Mario Alighiero Manacorda PDF
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Resumo
O texto trata do falecimento de Mario Alighiero Manacorda em Roma no dia 17 de fevereiro de 2013,
um dos maiores intelectuais marxistas italianos do século XX. Ao longo do texto é tratado sobre a sua
formação sob o regime fascista, como professor, pesquisador, militante e, por fim um adeus a um grande
homem que soube distinguir a cultura ideal comunista da prática do socialismo real.
Palavras-chave
Mario Alighiero Manacorda. Falecimento. Intelectual.
Abstract
The paper deals with the death of Mario Alighiero Manacorda in Rome on 17 of February of 2013, one
of the largest Italian Marxist intellectuals of the twentieth century. Throughout the text is treated on their
training under the fascist regime, as a teacher, researcher, activist, and finally a farewell to a great man
who knew how to distinguish the ideal communist culture of the practice of real socialism.
Key words
Mario Alighiero Manacorda. Passing. Intellectual.
1
Palestra proferida no X Colóquio Nacional e II Colóquio Internacional do Museu Pedagógico da Uni-
versidade Estadual do Sudoeste da Bahia, em Vitória da Conquista, em 30 de agosto de 2013.
16 Paolo NOSELLA. Mario Alighiero Manacorda: um marxista a serviço da liberdade plena e para todos
possuía um pequeno apartamento de A primeira enfatiza a importância do tes-
apoio, transcorria a maior parte do ano temunho individual do professor, mesmo
na casa de campo de Bolsena, no lago à revelia da ideologia do sistema político
homônimo, onde estudava, escrevia e e da gestão escolar: “A marca do ensino,
cuidava da pequena propriedade que lhe quase sempre liberal-conservadora, depen-
proporcionava o vinho, o azeite, o mel, as dia muito da individualidade do professor”
frutas e as verduras. (MANACORDA, 2010, p. 29). A segunda
destaca a íntima força ético-política da ele-
2 Formação vada cultura: “A longo prazo, por meio de
mil contradições, a cultura termina sempre
As quartas capas ou as orelhas de
sendo revolucionária” (MANACORDA, 1985,
seus livros trazem quase sempre uma
p. 159). São duas ideias que confluem na
sinopse de seu percurso formativo. Mas
convicção de que a ideologia e a política
a melhor narração encontra-se no texto
da instituição nem sempre correspondem
La mia scuola sotto il fascismo [A minha
aos valores professados individualmente
escola sob o fascismo] (Manacorda, 2010),
pelos educadores que nela trabalham. Por
delicioso autorretrato de sua trajetória es-
isso o laicismo e o socialismo, dimensões
colar, desde o jardim da infância das Irmãs
fundamentais para Manacorda, não o im-
Francesas do Sagrado Coração (1918) até
pediram de reconhecer e elogiar mestres
os anos universitários e as primeiras expe-
que vestiam a batina sacerdotal ou mesmo
riências como professor (1943). Toda sua
que haviam aderido ao fascismo. Assim,
escolarização ocorreu durante o governo
por exemplo, com admiração, rememora
fascista: cinco anos de instrução elementar,
o caríssimo professor Pe. Primo Vannutelli:
cinco de ginásio (com latim e grego), três
de liceu clássico, quatro de universidade Seja-me permitido lhe dedicar uma
(na Escola Normal Superior de Pisa) e um recordação particular de estima e
afeto. [...] Era um sacerdote sui generis,
de aperfeiçoamento em Frankfurt.
homem de profunda cultura e huma-
Existe um segundo depoimento em nidade, espírito tolerante, competen-
que analisa especificamente o período tíssimo não apenas de latim e grego,
de formação universitária: Il contributo mas também de hebraico e de cultura
dell’universitá di Pisa e della Scuola Nor- bíblica; leitor de latim na Faculdade
male Superiore alla lotta antifascista ed de Letras da Universidade La Sapien-
alla guerra di liberazione [A contribuição za, onde dava aulas de latim. [...] Era
da Universidade de Pisa e da Escola para nós um ponto de referência em
Normal Superior na luta antifascista e na nossos estudos [...]. Sua lembrança é
guerra de libertação] (Manacorda, 1985). para mim e para minha mulher – nos
Na leitura desses depoimentos, há conhecemos nos bancos do Liceu –
entre as mais caras de nossas vidas.
duas ideias fortes sobre a influência da
(MANACORDA, 1985, p. 32).
instituição escolar na formação do aluno.
