Maçonaria - José Bonifácio em Retrato de Rafael de Falco

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Maçonaria:

José Bonifácio
em retrato de
Rafael de Falco
história e
historiografia
C E L I A M. M A R I N H O D E A Z E V E D O CELIA M.
MARINHO DE
AZEVEDO é
professora do
Departamento de
História da Unicamp.

d urante todo o século XIX são inúmeras as referências à atuação da

maçonaria no Brasil. A julgar pelos testemunhos históricos de contem-

porâneos e pelas narrativas deixadas pelos primeiros historiadores do

Brasil seria difícil encontrar um político do primeiro e do segundo

Reinado, ou mesmo dos anos iniciais da República, que não tivesse em algum momento

de sua vida se filiado a uma loja maçônica. Entretanto, com exceção de alguns estudos

a esse respeito, a história da maçonaria é ainda pouco conhecida no nosso presente, não

tendo chegado a se constituir em tema corrente de pesquisas acadêmicas (1).

O desinteresse, ou melhor, o silêncio atual em torno da história da maçonaria é par-

ticularmente intrigante ao atentarmos, por um lado, para a visibilidade dos maçons nos

escritos de diversos matizes produzidos ao longo do século XIX e, por outro, para o modo
1 A autora está desenvolvendo
como aqueles mesmos personagens históricos foram destituídos de sua identidade maçô- atualmente dois projetos de
pesquisa nesse sentido: “Iden-
nica nos estudos acadêmicos das últimas décadas. Embora as referências à filiação ma- tidade, Cultura e Sociabilida-
de: uma História Social da
çônica de tal ou qual personagem continuem a constar dos estudos históricos produzidos Maçonaria no Brasil (Século
XIX)”, com apoio da Unicamp
e do CNPq; e “O Negro e a
no âmbito da universidade, o seu registro se assemelha a um daqueles adjetivos inseridos Maçonaria no Brasil (Século
XIX)”, com apoio da
casualmente em uma frase e cuja retirada não faria a menor falta na medida em que pouco Unicamp, do Centro de Estu-
dos Afro-Asiáticos e da Fun-
contribui para estabelecer o nexo explicativo de uma questão. dação Ford.
O ponto de partida deste artigo, portan- atos da vida se confundiam com a reli-
to, é o problema da perda de visibilidade da gião. O trabalho mesmo se revestia de um
maçonaria na história do Brasil. Para co- caráter sagrado, constituindo-se na pró-
meçar a elucidar este problema, percorre- pria imagem renovada da criação dos se-
remos, em primeiro lugar, alguns dados da res e das coisas pela divindade (4).
maçonaria e sua história geral e, especial- Entretanto é preciso esclarecer as raízes
mente, sua história no Brasil; em segundo etimológicas do termo franco-maçonaria,
lugar, vamos examinar os modos de abor- o que nos permitirá uma melhor compreen-
dagem da maçonaria por parte de três his- são da peculiaridade das sociedades de fran-
toriadores cujos trabalhos imprimiram ten- co-maçons em relação a outras guildas
dências duradouras na historiografia do existentes durante a época medieval. Se-
Brasil monárquico. São eles: Francisco gundo Naudon, paralelamente aos artesãos
Adolfo de Varnhagen, Manuel de Oliveira reunidos em ofícios regulares ou jurados,
Lima e Caio Prado Jr.; e em terceiro lugar, isto é, ofícios que se organizaram a partir
veremos os novos rumos da historiografia do século XIII sob a égide de um feudo ou
ocidental sobre a maçonaria, assinalados de uma cidade, havia outros artesãos que
em particular pelas contribuições recentes escapavam a todas as obrigações e sujei-
de Margaret C. Jacob, historiadora dos ções locais, usufruindo da liberdade de cir-
Estados Unidos (2). culação. O único poder então existente
capaz de conceder tais privilégios, ou seja,
A MAÇONARIA E SUA as franquias, era a Igreja. E foi sob a sua
HISTÓRIA tutela que se desenvolveram essas confra-
rias laicas de artesãos privilegiados conhe-
Seria uma tarefa vã querer precisar o cidos na época como os francs-mestiers.
momento de fundação da maçonaria, uma Os textos mais antigos nos quais se faz
vez que suas origens se perdem em um menção a esses artesãos itinerantes, devo-
passado povoado de mitos e lendas, re- tados às mais diversas atividades de cons-
montando ao rei Salomão e outros perso- trução, foram encontrados na Inglaterra ao
nagens do Velho Testamento, a começar tempo em que o francês era a língua oficial,
de Adão, apontado em algumas versões e também a língua dos ofícios. Assim, além
como o primeiro maçom. Segundo Paul do termo francs-mestiers, consta em docu-
Naudon, há entretanto um ponto de con- mento de 1376 o termo ffremason; em 1381,
cordância entre seus estudiosos quanto à masonfree; em 1396, ffremaceons (5).
filiação direta da franco-maçonaria mo- Assim como em outras organizações de
derna (a maçonaria especulativa) à antiga ofício, os traços especulativos das socieda-
maçonaria de ofício (a maçonaria des de franco-maçons mesclavam-se às suas
operativa) (3). bases operativas. As preocupações de or-
2 Há uma vasta bibliografia es- A franco-maçonaria pode ser conside- dem teórica e cultural como a solidariedade
pecífica sobre a história da ma-
çonaria com enfoque partidá- rada como a continuação por um lado, e a de culto, os deveres religiosos e filantrópi-
rio, isto é, a favor ou contra a transformação por outro, da organização cos, o papel educativo ou de transmissão de
maçonaria. Escritos deste teor
têm sido uma tendência cons- de ofício da Idade Medieval e da Renas- vastos saberes como a geometria, a arte, a
tante desde as origens da ma- filosofia e a teologia aos seus filiados estive-
çonaria chamada especulativa
cença quando o elemento especulativo se
em diversos países, o Brasil sobreleva ao elemento operativo. Isto não ram sempre presentes entre as metas profis-
inclusive. Neste artigo, porém,
eu tratarei somente de estu- significa, porém, dizer que as organiza- sionais. Mas, gozando de privilégios desco-
dos históricos produzidos no ções de ofício da Antigüidade tenham sido nhecidos em outras confrarias de ofício, os
âmbito acadêmico.
puramente operativas ou profissionais. franco-maçons aprofundaram rapidamente
3 Paul Naudon, La Franc-
Maçonnerie, Paris, Presses Como enfatiza Naudon, a tendência à es- o caráter especulativo de suas organizações.
Universitaires de France, peculação no sentido da investigação teó- Isto se deu sobretudo a partir do ingresso de
1963, pp. 9-13.
rica, da reflexão, já se fazia presente nas membros “aceitos”, ou seja, estranhos po-
4iiiiIdem, ibidem, pp. 14-7. finalidades das antigas corporações, uma rém agregados à profissão, entre eles filóso-
5iiiiIdem, ibidem, pp. 20-2. vez que entre os povos antigos todos os fos hermetistas e alquimistas.

