Caminho Do Tarô1
Caminho Do Tarô1
Caminho Do Tarô1
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foi o castelo de cartas. O louco Abraham tinha mania de cons-
truir, com cartas de baralho, grandes castelos. Ele deixava esses
objetos, sempre diferentes, enormes, altos, sobre a mesa grande,
longe das correntes de ar, fazendo-os durar até que ele mesmo,
embriagado, os destruísse aos golpes, para em seguida começar
outro. Sarcástico, Jaime apontou para o amigo bêbado e mandou
que eu lhe perguntasse por que ele fazia aquilo. O louco Abraham,
com um sorriso triste, respondeu a um menino o que não queria
dizer a um adulto: "Eu imito Deus, garotinho. Aquele que nos
cria nos destrói e, com os nossos restos, Ele nos reconstrói".
Aos sábados à noite e aos domingos depois do almoço, para
vencer o tédio provinciano, meu pai recebia em casa um grupo de
amigos com os quais jogava cartas durante horas, enquanto Sara
Felicidad, minha mãe, única mulher, servia cervejas e canapés,
convertida em sombra. No resto da semana, as cartas dormiam
fechadas à chave dentro de um armário. Apesar de aquelas cartas
me fascinarem, era proibido tocá-las. Segundo meus pais, eram
só para os adultos. Isso me deixou com a ideia de que as cartas,
feras perigosas que só podiam ser domadas por um sábio, no caso,
Jaime, tinham poderes mágicos ... Como eles usavam feijões em
lugar de fichas, todas as segundas minha mãe, talvez para aliviar a
pena de ser excluída do jogo, punha-os para ferver e fazia com eles
uma sopa que eu engolia sentindo que ganhava aqueles poderes.
Meu físico de imigrante russo, muito diferente dos chile-
nos autóctones, me privou de amigos. Meus pais, submersos
dez horas por dia na Casa Ukrania, não podiam me dar atenção.
Agoniado pelo silêncio e a solidão, comecei a investigar os mó-
veis do quarto deles com a esperança de encontrar algum deta-
lhe que me permitisse saber qual rosto eles escondiam por trás
de suas máscaras indiferentes. A um canto do roupeiro, entre as
roupas perfumadas de Sara Felicidad, encontrei uma caixinha
de metal retangular. As batidas do meu coração se aceleraram.
Algo me dizia que estava prestes a obter uma revelação impor-
tante. Abri a caixa. Dentro havia uma carta do Tarot chamada
O Carro. Nela, um príncipe conduzia um veículo em chamas.
As línguas de fogo, agregadas com linhas de tinta negra, haviam
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sido coloridas com aquarela amarela e vermelha. Esse incên-
dio me intrigou mais do que tudo. Quem teria se dado ao traba-
lho de transformar o desenho original acrescentando aquelas
chamas? Pensando nisso, não percebi minha mãe chegar. Sur-
preendido em pleno delito, assumi a culpa e lhe dei a carta.
Ela a tomou da minha mão com reverência, apertou-a contra o
peito e se pôs a chorar e soluçar... Quando se acalmou, contou
que seu finado pai mantinha essa carta sempre consigo, no bolso
da camisa, perto do coração. Ele havia sido um bailarino russo
que media dois metros de altura, com uma cabeleira loira de leão,
que, apaixonado por minha avó judia, sem que fosse obrigado
a fazê-lo, acompanhou-a no exílio. Já na Argentina, desajeita-
do como era para todos os detalhes da vida cotidiana, ele subiu
em um barril de álcool para regular a chama de uma lamparina.
A tampa do barril se quebrou e ele afundou no álcool com a lam-
parina na mão. O líquido se inflamou e meu avô morreu queimado.
Sara Felicidad nasceu um mês depois desse atroz acontecimento.
Um dia, Jashe, sua mãe, contou que havia encontrado a carta, in-
tacta, entre as cinzas de seu amado. À noite, depois do enterro,
as chamas do Carro apareceram sem que ninguém as tivesse de-
senhado. Minha mãe não tinha dúvida de que essa história era
verdadeira. Eu, com minha inocência infantil, também acreditei.
Quando eu fiz dez anos, meus pais venderam o comércio e
me avisaram que iriamos mudar para Santiago, a capital do país.
Perder tão brutalmente o território me afundou em uma vene-
nosa bruma mental. Minha maneira de agonizar foi engordar.
