Viktor E. Frankl - O Sofrimento de Uma Vida Sem Sentido

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“O homem é, em virtude de sua autotranscen-dência, um ser em busca de sentido.

No
fundo, é dominado por uma vontade de sentido. No entanto, hoje em dia essa vontade
de sentido en-contra-se em larga medida frustrada. São cada vez mais numerosos os
pacientes que recorrem a nós, os psiquiatras, acometidos de um sentimento de vazio.
Este sentimento de vazio tornou-se, em nossos dias, uma neurose de massa. Hoje
o homem não sofre mais tanto, como nos tempos de Freud, de uma frustração sexual,
mas sim de uma frustração existencial. E hoje não o angustia tanto, como na época de
Alfred Adler, um sentimento de inferioridade, senão, bem mais, um sentimento de
falta de sentido, acompanhado de um sentimento de vazio, de um vazio
existencial. Se me perguntais como explico a gênese desse sentimento de vazio, só
posso dizer que, ao contrário do animal, o homem não possui nenhum instinto que lhe
diga o que tem de ser, e, ao contrário do homem de tempos anteriores, não há mais
uma tradição que lhe diga o que deve ser -e, aparentemente, não sabe sequer o que
quer ser de verdade. Por conseguinte, ele só quer o que os outros fazem - e então nos
encontramos diante do conformismo -, ou só faz o que os outros querem dele - e
então nos encontramos diante do totalitarismo.

E, se não soar tão frívolo, diria que esse sentimento de vazio tem algo que ver com o
tema geral deste encontro, e com o fato de que justa-mente as três décadas de paz que
se tem concedido ao homem de hoje possibilitam-lhe o luxo de elevar-se acima da
luta pela sobrevivência, acima da mera subsistência, para perguntar-se pelo
‘para que’ da sobrevivência, pelo derradeiro sentido da existência.”
Sobrevivente de Theresienstadt, Auschwitz, Kaufering e Türkheim (estes últimos
dependentes do campo de Dachau), Viktor E. Frankl foi professor de neurologia e
psiquiatria na Universidade de Viena e fundador da Logoterapia e Análise
Existencial. Vinte e nove universidades da Europa, das Américas do Norte e do Sul,
da África e da Ásia lhe outorgaram o título de doutor honoris causa. Escreveu trinta
e nove livros, traduzidos para vinte e sete idiomas, entre eles Em Busca de Sentido,
que descreve a vida de um prisioneiro num campo de concentração, e O que não
está escrito nos meus livros, no qual narra suas memórias e reflexões pessoais.

Existem associações e cátedras de Logoterapia ativas em diversos países. No Brasil


assinala-se a Associação Brasileira de Logoterapia e Análise Existencial Frankliana
(SOBRAL), fundada em 1984 com a presença do próprio Viktor E. Frankl e atualmente
sediada em São Paulo, além de outros centros e institutos em vários estados.

CADA ÉPOCA TEM SUAS NEUROSES E NECESSITA DE UMA


PSICOTERAPIA ESPECÍFICA. O HOMEM DE HOJE SOFRE DE
UM PROFUNDO SENTIMENTO DE INSIGNIFICÂNCIA.
INTIMAMENTE CONECTADO A UMA SENSAÇÃO DE VAZIO
EXISTENCIAL."
O psiquiatra vienense Viktor Frankl foi o fundador da terceira grande escola
vienense de psicoterapia, conhècida como Logqterapia e Análise Existencial e
idealizada como uma intervenção para' ajudar o indivíduo a encontrar-sentido na
própria existência. Sempre existe um sentido a ser realizado nã vida e pertènce aq
homem o poder de procurá-lo e torná-lo realidade. “No contexto da Logoterapia,
o sentido não representa uma coisa abstrata, e sim algo absolutamente concreto: o
sentido concreto de uma situação com que uma pessoa-também concreta se
confronta”, escreve o autor.

Tomando distância das escolas clássicas de psicoterapia (as de Freud e de Jung),


Frankl ensina neste livro que

a felicidade - entendida como contentamento, e não como simples e puro prazer -


deriva de uma atitude de abertura para a vida, das respostas que damos às demandas
da existência.

Merece uma leitura atenta.


Copyright © Viktor E. Frankl publicado em acordo com os herdeiros de Victor E.
Franld. Para mais informações sobre o autor, acesse o site
http://www.vikt0rfrankl.0rg/e/standardtexts.html. Copyright da edição brasileira ©
2015 É Realizações Editora Título original: Das Leiden am sinnlosen Leben

Editor

Edson Manoel de Oliveira Filho

Produção editorial e projeto gráfico É Realizações Editora

Preparação de texto Lucas Cartaxo

Revisão Dyda Bessana

Capa A2/Mika Matsuzake

Crédito de imagem da capa Copyright @ Roy Ooms / Masterfile / Latinstock

Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução desta
edição por qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica ou mecânica,
fotocópia, gravação ou qualquer outro meio de reprodução, sem permissão expressa
do editor.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

F915s

Franld, Viktor E. (Viktor Emil), 1905-1997 O sofrimento de uma vida sem sentido :
caminhos para encontrar a razão de viver / Viktor Frankl; tradução Karleno Bocarro.
- 1. ed. - São Paulo : É Realizações, 2015.

128 p.; 23 cm.

Tradução de: Das leiden am sinnlosen leben Inclui bibliografia e índice ISBN 978-
85-8033-209-4

15-25038

1. Psicanálise 2. Psicologia existencial. I. Título.

CDD: 150.195 CDU: 159.964.2

27/07/2015 28/07/2015
É Realizações Editora, Livraria e Distribuidora Ltda.

Rua França Pinto, 498 • São Paulo SP • 04016-002 Caixa Postal: 45321 • 04010-970
• Telefax: (5511) 5572 5363 [email protected]
www.erealizacoes.com.br

Este livro foi reimpresso pela Paym Gráfica e Editora em setembro de 2016. Os
tipos são da família Minion Pro e DIN Std. O papel do miolo é o Lux Cream 80 g, e
o da capa, cartão Ningbo Gloss 300g.

VIKTOR E. FRANKL

O SOFRIMENTO DE UMA
VIDA SEM SENTIDO
Tradução

Karleno Bocarro

Revisão técnica Nilsy Helena

(SOBRAL - Associação Brasileira de Logoterapia e Análise Existencial Frankliana)

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CAMINHOS PARA ENCONTRAR A RAZÃO DE VIVER


IN MEMORIAM LEO BAECK

SUMÁRIO

Introdução
Freud, Adler e Jung
A intenção paradoxal
A vontade de sentido
A frustração existencial
0 sentido do sofrimento
Pastoral médica
Logoterapia e religião1
A crítica do psicologismo dinâmico
0 que diz o psiquiatra a respeito da literatura moderna?1
Bibliografia de Viktor E. Frankl
índice analítico
Introdução
O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO1

Cada época tem suas neuroses e cada tempo precisa de sua psicoterapia.

De fato, hoje não nos defrontamos mais, como nos tempos de Freud, com uma
frustração sexual, mas, sim, com uma frustração existencial. E o paciente típico de
nossos dias não sofre tanto, como nos tempos de Adler, de um sentimento de
inferioridade, mas de um sentimento abismai de falta de sentido, que está associado
a um sentimento de vazio interior, razão pela qual tendo a falar de um vazio
existencial.

Tomemos uma carta que me escreveu um estudante americano e da qual me


contentarei em citar duas frases: “Encontro-me aqui, nos Estados Unidos,
cercado por jovens de minha idade, que buscam desesperadamente um sentido para
sua existência. Um de meus melhores amigos faleceu recentemente porque não
conseguia encontrar este sentido”. E minha experiência em universidades americanas
-

10 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

até o momento devo ter proferido 129 conferências somente nos Estados Unidos, o
que me ofereceu ocasião propícia para entrar em contato com os estudantes -
corrobora que as partes da citada carta são representativas, à medida que refletem o
estado de ânimo e o sentimento de vida predominantes na juventude acadêmica atual.

No entanto, não somente entre os jovens. A respeito da geração dos adultos, limitar-
me-ei a apontar o resultado das pesquisas levadas a cabo por Rolf von Eckartsberg
junto aos alunos formados da Universidade Harvard: vinte anos após a conclusão de
sua graduação, uma porcentagem considerável desses estudantes -que, entrementes,
tinham feito carreira em suas respectivas áreas e, além disso, aparentemente levavam
uma vida digna e feliz - queixavam-se de um sentimento abismai e definitivo de
ausência de sentido.

E multiplicam-se os indícios de que o sentimento de absurdo e falta de sentido


granjeia uma crescente propagação. Sua presença é hoje constatada também pelos
colegas de orientação puramente psicanalítica, bem como por aqueles do campo
marxista. Assim, num recente encontro internacional de discípulos de Freud, todos
estiveram de acordo em salientar que se confrontam cada vez mais com pacientes
cujos achaques consistem essencialmente em um sentimento de completo vazio a
afetar suas vidas. Mais ainda: esses nossos colegas chegaram inclusive a presumir
que, em não poucos casos das chamadas análises incompletas, o tratamento
psicanalítico enquanto tal acabava por tornar-se - por assim dizer, faute de mieux
[na falta de uma definição melhor] -, o único conteúdo na vida dos pacientes.

No que diz respeito ao círculo marxista, mencionaremos tão somente o nome


Vymetal, antigo diretor da Clínica Psiquiátrica da Universidade de
Olmütz (Tchecoslováquia), o qual - em consonância com outros autores da
Tchecoslo-váquia, bem como da República Democrática Alemã - chamou
expressamente a atenção para a presença da frustração existencial nos países
comunistas e, a fim de lidar com esse fenômeno de maneira adequada, salientou a
exigência de novos princípios e novas formas de intervenções terapêuticas.

Finalmente, dever-se-á aqui também mencionar Klitzke, professor americano


visitante em uma universidade africana, que num estudo recentemente publicado no
American Journal of Humanistic Psychology, chamado “Students in

INTRODUÇÃO 11

Emerging África - Logotherapy in Tanzania”, pôde confirmar que o vazio existencial


se faz mostrar claramente e se infunde no Terceiro Mundo, sobretudo - e pelo menos
- entre os jovens universitários. Uma indicação análoga devemos a Joseph L.
Philbrick (“A Cross-Cultural Study of Frankls Theory of Meaning-in-Life”).

Quando me perguntam como explicar o advento desse vazio existencial, cuido então
de oferecer a seguinte fórmula abreviada: em contraposição ao animal, os instintos
não dizem ao homem o que ele tem de fazer e, diferentemente do homem do passado,
o homem de hoje não tem mais a tradição que lhe diga o que deve fazer. Não sabendo
o que tem e tampouco o que deve fazer, muitas vezes já não sabe mais o que, no
fundo, quer. Assim, só quer o que os outros fazem - conformismo! Ou só faz o que os
outros querem que faça - totalitarismo.2

No entanto, esses dois sintomas não devem induzir-nos a omitir ou esquecer um


terceiro, nomeadamente um neuroticismo específico - a presença daquilo que tenho
designado como neurose noogênica. Ao contrário da neurose no seu sentido estrito,
que constitui, per definitionem, uma afetação psicogênica, a neurose noogênica não
se reporta a complexos e conflitos no sentido clássico, mas deriva de conflitos de
consciência, de colisões de valores e, last but not least, de uma frustração
existencial, a qual, uma vez ou outra, pode expressar-se e manifestar-se sob a forma
de uma sintomatologia neurótica. E é graças a James C. Crumbaugh, diretor de um
laboratório de psicologia em Mississipi, que já dispomos de um teste (o PIL ou
Purpose in Life-Test), elaborado pelo próprio Crumbaugh, com o objetivo
específico de diferenciar o diagnóstico da neurose noogênica daquele
da psicogênica.3 Após avaliar os dados com a ajuda de um computador, ele chegou
à conclusão de que a neurose noogênica constitui uma nova patologia, que supera o
2 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

âmbito da psiquiatria tradicional não só da perspectiva do diagnóstico, mas também


da terapêutica.

Com respeito à frequência da neurose noogênica, contentar-nos-emos em reportar


aos resultados da investigação estatística alcançada por Niebauer e Lucas em Viena,
Frank M. Buckley em Worcester, Mass., Estados Unidos, Werner em Londres, Langen
e Volhard em Tübingen, Prill em Würzburg, Popielski na Polônia e Nina Toll em
Middletown, Conn., Estados Unidos. Análises dos testes mostraram que as neuroses
noogênicas estão presentes em média em 20% dos resultados.

Por fim, Elisabeth Lukas desenvolveu um novo teste que permite um diagnóstico
mais exato da frustração existencial, que compreende também o propósito de obter
possibilidades de intervenção tanto terapêutica como pro-filática: o “Logo-Test”.4

As estatísticas têm mostrado que, entre os estudantes americanos, o suicídio ocupa -


depois dos acidentes de trânsito - o segundo lugar como causa mais freqüente de
óbito. Ademais, o número de tentativas de suicídio (não resultando em morte) é
quinze vezes maior.

Recentemente, foi-me apresentada uma estatística marcante, aplicada a sessenta


estudantes da Idaho State University, na qual se indagou, com grande precisão, o
motivo pelo qual intentaram o suicídio. Dela resultou que 85% deles não conseguiam
ver nenhum sentido em suas vidas. O interessante, entretanto, é que 93% eram física
e psiquicamente saudáveis, tinham uma boa situação financeira e um excelente
entendimento com a família; desenvolviam uma vida socialmente ativa e estavam
satisfeitos com seus progressos acadêmicos. Não se poderia falar em hipótese
alguma de satisfação insuficiente de necessidades. Por isso, devemos perguntar-nos
qual foi a “condição de possibilidade” dessas tentativas de suicídio, o que deve
achar-se incorporado na “condition humaine” para que se possa chegar a uma
tentativa de suicídio apesar da satisfação das necessidades mais ubíquas. Bem, isso
só é possível se se admite que o homem

INTRODUÇÃO 13

destina-se verdadeiramente - e onde não mais, ao menos originalmente - a encontrar


um sentido em sua vida e a realizar esse sentido. Isso é o que também procuramos
descrever na logoterapia com o conceito motivacional teórico de “vontade de
sentido”. À primeira vista pode parecer, certamente, que se trata de uma
supervalorização do homem, como se quiséssemos colocá-lo sobre um pedestal bem
alto. Em relação a isso, veio-me à mente o que me disse, certa vez, o meu instrutor
de voo californiano:
Considerando que pretendo voar para o leste, enquanto do norte sopra um vento
lateral, meu avião terminaria por desviar-se para o sudeste; se, pelo contrário,
manobro a máquina para o nordeste, então voarei de fato para o leste e
aterrisso onde pretendia aterrissar.

Não acontece o mesmo com o homem? Tomemo-lo pura e simplesmente como ele é,
torná-lo-emos consequentemente pior. Tomemo-lo como deve ser, e convertê-lo-
emos no que ele pode tornar-se. Mas isso não me foi dito pelo meu instrutor de voo.
Essa é uma sentença de Goethe.

Como se sabe, existe uma psicologia que se chama a si mesma de “psicologia


profunda”. Entretanto, onde se encontra a “psicologia das alturas” - que inclui a
vontade de sentido em seu campo de visão? Em todo caso, não se pode menosprezar
a vontade de sentido como um mero desejo, um “wishful thinking”. Trata-se antes
de uma “self-fulfilling prophecy” [profecia autorrealizável], como nomeiam os
americanos uma hipótese de trabalho que, no fim das contas, leva ao mesmo fim que
projetou. E nós, médicos, presenciamos isso diariamente e de hora em hora em
nossos consultórios. Assim é, por exemplo, quando medimos a pressão arterial de
um paciente e verificamos que atinge 160. Se o paciente pergunta-nos sobre a
pressão arterial, e dizemos a ele “160”, já não lhe dizemos mais a verdade, pois ele
se agita e imediatamente a pressão chega a 180. Se, pelo contrário, lhe dizemos que
a sua pressão é praticamente normal, não o enganamos, e ele então respira aliviado e
nos confessa que receava tratar-se realmente de um acidente vascular cerebral, mas
que, aparentemente, se tratava de receio infundado. E, de fato, se lhe medíssemos
nesse momento a pressão, poderíamos constatar que esta havia voltado ao seu nível
normal.

14 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

Isso nos mostra, aliás, que é perfeitamente possível provar, de uma perspectiva
meramente empírica, o conceito de vontade de sentido. Limitar-me-ei aqui a referir-
me ao trabalho de Crumbaugh e Maholick5 bem como ao de Elisabeth S. Lukas, que
desenvolveu testes cuidadosamente elaborados a fim de quantificar a vontade de
sentido. Ademais, existem dezenas de dissertações, principalmente com auxílio
desses testes, que podem validar a teoria da motivação da logoterapia.

Não é possível aqui, dentro do tempo disponível, uma análise de todos esses
estudos. Não posso, contudo, privar-me de trazer ao debate os resultados de
pesquisas concluídas por aqueles que não são alunos meus. Quem poderia,
portanto, duvidar da vontade de sentido - note-se bem: nada mais, nada menos do
que a motivação especificamente humana - ao ter em mãos o relatório do
American Council on Education, segundo o qual o interesse primário de 73,7% de
189.733 estudantes de 360 universidades reside em “conseguir uma concepção de
mundo a partir da qual a vida encontra um sentido”? Ou consideremos o relatório do
National Institute of Mental Health: entre 7.948 estudantes de escolas superiores,
o grupo dos melhores (78%) queria “encontrar um sentido em suas vidas”.

O mesmo se pode dizer de adultos, e não apenas de jovens. O University of Michigan


Survey Research Center fez uma pesquisa entre 1.533 trabalhadores a respeito do
valor que davam ao próprio trabalho. A pesquisa constatou que o interesse por uma
boa remuneração ocupava o quinto lugar na escala de valores. A contraprova, do
citado exemplo, foi conduzida pelo psiquiatra Robert Coles: os trabalhadores com
os quais teve a oportunidade de conversar queixavam-se, acima de tudo, de um
sentimento de vazio. Assim, pode-se compreender aquilo que Joseph Katz, da State
University of New York, profetizou: a próxima leva de pessoas que entrar na
indústria só tem interesse por profissões que não apenas rendam bom salário, mas
que também deem um sentido à vida.

Evidentemente, o que mais deseja o doente, em primeiro lugar e antes de tudo, é


recuperar a saúde; e o pobre, ter um bom dinheiro (“se eu fosse rico”, canta

INTRODUÇÃO 15

o leiteiro no musical Um violinista no telhado). No entanto, é inegável que ambos


desejam conduzir a vida ao seu sentido, para poder realizar o sentido de suas vidas!

Bastante conhecida é a distinção que Maslow fez entre as necessidades inferiores e


superiores: a satisfação das necessidades inferiores é a condição indispensável para
se poderem satisfazer as superiores. Entre as necessidades superiores ele inclui
também a vontade de sentido. E não apenas isso; ele a qualifica de
“motivação primária do homem”. Isso eqüivale a dizer que ao homem só é dado
conhecer a exigência de um sentido de vida quando ele está bem (“primeiro vem o
estômago, depois a moral”). Entretanto, contrariamente a isso, temos - e não somente
nós, os psiquiatras - a oportunidade de observar, repetidas vezes, que a necessidade
e a questão de um sentido de vida irrompem justamente quando as coisas beiram o
desespero. É o que podem testemunhar, entre nossos pacientes, os moribundos,
bem como os sobreviventes dos campos de concentração e os prisioneiros de guerra!

Por outro lado, a questão do sentido da vida evoca não só a frustração das
necessidades inferiores, mas também, evidentemente, a satisfação das necessidades
inferiores, no âmbito, por exemplo, da “affluent society” (ver p. 28). Claro que não
estaremos em erro se dissermos que nessa aparente contradição avistamos uma
confirmação de nossa hipótese, segundo a qual a vontade de sentido é uma motivação
sui generis, que não pode reduzir-se a outras necessidades nem pode deduzir-se
delas (conforme empiricamente demonstrado por Crumbaugh e Maholick e também
por Kratochvil e Planova).
Deparamo-nos aqui com um fenômeno humano que considero fundamen-taldo ponto
de vista antropológico: a autotranscendência da existência humana! O que pretendo
descrever com isso é o fato de que o ser humano sempre aponta para algo além de si
mesmo, para algo que não é ele mesmo - para algo ou para alguém: para um sentido
que se deve cumprir, ou para um outro ser humano, a cujo encontro nos dirigimos
com amor. Em serviço a uma causa ou no amor a uma pessoa, realiza-se o homem a
si mesmo. Quanto mais se absorve em sua tarefa, quanto mais se entrega à pessoa
que ama, tanto mais ele é homem e tanto mais é si mesmo. Por conseguinte, só pode
realizar a si mesmo à medida que se esquece de si mesmo, que não repara em si
mesmo. Não é isso que acontece com o olho, cuja capacidade ótica depende de que
não veja a si mesmo? Quando o

16 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

olho vê algo de si mesmo? Somente quando está doente: por exemplo, quando sofro
de uma catarata, então vejo uma nuvem - e com isso percebo a turbidez do cristalino.
E quando padeço de um glaucoma, vejo então um halo de cores do arco-íris em torno
das fontes de luz - que é, por sua vez, o glaucoma. No entanto, na mesma proporção,
essa percepção afeta e míngua a capacidade do meu olho de perceber o ambiente ao
meu redor.

Aqui devemos falar, porém, dos resultados parciais (de um total de noventa) de uma
pesquisa empírica feita pela Sra. Lukas. Esta revela que, entre os visitantes do
célebre Wiener Prater (um grande parque público de Viena), um lugar de diversão, o
nível objetivo de frustração existencial era significativamente superior à média do
nível da população vienense (o qual, por seu turno, revelava valores sensivelmente
iguais àqueles medidos e publicados por autores americanos e japoneses). Em outros
termos, a pessoa que se dedica especialmente ao prazer e às diversões é aquela que,
em relação à sua vontade de sentido, ao fim, se mostra frustrada ou - para usar
novamente as palavras de Maslow - presa ao seu desejo primário.

Isso me faz lembrar uma anedota americana a respeito de um homem que se encontra
na rua com seu médico particular, o qual lhe pergunta pelo seu estado de saúde.
Durante a conversa, o paciente confessa que vem sofrendo ultimamente de uma certa
surdez. “É provável que o senhor esteja bebendo muito”, adverte-o o médico. Alguns
meses mais tarde, voltam a encontrar-se na rua, e novamente o médico toma interesse
pela saúde de seu paciente, elevando a voz para se fazer ouvir. “Oh”, diz este então.
“O senhor não precisa falar tão alto! Voltei a ouvir muito bem”. “Certamente o
senhor parou de beber”, retruca o médico. “Isso é perfeitamente correto, continue
assim”. Alguns outros meses mais tarde: “Como vai o senhor?” “O que disse?”
“Perguntei como vai o senhor”. Finalmente o paciente entende. “Bem, como o senhor
percebe, minha audição piorou”. “É provável que o senhor tenha voltado a beber”. O
paciente então explica toda a conversa: “Veja o senhor: antes eu bebia e ouvia mal.
Depois, deixei de beber e estava ouvindo melhor. No entanto, o que eu ouvia não era
tão bom como o uísque”. Podemos, pois, dizer o seguinte: na ausência de um sentido
de vida, cuja realização o teria tornado feliz, ele procurou alcançar a felicidade
evitando toda realização de sentido, apoiando-se

INTRODUÇÃO 17

numa substância química. De fato, o sentimento de felicidade, que em circunstâncias


normais nunca é proposto como uma meta da aspiração humana, mas somente como
um fenômeno concomitante do alcance-do-próprio-escopo - um “efeito” de menor
importância, que foi justamente possibilitado pelo consumo do álcool. B. A. Maki,
diretor do Naval Alcohol Rehabilitation Center, afirma: “no tratamento dos
alcoolizados, muitas vezes, constatamos que a vida parece ter perdido todo sentido
para o indivíduo”. Uma de minhas alunas da United States International University de
San Diego pôde apresentar, no andamento de suas pesquisas (cujos resultados reuniu
depois em forma de dissertação), a prova de que 90% dos casos crônicos de
alcoolismo agudo por ela examinados revelavam um pronunciado vazio existencial:
então se compreende melhor o fato de que numa logoterapia de grupo para superar a
frustração existencial, conduzida por Crumbaugh, obtive-ram-se melhores resultados
nos casos de alcoolismo do que no âmbito de grupos de controle tratados com os
métodos da terapia convencional.

O mesmo se pode dizer, de modo análogo, dos dependentes de drogas. Se levarmos


em conta a opinião de Stanley Krippner, o sentimento de vazio nos viciados em
drogas está em 100% dos casos. Em 100% dos casos, ao se lhes colocar a pergunta
se tudo lhes parecia sem sentido, a resposta foi, sem exceção, afirmativa. Uma de
minhas doutorandas, Betty Lou Padelford, demonstrou, como Shean e Fechtman, que
nos dependentes de drogas a frustração existencial é mais de duas vezes maior do
que no grupo de comparação. E novamente é compreensível que Fraiser, que dirige
um centro de reabilitação de dependentes de droga na Califórnia, onde introduziu a
logoterapia, tenha alcançado uma taxa média de êxito de 40% - muito acima da
média comum de 11%.

Nesse contexto, cabe finalmente citar Black e Gregson, estudiosos da Nova Zelândia.
Segundo eles, os criminosos apresentam um grau de frustração existencial
substancialmente superior à média da população. Casa-se bem com isso o trabalho
realizado por Barber entre jovens criminosos levados a seu centro de reabilitação
californiano e tratados com o método da logoterapia: reduziu-se aí o índice de
reincidência de 40% para 17%.

Poderíamos agora dar mais um passo e estender nossas reflexões e considerações a


uma escala planetária. Isto é, lançarmo-nos à pergunta se não se faz

18 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO


necessária uma reorientação no domínio da investigação da paz. De fato, desde há
muito essa investigação vem de braços dados com a problemática do potencial
agressivo segundo o sentido compreendido por Sigmund Freud e também por Konrad
Lorenz. Na realidade, permanecemos como antes, com as mesmas questões, em uma
dimensão sub-humana sem ousar ascender a uma dimensão humana. Todavia, é na
dimensão dos fenômenos especificamente humanos - a única na qual podemos
encontrar algo como a vontade de sentido - que se poderia verificar, em definitivo,
que a frustração dessa mesma vontade de sentido, a frustração existencial e o
sentimento de vazio cada vez mais crescente - note-se bem: não no animal, mas no
ser humano, no plano humano! - promovem a agressividade, ou, ao menos, são seu
alicerce.

Tanto o conceito de agressividade de fundamento psicológico, no sentido da


psicanálise de Sigmund Freud, como o de fundamento biológico, no sentido de
investigação comparada do comportamento feita por Konrad Lorenz, carecem de um
elemento; a saber, a análise da intencionalidade, que é o que caracteriza o impulso
vital do homem enquanto tal, enquanto ser humano. Na dimensão dos fenômenos
humanos simplesmente inexiste, em uma quantidade determinada, uma agressividade
que force uma saída e me impulsione como “sua vítima indefesa”, procurando
determinados objetos concretos sobre os quais, ao fim, “aquietar-se”. Por mais que a
agressividade tenha uma pré--formação biológica e um fundamento psicológico, ao
nível humano eu a deixo de lado, deixo que ela se disperse por superação (numa
perspectiva hegeliana) em uma outra coisa completamente diferente: ao nível humano
eu odeio! E o ódio, precisamente em contraposição à agressividade, é
intencionalmente dirigido a algo que odeio.

Ódio e amor são fenômenos humanos porque são intencionais, porque o homem tem
sempre motivos para odiar algo e para amar a alguém. Trata-se sempre de um motivo
sobre o qual ele atua, e não de uma causa (psicológica ou biológica) que, “às suas
costas” e “sobre sua cabeça”, tenha como conseqüência a agressividade e a
sexualidade (encontramo-nos diante de uma causa biológica no experimento de W. R.
Hess, no âmbito do qual se conseguiu provocar acessos de cólera em um gato -por
meio de eletrodos colocados na região subcortical de seu cérebro).

INTRODUÇÃO 19

Quão injustos para com os combatentes da resistência contra o nacional--socialismo,


se os considerássemos meras vítimas de um “potencial agressivo”, o qual, mais ou
menos aleatoriamente, se havia dirigido contra Adolf Hitler. Intrin-secamente, eles
não pensavam, com suas lutas, estar num combate contra ele, senão contra o
nacional-socialismo, um sistema. Não se voltaram contra a pessoa, mas contra um
objeto. E, intrinsecamente, só somos realmente nós mesmos quando podemos ser,
nesse sentido, “objetivos”, também verdadeiramente humanos; somente quando, a
partir dessa objetividade, somos capazes não só de viver para uma causa, mas
também de morrer por ela.

