideias formam-se
todas a partir da experiência.
Se as ideias não fossem cópias das impressões, quem não
possuísse a capacidade de ter a experiência da cor formaria a
ideia de cores, o que é absurdo. Uma pessoa cega de nascença
não poderá ter a ideia de branco porque nunca terá a impressão
de branco.
O Princípio da Cópia e Do que não há impressão não há ideia. Só conhecemos aquilo de
o empirismo que temos experiência. O conhecimento começa com a
experiência e
daquilo de que não há experiência não há conhecimento
O problema do conhecimento A matemática e a lógica dão-nos verdades necessárias, mas não
nos
do mundo ou conhecimento dão conhecimentos sobre o mundo. Por isso, o problema da
factual possibilidade do conhecimento é o de saber se podemos conhecer
os
factos do mundo.
Em que consiste o nosso O nosso conhecimento do mundo consiste – esquecendo as
conhecimento dos factos do observações simples como ver o Sol nascer – em explicações,
mundo generalizações e previsões. As explicações implicam o recurso à
ideia
de relação entre causa e efeito. As generalizações e as previsões
são
formas de raciocínio indutivo. Assim, o nosso conhecimento do
mundo baseia-se essencialmente na relação causa e efeito e
em
inferências indutivas. Como os argumentos dedutivos se limitam às
relações entre ideias, não servem para conhecer factos.
O pressuposto Explicamos factos, generalizamos observações particulares e
fundamental do nosso efetuamos previsões. O que subjaz a estas atividades é a crença
conhecimento do mundo de que o mundo se comporta de forma regular ou uniforme. A
crença na uniformidade da natureza é a que está na base da
nossa relação de
conhecimento com os factos que constituem o mundo.
Em que consiste justificar a Consiste em tentar provar que é verdade o seguinte:
possibilidade de
conhecimento dos factos 1. Que a ideia de conexão necessária dos fenómenos do mundo é
do mundo uma propriedade objetiva das coisas (não é uma simples
ideia).
2. Que os raciocínios indutivos se exprimem, em princípio,
pelo conhecimento dos factos, que nos permitem atingir
conclusões verdadeiras.

A resolução destes dois problemas depende da solução de um


problema mais fundamental: provar que é verdade que a natureza –
os factos do mundo ‒ se comporta de forma regular e uniforme.

Primeira conclusão cética: Não podemos provar que acontecimentos que supomos
Não é possível provar que causalmente relacionados estejam conetados necessariamente.
a ideia de conexão Como conhecer é explicar os factos estabelecendo uma
necessária é verdadeira. conexão necessária entre eles, o conhecimento objetivo do
mundo não é possível.

Por que razão se chega a esta conclusão?

Porque, se todo o conhecimento depende da experiência, esta não


nos dá contudo qualquer prova (qualquer impressão) de uma
conexão necessária entre acontecimentos. Podemos pensar
que certos acontecimentos são causas de outros, mas tal crença
não pode ser justificada pela experiência. A experiência nada mais
nos mostra do que uma conjunção constante entre certos factos,
mas nunca uma ligação necessária que faça de um a causa
sem a qual o outro não
existe ou acontece.
Segunda conclusão cética: «A causa B» significa que A produz B ou que B é e será
sempre seguido de A. Até agora tem sido assim e assim
O nosso conhecimento do continuará a ser. Esta crença exprime-se mediante um
mundo não se pode basear argumento indutivo, argumento que nos leva para lá da
na indução. experiência ou da observação empírica.

Qualquer argumento indutivo, tal como a ideia de conexão


necessária, pressupõe a ideia de uniformidade da natureza, que
esta se comporta sempre do mesmo modo ou que é previsível.
Mas essa ideia só poderia ser justificada mediante o recurso a um
argumento indutivo. Ora, isso é fazer do que se pretende
provar uma forma de prova, o que consiste numa petição de
princípio (não é logicamente legítimo que, mediante a indução,
que depende da ideia de uniformidade da natureza, provemos
a verdade desta ideia).

Assim, o nosso conhecimento do mundo não se pode basear


nem em argumentos dedutivos – não tratam de factos –
nem em argumentos indutivos (da ideia de uniformidade da
natureza na qual os argumentos indutivos se baseiam não
podemos ter qualquer
experiência).
Conclusão cética global: O O conhecimento do mundo não é possível. Formamos ideias acerca
conhecimento objetivo não do modo como as coisas do mundo são ou funcionam, mas
é possível. não podemos pretender alcançar nem verdades indiscutíveis –
certezas – nem verdades prováveis.
Em que consiste o nosso O nosso conhecimento do mundo não é constituído nem
conhecimento do mundo por certezas nem por verdades prováveis. Não possuímos
crenças verdadeiras objetivamente justificadas.

Mas possuímos crenças que, não tendo um fundamento racional


ou empírico, encontram no hábito ou costume uma forte base
psicológica. As nossas inferências indutivas e a crença na conexão
necessária entre fenómenos baseiam-se no hábito. Sem qualquer
faculdade que nos permita resolver questões de facto, não
deixamos de explicar, de prever acontecimentos e, assim, de agir
no mundo. O
hábito é o conhecimento transformado em crença
indispensável.
O empirismo de David Podemos caraterizar o empirismo de Hume do seguinte modo:
Hume
1. Baseado na investigação das capacidades do
entendimento humano, afirma que o conhecimento começa
com a experiência e não pode ir além dela.

2. Analisando os conteúdos da mente envolvidos no ato de


conhecer, conclui que a afirmação anterior tem a ver com o
facto de que não há conhecimento de ideias a que não
corresponda uma impressão sensível.

3. Se do que não há impressão não há ideia, não há ideias


inatas.

4. As relações causais que estabelecemos entre os factos e


as inferências que nos levam para lá da «memória e dos
sentidos», ou seja, as inferências indutivas, não têm fundamento
empírico. Para lá da «memória e dos sentidos» não há
impressão que justifique a crença de que há uma relação de
necessidade entre causa e efeito e de que o mundo continuará
a ser como até agora tem sido.

5. O nosso conhecimento do mundo não é constituído nem


por verdades indubitáveis nem por verdades prováveis. O
empirismo de Hume é, de certa forma, um ceticismo.
6. Não podemos provar que conhecemos os factos do mundo,
mas não podemos deixar de acreditar que conhecemos. O
conhecimento é uma crença em cuja verdade podemos confiar,
mesmo que não a
possamos justificar. Devemos deixar-nos guiar pelo hábito.

QUADRO COMPARATIVO DAS TEORIAS DO CONHECIMENTO DE DESCARTES E DE HUME


TEMAS DESCARTES HUME
Encontrar princípios racionais Efetuar uma análise da mente
indubitáveis de modo a justificar que revele quais as
PROJETO que o sistema do conhecimento capacidades e os limites do
seja constituído por verdades entendimento humano.
absolutamente certas.
O conhecimento entendido como Todo o conhecimento começa
certeza absoluta não pode principiarcom a experiência porque todas
ORIGEM DO com a experiência porque os as nossas ideias são causadas
CONHECIMENTO sentidos não são fiáveis.por impressões das quais são
Descartes não é empirista. É cópias. Hume não é
racionalista. racionalista. É
empirista.
Nem todas as ideias são inatas, mas Todas as nossas ideias têm
OS CONTEÚDOS DO o conhecimento funda-se em uma origem empírica, mesmo as
ENTENDIMENTO ideias inatas ou puramente mais complexas e abstratas. São
racionais. cópias de impressões sensíveis.
Por isso não há ideias inatas. O
empirismo rejeita o inatismo.

AS OPERAÇÕES DO Mediante a intuição, descobrimos A intuição e a dedução limitam-


ENTENDIMENTO o princípio primeiro e indubitável se ao conhecimento formal das
do sistema do saber. Por dedução, matemáticas e da geometria. Esses
inferimos por ordem outras conhecimentos a priori são
verdades indubitáveis sobre a indubitáveis, mas nada de
indubitável podemos conhecer
relação alma – corpo, Deus e o
sobre o mundo e o que
mundo.
ultrapassa a experiência. O
conhecimento de factos
depende de raciocínios
indutivos. As verdades sobre o
mundo, caso existam, não podem
ser estabelecidas dedutivamente.

A POSSIBILIDADE DO O conhecimento é possível, sendo O conhecimento de factos não


CONHECIMENTO um conjunto de verdades é possível. Nem a razão nem a
absolutamente indubitáveis sobre experiência nos dão verdades
a alma – o eu –, Deus e o mundo. objetivas sobre o mundo.
Temos crenças, mas não
conhecimentos. As únicas
verdades indubitáveis são as da
matemática e da lógica.
Podemos justificar as nossas Não há justificação nem empírica
A JUSTIFICAÇÃO DO crenças ou opiniões verdadeiras nem racional para o
CONHECIMENTO porque há um princípio racional conhecimento do mundo. O
indubitável do conhecimento – o conhecimento é um produto do
Cogito – e um fundamento hábito e não da razão. É uma
absolutamente confiável crença natural que só traduz a
– Deus – que garante a verdade nossa necessidade de acreditar
das nossas ideias claras e que conhecemos como o mundo
distintas. é
e funciona.
OS LIMITES DO Aplicando corretamente a nossa Do que não há experiência não
CONHECIMENTO faculdade de conhecer, podemos pode haver conhecimento. Por
alcançar verdades indubitáveis isso não há conhecimento de
sobre o mundo físico e sobre realidades metafísicas (Deus e
realidades que ultrapassam a a alma). A metafísica não é
experiência. A metafísica é a uma ciência. Nem mesmo do
ciência fundamental, a raiz da mundo temos conhecimentos
«árvore do saber». certos e
seguros.
O nosso conhecimento da realidade é constituído O nosso conhecimento do mundo não é
por verdades indubitáveis. constituído nem por verdades indubitáveis
nem por verdades prováveis.

EXERCÍCIOS

1. De que depende o nosso conhecimento acerca de questões de facto?


O nosso conhecimento de questões de facto depende da relação de causa-efeito e
dos raciocínios indutivos e, em última análise, da crença no Princípio da
Uniformidade da
Natureza . Os conhecimentos acerca de questões de facto que vão para além da
experiência imediata ou passada baseiam-se na relação de causa-efeito e nos
raciocínios indutivos. O nosso conhecimento do mundo consiste em descobrir que
acontecimentos dão origem a outros e em estabelecer relações causais entre
eles. Por exemplo: o enunciado «A queda dos corpos resulta da força da gravidade»
estabelece uma relação de causa-efeito entre a força da gravidade (causa) e a queda
dos corpos (efeito). Por relação causal entendemos uma conexão necessária entre
acontecimentos de tal ordem que, sempre que, em certas condições, um deles
acontece, acontece também inevitavelmente o outro. É nesta conexão entre
acontecimentos que, supostamente, tem origem a nossa ideia de relação causal.
Outro ingrediente essencial do nosso conhecimento do mundo são os raciocínios
indutivos. Sempre que queremos ir além da mera experiência imediata ou passada,
temos de raciocinar indutivamente, fazendo previsões e generalizações. São os
raciocínios indutivos que me permitem afirmar que o Sol vai nascer amanhã
(previsão) ou que um corpo dilata sempre que é aquecido (generalização). Na
base de todos os raciocínios está, segundo Hume, a crença no Princípio da
Uniformidade da Natureza. Assim, para determinar se o conhecimento acerca de
questões de facto está justificado, pensa Hume, é necessário averiguar se as crenças
na causalidade e na uniformidade da natureza estão justificadas

2. Em que consiste a ideia de relação de causa-efeito ou de causalidade?

Consiste na ideia de conexão necessária entre acontecimentos, isto é, na ideia de


que, sempre que, em certas condições, acontece A, acontece inevitavelmente B, de
tal maneira que A produz necessariamente B.

3.Segundo Hume, todo o conhecimento acerca de questões de facto que vá além


da experiência imediata (ou passada) baseia-se na relação de causa-efeito. Será
que podemos justificar esta relação?

Não. Ou a relação de causa e efeito pode ser conhecida a priori ou baseia-se


inteiramente na experiência. Ora, segundo Hume, esta relação não pode ser
conhecida a priori. Se
fosse possível saber sem recurso à experiência que certos factos têm o poder de
causar outros, poderíamos antecipar, sem nunca ter visto algo semelhante, que o
impacto de uma bola de bilhar noutra bola de bilhar produz o movimento da
segunda. No entanto, sem experiência não é possível saber nenhuma destas coisas. A
experiência também não pode justificar a relação de causa e efeito. A experiência
apenas pode revelar entre dois acontecimentos uma sucessão e conjunção
constante, e nada permite afirmar que o primeiro tenha realmente poder para
produzir o segundo, estabelecendo assim uma relação de dependência necessária
do efeito em relação à causa. Portanto, o conhecimento da relação de causa-
efeito não pode ser obtido a priori – independentemente da experiência – nem a
posteriori – por intermédio da experiência.