Convertido em um pequeno hipopótamo, eu me arrastava até o
colégio, olhando para o chão, sentindo que o céu era uma abóba-
da de cimento. A isso se somou a repulsa dos meus companheiros
de escola quando constataram nos chuveiros, depois de uma aula
de ginástica, que meu sexo carecia de prepúcio. "Judeu erran-
te!", gritaram para mim, às cusparadas. O filho de um diplomata
que acabara de chegar da França cuspiu no verso de uma carta
e a colou na minha testa. Rindo às gargalhadas, me empurraram
contra um espelho. Era um arcano do Tarot de Marselha: O Ere-
mita. Vi nessa carta meu retrato infame: um ser sem território,
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solitário, dominado pelo frio, com os pés doloridos, caminhando
há uma eternidade em busca de quê? .. De algo, seja o que for, que
lhe desse uma identidade, um lugar no mundo, um motivo para
continuar vivendo. "O ancião ergue uma lanterna. O que a mi-
nha alma milenar está erguendo? (Diante da crueldade dos meus
companheiros, senti que o meu peso era uma dor transportada
durante séculos.) Seria aquela lâmpada minha consciência? E se
eu não fosse um corpo vazio, uma massa habitada apenas pela
angústia, mas uma luz estranha que atravessa o tempo, através
de inumeráveis veículos de carne, em busca desse ente impensá-
vel que meus avós chamavam de Deus? E se o impensável fosse
a beleza?" ~lgo semelhante a uma explosão de prazer pareceu
romper as barreiras que aprisionavam a minha mente. A tristeza
foi varrida feito poeira... Procurei com a angústia de um náufrago
um porto onde se reuniam os jovens poetas. Chamava-se Café
Íris. Íris, a mensageira dos deuses, aquela que une o céu e a terra,
o complemento feminino de Hermes! E haviam colado na minha
testa um (E)rmitão! Foi nesse café-templo que encontrei amigos,
atores, poetas, titereiros, músicos, bailarinos. Entre eles cresci,
buscando também, de maneira desesperada, a beleza. Naqueles
anos quarenta, as drogas não estavam na moda. Nossas conversas
turbinadas pela febre criadora se expandiam tendo como eixo
uma garrafa de vinho, que assim que ficava vazia era substituída
por outra. De madrugada, famintos e embriagados, para queimar
o álcool, corríamos para o Parque Florestal. Em frente ao parque,
em um subsolo estreito, habitava Marie Lefevre, uma francesa de
sessenta anos, em concubinato com Nene, um jovem de dezoito.
A senhora era pobre, porém tinha sempre na cozinha uma grande
marmita cheia de sopa, caótico magma que continha os restos de
comida que lhe davam no restaurante vizinho em troca de leitu-
ras de cartas para os clientes. Enquanto seu amante roncava sem
roupas, Marie, coberta com uma bata chinesa, servia-nos pratos
cheios, onde, submersos no saboroso caldo, podíamos encontrar
peixe, almôndegas, verduras, cereais, macarrão, queijo, fígado
de frango, tripa de boi e tantas outras delicadezas. Depois, sobre
o ventre de seu amante, que não acordaria nem com um tiro de
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canhão, lia-nos um Tarot que ela mesma desenhara. Este estra-
nho contato com as cartas foi decisivo: graças a essa mulher, em
meu coração o Tarot ficaria para sempre unido à generosidade e
ao amor sem limites. Até hoje, passados já sessenta anos, seguindo
o exemplo dela, sempre li de graça. Quando eu me sentia prisio-
neiro na ilha cultural que era o meu país na época, Marie Lefevre
fez uma previsão: "Viajarás pelo mundo iuteiro, incessantemente,
até o fim da tua vida. Mas presta atenção: quando eu digo 'mundo
inteiro' me refiro à totalidade do universo. Quando digo, 'fim da
tua vida', me refiro à tua encarnação atual. Na verdade, sob outras
formas, viverás tanto quanto há de viver o universo".
Mais tarde, na França, trabalhei com Marcel Marceau 1 e
consegui alcançar a máxima honra que ele outorgava em sua
companhia: mostrar, imóvel, em pose sugestiva, os letreiros
que indicavam o título de suas pantomimas. Assim, convertido
em estátua de carne, viajei durante cinco anos por uma grande
quantidade de países. Em cada apresentação, Marceau se
entregava de corpo e alma. Depois, esgotado, trancava-se em seu
quarto de hotel por um bom número de horas. No dia seguinte,
sem visitar a cidade, voltava ao teatro para ensaiar algum novo
número ou corrigir as luzes. Eu, solitário nesses países onde
muitas vezes não falava o idioma dominante, visitava museus,
ruas pitorescas, cafés de artistas. Pouco a pouco, adquiri o
costume de procurar as livrarias esotéricas para comprar Tarots.
Cheguei a colecionar mais de mil maços diferentes: o alquímico,
o rosacruz, o cabalístico, o cigano, o egipcio, o astrológico, o
mitológico, o maçônico, o sexual etc. Todos eram compostos pelo
mesmo número de carta5, 78, divididas em 56 Arcanos menores
e 22 Arcanos maiores. Mas cada um tinha desenhos diferentes.