Enquanto a investigação da paz restringir-se a interpretar a agressividade como um


fenômeno sub-humano e não analisar o fenômeno humano do “ódio”, estará
condenada à esterilidade. O homem não cessará de odiar se o levarmos a crer que é
dominado por impulsos e mecanismos. Esse fatalismo ignora que, sempre que sou
agressivo, não contam os mecanismos e os impulsos que existem em mim, que podem
estar em meu “id\ senão que sou aquele que odeia e que para isso não há desculpas,
e sim responsabilidade.

Acresce ainda o fato de que o discurso sobre os “potenciais agressivos” trazem em


si a intenção de canalizá-los ou sublimá-los. Todavia, como provaram os
pesquisadores da escola de Konrad Lorenz, a agressividade - por exemplo, diante da
televisão - deveria ser dirigida a objetos inofensivos e neutralizando sobre eles seu
poder, quando na realidade, ao contrário, é provocada e, como um reflexo, mais
fomentada.

Além disso, a socióloga Carolyn Wood Sherif relatou que é falsa a noção popular de
que as competições esportivas sejam um substituto, sem derramamento de sangue, da
guerra: três grupos de jovens, colocados num acampamento isolado, tinham
fortalecido, e não mitigado, as agressões de uns contra os outros em competições
esportivas. Mas o inesperado veio depois: uma única vez deixaram de lado suas
mútuas agressões, como se tivessem sido levadas para longe. Foi quando tiveram de
mobilizar-se para tirar de um atoleiro um dos carros encarregados de levar víveres
ao acampamento; essa “entrega a uma tarefa”, desgastante porém sensata,
literalmente os fez “esquecer” suas agressões.

Aqui vejo uma indicação frutífera para uma investigação da paz muito mais
apropriada do que as intermináveis ruminações de discursos sobre os potenciais

O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

agressivos, conceito com o qual se faz crer aos homens que a violência e a guerra
sejam partes de seu destino.

Esse tema já foi por mim analisado em outro lugar.6 Contentar-me-ei então de indicá-
lo e ceder a palavra a Robert Jay Lifton - um especialista internacional na área - que
em seu livro History and Human Survival escreveu o seguinte: “Os homens são
propensos a matar, sobretudo quando se encontram em um vazio de sentido”. De fato,
os impulsos agressivos parecem proliferar, principalmente, ali onde se faz presente o
vazio existencial.

O que vale para a criminalidade, aplica-se também à sexualidade: somente no vazio


existencial prolifera a libido sexual. Essa hipertrofia no vazio aumenta a disposição
às reações sexuais neuróticas. Pois o que se disse antes a respeito da felicidade e de
seu caráter de “efeito”, não é menos válido em relação ao prazer sexual: quanto
mais alguém busca o prazer, tanto mais ele o perde. E com base em uma
experiência clínica de várias décadas, ouso afirmar que as perturbações de potência
e orgasmo reduzem-se, na maioria dos casos, a esse padrão de reação, quer dizer, ao
fato de que a sexualidade é distorcida na exata medida em que é reforçada a sua
intenção e se concentra sobre ela a atenção. Quanto mais se desvia a atenção do
parceiro para se concentrar no ato sexual em si, tanto mais comprometido fica o
ato sexual. Isso é bem verificável naqueles casos em que nossos pacientes se sentem
impelidos a demonstrar, antes de tudo, sua potência, ou nos quais nossas pacientes se
interessam, antes de tudo, em provar a si mesmas que são realmente capazes de
alcançar um orgasmo completo e que, ao fim, não sofrem de frigidez. Vemos
novamente que se trata de “alcançar” algo que é normalmente um “efeito” - e é assim
que deve permanecer, a não ser que isso também já esteja destruído.

Esse perigo se mostra maior quando a sexualidade prolifera em larga escala no vazio
existencial. Confrontamo-nos hoje em dia com uma inflação sexual que, como toda
inflação - a do mercado monetário, por exemplo - anda lado a lado

INTRODUÇÃO 21

com a desvalorização. Na verdade, a sexualidade está tão desvalorizada quanto está


desumanizada. Entretanto, a sexualidade humana é mais do que mera sexualidade, e
o é à medida que - em um plano humano - ela é um veículo de relações transexuais
(para além do sexo), pessoais: que, naturalmente, não se deixa apertar em um leito
de Procusto feito de clichês tais como “anseios de objetivo inibitivo” ou “meras
sublimações”, somente porque se prefere negar a realidade enquanto se rompe o
quadro de simplificações populares. (Como demonstrou Eibl-Eibesfeldt, essa
deformação do funcionamento da sexualidade não se produz apenas no plano humano
mas também em um nível sub-humano: também a sexualidade animal pode ser mais
do que mera sexualidade. Evidentemente não se encontra esta, como a humana, a
serviço das relações pessoais, ainda que estejamos cientes de que a copulação do
babuíno-sagrado, por exemplo, sirva a um fim social, do mesmo modo que, em
termos gerais, o comportamento sexual dos “vertebrados se encontra a serviço de
uma finalidade social do grupo”).

Seria inclusive do mais intrínseco interesse daqueles aos quais não resta outra coisa
senão o prazer e o gozo sexual se estes se preocupassem em colocar seus contatos
sexuais num nível de relação com o parceiro para além do simples sexo, elevando-
os, portanto, a um nível humano. De fato, a sexualidade tem nesta dimensão humana
uma função de expressão: na dimensão humana ela se torna a expressão de uma
relação de amor, de uma “Fleischwerdung” - uma encarnação -, de algo como amar
ou estar amando. Que a sexualidade só pode ser feliz sob essas condições revela um
estudo recentemente realizado pela revista americana Psychology Today: das vinte
mil respostas à pergunta sobre aquilo que mais estimulava a potência e o orgasmo,
concluiu-se que o estímulo de maior confiança era o romantismo, ou seja, estar
apaixonado pelo parceiro: portanto, o amor a ele.

Porém, não apenas em direção à pessoa do parceiro, considerado a partir de um


ponto de vista da profilaxia das neuroses sexuais, é desejável a máxima
“personalização” possível da sexualidade, mas também em relação à própria pessoa.
O desenvolvimento sexual normal e o amadurecimento normal do ser humano tende a
uma crescente integração da sexualidade na estrutura geral da pessoa. A partir
disso, vê-se claramente que o contrário, o isolamento completo da sexualidade,
contraria todas as tendências de integração e, com isso, favorece

22 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

as tendências neurotizantes. A desintegração da sexualidade - o “seu romper” da


totalidade transexual pessoal e interpessoal - significa uma regressão.

No entanto, por trás dessas tendências regressivas pressente a indústria do prazer


sexual sua chance única, um negócio singular. Põe em jogo a dança ao redor do
porco de ouro. Visto, novamente, a partir de uma perspectiva da profilaxia
das neuroses sexuais, o grave nisso tudo é a coação ao consumo sexual que procede
da indústria da informação. Nós, psiquiatras, conhecemos de nossos pacientes
como eles se sentem ao se verem coagidos, por uma opinião pública manipulada
pela indústria da informação, a interessar-se pelo sexual em si mesmo, ou seja, no
sentido de uma sexualidade despersonalizada e desumanizada. Mas sabemos
igualmente quanto isso se prestou para enfraquecer a potência e o orgasmo. E quem,
por conseguinte, pondera que sua salvação está no refinamento de uma técnica do
amor, não faz mais do que matar o resto daquela espontaneidade, daquilo que é
direto, daquela naturalidade e daquela ingenuidade que são a condição e o
pressuposto de um funcionamento sexual normal de que tanto precisam os neuróticos
sexuais. Isso não quer dizer de modo algum que pretendemos manter qualquer tabu
ou que nos posicionamos contra a liberdade da vida sexual. Mas a liberdade,
defendida por aqueles que a têm sempre na ponta da língua, é, em última instância,
a liberdade de fazer bons negócios com ajuda da assim chamada informação.
Na realidade, é nada mais do que alimentar os psicopatas sexuais e os voyeurs
com material para suas fantasias. Informação, tudo bem. Mas devemos perguntar-
nos: informação para quem? E temos de esclarecer, antes de tudo, a opinião
pública acerca do fato de que, não faz muito tempo, o proprietário de um cinema que
passava principalmente os chamados filmes de informação declarou numa
entrevista à televisão: com raras exceções, o seu público sequioso compunha-se de
pessoas com idade entre seus 50 e 80 anos... Contra a hipocrisia na vida sexual
somos todos; mas é preciso também proceder contra aquela hipocrisia dos que
dizem “liberdade” pensando, contudo, no lucro.

Retornemos ao vazio existencial, ao sentimento de vazio. Certa vez, Freud escreveu


numa carta o seguinte: “No momento em que alguém se pergunta pelo sentido e valor
da vida, este alguém está doente, porque os dois problemas não existem de forma
objetiva; a única coisa que se pode reconhecer é que se tem

INTRODUÇÃO 23

uma provisão de libido insatisfeita”. Pessoalmente, não posso acreditar nisso. Julgo
que não só é algo especificamente humano perguntar-se pelo sentido da vida, senão
que é também próprio do homem colocar esse sentido em questão. É um privilégio
particularmente dos jovens dar provas de seu amadurecimento ao considerar em
primeiro lugar o sentido da vida e, deste privilégio, fazer bastante uso (ver nota na p.
11).

Einstein afirmou uma vez que quem sente que sua vida não tem sentido, não apenas é
infeliz senão também pouco capaz de viver. De fato, pertence à vontade de sentido
algo daquilo que a psicologia americana qualifica como “survival value". Não foi
essa, afinal de contas, a lição que pude levar comigo de Auschwitz e Dachau: que os
que se mostraram mais aptos a sobreviver, ainda mais em tais situações limites,
foram aqueles que, reafirmo, estavam orientados para o futuro, para uma tarefa que
os esperava mais adiante, para um sentido que desejavam realizar. E os psiquiatras
americanos puderam confirmar mais tarde esta experiência com os campos de
prisioneiros de guerra japoneses, norte-vietnamitas e norte-corea-nos. Agora, o que
vale para os indivíduos não pode valer igualmente para a humanidade inteira? E não
deveríamos também, no âmbito da denominada investigação da paz, colocar a
questão de que talvez a única oportunidade de sobrevivência da humanidade se
encontre numa vontade geral para com um sentido coletivo?

Essa questão não pode ser resolvida somente por nós psiquiatras. Ela deve manter-
se aberta, ou ao menos precisa ser levantada. E ser levantada, como já dissemos, no
plano humano, o único no qual podemos encontrar a vontade de sentido e sua
frustração. E isso vale também para a patologia do espírito da época, assim como a
conhecemos pela teoria das neuroses e da psicoterapia do indivíduo: precisamos,
contra as tendências despersonalizantes e desumanizantes, que por toda parte se
ampliam, de uma psicoterapia reumanizada.

O que dissemos anteriormente? Cada época tem suas neuroses, e cada época precisa
de sua psicoterapia. Agora sabemos mais: somente a psicoterapia reumanizada pode
compreender os sintomas da época - e reagir às necessidades de nosso tempo.

No entanto, retomando agora o sentimento de vazio, perguntemos: podemos por


acaso dar um sentido ao homem de hoje, existencialmente frustrado?

24 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

Podemos sentir-nos satisfeitos se não já foi arrancado ao homem de hoje esse


sentido em conseqüência de uma doutrinação reducionista. Deveria o sentido ser
factível?

É possível reanimarmos as tradições perdidas ou mesmo os instintos perdidos? Ou


ainda vigoram as palavras de Novalis segundo as quais não há volta à ingenuidade e
que a escada pela qual ascendemos veio abaixo?

Dar sentido implica uma finalidade moralizante. E a moral, no sentido antigo,


esgotar-se-á em breve. Mais dia menos dia, deixaremos de moralizar, passando,
contrariamente, a ontologizar a moral - o bem e o mal não serão mais definidos no
sentido de algo que devemos ou não devemos fazer. Assim, o bem é aquilo
que promove o cumprimento de um sentido aplicado e exigido a um ser, e o mal
aquilo que impede esse cumprimento.

O sentido não pode ser dado; antes, tem de ser encontrado. E esse processo de
encontro do sentido tem como finalidade a percepção de uma Gestalt, uma figura. Os
fundadores da psicologia da Gestalt, Lewin e Wertheimer, já falavam de um caráter
de exigência, que vem ao nosso encontro em cada uma das situações com as quais
confrontamos a realidade. Wertheimer chegou ao ponto de atribuir a cada exigência
(“requiredness”), implicada em cada situação, uma qualidade objetiva (“objective
quality”). A propósito, diz também Adorno: “O conceito de sentido envolve a
objetividade além de todo agir”.

O que distingue o encontro de sentido, em comparação com a percepção gestáltica, é,


no meu entender, o seguinte: o que se percebe não é simplesmente uma figura, que
nos salta ante os olhos a partir de um “fundo”. Mas sim, na percepção-de-sentido, a
descoberta de uma possibilidade a partir do fundo da realidade. E essa
possibilidade é sempre única. Efêmera. Contudo, somente ela é efêmera. Se essa
possibilidade de sentido se realiza, se o sentido é cumprido, então se cumprirá de
uma vez por todas.

O sentido deve ser encontrado, mas não pode ser produzido. O que se deixa
produzir é um sentido subjetivo, um mero sentimento de sentido, ou de absoluta falta
de sentido. E isso é naturalmente compreensível se pensarmos que o homem, que não
é mais capaz de encontrar um sentido em sua vida, nem tampouco de inventá-lo, a
fim de evadir-se do sentimento de vazio, de absurdo ou de falta de

INTRODUÇÃO 25
sentido cada vez mais difuso, crie arbitrariamente sentidos subjetivos ou contras-
sentidos: enquanto aquele acontece num palco - teatro do absurdo! este se dá na
embriaguez, no êxtase, especialmente naquele estimulado pelo LSD. No
entanto, nessa embriaguez corre-se o risco de passar longe do verdadeiro sentido, da
missão autêntica que nos espera lá fora, no mundo (em contraposição às vivências
de sentido meramente subjetivas, em si mesmas). Isso me faz lembrar os animais de
laboratório que tiveram eletrodos plantados em seu hipotálamo por pesquisadores
californianos. Sempre que a corrente era conectada, os animais experimentavam um
sensação de contentamento, quer de impulso sexual, quer de impulso ao alimento.
Por fim, eles próprios aprenderam a conectar a corrente, ignorando, contudo, o
parceiro sexual e o alimento verdadeiro que lhes eram oferecidos.

O sentido não só deve, mas pode ser encontrado, e a consciência conduz o homem
em sua busca. Em síntese, a consciência é um órgão do sentido. Podemos defini-la,
então, como a capacidade intuitiva de descobrir o rastro do sentido -único e singular
- escondido em cada situação.

A consciência é um dos fenômenos mais especificamente humanos; mas não apenas


humano. É também demasiadamente humano, e de tal maneira que participa na
condition humaine, e portanto é marcada por sua finitude. Só assim se compreende
como a consciência pode, às vezes, enganar-se e também desviar o homem. Mais do
que isso: até o derradeiro momento, até o último suspiro, o homem não sabe se
realmente cumpriu o sentido da vida ou antes somente acreditou tê-lo cumprido:
ignoramus et ignorabimus. Desde Peter Wust, “incerteza e risco” pertencem ao
mesmo grupo. Por mais que a consciência possa deixar o homem na incerteza quanto
à questão de saber se compreendeu e capturou o sentido de sua vida, essa
“incerteza” não o destituirá do “risco” de obedecer à sua consciência ou, em
primeiro lugar, de escutar a sua voz.

Mas não só o “risco” pertence àquela “incerteza”, senão igualmente a humildade. O


fato de que nem em nosso leito de morte chegaremos a saber se o órgão-do-sentido,
nossa consciência, foi ou não subjugado a um engano-do--sentido, significa
igualmente que é a consciência dos outros aquela que pode ter razão. Isso não quer
dizer que não existe nenhuma verdade. Só pode existir uma verdade; mas ninguém
pode saber se é ele e não um outro que a tem. Humildade

26 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

significa, portanto, tolerância. Tolerância, contudo, não quer dizer indiferença,


porque respeitar a fé dos que pensam diferente não significa
necessariamente identificar-se com esta.

Vivemos numa era em que o sentimento de vazio se propaga intensamente. Nesta


nossa época, a educação tem de cuidar não só de transmitir o conhecimento, mas
também de refinar a consciência, de modo que o homem aguce o ouvido a fim de
perceber as exigências e desafios inerentes a cada situação. Em um tempo no qual os
Dez Mandamentos parecem perder o seu valor para tantos e muitos, o homem tem de
estar preparado para perceber os dez mil mandamentos cifrados em dez mil
situações com as quais ele confronta sua vida. Porque isso não só faz com que sua
vida se apresente novamente plena de sentido, senão que ele próprio também se
imunize contra o conformismo e o totalitarismo - essas duas conseqüências do vazio
existencial; pois somente uma consciência desperta o torna “resistentemente-capaz”,
de modo que ele nem se sujeite ao conformismo nem se curve ao totalitarismo.

De um modo ou de outro: mais do que nunca a educação é, hoje em dia, uma


educação para a responsabilidade. E ser responsável significa ser seletivo, ser
meticuloso. Vivemos no ventre de uma affluent society, vivemos inundados de
estímulos provenientes dos mass media e vivemos na era da pílula. Se não
quisermos afogarmos numa torrente de estímulos, e nem perecer numa promiscuidade
completa, então devemos aprender a distinguir entre o que é essencial e o que não é,
entre o que tem sentido e o que não tem, entre o que é responsável e o que não é.

Sentido é, por conseguinte, o sentido concreto em uma situação concreta. É sempre


“a exigência do momento”. Esta, por seu turno, encontra-se sempre direcionada a
uma pessoa concreta. E assim como cada situação tem sua singularidade, de igual
modo cada pessoa tem algo de singular.

Cada dia, cada hora, atende, pois, com um novo sentido, e a cada homem espera um
sentido distinto. Existe, portanto, um sentido para cada um, e para cada um existe um
sentido especial.

De tudo isso resulta o fato de que o sentido, de que aqui se trata, deve mudar de
situação para situação e de pessoa para pessoa. Ele é, contudo, onipresente. Não há
nenhuma situação na qual a vida cesse de oferecer uma possibilidade de sentido,

INTRODUÇÃO 27

e não há nenhuma pessoa para quem a vida não coloque à disposição um dever. A
possibilidade de realização de um sentido é, em cada caso, única, e a personalidade
que pode realizar-se é igualmente singular em cada caso. Na literatura logote-
rapêutica encontram-se os trabalhos publicados de Casciani, Crumbaugh,
Dansart, Durlak, Kratochvil, Lukas, Mason, Meier, Murphy, Planova, Popielski,
Richmond, Ruch, Sallee, Smith, Yarnell e Young, dos quais se conclui que a
possibilidade de se encontrar um sentido na vida é independente do sexo, do
coeficiente de inteligência, do nível de formação; é independente de sermos
religiosos ou não,7 e, se somos religiosos, de que professemos esta ou aquela
confissão. Por fim, demonstrou-se que a descoberta de um sentido é independente do
caráter e do ambiente.
Nenhum psiquiatra, nenhum psicoterapeuta - também nenhum logotera-peuta - pode
dizer a um paciente qual é o sentido; contudo, pode muito bem afirmar que a vida tem
um sentido. Sim, e mais: que este se conserva, sob quaisquer condições e
circunstâncias, graças à possibilidade de encontrar um sentido também no
sofrimento. Uma análise fenomenológica da vivência imediata, autêntica, tal como
podemos experimentar no despretensioso e simples “homem da rua”, e que precisa
apenas ser traduzida para uma terminologia científica, propriamente revelaria que o
homem não só - em virtude de sua vontade de sentido - procura um sentido, senão
que igualmente o encontra, por três caminhos. Em primeiro lugar, vê um sentido no
que faz ou cria. A par disso, descobre um sentido nas experiências que vive ou em
amar alguém. Mas também descobre, eventualmente, um sentido em uma situação
desesperadora com a qual, desamparado, se defronta. O que realmente conta é a
firmeza e a atitude com que ele vai ao encontro de um destino inevitável e
irrevogável. Somente a firmeza e a atitude permitem que o homem dê testemunho de
algo daquilo que só ele é capaz: transformar e remodelar o sofrimento no nível
humano para torná-lo uma realização. Um estudante de medicina dos Estados Unidos
me escreveu:

28 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

Recentemente, faleceu um de meus melhores amigos porque não conseguia


encontrar um sentido. Hoje, contudo, eu sei que poderia muito bem tê-lo
ajudado, graças à logoterapia, se ele estivesse vivo. A sua morte, todavia, me
servirá para ajudar aqueles que sofrem. Acredito não haver um motivo mais
profundo. Apesar da tristeza pela morte de meu amigo, apesar de minha
corresponsabilidade pela sua morte, sua existência - e seu não--mais-ser - é algo
excepcionalmente carregado de sentido. Se algum dia eu tiver forças para
trabalhar como médico e me encontrar à altura de minha responsabilidade, então
ele não terá morrido em vão. Mais do que qualquer outra coisa no mundo, quero
realizar isto: impedir que uma tragédia como esta aconteça novamente - que não
aconteça a mais ninguém.

Não há nenhuma situação de vida que seja realmente sem sentido. Isso ocorre porque
os aspectos aparentemente negativos da existência humana, especialmente aquela
tríade trágica na qual convergem o sofrimento, a culpa e a morte também podem
plasmar-se em algo positivo, numa realização. Mas, é claro, mediante uma atitude e
firmeza adequadas.

E ainda há um vazio existencial. E isso no meio de uma “affluent society”, que não
deveria deixar insatisfeita nenhuma das necessidades que Maslow denominou
fundamentais. Isso se deve ao fato de que essa sociedade só satisfaz necessidades,
mas não a vontade de sentido. “Tenho 22 anos”, escreveu-me certa vez um estudante
americano. “Tenho uma formação universitária, tenho um carro de luxo, usufruo de
uma completa independência financeira e tenho à minha disposição mais sexo e
prestígio do que sou capaz de suportar. Mas o que me pergunto é qual o sentido de
tudo isso.”

A sociedade do bem-estar traz consigo uma profusão de tempo livre que oferece, é
verdade, ocasião para se configurar uma vida plena de sentido, mas que, na
realidade, não faz senão aflorar o vazio existencial, tal como podem observar os
psiquiatras nos casos da chamada “neurose dominical”. E esta, ao que
parece, encontra-se a aumentar. Quanto a isso, enquanto o Institut für Demoskopie
de Allensbach, em 1952, comprovava que a quantidade de pessoas que
considerava o domingo um dia demasiadamente longo perfazia os 26%, hoje a cifra
chega aos 37%. E torna compreensível o que afirma Jerry Mandei:

INTRODUÇÃO 29

A técnica poupou-nos de empregar todas as nossas capacidades em prol da luta


pela existência. Criamos, portanto, um Estado de bem-estar social que garante
que se possa enfrentar a vida sem esforço pessoal. Quando se chegar ao ponto
em que, graças à técnica, 15% da população americana será suficiente para
atender as necessidades de toda a nação, então se apresentarão a nós dois
problemas: quem fará parte desses 15% que irão trabalhar e o que deverão
fazer os demais com seu tempo livre -e com a perda do sentido da vida? Pode
ser que a logoterapia tenha mais o que dizer aos Estados Unidos do próximo
século do que já tenha dado aos Estados Unidos deste século.

Infelizmente, a problemática, aqui e agora, é outra: frequentemente é o desemprego


que conduz à abundância de tempo livre, e já em 1933 descrevi a patologia de uma
“neurose de desemprego”. Sem trabalho, a vida parecia às pessoas um absurdo - elas
mesmas sentiam-se inúteis. O mais opressivo não era o desemprego em si, mas o
sentimento de vazio existencial. O homem não vive só de seguro-desemprego.

Em contraposição aos anos 1930, a crise econômica hoje é de ordem energética.


Para nosso espanto, tivemos de descobrir que as fontes de energia não são perenes.
Espero que não se tome por uma frivolidade a afirmação que ouso fazer de que a
crise energética e seu impedimento inerente ao crescimento econômico oferecem, no
que diz respeito à nossa vontade de sentido frustrada, uma oportunidade única e
grandiosa. Temos a oportunidade de recuperar o “sen-ti-do”. À época do bem-estar
social, a maioria das pessoas tinha o suficiente para viver. Mas muitas não sabiam
para que viver. Doravante pode muito bem acontecer uma transposição de ênfase nos
meios de vida para um objetivo de vida, para o sentido da vida. E, ao contrário das
fontes de energia, o sentido é inesgotável e onipresente.
Com que direito, porém, arriscamo-nos a dizer que a vida cessa de ter um sentido
para alguém? Isso se deve ao fato de que o homem é capaz de converter uma situação
que, humanamente considerada, não tem saída em nenhuma realização. É por isso que
existe no sofrimento uma possibilidade de sentido. Evidentemente, estamos a falar de
situações insolúveis e inevitáveis que não se deixam modificar,

30 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

de um sofrimento com que não se pode acabar. Como médico, penso naturalmente
nas doenças incuráveis, em carcinomas que não se podem mais operar.

Ao cumprir um sentido, o homem realiza a si mesmo. Se cumprimos o sentido do


sofrimento, realizamos então o que de mais humano o homem tem; amadurecemos,
crescemos - crescemos para além de nós mesmos. Precisamente aí, onde nos
encontramos desamparados e desesperados, quando enfrentamos situações que não
se podem mudar, precisamente aí é que somos chamados, e nos é exigido, a mudar a
nós mesmos. E ninguém descreveu isso com mais exatidão do que Yehuda Bacon,
que esteve em Auschwitz quando ainda era um menino e sofreu de obsessões depois
de sua libertação:

Vi um enterro, com música e um magnífico caixão mortuário, e comecei a rir:


estão loucos, tudo isso por causa de um único cadáver? Quando ia a um concerto
ou ao teatro, tinha de calcular quanto tempo era preciso para exterminar, em
câmaras de gás, as pessoas ali reunidas, e quantas peças de roupa, dentes de
ouro e sacos de cabelos se poderiam juntar.

E então perguntaram a Yehuda Bacon que sentido poderiam ter os anos em que
passara em Auschwitz:

Quando rapaz, pensava: vou contar ao mundo o que vi em Auschwitz -na


esperança de que o mundo se tornasse outro. Mas o mundo não mudou, e o
mundo nada quis ouvir sobre Auschwitz. Só muito mais tarde
compreendi verdadeiramente qual é o sentido do sofrimento. O sofrimento tem
um sentido quando tu mesmo tornas-te outro.
Conferências proferidas no contexto da Semana Universitária da Universidade
de Salzburg, em 1957, a convite de sua direção.

vW!
1

O texto que se segue corresponde a conferências dadas em Varsóvia, a convite da


Sociedade Polonesa de Psiquiatria; na Aula da Universidade de Zurique, a convite
da Fundação Limmat; e em Munique, a convite da Fundação Carl-Friedrich-von-
Siemens. Demos a esta introdução o título de “O sofrimento de uma vida sem
sentido” porque boa parte dela reproduz passagens de duas conferências com esse
mesmo título. Do texto da primeira, pronunciada na Aula da Universidade de
Zurique, a Fundação Limmat (Rosenbühlstrasse 32, CH-8044, Zurique) dispõe de
cópias em forma de vídeo e áudio. Quanto à segunda, a Fonoteca Austríaca
(Webgasse 2*, A-1060, Viena) -um instituto do Ministério de Ciências - oferece
reproduções em fita cassete. Ademais, a Fundação Limmat lançou separatas de um
artigo publicado no Schweizerischen Akademiker- und Studenten-Zeitung com o
título “O sofrimento de uma vida sem sentido”, tomando por base, sem
modificações, a gravação em fita magnética.

Como Diana Young, uma doutoranda pela Universidade de Berkeley, pôde


demonstrar com testes e estatísticas: o sentimento de vazio se encontra
significativamente mais difundido entre os jovens do que entre os adultos. Ancora-se
nisso um argumento a favor de nossa teoria da perda da tradição como uma das duas
causas para o advento do sentimento de vazio. De fato, segundo essa teoria, a
separação da tradição, tão característica entre os jovens, tem intensificado o
sentimento de ausência de sentido.