4. Explique, de acordo com a filosofia do conhecimento de David Hume, a


relação entre hábito e inferência causal.

Para Hume, a nossa ideia de inferência causal não tem uma origem objetiva, isto
é, na própria realidade, mas é o resultado de um mecanismo psicológico subjetivo a
que dá o nome de hábito. Não existe qualquer justificação, racional ou empírica,
para a nossa crença na existência de relações causais. É o hábito baseado em
repetições passadas, em que sempre que um fenómeno ocorria um outro se lhe
seguia, que nos leva a crer, isto é, ter a expetativa de que um é causa e o outro
efeito e que estão necessariamente conetados. Com base no hábito e não na razão
ou nos próprios objetos, acreditamos na repetição futura dos acontecimentos.

A explicação de Hume baseia-se em fatores psicológicos. Transformamos uma


sucessão temporal regular em relação causal ou necessária devido ao costume
ou ao hábito: habituados a ver que B sucede regularmente a A, acreditamos que A é
a causa necessária de B, isto é, que sempre assim será. Na verdade, o que
acontece é que, por nos habituarmos a ver dois objetos sucederem-se um ao outro
do mesmo modo, criamos a tendência para crer que, aparecendo o primeiro,
aparecerá também o segundo. Nada mais ilusório do que esta relação de
dependência, porque transformou-se uma relação de mera sucessão temporal (o
antes e o depois) em relação causal. Não há, segundo Hume,
qualquer fundamento objetivo na experiência que confirme esta relação. Assim,
o princípio de causalidade considerado um princípio racional e objetivo nada mais é
do que uma crença subjetiva, o produto de um hábito, a transformação de uma
expetativa em realidade. O conceito de causa é o resultado de uma necessidade
psicológica. O hábito de vermos um dado acontecimento ser seguido por outro
leva-nos a crer que existe uma conjunção necessária entre esses acontecimentos.
Por conseguinte, a ideia de relação de causa e efeito é o produto da subjetividade
humana e não temos razões para afirmar que tem correspondência na realidade
objetiva.

5. Explique de que modo a análise efetuada por David Hume ao princípio de


causalidade se harmoniza com o empirismo.

A análise de David Hume ao princípio de causalidade harmoniza-se com o empirismo


do seguinte modo: para Hume, uma ideia só é verdadeira se tiver uma impressão que
lhe corresponda. Por conseguinte, a verdade das ideias é, em última instância,
determinada pela experiência. E esta é uma tese central do empirismo. À ideia de
causa não corresponde qualquer impressão sensível. Que regularmente vejamos ou
tenhamos visto B acontecer depois de A não nos permite estabelecer uma relação
causal objetiva, ou seja, que B acontecerá necessariamente depois de A. A
experiência – para Hume o único critério quanto a questões de facto – permite-me
captar uma sucessão regular entre dois fenómenos, mas não uma sucessão
necessária (ou seja, só permite ver o que acontece aqui e agora e não o que sempre
acontecerá). Pela experiência, sabemos que no passado a água ferveu, mas não é
legítimo concluir que no futuro sempre ferverá. E, contudo, acreditamos – e é útil
que acreditemos – que o aquecimento da água é a causa necessária da sua fervura.

6. Segundo Hume, a confiança nos nossos raciocínios indutivos tem fundamento


racional e objetivo? Justifique.

Não. A indução ou é justificada de forma estritamente racional (a priori,


independentemente da experiência) ou de forma a posteriori (por intermédio da
experiência).
A indução não pode ser justificada com base na razão. Se a indução fosse
racionalmente justificável, então bastaria o facto de as premissas serem
verdadeiras para que a conclusão fosse verdadeira (isto é, seria um argumento
dedutivo com forma válida). Mas não é assim. A conclusão de um argumento
indutivo, mesmo no caso em que as premissas são verdadeiras, pode ser sempre
falsa. Portanto, a indução não pode ser justificada nem por intermédio da razão.

A indução também não pode ser justificada empiricamente, isto é, por


intermédio da experiência. Por exemplo, diremos, com base na experiência,
que o Sol vai nascer amanhã, porque sempre nasceu até hoje. Isto significa que
acreditamos que o futuro será como o passado e que, por causa disso, podemos estar
confiantes de que o Sol nascerá amanhã. Mas que razões temos para acreditar
que o futuro será como o passado, que justificação temos para crer na
uniformidade da natureza? Uma vez mais, apenas a experiência passada. Assim,
a nossa crença na uniformidade da natureza tem por fundamento a indução. Ora,
justificar a indução por intermédio da indução é raciocinar em círculo (é como dizer
«o que justifica a indução é a indução»). Além disso, a experiência passada
nunca pode garantir a verdade da conclusão de um raciocínio indutivo (que diz
sempre respeito a casos que não são abrangidos por essa experiência expressa
pelas premissas). Portanto, a indução não pode ser justificada.

7. Por que razão não podemos justificar o Princípio da Uniformidade da


Natureza?

Todo o nosso conhecimento do mundo tem origem na experiência e, se quisermos ir


além da experiência imediata ou passada, temos de raciocinar indutivamente. Segundo
Hume, a confiança que depositamos nos raciocínios indutivos depende do
princípio de que a natureza é uniforme, o que significa que este princípio ocorre
como uma premissa implícita em todos eles. Assim, o problema é como justificar
este princípio. Hume afirma que não é possível justificar a priori o Princípio da
Uniformidade da Natureza, porque só podemos conhecer a priori verdades
necessárias. Ora, uma proposição é uma verdade necessária se e só se a sua
negação implicar uma contradição. Não é isto que se passa com
o Princípio da Uniformidade da Natureza porque a ideia de a natureza não ser
uniforme é perfeitamente inteligível.

Mas também não é possível justificar empiricamente o Princípio da Uniformidade


da Natureza, porque qualquer justificação a posteriori desse princípio incorre numa
petição de princípio, ou seja, baseia-se num argumento indutivo, que por sua vez se
baseia na crença na regularidade e uniformidade – sempre o mesmo – do
comportamento da natureza. Portanto, o Princípio da Uniformidade da Natureza não
pode ser conhecido a priori – de forma puramente racional – nem a posteriori – por
meio da experiência. Como o Princípio da Uniformidade da Natureza não pode
ser justificado nem a priori nem a posteriori, não temos qualquer razão para pensar
que a natureza seja regular e, portanto, a maioria das nossas crenças acerca do
mundo não tem justificação.

II

1.«Das ideias que ocorrem na metafísica não as há mais obscuras e incertas do


que as de poder, força, energia ou conexão necessária […] Por conseguinte, esforçar-
nos-emos, nesta secção, por fixar, se possível, o significado preciso destes termos e
remover, desse modo, parte da obscuridade que tão lamentada é neste tipo
de filosofia.

Parece uma proposição, não suscetível de muita discussão, que todas as ideias
são apenas cópias das nossas impressões ou, por outras palavras, que nos é
impossível pensar qualquer coisa que previamente não tenhamos sentido, quer
pelos nossos sentidos externos ou internos. Esforcei-me por explicar e demonstrar
esta proposição e expressei a esperança de que, mediante uma conveniente
aplicação dela, os homens possam alcançar uma maior claridade e precisão nos
raciocínios filosóficos do que a que, até agora, conseguiram obter.»

David Hume, Investigação Sobre o Entendimento Humano


Tomando o texto como ponto de partida, esclareça o ponto de vista de Hume
acerca da ideia de conexão necessária.

Os filósofos racionalistas consideravam que existe uma relação causal entre


acontecimentos, isto é, uma conexão necessária entre acontecimentos que faz com que
à ocorrência de um deles se siga sempre necessariamente a ocorrência do outro.
Mas, segundo Hume, é impossível pela mera análise de um acontecimento, tido como
causa, descobrir os supostos efeitos a que dá origem (Adão, nunca poderia a priori,
isto é, anteriormente à experiência, saber que a água afoga) e, portanto, a ideia de
relação causal não tem um fundamento racional e não pode ser necessária. Mas,
também não tem fundamento na experiência. Para que a ideia de relação causal
tivesse fundamento na experiência, teria de haver uma impressão correspondente,
uma vez que todas as ideias derivam e correspondem às impressões. No entanto, a
experiência não nos dá qualquer impressão correspondente à ideia de uma conexão
necessária, mostra-nos apenas a existência de uma conjunção constante de
acontecimentos. Temos a impressão do acontecimento A e, seguidamente, do
acontecimento B. Portanto, a ideia de conexão necessária não tem um fundamento na
razão nem na experiência. Ela é o resultado do mecanismo psicológico do hábito ou
costume. O hábito de vermos um dado acontecimento ser seguido por outro leva-nos a
crer que existe uma conjunção necessária entre esses acontecimentos. Por conseguinte,
a ideia de relação de causa e efeito é o produto da subjetividade humana, e não
temos razões para afirmar que tem correspondência na realidade objetiva.

2. «Suponhamos que uma pessoa, embora dotada das mais fortes faculdades da
razão e reflexão, é trazida subitamente a este mundo; de facto, observaria de
imediato uma contínua sucessão de objetos e um acontecimento seguindo-se a
outro, mas nada mais seria capaz de descobrir. Não conseguiria, de início, através
de qualquer raciocínio, alcançar a ideia de causa e efeito, dado os poderes
particulares pelos quais as operações naturais são executadas nunca aparecerem
aos sentidos; nem é justo concluir, só porque um acontecimento precede outro, que
o primeiro é a causa e o segundo o efeito.
A sua conjunção pode ser arbitrária e casual. Pode não haver outro motivo para
inferir a existência de um a partir da ocorrência do outro.»

David Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano

Exponha a análise de David Hume da causalidade e da indução e explique as


suas consequências para as nossas crenças acerca do mundo.

Segundo Hume, todo o conhecimento acerca de questões de facto que vá além da


experiência imediata ou passada baseia-se na relação de causa-efeito. Em que consiste
esta relação e como a conhecemos? Há duas possibilidades: a relação de causa e
efeito é conhecida a priori ou deriva da experiência. Ora, segundo Hume, a relação de
causa-efeito não pode ser conhecida a priori porque, se o pudesse, poderíamos saber,
sem qualquer experiência empírica, que a água afoga ou que o impacto de uma bola de
bilhar noutra bola de bilhar origina o movimento da segunda. No entanto, sem
recorrer à experiência não é possível saber que isto é assim. É apenas a observação
da conjunção constante e da sucessão de dois acontecimentos que nos leva a pensar
que um desses acontecimentos é a causa do outro. Portanto, o conhecimento da
relação de causa e efeito não tem uma origem a priori. Terá, nesse caso, por base a
experiência? A experiência apenas pode revelar entre dois acontecimentos uma
sucessão e uma conjunção constante. Tudo o que podemos perceber é que um
acontece a seguir ao outro e que a ocorrência de um é seguida da ocorrência do outro.
É tudo. Por conseguinte, por mais que observemos a ocorrência conjunta de dois
acontecimentos (por exemplo, o impacto de uma bola de bilhar numa outra bola e o
consequente movimento desta), nunca encontraremos aí qualquer impressão que
corresponda à ideia de relação causal, isto é, de conexão necessária e que a possa
justificar. Não temos, portanto, qualquer razão objetiva para afirmar que existe uma
conexão necessária entre acontecimentos de modo tal que a ocorrência de um, em
iguais condições, é sempre seguida da ocorrência do outro. Qual é, então, a explicação
para a nossa crença na causalidade? Segundo Hume, esta ideia não tem origem
realidade, mas num hábito
que resulta da associação que fazemos com base na observação repetida da
sucessão e conjunção de acontecimentos. Isto é, a ideia de conexão necessária ou de
causa-efeito é uma produção subjetiva da mente a que não é possível fazer corresponder
qualquer realidade externa.

O nosso conhecimento do mundo depende também dos raciocínios indutivos. Ora,


segundo Hume, a nossa confiança nos raciocínios indutivos depende do princípio de que
a natureza é uniforme e, por esse motivo, este princípio constitui uma premissa
implícita de todos os raciocínios indutivos. Assim, o problema é saber se este princípio
pode ser justificado a priori ou a posteriori. Hume afirma que isso não é possível. Não
é possível justificar a priori o Princípio da Uniformidade da Natureza, porque só
podemos conhecer a priori verdades necessárias e o Princípio da Uniformidade da
Natureza não é uma verdade necessária porque, para isso, a sua negação teria de
implicar uma contradição, o que não acontece, uma vez que a ideia de a natureza não
ser uniforme é perfeitamente inteligível. Também não é possível justificar a posteriori,
isto é, pela experiência, o Princípio da Uniformidade da Natureza, porque uma
justificação desse tipo do princípio incorre sempre na falácia da petição de princípio.
Portanto, o Princípio da Uniformidade da Natureza não pode ser justificado a priori
nem a posteriori e, por essa razão, não temos qualquer razão para pensar que a
natureza é uniforme. Consequentemente, a maioria das nossas crenças acerca do
mundo não têm uma justificação racional.

