Lavalle - As Dimensões Constitutivas Do Espaço Publico
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RESUMO
ABSTRACT
*
Professor do Departamento de Política da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo PUC-SP; Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
CEBRAP.
Gurza Lavalle A. “As dimensões constitutivas do espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 2
lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
1. Introdução
“Não dar novos nomes às coisas velhas nem dar nomes velhos às
coisas novas.” Com essa idéia surpreendente, porque singela e
profunda, Gaston Bachelard gostava de definir o desafio das
ciências humanas. Contudo, em se tratando de certos “objetos
difusos”, é difícil que as mais robustas intenções do observador
não empalideçam a especificidade daquilo que motiva seu ofício de
interrogar. Há nomes velhos indispensáveis, a despeito da
ambigüidade deixada neles por longa história de alargamentos de
seus sentidos originais talvez apenas acessíveis mediante
esmerado esforço de reconstrução filológica ou de “arqueologia”
conceitual.1 Esse é o caso da diversidade de campos semânticos e
problemas disciplinares perpassados pela categoria “público”, cujo
estabelecimento textual definitivo chegara ao pensamento cristão
ocidental cristalizado no corpus iuris da Antigüidade clássica.
Parece óbvio que a configuração histórica do público e de sua
contrapartida, o privado, difere de forma considerável na Grécia e
em Roma antigas com respeito a suas características modernas;
todavia, a configuração da antigüidade clássica fora estilizada e
preservada no legado da filosofia moderna e contemporânea enquanto
modelo canônico das feições desejáveis e “autênticas” da política
1
Não é fortuito, diga-se de passagem, que o trabalho de Jürgen Habermas sobre as
transformações estruturais da publicidade burguesa tenha sido intitulado, na
tradução francesa: L’espace public: Archéologie de la publicité comme dimension
constitutive de la société bourgeoise.
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Gurza Lavalle A. “As dimensões constitutivas do espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 3
lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
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O afamado diagnóstico da filósofa acerca do papel dos interesses materiais como
fulcro da política no mundo moderno, emperrando qualquer possibilidade de
construção republicana do espaço público como dimensão da vida social onde
efetivamente é elaborado o bem comum, fundamenta-se em modelo normativo de ambos
da política e do espaço público. Tal modelo provém de uma reconstrução erudita
e estilizada da polis grega e da república romana . Trata-se, é claro, do
diagnóstico desenvolvido no seu influente trabalho: A condição humana (1958:
especialmente 37-82).
3
Entende-se por modelos genéticos não normativos do espaço público os esforços
analíticos dedicados à reconstrução da gênese e do espaço público moderno qua
produto da modernidade, quer dizer, do alastramento do mercado, da
metropolização, da ilustração e suas instituições sociais, da emergência do
individualismo e de uma subjetividade ancorada na moral, do nascimento do mercado
editorial e da inerente aparição de um público de leitores, bem como da expansão
da família nuclear burguesa, para mencionar apenas alguns dos fatores examinados
em obras seminais como as de Reinhart Koselleck (1959), Jürgen Habermas (1962),
Richard Sennett (1977).
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Gurza Lavalle A. “As dimensões constitutivas do espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 4
lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
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Utiliza-se a idéia de campo lato sensu, mas em clara sintonia com a sociologia
de Pierre Bourdieu (campus), isto é, como estrutura intra-referencial organizada
em torno da disputa de alguma modalidade de capital simbólico (Bourdieu, 1984:
135-142)
5
Por exemplo, no francês a opção privilegiada costuma ser “espaço público”,
enquanto no inglês estabilizou-se o termo esfera pública. No português e no
castelhano as opções de tradução dependem em boa medida da inserção dos
tradutores ou editores nos circuitos acadêmicos anglo-saxônico ou galo.
4
Gurza Lavalle A. “As dimensões constitutivas do espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 5
lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
6
A opção “publicidade” é usualmente evitada devido a resemantização desse
vocábulo ao longo do século XX, graças à qual perdeu o sentido mais geral de
“estatuto das coisas públicas” a forma como se produz seu caráter público e o
significado desse caráter , restringindo seu campo de significados ao apelo
comercial (Domènech 1981: 22).