Disponível em Psychometric Affiliates, Post Office Box 3167, Munster, Indiana


46321, USA. [Disponível on line em:
http://faculty.fortlewis.edu/burke_b/Personality/PIL.pdf. Acesso em 18 de junho de
2015.]

Viktor E. Frankl, “Zur Validierung der Logotherapie”. In: Der Wille zum Sirm. Berna,
Hans Huber, 1972 [Edição brasileira: Viktor E. Frankl, A Vontade de Sentido. Trad.
Ivo Studart Pereira. São Paulo, Paulus, 2011.]

James C. Crumbaugh; Leonard T. Maholick, “Em psychometrischer Ansatz zu Viktor


Frankls Konzept der ‘noogenen Neurose”’. In: Nikolaus Petrilowitsch, Die Sinnfrage
in der Psychoterapie. Darmstadt, 1972.

Viktor E. Frankl, “Existentielle Frustration ais ãtiologischer Faktor in Fállen von


agressivem Verhalten”. In: Festschrift für Richard Lange zum 70. Geburtstag.
Berlim, Walter de Gruyter, 1976.

Algo de que não precisamos admirarmo-nos, visto que consideramos que alguém,
tenha consciência religiosa ou não, pode muito bem ser religioso de maneira
inconsciente, ainda que o seja no sentido lato do termo, tal como o foram, por
exemplo, Albert Einstein, Paul Tillich e Ludwig Wittgenstein (ver p. 88-89).
Freud, Adler e Jung
Defrontar-se com o dever de falar da contribuição da psicoterapia à imagem do
homem de hoje significa defrontar-se com uma escolha; a saber, a escolha de
proceder principalmente de maneira histórica ou então principalmente de maneira
sistemática. E essa escolha significa uma tortura, porque no caso concreto da
maneira sistemática, teríamos de desenvolver uma polissistemática; pois, para o
atual estado do conhecimento e método psicoterapêuticos, vale uma variante da
sentença, que soaria assim: Quot capita tot systemata. Em outras palavras,
seria algo ilimitado pretender aqui analisar também os mais importantes e
correntes sistemas psicoterapêuticos. A não ser que intentasse exigir de meu público
uma paciência sobre-humana. Sim, mais do que isso: teria de presumir uma
apreciação insuficiente sobre o conhecimento da psicoterapia que já tem. Diante
desse dilema, decidi-me a abordar o tema não de modo histórico ou sistemático,
mas criticamente. Mas também, a respeito disso, dá-se que nem podemos limitar-
nos a um só dos grandes sistemas, nem tampouco estender-nos ao conteúdo geral
de cada um deles. O que somente interessa, portanto, é destacar um
denominador comum, isto é, no sentido concreto de sublinhar a fonte de perigos e
erros inerentes a todos os sistemas.

Espero que, no âmbito de minha exposição, se evidencie que o psicologismo


dinâmico é uma das mais consideráveis fontes de perigos e erros presentes na
atual psicoterapia. Muito menos conseguiram manter-se livre de todo o
psicologismo,

34 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

ou atuar livremente sobre ele, os três clássicos da sistemática psicoterapêutica,


Freud, Adler e Jung. Considerando que a psicoterapia atual jaz nas três colunas
da psicanálise, da psicologia individual e da psicologia analítica, parece
aconselhável ponderar as dúvidas antes mencionadas e depois passá-las em revista.

É-nos evidente que Freud foi “o” pioneiro puro e simples no campo da psicoterapia
e “o” gênio no que diz respeito à sua própria personalidade. Se de repente -se assim
posso expressar-me - me fosse exigido fazer um esboço dos ensinamentos de Freud,
eu diria que foi mérito seu haver colocado a questão do sentido, conquanto lhe desse
um significado diferente do nosso ou mesmo não lhe desse nenhuma resposta. À
medida que o fez, essa questão foi colocada no âmbito do espírito de seu tempo, isto
é, em um duplo aspecto: primeiro no aspecto material, uma vez que Freud
encontrava-se preso ao espírito da chamada cultura de veludo vitoriana - pu-dica de
um lado, lasciva, de outro -, e segundo, no aspecto formal, uma vez que
suas concepções tinham como base um modelo mecânico que não era de nenhum
modo o mais eficaz só porque se chamava (eufemisticamente) “dinâmico”.
Em especial, Freud se empenhou em interpretar o sentido dos sintomas neuróticos, o
que o levou a avançar sobre a vida inconsciente da alma, descobrindo assim, nem
mais nem menos, toda uma dimensão do ser psíquico. Mais tarde, no âmbito do
“inconsciente”, conseguimos ver e reconhecer algo mais do que meros instintos e
inconsciente instintivo, tendo conseguido comprovar a existência de algo assim como
um inconsciente espiritual, uma espiritualidade inconsciente e até uma fé
inconsciente;1 tudo isso faz parte de uma outra página e não restringe o mérito
histórico que observamos na obra e no pensamento de Freud.

Para Freud, o sentido dos sintomas neuróticos era inconsciente não apenas na
acepção de “esquecido”, mas também na acepção de “reprimido”. Quer
dizer, tratava-se de um sentido que fora empurrado para o inconsciente. Isso porque
tudo que se tornara inconsciente ou se fizera inconsciente era algo desagradável. No
entanto, os conteúdos respectivos da consciência eram desagradáveis segundo o
sistema de coordenadas daquela cultura vitoriana de veludo, de que se falou há
pouco.

' Viktor E. Frankl, A Presença Ignorada de Deus. Trad. Walter O. Schlupp e Helga
H. Reinhold. São Leopoldo, Sinodal / Petrópolis, Vozes, 2008.

1. FREUD, ADLER E JUNG

Compreende-se de igual modo que, para aqueles pacientes pudicos da passagem do


século, o que primeiro se levava em conta era a repressão da sexualidade.
Não esqueçamos, porém, que a extensão do conceito de sexualidade na psicanálise é,
de um lado, mais amplo do que o de genital, e, de outro, mais restrito do que o
conceito de libido cunhado por Freud.

Para a psicanálise, a neurose inclina-se, afinal, a um compromisso, a um


compromisso entre os instintos conflitivos entre si ou então entre as pretensões
de diversas instâncias intrapsíquicas, como as que são denominadas pela
psicanálise de id, ego e superego. Um compromisso é também a natureza daquilo que
Freud chamou de atos falhos, e o mesmo se pode dizer, por fim, da natureza do
sonho. Assim, para citar um exemplo, quando um nacional-socialista dizia que, em
uma daquelas famigeradas instituições onde se praticavam a eutanásia, se
“assassinavam” - e não se “internavam” - pacientes, ou quando um político socialista
falava -e eu a isso presenciei - não de “prevenção contra a concepção”, mas de
“prevenção contra a fatalidade”, é claro que em ambos os casos se impôs algo que
fora vítima da repressão ou que pelo menos fora condenado a ela.

Quanto ao sonho, o compromisso se dá por causa da pretensa censura do sonho, e foi


Max Scheler quem primeiro chamou a atenção para esse ponto fraco da psicanálise,
a saber, a aporia desse conceito, que reside na ideia de que a instância que reprime,
censura e sublima não é algo que se possa deduzir dos instintos, os quais
proporcionam o que do reprimido - e, consequentemente, não podem ser por si
mesmos o quem da repressão. Costumo explicar esse aspecto aos ouvintes de minhas
conferências por meio de uma comparação: ainda não aconteceu de um rio construir
sua própria represa.

No entanto, a psicanálise cometeu o erro de limitar o campo de visão não só em


relação a uma “genealogia da moral”, quer dizer, como um suposto apoio a favor da
repressão do instinto, mas também em relação à teleologia que domina o
ser psíquico, visto que pressupõe o princípio - deduzido da biologia - da
homeostase, o qual valeria, em primeiro lugar, no âmbito da natureza, e, em segundo,
no da cultura. Em síntese, e em sentido estrito, isso significaria tanto quanto admitir
que o homem está destinado ou se deixa destinar “a dominar e a remover o
acúmulo de excitações e estímulos que recaem sobre ele de dentro e de fora”, e que
“para

36 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

isso serve o aparato anímico”.1 “As tendências principais admitidas por Freud estão
pensadas em termos homeostáticos. Quer dizer, Freud explica toda ação
como colocada a serviço do restabelecimento do equilíbrio perturbado. Todavia,
essa hipótese, vinda da física de seu tempo, e segundo a qual a distensão seria a
única tendência básica primária do ser vivo, está completamente errada. O
crescimento e a reprodução são processos que resistem à explicação através e tão
somente do princípio homeostático”.2 Portanto, nem sequer no âmbito da dimensão
biológica se faz valer o princípio homeostático, para não falar do âmbito
psicológico-noo-lógico: “Aquele que cria”, por exemplo, “coloca seu produto e sua
obra em uma realidade positivamente concebida, enquanto a aspiração ao equilíbrio
daquilo que se acomoda à realidade é concebida negativamente”.3 Gordon W.
Allport também assume uma posição crítica em relação ao princípio da homeostase:

A motivação é considerada um estado de tensão, que nos leva a buscar o


equilíbrio, o sossego, a acomodação, a satisfação e a homeostase. No quadro
dessa visão do ser humano, a personalidade não é nada mais do que o modo de
diminuir nossas tensões. Naturalmente, essa perspectiva casa per-feitamente
bem com a concepção, que serve de base ao empirismo, segundo a qual o homem
é intrinsecamente um ser passivo que recebe impressões única e exclusivamente
do exterior e reage única e exclusivamente a elas.

Isso pode ser bastante correto quando temos de lidar com a natureza da
aspiração especificamente humana, cuja característica própria é justamente a
de não se encontrar, de modo algum, vocacionada ao equilíbrio ou à redução das
tensões - pelo contrário; é vocacionada à manutenção das tensões.
Alfred Adler, em contraposição a Sigmund Freud, vai muito além do psicológico,
uma vez que recorre, em primeiro lugar, ao biológico sob forma de “inferioridade
orgânica”. Esta, como fato somático, conduz ao “sentimento de inferioridade” como
reação psíquica - não só em relação a uma inferioridade orgânica,

. FREUD, ADLER E JUNG

37

senão também como reação diante da doença, da fraqueza e da deformidade. O


sentimento de inferioridade exige por sua vez a compensação; seja no âmbito da
comunidade, e eventualmente na sua expressão, o “sentimento de solidariedade” - a
partir daqui se mostra que, para além do biológico, se compreende um momento
sociológico -, seja na condução a uma compensação ou a uma supercompensação
desse sentimento para além da comunidade, o que, segundo a teoria da psicologia
individual, constitui a natureza da neurose. A petitio principii da impulsividade que
se reprime a si mesma, segundo a perspectiva psi-canalítica, corresponde também,
no âmbito da psicologia individual, a uma outra petitio principii à medida que, como
conseqüência da teoria de Alfred Adler, não é uma instância pessoal, senão uma
instância social que determina a atitude e a orientação do homem para com a
comunidade: decisivos são, em relação a isso, as circunstâncias, a educação e o
ambiente social - se podemos acreditar na psicologia individual.

Ao discorrermos agora sobre C. G. Jung e sua psicologia analítica, nunca é bastante


salientar o mérito a ele imputado de, em seu tempo, isto é, nos primeiros anos do
século, ousar definir a neurose como “o sofrimento da alma que não encontrou seu
sentido”. À vista disso, tanto mais tentador é o psicologismo analítico associado à
psicologia analítica. O mérito de tê-lo definitivamente desmascarado pertence,
sobretudo, ao barão Victor E. von Gebsattel, que, em seu Christentum und
Humanismus,4 apresenta a pessoa como uma instância suprapsicológica, a qual ele
sente faltar na imagem de homem apresentado por Jung. Só essa instância, orientada
a critérios adequados a ela, é capaz de instituir uma ordem igualmente no caos dos
motivos religiosos e das experiências internas que lhe oferece o inconsciente - ao
aceitar uns e ao rejeitar outros. Todavia, nessa imagem de ser humano falta a
instância capaz de encontrar a decisão perante as “criações do inconsciente”. Deus é
escolhido, mas não na decisão da fé. “Se isso não é psicologismo”, diz
von Gebsattel, concluindo, assim, sua exposição, “então se pode dizer que o elefante
é uma margarida e afirmar justamente que se é um botânico”.5

38 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

Amargas palavras dirigidas à psicologia junguiana também se encontram em Schmid,


quando este diz - e a censura por isso - que aquela se tornou uma religião. Os novos
deuses seriam os arquétipos. Só com referência a eles se proporciona à vida seu
sentido. O derradeiro apoio metafísico do homem encontrar-se-ia,
consequentemente, em si mesmo, e sua “psique” seria algo assim como um
moderno Monte Olimpo povoado de deuses arquetípicos. A psicoterapia individual
tornar--se-ia uma ação sagrada, e a psicologia, uma concepção de mundo.
“Perguntamo--nos”, segundo as palavras de Hans Jõrg Weitbrecht, “com certa
admiração, como é possível que haja teólogos que não se dão conta dessa redução
conseqüente de toda transcendência à imanência psicológica e podem, além disso,
ser convictos discípulos de Jung”. A transcendência é reduzida até mesmo a uma
imanência biológica: “Herdam-se os arquétipos com a estrutura cerebral; são
inclusive seu aspecto psíquico”.6 Mais do que isso: dois estudiosos americanos
“parecem ter conseguido”, disse Jung com ar de triunfo, “provocar, através de
estímulos ao tronco encefálico, a visão alucinada de uma forma arquetípica”, isto é,
“do chamado símbolo de man-dala, cuja localização, neste tronco encefálico”, C. G.
Jung “há muito tempo presumia. Se for possível confirmar essa ideia de uma
localização do arquétipo mediante experiências posteriores, então se aumentaria
consideravelmente a probabilidade da hipótese da autodestruição do complexo
patogênico por meio de uma toxina específica, e então se predisporia a possibilidade
de entender o processo destrutivo como uma espécie de reação de defesa biológica
falida”. Em toda essa questão, não podemos ignorar que Medard Boss, por exemplo,
denominou “a noção do arquétipo como um produto abstrato, e hipostasiado, do
isolamento mental”.

Seria insistir no erro pretender verificar a teoria do psicologismo dinâmico a partir


da terapia, ou seja, “ex iuvantibus”. Há muito tempo que descobrimos que, no
âmbito da psioterapia, o respeito muito difundido para com “facts” e “efficiency”
encontra-se descolocado e obsoleto; já não é mais possível ater-se ao mandamento:
“Pelos seus frutos vós os conhecereis”. Independentemente do respectivo método
psicoterapêutico empregado, a porcentagem de casos curados ou significativamente
melhorados oscila entre 45% e 65% (Caruso e Urban,

1. FREUD, ADLER E JUNG

39

Appell, Lhamon, Myers e Harvey). E somente em casos excepcionais, como na


clínica ambulatorial psicoterapêutica de Eva Niebauer, dirigida segundo os
princípios da logoterapia, registra-se uma índice de até 75%. Mais do que isso:
B. Stokis pôde mostrar que casos extraordinários de sua “união pessoal” de
pacientes tratados com ajuda de métodos psicoterapêuticos antagônicos tinham
alcançado os mesmos resultados favoráveis. É também igualmente conhecido que
a porcentagem de curas permanentes é independente do método
psicoterapêutico empregado; a única coisa que diverge é a duração do tratamento.
Para além disso, deve-se acrescentar que numa clínica estrangeira se pôde
comprovar que os pacientes que se encontravam na lista de espera, isto é, ainda não
apreciados pelo tratamento psicoterapêutico, apresentaram, mediante testes,
melhoras objetivas cujas porcentagens revelaram-se significativamente mais
elevadas do que aquelas de pacientes em tratamento. Quem não se lembra aqui da
indicação de Schaltenbrand, segundo a qual as medidas terapêuticas contra a
esclerose múltipla, quando não conduzem a melhoras em uma porcentagem
determinada de casos - ou seja, em uma porcentagem que corresponda à tendência
espontânea de remissão da doença -, eqüivalem já a uma lesão do paciente?

Para entender tudo isso, é preciso distanciar-se do preconceito etiológico de que a


psicoterapia, em especial a psicanálise, não é eficiente no sentido de uma terapia
inespecífica, senão no sentido de uma terapia causai. Mas nem todos os tão
incriminados complexos, conflitos e sonhos aqui mencionados - e a cujo
descobrimento atribuem os métodos psicoterapêuticos seus possíveis êxitos - são tão
patogênicos como se pensa ou se supõe. Na verdade, como meus colaboradores
facilmente puderam demonstrar ao longo de levantamentos estatísticos, uma série não
selecionada de pacientes de nossa clínica neurológica traziam consigo muito mais
complexos de traumas e conflitos que uma outra série de casos, também não
seletivos, da enfermaria ambulatorial de psicoterapia. E é preciso esclarecer que
levamos em conta no cálculo a carga adicional de problemas dos doentes
neurológicos. Seja de que modo for, não se pode falar que os complexos, os conflitos
e os traumas sejam realmente patogênicos - pelo simples fato de que são ubíquos. O
que se toma geralmente como patogênico é, na realidade, patognômico, quer dizer, é
menos a causa e muito mais o sinal de doença. Quando no quadro de um
levantamento anamnésico

40 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

emergem complexos, conflitos e traumas, acontece algo semelhante ao recife que


emerge junto a maré baixa, mas que não é a causa desta. Não é, portanto, o recife que
dá origem à maré baixa, senão a maré baixa que faz nascer o recife. Analogica-
mente, uma análise faz aflorar complexos que são precisamente sintomas de
neuroses, indicações de doença. No caso dos conflitos e dos traumas, se trata de
uma tensão e uma exigência, em síntese, de um estresse no sentido de Selye, mas
essa é uma razão a mais para se advertir como sempre, do erro tão disseminado, que
vê só na tensão algo de patogênico e não, ao contrário, no alívio: evidentemente
deverá tratar-se de uma certa tensão bem dosada; de fato o estar submetido a um
esforço, o fato de encontrar-se em tensão para realizar uma determinada tarefa pode
bem ser “antipatogênico”. Houve poucos lugares no mundo com mais estresse do
que em Auschwitz, e exatamente ali desapareceram praticamente as doenças
psicossomáticas que com tanto gosto e frequência são consideradas condicionadas
pelo estresse.
Porém, não só os complexos não resultam ser em si mesmos patogênicos: muitas
vezes são até iatrogênicos! Seja como for, Emil A. Gutheil e J. Ehrenwald mostraram
que os pacientes dos freudianos sonhavam com o complexo de Édipo; os dos
adlerianos, com os conflitos de poder, e os dos junguianos, com arquétipos. Os
intérpretes dos sonhos não podem mais fiar-se neles, uma vez que - como
bem afirmam os próprios eminentes analistas - estão de tal maneira dirigidos que
são muito “bem-vindos” pelo médico que os trata, quer dizer, correspondem
perfeita-mente às suas tendências interpretativas.

Onde a psicanálise atua terapeuticamente, atua, em suma, como uma terapia de


sugestão. O paciente não consegue nem sequer compreender a procura de
complexos reprimidos empreendida pelo médico, a não ser que se informe sobre
o procedimento dessa procura. No entanto, se ele se informa, o que, devido à
grande publicidade dos conceitos fundamentais da psicanálise, é quase sempre
uma regra, demonstra, já pelo simples fato de pôr-se sob
tratamento psicanalítico, que o aceitara e se encontra animado pelo
correspondente sentimento de expectativa em relação a ele, que atua por
autossugestão.7

1. FREUD, ADLER E JUNG 41

“O processo de sugestão começa antes que se pronuncie a primeira palavra”,


assinala M. Pflanz, e “o conhecimento de que quase em toda terapia tomam parte no
jogo quotas de sugestão, como também salienta Stokvis, talvez ajude a remover os
preconceitos com que se manifesta a sugestão”.

Abstraindo desse fator sugestivo, o momento da simples oportunidade de se


pronunciar desempenha igualmente um papel de alívio no paciente. Com efeito, não
só a dor “partilhada” mas também a “compartilhada” é meia dor, se isso carece de
uma prova, recorrerei então ao seguinte episódio: fui um dia procurado por uma
estudante americana interessada em me falar de suas queixas. Expressava-
se, contudo, por meio de um jargão tão terrível que, apesar de todos os meus
esforços, não consegui compreender uma só de suas palavras. Como ela, afinal de
contas, desabafara, e também com o intuito de disfarçar o meu embaraço,
encaminhei-a a um de meus colegas - também americano - com o pretexto de que
precisava fazer um eletrocardiograma. Só que ela nem procurou o colega nem voltou
a me procurar. Na verdade, encontramo-nos tempos depois no meio da rua, quando
se verificou que a conversa comigo lhe havia bastado para superar uma situação con-
flitiva concreta, e até hoje não tenho a menor ideia do que ela me disse!

De tudo isso se conclui que o que a psicanálise, ao contrário de como ela se


compreende a si mesma, isto é, no sentido que atua por meio de uma conversão do
dinamismo afetivo e da energia impulsiva, faz, na realidade, quando alcança seu
efeito terapêutico, é trazer uma nova orientação existencial ao paciente. Se uma
palavra tão em moda não causar horror, podemos falar com razão de um encontro
humano como o agente autêntico das normas de tratamento psicana-lítico. De igual
modo, a chamada transferência nada mais é do que um veículo desse encontro
humano, e assim também o entende Rotthaus quando contesta que a transferência
representa um pressuposto incondicional do procedimento psicoterapêutico. É
evidente que uma nova orientação existencial - como aquela que vise à análise
existencial de modo direto e com plena consciência de método - considerada como
tal, quer dizer, enquanto existencial, rompe, pelo menos tanto quanto a chamada
transferência, as fronteiras dos processos meramente intelectuais, racionais, e com
efeito põe em andamento um processo total, plenamente humano. Deve ser menos
evidente, por seu turno, o fato de que a nova

42 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

orientação existencial se subtraia necessariamente a todo método e a toda técnica;


mas, como já se disse aqui, o que menos importa no âmbito da psicoterapia é
o método e a técnica empregados. O que conta muito mais é a relação humana entre o
médico e o paciente. Existem casos mais do que suficientemente registrados, nos
quais se revela que aquilo que impressiona ao paciente de modo decisivo, e que
torna acessíveis as influências médicas é o ser desvestido do próprio papel, ou seja,
o deixar de lado a atitude distante. Parece-me que o sonho de meio século chegou ao
fim, o sonho da eficiência de uma mecânica da alma ou de uma técnica da
psicoterapia ou - em outras palavras - o sonho da possibilidade de se explicar a vida
psíquica com base em mecanismos e de um tratamento dos sofrimentos anímicos com
ajuda de tecnicismos.

A logoterapia
Há agora uma psicoterapia que reconhece, de antemão, que - abstraindo das neuroses
principalmente noogênicas - atua não de modo causai, senão no sentido de uma
terapia inespecífica. E dela, isto é, da logoterapia, diz Edith Joelson da University of
Geórgia em “Some Comments on a Viennese School of Psychiatry”:8

Com efeito, é possível que a teoria psicodinâmica das neuroses esteja certa
quando afirma que na gênese de toda neurose participam de maneira decisiva, na
primeira infância, os conflitos instintivos. No entanto, pouco se alcança -
especialmente em pacientes adultos - se não se leva em conta uma reorientação
para valores e sentido, essenciais ao processo terapêutico.

Em outros termos: o que interessa verdadeiramente é a entrega a uma tarefa, quero


dizer, a uma tarefa pessoal e concreta que se torna clara no decorrer da respectiva
análise existencial.

É uma péssima moda de nosso tempo achar que a psicoterapia “propriamente


dita” deve ser sempre psicanálise. Esse tipo de afirmação pressupõe o parecer
completamente equivocado de que no fundo toda neurose [...] deve ser atribuída
a uma atitude errônea da primeira infância e se

44 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

enraiza profundamente, portanto, na personalidade, e que todos os outros


tratamentos psicoterapêuticos não passam de um sucedâneo de pouco valor, uma
obra incompleta, um autoengano do médico, etc. Esse perigoso equívoco só pôde
[...] nascer em círculos de trabalho nos quais a sensibilidade para a prática geral
da medicina [...] desapareceu.9

Uma psicoterapia não psicanalítica também tem êxitos dignos de nota. Isso vale, em
especial, para a escola behaviorista e reflexológica. Evidentemente, tais êxitos
podem ser potencializados, tão logo se arrisque a ascender à dimensão propriamente
humana. N. Petrilowitsch nos revela o que se pode conseguir com esse fator
adicional, quando afirma que, ao contrário das outras psicotera-pias, a logoterapia
não permanece na esfera da neurose, senão que a ultrapassa e encontra a dimensão
dos fenômenos especificamente humanos.10 De fato, a psicanálise, por exemplo, vê
na neurose o resultado de processos psicodinâmicos e tenta, em conformidade com
isso, tratá-la de modo que promova novos processos psicodinâmicos, como acontece
com a transferência. A terapia do comportamento - uma teoria fundamentada na
aprendizagem por seu turno, vê na neurose o produto de processos de aprendizagem
ou conditioning processes e se esforça, consequentemente, em influenciar a neurose
de modo que a encaminhe para uma espécie de reaprendizado ou reconditioning
processes. Em contrapartida, a logoterapia ascende à dimensão humana, tornando-se,
dessa maneira, capaz de acolher em seu instrumental os fenômenos especificamente
humanos que nela se encontram.

Não se pode empregar qualquer método em qualquer caso com as mesmas


esperanças de êxito nem tampouco toda terapia pode manejar qualquer método com a
mesma eficiência. E o que é válido em relação à psicoterapia em geral, o é, também
e particularmente, em relação à logoterapia. Numa palavra, ela não é uma panaceia!

2. A LOGOTERAPIA 45

Contrariamente a J. H. R. Vanderpas, que ousou afirmar que “os logotera-peutas


podem também trabalhar sem a psicanálise”, E. K. Ledermann, do Marlbo-rough Day
Hospital, defende a concepção segundo a qual uma análise da existência não exclui a
necessidade de uma análise da libido e que pode acontecer que esta última seja
necessária para fazer com que a primeira seja eficaz. Em contraposição a isso,
afirma G. R. Heyer:

É preciso contradizer a hipótese, que se lê com frequência, de que em um


tratamento de psicologia profunda a parte de desconstrução “analítica”
seria completada mais tarde por uma parte de construção “sintética”.
Semelhantes concepções são inoportunas e pensam de modo mecânico: é como
se a psique (o “aparato anímico” de Freud) se descompusesse primeiro e
depois se construísse “sobre o novo”. Quem não leva em consideração o
positivo, o todo e o são, o “homem concreto”, com sua imagem secreta, e não se
dirige a ele internamente, desde o primeiro momento e igualmente na fase
crítica - e com firmeza -, perde o que resulta de decisivo em todo tratamento e
orientação humanos. Descrições como a referida - das duas fases nitidamente
separadas - revelam que esses autores ainda se alojam num profundo
encanto pelo freudismo ortodoxo.

De maneira análoga se expressa, por fim, A. Maeder, quando evoca e adverte por
meio da fórmula: “Não há nenhum esquema como este: primeiro a análise, depois a
síntese”. “Parece-me algo além de qualquer evidência o fato de que tenho de entrar
em casa todas as vezes pelo porão e, todas as vezes, trilhá-lo e começar qualquer
reparo a partir de baixo.”11 Lembremo-nos, contudo, nesse contexto, que foi o
próprio Freud aquele que assim compreendeu a psicanálise: “Eu sempre me detive
no rés do chão ou no subsolo do edifício”, escreveu ele a Ludwig Binswanger.

Os dois exemplos que seguem pretendem esclarecer como não é indispensável que a
análise existencial logoterapêutica seja precedida de uma psicanálise: Desde os
treze anos, Judith K. padecia de uma agorafobia aguda. Já havia sido tratada por
colegas especialistas proeminentes, submetida uma vez à hipnose,

46 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

outra à narcoanálise, e várias vezes lhe aplicaram eletrochoque em uma clínica de


doenças nervosas. No entanto, todas essas medidas revelaram-se ineficazes.
No décimo terceiro dia de tratamento logoterapêutico, conduzido por nosso colega, o
Dr. Kocourek, a paciente - que durante treze longos anos não conseguia sair sozinha
de casa! - pôde ir à rua sem companhia. Após um tratamento que não ultrapassou as
quatro semanas, pôde deixar a policlínica, livre dos sintomas também durante o
período de repetição periódica de controles. Deu-se o fato também de que, nessa
ocasião - depois de uma carência de quatro anos -, a paciente retomou as relações
sexuais com o esposo. Seria, por certo, errado construir a etiologia de uma neurose
desse tipo sobre o fundamento da abstinência sexual - enquanto o que acontece, na
realidade, é justamente o contrário; a carência sexual não era a causa, antes um efeito
simples da neurose, assim como a reabilitação sexual fora um efeito (colateral) de
nossa terapia!