3. «Há alguns filósofos que imaginam que a todo o momento temos consciência
íntima daquilo a que chamamos eu; que sentimos a sua existência e a sua
continuidade na existência; e que estamos certos, para além da evidencia de uma
demonstração, da sua identidade e simplicidade perfeitas. A sensação mais forte
e a paixão mais violenta, dizem eles, em vez de nos distraírem dessa visão
apenas a fixam mais intensamente e fazem-nos considerar a sua influência sobre o
eu pela sua dor ou pelo seu prazer. Tentar fornecer uma prova mais completa disto
seria enfraquecer-lhe a evidência, uma vez que nenhuma prova pode ser derivada
de um facto do qual estejamos tão intimamente cônscios; e não há nada de que
possamos estar certos se duvidarmos deste facto.
Infelizmente todas estas afirmações positivas são contrárias a essa mesma
experiência que se invoca em seu favor; e não temos nenhuma ideia do eu da
maneira que está aqui explicada. Com efeito, de que impressão poderia
derivar esta ideia?»

David Hume, Tratado da Natureza Humana

Exponha a análise de Hume das crenças na existência do eu e do mundo exterior.

Hume pensa que não temos conhecimento do eu, porque não temos qualquer
impressão que lhe corresponda. Temos consciência das nossas perceções, sensações
e sentimentos, pensamentos e emoções. Mas, por mais que procuremos, não
encontramos uma impressão que possa estar na origem da ideia de Eu. Sempre
que inspecionamos os conteúdos da nossa própria mente, descobrimos impressões
e ideias, de calor ou de frio, de claro ou escuro, de amor ou ódio, de prazer ou dor,
mas nunca encontramos nada que corresponda ao eu, que supostamente constitui a
sede dessas perceções. A mente, diz Hume, é uma espécie de teatro em que
várias perceções ocorrem sucessivamente. Contudo, a comparação com o teatro
não nos deve enganar, uma vez que são unicamente estas perceções que constituem
a mente e não temos a mais remota noção do lugar em que estas cenas são
representadas ou dos materiais de que são compostas.

Por outro lado, também não podemos estar certos da existência do mundo
exterior. Pensamos que existem objetos externos, que têm uma existência
contínua e independente de nós, porque temos certas perceções cuja origem
atribuímos a esses objetos. Mas será que podemos provar que esses objetos são
efetivamente a origem das nossas perceções? Hume pensava que não, porque a
nossa mente conhece unicamente as suas próprias perceções, isto é, as impressões e
ideias, e tanto umas como outras são estados internos, subjetivos, e não podem
constituir prova de que algo tem uma existência contínua e independente fora
de nós. É perfeitamente possível que essas perceções existam sem que lhes
corresponda qualquer objeto (prova-o as alucinações e os
sonhos). A aparente constância das coisas, o facto de que o que vemos hoje é
mais ou menos igual ao que vimos ontem, leva-nos a acreditar que têm uma
existência independente das nossas perceções. Esta crença não tem, no entanto,
justificação porque não temos experiência da conjunção constante entre os objetos e
as nossas impressões. O facto de não se poder justificar racionalmente a existência
do mundo exterior, no entanto, não implica que este não exista. Não podemos
conhecer a existência do mundo exterior, mas podemos acreditar que existe.
Trata-se de uma crença que, embora não seja racionalmente justificável, é tão
natural que devemos perguntar que razões nos levam a acreditar que o mundo
externo existe e não propriamente se ele existe.

III

1. Esclareça o que distingue o empirismo de Hume do racionalismo de Descartes.


As diferenças a destacar são as seguintes:

A origem do conhecimento.

A possibilidade do conhecimento.

Os limites do conhecimento.

Ciência e metafísica

1.A origem do conhecimento.

Descartes considera que a experiência, dados os erros dos sentidos, não pode ser
fonte credível de conhecimentos, melhor dizendo, as suas informações não podem
constituir (dado que muitas vezes são enganadoras) crenças básicas que possam
conduzir a outros conhecimentos. O saber constrói-se com base em ideias inatas
e, desde que siga um método correto e Deus garanta o normal funcionamento
da nossa razão, podemos alcançar verdades objetivas sobre o mundo. Esta rejeição
dos sentidos é uma convicção fundamental de Descartes e marca a sua orientação
claramente racionalista inspirada no modelo dedutivo das matemáticas.
Para Hume, todas as ideias têm uma origem empírica. Todos os nossos conteúdos
mentais são perceções. Estas são de dois tipos: impressões e ideias. As nossas ideias
são cópias das nossas impressões e por isso não há ideias inatas.

2.A possibilidade do conhecimento.

Partindo de um ceticismo metódico, Descartes liberta a razão da dependência em


relação à experiência e, tornando o seu funcionamento dependente da garantia de
Deus, conclui que podemos alcançar conhecimentos objetivos acerca do mundo.

Para Hume, o critério de verdade do nosso conhecimento é este: um conhecimento,


uma ideia, só é válido se pudermos indicar a impressão ou impressões de que deriva.
A toda e qualquer ideia tem de corresponder uma impressão sensível. Se não há
correspondência, há falsidade.

Criticando a fé cega no poder da razão quanto ao conhecimento do mundo e do


que transcende a natureza, Hume argumenta contra os racionalistas que o
conhecimento científico não é como o conhecimento matemático, não o podendo ter
como modelo: não é um conhecimento puramente demonstrativo, mas procede
da experiência.

Quanto à objetividade das leis naturais defendida por pensadores não racionalistas
como Locke e Newton, o filósofo escocês argumenta que qualquer generalização,
baseando-se em factos passados e pretendendo valer para o que ainda não foi objeto
de experiência, é incerta. Nada podemos saber acerca do futuro porque nada nos
garante que o futuro seja semelhante ao passado. Não há conhecimento,
propriamente falando, do que ultrapassa a nossa experiência atual ou passada: o
que aconteceu não serve como fundamento seguro da previsão do que ainda
não aconteceu.

Ceticismo? Sim, no sentido em que o nosso conhecimento não é certo e seguro. Mas
uma coisa é o valor científico dos nossos conhecimentos e outra a sua utilidade
prática e vital: sabemos que os nossos «conhecimentos científicos» são mais
pretensão e desejo de segurança do que saber, mas não podemos viver sem
essas sábias ilusões.
3. Os limites do conhecimento.

Descartes afirma que a razão apoiada na veracidade divina e nas ideias inatas
pode conhecer a realidade na sua totalidade ou, melhor dizendo, os princípios gerais
de toda a realidade: Deus, alma e mundo são realidades que podem ser
conhecidas.

Para Hume, as impressões sensíveis são, não só o critério de verdade do


conhecimento humano, mas também o seu limite. Não tendo outra base que não as
impressões ou sensações, o nosso conhecimento está limitado por elas: não posso
afirmar nenhuma coisa ou realidade da qual não tenho qualquer impressão sensível
(como, por exemplo, Deus).

4. Ciência e metafísica

Em Descartes, temos uma fundamentação metafísica da ciência, isto é, uma fundação


baseada em realidades metafísicas tais como Deus e alma (mas sobretudo Deus, que é
o verdadeiro pilar do sistema científico que Descartes se propôs construir).

Segundo Hume, não podemos afirmar a existência de qualquer fundamento metafísico


do saber.

2. Compare as posições de Hume e de Descartes relativamente à origem do


conhecimento humano.

As posições de Hume e Descartes relativamente ao conhecimento humano não


podem ser mais díspares. Partindo da ideia de que só são conhecimento as ideias que
são claras e distintas, isto é, das quais não há a mínima possibilidade de duvidar,
Descartes é levado a fazer da razão, e não dos sentidos, a origem do
conhecimento, precisamente porque nenhuma ideia com origem neles pode ter
o caráter de indubitabilidade que o conhecimento requer. A dúvida metódica,
processo pelo qual a razão submete a apreciação crítica o saber tradicional,
mostra, primeiro por intermédio do argumento das ilusões dos sentidos, depois por
intermédio do argumento dos sonhos, que duas proposições básicas para o nosso
conhecimento e para a nossa vida quotidiana, como «o mundo existe» e «os sentidos
são fidedignos na informação que nos fornecem acerca do
mundo», não são indubitáveis, e, embora o argumento do Deus enganador
permita duvidar das verdades da matemática, isto é, das proposições não empíricas,
o Cogito, verdade de razão, afirma-se com uma tal evidência que é impossível
recusar a sua indubitabilidade. É, portanto, na razão, e não na experiência (ou
melhor, nas ideias adventícias, como Descartes lhes chama, que têm origem na
experiência e que são incertas e confusas), que o conhecimento tem origem.

A análise dos conteúdos da mente realizada por Hume condu-lo a uma posição
oposta à de Descartes. A sua teoria das ideias afirma que estas são cópias das
impressões e delas derivam. Não há ideias inatas. Com efeito, diz Hume, aqueles a
quem, por alguma razão, falta a impressão também nunca têm a respetiva ideia. Um
cego de nascença, que não tem, por exemplo, a sensação de vermelho, também
nunca tem a respetiva ideia.

Do mesmo modo, quando alguém nunca teve uma dada sensação, não tentamos
fazer com que a tenha a partir de uma ideia, mas pondo a pessoa numa situação em
que possa adquirir essa sensação. Tudo isto prova, pensa Hume, que não existem
ideias inatas e que todo o conhecimento tem origem, não na razão, mas na
experiência.

Há, no entanto, um ponto em que Hume e Descartes estão de acordo. Ambos pensam
que a experiência não pode ser a origem do conhecimento, se entendermos que só
as ideias de cuja verdade temos absoluta certeza são conhecimento. Esta
constatação leva Descartes a encontrar na razão a origem e o critério do
conhecimento. Para Hume, esta via está vedada pela recusa do inatismo e, portanto,
ao contrário de Descartes, pensa que só a experiência legitima as nossas ideias, sem,
no entanto, lhes conferir absoluta certeza, isto é, o estatuto de conhecimento, à
exceção dos domínios da matemática e da lógica.

3. Compare as posições de Hume e de Descartes relativamente à possibilidade


do conhecimento humano.
Partindo da tese segundo a qual existem ideias inatas, isto é, ideias que a mente
descobre em si mesma, Descartes afirma que é na razão, e não na experiência,
que o Cogito se
descobre a si próprio enquanto verdade primordial. Todo o conhecimento, para
Descartes, é constituído por ideias a que a razão chega por deduções, a partir da
intuição fundamental que o Cogito descobre em si mesmo pela análise dos seus
conteúdos. Dado o caráter absolutamente racional e demonstrativo destas
deduções, tudo o que conhecemos por seu intermédio é igualmente indubitável. O
conhecimento é, portanto, constituído por todas as ideias que somos capazes de
deduzir a partir das ideias inatas. É desse modo que, a partir do Cogito, isto é, o
conhecimento da nossa própria existência enquanto alma, somos capazes de
conhecer Deus e o mundo. Nada está fora do alcance da razão, na condição de
sermos capazes de o deduzir de proposições indubitáveis. Esse é, pelo menos, o
espírito do projeto cartesiano, embora o próprio Descartes reconheça que a
existência do mundo exterior, posta em causa pela dúvida metódica, em rigor, não
pode ser deduzida de princípios estritamente racionais. O racionalismo de Descartes
manifesta- se, em resumo, na ideia de que é a razão, e não os sentidos, que
fornecem as ideias que constituem o ponto de partida para o conhecimento. Partindo
de um ceticismo metódico, Descartes liberta a razão da dependência em relação à
experiência e, tornando o seu funcionamento dependente da garantia de Deus,
conclui que podemos alcançar conhecimentos objetivos acerca do mundo.

Para Hume, o critério de verdade do nosso conhecimento é este: um conhecimento,


uma ideia, só é válido se pudermos indicar a impressão ou impressões de que deriva.
A toda e qualquer ideia tem de corresponder uma impressão sensível. Se não há
correspondência, há falsidade. Criticando a fé cega no poder da razão quanto ao
conhecimento do mundo e do que transcende a natureza, Hume argumenta
contra os racionalistas que o conhecimento científico não é como o
conhecimento matemático, não o podendo ter como modelo: não é um
conhecimento puramente demonstrativo, mas procede da experiência. Quanto à
objetividade das leis naturais defendida por pensadores não racionalistas como
Locke e Newton, o filósofo escocês argumenta que qualquer generalização,
baseando-se em factos passados e pretendendo valer para o que ainda não foi objeto
de experiência, é incerta. Nada podemos saber acerca do futuro porque nada nos
garante que o futuro seja semelhante ao passado. Não há conhecimento,
propriamente falando, do que ultrapassa a nossa experiência atual ou passada: o que
aconteceu não serve como fundamento seguro da previsão do que ainda não
aconteceu.