Às vezes, os personagens humanos se viam transformados
em cães, gatos, unicórnios, monstros ou gnomos. Cada maço
continha um libreto onde o autor se proclamava portador de uma
verdade profunda. Apesar de não compreender nem o significado
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nem o uso de tão misteriosas cartas, eu tinha por elas um grande
carinho e cada vez que encontrava um novo conjunto, ficava
cheio de alegria. Ingenuamente, esperava encontrar o Tarot que
me comunicaria o que com tanta angústia andava procurando: o
segredo da vida eterna...
Em uma das minhas viagens ao México, acompanhando
Marceau, conheci Leonora Carrington, poeta e pintora surrealis-
ta que durante a guerra civil espanhola havia vivido uma história
de amor com Max Ernst2. Quando ele foi preso, Leonora sofreu
um ataque de loucura, com todo o horror que isso significa, mas
também com todas as portas que esse mal abre no cárcere da
mente racional. Convidando-me para comer um crânio de açúcar
com meu nome gravado na testa, ela me disse: "O amor transfor-
ma a morte em doçura. O esqueleto do Arcano XIII tem ossos
de açúcar". Quando me dei conta de que Leonora usava em suas
obras os símbolos do Tarot, pedi a ela que me iniciasse. Ela me
respondeu: "Pegue estas 22 cartas. Observe-as uma de cada vez e
me diga o que significa para você aquilo que está vendo". Domi-
nando minha timidez, obedeci. Ela escreveu rapidamente tudo
o que eu ia lhe dizendo. Ao terminar a descrição d'O Mundo, eu
me vi empapado de suor. A pintora, com um sorriso misterioso,
sussurrou para mim: "Isso que você acabou de me dizer é o 'se-
gredo'. Cada Arcano, sendo um espelho e não uma verdade em si
mesmo, converte-se naquilo que você vê. O Tarot é um camaleão".
Em seguida, ela me presenteou com o baralho criado pelo ocul-
tista Arthur Edward Waite, com desenhos estilo novecentista,
que logo entraria na moda entre os hippies. Acreditei que Leo-
nora, que eu via como uma sacerdotisa, havia me outorgado a
chave do luminoso tesouro que havia no centro de meu interior
obscuro, sem me dar conta de que esses arcanos agiam somente
como excitantes do intelecto.
Quando voltei a Paris, comecei a frequentar um café da
place des Halles, La Promenade de Vénus, onde André Breton
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se reunia uma vez por semana com seu grupo surrealista. Ousei
oferecer-lhe o Tarot de Waite, esperando, com dissimulado or-
gulho, obter sua aprovação. O poeta observou os Arcanos aten-
tamente, com um sorriso que pouco a pouco se transformou em
uma careta de desgosto: "Este baralho é ridículo. Os símbolos
são de uma obviedade lamentável. Não há nada de profundo
nele. O único Tarot que vale é o de Marselha. Essas cartas in-
trigam, comovem, mas nunca revelam seu segredo intrínseco.
Em uma delas, eu me inspirei para escrever Arcano 17". Admira-
dor fervoroso do grande surrealista, joguei no lixo minha coleção
de cartas, guardando apenas o Tarot de Marselha, isto é, a versão
que Paul Marteau havia publicado em 1930.
De todo modo, como Breton, eu compreendia muito pouco
o significado dessas cartas, que, colocadas ao lado das sedutoras
imagens de Waite, pareciam hostis, sobretudo os Arcanos meno-
res. Decidi gravá-las na memória, na esperança de que aquilo que
meu intelecto não pudesse decifrar fosse decifrado pelo meu
inconsciente. Comecei a memorizar cada símbolo, cada gesto,
cada linha, cada cor. Pouco a pouco, ajudado por uma paciência
férrea, passei a conseguir, de olhos fechados, visualizar, ainda
que de forma imperfeita, os 78 Arcanos. Durante os dois anos
que durou essa experiência, fui todas as manhãs à Biblioteca
Nacional de Paris para estudar as coleções de Tarot doadas por
Paul Marteau e os livros dedicados a esse tema. Até o século
XVIII, o Tarot havia sido visto como um jogo de azar e seu sen-
tido profundo havia passado despercebido. Os desenhos haviam
sido mutilados ou transformados, adornados com retratos de no-
bres, postos a serviço das pompas da corte. Cada tratado dizia
uma coisa diferente, muitas vezes em contradição com os de-
mais. Na realidade, em vez de falar objetivamente do Tarot, os
autores faziam o próprio autorretrato, embutindo nele supers-
tições. Encontrei crenças maçônicas, taoÍstas, budistas, cristãs,
astrológicas, alquímicas, tântricas, sufis etc.
Pode-se dizer que o Tarot era uma empregada doméstica
sempre a serviço de uma doutrina exterior a ele ... Mas a coisa
mais surpreendente que constatei foi que, até o pastor protestante
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e maçom Court de Gébelin (1728-1784) atribuir ao Tarot caracte-
rísticas esotéricas e não exclusivamente lúdicas, no oitavo volu-
me de sua enciclopédia Monde Primítif(1781), ninguém havia na
verdade observado os Arcanos, nem ele, nem seus seguidores.