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Como explica Naudon, a franco-maço- “irmãos livres e aceitos” se expandiu ra-
naria, com suas franquias, seus mestres ilus- pidamente pelo continente europeu. Em
trados e contando ainda com a proteção de meados do século XVIII havia lojas ma-
poderosos, exercia especial atração sobre os çônicas na maioria dos países da Europa
espíritos estudiosos, desejosos de aprofundar ocidental, sobretudo na França. Estima-
seu saber e de revelar livremente suas pró- se que havia cerca de dez mil maçons vi-
prias reflexões sem incorrer em suspeitas. vendo em Paris na década de 1770. Em
Além disso, a franco-maçonaria atraía inte- fins do século XVIII esta “migração cul-
lectuais pelo próprio caráter itinerante de tural” maçônica – nas palavras de Jacob –
seus trabalhos. Durante a Idade Média e já se espalhava pelos Estados Unidos,
início da Renascença, a maçonaria era o colônias da América espanhola e portu-
único ofício não localizado, mantendo laços guesa e Rússia (9).
organizativos entre cidades e mesmo entre No Brasil há notícias da existência de
países, o que garantia a proteção e a acolhida maçons desde fins do século XVIII, com
de irmãos em trânsito (6). envolvimento na Inconfidência Mineira
Este processo de transformação da an- e depois na Conjuração Baiana de 1798
tiga maçonaria operativa em moderna ma- (10). Mas o que se tem por certo é que a
çonaria especulativa se completa na Grã- primeira loja brasileira, Reunião, foi cri-
Bretanha no início do século XVIII, pri- ada em 1801 no Rio de Janeiro vinculada
meiramente em lojas escocesas e em se- ao Oriente da Ilha de França. No ano se- 6 Idem, ibidem, pp. 24-7.
guida em lojas inglesas. Nesse momento o guinte fundou-se uma segunda loja na
7 Margaret C. Jacob, Living the
número de membros “aceitos”, isto é, es- Bahia, Virtude e Razão. Em 1804 foi a Enlightenment: Freemasonry
and Politics in Eighteenth-
tranhos ao ofício, passa a ser tão conside- vez do ingresso da maçonaria portuguesa Century Europe, New York,
rável que os antigos critérios operativos no Rio de Janeiro, constituindo-se duas Oxford University Press,
1991, p. 31; e também
de ingresso nas lojas perdem a sua razão lojas, Constância e Filantropia, sob a Naudon, op. cit., pp. 27-30.
de ser. Segundo Margaret C. Jacob, a nova égide do Grande Oriente da Lusitânia.
8 Jacob, op. cit., p. 31.
maçonaria expressava o surgimento de Os anos que se seguiram revelam uma
9 Idem, ibidem, p. 73; a popu-
uma nova cultura secular. As pessoas ga- história de relacionamento ambíguo e in- lação de Paris em 1770 osci-
nhavam ingresso nas lojas maçônicas da constante entre os organismos maçôni- lava entre 500 e 600 mil ha-
bitantes segundo Jacob. Ver
Escócia e Inglaterra não devido às suas cos e as altas esferas do governo. Duran- também a respeito desta mi-
gração cultural: P. Naudon,
ocupações ou status per se, mas devido à te os últimos anos da colônia portuguesa, op. cit., pp. 35-43, 64-8; e R.
sua maneira de ser. Requeria-se apenas e depois já como país independente, al- R. Palmer, The Age of the
Democratic Revolution: a
que os irmãos fossem alfabetizados, de ternaram-se fases de perseguições poli- Political History of Europe and
bom caráter e capazes de arcar com ciais e proibições oficiais à maçonaria e America, 1760-1800, 2 vols.,
Princeton, NJ, Princeton
cotizações substanciais (7). fases de tolerância, permissão e mesmo University Press, 1959 e
1964, especialmente o segun-
Para Jacob não foi por acaso que essa participação ativa de altas autoridades do volume. A primeira bula
nova forma de sociabilidade emergiu na políticas em suas lojas, como foi o caso papal desautorizando a ma-
çonaria data de 1738.
Grã-Bretanha. Nesse país os ofícios e de d. Pedro I, José Bonifácio de Andrada
10 Joaquim Felício dos Santos,
guildas entraram em declínio já a partir do e Silva e o visconde do Rio Branco. Ao Memórias do Distrito
século XVII, bem antes de que o mesmo mesmo tempo percebe-se uma história de Diamantino, Belo Horizonte,
Itatiaia; São Paulo, Ed. da Uni-
ocorresse no continente europeu. Ao mes- rivalidades internas na presença versidade de São Paulo, 1976;
mo tempo desenvolvia-se a economia de concomitante de lojas de obediência dis- Affonso Ruy, A Primeira Re-
volução Social Brasileira, Rio
mercado muito mais rapidamente na Grã- tinta, quer no plano internacional, quer de Janeiro, Laemmert, 1970;
Célia de Barros Barreto,
Bretanha do que no resto da Europa. Isso no plano nacional. “Ação das Sociedades Secre-
se refletia inclusive no modo de relacio- Em 1835 a maçonaria no Brasil dividia- tas”, in História Geral da Civi-
lização Brasileira: o Brasil
namento social, mais aberto e menos for- se em quatro Supremos Conselhos e dois Monárquico, tomo II, vol. I, Rio
de Janeiro, Bertrand Brasil,
mal, entre aristocracia, pequena nobreza e Grandes Orientes, a saber: o Grande Orien- 1993; Emília Viotti da Costa,
comuns (8). te do Brasil, criado em 1822 e depois “Introdução ao Estudo da
Emancipação Política do Bra-
Apesar das suspeitas que esta nova for- reconstituído em 1831 sob a direção do sil”, in Da Monarquia à Repú-
ma de sociabilidade despertava, sobretu- grão-mestre José Bonifácio de Andrada e blica: Momentos Decisivos, São
Paulo, Ciências Humanas,
do em países católicos, a maçonaria de Silva; o Grande Oriente Brasileiro, institu- 1979.