Esse caso nos faz lembrar de outra paciente, a Sra. Hede R., que durante catorze
anos padeceu de uma grave neurose obsessiva. A fim de certificar-se de que tinha
realmente fechado as gavetas de sua mesa, ela se via obrigada a batê-las num ritmo
determinado. A repetição do ato, induzido pelo controle constante e pela dúvida de
se as gavetas estavam bem fechadas, chegou a ferir o nó dos dedos da paciente e a
quebrar a fechadura. Ela foi então internada e entregue aos cuidados da Dra.
Kozdera com o objetivo de ser tratada pela logoterapia. Dois dias depois do início
do tratamento, obteve melhoras tão significativas que se livrou da obsessão
controladora. É de assinalar que somente após esse efeito terapêutico notável é que
teve lugar uma conversa com a paciente na qual veio à tona o seguinte: quando tinha
cinco anos, seu irmão quebrou sua boneca preferida, e desde então adquiriu o hábito
de engavetar seus brinquedos. Quando tinha dezesseis anos, percebeu que a irmã
vestia suas roupas às escondidas, o que em seguida a levou a trancá-las. Isso
demonstra que, mesmo se esse trauma psíquico, infantil ou pu-bescente tivesse sido
realmente patogênico, sua manifestação, compreendida no sentido da psicoterapia
analítica, teria somente um êxito enganoso, obtido, na realidade, por outros
caminhos.

Naturalmente, mantém-se a tarefa de se pôr em ordem tudo aquilo que representa - se


assim posso dizer - a condição natural da possibilidade de uma

2. A LOGOTERAPIA 47

existência pessoal e espiritual do ser humano. E não seria correto, como acontece
frequentemente, se quiséssemos localizar única e exclusivamente as fontes de
perturbação no psíquico. Isso eqüivaleria a um erro de localização, tendo em vista
que não só o psíquico pode ser patogênico, mas também o somático e o noético. A
psicanálise pode cometer a falta de dupla unilateralidade em relação ao etiológico,
ou seja, seu campo de visão pode ser estreitado por dois antolhos. No entanto,
estes dois antolhos não se encontram à direita e à esquerda, senão em cima e
embaixo: de um lado, a psicanálise, ao fixar-se no psicogênico, descura do
somatogênico; do outro, da noogênese das doenças neuróticas.

Voltemo-nos, em primeiro lugar, à somatogênese. Um caso concreto: uma médica me


pediu para ajudá-la como conselheiro no tratamento de uma jovem paciente, que se
encontrava acamada num sanatório. Ao longo de cinco anos fora atendida por uma
psicanalista sem o menor efeito terapêutico. Quando, já com a paciência esgotada,
sugeriu à psicanalista que interrompesse o tratamento, explicou esta que não era nem
para se falar disso, uma vez que o tratamento ainda nem havia começado, e que, pelo
contrário, devido à resistência da paciente, haviam perdido tempo... Prescrevi
pessoalmente à paciente injeções de desoxi-corticos-terona-acetato e, alguns dias
mais tarde, soube por intermédio da colega responsável pelo tratamento que a
enferma recuperou por inteiro a aptidão ao trabalho, retomou os estudos
universitários e estava prestes a realizar sua dissertação de doutorado. Tratava-se,
no caso, de uma hipofunção dos córtices das glândulas su-prarrenais sob um quadro
clínico de uma síndrome de despersonalização.

Se, de um lado, as hipofunções dos córtices das glândulas suprarrenais estão


associadas ao que foi descrito e designando como “síndrome psicodinâmica”
(despersonalização, combinada com perturbações de concentração e capacidade
de percepção), pude demonstrar, igualmente, que as hipofunções da glândula
tireoide andam juntas com a agorafobia, e não raramente sob a forma de um
monossintoma psíquico, e assim como aquelas respondem ao tratamento com desoxi-
corticoste-rona-acetato, estes podem ser tratados com diidro-ergotamina-metano-
sulfonato. Assim, encaminharam à nossa seção um caso que fora analisado e tratado
em outro lugar, durante meses. E com o resultado de que se tratava de uma doença
psi-cogênica em conseqüência de um conflito matrimonial. Acrescentando-se, além

48 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

disso, que seria irremediável. Na realidade, como a nós ficou evidente em pouco
tempo, tratava-se não de uma neurose psicogênica, mas de uma
pseudoneurose. Realmente, algumas poucas injeções de diidro-ergotamina foram
suficientes para a paciente se ver inteiramente livre do problema, de modo que,
depois de sua recuperação médica, também cessou, sob todas as formas possíveis, o
conflito matrimonial. É incontestável que esse conflito existia, mas não era do tipo
patogênico e, consequentemente, tampouco era psicogênica a doença de nossa
paciente. Se todo conflito matrimonial fosse patogênico, então provavelmente 90%
dos casados seriam neuróticos.

Mas não é como se toda hipofunção da glândula tireoide conduzisse diretamente a


uma agorafobia; pelo contrário, o que se verifica é que a hipofunção traz consigo
uma mera predisposição ao medo, da qual deve logo apoderar-se uma ansiedade
antecipatória, cujo mecanismo é bastante conhecido por nós, psicotera-peutas: um
sintoma, em si inofensivo e passageiro, provoca no paciente o receio fó-bico de sua
repetição. Em seguida, essa ansiedade antecipatória reforça o sintoma, e, ao fim,
este, já reforçado, confirma ainda mais o paciente em sua fobia. Fecha-se assim o
círculo vicioso, no qual o paciente se vê preso e detido, como num casulo. De tais
casos pode-se dizer: se o desejo, como afirma o provérbio, é o pai do pensamento,
então a angústia é a mãe do acontecimento, a saber, do processo patológico. O
propriamente patogênico é, em muitos casos, a ansiedade antecipatória, enquanto
esta é aquela que, antes de mais nada, fixa o sintoma. Nossa terapia, contudo, deve
atuar ao mesmo tempo no polo psíquico e somático desse círculo vicioso, dirigindo-
se de um lado contra a predisposição ao medo - precisamente pela medicação para
esse fim específico - e, de outro, simultaneamente, contra a ansiedade antecipatória -
no sentido daquilo que diremos ao falarmos em seguida do método da intenção
paradoxal. Desse modo, o círculo neurótico permanece inserido numa pinça
terapêutica.

No entanto, o que é que provoca a ansiedade antecipatória? De maneira típica, o


medo tão freqüente do paciente diante do próprio medo, e precisamente ao recear as
possíveis conseqüências para a saúde derivadas da sua excitação ansiosa, uma vez
que receia a possibilidade de que ele próprio colabore com um ataque de coração ou
com um derrame cerebral que possam vir a atingi-lo. Por medo do

2. A LOGOTERAPIA 49

medo, põe-se em fuga do medo, escapa do medo para permanecer, paradoxalmente,


preso a ele; temos aqui, pois, de remeter-nos ao modelo da reação agorafóbica.
Nesse sentido, quer dizer, no sentido de que existem diferentes tipos de
reação, distinguimos pois, na logoterapia clínica, diversos modelos de reação.

Assim como o neurótico fóbico reage aos seus ataques de medo com medo ao medo,
também o neurótico obsessivo reage a seus ataques obsessivos com medo à
obsessão, e apenas a partir dessa reação é que surge a neurose propriamente
obsessiva e clinicamente manifesta. É precisamente por temer seus ataques
obsessivos que os pacientes afetados veem neles indícios ou sintomas de uma
psicose, ou então receiam converter em ato seus impulsos obsessivos. Entretanto, ao
contrário do tipo neurótico fóbico, que por receio ao medo se põe a fugir do medo, o
tipo neurótico obsessivo reage de modo que, por receio à obsessão, começa uma
luta contra a obsessão. Enquanto o neurótico fóbico foge do medo, o neurótico
obsessivo corre de encontro à obsessão - e, em numerosos casos de neurose
obsessiva, é precisamente esse mecanismo o patogênico propriamente dito.

Numa perspectiva dos fundamentos constitucionais, é possível comprovar a


existência de uma disposição psicopática. Com efeito, é nessa psicopatia anan-
cástica onde se enxerta por si mesma, segundo os casos distintos, esta ou
aquela característica do medo que afeta o paciente. A psicopatia anancástica - o
substrato de sua neurose obsessiva - não é imputável à pessoa (espiritual) do
paciente, senão que se encontra ancorada em seu caráter (anímico). Nesse sentido, o
paciente não é nem livre nem responsável - somente o é, todavia, em vista de sua
atitude diante do “Anankasmus” (ananque). O que realmente conta terapeuticamente é
a ampliação do espaço dessa liberdade a partir do momento em que se cria uma
distância entre o humano no doente e o doente no homem. Tal terapia não é
sintomática; ao contrário: não se preocupa demasiadamente com os sintomas, senão
que se dirige à pessoa do paciente - a saber: que ela se esforce em mudar a atitude
deste perante o sintoma. Contanto que a logoterapia não se volte para o sintoma, mas
procure levar a uma mudança de atitude, a uma nova orientação para com o sintoma,
ela é uma autêntica psicoterapia personalista.

Ao contrário dos modelos de neurose fóbica e de neurose obsessiva, encontramo-


nos, no modelo de reação dos neuróticos sexuais, diante de um paciente

50 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

que por alguma razão se sente inseguro de sua sexualidade e, em conseqüência dessa
insegurança, reage de maneira que ou intenciona forçar o prazer sexual ou intenciona
refletir ao extremo o ato sexual. No primeiro caso, ele faz do ato um programa; mas
o prazer não pode intencionar como fim último em si mesmo, senão que se realiza,
propriamente falando, no sentido de um efeito, de modo espontâneo, justamente
quando não é perseguido. Pelo contrário, quando mais se busca o prazer, tanto mais
ele foge.

E como dissemos há pouco: o medo já realiza aquilo que teme. Então podemos dizer
doravante: o desejo demasiadamente intenso já impossibilita o que tanto deseja.

De tudo isso tira proveito a logoterapia à medida que orienta o paciente a enfrentar-
se, ainda que por algumas frações de segundo, justamente com aquilo que tanto teme
- portanto, a desejá-lo paradoxalmente, ou a aceitá-lo antecipadamente, conseguindo
assim tirar da ansiedade antecipatória ao menos o vento que sopra sua vela.

Sigmund Freud, Gesammelte Werke. Frankfurt, S. Fischer, vol. XI, 1940 p. 370.

Charlotte Bühler, Psychologische Rundschau. Hamburgo, vol. VIII/1,1956.

Ibidem.

Victor E. von Gebsattel, Christentum und Humanismus. Stuttgart, Klett, 1947.

Ibidem, p. 36.
6

C. G. Jung, Seelenprobleme der Gegenwart. Zurique, Rascher Verlag, vol. 3,1946, p.


179.

J. Berze, “Psychotherapie von Vernunft zu Vernunft”. In: Hubert J. Urban (org.),


Festschrift zum 70. Geburtstag von Prof. Dr. Otto Pòtzl. Innsbruck, 1949.

Edith Joelson, “Some Comments on a Viennese School of Psychiatry”. The Journal


of Abnormal and Social Psychology, vol. 51, n. 3,1955.

J. H. Schultz, Die seelische Krankenbehandlung. Stuttgart, Thieme, 1958.

10

N. Petrilowitsch, “Über die Stellung der Logotherapie in der klinischen


Psychotherapie”. Die medizinische Welt, n. 2. 1964, p.790.

11

Franz Jachym, Katholik und Psichotherapie. Viena, 1954.


A intenção paradoxal
Pretendemos agora retomar o tema da intenção paradoxal, tal como já foi descrito em
meu artigo “Sobre o Apoio Medicamentoso da Psicoterapia no Caso de Neuroses”,1
publicado em 1939. Nesse contexto, parece de bom tom remeter-me antes de tudo
aos casos que foram discutidos em meus livros Theorie und Therapie der Neurosen
[Teoria e Terapia das Neuroses], A Psicoterapia: uma Casuística para Médicos,2 A
Vontade de Sentido3 e Logoterapia e Análise Existencial.1 2 3 4 A seguir,
concentraremos a atenção em um material ainda não publicado.

Spencer M., de San Diego, Califórnia, escreveu-nos:

Dois dias após ter lido o seu livro. Em Busca de Sentido,5 encontrei-me em uma
situação que me proporcionou a oportunidade de pôr à prova, pela primeira vez,
a logoterapia. Participei na universidade de um seminário sobre Martin Buber, e
durante o primeiro encontro não tive papas na língua

52 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

quando acreditei ter de dizer exatamente o contrário do que os demais tinham


dito. Então comecei sem mais nem menos a transpirar intensamente. Logo que
me dei conta disso fiquei com medo de que os outros pudessem perceber o
motivo pelo qual comecei a transpirar. De repente, lembrei-me do caso de um
médico que consultou o senhor por causa do receio que lhe causava o prorromper
de suas transpirações, e então pensei que a situação era semelhante à minha.
Mas eu não dedicava uma grande estima à psicote-rapia, e menos ainda à
logoterapia. Por isso mesmo me pareceu que a minha situação oferecia uma
ocasião única para testar o valor da intenção paradoxal. Qual fora mesmo o
conselho que o senhor dera ao seu colega? Que ele podia, para variar, desejar e
propor-se mostrar às pessoas quanto era capaz de transpirar - “até agora só
tinha transpirado um litro, agora, contudo, vou transpirar dez litros”, diz em seu
livro. E enquanto eu continuava a falar, dizia a mim mesmo: “Mostra, de uma
vez por todas, aos teus colegas, o que é transpirar, Spencer! Exatamente assim,
mas isso ainda não é suficiente, deves transpirar muito mais!”. Não se tinham
passado alguns segundos, e então pude observar que a pele secava. Tive de rir
comigo mesmo. O que não conseguia ainda compreender é que a intenção
paradoxal funciona e, além disso, imediatamente. “Com mil diabos!”, disse a mim
mesmo, deve haver algo nessa intenção paradoxal, pois realmente dá certo, e
nesse ponto eu me sentia cético quanto à logoterapia.

De um relato de Mohammed Sadiq retiramos o seguinte caso:


A senhora N., uma paciente de 48 anos, padecia de tremores, mas com tal
intensidade que não conseguia sequer segurar uma xícara de café ou um copo
dagua sem verter o conteúdo. Tampouco se sentia capaz de escrever ou de
manter um livro para ler entre as mãos. Aconteceu que uma manhã, quando nos
encontrávamos sentados um diante do outro, começou a tremer mais uma vez.
Resolvi então recorrer à intenção paradoxal, mas, é claro, com certo humor.
Assim, disse-lhe: “Que tal, senhora N., promovermos uma competição de treme-
treme?” Ela retrucou: “O que isso quer dizer?” E eu: “Vamos ver de uma vez
por todas, quem de nós dois treme mais rápido e por

3. A INTENÇÃO PARADOXAL 53

mais tempo”. Ela: “Eu não sabia que o senhor também sofria de tremores”. Eu:
“Não, não - de modo algum! Mas se eu quiser, também posso tremer”. (E
comecei - e com que intensidade.) E ela: “Oh, o senhor consegue tremer mais
rápido do que eu”. (E, sorrindo, começou a apressar o seu tremor.) Eu: “Mais
rápido, vamos, senhora N.! A senhora tem de tremer mais rápido”. Ela: “Mas eu
não posso mais, pare! Já não consigo mais continuar”. E estava realmente
cansada. Levantou-se, foi até a cozinha e voltou com uma xícara de café. Tomou
o café sem derramar uma gota. Quando, desde então, eu a surpreendia
tremendo, bastava dizer: “Pois bem, senhora N., que tal uma competição de
treme-treme?”. E ela respondia: “Está certo, está certo.” E isso tem ajudado
todas as vezes.

George Pynummootil, dos Estados Unidos, relata o seguinte:

Um homem jovem entrou no meu consultório médico padecendo de um grave


tique nervoso no olho que se manifestava sempre que tinha de falar com alguém.
Como as pessoas cuidavam de lhe perguntar o que ele tinha, isso o deixava mais
nervoso. Encaminhei-o a um psicanalista. Mas, ao fim de toda uma série de
sessões, voltou a me procurar para informar que o psicanalista não tinha
descoberto a causa, quanto mais poder ajudá-lo. Aconselhei-o então que da
próxima vez em que tivesse de falar com alguém, piscasse os olhos tanto quanto
possível, a fim de mostrar ao seu interlocutor quanto era capaz disso. Pensou,
porém, que eu devia ter ficado louco para lhe dar tal conselho, uma vez que este
só podia piorar seu estado. E se foi. No entanto, voltou um dia, para me contar,
complemente entusiasmado, o que, entremen-tes, tinha acontecido: como não
levou a sério a minha proposta, não pensou em colocá-la em prática. O piscar de
olhos piorara, até que uma noite veio--lhe à mente o que eu lhe tinha dito. Então
disse a si mesmo: “Até agora tentei de tudo o que existe e nada ajudou. O que
pode acontecer se eu tentar, ao menos uma vez, aquilo que me foi
recomendado?”. E assim, no dia seguinte, propôs-se, diante da primeira pessoa
que encontrasse, a piscar os olhos tanto quanto possível, e, para a sua grande
surpresa, percebeu que era incapaz de um simples piscar. A partir de então o
tique nervoso desapareceu totalmente.

54 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

Um assistente de universidade escreve-nos:

Devia apresentar-me a um posto de trabalho que eu buscava e que me era


cômodo, uma vez que poderia trazer à Califórnia a minha mulher e os
meus filhos. Mas estava bastante nervoso e me esforçando enormemente para
causar uma boa impressão. O problema é que, ao me sentir nervoso, minhas
pernas começam a tremer, mas a um ponto que as pessoas presentes não
deixam de percebê-lo. E assim aconteceu durante a entrevista. Desta vez,
contudo, disse a mim mesmo: “Vou agora obrigar estes músculos nojentos a
tremer com tal intensidade que não conseguirei sequer ficar sentado, senão que
terei de me levantar num pulo e começar a dançar pelo recinto até as
pessoas acreditarem que estou louco. Estes músculos nojentos vão tremer hoje
como nunca - hoje se vai bater o recorde de tremer”. Pois bem, os músculos das
pernas não tremeram uma vez sequer durante toda a entrevista, consegui o
posto de trabalho e, em breve, minha família estará aqui comigo na Califórnia.

Sadiq, que já citamos aqui, tratou, certa vez, de uma paciente de 54 anos, que caíra
no vício em soníferos e fora internada em um hospital.

Às dez da noite, saiu de seu quarto e me pediu um sonífero. Ela: “Posso pedir
uma pílula para dormir?”. Eu: “Sinto muito, acabaram por hoje e a enfermeira
se esqueceu de fazer a tempo um novo pedido”. Ela: “Como vou agora poder
dormir?” E eu: “Para esta noite, terá de ser sem soníferos”.

Duas horas mais tarde, reaparece. Ela: “Simplesmente não dá”. Eu: “E que tal
se a senhora voltasse a deitar-se e, para variar, em vez de dormir,
tentasse passar a noite em claro?”. E ela: “Eu sempre pensei que fosse louca,
mas me parece que o senhor é igualmente louco”. Eu: “Veja a senhora, às vezes
me agrada ser um pouco louco, ou a senhora não é capaz de entender isso?”

Ela: “O senhor fala sério?” Eu: “Sobre o quê?”. Ela: “Que devo tentar não
dormir”. Eu: “Claro que falo sério. Tente uma vez só! Vamos ver se a senhora
consegue passar a noite acordada. Tudo bem?” Ela: “O.k.” E quando a
enfermeira, na manhã seguinte, entrou com o café da manhã em seu
quarto, encontrou a paciente ainda dormindo.

3. A INTENÇÃO PARADOXAL 55
É admirável constatar como as pessoas leigas recorrem com bons resultados à
intenção paradoxal. Tenho aqui diante de mim a carta de uma paciente que sofrerá de
agorafobia durante catorze anos e que, durante três, se submeteu sem sucesso ao
tratamento psicanalítico ortodoxo. Ao longo de dois anos recebeu o tratamento de um
hipnotizador, o que lhe proporcionou uma leve melhora. Esteve inclusive internada
por seis semanas. Nada, de fato, a ajudava. De qualquer modo, escreve a paciente:
“Nada mudou em catorze anos. Cada dia era para mim um inferno”. A coisa chegou
ao extremo de um dia querer sair à rua, mas foi logo acometida pela agorafobia.
Ocorreu-lhe então lembrar que tinha lido o meu livro Em Busca de Sentido, e disse a
si mesma: “Agora vou mostrar a todas estas pessoas que se encontram aqui ao meu
redor, na rua, do que sou bem capaz: cair em pânico e sofrer um desmaio”. E
subitamente se sentiu calma. Continuou o caminho até o supermercado e fez
as compras. No entanto, quando chegou o momento de pagar, começou a transpirar
e a tremer. Disse a si mesma: “Vou mostrar ao caixa quanto sou verdadeiramente
capaz de transpirar. Ele irá arregalar os olhos”. Somente no caminho de volta
percebeu o quanto estava calma. E assim continuou. Ao cabo de algumas poucas
semanas, era capaz de dominar a tal ponto a agorafobia, com a ajuda da intenção
paradoxal, que às vezes não conseguia acreditar que tivesse estado doente.

No simpósio sobre a logoterapia, organizado no âmbito do Sexto Congresso


Internacional de Psicoterapia, o Dr. Gerz, diretor clínico do Connecticut State
Hospital, referiu-se aos seguintes casos clínicos:

A.V., de 45 anos, casada, mãe de um jovem de dezesseis anos, sofria havia 24 anos
(!) de uma doença, durante os quais padeceu de uma grave síndrome fó-bica,
composta por claustrofobia, agorafobia, temor excessivo, medo de elevadores,
passar por pontes, entre outras coisas. Por causa de todos esses transtornos, foi
tratada durante todos aqueles 24 anos por diversos psiquiatras, que
aplicaram repetidas vezes, entre outros remédios, chamadas análises de longa
duração. Tiveram de interná-la nos últimos quatro anos numa clínica. Apesar dos
calmantes que recebia, sentia-se num estado de permanente e elevada excitação.
Esteve igualmente durante um ano e meio aos cuidados de um experiente analista,
mas sem nenhum êxito. Em Io de março de 1959, o Dr. Gerz assumiu o tratamento,
a saber, por meio da intenção paradoxal. Cinco meses mais tarde, a paciente viu-se

56 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

pela primeira vez, após 24 anos, livre de qualquer sintoma. Deram-lhe alta logo em
seguida. Desde então, passaram-se vários anos, nos quais leva uma vida normal
e feliz no seio de sua família.

E agora o caso de um paciente neurótico obsessivo: o senhor M. P. é um advogado,


casado, de 56 anos de idade, pai de um estudante colegial de dezoito anos. Há
dezessete anos acometeu-lhe “de repente, como um raio vindo de um céu sereno, a
terrível alucinação obsessiva” de que o valor de 300 dólares de imposto pago à
receita era muito baixo e que, por conseguinte, enganara o Estado, embora tivesse
feito a sua declaração de imposto de renda com consciência e todo o cuidado. “Mas
não conseguia, por mais que me esforçasse, livrar-me desta idéia”, contou ao Dr.
Gerz. Ele já se via a sofrer um processo por fraude fiscal e ser preso, via os jornais
cheios de artigos sobre ele e a perda de sua posição profissional. Internou--se então
num sanatório, onde se submeteu a um tratamento psicoterapêutico e, em seguida, a
25 sessões de eletrochoque - sem melhoras. Enquanto isso, o estado de saúde piorou
de tal modo que foi obrigado a fechar o seu escritório de advocacia. Noites de
insônia fizeram-no lutar contra a alucinação obsessiva que se intensificava dia após
dia. “Eu mal conseguia livrar-me de uma dessas obsessões e já desenvolvia uma
outra”, relatava ao Dr. Gerz. Em especial, queixava-se da obsessão que o acometia,
de que seus diversos contratos de seguros tinham expirado sem que se desse conta.
Repetidas vezes, tinha de revê-los para logo em seguida trancá--los num cofre
especial de aço; cada contrato era selado e atado inúmeras vezes. Por fim, acertou
com o Lloyds, de Londres, um seguro especialmente redigido para ele, que o
preservava das conseqüências de qualquer erro que, inconsciente
e involuntariamente, viesse a cometer no âmbito de sua prática jurídica. No entanto,
logo teve de deixar igualmente essas atividades profissionais, pois a
alucinação obsessiva tornou-se tão grave que foi preciso internar-se na Clínica
Psiquiátrica de Middletown, onde então começou o tratamento com a intenção
paradoxal, pelas mãos do Dr. Gerz. Ao longo de quatro meses, três vezes por
semana, esteve sob cuidados da logoterapia. Foi instruído, diversas e repetidas
vezes, a empregar as seguintes formulações de intenção paradoxal: “Rio-me de tudo.
Que o diabo procure o perfeccionismo. Para mim, tudo está bem - por mim, podem
encarcerar--me. Quanto mais cedo, melhor! Ter medo das conseqüências de algum
erro, que

3. A INTENÇÃO PARADOXAL 57

por acaso deixei escapar? Que me prendam então - três vezes ao dia! Ao menos
recebo de volta o meu dinheiro, meu belo dinheirinho, que arremessei no
focinho daqueles senhores de Londres...”. Começou então a desejar, no sentido da
intenção paradoxal, ter cometido o maior número possível de erros e fazer novas
faltas; embaralhar o seu trabalho com o intuito de provar à sua secretária que era “o
maior fraudador do mundo”. E o Dr. Gerz não teve a menor dúvida de que estava em
jogo a completa ausência de toda preocupação de sua parte - tal como tinha de estar
por trás de suas instruções -, quando o paciente se mostrou capaz não só de realizar a
intenção paradoxal, mas também de formulá-la por meio de um extraordinário senso
de humor, o mesmo com que o Dr. Gerz tinha, evidentemente, de contribuir. Assim,
por exemplo, quando o paciente entrava em seu consultório médico, ele o saudava do
seguinte modo: “O quê? Pelo amor de Deus! O senhor ainda anda por aí livre e
solto? E eu pensando que já estava há tempos por trás das grades. Estive inclusive
lendo os jornais e perguntando-me quando iam informar a respeito do grande
escândalo que o senhor causara”. A isso reagia o paciente com uma
sonora gargalhada. E, cada vez mais, simpatizava com essa atitude irônica,
ironizando também contra si mesmo e contra a própria neurose quando, por exemplo,
dizia: “Não me interessa a mínima que me prendam; o máximo que pode acontecer é
a companhia de seguros falir”. Agora, já faz um ano que o tratamento chegou ao fim.

Estas fórmulas - o que o senhor chama de intenção paradoxal, doutor -


acertaram-me em cheio; atuam quase como um milagre. Posso então dizer ao
senhor: em quatro meses, o senhor conseguiu fazer de mim um outro homem,
completamente diferente. Sem dúvida, aqui e ali me vêm à mente os velhos
temores. No entanto, saiba o senhor, sou capaz agora de lidar imediatamente
com isso; agora sei muito bem como tratar de mim mesmo!

Pratico a intenção paradoxal desde 1929,6 mas somente em 1947 publiquei --a com
esse nome.7 É evidente a semelhança dela com os métodos de tratamento da terapia
comportamental que surgiram mais tarde no mercado - algo que não

58 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

passou despercebido por alguns terapeutas do comportamento. À vista disso, é


notável o fato de que a primeira tentativa de comprovar empiricamente a
eficiência da intenção paradoxal tenha sido empreendida por terapeutas do
comportamento. Foram, no entanto, os professores L. Solyom, J. Garza-Perez, B. L.
Ledwidge e C. Solyom, da Clínica de Psiquiatria da McGill University que nos
casos de neurose obsessiva crônica escolheram dois sintomas característicos de
igual intensidade e, logo, procederam a tratar cada um deles - um deles foi o sintoma
de objetivo, tratado com o método da intenção paradoxal, enquanto o outro, o
sintoma de “controle”, permanecia ausente no tratamento. Com efeito, demonstrou-se
que somente os respectivos sintomas tratados desapareceram, e no decurso de
poucas semanas. E em nenhum dos casos ocorreram os sintomas de substituição!8

Meus colaboradores, Kurt Kocourek e Eva Kozdera, conseguiram, com ajuda do


método de intenção paradoxal, chegar muito longe e em pouco tempo, inclusive nos
casos de antigos pacientes afetados de neurose obsessiva - estes puderam tornar-se
novamente aptos ao trabalho. Tais resultados terapêuticos do tratamento demonstram
que a chamada terapia breve pode ser, efetivamente, breve e boa.

