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TERESINA - PI, SETEMBRO DE 2010 Nº 25 ANO VI

ISSN 1809-0915

Edição Especial

Desenvolvimento e Meio Ambiente

Ciências Agrárias

Educação e Letras

Ciências Humanas

Ciências da Saúde

Tecnologias

Ciências da Natureza
2 TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

EDITORIAL além de trabalhos de pesquisas de docentes, muitos deles


financiados por agências de fomento à pesquisa, entre as
quais, a própria FAPEPI. No intuito de incentivar a
Nutrição. Da mesma forma, várias pesquisas voltadas
para produção de alimentos e para outros setores produ-
tivos do mercado se fazem presentes nesta primeira edi-
produção escrita de estudantes e professores, publica- ção de SAPIÊNCIA Artigos, que ora vem a público.

E
m 2004, nascia o SAPIÊNCIA, órgão de divulgação
científica, editado pela FAPEPI, uma ideia que vin- mos, também, alguns textos de opinião acerca de ques- SAPIÊNCIA Artigos representa a realização de um
gou e deu bons frutos. Neste momento, lançamos tões de interesse acadêmico, sobretudo aquelas projeto que vimos alimentando deste o lançamento do pri-
uma nova versão: SAPIÊNCIA Artigos, uma coletânea de relacionadas à educação, cultura, ética e política. meiro número de nosso informativo. Agora, no momento
textos produzidos por pesquisadores de diferentes insti- O conjunto de textos aqui apresentado resulta numa da concretização deste projeto, congratulamo-nos com
tuições acadêmicas do Estado do Piauí e de outros Esta- considerável diversidade de temas e de áreas de pesquisa, todos aqueles que contribuíram para o êxito do SAPIÊN-
dos do Nordeste. A nossa intenção é divulgar resultados abrangendo, desde as ciências da natureza, como Quí- CIA, ao longo desses seis anos de atividade ininterrupta,
de pesquisas desenvolvidas, tanto no nível de pós-gra- mica, Biologia e Física, até as ciências sociais, como An- e formulamos votos de que a versão Artigos tenha vida
duação, como no nível de iniciação científica, de modo tropologia, História, Geografia, Arqueologia, Sociologia, longa e alcance o mesmo sucesso que vem tendo o SA-
que este número de SAPIÊNCIA reúne trabalhos de alu- Educação, Economia e Administração. As ciências da PIÊNCIA, desde a sua criação.
nos bolsistas de PIBIC/CNPq, bem como trabalhos de saúde, por sua vez, comparecem com significativo nú-
conclusão de especializações, mestrados e doutorados, mero de trabalhos relativos à Medicina, Enfermagem e Acácio Salvador Véras e Silva

SUMÁRIO Aprendizagem na FAP Teresina: visão de professores e


alunos - Ana Maria C. G. Ribeiro................................ 15
A ciência do livro da natureza - Francisco das Chagas
Consumo alimentar e de álcool por estudantes de escolas
públicas - Marize Melo dos Santos............................... 29
Mente, cérebro e ressonância magnética - Eleonardo Ro-
Uso de biofertilizante de suíno na produção de hortaliças Amorim de Carvalho..................................................... 16
- Marlei Rosa dos Santos.............................................. 3 drigues..................................................................…… 30
Censura às HQs. Essa história não está no gibi - Angely Saúde mental em Picos: um projeto, uma proposta
Melhoramento genético de caprinos no estado do Piauí Costa Cruz…................………………………………..... 17
- Luiz Antônio S. F. Filho............................................. 3 - Maria R. C. Moreira................................................... 30
A mensagem do salmo: o Evangelho segundo Júlio Importância do psicólogo para pessoas com deficiência
Avanços metodológicos na avaliação genética em caprinos Romão da Silva - Elio Ferreira de Souza…………….. 18
- Natanael P. da Silva Santos........................................ 4 - Nadja Carolina de S. P. Caetano................................. 31
A cientificidade do turismo - Vicente de Paula Censi
Mercado da carne caprina e ovina na região metropo- Fatores de risco para a hepatite b entre caminhoneiros
Borges......................................................................... 19
litana de Teresina - Jean Carlos. Soares...................... 4 - Telma M. E. de Araújo................................................ 31
Comunidade Quilombola e o uso dos recursos vegetais
Insetos e ácaros associados ao cultivo da seringueira no Avaliação da promoção da saúde no Estado do Piauí
no Piauí - Fábio José Vieira...................…………...… 19
Brasil - Rodrigo Souza Santos….........................…...... 5 - José Ivo dos S. Pedrosa.............................................. 32
Volumosos de baixo valor nutritivo na alimentação de Rawls: a justiça como equidade e a justificação coeren- A bioética da proteção - Francisca Sandra C. Barreto... 32
ruminantes - Arnaud A. Alves...................................... 6 tista - Elnora M. G. Machado Lima.............……........ 20
A composição corporal e o consumo alimentar em joga-
Agricultura familiar camponesa: territórios em questão O lugar da morte: marcadores identitários nos rituais dores de futebol - Moisés Mendes da Silva................... 33
- Canrobert Costa Neto........................................……. 6 fúnebres - Jaqueline Pereira de Sousa...................…... 20
Atapulgita no Piauí: possibilidades tecnológicas
Análise das características reológicas do mesocarpo do A inserção, atuação e permanência da mulher na ca- - Cristiany Marinho Araújo...........................……......... 34
babaçu - Lívio César C. Nunes.................................... 7 poeira - Eliane, Tamara.............................................. 21
Pesquisando o setor moveleiro de Teresina - Elaine Apa- A políticas públicas estaduais de habitação: a atuação
Bárbaros de nobre sangue: índios, civilização e identi-
recida da Silva............................................................. 8 da ADH - Alcília Afonso de A. Costa............................ 34
dade no Ceará - João Paulo P. Costa.......................… 22
A flora e fauna úteis de pescadores artesanais - Rose- Aquitetura de rua - Ângela M. Napoleão Braz e Silva....... 35
Isaías caminha: uma voz do “Quilombo” desmasca-
mary da Silva Sousa.................................................... 9 rando a imprensa - Denílson Botelho.................…….. 22 Estudo do potencial eólico no litoral do Piauí - Henrique
O cultivo de tilápias tratadas em lagoas de estabiliza- do N. Camelo............................................................... 35
A competição política piauiense nas eleições de 1996,
ção - Cleto Augusto B. Monteiro.................................. 10 2000 e 2004 - Cléber de Deus….................................. 23 Vitamina e ou alfa-tocoferol? - Roberto Dimenstein...... 36
Mudanças climáticas no semiárido: sobreviveremos! A gestão compartilhada na política de inclusão social no Anilhamento de aves no alto Rio Araguaia/MT
- Eliana Morais de Abreu............................................. 11 Piauí - Roberto Alvares Rocha............………...........… 24 - Anderson Guzzi..........................................……...…. 36
Comida ou combustível? - Luís Gonzaga M. Figueiredo Musicoterapia e praticante esportivo: ritmo superando
Trabalho e economia solidária - Solimar O. Lima........ 25
Júnior.......................................................................... 11 barreiras - Nydia Cabral C. do Rego Monteiro.......…. 37
As universidades e os estudos de cidade - Antônio Cardoso
Diagnóstico geoambiental: zona costeira do Estado Contribuições reichianas para a psicossomática: o
Façanha.............................................................…..… 25
do Piauí - Agostinho Paula Brito Cavalcanti............... 12 conceito de biopatia - Périsson D. do Nascimento....... 37
Voltaire, história e clandestinidade - Leandro de Araújo Casamentos e deficiências congênitas em São Gonçalo
Educação e extensão rural - Felipe C. M. Tupinambá… 12 Sardeiro........................................................………… 26 do Piauí - Manoel Cícero R. Júnior.............................. 38
A noção de gramática nos estudos de representação
As rezadeiras do Piauí - Pedrina Nunes Araújo........... 26 Patologia do material argiloso - Paulo H. C. Fernandes..... 38
rupestre - Carlos Alberto S. Costa…...……………...… 13
O fortalecimento da TV pública no Brasil como ganho Caracterização químico-mineralógica de materiais
Aplicação do balanced scorecard em instituições de
Ensino Superior - Ângela E. de Sampaio.................... 14 democrático - Acácio Salvador Véras e Silva Júnior........ 27 arqueológicos - Luis C. D. Cavalcante......................... 39
A escola de Palo Alto e os paradoxos comunicacionais A prática gerencial de enfermagem em hospitais públicos Vertebrados do Parque Nacional da Serra das Confu-
- Camila Calado Lima ................................................. 14 - Fabrícia Cavalcante Rocha....................................... 27 sões/Piauí - Janete D. Nogueira Paranhos................... 39
Ação educativa em museus com acervos arqueológicos Segunda-feira de águas: prostituição e tradição - Maria Restingas: e quando o vizinho não é a Floresta Atlântica?
- Fabiana Comerlato…........…………………….…….... 15 das Graças Targino.....................................…............. 28 - Francisco Soares S. Filho…………........................… 40
EXPEDIENTE

Nº 25 Ano VI DIRETOR EDITORIAL EDITORA


Setembro de 2010 Acácio Salvador Véras e Silva Márcia Cristina
Roberta Rocha
ISSN - 1809-0915 CONSELHO EDITORIAL
IMPRESSÃO
Informativo produzido pela Acácio Salvador Véras e Silva Grafiset Gráfica e Editora
Francisco Laerte J. Magalhães
Fundação de Amparo à Pesquisa TIRAGEM
Wellington Lage 8 mil exemplares
do Estado do Piauí - FAPEPI REVISÃO DE TEXTO PROJETO GRÁFICO
PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL Maria do Socorro Rios Magalhães Tony Cesar (86) 8832-5057

AO LEITOR
PARA CRÍTICAS, SUGESTÕES E CONTATO:
www.fapepi.pi.gov.br - [email protected]
OU PELOS TELEFONES: (86) 3216-6090 - Fax: (86) 3216-6092
TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010 3

CIÊNCIAS AGRÁRIAS
USO DE BIOFERTILIZANTE DE SUÍNO NA PRODUÇÃO DE HORTALIÇAS
O solo agrícola é uma importante fonte de nutrientes mi- mentação esse biofertilizante apresentou as seguintes ca-

FOTOS: DIVULGAÇÃO
nerais para as plantas. No caso particular da Olericultura, os racterísticas, em g L-1: N = 22,7; P = 15,2; K = 11,0; Ca =
nutrientes disponíveis no solo são frequentemente insuficien- 17,0; Mg = 7,7; S = 3,9; C. org. = 2,1 e Na = 5,2 e, em mg
tes, devido à elevada exigência das plantas em nutrientes. L-1, Zn = 2068; Fe = 3859; Mn = 176; Cu = 1166; Cr =
Essa limitação da fertilidade natural é bem conhecida, po- 0,13; Ni = 0,21 e Cd = 0,01; pH (H2O) = 8,61; densidade =
dendo ser corrigida pela aplicação de adubos orgânicos 1,1 g cm-3 e C/N = 0,09.
e/ou minerais. A partir da década de 1970, a denominada Experimento utilizando doses de biofertilizante suíno na
agricultura orgânica começou a ser disseminada em países cultura do quiabo, cv Santa Cruz permitiu concluir que a apli-
europeus, provavelmente como uma reação compreensível, cação do biofertilizante proporcionou aumento nos teores fo-
embora extremada, ao uso indiscriminado e abusivo de de- liares de N, Ca e Mg e redução nos teores de P e S, sem perdas
fensivos e fertilizantes minerais. Nos dias de hoje, há a na produção por planta. A maior produtividade de frutos co-
preocupação em minimizar possíveis danos ecológicos, merciais do quiabeiro foi obtida na maior população de plan-
como a contaminação da água subterrânea por nitratos ou tas (35.714 plantas ha-1) e com 48 m3 ha-1 de biofertilizante
de lagoas por fosfatos. maior dose utilizado no experimento (Figura 1). A maior pro-
Os benefícios da adubação orgânica têm sido reconhe- dutividade obtida nas populações de 35.714 e 23.809 plantas
cidos, ressaltando-se que a incorporação de materiais or- ha-1 foi 31,23 t ha-1 e 21,90 t ha-1, respectivamente, ambas
gânicos, como o esterco animal, torna o solo um substrato alcançadas com a maior dose de biofertilizante aplicada (Se-
mais propício à agricultura. Melhora algumas característi- diyama et al., 2009). Tais produtividades são superiores às ob-
cas do solo que favorecem a agricultura, notadamente a ca- tidas por Oliveira et al. (2003) que avaliaram o rendimento de
quiabo, cultivar Santa Cruz, em função de doses de N, e obti-
pacidade de penetração e retenção de água; a estrutura, o
veram produção máxima estimada de 16,7 t ha- 1, obtida com
arejamento e a porosidade aumentam a vida microbiana da olericultura na microrregião do Vale do Piranga, Zona da 141 kg ha-1 de N. A produtividade média esperada do quia-
útil, inclusive com eliminação de fitopatógenos; favorece Mata Mineira”, foi aprovado pela FAPEMIG e executado na beiro é de 15 a 20 t ha-1 (SILVA et al., 2007).
a disponibilidade e a absorção de nutrientes; os solos ar- Empresa de Pesquisa Agropecuário de Minas Gerais no pe-
gilosos, pesados e compactados, tornam-se mais favorá- ríodo de 2007 a 2009.
veis; e igualmente acontece com os solos arenosos, leves O biofertilizante foi obtido após a fermentação do de-
e sem boa estrutura. jeto líquido de suíno, proveniente da lavagem das baias, a
O esterco bovino é comumente o mais utilizado como fer- fermentação foi feita anaerobicamente em caixas de fibra
tilizante nas olerícolas, por estar presente em quase todas as de vidro tampadas, por um período de 30 dias. Após a fer-
propriedades rurais. Entretanto, em consequência das ativi-
dades suinícolas desenvolvidas na região do Vale do Piranga, Marlei Rosa dos Santos – Profa. Dra. da UESPI
na Zona da Mata mineira, os dejetos líquidos de suínos são [email protected]
Maria A. N. Sediyama - Pesquisadora
resíduos orgânicos disponíveis em grandes quantidades, tor-
Dra. da Empresa de Pesquisa Agropecuária
nando-se viáveis estudos que os envolvam como fonte alter- de Minas Gerais (EPAMIG)
nativa de nutrientes, para a melhoria do sistema de produção [email protected]
e proteção do meio ambiente. O projeto de pesquisa intitulado Sanzio M. Vidigal
“Manejo e utilização de biofertilizante, proveniente da diges- Pesquisador Dr. da EPAMIG
tão anaeróbica de dejetos de suínos, para o desenvolvimento [email protected]

MELHORAMENTO GENÉTICO DE CAPRINOS NO ESTADO DO PIAUÍ


A região Nordeste se encontra em posição de destaque na as características estudadas. No que se refere à espécie ca-
criação de caprinos no Brasil, com 91,3% de todo o rebanho prina, estudos desses fatores e suas estimativas são ainda es-
caprino do país, sendo que 1.370.372 cabeças (14,6% do efe- cassos na literatura.
tivo nacional) são criados no estado do Piauí (IBGE, 2007). A Portanto, o conhecimento e o controle do crescimento e de-
caprinocultura nordestina tem grande importância para agricul- senvolvimento dos ruminantes são tópicos de bastante interesse
tura familiar, além de ser fonte de renda através da comercia- para os pesquisadores, pois o seu domínio permite que programas
lização de subprodutos, como carne, couro e leite. Contudo, de seleção animal sejam elaborados para as características de
ainda, apresenta índices zootécnicos baixos, principalmente crescimento inerentes a cada raça.
pela pouca utilização de um aporte tecnológico eficiente e com- Para tanto, um grupo de pesquisadores da Universidade
patível com as características socioeconômicas da região, ne- Federal do Piauí vem realizando registros de informações
cessitando de mudanças culturais importantes, especialmente zootécnicas para o desenvolvimento de diversas pesquisas,
no setor produtivo. dentre elas encontra-se o estudo da curva de crescimento de
O aumento dos rebanhos precisa ser amparado por pro- caprinos Anglonubianos, raça de destaque em criatórios
gramas de Genética, Melhoramento Animal e Biotecnologia, piauienses, bem como a influência de fatores genéticos e não
que são básicos para a produção, seleção e multiplicação rá- genéticos, no crescimento desses animais, podendo-se promo-
pida de animais de elite (SOUSA, 2004). Inseridos nesses ver mudanças genéticas consideráveis no rebanho através de
programas, estão os estudos relacionados ao crescimento dos veis biologicamente (OLIVEIRA et al., 2000). O uso da mode- ferramentas como a seleção e os cruzamentos, e por conse-
animais de corte que proporcionam subsídios para a seleção lagem no melhoramento genético animal permite a estimação quência na cadeia produtiva.
pela precocidade, ganho de peso, entre outras características dos parâmetros para as curvas de crescimento e a identificação Com isso, os programas de melhoramento genético ani-
de interesse econômico. dos animais mais apropriados economicamente, possibilitando mal vêm progredindo com a utili-
Dentre as características usadas para mensurar o processo a descrição e a predição do crescimento e da maturidade do ani- zação de métodos de avaliações
do crescimento, temos o peso dos animais, que é utilizado na mal, bem como as inferências baseadas na interpretação dos genéticas utilizados nos processos
descrição da curva de crescimento do animal, na maioria sig- parâmetros dessas curvas. de seleção e cruzamentos, o que
moidal, que relaciona peso à idade, fornecendo, consequente- No entanto, para que planos de melhoramento possam ser promove mudanças genéticas con-
mente, informações do desenvolvimento do animal em todas as avaliados e definidos, é indispensável que se conheça as fon- sideráveis no rebanho e por con-
fases da vida. tes de variação não genéticas, para que se possa eliminar as sequência na cadeia produtiva.
Geralmente, estudam-se curvas de crescimento por meio diferenças causadas pelo meio, permitindo a identificação
do ajuste de funções não-lineares, pois, dessa maneira, é pos- dos animais geneticamente superiores para as características Luiz Antônio Silva F. Filho
sível sintetizar informações de todo o período de vida dos ani- de crescimento. Além disso, é necessário também um estudo Mestrando em Ciência
mais, ou seja, um conjunto de informações em série de peso da interferência genética, a fim de verificar se a ação gené- Animal da UFPI
por idade, em um pequeno conjunto de parâmetros interpretá- tica tem efeito aditivo e, ainda, se existem correlações entre [email protected]
4 TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

AVANÇOS METODOLÓGICOS NA AVALIAÇÃO GENÉTICA EM CAPRINOS


A Região Nordeste é a maior produtora de caprinos do país, a inclusão de fatores importantes, como a raça, o sexo, o ma- siana para a estimação de componentes de variância. Diversos
mas apresenta índices zootécnicos baixos, principalmente em nejo e a origem dos dados. autores demonstram que a inferência bayesiana é uma alternativa
razão da não utilização de tecnologias compatíveis com as con- Para que estes componentes tenham estimativas fidedignas, de grande flexibilidade tanto em relação aos modelos que podem
dições de ambiente e manejo na região, visto que estão presen- de alta precisão e acurácia, os estimadores devem apresentar as ser utilizados nas análises, quanto às inferências que podem ser
tes na maioria dos rebanhos, condições ambientais adversas ao seguintes propriedades: (1) não vício, tal que a esperança mate- realizadas a partir dos resultados, com menor custo computacio-
bom desenvolvimento dos animais. Dessa forma, o conheci- mática do estimador seja o próprio parâmetro; (2) consistência, nal, podendo ser utilizado um grande ou pequeno número de
mento dos fatores que interferem direta ou indiretamente nestes tal que, com o aumento do tamanho da amostra, a esperança do dados, fato muito observado nos rebanhos caprinos da região.
índices pode auxiliar na melhoria da eficiência produtiva e re- estimador convirja para o parâmetro e a variância do estimador O uso de características múltiplas em conjunção com a matriz
produtiva dos rebanhos. convirja para zero. O aumento da acurácia de uma estimativa de parentesco dos animais aumenta a acurácia dessas estimativas,
Em termos de avaliação genética, a caprinocultura tem re- está relacionado com o aumento do tamanho da amostra; (3) pois elas utilizam melhor as informações sobre características cor-
cebido pouca atenção da pesquisa no País, notadamente quanto eficiência tal que o estimador apresente variância mínima; (4) relacionadas e reduzem ou eliminam vícios das estimativas cau-
ao comportamento genético dos fatores a ela relacionados e suficiência, tal que o estimador condense ao máximo possível sados pela seleção. O uso das informações de parentesco dos
também quanto à adoção de metodologias com mais recursos a informação contida na amostra e não seja função (depen- animais, também constitui um entrave na avaliação genética dos
técnicos. No tocante às metodologias utilizadas, considera-se dente) do parâmetro; (5) completitude, que está ligada à uni- caprinos visto que os caprinocultores, em sua maioria, não têm o
que a limitação de dados disponíveis, em razão da desvaloriza- cidade do estimador; (6) invariância à translação, tal que a hábito de guardar estas informações.
ção dada à avaliação genética pelo produtor, por razões diver- estimação dos componentes de variância não seja afetada por Uma das principais características da metodologia Baye-
sas, dentre elas o desconhecimento tecnológico, seja a mais mudanças nos efeitos fixos. siana, que a diferencia da clássica, é a abordagem no momento
forte das dificuldades encontradas para obtenção dos parâme- Nas duas últimas décadas, com o incremento da tecnologia de se fazer inferência estatística sobre os parâmetros, a partir de
tros genéticos do rebanho. de computação, vem crescendo o interesse por métodos mais so- uma amostra. Nos procedimentos frequentistas, assume-se que os
O melhoramento genético animal pode ser entendido como fisticados e eficientes na obtenção de estimativas de componentes parâmetros do modelo probabilístico são valores fixos ou cons-
um conjunto de processos seletivos e de direcionamento dos aca- de variância. O método de máxima verossimilhança restrita tantes, embora desconhecidos, podendo existir vários estimado-
salamentos, cujo objetivo é aumentar a frequência dos genes de (REML) tornou-se o método mais utilizado na estimação de com- res. Na técnica Bayesiana, todavia, os parâmetros são vistos como
efeitos desejáveis ou das combinações genéticas boas em uma ponentes de variância no melhoramento animal, adotando a me- variáveis aleatórias, existindo, a princípio, um único estimador,
população, com a finalidade de aperfeiçoar a capacidade de pro- todologia conhecida por Melhor Predição Linear Não-Viesada o qual conduz a estimativas que maximizam uma função densi-
dução dos animais que apresentam interesse econômico para o (BLUP) do mérito genético. Os Procedimentos BLUP incorporam dade de probabilidade “a posteriori”.
homem em um dado ambiente. Dessa forma, o avanço genético toda informação disponível na predição de uma Diferença Espe- Outro ponto marcante é o fato de no contexto bayesiano não
somente pode ser alcançado a partir do momento em que existam rada de Progênie (DEP) individual. existir “viés”, uma vez que repetições de um experimento não
as seguintes condições: variabilidade genética; o efeito ambiental O método de máxima verossimilhança restrita (REML) tem são consideradas. Com relação à categorização dos efeitos, a
não mascare por completo esta variabilidade; a seleção e a com- sido preferido pelos pesquisadores, por permitir a inclusão das princípio, todos são considerados aleatórios, tornando inócua a
binação de genótipos superiores possam ser realizadas para o es- informações da matriz de parentesco e proporcionar, em geral, denominação de modelos mistos. No entanto, essa distinção re-
tabelecimento da próxima geração. estimativas menos viciadas que os métodos antecessores (Aná- querida na genética quantitativa, é providenciada pela atribuição
Trabalhos relacionados à seleção de caprinos baseados no lise de Variância - ANOVA, Métodos I, II e III de Henderson, de “prioris” distintas entre os efeitos ditos “fixos” e “aleatórios”.
mérito genético de cada animal ainda são escassos na literatura Máxima Verossimilhança – ML, Método de Estimação Quadrá- Assim, vê-se a necessidade de estudos aprofundados, com o
nacional. Diferentemente, em diversas outras espécies, a seleção tica não-Viesada de Norma Mínima – MIVQUE), quando os uso de metodologias que propiciem maior acurácia dos valores
de animais com base no seu valor genético, tem sido praticada dados são provenientes de rebanhos sob seleção baseada na ca-
dos efeitos genéticos e também dos
com sucesso. Exemplo marcante é observado em bovinos, em que racterística estudada ou em alguma característica correlacionada.
efeitos ambientais, que influenciam
os animais são selecionados por características de importância Entretanto, os resultados da estimação de componentes de va-
características produtivas e reprodu-
econômica e são usados como reprodutores na geração seguinte, riância por este método, assim como em todos os métodos fre-
alterando-se a constituição genética do rebanho, obtendo-se assim tivas no imenso contingente caprino
quentistas de estimação, são pontuais e não permitem que outras
um incremento na produtividade. inferências, além daquelas proporcionadas pelo valor da estima- existente na nossa região para o in-
Os componentes de variância, importantes na predição do tiva e de sua variância sejam feitas. Além disto, o custo compu- cremento da caprinocultura, visto o
mérito genético dos indivíduos, têm sido estimados por dife- tacional cresce exponencialmente com o número de componentes crescente valor que está sendo des-
rentes métodos que evoluem à medida que novas teorias e estimados em cada análise, tornando praticamente inviável a sua tinado à atividade no Estado.
novas técnicas computacionais são desenvolvidas. O método utilização em análises que envolvam mais de três características,
Natanael P. da Silva Santos
de estimação pode ser um fator importante na obtenção dos pa- quando o número de dados é grande. Engº. Agrº. Mestrando em
râmetros genéticos, juntamente com o estabelecimento de um Tendo em vista as limitações dos métodos frequentistas, Ciência Animal/UFPI
modelo matemático que descreva corretamente os dados e com tem-se verificado o desenvolvimento de uma concepção baye- [email protected]

MERCADO DA CARNE CAPRINA E OVINA NA REGIÃO METROPOLITANA DE TERESINA


O Piauí se distingue dos demais Estados pela distribuição damente a 90% dos estabelecimentos que comercializam e con- tado indica que as carnes de caprino e de ovino são consideradas
dos rebanhos por toda a sua extensão territorial, sendo o detentor somem carne caprina e ovina, de acordo com as seguintes va- produtos de finais de semana (SEBRAE-RN, 2001).
do terceiro maior rebanho de caprinos e ovinos do Nordeste. riáveis: sexo do animal, idade e sazonalidade de demanda.
Contudo, o consumo das carnes de caprinos e ovinos em Teresina CONCLUSÕES
é ainda classificado como baixo em decorrência da baixa quali- RESULTADOS E DISCUSSÃO O município de Teresina-PI se apresenta como um grande cen-
dade do produto ofertado. (SILVA & PIRES, 2000) relataram Pode-se indicar, com base nos resultados, que a partir das en- tro consumidor de carne caprina e ovina do Estado, pelo fluxo e
que a variabilidade dos caracteres qualitativos e quantitativos que trevistas realizadas com os comerciantes, consumidores dentro dos canais de comercialização. Há maior prevalência de comercia-
definem os diferentes tipos de carcaças comercializadas não estabelecimentos pesquisados, gestores de bares e restaurantes, lização e consumo da carne caprina e ovina aos sábados e do-
constitui inconveniente para a comercialização, por oferecer ao sobre o comércio da carne caprina e ovina, que os “atravessadores” mingos. Há necessidade de qualificação de mão-de-obra,
mercado carcaças diferentes, que podem satisfazer as mais va- geralmente repassam os animais para feiras, açougues e vendem à orientação sobre as raças e espécies de animais aqui comercia-
riadas preferências da demanda. Entretanto, os consumidores tra- população em geral. No tocante a bares e restaurantes, geralmente, lizadas, maior divulgação da importância do consumo de carne
dicionais apreciadores da carne caprina e ovina, começam a cada um tem seu próprio fornecedor. caprina e ovina, não só nos fins de semana e, principalmente,
tomar conhecimento das qualidades nutricionais desse produto, O mercado não possui exigência quanto à idade, visto que fornecimento à so-
aumentando sua procura no mercado (SEBRAE-PI, 2003). Com 43% dizem não ter preferência pela idade, 23% preferem animais ciedade um produto
esse trabalho, objetiva-se descrever características da organiza- com menos de 1 ano, 30% preferem de 1 a 2 anos e apenas 3% que venha garantir
ção da estrutura de mercado da carne caprina e ovina na região preferem com mais de 2 anos. uma alimentação
metropolitana de Teresina. Quanto ao sexo, observou-se que 76% declararam comercia- saudável, desde a
lizar caprino e ovino independente do sexo, 9% preferem o “macho chegada do animal
MATERIAL E MÉTODOS inteiro” e outros 6% “macho castrado”, enquanto que apenas 10% ao abatedouro até a
A coleta de dados foi realizada na cidade de Teresina, ca- revelaram preferência pela fêmea. mesa do consumidor.
pital do Piauí. As entrevistas foram estruturadas segundo Sa- Buscou-se ainda levantar o período de maior demanda de
mara & Barros (1997) e aplicadas a gestores de restaurantes, carne caprina e ovina, de acordo com a comercialização. Obser-
Jean Carlos Soares – Zootecnista e Mestrando
donos de açougues de mercados públicos, feiras livres, pontos vou-se que 46% declaram que há uma predileção em consumo nos em Ciência Animal na UFPI - [email protected]
fixos, distribuídos em quatro zonas (Norte, Sul, Leste e Su- dias de sábado, 34% preferem no domingo, indicando esses como Marcos Jacob de O. Almeida – Analista na
deste) englobando vários bairros, correspondendo aproxima- dias importantes para consumo e comercialização. O fato repor- EMBRAPA Meio Norte, Doutor em Zootecnia
TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010 5

INSETOS E ÁCAROS ASSOCIADOS AO CULTIVO DA SERINGUEIRA NO BRASIL


O gênero Hevea pertence à família Euphorbiaceae que
compreende outros gêneros importantes de cultu-
ras tropicais, tais como Ricinus (mamona) e
Manihot (mandioca). Este gênero tem
como área de ocorrência a Amazônia
brasileira, bem como Bolívia, Colôm-
bia, Peru, Venezuela, Equador, Suri-
name e Guiana. Dentre as espécies de
seringueira, a originária do Brasil,
Hevea brasiliensis, é a que possui a
maior capacidade reprodutiva, maior
variabilidade genética e maior produ-
tividade de látex.
Hevea brasiliensis é uma planta de
ciclo perene, de origem tropical, cultivada e
utilizada de modo extrativista, com a finalidade de
produção de borracha natural. A partir da saída de seu habi-
tat, passou a ser cultivada em grandes monocultivos, princi-
palmente nos países asiáticos. No Brasil, seu cultivo obteve tera: Thripidae);
grande sucesso nas regiões Sudeste, Centro-Oeste, na Bahia, hemípteros: Aleurodicus coc-
Espírito Santos e no oeste do Paraná. A seringueira é uma cois e Aleurodicus pulvinatus (Hemiptera:
planta semidecídua, heliófita, característica da floresta Ama-