18 Paolo NOSELLA. Mario Alighiero Manacorda: um marxista a serviço da liberdade plena e para todos
liceu (ensino médio) começamos a ler os daquelas harmonias de tanto que as
autores por si mesmos e, finalmente, a gra- sentíamos nossas e sentíamos que
mática serviu os autores e não os autores jamais deixarão de fazer parte de
à gramática” (MANACORDA, idem ibidem, nosso espírito. [...] (GRAMSCI, A luz que
se apagou, Cronache Torinesi, Einaudi
2010, p. 3). Nessa escola, Manacorda se
Editore, 1980, p. 23-24).
tornou um mestre da palavra. Por meio da
difícil arte da filologia e da hermenêutica, Esse elogio, como disse, aplica-se
na leitura dos clássicos e dos documentos perfeitamente ao nosso mestre: a forma
históricos em geral, retratava a história da como lia e comentava alguns passos da
educação à luz de valores humanistas obra de Santo Agostinho ou de Karl Marx,
absolutos. com grandes reservas para o primeiro e
indiscutíveis afinidades teóricas com o se-
3 Professor gundo, me deixava boquiaberto; ensinava-
me de fato “como abrir” um texto clássico,
Pode-se dizer que Mario era pro- como compreender certas passagens.
fessor nato. Assunto e forma didática Gostava de datar tudo, se possível, identifi-
encantavam alunos e ouvintes em geral, cando o mês e o dia, os interlocutores e as
motivando-os a ler e amar os clássicos. A circunstâncias em que foram redigidas. Era
ele aplica-se perfeitamente o elogio que um verdadeiro mestre, um mago da cultura.
Gramsci fez dos professores Renato Serra Começou a lecionar literatura ita-
e Francesco De Sanctis. Permitam-me a liana no liceu clássico de Siena, em 1939.
bela citação: Eram os anos do fascismo mais insensato,
Esses dois homens foram, realmente, e a pressão política fazia-se sentir cada vez
mestres, como entendiam os gregos, mais irracional, ridícula e cruel. A escola,
isto é, mistagogos; iniciaram-nos nos felizmente, abrigava muitos homens cuja
mistérios da poesia, mostrando que postura liberal e crítica evidenciava que,
esses ‘mistérios’ são vãs construções conforme disse, a relação dialética entre
de literatos e que tudo é tão claro, lím-
sistema político e instituição escolar não
pido aos que têm olhos puros e vêm a
luz como cor e não como vibrações de é absoluta e mecânica:
íons e elétrons. Esses dois mestres são O diretor Orsini Begani era um
colaboradores da poesia, leitores da verdadeiro cavaleiro de marca libe-
poesia. Todos seus ensaios são novas ral que me acolheu com paternal
luzes que se acendem para nós. Nos cordialidade e, no final do dia, me
sentíamos como que arrebatados por levou para visitar a cidade que eu
um encanto. [...] A palavra deixava ainda não conhecia. [...] Conversando
de ser um elemento gramatical que amavelmente, me disse, entre outras
devia ser encaixada em regras e em coisas, que nas ‘notas características’
esquemas livrescos; [...] nos davam que era obrigado a redigir sobre os
a ilusão de sermos nós os criadores professores ficava em posição muito
20 Paolo NOSELLA. Mario Alighiero Manacorda: um marxista a serviço da liberdade plena e para todos
uma escola de elevada cultura para os 4 Pesquisador
dirigentes e outra de abstrata cultura ins-