Acrescenta-se a isso que “as dúvidas muitas vezes expressadas de que à eliminação
de um sintoma deve seguir-se necessariamente a formação de um sintoma substituto
ou de outra atitude inoportuna interna, formuladas com essa generalização, são
afirmações completamente injustificadas”.9 Mas não se deve despertar a impressão
de que os resultados alcançados em todos os casos tratados pela logoterapia tenham
se dado em tão curto espaço de tempo como nos casos anteriormente citados. Citei-
os porque se prestam bem ao intuito didático.

A derreflexão
O elemento característico do modelo de reação neurótica sexual é a luta pelo prazer.
E podemos aqui observar, novamente, como o paciente se emaranha num círculo
vicioso. A luta pelo prazer, a luta pela potência e pelo orgasmo, a vontade de prazer,
a hiperintenção forçada ao gozo conduzem não ao prazer, mas a uma hiperreflexão
forçada sobre si mesmo: inicia-se, durante o ato, a observar a si mesmo e, se é
possível, a também espiar o parceiro. É o fim para a espontaneidade.

Um caso concreto: a senhora S. procurou-nos por causa de sua frigidez. Na infância,


a paciente foi molestada sexualmente pelo próprio pai. De uma
perspectiva heurística, resolvemos tratá-la como se não existisse algo parecido a um
trauma psi-cossexual. Pelo contrário, perguntamos à paciente se ela já esperava estar
lesada por causa do incesto. A paciente confirmou nossas suposições ao afirmar que
chegara a essa conclusão por influência da leitura de um livro popular, cujo
conteúdo apresentava uma interpretação vulgar da psicanálise. “Aquilo tem de ser
respondido à altura”, rezava a convicção da paciente. Em uma palavra: instalara-se
nela uma ansiedade antecipatória. No âmbito dessa ansiedade antecipatória, a
paciente, todas as vezes que tinha um contato íntimo com seu parceiro, punha-se “à
espreita”; porque queria finalmente satisfazer e confirmar a própria feminilidade. No
entanto, precisamente desse modo, dividia a atenção entre ela e o parceiro. Tudo
isso, porém, acabava por também frustrar o orgasmo; porque na medida em que
alguém repara no ato sexual em si, nessa mesma medida se faz inapto à entrega plena
a ele.

60 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

É claro que do mesmo modo que a intenção forçada patogênica deve ser substituída
na terapia pela intenção paradoxal, de maneira análoga a hiperreflexão patogênica
precisa, como corretivo, de uma derreflexão. Muitas vezes temos comprovado que, a
fim de solucionar um sintoma, a única coisa necessária é a dissolução da atenção
localizada centralmente no dito sintoma. E foi o que aconteceu no caso da paciente S.
Disse a ela que, naquele momento, não dispunha de tempo para dar início ao
tratamento, mandando que retornasse dois meses mais tarde. Até lá, recomendei, não
devia preocupar-se nem com a capacidade nem com a incapacidade de obter
o orgasmo - a respeito do qual voltaríamos a ocupar-nos quando iniciássemos o
tratamento -, senão que, durante a relação sexual, deveria voltar a atenção ao
parceiro. E a evolução do caso deu-me inteira razão. Aquilo que esperava
secretamente, de fato aconteceu. A paciente não retornou ao consultório ao fim de
dois meses, senão ao fim de dois dias - curada! Bastou deixar de voltar a atenção a
si mesma, à sua capacidade ou à sua incapacidade ao orgasmo - em resumo: uma
derreflexão -, e entregar-se despreocupadamente ao parceiro para, pela primeira
vez, atingir o orgasmo.

O que aconteceu? A paciente fora vítima de uma intenção forçada ao orgasmo. Na


logoterapia, denominamos a isso hiperintenção. A ela se junta, em geral, aquilo que
na logoterapia qualificamos de hiperreflexão, ou seja, a direção e a dedicação da
atenção ao ato sexual em si mesmo. A hiperintenção contraída e a hiperreflexão
paralisante encadeiam-se, por conseguinte, num círculo vicioso no qual a paciente se
viu presa. E como foi possível libertá-la dele? Tudo isso se deu pelo que, na
logoterapia, se chama derreflexão.

Voltemo-nos agora à impotência masculina. E aqui devemos perguntar-nos, em


primeiro lugar, o que, nesses casos, leva o paciente a “hiperintentar” sua potência a
ponto de resultar em uma perturbação dela. Nossos estudos aportaram ao resultado
de que o homem cuja potência se encontra prejudicada experimenta o coito como
algo que dele se exige e se reclama. Em uma palavra, o coito adquire um “caráter
obrigatório”. Quer seja pela obrigação de “prestar-se” ao coito, que parte da
situação dada, quer seja pelo próprio paciente, que programa, por assim dizer, o
coito. Sob determinadas circunstâncias, contudo, a exigência parte da parceira, ainda
que seja tão só uma iniciativa, mas que, a um homem inseguro em sua relação sexual,
parece difícil de suportar. Uma reação, de qualquer modo,

4. A DERREFLEXÀO 61

humanamente compreensível. Mais do que isso, porém: Konrad Lorenz referiu--se


certa vez a uma fêmea de peixe-beta adestrada por ele a tal ponto que não se afastava
coquete, como de costume, do macho, senão que nadava energeticamente ao seu
encontro. O macho “reagia humanamente”, segundo o relato do etólogo austríaco,
quer dizer, tornara-se completamente impotente.

Às três instâncias mencionadas, as quais os pacientes se sentem pressionados à


sexualidade, acrescentam-se por último dois novos fatores. Em primeiro lugar,
o valor de não somenos importância que a sociedade do desempenho imputa à
capacidade de desempenho sexual. É a peer pressure, isto é, a dependência que o
indivíduo isolado tem de seus semelhantes e dos outros, daquilo que o grupo a que
pertence considera como “in” - essa peer pressure conduz, de modo forçado, à
potência e ao orgasmo. E o resíduo de espontaneidade, que a peer pressure deixara
ainda intacto, é arrancado do homem de hoje pelos pressure groups. Pensemos aqui,
por exemplo, nas indústrias do prazer e da informação sexual. A coerção ao consumo
sexual, que elas têm em mira, é apresentada às pessoas pelos hidden persuaders,
enquanto os meios de comunicação de massa fazem o resto. O único paradoxo é que
o jovem de hoje também se presta a seguir os ditames dessa indústria, sem perceber
quem o manipula, e se deixa levar igualmente por essa onda sexual. Quem se
apresenta como inimigo da hipocrisia, deve também atuar ali, onde a pornografia,
para não ter seus negócios perturbados, se faz passar por arte ou por informação.

Recentemente, apresentaram-se na literatura mais vozes (Ginsberg, Frosch, Shapiro e


Stewart) a chamar a atenção para o aumento de fenômenos de impotência entre os
jovens e a referir-se, nesse contexto - em total concordância com o há pouco
discutido “caráter de exigência” -, ao fato de que primeiro a pílula e logo também a
“womens liberation” jogaram nas mãos das mulheres a iniciativa sexual.

Defrontamos logoterapeuticamente a hiperreflexão com a derreflexão, enquanto, a


fim de combater os casos de impotência provenientes da hiperinten-ção patogênica,
dispomos de uma técnica logoterapêutica que remonta ao ano de 1947.10 Quanto a
isso, aconselhamos o paciente a não “se ocupar do ato sexual

62 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

de modo programático, senão a dar-se por satisfeito com os carinhos preliminares,


no sentido de mútuo prelúdio sexual”. Também sugerimos “ao paciente que explique
à sua parceira que teríamos rigorosamente de proibir, por enquanto, o ato sexual”. E
o paciente tem de comunicar igualmente a ela a dispensa dessa proibição. Em seu
próprio interesse, ela deve evitar de agora em diante exercer quaisquer pressões de
ordem sexual sobre ele. Assim que tem lugar essa descarga subjetiva, o paciente
pode exercitar-se em formas de prelúdio sexual cada vez menos preliminares,
protelando, contudo, o quanto possa, o ato sexual propriamente dito, até o dia no
qual se encontre frente ao “fait accompli”.

William S. Sahakian e Barbara Jacquelyn Sahakian11 defendem a opinião de que os


resultados das investigações de W. Masters e V. Johnson confirmaram inteiramente as
nossas. De fato, o método de tratamento desenvolvido em 1970 por Masters e
Johnson tem muitos pontos em comum com a técnica de tratamento que acabamos de
esboçar, e por nós publicada em 1947. Ilustremos, a seguir, nossa exposição com
alguns casos.

Do mesmo modo que a derreflexão reage contra a hiperreflexão, a proibição ao ato


sexual acaba com a hiperintenção. No entanto, esse nosso “truque” só pode ser usado
quando nem um nem outro dos parceiros o conhece. O seguinte relato, que devo a um
antigo estudante meu, Myron J. Horn, esclarece quão engenhosamente precisamos
proceder nessa situação:

Um jovem casal procurou-me preocupado com a impotência do esposo. Sua


mulher lhe havia dito reiteradas vezes que ele era um amante miserável (“a
lousy lover”), e que agora pensava em procurar outros homens para finalmente
sentir-se satisfeita. Sugeri que ao longo de uma semana, todas as noites e
durante ao menos uma hora, eles se deitassem juntos, nus, e fizessem o que lhes
agradasse; a única coisa não permitida sob nenhuma circunstância era que
mantivessem relações sexuais. Uma semana mais tarde, reencontrei-os. Tinham
tentado, disseram-me, seguir minhas instruções, mas, “infelizmente”, por três
vezes acabaram chegando ao ato sexual.

4. A DERREFLEXÀO 63

Fiz-me de irritado, insistindo que ao menos na semana seguinte observassem


minhas instruções. Passaram-se uns poucos dias e me chamam ao telefone para
me comunicar que mais uma vez não conseguiram ater-se ao meu pedido. Pelo
contrário, mantinham agora relações sexuais até mais de uma vez ao dia. Um
ano mais tarde soube que o êxito continuava a vingar.

Um sexólogo da Califórnia, Claude Farris, fez chegar até mim um relato do qual se
depreende que a intenção paradoxal é igualmente aplicável em casos de vaginismo.
Para uma paciente, que fora educada num convento católico, a sexualidade era tabu
severo. Veio em busca de tratamento por causa das fortes dores que sentia durante o
ato sexual. Farris a instruiu a não relaxar a região genital, senão a enervar a
musculatura da vagina na medida do possível, de modo que seu esposo não
conseguisse penetrá-la. O esposo foi instruído a fazer o que estivesse ao seu alcance
a fim de vencer essa resistência. Uma semana mais tarde, ambos retornam para
informar-me que, pela primeira vez em sua vida matrimonial, o ato sexual ocorrera
livre das dores. Não houve recidivas por registrar.

Isso mostra, portanto, que em certo sentido não se deve intencionar diretamente algo
como a distensão, mas se pode, por outro lado, tentar o caminho de uma intenção
paradoxal, ou seja, da intenção oposta à distensão. Retiro de um trabalho de David
L. Norris, um de meus alunos californianos, o seguinte episódio: no âmbito de um
trabalho de pesquisa e investigação, Norris teve de fazer alguns experimentos com
pessoas conectadas a um eletromiógrafo a fim de medir--lhes o grau de distensão.
Entre elas havia um homem que repetidas vezes levava o aparelho de medição à
escala de 50 microampère. Nem com a melhor das vontades - ou se deveria dizer
por causa de uma vontade forçada, por causa de uma hiperintenção? -, o sujeito
conseguia distender-se de maneira adequada. Até que o diretor do experimento
perdeu a paciência: “Steve, jamais conseguirás alcançar uma distensão decente”.
Steve então estourou de raiva: “Com os diabos todo este palavreado de distensão.
Estou me lixando, se o senhor quer saber!” Após o que a agulha do aparelho desceu
de 50 pA para 10 pA - e com tanta velocidade que o diretor pensou que a energia
elétrica tinha caído.
5
1

Viktor E. Frankl, “Sobre o Apoio Medicamentoso da Psicoterapia no Caso de


Neuroses”. In: Logoterapia e Análise Existencial. São Paulo, Forense
Universitária, 2012.

Idem, A Psicoterapia na Prática. Trad. Cláudia M. Caon. Campinas, Papirus,


1991.

Idem, A Vontade de Sentido. Trad. Ivo Studart Pereira. São Paulo, Paulus, 2011.

Idem, Psicoterapia e Sentido da Vida. Trad. Alípio Maia de Castro. 5. ed. São
Paulo, Quadrante, 2010.

Idem, Em Busca de Sentido. Trad. Walter O. Schlupp e Carlos Aveline. São


Leopoldo, Sinodal / Petrópolis, Vozes, 2009.

Ludwig J. Pongratz, Psycotherapie in Selbstdarstellungen. Berna, 1973,

Viktor E. Frankl, Die Psychotherapie in der Praxis. Viena, Franz Deuticke, 1947.

L. Soylom et al., “Paradoxical Intention in the Treatment of Obsessive Thoughts: A


Pilot Study”. In: Comprehensive Psychiatry, n. 13, 1972, p. 291.

J. H. Schultz, Acta Psychotherapeutica, n. 1, 1953, p. 33.


10

Viktor E. Frankl, Die Psychotherapie in der Praxis. Viena, Franz Deuticke, 1947.
[Em edição brasileira: A Psicoterapia na Prática. Trad. Cláudia M. Caon.
Campinas, Papirus, 1991.]

11

William S. Sahakian; Barbara Jacquelyn Sahakian, “Logotherapy as a Personality


Theory”. Israel Annals of Psychiatry, n. 10, 1972, p. 230.
A vontade de sentido
Como já dissemos, a psicanálise releva não só a somatogênese, mas também a
noogênese das doenças neuróticas. As neuroses, contudo, não se enraízam
necessariamente no complexo de Édipo ou no complexo de inferioridade.
Também podem estar fundadas em um problema espiritual, em um conflito de
consciência e em uma crise existencial.

A psicanálise nos deu a conhecer a vontade de prazer, a partir da qual podemos


conceber o princípio do prazer, e a psicologia individual nos tornou familiarizados
com a vontade de poder, sob a forma da tendência a fazer-se valer. Mas no homem
enraíza-se mais profundamente aquilo que designei como a vontade de sentido: o
esforço pelo melhor cumprimento possível do sentido de sua existência.

Não é, portanto, a felicidade aquilo que o homem anseia de modo mais profundo e
verdadeiro? Não foi o que admitiu o próprio Kant, que essa é a realidade, e que só
posteriormente o homem anseia por ser digno de felicidade? Eu diria que aquilo que
o homem realmente quer é, afinal de contas, não a felicidade em si, mas um motivo
para ser feliz. Assim que, a saber, é dada uma razão para ser feliz, apresenta-se essa
felicidade, comparece espontaneamente o prazer. A experiência clínica diária nos
revela, com frequência, que é justamente o afastamento do “motivo para ser feliz”
que impede o homem sexualmente neurótico - o homem impotente ou a mulher frígida
- de ser feliz. Como se dá, porém, esse afastamento patogênico do “motivo para ser
feliz”? Através de uma doação forçada a uma felicidade em si

66 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

mesma, a um prazer em si mesmo. Como estava certo Kierkegaard ao afirmar que a


porta da felicidade se abre para fora e que, quando alguém tenta arrombá-la, não faz
mais do que fechá-la.

Motivo Efeito

-►
No entanto, como podemos explicar isso? Em virtude de sua vontade de sentido, o
homem tende a achar um sentido e realizá-lo, mas também a encontrar--se com outro
ser humano, a amá-lo sob a forma de um tu. Ambos, a realização e o encontro, dão
ao homem um motivo para a felicidade e para o prazer. No neurótico, contudo, tal
aspiração primária permanece como que desviada para uma aspiração direta à
felicidade, à vontade de prazer. Ao invés de permanecer aquilo que deve ser, ou
seja, um efeito (o efeito secundário de um sentido realizado e do ser humano
encontrado), o prazer se torna o objeto de uma intenção forçada, de uma
hiperintenção, e esta hiperintenção faz-se sempre acompanhar de uma hi-perreflexão.
O prazer se torna conteúdo e objeto únicos da atenção. No entanto, à medida que o
homem neurótico se interessa pelo prazer, perde de vista o motivo para o prazer - e o
efeito “prazer” já não pode mais ser obtido.

No que diz respeito ao tão propalado tema da autorrealização, ouso afirmar que o
homem só é capaz de realizar-se à medida que cumpre um sentido. O imperativo de
Píndaro, segundo o qual o homem deve tornar-se quem ele é, requer
um complemento, que encontro nas palavras de Jaspers: “O que o homem é, o é
através da coisa que faz sua”. Como o bumerangue volta para o caçador que o
arremessou, quando falha o alvo, assim também só propende para a autorrealização
o homem que, antes de tudo, fracassou no cumprimento do sentido, e que talvez nem
sequer fosse capaz de encontrar o sentido que vale a pena realizar.

5. A VONTADE DE SENTIDO

Fim Efeito

>

O mesmo vale, de maneira análoga, a respeito da vontade de prazer e da vontade de


poder. Porém, enquanto o prazer não é senão um efeito secundário do cumprimento
do sentido, o poder, por seu turno, é um meio para um fim, já que realização e
sentido estão ligados a certos pressupostos e condições sociais e econômicas. Mas e
quando o homem está voltado para o prazer como um simples efeito secundário, e
quando se limita a um simples meio para um fim chamado poder? Ora, essa vontade
de prazer e também essa vontade de poder só se formam quando é frustrada a
vontade de sentido. Em outras palavras, o princípio do prazer como a tendência
a fazer-se valer é uma motivação neurótica. E isso nos permite igualmente
compreender por que Freud e Adler tiveram de desconhecer a orientação primária
do homem por um sentido: realizaram seus diagnósticos e estudos em pessoas
neuróticas!

Já não vivemos mais hoje, como no tempo de Freud, em uma época de frustração
sexual. Nossa época é a da frustração existencial. E em particular entre os jovens,
cuja vontade de sentido se encontra frustrada. “O que dizem Freud e Adler para a
jovem geração de hoje?”, indaga Becky Leet, a redatora-chefe de um
jornal publicado pelos estudantes da University of Geórgia.

Temos a pílula que nos liberta das conseqüências da realização sexual - hoje não
existe mais nenhum motivo para se estar sexualmente tolhido. E temos o poder -
basta tão somente lançarmos um olhar sobre os políticos americanos, que
estremecem diante da jovem geração, como se estivessem a confrontar
a Guarda Vermelha da China. Mas Frankl diz que as pessoas vivem hoje em
um vazio existencial, e que esse vazio existencial se manifesta, sobretudo, pelo
tédio.

Tédio - isso soa, contudo, inteiramente diferente, não é mesmo? Muito mais
familiar, não é verdade? Ou o senhor conhece pouquíssimas pessoas ao seu redor

68 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

que se queixam do tédio, não obstante o fato de que lhes bastam estender a mão
para tudo ter, inclusive o sexo de Freud e o poder de Adler?

Com efeito, é cada vez maior o número de pacientes que nos procura com o
sentimento de um vazio interior - descrito e qualificado por mim de “vazio
existencial” com o sentimento de uma ausência abismai de sentido em sua
existência. Seria um erro supor que se trata de um fenômeno restrito ao mundo
ocidental. Pelo contrário, Osvald Vymetal chamou expressamente a atenção para o
fato de que “esta doença de hoje, a perda do sentido da vida, ultrapassa ‘sem
concessão e controle’, particularmente entre os jovens, as fronteiras da ordem social
capitalista e socialista”. Foi Vymetal quem também declarou, por ocasião de um
congresso tchecoslovaco de neurologia, após ter professado, ex praesidio, seu
entusiasmo por Pavlov, que mesmo em vista do vazio existencial o médico da alma
não pode angariar seu sustento com uma psicoterapia orientada em Pavlov. E
devemos a L. L. Klitzke1 e Joseph L. Philbrick2 a indicação de que o problema
também se faz sentir nos países em desenvolvimento.

Aconteceu, portanto, o que Paul Polak já em 1947 havia previsto, quando em uma
conferência proferida na Verein für Individualpsychologie [Sociedade de Psicologia
Individual] afirmou que

a solução da questão social apenas deixaria livre a problemática espiritual


quando esta pudesse mobilizar-se autenticamente; somente então o homem seria
livre para empenhar-se de verdade a favor de si mesmo, e só então conhecerá o
que há de problemático em si mesmo, a problemática autêntica da existência.

Ernst Bloch seguiu nessa mesma trilha quando disse recentemente: “Os homens
recebem de presente aquelas preocupações que, de outro modo, só a teriam na hora
da morte”.

' L. L. Klitzke, “Students in Emerging África - Logotherapy in Tanzania”. American


Journal of Humanistic Psychology, n. 9,1969, p. 105.
2 Joseph L. Philbrick, “A Cross-Cultural Study of Frankls Theory of Meaning-in-
Life”, artigo apresentado à American Psychological Association.

6
A frustração existencial
O psiquiatra de hoje encontra muito frequentemente a vontade de sentido, não raras
vezes, em forma de frustração. Não há, portanto, somente a frustração sexual, a
frustração do instinto sexual ou, em termos gerais, a da vontade de prazer,
mas também aquela frustração existencial, como a chamamos na logoterapia, ou seja,
um sentimento de ausência de sentido da própria existência. Esse sentimento de falta
de sentido e de vazio deixou para trás o sentimento de inferioridade no que diz
respeito à etiologia das doenças neuróticas. O homem de hoje não sofre tanto do
sentimento de que tem menos valor do que algum outro qualquer, mas antes do
sentimento de que sua existência não tem sentido. Essa frustração existencial é no
mínimo patogênica, quer dizer, pode ser a causa de doenças psíquicas, com a mesma
frequência quanto a tão incriminada frustração sexual.

O homem existencialmente frustrado não conhece nada com que possa preencher
aquilo que denomino seu vazio existencial. Schopenhauer dizia que a humanidade
oscila entre a necessidade e o tédio. Ora, hoje temos - e nós, neurologistas, também -
de lidar mais com o tédio do que com a necessidade, sem excluir, senão incluindo-a
categoricamente, a chamada necessidade sexual. De fato, é patente que, por trás dos
numerosos casos de frustração sexual, se esconde na verdade a frustração da vontade
de sentido: só no vazio existencial prolifera a libido sexual.

Como a linguagem já nos ensina, o tédio pode ser “mortal”. Com efeito, alguns
autores chegam a afirmar que os suicídios podem ser atribuídos, em última instância,
àquele vazio interior que corresponde à frustração existencial.

70 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

Todas essas questões assumem hoje em dia uma atualidade singular. Vivemos em
uma época de crescente tempo livre. Mas há um tempo livre não só em relação a
algo, senão também para algo; o homem existencialmente frustrado, todavia, não
sabe com que ou como poderia preenchê-lo.

Se nos perguntássemos pelas mais importantes formas clínicas com as quais


poderíamos fazer frente à frustração existencial, teríamos de mencionar, entre outras,
aquilo que descrevi como neurose de desemprego.1 Aqui também se compreendem
as crises dos aposentados - um problema atual e premente para a geriatria. Podemos
tranquilamente ir tão longe quanto Hans Hoff, quando afirma: “A possibilidade de
dar um sentido à sua vida, no qual o futuro também assume um aspecto de interesse,
pode, em inúmeros casos, retardar o surgimento dos sintomas da velhice”. E
entendemos perfeitamente a sabedoria que emana das palavras de Harvey Cushing, o
maior neurocirurgião de todos os tempos, citadas por Percival Bailey na conferência
que pronunciou por ocasião das comemorações do 112° Congresso da Sociedade
Americana de Psiquiatria: “Existe somente uma maneira de perseverar na vida: ter
sempre uma tarefa que cumprir”. Por exemplo, lembro-me de que poucas vezes em
minha vida vi uma mesa tão sobrecarregada de livros - livros à espera de uma leitura
atenta e ponderada -como a mesa do professor vienense de psiquiatria Josef Berze,
quando ele já contava noventa anos de idade.

A crise dos aposentados é, por assim dizer, uma neurose de desemprego permanente,
porém existe também uma neurose de desemprego passageira, periódica. Refiro-me
aqui à neurose dominical, uma depressão que acomete aquelas pessoas que se tornam
conscientes do conteúdo raso de sua vida quando, chegando o domingo e
suspendendo-se o trabalho diário, se interrompe a atividade da semana e se revela o
vazio existencial.

Em geral, a frustração existencial não é evidente, senão latente. O vazio existencial


pode também permanecer dissimulado, ficar mascarado, e conhecemos

6. A FRUSTRAÇÃO EXISTENCIAL

diversas máscaras por trás das quais se esconde o vazio existencial. Pensemos
simplesmente na doença do empresário que, movido por um furor ao trabalho, se
atira com ímpeto numa atividade insana de modo que a vontade de poder -para não
utilizar uma expressão extremamente primitiva e banal: a “vontade de dinheiro” -
reprime a vontade de sentido!

No entanto, assim como os empresários têm sempre o que fazer, e com isso pouco
tempo até para respirar ou para descobrir a si mesmos, suas esposas, por sua vez,
têm muito pouco o que fazer e, consequentemente, muito tempo; não sabem fazer
uso de tantas horas vagas e, por conseguinte, muito menos empreender algo por
iniciativa própria. Terminam então por anestesiar o próprio vazio interior recorrendo
à bebida, à bisbilhotice e ao jogo... Todas essas pessoas encontram-se numa fuga de
si mesmas ao entregar-se a uma forma de configuração de seu tempo livre, que
chamo de centrífuga e à qual gostaria de opor uma outra, que tende a dar ao homem
não só uma oportunidade de dispersão, mas também de recolhimento interior.

Devemos salientar que existe igualmente o horror vacui - o medo do vazio -que
acontece não apenas no domínio físico, mas também no domínio psicológico. Na
tentativa de dominar o vazio existencial com o barulho dos motores e a embriaguez
da velocidade, observo o dinâmico psíquico vis a tergo do rápido e crescente
aumento da motorização. Considero o ritmo acelerado da vida de hoje como uma vã
tentativa de automedicação da frustração existencial; pois, quanto menos conhece o
homem a finalidade de sua vida, mais ele acelera o ritmo com o qual a segue. Nesse
sentido, o artista de cabaré vienense Helmut Qualtinger, em uma canção, parodia um
afetado selvagem da motocicleta: “Eu não tenho a mínima noção de aonde vou, mas
pra lá vou a toda velocidade”.
Uma tal ambição pode, algumas vezes, também lançar mão de objetivos elevados.
Conheço um paciente, como nunca imaginara encontrar, que é a representação típica
de um caso de “doença de empresário”. Mal se examinava o homem, logo se
percebia que era um tipo de sujeito que trabalha até se matar. Pude então constatar
por que se atirava com tal ímpeto ao trabalho, e a ponto de um esgotamento: era, é
verdade, muito rico, tinha até mesmo um avião particular. No entanto, confessou que
todo o seu sacrifício consistia em um dia poder tornar-se proprietário de um jatinho,
em vez daquele aviãozinho ordinário.

72 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

Preocupar-se com algo assim como o sentido da existência humana, igualmente


duvidar deste ou até desesperar-se perante a pretensa falta de sentido da existência
humana, não é de modo algum um estado doentio, um fenômeno patológico, e
devemos acautelar-nos, precisamente no quadro clínico, contra semelhante
concepção, que poderíamos qualificar de patologismo. Pois é justamente a
preocupação com o sentido de sua existência aquilo que distingue o homem enquanto
tal - é impossível imaginar um só tipo de animal afetado por semelhante inquietação
-, e não podemos reduzir este humano - mais do que isso, primordialmente este mais
humano do homem - a um simples demasiado humano, classificando-o, por exemplo,
de fraqueza, de doença, de sintoma, de complexo.

Também aconteceu o contrário: conheci o caso concreto de um paciente -era


professor universitário - que foi encaminhado à minha clínica porque se sentia
desesperado frente ao problema do sentido da existência. Durante a conversa
foi possível constatar que se tratava, na realidade, de um estado depressivo
endógeno, e não de um estado psicogênico ou neurótico, mas sim de um estado
somatogêni-co, ou seja, psicótico. Evidenciou-se então que suas divagações sobre o
sentido de sua vida não o acometiam - como se poderia supor - nos períodos de
fases depressivas. Pelo contrário, nesses momentos se sentia tão assaltado pela
hipocondria que nem sequer conseguia pensar nisso. Era somente nos intervalos, nos
quais se sentia bem, que aquelas divagações lhe sobrevinham! Em outras palavras,
entre a necessidade espiritual de um lado e a doença psíquica de outro, tinha-se
chegado, nesse caso concreto, a uma relação de exclusão.