FOTOS: DIVULGAÇÃO
Aleyrodidae); cochonilhas: Pinaspis sp., Aspidiotus des-
zônica nas margens de rios e lugares inundáveis da mata de tructor, Selenaspidus articulatus (Hemiptera: Diaspididae),
terra firme. Ocorre preferencialmente em solos argilosos e Saissetia coffeae, Saissetia oleae, Parasaissetia nigra (He-
férteis na margem de rios e várzeas. miptera: Coccidae) e o percevejo Leptopharsa heveae (He-
Atualmente os países asiáticos Tailândia, Indonésia, Ma- miptera: Tingidae).
lásia, China e Vietnã são os principais produtores mundiais O percevejo-de-renda ou mosca-de-renda da seringueira,
de borracha natural, respondendo por cerca de 90% do total. Leptopharsa heveae é o principal inseto-praga da cultura. O
O Brasil ocupa apenas o nono lugar na produção mundial, cor- ataque em altas infestações provoca uma redução de 28% no
respondendo a aproximadamente 1,4% do total. Em âmbito crescimento em altura e de 44,5% no diâmetro do colo das
nacional, os estados de São Paulo, Mato Grosso, Bahia e Es- plantas, em mudas, podendo ocasionar queda na produção de
pírito Santo são os principais produtores, sendo São Paulo látex em até 30%. Em São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso
responsável pela maior parcela da produção nacional, o que do Sul, Minas Gerais, Bahia e Goiás, regiões de escape da
lhe confere a condição de principal produtor de borracha na- doença conhecida como “mal-das-folhas”, causada pelo
tural do país. fungo Microcyclus ulei, o percevejo-de-renda torna-se ainda
Com a utiliza- mais importante,
ção do cultivo da pois sua ação
seringueira em sis- ocasiona a senes- 600; sendo eles: Ce-
tema de monocul- cência precoce raeochrysa, Chrysoperla, No-
tura, ocorre um ou a queda anor- dita, Chrysopodes e Plesiochrysa. Foram observados
favorecimento à crisopídeos em seringueira no município de Buritama, SP, re-
mal das folhas.
adaptação de inse- lacionados com surtos do percevejo-de-renda, predando tanto
Deste modo, a
tos que se tornam ninfas como adultos do percevejo-de-renda.
seringueira re-
problema, interfe- No Brasil, já foram observados ovos de tingídeos parasi-
nova a folhagem
rindo na fisiologia tados por micro-himenópteros do gênero Erythmelus (Chalci-
em períodos
da planta e redu- doidea: Mymaridae). O pesquisador Valmir Antonio Costa
zindo a produção de quentes e úmi-
dos, favoráveis (APTA/Instituto Biológico, Campinas, SP) e colaboradores
látex. Um número observaram um parasitismo de 7% em ovos de Leptopharsa
considerável de in- ao surgimento da
doença heveae, coleados em folhas do clone PB 235 em Pindorama,
setos e ácaros está SP parasitados pelo parasitoide Erythmelus tingitiphagus.
associado à serin- O controle
Estudos desta natureza também foram realizados pelo
gueira, e uma par- químico dessa
autor, em talhões de seringueira dos clones RRIM 600, PR
cela deles se praga tem ofere-
255, PB 217, PB 235 e GT 1, na fazenda da empresa “Planta-
destaca como pragas, pela frequência e níveis de infestação cido resultados ções Edouard Michelin Ltda.”, município de Itiquira, MT. No
em que ocorrem. satisfatórios, mas o elevado número de pulverizações reque- ensaio realizado em talhão policlonal (sem aplicação de pro-
Dentre as principais espécies de ácaros fitófagos encon- ridas para seu controle e o alto custo destas têm induzido os dutos fitossanitários desde dezembro de 2002), foi observada
trados na cultura da seringueira estão: Oligonychus gossypii, produtores a abandonarem os seringais após o esgotamento uma porcentagem média de parasitismo de 18,8% por Eryth-
Eutetranychus banksi, Tetranychus sp. (Acari, Tetranychidae), destes. Já o controle biológico tem sido utilizado através melus tingitiphagus em condições naturais. Em outro ensaio
Calacarus heveae, Phyllocoptruta seringueirae, Shevtchen- do uso do fungo Sporothrix insectorum, em diversos locais em talhões que sofrem pulverizações periódicas, foi obser-
kella petiolula (Acari, Eriophyidae), Brevipalpus phoenicis e do Brasil. Em surtos ocorridos no Centro Nacional de Pes- vada uma porcentagem média de parasitismo de 24,2% para
Tenuipalpus heveae (Acari, Tenuipalpidae. quisas da Seringueira e Dendê em Manaus, foi utilizado os mesmos clones. Neste sentido, este parasitóide de ovos
Os insetos que apresentam importância econômica na he- este micro-organismo, atingindo o percentual de controle mostra-se um promissor agente de controle biológico, com
veicultura brasileira são as espécies: Agrotis subterranea, de 93% das ninfas e 76% dos adultos em árvores com alto potencial para ser utilizado em estratégias de manejo in-
Spodoptera frugiperda (Lepidoptera: Noctuidae), Erinnyis copas mais densas. Entretanto, sua eficiência está direta- tegrado do percevejo-de-renda em
ello, Erinnyis alope (Lepidoptera: Sphingidae) e Premolis se- mente ligada ao clima, variando de 25,5% a 93,5% do pe- seringais de cultivo, diminuindo o
mirufa (Lepidoptera: Arctiidae); ortópteros: Gryllus assimilis ríodo mais seco ao mais úmido, respectivamente, uso de produtos fitossanitários e
(Orthoptera: Gryllidae) e Neocurtila hexadactila (Orthop- apresentando, portanto, baixo índice de parasitismo e efi- os riscos de contaminação am-
tera: Gryllotalpidae); cupim: Coptotermes testaceus (Isop- ciência em períodos de umidade relativa baixa. biental. No entanto, deve-se esti-
tera: Rhinotermitidae); besouros: Platypus mattai Os crisopídeos (Neuroptera: Chrysopidae) também figu- mular a realização de estudos de
(Coleoptera: Platypodidae), Xyleborus confusus, Hipothemes ram entre os inimigos naturais do percevejo-de-renda. Esses criação em massa deste inseto em
sp. (Coleoptera: Scotylidae), Malacopterus tenellus e Achry- predadores se alimentam de grande variedade de insetos su- laboratório e liberação em campo.
son surinamum (Coleoptera: Cerambycidae); formigas: Atta gadores de seiva (pulgões, cochonilhas e psilídeos), ácaros,
Rodrigo Souza Santos
sexdens, Atta cephalotes, Atta laevigata e Acromyrmex sp. tripes, ovos e lagartas de lepidópteros e pequenos hemípteros Bolsista de Pós-Doutorado na
(Hymenoptera: Formicidae); tripes: Actinothrips bondari, (Tingidae). Em Ibitinga, SP, foram observados diferentes gê- Embrapa do Amapá
Anactinothrips distinguendus e Scirtothrips sp. (Thysanop- neros de crisopídeos na cultura da seringueira, no clone RRIM [email protected]
6 TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

VOLUMOSOS DE BAIXO VALOR NUTRITIVO NA ALIMENTAÇÃO DE RUMINANTES


A necessidade do atendimento às demandas por alimentos da matéria seca e de constituintes da parede celular. liado o feno de restolho da cultura do milho (FRCM) obtido
para a população humana impõe aos sistemas de produção ani- As principais vantagens do uso de uréia no tratamento de sob diferentes níveis de adubação nitrogenada (40, 120 e 200
mal maior produtividade, para o que se faz necessário o for- volumosos de baixa qualidade são a fácil aplicação; não polui kg de N/ha), não tratado e amonizado com 3% de uréia na ma-
necimento de alimentos de alto valor nutritivo, o que tem o meio ambiente; fornece nitrogênio não protéico (NNP); pro- téria seca. O feno de restolho da cultura do milho não tratado
provocado a inclusão de elevada proporção de grãos nas dietas voca decréscimo na proporção de parede celular, por quebra de apresentou, em média, 5,2±0,75% de proteína bruta,
de ruminantes. Este fato reflete em aumento da competitivi- ligações ésteres entre moléculas do complexo lignocelulose e 62,9±1,27% de fibra em detergente neutro (FDN) e
dade por alimento entre seres humanos e animais, uma vez que de outros carboidratos, provoca solubilização da hemicelulose; 35,4±0,79% de fibra em detergente ácido (FDA) e, em % do
um terço dos grãos produzidos no mundo é disponibilizado aumenta a digestibilidade; e ainda conserva as forragens com nitrogênio total, 18,5±1,81% de nitrogênio insolúvel em deter-
para a alimentação animal, gerando competitividade com a ali- elevado teor de umidade. gente ácido (NIDA). A amonização com 3% de uréia resultou
mentação humana. A amonização consiste em dois processos, ureólise, uma em 86% de aumento no teor de proteína bruta em relação ao
Além disso, na região Nordeste do Brasil ocorrem pro- reação enzimática que, na presença de uréase, produzida por feno não tratado, justificável pela adição de NNP na forma de
longados períodos de estiagem e irregular distribuição de bactérias ureolíticas, sob condições ideais de umidade, libera hidróxido de amônia (NH4OH), podendo este composto ser uti-
chuvas, o que provoca sazonalidade na produção de forra- a amônia da molécula de ureia e gera efeitos na parede celular lizado como substrato para crescimento da população micro-
gem, levando também à produção estacional dos rebanhos. da forragem; e, hidrólise alcalina, resultante da reação do hi- biana do rúmen. Verificou-se ainda solubilização dos
Dessa forma, uma alternativa para contornar estes problemas dróxido de amônia, uma base fraca formada por reação da uréia constituintes da parede celular, uma vez que os teores de FDN
é priorizar a utilização de alimentos volumosos e, preferen- com água e ligações ésteres entre os carboidratos estruturais. e FDA reduziram 9,5 e 7,7%, respectivamente.
cialmente, alimentos alternativos na alimentação de ruminan- As recomendações quanto à quantidade de uréia para tra- A degradação ruminal in situ da matéria seca, proteína
tes, visando suprir parte das exigências nutricionais de tamento da forragem variam muito, em função do material bruta e FDN foi 48,7±17,2; 56,5±13,3; 33,6±23,4%, respec-
mantença dos rebanhos. Dentre estes, destaca-se alternativas tratado e das condições ambientais. Algumas pesquisas re- tivamente. A degradação da proteína bruta aumentou 33,3%
que reflitam na diminuição dos custos de produção, como a sultaram em maior eficiência do tratamento quando do uso com a amonização, indicando maior disponibilidade da pro-
utilização de gramíneas em idade avançada, resíduos do be- de 3 a 8% de ureia na MS em volumosos com 30% de umi- teína bruta, tanto por adição de NNP, quanto pela redução
neficiamento da cana-de-açúcar, palhadas, restolhos de cul- dade. Neste tratamento, a uréia é dissolvida em água e asper- de 93,5% no teor de nitrogênio associado ao complexo lig-
turas agrícolas e resíduos do beneficiamento de grãos de gida sobre o material a ser tratado e, posteriormente, este é nocelulose (NIDA). A degradação da FDN aumentou 14,4%
culturas anuais, como o milho, a soja e o arroz. armazenado em ambiente hermeticamente fechado, com au- com a amonização em relação ao FRCM não amonizado, o
O milho é o principal cereal cultivado no Brasil e, segundo xílio de lona plástica, evitando-se a liberação da amônia que pode ser explicado ação da amônia sobre os constituin-
a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), em 2009, (NH3). O tempo de armazenamento sob tratamento é de até tes da parede celular.
foram cultivados quase 3 milhões de hectares com esta cultura 35 dias, e é inversamente proporcional à dose de uréia apli- Considerando a disponibilidade de restolho da cultura do
agrícola, o que resulta em disponibilidade de grande quanti- cada. A temperatura também influencia no tratamento de vo- milho no estado do Piauí, principalmente na agricultura fami-
dade de palhada e restolho. Considera-se restolho a parte aérea lumosos com ureia, verificando-se reações quase imediatas liar, se justifica a adoção da associação das técnicas de fenação
da planta de milho sem as espigas, a qual difere da palhada por em ambientes com temperatura mais elevada (34 a 35°C), es- e amonização deste volumoso para superação dos déficits nu-
ser colhido antes da secagem natural a campo. Este volumoso tando esta diretamente relacionada com a dose de ureia e tricionais dos rebanhos ruminantes nos períodos de estiagem.
se mostra promissor para a alimentação de ruminantes, devido com a umidade do material. Ainda quanto à interação dos fa- Esta conclusão se justifica pelos efeitos significativos da amo-
35 a 45% do nitrogênio retido pela planta ser translocado à tores, o aumento do período de amonização de forragens nização com 3% de uréia sobre os teores de proteína bruta e
parte aérea; ao potencial energético pela proporção de parede pode não trazer benefícios em termos de elevação do con- dos constituintes fibrosos do FRCM e incremento da degrada-
celular utilizável pelos ruminantes; além da possibilidade de teúdo de nitrogênio. Assim, é recomendado o mínimo de 15 ção in situ da proteína e FDN.
adoção de técnicas para conservação deste resíduo de cultura dias de armazenamento em regiões de temperatura elevada e
por técnicas de ensilagem ou fenação. 30 dias sob temperatura amena. Quanto pior o valor nutritivo
Contudo, resíduos agrícolas, em geral, apresentam baixo da forragem tratada, mais evidentes serão os resultados da
valor nutritivo, devido à lignificação da parede celular, corres- amonização sobre os constituintes da parede celular e degra-
pondendo a cerca de 70 a 80% da matéria seca e baixo teor de dabilidade da matéria seca.
proteína bruta, com degradabilidade da matéria seca bastante O Grupo de Pesquisa e Difusão Tecnológica em Nutrição
reduzida. Estes fatores podem ser melhorados, a partir de pes- de Ruminantes do Departamento de Zootecnia da Universidade
quisas para avaliação de tecnologias simples e adequadas, Federal do Piauí, cadastrado no Conselho Nacional de Desen-
como a amonização com ureia. volvimento Científico e Tecnológico (CNPq), tem desenvol-
A amonização de alimentos volumosos fibrosos consiste vido vários trabalhos quanto à utilização de alimentos
do tratamento químico com ureia ou amônia anidra sob condi- alternativos para ruminantes. Em especial, com alimentos dis-
ções ideais de temperatura, umidade, quantidade aplicada (em poníveis na região Nordeste com potencial para redução dos
% da matéria seca) e qualidade da forragem. As pesquisas custos de produção de dietas, como vagens de leguminosas tro- Arnaud A. Alves – Prof. Dr. da UFPI
sobre tratamento químico de resíduos da cultura do milho no picais, resíduos da agroindústria, e mais recentemente, com vo- [email protected]
Brasil são recentes, com resultados satisfatórios, quanto ao au- lumosos de baixa qualidade, como fenos de gramíneas em Miguel Arcanjo M. Filho - Doutorando em Ciência
mento do teor e retenção de nitrogênio, à redução dos consti- idade avançada e resíduos de culturas anuais. Em Pesquisa de Animal na UFPI
tuintes da parede celular e ao incremento da degradabilidade Dissertação do Mestrado em Ciência Animal da UFPI, foi ava- [email protected]

AGRICULTURA FAMILIAR CAMPONESA: TERRITÓRIOS EM QUESTÃO


Este artigo parte da definição teórica segundo a qual biental. Neste sentido, percebemos os territórios campo- tais como: diaristas camponeses, sem-terra, trabalhando
camponeses não são apenas aqueles que possuem pro- neses contemporâneos como redes intercomunicáveis assalariadamente para camponeses proprietários e vivendo
priedade jurídica sobre uma pequena extensão de terra. (Haesbaert, R, 2007. Concepções de território para enten- em terras cedidas por latifundiário; meeiros camponeses,
Ao contrário, trabalhadores sem-terra que produzem der a desterritorialização. In: Santos, M. e Becker, B K. sem-terra, cultivando terra de camponeses proprietários e
para si mesmos, em regime de subsistência e para os Território, territórios, ensaios sobre ordenamento territo- vivendo na terra destes proprietários; diaristas campone-
donos legais de terras, na condição de meeiros, sob con- rial. Lamparina Rio de Janeiro. p.43-71), para além das ses, com-terra, trabalhando assalariadamente para campo-
trato de parceria, ou através da venda pura e simples da cercas das propriedades jurídico-legais. neses proprietários, com relação de parentesco entre eles
força de trabalho, sob a designação de diarista (ou “com- Tomando como ponto de partida esta caracterização e vivendo em sua própria terra etc.
panheiro”), também podem ser considerados campone- teórica, consideramos possível assinalar que os territórios Sugerimos, portanto, que as relações sociais nos mundos
ses, desde que vivam na (e da) terra e detenham, por isso camponeses passam atualmente por transformações em territoriais rurais estão postas em questão, já que somente
mesmo, conhecimentos ou saberes necessários à reali- suas dinâmicas sociais. No campo brasileiro, convivem as tradicionais relações territoriais entre latifundiários, pe-
zação dos ciclos de produção, do cultivo à colheita latifundiários e famílias camponesas. Estabelece-se, ali, quenos proprietários camponeses
agrícola e/ou das fases em que se estrutura a pecuária uma relação mediada pelos diversos grupos de campone- e não proprietários agrários não
leiteira e de corte e da relação com a extração/preser- ses, entre eles e deles com a terra, dando sentido à orga- são suficientes para identificar e
vação de recursos naturais, além de estabelecerem, nização social de cada família e das formas de produção permitir avaliações acerca das
entre si, laços de reciprocidade sociocultural. e/ou geração de renda. atuais conformações socioespa-
Por isso, em termos teóricos, os territórios, constituí- Atualmente, estamos realizando uma pesquisa sobre a ciais rurais, em torno das comuni-
dos por agricultores familiares camponeses “com-terra” comunidade dos “agricultores do Pontão”, na Zona da Mata dades camponesas.
e “sem-terra” (costa Neto, C. 2007. Diversidade social e de Minas Gerais. Nela, entrevistamos e convivemos, durante
tecnológica em unidades de produção familiar. In: LIMA, algum tempo, com oito famílias camponesas: seis famílias Canrobert Costa Neto
E. et alli. Mundo Rural IV. Configurações rural-urbanas: de proprietários de terra e duas de não proprietários. A Prof. Dr. da Universidade
poderes e políticas. Rio de Janeiro: Edur/UFRRJ, p. 261- complexidade da estruturação territorial resultante da in- Federal Rural do Rio de Janeiro
271), apresentam grande diversidade sociocultural, am- tensa relação entre estas famílias apontou para situações, [email protected]
TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010 7

ANÁLISE DAS CARACTERÍSTICAS REOLÓGICAS DO MESOCARPO DO BABAÇU


INTRODUÇÃO GRANULOMETRIA (%) ÂNGULO DE REPOUSO (°) TEMPO DE ESCOAMENTO (S)
O Brasil possui a maior biodiversidade do mundo, es-
timada em cerca de 20% do número total de espécies do
planeta. Na floresta de mata seca da Amazônia oriental, N°.20 N°.40 N°.60 N°.80 N°.120 Resíduo
principalmente no Maranhão, destacam-se os babaçuais Amostra 1 0,49 28,03 22,15 16,32 11,41 21,6 27,166° ∞
ou cocais de Orbignya spp, que é uma das palmeiras bra-
sileiras mais importantes. Estima-se que potencial produ- Amostra 2 0,00 1,80 10,49 11,60 8,62 67,49 29,245° ∞
tivo dos babaçuais esteja em 15 milhões t/ano, sendo
realmente aproveitados somente 30% do estimado, com Amostra 3 0,09 1,06 15,14 20,08 18,26 45,37 26,587 ∞
grande importância econômica regional. O mesocarpo da
fruta é rico em carboidratos e sais minerais e possui ati- Amostra 4 9,48 64,38 22,89 2,71 0,36 0,18 32,76° ∞
vidades anti-inflamatórias. Um bom potencial é demons-
trado na área alimentícia, com a utilização do mesocarpo
FONTE: Laboratório de Tecnologia Farmacêutica, PIBIC e PIBITI, 2010.1.
do babaçu como farinha de baixo teor calórico, podendo
se tornar uma alternativa para dietas de emagrecimento e
uma alimentação saudável. O fruto do babaçu tem
potencial em indústria de cosméticos, obtenção de
óleo comestível, margarinas, saboarias, velas, car-
vão, etanol, furfural, ácido acético, metanol, alca-
trão, celulose, papel e álcool anidro; em escala
industrial, principalmente o carvão e o óleo têm
sido produzidos, porém seu potencial para o setor
alimentício, com o pó do mesocarpo do fruto, vem
crescendo rapidamente.
Durante a produção industrial de pós, a avaliação
da distribuição de tamanho das partículas é bastante
importante, já que afeta vários processos e parâme-
tros, como compressão, mistura, fluxo das partículas,
etc. As propriedades de fluxo do material também in-
fluenciam operações industriais envolvidas no proces-
samento do produto.
Com base no exposto acima, ressaltando seu uso
popular, sua importância regional e seu crescente
uso na indústria alimentícia, o presente trabalho visa
avaliar as características reológicas granulométricas
do pó do mesocarpo de babaçu, fornecendo dados
importantes para seu processamento industrial.

METODOLOGIA
Foram analisadas três amostras coletadas em di-
ferentes regiões do Nordeste com o fruto no estado
maduro. A amostra 1 foi coletada em Caxias , no Es-
tado do Maranhão, a Amostra 2, em Parnarama, tam-
bém no Estado do Maranhão e a terceira amostra, em
União, no Estado do Piauí. Analisou-se também o gra-
nulado preparado a partir do pó do mesocarpo do ba-
baçu. A determinação da granulometria dos pós foi
realizada segundo a metodologia proposta pela Far- com boas propriedades de escoamento um pó com um CONCLUSÃO
macopeia Brasileira (4ª ed.). A determinação do índice de ângulo estático de repouso inferior ou igual a 30°. Ân- Com base nos estudos e testes realizados verificou-
compressibilidade e proporção de Hausner seguiu os cri- gulos de repouso superiores a 40° sugerem difícil fluxo se que o mesocarpo de babaçu apresenta uma grande
térios descritos pela farmacopeia americana (United Sta- dos pós ou granulados. Como pode ser verificado na ta- aceitabilidade de sua utilização como produto alimen-
tes Pharmacopeia, 2006). A determinação do ângulo de bela 01 apenas a amostra 4 apresenta um ângulo de re- tício, não apresentando grandes dificuldades no seu
repouso estático foi realizada conforme método proposto pouso um pouco acima de 30°, ainda estando dentro dos processamento, por apresentar características reológi-
cas adequadas, principalmente quando se encontra na
por Prista et al. (1991) e Staniforth (2005), baseado na limites, o que sugere um bom escoamento. Entretanto,
forma de granulado.
altura fixa do funil. Para obtenção das velocidades de es- o tempo de escoamento não pôde ser mensurado, pois
coamento do pó avaliado, utilizou-se o mesmo aparato tendia ao infinito.
utilizado para a determinação do ângulo de repouso e, O método de granulação de pós que possuem escoa-
com o auxílio de um cronômetro, determinou-se o tempo mento ruim tem sido bastante utilizado pela indústria vi-
necessário para o total escoamento do material através do sando obter componentes com melhores características
funil (Farmacopéia Portuguesa, 2002). reológicas. A avaliação das características reológicas das
quatro amostras utilizadas neste estudo demonstrou um
melhoramento do escoamento de pó de mesocarpo do ba-
RESULTADOS E DISCUSSÃO
baçu com a granulação.
A análise granulométrica das amostras aponta para
uma distribuição com boa uniformidade das partículas nas Lívio César C. Nunes – Prof. Dr. da UFPI
amostras 1 e 4 (granulado). A presença de partículas gran- [email protected]
des e pequenas, segundo Prista, pode melhorar as caracte- Waleska Ferreira de Albuquerque – Profa. Msc. da UFPI
[email protected]
rísticas de escoamento. (Ver Tabela 01 e Gráfico 01).
André Igor O. Prado – Acadêmico de Farmácia da UFPI
Uma propriedade intrínseca dos pós é a resistência [email protected]
ao movimento relativo das suas partículas quando sub- Marxwell Arruda da Rocha Lima – Acadêmico de
metidos a forças externas. O ângulo de repouso de um Farmácia da UFPI
pó é uma das manifestações desta propriedade e o seu [email protected]
conhecimento tem contribuído para avaliar a dificuldade Kamila Maria de H. Sousa – Acadêmica de
apresentada pelos pós para fluírem livremente através Farmácia da UFPI
de um orifício para uma superfície livre. Considera-se [email protected]
8 TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE


PESQUISANDO O SETOR MOVELEIRO DE TERESINA
A indústria de móveis, bem como a maioria dos outros seg-

DIVULGAÇÃO
mentos industriais, produz, durante o processo produtivo, resí-
duos. Depois que saem da unidade industrial, os móveis
também podem se transformar em resíduo (pós-venda/pós-
consumo). Isso acontece quando o sujeito que o adquiriu, na
impossibilidade de vendê-lo ou doá-lo, faz o seu descarte. O
princípio do poluidor-pagador estabelece que o fabricante é o
responsável pelo descarte desse material. No entanto, para que
isso aconteça, o móvel tem que fazer o caminho de volta, o que
requer uma logística que aconteça no sentido inverso, a logís-
tica reversa.
A logística reversa é a responsável pelo retorno dos produ-
tos aos fabricantes, para que eles possam reaproveitar os seus
componentes ou lhes dar um destino ambientalmente adequado.
Dessa maneira, o objetivo da pesquisa nas indústrias de móveis
de Teresina/Piauí foi analisar a viabilidade da implantação da
logística reversa nesse setor, motivada por seu suporte econô-
mico e ambiental, o que possibilitando o desenvolvimento de
estratégias de gestão através das quais os resíduos passam a
agregar valor de diversas naturezas, por meio da sua reintegra-
ção ao ciclo produtivo e/ou de negócios.
Como a logística reversa ainda não se constitui uma obri-
gação legal, o estudo da sua viabilidade passa pela observação
de outros fatores ligados à atividade industrial. Há três pontos
que, nesta pesquisa, consideramos fundamentais para as empre-
sas que potencialmente poderiam aplicar a logística reversa: ram algum problema no pós-venda e dos que precisam de ma- trias visitadas não apresentam nenhum indicativo direto de re-
empresas que se preocupam com a gestão da qualidade, com a nutenção. As demais consideram que os custos são elevados e conhecimento desse fator. Se o fazem, é para fins de licen-
segurança e que apresentam indícios de cumprimento de sua não compensa. Dessa forma, eles optam por somente fabricar. ciamento ambiental ou para a economia de matéria-prima,
responsabilidade socioambiental. Para um dos administradores entrevistados, é possível que a in- como no caso do seu corte, que é realizado somente após de-
Identificamos 52 indústrias no setor moveleiro de Teresina, dústria receba o material para reforma, desde que o cliente se finição de projeto, de modo a minimizar perdas, motivo pelo
a partir do Guia da Federação das Indústrias do Estado do Piauí comprometa a comprar o móvel novamente (fidelização do qual o setor de móveis gera poucos resíduos durante o seu
(FIEPI) e do Telelistas.net. Foram visitadas dezesseis, entre- cliente), o que já acontece nessa indústria. Os custos da reforma processo produtivo.
vistamos os seus administradores e observamos os tipos de mó- são, em média, 35% do valor do produto novo. O estabelecimento da logística reversa no setor move-
veis produzidos, as matérias-primas utilizadas e a sua origem, Na opinião de três administradores entrevistados, existe a leiro demanda uma série de atividades, que envolve a co-
as etapas do processo produtivo, os tipos e volumes de emba- possibilidade de reinserir o material pós-consumo na cadeia leta, inspeção, separação (desmontagem), reprocessamento
lagens utilizadas para o acondicionamento dos móveis, os tipos produtiva e de negócios, através de reformas, aplicação de (transformar o móvel usado em um móvel reutilizável) e
de resíduos gerados e o gerenciamento adotado por essas in- novos revestimentos, trocas de estofamentos e pintura. Para os a sua redistribuição. O móvel recuperado pode voltar
dústrias para os mesmos, além dos aspectos gerais de segu- demais entrevistados, a reinserção do material pós-consumo na para o comprador inicial ou pode ser inserido em um
rança, qualidade e meio ambiente. cadeia produtiva e de negócios não é possível, por conta da ine- mercado secundário.
Dividimos as indústrias visitadas em dois segmentos: as xistência de espaço físico nas suas indústrias para o recebi- Existe um fator considerado favorável para o estabeleci-
que produzem móveis para residência (sofás, guarda-roupas, mento e o reprocessamento desses materiais, além da falta de mento da logística reversa nas indústrias de móveis de Tere-
colchões, tábuas de passar roupa, cozinhas e dormitórios feitos mercado para esses produtos. sina: os próprios fabricantes atuam como distribuidores dos
sob medida) e as que produzem móveis para escritórios, escolas Em geral, a estrutura das indústrias visitadas é precária, seus produtos, o que faz com que tenham um contato direto
e hospitais (armários, estantes, mesas, cadeiras, carteiras esco- não possuindo compartimentação dos locais onde são realiza- com o consumidor final, facilitando no momento do resíduo
das as distintas etapas do processo produtivo, além de possuí- pós-consumo fazer o caminho de volta.
lares, gôndolas, estruturas porta-pallets, entre outros). Verifi-
rem piso rústico e pouca ventilação. Assim, constatou-se que, mesmo havendo possibilidades
camos que, geralmente, as indústrias do segmento de móveis
Há um consenso por parte dos administradores da necessi- reais de aplicação da logística reversa no setor moveleiro de
para residência fabricam móveis de alta qualidade e com maior dade de qualificação da mão-de-obra para o setor de móveis. Teresina, a sua efetivação é inviável, pois as indústrias não
número de detalhes de acabamento; pois, em sua maioria, são Inexistem, em Teresina, cursos profissionalizantes direcionados apresentam modelos voltados para a gestão da qualidade, se-
feitos a partir de projetos para um consumidor final específico; para esse segmento industrial. Dessa maneira, os administra- gurança e responsabilidade socioambiental, fatores importan-
enquanto o outro segmento, de móveis para escritórios, escolas dores têm dificuldade em repor mão-de-obra. Em sua maioria, tes que antecedem a sua aplicação. Enquanto não houver
e hospitais, as indústrias produzem móveis padronizados, em os funcionários aprendem o ofício durante a atividade na pró- pressão da sociedade e regulamentação que obrigue a imple-
maior escala. pria indústria. mentação da logística reversa, as empresas analisadas não
As principais matérias-primas utilizadas nos dois segmen- Durante as visitas, observou-se que poucos funcionários terão condição de efetivá-la.
tos são a madeira, o compensado de madeira, o MDF (Medium utilizavam os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs),
Density Fiberboard – Fibra de Média Densidade), chapas de pois a segurança do trabalho não pareceu ser fator de relevân-
ferro e de aço. Utilizam-se, também, tubos de aço-carbono, cia para essas indústrias, tendo em vista que elas não chegam
tubos de aço-inox, laminados de PVC, fibras de plástico, teci- a possuir um setor responsável pela segurança dos trablhado-
dos, couros, espuma (para os acentos das cadeiras), cola fór- res, como a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes
mica, cola branca, selador, prego, solventes e tintas. A (CIPA), com exceção de uma, apenas. Contudo, mesmo nessa
matéria-prima é proveniente de diversos estados: Piauí, Ceará, indústria, nem todos os funcionários utilizavam os EPIs no
Pará, Paraná, São Paulo, Santa Catarina, Pernambuco, Minas momento da visita.
Gerais e Rio Grande do Sul. A gestão da qualidade ainda não é valorizada pelo setor
Comumente, a cadeia produtiva do setor de móveis de Te- moveleiro de Teresina, somente uma indústria possui certifica-
resina é formada somente pelos fornecedores de matérias-pri- ção ISO 9000 (a mesma que tem CIPA). Embora, durante as en-
mas, fabricantes dos móveis e pelos consumidores finais pois, trevistas, tenha sido observado que os administradores têm a
em sua maioria, os próprios fabricantes comercializam o seu preocupação de inserir um produto de qualidade no mercado,
produto. Dessa maneira, essas indústrias atuam, também, como estes desconhecem os procedimentos necessários para a certi- Elaine Aparecida da Silva – Mestranda em
distribuidoras dos seus produtos, fazendo com que assumam ficação e desconsideram que ela seja importante para a fideli- Desenvolvimento e Meio Ambiente na UFPI
um duplo papel na cadeia produtiva. zação do cliente, pois acreditam que a melhor propaganda é a [email protected]
Das indústrias visitadas, somente duas apresentaram setor satisfação dos seus clientes. José Machado Moita Neto – Prof. Dr. na UFPI
de reforma, onde é feita a reparação dos móveis que apresenta- Com relação à responsabilização socioambiental, as indús- [email protected]
TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010 9