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ído também em 1831, de obediência ao rito termina aqui e muito menos se esgota na
francês moderno; o Supremo Conselho exposição destes dados de superfície. En-
Brasileiro, fundado em 1832 por Francisco tretanto, mesmo superficiais e pouco
Gê Acaiaba de Montezuma, visconde de elucidativos, eles nos permitiram traçar
Jequitinhonha, sob a autoridade do Supre- o pano de fundo necessário para que co-
mo Conselho da Bélgica e mediante a in- mecemos a perceber a dimensão dos in-
trodução dos Altos Graus do rito escocês; teresses e aspirações em jogo no cotidia-
em reação a esse último, cada um dos dois no das lojas maçônicas e seus organis-
Grandes Orientes mencionados constituí- mos superiores.
ram os seus Supremos Conselhos; e, por Em conclusão a este item, podemos
fim, um quarto Supremo Conselho surge destacar três pontos relevantes que nos
de uma cisão de um dos Grandes Orientes. conduzem a uma percepção de um aspec-
Ao longo dos anos 1830, 1840 e 1850 as to fundamental da história maçônica, po-
primeiras lojas filiadas à maçonaria ingle- rém ainda muito pouco reconhecido: a
sa são instituídas em Pernambuco e Rio de dimensão social e cultural da maçonaria.
Janeiro, vindo portanto se somar às lojas São eles:
existentes que, como vimos, tinham víncu- 1) o caráter cosmopolita da maçonaria,
los com as maçonarias francesa, belga e com suas conexões organizativas e migra-
portuguesa. ções culturais entre cidades, países e con-
Em 1860 uma nova fase de interven- tinentes;
ção governamental impõe novos desen-
2) a utopia da fraternidade como impul-
volvimentos às rivalidades maçônicas. D.
so à organização entrelaçada de lojas ma-
Pedro II decreta a dissolução do Grande
çônicas em níveis nacional e internacional;
Oriente Brasileiro e seu Supremo Conse-
e como base de convivência intelectual entre
lho, deixando o campo livre para o pri-
pessoas, não obstante diferenças sociais de
meiro Grande Oriente. Entretanto, em
origem;
1863 uma nova cisão divide o Grande
Oriente do Brasil. As duas novas Obedi- 3) as rivalidades internas e disputas em
ências foram designadas de acordo com torno do apoio de governantes a romper
as localizações de suas sedes no Rio de constantemente a sociabilidade maçônica.
Janeiro. Por um lado, constituiu-se o Gran-
de Oriente do Lavradio sob a direção do PERCURSOS
grão-mestre Bento da Silva Lisboa, segun- HISTORIOGRÁFICOS
do barão de Cairu. Nos anos de 1870 a
direção desta Obediência coube a José De um modo geral, os historiadores
Maria da Silva Paranhos, visconde de brasileiros do passado e do presente reco-
Rio Branco. Por outro lado, fundou-se o nhecem o envolvimento de maçons em di-
Grande Oriente dos Beneditinos sob a versos movimentos políticos ocorridos ao
direção do grão-mestre Joaquim Sal- longo do século XIX. Entretanto o papel da
danha Marinho. maçonaria, isto é, o seu significado histó-
A Questão Religiosa da década de rico, é avaliado de modo distinto por uns e
1870, quando a Igreja Católica põe em outros.
11 Esses dados foram compila-
dos com base no verbete causa o direito de existência da maçona- Há muito que a maçonaria deixou de ser
“Brésil” de André Combes (in
Daniel Ligou, Dictionnaire de ria, determina uma reaproximação entre tema corrente de estudos históricos, tor-
la Franc-Maçonnerie, Paris, os dois Grandes Orientes rivais. Eles vol- nando-se tão-somente um assunto de
Presses Universitaires de
Frances, 1987). Para uma lista tam a se fundir em 1883 sob a denomina- maçons, ou quando muito o tema obrigató-
de maçons brasileiros, segun-
do publicação maçônica re-
ção de Grande Oriente Supremo Conse- rio de autores maçons interessados em cons-
cente, ver: Nicola Aslan, Pe- lho do Brasil (11). truir uma história maçônica do Brasil. En-
quenas Biografias de Grandes
Maçons Brasileiros, Rio de Ja- A história das rivalidades e cisões da tretanto, os estudos históricos acadêmicos
neiro, Ed. Maçônica, 1973; o maçonaria brasileira, pautada por diferen- do presente nunca deixam de mencionar a
autor pertence à Academia
Maçônica de Letras. tes vínculos nacionais e internacionais, não maçonaria, uma vez que determinados epi-

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sódios, como a Questão Religiosa do início da Independência do Brasil introduz o re-
da década de 1870, seriam incompreensí- lato das ações conspirativas maçônicas logo
veis se não houvesse referências aos con- à página 2 do primeiro capítulo dedicado à
flitos entre maçons e Igreja Católica. Para Revolução Constitucional do Porto e à
romper com essa postura ambígua da questão do regresso de d. João VI a Portu-
historiografia do presente, que reconhece a gal. Esta primeira menção à maçonaria
presença da maçonaria na nossa história, aparece com uma naturalidade de estilo
sem porém se aprofundar ao nível de pes- bastante reveladora de uma época em que
quisas e estudos acadêmicos a respeito, é o tema da maçonaria e da conspiração re-
preciso inquirir sobre o significado da volucionária já vinha há muito impregnan-
maçonaria ao longo do processo de consti- do o imaginário social. “Intentou a Maço-
tuição da nação brasileira. Para isso será naria em Portugal, no ano de 1817, uma D. Pedro I
necessário tentar recuperar a história da primeira conspiração, para o aclamar rei retratado por
maçonaria no século XIX, alargando-se constitucional...” (12). J. B. Debret
porém o olhar instituído pelos nossos pri-
meiros historiadores, cujos horizontes não
iam muito além da participação da maço-
naria nos grandes eventos políticos e seus
bastidores.
Ao contrário dos historiadores do pre-
sente, os historiadores nascidos no século
XIX reconhecem a maçonaria como uma
instituição organicamente ligada aos mo-
vimentos políticos de seu tempo. Com isso
quero dizer que esses historiadores antigos
conferem à maioria das lideranças políti-
cas uma identidade maçônica, sem o que
não se poderia compreender a essência das
suas ações e pensamento.
Começaremos, portanto, por historia-
dores nascidos no século XIX, e cujos es-
tudos assinalam a presença constante, e
marcante, de maçons no mundo da políti-
ca. Em seguida vamos buscar o enfoque
historiográfico mais recente nos escritos
de Caio Prado Jr., o qual assinala a passa-
gem da história da maçonaria para a sua
condição atual de invisibilidade.