Sem se dar conta de que essas cartas são uma linguagem óptica
que exige ser vista em toda a extensão de seus detalhes, Gébelin
tomou suas fantasias por realidades e declarou que o Tarot veio do
Egito ("Hieróglifos pertencentes ao Livro de Toth, salvo das ruí-
nas de um templo milenar"), publicando uma cópia ruim do Tarot
de Marselha em que elimina uma infinidade de detalhes, põe um
O em Le Mat e o batiza "O Louco" para lhe dar um significado ne-
gativo: "Ele só tem como valor o que dá aos outros, precisamente
como o nosso zero: mostrando assim que não existe nada na lou-
cura". Agrega um pé à mesa do Mago; converte o Imperador e a
Imperatriz em Rei e Rainha; ao Papa e à Papisa em Hierofante
e Sacerdotisa (Grand-Prêtre e Grande-Prêtresse); batiza o Ar-
cano XIII, sem nome, como A Morte, equivocando-se com o nú-
mero da Temperança, sobre a qual imprime um XIII; decide que
no Arcano VII quem dirige o carro é Osíris Triunfante; chama
O Namorado (L'Amoureux) de O Casamento; a Estrela, de A Ca-
nícula; O Diabo, de Tífon; O Mundo, de O Tempo; e O Enforcado,
de A Prudência (colocando-o de pé); além disso, elimina as cores
e também o enquadramento original, que consistia num retân-
gulo iniciático composto de dois quadrados. Assim, ele pretendia
corrigir os "erros do original".
A partir da publicação desse primeiro tratado esotérico
sobre o Tarot em Monde Primitif, os ocultistas começaram a
delirar, deixando de se concentrar nos desenhos do Tarot de
Marselha, considerando a cópia de Court de Gébelin e suas
explicações egípcias como a autêntica verdade esotérica. Em 1783,
um adivinho da moda, o cabeleireiro Alliete, sob o pseudônimo
Eteilla (1750-1810), produziu um Tarot fantasioso que se relaciona
com a astrologia e a Cabala hebraica. Pouco depois, Alphonse-
-Louis Constant, vulgo Éliphas Lévi (1816-1875), apesar de sua
imensa intuição, desdenha o Tarot de Marselha, por considerá-
lo "exotérico", e, em Dogma e ritual da alta magia, desenha uma
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versão "esotérica" de O Carro, de A Roda da Fortuna, de O Diabo,
estabelece que os 22 arcanos maiores ilustram o alfabeto hebraico
e despreza os 56 arcanos menores. Essa ideia será adotada por
Gérard Encausse, que, sob o pseudônimo Papus (1865-1917), se
permite criar um Tarot com personagens egípcios que ilustram
uma estrutura cabalística hebraica. Depois dessas tentativas de
enxertar no Tarot todo tipo de sistemas esotéricos, escrevem-
se milhares de livros baseados em uma inexistente "tradição"
que demonstram que o Tarot foi criado pelos egípcios, pelos
caldeus, pelos hebreus, pelos árabes, pelos hindus, pelos gregos,
pelos chineses, pelos maias, pelos extraterrestes, evocando-
se também Atlântida e Adão, a quem se atribui a autoria dos
desenhos das primeiras cartas, ditadas por um anjo. (Para a
tradição religiosa, as obras sagradas sempre têm uma origem
celeste. A realização do sistema simbólico não é abandonada à
inspiração pessoal do artista, mas atribuída ao próprio Deus ...).
A palavra "Tarot" seria egípcia (ta r: caminho; ro, rog: real), indo-
tártara (tan-tara: zodíaco), hebraica (tora: lei), latina (rota: roda;
orat: fala), sânscrita (tat: o todo; tar-o: estrela fixa), chinesa (tao:
princípio indefinível) etc. Diferentes grupos étnicos, religiões,
sociedades secretas, reivindicaram sua paternidade: ciganos,
judeus, cristãos, muçulmanos, maçons, rosacruzes, alquimistas,
artistas (Dalí), gurus (Osho) etc. Encontram nele influências do
Antigo Testamento, dos Evangelhos e do Apocalipse (em cartas
como O Mundo, O Enforcado, Temperança, O Diabo, O Papa,
O Julgamento), dos ensinamentos tântricos, do I Chíng, dos
códigos astecas, da mitologia greco-latina... Cada novo baralho
de cartas encerra a subjetividade de seus autores, suas visões
de mundo, seus preconceitos morais, seu limitado nível de
consciência. Como na história da Cinderela, onde as irmãs são
capazes de cortar um pedaço do pé para poder calçar o sapato
de cristal, cada ocultista altera à sua maneira a estrutura original.