A FLORA E FAUNA ÚTEIS DE PESCADORES ARTESANAIS


As questões ambientais e, em particular, as relacio- e a zooterapia com peixes.
nadas à conservação da natureza, estão entre as mais crí- O outro

FOTOS: DIVULGAÇÃO
ticas para a humanidade, pois afetam as condições de foi desenvol-
sobrevivência da vida sobre a terra e as relações entre vido por Ro-
grupos sociais e sociedades. No entanto, a conservação semary da
é frequentemente definida somente em seus aspectos téc- Silva Sousa
nicos e científicos, sem inseri-la em contextos mais am- em comunida-
plos relativos aos estudos das relações homem e des pesqueiras
natureza, posto que os seres humanos dependem da bio- da APA do
diversidade e da capacidade dos ecossistemas de fornecer Delta do Par-
produtos e serviços que sustentem modos de vida saudá- naíba, o qual
veis, conservando ambientes naturais. investigou a
A literatura que aborda a interação dos recursos na- distribuição de
turais e populações humanas tem caracterizado diversas conhecimento
linhas de pesquisa, como a Etnobiologia, definida como sobre a flora e
o estudo do conhecimento e das conceituações desenvol- fauna úteis, iden-
vidas por qualquer sociedade a respeito do mundo vege- tificando que há
tal e animal. Como tema interdisciplinar, possui vários um compartilha-
campos, como a Etnobotânica, que trata do estudo das in- mento de conheci-
terrrelações das sociedades humanas com os vegetais, e mento da flora útil
a Etnozoologia, que visa à compreensão dos modos de por gênero e que
interação entre o homem e a fauna, dentre outras áreas. os idosos são os
Os pescadores artesanais estão em constante contato detentores do saber
com a natureza através da atividade pesqueira e possuem na comunidade.
um conhecimento único e detalhado sobre a dinâmica do Quanto à etnozoolo-
ecossistema fluvio-estuarino-lagunar. A reprodução e gia, inferiu que os
criação de estratégias de pesca com base na experimen- homens possuem
tação se baseiam na utilização dos recursos naturais do maior conhecimento,
ambiente onde vivem, permitindo o desenvolvimento por estarem em maior
econômico, social e cultural. contato com a natu-
Vários trabalhos de enfoque etnobiológico com pes- reza do que as mulhe-
cadores artesanais vêm sendo desenvolvidos no Brasil, res, que se dedicam
concentrando-se principalmente nas regiões Sudeste, aos afazeres domésti-
Norte e Nordeste, versando sobre análise de categorias cos, e os jovens, por atuarem no turismo e ar-
de uso (medicinal, alimentícia, artesanal, tecnológica, tesanato, usando recursos da fauna na
etc.), da diversidade de espécies úteis, da associação do confecção de produtos.
conhecimento às tradições locais, da classificação das O conhecimento etnobotânico e etno-
(etno) espécies, do registro de aspectos socioeconômicos zoológico deve ser considerado na conserva-
e culturais, da potencialidade das artes de pesca e sobre ção e preservação da biodiversidade e da
os pescados capturados. No Piauí, recentemente foram cultura local, valorizando e evidenciando o
desenvolvidos dois trabalhos de cunho etnobiológico, direito e a necessidade da participação das po-
com pescadores artesanais sob a orientação da Profa. pulações, nos planos de manejo, apontando ca-
Dra. Roseli Barros, através do Programa de Pós-Gradua- minhos para estudos que abordem a
ção em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universi- especificidade do conhecimento local que con-
dade Federal do Piauí. tribuam na ciência convencional e nas relações
Um deles foi realizado por Alexandre Nojoza Amo- entre as populações de pescadores artesanais e
rim, na comunidade de pescadores artesanais do bairro o ambiente, incentivando atividades sustentáveis
Poti Velho, o qual, através de estudo etnobotânico, ca- e tornando esses dados úteis na gestão e conser-
racterizou os quintais como espaços de convivência e de vação de áreas.
cultivo, na maioria, de plantas medicinais, principal-
mente exóticas, inferindo que a concentração do
conhecimento tradicional na
população adulta
e do gênero femi-
nino ocorre de-
vido à influência
urbana e a maior
tendência das mu-
lheres em cuidar da
residência enquanto
os homens pescam.
Ao descrever os
modos e artes de
pesca e usos das es-
pécies vegetais na
construção de embar-
cações, constatou a Rosemary da Silva Sousa – Mestre em
transmissão familiar Desenvolvimento e Meio Ambiente
do conhecimento sobre [email protected]
a carpintaria naval, e Alexandre Nojoza Amorim – Mestre em
investigou acerca da Et- Desenvolvimento e Meio Ambiente
nozoologia, registrando [email protected]
principalmente o caráter Roseli Farias M. de Barros – Profa. Dra. da UFPI
da pesca de subsistência [email protected]
10 TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

O CULTIVO DE TILÁPIAS TRATADAS EM LAGOAS DE ESTABILIZAÇÃO


O conjunto das atividades humanas está cada vez mais di-

FOTOS: DIVULGAÇÃO
versificado e associado ao crescimento demográfico, exigindo
atenção maior às necessidades de uso da água para diversas fi-
nalidades. Essas necessidades cobram seus tributos, tanto em
termos quantitativos quanto qualitativos, e se evidenciam prin-
cipalmente em regiões com características de maiores desenvol-
vimentos urbanos, industriais e agrícolas (MANCUSO;
SANTOS. et al 2003).
Segundo Costa et al (2007), o crescimento populacional,
associado aos processos de degradação da qualidade da água,
vem acarretando sérios problemas de escassez, quantitativa e
qualitativa, bem como conflitos de uso até mesmo em regiões
com excelentes recursos hídricos, que tendem a exigir, cada vez
mais, enormes esforços para reduzir o déficit crônico de abas-
tecimento de água e o esgotamento sanitário adequado.
No entanto, há que se destacar a existência de regiões onde
a escassez e a má distribuição de água tornam-se fatores limi-
tantes ao seu próprio processo de desenvolvimento. Tais limi-
tações são características das regiões áridas e semiáridas,
notadamente no polígono das secas do Nordeste brasileiro.
Portanto, em qualquer circunstância, a grande questão que
se verifica é como equacionar a relação demanda versus oferta
de água, posto que, quase sempre, tem-se uma situação de fla-
grante desequilíbrio. Segundo projeções das Organizações das
Nações Unidas (ONU), em 2025, dois terços da população mun-
dial (5,5 bilhões de pessoas) viverão em locais que sofram com
algum tipo de problema relacionado com a água.
A produção de esgotos, cada vez mais intensa com o au-
mento da população, pode vir a ser a única forma significativa,
crescente e confiável de água para o reuso, em demandas futu- Tilápias cultivadas em esgotos domésticos tratadas em Lagoas de Estabilização.
ras, com destaque para o uso agrícola (Fertirrigação) nestas lo-
calidades, tornando oportuna a reutilização da água dentro da de tilápias do Nilo (Oreochromis niloticus),
própria comunidade geradora do esgoto. em face da rica densidade de nutrientes
O reuso subtende uma tecnologia desenvolvida em maior (compostos de Nitrogênio e Fósforo) com
ou menor grau de eficiência, dependendo dos fins a que se des- elevado valor nutricional na dieta dos peixes,
tina a água e de como ela tenha sido usada anteriormente, além e são encontrados na composição do efluente
de representar uma possibilidade efetiva de economia e racio- de esgoto lançado no corpo receptor (rio
nalização deste recurso natural. O reaproveitamento de águas Poti) desta unidade de tratamento. A unidade
residuárias em piscicultura é uma forma de produção de proteí- experimental é composta de uma bateria com
nas animal de baixo custo, que pode ser explorada pela inicia- 18 tanques de fibra de vidro, com volume útil
tiva privada ou pelo setor público. Este cultivo pode atingir de 3,80m³, distribuídos em três tratamentos,
bons níveis de produtividade em função dos efluentes das ETEs da seguinte forma: Tratamento T-01 (água da
(Estações de Tratamento de Esgotos) serem ricas fontes de nu- rede de abastecimento + ração industrial);
trientes, promovendo, assim, o desenvolvimento, em abundân- Tratamento T-02 (esgoto tratado sem adição
cia, do alimento natural para peixes em viveiros. de ração) e Tratamento T-03 (esgoto tratado,
É possível considerar que as lagoas de estabilização e, par- com oxigênio mecanicamente injetado e sem
ticularmente, as lagoas de polimento e de maturação, são am- adição de ração).
bientes bastante semelhantes aos tanques de piscicultura, em Todos os tanques foram igualmente po-
termos de morfometria e da dinâmica da qualidade da água, cujo voados, com 10 alevinos de tilápia cada (den- Estação de Tratamento de Esgotos da zona leste de Teresina (ETE-Leste).
efluente produzido por este tipo de tratamento biológico de es- sidade de 2,63 peixes /m³), revertidos
goto apresenta enorme potencial de reuso, para o cultivo de pei- sexualmente para macho num total de 180 animais e, após o com os valores normativos vigentes, que permitiriam até mesmo
xes. Neste processo, tem-se como desejável uma reciclagem de ciclo do cultivo de 124 dias, com reciclagem diária de 15% do o consumo deste pescado, desde que, devidamente processado
nutrientes, na medida em que a produção da biomassa de algas volume dos tanques abastecidos com esgoto a titulo de reposi- por cozimento. Este produto também pode ser utilizado na com-
nestes reatores vai sustentar a alimentação básica do estoque de ção de nutrientes, foram obtidos os seguintes resultados: nível posição de ração balanceada fornecida em projetos para desen-
peixes cultivados, neste ambiente. médio de sobrevivência do plantel (>80%); produtividade em volvimento e engorda de alevinos.
Para aproveitar de forma eficiente todas estas biomassas kg/ha.dia( T-01=58,22 ;T-02= 5,12;T-03=8,89); comprimento Esta pesquisa foi viabilizada pela parceria entre a compa-
de qualidade, devem ser utilizadas espécies de peixes que pos- médio em cm/peixe (T-01= 26,0;T-02= 13,36;T-03= 15,50); nhia Águas e Esgotos do Piauí S.A (AGESPISA) e a Universi-
suam a capacidade de assimilar esta fonte protéica com efi- peso médio em g/peixe (T-01=372,51 ;T-02=40,05 ;T- dade Federal do Piauí (UFPI), cujo objetivo primordial foi o de
ciência. Dentre as espécies mais utilizadas nas pesquisas e nos 03=60,45). contribuir para a consolidação e o desenvolvimento das unida-
cultivos com reúso de esgoto ao redor do mundo, estão as car- Com estes resultados, constatou-se que o cultivo com es- des de tratamento de esgotos sanitários, com vistas ao estimulo
pas e as tilápias. goto doméstico tratado era promissor, muito embora não se para o reuso do efluente tratado por este sistema de tratamento
No estado do Piauí, considerando as potencialidades natu- tenha alcançado os parâmetros zootécnicos ditos comerciais, tal biológico, do tipo lagoas de estabilização, tanto na produção
rais, especialmente quanto aos seus recursos hídricos, as ativi- como o peso médio de 380 a 400 g/peixe, obtidos em piscicul- de proteína animal de baixo custo, ou em intervenções favo-
dades em aquicultura, com ênfase na piscicultura, podem ser tura convencional, com oferta de ração balanceada por um pe- ráveis aos preceitos fundamentais
enquadradas dentre as atividades com excelentes perspectivas ríodo de cultivo da ordem de 180 dias. da correta gestão ambiental como a
de crescimento, muito embora o cenário atual seja bastante in- Neste experimento, considerando-se que nos custos de uma redução do lançamento de efluen-
cipiente, se comparado com outros estados da região nordestina piscicultura tradicional a ração pode representar até 70% das tes de esgotos em mananciais de
ou com as estatísticas de outras regiões brasileiras. Mas, no despesas de produção do pescado, os nutrientes remanescentes superfície, conjugando e inte-
contexto das políticas do setor, é possível adotar mecanismos no tratamento biológico do esgoto doméstico apresentam grande grando fatores bióticos e abióticos
capazes de modificar o status quo vigente. vantagem na alimentação de peixes do tipo filtradores, por ser em nome da sustentabilidade, in-
Em Teresina, mais especificamente na área anexa à Estação um subproduto do tratamento de esgotos, normalmente lançado clusive, nos aspectos da dimensão
de Tratamento de Esgotos (ETE) da zona leste, foi implantada nos corpos receptores do efluente tratado, não apresenta, por- socioeconômica.
e encontra-se em pleno funcionamento a Unidade Experimental tanto, custos adicionais.
de Réuso do esgoto doméstico tratado, que recebe o efluente Por outro lado, os resultados das análises físico-químicas Cleto Augusto B. Monteiro
Prof. Msc. da UFPI
final produzido pelo sistema de lagoas de estabilização. e microbiológicas realizadas, na água dos viveiros e nos tecidos
[email protected]
Determinado volume deste efluente é aplicado no cultivo dos peixes apresentaram os padrões sanitários em conformidade
TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010 11

MUDANÇAS CLIMÁTICAS NO SEMIÁRIDO: SOBREVIVEREMOS!


Na região semiárida do Nordeste, as chuvas são escassas,
irregulares e mal distribuídas. A anormalidade na precipita-
ção da chuva decorre da presença de uma massa de ar quente
e seca que permanece por longo período de tempo impedindo
a formação das chuvas.
Ali a seca predomina, ao longo do ano, sendo favorecida
pela elevada disponibilidade de energia solar e altas tempe-
raturas. As peculiaridades climáticas dessa região expõem a
população a longos períodos de seca, o que torna a oferta de
água e alimento cada vez mais escassa.
Embora as condições adversas do clima perdurem por
longo período de tempo, o nordestino consegue manter uma
íntima relação de convivência com esse ambiente hostil. Isto
se deve à grande capacidade de adaptação e à força de von-
tade desse povo em superar condições desfavoráveis.
Além das adversidades climáticas e da degradação am-
biental que vem ocorrendo nos ecossistemas dessa região,
quando se compara os indicadores sociais e de saúde do se- a maior frequência de secas poderá reduzir drasticamente a semiárido. Contudo, nesta região os efeitos da seca são ame-
miárido com os de outras regiões do país, verifica-se que ali base de sustentação de muitas atividades humanas com com- nizados com a construção de pequenos açudes e cisternas,
a expectativa de vida da população ainda é muito baixa, o prometimento da qualidade de vida do nordestino, que já prevalecendo também o modelo assistencialista de distribui-
que contribui para elevar as taxas de mortalidade infantil. convive recorrentemente com a seca. ção de cestas básicas e de água em carros-pipas. São práticas
Este panorama combinado com as adversidades do clima é Ocorre que no semiárido, a seca além de ser um pro- de caráter paliativo que, além de não resolver o problema,
sugestivo de uma elevada vulnerabilidade socioambiental, blema social crônico e continuado, com as mudanças no gera um grande desrespeito à capacidade criativa desse povo.
que tende a se agravar com problemas relacionados ao des- clima, é possível que ocorra uma redução no volume das É inquestionável que a seca oprime e gera inúmeras di-
matamento e queimadas. chuvas e a consequente elevação da temperatura. Com isso, ficuldades sociais para o povo do semiárido. Mesmo assim,
Ora, se o semiárido é, por natureza, uma região com aumenta a evaporação dos corpos d’água, causando sérias este mote ainda é utilizado por políticos oportunistas para a
elevado déficit hídrico e o nordestino um sobrevivente da dificuldades para o desenvolvimento das culturas de subsis- obtenção de votos. Entretanto, apesar das limitações naturais,
seca, como esta região poderá superar o aquecimento glo- tência, uma vez que as terras produtivas ficarão mais expos- esta região possui potencialidades que, quando dinamizadas
bal? Esta questão merece uma reflexão, sobretudo no to- tas a riscos de desertificação. com o adequado tratamento político e tecnologias ecologi-
cante aos possíveis cenários de mudanças de clima Tomando por base as condições climáticas ora vigentes camente corretas, podem resultar na sensível melhoria da
projetados para o Nordeste. no semiárido e os possíveis cenários de mudanças climáticas qualidade de vida desse povo.
Estudos revelam que o aumento da temperatura nesta re- previstas para até 2100, pode-se supor que esta região seja Em vista disso, é de suma importância que os efeitos
gião foi de 1,5 a 2ºC na temperatura máxima, em 41 anos. duramente atingida por eventos climáticos relacionados ao das mudanças climáticas nesta região sejam tratados com
Com as mudanças de clima, esta região poderá ser forte- déficit hídrico. Como a população mais pobre é sempre a políticas de desenvolvimento sustentável, pautadas nos
mente afetada com o crescente aumento da temperatura, im- mais afetada, é possível que estes eventos provoquem o cres- princípios da equidade social, da prudência ecológica e da
plicando redução drástica na frequência das chuvas. Nesse cente deslocamento dessa população para outras regiões com eficiência econômica de modo
sentido, uma elevação na temperatura média do planeta até melhores condições de vida, gerando espaços completamente que fortaleça a convivência sus-
o final do século poderá reduzir a disponibilidade de alimen- inabitáveis e sérios problemas urbanos. tentável com o semiárido. So-
tos, levando milhares de pessoas a passar fome. Dada a fragilidade socioambiental dessa região, urge ne- mente assim, a prática do
Ademais, pesquisas recentes sugerem que os efeitos das cessidade da adoção de uma política ambiental de longo assistencialismo, ainda vigente
mudanças climáticas ameaçam intensificar as dificuldades prazo que potencialize o desenvolvimento local sustentável no Nordeste, poderá ser comple-
de acesso à água em várias regiões do mundo, incluindo o priorizando o uso mais eficiente da água disponível, bem tamente desestimulada.
Brasil. Além do que, a ocorrência de eventos climáticos de- como o desenvolvimento de atividades econômicas adapta-
corrente do aquecimento global, num futuro próximo, poderá das ao clima e ao solo dessa região. Também é importante Eliana Morais de Abreu Mestre
reduzir drasticamente a oferta de recursos naturais, sobretudo investir em programa de educação ambiental que possibilite em Desenvolvimento
no semiárido, com comprometimento da base de sua susten- a população a entender o problema de mudanças de clima e e Meio Ambiente
tação econômica. os seus impactos no cotidiano dessa população.
Dir. Tec. Cientifico da FAPEPI
Neste contexto, a elevação da aridez no semiárido, num Com os avanços tecnológicos, tornou-se possível cons-
[email protected]
clima mais quente e seco no futuro, quando combinado com truir estratégias eficientes de convivência sustentável para o

COMIDA OU COMBUSTÍVEL ?
“Nessa terra, em se plantando, tudo dá.” É provável que não emissão de 644 milhões de toneladas de CO2. energia. Isto fatalmente provocaria oscilações imprevisíveis
nem mesmo Pero Vaz de Caminha, em seu momento de con- Nesse contexto, é imprescindível reduzir a dependência em na oferta de comida e de combustível mundo afora, com im-
templação, imaginou que “tudo” incluiria tão vasta gama de relação ao petróleo, que atualmente responde por aproximada- pactos severos na economia mundial.
produtos oriundos da terra, até mesmo combustível. O Brasil mente 98% da demanda mundial de combustíveis e cujo nível O Brasil não pode atuar como coadjuvante nesta dis-
se destaca no cenário internacional não só como um dos maio- de preços pode impor limites indesejáveis ao crescimento da cussão, sob pena de tornar-se mero fornecedor de energia
res produtores e exportadores de alimentos, mas também de economia mundial. A perspectiva de esgotamento das reservas barata para os países ricos. É fundamental estimular estudos
etanol e biodiesel, incluindo a vanguarda na geração das tec- mundiais de petróleo torna premente, sobretudo para os países científicos e inovações tecnológicas que garantam a susten-
nologias mais avançadas do setor, no mundo. em desenvolvimento, o incentivo à produção de fontes alter- tabilidade no longo prazo da produção de biocombustíveis,
Os biocombustíveis compõem a agenda de prioridades nativas de energia, sob risco de comprometer seriamente o pro- assim como a não interferência de sua produção no cultivo
dos principais atores no cenário internacional. A preocupação cesso de desenvolvimento dessas nações. de alimentos.
com a questão energética está na ordem do dia, e a busca por Por outro lado, vem à tona uma importante questão: até Nosso país possui a maior extensão de terra do mundo
alternativas aos combustíveis fósseis vem assumindo um que ponto a produção de biocombustíveis pode avançar, sem que ainda pode ser incorporada ao processo produtivo. Esta
papel de destaque no processo decisório dos países e em suas comprometer o abastecimento da população em alimentos? O posição privilegiada do Brasil
políticas públicas nesta área. O assunto vem ganhando rele- debate foi lançado há alguns anos na pauta internacional e o quanto à disponibilidade de terras
vância estratégica, impulsionado pelo aumento nos preços do assunto é bastante polêmico, dividindo opiniões de especia- agricultáveis e de água em abundân-
petróleo, pela perspectiva de que esses se mantenham eleva- listas e autoridades, criando espaço para especulações e jogo cia nos credencia a conduzir o debate
dos principalmente em razão da demanda de grandes países, de interesses. A verdade é que o Brasil necessita mais do que e estabelecer as diretrizes que nor-
como EUA, China e Índia. Além disso, a utilização de bio- nunca de regulação, quanto ao uso e ocupação de terras agrí- teiam a solução desse problema. Co-
combustíveis possibilita significativa redução nas emissões colas, pois o crescimento desordenado das áreas exploradas locar a ética na ordem do dia é
de gases de efeito estufa (CO2, principalmente), sendo um in- com matéria-prima da bioenergia provocará um aumento cada condição sine qua non, para viabili-
centivo aos países que possuem compromissos de redução de vez mais acentuado na concentração de renda e nas desigual- zarmos uma saída racional.
emissões assumidos no Protocolo de Quioto das Nações Uni- dades sociais do país. Em todo o mundo, as autoridades
das sobre Mudanças Climáticas. No Brasil, conforme dados devem urgentemente atentar para essa questão, não deixando Luís Gonzaga M. F. Júnior
Prof. Dr. da UESPI
publicados pelo Ministério das Relações Exteriores, o uso do que o mercado por si só encontre o ponto de equilíbrio entre
[email protected]
etanol combustível significou, no período de 1970 a 2005, a as terras destinadas à produção de alimentos e à produção de
12 TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

DIAGNÓSTICO GEOAMBIENTAL: ZONA COSTEIRA DO ESTADO DO PIAUÍ


A ciência necessita elaborar novos critérios conceituais, introdução de atividades turísticas.

DIVULGAÇÃO
técnicas e meios mais eficientes para estudar as relações que 4. Tabuleiros costeiros: os impactos ambientais estão con-
ocorrem entre os fenômenos naturais e sociais. Isto só será con- dicionados às condições de xeromorfismo bem mais acentua-
seguido através de trabalhos constantes e intensivos de caráter das que nas outras unidades ambientais. Devido ao processo
específico, com a difusão de métodos e técnicas adequadas de de urbanização, que vem se desenvolvendo, bem como as ati-
manejo do meio ambiente, como estratégia de utilização plena vidades agropecuárias, tanto a vegetação natural como a se-
e equilibrada dos recursos naturais, para cumprir seu papel nos cundária têm sido continuamente degradadas. Na avaliação
processos de desenvolvimento e planejamento. dos impactos ambientais, constatou-se que o tabuleiro costeiro
Os impactos ambientais induzidos pela pressão humana requer soluções que reduzam os efeitos negativos como a di-
são extremamente significativos nas áreas costeiras, trazendo minuição da produtividade biológica; alterações no funciona-
sérios problemas, sendo, muitas vezes, superiores à capacidade de produção (uso da terra) e dos impactos ambientais advindos mento e redução da disponibilidade dos recursos naturais.
de assimilação dos sistemas naturais, exercendo pressões no desse uso. Ressalte-se que estes tópicos serão estudados, se-
ambiente ou produzindo vários impactos negativos, como a lo- guindo-se a ordem estipulada quando da determinação dos in- CONCLUSÕES
cação de materiais impróprios, suporte da infraestrutura e mo- dicadores naturais, potencialidades, limitações e impactos. Recomenda-se a priorização das pesquisas científicas
dificação do escoamento superficial e a drenagem subterrânea, 1. Praias e campo de dunas: os impactos ambientais e desenvolvimento tecnológico voltados para as atividades
e desmatamento de áreas naturais. estão vinculados ao desenvolvimento de núcleos urbanos e socioeconômicas e proteção ambiental, no sentido de diag-
a pesca predatória. As formas de uso e ocupação não obser- nosticar o estado, potencialidades e limitações das unida-
DIAGNÓSTICO GEOAMBIENTAL
varam as limitações impostas pela dinâmica natural, consta- des ambientais, de acordo com as necessidades das
O diagnóstico geoambiental trata de analisar as conse- comunidades locais.
tando-se ocupações residenciais de diversas tipologias,
quências das ações ocorridas em uma determinada área, com A incapacidade de atender à demanda de serviços de trans-
construção de áreas de lazer, instalações comerciais, estru-
o intuito de verificar sua qualidade ambiental. Considera ainda porte, habitação, saneamento, saúde e educação vem criando
turação de rodovias, além da retirada de sedimentos para a
os efeitos sobre o meio ambiente de uma nova atividade, o es- um quadro crítico nas localidades, acentuando a degradação
construção civil, em função do crescente incremento de
tabelecimento de planos e programas ou novos projetos e pos- ambiental e deterioração da qualidade de vida, causando sérios
construção de segundas residências, comércio e infra-estru-
síveis alternativas. É fundamentalmente um instrumento problemas e prejuízos às atividades turísticas e de lazer, acen-
específico das políticas ambientais preventivas, com decisões tura para recreação e lazer. tuando o processo de urbanização desordenada e destruição de
baseadas em conhecimento dos efeitos ambientais de uma de- 2. Planícies fluviais: os impactos ambientais decorrem áreas de interesse ecológico.
terminada ação, sobretudo nos planos de urbanização e organi- das atuais formas de uso e ocupação, principalmente as re- Recomenda-se a adoção de medidas de proteção ambien-
zação do espaço, oferecendo subsídios para o desenvolvimento. lacionadas ao extrativismo vegetal, provocando desmata- tal na concepção, implantação e operação dos empreendi-
Este diagnóstico foi obtido através da observação e análise mento das margens dos cursos de água com a retirada da mentos potencialmente impactantes e a priorização no
das condições ambientais, considerando-se as interrelações vegetação nativa para uso energético, construção de em- zoneamento das funções de turismo, lazer, proteção ambien-
entre os componentes físicos, biológicos e humanos, coletados barcações, habitações e cercas, causando modificações tal, cultural e histórica dos bens e recursos costeiros, apon-
através de estudos sistemáticos (de campo e gabinete), sendo que levam ao aumento da temperatura, evaporação hídrica tando espaços favoráveis à ocupação produtiva para
posteriormente interpretados com visão crítica, com o intuito superficial e edáfica, aumentando a perda de água do solo. expansão e melhoria da oferta de
de serem aplicados nas propostas de desenvolvimento. Através do diagnóstico ambiental, constatou-se o aumento serviços básicos. De modo geral,
do processo de erosão nas margens dos canais fluviais e a zona costeira do Estado do Piauí
Avaliação e análise dos impactos ambientais sua capacidade de retenção de águas superficiais e produti- necessita de uma maior articula-
A avaliação e análise dos impactos ambientais passaram vidade biológica. ção entre os diversos setores en-
a serem vistos como uma atividade sistematizada e institucio- 3. Planícies flúvio – marinhas: com relação ao diagnós- volvidos, na busca de inovações
nalizada, sendo incorporada ao processo de desenvolvimento, tico ambiental, observou-se que a dinâmica natural atua de tecnológicas nos métodos e práti-
tornando-se parte constituinte das políticas ambientais, que forma significativa, em função do recobrimento vegetal pro- cas, maior eficiência e controle
abrangem não só a análise dos aspectos físicos e biológicos, piciado pelo manguezal e pela deposição sedimentar ao longo dos processos e observância da le-
mas contempla também os aspectos sociais e econômicos. dos cursos de água e nas margens dos canais. Atualmente ve- gislação ambiental.
A partir das características naturais e antrópicas dominan- rifica-se um gradativo aumento das atividades humanas rela-
tes, foram estabelecidos os graus de artificialização e a carac- cionadas ao extrativismo vegetal e animal, agricultura e Agostinho Paula B. Cavalcanti
terização antrópica foi obtida através da tipologia dos sistemas construção de salinas, ocorrendo, ainda, em algumas áreas, a Prof. Dr. da UFPI [email protected]