Varnhagen: maçonaria e
constitucionalismo O segundo tema, maçonaria e
constitucionalismo, já se evidencia nesta
Dois temas interligados constroem o menção introdutória à organização maçô-
nexo explicativo das páginas de Francisco nica, em que fica clara a utopia de uma
Adolfo de Varnhagen, visconde de Porto monarquia constitucionalista em lugar do
12 Francisco Adolfo de
Seguro (1816-78), sobre o processo de antigo regime monárquico absolutista. De Varnhagen, História da In-
dependência do Brasil
emancipação política do Brasil: 1) maço- fato é esse tema que ganha relevo ao longo (publicado conjuntamen-
naria e conspiração revolucionária; 2) ma- do livro de Varnhagen. te com História Geral do
Brasil, 3 vols.), vol. 3,
çonaria e constitucionalismo. Concluído Segundo este autor, a Revolução Consti- tomo 5, Belo Horizonte,
três anos antes da morte de seu autor, po- tucionalista triunfante de 1820 marcava Itatiaia; São Paulo, Ed. da
Universidade de São Pau-
rém publicado apenas em 1916, História uma nova era para o Brasil. Havia duas lo, 1981.

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opções políticas para esta colônia portu- rirão em solo brasileiro. Os desviantes
guesa: não apoiar os revolucionários por- desses sentimentos liberais e nacionais,
tugueses, e desse modo tornar-se um Esta- como é o caso de José Bonifácio de
do independente; ou então aderir a eles, e Andrada e Silva, na visão de Varnhagen,
libertar-se duplamente do antigo regime agem movidos por objetivos privados,
absolutista e do “jugo humilhante do Esta- egocêntricos e despóticos. José
do colonial”, o que de resto já era um fato Bonifácio, grão-mestre do Grande Ori-
desde a vinda da corte para o Rio de Janeiro ente, desliga-se da maçonaria e, em me-
(13). Ou seja, as duas opções que se abriam ados de 1822, funda o Apostolado, soci-
para o Brasil a partir de um acontecimento edade rival “que veio a ocasionar tantos
revolucionário d’além-mar – impulsiona- desgostos e chegou quase até já a pôr em
do desde os seus primórdios pelas ações risco a paz interna do Brasil, nos momen-
maçônicas – marcavam a abertura da era da tos solenes da proclamação da Indepen-
constitucionalidade. Fosse como país in- dência” (16). José Bonifácio é o único
dependente, ou como parte de um Reino revolucionário brasileiro a ser despojado
Unido constitucional, o Brasil teria o cami- de sua identidade maçônica nas páginas
nho aberto para construir novas instituições de Varnhagen.
políticas (14).
Como mostra Varnhagen, as novas ins- Oliveira Lima: maçonaria,
tituições políticas do Brasil germinaram a republicanismo e “democracia
partir dos planos constitucionalistas de lí- coroada”
deres maçons congregados no Grande Ori-
ente. De um lado, formulou-se a estratégia Ao tratar de um longo período da histó-
da conquista política do príncipe d. Pedro ria do Brasil, que se estende desde as vés-
I, o qual após muitos apelos, queixas, pres- peras da Independência até o fim do regime
sões, conversações e homenagens acaba se monárquico, Manuel de Oliveira Lima
assumindo duplamente como brasileiro e (1867-1928) distingue duas fases da histó-
como irmão maçom. De outro lado, tratou- ria do Império brasileiro. A maçonaria que
se de se organizar no Brasil um governo também aparece com relevo em sua abor-
perpetuamente livre, o que significava não dagem atravessa igualmente essas duas
13 Idem, ibidem, p. 23.
só obter a sua independência em relação a fases. Ou seja, de 1824 a 1848, temos uma
Portugal, como também fundar “uma As- história de instabilidade política, sobres-
14iVarnhagen acreditava que
esse caminho seria de resto sembléia Geral de Representantes das Pro- saltada constantemente por lutas civis.
facilitado pelo fato de que d. víncias do Brasil” (15). Nessa fase os maçons são revolucionários,
João VI era “talhado de mol-
de para um bom rei constitu- É interessante notar como Varnhagen anti-religiosos e republicanos. Abre-se em
cional” (idem, ibidem, p. 18).
constrói a identidade maçônica dos per- seguida um longo período de paz e ordem
15 Idem, ibidem, pp. 85-6, 118- sonagens atuantes no processo de inde- interna que se estende até 1889. Nessa fase
9, 127, 129. As palavras entre
aspas são de Joaquim Gon- pendência. Esses personagens, congrega- os maçons já não são revolucionários e nem
çalves Ledo, membro do
Grande Oriente, em requeri-
dos em seus “clubes maçônicos”, por um contrários à religião. Pelo contrário, eles se
mento ao príncipe d. Pedro. lado pensam e agem imbuídos de senti- incorporam às instituições de Estado, de-
Ledo havia sido eleito dois
dias antes para o Conselho mentos liberais e constitucionais e, por sempenhando papéis de relevo no cenário
de Procuradores, cujo cará- outro, expressam um profundo sentimen- político e tornando-se tão-somente
ter consultivo e aristocrático
desagradava aos políticos li- to de brasilidade. A maçonaria aqui apa- “irreligiosos”. Quanto ao seu republica-
berais, entre eles os filiados
ao Grande Oriente do Brasil. rece como essencialmente brasileira, com nismo, ele foi sacrificado diante da ameaça
impulsos nacionais próprios. Seus laços de anarquia visualizada nos bandos de ne-
16 Idem, ibidem, pp. 123-4, 158-
60. efetivos com irmãos maçons do outro lado gros e mulatos armados e nos “ódios de
do Atlântico parecem tênues e mesmo nacionalidades”. Em seu lugar pretende-
17 Manuel de Oliveira Lima, O
Império Brasileiro (1821- inexistentes a não ser pelo impulso revo- ram “republicanizar a Constituição Impe-
1889), Belo Horizonte,
Itatiaia; São Paulo, Ed. da lucionário que lhes vem inicialmente de rial, conservando muito embora a forma de
Universidade de São Paulo, Portugal e pelo significado que aquelas governo”. Era o regime de “democracia
1989; a primeira edição é de
1927; pp. 15, 19-20, 123-4. mesmas idéias constitucionalistas adqui- coroada” (17).