trumental para as classes trabalhadoras. Suas atividades docentes embasa-
(MANACORDA, DVD, 2007). vam-se em pesquisas de documentos e
Quem conheceu Mário, pessoalmen- textos dos clássicos da filosofia, da peda-
te, sabe que ele tinha o dom da comunica- gogia e da literatura em geral. Filólogo e
ção. Sua voz de barítono, com o inconfun- linguista, além do grego e latim clássicos,
dível sotaque romano, conservara-se clara conhecia perfeitamente o inglês, o alemão
e forte até os últimos anos de vida. Quando e o russo. As línguas francesa, espanhola
alguém lhe colocasse um microfone na e portuguesa não representavam para ele
frente, aí se transformava, como vimos na dificuldade de entendimento. Era apaixo-
videoconferência do VIIº Seminário Nacio- nado por línguas porque era apaixonado
nal na UNICAMP, em Julho de 2006. Não pela palavra que, como bom leitor de
utilizou óculos, nem caneta, nem papel. Giambattista Vico, sabia não nascer se-
Nenhuma anotação. Falou mais de uma parada do pensamento, mas inseparavel-
hora, fluente e espontaneamente, citando mente junto com este. Mais ainda, sabia
datas e nomes, esboçando em densa que palavra e pensamento nascem e
síntese um balanço político, econômico “concrescem” (termo amado por ele) junto
e cultural do século XX. Sua fala era ágil, com as condições materiais, políticas e ide-
precisa, elegante, sem o tom do decorado. ológicas vivenciadas pelo ser humano. Por
Era um exímio professor e orador. isso, para compreender uma palavra não
Não sem razão, a R.A.I. (Rádio Televi- bastava recorrer ao dicionário, precisava
são Italiana) o convidara, em 1980, para ser perscrutar a situação concreta vivida por
o autor (e ator) de uma série de transmis- quem falou ou escreveu. Em suma: filologia
sões radiofônicas intituladas “A escola nos e hermenêutica eram os seus principais
séculos”. Ao todo, foram doze transmissões instrumentos técnicos de pesquisa.
com base na leitura direta de seus textos Inicialmente, nos anos de 1942
para uma sala de aula do tamanho da a 1962, traduzira textos literários como:
Itália. Sua proposta inicial era realizar uma Novalis, Cristianitá o Europa, Einaudi,
exposição pela Televisão Italiana acompa- 1942; Hugo von Hofmannsthal, La donna
nhada de imagens de obras de arte e fotos senz’ombra, Guanda, 1946; Karl Marx, Le
sobre educação nos séculos. Tal ideia não lotte di classe in Francia dal 1848 al 1850,
foi efetivada pelas dificuldades técnicas Einaudi, 1948; Marx-Engels, Carteggio:
que apresentava, porém está impressa em gennaio 1852- dicembre 1864, 3 vols.,
forma de um belíssimo volume Storia illus- Editori Riuniti, 1972. Elegera como objetivo
trata dell’educazione - dall’antico Egitto ai geral de seu trabalho intelectual cuidar
giorni nostri. Editora Giunti, Florença, 1992. da coleção “Os clássicos do marxismo”,
traduzindo e comentando do original para
o italiano os textos mais importantes do
22 Paolo NOSELLA. Mario Alighiero Manacorda: um marxista a serviço da liberdade plena e para todos
dução das Istruzioni ai Delegati, do como apresentação da tradução no Brasil
citado primeiro volume da obra IL do seu livro “História da Educação – da An-
Marxismo e I’Educazione (1964, p. tiguidade aos nossos dias”, Editora Cortez.