EDUCAÇÃO E EXTENSÃO RURAL


A extensão rural no Brasil surge impulsionada pelo capi- mento, de transformar o conhecimento em sapiência. Ensinar se possa conciliar a persuasão para a aceitação da propa-
talismo norte-americano tendo como objetivo inserir nossa a viver necessita não só dos conhecimentos, mas também da gando como a educação...” Essa prática “educativa”,
agricultura na chamada modernidade. As tradições dos agri- transformação do conhecimento adquirido em sapiência, ad- porém, foi reproduzida por muito tempo por técnicos, carac-
cultores e suas técnicas produtivas são vistas como inadequa- verte E. Morin (2009) na sua obra Cabeça bem-feita. terizando o camponês apenas como um aplicador de técni-
das e insuficientes, a ponto de se achar que o agricultor não é Em Pedagogia da autonomia, Freire (1996) elenca uma cas. Mas o movimento de revalorização da cultura
capaz nem mesmo de adaptar suas próprias tecnologias, o que série de saberes necessários à prática educativa transforma- camponesa fomentado pelos movimentos sociais permitiu-
demonstra uma visão preconceituosa do camponês e do seu dora, sugere então uma pedagogia fundada na ética, no res- nos enxergar que não seria possível, para o camponês, so-
meio de trabalho (CANUTO, 2005). peito à dignidade e à própria autonomia do educando. Para breviver às mudanças, sem que tivesse implícita em si a
Nos cinco anos de exílio no Chile, Paulo Freire trabalhou Freire, formar é muito mais do que puramente treinar o edu- capacidade de pesquisar, mesmo que de forma mais simpli-
como consultor da UNESCO. Em 1969 foi publicada em es- cando no desempenho de destrezas e nos adverte da malvadeza ficada, [a educação] só é verdadeira quando encarna a busca
panhol sua obra: Extención o Comunicación?, pelo Instituto neoliberal e do cinismo de sua ideologia que não favorece a permanente que fazem os homens, uns com os outros, no
de Capacitación e Investigación en Reforma Agrária - ICIRA, transformação da curiosidade ingênua – inerente de todo ser mundo em que estão, de seu Ser Mais.
em Santiago do Chile. “Mais do que uma análise do trabalho humano - em curiosidade crítica ou epistemológica. Não podemos esquecer que a realidade é cambiante e
do agente de extensão como educador, equivocadamente cha- Assim, no Brasil, a partir dos escritos de Freire e também mutável, como já ensinava o velho filósofo de Éfeso, a
mado extensionista, a obra faz uma síntese muito profunda do devido ao término do crédito agrícola subsidiado a partir dos guerra é o pai e a mãe de todas as coisas, ou seja, a discór-
papel que Freire assinala à educação compreendida em sua anos 1980 (LISITA, 2009), inicia-se uma nova proposta de ex- dia, a contrariedade é a origem de tudo no mundo. O
perspectiva verdadeira, que não é outra senão a de humanizar tensão rural que preconiza a construção de uma “consciência mundo é um eterno fogo que se transforma. O que implica
o homem na ação consciente que este deve fazer para trans- crítica” nos extensionistas, fomentada, inclusive pela “Política que nossos sonhos e realizações
formar o mundo”, assinala o pensador chileno Jacques Chon- Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural” (2009) sejam projetos pelos quais devemos
chol (2006). brasileira. O agente de extensão, apesar de toda a orientação lutar “Sua realização não se veri-
Segundo Freire, na ação extensiva do conhecimento: um dos órgãos públicos de extensão rural, ao contrário, tem difi- fica facilmente, sem obstáculos.
sujeito leva o conhecimento a outro, faz com que a prática culdade de construir espaços educativos diferentes, de diálogo Implica, pelo contrário, avanços,
“extensionista” facilmente caia no uso de técnicas de propa- e respeito pela experiência do camponês, daí a importância de recuos, marchas às vezes demora-
ganda, de persuasão, utilizando-se de forma abundante dos se estar sempre apontando e re-apontando as leituras e debates das. Implica luta...” (FREIRE, Pe-
chamados “meios de comunicação em massa”. À pergunta que das obras de Freire, caso se queira fazer educação em sua pers- dagogia da Indignação, 2000).
dá título ao livro: “Extensão ou Comunicação?”, responde-se pectiva verdadeira.
negativamente à extensão e afirmativamente à comunicação. Que seria, então, segundo Freire (2006), a verdade da prá- Felipe César M. Tupinambá
Comunicação pressupõe uma sapiência – palavra antiga tica educativa “extensionista”? Responde o autor: “A nós, não Prof. Msc. Colégio Agrícola
que engloba “sabedoria” e “ciência”. Na Educação, (comuni- nos é possível persuadir a aceitarmos a persuasão para aceita- de Floriano da UFPI
cação) trata-se de transformar as informações em conheci- ção da propaganda como uma ação educativa. Não vemos como [email protected]
TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010 13

EDUCAÇÃO E LETRAS
A NOÇÃO DE GRAMÁTICA NOS ESTUDOS DE REPRESENTAÇÃO RUPESTRE
As representações rupestres constituem uma das principais

FOTOS: DIVULGAÇÃO
evidências da presença humana na pré-história. Esta afirmação,
para o território brasileiro, é sem dúvida adequada, na medida em
que as representações rupestres conformam um dos documentos
acerca das ocupações humanas ocorridas em tempos pré-coloniais
que mais resistem ao tempo, em função da natureza dos materiais
que as constituem: minerais. Entretanto, apesar desta excepcional
característica, que é a durabilidade, tratam-se dos documentos ar-
queológicos de mais difícil abordagem.
Conforme nos orienta María Isabel Hernández Llosas, as re-
presentações rupestres podem ser abordadas de diferentes pers-
pectivas: 1) a partir da ótica das Artes Plásticas, que proporciona
a análise das características estéticas das representações, obser-
vando as técnicas de aplicação dos pigmentos e características dos
desenhos; 2) a partir da perspectiva da História da Arte, que ques-
tiona as formas de desenvolvimento das manifestações plásticas
através do tempo, levando em conta as técnicas aplicadas e pro-
dutos gerados, aliados às variações na confecção e valorização es-
tética ao longo dos tempos; 3) partindo de uma ótica
Antropológica, que se interessará pelas mudanças e análises das
diferentes manifestações culturais que originaram as manifesta-
ções artísticas, tentando observar o sentido estético que cada uma
detenha, de acordo com a noção de beleza imposta pelos distintos
contextos sociais; e, por fim, 4) partindo do ponto de vista da Ar-
queologia, que se orienta pelo viés antropológico, pois busca as
informações e características dos grupos humanos que produziram
as representações.
Entretanto, apesar dos diferentes olhares, uma das grandes
questões que se apresentam, sobretudo para os estudos de repre- gráficos significativos relacionados, possivelmente, a sociedades
sentações rupestres, é a impossibilidade de interpretação dos sig- que se apropriaram da região. Desta forma, inequivocamente, co-
nificados. Isto se deve a um fator simples: percebemos claramente meçamos a nos afastar da dúvida desta impossibilidade, frente aos
a intenção humana na confecção das representações rupestres, dados empíricos de que dispomos. Os signos geométricos com-
mas, contrariamente a isto, jamais poderemos entender o que as preendidos pelas suas normas próprias de confecção e disposição
mesmas significaram, uma vez que os autores de tais representa- nos sítios, a dita gramática decorativa, passam a ser vistos como
ções não existem mais. Assim sendo, presumimos que os conteú- importantes elementos para as interpretações arqueológicas de
dos significativos destes signos se extinguiram com as populações contextos regionais. Saímos, portanto, da impossibilidade para um
humanas que detinham os mecanismos de leitura e compreensão cenário mais profícuo.
dos mesmos. Esta consideração impõe uma grande limitação aos Por outro lado, trabalhando ainda sobre a noção de gramática
estudos das representações rupestres. Contudo, é justamente esta decorativa, cabe ainda uma breve reflexão. Se observarmos de ma-
impossibilidade que nos leva a refletir sobre a necessidade de neira cuidadosa, perceberemos que os estudos arqueológicos sobre
abordar este documento arqueológico testando outras ferramentas representações rupestres no Brasil têm se orientado, em sua maio-
teórico/metodológicas, que permitam resultados que expressem o ria, à observação desta categoria de cultura material a partir da
que eram e quem eram as sociedades passadas. noção de Tradição Arqueológica. Por sua vez, o conceito de Tra-
É partindo destas perspectivas que temos testado a noção dição Arqueológica, de acordo com as perspectivas de Valentin
de gramática decorativa imposta por Marcel Otte aos estudos Calderón, André Prous e Gabriela Martín, leva em consideração
das representações rupestres. A partir desta noção, interessa-nos três pilares fundamentais: 1) cultura, reconhecida a partir de certas
classificar os diferentes signos dos sítios rupestres e buscar le- características recorrentes nos materiais arqueológicos de diferen-
vantar convergências entre eles. Para tanto, tomamos como pa- uso de determinadas populações, que tinham como elo comum có- tes sítios; 2) tempo, na medida em que o componente cultural de-
râmetros para leitura arqueológica dos motivos gráficos digos gráficos. Em síntese, as representações rupestres entendidas veria, em tese, ter reconhecido um lapso de tempo de ocorrência;
critérios como dispersão, concentração, associação, centraliza- como gramática, no plano dos significados, permite três outras 3) e espaço, no qual estariam distribuídos os vestígios com carac-
ção, isolamento, marginalização, etc. Entendemos que as posi- considerações, que podem ser atribuídas aos indivíduos que con- terísticas similares (cultura), num lapso de tempo circunscrito.
ções que os diferentes signos assumem num sítio rupestre feccionaram os motivos gráficos: 1) que eles tinham a possibili- Ora, como podemos ver, a noção de Tradição Arqueológica detêm
podem indicar a intencionalidade de escolha de locais específi- dade de representação de ideias a partir de códigos gráficos; 2) parâmetros concretos e invariáveis que embasam a observação das
cos no suporte rochoso para a confecção de certos motivos, re- que esta representação por códigos gráficos possibilitava a trans- representações rupestres a partir de uma lógica normatizadora,
presentados em situações igualmente específicas e que, por missão de ideias para outros indivíduos; 3) e que estas ideias es- com uma natureza recorrente num tempo e espaço específicos.
estas características, levavam consigo significados particulares. tariam materializadas e propagadas para além da permanência Neste sentido, do que estaríamos falando, senão de um código es-
Se constatada esta possibilidade, estaremos afinando dados física do indivíduo no espaço. pecífico de linguagem, de uma gramática decorativa? Esta é uma
acerca da citada gramática gráfica. Cabe, ainda, frisar o nosso interesse na condução desta forma pergunta para reflexão.
Frente às discussões preliminarmente esboçadas, cabe expli- de perceber as representações rupestres. Tem sido tendência nos Entendemos que as bases para a discussão estão lançadas, de
citar o que compreendemos, ao utilizar a noção de gramática de- estudos arqueológicos a canalização de energia para observação maneira que ficamos à disposição. Nosso interesse, de fato, é tes-
corativa. Um dos princípios que rege a ideia de gramática é o de dos sítios com pinturas reconhecíveis no nosso plano cognitivo, tar parâmetros de estudos que sejam adequados a nossa realidade
que a recorrência de ícones idênticos, associados com outros íco- com motivos figurativos, exemplo dos antropomorfos, zoomorfos arqueológica. Não sabemos, de fato,
nes e dispostos de maneira semelhante em diferentes espaços re- e fitomorfos. Em face deste interesse, sítios com pinturas geomé- se a construção teórica que fazemos
presentam ideias iguais. Ou seja, estamos tratando as tricas são negligenciados aos estudos, na medida em que paira no é a mais adequada.
representações rupestres como códigos de linguagem, intencio- meio científico um entendimento, que tem certo consenso entre No entanto, sem se testar, e pos-
nalmente elaborados e com princípios rígidos de confecção, cul- os arqueólogos, de que as representações geométricas são univer- sibilitar que outros colegas façam o
turalmente determinados, a ponto de serem identificáveis por sais e, desta modo, seriam genéricas para construção de contextos mesmo, jamais saberemos da vali-
distintos indivíduos que detinham os mecanismos de leitura e arqueológicos. dade de nossos postulados. Este é o
compreensão das representações. Assim, a sugestão do uso na Nossa experiência no estudo de representações rupestres com nosso interesse.
noção de gramática nasce da nossa compreensão de que as repre- padrões geométricos no Piemonte da Chapada Diamantina tem de-
monstrado justamente o inverso. Temos observado que apesar de Carlos Alberto S. Costa
sentações rupestres sugiram códigos gráficos específicos, dos
geométricos, a maneira com que os motivos estão dispostos e as- Prof. Msc. da Universidade
quais jamais saberemos os significados, mas que nos possibilitará,
nos estudos regionais, reconhecer as normas explícitas na confec- sociados nos sítios permite perceber particularidades para inter- Federal do Recôncavo da Bahia
ção dos painéis rupestres e caracterizar territórios particulares de pretação arqueológica, que podem vir a indicar repertórios [email protected]
14 TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

APLICAÇÃO DO BALANCED SCORECARD EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR


O aumento da competitividade e a globalização dos mercados cessário fazer para criar valor para os mesmos. avaliação das instituições de ensino superior. São elas:
têm levado as organizações a se empenharem para se diferencia- Conforme Kaplan e Norton (1997) O BSC deve levar à 1. A missão e o Plano de Desenvolvimento Institucio-
rem de seus competidores. Os mercados são direcionados mais criação de uma rede de indicadores de desempenho que deve nal; 2. Perspectiva científica e pedagógica formadora: po-
pelo valor do que por preço, forçando as organizações a conside- atingir todos os níveis organizacionais, tornando-se, assim, líticas, normas e estímulos para o ensino, a pesquisa e a
rarem qualidade, serviço ao consumidor e outros atributos. uma ferramenta para comunicar e promover o comprometi- extensão; 3. Responsabilidade Social da Instituição de En-
De acordo com Oliveira (1996), uma das tendências mais mento geral com a estratégia da corporação. sino Superior; 4. Comunicação com a sociedade; 5. Políti-
importantes do mundo empresarial atual é a transição de uma Este método resume em um único documento, indicadores cas de pessoal, carreira, aperfeiçoamento e condições de
economia baseada na produção para uma economia baseada de performance em quatro perspectivas: financeira, clientes, trabalho; 6. Organização e gestão da Instituição; 7. Infra-
nos serviços. Estamos na Era dos Serviços, na qual aqueles processos internos e aprendizado e crescimento. (Kaplan e Nor- estrutura física e recursos de apoio; 8. Planejamento e ava-
que estão incumbidos de liderar empresas de prestação de ser- ton, 1997). Estas perspectivas devem dar respostas às seguintes liação; 9. Políticas de atendimento aos estudantes; 10.
viços detêm uma responsabilidade especial em relação aos questões: Como nos veem os investidores? Como nos veem os Sustentabilidade financeira.
seus clientes, funcionários e acionistas. clientes? Em que devemos nos sobressair? Como podemos Considerando as dificuldades enfrentadas pelos gestores
A introdução dos prêmios nacionais e internacionais de qua- prosseguir de forma a melhorar e acrescentar valor? das instituições de ensino superior no que se refere ao pla-
lidade motivou as empresas no desenvolvimento de medidas de A análise de cada perspectiva possibilita a identificação nejamento de suas ações, este trabalho procura analisar o
desempenho mais sofisticadas, com uma gama maior de infor- de inexistência de processos ou falhas nos existentes, eviden- balanced scorecard como instrumento de avaliação de de-
mações que auxiliem o controle estratégico das organizações, de- ciando os pontos principais que poderão afetar a realização das sempenho, considerando-se as dimensões do SINAES enfa-
finindo metas e demonstrando iniciativas de sucesso ou falhas. metas principais; na perspectiva dos clientes / sociedade, o es- tizando, principalmente, que, com sua utilização, se pode
Durante muitos anos se utilizaram apenas indicadores finan- melhorar o resultado apresentado por estas organizações.
tabelecimento de indicadores que permitam o controle ou
ceiros para medir o desempenho das organizações, entretanto, a
partir de 1980, percebeu-se a necessidade de uso de outros crité- mesmo o monitoramento da situa-
rios nesta avaliação. O lucro continua sendo uma meta para as ção atual.
organizações, porém não é medida de desempenho suficiente. As Em 2004, o Ministério da
organizações devem gerenciar outros atributos, isto é, ter outras Educação criou o Sistema de Ava-
medidas de desempenho para se alcançar o lucro. liação da Educação Superior (SI-
O Balanced Scorecard teve a sua origem num estudo reali- NAES), estabelecendo parâmetros
zado durante o ano de 1990, o qual tinha por base mostrar que a para a avaliação de instituições de
avaliação da atuação empresarial fundamentada apenas na con- ensino superior. O Sistema inte-
tabilidade financeira tornara-se insuficiente. gra três instrumentos de avalia-
Segundo Kaplan e Norton (1997) o Balanced Scorecard in- ção: a Avaliação das Instituições
clui um conjunto de medidas que dão uma visão rápida e global consideradas em seu conjunto,
da atividade empresarial, onde estão incluídas as medidas finan- compreendendo Avaliação Interna
ceiras, complementadas com medidas operacionais. Assim, as e Externa; o Exame Nacional de
medidas financeiras permitem expressar os resultados das ações Desempenho dos Estudantes
tomadas e as operacionais representarem medidas como a satis- (ENADE) e a Avaliação dos Cur- Angela E. de Sampaio– Profa. Msc. da UESPI - [email protected]
fação do cliente, melhoria dos processos e atividades internas, sos de Graduação. Maria Valéria S. Leal - Profa. Esp. da Faculdade Piauiense
de inovação e progresso da organização. A lei 10.861/2004 estabelece, [email protected]
Para Ramos e Gonçalves (2002), o Balanced Scorecard mos- em seu art 3º, as dimensões insti- Elenir C. Figueiredo – Profa. Esp. da Faculdade Piauiense
tra onde se deve competir, que clientes conquistar e o que é ne- tucionais a serem consideradas na [email protected]

A ESCOLA DE PALO ALTO E OS PARADOXOS COMUNICACIONAIS


O homem que anuncia “Estou mentindo” está dizendo a de informação que deveria regular o sistema põe em conflito o bicho pega, se ficar o bicho come” e “morde e assopra”.
verdade? O paradoxo semântico transcrito acima é um exem- as suas partes, provocando uma desordem até certo ponto ir- Paul Watzlawick, psiquiatra, seguidor das ideias de Bate-
plo das várias questões que impulsionam o antropólogo Gre- reversível, como nos casos de esquizofrenia, que, segundo Ba- son, acata a definição de um paradoxo pragmático como sendo
gory Bateson a elaborar uma nova Teoria da Comunicação, teson, decorre de um problema de metacomunicação: o sujeito o conflito entre o significado da mensagem e seu comando ou
em oposição aos modelos de inspiração positivista dominan- já não consegue comunicar consigo mesmo e, então, entra em sua ordem. Tome-se como exemplo um outdoor eletrônico ins-
tes na década de 40 do Século XX. Surgia, assim, uma cor- surto delirante. talado no final dos anos 90 entre duas pontes sobre o rio Poti,
rente de estudos da Comunicação que recebeu diversas O estudo da comunicação, nas primeiras décadas do século em Teresina, Piauí. A mensagem dizia: “Preste atenção ao trân-
denominações: Escola de Palo Alto, Colégio Invisível e, XX, inscrevia seu objeto num frame teórico capaz não só de sito!”. Nada de antinômico no significado do texto. Contudo,
ainda, Nova Comunicação. apreendê-lo logicamente, mas de impor essa lógica ao próprio o motorista que quisesse prestar atenção ao trânsito, jamais
Bateson estava preocupado em inscrever a comunicação – objeto: a comunicação é da ordem do previsível, do planejável, deveria ler a mensagem, pois essa, ao anunciar a necessidade
enquanto prática - no centro de outras abordagens teóricas, en- do lógico. Não há, a rigor, para esse tipo de teoria, a possibili- de estar atento ao trânsito, desviava o olhar do motorista para
tendendo-a como a matriz de todas as atividades humanas. Mas dade da contradição. a própria mensagem. Significado e ordem não se coadunam,
Bateson não seguiu as ideias dominantes da época, sobretudo a Em meados do século XX, a formalização das linguagens, neste caso.
de que a comunicação é uma atividade fundada numa lógica for- sobretudo a partir dos estudos estruturalistas, levou à reificação Como se percebe, é com Bateson que a comunicação,
mal voltada à tentativa de anulação das incertezas de uma dada das estruturas e à afirmação desse princípio: dentro dos quadros agora da ordem do complexo, abandona as certezas da lógica
situação (o pressuposto básico da Teoria da Informação que vi- do código utilizado, a mensagem só pode significar o que se pre- formal e instaura o paradoxo. O que caracteriza o duplo vín-
gorava no período mencionado era o de que só há comunicação tende que ela signifique. O significado assumiu o caráter de men- culo é o fato de que em certas situações de interação, qualquer
quando há incerteza, donde a comunicação se torna a medida sagem lógica, considerando-se apenas um nível de abstração, o que seja a alternativa assumida pelo interlocutor, a ação que
da incerteza de uma determinada situação). Opondo-se à ideia do próprio conteúdo inscrito num código. Assim, a comunicação daí decorre será sempre a mesma. O sujeito se torna prisioneiro
de que as trocas comunicacionais podem ser mensuradas esta- tornaria as relações transparentes; conhecendo as suas regras, da própria mensagem.
tisticamente e baseando-se nos conceitos de sistema aberto, da tudo seria previsível e controlável.
Teoria Geral dos Sistemas, e de retroalimentação, da Ciberné- No entanto, esta comunicação auto-
tica, Bateson trouxe à baila o estudo das contradições e parado- reguladora é, tal como Bateson
xos comunicacionais, que se apresentam de diferentes formas: constatou, insuficiente no que diz
lógico-matemática, semântica e pragmática. respeito à ação interior de cada um.
Numa clara tentativa de conferir complexidade ao objeto Portanto, é com Bateson que
de estudo da Comunicação, Bateson entende que uma interação se iniciam os estudos sobre os pa-
comunicativa só pode ser entendida como parte de um sistema radoxos e as contradições das men-
e também enquanto sistema autorregulável pela ação dos sujei- sagens. “Não me obedeça!”, diz a
tos no contexto em que tal interação acontece. Portanto, a re- mãe para o filho excessivamente
troalimentação – troca de informação entre as partes do sistema obediente. Mas qualquer que seja
e desse com o meio – torna possível a autorregulação dos siste- a reação do filho ele estará obede-
mas abertos, uma vez que eles tendem à desordem. cendo. Cilada da comunicação,
Os paradoxos comunicacionais são uma forma de desvio do essa situação específica expressa
processo de autorregulação sistêmica. Eles tanto desafiam a um duplo vínculo (double bind) Gustavo Said – Prof. Dr. da UFPI - [email protected]
coerência lógica (níveis sintático e semântico) de certas sen- com a mensagem, conforme o con- Camila Calado Lima - graduada em Publicidade e Propaganda pelo CEUT
tenças comunicacionais quanto podem afetar a ação e o com- ceito criado por Gregory Bateson. [email protected]
portamento dos sujeitos que interagem (nível pragmático). Em A sabedoria popular há muito já Caio Bruno Silva do Carmo - acadêmico de jornalismo da UFPI
alguns casos, um paradoxo comunicacional acontece quando havia identificado o double bind, [email protected]
a mensagem gera um conflito entre seu conteúdo e a ordem ou que tomou a forma de pelo menos Thiago Meneses Alves - graduação em jornalismo pela UFPI
dois ditados populares: “Se correr [email protected]
o comando repassado pela mesma mensagem. Assim, a troca
TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010 15

AÇÃO EDUCATIVA EM MUSEUS COM ACERVOS ARQUEOLÓGICOS

DIVULGAÇÃO
Os museus de arqueologia ou com acervos arqueológicos são pressões próprias da ciência arqueológica que necessitem de
utilizados como recursos didáticos pelos professores. Em geral, maiores explicações;
as visitas ocorrem sem orientação e planejamento, de forma que, 6.Elaborar jogos para exercitar o que estão vendo no museu.
ao longo dos anos, existe a tendência dos grupos escolares não Para crianças entre cinco a sete anos, os jogos de observação são
voltarem aos museus. Porque isto ocorre? Em parte pela visão os melhores. Faça com que seja valorizado o lado lúdico e que
ainda bastante disseminada de museu como “depósito de velha- não pareça um teste ou avaliação;
rias” e de discursos expositivos que reforçava o culto do objeto 7.Se forem acompanhantes, como outros professores e pais,
pelo objeto. façam com que se inteirem das atividades;
Então, qual seria a função didática dos museus? De acordo 8.Antes de agendar a atividade, verifique se os expositores do
com Joan Santacana e Xavier Hernàndez, “os museus não são so- museu são adequados para a sua visita. As vitrines devem ter uma
mente instituições onde se aprende conceitos, hoje e no futuro, altura que facilite a visualização dos alunos das séries iniciais;
o museu deverá ser o lugar onde atenda os alunos para aprender 9.Agende a sua visita e no dia procure chegar no horário
a formular hipóteses, a classificar, a emitir juízos críticos, em marcado. Informe-se dos serviços do museu e de sua estrutura
suma, a colocar em questão as capacidades próprias de sua física (ex.: banheiros, lanchonete, acesso a portadores de neces-
idade” (1999, p.180). sidades especiais etc.);
Até agora o museu foi utilizado como uma “ilustração” da- orientações são fundamentais para o uso dos museus como ferra- 10.Informe com antecedência aos alunos que alguns procedi-
quilo que o professor havia explicado em sala ou como uma “mo- mentas pedagógicas (Santacana & Hernàndez, 1999; Horta et. al., mentos devem ser respeitados, seguindo as recomendações do pes-
1999; Bruno, 1999; Hérnandez Hérnandez, 2003; Swain, 2007): soal do museu. Verifique a possibilidade do uso de máquina
tivação” para introduzir um tema. O professor pode ultrapassar
1.Preparar as atividades a serem desenvolvidas, observando fotográfica, em coleções que apresentam plumária, por exemplo,
esta visão simplista, ao ver no museu um instrumento útil, como
o tempo necessário para executá-las; não é permitido o uso de flash. Esclareça aos alunos sobre os cui-
um espaço de interação e ação para a sua prática pedagógica. Em
2.Vincular as ações planejadas aos princípios norteadores da dados de não ingerir alimentos nos espaços visitados, pois isto po-
uma exposição de arqueologia, por exemplo, não será importante
Educação Patrimonial, para a sensibilização e apropriação dos derá afetar a conservação do acervo, atraindo insetos e roedores;
somente o resultado da pesquisa arqueológica, colocando à mos- bens arqueológicos pelos estudantes. As atividades que propor-
tra os artefatos e estruturas, mas igualmente será fundamental 11.Se o museu apresentar expostos ossos humanos ou se-
cionem o manuseio de artefatos, a reconstituição de técnicas e pultamentos de sítios arqueológicos, avise aos seus alunos e
conhecer os procedimentos de pesquisas adotados. Este tipo de modos de fazer antigos, a dramatização de acontecimentos his-
análise se preocupa muito mais com o método e com a avaliação aborde o tema com naturalidade. Muitas crianças e jovens
tóricos, a experiência da descoberta através de atividades que si- quando surpresos podem ficar impressionados ou comovidos.
crítica do conhecimento, do que somente buscar sínteses já aca- mulem ou recriem os métodos da arqueologia são algumas
badas. As exposições devem ser um meio de comunicar um con- O mais importante é realizar o trabalho de forma a in-
atividades possíveis em museus de arqueologia;
texto de forma a relacionar os artefatos, as realizações e as ideias tegrar as atividades preparatórias, as desenvolvidas no
3.Estudar o trajeto e salas do museu, o escolar não precisa
(Fernández & Fernández, 1999, p. 157). museu e aquelas novamente realizadas em sala de aula. Para
necessariamente fazer uma visita completa à instituição;
O museu, além de conservar o seu acervo, deve ser um pro- isso, estimule sua criatividade,
4.Selecionar os elementos a serem trabalhados em função da
motor de atividades educativas e não somente um receptor pas- propondo questões e atividades
idade. Não estudar mais de dez peças para alunos de dez anos;
sivo de alunos e visitantes. Um exemplo desta prática é a práticas aos alunos, de forma
acrescentando um elemento a mais, a cada ano até o máximo de
existência de museus de arqueologia no Brasil, que mantêm que eles possam desenvolver
quinze elementos. Esta escolha dependerá da temática de traba-
ações educativas de maneira sistemática, a exemplo do Museu suas habilidades e construir
lho, é importante desvincular a ideia de arqueologia estar rela-
Arqueológico de Sambaqui de Joinville (MASJ), do Museu Ar- uma visão do passado mais plu-
cionada com objetos exóticos. Assim, a sua escolha deve se
queológico de Xingó (MAX) e da Fundação Museu do Homem ral e diversa.
basear não em critérios somente estéticos, mas nas informações
Americano (FUMDHAN). tecnológicas, sociais e simbólicas dos artefatos e, sobretudo, no
Fabiana Comerlato
Com estas considerações, compreendemos que existe um contexto arqueológico;
Prof. Dra. da Univ. Federal
campo amplo a ser explorado pelo educador e, por outro lado, os 5.Ter atenção com os textos escritos, primando por aque-
museus de arqueologia se apresentam como cenários privilegia- do Recôncavo da Bahia
les concisos e com letras legíveis. Evite que o aluno copie e
dos para um aprendizado significante. Assim sendo, algumas [email protected]
observe se existe algum termo de difícil compreensão e ex-

APRENDIZAGEM NA FAP TERESINA: VISÃO DE PROFESSORES E ALUNOS


Com o objetivo de analisar a visão de professores e alunos intelectual do aluno e sua capacidade de fazer juízos independen- através das boas notas, que demonstram sua aprendizagem,
da FAP sobre o processo de ensino-aprendizagem foi desenvol- tes. Observa-se, então, que ensino e aprendizagem andam lado a aliada aos questionamentos e comentários, do modo que tratem
vido esse projeto de pesquisa que contou com o financiamento lado. E que um não pode ser executado plenamente sem o outro. dos assuntos aprendidos fora da sala de aula. Com relação ao
da FUNPESQ - Fundação de Incentivo à Pesquisa, através da par- A pesquisa revelou que o corpo docente da FAP Teresina é bom professor, ressalta-se o domínio dos conhecimentos, mos-
ceria com a FAP Teresina. jovem, a maioria dos professores têm nível de mestrado e são trando como se faz na prática, incentivando o aluno a buscar o
A educação ocupa papel central na trajetória histórica do de- comprometidos com o ensino – aprendizagem e com a aprendi- conhecimento fora da sala de aula. Ele deve ser exigente
senvolvimento do potencial humano desde os primórdios da hu- zagem do aluno e buscam seu aperfeiçoamento profissional. Já a quanto a prazos e trabalhos, impor respeito, ouvir o aluno e o
manidade. Ela é inerente ao homem. A procura incessante pelo maioria do corpo discente é composta de solteiros, pessoas jovens incentivá-lo a participar da aula com ideias e pontos de vista.
novo faz com que este se lance numa busca desenfreada por ino- que trabalham e estudam. A pesquisa revelou também que a Com base nos resultados obtidos, percebe-se que não houve
vações tecnológicas, nas mais diversas fases da sua vida. Com a visão sobre aprendizagem de alunos e professores é praticamente uma distinção marcante de opiniões entre os alunos e profes-
evolução, as novas tecnologias, a era espacial e a informática, a a mesma, no que se refere às características de uma boa aula, um sores dos diversos cursos da FAP Teresina, sobre o ensino-
educação se transformou, seus objetivos mudaram, seus métodos bom professor, um bom aluno e o método de aferição de conhe- aprendizagem. O resultado completo da pesquisa realizada por
se aperfeiçoaram muito. A abordagem tradicional do ensino foi cimentos do aluno. curso e de forma global encontra-se à disposição de todos na
sendo abolida. Surge, então, a andragogia: a arte de ensinar a Professores e alunos concordam que uma boa aula é a expo- FAP Teresina – FUNPESQ.
adultos, segundo Rosenbach, a Andragogia, revolucionou a socie- sitiva, que o professor deve dominar o assunto e ligar a teoria à
dade, transformando o adulto, em superadulto. Seu método fa- prática, em que o aluno expõe suas
vorece e estimula o adulto a aprender, uma necessidade na ideias, opiniões e promove a refle-
sociedade contemporânea. Esses adultos estão cada vez mais dis- xão sobre o assunto ensinado. Os
postos a iniciar um processo de aprendizagem, desde que com- fatores que contribuem para difi-
preendam sua utilidade. Assim, ensinar a um adulto é diferente cultar o processo de aprendizagem
de ensinar crianças e adolescentes. É preciso fazê-lo entender o dos alunos são originados pelo
que está estudando, para que está estudando e se o estudo irá fa- fato de o aluno trabalhar e estudar,
vorecê-lo futuramente. Pelo fato de o adulto já ter uma bagagem além do seu nível cultural, aliado
de vida, ele precisa apenas reforçar seus conhecimentos e, para ao desinteresse, falta de esforço,
isso, é necessário alguém que tenha um conhecimento a mais de aptidão e habilidades. Não há
que ele. Muitas vezes ele já tem a parte prática e precisa apren- nada que indique que estas dificul-
der a parte teórica, para poder desenvolver condizentemente suas dades possam estar centradas na
habilidades profissionais. relação aluno - professor ou na Ana Maria Chaib G.. Ribeiro – Profa. Msc. da FAP Teresina
O filósofo norte-americano Israel Scheffler caracteriza o en- falta de comunicação entre profes- [email protected]
sino como uma atividade cujo propósito é a realização da apren- Denille Chaib G. Ribeiro – Profa. da FAP Teresina
sor - aluno. A aprendizagem é con-
Maurício M. Boavista de Castro – Prof. da FAP Teresina
dizagem, sendo praticado de maneira a respeitar a integridade cebida e demonstrada pelo aluno
16 TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