Para Hume, ao contrário de Descartes, o conhecimento do mundo não é possível,


quer entendamos por conhecimento verdades indubitáveis quer entendamos crenças
que estão racionalmente justificadas, embora não de modo a garantir a certeza da
verdade. Os raciocínios indutivos – a nossa forma de conhecer os factos do
mundo – também não podem ser justificados racionalmente porque todos eles
dependem do Princípio da Uniformidade da Natureza, e este princípio não pode ser
racionalmente justificado porque qualquer tentativa de o fazer envolve a utilização
de raciocínios indutivos. As nossas crenças acerca do mundo não constituem um
conhecimento objetivo da realidade e são antes o resultado de mecanismos
psicológicos com que a natureza nos dotou para assegurar a nossa existência.

Ceticismo? Sim, no sentido em que o nosso conhecimento não é certo e seguro. Mas
uma coisa é o valor científico dos nossos conhecimentos e outra a sua utilidade
prática e vital: sabemos que os nossos «conhecimentos científicos» são mais
pretensão e desejo de segurança do que saber, mas não podemos viver sem
essas sábias ilusões.

4. Compare as posições de Descartes e de Hume relativamente aos limites


do conhecimento humano.

Descartes afirma que a razão, apoiada na veracidade divina e nas ideias inatas,
pode conhecer a realidade na sua totalidade ou, melhor dizendo, os princípios gerais
de toda a realidade: Deus, alma e mundo são realidades que podem ser
conhecidas.

Para Hume, as impressões sensíveis são, não só o critério de verdade do


conhecimento humano, mas também o seu limite. Não tendo outra base que não
as impressões ou sensações, o nosso conhecimento está limitado por elas: não
posso afirmar nenhuma coisa ou realidade da qual não tenho qualquer impressão
sensível (como, por exemplo, Deus).
A filosofia de Descartes constitui um bom exemplo de um pensamento
fortemente otimista acerca das capacidades da razão humana. Quando
corretamente utilizada, nada há que a razão não possa conhecer. Utilizar
corretamente a razão é, para Descartes, proceder por deduções rigorosas a
partir de ideias claras e distintas.

Procedendo desse modo, é possível à razão conhecer, isto é, demonstrar a existência


de realidades metafísicas (das quais não temos, portanto, nenhuma evidência
empírica), como a alma, Deus e o mundo. Em oposição a este otimismo racionalista
de Descartes, a filosofia de David Hume tem um pendor cético. Todo o nosso
conhecimento tem origem e deriva da experiência, e daquilo que não temos
experiência não temos conhecimento. O Princípio da Cópia que estabelece que todas
as ideias são cópias de impressões constitui também o critério de legitimidade de
uma ideia: as ideias que não possamos fazer derivar de impressões não têm pura e
simplesmente sentido. Estão nesta situação, pensa Hume, ideias metafísicas como as
de alma, de Deus e de mundo. Nenhuma destas ideias pode ser feita remontar a uma
impressão e, em rigor, estas palavras não têm qualquer significado. Não há, nem
pode haver, portanto, conhecimento destas entidades, e a metafísica, enquanto
disciplina que estuda este tipo de entidades não empíricas, não constitui uma
ciência.
MÓDULO 4
O conhecimento e a racionalidade científico-
tecnológica UNIDADE 2
O conhecimento
científico CAPÍTULO 1
Conhecimento vulgar e conhecimento científico

1. O que carateriza o conhecimento vulgar?

É um tipo de conhecimento essencialmente prático, assistemático, de fraco


pendor autocrítico, que confunde frequentemente a realidade e a aparência, que
não é constantemente controlado pela experiência, faltando-lhe uma abordagem
metódica dos problemas porque vive de soluções e de conhecimentos supostamente
assegurados.

2. O que carateriza, em termos gerais, o conhecimento científico?

É um conhecimento essencialmente metódico, regido por uma racionalidade crítica


que exige o constante confronto com os factos, dotado de um forte poder
explicativo e sistemático que reduz as explicações ao menor número possível de
leis e teorias.

3. O que distingue essencialmente o conhecimento vulgar do conhecimento


científico?

A diferença essencial reside no caráter metódico e crítico do conhecimento científico


e no constante escrutínio da experiência, pelo que não é presa fácil das aparências.
Estas duas caraterísticas permitem que a ciência seja ao mesmo tempo dotada de
maior simplicidade apesar de muito mais abstrata, não se limite a acumular
conhecimentos, e possua um sofisticado grau de sistematização e uma maior
eficácia prática.

Conhecimento vulgar Conhecimento científico


1.Relativamente acrítico 1.Baseia-se no pensamento crítico.

2. A descrição predomina sobre 2.Essencialmente explicativo.


explicação.
3.Forte pendor sistemático.
3.Fraca sistematização.
4.Essencialmente metódico.
4.Muito fraco espírito metódico.
5.Alto valor teórico e prático.
5.Essencialmente prático.
6.Procura ir para lá das aparências ou
6. Deixa-se iludir pelas aparências. impressões imediatas.

MÓDULO 4
O conhecimento e a racionalidade científico-
tecnológica UNIDADE 2
O conhecimento
científico CAPÍTULO 2
Ciência e construção: validade e verificabilidade das hipóteses

1. O que são hipóteses científicas?


São tentativas de explicar e de prever o que acontece no mundo.

2. Em que consiste o problema da verificabilidade das hipóteses?


Consiste em saber se podem ser verificadas ou confirmadas ou se devemos
tentar submetê-las a testes que visem refutá-las ou falsificá-las.

3. O que é o indutivismo?
É a conceção segundo a qual o método indutivo é o método típico da ciência ou
o caminho que os cientistas seguem para explicar e prever os acontecimentos do
mundo.

4. Nas suas linhas gerais, em que consiste o método indutivo?


Consiste em partir da observação de factos empíricos, em registá-los e catalogá-los
e, mediante a generalização, em formar teorias ou hipóteses que vão ser
confrontadas com os factos com vista à sua verificação ou confirmação.

5. Que críticas são feitas ao indutivismo?


Critica-se o indutivismo pelas seguintes razões: 1. Acredita que há observações puras
quando toda e qualquer observação é previamente orientada por teorias e
expetativas acerca de um problema; 2. As hipóteses científicas não são extraídas dos
factos porque, por exemplo, muitas teorias científicas se referem ao que não se pode
observar (assim, muitas as hipóteses científicas não podem ser formadas por
indução-generalização a partir de amostras factuais); 3. As hipóteses científicas
enquanto enunciados universais não podem nunca ser seguramente verificadas.

4. O que é o problema de demarcação?


É o problema de encontrar um critério que permita distinguir teorias científicas de
teorias que não são científicas.

5. O que é o falsificacionismo de Karl Popper?

É uma perspetiva sobre a ciência e o método científico que:


a)Constitui um critério de demarcação entre ciência e não ciência.
b)Considera que a cientificidade de uma teoria depende da sua falsificabilidade.
c)Rejeita que a indução desempenhe algum papel na investigação científica porque
esta não parte de observações puras nem pode garantir a verdade dos seus
enunciados.
d) Rejeita o verificacionismo porque não se pode provar a verdade – verificar –
de um enunciado universal porque enunciados deste género referem-se a um
número de casos que não podem ser controlados empiricamente.

6. Segundo Popper, o que torna científica uma teoria?


Uma teoria é científica se e somente se for empiricamente falsificável.

7. O que torna falsificável uma teoria científica?


Uma teoria científica é falsificável se for possível encontrar observações ou factos que
a refutem.

8. Que críticas faz Popper ao indutivismo?


Popper apresenta as seguintes críticas ao indutivismo: 1. A indução não tem valor
científico; 2. A observação não é meio de prova – Não se pode provar a verdade
– verificar – de um enunciado universal – como uma lei natural – porque enunciados
deste género referem-se a um número de casos que não podem ser controlados
empiricamente. A observação de muitos corpos aquecidos que dilatam não prova, por
maior que seja o seu número, que a proposição enunciada é verdadeira. 3. As hipóteses
não são extraídas dos factos: são conjeturas criadas pelo cientista para tentar
responder a um problema. 4. O que deve ser testado não é a possibilidade de
verificação, mas sim a de refutação de uma hipótese. 5. O facto de uma hipótese
ser bem-sucedida num teste empírico não a verifica ou torna verdadeira.
Unicamente mostra que não é (ainda) falsa.

9. Por que razão, ao criticar o indutivismo, Popper critica também o


verificacionismo?
O indutivismo entendia o teste das hipóteses como tentativa de verificação
destas. O falsificacionismo de Popper entende-o como tentativa de refutação.
Nunca podemos declarar verdadeira uma teoria porque nunca podemos ter a
certeza disso. Contra o
indutivismo, Popper diz que não podemos saber se uma teoria é verdadeira. Só
podemos saber se as teorias foram refutadas ou não.

10. Podemos dizer que para Popper uma teoria científica ou é verdadeira ou
falsa?

Não. Quando Popper diz que uma teoria é científica, não está dizer que é verdadeira
ou falsa, mas que podemos testar se é falsa ou não. Se provarmos que não é
falsa, nunca podemos dizer que o assunto está encerrado (que é verdadeira). Pode
vir a revelar-se falsa mediante outros testes. Assim, o termo falsificável aplicado a
uma teoria significa que a possibilidade de ser falsa está sempre em aberto.

11. Segundo Popper, todas as teorias são igualmente falsificáveis?


Não. As teorias têm graus de falsificabilidade conforme têm maior ou menor
conteúdo empírico ou informativo, conforme nos dizem mais ou menos coisas sobre o
mundo e, por conseguinte, correm maiores ou menores riscos de serem
desmentidas.

SÍNTESE DAS IDEIAS DE POPPPER SOBRE O MÉTODO CIENTÍFICO E A CIÊNCIA


1. Uma teoria é científica se for testável e suscetível de
falsificação empírica mediante a observação.
TESES CENTRAIS
2. Uma teoria irrefutável não tem direito a ser considerada
científica.

3. O indutivismo é uma perspetiva errada sobre o método


científico.

4. As teorias e hipóteses científicas não podem ser verificadas


nem confirmadas, mas unicamente corroboradas.

5. Os cientistas exercem uma vigilância crítica permanente das


hipóteses e teorias científicas.

6.A ciência é objetiva porque os cientistas submetem as teorias


ou hipóteses a testes empíricos rigorosos.

7. A ciência procede por conjeturas (hipóteses) e refutações em


direção a um ideal de verdade que nunca atingirá, mas do qual
se aproxima constantemente mediante a eliminação de
erros.
A falsificabilidade O tema da falsificabilidade permite a Popper resolver dois
problemas: o da demarcação entre ciência e não ciência e o do
papel da indução na ciência.

A falsificabilidade é a caraterística de uma teoria ou hipótese que


pode ser refutada por alguma observação.

O problema da O problema da demarcação consiste em encontrar um critério


demarcação que permita separar ciência de pseudociência.

Será científica a teoria que se submete a testes destinados a


falsificá-la e assim a refutá-la. A ciência distingue-se da
pseudociência porque procura falsificar e não verificar ou
confirmar as suas hipóteses.

As teorias que não são refutáveis por alguma observação possível


não são científicas. E são cientificamente tanto mais úteis
quanto mais riscos correrem nas previsões que fazem.
Contra o indutivismo Popper resolve o problema da indução opondo à conceção indutivista
e o verificacionismo da investigação científica (que procura tornar verdadeiras as teorias)
a falsificação.

A indução não é o método da ciência porque:

1. Não podemos inferir as hipóteses da experiência como se


houvesse observações puras ou objetivas. Os cientistas deduzem
consequências observacionais das teorias e, submetendo essas
predições ao confronto com os factos, sujeitam as teorias a testes
rigorosos. Não precisam da indução para formar hipóteses.

2. A experimentação científica não é realizada com o objetivo de


«verificar» ou estabelecer a verdade de hipóteses ou teorias
porque esse objetivo é impossível.

A indução não nos pode dar certezas acerca da verdade das


nossas teorias. Por maior que seja o número de observações a
favor de uma teoria obtida por indução, esta pode sempre vir a
revelar-se falsa. Mas podemos muitas vezes ter a certeza da sua
falsidade adotando um modelo hipotético dedutivo que procura
provar a falsidade e não a
verdade de uma teoria.
A corroboração Uma teoria diz-se corroborada quando resiste aos testes destinados
a falsificá-la.