A frustração existencial - ou como podemos chamá-la: a frustração da vontade de


sentido - não é, portanto, nada patológico, sobretudo pela necessidade de sentido em
si mesma. O anseio humano a uma existência plena (até o limite do possível) de
sentido é tão pouco patológica em si mesmo que pode - e deve - ser mobilizado
terapeuticamente. Conseguir isso é um dos objetivos mais nobres da logoterapia -
enquanto orientada ao logos -, o que, em uma relação concreta, significa: um
tratamento orientado para o sentido (e reorientador do paciente!). Em determinadas
circunstâncias não se trata apenas de mobilizar a vontade de sentido, mas também de
despertá-la ali onde se encontra soterrada, onde permanece inconsciente, onde se
encontra reprimida.

7
1

Viktor E. Frankl, “Wirtschaftskrise und Seelenleben vom Standpunkt des


Jugendberaters” [Crise econômica e vida espiritual do ponto de vista dos jovens],
Sozialàrztliche Rundschau, março de 1933, p. 43-46.
0 sentido do sofrimento
O médico, no desempenho de seu ofício, tem de lidar continuamente com pessoas
que sofrem e, entres estas, as que sofrem de doenças incuráveis. São pessoas, no
entanto, que se deparam (e assim também acontece ao médico) com a questão de se a
vida, à vista desse sofrimento que não se pode alterar - mais ainda, que se
transformou em algo inevitável -, não perdera completamente o sentido. O médico é
confrontado não somente com a tarefa de tornar o paciente apto ao trabalho e de
restaurar-lhe o bem-estar, como sempre atribuem à profissão, mas também com um
último dever: ajudá-lo a conquistar a capacidade de suportar o próprio sofrimento.

A capacidade de suportar o próprio sofrimento, contudo, não é nada mais do que a


capacidade de realizar o que chamo de valores de atitude. De fato, não é só o criar
(relativo à capacidade de trabalho) que pode dar sentido à existência -falo nesse
caso da realização de valores criativos -, nem somente a experiência, o encontro e o
amor (relativo à capacidade de desfrutar da vida) - falo de valores vivenciais que
podem fazer com que a vida tenha sentido mas também o sofrimento. Não se trata
aqui só de uma possibilidade qualquer, senão da possibilidade de realizar o valor
supremo, da oportunidade de realizar o mais alto valor, da ocasião de fazer cumprir
o sentido mais profundo.

Mas o que interessa, do ponto de vista médico, ou, melhor dizendo, do ponto de vista
do doente, é a atitude com que o indivíduo enfrenta a doença, a

74 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

disposição com que lida contra essa doença. Em uma palavra: o que interessa é a
atitude adequada, o sofrimento sincero de um destino autêntico. O modo de suportar
o sofrimento necessário encerra um possível sentido. É o que nos faz recordar aquele
poema de Julius Sturm, que Hugo Wolf tão bem musicou:

Noite após noite vêm a alegria e a dor,

E antes que se perceba abandonam-nos as duas E vão contar a Deus

Como as suportamos ao dizer-lhes adeus.

Porque assim é, efetivamente: o que importa é como se suporta o destino logo que
nos escapa das mãos. Em outras palavras: quando não é mais possível moldar o
destino, então se faz necessário ir ao encontro deste destino com a atitude certa.

Fica claro agora com que direito Goethe pôde afirmar: “Não existe nenhuma situação
que não possa ser enobrecida seja agindo, seja aceitando”. Só que podemos
completá-lo: a aceitação, ao menos no sentido de que esta nos faz suportar um
sofrimento de forma correta e leal a um destino autêntico, é por si mesma uma ação -
mais do que isso, a mais elevada ação e a mais elevada realização permitida a um
homem. E compreendemos igualmente as palavras de Hermann Cohen: “A suprema
dignidade do homem é o sofrimento”.

Tentemos agora responder à seguinte pergunta: por que o sentido que o homem pode
encontrar no sofrimento é o mais elevado de quantos podemos conceber? Bem, os
valores de atitude mostram-se aqui mais excelentes do que os valores de criação e
de vivência, enquanto o sentido do sofrimento é superior, dimensio-nalmente, ao
sentido do trabalho e ao sentido do amor. E por que é assim? Partamos da ideia de
que o Homo sapiens se articula no Homo faber, que cumpre seu sentido existencial
ao criar; no Homo amans, que enriquece o sentido de sua vida ao experimentar, ao
encontrar o outro e ao amar, e no Homo patiens, o homem que sofre e rende serviço
ao sofrimento. O Homo faber é aquele que podemos com razão chamar de um homem
de êxito; conhece somente duas categorias, e só nelas pensa: o sucesso e o fracasso.
Sua vida agita-se então entre esses dois extremos, na linha de uma ética do êxito, ao
contrário do Homo patiens: as categorias deste não são o sucesso ou o fracasso, mas
a realização e o desespero.

7. O SENTIDO DO SOFRIMENTO 75

Com esse par de categorias, contudo, o Homo patiens coloca-se verticalmente na


linha da ética do êxito, uma vez que a realização e o desespero pertencem a
uma outra dimensão. Dessa diferença dimensional resulta uma superioridade
igualmente dimensional, porque o Homo patiens pode realizar-se, ainda, no mais
agudo insucesso ou fracasso. A experiência então mostra que a realização e o
insucesso são perfeitamente compatíveis; não diferente do êxito em relação ao
desespero. Mas isso não deve ser compreendido apenas a partir da diferença
dimensional dos dois pares de categorias. Sem dúvida: se projetássemos o triunfo do
homo patiens, seu cumprimento de sentido e sua autorrealização no sofrimento, na
linha da ética do êxito, ter-se-ia então de representá-lo pontualmente sobre a base da
diferença dimensional, quer dizer, semelhante a um nada, a um absurdo imponente.
Em outras palavras: aos olhos do Homofaber o triunfo do Homo patiens é loucura e
escândalo.

Realização

Êxito

Fracasso

t
Desespero

Em tudo isso, fica-nos claro que a possibilidade de realizar valores criativos, ou


seja, de tomarmos as rédeas do destino por meio de uma ação correta, assegura a
primazia sobre a necessidade de aceitar o destino com a atitude correta, ou seja, de
realizar os valores de atitude. Em suma: mesmo quando a possibilidade de sentido
que se encerra no sofrimento é, segundo uma escala de valores, superior à
possibilidade de sentido criador, quer dizer, por mais que a primazia corresponda ao
sentido do sofrimento, a prioridade recai sobre o sentido criador; de fato, aceitar um
sofrimento que vem necessariamente marcado pelo destino, um sofrimento
desnecessário, não seria nenhum serviço, senão atrevimento. O
sofrimento desnecessário é - para usarmos uma expressão de Max Brod - uma
desgraça “ordinária” e não uma “nobre” infelicidade.

Como se refletem então essas relações no quadro da prática médica? Bem, o que
aqui foi dito eqüivaleria a afirmar, por exemplo, que um carcinoma passível

76 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

de uma intervenção cirúrgica não é uma doença cujo sofrimento tenha sentido. Pelo
contrário, tratar-se-ia de um sofrimento inútil. O adoentado teria que recorrer à
coragem de submeter-se à operação, enquanto aquele que se defronta cego de fúria
com um carcinoma incurável a ser operado deveria recorrer à humildade. E
tampouco são as dores, em geral, um sofrimento supérfluo, uma
necessidade irremediável do destino. De fato, é sempre possível dentro de limites
mais amplos atenuá-las. A renúncia heróica à narcose ou à anestesia local, ou
também, no caso de uma doença impossível de operar, a renúncia a um medicamento
sedativo, não é para qualquer um, ainda que estivesse ao alcance de Sigmund Freud.
Ele se permitiu renunciar, de modo heroico e até o fim, a todo tipo de analgésicos -
literalmente “permitiu-se” renunciar (como é sábio o idioma!). No entanto, não é a
qualquer um que se pode exigir tal renúncia. Não cumpro nenhuma renúncia válida,
se renuncio por capricho, a tudo aquilo que poderia anestesiar a dor.

O médico tem frequentemente oportunidade de observar como um paciente faz uma


mudança de rumo: passando da possibilidade de dar um sentido a própria vida com a
atividade - possibilidade que está em primeiro plano na consciência habitual, na
existência quotidiana - à necessidade de realizar o sentido da própria existência
através do sofrimento, a aceitação de um destino doloroso. Dispomos aqui de um
caso concreto que nos permite mostrar como não só a renúncia ao trabalho e à
possibilidade de sentido nele existente mas também a renúncia ao amor pode levar o
ser humano a perceber que esse empobrecimento também nas possibilidades de
sentido imposto pelo destino traz em si ainda possibilidades mais altas de sentido:

Recorreu a mim um médico idoso, que, por muito tempo, exercera as funções de
clínico geral. Um ano antes falecera sua esposa, a pessoa que amava mais do que
tudo, e não conseguia, no entanto, afastar a dor da perda. Perguntei a esse meu
paciente, fortemente deprimido, se já havia refletido sobre o que poderia
ter acontecido se tivesse falecido antes da esposa. “Nem pensar”, respondeu,
“minha mulher teria ficado totalmente desesperada”. Só precisei então chamar-lhe a
atenção: “Veja o senhor, tudo isso acabou por poupar a sua esposa, ainda que ao
preço, sem dúvida, de que seja o senhor quem deve agora suportar a saudade”. Seu
sofrimento adquiriu um sentido naquele mesmo instante: o sentido de um sacrifício.

7. O SENTIDO DO SOFRIMENTO

77

Não podia nem um pouco mudar o destino, mas tinha mudado de atitude! O destino
lhe tinha retirado a possibilidade de cumprir um sentido através do amor. Mas lhe
reservara a possibilidade de adotar, diante desse destino, a atitude adequada.

Ou poderia citar a carta que me escreveram os presidiários da penitenciária da


Flórida: “Encontrei o sentido de minha vida agora, aqui na prisão, e só tenho
de esperar algum tempo até ter a oportunidade de reparar tudo o que fiz, e de
fazer tudo melhor”. O número 049246 escreveu-me: “Aqui, na prisão, não faltam
oportunidades de se fazer alguma coisa e de se crescer além de si mesmo. Tenho de
dizer que de algum modo sou mais feliz como nunca fui”. E o número 552-022
escreveu:

Prezado doutor! Nos últimos meses um grupo de presos vem lendo seus livros e
tem escutado suas gravações. Que verdade esta: que se possa também
encontrar no sofrimento um sentido... De alguma maneira posso dizer que a
minha vida começou agora - que sentimento esplêndido! É enterne-cedor ver
como meus irmãos, em nosso grupo, enchem os olhos de lágrimas ao perceber
que sua vida, aqui e agora, ganhou um sentido que antes consideravam
impossível. O que acontece aqui chega a ser quase um milagre. Homens que
antes se sentiam desamparados e desesperados veem agora um novo sentido em
suas vidas. Aqui, nesta prisão, governada pelas mais rígidas medidas de
segurança de toda Flórida - aqui, a somente uns cem metros da cadeira elétrica -
, precisamente aqui os nossos sonhos tornaram-se verdadeiros. Estamos à
véspera de Natal; mas, para nós, a logoterapia significa a Páscoa. Sobre o
Gólgota de Auschwitz levanta-se, nesta manhã de Páscoa, o sol. Que novo dia se
aproxima de nós!

8
Pastoral médica
Podemos qualificar aqueles casos antes citados como uma pastoral médica, uma
pastoral com que se confronta o médico diariamente em suas consultas, e
que representa um dever legítimo no âmbito das atividades médicas. “Pastoral
médica” é o objeto do profissional que tem de lidar com doenças incuráveis, do
geriatra que se dedica aos idosos enfermos, do dermatologista que se ocupa de
pessoas desfiguradas, do ortopedista que cuida de pessoas com deformidades
locomotoras ou até do cirurgião, obrigado muitas vezes a mutilar um paciente por
causa de uma intervenção cirúrgica. Enfim, todos aqueles que trabalham com
pacientes que se encontram diante de um destino que não se pode alterar ou que é,
talvez, inevitável. E nessas situações, naquelas que não se pode mais curar e nem
sequer mitigar, resta-nos somente o recurso ao consolo. Que isso vem a propósito do
ofício médico pode ser testemunhado pela inscrição que ostenta a entrada principal
do Hospital Geral de Viena, e com a qual o imperador José II dedicou ao público
essa instituição hospitalar: saluti et solatio aegrorum - não apenas curar, mas
também consolar os enfermos. Encontramos também uma indicação semelhante na
disposição regulamentar da American Medicai Association: “O médico deve
igualmente confortar a alma. Isto não é de modo algum uma tarefa só do psiquiatra.
É, muito simplesmente, tarefa de todo médico que pratique a sua profissão”.
Evidentemente, é possível ser médico sem se preocupar com isso; mas aqui vale
então o que disse, num contexto análogo, Paul Dubois: a única coisa, a saber, que os
diferencia de um veterinário, é a clientela.

80 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

É, portanto, uma situação forçosa que pede ao médico o exercício da pastoral


médica: “São os pacientes que nos colocam diante do dever de assumir também a
missão da pastoral médica” (Gustav Bally). Trata-se aqui de um papel para o qual o
médico se vê impelido (Karl Jaspers, Alphons Maeder, W. Sculte, G. R. Heyer e H.
J. Weitbrecht, entre outros). “A psicoterapia [...] é inevitavelmente, ainda que o
clínico não saiba, ou nem queira saber, a pastoral médica [...] Frequentemente
precisa exercer de modo expresso [...] os cuidados próprios da pastoral médica”.1 A
pastoral médica não é, evidentemente, nenhum substituto da autêntica pastoral, que é
e sempre será a pastoral sacerdotal. Contudo, a afirmação de Victor E. Gebsattel de
que o “êxodo da humanidade ocidental do sacerdote para o neurologista” termina por
nos prover do fato de que o sacerdote não pode mais fechar-se em si mesmo e de
uma exigência, a saber, a de que o neurologista não pode recusar sua colaboração.

Em uma época como a nossa - uma era de ampla disseminação da frustração


existencial -, nesta época de tantas pessoas desesperadas, porque desesperam do
sentido de sua vida, e mais: daquelas que se revelam inaptas a suportar o sofrimento
e, na mesma medida, exageram e divinizam o valor e a capacidade do trabalho ou do
gozo e do prazer, nesta época, afirmo, tudo isso adquire uma atualidade singular.
Naturalmente, também em épocas anteriores existiu algo assim como a frustração
existencial; mas as pessoas que dela padeciam procuravam o sacerdote, e não o
médico.

Não podemos, contudo, esquecer-nos de que, embora a frustração existencial não


represente em si um dado patológico, é bem provável que se torne patogênica e
conduza, particularmente, a uma neurose. Ou seja, a frustração não é
obrigatoriamente, mas sim facultativamente, de tipo patogênica: ela pode levar a uma
neurose, mas não necessariamente, e, ao contrário, uma neurose pode estear--se
numa frustração existencial, na dúvida ou no desespero quanto ao sentido concreto e
pessoal de uma existência, mas não é seu esteio necessário.

Agora, se em um caso concreto a frustração existencial facultativamente patogênica


se torna uma ou outra vez de fato patogênica, quer dizer, conduz a uma

' A. Gõrres, Jahrbuch für Psychologie und Psychoterapie, n. 6,1958, p. 200.

8. PASTORAL MÉDICA 81

doença neurótica, então a tais neuroses denomino neuroses noogênicas. Que fique
bem evidente: nem toda frustração existencial se torna patogênica, e nem toda doença
neurótica é noogênica.

Chegando a este ponto de nossas considerações, deparamo-nos - ao lado do já


discutido perigo do patologismo - com outro perigo: o perigo do noologismo. Quer
dizer, incorreria no erro do patologismo quem pretendesse afirmar que
todo desespero leva à neurose. E, ao contrário, incorreria no erro do noologismo
quem afirma que toda neurose esteia-se no desespero. Não podemos ignorar o
espiritual; mas também não podemos exagerar o valor do espiritual. Ver no espiritual
a única causa das doenças neuróticas é o mesmo que prestar homenagem ao
noologismo. As neuroses não se enraízam apenas nas camadas do espírito, mas
também nas camadas psicofísicas. Sim, não hesito em afirmar que as neuroses, no
sentido estrito da palavra, podem ser definidas não como uma doença noogênica,
mas, antes, psicogênica.

E tampouco todas as doenças - quer dizer, não só as psicogênicas, senão também as


somatogênicas - são do tipo noogênico, como afirma, a saber, um noologismo que
nomeia a si mesmo psicossomático, mas que é, na realidade, noossomático. A
medicina psicossomática ensina: só fica doente quem se sente doente - mas se pode
demostrar que, sob determinadas circunstâncias, fica também doente aquele que se
sente feliz. De fato, a doença corporal não tem de modo algum aquela importância
para a biografia pessoal e aquele valor de expressão pessoal que a
medicina psicossomática tão generosamente lhe atribui. É verdade que isso tem, na
existência humana, certa importância biográfica e, na medida em que tem tal
importância, tem também um valor de expressão. Porque, em última análise, a
biografia não é outra coisa do que a explicação temporal da pessoa: na vida que aí
decorre, na existência que aí se desenrola, desdobra-se a pessoa, desenvolve-se,
como um tapete que só assim revela seu desenho inconfundível.

No entanto, o quadro da doença orgânica não é reflexo fiel da pessoa. A medicina


psicossomática faz suas contas sem considerar o dono do estabelecimento - sem o
organismo psicossomático. Enquanto estivermos conscientes de que o homem não
pode impor-se no organismo psicofísico enquanto tal, o que desejaria enquanto
pessoa espiritual, deveremos guardar-nos - em vista dessa impotentia oboedientialis
- do equívoco de atribuir toda doença no corpo a uma falha no

82 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

espírito. Abstraímos aqui dos extremismos da noossomática, como aquele que afirma
que um câncer representa não apenas um suicídio inconsciente, senão, diretamente,
uma execução inconsciente da pena capital por algum complexo de culpa.

Ainda que o homem seja um ser essencialmente espiritual, não deixa de ser uma
criatura finita; essa limitação reflete a condição do ser humano, que é
só facultativamente incondicionado, mas que, de fato, permanece condicionado.
Por conseguinte, a pessoa espiritual não pode impor-se incondicionalmente - através
das camadas psicofísicas. Nem sempre é perceptível a pessoa espiritual
através dessas camadas, nem tampouco operante. É certo que o organismo
psicofísico é o conjunto dos órgãos, dos instrumentos, ou seja, dos meios para um
fim; mas esse meio é inteiramente sombrio em relação à sua função expressiva e
inteiramente indolente em relação à sua função instrumental.

É verdade que toda doença tem um “sentido”; mas o sentido real de uma doença não
está ali onde o procura a investigação psicossomática - não no “que” do estar
doente, antes no “como” do sofrimento; e assim, pois, é um sentido que já deve estar
dado na doença, e isso acontece sempre que o homem sofrido, o Homo
patiens, cumpre no sofrimento autêntico, e marcado por um destino autêntico, o
sentido possível de um sofrimento necessário e inevitável. Mas não cabe ao médico
designar esse sentido mediante interpretações psicossomáticas.

A esse respeito, é evidente que o “que” do estar doente também possui um sentido.
Trata-se, todavia, de um suprassentido, isto é, de algo que ultrapassa todo o sentido
de compreensão humana. É algo que se encontra além dos limites de toda temática
psicoterapêutica legítima. A ultrapassagem desses limites, a tentativa persistente de
forjar uma patodiceia ou, até mesmo, uma teodiceia, leva o médico ao fracasso. No
mínimo, levá-lo-á a um embaraço semelhante ao daquele homem que, indagado pelo
filho até que ponto Deus é amor, respondeu-lhe com um exemplo: “Bem, foi Ele
quem te curou do sarampo”. Ao que o filho replicou: “Sim, mas primeiro me enviou
o sarampo”.

Assim, o médico deve conhecer não só a vontade de sentido, senão o sentido do


sofrimento, e, nesta época de dúvida quanto ao sentido, é mais do que
nunca necessário que ele tenha consciência - e torne o paciente consciente - de que
a vida do homem, também a do homem que sofre, seja sempre carregada de sentido.

8. PASTORAL MÉDICA 83

Em vez de fazer aqui considerações teóricas, gostaria muito mais de reportar-me a


experiências práticas, particularmente a experiências concretas e reais: uma
dia, topei com uma sessão de terapia de grupo organizada por meu assistente, o Dr.
K. Kocourek. O grupo discutia o caso de uma mulher que acabara de perder o
filho de onze anos, vitimado por uma apendicite aguda, restando-lhe um filho de
vinte anos, que sofria de paralisia cerebral e precisava mover-se numa cadeira de
rodas. A mãe havia tentado o suicídio e, por conseguinte, fora conduzida e internada
em minha clínica. Inseri-me na discussão do caso, escolhendo do grupo uma jovem
a quem de improviso pedi que se imaginasse aos oitenta anos, próxima da morte,
e que lançasse um olhar retrospectivo sobre a própria vida, uma vida cheia de
prestígio social e sucesso amoroso, mas também nada mais do que isso:

O que dirias a ti mesma? Tive tudo de bom na vida, fui rica, mimada, deixei os
homens loucos de paixão, enquanto flertava com eles, e não abandonei nenhuma
forma de prazer. Mas agora estou velha, não tive filhos e tenho de admitir que,
rigorosamente falando, minha vida foi um fracasso, visto que não posso levar
nada comigo ao túmulo. Para que estive no mundo?

Convidei então a mãe do deficiente físico a colocar-se na mesma situação e que nos
dissesse o que pensava:

Eu sempre desejei ter filhos, e este meu desejo realizou-se. O mais jovem
faleceu, e fiquei sozinha com o mais velho. Se não fosse eu, o que lhe teria
acontecido... É provável que tivesse sido levado a uma instituição
para deficientes mentais; mas era eu quem estava ali e pude ajudá-lo a fazer-
se homem. Minha vida não foi um fracasso. É possível que tivesse sido
difícil, havia muitas tarefas para cumprir, mas consegui superá-las e tornar a
minha vida plena de sentido. Agora posso morrer em paz.

Somente entre soluços ela conseguiu proferir essas palavras. Puderam delas então
tirar os outros pacientes a lição de que o que importa não é tanto que a vida de um
ser humano seja dolorosa ou prazerosa, mas que seja carregada de sentido.
9
Logoterapia e religião1
Para a logoterapia, a religião pode ser um objeto - não uma posição. A religião é um
fenômeno do homem, do paciente, um fenômeno entre outros fenômenos que encontra
a logoterapia. No entanto, para a logoterapia, tanto a existência religiosa como a
irreligiosa são, em princípio, fenômenos coexistentes. Em outras palavras, a
logoterapia deve assumir perante eles uma atitude neutra. A logoterapia é uma
orientação da psicoterapia, e esta pode ser exercida - ao menos segundo a legislação
médica austríaca - por aqueles que são médicos. Portanto, e não por outro motivo, o
logoterapeuta, uma vez que tenha prestado o juramento hipocrático, deve cuidar para
que seu método e técnica (logoterapêuticos) sejam aplicados a todos os doentes,
crentes ou descrentes; e também para que as técnicas logoterapêu-ticas sejam
aplicadas por qualquer médico independentemente de sua cosmovisão.

Depois desse nosso esclarecimento acerca da posição da logoterapia no âmbito da


medicina, voltemo-nos agora à sua delimitação diante da teologia, a qual, a meu ver,
se pode esboçar do seguinte modo: o objetivo da psicoterapia é a cura psíquica - o
objetivo da religião, contudo, é a salvação da alma. Isso não quer
dizer, naturalmente, que os objetivos da psicoterapia e da religião se encontram no
mesmo plano. A dimensão na qual se insere o homem religioso é mais elevada, quero

86 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

dizer, mais abrangente do que a dimensão na qual se move a psicoterapia. Porém,


esse avanço numa dimensão elevada não se dá no conhecimento, mas na fé.

Se pretendemos agora determinar a relação da dimensão humana com a divina, ou


seja, com a dimensão supra-humana, devemos então recorrer a um símbolo da
proporção áurea. Como se sabe, essa proporção matemática preconiza a ideia de que
a parte menor se relaciona com a parte maior assim como a parte maior com o todo.
Como também se sabe, o animal vive no ambiente da própria espécie, enquanto o
homem “tem o mundo” (Max Scheler); mas o mundo humano se relaciona com o
mundo sobrenatural, assim como o mundo animal se relaciona com o mundo humano.
O que quer dizer: do mesmo modo que o animal não é capaz de entender, a partir de
seu ambiente, o homem e o seu mundo, tampouco é possível o homem lançar um
olhar no mundo superior.

Tomemos o exemplo de um macaco em que se aplicam injeções dolorosas com o


intuito de obter um soro capaz de curar numerosas doenças. O macaco
pode compreender por que tem de sofrer? A partir do seu ambiente ele é incapaz de
compreender as intenções do homem empregadas em seus experimentos, uma vez que
o mundo humano lhe é inacessível. Ele não alcança esse mundo, não consegue
penetrar em sua dimensão; não podemos então supor que o mundo humano é também,
por seu turno, superado por outro mundo, que, por sua vez, não é acessível ao
homem, um mundo cujo sentido, cujo suprassentido, é o único capaz de dar sentido à
sua dor?

No entanto, o passo executado pela fé na dimensão supra-humana fundamenta-se


através do amor. Em princípio, isso é uma realidade bem conhecida. Menos
conhecido, contudo, é o fato de que para essa realidade existe uma pré--formação
infra-humana. Quem já não viu um cachorro que, conduzido ao veterinário e
submetido a um tratamento doloroso em seu benefício, elevou os olhos cheios de
confiança para o dono? Sem poder “saber” qual sentido deve ter sua dor, o animal
“acredita”, enquanto confia em seu dono, ele crê exatamente porque o ama - sit venia
anthropomorphismo.

No que diz respeito ao “passo para a dimensão supra-humana”, não podemos forçar
o homem, muito menos pela psicoterapia. Sentimo-nos já satisfeitos de não encontrar
a porta do supra-humano bloqueada pelo reducionismo seguido por uma psicanálise
mal compreendida e vulgarmente interpretada, e logo apresentada aos

9. LOGOTERAPIA E RELIGIÃO 87

pacientes. Sentimo-nos igualmente satisfeitos de que não se apresente Deus como um


“nada mais que” uma imagem-de-Pai e a religião como um “nada mais que” uma
neurose da humanidade, nem de que os rebaixe, assim, aos olhos do paciente.

Ainda que a religião, como dito anteriormente, não seja para a logoterapia mais do
que um objeto, ela, contudo, lhe é muito cara, e por uma razão muito simples: no
contexto da logoterapia, logos significa espírito e, além disso, sentido. Por espírito
entendemos a dimensão dos fenômenos especificamente humanos, e,
em contraposição ao reducionismo, a logoterapia se recusa a reduzi-los a
fenômenos sub-humanos ou a deduzi-los destes.

Na dimensão especificamente humana haveríamos de localizar, entre outros, os


fenômenos da autotranscendência da existência em direção ao logos. Com efeito, a
existência humana aponta sempre para além de si mesma, aponta sempre para um
sentido. Nesse aspecto, a existência não é para o homem um empenho pelo prazer ou
pelo poder, nem tampouco pela autorreali-zação, mas antes pelo cumprimento de um
sentido. Na logoterapia falamos de uma vontade de sentido.

Uma vez que podemos definir o homem como um ser responsável, o homem é
responsável pelo cumprimento de um sentido. Contudo, em vez de fazermos a
pergunta do “para que” na psicoterapia, é preciso colocar-se e deixar em aberto a
pergunta do “diante de que” de nosso ser-responsável. É preciso deixar ao paciente
a decisão de como interpretar o seu ser-responsável; como ser-responsável diante da
sociedade, diante da humanidade, diante da consciência ou diante não de algo, mas
diante de alguém, diante do divino.

Poderia levantar-se a objeção de que não se deve deixar aberta essa pergunta do
“diante de que” do ser-responsável do paciente. Senão que a resposta seja dada já há
muito tempo sob a forma de revelação; a prova, porém, claudica. Com efeito, essa
aponta para uma petitio principii, uma vez que o fato de que reconheço a revelação
enquanto tal pressupõe sempre uma decisão de fé. Não faria o mínimo efeito,
portanto, se diante de um incrédulo se aludisse ao fato de que existe uma revelação;
porque se o paciente a aceitasse como tal, tornar-se-ia então um crédulo.

