Angustia-Graciliano Ramos - SP - V2 PDF
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Laboratorio
de Literatura
Jairo Soares
By Adriano Chan
1- APRESENTAÇÃO E SINOPSE
Angústia, de Graciliano Ramos, foi publicado em 1936, inserindo-se historicamente
na chamada Segunda Fase do Modernismo brasileiro (1930-1945). A prosa deste período
literário se desenvolve, basicamente, em duas vertentes que não raro se cruzam. De um
lado, a literatura engajada, preocupada com os graves problemas históricos e sociais do
Brasil, caracterizada principalmente pelo chamado Ciclo Regionalista Nordestino. De outro
lado, a chamada literatura de análise psicológica, bem menos privilegiada pela crítica e pelo
público da época, bem como pelos materiais didáticos das escolas brasileiras, mas nem
por isso menos relevante. Apesar de esquematicamente catalogado entre os chamados
autores sociais nordestinos, Graciliano Ramos vai muito além, como esclareceram os crí-
ticos Antonio Candido e Aderaldo Castelo: “É importante considerar, na obra de Graciliano
Ramos, que o social não prevalece sobre o psicológico, embora não saia diminuído. O que
ela investiga é o homem nas suas ligações com uma determinada matriz regional, mas
focalizado principalmente no drama irreproduzível de cada destino”.
É bem o caso do livro que vamos estudar. Angústia, a obra-prima de “investigação
psicológica” do autor, é, de fato, um brilhante mergulho na interioridade do protagonista
narrador, mas não deixa de considerar o peso das pressões históricas e sociais sobre a
psique humana. O livro narra de modo magistral a história de Luís da Silva, descendente
de uma família decadente de senhores de engenho, que luta para vencer a miséria e con-
seguir uma medíocre estabilidade econômica. O frágil equilíbrio dos seus mundos interior
e exterior é desfeito após se enredar em um triângulo amoroso envolvendo uma vizinha,
Marina, moça fútil e interesseira, e Julião Tavares, rapaz rico e sedutor. A partir daí, Luís da
Silva é arrastado tragicamente para um desfecho que o coloca em uma situação de extrema
angústia. Contar a sua história é a maneira que ele encontra de entender o ato que cometeu
e de tentar purgar-se dele.
2- RESUMO DA OBRA
Levantei-me há trinta dias, mas algumas sombras de visões ainda me perseguem.
Os vagabundos na rua me amedrontam. Nas livrarias, julgo ver expostos os rostos dos
autores no lugar dos livros, como se estivessem se prostituindo. Minhas mãos tremem. Na
repartição, não consigo trabalhar; a cara balofa de Julião Tavares está sempre por cima
dos originais na máquina de datilografar. Em casa, tento escrever um artigo para o jornal
enquanto Vitória resmunga na cozinha, mas o tempo passa e só faço rabiscar o nome de
Marina e combinações de letras do seu nome: mar, rima, arma, ira. Traço rabiscos pelo
papel enquanto divago. Penso nos políticos e comerciantes ricos, gente besta que me faz
encolher. Não consigo pagar o aluguel ao monstro do Dr. Gouveia, nem as outras dívidas.
E sempre a imagem daquela coisa amarela, balofa, que é a cara de Julião Tavares. Enfim,
tudo se mistura de repente, minha mão se imobiliza sobre o papel, a tinta da caneta faz um
borrão, e as imagens desaparecem, fico vazio.
Não agüento mais esta vida monótona da repartição. Quando chega minha hora,
tomo o bonde e a imaginação viaja. Penso no meu cadáver amarelo, magérrimo, no meu
enterro. Tais imagens sempre lembram Julião Tavares. Olho para a rua; do lado direito,
casas de gente rica, do esquerdo, mar e navios. Há quinze anos, morava na pensão de
estudantes de D. Aurora, o meu quarto cheirava a gás, meu companheiro Dagoberto espa-
lhava os ossos sobre a cama para estudar anatomia. No fim da linha, o bonde topa com a
Angústia não conta propriamente uma história; antes, constrói uma personali-
dade estranha e singular, cujo desenho ocupa a atenção central do romancista. Sendo
personagem-narrador, a singularidade de Luís da Silva projeta-se toda no texto, atribuin-
do-lhe a condição de reflexo de uma ficção. Assim, o texto tanto pode ser pensado como
imagem virtual de uma psicologia imaginária quanto a configuração real de palavras de
onde emerge o desenho hipotético da mente que a teria gerado. Em outros termos, o nar-
rador do romance deixa-se interpretar como um escritor fictício cujo romance simula a
vida de quem o escreve.