A CIÊNCIA DO LIVRO DA NATUREZA


“[...] Sólo que yo creo que el verdadero libro de la filosofía O silêncio diz, significa, é signo, está cheio, pelo qual não é si e postos em ordem, concertados com harmonia grandíssima, e
es el libro de la naturaleza, que tenemos siempre abierto ante los o mesmo que falta ou ausência, tal silêncio contém o pensa- comunicando-se suas virtudes e produzindo os frutos que enfei-
ojos; aunque no todos pueden leerlo, pues que está escrito en ca- mento, brilha a ideia no mar do silêncio, paira sobre suas águas tam e encantam o ar e a terra. Houvesse mais cuidado com as vir-
racteres distintos a los de nuestro alfabeto”, Galileo. (Cf. BLU- o espírito, o silêncio comporta a contemplação. No tradicional tudes, talvez o ensino das ciências e o desenvolvimento seriam
MENBERG, Hans. Paradigmas para una metaforología. 2003, conceito da creatio ex nihilo - crear de la nada- subjaz a “possi- sempre ecológicos. Platão, em Protágoras, indica quanto se dis-
p.155). “O conhecimento dos animais que tinha a sua volta, da- bilidade”, não só do que devem per si, mas que o mundo como tancia do bem e da justiça quando são estranhos o saber e a vir-
queles que o ameçavam e aos quais dava caçada constitui o mais expressão, é a sabedoria própria do homem simples e puro, como tude, sanar tal falha passa por entender o fazer bem como a arte
antigo saber do homem. Ele aprendeu a conhecê-los pelo ritmo o concebeu Nicolás de Cusa na tese da docta ignorantia; pois, de articular o útil, ou o bom, ao belo.
dos seus movimentos. A escrita mais antiga que aprendeu a ler em seus Diálogos, o idiota é figura do imediato: dado que a sa- Segundo Ernst Robert Curtius (Literatura europea y Edad
foi a dos rastros – uma espécie de notação rítmica que sempre bedoria criadora há criado ela mesma, igualmente, ao interlocu- Media Latina, 1975, I, p.486) em seu capítulo sobre o livro como
existiu. Tal notação se estampava por si só na terra macia, e o tor a quem se dirige sua automanifestação no mundo, aquele será símbolo, esclarece que a palavra árabe cifr, que significa vazio e
homem que a lia associava a ela o ruído que lhe dera origem.” capaz de entender sem ajuda se persiste em sua condição de inal- designa o zero matemático, passou às línguas romances desde o
(CANETTI, Elias. Massa e poder. 2005, p.30). terada naturalidade em relação a ele. [Nicolás de Cusa, em seu século XII. Portanto, creatio ex nihilo teria a ver com palavras
A imagem do livro da natureza aflora em uso na Idade sermão Verbum caro factum est (de 1454), em Cusanus-Texte, I, do livro silente, o primeiro livro, onde se ouve a voz do silêncio
Média, se desenvolve no Renascimento e transcorre até a Mo- Predigten, 2./5., “Vier Predigten im Geist Eckharts”, ed. de J. (conforme o Livro dos Preceitos Áureos, traduçao de Fernando
dernidade. Ramón Sibiuda (1436), Mestre em Artes e Medicina Koch, Heildelberg, 1937 (Sitzungsberichte der Heildelberger Pessoa) criar do nada, seria o poder de chamar, evocar ou pro-
e distinguido Professor de Letras Sagradas, veio ser importante Akademie der Wissenschaften, Phil.-hist. Kl, 1936/1937, n.2, nunciar o Nome. Aqui, a leitura ainda se dá de modo imediato;
referência a muitos estudiosos, a filósofos, como Montaigne, a pp.75-83): Mundus est tu liber artis aeternae seu Sapientiae. exige meditação, leitura e pureza, quer dizer: profundo cuidado
educadores, como Juan Amós Comenio, Galileo, Bacon e tantos Unde adhuc Sapientia creavit aliqua capacia Sapientiae, quae ha- dos sentidos. Para ler o livro da naturaleza, é necessário ouvir a
outros que reconhecem esta ciência da leitura do mundo. Sibiúda bent simlitudinem eius magis propriam, et sunt intellectuales na- voz do silêncio, a esta não se ouve se o aprendiz não ouve a si
apresenta seu livro como “Ciência do livro das criaturas, ou livro turae, sicut liber demonstrative procedens clarius ostendit mesmo: “Conhece-te a ti mesmo!”. O que extrai o homem da na-
da natureza, e a Ciencia do DIVULGAÇÃO tureza é fruto seu. Daí que o silêncio seja
homem, que é própria do inclusive caminho, méthodo de preparação
homem enquanto homem, pelo e adoração. Na Grécia, o silêncio tinha um
que é necessária para todos os lugar importante nas sociedades pitagóri-
homens, e lhes resulta natural e cas e nos círculos órficos; exigia-se de um
conveniente” (Theología natu- a três anos de silêncio como forma de ini-
ralis seu liber creaturarum. ciação. Sócrates comenta muitas vezes a
1480), aí utiliza a bela metáfora importância do silêncio como forma de co-
da natureza como um livro, esta nhecimento e, em comparação com a fala,
nova ciência era como o alfa- afirma que o silêncio é bem mais decisivo.
beto, que de modo admirável Os místicos, os cristãos, os neoplatônicos,
está incorporado a todos os li- os persas, os hindús, os árabes, os judeus
vros, assim, devia ser o pri- na Idade Média, fizeram largo uso do si-
meiro aprendido por todos, era lêncio como meio de chegar a Deus. Os
a ciência comum a todos, “esta místicos católicos da Contra-Reforma e os
ciencia não é outra coisa que Quietistas do século XII apreciam o silên-
ver e conhecer a sabedoria es- cio e fazem da prática da presença de Deus
crita nas criaturas”, constitui o no silêncio o centro da religião. Presença
primeiro livro entregue ao (praescientia), meyen em grego, o mesmo
homem, desde o princípio, nele que dizer. Conclui Eni Puccinelli Orlandi
está também contido o próprio (As formas do silêncio, 1993) que o silên-
homem, que é a principal de cio não fala; o silêncio é; ele significa. Ou
suas letras, este livro contém a melhor: no silêncio, o sentido é. Estuda-se
ciência necessária para o os sentidos das descobertas? Descoberta, é
homem. metáfora para muito.
Para o educador Paulo A etimología de silentium, referida a
Freire, uma compreensão crítica silens que significa: que se cala, silen-
do ato de ler não se limita à de- cioso, que não faz “ruído”, calmo, que está
codificação da palavra ou da em repouso, sombra etc; calar é também
linguagem escrita, mas que se marcar, penetrar, atravessar. Ainda que na
antecipa e se prolonga na inteli- época clássica não haja diferença de sen-
gência do mundo, afirma: “A tido entre sileo e taceo (calar), primitiva-
leitura do mundo precede a lei- mente sileo não designava propriamente
tura da palavra”, e a posterior “silêncio” porém “tranquilidade”, ausência
leitura desta não pode prescin- de movimento ou ruído. Estar em silêncio
dir da continuidade da leitura seria idéntico a estar quieto. Empregava-
daquele; com fundamentos si- se sileo para se falar de coisas, de pessoas
milares, o filósofo Hans Blumenberg levantou as teses sobre a sapientiam quam rhetorice]. e, especialmente, da noite, dos ventos e do mar. Silentium, mar
Legibilidade do mundo e a Metaforologia, esta como ciência que É este o espírito livre que cantam os poetas da Arcádia, entre profundo. E aí nos deparamos com o aspecto fluido e líquido do
estuda a linguagem do espirito em seu movimento de antecipação eles Virgilio. Fray Luis de León, em De los nombres, comenta a silêncio. As ondas são apenas seu ruído, suas bordas, limites, seu
do mundo ainda não reduzido a conceitos. Deduzimos que ainda visão do pastor, o qual conhece e fala do amor verdadeiro, não movimento periférico, as palavras, imagens. A ciência do libro
sem palavras existe escrita e leitura, isto, por si, valoriza culturas pelo domínio da palavra, mas sim por seus sentidos puros e agu- da natureza é, pois, assunto da estética e das demais ciências in-
cuja expressão ou deciframento do mundo - quer dizer, o extrair dos, sua sabedoria vem da natureza, sem que isto implique de- teressadas em reatar o saber à virtude, esta ciência naceu quando
do vazio ou do silêncio- se dá, por exemplo, através de imagens pendência, tal conhecimento é fruto da sua própria natureza. converter vil metal em ouro, consis-
e música; com razão Hegel define a música como a arte da inte- Educar para a leitura do livro da natureza, para a atitude de es- tia em articular a ciência a um puro
rioridade subjetiva: “Com o som […] sentimos que entramos em cuta, é criar condição para uma autoeducação. Seus deleites - do ideal, mente e coração, buscava-se o
uma esfera superior: o som toca nossa sensibilidade mais íntima. pastor- são tanto maiores quanto mais nascem das coisas mais secredo de uma pedra filosofal, a
Dirige-se ao interior da alma, posto que o próprio som é o in- simples, mais puras e mais naturais: da vista do céu livre, da pu- fons vitae .
terno, o subjetivo” (curso de Estética em Berlin, 1823, transcri- reza do ar, do campo, do verde das matas e da beleza das rosas e
ção de Heinrich Gustav Hotho); não é qualquer som, trata-se da das flores, das aves com seus cantos e das águas com sua fres-
música própria da natureza do homem; existem cifras, acordes cura; com anônimos simples e não contaminados com vícios, seu Francisco das Chagas
de uma natureza mais perfeita que ressonam no homem que cuida amor e saber são puros e ordenados a bom fim; tudo isto é já uma Amorim de Carvalho
dos seus sentidos, modo, talvez, mais seguro de escutar o ruído imagem clara, ou por melhor dizer, como uma escola de amor Prof. Msc. da UFPI
que lhe dera origem. puro e verdadeiro; admira na natureza a todos irmanados entre [email protected]
TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010 17

CENSURA ÀS HQs. ESSA HISTÓRIA NÃO ESTÁ NO GIBI


Quem um dia já não levou na mochila, escondidas senvolveu e os gibis chegaram até a serem queimados em Desde 2007, os quadrinhos se transformaram em política
entre os livros escolares, revistas em quadrinhos para ler praça pública, numa atitude de extrema intolerância aos de governo, quando 14 obras entraram no Programa Na-
na sala de aula sob os cadernos, longe do olhar de repro- quadrinhos; a censura ao gênero se tornou obrigatória e cional Biblioteca da Escola (PNBE). Desde então, o nú-
vação dos professores? Hoje esta pergunta pode até pare- listas de “títulos proibidos” correram o país. Em Teresina, mero cresce e atualmente já chega a mais de quinhentos
cer estranha aos olhos do leitor atual, que além de buscar o jornal católico O Dominical divulgou lista de revistas e títulos, ou seja, as HQs romperam a barreira do precon-
prazer na leitura de gibis, se utiliza destas e de outras lin- jornais, os quais os católicos não poderiam ler, sob reco- ceito social que sempre as cercaram e conquistaram de
guagens para ampliar o conhecimento. Mas, na verdade, mendação do Departamento Nacional de Defesa da Fé e vez o espaço escolar. Se antes elas chegavam escondidas
não foi sempre assim, muitas gerações apaixonadas por da Moral; os títulos abrangiam desde revistas de fofocas nas mochilas das crianças à escola, porque eram vistas
quadrinhos no Brasil e no mundo viveram a circunstância e bastidores do rádio e do cinema, consideradas indecen- como subversivas pelos professores, hoje ganham lugar
descrita acima e puderam testemunhar um longo período tes, até as infantis de quadrinhos que eram desaconselhá- de destaque até em livros didáticos, pois se tornou um
de intolerância contra as histórias em quadrinhos (HQs), veis para crianças, pois, segundo o pensamento corrente, dos recursos preferidos dos autores, para melhor explo-
que, no Brasil, se popularizaram com a denominação de as mesmas estimulavam o crime e perturbavam a fantasia. rar a aprendizagem. Do mesmo modo, diversas editoras
“gibis”. Desse modo, é necessário desmistificar verdades, já produzem livros paradidáticos, inteiramente com o
antes tidas como absolutas e que, por muito tempo, ali- formato e a linguagem dos quadrinhos, como a Coleção
mentaram o terrorismo ideológico contra as HQs, e que Literatura Brasileira em Quadrinhos (Ed. Escala Edu-
ainda hoje despertam polêmicas. É preciso compreender cacional), que reúne grandes clássicos da Literatura.
de fato que a leitura de gibis influencia positivamente a Assim, a leitura de gibis e a sua presença na escola
aprendizagem e a formação de um leitor crítico. contribuem para que os pequenos leitores desenvolvam
E porque será que as HQs brasileiras são chamadas de o domínio dessa habilidade, com prazer, exercitem
gibis? E qual a razão de tanta censura às revistinhas? No mais a criatividade, enriqueçam a aprendizagem e,
Brasil, o sucesso dos quadrinhos, desde seu surgimento, desse modo, ampliem conhecimentos. Tudo isso, possi-
foi tamanho, que originou inclusive uma expressão bilita ao educando (que já é consumidor de HQs), a
que se imortalizou no vocabulário nacional: “não está construção de diversas leituras e formas de ler o uni-
no gibi”. Gibi, na verdade, foi o nome de uma revista verso ao seu redor, ou seja, as HQs interferem positiva-
em quadrinhos (Gibi Trissemanal) lançada em 1939, mente na formação de leitores, mais que isso, na
por Roberto Marinho (1904-2003). O novo lançamento formação de leitores críticos.
do então jovem editor obteve grande popularidade e Mas, o que realmente conquista o leitor de quadri-
logo se tornou sinônimo de histórias em quadrinhos nhos e faz dessa mídia artística e cultural uma autêntica
no país. Na época, década de trinta do século pas- fonte de informação e conhecimento? Um fator que con-
sado, as HQs foram recebidas com euforia e en- corre decisivamente para isso é a linguagem própria dos
tusiasmo pelos jovens leitores que corriam às quadrinhos, que se apóia no código escrito e gráfico. Ao
bancas de jornal, para adquirir seus gibis ou faze- lidar com a palavra e a imagem simultaneamente, as
rem trocas, algo comum entre os leitores do gênero. HQs desenvolvem uma narrativa que pode obedecer a
Entretanto, o público adulto (que não vivera aquela ex- ritmos diferentes de ação e disposição na página. Além
periência, quando criança ou adolescente), recebeu a disso, os gibis lançam mão de diversos símbolos, sono-
nova mídia com grande desconfiança, muita censura e ros e visuais, que pontuam toda a narrativa e exige uma
enorme intolerância. sólida compreensão leitora, ou seja, a leitura de HQs
Roberto Marinho é apenas um dos personagens que
oferece um aprendizado essencial e que permanece por
protagonizaram essa história no país. Ele lançou diversos
toda a vida. Assim, evoluir desse estágio para outros ní-
títulos (inicialmente através do jornal O Globo, mais tarde
veis de leitura, como jornais ou livros, não será nem um
fundou a Rio Gráfica Editora (RGE) hoje Editora Globo)
pouco difícil.
e conquistou a fidelidade do público infanto-juvenil para
Portanto, não é compreensivo que as HQs ainda
os gibis, se mantendo como um dos grandes editores de
quadrinhos no país. Mas, com ele, outros nomes se tor- sejam alvo de determinadas polêmicas. Em 2009, o
naram defensores convictos das HQs, como Adolfo caso da adoção de um livro em quadrinhos para crian-
Aizen (1907-1991), fundador da Editora Brasil Amé- ças do Ensino Fundamental em São Paulo provocou
rica (EBAL), que publicou inúmeros títulos e se tor- estranhas reações de autoridades e da mídia em geral,
nou líder do mercado de quadrinhos por muito tempo, comprovando, mais uma vez, que o desconhecimento
Victor Civita (1907-1990), editor de Walt Disney no Bra- das HQs, de sua história, produção e sua importância
sil, pela Editora Abril e Assis Chateaubriand (1892- enquanto mídia artística e cultural fez reacender a
1968), que também entrou em campo com diversas
DIVULGAÇÃO

chama do preconceito, que tanto envolveu os gibis


publicações, através dos Diários Associados, mais tarde durante sua trajetória. Na verdade, o caso demonstrou
fundaria outra mídia no país: a televisão. Os quatro edi- falta de bom-senso por parte dos responsáveis pela
tores concorreram entre si na disputa pelo mercado, mas,
adoção, pois o livro em questão era dirigido ao pú-
juntos, combateram a intensa campanha difamatória às
blico adulto e não ao infantil; a ideia de que os gibis
HQs, orquestrada pela sociedade e imprensa da época, que
viam grandes malefícios na leitura do gênero. são apenas para crianças é um erro, as HQs se diri-
Toda essa história começou na Itália, no final dos anos Foi neste cenário que as HQs se desenvolveram e se tor- gem a todas as faixas etárias, possuem públicos espe-
trinta, quando o líder fascista Benito Mussolini proibiu a naram um fenômeno, conquistando milhões de leitores cíficos de leitores entre crianças, jovens e adultos.
entrada de quadrinhos dos Estados Unidos (EUA), no por onde passavam, apesar de tudo que se dizia contra Assim, é preciso conhecer o universo dos quadrinhos,
país. A partir desse momento, posturas cada vez mais elas, pois não foi por acaso que várias gerações cresce- suas peculiaridades, formatos e linguagem para se
agressivas e contrárias aos quadrinhos se manifestariam ram lendo Capitão Marvel, Tarzan, Fantasma, Super- apropriar desse veículo e explorá-lo corretamente,
em todas as partes do mundo. No Brasil, representantes Homem, Batman, Homem-Aranha, Pato Donald, Mickey
afinal a leitura de gibis exerce
da sociedade civil, como padres, educadores, intelectuais Mouse, Luluzinha, Tio Patinhas, Zé Carioca, Mônica,
“superpoderes” sobre a aprendiza-
passaram a atacar publicamente as HQs, através de artigos Corto Maltese, Mulher Maravilha, Thor, Hulk, Flash
Gordon no Planeta Mongo, Dick Tracy, Asterix, Zorro, gem e representa excelente recurso
na imprensa, os quais alertavam a todos sobre o “perigo”
Mandrake, Betty Boop, O Espírito, Zagor, Tex Miller, de ensino. A censura a esta mídia,
que representavam os gibis; diziam que os mesmos preju-
dicavam o rendimento escolar, ofereciam maus exemplos, Zas Tras, Pererê, Shazam! Gato Felix, Bronco Piler, realmente, não está no gibi.
estimulavam a violência, ou seja, influenciavam a juven- Brucutu, O Príncipe Valente, X-9, o detetive, Jim das
tude da forma mais negativa. Nesse contexto, o psiquiatra Selvas e tantos outros. Na verdade, os quadrinhos, aca- Angely Costa Cruz
norte-americano Fredric Wertham, assustou o mundo ao baram se tornando a cartilha de “bê-a-bá” para muita Bibliotecária Esp. do Centro de
defender a ideia de que os gibis levavam ao crime, à vio- gente, embora não fossem plenamente aceitos na escola. Estudos Superiores de Timon - Univer-
lação da lei, à prostituição e ao homossexualismo. Hoje, felizmente a realidade mudou e as HQs ganha- sidade Estadual do Maranhão
Assim, uma intensa campanha contra as HQs se de- ram força e respeitabilidade também no ambiente escolar. [email protected]
18 TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

A MENSAGEM DO SALMO: O EVANGELHO SEGUNDO JÚLIO ROMÃO DA SILVA


A Mensagem do Salmo (Saga dramática do Cristianismo), cia deram a tais ritos um verniz inicial de cristianismo e, após “Sequências” e Epílogo. O “Coro” representa o povo conver-
de Júlio Romão, foi publicada e encenada pela primeira vez o lapso de muitas gerações, a igreja negra tornou-se cristã” tido e crente na Palavra de Cristo, cujas vozes fazem a inter-
em 1967, no Rio de Janeiro. O Brasil vivia a crise política (DU BOIS, 1999, p. 248). mediação das falas das personagens e perpassam todas as
que se instalara com o golpe militar de 31 de março de 1964. N’A Mensagem do Salmo, cenas: as 20 “Sequências” e o “Epílogo”. A Mensagem rea-
A história da vida de Romão e a de Cristo se assemelham em Júlio Romão apresenta o teatro tualiza o Evangelho cristão pronunciado há dois mil anos,
vários pontos. Os dois são de origem humilde, filhos de ope- histórico, religioso e enga- agora reescrito e montado noutro contexto ou espaço histó-
rário e carpinteiros, respectivamente, na juventude. Júlio é jado afro-brasileiro que con- rico, político e cultural. No Brasil, em 1967, o país vivia sob
negro. Cristo é judeu. Ambos descendem de povos que foram clama os direitos o regime do governo militar, que usava da estratégia de pa-
vitimados pela violência dos sistemas de escravidão e de pre- universais do homem e trulhar e coibir a liberdade de expressão e a democracia polí-
conceito racial. Sob a perspectiva da escrita afro-descen- da mulher: igualdade, tica sonhada pelos brasileiros, inspiradas pela Palavra
dente, Júlio Romão recria os Evangelhos bíblicos de Mateus, liberdade e fraterni- insubmissa de agremiações estudantis, intelectuais, artistas,
Marcos, Lucas e João, que, através de parábolas contam a dade para todos os setores progressistas da Igreja Católica e cidadãos insatisfei-
Saga do Cristianismo e a de Jesus. A ação dramática se inicia povos, no tom profé- tos. Na narrativa dramática, a criança pobre que nasce na
com a narração do nascimento de uma criança pobre - na tico das parábolas manjedoura, é “O ESPERADO”, o hábil semeador da Palavra
“manjedoura” -, agasalhada ao humilde presépio de palha. As do Evangelho, o de Deus. Ele é aquele que cura, ressuscita, encanta e seduz
vozes do “Coro”, no “Prólogo” ou início da peça, anunciam os humildes com a Palavra e é aclamado “Rei dos Judeus”.
a “Boa Nova”, a chegada do Filho de Deus ao mundo, cujas Por isso julgado pela lei do Estado romano e dos homens
vozes são entrecortadas pelos gritos e exclamações dos con- afortunados ao martírio da cruz – à crucificação: “CAIFÁS -
vertidos pela anunciação do Anjo divino: ”CORO - I FIGURA Ele é um bruxo. Além do mais, subverte os costumes e ilude
FEMININA (numa extremidade do proscênio) / Da palha as criaturas ingênuas, para corrompê-las. Os
que o boi comia / No chão estrumoso, / Cheirando a es- meus próprios escravos, tanto homens
terco, O ninho moldou-se” (SILVA, 2007) como mulheres, depois de ou-
A música, o lirismo, a melodia, as palavras simples virem-no falar, tornaram-se
dos versos que compõem o “Coro”, transmitem o cheiro, idiotas, rabugentos e pe-
arquitetam, desenham, pintam o tulantes. Antes tinham os
lugar, a atmosfera física e espiri- seus deuses e os alimen-
tual do espaço improvisado tavam. Agora, repudiam-
e humilde do nasci- nos por um deus que não
mento de uma criança, conhecem” (SILVA, 2007,
ante a presença dos p.43).
pais e de animais, O presente texto apóia-se na tradi-
estes: “A cabra”, “A ção dramática ocidental e nas culturas de ori-
vaca”, “O bezerro”, gem africana, como na “chamada e resposta” ou co-réplica
compondo a cena. O (call-response) da herança griô em Diáspora, este, poeta,
“Coro” lembra as doces cantor e músico da tradição africana. Tal estratégia se
canções de ninar e as histórias de fadas apóia na voz do solista e na resposta do “Coro” da peça,
que os nossos pais, tias, avós cantaram ou contaram para este representado em geral pelas personagens converti-
acalantar o nosso sono quando éramos crianças. A trans- das ou curadas pela Palavra de Jesus Cristo. Em particular,
culturação desse modo de cantar e narrar reterritorializam o griô é o poeta. Ele narra as experiências vividas pelo
no Novo Mundo a tradição das narrativas orais que migra- grupo e indivíduos ilustres da comunidade, ocupando a fun-
ram da África através da “Porta do Não Retorno” (BRAND, ção social de notável relevância enquanto acervo e guar-
2002), no porão do navio negreiro, e pulverizaram com dião da memória oral de sua comunidade e às vezes
seus mitos, experiências, sabedorias e beleza as narrativas também exerce a o papel de sacerdote: “... ambos, o griot e
e as canções das cidades, campos e lugares longínquos das o pastor compartilham de hábitos linguísticos, culturais e
Américas. O cativo africano não chegou de alma vazia, valores dos seus respectivos ouvintes. Em última análise,
trouxe a riqueza de sua cultura: “... a história social do dever-se-ia estar consciente do fato de que nos sistemas re-
Negro não começou na América. O Negro foi trazido de um ligiosos africanos tradicionais é geralmente difícil, senão
meio social definido - a vida polígama do clã, sob o co- impossível, dissociar música e rituais religiosos: os dois
mando do chefe e a poderosa influência do sacerdote. Sua andam de mãos dadas” (DIOP, 1999, p.123, tradução nossa).
religião era o culto à natureza, com uma profunda crença nas A Literatura Afro-Brasileira é uma escrita inacabada,
influências invisíveis circundantes, boas e más”, (DU BOIS, projeto
literário de Romão um discurso poético em “construção” e de constituição hí-
1999, 245-6). brida, que se configura como tal através do diálogo entre
A Mensagem do Salmo é uma escrita híbrida, creolisada, dialoga com as
ideias marxistas dos es- as culturas de diferentes povos e etnias africanas e o entre-
que significa a dinâmica, a circularidade da cultura negra em cruzamento dessas narrativas com as culturas europeias,
Diáspora e seu diálogo com outras culturas: “...a crioulização critores afro-descenden-
tes do movimento da indígenas, árabes, asiáticas na diáspora negra (SOUZA,
supõe que os elementos culturais colocados em presença uns 2006). Este lugar de encruzilhadas, de memórias frag-
dos outros devam ser obrigatoriamente “equivalentes em Negritude dos anos 30/40
dos países do Caribe e da mentadas e re/criação de novas identidades culturais
valor” para que essa crioulização se efetue realmente” abrigaram experiências e narrativas daqui e de além-
(GLISSANT, 2005, p.28). Isso propicia os modos de narrar e África, como Aimé Césaire da
Martinica, Senghor do Senegal, fronteiras, que são ressignificadas na escrita afro-des-
conceber um Cristianismo recriado à imagem do próprio
dentre outros. Numa entrevista cendente, tradição africana: a performances dos mestres
negro e ressignificado nas Américas. A escrita de Júlio
ao informativo Sapiência, de de cerimônia da cultura popular, a herança griô, a mú-
Romão da Silva desloca a ideia do Cristo puramente ociden-
março de 2008, o autor escla- sica, as canções, os contos maravilhosos, as narrativas
tal, reinscrevendo-o num espaço aberto à relação com a reli-
rece: “Usei o salmo (sic) como míticas, as narrativas de memória ou de experiências vi-
giosidade do outro, em simbiose com a cultura da diáspora
africana. W. E. B. Du Bois discorre sobre a herança religiosa poesia para criticar o que acon- venciadas pelos antepassados,
dos nossos antepassados negros durante os ritos evangélicos tecia na ditadura [...]. A peça foi pessoas da comunidade, paren-
e o diálogo que se estabeleceu entre as religiões desses afri- produzida e estreada no Rio de tes ou pelo próprio escritor
canos e o Cristianismo no Novo Mundo: “Assim, como bardo, Janeiro e Rio Grande do Sul, com negro. Essa escrita recriada
médico, juiz e sacerdote, dentro dos estreitos limites impostos a direção de Aldo Calvet. Inspirei- nas forjas e bigornas da Diás-
pelo sistema escravista, ergueu-se o pregador negro e, sob seu me no simbolismo das parábolas pora negra dispensa essencialis-
comando, surgiu a primeira instituição afro-americana, a de Cristo e remeti para o nosso mos e purismos do cânon
igreja negra. De início, essa igreja não era cristã, tampouco tempo verdades eternas trazidas ao literário ocidental.
claramente organizada; em vez disso, constituía, nas diferen- mundo há mais de dois mil anos
DIVULGAÇÃO

tes plantações, uma adaptação e uma mistura de ritos pagãos, pelo esperado Rei dos Judeus” Elio Ferreira de Souza
sendo vagamente designada como vodu. A associação com os (SILVA, 2007, p.7). Prof. Dr. da UESPI
O texto se constitui de “Prólogo”, [email protected]
senhores, o esforço dos missionários e motivos de conveniên-
TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010 19

CIÊNCIAS HUMANAS
A CIENTIFICIDADE DO TURISMO
Há muito se discute no meio acadêmico a problemática do