A psicoterapia deve mover-se, portanto, aquém da fé na revelação, e a pergunta do


sentido deve dar uma resposta aquém da linha que separa de um lado a

88 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

concepção teísta de mundo e, de outro, a concepção ateísta. Mas se essa pergunta


compreende o fenômeno da fé não como uma fé em Deus, senão como a fé
num sentido mais amplo, então é perfeitamente legítimo debruçar-se sobre o
fenômeno da fé e ocupar-se dele. E isso casa perfeitamente com a afirmação de
Albert Einstein, que disse, certa vez, que um homem que encontra uma resposta à
questão do sentido da vida é um homem religioso.

A fé do homem no sentido é, em termos kantianos, uma categoria transcendental. Do


mesmo modo que, como sabemos desde Kant, é um contrassenso perguntarmo-nos
por categorias como espaço e tempo, pelo simples fato de que não podemos pensar
e, portanto, não podemos perguntar sem pressupor de antemão o espaço e o tempo,
do mesmo modo o ser humano é, de antemão, um ser voltado para o sentido, mesmo
que ainda não o conheça: existe, de qualquer modo, algo assim como um
conhecimento prévio do sentido. Um pressentimento assim do sentido serve de base
ao que na logoterapia designamos “vontade de sentido”. Quer ele o queira ou não,
quer ele o admita ou não, o homem crê num sentido até seu derradeiro suspiro. O
suicida também crê num sentido, ainda que não de vida, de continuação da vida, mas
ao menos no sentido da morte. Se não acreditasse realmente em nenhum sentido, não
teria forças sequer para mover um dedo e, portanto, cometer o suicídio.

Vi morrer ateus convictos que durante toda a vida se horrorizavam com a crença em
“um ente superior” ou em algo semelhante, em uma acepção dimensional do sentido
elevado da vida. No entanto, no leito de morte, tiveram algo que não foram capazes
de viver ao longo de décadas: testemunharam uma segurança não só contrária à sua
concepção de mundo, mas que também não se pode intelectualizar e racionalizar. De
profundis irrompe algo, impõe algo, aflora uma confiança ilimitada que não se sabe
o que ou contra o que se manifesta, nem tampouco em que ou quem confia, mas que
resiste ao conhecimento do infausto prognóstico. Quem bate nessa mesma tecla é
Walter von Baeyer, quando escreve:
Detemo-nos nos pensamentos e observações pronunciados por Plügge.

No entanto, em termos objetivos, já não existe mais nenhuma esperança.

O doente que conserva plenamente sua lucidez deve ter percebido há muito

9. LOGOTERAPIA E RELIGIÃO 89

que já não há mais esperança de viver. Em quê? A esperança desses doentes,


que num primeiro momento se volta à cura física, escondendo assim no fundo um
conteúdo significativo de caráter transcendente, precisa ancorar--se na sua
humanidade, que nunca pode deixar de ser uma esperança numa consumação
futura na qual o homem convenientemente e naturalmente acredita, ainda que
não fixado em um dogma.

O leitor deparou-se anteriormente com uma citação de Albert Einstein, segundo a


qual o homem que encontra uma resposta à questão do sentido da vida é um homem
religioso. Gostaria somente de completar com uma declaração semelhante proferida
por Paul Tillich, que nos oferece a seguinte definição: “Ser religioso significa
colocar-se apaixonadamente a pergunta do sentido de nossa existência”. Ludwig
Wittgenstein oferece-nos a seguinte definição: “Crer em Deus significa ver que a
vida tem um sentido” (Diários, 1914-1916). Em todo caso, pode-se dizer que a
logoterapia - que é sempre e primordialmente uma psicoterapia e que, enquanto tal,
pertence ao âmbito da psiquiatria e da medicina - está legitimada a ocupar-se não só
com a “vontade de sentido”, como a logoterapia o designa, mas também com a
vontade de um sentido último, com um suprassentido, como costumo chamá-lo; e a fé
religiosa é, afinal de contas, uma fé nesse suprassentido -uma confiança no
suprassentido.

É verdade que a nossa concepção de religião tem, considerando-a de maneira


afetuosa, muito pouco que ver com a estreiteza confessional, e sua conseqüência, a
miopia religiosa, que tende a ver em Deus um ente que só se interessa,
fundamentalmente, por isto: o número de pessoas que Nele acredite deve ser o maior
possível, e, a par disso, exatamente como prescreve uma determinada confissão.
Pessoalmente, não consigo imaginar que Deus possa ser tão mesquinho. Não consigo
igualmente imaginar, como algo sensato, que uma igreja me exija que creia. Também
não posso querer crer, do mesmo modo que não posso obrigar-me a amar ou, do
mesmo modo, obrigar-me a ter esperança, ainda mais quando sei que isso é inútil.
Há coisas que não se deixam levar por um querer ou não querer - tampouco se
deixam produzir por meio de uma exigência ou por meio de uma ordem. Para
apresentar um simples exemplo: não posso rir por

O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO


meio de uma ordem. Se alguém deseja que eu ria, tem então de se esforçar para me
contar uma boa piada.

E de maneira análoga acontece com o amor e a fé; amor e fé não se deixam


manipular. Como fenômenos intencionais que são, só se manifestam quando se dá um
conteúdo e um objeto adequados.

Certa vez, fui entrevistado por uma repórter da revista americana Time, que me
perguntou se a tendência da época era de afastamento da religião. Respondi que a
tendência não era afastar-se da religião, mas, sim, daquelas confissões que não
tinham outra coisa que fazer senão lutar entre si e atiçar os fiéis uns contra os outros.
A repórter perguntou-me então se isso queria dizer que, mais cedo ou mais tarde, se
chegaria a uma religião universal, o que de pronto neguei. Muito pelo contrário,
disse. Caminhamos, muito mais, em direção não a uma religião universal, mas a uma
religião pessoal - profundamente personalizada, uma religiosidade a partir da qual
cada indivíduo encontrará o seu próprio idioma, pessoal e original, ao se dirigir a
Deus.

Mas isso nem de longe significa que não haverá mais rituais e símbolos coletivos.
Existe igualmente uma pluralidade de idiomas e, no entanto, não há para muitos entre
eles um alfabeto em comum?

De uma forma ou de outra, em sua diversidade, as religiões se parecem com os


diferentes idiomas: ninguém pode dizer que o seu idioma é superior ao dos demais -
em todos os idiomas o homem pode aproximar-se da verdade, da única verdade, e
em todos os idiomas pode ele enganar-se e até mentir. E, assim, pode também
encontrar, por meio de qualquer religião, a Deus - ao único Deus.

Resta-nos perguntar se, em geral, se pode falar de Deus, e não antes com ele. A frase
de Ludwig Wittgenstein: “whereof one cannot speak, thereof one must be silent” -
sobre aquilo que não se pode falar, deve-se silenciar - não só podemos traduzir do
inglês para o alemão, mas também do agnosticismo para o teísmo: do que não se
pode falar, a este se deve rezar.

Hoje em dia os pacientes dirigem-se ao psiquiatra porque duvidam do sentido de


suas vidas, ou porque se desesperam de não encontrar seja que sentido for. A dizer a
verdade, ninguém pode queixar-se, atualmente, de que falta um sentido à vida, visto
que só precisa alargar o próprio horizonte para perceber que, ainda

9. LOGOTERAPIA E RELIGIÃO 91

que gozemos de prosperidade, outros, contudo, padecem de carestia. Gozamos de


liberdade, mas onde se encontra a responsabilidade para com os demais? Ao
longo dos séculos, a humanidade venceu os obstáculos a favor de uma fé em um
Deus único, do monoteísmo, mas onde fica o conhecimento de uma humanidade
única, um conhecimento que gostaria de denominar monantropismo? O
conhecimento em torno da unidade da humanidade, uma unidade que rompa todas as
diferenças, quer da cor da pele quer da cor dos partidos.

10
1

Conferência proferida em 1964, organizada pela Sociedade “Medicina e Pastoral”


de Stuttgart, no Colóquio de Elmauer.
A crítica do psicologismo dinâmico
W. Van Dusen salientou: “Todas as terapias assentam-se em uma concepção do
mundo. No entanto, no que diz respeito a essa concepção, são poucas as que põem as
cartas sobre a mesa, como faz a análise existencial”. De fato, toda psicoterapia toma
por sua uma determinada antropologia -também a psicanálise. Ninguém menos que o
psicanalista Paul Schilder reconheceu que, realmente, ela é uma Weltanschauung
-“concepção do mundo”. Gostaria de dizer que toda psicoterapia se baseia em
premissas antropológicas - ou, se essas não são conscientes, em implicações
antropológicas. E isso é ainda pior: devemos a Sigmund Freud o conhecimento do
perigo que espreita os conteúdos psíquicos, mas também, como podemos dizer, o
perigo que espreita as atitudes espirituais enquanto estas permanecem inconscientes.
Não tenho dúvidas em afirmar que o psicanalista tão logo indique ao paciente para
estender-se no divã e associe livremente, já lhe apresenta igualmente uma
determinada concepção de ser humano, uma concepção que deixa de lado a
personalidade do paciente, que evita um encontro pessoal do homem com o homem,
um contato face a face, olho no olho. Quando um psicanalista procura opor-se a todo
tipo de valores, essa atitude de sua parte implica então em um juízo de valor. O que
acontece na práxis? Tomemos, por exemplo, as associações livres, em cuja
produção, como é bem conhecido, se baseia o método de tratamento psicanalítico!

94 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

Já na afirmação dada, implícita na indicação à qual se entrega a associação livre,


de que é permitido entregar-se ao jogo livre da própria imaginação, há uma tal
decisão, que está longe de ser evidente, sobre o poder e o dever do homem; esta
constitui em si mesma uma resposta parcial à pergunta sobre o que é o homem e
qual seja o seu ideal e o seu fim.1

Bem, um homem de tão reconhecida reputação, como o conhecido psicanalista Emil


A. Gutheil (Nova York), editor do American Journal of Psycotherapy, eleva sua voz
admoestando:

Hoje em dia são poucos os casos de pacientes cujas associações são realmente
espontâneas. A maior parte das associações que o paciente produz no curso de
um tratamento prolongado são qualquer coisa menos “livres”; muitas vezes são
avaliadas para transmitir ao analista determinadas idéias, as quais o paciente
supõe que são bem-vindas ao analista. Em tais casos, os pacientes trazem à tona
um material associativo previamente calculado, ou seja, determinado a agradar
o analista. Aparentemente, os pacientes da psicologia adleriana sofrem somente
de problemas de poder, e seus conflitos encontram-se, ao que parece,
exclusivamente condicionados pela ambição, pela aspiração à superioridade e
coisas do gênero. Os pacientes dos discípulos de Jung inundam seus médicos de
arquétipos e de vários símbolos ana-gógicos. Os freudianos escutam de seus
pacientes a confirmação da presença de complexos de castração, de traumas de
nascimento ou algo equivalente.

Não seria possível pensarmos que a análise didática ajuda a impedir os juízos de
valor inconscientes? Bem, parece-me que essas análises por sua natureza são mais
capazes de contribuir para o surgimento de tais juízos de valor inconscientes.
Ninguém aqui precisa ir tão longe como William Sargant, que em seu livro A
Conquista da Mente aponta para o fato de que muitas vezes a psicanálise
se considera encerrada quando o paciente acolhe inteiramente para si as opiniões
do psicoterapeuta e se tenha quebrado toda a resistência com respeito à interpretação

A. Górres, Methode und Erfahrungen der Psychoanalyse. Munique, Kõsel, 1958.

10. A CRÍTICA DO PSICOLOGISMO DINÂMICO 95

psicanalítica dos acontecimentos passados. Isto é, evidentemente, ir longe demais;


contudo, não menos evidente é a resposta do analista nova-iorquino J.
Marmor1 quando chama a atenção para o hábito que todo analista tem de interpretar
toda crítica à sua pessoa ou à psicanálise como expressão de uma resistência por
parte do paciente. Gostaria, neste ponto, de ir mais longe ao submeter à vossa
reflexão o fato de que o fenômeno contrário da resistência, a saber, não uma
transferência negativa, senão uma positiva ou - se devo assim me expressar - a
ausência de resistência do paciente, traz em si uma atitude acrítica perante a
psicanálise. Isso pode ser apropriado, portanto, à análise didática. O psicólogo
londrino H. J. Eysenck declarou, de maneira estrita, que todo aquele que se submete
a uma análise didática “torna-se incapaz de julgar objetivamente e de um modo
absolutamente imparcial as concepções psicanalíticas”. “Quando o psicanalista
afirma que o ‘psiquiatra com formação puramente teórica’ que não foi ele mesmo
analisado, não pode, apesar da melhor boa vontade, interpretar psicologicamente de
maneira correta, então é chegado o ponto em que o diálogo científico se encerra,
sendo substituído por uma decisão de fé” - explica H. J. Weitbrecht. Durante a
discussão científica, o participante não analisado é intimidado com o recurso à
censura, sob o título de “não-ser-analisado”, e, portanto, incapaz de tomar parte na
discussão, senão que também se manipula, de maneira análoga, a opinião pública à
medida que se inocula no público o sentimento de culpa. Procede-se assim como se
aquele que é contra a psicanálise fosse de antemão suspeito de ser neurótico ou
repressivo, reacionário, um antissemita ou até um nacional-socialista.

É da essência do psicologismo extrair, da gênese de um ato espiritual, conclusões


sobre a validade de seu conteúdo - em outras palavras: ao psicologismo importa
menosprezar algo de modo lógico ao mesmo tempo que o deduz psicologicamente.
No caso específico de S. Freud, diz H. Kunz: “A imprudência de Freud ao introduzir
o psicologismo, quer dizer, o recurso, na luta pela psicanálise, a tendências de tipo
desconhecido pode, quem sabe, encontrar-se enraizada numa ânsia extracientífica”.
O interesse por motivações psicológicas, diz Dietrich von Hildebrand, ou seja, por
saber por que alguém manifesta uma opinião, faz uma

96 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

afirmação, assume um ponto de vista diante de uma teoria - tudo isso suplanta mais e
mais o interesse pela questão de se essa opinião, afirmação ou teoria é ou não
verdadeira; logo que assim se procede, continua Dietrich von Hildebrand, começa a
propagar-se uma perversão devastadora (“a disastrous perversion”).

Para dar um exemplo: Sigmund Freud apresenta a filosofia como “uma das formas
mais decentes de sublimação da sexualidade reprimida, nada mais”.2 Podemos
entender, destarte, por que Scheler falava da psicanálise como uma
“alquimia”, segundo a qual seria possível desprender dos instintos coisas como
bondade, amor etc. Muito menos, afirma M. Boss,

se pode deduzir de meros instintos uma existência tão exemplar como a que o
próprio Freud supôs exemplarmente conduzir. Uma transformação dos instintos
a partir de si mesmos, em um dever humano de veracidade e em um
autossacrifício a serviço da ciência como, por exemplo, se distingue no destino de
Freud, é algo que permanece para sempre inimaginável.

É óbvio que pode haver casos em que a inquietação e a preocupação do homem com
o sentido último e mais elevado de sua vida, digamos assim, não representem “nada
mais” do que uma sublimação dos instintos reprimidos, e pode igualmente haver
casos nos quais os valores realmente representem “formações de reação e
racionalizações secundárias”. Para autores como Ginsburg e Herma, são, de fato,
nada mais do que isso; mas se trata provavelmente de simples casos de exceção, e,
de modo geral, a luta por um sentido de vida é um fator primário, e mais ainda: a
característica mais primária. E, se podemos chamá-la assim, um constitutivo da
existência humana.

Pode ser necessário desmascarar e desvendar. Mas é preciso parar diante do


autêntico; e esse ofício de desvendar só pode ser um meio para o fim de fazer
sobressair o que é autêntico, de distingui-lo do inautêntico e, assim, fazer que o
autêntico se destaque mais ainda. No entanto, onde o desmascaramento e o
desvendamen-to se tornam um fim em si mesmo, onde não se detêm diante do
autêntico -o que, precisamente, não se pode desmascarar -, então esse
desvendamento já não
10. A CRÍTICA DO PSICOLOGISMO DINÂMICO 97

é um mero meio para o fim, então esta tendência ao desvendamento não é senão uma
tendência a desvalorizar-se. Perante as árvores das mentiras da vida, o psicólogo,
que desvenda, já não vê mais o bosque da própria vida, uma vez que a ânsia de
desmascarar, de desvendar, termina por desembocar em cinismo, tornando-se ao fim
e em si mesma uma máscara, a máscara do niilismo.

A última coisa que a psicoterapia pode permitir-se é ignorar a vontade de sentido e,


em vez de deter-se diante dela como algo originário, julgá-la uma simples máscara,
segundo os ditames de uma psicologia que se considera a si própria aquela que
desmascara. Certa vez, fui procurado por um chefe diplomático americano que se
encontrava há nada menos do que cinco anos em Nova York sob tratamento
psicanalítico. Sentia-se tentado por um único anseio: desistir de sua carreira
diplomática. No entanto, o psicanalista que o vinha tratando todo aquele tempo
procurava movê-lo a finalmente reconciliar-se com o pai: o chefe não seria, pois,
“nada mais” do que uma imago do pai, e todo o seu ressentimento e
rancor provinham justamente de sua luta irreconciliável com essa imagem. A
questão importante, se o chefe realmente merecia ser rejeitado, ou se não seria
melhor largar a carreira diplomática e trocar de profissão, não foi colocada uma
única vez durante todo aquele tempo de tratamento, que consistia numa desenfreada
contenda, braço a braço, do psicanalista com o paciente contra aquela imagem.
Tudo isso como se não houvesse nada que valesse a pena levar em consideração,
como se só a pessoa imaginária merecesse atenção e cuidado, e não a real... A
verdade é que não havia mais nenhuma realidade para antepor-se a essa imagem, que
se tinha desvanecido havia muito tempo da presença da dupla psicanalista-
paciente: não existia um chefe real, nem tampouco um posto diplomático de fato,
muito menos o mundo independente de toda essa imagem, um mundo cujos
problemas e exigências esperavam uma solução. A psicanálise tinha arrastado o
paciente para uma espécie de autointerpretação e uma visão de si mesmo, e
arriscaria a dizer: para uma espécie de imagem monadológica do homem, uma vez
que a linguagem analítica se concentrava excessivamente naquela obstinação
irreconciliável do paciente em relação à imago do pai. Mas não era nem um pouco
difícil salientar que o serviço diplomático e a carreira do paciente lhe haviam
frustrado -se assim posso expressar-me - a vontade de sentido. No momento em que
o

98 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

paciente largou o serviço diplomático, teve, finalmente, a oportunidade de fazer


valer a sua verdadeira aptidão.

Resta-nos mencionar um terceiro ponto - algo que vai além da vontade de sentido e
do sentido do sofrimento; discutir, a fim de completar nossas considerações acerca
da imagem do homem na psicoterapia, a liberdade da vontade. O que já nos leva ao
centro da teoria metaclínica de toda psicoterapia, e teoria quer dizer visão, visão de
uma imagem do homem. Não se trata, todavia, de que nós, os médicos, devemos
levar a filosofia para dentro da medicina, mas de que nossos pacientes nos tragam
sua problemática filosófica.

É evidente que o homem está submetido a condicionamentos por assim dizer


biológicos, psicológicos ou sociológicos. Nesse sentido, não é livre - ele não está
livre de condicionamentos; não é de modo algum livre de algo, senão que é livre
para algo. Quero dizer, livre para tomar posição perante todo e
qualquer condicionamento.

Consideramos que o grau de liberdade também se presta a uma existência psicótica.


De fato, o homem que sofre uma depressão endógena pode também se opor a essa
depressão. Dai-me permissão de ilustrar isso com o trecho de uma história clínica
que tomo por um documento humano. A paciente era uma carmelita, e em seu diário
descrevia a evolução da doença e de seu tratamento. Notai bem: um tratamento
orientado também para a farmacoterapia, e não somente para a logoterapia. Limitar-
me-ei aqui à citação de um trecho de seu diário:

A tristeza é minha companheira constante. Não importa o que eu faça, a tristeza


coloca um peso de chumbo sobre minha alma. Onde estão os meus ideais, toda a
grandeza, a beleza, toda a bondade, tão estimados outrora pelo meu anseio?
Meu coração se acha dominado por um tédio bocejante. Vivo como que jogada a
um vazio. Existem momentos nos quais até a própria dor me é recusada.

Confrontamo-nos aí com os sintomas de uma melancholia anaesthetica. A paciente


continua sua descrição: “Em meu tormento, clamo por Deus, o Pai de todos. Mas Ele
também silencia. No fundo, só desejaria uma coisa: morrer; morrer hoje mesmo, se
isso me fosse possível”. E segue então uma reviravolta: “Se eu não

10. A CRÍTICA DO PSICOLOGISMO DINÂMICO 99

tivesse a consciência dada a mim pela fé, segundo a qual não sou dona de minha
vida, já, e muitas vezes, teria me entregado ao vazio”. E continua, triunfante:

Nesta fé, começa a transformar-se toda a amargura do sofrimento. Porque


aquele que pensa que a vida humana tem de ser um caminhar de êxito a êxito,
assemelha-se a um tolo que meneia a cabeça diante de uma construção e se
admira que se esteja cavando um abismo onde se deva erguer uma catedral.
Deus edifica um templo em cada alma humana. No meu caso, Ele está
justamente a cavar o alicerce. Meu dever consiste em suportar de boa vontade
os golpes de Sua pá.
Seu confessor a repreendia, dizendo-lhe que uma boa cristã não deve sofrer de
depressão. Mas isso era como colocar água no moinho diante da tendência
à autorreprovação, tão característica da depressão endógena. Na realidade, a
religiosidade não faculta nenhuma garantia contra as doenças neuróticas e nem
sequer contra as psicóticas. E, ao contrário, estar livre de neuroses não é nenhuma
garantia de que a pessoa seja religiosa. Dito de outra forma: seria precipitado supor
que estar livre de neuroses é uma garantia mais ou menos automática de
verdadeira religiosidade. E não seria menos precipitado supor que uma verdadeira
religiosidade protege de doenças neuróticas. Nesse sentido, nem a verdade nos torna
livres, nem a liberdade nos faz verdadeiros.

É claro que o clínico pode lançar um olhar aqui e ali ao fundo da superfície do
psicótico até a personalidade do doente - deslocada e oculta por essa psicose. A
despeito disso, a prática médica confirma de maneira contínua aquilo que uma vez
designei como meu credo psiquiátrico: a crença absoluta na pessoa espiritual, e
também na dos doentes psicóticos.

Seja-me agora permitido referir-me a um caso clínico específico: certa vez,


trouxeram-me um homem, de uns sessenta anos, que sofria de uma deficiência que,
em seu estado final, apresentava traços de esquizofrenia. Ouvia vozes, pois padecia
de alucinações acústicas, autismo e o dia todo não fazia outra coisa senão rasgar
papéis, e levava uma vida aparentemente sem sentido. Quiséssemos ater-nos à
divisão de tarefas vitais, segundo Alfred Adler, o nosso paciente - esse “idiota”,
como era chamado - não cumpria, portanto, nenhuma dessas tarefas: não

100 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

se ocupava de um trabalho, encontrava-se como que excluído da comunidade e


privado sexualmente, para não se falar do amor e do matrimônio. E, contudo, que
singular e notável charme desprendia-se daquele homem, do âmago de
sua humanidade, que permanecera intacto e não afetado pela psicose: tínhamos
diante de nós um grande senhor! Durante nossas conversas, constatamos que às
vezes se irritava sem um motivo aparente, mas que, no último momento, era capaz
de dominar-se. Aconteceu então que eu lhe perguntasse mais ou menos o
seguinte: “Afinal de contas, por amor a quem o senhor se domina?” E ele me
respondeu: “Por amor a Deus...”. Vieram-me então à mente as palavras de
Kierkegaard: “Mesmo se a loucura me surgisse aos olhos em seu traje de bufão,
sempre posso salvar a minha alma, se triunfa em mim o meu amor para com Deus”.
1

J. Marmor, The American Journal of Psychiatry, n. 110, 1953, p. 370.

Ludwig Binswanger, Erinnerungen an Sigmund Freud. Berna, Francke, 1956.


0 que diz o psiquiatra a respeito da literatura moderna?
1
Quando me convidaram a pronunciar, nesta reunião, uma conferência, minha primeira
reação foi de hesitação. Vede, senhores, são tantos os representantes da literatura
contemporânea que se ocupam por gosto dos ramos da psiquiatria -ainda que de uma
forma antiquada de psiquiatria -, que não me via tentado a aumentar o número de tais
diletantes, intrometendo-me, como psiquiatra, no terreno da literatura
contemporânea.

A isso vem juntar-se o fato, ainda não demonstrado, de que a psiquiatria esteja
autorizada a adotar uma posição sobre o assunto. Não vos deixeis levar pela ideia de
que a psiquiatria se encontre apta a solucionar todos os problemas. Até os dias de
hoje, nós, psiquiatras, não sabemos sequer, por exemplo, qual é a real causa da
esquizofrenia - quanto mais, como bem já sabemos, os meios de curá-la. Nós, os
psiquiatras, não somos nem oniscientes, nem onipotentes; o único atributo divino que
se pode a nós conceder é o da onipresença: em todo simpósio vedes um psiquiatra,
em toda discussão escutais sua voz e o encontrais até nesta reunião...

Penso, contudo, e para falar a sério, que é preciso que se deixe finalmente de
superestimar, de idolatrar a psiquiatria, e que se faria muito melhor, e mais, se
passássemos a humanizá-la. Deveríamos, de início, evitar colocar no mesmo

104 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

saco o que existe de humano no homem e o que existe de doente nele. Em outras
palavras, o que se nos pede é um diagnóstico diferencial entre um estado
psíquico adoentado e um estado de necessidade espiritual - aquela necessidade
espiritual que resulta, por exemplo, do desespero de um homem diante da aparente
ausência de sentido em sua existência -, e quem poderia negar que estamos a tratar
aqui de um dos temas favoritos da literatura contemporânea?

Pois bem, assim se manifestou Sigmund Freud numa carta à princesa Bona-parte:
“No instante em que alguém se pergunta sobre o sentido ou valor da vida, está
doente. Nesses casos, simplesmente a pessoa mostra que tem uma carga de libido
insatisfeita”. Entretanto, pessoalmente, inclino-me a pensar que é justamente neste
momento que o homem evidencia uma única coisa, a saber: que é um homem
verdadeiramente autêntico. Nenhum animal, portanto, jamais se colocou a questão do
sentido de sua existência. Nem sequer um dos gansos de Konrad Lo-renz. Mas é o
homem que se aflige com essa questão. Não obstante, não se deve ver nela o sintoma
de uma neurose; pelo contrário, considero uma realização humana, uma vez que é
próprio do homem não apenas perguntar-se pelo sentido da vida, mas também
questionar tal sentido.

Mesmo se em algum caso particular se concluísse que o autor de uma obra literária
estava realmente doente - que talvez até sofresse de uma psicose e não apenas de
uma neurose -, isso implicaria uma objeção, ainda que mínima, contra o valor e a
verdade de sua obra? Creio que não. Dois mais dois são quatro, ainda que seja um
esquizofrênico que o afirme. E, de maneira similar, creio que em nada avilta a
poesia de Hõlderlin e a verdade da filosofia de Nietzsche o fato de que o primeiro
sofria de esquizofrenia, e o segundo, de paralisia cerebral. Pelo contrário, estou
convencido de que as obras de Hõlderlin e Nietzsche continuam sendo
lidas, enquanto o nome dos psiquiatras que escreveram volumes inteiros a respeito
desses “casos” há muito foi esquecido.

Todavia, embora seja verdade que a patologia está longe de dizer algo contra o valor
de uma obra, não é menos verdade que diga algo a favor. Mesmo no caso de um
escritor que seja um doente psíquico, verificamos que uma obra importante sua
jamais surgiu por causa de uma psicose, mas apesar dela. A doença nunca é, por si
só, criativa.