Talvez se pudesse pensar também em Angústia como problematização ficcional
da noção de crime, pois o leitor não deseja a punição de Luís da Silva, embora o consi-
dere criminoso. Paralelamente, o romance inventa os mecanismos subjetivos que levam o
assassino a justificar intelectualmente o crime, pormenor que aproxima Angústia de sua
fonte internacional, Crime e Castigo, de Dostoievski. Perante a consciência do protagonista,
o assassinato impôs-se como espécie subjetiva de legítima defesa. Caso não agisse, é pos-
sível que morresse, pois o ódio acabaria por corroer seu sistema nervoso. Nesse sentido,
o crime o livrou da inércia que o conduziria à morte, impulsionando-o à realização de um
antigo sonho, escrever um livro. A conquista do ideal artístico acaba por garantir a simpatia
do leitor, entendido como categoria inclusa à ficcionalidade do romance.
Além disso, o narrador se apresenta como vítima de um grande amor interrom-
pido. Todavia, terminada a leitura, surge hipótese desfavorável a ele: não será um crimi-
noso vulgar, que, para legitimar o crime e obter a absolvição ideal do leitor, desclassifica o
1 Seria mais correto falar em passado remoto e passado próximo, uma vez que os fatos envolvendo Marina e Julião Tavares
iniciaram cerca de um ano antes do início da escritura da história por Luís Pereira da Silva. No início da narrativa, ele afirma:
“levantei-me há cerca de trinta dias”, uma referência óbvia à prostração que o leva ao delírio, narrada ao final do livro. Depois
das primeiras páginas introdutórias, quando começará a contar sua história trágica com Marina, ele declara: “Em janeiro do
ano passado, estava eu uma tarde no quintal, (...)”. Portanto as lembranças familiares do tempo de menino, suas andanças
pelas fazendas do interior, a miséria extrema na capital antes de arrumar emprego fixo pertenceriam ao passado remoto;
já a história com Marina e Julião pertenceria ao passado próximo. Mas preferimos aqui referir-nos a este último como
presente, já que os fatos dele narrados são ainda determinantes do estado de angústia em que permanece o narrador .
2 Luís da Silva é um personagem típico da literatura brasileira, que o crítico e poeta José Paulo Paes definiu como o
“pobre diabo”: proveniente de uma família que teve alguma importância ou tradição, mas foi vitimada pela decadência,
agarrado ao serviço público como forma de evitar a pobreza proletária, sem capacidade de opor resistência interior à
força da realidade, mesmo quando tenta se ensimesmar para fugir do mundo, enfim, um fracassado. O escritor Mário de
Andrade observou, na geração a que pertenceu Graciliano Ramos, a recorrência desse herói “desfibrado, incompetente
para viver, e que não consegue opor elemento pessoal algum, nenhum traço de caráter, nenhum músculo como nenhum
ideal, contra a vida ambiente”. Outro exemplo de “pobre diabo”, talvez mais adequado que Luís da Silva, é o Belmiro Borba
de O amanuense Belmiro, livro de Cyro dos Anjos, uma vez que neste último personagem não há a força trágica que traz
interesse à história de Luís da Silva.
7- A LINGUAGEM DA CONFISSÃO
A narrativa de Luís da Silva é apresentada ao leitor como uma confissão, uma
purgação com a intenção de reencontrar uma mínima segurança existencial, que parece
definitivamente perdida após o crime por ele cometido. O narrador conta sua história por
escrito porque lhe parece impossível uma comunicação direta satisfatória com outro ser
humano. Mesmo com seus amigos próximos (Moisés e Pimentel), o diálogo praticamente
inexiste, é entrecortado, previsível, às vezes chega a aborrecer. Qual a linguagem empre-
gada, então, por Luís da Silva, para ir desvendando ao leitor o seu atormentado mundo
interior, recuperando o seu passado, desenvolvendo a trágica história de sua ligação com
Marina até chegar ao clímax do assassinato de Julião Tavares?