Para ser corroborada, uma teoria deve apresentar um bom conteúdo


empírico que restrinja aquilo segundo as suas previsões pode
acontecer
‒ de modo a não ser vaga – e deve passar em testes sérios e
rigorosos. Mas ser corroborada não significa dizer que a sua verdade
foi provada nem que é provável que seja verdadeira. Unicamente
não foi refutada e podemos continuar a trabalhar com ela, se não
for posteriormente desmentida ou se não encontrarmos uma
melhor. A qualquer momento, uma teoria pode ser refutada por
novos testes. O máximo que se pode dizer de uma teoria científica
é que, até a um dado momento, ela
resistiu aos testes usados para a refutar.
O progresso do A ciência progride mediante o método das conjeturas e
conhecimento refutações.
científico
As conjeturas ou hipóteses – que nunca podem ser verificadas
ou confirmadas – são sujeitas a testes severos aos quais podem
sobreviver ou não. As que sobrevivem às tentativas de refutação
revelam-se mais resistentes, mas nunca verdadeiras ou
provavelmente verdadeiras. Constituem, em comparação com
outras, uma melhor aproximação à verdade. O seu grau de
verosimilhança é o critério que as torna melhores do que
teorias rivais. Aproxima-se mais da verdade a conjetura que
resolve melhor certos problemas do que as suas competidoras.

O progresso científico, mediante a eliminação de erros, é


uma evolução em direção a uma meta ideal inalcançável: o ideal
da verdade
como espelho fiel da realidade.

EXERCÍCIOS

Leia atentamente o texto seguinte.

O falsificacionista admite francamente que a observação é guiada pela teoria e a


pressupõe. Também se congratula de abandonar qualquer afirmação que implique
que as teorias se podem estabelecer como verdadeiras ou provavelmente
verdadeiras à luz da evidência observacional. Uma vez propostas, as teorias
especulativas terão de ser
comprovadas rigorosa e implacavelmente pela observação e a experimentação. As teorias
que não superam as provas observáveis e experimentais devem ser eliminadas
e substituídas por outras conjeturas especulativas.

Esclareça o conteúdo do texto. Para orientar a sua resposta, deve abordar os


seguintes temas:
1.A oposição ao indutivismo.
2.A rejeição do critério da verificabilidade.
Trata-se de caraterizar o falsificacionismo ou método das conjeturas e refutações nas
suas linhas gerais.
Karl Popper defende uma conceção de ciência que assenta na rejeição completa
da indução. O grau de confirmação de uma hipótese depende, segundo a
perspetiva indutivista, do número de casos observados que estão de acordo com
ela.
Mas, segundo Popper, é impossível provar, por exemplo, que todos os corvos são
negros (precisaríamos de observar todos os corvos em todos os lugares e em todos
os tempos) e isso deixa a proposição universal sempre por provar. Ora, segundo
Popper, isto tem consequências nefastas para a imagem da ciência. Não podendo
nenhum enunciado universal ser comprovado por qualquer número de observações
favoráveis que nos são possíveis, então a aplicação do critério da verificabilidade
acaba por transformar em não científicas – em teorias empiricamente não verificáveis
– as hipóteses que mais nos dizem em termos informativos sobre a realidade. As leis
da natureza aplicam-se a um número infinito de casos – a todos os casos possíveis.
Mas as nossas observações não são nem podem ser em número infinito. Não
devemos concluir então que, sendo científico igual a empiricamente verificável – para
o verificacionista –, os enunciados da ciência não são científicos porque não são em
rigor verificáveis? O critério da verificabilidade derrota-se a si mesmo. Pretende
verificar, mas acaba por nunca verificar.
Para Popper, os cientistas devem contentar-se em não ver as suas hipóteses
refutadas e não em vê-las verificadas ou provadas. Com efeito, como o critério da
verificação não tem validade lógica (conduz-nos à falácia da afirmação do
consequente), basta um facto
contrário para refutar uma hipótese, mas nenhum número de factos favoráveis é
suficiente para a confirmar.
O que carateriza as hipóteses científicas é a sua refutabilidade ou «falsificabilidade»:
nenhuma hipótese científica é irrefutável, mais tarde ou mais cedo pode ser
declarada falsa.
A refutabilidade é um critério de demarcação entre ciência e não ciência. Uma teoria
é científica se e só se for refutável ou falsificável. Uma teoria falsificável é uma teoria
que podemos descobrir que é falsa, mas não é necessariamente uma teoria falsa.
Trata-se de uma teoria de que se deduzem consequências ou predições testáveis,
isto é, passíveis de serem confrontadas com os factos. Se estas predições se
revelarem incompatíveis com os factos, a teoria diz-se falsificada, ou seja, o teste a
que foi submetida mostrou que é falsa.
2
Estabeleça na teoria de Popper a relação entre falsificabilidade e corroboração
das hipóteses. Mostre como Popper é conduzido à perspetiva falsificacionista e o
que se entende por corroboração de uma hipótese.
A rejeição da indução conduz Popper ao falsificacionismo. O grau de confirmação de
uma hipótese depende, segundo a perspetiva indutivista, do número de casos
observados que estão de acordo com ela. Mas, segundo Popper, é impossível provar
que todos os corvos são negros (precisaríamos de observar todos os corvos em todos
os lugares e em todos os tempos) e isso deixa a proposição universal sempre por
provar.

A ciência, para Popper, não precisa da indução nem para encontrar hipóteses e
teorias (bastam as conjeturas criativas do investigador) nem para as avaliar (tentar
falsificá-las é a forma de as testar).

A rejeição da indução conduz Popper à ideia de que as leis científicas são


enunciados universais que não podem ser conclusivamente verificados ou
confirmados, mas que podem ser falsificados ou refutados. Para avaliar as teorias
ou hipóteses científicas, temos de as submeter a testes empíricos que visem refutá-
las. Quanto maior for o seu conteúdo empírico mais riscos corre uma teoria, mas
também maior será o seu grau de corroboração. Por corroboração entende-se que a
teoria tem sido até ao momento bem-
sucedida, mas não que é verdadeira, dado que não sabemos o que futuros
testes lhe reservam. Nunca podemos saber se uma teoria é verdadeira, mas
podemos saber se é falsa.

Uma teoria corroborada é uma teoria que até agora resistiu às tentativas de
refutação, mas que apesar disso não pode ser declarada verdadeira. Por mais
provas que tenhamos, nunca podemos dizer que uma teoria é verdadeira. A
possibilidade de ser falsificada está sempre em aberto. Só as teorias que resistem
aos testes de falsificação sobrevivem, mas sempre ameaçadas pela possibilidade de
falsificação e, por isso, novas e melhores teorias ameaçam as teorias ainda
vigentes.

3
Esclareça em que consiste o critério de cientificidade de uma teoria para Popper.
Integre na sua resposta a referência ao verificacionismo e o conceito de graus de
cientificidade.
A refutabilidade é um critério de demarcação entre ciência e não ciência. Uma
teoria é científica se e só se for refutável ou falsificável. Uma teoria falsificável é uma
teoria que podemos descobrir que é falsa, mas não é necessariamente uma teoria
falsa. Trata-se de uma teoria de que se deduzem consequências ou predições
testáveis, isto é, passíveis de serem confrontadas com os factos. Se estas predições
se revelarem incompatíveis com os factos, a teoria diz-se falsificada, ou seja, o teste
a que foi submetida mostrou que é falsa. A perspetiva verificacionista é a doutrina
segundo a qual a verificação é um critério de demarcação entre ciência e não ciência
consiste em determinar o valor de verdade de uma teoria ou hipótese. Se não for
possível determinar de modo conclusivo que uma teoria é verdadeira ou falsa, não
estamos perante uma teoria científica. Popper opõe-se a esta doutrina.

O grau de cientificidade de uma teoria ou hipótese depende de três coisas:


1. Que a teoria seja falsificável, ou seja, que em princípio seja possível conceber
testes destinados a exibir a sua falsidade. Uma teoria científica não pode ser
irrefutável. Se de uma teoria dizemos que pode ser verdadeira ou que pode ser falsa,
não estamos a falar de uma teoria científica.
2.Que se exponha bastante à possibilidade de ser falsificada. Isso só pode acontecer
se o seu conteúdo empírico não for vago ou demasiado geral. Uma teoria com um
rigoroso conteúdo informativo, isto é, quanto mais circunscrita e quantos mais
estados de coisas excluir, mais falsificável é.
3. Que passe nos testes de refutação a que é submetida. Seria simplista pensar
que Popper se contenta com a falsificabilidade para dizer que uma teoria é científica.
Também valoriza a confiança numa teoria. Quanto maior for o número de testes
e quanto mais precisos e rigorosos forem os testes que uma teoria supera melhor
ela é e mais fiável nos parece. Por exemplo, os astrónomos repararam que as órbitas
dos planetas conhecidos eram irregulares. A teoria do movimento de Newton
permitia predizer que a perturbação era causada pela atração gravitacional de um
planeta desconhecido numa certa órbita. Quando os astrónomos procuraram nessa
parte do céu, descobriram o planeta Neptuno. A teoria do movimento de Newton –
que também serve para predizer os movimentos dos projéteis, dos comboios e das
moléculas – poderia ter sido falsificada por estas investigações. Mas não se
revelou falsa. Embora a possibilidade de refutação esteja sempre em aberto, a
teoria deu provas satisfatórias para confiarmos nela.
Em suma, uma teoria é científica se:

1 – For falsificável;
2 – Correr bastantes riscos nos testes de refutação; e
3 – Superar os testes rigorosos destinados a falsificá-la.

4
Na sua primeira obra, A Lógica da Descoberta Científica, publicada em alemão em
1934, Popper defende que, apesar de as teorias científicas não poderem ser
verificadas nem mesmo tornadas prováveis, podem ser falsificadas pelos factos.

Mostre que critério de cientificidade é rejeitado nesta afirmação e exponha a


detalhadamente a crítica de Popper a esse critério.
Esta afirmação rejeita o critério da verificabilidade. A rejeição do
verificacionismo acompanha a rejeição da indução como método útil à ciência.
Rejeitando a indução, Popper manifesta obviamente simpatia pela dedução e pelo
método hipotético-dedutivo.

Há semelhanças entre o método falsificacionista e a descrição habitual do


método hipotético-dedutivo. Também se deduzem certas consequências de
determinadas hipóteses. Mas o facto de aquilo que se observa ser aquilo que se
deduziu da hipótese não confirma esta. O falsificacionismo, em vez de procurar o
acordo entre a predição – a consequência deduzida da hipótese – e a
observação, procura observações que falsifiquem aquela. O desacordo entre aquilo
que a conjetura prediz e o que é observado conduz à refutação da hipótese. O acordo
corrobora a hipótese, mas nunca a confirma ou verifica.

O método proposto e aconselhado por Popper pode ser entendido como uma
depuração do método hipotético-dedutivo, afastando qualquer referência à
verificação e à indução. Popper recusa a perspetiva verificacionista por
várias razões.

A primeira razão é esta: o critério da verificabilidade não é compatível com o


estatuto universal das leis da natureza. Isto quer dizer que, se queremos verificar
realmente que um enunciado universal é verdadeiro, estamos condenados ao
fracasso porque não é possível submeter todos os casos ao julgamento da
experiência. Por mais observações a favor da teoria que consigamos reunir, nunca
conseguiremos demonstrar a sua verdade. A única coisa que Popper reconhece como
aceitável na teoria verificacionista é a ideia geral de cientificidade de uma teoria:
são científicas as teorias que podem comparecer no tribunal da experiência. Mas
a proximidade acaba aqui.
A segunda razão é a seguinte: o critério da verificabilidade é pouco económico e
improdutivo porque nenhuma teoria, dado o número vastíssimo de casos que
abrange, pode ser definitivamente comprovada. Muito mais económico é o
critério da falsificabilidade: para mostrar que uma teoria ou hipótese é falsa, para
mostrar que um enunciado universal é falso, basta um caso que o desminta.

Karl Popper defende uma conceção de ciência que assenta na rejeição completa
da indução. O grau de confirmação de uma hipótese depende, segundo a
perspetiva indutivista, do número de casos observados que estão de acordo com ela.
Mas, segundo Popper, é impossível provar que todos os corvos são negros
(precisaríamos de observar todos os corvos em todos os lugares e em todos os
tempos), e isso deixa a proposição universal sempre por provar. Ora, segundo
Popper, isto tem consequências nefastas para a imagem da ciência. Não podendo
nenhum enunciado universal ser comprovado por qualquer número de observações
favoráveis que nos são possíveis, então a aplicação do critério da verificabilidade
acaba por transformar em não científicas – em teorias empiricamente não
verificáveis – as hipóteses que mais nos dizem em termos informativos sobre a
realidade. As leis da natureza aplicam-se a um número infinito de casos – a todos os
casos possíveis. Mas as nossas observações não são nem podem ser em número
infinito. Não devemos concluir então que, sendo científico igual a empiricamente
verificável – para o verificacionista –, os enunciados da ciência não são científicos
porque não são em rigor verificáveis? O critério da verificabilidade derrota-se a si
mesmo. Pretende verificar, mas acaba por nunca verificar.