82-84), feita a partir do texto alemão, Em sua carta resposta, manuscrita,
usa sempre o termo “politécnico”, até de Bolsena, diz:
quando deveria dizer “tecnológico”,
isto é, em todos os casos exceto um. Caro Paolo, sua apresentação está
Pedimos desculpas aos eventuais ótima [...]. Talvez, eu esclareceria me-
leitores daquele volume. Atualmente, lhor a escola “politécnica” e a função
dispomos, afinal, do original inglês, do industrialismo; [...]. Diria “uma
The General Council of the First escola tecnológica”, sublinhando
International, 1868-1870, Minutes, os princípios científicos gerais e não
Moscow, Progress Publishers, s.d. (será somente as exigências do pluripro-
1864?), do Instituto para o marxismo fissionalismo. Ciao. Grazie. tuo Mario.
leninismo. (MANACORDA, 2007, p. [negrito meu]
192-193). Eu havia escrito:
Com outras palavras, Manacorda Sem dúvida, na visão dessa obra, o
diz que, no primeiro volume da antologia momento estratégico da síntese da
Il marxismo e l’educazione de 1964, havia- Escola-do-dizer com o Treinamento-
se utilizado do texto de Marx Istruzione ai para-o-fazer será marcado pela
revolução industrial que, negando o
delegati na tradução alemã, em que em-
‘sapateiro por natureza’ de Platão, des-
prega o termo “politécnico” mesmo quando
truindo também o treinamento-para-
deveria empregar o termo “tecnológico”. sapateiro dado nas corporações me-
Mais tarde, todavia, verificou que o texto dievais, fixa as bases de uma escola
original era em inglês e utilizava o termo politécnica para os trabalhadores
technological, isto é “tecnológico”. Assim, e lança a hipótese de uma escola
pede desculpas aos leitores pelo equívoco para todos, como espaço e tempo de
que, finalmente, corrigiu no seu novo livro plenitude de vida. (Nosella, São Carlos,
Marx e la pedagogia moderna de 1966, outubro de 1988). [negrito meu]
que foi traduzido em língua espanhola, Obviamente, em decorrência de sua
na Colección Libros Tau, Barcelona 1969; resposta, substitui o termo “politécnica”
em seguida, em português (Editora Cortez por “tecnológica”. Hoje, o livro “História da
e Autores Associados, São Paulo 1991); e, Educação – da antiguidade aos nossos
ultimamente, pela Editora Alínea, Campi- dias” está no Brasil na 1ª reimpressão
nas 2007. da 13ª edição. É um belo livro de 455
Sobre o mesmo assunto, há outra páginas, originado, como disse, das doze
curiosidade significativa. Em 1988, lhe transmissões radiofónicas de 1980. É lido,
enviei para apreciação o meu texto: “Ao preferencialmente, entre os alunos dos
leitor brasileiro”, destinado a ser publicado cursos de Pedagogia e pós-graduação em
24 Paolo NOSELLA. Mario Alighiero Manacorda: um marxista a serviço da liberdade plena e para todos
panharia na compreensão dos fatos e da rino Boringhieri, 1983). Em 1977, publicou
cultura do século XX, verdadeiro labirinto um estudo Per uma pedagogia dell’uomo
teórico que desafia qualquer analista: integrale, na Revista Critica Marxista, n.
Um século que foi chamado por al- 4-5. Em 1980, na mesma revista, n. 6,
guém [Eric J. Hobsbawm] um século publicou Pedagogia e politica scolástica
breve ou, por outros, um século longo del P.C.I. dalle origini alla liberazione. Em
[Fernand Braudel]. Para mim, é muito 1988, ainda na Revista Critica marxista n.
longo. Em todo caso, nos deu muito 5, publicou Franco Rodano lettore di Marx.
de bom e muito de ruim. Diria em Um carinho particular demostrava
medida exorbitante comparando com para o livro Lettura laica della bibbia,
todos os outros séculos da história Editori Riuniti, Roma, 1989. Literariamente
humana. Foi um século de fortes ace- original, evidencia a grande postura laica
lerações e de fortes contrastes. Diria,
de Mario: qual a razão de tamanha fortuna
aliás, que é caracterizado exatamente
por um excesso de contraditoriedade.