DIVULGAÇÃO
turismo frente ao reconhecimento como ciência. A falta de con-
senso se deve ao fato de ser visto como uma atividade prática
que envolve elementos reais ou potenciais, como os destinos
turísticos e os turistas, e de ser um fenômeno dependente de
outras ciências, produzindo uma relação de grande amplitude
e complexidade.
A palavra ciência tem sua origem no Latim e significa co-
nhecimento. Define-se como sendo um “conjunto de conhecimen-
tos socialmente adquiridos ou produzidos, historicamente
acumulados, dotados de universalidade e objetividade que per-
mitem sua transmissão, e estruturados com métodos, teorias e lin-
guagens próprias, que visam compreender e orientar a natureza e
as atividades humanas” (DEMO, 2005 p.15). primeira, ao contrário do segundo, tem um objeto definido de es- rismo encontra resistência de outras ciências ligadas ao tema,
Desta forma, vários são os autores que defendem a com- tudo, utiliza-se de métodos de pesquisa que permitem a verifica- pois tentam, cada uma, aprofundar as bases de uma teoria trans-
preensão do turismo como uma não ciência, sendo Boullón ção dos resultados e, por tratar de aspectos regulares passíveis de ferindo os seus modos de abordagem.
(1990) um desses autores, que apresenta o entendimento de que detectar, possibilita realizar prognósticos relativamente seguros. Assim, o termo turismologia, embora corresponda eti-
as ideias que se derivam dos estudos em turismo estão desligadas Já o saber, no entanto, sustenta-se nas experiências que já passa- mologicamente ao discurso sobre o turismo, veicula uma
entre si, principalmente as que são geradas em outras áreas do ram, apesar de cumulativas, não necessariamente permitem a ve- imagem científica, mas ainda pretensiosa, pois, transforma
conhecimento humano. Este autor afirma, ainda, que o turismo rificação, o que não provém certezas. o turismo em um campo único do saber, omitindo a natureza
não nasceu de uma teoria, mas de uma realidade que foi surgindo Mesmo com correntes de pensamento fortemente fundamen- multidisciplinar.
de maneira espontânea e que se configurou a partir das descober- tadas e contrárias ao reconhecimento do turismo como ciência,
tas em outras áreas. Mas, o que dizer da cientificidade do turismo autores como Jean-Michel-Hoerner (2003), que publicou suas
para caracterizá-lo como ciência? ideias sobre a ciência do turismo ou, como ele intitulou, a turis-
Sabe-se que o estudo do turismo tem passado nos últimos mologia, insistem nos argumentos que revelam o desenvolvi-
anos por um processo de evolução e consagração de teorias e que mento do estudo do turismo para o grau de ciência, como: a
muito do conhecimento adquirido pode ser considerado como turismologia poderá estudar o que estiver relacionado com o ob-
proveniente do desenvolvimento de pesquisa científica e de mé- jeto de estudo “viagem”, desde a sua concepção, a abrangência
todos racionais aplicados à observação empírica. Os estudos que do mercado de viagens, o seu desenvolvimento e suas consequên-
são desenvolvidos na atualidade em universidades públicas e na cias, os contextos sociais e culturais, as relações entre os turistas
iniciativa privada já se valem do fornecimento de elementos para e as sociedades receptoras, ou seja, a turismologia, no entendi-
verificação e contestação das hipóteses apresentadas. Portanto, mento de Hoerner, será uma ciência humana, orientada para o es-
esses estudos já proporcionam provas indicativas, descrevem tudo da viagem e aplicada às profissões relacionadas com o
como foram os procedimentos de construção do novo conheci- turismo e a hotelaria. Hoerner finaliza sua argumentação expondo
mento e informam como se deve proceder para achar outros. que o turismo abarcará um campo vasto de estudos, mas não di- Vicente de Paula Censi Borges - Prof. Msc. da UFPI
Mas, mesmo com todos os indícios elencados acima, que ferente de outras ciências como a geografia, a sociologia, a eco-
[email protected]
fazem do turismo candidato nato ao reconhecimento como ciên- nomia, a história, entre outras.
cia, grande parte dos pesquisadores ainda concebem o turismo José Pedro da Ros – Prof. Msc. da UFPI
Com tantas contradições e parca compreensão da complexi-
apenas como saber. A diferença entre ciência e saber é de que a dade do fenômeno do turismo, a cientificidade no estudo do tu- [email protected]

COMUNIDADE QUILOMBOLA E O USO DOS RECURSOS VEGETAIS NO PIAUÍ


O termo quilombola antigamente era utilizado para desig- nais de tarde e as conversas nas portas das casas. tradicional adquirido das gerações anteriores possa ser per-
nar escravos fugitivos das senzalas e que se refugiavam na Quanto ao uso da vegetação por comunidades quilombolas no petuado e valorizado entre as gerações futuras.
mata em áreas de difícil acesso. O Quilombo dos Palmares Piauí, temos estudos de caso em três comunidades; primeiro foi rea- E por último, em 2008, Fábio Vieira realizou o levantamento
era o mais conhecido, tendo Zumbi como o líder maior. Atual- lizado em Amarante na Comunidade Mimbó, por Jeane Abreu, em de 225 espécies úteis em uma área de transição vegetacional entre
mente, segundo a Associação Brasileira de Antropologia – 2000, que verificou a utilização de 73 espécies, distribuídas em oito a Caatinga e o Cerrado, na Comunidade Quilombola dos Macacos
ABA, o termo quilombo é definido como um conjunto de pes- categorias de uso (medicinal, construção, tecnologia, alimento hu- em São Miguel do Tapuio, identificando 13 categorias de uso, des-
soas que desenvolveram práticas cotidianas de resistências na mano, alimento animal, combustível, místico/religiosa e venenosa). tacando-se principalmente os usos medicinais, forrageiro, alimen-
manutenção e reprodução de seus modos de vida caracterís- A autora conclui existir entre os Mimbós um apreciável nível de tício, melífero e madeireiro. Destacam também uma preocupação
ticos e na consolidação de um território próprio. conhecimento sobre a utilidade das espécies vegetais do cerrado, por parte dos moradores em preservar determinadas espécies, por
O Artigo 68 da Constituição Federal abriu um novo hori- os quais reconhecem dentro de seu território duas fitofisionomias considerarem importantes na manutenção da tradição e, por con-
zonte para as comunidades remanescentes de quilombo, ao es- distintas, a Chapada (cerradão) e o Baixão (cerradão/mata ciliar), seguinte, entre elas estão duas que aparecem na lista do IBAMA,
tabelecer, posteriormente, por meio de Decreto, a necessidade de onde procede grande parte dos recursos por eles utilizados. na categoria vulnerável: Myracroduon urundeuva Allemão
(aroeira) e Astronium fraxinifolium Schott (gonçalo-alves); outra
de restituir os territórios tradicionalmente ocupados pelas co- Os outros dois estudos foram realizados dentro do programa espécie que vem recebendo atenção por parte dos quilombolas é
munidades e assegurar a sua titulação definitiva como território de pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente PRO- a Amburana cearensis (Allemão) A.C.Sm. (imburana-de-cheiro),
de uso comum. O Decreto Lei Federal Nº 4.887/2003 define DEMA/UFPI (Mestrado e Doutorado), orientados pela Profa. por considerarem uma espécie com alto valor, principalmente ma-
que a caracterização dos remanescentes das comunidades dos Dra. Roseli Barros, que trabalha na área de etnobiologia de co- deireira e medicinal. Esta preocupação é também verificada na
quilombos será atestada mediante auto-definição da própria co- munidades rurais, pesqueiras e quilombolas. utilização das espécies que crescem nas áreas de pousio e de ga-
munidade e denominação do seu território, sendo o INCRA o Em 2005, Eldelita Franco verificou a diversidade etnobotâ- lhos caídos, para o uso como lenha e fabricação de carvão vegetal,
órgão responsável pela demarcação do território. nica no Quilombo Olho D’água dos Pires, em Esperantina, reu- conservando, assim, as áreas de vegetação nativa.
No Piauí, existem mais de 100 comunidades remanescentes de nindo informações sobre 177 etnoespécies, pertencentes a 57 Por fim, comparando os dados dos três estudos, observamos
quilombo, porém apenas 38 são reconhecidas pela Fundação Cul- famílias botânicas, agrupadas em doze categorias de uso: medi- que as comunidades quilombolas es-
tural Palmares, órgão responsável pela expedição da Certidão de cinal, alimentação, madeira, forrageira, ornamental, artesanal, tudadas no Piauí têm em comum a
Autorreconhecimento como comunidade quilombola. veterinária, mágico-religiosa, comercial, fibra, higiene e ener- vegetação nativa como fonte impor-
No mapeamento e caracterização sociocultural realizado em gética. As etnoespécies indicadas pelos quilombolas estão pre- tante de recursos, para a sobrevivên-
oito comunidades negras rurais do Piauí, conduzido pelos pesqui- sentes em área de vegetação nativa de transição entre o cerrado cia das mesmas.
sadores Francis M. Boakari e Ana Beatriz M. Sousa, em 2006, li- e a floresta decidual mista e em outros locais, como quintais,
gados ao IFARADÁ (Núcleo de Pesquisa sobre Africanidade e roças e capoeiras. Segundo a autora, a comunidade utiliza a ve- Fábio José Vieira
Afrodescendência da UFPI), foi constatado que o histórico das co- getação nativa como fonte principal de aquisição de matéria- Doutorando em Desenv.
munidades, suas atividades socioculturais e a vida cotidiana são prima, e o número de espécies úteis encontradas indica a e Meio Ambiente – UFPI,
muito parecidos, sendo que o ponto comum reside na dificuldade importância dos recursos vegetais para a sobrevivência do [email protected]
de acesso aos seus locais de residências, haja vista muitas se en- quilombo; ressalta o alto nível de conhecimento que os mem- Roseli F. Melo de Barros
contrarem escondidas em grotões, chapadas e vales, característica bros mais antigos da comunidade detêm sobre o ambiente em
Profa. Dra. da UFPI
dos antigos quilombos. A atividade de destaque consistia da prática que vivem, e considera a necessidade urgente o repasse de
conhecimento aos membros mais jovens, para que o saber [email protected]
religiosa católica, além de danças, como o reisado, futebol nos fi-
20 TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

RAWLS: A JUSTIÇA COMO EQUIDADE E A JUSTIFICAÇÃO COERENTISTA


No cenário anglo-americano, três justificativas eram cor- de justificação coerentista, na teoria da justiça como equidade. fundacionista moderada, resultando em algo análogo a “alinhar
rentes na época em que Rawls iniciou sua vida acadêmica: o No entanto, somente a característica da coerência não é um dis- tropas e intimidar o outro lado (... ). O pensamento que se en-
fundacionismo moral, o intuicionismo e o utilitarismo. Contra- tintivo suficiente para que se possa afirmar tal coisa, porquanto contra por trás disso é que ter caráter é ter convicções firmes e
pondo-se a esse cenário, Rawls passa a utilizar na sua teoria o o fundacionismo moderado também possui tal propriedade. estar pronto para proclamá-las de modo desafiador aos outros
procedimento coerentista da posição original e do equilíbrio re- O argumento mais relevante para determinar o procedi- ”. Por conseguinte, se encarada dessa forma, tal aspecto seria
flexivo para justificar princípios e juízos morais. Em outras pa- mento do equilíbrio reflexivo amplo, enquanto modelo coeren- contrário, por exemplo, à concepção de pessoa como livre, au-
lavras, o objetivo da justiça como equidade é elaborar tista de justificação é, mais especificamente, o caráter tônoma e igual, e, em virtude disso, a teoria de Rawls se iden-
princípios de justiça justificados. Justificar significa mostrar dinâmico que ele encerra, e o não apelo às crenças básicas, pois tificaria com a sua própria crítica. Em contrapartida, o recurso
como seria possível a adoção de determinados princípios de jus- no equilíbrio reflexivo amplo é possível observar avanços e re- na justiça como equidade às ideias implícitas na cultura de uma
tiça mais razoáveis em relação a outros. Para tanto, é necessário cuos, podendo, com isso, até mesmo ser alterado todo o con- sociedade democrática e a utilização do procedimento represen-
demonstrar que pessoas racionais, em uma situação de equi- junto de julgamentos morais iniciais. Por conseguinte, esse tacional da noção de posição original destaca a ênfase que a
dade, escolheriam determinados princípios de justiça por serem movimento progressivo e regressivo que gera equilíbrio ou teoria rawlsiana concede à característica da liberdade e da au-
mais razoáveis, em detrimento de outros encontrados em diver- coerência entre princípios e convicções morais no interior da tonomia para as partes, pois, na posição original, as partes que
sas concepções de justiça. Sob essa ótica, o procedimento rawl- posição original, poderia garantir um suporte argumentativo a compõem, envoltas pelo véu de ignorância, seriam mutua-
siano é elaborado por meio de um sistema que harmoniza o para afirmar a existência do procedimento de justificação coe- mente desinteressadas de sua situação — embora lhes fossem
mecanismo da posição original e o que ocorre em seu interior: rentista na teoria da justiça como equidade, porquanto a carac- concedidas algumas informações gerais. Por conseguinte, a au-
o equilíbrio reflexivo. Este, por sua vez, não possibilita uma in- terística peculiar do coerentismo é aquela que afirma que as sência de dados sobre a posição dos agentes na sociedade pro-
ferência de uma crença em relação à outra, ou outras, mas re- crenças de um mesmo sistema devem ter um apoio mútuo entre duziria uma imparcialidade no momento da deliberação: é
flete a racionalidade de um ajuste de avanços e recuos entre elas, não existindo, assim, nenhum aspecto a priori nem cren- dessa forma que é considerada a justiça tal como equidade, ou
juízos ponderados e princípios de justiça. Tal ajuste é simétrico, ças básicas ou fundacionais. Portanto, a sutileza por meio da seja, possibilitar a conjugação da liberdade com a igualdade,
onde cada crença tem o papel de suportar e de ser suportada qual funciona o mecanismo da posição original e do equilíbrio não violando nenhum acordo sobre as liberdades básicas, as-
pelas crenças num mesmo sistema. reflexivo pode ser relacionada com as características do coe- segurando uma concepção de autonomia ampliada ao político
Na posição original são especificadas as condições formais rentismo emergente. Em tal mecanismo, a ideia de justificação como aspecto constituinte das sociedades bem-ordenadas. Em
para a elaboração dos princípios de justiça, dado que oportuniza pública está associada ao fato de que o pluralismo razoável contrapartida, na justiça como equidade não é constatado nenhum
o esclarecimento público no qual as deliberações são efetuadas presente nas sociedades bem-ordenadas e os juízos políticos aspecto conceitual na teoria que seja considerado como um ob-
por meio de restrições e estabelece os termos justos de coope- são justificados por meio dos cidadãos que compõem uma so- jeto privilegiado da investigação, do contrário seria preciso ad-
ração, formalizando as convicções ponderadas de pessoas ra- ciedade bem-ordenada por meio de uma razão publicamente mitir a hipótese de um paradigma único — fato que traria
zoáveis de maneira equitativa com o intuito de instalar os compartilhada e que tem como pontos fixos provisórios as prejuízos incomensuráveis ao conceito de equidade e, em decor-
princípios de justiça. Sob essa visada, a posição original, em- ideias contidas na cultura política. Para tanto, tais juízos polí- rência, à concepção de justiça. Esse fato seria contrário à meta
bora sendo um critério formal de representação, utiliza os juízos ticos não necessitam ser verdadeiros, apenas razoáveis. Por da teoria rawlsiana: fornecer uma base razoável para a justifica-
ponderados dos indivíduos para a justificação dos princípios: esse motivo, a justificação pública, alcançada por meio do ção das instituições democráticas. Sob essa ótica, se a justiça
por esse motivo, o procedimento da posição original encontra- equilíbrio reflexivo, ocorre pela coerência entre juízos parti- como equidade se utilizasse de cren-
se vinculado intrinsecamente com o mecanismo do equilíbrio culares, convicções gerais e os princípios de justiça. Outro as- ças fundacionais, isso significaria que
reflexivo. Sob outro prisma: a ideia central da posição original pecto relevante para se compreender, na justiça como equidade, nela não se encontraria presente uma
é tentar impedir que concepções individuais vigentes sobre os a utilização de uma justificação do tipo coerentista é a relação justificação do tipo coerentista. Mas
conceitos de bem afetem os princípios eleitos. As partes inte- entre o equilíbrio reflexivo concomitante com a distinção entre contrário a isso, o próprio Rawls
ressadas, nessa situação inicial, são iguais, isto é, têm os mes- o razoável e o racional: Rawls concebe a razoabilidade como o afirma que “nenhuma concepção
mos direitos no processo da deliberação dos princípios. Para princípio da razão pública. Esta é uma forma de justificação pú- moral geral pode fornecer um funda-
tanto, podem propor e apresentar razões, a razoabilidade, pois blica que não faz apelo para nenhuma ideia transcendente ou a mento publicamente reconhecido para
possuem as suas concepções do bem e a faculdade do senso de algum conceito além do que pode ser racional ou razoável e uma concepção de justiça”.
justiça. No entanto, esses princípios têm que ser coerentes com consensualmente aceito por cidadãos livres e iguais. Sendo
os juízos refletidos, isto é, estar em equilíbrio, o que significa assim, a justificação rawlsiana, pelo fato de não apelar às ins- Elnora Maria G. M. Lima
ter coerência: o recurso à coerência entre juízos morais consi- tâncias exteriores tal como um paradigma, é do tipo coerentista; Profa. Msc. da UFPI
derados e os princípios de justiça aponta para a possibilidade não fosse assim, a justiça como equidade teria uma justificação elnoragondim@ yahoo.com.br

O LUGAR DA MORTE: MARCADORES IDENTITÁRIOS NOS RITUAIS FÚNEBRES


Pensemos em cinema no Piauí: temos de um lado o filme Ci- carpideiras. Muito café para que as pessoas aguentem a vigília pela vés de símbolos tão contaminados de significados, facilmente
priano (dirigido por Douglas Machado, 2004), a partir da narrativa madrugada. No lado de fora da casa, outros riem, conversam, identificados nos piauienses, como celebradores (celebra- dores)
de um senhor morador do interior piauiense que sente a morte che- “bebem” o morto: se socializam. da morte – tal qual símbolos que estereotipam uma identidade,
gar e deseja ser enterrado de frente para o mar. Percorrendo terri- A simbologia da morte nos rituais fúnebres está ganhando como na Batalha do Jenipapo, que em sua significância de produ-
tórios sagrados e profanos, criam-se diálogos e possibilidades de nova configuração, dentro dos contextos culturais das sociedades ção referencial de uma piauiensidade, consiste em um cemitério
um entendimento com a morte. De outro lado, temos o filme cô- modernas, e mesmo que existam tantas formas diferentes de lidar representando o heroísmo desse povo. Os rituais fúnebres, en-
mico Ai, que vida (dirigido por Cícero Filho, 2008) , num contexto com o morto – e não só com a morte -, a “padronização” dessas quanto performances nos revelam aspectos fundantes de uma cul-
em torno de uma funerária que vende caixões para a prefeitura de experiências ritualísticas impossibilita o desencadear das exéquias. tura, enraizados na memória e nos fazeres da tradição, nos
forma ilícita, onde o ritual de passagem acontece em um rito fú- Quem em Teresina ainda vela seus mortos em casa? Talvez a po- socializam, refletindo nesses acontecimentos, os traços identifica-
nebre. Diante da postura desrespeitadora do prefeito embriagado, pulação empobrecida, provinda de uma desigualdade socioeconô- dores de uma sociedade: os próprios marcadores identitários.
a mulher de um vereador resolve se candidatar ao cargo de pre- mica, e por isso, impedida de participar dessas novas Identidade é tudo que nos faz pensar em “nós-mesmos” e
feita. Diante desse exemplo – que poderia ser qualquer outro, tal configurações, restando-lhe apenas o plano- funeral. Negar a “nós-outros”, (re)inventando tradições; (re)fazendo o imaginá-
qual a saga de Ataliba, o vaqueiro (CASTELO BRANCO, Fran- morte é próprio de nossa civilização tecnológica, o que nos leva a rio.Identidade não é conceito, porque não pode ser definida, pois
cisco Gil, 1878) – a postura da identidade piauiense ganha sentido não tolerar sua ritualização, banindo o moribundo aos cuidados é “múltipla, inacabada, instável, sempre experimentada mais
na sua ligação com a morte. Fazendo parte de sua marca, desde o médicos, e ao morrer, delegamos os tratos do corpo às casas fune- como uma busca que como um fato” (AGIER, 2001, p. 10). Mas
respeito aos falecidos, nas orações ou na visita ao cemitério, local pode ser narrada – e nas narrativas piauienses, encontramos o
rárias, responsabilizadas desde o deslocamento do hospital - pois
onde não se guardam apenas corpos, mas toda uma memória nas lugar da morte por entre fotografias, preces, semanas-santas, li-
já não se morre em casa, procurando prolongar ao máximo a
lápides, nas formas de conceber cada jazigo, túmulo. Alguns dos teratura, religiosidade, enfim, nos gestos
(sobre) vida dos moribundos - banho, vestimentas, maquiagem,
velórios se caracterizavam pela realização na casa do falecido, e fazeres; nos ditos e feitos: “Esses ho-
atribuindo ao cadáver um ar “saudável” para a despedida – e não
com o corpo estendido no meio da sala principal, num caixão mens sabiam honrar a morte” (MANN,
a última, já que contamos com as visitas no dia de finados. Os ve-
construído pelos familiares. Pessoas em volta do morto, elegantes; 1953, p.130).
lórios são realizados nos ambientes propícios das casas funerárias,
com suas melhores roupas. Vestidas de preto, apenas a viúva e as mostrando o distanciamento daquela morte domesticada (ARIÈS, Jaqueline Pereira de Sousa
filhas. As mulheres mais velhas, de hora em hora, rezavam um p. 1977), conduzida pelas relações próximas de parentes e amigos, Mestranda em Antropologia
terço com a função de encomendar a alma do falecido aos cuida- enquanto fenômeno público, composto por elementos de estratégia e Arqueologia na UFPI
dos das divindades (desde outros mortos até Anjos, Santos e e solidariedade familiar. [email protected]
Deus), em harmonia a um choro discreto e incessante, lembrando Rituais fúnebres estabelecem comportamentos; condutas atra-
TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010 21

A INSERÇÃO, ATUAÇÃO E PERMANÊNCIA DA MULHER NA CAPOEIRA


A pesquisa “A Inserção, atuação e permanência da mulher nos momentos de encontros e no cotidiano dessas mulheres em ou seja, independe de serem grupos centrais ou periféricos,
nos grupos de capoeira de Teresina-PI: notas etnográficas” é seus grupos de origem e em possíveis momentos de integração grupos com maior ou menor números de participantes, ou
resultado de um estudo que faz parte do programa com outros grupos. mesmo de sua representação junto à sociedade teresinense.
PIBIC/UESPI, da Pró-Reitoria de Pesquisa da UESPI, versão O problema que motivou o estudo girou em torno da in- Constatamos a existência de um acentuado precon-
2008/2009, sob orientação do Prof. Mestre Robson Carlos da dagação de como se dá o processo de inserção, atuação e per- ceito da sociedade em geral em relação às mulheres prati-
Silva e contou com uma bolsista, Tamara Sobral da Costa Ca- manência da mulher nos grupos de capoeira de Teresina-PI. A cantes de capoeira, ao qual podemos relacionar o conceito
land, e uma colaboradora, Eliane Alves Reinaldo, ambas es- partir dessa questão efetivamos uma investigação a respeito ainda presente em relação às questões de gênero e que se
tudantes do curso de Pedagogia da UESPI. de algumas considerações sobre a trajetória da mulher na ca- constitui em construções culturais que apontam aquilo que
O campo de estudo se deu nas relações de gênero, enfati- poeira, analisando e interpretando como se dá esse processo, é considerado de homem ou de mulher, tais como os pa-
zando investigações sobre a mulher, sua participação e repre- com uma orientação antropológica, se caracterizando pela na- péis destinados socialmente para homens e mulheres, o
sentação na sociedade, em especial, como se dá sua inserção, tureza qualitativa, utilizando a observação participante e a en- que pertence à esfera do masculino e do feminino, descor-
atuação e permanência nos grupos de capoeira. trevista em profundidade, de caráter etnográfico, em que o tinando uma concepção que enxerga na construção de gê-
De acordo com Louro (2001) “gênero”, hoje, diz respeito pesquisador se insere nos locais de investigação convivendo nero um aspecto natural, ou seja, algo próprio da natureza,
aos aspectos socialmente construídos do processo de identifi- e interagindo diretamente com os sujeitos pesquisados. numa clara confusão do biológico com o gênero.
cação sexual, se opondo a “sexo”, que se refere aos aspectos Teve como principais referenciais Barbosa (2005), Louro Na própria família são identificadas muitas barrei-
estritamente biológicos da identidade sexual, se voltando mais (2001, 2003), Muraro (1992), Damatta (2000), Priore (2008) ras edificadas desde bem cedo na educação das crianças
precisamente às desigualdades que dividem homens e mulhe- e Silva (2005). e que se encarregam de determinar o papel dos meninos
res, com os primeiros se apropriando de uma parte despropor- Os dados foram coletados de três formas: registros escri- como naturalmente próximos da competitividade, en-
cional dos recursos materiais e simbólicos da sociedade. tos, registros fotográficos e entrevistas com aplicação de ques- quanto as meninas ficam relacionadas aos padrões de
As investigações visaram contribuir para as discussões tionário presencial, além do registro audiovisual de algumas comportamentos de fragilidade e de estética. Neste
acerca do papel da mulher na sociedade, desvelando formas rodas de capoeira. Os registros escritos e fotográficos foram sentido, uma prática com fortes conotações de luta
de preconceitos, estratégias de diferentes tipos de violência feitos durante os encontros com as mulheres entre- como a capoeira pode ser facilmente considerada como
contra a mulher, representações das e sobre as mulheres, den- vistadas, buscando, porém, contextualizar as um esporte agressivo, que não combina com a suposta
tre outros aspectos que envolvem e dizem respeito ao uni- práticas, os costumes, os rituais, os hábi- fragilidade da mulher e que acaba reforçando entendi-
verso do feminino em nossa sociedade, em especial, para tos, as formas de organização, dentre ou- mentos, representações, discursos e comentários pre-
os propósitos da pesquisa, da participação da mulher em tros aspectos que caracterizem as práticas conceituosos e fortemente “machistas” em relação às
grupos sociais de Teresina e, dentro desse universo, vol- exercidas nos grupos, enfatizando a par- mulheres, meninas, jovens e adultas praticantes de ca-
tando nosso olhar para os grupos de capoeira. Trata-se de ticipação das mulheres. poeira, mas que, por outro lado, favorece o espírito e a
movimento que, marcado por sua significativa presença As análises se debruçaram sobre as gana de resistência, de luta e de superação que vão as-
no cenário político-social da história do Brasil, ocupa seguintes categorias: inserção (motivo sumindo enquanto características marcadamente femi-
lugar de relevância na atualidade, conquistando espa- da procura pela capoeira), aceitabilidade ninas, próprias do orgulho de pertencimento e
ços nas escolas e universidades de todo país, sendo (reações no interior do grupo), participação identitário das mulheres contemporâneas.
objeto de estudo em programas de pós-graduação (integração e atuação nas atividades), per-
em mestrado e doutorado em universidades de re- manência (o que a mantém), preconceito
nome no Brasil e no mundo, enfim é cada vez (no grupo e na sociedade) e percepção
mais evidente a necessidade e relevância de es- (visão de si, a partir da condição de
tudos e pesquisas sobre os benefícios e as mulher capoeirista).
contribuições da capoeira, inclusive sendo Os resultados obtidos
reconhecida em novembro de 2008, en- na pesquisa demonstram
quanto patrimônio cultural imaterial que a mulher vai aos
do Brasil pelo IPHAN. poucos assumindo
O universo da pesquisa foi funções hierarquicamente impor-
constituído por grupos de ca- tantes no contexto dos grupos de
poeira de Teresina, escolhidos capoeira, sem atrelar essas con-
e organizados por meio de quistas aos homens, sejam
dois aspectos: grupos seus parceiros ou seus su-
centrais, assim denomi-
nados os grupos de
maior evidência em nossa
sociedade, com maior número
de praticantes, que realiza e promove eventos
de destaque, os chamados “grupos grandes”; e
os grupos periféricos, que possuem pouca rele-
vância social, realizam somente pequenos even-
tos, envolvendo apenas pessoas da comunidade
DIVULGAÇÃO

próxima, com poucos praticantes, são os cha-


mados “grupos pequenos”.
Dentro desses universos, foram sujeitos
da pesquisa as mulheres praticantes de ca-
poeira, considerando tanto as com maior
tempo de prática, como as iniciantes,
sendo investigadas sobre suas ações,
escolhas, opções, sua participação,
sua importância dentro do grupo,
sua atuação, as dificuldades
encontradas dentro e fora
do grupo, devido a sua periores (mestres ou professores), porém, com fortes conota-
identidade de “capoei- ções de que ainda não conseguem exercer posições de
rista”, suas percepções e liderança e comando, apesar de algumas contarem com vasta
entendimento a respeito experiência na capoeira, sendo conhecidas e respeitadas por
de como os “outros” a re- seu desempenho e suas conquistas, o que deixa evidente,
presentam, dentre outros as- ainda, um acentuado “machismo” que insiste em pontuar as
pectos que foram identificados relações de gênero em nossa sociedade. Ressaltamos que não
como relevantes para a pesquisa. Como instrumento de coleta, foram identificados sinais ou rastros que evidenciem que a po-
sição, representação e identidade das mulheres nos grupos de Robson Carlos Silva
foram utilizados o diário de campo observacional e as entre-
Prof. Msc. da UESPI - [email protected]
vistas semiestruturadas, bem como registros fotográficos e ví- capoeira de Teresina participantes da pesquisa, estejam con-
Tamara Sobral da Costa Caland
deográficos das experiências vivenciadas durante a pesquisa, dicionadas à posição ou local de funcionamento dos grupos, Eliane Alves Reginaldo
22 TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