A ciência, para Popper, não precisa da indução nem para encontrar hipóteses e
teorias (bastam as conjeturas criativas do investigador) nem para as avaliar (tentar
falsificá-las é a forma de as testar.
MÓDULO 4

O conhecimento e a racionalidade científico-


tecnológica UNIDADE 2
O conhecimento
científico CAPÍTULO 3
Racionalidade e objetividade da ciência

1. Como avalia Popper a evolução da ciência?


A evolução da ciência é um progresso, apesar de nenhuma teoria poder ser verificada
como verdadeira. Umas teorias são eliminadas e outras são corroboradas, o que
significa que sobreviveram aos testes destinadas a refutá-las. Assim, há uma
crescente aproximação à verdade entendida como descrição completamente fiel de
um estado de coisas.

2. Que critério usa Popper para justificar esse progresso ou avanço da ciência?
Usa o critério da verosimilhança. Uma teoria pode aproximar-se mais da verdade do
que outra. O progresso da ciência não é uma acumulação de teorias verdadeiras
porque nunca podemos estar certos da verdade de uma teoria. A verdade é um
ideal regulador.

3. Em que consiste dizer que uma teoria é verosímil?


Consiste em dizer que essa teoria se aproxima da verdade, nos dá uma
descrição aproximadamente correta da realidade, mas nunca completamente
correta. As teorias científicas são conjeturas e hipóteses sempre falsificáveis. Umas
são melhores do que outras porque aproximam-se mais da verdade.

4. O que torna uma teoria melhor do que outra?


O facto de ser mais verosímil, de se aproximar mais da verdade, porque, com
amplo conteúdo empírico e assim submetida a testes muito rigorosos, resiste a
tentativas de refutação mais severas.
5. O que torna uma teoria mais verosímil do que outra?
O facto de ser capaz de resolver problemas que a outra não conseguiu resolver e
de também conseguir resolver os problemas que as outras resolviam. De certa
forma, pode dizer-se que as teorias refutadas e superadas integram o processo de
aproximação à verdade por terem suscitado a criação de melhores teorias. O
elemento continuista da teoria de Popper traduz-se na ideia de que a sucessão de
teorias se insere no progresso das ciências em direção à verdade. O elemento
descontinuista consiste em salientar que o progresso não se faz por simples
acumulação de conhecimentos, pois a relação entre as velhas e as novas teorias é
crítica e a referência àquelas serve para esclarecer a situação dos problemas.

6. A evolução da ciência como crescente aproximação à verdade é, para Popper,


objetiva?

Sim. O método das conjeturas e refutações assegura testes rigorosos, logicamente e


racionalmente regulados e é a experiência que tem a última palavra quanto à
refutabilidade de uma teoria. Há critérios claramente objetivos para declarar como
falsa ou como corroborada uma teoria. Nessa avaliação, não tem papel de relevo
a personalidade dos cientistas, os seus gostos e as condicionantes sociológicas e
políticas. Os fatores subjetivos são neutralizados.

7. Como podemos resumir a ideia de evolução da ciência em Popper?


A evolução da ciência não é uma simples mudança. É um progresso em direção
a uma meta: a verdade. As teorias refutadas inserem-se no movimento de busca
de verosimilhança ou de aproximação à verdade. A verosimilhança é o critério do
progresso e carateriza as teorias que a observação corrobora. Esse progresso é
racional – obedece a regras lógicas – e objetivo – são os testes empíricos que
decidem na seleção das teorias e não fatores subjetivos. A ciência, para Popper,
não é um conjunto de conhecimentos assegurados, mas um método que se define
pelo pensamento crítico. Os conhecimentos são meios que devem ser mobilizados
para a formulação de novas perguntas e conjeturas.
Não reduzem a ciência aos seus resultados.

8. O que é um paradigma para Kuhn?


É um conjunto de regras para aplicação das teorias à realidade, para usar
instrumentos e que tipo de instrumentos, um conjunto de ideias filosóficas sobre
o que a realidade é e como funciona e um modelo que, apoiando-se numa teoria
bem-sucedida, orienta a atividade dos cientistas no conhecimento do mundo.

9. Por que razão a existência de um paradigma é importante para a atividade


científica? É importante porque, além de determinar o ambiente intelectual e
tecnológico em que essa atividade se desenvolve, não podemos falar de comunidade
científica nem portanto de ciência sem a adesão a esse modelo explicativo e
regulador. A ciência é paradigmática porque não é obra de génios isolados.

10. O que é a ciência normal?


É o período da evolução da ciência que é dominado pelo consenso generalizado
da comunidade científica em torno de um paradigma e pelo seu
aperfeiçoamento e desenvolvimento. É uma atividade relativamente conservadora
porque em cada âmbito da atividade científica regida pelo paradigma este não é
questionado. Contudo, há progresso científico porque se procura mediante o
paradigma explicar novos factos ou resolver puzzles cujo interesse para os
cientistas é determinado por aquele.
11. O que é uma anomalia?
Uma anomalia é um problema teórico ou empírico que não é solucionado de acordo
com os meios explicativos fornecidos pelo paradigma vigente.

12. O facto de os cientistas que adotam um dado paradigma não conseguirem


resolver de acordo com aquele certos factos polémicos – anomalias – significa por
si que o paradigma é abandonado?
Não. Exceto quando a anomalia é séria ou se acumulam anomalias graves que
persistentemente ameaçam as bases do paradigma, a atitude dos cientistas é a
de desvalorizar o problema esperando que se encontre uma solução. Uma anomalia
por si não implica crise do paradigma ou perda de confiança no seu poder
explicativo. Ao contrário do que pensava Popper, os cientistas não são
falsificacionistas.

13. O que é a crise paradigmática?


É o período em que a confiança no paradigma enfraquece devido a anomalias graves
e persistentes. Esta crise de confiança pode dar origem a um período de ciência
extraordinária.

14. O que é a ciência extraordinária?


É o período que suscitado pela progressiva desconfiança no paradigma existente
se carateriza pelo surgimento de divisões na comunidade científica. Surgem
paradigmas alternativos que se tornam formas rivais de ver o mundo. Sem um
modelo teórico alternativo há crise, mas não há ciência extraordinária. Esta exige
que haja mundivisões incompatíveis em luta, ou seja, que alguns cientistas,
sobretudo os mais jovens, abandonem a antiga forma de exercer o ofício
científico.

15. O que é uma revolução científica?


É a substituição do paradigma existente por um novo que conquistar a adesão
da comunidade científica.

16. O que implica esta mudança para os cientistas?


Implica uma conversão mental porque cada paradigma corresponde, segundo Kuhn,
a uma forma de ver o mundo radicalmente diferente da do paradigma anterior.

17. Dado que são formas incompatíveis de ver o mundo, como carateriza Kuhn a
relação entre os paradigmas?
Os paradigmas são incomensuráveis.

18. O que significa dizer que os paradigmas são incomensuráveis?


Significa dizer que não há uma medida ou padrão comum que, acima de
qualquer dos paradigmas, permita avaliar os méritos e os defeitos de cada um
deles.

19. O que implica a incomensurabilidade dos paradigmas?


Implica que não podemos dizer que um paradigma é melhor do que outro, que
tem um poder explicativo e preditivo superior. Há mudança, mas não há
propriamente falando progresso. O novo paradigma não é portanto algo que se
insira num processo de aproximação crescente à verdade.

20. Se não há propriamente falando progresso ou avanço científico de paradigma


para paradigma, será que a substituição de um por outro é um processo
completamente arbitrário?
Não. Há critérios objetivos – poder explicativo e preditivo, abrangência ou
alcance, simplicidade e fecundidade – que permitem demarcar ciência de não
ciência. Contudo, cada cientista avalia de forma diferente a importância de cada um
destes critérios. Além de que fatores sociológicos – prestígio dos proponentes de um
paradigma, interesses extracientíficos, gostos pessoais ‒ influenciam as escolhas. Em
última análise, são fatores subjetivos que parecem pesar mais nas decisões.

21. Como podemos resumir a ideia de evolução da ciência em Kuhn?


A ciência é um empreendimento comum porque fora de uma comunidade de
praticantes ligados a uma dada forma de ver o mundo e de fazer ciência – paradigma
– não há ciência. A ciência evolui, muda, mas não há propriamente falando
progresso, dada a incomensurabilidade dos paradigmas. Essa mudança não é
marcada pela racionalidade e objetividade porque as escolhas entre paradigmas
associam critérios objetivos e
subjetivos. A racionalidade das escolhas entre paradigmas é questionável porque é a
personalidade dos cientistas, os seus gostos, interesses e capacidade de influenciar
os pares a decidir em última instância. A comunidade científica não é orientada pelo
ideal de verdade nem pela racionalidade e objetividade. A ciência não progride,
unicamente muda, e essa evolução não é estritamente racional nem
completamente objetiva.

RESUMO DAS IDEIAS DE KUHN SOBRE A CIÊNCIA E A SUA EVOLUÇÃO


1.Não há atividade científica fora de uma comunidade de praticantes
(comunidade científica).

2. Não há comunidade científica sem a adoção consensual de um


paradigma pelos seus membros.

3.A atividade a que ao longo da história da ciência os cientistas


mais frequentemente se dedicam tem o nome de ciência
normal.

4. A longos períodos de ciência normal sucedem de vez em


quando episódios revolucionários a que se dá o nome de revoluções
científicas, ou seja, mudanças de paradigma.

5. Uma revolução científica traduz-se numa forma de ver o mundo


inteiramente nova e incompatível com a forma de ver o
TESES CENTRAIS mundo associada e determinada pelo paradigma anterior.

6. Sendo a expressão de formas incompatíveis de ver o mundo, os


paradigmas são incomensuráveis.

7. Sendo incomensuráveis, não há acima ou fora de cada


paradigma um critério ou medida comum que permita considerar
que um é mais verdadeiro do que outro ou que é um espelho mais
fiel da realidade.

8.Assim sendo, não se pode falar de progresso científico se por


este entendermos um progresso contínuo e cumulativo em
direção à verdade. Se pudermos falar de progresso, este é
descontínuo, feito de algumas ruturas ou descontinuidades, de
mudanças de paradigmas e não de transformação de um
paradigma noutro.

9.A substituição de um paradigma por outro não obedece a


critérios estritamente objetivos e racionais.
ESQUEMA DA EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA

A EVOLUÇÃO DA Pré-ciência --------- Ciência normal ----------Ciência extraordinária


CIÊNCIA -----------
- Revolução científica --------- Novo período de ciência normal …………….

1. Pré-ciência. Período marcado pela ausência de consenso, dado


não haver um paradigma partilhado.

2. Ciência normal. Período longo em que um paradigma – o


contexto intelectual e tecnológico da prática científica – dá unidade à
atividade dos praticantes de ciência. Os cientistas aplicam o paradigma
para determinar que problemas resolver e como os resolver e também
procuram ampliar o seu poder explicativo. Este período assume por
isso um caráter cumulativo resultante da invenção de
instrumentos mais potentes e eficazes, que possibilitam medições
mais exatas e precisas, não procurando o cientista a novidade
nem pôr em causa o paradigma.

3. Ciência extraordinária. Período de crise do paradigma vigente dado


que as anomalias a princípio detetadas e relativamente
desvalorizadas persistem e, dada a sua gravidade, ameaçam as bases
do paradigma. Não basta a existência de anomalias – o próprio
termo é significativo – para que o paradigma vigente entre em crise.
É necessário que as anomalias abalem a confiança no paradigma e
suscitem a constituição de paradigmas alternativos. Da união em
torno de um paradigma passamos à divisão. A crise pode ser
resolvida de duas maneiras: 1. Ou se reformula e reajusta o
paradigma continuando a trabalhar com ele; 2. Ou se abandona o
paradigma substituindo-o por um novo.

4. Revolução científica. Período em que se dá a mudança de


paradigma e a constituição de uma nova forma de ver o mundo
incompatível ou incomensurável com a anterior. A transição de um
paradigma para outro não é pois um processo cumulativo, mas
uma rutura e uma aposta nas potencialidades do novo paradigma.
Se não conseguir explicar melhor os fenómenos que derrotavam o
poder explicativo do anterior paradigma, o novo não triunfará.