É uma linguagem fragmentária, de períodos e frases curtas que vão se super-
pondo de maneira aparentemente caótica, de modo que fique patente para o leitor a con-
fusão psíquica em que ele vive e escreve. A linguagem empregada consegue dar conta
também de um interessante contraste: enquanto a ação propriamente dita do enredo é
lenta, cheia de detalhes e desvios, por conta da multiplicidade de registros da memória e
reflexões do narrador que vão sendo intercalados nos acontecimentos relatados, a ação
A transição entre o agora e o outrora se faz o mais das vezes por meio da metonímia, como nas
fusões cinematográficas: um objeto, uma pessoa ou uma palavra que faça lembrar a Luís da
Silva determinada passagem da sua infância desencadeia de pronto o processo rememorativo.
angústia. [Do lat. angustia.] S. f. 1. Estreiteza, limite, redução, restrição: angústia de espaço, angús-
tia de tempo. 2. Ansiedade ou aflição intensa; ânsia, agonia. 3. Sofrimento, tormento, tribulação:
A triste revelação acarretou o agravamento de suas angústias. 4. Hist. Filos. Segundo Kierkegaard
[v. kierkegaardiano], determinação que revela a condição espiritual do homem, caso se manifeste
psicologicamente de maneira ambígua e o desperte para a possibilidade de ser livre. 5. Hist. Filos.
Segundo Heidegger [v. heideggeriano], disposição afetiva pela qual se revela ao homem o nada
absoluto sobre o qual se configura a existência [q. v.]. [Cf. angustia, do v. angustiar.]
3 É claro que estas imagens revelam, também, a progressiva obsessão de Luís da Silva com a idéia de matar Julião Tavares,
mas isto não invalida o modo como interpretamos sua recorrência na narrativa.
4 A este respeito, veja o comentário anterior que fizemos sobre o expressionismo empregado na descrição dos espaços,
o que é notável, também, na caracterização dos personagens. Como exemplo, a figura balofa e a voz pastosa de Julião
Tavares. Ou a mulher grávida que Luís da Silva quase atropela na rua.
5 Veja o que afirma o crítico Massaud Moisés: “Voltemos, pois, as nossas vistas para o panorama todo de sua vida, desde
a infância até ao conhecimento de Marina. O passado, com o cortejo de sensações que se fixam na alma da criança e
do adolescente em forma de recalques e complexos, vai estourar com o peso de enorme carga mais tarde, quando, já
adulto, o indivíduo reúne todas as suas energias para um ato decisivo. Nessa chamada aflitiva dos recursos potenciais
está, desgraçadamente, a fagulha que acende o estopim dos recalques e complexos. Despertos esses, de pronto o homem
perde o controle de suas faculdades e transforma-se em títere dessas forças imponderáveis. É o caso de Luís da Silva.
9- O AUTOR
Graciliano Ramos nasceu em Alagoas em 1892, descendente de uma família de
fazendeiros e de pai comerciante. Passou a infância pelo interior de Alagoas e Pernambuco.
Foi estudar em Maceió, mas deixou os estudos e mudou-se para Palmeira dos Índios. Após um
período em que tentou a sorte no Rio de Janeiro, retornou a esta cidade alagoana, onde che-
gou a ser prefeito; Palmeira dos Índios foi o cenário de seu primeiro romance, Caetés (1933).
Mais tarde, exerceu o cargo de diretor da Imprensa Oficial do Estado em Maceió (1933-1936),
10- BIBLIOGRAFIA
• BRAYNER, Sônia (org.). Graciliano Ramos - Coleção Fortuna Crítica - v. 2. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1978. (Em especial os ensaios “A gênese do crime em Angústia,
de Graciliano Ramos”, de Massaud Moisés; “Graciliano Ramos e o romance trágico”, de
Sonia Brayner.)
• CANDIDO, Antonio, e CASTELO, J. Aderaldo, Presença da Literatura Brasileira –
Modernismo. São Paulo, Rio de Janeiro: Difel, 1979.
• CARVALHO, Lúcia Helena. A ponta do novelo (uma interpretação de Angústia, de Graciliano
Ramos) - Coleção Ensaios. São Paulo: Ática, 1983.
• PAES, José Paulo. “O pobre diabo no romance brasileiro”, in Novos Estudos – CEBRAP – nº
20, São Paulo, março de 1998, pp. 38-53.
• RAMOS, Graciliano. Angústia. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 1979.
• TEIXEIRA, Ivan. “Angústia, uma teoria do romance de Graciliano”, in O Estado de S. Paulo,
Caderno 2 / Cultura, 10.09.2000.
• HOLANDA FERREIRA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
12- EXERCÍCIOS
(Fuvest-SP) Textos para as questões de 1 a 3:
1- (Unimep-SP) “Nas redações, na repartição, no bonde, eu era um trouxa, um infeliz, amarrado. Mas
ali, na estrada deserta,
Os textos (Julião
literários Tavares)
são obras voltar-me as costas
de discurso, a quecomo
falta aaum cachorro
imediata sem clientes! Não.
referencialidade da
Donde vinha aquela grandeza? Por que aquela segurança? Eu era um homem. Ali
linguagem corrente; poéticos, abolem, “destroem” o mundo circundante, cotidiano, eu era um graças
homem...