histórica da Bíblia, pergunta-lhe um dia
A contradição é uma boa chave de lei- Yúkiko, sua admiradora japonesa? Vocês
tura para esse século. (MANACORDA, ocidentais – continua Yúkiko – referem-
DVD, livreto, 2007, p. 8-9). se à nossa cultura como expressão do
“mistério oriental”, mas, na verdade, nós
Sem abrir mão do filo rosso, isto é,
orientais estranhamos o mistério da cultura
da raiz da história que é o trabalho do
ocidental. Tão racionalista como se crê,
homem em colaboração com os outros
como pode essa cultura reverenciar livros
homens para dominar e humanizar a na-
sagrados que narram histórias de patriar-
tureza, o perfil intelectual de Manacorda
cas que se dispõem a matar seu filho por
tomava cada vez mais a forma poliédrica:
ordem de um deus pai misericordioso e im-
variada nos assuntos, unitária no método.
por a todos a adoração de um deus único
Na Itália, são conhecidas suas intervenções
em três pessoas? Manacorda, estimulado
no debate pedagógico em favor da unici-
pelas provocações da amiga, estrutura um
dade do ensino médio (ginásio e liceu),
livro alternando as cartas dela às suas
mas também seus estudos históricos da
respostas. Ao todo, são 58 cartas, datadas
Antiguidade, como, por exemplo, sobre a
de junho de 1987 a outubro de 1988, nas
crise ideal educativa do IV século d.C. em
quais “explica” laicamente o “mistério”
torno da figura e da proposta educativa
da alma ocidental; as origens míticas do
de Juliano, o Apóstata que contrapunha à
mundo e dos homens; o conteúdo histórico
Paideia de Cristo a Paideia de Aquiles (A
dos patriarcas etc.. Na última carta, Yúkiko
paideia de Aquiles, Editori Riuniti, Roma
pergunta: “Caro Mario, por que os homens
1971) e sobre as origens e o perfil da
têm necessidade de buscar fora do homem
profissão docente na antiga Grécia e em
as razões do homem?” E Mario responde:
Roma (Scuola e Insegnati, cap. IX, in Oralitá,
“Sim, eu também sonho uma humanida-
scrittura, spettacolo. Org. Mario Vegetti, To-
26 Paolo NOSELLA. Mario Alighiero Manacorda: um marxista a serviço da liberdade plena e para todos
marxista muito esquecido, quer pelos Insisto (com esse nome) porque
seus seguidores, quer pelos seus sei distinguir a tradição cultural e
adversários. [...] Eu já havia cortado o socialismo real. Partindo desta
as relações com a União Soviética distinção, podemos ainda evocar
de Brejnev e havia sempre corrigido um ideal que conserva o nome de
os companheiros soviéticos pela sua comunismo, embora no mundo já
interpretação errônea de Marx, como existam poucos comunistas; mas a
se fosse um teórico do poder; era um necessidade de um resgate geral
teórico da liberdade civil. (DVD, 2007, do homem, de superar esta situação
p. 9-10). de divisão da humanidade que o
progresso científico e técnico de hoje
A militância de Manacorda carac-
acentua e exaspera, esta exigência
terizava-se pela sua atuação no campo permanece. [...] Enquanto não saímos
da cultura; era um difusor dos ideais dessa contradição, que é planetária,
comunistas nas expressões culturais mais um ideal, que até hoje foi chamado
elevadas. Foi Diretor das Edições Rinascita; de comunista, é necessário, qualquer
responsável da Comissão “Escola” junto que seja o nome que a humanidade
à Direção do Partido Comunista Italiano; futura queira escolher. Eu assim me
responsável da “Seção Educação” do Ins- nomeei, sou um homem do século
tituto Gramsci; Diretor da “Revista Reforma passado; não seria decoroso que re-
da Escola”; membro do Comitê Diretivo da negasse a mim mesmo como fizeram
muitos outros. (DVD, 2007, p. 14-15).