7
Análise detalhada dos mal-entendidos gerados por opções de tradução
insuficientemente acuradas em relação à categoria Öffentlichkeit foi desenvolvida
alhures (Gurza Lavalle 2004).
8
A epistemologia de Hugo Zemelman, preocupada coma apreensão do novo e com a
reformulação crítica da teoria tem desenvolvido amplamente os efeitos de ruptura
epistemológica produzidos por abordagens pre-teóricas (ver Zemelman, 1987: 53-85;
1993: 183-195; Valencia e Flores, 1987: 148 e ss.). De outras perspectivas
analíticas, as potencialidades heurísticas de indagações pre-teóricas, que adiam
a tentação de explicar fenômenos conforme cânones conceituais estabelecidos,
5
Gurza Lavalle A. “As dimensões constitutivas do espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 6
lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
também têm sido exploradas por autores como Alfredo Gutierrez Gómez (1996) e
Edgar Morin (1994).
9
Do ponto de vista da filosofia da linguagem, conforme aponta Luis Villoro, “A
filosofia tem consistido sempre no exame dos conceitos a partir dos seus
múltiplos usos na linguagem ordinária. [...] Onde é possível iniciar a busca
incessante de clareza e distinções é no riquíssimo mundo do pensamento humano
ordinário, quer dizer, tal e como se exprime a linguagem comum. [...] Embora
parta dos usos comuns da linguagem, a análise conceitual conduz assim a uma
reforma da linguagem.” (Villoro, 1992: 22-23). Para um exemplo extremamente bem
sucedido, já clássico até, de filosofia da linguagem no campo da filosofia
política, ver a obra de Hanna Pitkin sobre O conceito de representação (1967).
10
A pesquisa original responsável pelos resultados aqui apresentados foi
realizada no marco de uma empreitada analítica maior (Gurza Lavalle, 1998), e,
por isso, permaneceram até agora à espera de sistematização e análise criteriosa.
6
Gurza Lavalle A. “As dimensões constitutivas do espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 7
lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
11
Para abordagens que lançam mão da ambigüidade semântica com o propósito de
problematizar a configuração do espaço público, ver os trabalhos de Graciela
Soriano de García-Pelayo (1996: 27-62), Nora Rabotnikof (1995: 1-12) Geoges Duby
(1991: 19 e ss).
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Gurza Lavalle A. “As dimensões constitutivas do espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 8
lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
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Trata-se, para dizê-lo com Habermas (1962: 53-64), da emergência do espaço
público burguês ou publicidade burguesa , povoado por livres proprietários.
Para o registro histórico de vocábulos “publicana” e “publique” ver Alonso Martín
(1988: 3433-3434).
13
Conforme o dicionário de E. A. Andrews, Charlton T. Lewis, et. al. (1907:
1485).
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Gurza Lavalle A. “As dimensões constitutivas do espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 9
lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
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Aqui serão apresentados apenas os resultados finais da análise. Omitem-se
quaisquer considerações acerca do vagaroso processo de tentativa e erro para a
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lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
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lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
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lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
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A doutrina social da igreja, atualizada em registro conservador pela encíclica
Centesimus annus, de João Paulo II (1991), deu o nome de “antropológica” à
primeira forma de propriedade; isto é, decorrente da afirmação do homem, da
necessidade humana de se apropriar do mundo para transformá-lo. Tal formulação,
é claro, mantém como ano de fundo a refutação da crítica marxista à propriedade.
Contudo, em Marx a crítica visa a propriedade burguesa, isto é, a modalidade de
propriedade privada característica da segunda dimensão analisada acima: “O traço
distintivo do comunismo não é a abolição da propriedade em geral, mas a abolição
da propriedade burguesa [...] A propriedade bem adquirida, fruto do trabalho, do
esforço pessoal! Essa forma de propriedade que precede a propriedade burguesa?
Não temos que aboli-la: o progresso da industria tem-na abolido e está a aboli-la
todo dia”. (Marx, 1848: 74-75).