BÁRBAROS DE NOBRE SANGUE: ÍNDIOS, CIVILIZAÇÃO E IDENTIDADE NO CEARÁ


O debate sobre a questão indígena no Ceará ganhou noto- canismos que fizeram parte dessa política civilizatória sobre a sobre os indígenas, e através dos registros documentais pude-
riedade, e atualmente é motivo de preocupação na construção população indígena, especialmente os que tiveram lugar du- mos encontrar diversas referências de Sampaio ao “honrado e
da historiografia cearense. Surpreendentemente, até o ano de rante o governo de Manuel Ignácio de Sampaio, que esteve na nobre sangue” desses que eram os “gloriosos” descendentes
1988, os trabalhos sobre os povos indígenas nesse estado se li- capitania entre 1812 e 1820. A palavra de ordem de sua prática dos “antigos libertadores de Pernambuco da mão dos holande-
mitavam a afirmação de sua completa extinção. Entretanto, a era “disciplina” e através dela foram estabelecidas as primeiras ses”. E, em rara proclamação do governador encaminhada à
partir da mobilização das políticas indigenistas, foi possível ações no sentido de controle da população, como os mapea- própria tropa que partia para o Recife, em 26 de maio, depois
detectar a existência, atualmente, de mais de 12 etnias. Por mentos gerais nas vilas e a chamada “política de passaportes”, de varias exaltações, o remetente finaliza, de maneira emocio-
isso, diversos setores da sociedade, como universidades, au- que limitava o trânsito de indivíduos pelo território. Com ela nante e impressionante, com a seguinte exclamação: “Viva os
toridades políticas e o povo em geral, têm cada vez mais dis- foi dada forma àquilo que ficou conhecido na historiografia índios do Ceará” !
cutido sobre a legitimidade de tais movimentos, que, por como a “caça aos vadios”, ou seja, um conjunto de atos que vi- Por mais contraditórios que pareçam, tais “bons tratos”
mais que estivessem silenciados até a década de 80, não pas- savam combater o grave problema da dispersão populacional casam perfeitamente com toda a rigidez da política de disci-
sam despercebidos atualmente. Não são poucos aqueles que pela Capitania. Mas a parcela desse povo que mais seria atin- plina, pelo fato de que, ao nomear os índios de “fiéis súditos”,
desaprovam a luta indígena. Seus argumentos, além dos co- gida por essa política foram os índios, tendo sido prioridade do e buscar incentivá-los para isso, tentava-se apagar tudo aquilo
nhecidos adjetivos de “preguiçosos” e “aproveitadores”, são governador a criação e reativação de diversos planos direcio- que significasse resistência à civilização e a um modo disci-
bem precisos e objetivos: como podem índios usar roupas, nados especialmente para eles que, apesar de se constituírem plinado de vida. Buscava-se acabar com os antigos costumes
celular e outros acessórios típicos do “homem civilizado”? como a principal força de trabalho desde o século XVIII, eram “bárbaros” dos “selvagens”, criando novos sentimentos de
Onde está a língua indígena? Como pode haver entre eles pes- considerados os mais carentes da “luz da civilização”. ordem e amor ao rei. Queria-se, enfim, igualar todos os habi-
soas de olhos azuis ou pele clara? E o mais importante: se eles Para fazer com que aquele povo ainda “bárbaro”, espa- tantes, apagar as diferenças, levá-los a “luz”, e finalmente, ex-
realmente nunca acabaram, onde estavam durante todos estes lhado de forma desordenada pelos sertões, e tido como “vaga- tinguir os índios.
125 anos de silêncio? bundo” se transformasse em cidadãos honrados, ordenados e Ao longo do tempo, todo esse esquema que ia sendo mon-
Entretanto, é justamente sobre as contradições e oscilações verdadeiramente fiéis à coroa portuguesa, era preciso obrigá- tado, com seus rigores e “vantagens”, fazia com que fosse cada
dos acontecimentos que motivaram estes “125 anos de silên- los ao trabalho regular. Várias foram as modalidades de serviço vez mais difícil ser índio, não só no Ceará, mas em todo o Brasil,
cio” (de 1863, quando se “declarou” oficialmente a “extinção desempenhadas pelos nativos, indo desde a participação em e obviamente, a política teve seus efeitos, sendo um deles os
dos índios no Ceará, até o ano da Constituição Cidadã) que pes- obras e reparos de edificações até a venda de produtos alimen- “125 anos de silêncio”. Mas acreditar em seu sucesso total é
quisadores de diversas áreas das ciências humanas têm se de- tícios nas feiras da capital. Mas a modalidade mais praticada muita ingenuidade, e apesar de já não ter mais muito de seus cos-
bruçado nos últimos anos com trabalhos inovadores e, pelos índios eram os trabalhos agrícolas, seja nas suas terras tumes, várias comunidades superaram o medo e assumem suas
certamente, bastante polêmicos. As causas de tanto desconforto (cuja parte da colheita era vendida) como também de aluguel identidades, mesmo tendo hoje que vestir roupas ocidentais, falar
que este tema provoca parecem vir de longe, e têm muito a ver em casas de proprietários. Outro serviço bastante exercido português, usar celular, e ter um ou outro representante de olhos
com o que ocorre hoje. Já no período colonial, a procura e dis- pelos indígenas era o de correio entre as vilas do Ceará e até azuis, frutos de mestiçagens muitas vezes violentas. Apesar de
puta pela mão de obra nativa eram intensas e encontravam for- mesmo fora, em capitanias como Pernambuco, Paraíba, Rio todas as tentativas para que esse silêncio fosse definitivo, os
tes obstáculos na própria resistência dos índios, que batiam de Grande do Norte, Piauí (com uma agência em Parnaíba) e Ma- “honrados bárbaros de nobre sangue” não acabaram, e hoje
frente também com a frequente expropriação de seus territó- ranhão, tendo sido mais conhecidos como os “índios correio”. mostram que estão vivos, lutando pelo que é deles, e como sem-
rios. Nos dias atuais, os problemas parecem ser semelhantes, Com horários determinados e rigoroso controle de acesso e pre, incomodando muita gente! Para concluir, lembro de uma
até porque conceber que populações vivam de modo tradicio- saída, nas vilas, a condição de pagamento fortalecia entre os frase que um amigo de São Paulo me disse certa vez, ao obser-
nal, com formas não condizentes com o nosso velho conhecido povos indígenas noções de tempo, lucro e ordem. De certa ma- var o povo de Fortaleza: “é só olhar os rostos: o povo cearense
“sistema capitalista” e, além disso, requerendo terra, é por de- neira, podemos observar que esse povo, que até hoje é visto é índio, mas não se reconhece como tal”. Pelo visto, cada vez
mais ofensivo para muitas pessoas, principalmente para aqueles como “preguiçoso”, foi em muitos momentos a força matriz da mais, esse povo “disperso” pelo Ceará está perdendo o medo de
que estão diretamente ligados com o latifúndio ou à valorização capitania do Ceará. se lembrar do passado.
imobiliária. Ao longo da história dos índios que habitaram o Outro elemento importante que fez parte do projeto de ci- Cf. Livro 28: Officios ao Es-
território brasileiro, isso não foi diferente: desde os jesuítas, vilização da população indígena foi a militarização. Estando crivão Deputado, Intendente da
passando pelo famoso Diretório Pombalino, indo até as deno- intimamente ligados à questão do trabalho, os alistamentos Marinha, Juiz da Alfandega, Agen-
minadas políticas progressistas do período da Ditadura, sempre agiam de forma crucial na redistribuição de pessoas pelo terri- tes de Correios e Pessoas Particu-
se pretendeu possuir as suas terras, e levar àqueles povos “bár- tório, e as constantes revistas visavam monitorar, adestrar lares da Capitania – 1816-1819,
baros”, arredios ao trabalho e dados a bebedeiras e feitiçarias, aqueles antigos selvagens em verdadeiras máquinas produtivas. pág. 45V. Arquivo Público do Es-
os bons costumes da civilização. Mas nem só de rigor vivia o mundo militar, e já que se queria tado do Ceará.
No início do século XIX, no Ceará, o plano sempre foi acabar com os antigos costumes nativos e produzir sentimentos
este: transformar os índios em homens trabalhadores, ordena- novos de amor a Portugal, o discurso patriótico do governador João Paulo P. Costa
dos e, principalmente, fiéis súditos da coroa portuguesa. A par- também teve papel importante. Durante a Revolução Pernam- Mestrando em História
tir da pesquisa que desenvolvo atualmente no Mestrado em bucana de 1817, quando foi formada uma tropa de 300 índios do Brasil na UFPI
História do Brasil, pela UFPI, venho analisando diversos me- armados de arco e flecha, não faltaram palavras enaltecedoras [email protected]

ISAÍAS CAMINHA: UMA VOZ DO “QUILOMBO” DESMASCARANDO A IMPRENSA


Ao descobrir que palavras são também ações, muita gente do jornal impresso de mesmo nome que hoje se publica no Rio de A força de Isaías Caminha está na temática que aborda – o
passa a cultivar o sonho de fazer das letras seu ofício, sua pro- Janeiro. Esse bem pode ser um caso em que a realidade imitou a mundo das letras e do jornalismo – mas também no seu criador.
fissão. É assim que nascem, muitas vezes, vocações para o jor- ficção, pois embora o jornal de Irineu Marinho tenha nascido so- Lima Barreto viveu boa parte de sua vida na periferia, no subúrbio
nalismo e a literatura. Escrever se apresenta como uma forma de mente em 1925, também se especializou – hoje com o auxílio da do Rio de Janeiro, o qual talvez nenhum outro escritor dessa época
intervir no mundo, participar, interferir na realidade. É, ao TV e outras mídias – em fabricar falsas celebridades e defender conhecesse tão bem quanto ele. Apelidara sua casa de “Vila Qui-
mesmo tempo, o exercício da cidadania e da paixão. certa plêiade de políticos e banqueiros, a serviço do capitalismo lombo”, afirmando em seu diário que isso era uma forma de im-
Tudo indica que o fascínio pela liberdade de expressão, tanto perverso que sempre nos vilipendiou – estratégia que Lima Barreto plicar com Copacabana. Mas, em plena era pós-abolição, o apelido
no jornalismo como na literatura, atravessa o tempo e constitui um insistia em denunciar. sugere a concepção do lar como um distante refúgio a partir do
território pelo qual se nota um sempre vivo e renovado interesse, Os bastidores do jornal retratado naquele romance eram na qual realizou com coragem e liberdade o sonho de tornar-se um li-
especialmente para os jovens de todas as idades. Esta é uma possível verdade os do Correio da Manhã, então dirigido por Edmundo terato. Sugere ainda que os subúrbios, mesmo diante da extinção
explicação para a efervescência que tomou conta da internet, através Bittencourt. Ainda que desprezado pela crítica literária da época, formal da escravidão, insistiram e insistem em abrigar a população
da qual temos conhecido uma vigorosa mídia alternativa e contra- brasileira mais pobre e negra, que fez
a força de Recordações pode ser percebida através do próprio e faz das periferias um vasto “qui-
hegemônica, como os blogs, por exemplo. veto que o livro sofreu. Com a publicação do romance, o nome
Nada melhor para celebrar esse fascínio do que lembrar o re- lombo”, fora de época.
de Lima Barreto foi proscrito das páginas do jornal de Bitten- Assim como deu vida a Isaías
cente centenário da publicação de Recordações do escrivão Isaías court. Isso não impediu, como relata seu biógrafo, Francisco de Caminha, Lima Barreto ainda ecoa,
Caminha, um romance que sintetiza esses anseios literários e retrata Assis Barbosa, que a tentativa de adivinhar quem tinha servido cem anos depois, o mesmo fascínio
as históricas frustrações que temos vivido nesse campo da informa- de inspiração para cada personagem se tornasse assunto frequen- capaz de fazer surgir muitos outros
ção e do jornalismo. Ao publicá-lo, em dezembro de 1909, Lima tado animadamente nas rodas intelectuais e nos bares da capital jovens talentos negros das perife-
Barreto estreava na literatura brasileira e sacudia a imprensa carioca republicana, nos meses seguintes ao lançamento. rias desse Brasil, que ninguém con-
do início do século XX, abalando reputações e desmascarando as Mal comparando, seria como imaginar um romance de um seguirá jamais calar.
redações farsescas, que, naquele período, fabricavam celebridades. jovem e estreante escritor que ousasse ambientar sua trama desmas-
Quem se dispuser a conhecer as desventuras de Isaías Caminha, carando as engrenagens internas e ocultas que regem o funciona- Denílson Botelho
certamente há de se perguntar: o que de fato mudou de ontem para mento das organizações Globo, do grupo Abril ou outro oligopólio Prof. Dr. da UFPI
hoje? É notável a atualidade de Lima Barreto! E não pense o leitor qualquer da mídia tupiniquim. Quem ousaria ao menos comentar o [email protected]
incauto que a redação d’O Globo a que o escritor se refere era a livro? Que espaço ele teria na mídia?
TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010 23

A COMPETIÇÃO POLÍTICA PIAUIENSE NAS ELEIÇÕES DE 1996, 2000 e 2004


As interpretações sobre o funcionamento das disputas
eleitorais e políticas piauienses eram categóricas em afirmar
o caráter oligárquico e não-competitivo dos subsistemas mu-
nicipais. A razão fundamental apresentada para justificar o
atraso e conservadorismo dos subsistemas políticos munici-
pais era o caráter centralizador das funções administrativas,
financeiras, orçamentárias e fiscais no governo federal e es-
tadual. Tendo o arranjo institucional brasileiro tal perfil, seria
inevitável a oligarquização da competição política no âmbito
municipal. Os subsistemas políticos municipais seriam fontes
exclusivas de clientelismo e fisiologismo. A rota para mu-
dança política, assim, estaria fadada ao fracasso.
Contudo, se as instituições importam, é possível se levan-
tar novas hipóteses a respeito do funcionamento de tais insti-
tuições federativas e políticas. A Constituição de 1988,
conjugada com um sistema político multipartidário, adotou
medidas alteradoras do formato centralizador antes prevale-
cente. Em sendo assim, foi possível aventar a seguinte hipó-
tese para verificar se aconteceram mudanças significativas na
competição política e no quadro partidário dos subsistemas
partidários municipais: parto da suposição de que o regime
multipartidário e a descentralização de competências e prer-
rogativas democratizaram a competição política, ao menos
parcialmente, nas cidades piauienses nas eleições majoritárias
(prefeituras) de 1996, 2000 e 2004. Além disso, incorporo à
minha análise da competição política local piauiense na nova
ordem federativa e partidária do pós-1988, a ideia de “racio-
nalidade política contextual”. Acredito que esta ideia capta as
peculiaridades dos subsistemas partidários locais, ou seja, dos
municípios piauienses.
O objetivo é compreender como se relacionam contextos
socioeconômicos diferentes (heterogeneidade demográfica, tendência. A bancada pefelista na Assembleia Estadual dimi- ção da mudança no quadro da competição municipal é o resul-
eleitoral, econômica, entre outros) e o arranjo político federal nuiu, e o partido conseguiu eleger somente dois (2) deputados tado apresentado pelo número de partidos efetivos (N). Tanto
(as regras que balizam a disputa partidário-eleitoral no plano federais e novos partidos políticos são incorporados ao pro- na análise macro quanto micro, este indicador situou-se nas
nacional) nas competições políticas de caráter local. Neste cesso político-decisório. A fragmentação, portanto, amplia-se faixas de média ou alta competitividade. Fundamentado na
caso, a suposição central é que as mesmas instituições podem e dissemina-se nas localidades menos densamente povoadas. classificação definida com o objetivo de mensurar o nível da
operar de forma diferenciada, dependendo do ambiente social. Logo, há um aumento da competição política municipalista no competitividade dos subsistemas partidários municipais,
Ou seja, a interação definida pelo regime constitucional bra- Piauí. O PFL exerceu tão somente um papel de ator coadju- notou-se claramente um aumento no número de competidores:
sileiro entre Federação e o sistema representativo se constitui vante. Os sinais de mudança são expressos pelas evidências em nenhum dos três pleitos ou eleições estudados tal índice
em um mecanismo fundamental, para se explicar os padrões empíricas. se igualou ao limite estabelecido como não competitivo ou oli-
de competição política local, consolidados no recente período Um fato adicional pode ser arrolado nesta questão: o PT gárquico: (N) igual até dois (2) partidos políticos.
democrático. Neste caso, trabalhei com a questão da geografia elege oito (8) prefeitos em 2004 e o Governador do Estado. Dessa forma, as evidências contidas nos mapas eleitorais
eleitoral, mapas de votação e um modelo econométrico. Neste sentido, por se tratar duma elite dirigente oriunda do e no número de partidos efetivos (N) mostraram esse pro-
A análise dos mapas eleitorais por blocos ideológicos sindicalismo-corporativista representa um ponto de inflexão cesso de transformação da competição política municipal no
(centro, direita esquerda) e partidos (PFL, PMDB, PSDB e na estrutura competitiva anterior. Há, em verdade, no caso Ceará e Piauí. A volatilidade eleitoral obedeceu à trajetória
PT), permitiu fazer algumas considerações de base compara- piauiense uma transformação mais radical de mudanças no de derrocada da direita – diminuição do percentual de votos
tiva sobre as tendências ou rumos seguidos pela geografia po- plano da política estadual (Executivo). O referido processo, obtidos e redução do número de prefeitos eleitos pelo PFL –
lítica nas municipalidades piauienses. Como se processou a como não poderia deixar de ser, reorienta as disputas partidá- direcionando-se ao centro político. Logo, pode-se afirmar
mudança da política geográfica do voto nos casos analisados? rias municipais, introduzindo um elemento de incerteza elei- que realmente as bases das disputas políticas municipais tor-
Existem diferenças substantivas nos padrões da competição toral, isto é, amplia as possibilidades de novos atores políticos naram-se menos onerosas a outros postulantes aos cargos ma-
política nos municípios? A primeira constatação mais evidente disputarem e conquistarem postos antes basicamente domina- joritários (prefeituras).
é que a geografia política municipal sofreu um deslocamento dos pelos esquemas pefelistas e peemedebistas. Assim, percebe-se que a tendência (macro), uma maior
do eixo direitista ao centrista no conjunto dos municípios. As Nesta linha de argumento, a geografia eleitoral é o suporte competitividade no plano nacional, atingiu o municipalismo
influências do sistema partidário nacional impactaram na con- empírico que comprova a tese da desoligarquização dos antes brasileiro. A competição política foi afetada pela mudança das
figuração das disputas locais reorientando sua natureza no denominados “contextos” ou “subsistemas partidários muni- regras que processam as disputas eleitorais e dispersam os re-
Piauí (macro-tendência do período analisado). O fracasso da cipais oligárquicos”, por espelhar um mercado político de pa- cursos de poder nos entes federados. A política municipal pode
direita é evidenciado pela total perda de influência pefelista, drão competitivo ou democrático, ou se quiser usar uma também ser explicada como um resultado do sistema político-
principal representante desta clivagem ideológica no caso re- denominação presente nos estudos da distribuição espacial do partidário existente no nível federal (nacional). Nesta lógica,
lativo do Piauí. voto, assemelha-se a um padrão aberto, fragmentado e com-
realmente, a transformação das regras institucionais teve ca-
O outrora hegemônico PFL, agremiação oriunda da petitivo. Como mencionado anteriormente, o principal ponto
pacidade para engendrar mecanismos propiciadores a um
ARENA e PDS, principal partido de direita, em etapas ante- merecedor de ênfase, no que tange à geografia espacial do
maior embate (disputa) entre os atores políticos (partidos) em
riores nas municipalidades piauienses, entra numa trajetória voto no Piauí, é a verificação do fracasso direitista como eixo
ambientes historicamente apontados como impermeáveis à
declinante na nova ordem constitucional e multipartidária: faz orientador das opções políticas e partidárias naqueles subsis-
desconcentração do poder político
87 prefeituras em 1996; 73 na eleição de 2000 e 64 no pleito temas políticos municipais. A macro-tendência registrada
(Ceará e Piauí). Como exposto, o
de 2004. Tais evidências são bastante esclarecedoras dos exibe explicitamente a contínua derrocada do outrora todo po-
quadro partidário-eleitoral (muni-
rumos e caminhos seguidos pela nova ordem política. A di- deroso PFL nas eleições de 1996, 2000 e 2004. O pluriparti-
cipal) encaminhou-se para uma
reita, representada pelo PFL, sofreu gradativamente perda do darismo já é uma realidade presente nos municípios
direção em que a possibilidade de
seu domínio no contexto municipal piauiense. O enfraqueci- piauienses. As disputas aos cargos majoritários em tais cida-
des mostraram-se menos polarizadas por partidos políticos alternância no processo decisório
mento pefelista é refletido no seu baixo êxito eleitoral nas das escolhas públicas foi real.
campanhas majoritárias. historicamente controladores do processo decisório, isto é,
A tendência centrista estabelecida no plano nacional houve uma redefinição ou realinhamento da competição polí-
tica em outra direção ou rota menos restritiva e mais aberta a Cleber de Deus
ecoou nos subsistemas partidários municipais piauienses e
novos participantes ou atores sociais Prof. Dr. da UFPI
novos atores adentraram à competição eleitoral e política. O
A outra evidência apresentada para sustentar a confirma- [email protected]
resultado da eleição de 2006 no Estado do Piauí confirma esta
24 TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

A GESTÃO COMPARTILHADA NA POLÍTICA DE INCLUSÃO SOCIAL NO PIAUÍ

DIVULGAÇÃO
Neste artigo, busca-se apresentar o resultado de um es-
tudo analítico realizado a partir da experiência em gestão
compartilhada no governo do Estado do Piauí, na área da
saúde, implementada no Centro Integrado de Reabilitação
– CEIR, fundado nos princípios da descentralização e par-
ticipação social na gestão das políticas públicas, consubs-
tanciados no aparato constitucional e legislações
específicas vigentes.
A partir da Constituição Federal de 1998, institui-se no
país uma nova configuração na gestão das políticas públi-
cas, assegurando-se novos mecanismos legais nos proces-
sos de tomada de decisões, emergindo um regime de ação
pública descentralizada e participativa, no qual são criadas
formas inovadoras de interação entre governo e sociedade,
dentre elas, a gestão compartilhada. Esse novo formato si-
naliza a emergência de novos padrões de interação entre
governo e sociedade, com a inserção da participação da so-
ciedade civil através das chamadas organizações do Ter-
ceiro Setor. Segundo Tenório (1999), o Terceiro Setor é
formado por organizações sociais, sem fins lucrativos, au-
tônomas, isto é, sem vínculo com o governo, voltadas para
o atendimento das necessidades de organizações de base
popular, complementando a ação do Estado. Ele é centrado
em três eixos: “a maior responsabilidade dos governos em
relação às políticas sociais e às demandas dos seus cida-
dãos; o reconhecimento dos direitos sociais; e a abertura
de espaços públicos para a ampla participação cívica da so-
ciedade” (SANTOS JÚNIOR, 2001, p. 228).
A necessidade de implementar esse novo formato de
gestão pública participativa/compartilhada está relacionada
a um processo mais amplo de discussão em torno dos limi-
tes do modelo estatal, marcado pela forte centralização do
poder no governo federal. Mas, a partir da década de 1980,
intensificou-se o debate acerca dos limites da participação,
impostos pelo modelo representativo, com autores incorpo-
rando, em suas análises, a premência de se construir ou am-
pliar os mecanismos diretamente vinculados a essa questão.
Nesse contexto, os princípios da descentralização e parti-
cipação emergem associados à redefinição de atribuições e
competências em torno das políticas públicas, passando a
vigorar, no Brasil, um novo formato institucional, marcado
pela descentralização da gestão das políticas públicas (AR-
RETCHE, 2000).
Nesse novo desenho institucional, cabe ao Estado ofe-
recer as condições necessárias para a inserção da partici- lhada do CEIR foi formalizada, através de um contrato tilhada contribui para uma maior transparência e otimi-
pação da sociedade civil na gestão das políticas públicas. social, legitimado pela Lei Federal nº 9.637/1998, que zação dos recursos públicos, além de estimular a parti-
Entre as diversas razões para isso, destacam-se a proximi- qualifica como organizações sociais pessoas jurídicas de cipação da sociedade civil na formulação, gestão e
dade entre governo e as organizações sociais, na qual se direito privado, sem fins lucrativos. Essa nova modali- controle social das políticas públicas. Contudo, não se
dade de gestão apresenta como resultados a otimização pode desconsiderar que, na área social, por exemplo, o
supõe que exista mais facilidade de comunicação e mobili-
de recursos humanos e financeiros, a busca da qualidade processo de redefinição de competências e atribuições
zação entre estas e os diversos atores sociais, além do que
nos procedimentos administrativos, a transparência, a pode assumir alternativas divergentes, pois tanto é
as ações e intenções do governo são percebidas e acompa-
desburocratização, a descentralização de ações e a exce- capaz de apontar um direcionamento técnico-liberal,
nhadas pela população, e as aspirações e as relações fun-
lência no atendimento. privilegiando o mercado, restringindo ou extinguindo
cionam como uma caixa de ressonância no âmbito da
Com esse novo arranjo institucional, há uma clara per- direitos e retomando práticas seletivas e focalistas de
gestão pública compartilhada.
cepção de que os atores sociais/sujeitos coletivos presen- proteção social, quanto se voltar para uma perspectiva
Nesta perspectiva, destaca-se como uma ação inova-
tes na gestão pública são co-responsáveis na democrática e valorizadora da participação da socie-
dora em gestão pública compartilhada, no Estado do Piauí, implementação de decisões e respostas às necessidades dade, sem minimizar a responsabilidade do Estado no
o Centro Integrado de Reabilitação – CEIR, que surgiu a sociais. Como afirma Carvalho (1999, p. 25), “não é que processo de provisão social.
partir da necessidade de se dotar o Estado de um serviço o Estado perca sua centralidade na gestão do social, ou Sem dúvida, um fato passou a se impor no panorama
de referência nas áreas de reabilitação e readaptação, des- deixe de ser o responsável na garantia de oferta de bens e político brasileiro: a colaboração entre entidades da so-
tinado às pessoas com deficiência física e/ou motora, so- serviços de direito dos cidadãos; o que se altera é o modo ciedade civil e órgãos governamentais multiplicou-se, em
bretudo, à população de baixa renda. É importante destacar de processar esta responsabilidade”. Dessa forma, a des- vários níveis, desde a atuação comunitária até a parceria
que, segundo o Censo Demográfico (IBGE/2000), no centralização, a participação, o fortalecimento da socie- institucionalizada em programas e políticas sociais, como
Piauí, 501.409 pessoas (17,6%) foram identificadas com dade civil pressionam por decisões negociadas, por a experiência do CEIR, aqui
pelo menos algum tipo de deficiência, sendo que 24.978 políticas e programas controlados por organizações so- apresentada. Neste caso, pode-
possuem deficiência física e 145.325 motora. Daí a neces- ciais, por uma relação de parceria que seja publicizada. se afirmar que a construção de
sidade de se implantar um Centro, que contando com a ca- A gestão compartilhada confere maior democratização uma gestão compartilhada seja
pacidade de 1.433 atendimentos/dia, oferece serviços na gestão das políticas públicas, bem como possibilita a ra- a busca de um modelo em que
especializados de saúde, inspirado no modelo de gestão cionalização e a rentabilidade dos recursos do setor social, Estado e sociedade se confir-
compartilhada. permitindo tratamento diferenciado a problemas específi- mem como partes do processo
O Centro é uma idealização da Secretaria Estadual para cos de diversas comunidades. Ademais, permite a proposi- de redefinição e gestão de polí-
Inclusão da Pessoa com Deficiência - SEID, com o apoio ção e a revisão de critérios de aplicação e controle dos ticas públicas.
do Governo Federal, sendo gerenciado por uma organiza- recursos públicos, em comum acordo com a sociedade
ção social sem fins lucrativos e de interesse público, a As- civil, não se tratando, no entanto, de mera apropriação de Roberto Alvares Rocha
sociação Piauiense de Habilitação, Reabilitação e recursos federais ou estaduais pelas organizações sociais. Prof. Msc. da UESPI
Readaptação – Associação Reabilitar. A gestão comparti- Argumenta-se, ainda, que a gestão pública compar- [email protected]
TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010 25

TRABALHO E ECONOMIA SOLIDÁRIA


Há muito foi dito que o trabalho humano é a fonte de produ- mundo da pequena burguesia. Esta pequena produção em nada in- periência da gênese do trabalho, que é a socialização. Na cultura
ção de todas as riquezas. A constatação, embora historicamente comoda o capitalismo, pelo contrário, continua a fortalecer, pela originária do trabalho, apenas há lugar para a divisão natural,
combatida, expõe, em verdade, a história da organização dos tra- concorrência, o processo de apropriação do trabalho, ainda que o sem fazer dela base para diferenças e desigualdades sociais. Con-
balhadores, para produzir e da apropriação desta produção por produtor não seja mais assalariado. Esta experiência reafirma um tudo, a solidáriedade é de pequena abrangência  embora esteja
diferentes formas de organização social, isto é, das classes sociais caráter conservador da produção direta independente. presente em quase todos os municipios, e ainda se constitui como
que compõem a sociedade. Sob o secular domínio do capital, os Outra possibilidade é o trabalho associado. A Economia So- uma experiência de grupos focalizados e específicos. Em uma
trabalhadores, não possuindo os próprios meios de produção, pas- lidária é uma experiência de produção direta baseada na coope- perspectiva coletiva, carece de maior aceitação pelo conjunto dos
sam a vender sua força de trabalho. Entretanto, o que recebem ração do trabalho, na propriedade coletiva, na autogestão da trabalhadores que se mantém fidelizados aos vínculos e obriga-
como salário não corresponde à totalidade do que o seu trabalho produção e socialização dos resultados entre os trabalhadores. ções predominantes no mercado de trabalho.
produziu, haja vista que uma parte do produto é apropriada pelo Esta Economia é revolucionária. Não é por outro motivo que a O fortalecimento da Economia Solidária, mantendo seus
patrão e irá constituir a base do contínuo enriquecimento. produção solidária, desenvolvida, a partir das próprias iniciativas princípios a serviço dos trabalhadores, pressupõe uma com-
Esta coerção econômica ao assalariamento tem se fragilizado dos trabalhadores, é cada vez mais incentivada pelas forças de preensão política do não deslocamento do trabalho do coração
consideravelmente com o avanço do desenvolvimento das forças mercado e do Estado como estratégia de controle. O percurso de- das relações sociais de produção capitalista. Os produtores,
produtivas. Contemporaneamente, a perda de postos de trabalho lineado pela responsabilidade social do capital e pelas políticas em geral, e, em particular, o movimento social, não devem na-
frente às crescentes novas tecnologias tem aumentado o desem- públicas do Estado tende a transformar a Economia Solidária em turalizar, tampouco positivar o desaparecimento do trabalho
prego estrutural. A isto se associa a necessidade de ampliação de uma experiência complementar ao processo de acumulação capi- do contexto da produção nos moldes preconizados pelo capi-
consumidores. Forjam-se , então, outras alternativas, para a ocu- talista. As ações de contribuição do mercado e do Estado à eco- tal. Esta movimentação provoca uma nova alienação do tra-
pação e geração de renda da classe trabalhadora, ainda principal nomia solidária apontam para um enfraquecimento de sua força balho no processo produtivo, arrefecendo a luta pela
base do mercado consumidor capitalista. Uma delas  resultado política de transformação. Na linguagem oficial da parceria pú- emancipação. O capital contemporâneo já demonstrou que o
da liberação dos assalariados  é a produção direta independente. blico-privada, as experiências solidárias já são identificadas antagonismo de classes não desaparece com a desproletari-
Contudo, a produção independente permite aos trabalhadores como empreendimentos solidários. Este é apenas um exemplo. zação. A apropriação do trabalho, ainda que sob novas estra-
uma autonomia frente às relações socias predominantes, que se A Economia Solidária enfrenta ainda outros desafios. Vejamos tégias, continua a ser o foco da luta de classes. Se outro
baseiam na propriedade exclusiva pelo capital dos meios de pro- alguns aspectos tendenciais. Na produção solidária, percebe-se mundo é possível, não é preciso fazer dele uma reedição do
dução. Os produtores, em geral pequenos, passam a ter, direta- uma reduzida capacidade produtiva que decorre fundamentalmente
atual. Não se necessita repetir as experiências dos trabalha-
mente, a propriedade dos intrumentos de trabalho e do resultado da simplicidade da base tecnológica e elevada dependência do ele-
dores do passado que acabaram por recriar classes domi-
do trabalho  a produção. Passam relativamente a controlar o mento subjetivo  trabalho humano. Com produção limitada, e
nantes que seguiram e seguem
processo de comercialização, determinando preços e gerenciando quase sempre com problemas de qualidade, frente ao padrão capi-
expropriando o trabalho. Para
renda. Historicamente, a existência desta produção independente, talista mercantil, a tendência é a redução da capacidade de gerar
fortalecer a solidariedade na
absorvendo predominantemente a mão-de-obra, constituiu mo- renda. O caratér mercantil da produção solidária para se concretizar
produção e comercialização, um
mentos de transição para outras formas de organização social. de forma independente necessitaria de circuito específico de co-
mercialização, o que efetivamente ainda não acontece, visto serem caminho seguro parece ser o de
A precarização das relações de trabalho e o processo de ter-
ceirização da produção têm fabricado cada vez mais trabalhadores poucas as experiências, além de muito frágeis. Assim, a comercia- investir nestas experiências que
inseridos neste contexto. Uma possibilidade resulta nos chamados lização assenta-se no processo comercial predominante, enfren- se mostram transgressoras da
empreendedores, individuais ou empregadores. Investimentos em tando a voraz concorrência capitalista. Ampliar a capacidade ordem capitalista.
mídia, treinamentos e incentivos fiscais e financeiros motivam e competitiva no mercado capitalista poderia ser uma estrátégia, con-
tudo não fortalece os princípios da solidariedade. Solimar Oliveira Lima
multiplicam os pequenos négócios. Fundam-se no idealismo e in-
Prof. Dr. da UFPI
dividualismo como alternativa de melhoria de vida, fortalecendo A produção baseada na cooperação igualitária tende a forta-
[email protected]
a ideologia dominante do sucesso e mobilidade social para o lecer vínculos familiares e comunitários, além de recuperar a ex-

