Entrevista Com Sergio Paulo Rouanet

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Entrevistadores:
Antonio Felipe Araujo Silva
Aruanda Costa Leonel Ferreira
Cléver Cardoso T. de Oliveira
Elisa Pereira Castro
João Alex Costa Carneiro
Valéria da Silva Freitas

Sérgio Paulo Rouanet é diplomata, graduado em ciências jurídi-


cas e sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
em 1955, ano em que também concluiu o curso Preparação à Carreira
de Diplomata, no Instituto Rio Branco. De 1960 e 1964 cursou três
pós-graduações nos EUA: em economia, na Universidade George Wa-
shington, e em ciências políticas, na Georgetown University, ambas as
instituições em Washington; e em filosofia, na New York School for
Social Research, em Nova Iorque. Em 1980 doutorou-se em ciências
políticas na Universidade de São Paulo. Suas obras de maior relevância
são: “Imaginário e Dominação” (1978); “Teoria Crítica e Psicanáli-
se” (1983); “A Razão Cativa – As Ilusões da Consciência: de Platão a
Freud” (1985); “As Razões do Iluminismo” (1987); “Mal-Estar na Mo-
dernidade” (2001); e “Idéias: da Cultura Global à Universal” (2003).
Desde 1992 ocupa uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Foi
ministro da Cultura em 1991 e 1992.

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Entrevista

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HUMANIDADES EM DIÁLOGO: COMO O SENHOR DESCREVERIA A SUA TRAJETÓRIA INTELECTUAL?


QUAIS AS OBRAS E OS PENSADORES QUE O INFLUENCIARAM EM SEU PERCURSO E AS GRANDES
QUESTÕES QUE ORIENTARAM SUAS ESCOLHAS EM SUA PRODUÇÃO ACADÊMICA?

SÉRGIO PAULO ROUANET: Devorei, desde criança, os clássicos luso-brasileiros,


principalmente Alencar e Machado, Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós.
Minhas brigas com meu pai eram diárias, ainda que por razões muito pouco
edipianas: ele gostava de Eça e eu, de Machado. Mas como os dois adversários
eram tolerantes, acabávamos nos reconciliando: eu citando trechos dos “Maias”
e ele elogiando o capítulo do delírio, em “Memórias Póstumas”.
Porém a minha formação básica foi francesa, o que já era um tanto ana-
crônico em minha época, porque a minha geração já tinha se libertado da
influência hegemônica da cultura francesa. Mas meu pai era neto de francês
e minha mãe, educada num colégio francês, ensinou-me a amar os clássicos
— Corneille e Racine, que ela recitava para mim quando eu era ainda crian-
ça — e os românticos, principalmente Lamartine, Musset, Vigny e Hugo.
Descobri por minha conta e risco os simbolistas e os modernos. Já li Proust
algumas vezes, mas não posso dizer que o tenha relido, porque cada vez que
se lê Proust é sempre uma primeira leitura, pois cada vez que mergulhamos
na “Recherche”, nem Proust nem nós somos os mesmos que éramos na lei-
tura anterior.
Depois veio a cultura inglesa. Aprendi inglês com uma suave velhinha,
Mrs. Rolla, de cabelos todos brancos, que já morava no Brasil há várias déca-
das, mas era de um patriotismo britânico que só não era vitoriano porque ela
não tinha nenhuma arrogância. Ela jamais mandaria canhoneiras para bom-
bardear o Rio, mas criticava os brasileiros por usarem sem o menor pudor
palavras obscenas como “perna” — o certo era dizer “limb”, em vez de “leg”
— e não aceitou a minha afirmação de que a marinha inglesa tinha deixado de
ser a maior do mundo.
O alemão veio depois, primeiro em tradução. Fiquei maravilhado com
a leitura de “Os Bandidos”, de Schiller, numa tradução francesa. Mas não
saber alemão era para mim uma frustração. No entanto, foi uma ignorância
até certo ponto produtiva, pois me obrigou a aprender italiano. Todos os
livros que me interessavam tinha sido pensados e escritos em alemão, mas
só eram acessíveis em traduções italianas. Comentei uma vez com Leandro
Konder que nossa geração sabia italiano por não saber alemão. Para vencer