5. Novo período de ciência normal. Estabelecida uma nova forma


de fazer ciência e dotados de um novo «mapa» para explorar e
investigar a natureza, os cientistas regressam a uma atividade
relativamente rotineira marcada pela preocupação em consolidar o
novo paradigma e em ampliar a sua aplicação.
A Não há um critério absoluto que permita medir ou aferir os
INCOMENSURABILIDADE méritos relativos de cada paradigma e decidir da sua maior ou
DOS PARADIGMAS menor verdade.

Enquanto nova forma de ver o mundo – nova mundivisão –, o


paradigma triunfante estabelece uma nova forma de fazer ciência,
definindo um novo conjunto de normas e de procedimentos, que
questões são legítimas, como é apropriado resolvê-las e mesmo um
entendimento diferente de conceitos anteriores. Mas o novo não
triunfa sobre o velho porque é objetivamente melhor. Na verdade,
os paradigmas são incomensuráveis: diferentes maneiras de ver o
mesmo mundo instalam os cientistas em mundos diferentes. Assim,
não pode haver uma forma objetiva, um critério neutro, exterior a
cada paradigma para dizer que, na passagem de um a outro, houve
um avanço em direção à verdade. A verdade é sempre relativa a
um paradigma, pelo que é impossível, dada a incomensurabilidade
dos paradigmas, determinar se um é mais verdadeiro ou melhor
do que outro.
A ESCOLHA ENTRE Não há nenhum argumento a priori – nenhum critério
PARADIGMAS objetivamente estabelecido – que em certa medida obrigue um
cientista a adotar um paradigma e não outro.

Apesar de Kuhn apresentar alguns critérios objetivos que podem


tornar um paradigma preferível a outro – simplicidade, fecundidade,
alcance e precisão explicativa –, a escolha entre paradigmas envolve
vários fatores (psicológicos e sociais). Assim, mesmo os critérios
objetivos são objeto de apreciação e de interpretação condicionadas
por gostos, convicções religiosas, etc. No caso do triunfo do
paradigma de Copérnico, por exemplo, houve cientistas que foram
atraídos pela sua simplicidade, outros que valorizaram a sua
capacidade explicativa e outros ainda que o rejeitaram por motivos
religiosos. Vários fatores – científicos e extracientíficos (gostos,
preferências religiosas, poder político e mesmo preconceitos) ‒
influenciam a escolha do novo paradigma.

Assim, a mudança de paradigma não obedece a critérios estritamente


racionais e objetivos.
Não há aproximação à verdade na evolução da ciência porque não podemos determinar se um
paradigma é superior a outro.

A ciência evolui, mas é muito discutível dizer que essa evolução se faz de forma estritamente
racional e objetiva.

Comparação entre Popper e Kuhn sobre a evolução da ciência

Temas Popper Kuhn

A verdade é a meta ideal da A comunidade científica muda de


investigação científica. As teorias paradigmas, mas não há forma
mais verosímeis são as que explicam objetiva de provar que a mudança é
melhor os factos, sugerem novas um crescimento do conhecimento
Verdade
experimentações e superaram testes em direção à verdade. A verdade é
em que as outras foram relativa a um paradigma, e por isso
derrotadas. nenhum é
«mais verosímil» do que outro.
Há progresso em ciência porque as Não há progresso em ciência, exceto
novas teorias, sobrevivendo a nos períodos de ciência normal. Na
Progresso ou testes rigorosos, eliminam os erros passagem de um paradigma a outro,
avanço da ciência das anteriores e assim aproximam-se não há forma de dizer que o novo
mais da verdade. A verosimilhança representa um maior avanço em
é o critério do progresso. direção à verdade.
O crescimento ou progresso do A mudança de paradigma não é
conhecimento é objetivo porque a determinada por critérios estritamente
nova teoria superou testes precisos objetivos, mas por uma combinação de
e rigorosos, confrontou-se com
fatores extracientíficos (psicológicos e
Objetividade observações tendentes a superá-las e
resistiu. Uma teoria está mais sociológicos) e científicos
próxima da verdade do que outra (caraterísticas das teorias – poder
quando tem um conteúdo empírico explicativo, alcance, simplicidade e
corroborado por mais factos e torna fecundidade).
compreensíveis mais fenómenos do
que outra teoria.
A aproximação à verdade que A evolução da ciência não é
carateriza a evolução da ciência é determinada por uma atitude de
Racionalidade marcada pela atitude racional traduzida vigilância crítica porque os cientistas
na vigilância crítica em relação às tendem a ignorar em muitos casos
teorias: nunca se pode dizer que as refutações de que um paradigma
deixaram de ser conjeturas e se é alvo. Na passagem de um
tornaram verdades. paradigma a outro, os fatores lógicos e
racionais são muitas vezes superados
por fatores subjetivos.

A ciência evolui e progride de forma A ciência evolui, mas é difícil falar de


racional e objetiva. progresso porque a sucessão de
paradigmas não acontece segundo
padrões estritamente racionais e
objetivos.
EXERCÍCIOS

1. Esclareça a noção de paradigma em Kuhn e mostre como, por seu intermédio,


nega o indutivismo e o falsificacionismo.
Um paradigma é uma forma de pensar e de agir no interior de uma dada
comunidade científica que corresponde a uma certa tradição no modo de entender e
de fazer ciência. Um paradigma é constituído:

1 – Pela teoria dominante e pelas leis que estão associadas a essa teoria. O
paradigma newtoniano, dominante durante vários séculos, incluía as leis do
movimento descobertas por Newton e que explicavam o movimento de vários corpos
desde os planetas às marés.

2 – Os instrumentos aprovados e julgados adequados à prática científica. O telescópio


e a forma de o usar faziam parte, juntamente com outros instrumentos, do
paradigma newtoniano.

3 – Uma conceção geral ou metafísica acerca da natureza da realidade. A


conceção metafísica dominante no seio do paradigma newtoniano era o
mecanicismo, a equiparação do mundo natural a uma máquina onde se dava um
jogo de forças regido pela causalidade e onde não havia lugar para uma visão
finalista ou teleológica da natureza.

4 – Prescrições e indicações metodológicas gerais. O paradigma newtoniano rejeitava


como fazendo parte da investigação científica a tentativa de descobrir as causas
últimas dos fenómenos da nossa experiência.

Este paradigma fornecia regras para resolver problemas e investigar a natureza, para
usar os instrumentos científicos disponíveis (como o telescópio) e para avaliar se as
explicações ou respostas obtidas eram boas.

A constituição de um paradigma instaura a comunidade dos sábios (para Kuhn, a ciência é obra de
comunidades científicas e não de génios isolados) e define, não só o meio de solucionar
os problemas, mas também os problemas que convém resolver.

Sem um paradigma, não podemos falar de comunidade científica nem, por isso,
de ciência. Assim, o que distingue a ciência da não ciência não é, como pensam
os indutivistas, o facto de as teorias científicas poderem ser verificadas ou, como
pensa Popper, o facto de poderem ser falsificadas. O critério de demarcação reside
no facto de existir ou não num determinado campo de investigação um
paradigma aceite pela generalidade dos seus praticantes.

2. Descreva a evolução da ciência segundo Kuhn, articulando as seguintes


noções:

‒ Paradigma.

‒ Ciência normal.

– Ciência extraordinária.

‒ Incomensurabilidade dos paradigmas.

‒ Progresso científico.

Um paradigma é um modo de fazer ciência, de valorizar a ciência e de conceber o


mundo. Uma disciplina que não possui um paradigma não tem direito ao título de
ciência. Segundo Kuhn, o conhecimento científico não evolui por acumulação de
verdades ou correção de erros, mas por revoluções científicas. No período de
ciência normal, o paradigma vigente é norma teórica e prática que não se discute
nem se tenta refutar. O que define em grande parte este período da evolução da
ciência é a resolução de puzzles. O comportamento do cientista é análogo ao de
um fazedor de puzzles que pretende encaixar uma peça num enquadramento
preexistente e conhecido nos seus aspetos gerais. A maior parte da história do
desenvolvimento da ciência consiste na resolução de problemas seguindo as regras
do paradigma reinante. No período da ciência normal, que não é um período de
apatia mas sim de acalmia, o insucesso na resolução de um problema é atribuído
mais a deficiências metodológicas do investigador do que a uma
insuficiência do paradigma reinante. O que provoca uma crise paradigmática e
um período de ciência extraordinária?
O paradigma em vigor não começa a ser contestado mal surgem anomalias. O
paradigma em vigor começa a ser contestado quando as anomalias não são
suprimidas e se vão acumulando em quantidade e qualidade, enfraquecendo os
fundamentos teóricos do paradigma.

A mudança de paradigma não é uma simples questão de acumulação de factos


resistentes ao paradigma. Quanto mais graves e persistentes forem, mais razões
para desconfiar do paradigma haverá e maior será a crise que o atinge. As anomalias
são factos polémicos que, pela sua persistência, acabam por abalar a confiança no
paradigma estabelecido e suscitar discussão no seio da comunidade científica de um
dado campo de investigação. Mas só passamos da crise paradigmática a um período
de ciência extraordinária quando são apresentados por membros da comunidade
científica um ou mais paradigmas alternativos.
Uma revolução científica corresponde ao abandono de um paradigma e à aceitação de
outro. Instaura-se uma nova forma de ver e não só de interpretar a natureza.
Há uma certa tonalidade religiosa nesta passagem porque se trata de uma aposta
baseada na fé nas virtualidades do novo paradigma que é completamente
incompatível com o anterior. O triunfo de um novo paradigma sobre o anterior não
se deve a razões inteiramente objetivas.

A mudança de paradigma deve-se, em parte, a fatores objetivos como


fecundidade, simplicidade, alcance, exatidão e consistência das novas propostas
teórico-práticas dos adversários do paradigma tradicional. Mas isso não implica
contudo que a mudança se faça de forma plenamente objetiva. Poderíamos pensar
que a razão da preferência é um critério objetivo: o novo paradigma resolve
problemas que o anterior não resolvia. Contudo, segundo Kuhn, não é isso que
acontece. O novo paradigma não resolve propriamente falando problemas que
ficaram por resolver porque enfrenta novos problemas e porque mesmo os
anteriores problemas são interpretados de modo diferente num contexto diferente.
Galileu, dentro do paradigma coperniciano, debateu-se com um
problema que não era o problema dos aristotélicos no interior do paradigma de
Ptolomeu. Saber porque dois corpos de peso diferente em queda livre demoram o
mesmo tempo a alcançar o solo não era um problema que existisse na teoria
aristotélico- ptolemaica pela simples razão, pensa Kuhn, de que não cabia no quadro
mental e teórico do paradigma aristotélico.

Então, o que decide a preferência pelo novo paradigma. Em última análise, fatores de
ordem subjetiva. Cada cientista interpreta à sua maneira os critérios objetivos
de preferência entre paradigmas e além disso não se devem esquecer fatores
sociológicos como o prestígio de um dado grupo de cientistas e interesses
económicos e sociais no advento de uma nova forma de ver o mundo.

Poderá falar-se assim de progresso científico? Esta perspetiva torna muito


problemático falar da sucessão de paradigmas como progresso em direção à
verdade. Não há, em termos estritamente objetivos, progresso científico por haver
mudança de paradigma. Só no interior de cada paradigma se pode falar de
progresso como acumulação e aperfeiçoamento de conhecimentos. Os paradigmas
são diferentes, mas não melhores nem piores de um ponto de vista objetivo. O novo
paradigma não é necessariamente uma melhor interpretação da realidade. E porquê?
Porque, segundo Kuhn, os paradigmas são incomensuráveis. Falam linguagens
diferentes, consideram relevantes problemas diferentes e veem de modo diferente
problemas semelhantes. Tudo isso torna impossível uma avaliação e uma escolha
objetiva dos paradigmas.

Não podemos, segundo Kuhn, dizer que um novo paradigma nos aproxima
objetivamente mais da verdade do que o anterior. Podemos pensar que sim, mas não
prová-lo de forma objetiva. As revoluções científicas são mudanças de paradigma e
nada mais. E isto por mais que pensemos que novas teorias que conhecemos – a
teoria eletromagnética de Maxwell e a teoria química de Lavoisier, por exemplo –
explicavam melhor (e assim estavam mais próximas da verdade) a propagação
das ondas eletromagnéticas e a combustão do que as teorias anteriores.
3.Para Kuhn, a atividade científica desenvolve-se no interior de comunidades de
seres humanos que seguem uma determinada teoria, um dado modo de ver o mundo e
certas práticas de investigação. Que ligação existe entre a natureza da atividade
científica e a resistência à mudança?