“Federação Internacional dos Sindicatos
do Ensino”; membro da Comissão Italiana Obviamente, neste breve texto, não
na UNESCO; colaborador de vários outros poderei deixar de destacar a relação de
Jornais, Revistas e, como vimos, também da Manacorda com o Brasil. Ainda recente-
R.A.I. (Rádio Televisão Italiana). Em minha mente, quando o vi em Roma, ao falar-lhe
pequena biblioteca pessoal, conservo mui- do Brasil se emocionava. A primeira vez
tos exemplares das revistas Riforma della que visitei Mário, em sua residência de Bol-
scuola e Rinascita. Folhando-as, mesmo sena, foi em fevereiro de 1985. Fui visitá-lo
que rapidamente, percebe-se logo uma porque, conhecendo seus livros em língua
característica editorial: a preocupação com espanhola Marx y la pedagogia moderna
a comunicação de massa e com o elevado (Barcelona, 1969) e El principio educativo
nível cultural e científico. Não há ranço de en Gramsci (Salamanca, 1977), que circula-
sectarismo político, nem, como ele dizia, de vam entre nós educadores brasileiros, dese-
“racismo ideológico”. java trocar ideias sobre literatura marxista
Aberto ideologicamente, insistia, em educação e, quem sabe, publicar aqui
todavia, em se identificar como comunista, algumas das suas obras. Ainda guardo
mesmo quando a denominação era fora com carinho o exemplar do seu livro Sto-
de moda: ria dell’educazione – dall’antiquitá a oggi
Edição ERI, Torino, 1883, recebido de suas
28 Paolo NOSELLA. Mario Alighiero Manacorda: um marxista a serviço da liberdade plena e para todos
do livro, as coisas assim se passaram: em da liberdade. Com efeito, Marx pertence à
julho de 2008, voltei a visitá-lo em Bolsena, antiga cepa dos liberais progressistas, para
visando conseguir seu grande texto Diana os quais o valor máximo é a liberdade. To-
e le muse: tre millenni di sport nella lette- davia a eles se contrapõe porque reivindica
ratura. Permitiu-me copiá-lo, porém disse- a liberdade plena e para todos. Amá-la
me que, no momento, preferia publicar no assim não é amá-la de menos. Por isso, se
Brasil outro texto pronto desde 2007: Quel ardorosamente defende a igualdade social,
vecchio liberale del comunista Karl Marx. o faz como garantia dessa universal liber-
Aceitei o desafio e, junto com o amigo dade. Não são dois valores contrapostos,
Newton Ramos-de-Oliveira (2012, Prefácio), nem equivalentes: a liberdade é valor fim,
trabalhamos por longas horas na tradução. e a igualdade é valor meio.
A linguagem do texto, conforme
escrevi no prefácio, é colorida, meta- Adeus
fórica e coloquial, carregada de muita
— Caro Mário, se você sabe distin-
emoção, típica de alguém que realiza
um acerto de contas teórico. O título
guir a cultura ideal comunista da prática
foi um quebra cabeça. Propus, então, do socialismo real, por que não distinguir
outro título que se adequasse, obvia- também as culturas, ritos e mitos religiosos
mente, ao espírito do texto ‘Karl Marx das práticas das religiões reais?
e a liberdade’. Manacorda gostou e — Certamente, mas não esqueça,
aprovou, mas acrescentou: diga que Paolo, que o clero que te educou era o
este título é seu. No fim, editamos os clero do norte da Itália que protagonizou
dois títulos. importantes lutas populares.
Nesse livro, são retomados conceitos — Adeus, Mário, você pulou deste
e análises já várias vezes publicados, mas rio. Eu nele ainda continuo, movido pela
que, na sua versão compacta e sintética, contradição e alimentado pelo viático de
apresentam-se agora como um testamento seu exemplo que me faz pelejar em favor
teórico de sua leitura de Marx que, insis- da liberdade plena e para todos. (conversa
te, não é um teórico do poder, nem da imaginada entre mim e Mario)
economia, como muitos disseram, e sim
A scuola nel vent’ennio. Ricordi e riflessioni. In: GENOVESI, Giovanni. “C’ero anch’io! Napoli:
Liguori, 2010.
Antonio Gramsci – l’alternativa pedagogica. Florença: Editora La Nuova Itália, 1972.
Diana e le muse – ter millenni di sport nella letteratura. - Antologia (mimeo), 2008.
30 Paolo NOSELLA. Mario Alighiero Manacorda: um marxista a serviço da liberdade plena e para todos