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Sérgio Paulo Rouanet

minha frustração, tentei aprender alemão sozinho, usando como livro bási-
co a “Fenomenologia do Espírito”, de Hegel, numa tradução de Jean Hyp-
polite. Não fui muito longe, mas aprendi a usar nos contextos apropriados,
e até nos não-apropriados, palavras que pertenciam ao vocabulário esoté-
rico da dialética, como “Aufhebung”. Quando me casei com a socióloga
Barbara Freitag, aprendi de fato a língua e cheguei a traduzir autores como
Walter Benjamin. Mas falar continua sendo um problema: sou capaz de ler
sem dificuldade poemas alemães da Idade Média e do século 17, mas tropeço
humilhantemente nas declinações.
Fora isso, sou um latinista razoável (mas consulto, furtivamente, edições
bilíngües) e tenho uma grande tristeza, a de não saber grego.

HUMANIDADES EM DIÁLOGO: Considerando a sua formação, quais foram as


idéias e influências políticas que orientaram a sua atuação pública?

SÉRGIO PAULO ROUANET: Quanto às idéias políticas, elas sempre foram de es-
querda. Mas, no início, era uma esquerda um tanto romântica, o que desgos-
tava meu amigo Antônio Houaiss. Quando eu disse que achava os “Manuscritos
Econômico-Filosóficos”, do jovem Marx, mais importantes do que “O Capi-
tal”, meu pobre amigo foi acometido pela cólera dos justos e chamou-me de
revisionista. Depois, minha formação política foi se tornando menos “idealis-
ta”. Li sistematicamente, com Barbara e alguns amigos, os três volumes de “O
Capital”. A descoberta de Gramsci foi uma revelação: aparecia, finalmente, um
marxista que reconhecia a importância das superestruturas. A leitura de Althus-
ser, mais ou menos na mesma época, ensinou minha geração a relativizar um
pouco um certo relativismo historicista em Gramsci.
O grande impacto, sem dúvida, foi a Escola de Frankfurt — a revaloriza-
ção de Freud por parte de Adorno e Horkheimer e a síntese freud-marxista
tentada por Marcuse mostraram de modo inequívoco que o marxismo e a
psicanálise são duas variantes do iluminismo moderno e, como tais, solidá-
rias e complementares, na medida em que uma é voltada para a emancipação
externa e outra, para a emancipação interna. Ao mesmo tempo, a teoria
crítica de Frankfurt, sendo uma filosofia da liberdade, é ontologicamente
incompatível com qualquer forma de totalitarismo. Esse lado radicalmente
democrático da teoria foi desenvolvido pelo último dos “frankfurtianos”,
Jürgen Habermas, com sua teoria da ação comunicativa, e é a síntese de
minha posição, no momento atual: a democracia é a pátria política do ilu-
minismo, em suas duas vertentes, como o iluminismo é a pátria espiritual
da democracia.

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Entrevista

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HUMANIDADES EM DIÁLOGO: No ensaio “Reinventando as Humanidades”, o


senhor coloca que as humanidades são indispensáveis numa sociedade livre.
Qual a importância da “reinvenção” das humanidades no sistema de ensino
brasileiro? E dentro das universidades, qual o papel das humanidades?

SÉRGIO PAULO ROUANET: Abordei o terma da “reinvenção das humanidades”