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Gurza Lavalle A. “As dimensões constitutivas do espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 13
lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
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Gurza Lavalle A. “As dimensões constitutivas do espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 14
lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
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Gurza Lavalle A. “As dimensões constitutivas do espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 15
lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
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Ver a esse respeito, por exemplo, as formulações de Georges Duby (1991: 19-
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Gurza Lavalle A. “As dimensões constitutivas do espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 16
lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
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Gurza Lavalle A. “As dimensões constitutivas do espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 17
lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
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Balanços acerca da evolução e estado do campo de estudos da comunicação
política podem ser consultados nas obreas organizadoas por Gilles Gauthier, André
Gosselin e Jean Mouchon (1995), e Jean-Marc Ferry, Dominique Wolton, et al (1989)
19
A entrevista concedida por Nora Rabotnikof (1996: 30-35) a Antonella Attili
apresenta especificação particularmente clara dos sentidos do “público”
trabalhados pela filósofa, embora a abordagem tenha sido desenvolvida com maior
detalhe no seu trabalho mais relevante acerca da configuração do público no mundo
moderno (Rabotnikof, 1995: 1-23).
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Gurza Lavalle A. “As dimensões constitutivas do espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 18
lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
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lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
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Analise de outros modelos genéticos do espaço público Koselleck, Arendt e
Sennett , e de algumas teorizações contemporâneas como a de Luhmann o a aquelas
desenvolvidas na vertente da comunicação política, pode ser consultada nos
trabalhos de Rabotnikof (1995) e Gurza Lavalle (2001).
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Gurza Lavalle A. “As dimensões constitutivas do espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 20
lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
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Note-se que o conjunto de tendências enunciadas diz respeito à emergência do
social, pelo que outras grandes transformações em curso não aparecem no elenco
notadamente, a centralização do poder político, a emergência de instituições
políticas modernas e a consolidação do Estado aspectos, aliás, nevrálgicos na
perspectiva de Koselleck. O surgimento do social também gerou transformações no
âmbito privado-doméstico, agora simbolizado pela lógica da intimidade. Para as
mudanças que redefiniram a geografia do público e do privado no plano da
intimidade e da moralidade, analisadas a partir de um de seus componentes mais
clausurados o corpo , ver o trabalho de Emanuele Amodio (1996: 169-201).
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A esse respeito ver, por exemplo, a crítica de Thompson (1995: 109-121) ao papel
dos meios de comunicação no modelo hebermasiano do espaço público.
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lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
4. À Guisa de Conclusão
Cabe agora fixar, à guisa de conclusão, os contornos
sociológicos das dimensões constitutivas do espaço público. Optou-
se pelo o termo “dimensão” porque preserva vínculos analógicos com
a idéia do espaço público e, sobretudo, porque simultaneamente
23
Na sua afamada teoria da ação comunicativa, em dois volumes, o autor dedica
apenas algumas considerações marginais ao papel da mídia (Habermas, 1982: 551-
554). No que diz respeito à dimensão do político, ela só foi resgatada
propriamente em 1992, quando da aplicação da sua teoria discursiva ao Estado de
direito (Facticidade e validade). Para uma análise da evolução categorial do
espaço público ao longo de três décadas (1962-1992) no programa de pesquisa do
autor, ver Gurza Lavalle (2004); para uma análise mais abrangente do próprio
programa de pesquisa nesse periodo, ver Gurza Lavalle (1997). Os custos de tal
percurso em termos da perda de capacidade crítica foram frisados por John Keane
(1984: 214, 228-34) e por Antoni Domènech (1981: 26).
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lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
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Gurza Lavalle A. “As dimensões constitutivas do espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 23
lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
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Gurza Lavalle A. “As dimensões constitutivas do espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 24
lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
Bibliografia
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Gurza Lavalle A. “As dimensões constitutivas do espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 25
lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
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Gurza Lavalle A. “As dimensões constitutivas do espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 26
lidar com a teoria”. Espaço & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.
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