Para fazer coincidir o Tarot com os 22 caminhos da Árvo-
re da Vida, que une as dez sefirot da tradição cabalística, Waite
troca o número VIII de A Justiça com o número XI de A Força;
transforma O Namorado em Os Namorados etc., falsificando,
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assim, o significado de todos os Arcanos. Aleister Crowley, ocul-
tista pertencente à Ordem do Templo do Oriente, também tro-
ca os nomes, os desenhos (e, portanto, o significado) e a ordem
das cartas. A Justiça se converte em O Juízo; Temperança em
A Arte; O Julgamento em Éon. Elimina os Valetes e os Cavaleiros
e em seu lugar põe Príncipes e Princesas ... Oswald Wirth, ocul-
tista suíço, maçom e membro da Sociedade Teosófica, desenha
ele mesmo seu Tarot introduzindo nos arcanos não somente
trajes medievais, esfinges egípcias, cifras árabes e letras hebrai-
cas em lugar de números romanos, símbolos taoístas, a versão
alquímica do Diabo inventada por Éliphas Lévi, como também
se inspira na torpe versão de Court de Gébelin (vide sua Torre,
sua Temperança, sua Justiça, seu Papa, seu Namorado), como
se afirmasse que o Tarot de Marselha é uma versão popular,
isto é, vulgar, do Tarot de Gébelin ... Os milhares de adeptos de
uma seita rosacruz americana afirmam que o Tarot Egípcio de
R. Falconnier - um sócio da Comédie-Française que o desenhou
e publicou em 1896, dedicando-o a Alexandre Dumas Filho -
constitui o baralho origínal... Séculos de sonhos e autoenganosl
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de símbolos tão imensa? Quem teria sido capaz de reunir em
uma só vida tais conhecimentos? É tamanha a precisão do Tarot,
são tão perfeitas suas relações internas, sua unidade geométri-
ca, que não é possível aceitar que seja uma obra realizada por
um iniciado solitário. Só inventar a estrutura, criar os perso-
nagens com seus trajes e gestos, estabelecer a simbologia abs-
trata dos arcanos menores, já requer uma grande quantidade
de anos de intenso trabalho. A curta duração de uma vida hu-
mana não basta para isso. Éliphas Lévi, em seu Dogma e ritual
da alta magia, como se lê nas entrelinhas, tem essa intuição:
"Trata-se de uma obra singular e monumental, simples e podero-
sa como a arquitetura das pirâmides; por isso, perdurável como
elas; um livro que reúne todas as ciências e cujas infinitas com-
binações podem resolver todos os problemas; um livro que fala
fazendo pensar; inspirador e regulador de todas as concepções
possíveis: talvez a obra-prima da alma humana, e sem dúvida al-
guma uma das coisas mais bonitas que nos legou a Antiguidade;
chave universal, verdadeira máquina filosófica que impede que
a alma se extravie, deixando-a com sua iniciativa e sua liberda-
de; são as matemáticas aplicadas ao absoluto, a aliança do po-
sitivo e o ideal, uma loteria de pensamentos tão rigorosamente
exatos como os números; por último, é assim talvez ao mesmo
tempo a coisa mais simples e mais grandiosa que o gênio huma-
no jamais concebeu".
Se quisermos imaginar a origem do Tarot (já em 1337, nos
estatutos da Abadia de Saint-Victor de Marselha, se proibia aos
religiosos os jogos de cartas), deveríamos retroceder pelo menos
até o ano 1000. Naquela época, no sul da França e da Espanha,
era possível ver, em santa paz, erigidas muito próximas umas das
outras, uma igreja, uma sinagoga e uma mesquita. As três religi-
ões se respeitavam e os sábios de cada uma delas não hesitavam
em discutir e se enriquecer do contato com membros das outras.
É evidente que nos Arcanos 11, V, XlIII, XV, XX e XXI se encontra
a influência do cristianismo. Na cabeça do esqueleto do Arcano
sem nome, pode-se distinguir as quatro letras hebraicas Yod-He-
-Vav-He, que designam a divindade, e no peito do Enforcado as
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dez sefirot da Árvore da Vida cabalística. Nos Arcanos menores,
aparecem símbolos muçulmanos: por exemplo, no alto do Ás de
Copas, um círculo com nove pontas representa com toda evi-
dência o eneágono iniciático. É possível que um grupo formado
por sábios das três crenças, prevendo uma decadência de suas
religiões que, pela sede de poder, inevitavelmente levaria ao ódio
entre as seitas e ao esquecimento da tradição sagrada, confabula-
ram para depositar esse conhecimento no humilde jogo de cartas,
o que equivalia a preservá-lo e ocultá-lo, para que atravessas-
se as obscuridades da história até chegar a um futuro distante
onde seres com um nível de consciência elevado decifrariam
sua maravilhosa mensagem.
René Guénon, em Símbolos fUndamentais da ciência sagrada,
diz: "No folclore, o povo conserva, sem compreendê-los, vestígios
de tradições antigas, que às vezes remontam a um passado tão
remoto que seria impossível determinar; [...] neste sentido, de-
sempenha a função de uma espécie de memória coletiva mais ou
menos 'subconsciente' cujo conteúdo, uma soma considerável de
elementos de natureza esotérica, vem claramente de outro lugar".