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É interessante notar aqui dois aspectos dos da década de 1820, Oliveira Lima dei-
distintivos da abordagem de Oliveira Lima xa claro que os fatores internos foram de-
em relação à de Varnhagen. Em primeiro cisivos para as mudanças subseqüentes do
lugar, Oliveira Lima associa a maçonaria cenário político brasileiro. Para ele, mais
com a presença estrangeira no Brasil. Se- do que “por quaisquer conluios locais, com
gundo ele, após a dissolução da Constitu- revolucionários de fora em prol da inte-
inte em 1823, o republicanismo que havia gridade republicana do continente”, a con-
sido abafado à época da Independência alas- tinuidade da monarquia esteve ameaçada
trou-se rapidamente por várias províncias, devido à rivalidade que se instaurou entre
sobretudo no nordeste. Neste movimento o Executivo, sustentado pelo soberano, e
revolucionário a presença de “elementos o Legislativo, sustentado pelo eleitorado.
de outras nacionalidades” era um atestado Os “excessos de autoridade”, de um lado,
da atuação de sociedades secretas, isto é, e “repúdios da vontade popular”, de ou-
de lojas maçônicas, cujas “idéias subversi- tro, fizeram temer a muitos que, como
vas dos tronos” transmitiam-se rapidamente Teófilo Ottoni, preferiram sacrificar seus
de um país a outro, de um continente a outro ideais democráticos antes que o despotis-
(18). Em Varnhagen, como vimos, essas mo militar ou a anarquia se instaurassem.
conexões internacionais não são tão evi- A opção final pela “democracia coroada”,
dentes, embora sejam reconhecidas impli- isto é, a Constituição imperial republica-
citamente a partir da menção inicial à pri- nizada, assegurou portanto a união das
meira tentativa de uma revolução constitu- províncias e a permanência do regime
cional durante a conspiração maçônica de constitucional.
1817 (19). A despeito das diferenças de aborda-
Em segundo lugar, Oliveira Lima es- gem com relação à maçonaria e sua presen-
tabelece uma equivalência nítida entre ma- ça na vida política nacional, Oliveira Lima
çonaria e republicanismo. Como vimos e Varnhagen convergem para ressaltar o
acima, maçons estrangeiros espalhavam empenho dos maçons brasileiros em de-
rapidamente idéias subversivas aos tronos, fender a nação emergente, assegurando-lhe
isto é, o ideal republicano, em vários pa- um regime de governo pautado
íses do mundo, o Brasil inclusive. Havia, prioritariamente pela Lei. Por isso pode-
além disso, um empenho dos “revolucio- mos concluir afirmando que também em
nários de fora” em assegurar que o conti- Oliveira Lima a identidade maçônica é pre-
nente americano fosse inteiramente repu- enchida com dois atributos básicos: nacio-
blicano (20). Varnhagen, por seu turno, nalismo e constitucionalismo.
estabelece uma equivalência entre maço-
naria e constitucionalismo. Embora ele Caio Prado Jr.: da maçonaria
faça menção “a alguns que se inclinavam à brasilidade
à democracia e republicanismo”, sem es-
clarecer, porém, quem seria essa minoria, Na comparação entre os primeiros his-
ele deixa claro que os maçons brasileiros toriadores brasileiros e os historiadores do
defenderam a Independência combinada presente podemos perceber, nos estudos
com a instituição da monarquia constitu- destes últimos, a perda da identidade ma-
cional. Para isso o Grande Oriente tratou çônica por vários personagens de destaque
de conquistar o príncipe d. Pedro, na história política do Brasil do século XIX.
instilando-lhe um sentimento de Como evidenciam as narrativas de dois ilus- 18 Idem, ibidem, p. 19.

brasilidade e recebendo-o como irmão tres historiadores do passado, analisados 19 Varnhagen, op. cit., p. 18.
maçom (21). acima, muito do que se passava no campo 20 Oliveira Lima, op. cit., p. 19.
Apesar de enfatizar as conexões inter- da política era compreendido à luz daquilo
21 Varnhagen, op. cit., pp. 77,
nacionais da maçonaria, o conteúdo repu- que poderíamos denominar de cultura da 129. D. Pedro recebeu o
blicano de seus ideais e sua atuação revo- maçonaria. Refiro-me com isso aos valo- nome de Guatimozin, e logo
em seguida tornou-se grão-
lucionária em várias províncias em mea- res, simbologia, ideais e ao cotidiano das mestre do Grande Oriente.