em ensaio publicado anos atrás em “As Razões do Iluminismo.” Estou mais do
que nunca persuadido de que as humanidades são indispensáveis numa socie-
dade livre. Primeiro, elas constituem um contrapeso necessário à difusão da
cultura tecnocrática — e nada é mais totalitário do que a tecnocracia, porque
ela substitui a política, atividade por excelência pela qual o povo exerce sua so-
berania, pela ciência exata e pela técnica, que põem de lado o povo soberano.
Segundo, as humanidades implicam numa ruptura com o populismo, que, a
meu ver, é o grande aliado da tecnocracia.
No fundo, a tecnocracia e o populismo visam o mesmo objetivo: a mar-
ginalização das classes populares. A tecnocracia atinge esse resultado ex-
cluindo diretamente o povo dos processos decisórios. O populismo faz a
mesma coisa, mas de modo indireto: ao idealizar formas de pensamento, de
linguagem e de expressão estética que considera, injustificadamente, típicas
da cultura popular, o populismo contribui para manter num gueto cultural
classes que já viviam num gueto socioeconômico. Com isso, ele recusa o
acesso do povo à cultura superior, que, conjugada com uma cultura popular
autêntica, lhe daria os meios para articular politicamente a sua auto-eman-
cipação.
É preciso responder ao elitismo tecnocrático, que reserva o poder aos
que estudaram economia em Chicago, e ao elitismo populista, que reserva
aos ricos o privilégio de ler Guimarães Rosa e de ouvir Villa-Lobos, com uma
política decididamente democrática, radicalmente antielitista. Essa política
está associada a uma revalorização do ensino das humanidades, que, evitando
uma ênfase unilateral na ciência empírica e na técnica, exorcizaria o fantasma
da tecnocracia, e, evitando a banalização e a massificação da cultura, se oporia
ao populismo.
Como fazer isso? Acho que o esforço deve começar no Ensino Fundamen-
tal, mas muito pode ser feito na universidade — e, quanto a isso, há um interes-
sante projeto do meu amigo Renato Janine Ribeiro, que lamentavelmente não
chegou a ser implementado.

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Sérgio Paulo Rouanet

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HUMANIDADES EM DIÁLOGO: Como podemos entender a pós-modernidade?


Como parte do processo da modernidade? Uma crítica e, por isso, uma supera-
ção da modernidade? Uma degeneração da modernidade? Ou a plena realiza-
ção dos projetos modernos?

SÉRGIO PAULO ROUANET: Há alguns anos escrevi que a pós-modernidade não tinha
existência própria e não vejo motivo, anos depois, para modificar essa opinião. A
pós-modernidade é parte da modernidade, pois é a modernidade sonhando sua
própria superação. Marx disse, no início do século 19, que a filosofia alemã era o
sonho da Revolução Francesa. Enquanto a França construía a modernidade po-
lítica e a Inglaterra, a modernidade econômica, a Alemanha sonhava no mundo
do espírito uma modernidade metafísica. Creio que a filosofia pós-moderna é
o equivalente atual do idealismo alemão. Ela percebe, corretamente, os perigos,
disfunções e patologias do mundo moderno, mas em vez de enfrentar esses ma-
les no terreno da história real, edifica nas nuvens um pós-moderno mítico. O
pós-moderno é uma Terra do Nunca fantasiada por uma modernidade doente.
Parodiando Drummond, a modernidade cansou de ser moderna, agora ela quer
ser pós-moderna.
A meu ver, um caminho mais promissor seria explorar, na prática, todas
as virtualidades do próprio projeto moderno. Esse projeto tem uma dimensão
funcional, weberiana, voltada para o aumento da eficácia, da racionalidade ins-
trumental, do rendimento técnico, mas também tem uma dimensão iluminista,
voltada para a autonomia dos agentes. Uma sociedade que não tiver esse segun-
do vetor nunca será moderna. Será tão arcaica quanto o castelo de Silling, de
Sade, com máquinas aperfeiçoadíssimas de torturar e de gozar, mas que abriga,
atrás de suas altas muralhas, uma sociedade de escravos submetidos ao prazer
de alguns e, no limite, de um só. A tarefa política consiste em dar condições
concretas de realização à modernidade iluminista: não se trata de uma fuga para
trás, regredindo a uma pré-modernidade ultrapassada pelo desenvolvimento da
espécie, nem de uma fuga para frente, empurrando o homem para um pós-mo-
derno ilusório, mas de dar voz e vez à modernidade emancipatória, realizando
o projeto moderno, em vez de descartá-lo.