J. Maxwell, em O Tarot, o símbolo, os arcanos, a adivinhação, é
o primeiro autor que retorna à origem, reconhecendo que o Tarot
de Marselha (o de Nicolas Conver) é uma linguagem óptica e que
para compreendê-lo é preciso vê-lo. Mais tarde, Paul Marteau,
em seu livro O Tarot de Marselha, imitando Maxwell, reproduz
as cartas, analisando-as uma por uma, detalhe por detalhe, le-
vando em conta seus números, o significado de cada cor, de cada
gesto dos personagens. Não obstante, apesar de continuar o ver-
dadeiro caminho do estudo do Tarat inaugurado por Maxwell,
ele comete dois erros. Por um lado, seu Tarot é apenas uma apro-
ximação do original. Seus desenhos são uma cópia exata do
Tarot de Besançon, editado por Grimaud no final do século XIX,
que por sua vez reproduz outro Tarat de Besançon, editado por
Lequart e assinado "Arnoult 1748". Também ele se permite alte-
rar certos detalhes, talvez para torná-lo propriedade sua e assim
poder fazer negócios com ele, cobrando direitos autorais. Por outro
lado, ele conserva as quatro cores de base impostas pelas máquinas
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de impressão, em vez de respeitar as cores antigas, mais variadas,
dos exemplares pintados manualmente.
De todo modo, não encontrando nenhum Tarot mais próxi-
mo do autêntico além do de Paul Marteau, eu me entreguei a ele
com um respeito reverente. Eu me dei conta de que, se existia
alguém capaz de me ensinar a decifrá-lo, não seria um mestre
de carne e osso, mas sim o próprio Tarot. Tudo o que eu queria
saber estava ali, entre as minhas mãos, diante dos meus olhos,
nas próprias cartas. Era essencial deixar de escutar as explica-
ções baseadas na "tradição", nas concordâncias, nos mitos, nas
explicações parapsicológicas, e deixar que os arcanos falassem ...
Para incorporá-lo em minha vida, além de memorizá-lo, realizei
com ele alguns atos que espíritos racionais poderão considerar
pueris. Por exemplo, dormi cada noite com uma carta diferente
embaixo do meu travesseiro, ou passei o dia inteiro com uma delas
no bolso. Esfreguei meu corpo com as cartas; falei em nome delas,
imaginando o ritmo e o tom de voz; visualizei os personagens nus,
imaginei seus símbolos cobrindo o céu, completei os desenhos
que pareciam sair do quadro: dei um corpo inteiro ao animal que
acompanha O Louco e aos acólitos d'O Papa, prolonguei a mesa
d'O Mago até encontrar no invisível seu quarto pé, imagínei
onde estaria suspenso o véu d~ Papisa, vi até qual oceano ia o rio
que alimentava a mulher d'A Estrela e até onde chegaria o tanque
d'A Lua. Imagínei o que havia na bolsa d'O Louco e na carteira d'O
Mago, a roupa debaixo d'A Papisa, a vulva d'A Imperatriz e o falo
d'O Imperador, o que ocultavam as mãos d'O Enforcado, de quem
eram as cabeças cortadas do Arcano XIII etc. Imagínei os pensa-
mentos, as emoções, a sexualidade e as ações de cada personagem.
Eu os fiz rezar, insultar, fazer amor, declamar poemas, curar.
Uma vez que a palavra "Arcano", maior ou menor, não es-
tava impressa em nenhuma parte do jogo, não se deveria ver as
cartas como "segredo recôndito, coisa oculta e muito difícil de
conhecer"... Dependia de mim dar-lhes um nome, lâminas, naipes,
cartas, arcanos, trunfos, a escolha era livre. Como já existiam as
palavras Bastos (Paus), Espadas, Copas e Ouros (Denários), optei
por escolher arcanos (maiores e menores) e em seguida seguir
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uma ordem alfabética: A (para Arcanos), B (Bastos/Paus), C
(Copas), D (Denários/Ouros), E (Espadas), F (Figuras).
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Dava a impressão de não dizer nada pessoal, que tudo lhe era di-
tado desde uma dimensão distante. A transparência de sua pele
revelava que era vegetariano. Na base dos polegares, tinha tatu-
agens. Uma lua no esquerdo e um sol no direito. Ele quis assistir
aos meus cursos de Tarot. Os outros alunos se perguntavam se
Philippe era mudo. Tinha imensa dificuldade para estabelecer
relações com os seres humanos. Para ele, era mais fácil se comu-
nicar com entidades de outros mundos. Emocionava-se com o
deus Shiva porque, apesar de ser uma entidade divina, doadora
do amor e da fertilidade, todos os demônios lhe obedeciam.