ANEXO - O QUE DIZ O PSIQUIATRA A RESPEITO DA LITERATURA


MODERNA? 105

Tornou-se moda em nosso tempo avaliar a literatura não só a partir de uma


perspectiva psiquiátrica, senão, em particular, a partir de uma psicodinâmi-ca
inconsciente, na qual supostamente se fundamenta. Em conseqüência, a
assim chamada psicologia profunda considera que sua principal tarefa consiste em
desmascarar as motivações secretas ou reprimidas no inconsciente. O mesmo
vale, evidentemente, para a produção literária. O que disso resulta, quando a obra
de um poeta é estendida sobre um “leito de Procusto”, podeis julgar pela crítica
literária escrita por um dos mais ilustres psicanalistas e publicada numa revista
americana em uma obra de dois volumes sobre Goethe:

Ao longo de 1.538 páginas, o autor retrata um gênio com sinais particulares de


perturbação maníaco-depressiva, paranóica e epileptoide, de homossexualidade,
incesto, voyeurismo, exibicionismo, fetichismo, impotência, narcisismo, neurose
obsessiva, histeria, megalomania, etc.

O autor parece focalizar quase exclusivamente a dinâmica instintiva que serve de


alicerce à obra artística. Ele nos quer fazer crer que a obra de Goethe não é mais do
que o resultado de fixações pré-genitais. Sua luta e esforço não seriam por um ideal,
pela beleza ou por outros valores, mas, na realidade, pretenderiam superar o
problema de uma ejaculação precoce. Como Freud foi sábio ao afirmar, certa vez,
que nem sempre se deve interpretar um charuto como um símbolo fálico - às vezes,
um charuto pode significar simplesmente um charuto.
Diria que há um ponto no qual o desmascaramento deve parar, isto é, exatamente ali
onde o psicólogo depara com um fenômeno em que simplesmente não há por que
desmascarar, porque é autêntico. Se o psicólogo segue adiante com seu trabalho de
desmascaramento, acaba, é verdade, por revelar algo, o seu próprio motivo
inconsciente: desvalorizar o que há de humano no homem.

Perguntemo-nos então o que torna esse desmascaramento tão atrativo. Bem, parece
que aos medíocres causa prazer ouvir dizer que Goethe era, afinal de contas, um
neurótico, um neurótico como tu e eu, se é que posso expressar-me assim. (E quem
estiver 100% livre de neurose, que atire a primeira pedra.) Aparentemente, e por
alguma razão estranha, agrada-lhes quando alguém afirma que o homem não é nada
mais que um simples macaco, o campo de batalha do id, do

106 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

ego e do superego, o joguete de instintos, o produto de processos de aprendizagem,


vítima de condições e circunstâncias socioeconômicas ou de pretensos complexos.
Apesar desse determinismo e desse fatalismo, tão amplamente difundidos, escreveu-
me uma vez uma leitora do Alabama: “O único complexo que me afeta é o
pensamento de que eu deveria ter com efeito algum complexo. Deixei para trás uma
infância medonha e, contudo, estou convencida de que do terrível pode também
resultar algo positivo”.

A mim parece que esse desmascaramento, que antecipadamente põe em prática o


reducionismo, com sua frase estereotipada do “nada mais que”, proporciona a muitas
pessoas uma pronunciada alegria masoquista. Acrescente-se a isso o que disse o
psiquiatra londrino Brian Goodwin: “As pessoas se sentem bem quando são levadas
a crer que não são mais do que ‘isto’ ou aquilo’, do mesmo modo que muitas são
aquelas que acreditam que um remédio, para ter efeito, deve ter gosto amargo”.

Retomando, contudo, o tema do desmascaramento literário, diremos o seguinte: seja


qual for o fenômeno ao qual o reducionismo atribui a produção literária - seja um
fenômeno normal ou anormal, consciente ou inconsciente -, tende-se hoje em dia a
interpretar a produção literária como um ato de autoexpressão. Em contrapartida,
defendo a opinião de que o escrever nasce do falar e todo falar, por seu turno, do
pensar. E não existe pensamento sem algo pensado, sem algo a que se referir, sem
síntese, sem um objeto. E o mesmo se pode dizer do escrever e do falar, uma vez que
ambos estão ligados a um sentido - o sentido justamente de querer comunicar algo. E
se a linguagem não tem um sentido, se não tem nenhuma mensagem para comunicar,
então não é de modo algum linguagem. É um erro enorme a afirmação (contida no
título de um livro bastante conhecido): “O meio é (em si) a mensagem”. Pelo
contrário, penso que é a mensagem que transforma o meio transmissor da mensagem
em verdadeiro meio.
Para todos os efeitos, a linguagem é a expressão de uma realidade; é algo mais que
mera autoexpressão. Com uma exceção. Faz parte da verdadeira essência da
linguagem dos esquizofrênicos, como pude demonstrar anos atrás, a não referência a
um objeto. De fato, ela é sempre, e tão somente, a expressão de um estado.

ANEXO - O QUE DIZ O PSIQUIATRA A RESPEITO DA LITERATURA


MODERNA? 107

Entretanto, a linguagem do homem normal é e permanece, sempre, uma referência a


um objeto, isto é, aponta para algo além de si mesma. Numa palavra, a linguagem se
distingue pela autotranscendência. E o mesmo se pode dizer, de modo geral, da
existência humana. O ser humano está sempre voltado para algo que não é ele mesmo
- para algo ou para alguém, para um sentido que o homem cumpre, ou para outro ser
humano que venha a encontrar.

Essa autotranscendência da existência humana pode ser mais bem explicada se


recorremos ao exemplo do olho. Haveis alguma vez vos dado conta do paradoxo de
que a capacidade do olho de apreender o mundo depende de sua incapacidade de ver
a si mesmo? Quando o olho vê a si mesmo ou algo de si mesmo? Só quando adoece.
Se sofro de catarata, percebo-o sob a forma de uma nuvem; vejo então, em volta das
fontes luminosas, uma auréola de cores do arco-íris. De um modo ou de outro, à
medida que o olho vê algo de si mesmo, nessa mesma proporção perturba-se a visão.
O olho deve ter a capacidade de não reparar em si mesmo. E o mesmo acontece ao
homem. Quanto menos repara em si mesmo, quanto mais esquece a si mesmo, ao
entregar-se a uma causa ou a outras pessoas, mais ele é o próprio homem, mais se
realiza a si mesmo. Só o esquecimento de si conduz à sensibilidade e só a entrega de
si amplia a criatividade.

O homem é, em virtude de sua autotranscendência, um ser em busca de sentido. No


fundo, é dominado por uma vontade de sentido. No entanto, hoje em dia essa vontade
de sentido encontra-se em larga medida frustrada. São cada vez mais numerosos os
pacientes que recorrem a nós, os psiquiatras, acometidos de um sentimento de vazio.
Esse sentimento de vazio tornou-se, em nossos dias, uma neurose de massa. Hoje o
homem não sofre mais tanto, como nos tempos de Freud, de uma frustração sexual,
mas sim de uma frustração existencial. E hoje não o angustia tanto, como na época de
Alfred Adler, um sentimento de inferioridade, senão, bem mais, um sentimento de
falta de sentido, acompanhado de um sentimento de vazio, de um vazio existencial.
Se me perguntais como eu explico a gênese desse sentimento de vazio, só posso
dizer que, ao contrário do animal, o homem não tem nenhum instinto que lhe diga o
que tem de ser, e, ao contrário do homem de tempos anteriores, não há mais uma
tradição que lhe diga o que deve ser - e, aparentemente, não sabe sequer o que quer
ser de verdade.

108 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO


Por conseguinte, ele só quer o que os outros fazem - e então nos encontramos diante
do conformismo ou só faz o que os outros querem dele - e então nos encontramos
diante do totalitarismo.

E se não soar tão frívolo, diria que esse sentimento de vazio tem algo que ver com o
tema geral deste encontro, e com o fato de que justamente as três décadas de paz que
se tem concedido ao homem de hoje possibilitam-lhe o luxo de elevar-se acima da
luta pela sobrevivência, acima da mera subsistência, para perguntar-se pelo “para
que” da sobrevivência, pelo derradeiro sentido da existência. Em outras palavras,
quanto a esses trinta anos, deixemos que nos fale Ernst Bloch: “Aos homens são
concedidas preocupações que antes só o confrontavam na hora da morte”.

Seja como for, o sentimento de vazio é também o pano de fundo do aumento


generalizado de fenômenos como a agressividade, a criminalidade, a dependência de
drogas e o suicídio - particularmente entre a juventude universitária.

Parte das obras da literatura contemporânea também pode ser interpretada como
sintoma da neurose de massa. Precisamente quando o escritor se limita a uma mera
autoexpressão ou se contenta com um expressar de si - um exibicionismo literário
que não diz nada - é que traz à tona a expressão de seu sentimento de vazio e falta de
sentido. Mais do que isso: não apenas traz à tona, senão que põe em cena o absurdo,
o contrassenso. E isso é completamente compreensível. De fato, o sentido autêntico
precisa ser descoberto, pois não pode ser inventado. Sentido não pode ser
produzido. Não é tecnicamente exeqüível. No entanto, o absurdo e o contrassenso
podem ser criados, e deles fazem uso generoso alguns escritores. Tomados pelo
sentimento de ausência de sentido, expostos e entregues a um vazio completo de
sentido, atiram-se sem hesitar à aventura de preencher o vazio com o contrassenso e
o absurdo.

A literatura, porém, tem uma escolha. Não precisa continuar sendo um sintoma da
atual neurose de massa, mas pode muito bem contribuir para o seu tratamento. Com
efeito, os homens que passaram pelo inferno do desespero, através da aparente falta
de sentido da existência, são precisamente aqueles que podem oferecer aos outros
homens, como um sacrifício, seus sofrimentos. É justamente a autoexpressão de seu
desespero que pode ajudar o leitor - igualmente atingido

ANEXO - O QUE DIZ O PSIQUIATRA A RESPEITO DA LITERATURA


MODERNA? 109

pelo sofrimento de uma vida sem sentido - a superá-lo, mesmo que seja para
mostrar-lhe que não se encontra só. Em outras palavras, ajudá-lo a transformar o
sentimento de absurdidade em sentimento de solidariedade. Nesse caso, a
alternativa não é mais “sintoma ou terapia”, senão que o sintoma é uma terapia!
Sem dúvida, se a literatura deve exercer essa função terapêutica - ou seja, realizar
seu potencial terapêutico -, deve renunciar a entregar-se, numa
prática sadomasoquista, ao niilismo e ao cinismo. Ainda que o escritor possa
provocar no leitor - ao comunicar e compartilhar com ele seu sentimento de ausência
de sentido - uma reação catártica, não deixa, contudo, de agir
irresponsavelmente quando lhe prega tão somente o absurdo da existência. Se o
escritor não for capaz de imunizar o leitor contra o desespero, deveria ao menos
evitar infectá-lo com seu próprio niilismo.

Minhas senhoras e meus senhores, amanhã terei a honra de fazer o pronunciamento


de abertura da Semana Austríaca do Livro. O título que escolhi é: “O livro como
terapia”. Nesse contexto, comunicarei aos meus ouvintes alguns casos nos quais um
livro mudou de maneira decisiva a vida do leitor, dissuadindo--o de cometer
suicídio. Como médico, conheço alguns casos nos quais um livro ajudou homens no
leito de morte ou no cárcere. E contar-vos-ei agora a história de Aaron Mitchell. O
diretor da mal afamada colônia penal de San Quentin, que se encontra nas
proximidades de San Francisco, convidou-me para proferir uma palestra aos presos
- todos réus de delitos graves. Ao fim de minhas palavras, aproximou-se de mim um
dos ouvintes e me disse que haviam impedido os condenados ao death row, retidos
em sua cela à espera da execução, de assistir à palestra. Perguntou-me então se eu
não poderia dizer algumas palavras, ao menos pelo microfone, a um deles, o Sr.
Mitchell, que seria executado na câmara de gás dentro de poucos dias. Senti-me
impotente. Mas não poderia furtar-me àquele pedido. Improvisei, portanto:

Acredite em mim, Sr. Mitchell, de alguma maneira posso entender a sua situação.
Afinal de contas, eu também tive de viver, durante algum tempo, à sombra de uma
câmara de gás. Mas, acredite-me, Sr. Mitchell, nem sequer então renunciei por um só
momento à minha convicção de que sejam quais forem as condições e as
circunstâncias, a vida tem um sentido. Porque ou a

110 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

vida tem realmente um sentido - e então preserva esse sentido mesmo que só venha a
durar poucos instantes - ou não tem nenhum sentido - e então não o terá nunca,
mesmo que dure muito tempo. Até mesmo uma vida aparentemente desperdiçada,
pode, retroativamente, encher-se de sentido: ao nos elevarmos, mediante o
autoconhecimento, acima de nós mesmos.

E vós sabeis então o que contei em seguida ao Sr. Mitchell? A história da morte de
Ivan Ilitch, como nos foi legada por Liev Tolstói. E com certeza a conhe-ceis: é o
relato de um homem que, confrontado com o fato de que não mais viveria muito
tempo, adquire de repente a consciência de como havia arruinado a vida. Contudo,
precisamente esse conhecimento o fez crescer tanto em seu interior que foi capaz de
preencher de sentido retrospectivo uma vida que parecia tão absurda.
O Sr. Mitchell foi o último homem executado na câmara de gás de San Quentin.
Pouco antes de sua morte, concedeu uma entrevista ao San Francisco Chronicle, em
que não deixou dúvida de que fizera sua, sob todos os aspectos, a história da morte
de Ivan Ilitch.

De tudo isso se pode concluir o quanto um livro pode ajudar o simples “homem da
rua” em seu caminho, em seu caminho de vida e em seu caminho para a morte. Ao
mesmo tempo, lança uma luz sobre a imensa responsabilidade social que recai sobre
os escritores.

Não me objeteis que estou defendendo e propugnando incondicionalmente a


liberdade de pensamento e sua manifestação de palavra e de escrita. Sou contra o
“incondicionalmente”. Pois a liberdade não é a última palavra. A liberdade pode
degenerar em arbitrariedade, caso não seja vivida com responsabilidade. Talvez
agora compreendais por que recomendo tão frequentemente aos meus estudantes
americanos que ergam uma estátua da responsabilidade junto àquela sua da
liberdade.

Conferência pronunciada em língua inglesa, em 18 de novembro de 1975, com o


título “A Psychiatrist Looks at Literature”, a convite do PEN-Club International.
Bibliografia de Viktor E. Frankl
FRANKL, Viktor E. Àrztliche Seelsorge. Grundlagen de Logotherapie und
Existenzanalyse. Viena: Franz Deuticke; Frankfurt am Main: Fischer Taschen-buch
42302, 1946-1987.

_. Die Psychotherapie in der Praxis. Eine kasuistische Einführung für Ârzte.

Viena: Franz Deuticke; Munique: Serie Piper 475, Ernst Reinhardt, 1947-1986.

_. Der unbewusste Gott. Psychotherapie und Religion. Munique: Kõsel-

Verlag, 1948-1988.

_. Theorie und Therapie der Neurosen. Einführung in Logotherapie und

Existenzanalyse; Munique-Basileia: Uni-Taschenbücher 457, Ernst Reinhardt, 1956-


1987.

_. Psychotherapie für den Laien. Rundfunkvortràge über Seelenheilkunde

[ou Psychotherapie für jedermann], Freiburg im Breisgau: Herder, 1971-1989.

_. Der Wille zum Sinn. Ausgewàhlte Vortrage über Logotherapie. Munique:

Serie Piper 1.238, 1972-1991.

_. Der Leiden am sinnlosen Leben. Psychotherapie für heute. Freibung im

Breisgau: Herder, 1977-1989.

_. ... trotzdem Ja zum Leben sagen. Ein Psychologe erlebt das

Konzentrationslager. Munique: Kõsel-Verlag e DTV 10023, 1977-1990.1

_. Der Mensch vor der Frage nach dem Sinn. Eine Auswahl aus dem

Gesamtwerk. Vorwort von Konrad Lorenz. Munique: Serie Piper 289,1979-1989.

112 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

Frankl, Viktor E. Die Sinnfrage in der Psychotherapie. Vorwort von Franz Kreuzer.
Munique: Serie Piper 214, 1981-1988.

_. Logotherapie und Existenzanalyse. Texte aus fünf Jahrzehnten. Munique:


Piper, 1987.

_. “Psychotherapy and Existentialism”. In: Selected Papers on Logotherapy.

Nova York: Simon and Schuster; Londres: Hodder and Stoughton, 1978-1988.

_. The Will to Meaning. Foundations and Applications of Logotherapy. Nova

York: New American Library; Londres: Scarborough, 1969-1988.

_. The Unheard Cryfor Meaning. Psychotherapy and Humanism. Nova York:

Simon and Schuster; Londres: Hodder and Stoughton, 1978-1988.

_. A Presença Ignorada de Deus. Petrópolis: Vozes, 2008.

_. A Vontade de Sentido. São Paulo: Paulus, 2011.

_. Em Busca de Sentido. Petrópolis: Vozes, 2009.

_. Logoterapia e Análise Existencial. São Paulo: Forense Universitária, 2012.

_. O Que Não Está Escrito nos Meus Livros - Memórias. Trad. de Cláudia

Abeling. São Paulo: É Realizações, 2010.

_. Psicoterapia e Sentido da Vida - Fundamentos da Logoterapia e análise

existencial. Trad. de Alípio Maia de Castro. São Paulo: Quadrante, 1986.

_. Psicoterapia: uma Casuística para Médicos. Trad. de Humberto Schoen-

feld e Konrad Kõrner. São Paulo: E.P.U., 1975.

_. Um Sentido para a Vida - Psicoterapia e Humanismo. São Paulo: Idéias

8c Letras, 2014

_; Kreuzer, Franz. Im Anfang war der Sinn. Von der Psychoanalyse zur

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ÁUDIO E VIDEOCASSETE:

As gravações históricas de som e imagem de conferências, palestras e entrevistas


dadas por Viktor Frankl no decurso das últimas décadas, em todo mundo, são
conservadas e guardadas com apoio do Departamento de Cultura da Cidade de
Viena. Gravações em língua alemã podem ser adquiridas no:

AUDITORIUM Netzwerk,
Dipl.-Pãd. Bernd Ulrich,

Weinbergstrasse 4,

D-97359 Schwarzach, Deutschland

Disponível também na página: http://www.auditorium-netzwerk.de/main/ frankl.htm.

Referências bibliográficas, bem como informações a respeito de gravações de vídeo


e áudio em alemão e inglês, estão disponíveis na página do Viktor-Frankl--Institut:
http://www.viktorfrankl.org

índice onomástico
A

Adler, 9, 33-34, 36-37, 67-68, 99, 107 Adorno, 24

Allport, Gordon W., 36 Appell, 38

Bacon, Yehuda, 30 Baeyer, Walter von, 88 Bailey, Percival, 70 Bally, Gustav,


80 Barber, 17 Berze, Josef, 40, 70 Binswanger, Ludwig, 45, 96 Black, 17

Bloch, Ernst, 68, 108 Boss, Medard, 38, 96 Brod, Max, 75 Buckley, Frank M.,
12 Bühler, Charlotte, 36

Caruso, 38 Casciani, 27 Cohen, Hermann, 74 Crumbaugh, James C., 11,14-15, 17, 27

Cushing, Harvey, 70

Dansart, 27 Dubois, Paul, 79 Durlak, 27 Dusen, W. Van, 93

Eckartsberg, Rolfvon, 10 Ehrenwald, J., 40 Eibl-Eibesfeldt, 21 Einstein, Albert, 23,


27, 88-89 Eysenck, H. J„ 95
F

Fechtman, 17

Fraiser, 17

Freud, Sigmund, 9-10, 18, 22, 33-36, 45, 67-68, 76, 93, 95-96, 104-05, 107 Frosch,
61

Garza-Perez, J., 58 Gebsattel, Victor E„ 37, 80 Gerz, 55-57 Ginsberg, 61 Ginsburg,


96 Goethe, 13, 74,105 Goodwin, Brian, 106 Gõrres, A., 80, 94 Gregson, 17 Gutheil,
Emil A., 40, 94

Harvey, 39, 70

Herma, 96

Hess, W. R., 18

Heyer, G. R., 45,80

Hildebrand, Dietrich von, 95-96

Hoff, Hans, 70

Horn, Myron J„ 62

Jachym, Franz, 45 Jaspers, Karl, 66, 80 Joelson, Edith, 43 Johnson, V., 62 Jung, 33-
34, 37-38, 94

Kant, 65, 88

Katz, Joseph, 14 Kierkegaard, 66,100 Klitzke, L. L., 10, 68 Kocourek, K„ 46, 58,
83 Kozdera, 46, 58 Kratochvil, 15, 27 Krippner, Stanley, 17 Kunz, H., 95
L

Langen, 12

Ledermann, E. K., 45

Ledwidge, B. L., 58

Leet, Becky, 67

Lewin, 24

Lhamon, 39

Litton, Robert Jay, 20

Lorenz, Konrad, 18-19, 61, 104

Lukas, Elisabeth, 12, 14, 16, 27

Maeder, Alphons, 45, 80

Maholick, Leonard T„ 14-15

Maki, B. A., 17

Mandei, Jerry, 28

Marmor, J„ 95

Maslow, 15-16, 28

Mason, 27

Masters, W„ 62

Meier, 27

Murphy, 27

Myers, 39
N

Norris, David L., 63 Novalis, 24

120 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

Padelford, Betty Lou, 17 Pavlov, 68

Petrilowitsch, Nikolaus, 14, 44

Pflanz, M., 41

Philbrick, Joseph L., 11,68

Píndaro, 66

Planova, 15, 27

Plügge, 88

Polak, Paul, 68

Popielski, 12, 27

Prill, 12

Pynummootil, George, 53

Qualtinger, Helmut, 71

Richmond, 27 Rotthaus, 41 Ruch, 27

Sadiq, Mohammed, 52, 54 Sahakian, B. J., 62 Sahakian, W. S., 62 Sallee, 27

Sargant, William, 94 Schaltenbrand, 39 Scheler, Max, 35, 86, 96 Schilder, Paul,


93 Schmid, 38 Schopenhauer, 69 Schultz, J. H„ 44, 58 Selye, 40 Shapiro, 61
Shean,17

Sherif, Carolyn Wood, 19 Smith, 27 Solyom, C., 58 Solyom, L., 58 Stewart,


61 Stokvis, 41

Tillich, Paul, 27, 89 Toll, Nina, 12 Tolstói, Liev, 110

Urban,38, 40

Vanderpas, J. H. R„ 45 Volhard, 12

Vymetal, Osvald, 10, 68

W
Weitbrecht, H. J., 38, 80, 95 Werner, 12 Wertheimer, 24 Wittgenstein, 27, 89-
90 Wust, Peter, 25

Y
Yarnell, 27 Young, 11, 27

ÍNDICE ONOMÁSTICO 121

Uma edição extra para os alunos japoneses apareceu em Tóquio, e saiu pela
Dogakuscha Verlag.
A

Affluent society, 15,26,28 Agorafobia, 45,47-48, 55 Agressão, agressividade, 18-20,


108 Alcoolismo, 17

Amor, 15, 18, 21-22, 73-74, 76-77, 86, 90, 96,100 Análise didática, 94-
95 Ansiedade antecipatória, 48, 50, 59 Arquétipo, 38, 40, 94 Associação livre,
94 Atos falhos, 35 Autoexpressão, 100,106 Autointerpretação,
97 Autotranscendência, 15, 87, 107

Capacidade de sofrer, 73-77 Ciência, 96

Competições esportivas, 19 Complexo, 11,38-40,65,72,82,94,106 Condições sociais


e econômicas, 67,106

Conflito, 11, 39-40, 43,47-48, 65, 94 Conformismo, 11, 26, 108 Consciência, 11, 25-
27, 34, 41, 56, 65, 76, 82, 87, 99, 110 Crescimento econômico, 29 Criatividade, 73,
75, 104, 107 Criminalidade, 20, 108 Crise da aposentadoria, 70 Crise energética,
29 Culpa, 28, 82, 95

Dependência de drogas, 17, 108 Derreflexão, 59-63 Desmascarar, desvendar, 96-


97,105 Despersonalização, 22-23, 47 Distensão, 36, 63 Doença do empresário, 71

E
Educação, 26, 37 Eficiência, 42, 44, 58 Encontro, 15, 24,41, 66, 73, 93

índice analítico
Espiritualidade, 34

Estado de bem-estar social, 28-29

Estatística, 11-12

Estresse, 40

Experimento, 18, 63, 86


F

Frustração existencial, 9-12,16-18, 67, 69-72, 80-81, 107

Gestalt, 24

Hiperintenção, 59-63, 66 Hiperreflexão, 59-62,66 Homeostase, 35-36 Homo


patiens, 74-75, 82

Inconsciente, 34, 37, 56, 72, 82, 93-94, 105-06

Intenção paradoxal, 48, 51-58,60,63 Investigação da paz, 18-19, 23

Liberdade, 22,49,91, 98-99,110 Linguagem, 69, 97, 106-07 Logoterapia (ver também
“Derreflexão” e “Intenção paradoxal”), 55-56, 58,

60,69,72,77,85-91,98 Logoterapia de grupo, 17

Marxismo, 10

Medicina psicossomática, 81 Monantropismo, 91

Morte, 12, 25, 28, 68, 83, 88, 108-10 N

Necessidade, 12, 15,23, 28-29,69, 72, 76, 104 Neurose dominical, 28, 70 Neurose
fóbica, 49 Neurose noogênica, 11-12 Neurose obsessiva, 46,49, 58,105 Neurose
sexual, 20-24, 59-64 Noologismo, 81

Pastoral médica, 79-83 Patodiceia, 82

Poder, 40, 65, 67-68, 71, 87, 94 Pornografia, 61


Prazer, 16, 20-22, 50, 59, 61, 65-69, 80, 83, 87, 105 Psicanálise, 18, 34-35, 39-47,
59, 65, 86,93-97 Psicologia analítica, 34, 37 Psicologia das alturas, 13 Psicologia
individual, 34, 37, 65,68 Psicologismo, 33, 37-38, 93, 95 Psicose, 49, 99-100,
104 Psiquiatria, 9, 12, 58, 70, 89, 103

Reducionismo, 86-87, 106 Religião, 38, 85-91 Repressão, 35 Resistência, 47, 63,
94-95 Reumanização da psicoterapia, 23 Revelação, 87

124 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

ÍNDICE ANALÍTICO 125

Satisfação insuficiente, 12 Sensibilidade, 44, 107 Sentido, 9-30, 34, 37-38, 43, 65-
77, 80, 82-83, 86-90, 96-99, 104, 106-10 Sexualidade, 18,20-22,35,
50,61,63,96 Sintoma substituto, 50 Sofrimento, 9, 27-30, 37, 73-77, 80,

82, 98-99,108-09 Sonho, 35, 39-40, 42, 77 Sugestão, 40-41

Suicídio, 12, 69, 82-83, 88, 108-09 Suprassentido, 82, 86, 89

Teatro do absurdo, 25 Técnica, 22, 29, 42, 61-62, 85 Tédio, 67-69, 98 Tempo livre,
28-29, 70-71 Terapia breve, 58

Terapia do comportamento, 44, 57 Teste, 11-12, 14, 39 Tolerância, 26 Totalitarismo,


11,26, 108 Tradição, 11, 107 Transferência, 41,44, 95 Transpirar, 52, 55 Trauma,
39-40, 46, 59, 94 Tremor, 52-55 Tríade trágica, 28 Tristeza, 28, 98

V
Valor, 11, 14, 16, 22, 43, 73-75, 80, 93, 96,104

Vazio existencial, 9,11,17, 20, 22,26, 28-29, 67-71, 107 Verdade, 25,28, 90,
99 Vontade de poder, 65, 67, 71 Vontade de prazer, 59, 65-67, 69 Vontade de sentido,
13-18, 23, 27-29, 51,65-69, 71-72, 82, 87-89, 97-98, 104

Do mesmo autor, leia também:


Testamento intelectual de Viktor Emil Frankl, este livro narra fatos marcantes de sua
vida. Sua autobiografia apresenta revelações que vão desde o extremo do sofrimento
humano nos anos em que foi prisioneiro em quatro campos de concentração nazistas
até o pleno reconhecimento de seu trabalho como filósofo, psiquiatra e
psicoterapeuta. Nesta obra da maturidade, ele olha retrospectivamente para a própria
vida e conta histórias nunca contadas antes.
twitter.com/erealizacoes

youtube.com/editorae

Este livro originou-se das aulas ministradas por Frankl na Universidade de Viena,
chamadas “Teoria da neurose e psicoterapia” ou também “Teoria e terapia das
neuroses”. Elas foram completadas pelos originais de palestras que o autor ministrou
em outros lugares. Teoria e Terapia das Neuroses permitirá que os leitores
brasileiros tenham acesso a esse texto essencial sobre a Logoterapia.

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