à
Afunção
obsessão ia desaparecer.”
irrealizante da imaginação que os constrói. E prendem-nos na teia de sua linguagem, a
que devem
Esse o poder
fragmento de apelodeestético
de Angústia, queRamos,
Graciliano nos enleia;
revelaseduz-nos
um traço ofundamental
mundo outro,
da irreal,
obra: neles
configurado (...). No entanto, da adesão a esse “mundo de papel”, quando retornamos ao real,
a) Luísexperiência,
nossa da Silva afirma-se através
ampliada da ideiapela
e renovada fixaexperiência
de destruir seu rival,àJulião
da obra, luz doTavares.
que nos revelou,
b) Luís da Silva tem a esperança de reconquistar Marina.
possibilita redescobri-lo, sentindo-o e pensando-o de maneira diferente e nova. A ilusão, a
c) Luís da
mentira, Silva revela-se
o fingimento em sua
da ficção, frustração
aclara o real agressiva.
ao desligar-se dele, transfigurando-o; e aclara-o
d) A personagem
já pelo insight que lamenta seu destino.
em nós provocou.
e) Sua obsessão por Marina ia desaparecer com aNunes,
Benedito morte do rival.e leitura”, de Crivo de Papel.
“Ética
2- (PUC-SP)
O que euOtto Maria Carpeaux,
precisava era ler um analisando o romance
romance fantástico, umde Graciliano
romance Ramos,
besta, afirma:
em que “Após
os homens
ter
e aslido
mulheres até o fim,
Angústiafossem é preciso
criações rever as
absurdas, primeiras
não andassempáginas, para compreendê-las”.
magoando-se, Isso se
traindo-se. Histórias
justifica porque
fáceis, sem almaso romance apresenta:
complicadas.Infelizmente essas leituras já não me comovem.
Graciliano Ramos, Angústia.
a) um mundo fechado em si mesmo, mas com linhas narrativas independentes e soltas.
b) estrutura circular em que início e fim se tocam em relação de causa e efeito.
Romance desagradável, abafado, ambiente sujo, povoado de ratos, cheio de podridões, de
c) relação temporal em que o passado e o presente se interpenetram, dando ao texto uma
lixo. Nenhuma concessão ao gosto do público. Solilóquio doido, enervante.
estrutura labiríntica.
Graciliano Ramos, Memórias do Cárcere, em nota a respeito de seu livro Angústia
Seu Ivo apareceu aqui em casa faminto, meio nu e meio bêbedo, como sempre.
Enquanto
GABARITOVitória lhe preparava a comida, fez-me um presente:
- Está aqui, Seu Luisinho, que eu lhe trouxe.
E
1 pôs
A em cima dao mesa
Destruir uma peça
rival Julião de corda.
Tavares é a maneira que o protagonista, Luís da Silva, incons-
- Para que me serve isso,
cientemente, Seu Ivo?
encontra paraOnde foi que violentamente,
se libertar, você furtou isso?
das sensações de frustração e
- Não furtei, não, Seu que
sufocamento Luisinho, achei enaangustiam.
o oprimem rua. Guarde para o senhor. É bonitinha.
E
2 entregou-se
B O inícioaodeprato que narra
Angústia Vitóriao lhe ofereceu.
estado de desamparo e descontrole do qual está se recupe-
rando o narrador-protagonista, Luís da Silva. À medida que a narrativa avança, descobre-
a)que
-se A corda recebida
este estado de presente
de angústia por do
é efeito Luís da Silva dá
sentimento de origem a um fluxo
culpa provocado deassassi-
pelo imagens
que - já antes e posteriormente a esta cena - são recorrentes na narrativa
nato de Julião Tavares, que seduzira Marina, mulher por quem Luís estava apaixonado. e
relacionam-se indiretamente. De que tratam essas imagens? Exemplifique
O crime e o descontrole por ele gerado, causas da angústia presente desde o início, só
apresentando
são revelados ao uma
final delas.
da narrativa, criando a estrutura circular da obra: início e fim se
b) Deem
tocam que maneira
relação a corda
de causa precipita o descontrole mental de Luís da Silva?
e efeito.
c) E de que maneira ela se liga ao desfecho da narrativa?
3 a) O narrador é o protagonista de Angústia, Luís da Silva. Marina é o objeto de sua paixão,
fora sua noiva e o abandonara para ficar com Julião Tavares, sujeito que se metera em
sua vida, forçando a amizade, e de quem se torna rival no plano afetivo.
1- C
2- E
3- E