Resolvi começar uma ação terapêutica utilizando a psico-
magia. Se a morte do pai havia rompido os laços que uniam seu
filho com o mundo, para restituí-los seria preciso voltar a unir
Philippe com a tradição familiar. Propus a ele que juntos restau-
rássemos o Tarot de Marselha. Naquela época, eu achava que
essa tarefa consistia apenas em eliminar os pequenos detalhes
agregados por Paul Marteau e talvez refinar alguns desenhos
que, através dos tempos, de cópia em cópia, haviam sido trans-
mitidos confusamente ... Philippe acolheu minha proposta com
entusiasmo. Ele se deu conta de que era por isso que tinha vindo
me procurar. Falei com a mãe dele e lhe pedi ajuda. Como, após
a morte do marido, ela havia distribuído uma importante cole-
ção de Tarots entre diversos museus, ela nos concedeu cartas de
apresentação. Fomos sempre bem recebidos e nos permitiram
obter diapositivos fotográficos de todas as cartas que considera-
mos úteis à nossa pesquisa. Madame Camoin tinha também uma
importante coleção de pranchas de impressão que datavam de
1700. Depois de um ano de pesquisas, nós nos demos conta da
imensidão da tarefa que ainda tínhamos pela frente. Não se tra-
tava de trocar alguns detalhes, nem de clarear algumas poucas
linhas, era necessário restaurar o Tarot inteiro, devolvendo-lhe
suas cores originais, pintadas manualmente, e os desenhos que
os sucessivos copistas acabaram apagando. Felizmente, se em
alguns exemplares subsistiam fragmentos, em outros apareciam
aqueles que completavam o perdido. Tivemos que trabalhar com
potentes computadores, com os quais podíamos comparar uma
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imagem sobre outra em incontáveis versões, entre elas as de
Nicolas Conver, Dodal, François Tourcaty, Fautrier, Jean-Pierre
Payen, Suzanne Bernardin, Lequart etc.
Durante dois anos, trabalhamos nessa restauração. Philippe
reatou seus laços com o mundo e demonstrou ser um técnico
extraordinário. Manejava o computador como um especialista.
A complexidade dessa operação exigiu máquinas mais adequa-
das. Sem medir gastos, sua mãe nos proporcionou os elementos
técnicos de que fomos sentindo falta a cada passo. A dificuldade
desse trabalho de restauração residia no fato de que o Tarot de
Marselha se compõe de símbolos estreitamente ligados uns aos
outros; se se modifica um único traço, toda a obra se adultera.
No século XVII, existia um grande número de impressores do
Tarot de Marselha. Os exemplares do século XVIII são cópias
dos anteriores, e portanto não podíamos aceitar que um Tarot
do século XVIII fosse o original. Era bem possível que a versão
de Nicolas Conver de 1760 contivesse erros e omissões. Se no
início os desenhos eram pintados manualmente, o número de co-
res foi limitado quando as máquinas industriais apareceram nas
gráficas do século XIX. Segundo os impressores, as linhas e as
cores foram sendo reproduzidas com maior ou menor fidelida-
de. Aqueles que não eram iniciados simplificaram ao máximo os
símbolos e os que copiaram acrescentaram outros erros a esses
erros. Por outro lado, quando estudamos um grande conjunto
de jogos, vimos que certos Tarots tinham desenhos idênticos e
sobreponíveis, e no entanto cada um deles possuía símbolos que
não apareciam nos outros. Nesse caso, deduzimos que haviam
sido copiados de um mesmo Tarot mais antigo, hoje desapareci-
do. Era esse Tarot original que desejávamos reconstituir.
Tropeçamos em um obstáculo aparentemente intranspo-
nível. Nenhum museu possuía um Tarot de Marselha completo,
antigo, pintado à mão... Nosso trabalho precisou se deter por
um tempo que nos pareceu eterno. De repente, lembrei que
no México, na praça Rio de Janeiro, a cinquenta metros da casa
onde eu morava, vivia o antiquário Raúl Kampfer, especialista em
relíquias astecas e maias. Em 1960, ele tentara me vender um antigo
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Tarot "francês", pintado à mão, pedindo por ele dez mil dólares.
Eu, ofuscado pela versão de Waite, achei desinteressante, absur-
damente caro. E me esqueci ... Milagre! Do lado da minha casa,
havia existido talvez o valioso exemplar que tanta falta nos fazia!
Philippe e eu viajamos para o México e, muito emocionados,
batemos na porta do antiquário. Abriu um homem jovem: era o
filho de Raúl Kampfer, que havia morri do. O rapaz guardava em
um quarto, religiosamente, todos os objetos deixados pelo pai.
Não sabia que entre eles se escondia um Tarot. Ele nos pediu que
ajudássemos a procurar. Depois de longa e angustiante busca,
encontramos o Tarot dentro de uma caixa de papelão no fundo
de um baú. O rapaz nos vendeu o Tarot por um preço razoável.
Voltamos a Paris com nosso troféu. Esse Tarot foi nosso guia es-
sencial para restaurar no computador as cores antigas.