As mudanças historicamente assinaláveis no desenvolvimento da ciência não


são puramente teóricas – resultado da força e veracidade intrínseca de uma
teoria – nem objetivas. São influenciadas por fatores sociais, psicológicos e
políticos. Nenhum paradigma triunfa de forma objetiva. A mudança de paradigma e
a correlativa revolução científica resultam de uma aliança de fatores objetivos e
subjetivos. Devemos pois pensar o conhecimento científico como uma atividade que
se desenrola em comunidades de cientistas que aceitam um determinado modo de
ver a ciência e de a fazer, ou seja, uma tradição. Exemplos destas comunidades são a
comunidade dos biólogos que aceitam e aplicam a teoria da evolução de Darwin, a
comunidade dos astrónomos e cientistas que aceitam e usam as teorias de Newton
e de Einstein e a comunidade dos químicos que aceitam a teoria molecular. A
pessoa que decide ser cientista recebe um prolongado ensino destas teorias e das
formas de investigação típicas da comunidade científica em que se insere de acordo
com o seu campo de atividade. Esta tradição de investigação ou paradigma científico
inclui o modo de pensar e de agir. O cientista-aprendiz aprende as teorias básicas do
seu campo de investigação e os métodos apropriados para aplicar e ampliar essas
teorias básicas. Exemplos de paradigma são a teoria do átomo em química, a teoria
coperniciana de que a Terra e os planetas giram em torno do Sol em astronomia e a
teoria da evolução em biologia. Em cada um destes casos, a comunidade científica
aceita estas teorias fundamentais, usa-as como guia de investigação e tende a
manter-se fiel a elas mesmo quando algumas observações não são enquadráveis
nos seus quadros explicativos.

A ciência nem sempre se desenvolve de forma gradual, ao contrário do que


tendem a pensar os indutivistas e os falsificacionistas. Embora os cientistas tendam
a agarrar-se tenazmente à teoria paradigmática, quando muitas observações não são
explicáveis à luz do paradigma e abalam os seus fundamentos – isto é, quando há
demasiadas e graves
anomalias –, acontece uma crise. Alguns cientistas começam a repensar as suas
teorias, acabando por se formar uma nova teoria que dá conta das anomalias
persistentes. Pode dar-se então uma revolução científica. Alguns cientistas –
habitualmente os mais velhos e com mais estatuto e interesses a defender –
continuam fiéis às teorias anteriores, enquanto outros – habitualmente os mais
novos ‒ se tornam discípulos da nova teoria. Quando outros mais novos entram na
comunidade científica, aprendem a nova teoria que se tornará o novo paradigma da
ciência. Um novo paradigma dá-nos uma nova forma de ver o mundo, novas formas
de pensar, novos métodos e novos objetivos na investigação da natureza e do
mundo.

4.Por que razão, para Kuhn, um novo paradigma não representa necessariamente um
avanço em relação ao paradigma anterior? Está de acordo?

Kuhn responde que não há um critério independente de cada paradigma para avaliar
se a atividade científica progride em direção à verdade ou não. Em tempos de ciência
normal, podemos definir critérios que nos permitem ver se a utilização do
paradigma nos encaminha para a verdade ou não. Por que razão é isto possível?
Porque cada paradigma é também constituído pelos critérios que avaliam a
relevância dos problemas e das soluções propostas. Cada paradigma é avaliado
pelos seus próprios critérios de avaliação.

Em tempos de crise, poderíamos pensar que o paradigma em crise é avaliado


pelos critérios do paradigma emergente e que se concluiria objetivamente que o
novo paradigma resolve melhor certos problemas do que o paradigma contestado. O
novo paradigma resolveria problemas que o anterior não resolvia. Contudo, segundo
Kuhn, não é isso que acontece. O novo paradigma não resolve propriamente falando
problemas que ficaram por resolver porque enfrenta novos problemas e porque
mesmo os anteriores problemas são interpretados de modo diferente, num contexto
diferente. Galileu, dentro do paradigma coperniciano, debateu-se com um problema
que não era o problema dos aristotélicos no interior do paradigma de Ptolomeu.
Saber por que dois corpos de peso diferente em queda livre demoram o mesmo
tempo a alcançar o solo não era um
problema que existisse na teoria aristotélico-ptolemaica pela simples razão, pensa
Kuhn, de que não cabia no quadro mental e teórico do paradigma aristotélico.

Cada paradigma define que problemas devem ser investigados, como devem sê-lo e
como aferir os resultados. Por isso, não herda necessariamente os problemas do
paradigma anterior.

Esta perspetiva torna muito problemático falar da sucessão de paradigmas como


progresso em direção à verdade. Não podemos, segundo Kuhn, dizer que um
novo paradigma nos aproxima objetivamente mais da verdade do que o anterior.
Podemos pensar que sim, mas não prová-lo de forma objetiva. As revoluções
científicas são mudanças de paradigma e nada mais. E isto por mais que pensemos
que novas teorias que conhecemos – a teoria eletromagnética de Maxwell e a teoria
química de Lavoisier, por exemplo – explicavam melhor (e assim estavam mais
próximas da verdade) a propagação das ondas eletromagnéticas e a combustão do
que as teorias anteriores. As conclusões de Kuhn parecem demasiado relativistas e
céticas. O facto de os cientistas não serem orientados pelo ideal de verdade e de
não haver verdades objetivas parece demasiado perigoso e convidar-nos a
desvalorizar uma atividade cujo valor para a humanidade se mede pelo muito que lhe
devemos em diversos campos. Um dos grandes problemas que a perspetiva de
Kuhn nos deixa é o de como justificar o combate a crenças falsas e prejudiciais.
Sabe-se que muitos sul-africanos infetados com o vírus da SIDA julgam benéfico
para a sua saúde ter relações sexuais com jovens adolescentes saudáveis. Esta
crença é objetivamente falsa, porque a propagação do vírus da SIDA a desmente
tragicamente. Ora, Kuhn não parece dar-nos instrumentos objetivos para refutar esta
crença. Porquê? Porque, se no interior da ciência não podemos objetivamente
justificar que uma teoria é melhor do que outra, então como mostrar que o
conhecimento científico é superior a certas crenças de senso comum culturalmente
estabelecidas?
5. Distinga ciência normal de ciência extraordinária.
A ciência normal é uma expressão que em Kuhn designa os momentos da
história da ciência em que não há crises paradigmáticas, revoluções ou mudanças de
paradigma. Não se questiona o paradigma reinante e há a tendência para
desvalorizar evidências factuais que nele não encaixam. Os cientistas resolvem,
na expressão de Kuhn, puzzles. Isto significa que cada nova peça – cada novo
problema – já tem uma forma preestabelecida de ser resolvido, tal como num
puzzle uma peça solta já tem um enquadramento e um lugar atribuídos. É um
período de concórdia generalizada. A ciência extraordinária designa um período de
crise provocado por anomalias não explicáveis pelo paradigma existente e que
podem provocar uma revolução científica, ou seja, uma mudança de paradigma, caso
os cientistas abandonem o anterior e prefiram uma das teorias propostas para o
substituir. A ciência normal é um período de «paz científica» relativa, e a ciência
extraordinária é um período de discussão do paradigma vigente em que diminui
a confiança neste e surgem novas propostas paradigmáticas. Durante muitos
séculos, o paradigma aristotélico-ptolemaico reinou de forma relativamente pacífica.
A partir da obra póstuma de Copérnico sobre as órbitas dos planetas, entrou-se
num período de ciência extraordinária com debates acesos entre opositores e
adeptos do paradigma geocentrista. Esforços e sacrifícios foram postos ao serviço
da nova causa de forma dramática, como é ilustrado pelo famoso caso Galileu. A
instauração de um novo paradigma dá origem a uma nova forma de ver o
mundo, a novos modos de pensar e a novos objetivos e métodos para a atividade
científica. Instaurado um novo paradigma, segue-se um novo período de ciência
normal em que aquele é promovido e consolidado no seio da comunidade científica.

6. Por que razão é, para Kuhn, importante salientar que a atividade científica se
desenvolve no interior de comunidades de seres humanos que seguem determinadas
teorias, modos de ver o mundo e práticas de investigação?

É importante salientar este aspeto para percebermos que as mudanças


historicamente assinaláveis no desenvolvimento da ciência não são puramente
teóricas – resultado da força e veracidade intrínseca de uma teoria – nem objetivas.
São influenciadas por fatores
sociais, psicológicos e políticos. Nenhum paradigma triunfa de forma objetiva. A
mudança de paradigma e a correlativa revolução científica resultam de uma aliança
de fatores objetivos e subjetivos. Devemos pois pensar o conhecimento científico
como uma atividade que se desenrola em comunidades de cientistas que aceitam
um determinado modo de ver a ciência e de a fazer, ou seja, uma tradição. Exemplos
destas comunidades são a comunidade dos biólogos que aceitam e aplicam a teoria
da evolução de Darwin, a comunidade dos astrónomos e cientistas que aceitam e
usam as teorias de Newton e de Einstein e a comunidade dos químicos que
aceitam a teoria molecular. A pessoa que decide ser cientista recebe um
prolongado ensino destas teorias e das formas de investigação típicas da
comunidade científica em que se insere de acordo com o seu campo de atividade.
Esta tradição de investigação ou paradigma científico inclui o modo de pensar e de
agir. O cientista-aprendiz aprende as teorias básicas do seu campo de
investigação e os métodos apropriados para aplicar e ampliar essas teorias
básicas. Exemplos de paradigma são a teoria do átomo em química, a teoria
coperniciana de que a Terra e os planetas giram em torno do Sol em astronomia e
a teoria da evolução em biologia. Em cada um destes casos, a comunidade
científica aceita estas teorias fundamentais, usa-as como guia de investigação e
tende a manter-se fiel a elas, mesmo quando algumas observações não são
enquadráveis nos seus quadros explicativos.

A ciência nem sempre se desenvolve de forma gradual, ao contrário do que


tendem a pensar os indutivistas e os falsificacionistas. Embora os cientistas tendam
a agarrar-se tenazmente à teoria paradigmática, quando muitas observações não são
explicáveis à luz do paradigma – isto é, quando há demasiadas anomalias –, acontece
uma crise. Alguns cientistas começam a repensar as suas teorias, acabando por se
formar uma nova teoria que dá conta das anomalias persistentes. Dá-se então uma
revolução científica. Alguns cientistas – habitualmente os mais velhos e com mais
estatuto e interesses a defender – continuam fiéis às teorias anteriores, enquanto
outros – habitualmente os mais novos ‒ se tornam discípulos da nova teoria.
Quando outros mais novos entram na comunidade científica, aprendem a nova
teoria que se tornará o novo paradigma da ciência. Um novo
paradigma dá-nos uma nova forma de ver o mundo, novas formas de pensar,
novos métodos e novos objetivos na investigação da natureza e do mundo.

7.Segundo Kuhn, o melhor critério para distinguir ciência de pseudociência é


este: é verdade científica o que a comunidade dos cientistas considera verdade
científica. Como ele próprio diz: «Que melhor critério do que é ou não científico do
que a decisão do grupo dos cientistas?».

Está de acordo? É um critério aceitável?

Parece que não. O que significa esta tese de Kuhn? Que uma teoria é científica e
não pseudocientífica se for consistente com as teorias que prevalecem no
interior da comunidade dos cientistas. Contudo, podemos perguntar se não é
possível a um qualquer grupo reclamar que é uma comunidade científica. Assim, por
exemplo, a Sociedade de Investigação Internacional da Terra Plana pode reclamar ser
um grupo de cientistas que visam estabelecer como facto científico que a Terra é
plana e que a astronomia moderna não é senão uma fraude, um mito. Como
distinguir então a verdadeira ciência da pseudociência? Kuhn apresenta cinco
critérios que, independentemente das preferências pessoais dos cientistas, separam
uma boa teoria científica do que não o é. Esses critérios são:

1 ‒ A exatidão – Este critério exprime o acordo entre as previsões das teorias


fundamentais que compõem o paradigma e os resultados do trabalho experimental
dos cientistas. É um critério decisivo.

2 – A consistência – Exprime a compatibilidade das teorias fundamentais do


paradigma com outras teorias relativamente conhecidas e aceites pela
comunidade científica.

3 – A amplitude – Exprime o alcance das teorias fundamentais que compõem o


paradigma e a sua capacidade de abranger o maior número possível de fenómenos
dentro do quadro do paradigma.
4 – A simplicidade – Um paradigma é tanto mais simples quanto menor o número de
leis a que faz apelo para explicar os fenómenos e quanto maior o número de
fenómenos que essas leis conseguem explicar.

5 – Fecundidade – Exprime a capacidade do paradigma ou de alguma das suas


teorias fundamentais possibilitar novas descobertas científicas.

Estes critérios são em grande parte racionais, não são estabelecidos pela
experiência, o que revela, apesar de tudo, que a ciência é uma empresa racional.

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