HUMANIDADES EM DIÁLOGO: Como pensar uma conciliação entre uma indivi-


dualidade autônoma, designada numa cultura particular, com uma “cultu-
ra universal”? O sincretismo cultural não seria uma armadilha tão perigo-

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Entrevista

sa quanto o fundamentalismo? Até que ponto o sincretismo não seria uma


forma mais refinada de expressão fundamentalista?

SÉRGIO PAULO ROUANET: Creio que tudo aponta para um mundo multiidentitário
em que não haja uma oposição simples entre as culturas particulares e a cultura
universal, mas um sistema de identidades múltiplas que se entrecruzam e se se-
dimentam no indivíduo para a formação de personalidades complexas. Um dos
piores legados do século 19 foi ter dado legitimidade à idéia de que só devemos ter
uma única lealdade — nacional, religiosa ou étnica. Contra esse reducionismo, o
iluminismo moderno aposta no universal. Isso não significa negar a incomen-
surável riqueza do pluralismo cultural, mas é justamente em nome dos valores
da diversidade que temos que recusar o enclausuramento numa única cultura.
Se formos só brancos, ou só esquimós, ou só xavantes, estaremos nos fechan-
do em guetos culturais autárquicos, hermeticamente calafetados contra o Outro,
contra todos os outros que compõem o gênero humano. Por isso acredito, sim,
na hibridação. Não vejo fundamentalismo nisso, pelo contrário: todos os indi-
víduos compulsivamente uniidentitários são fundamentalistas potenciais. Se eu
fosse bósnio, preferiria ter que enfrentar um sérvio que fosse um pouco muçul-
mano, um pouco negro, um pouco maranhense, um pouco mulher, a enfrentar
um sérvio duro e puro, um sérvio que fosse apenas sérvio. Vivam as diferenças,
sim — mas não as diferenças coletivas, comunitárias, que fazem com que argen-
tinos sejam diferentes de brasileiros, e sim as diferenças individuais, que fazem
com que um brasileiro seja diferente de outro brasileiro, ou, melhor ainda, as
diferenças que eu voluntariamente incorporo, transformando-me, graças a um
processo contínuo de “autopoesis” numa síntese, por mim mesmo fabricada, de
todas as diferenças que eu mesmo escolhi.

HUMANIDADES EM DIÁLOGO: Como apostar na razão que, após Marx e Freud,


carrega a denúncia daquilo que há de opressor e irracional nela própria?
Como pensar ainda no poder emancipatório da razão?

SÉRGIO PAULO ROUANET: O iluminismo foi, na origem, um movimento de crí-


tica do mito e das instituições sociais, vistas como não-razoáveis. No século 20,
o iluminismo voltou-se contra suas próprias produções, as teorias: elas foram
vistas como ideologias, isto é, como teorias contaminadas por relações de po-
der. Com Nietzsche, o iluminismo atingiu um novo patamar de reflexividade,
voltou-se contra si mesmo e passou a denunciar a própria razão, que criticava,
privando a crítica de todos os seus fundamentos. A autocrítica da razão acabou
se transformando no suicídio da razão. É um pouco nessa linha que trabalha