À medida que avançávamos na tarefa, eu sofria verdadei-
ros curto-circuitos espirituais. Durante tantos anos injetara em
minha alma o Tarot de Paul Marteau, dando a cada detalhe o
significado mais profundo possível (o que fazia depositando nos
arcanos um amor sem limites), que algumas alterações me pare-
ceram punhaladas.
No fundo, O trabalho de restauro exigia que uma parte de
mim, em nome da mutação, aceitasse morrer. Os dois dados em
O Mago, um no 1 e o outro no 5 (dando 15, O Diabo), cujos versos
ocultavam um 2 e um 6 (dando 26, a soma das letras da divinda-
de: Yod 10 + He 5 + Vav 6 + He 5), o que me permitia dizer que
o demônio era apenas uma máscara de Deus, ao se transforma-
rem, na versão restaurada, em três dados, cada um mostrando
três faces que no total davam 7 (3 vezes 7 igual a 21, O Mundo),
transformavam esses símbolos em algo absolutamente diferen-
te, que me obrigava a fazer esforços mentais angustiantes para
substituir os outros, tão queridos.
O mesmo me aconteceu com os sapatos brancos do Impera-
dor: eu havia me acostumado a pensar que o poderoso monarca
dava passos de uma pureza impecável, tão cheios em sua alvura
de sabedoria como sua barba branca. Mas na realidade os sapa-
tos se revelaram vermelhos e a barba, azul-celeste. Passos de
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uma atividade conquistadora, iguais à cruz do cetro que impõe
sua marca ao mundo, e uma barba de homem sensível, espiritual
e receptivo, mais intuitivo que inteligente. Em O Namorado, tive
com grande dor de esquecer o paralelo que eu fazia entre o per-
sonagem central, que Marteau mostrava descalço, e Moisés, que
se descalça para ouvir a voz do Altíssimo na sarça ardente. Foi
doloroso admitir que esse personagem tinha sapatos vermelhos,
tão ativos como os do Imperador ou os do Louco, o que dava ao
seu amor um aspecto menos divino e mais terreno. O Enforcado
de Marteau não estava amarrado por um dos pés, mas no nosso
sim. Tive que passar de um personagem que livremente havia
decidido não agir a outro que recebia seu destino como uma lei
cósmica contra a qual não podia se rebelar, significando que para
ele "liberdade" era obedecer a Lei. No Arcano XIII de Marteau, o
esqueleto cortava um de seus pés: autodestruição; no nosso, ofe-
recia tanto um pé azul como um braço e uma coluna vertebral da
mesma cor, ato construtivo que se repetia na foice, onde ao ver-
melho de antes se mesclava esse azul-celeste, significando uma
semeadura espiritual. O Diabo de Marteau esgrimia uma espada,
segurando-a pelo fio, isto é, ferindo estupidamente a mão, mas
no nosso erguia uma tocha, dando luz às trevas. Em A Torre,
apareceram três escadarias iniciáticas e uma porta, o que impli-
cava que os dois personagens não estavam caindo, mas saindo
alegremente por vontade própria. E tantos outros detalhes que
mudaram a minha visão. Claro que precisei de algum tempo para
abandonar o Marteau. Comecei misturando os dois maços e ofe-
recendo-os assim ao consulente. Pouco a pouco, o antigo pareceu
secar como as folhas no outono, enquanto o novo adquiria a cada
dia uma energia mais intensa. Uma quarta-feira, pela manhã, no
jardim do meu pavilhão em Vincennes, ao pé de uma tília fron-
dosa, enterrei meu tão querido Tarot de Paul Marteau, com a
dor de um filho que enterra a mãe, e sobre ele plantei uma rosei-
ra. Nessa mesma noite, pela primeira vez, no Café Saint-Fiacre,
onde toda semana eu fazia minhas leituras gratuitas de Tarot, usei
pela primeira vez, e desde então para sempre, o Tarot restaurado.
Essa primeira vez coincidiu com a chegada diante da minha mesa
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de Marianne Costa. Tão importante quanto meu encontro com
Philippe Camoin foi meu encontro com ela. Sem Marianne, eu
jamais poderia escrever este livro. Ainda que a mente racional
custe a aceitar que nada é acidental na natureza, que tudo o que
acontece no universo é causado por uma lei preestabelecida, que
certos acontecimentos estão inscritos no futuro e que o efeito
precede a causa, a aparição da minha colaboradora me parece
obra de um destino estabelecido por uma entidade inconcebível.
Marianne foi primeiro minha aluna, depois minha assisten-
te e por fim acabamos lendo o Tarot juntos, cumprindo assim o
que assinalam os arcanos: Imperatriz-Imperador, Papisa-Papa,
Lua-Sol. O iniciado precisa de seu complemento feminino, e
vice-versa, para que ambos cheguem a uma leitura guiada pela
Consciência cósmica.
Alejandro Jodorowsky
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