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lojas, com seus rituais, banquetes, debates, são da cultura maçônica vivenciada por eles
cismas, enfim, o conjunto das utopias e na época.
José Maria da
redes de sociabilidade formadoras de uma Podemos acompanhar o início dessa
Silva Paranhos, identidade maçônica. tendência de negação da identidade maçô-
o visconde Nos estudos do presente, os mesmos nica, presente atualmente nos estudos his-
de Rio Branco personagens aparecem sem que por vezes tóricos produzidos no âmbito da universi-
dade, na abordagem de Caio Prado Jr. É
possível que nenhum outro autor contem-
porâneo tenha enfrentado mais diretamen-
te a questão da maçonaria e seu significado
no conjunto da história política e social do
Brasil do século XIX (22).
As reflexões de Caio Prado Jr. sobre a
presença maçônica em meio à chamada
crise do sistema colonial expressam uma
certa tensão entre o reconhecimento do
papel político decisivo da maçonaria e a
negação deste, visto que as transforma-
ções econômicas seguiriam o seu curso
histórico inevitável. Segundo este autor,
passados três séculos de existência e de
ganhos significativos, o sistema de colo-
nização adotado no Brasil pela metrópo-
le portuguesa chegara ao seu ponto de
“consumação”. As contradições do sis-
tema colonial, tais como os conflitos
interclasses (cisões entre proprietários),
conflitos de classe (entre senhores e es-
cravos) e conflitos étnicos, eram tão pro-
fundas que vários “reformadores” ace-
naram com projetos para a sua salvação
em fins do século XVIII. Entretanto, as
possibilidades do sistema colonial havi-
am se esgotado, sendo necessário substi-
tuí-lo por outro (23).
Em meio à crise geral do sistema colo-
nial, a única organização que se orientava
22 É interessante observar aqui
que outro importante histo- sequer se mencione a sua filiação maçôni- e se conduzia “com mais precisão e segu-
riador contemporâneo, Sér- rança” era a maçonaria. Caio Prado Jr. dis-
gio Buarque de Holanda, limi-
ca. Mas o mais comum é que este aspecto
tou-se a registrar em algumas de sua vivência seja relegado ao campo dos tancia-se das abordagens tradicionais que
linhas o declínio da maçona-
ria numa suposta substituição detalhes obrigatórios da redação informa- restringiam o seu enfoque de visão à atua-
desta pelo movimento da historiograficamente, porém sem signi- ção do Grande Oriente do Rio de Janeiro e
positivista. Não oferece, no
entanto, explicações e evidên- ficado em termos de conteúdo compreen- ao Apostolado dos irmãos Andradas. Para
cias para esta tese apenas
acenada no início de um capí- sivo. Assim, é freqüente encontrarmos a- ele, o papel da maçonaria era “muito mais
tulo significativamente postos do tipo: “congregados nas lojas amplo e profundo”, e sobretudo “orgânico,
intitulado “Da Maçonaria ao
Positivismo”. Haveria aqui maçônicas”, “Grão-Mestre do Grande Ori- articulado dentro e fora da colônia, siste-
implicitamente uma vonta- mático e consciente”. Isso significa cha-
de de encerrar definitiva-
ente”, “apoiado pela loja América”, etc.
mente o assunto maçonaria Embora pretendam acrescentar um dado a mar a atenção para o fato de que a política
na história do Brasil? Ver: O
Brasil Monárquico – Do Im- mais na explicação de determinados perso- brasileira emergia, já em suas origens, ar-
pério à República, tomo 2, nagens, tais apostos são pouco elucidativos ticulada a “um movimento internacional de
vol. 5, São Paulo, Difel, 1985,
pp. 289-305. se não se fazem acompanhar da compreen- proporções muito mais vastas” (24).

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Caio Prado Jr. não deixa dúvidas até dentro e fora da colônia; porém o sentido 23 Caio Prado Jr., Formação do
Brasil Contemporâneo, São
aqui sobre o significado político da maço- desta mesma ação política já estava dado Paulo, Brasiliense, 1973; a pri-
naria no Brasil em fins do século XVIII e pelos fatos objetivos da economia coloni- meira edição é de 1942; pp.
358-69.
início do XIX. Os personagens de relevo no al. Com ou sem maçonaria, na falta de
24 Idem, ibidem, pp. 370-1.
cenário político brasileiro, em sua maioria, qualquer organização, ou contando com
são maçons e atuam a partir de lojas espa- outra qualquer, os revolucionários brasi- 25 Idem, ibidem, pp. 372-3.

lhadas pelos principais centros da colônia, leiros agiam movidos pela necessidade de 26 Idem, ibidem, pp. 373-4.
articuladas entre si e também com as da reformas na infra-estrutura econômica, o
27 Idem, ibidem, pp. 358-9.
Europa, dos Estados Unidos e demais colô- verdadeiro “fio condutor” da análise des-
28 Idem, ibidem, pp. 372-3.
nias americanas. Mais do que qualquer indi- te autor, nas suas próprias palavras (27).
víduo ou grupo de indivíduos é a ação da Os brasileiros e todos aqueles com inte- 29iDe um modo geral a his-
toriografia tem incorporado
maçonaria que controla, nos bastidores, os resses diretos na colônia sabiam da neces- esta tese de Prado Jr. através
de breves menções à maço-
acontecimentos da história brasileira (25). sidade de reformas e “encontraram na naria, ou mesmo permitindo-
Entretanto, neste momento Prado Jr. maçonaria um instrumento ideal”. se silenciar totalmente em
relação a ela. Prado Jr. tam-
inicia um ponto de inflexão distinto em sua Em conclusão, podemos identificar em bém está presente na análise
análise sobre o papel da maçonaria na so- Prado Jr. o início da tendência de negação de Barreto (op. cit.), em seu
capítulo sobre as sociedades
lução da crise do sistema colonial. A des- de uma identidade maçônica aos persona- secretas. Há porém três te-
ses acadêmicas sobre a ma-
peito de sua importância em termos gens atuantes no processo de emancipação çonaria no Brasil que levam
organizativos, a maçonaria não acrescen- política do Brasil. Há mais uma troca de em consideração a identida-
de maçônica de seus perso-
tará e nem tirará nada de substancial dos favores entre maçonaria e brasileiros do que nagens e sua participação na
história do Brasil: David
acontecimentos brasileiros, “como aliás uma simbiose entre eles. Os brasileiros Gueiros Vieira, O Protestan-
seria absurdo imaginar”. À maçonaria in- tomaram a maçonaria apenas como um tismo, a Maçonaria e a Ques-
tão Religiosa no Brasil, Brasília,
teressava apenas atingir mais um reduto do instrumento para facilitar as reformas ne- Ed. Universidade de Brasília,
absolutismo europeu, isto é, a monarquia cessárias. Já a maçonaria servia-se dos bra- 1980; Jamil Almansur
Haddad, O Romantismo Bra-
portuguesa. Já aos maçons que agiam den- sileiros para derrubar o absolutismo portu- sileiro e as Sociedades Secre-
tas do Tempo, tese para a
tro do Brasil interessava a solução das ques- guês. Nas palavras de Prado Jr., “[...] a Cadeira de Literatura Brasi-
tões internas colocadas pela crise do siste- maçonaria não poderia torcer os fatos da leira da Faculdade de Filoso-
fia, Ciências e Letras da Uni-
ma colonial. A maçonaria servia-lhes tão- nossa história. Limitou-se a tirar partido versidade de São Paulo, 1945;
e Sister Mary Crescentia
somente como “estimulante” na medida em deles para os seus fins, como os primeiros Thornton, The Church and
que lhes proporcionava uma organização, [os brasileiros] tirariam dela para os pró- Freemansory in Brazil, 1872-
1875: a Study in Regalism,
isto é, “a possibilidade de uma maior uni- prios” (28). Washington, D. C., The
dade de vistas e de ação conjunta”. Na ver- A história da maçonaria no Brasil não Catholic University of
America Press, 1948. A tese
dade os maçons brasileiros agiam antes teria passado, portanto, na visão de Prado de Thornton, embora ampa-
rada em vasta pesquisa, po-
como brasileiros do que como maçons; na Jr., de uma relação instrumental, de impor- deria entretanto ser classifi-
falta da maçonaria, teriam agido do mesmo tância momentânea e – por que não cada entre a literatura de
cunho partidário, tal a defesa
modo, porém de forma mais desorientada; explicitar? – secundária. Nossos maçons que ela faz da Igreja Católica
na luta contra a maçonaria.
ou teriam “recorrido a outra organização não foram na sua essência maçons, mas sim Mais recentemente percebe-
semelhante, feita sob encomenda e que a brasileiros, e ao final das contas a impor- se uma renovação de inte-
resse em compreender a his-
teria substituído” (26). tância da sua ação política parece residir tória da maçonaria em ter-
Podemos inferir desta abordagem de precisamente neste fato (29). mos de sua cultura e redes
de sociabilidade, bem como
Prado Jr. dois tipos de dissociação analíti- suas contribuições para a
constituição de uma identi-
ca. Primeiramente temos a valorização da MARGARET C. JACOB: NOVOS dade política nacional. Impor-
ação política em nível nacional – o brasilei- RUMOS DA HISTORIOGRAFIA tante contribuição nesse sen-
tido é a de Alexandre Mansur
ro estimulado pela maçonaria internacio- OCIDENTAL Barata, “Luzes e Sombras: a
nal, perseguindo porém objetivos estrita- Ação dos Pedreiros Livres
Brasileiros (1870-1910)”
mente nacionais – em detrimento da ação O desinteresse no âmbito da universi- (dissertação de mestrado,
Universidade Federal Flumi-
política articulada internacionalmente. dade com respeito à história da maçonaria nense, 1992). Partes desta
Em segundo lugar, podemos perceber não é um fato a ser assinalado somente dissertação podem ser co-
nhecidas em dois artigos:
a dissociação operada entre política e eco- para a historiografia brasileira. Nos paí- “A Maçonaria e a Ilustração
nomia. A ação política da maçonaria era ses de língua inglesa, e mesmo na França, Brasileira”, in História, Ciên-
cias, Saúde – Manguinhos, vol.
fundamental para desestabilizar a tirania onde os historiadores da chamada Escola 1, n. 1, Rio de Janeiro, Funda-