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Sérgio Paulo Rouanet

Adorno, que vê na aporia da razão criticando a razão a grandeza e a dignidade


do pensamento crítico, que não pode nem abrir mão da razão nem abdicar
diante dela. Também é em parte a posição de Foucault, para quem a razão é uma
simples antena na superfície do poder.
Mas não precisamos sucumbir necessariamente a esse niilismo epistemoló-
gico. Há uma certa base para construir um racionalismo moderno, a partir das
conquistas teóricas de Marx e de Freud. Eles se dissociaram do racionalismo in-
gênuo dos séculos 17 e 18, mas não caíram no irracionalismo. Marx desvendou o
substrato social de desrazão: era a falsa consciência, a incapacidade, socialmente
condicionada, de devassar a verdade, mascarada pela ideologia, expressão das
relações de poder. Com Freud, tornou-se possível desvendar o substrato psí-
quico da desrazão: o homem julgava estar sendo racional, quando na verdade
agia e pensava segundo automatismos inconscientes.
A partir dessa dupla desmistificação, podemos elaborar um racionalis-
mo novo, consciente de tudo aquilo que na razão transcende a razão, e que
nos impede de ficar prisioneiros do irracional, à força de querer reprimi-lo.
Consciente dessa dupla determinação da razão — poder e pulsão —, o homem
sabe que toda razão é “impura”, viciada, na origem, por distorções sociais e
psíquicas, mas isso não o impede de criticar o existente, sabendo que o faz uti-
lizando aquele mesmo instrumento, cuja vulnerabilidade a forças irracionais
ele havia sido o primeiro a desnudar. Ele precisa ficar especialmente cauteloso
para lidar com esses fatores irracionais, mas tal cautela é da mesma nature-
za que o cuidado com que, desde Bacon, os cientistas procuraram afastar a
influência perturbadora dos “ídolos”, que punham em risco a objetividade
do trabalho cientifico. Habermas vai mais longe nessa tentativa de dissolver
a aporia de uma crítica tão total da razão que destrói os alicerces da própria
crítica. Para Habermas, a razão deve, sim, criticar a razão, mas essa propo-
sição deixa de ser paradoxal, porque a razão que crítica não é mais a mesma
que é criticada. A razão criticada é a razão monológica, autoritária, que se
confronta despoticamente com um mundo de objetos a serem conhecidos e
manipulados; ao passo que a razão que efetua a crítica é outra: é uma razão
comunicativa, baseada não no paradigma da relação sujeito–objeto, mas no
paradigma da intersubjetividade mediatizada pela linguagem.

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HUMANIDADES EM DIÁLOGO: Pode-se dizer que a política de incentivo fiscal,


em especial a federal (Lei Rouanet e Audiovisual), representa um estímulo

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Entrevista

para a atuação do setor privado, via patrocínio, em projetos culturais. O que


o senhor acha de propostas que visam equilibrar o patrocínio de grandes
projetos culturais com alta visibilidade com projetos culturais alternati-
vos, experimentais e pequenas iniciativas culturais locais de arte popular
e de diversidade visando abarcar a pluralidade de manifestações culturais?
Enfim, como fica, no âmbito da dinâmica cultural, a responsabilidade do
poder público na democratização do acesso à cultura? Recentemente, viu-se
a mobilização de alguns grupos neopetencostais almejando a inserção dos
“templos” (assim consta o termo no projeto de lei do senador Marcelo Cri-
vella) como beneficiários da Lei Rouanet. O senhor acha que os “templos”
são manifestações culturais que têm o direito, ou necessitam, ser inseridos
no Programa Nacional de Apoio à Cultura?

SÉRGIO PAULO ROUANET: Desde que saí do cargo de secretário nacional de Cul-
tura, tenho acompanhado apenas à distância o desenvolvimento da política cul-
tural brasileira e, por isso, evito pronunciar-me sobre aspectos específicos dessa
política, como os relacionados com a Lei de Incentivo à Cultura. Partilho ple-
namente da opinião de que precisamos equilibrar grandes projetos patrocina-
dos pelo setor empresarial com projetos alternativos, experimentais, que refli-
tam a diversidade cultural brasileira. Lembro, aliás, que esses objetivos figuram
entre os objetivos fundamentais do Pronac. Acrescento que, segundo minha
concepção original, o financiamento de tais projetos deveria ficar a cargo do
Fundo Nacional de Cultura, constituído por recursos públicos, e não a cargo
do mecenato.
Quanto à inclusão de instituições religiosas entre as beneficiárias da Lei de
Cultura, acho essa idéia totalmente absurda. Há muitos argumentos contra isso,
mas basta dizer que felizmente vivemos num estado laico, baseado no princípio
constitucional da separação entre o Estado e as igrejas, e a idéia de convocar o
poder público para co-financiar “templos”, seja pela renúncia fiscal, seja pelo
desembolso físico de recursos, vai numa direção diametralmente contrária a
esse princípio.

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