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dos “Annales” têm se destacado pela des- pesquisado, mas de veio muito promis-
coberta de novos temas e objetos, pouco sor (33).
se pesquisou e escreveu sobre a maçona- Para Jacob, o problema que se coloca
ria (30). agora para a historiografia é encontrar a
As razões para um tal descaso foram ponte entre estes dois Iluminismos, o
assinaladas por Margaret C. Jacob, cujas Iluminismo dos filósofos e o Iluminismo
pesquisas contribuem para a redescoberta popular. Em busca destas ligações, histori-
do tema da maçonaria. Primeiramente é adores da Escola dos “Annales” têm se
preciso lembrar o impacto do mito da cons- voltado para a pesquisa das academias pro-
piração maçônico-judaica que perpassou vinciais da França e nelas encontrado redu-
o imaginário europeu desde o início da tos importantes de debate e difusão da ra-
década de 1930. Outra razão é que o tópi- cionalização iluminista.
co da maçonaria tem sido dominado pelos Mas Jacob acredita que as lojas maçô-
próprios maçons e seus oponentes, nenhum nicas representaram um papel muito mais
deles muito cuidadosos em seu uso das abrangente na construção de pontes entre
evidências históricas. O caráter secreto da os dois Iluminismos. Primeiramente é pre-
maçonaria também tem contribuído para ciso lembrar que, ao contrário das acade-
um certo preconceito em relação a ela, na mias provinciais da França, as lojas maçô-
medida em que muitos a consideram por nicas não foram uma criação do Estado e
isso como irracional e, em decorrência, nem mantiveram ligações íntimas com ele.
como “coisa de lunáticos”. Além disso, Podiam identificar-se eventualmente com
em países como os Estados Unidos e a reis e aristocratas, mas ocupavam sempre
ção Oswaldo Cruz, julho/ou-
tubro 1994, pp. 78-99; “Os Grã-Bretanha, as lojas maçônicas deixa- um espaço intermediário entre o oficial e o
Maçons e o Movimento Re- ram há muito de ser enclaves de liberais e oficialmente suspeito.
publicano (1879-1910)”, in
Locus, Revista de História, vol. progressistas como acontecia no século Além disso as lojas maçônicas não se
1, n. 1, Juiz de Fora, NHR/
EDUFJF, 1995, pp. 125-41.
XIX (31). restringiam a nenhum limite regional ou
Este silêncio em torno da história da nacional, mantendo ligações organizativas
30 É preciso, entretanto, menci-
onar um importante estudo maçonaria, imperante no mundo acadêmi- e culturais permanentes com lojas-irmãs de
sobre a sociabilidade meridi- co desde meados dos anos 1940, ficou evi- outros países. As lojas maçônicas signifi-
onal francesa – incluindo-se
aqui um capítulo sobre a ma- dente durante o Congresso Internacional cavam, portanto, não só a possibilidade
çonaria – publicado na Fran-
ça em 1968: Maurice Agulhon, do Bicentenário da Revolução Francesa, cotidianamente renovada de construção de
Pénitents et Francs-Maçons de realizado em julho de 1989 na Universida- pontes entre os dois Iluminismos, como
l’Ancienne Provence – Essai sur
la Sociabilité Méridionale, de de Sorbonne. Entre as mais de duzentas também de transmissão cultural da ideolo-
Fayard, 1984. A noção de so-
comunicações apresentadas durante o even- gia da Razão em nível internacional (34).
ciabilidade, introduzida por
ele no vocabulário dos histo- to, não houve uma sequer sobre a maçona- Desse modo, para Jacob, redescobrir o
riadores dos “Annales”, tem
adquirido crescente relevo na ria francesa (32). tema da maçonaria significa sobretudo
história social e cultural dos Entretanto tem sido grande o interes- contribuir para a história social do
últimos anos. Sem essa no-
ção dificilmente compreende- se pela história social do Iluminismo, o Iluminismo. Isso porque ao mesmo tempo
ríamos a história da maçona-
ria. Entretanto, conforme su- que se revela em tentativas recentes de que as lojas refletiam as tensões sociais do
gere Jacob, Agulhon não teve transpor os limites tradicionais da histó- Antigo Regime, com seu apreço aos sím-
muitos seguidores na França
no tocante à pesquisa da his- ria intelectual com enfoque preferencial bolos tradicionais de status e hierarquia,
tória da maçonaria propria-
mente dita.
nos grandes filósofos e seus escritos. elas ofereciam a alternativa inerente à nova
Como resultado do impacto das proposi- cultura política e secular iluminista: um foro
31 Jacob, op. cit., pp. 221-2.
ções inovadoras da Escola dos “Annales”, público em que os indivíduos disputavam
32 Idem, ibidem, p. 17; Jacob temos atualmente a visão de dois o poder, votavam, elegiam representantes
chama a atenção para o fato
de este congresso ter sido Iluminismos se desenrolando ao longo do e encontravam identidade em um organis-
organizado por marxistas
franceses.
século XVIII. De um lado o Iluminismo mo separado da identidade comunitária
intelectual dos grandes filósofos, até o proporcionada pelo parentesco Igreja e
33 Idem, ibidem, p. 222.
momento o mais trabalhado pela Estado (35).
34 Idem, ibidem, pp. 222-4. historiografia, e, de outro, o Iluminismo Além de servirem como escolas práti-
35 Idem, ibidem, pp. 179, 204. popular, não-intelectual, ainda pouco cas de governo, nas quais se aprendia a

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debater e competir dentro de regras consti- Maçonaria e Nova História
tucionais e representativas, as lojas maçô-
nicas construíam uma rede de caridade sis- Os novos rumos da história da maçona-
temática, prevendo auxílios diretos aos ir- ria assinalados acima nos convidam a re-
mãos necessitados, abrigo aos viajantes pensar a história da sociedade brasileira em
maçons de outras paragens, escolas para seu primeiro século de independência po-
crianças pobres e orfanatos para filhos e lítica. A história da maçonaria em sua di-
viúvas desamparadas. Buscava-se desse mensão social e cultural, tanto no plano
modo concretizar a utopia da fraternidade interno quanto no seu entrelaçamento com
maçônica universal (36). lojas maçônicas de diversos países, traz a
A vontade de agir fraternalmente não possibilidade de ultrapassarmos os esque-
excluía porém o reconhecimento das dis- mas empobrecedores que ora enfatizam os
tinções sociais dentro das lojas. Entre os movimentos reflexos da sociedade brasi-
tipos de auxílio aos irmãos pobres, havia leira em relação à economia internacional
em lojas holandesas do século XVIII a prá- e às idéias políticas e filosóficas “importa-
tica de se distribuir dinheiro na passagem das”, e ora realçam de tal modo a vida in-
de ano entre os maçons-servos, isto é, ser- terna do país a ponto de sua história perder
vos em lares de filiados, admitidos nas lo- qualquer vínculo com movimentos históri-
jas como irmãos, porém com a atribuição cos internacionais.
de servir aos outros irmãos durante os seus Se quisermos alcançar uma melhor com-
rituais (37). preensão da sociedade brasileira no século
Este último aspecto evidencia com ni- XIX, será preciso começar resgatando a ma-
tidez o encontro entre os dois mundos – o çonaria do seu atual estágio de invisi-
Antigo Regime e o mundo moderno emer- bilidade. Como ponto de partida para com-
gente – tal como enfatizado por Jacob. No preendermos o significado histórico da
cotidiano das lojas maçônicas misturavam- maçonaria no Brasil, devemos formular
se as culturas desses dois mundos: valores novas questões às fontes de pesquisa, a
tradicionais patriarcalistas associavam-se começar pelas razões por que tantos dos
à nova linguagem do constitucionalismo; nossos mais conhecidos personagens
e antigas tradições de caridade e amizade, filiavam-se a lojas maçônicas. O que signi-
herdadas das guildas medievais, permea- ficava ser maçom? O que se almejava com
vam organizações voluntárias de apoio isso? Que espécie de utopias se projetavam
mútuo. em seus rituais? O que se alcançava através
Mas a percepção do encontro desses dois dos laços de sociabilidade maçônica? En-
mundos no interior das lojas não nos deve fim, por que ser maçom tornou-se uma es-
levar a imaginar que se houvesse alcança- pécie de lugar-comum de quase todos aque-
do um ponto estático de convivência entre les que se empenhavam em fazer parte de
eles. A prática do constitucionalismo sig- uma elite ilustrada, fossem eles nascidos
nificava a possibilidade de novas media- em famílias abastadas, como o visconde do
ções a cada nova decisão tomada pelos Rio Branco, ou de origem humilde, como o
filiados reunidos nas lojas. Essas novas ex-escravo Luís Gama? A busca de respos-
mediações, porém, nem sempre eram tas para essas questões aponta, portanto,
alcançadas harmoniosamente, como se para a necessidade de se pesquisar a histó-
pode perceber ao longo da história de con- ria social e cultural da maçonaria. Ao mes-
flitos e cisões em lojas maçônicas. Nesse mo tempo, ao expandirmos o campo de vi-
sentido a maçonaria pode ser visualizada sibilidade da maçonaria a partir da sua com-
como uma espécie de microcosmo da soci- preensão dentro de uma história abrangente
edade moderna emergente, em que leis e da sociedade, tanto na sua vida interna quan- 36 Idem, ibidem, pp. 48, 165-7,
210-1.
sociedades são entendidas como institui- to nas suas conexões internacionais, esta-
ções humanas, sempre sujeitas a alterações remos também contribuindo para se repen- 37 Idem, ibidem, p. 165.

por vontade da maioria (38). sar a história política do Brasil. 38 Idem, ibidem, p. 47.

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