AS UNIVERSIDADES E OS ESTUDOS DE CIDADE


O objetivo deste texto é refletir sobre o papel das Univer- qualifica o debate urbano, tanto para a sociedade como para os técnico, mas alimentadas pelo saber popular que fornece de-
sidades em relação aos estudos de cidade. A estratégia dessa que fazem as Universidades. Talvez esse seja um dos maiores poimentos, falas e registros que indicam como o espaço urbano
reflexão visa estimular o debate já existente no meio acadê- obstáculos internos a serem enfrentados nas instâncias delibe- vem se modificando. Assim, a abordagem ambiental é um eixo
mico, a partir de oito pontos de discussão, esperando que sir- rativas das Universidades: o reconhecimento de que é preciso importante que aglutina diversas áreas do conhecimento e pos-
vam para que as instituições repensem os limites e as que as instituições apóiem as iniciativas oriundas da sociedade. sibilita duas visões: uma visão da cidade real e uma visão de ci-
possibilidades de poder contribuir para a realização de gestões O quarto ponto enfoca que os grupos de pesquisas precisam dade que se deseja.
urbanas democráticas e construtoras da sustentabilidade de um aprofundar as questões referentes ao processo de urbanização, O oitavo e último ponto se refere à incorporação de um
desenvolvimento urbano justo. bem como do entendimento das recentes transformações por que maior aprofundamento do que está sendo produzido em rela-
O primeiro ponto é sobre as produções acadêmicas ocorri- passam as cidades contemporâneas. O aprofundamento irá gerar ção à temática do rural, fazendo novas releituras das trans-
das na graduação e pós-graduação, para que sejam potenciali- um ambiente propositivo, no sentido de contribuir na formulação formações ocorridas no tempo presente. A razão desses novos
zadas, demonstrando os resultados dos estudos, a exemplo da de políticas públicas nas instâncias de discussão da sociedade, a olhares baseia-se na visão de que o urbano e o rural estão
iniciação científica e dos trabalhos de final de disciplinas, como exemplo dos orçamentos participativos, das audiências públicas, evidenciando significativas mudanças, pois recebem interfe-
forma de fornecer as bases teóricas para futuras pesquisas. Na dos fóruns sociais e dos conselhos representativos. rências e influências de diversas escalas espaciais (local, re-
pós-graduação, ampliar o diálogo entre as instâncias internas O quinto ponto se baseia em um distanciamento entre as gional, nacional e global), precisando ampliar os focos de
das Universidades como forma de potencializar os estudos de- Universidades e os diversos segmentos da sociedade - IBGE, investigação dessa temática.
senvolvidos pelos grupos e núcleos de pesquisa, bem como nos CREA, Prefeituras Municipais, Federações de Moradores, Enti- A intenção da abertura desse diálogo não é no sentido de
dades, ONGs... -, ocorrendo, geralmente, inúmeros entraves bu- que as Universidades substituam as ações dos gestores públi-
programas de pós-graduação (especialização, mestrado e dou-
rocráticos e políticos que esbarram na construção de parcerias. cos, mas sim, que possa contribuir com a formulação de ideias
torado) através das monografias, dissertações e teses.
Faz eco o reclame de entidades que insistem – e muitas vezes e de propostas para a condução de projetos e programas ur-
O segundo ponto é o de articular as instituições de ensino banos e rurais. Vale lembrar que já existem nas Universida-
superior – públicas e privadas - que desenvolvem atividades re- com razão – na crítica quanto ao silêncio das Universidades no
des inúmeras iniciativas em curso nas áreas da Geografia,
lacionadas aos municípios. É notória a falta de diálogo entre di- apoio à realização de atividades desenvolvidas pela sociedade.
da História, do Serviço Social e da Arquitetura, produzindo
versos cursos que tratam direta ou indiretamente da temática O sexto ponto é fornecer as bases teóricas que contribuam
conhecimento de forma crítica sobre cidades. Assim, as dis-
urbana, a exemplo dos cursos de Geografia, História, Arquite- na formulação de políticas que valorizem o patrimônio histórico cussões acadêmicas sobre cidades devem ser pautadas na
tura, entre outros, precisando que sejam realizados eventos em das cidades e, em especial, dos espaços existentes nas áreas cen- construção de uma abordagem
parceria, na possibilidade de ampliação das discussões sobre ci- trais e nas zonas rurais. Existe um fosso imenso que abre a pos- que traga o sentido do público,
dade, desejando-se com isso a construção de um grupo coletivo sibilidade de que as cidades sejam vistas apenas na visão do alimentando o ambiente institu-
que pense as transformações espaciais contidas nas cidades. presente e do imediato, “jogando por terra” toda uma história cional das Universidades e de
O terceiro ponto se refere à necessidade de um maior en- e uma geografia do passado que desaparecem enquanto forma seus grupos de pesquisas, para a
volvimento das instituições no apoio à participação na elabora- espacial e apaga da memória visual as marcas das vidas que melhoria das gestões municipais
ção de planos diretores das cidades, planos municipais e contribuíram para construir as cidades do presente. e, consequentemente, do entendi-
estaduais de habitação de interesse social e relatórios de impac- O sétimo ponto é a inserção, nos debates acadêmicos, de mento das cidades.
tos ambientais. O papel das Universidades vem no sentido de forma mais austera, de uma discussão ambiental que esteja de-
fornecer elementos teóricos e analíticos que aprofundem a di- vidamente em sintonia com o espaço urbano como um todo e Antônio C. Façanha
mensão da questão urbana, aliando os diversos saberes dos seg- com a compreensão das formas de como se está vivendo e pro- Prof. Dr. da UFPI
mentos da sociedade ao que está sendo discutido em suas duzindo nas cidades. Aqui falta uma visão de totalidade que
faç[email protected]
instâncias. O diálogo entre o saber técnico e o saber político saiba unir as partes e integrá-las no espaço, movidas pelo saber
26 TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

VOLTAIRE, HISTÓRIA E CLANDESTINIDADE


Gustave Lanson (1912), em artigo intulado Questions diver- escritos no Brasil. São poucos por aqui, porém, os estudos em textos nem sempre assinados. Mostra-se como um grande lei-
ses sur l’histoire de l’esprit philosophique en France avant 1750, teóricos sobre tais textos, razão que me levou a estudar as re- tor de obras clandestinas e se utiliza em larga escala dos expe-
questiona a pouca atenção dada a um conjunto de escritos que lações entre Voltaire, História e clandestinidade. dientes da clandestinidade para fazer difundir os seus escritos
circulavam na França do século XVIII. Ira O. Wade (1938), no O século XVIII é um período intrigante no que se refere ao e fugir à censura e à Bastilha. A pesquisa que ora desenvolvo
seu estudo The Clandestine organization and diffusion of Philo- campo das ideias filosóficas. Além de trazer inovações em relação na UESPI de Picos, com financiamento da FAPEPI, busca
sophic ideas in France from 1700 to 1750, retoma a necessidade ao desenvolvimento intelectual observado no século XVII – ob- construir meios de analisar a Filosofia de Voltaire enquanto
de se empreender estudo mais aprofundado sobre tais questões. servada, por exemplo, com Kant – apresenta questões bastante pe- clandestina. Busco, então, discutir como há uma intenção
Desde então, surgem diversos estudos sobre os textos clandesti- culiares ao seu momento histórico-político e filosófico. Nesse filosófica "para além das preocupações sistemáticas", e que
nos, sendo os de Robert Darnton os de maior amplitude, apresen- contexto, a França se afigura como palco de grandes reformula- só encontra espaço nessa forma "clandestina" e "marginal"
tando as implicações políticas que a circulação de tais escritos ções teóricas no que se refere às concepções acerca da sociedade, de compreensão da Filosofia. Intento então analisar como
enseja e os aspectos mais detidos da “polícia dos livros” desen- dos direitos naturais, da Política, da Moral. É também o lugar onde Voltaire “utiliza” a história para esses propósitos. A pes-
volvida com a censura da imprensa no período. Os artigos publi- são experimentadas em larga escala essas novas formas de comu- quisa se encontra no início, conta com a colaboração dos
cados na revista La lettre Clandestine desde 1992 elencam os nicação das ideias filosóficas, materializadas pela circulação clan- professores Gustavo Silvano Batista (UFPI/Picos) e Cellina
novos textos encontrados, as novas publicações e traduções, e destina de textos, o que, de certo modo, põe em xeque que o Rodrigues Muniz (UESPI/Picos), e pretende utilizar nas
apresentam os estudos mais recentes acerca da sua problemática. modelo de estruturação teórica privilegiado pelo século anterior, suas análises algumas implica-
O estudo de Miguel Benítez (1996), La face cachée des lumières, qual seja, a construção de sistemas filosóficos robustos e elabo- ções retiradas da História dos
é significativo por circunscrever a sua análise aos tratados filo- rados. A ordem das razões nos moldes cartesianos, obtida através Conceitos, de Reinhardt Kosel-
sóficos e manuscritos. Deixa claro a ideia da riqueza filosófica de processos metódicos de dúvida, dá lugar a razões elaboradas leck, da pragmática filosófica da
das obras clandestinas, sendo muitas delas escritas sem a menor em função de contextos e questões específicas. A preocupação em Linguagem (tal qual desenvolvi-
referência a um “autor”. demonstrar rigorosamente complexos constructos teóricos é subs- das por Ludwig Wittgenstein e
O interesse pelas questões derivadas da Filosofia clandes- tituída pela preocupação em demonstrar a perícia na utilização das John Austin) e das concepções de
tina no Brasil ainda se mostra pequeno, mas posso sinalizar palavras para afetar certos assuntos particularmente relevantes Linguagem, de Michel Foucault,
um crescimento nesse sentido, ao verificar a reiterada publi- para o período, notadamente a crítica ao poderio da Igreja, à reli- em O que é um autor?
cação de traduções brasileiras para textos clássicos desse mo- gião cristã e à degradação dos costumes e da moral. Acredito que,
vimento. Exemplos como o Tratado dos três impostores e o de todos os autores desse período inovador do pensamento francês Leandro de Araújo Sardeiro
volume intitulado Filosofia Clandestina, ambos publicados moderno, Voltaire tenha sido um dos mais expressivos. Prof. Msc. da UESPI/PICOS
pela Martins Fontes, mostram uma presença crescente desses Voltaire publica boa parte da sua obra de forma clandestina, [email protected]

As práticas e os rituais de reza e de cura das rezadeiras


AS REZADEIRAS DO PIAUÍ
praticam as rezas e estabelecem um caráter social entre elas de iniciação] repassa as primeiras rezas e, às vezes, até iden-
no Piauí ainda persistem no cotidiano do Estado. As senho- e a comunidade onde reside, efetivando a existência de uma tifica uma iminente rezadeira.
ras desenvolvem práticas de fé, de religiosidade, se rela- relação de troca: de sentimento, de confiança, de respeito e A religiosidade pulsa no cotidiano, as vivências são es-
cionam com os devotos, que acreditam na cura motivada de amizade, construindo espaços de sociabilidade nas comu- tabelecidas através do sagrado, acabam tornando essas ma-
pelas rezas. As senhoras rezantes, que exercem os ritos de nidades onde habitam. Essas sociabilidades são efetivadas nifestações significativas para aqueles que as praticam.
cura munidas de sentimento religioso, são mulheres capa- por elementos de cunho cultural, que equivale ao repasse de “Para que haja verdadeiramente cultura, não basta ser autor
zes de doar aos seus amigos e conhecidos da comunidade rezas entre as senhoras, pois o meio era e é imbricado por de práticas sociais, é preciso que essas práticas sociais te-
onde habitam o conforto e a segurança que o sagrado pro- uma forte influência religiosa, fator fundamental que condi- nham significado para aqueles que as realizam” (CERTEAU,
porciona. Essas manifestações existem em diversas cultu- cionava as práticas das rezadeiras. Uma senhora rezante ini- 1995, p.141). Mircea Eliade [Historiador das religiões]
ras, são marcadas por uma carga religiosa significativa e ciante ao se encontrar provida de um sentimento religioso acredita que nenhum homem está dessacralizado por com-
materializadas em ritos. É relevante observar que esses ri- não hesitava em aprender a rezar e dessa maneira conseguir pleto, esse mesmo homem moderno guarda essências reli-
tuais possuem diferenciações de acordo com os sentidos e exercer uma ação religiosa e até mesmo social. giosas nos seus mais simplórios gestos cotidianos e nos
significados culturais a eles atribuídos. Glifford Geertz Essas senhoras apesar de se concentrarem na periferia mitos modernos esconde a religiosidade do homem arcaico
[1989], ao propor o exemplo dos três garotos piscando, in- de muitas cidades, suas práticas não eram e não são consu- predecedente de toda estrutura religiosa para a atualidade
trinsecamente, anuncia-nos que os significados presentes midas somente por categorias sociais subalternas, mas indis- (ELIADE, 1992, p.147-163). A fé é a característica princi-
em uma determinada manifestação cultural podem adquirir tintamente por indivíduos, cujo único requisito é a crença pal usada pelo homem moderno para debruçar-se sobre a re-
diversas formas ou significâncias. Atualmente, realizo pes- nos rituais, a forte religiosidade, na fé, que se configura ligiosidade, cercado pela sua ânsia contemporânea onde a
quisa com as rezadeiras, interpreto a constituição histórica como elemento principal para a obtenção da cura. Indepen- ciência mostra suas garras, muitas vezes esse mesmo homem
dessas práticas e rituais e estabeleço diálogos teórico-me- dente de classe social, condição econômica e até mesmo re- se sente perdido, ao não encontrar respostas diante de um
todológicos com a antropologia e a etnografia, busco ana- ligiosa, as rezadeiras não hesitavam em realizar as rezas nos mundo tão vasto e sábio.
lisar os rituais de cura como fenômenos culturais, indivíduos crentes em Deus. Existe outro elemento impor- No período colonial, a prática de benzimento era
elaborados e re-significados historicamente, busco as per- tante nas práticas das rezadeiras: elas não aceitam paga- exercida em animais, muito importante para a subsis-
manências e as rupturas nessas práticas e rituais; uso re- mento pelas rezas realizadas. As rezadeiras não aceitam tência naquele período. Segundo Laura de Melo e Sousa
corte temporal isento de determinismos lineares ou dinheiro como forma de recompensa, para elas uma ação [historiadora], as perseguições contra esse tipo de ma-
cartesianos, o que se justifica pela natureza da investigação, profana e desvinculada de uma permissão divina, pois Deus
nifestação não foram tão rigorosas como as exercidas
trabalho o tempo longo, percorro o tempo de vida das se- era o único capaz de “pagar” as suas rezas.
contra feiticeiros e isto facilitou a permanência desses
nhoras rezantes, privilegio uma geração de rezadeiras, em As formas de aprendizado ou as maneiras como as reza
três cidades piauienses – Teresina, Piripiri e Ilha Grande de ritos até o momento. Acredito que ao longo do tempo
eram repassadas entre as rezadeiras podem ser caracteriza-
Santa Isabel. das de múltiplos formatos e de caráter específico, variando esses rituais passaram por adaptações sendo direciona-
No Piauí, os rituais de cura praticados pelas rezadeiras de rezadeira para rezadeira. Cada senhora constrói as suas dos também para humanos. A mescla com ritos de cura
ainda marcam costumes e vivências de parcela significativas próprias rezas, tendo como foco principal as rezas bases [O estabeleceu e caracterizou esses sujeitos chamados de
da população, permanecem e colaboram na construção do pai Nosso, Ave-Maria, Creio em Deus Pai, etc], rezas pro- rezadeiras ou benzedeiras.
sentimento religioso do piauiense. São práticas de longa du- nunciadas em seus rituais, evocadas, inicialmente; em se- Entendo ser a religiosidade uma espécie de teia com-
ração construídas historicamente, consolidando-se nas remi- guida, os chamas [exato momento em que a rezadeira positória da história, capaz de transmitir sinais emitidos
niscências do povo piauiense desde o período colonial. convoca as possíveis doenças que o individuo pode obter]. pelo homem religioso através do sentimento de religio-
Desde 2006, realizo este trabalho. Busco compreender que Logo após os chamas, se reza de acordo com o resultado ob- sidade. Interpretar como esse sentimento atua em nossas
o conhecimento histórico atual não está mais associado aos tido, ou seja, passa-se a rezar para determinada doença, ge- vidas nos leva a enveredar por vários caminhos, muitas
grandes eventos e personagens ilustres, percebi que as ma- ralmente, esse momento é bem particular de cada rezadeira. vezes considerados triviais em
nifestações das rezadeiras poderiam ser objeto de estudo da O aprendizado é a primeira fase que constitui a carreira nosso dia a dia. Caminhos que
História, de uma História Cultural entendida como “Uma religiosa desses agentes religiosos. A rezadeira, ao aprender nos mostram manifestações como
forma de expressão e tradução da realidade que se faz de seus ritos, precisa primeiramente se sentir chamada ou sentir as praticadas pelas rezadeiras e
forma simbólica, ou seja, admite-se que os sentidos conferi- obter o dom de Deus, o meio religioso é um fator determi- que em nosso Estado ainda exer-
dos às palavras, às coisas, às ações e aos atores sociais se nante na iniciação, pois o sentimento religioso precisa estar cem uma função marcante em di-
apresentam de forma cifrada, portanto já um significado e enraizado. A observação e a constância do hábito fazem versas comunidades.
uma apreciação valorativa” (PESAVENTO, 2004, p. 15). Foi emergir através da religiosidade imbricada à vontade de
em busca de dar “sentidos às palavras”, embutidas de uma aprender a rezar. Segundo relatos de algumas rezadeiras, a Pedrina Nunes Araújo
“apreciação valorativa”, exercida por esses “atores sociais” possibilidade de se fazer algo pela comunidade era um de- Mestranda em
[rezadeiras] que surgiu o interesse por este estudo. sejo relevante que ativava o aprendizado. O mestre de reza História na UFPI
As rezadeiras são uma espécie de agentes religiosos, que [que ensina e acompanha uma rezadeira durante o processo [email protected]
TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010 27

O FORTALECIMENTO DA TV PÚBLICA NO BRASIL COMO GANHO DEMOCRÁTICO


O padrão universal de concentração de propriedade e a presença redemocratização do país. Apesar disso e dos propósitos de ênfase cepção ganhou força, a rede articulada em torno da PBS reúne
dos global player encontram no Brasil um ambiente historicamente na educação, cultura e cidadania, essas emissoras ainda estão longe tanto veículos mantidos por governos como emissoras operadas
acolhedor. Nossos mass media se estabeleceram oligopolisticamente. de poder cumprir as propostas que lhe deram origem. Ainda que por organizações da sociedade civil sem fins lucrativos. No Bra-
A televisão continua basicamente regida por um código do início da imersas em problemas de caráter estruturais e sociais, ela é consi- sil, tal entendimento está na base do que se convencionou chamar
década de 1960 (lei 4.117, de agosto de 1962), totalmente desatuali- derada como uma solução para muitas das patologias ou insuficiên- de “campo público”, incluindo desde emissoras comunitárias até
zado, e constitui um sistema organizado em torno de poucas redes cias que poderiam ser identificadas sobre a qualidade democrática legislativas com base numa identidade não comercial (INTER-
sobre as quais não existe nenhuma regulamentação legal (LIMA, da cobertura do telejornalismo brasileiro. VOZES, 2009, p.34)
2006). Trata-se, portanto, de uma oligopolização que se produz dentro Na esteira dessa realidade, três questões têm sido apontadas A distinção entre um campo e outro tem por fundamento a
de uma mesma área; o melhor exemplo desse tipo de concentração como fontes fundamentais de uma parca qualidade democrática dos relação que cada um deles estabelece com seu receptor. Os
no Brasil continua a ser a televisão. meios massivos das TVs comerciais: (1) pouca atenção aos temas e meios com fins lucrativos tratam da audiência como massa e,
Nosso sistema televisivo de comunicação já nasceu comercial. assuntos de interesse público e mais atenção a questões de interesse portanto, buscam o gosto médio, para que seus conteúdos pos-
A história da tevê em nosso país dá grande destaque ao pioneirismo do público; (2) sistemática invisibilidade da sociedade civil, incor- sam atingir a atenção do maior número possível de pessoas, a
de Assis Chateaubriand, mas é extremamente evasiva no que se re- rendo, então, num problema de justiça política e (3) ausência de ní- televisão pública, como alternativa, deveria mirar na multipli-
fere aos interesses econômicos que motivaram a iniciativa. Muito veis democraticamente densos de discussão pública. cidade de públicos e dialogar com as demandas informativas
se tem dito sobre o sistema de comunicação no Brasil como seguidor Diante desses diagnósticos acerca da comunicação de massa, e culturais de cada um deles. Assim, a diversidade aparece
do modelo norte-americano, baseado no financiamento da progra- nos perguntamos se eles não estão fortemente sedimentados no pa- como um dos pilares dessa concepção.
mação a partir do capital privado e seus anúncios comerciais. Res- drão privado de comunicação. Desse modo, é mister pensar como a A criação da EBC e de seu serviço televisivo, a TV Brasil, sig-
saltamos, porém, que os mesmos Estados Unidos possuem um depreciação dos valores democráticos não poderiam ser compensa- nifica uma tentativa de superação do passado de atrelamento dos
sistema público operante em dissonância com a nossa realidade, dos ou mesmo superados pela emergência e expansão de um sistema canais públicos aos governos e autoridades para apontar na direção
onde a comunicação pública se encontra incipiente. público de comunicação. Tal horizonte de possibilidades se torna da construção de iniciativas efetivamente pública.
No entanto, se há uma pluralidade que se sobressai do sistema extremamente vívido, quando nos deparamos no atual processo de Nesse contexto, uma reflexão sobre os caminhos percorridos
privado de comunicação, o sistema público caminha em ritmo bem expansão do sistema público de comunicação no Brasil, o qual ga- por essa implementação, bem como as condutas governamentais
diferente. Um maior equilíbrio entre os sistemas, previsto inclusive nhou especial impulso com a criação da TV Brasil. e/ou sociais ligadas a ela, são fundamentais nesse período de am-
Nesse sentido, vale destacar que a TV pública seria pautada pliação do investimento no sistema público de comunicação. Le-
na Constituição Federal de 1988, como tentativa de fortalecer o sis-
por todas aquelas demandas informativas não contempladas vando-se, então, em conta que o sistema público de comunicação
tema público de televisão, faz emergir um conjunto de expectativas
pelos veículos comerciais, constituindo alternativas a estes. se pauta por princípios da publicidade e alternativos aos empreen-
em torno desse sistema, como sendo capaz de compensar ou superar
“Está aí a abordagem presente na gênese do Public Broadcasting didos pelo sistema privado, nossa argu-
os déficits democráticos presentes na visibilidade pública, política service (PBC) dos Estados Unidos, bem como na recente criação
e comercial, determinado pelas mídias privadas. mentação visa, pois, dar um alerta às
da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) em nosso país” (IN- camadas sociais interessadas na comunica-
Dentro do conjunto de pesquisas acerca da Tevê Pública no TERVOZES, 2009, p. 32). Não por acaso o contexto dessa pers-
Brasil, é possível observar, desde o início do debate, uma miríade ção como ferramenta social em busca de
pectiva é o cenário de hegemonia dos meios de comunicação valores democráticos, para o acompanha-
de perspectivas epistemológicas. No entanto, parece que, num pri- comerciais e o enviesamento do conteúdo transmitido por este,
meiro momento, sobressaiu-se um sotaque mais “triunfalista” sobre mentos do desenrolar desse meandros da
que sabemos, segue a lógica da produção de audiência para a
os diversos potenciais cíveis e democráticos de sua cobertura, que tevê pública em nosso país.
venda de anúncios publicitários em detrimento de uma informa-
pela sua economia política diferenciada, seria mais propícia a esta- ção mais pautada no interesse público.
belecer uma programação democraticamente mais qualificada do O modelo público circunscreveria tudo o que não faz parte do Acácio Salvador Véras e Silva Jr.
que a mídia comercial. seu oposto, em outras palavras, o público, nesse contexto, seria Doutorando em Comunicação e
A maioria das chamadas Tevês educativas e culturais no Brasil outro termo para designar tudo o que não é comercial. Informação pela UFRGS
foram criadas nas três últimas décadas, período que coincide com a Não por coincidência, nos Estados Unidos, onde essa con- [email protected]

A PRÁTICA GERENCIAL DE ENFERMAGEM EM HOSPITAIS PÚBLICOS


A estruturação das atividades de atenção e assistência à cial não é privilegiada, de modo que o enfermeiro quando vai lêmicas e todo o universo que são, na realidade, imenso reservató-
saúde no Brasil ainda está em fase de consolidação, em muitas trabalhar em serviços públicos exercendo cargos e funções rio de problemas à espera de solução. Mas é preciso refletir, inter-
regiões. A implementação dos princípios e diretrizes do Sistema dessa área se surpreende com a falta desse conhecimento es- rogar, é preciso ver problema onde o homem “vulgar” vê apenas
Único de Saúde (SÚS) está aquém da necessidade da população, pecífico, que dificulta a sua assistência aos clientes do SUS. fatos sem problemas. A reflexão suscita dúvidas, a dúvida define,
em muitos municípios. Por isso, os gestores ainda têm grandes O gerenciamento da rotina de trabalho do enfermeiro em circunscreve e delimita problema digno de ser esclarecido.
desafios para enfrentar, neste longo processo de implementação hospitais públicos é complexo e inclui uma série de atividades O Sistema Único de Saúde (SUS) reveste-se de importância
do sistema de saúde. que, em geral, não se aprende na universidade, tais como: de- no quadro sanitário brasileiro não somente como estrutura de or-
Nesta caminhada de organização e melhoria do sistema, finição da autoridade e da responsabilidade de cada pessoa; ganização institucional da área da saúde e modelo de atendimento
uma das categorias que mais atua é a da Enfermagem, isso por- padronização dos processos de trabalho; monitoração dos re- à clientela, mas especialmente pela mudança impressa nas formas
que o enfermeiro tem basicamente quatro atividades essenciais sultados dos processos e a comparação com as metas definidas; de direcionar, conceber, pensar e fazer a assistência à saúde no
que norteiam a sua profissão: assistencial, gerencial, educativa ação corretiva do processo a partir dos desvios encontrados país (BRASIL, 1990).
e de pesquisa. nos resultados quando comparados com as metas e utilização Silva e Trad (2005) enfatizam que a implementação do
Este estudo teve como objetivo geral refletir sobre a gestão do potencial mental das pessoas. Sistema Único de Saúde (SUS) tem constituído um grande
dos enfermeiros em hospitais públicos e os seguintes objetivos No cotidiano da prática gerencial de enfermagem, é neces- desafio para gestores, profissionais de saúde e sociedade
específicos: identificar quais os fatores que influenciam no pro- sário que se faça a padronização dos processos de trabalho, como um todo. A descentralização dos processos decisórios
cesso de gerência; mostrar caminhos de intervenção sobre esses que pode ser implantada com a utilização de macrofluxos, flu- em saúde tem possibilitado uma melhor visualização dos pro-
fatores e propor melhorias para o processo de gestão de Enfer- xogramas, procedimentos operacionais e monitorização de blemas a serem enfrentados, assim como das possibilidades
magem, nos hospitais públicos. itens de controle, que são indicadores de desempenho dos prin- e limites das intervenções. A busca por um novo modelo as-
De acordo com Fracolli (1999), a construção do SUS no cipais processos. sistencial ganha sentido prático no esforço de dar respostas
plano político-ideológico deveria ser regulada pelo Estado O processo de trabalho e de gestão e gerência de órgãos pú- a necessidades concretas.
e baseada nos princípios de universalidade, equidade e in- blicos por enfermeiro é difícil de ser executado, porque os servi- Para enfrentar as responsabilidades e exigências em expan-
tegralidade da atenção à saúde. Tais princípios para serem ços de saúde são complexos demais. Merhy (1997) afirma que são, a função do gestor precisa abarcar dimensões que facilitem
operacionalizados necessitariam estar acompanhados dos algumas propostas teóricas entendem que os serviços de saúde e atendam as metas e os objetivos es-
preceitos administrativos de regionalização, hierarquização se parecem mais com “arenas de disputas” do que com “orga- tratégicos dessas instituições. A En-
e descentralização político-administrativa, bem como de nismos vivos” (como descrito pelas teorias funcionalistas de fermagem, ao longo de sua história,
formas democráticas de gestão e de controle social dos ser- gerência). Dessa forma, a dinâmica do trabalho nos serviços de tem sido solicitada a reagir à evolu-
viços de saúde. saúde se assemelha (em muito) a um jogo de xadrez, no qual ção das forças tecnológicas e sociais.
Muitos debates têm surgido a respeito deste cenário com- os trabalhadores (da mesma forma que os jogadores) operam
plexo de implementação do SUS, mas pouco tem se discutido segundo uma rede de petições e compromissos, entre eles; com- Fabrícia Cavalcante Rocha
da importância de mudanças, a partir da aquisição de capaci- partilham significações que balizam um certo contrato de rela- – Tutora Esp. do Curso de
dade teórica e operacional de ação sobre os aspectos micropo- ções e não podem ser sujeitos plenos, mas “bem sujeitados” às Gestão em Saúde na UABPI e
líticos desse processo de trabalho, através dos profissionais regras do jogo. Funcionária da
que atuam no sistema público. Trata-se de uma reflexão sobre o processo de gerência em Prefeitura Municipal
Como o objetivo da graduação de Enfermagem é a forma- hospitais públicos realizados por enfermeiros. Segundo Ruiz de São Luís/MA
ção do enfermeiro generalista, a prática de enfermagem geren- (2002), reflexão em pesquisa bibliográfica inclui a vivência, as po- [email protected]
28 TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

SEGUNDA-FEIRA DE ÁGUAS: PROSTITUIÇÃO E TRADIÇÃO


Prostituição: a profissão mais antiga do mundo. Eis trajetória; páginas eletrônicas da internet oferecem de bólica dos fatos passados.
frase que circula no imaginário de diferentes povos, tudo, absolutamente de tudo; sites, com a finalidade explí- Em tudo isto, o que causa espanto é o paradoxo que se
quase sempre, ou sempre, em tom zombeteiro. Na ver- cita de reduzir a solidão humana, terminam por mostrar conserva por tantos séculos: ainda que as leis vigentes da
dade, trata-se de tema complexo, com matizes as mais pretensões escusas; há serviços telefônicos para a consu- Espanha não criminalizem a prostituição, uma sociedade
distintas possíveis, em diferentes países dos cinco conti- mação do sexo; e assim por diante... majoritariamente católica celebra, com vigor e esplendor,
nentes. Os elementos culturais, como conhecimentos, Todo este preâmbulo tão-somente para chegar às tradi- uma tradição cultural que põe em relevo a “utilidade” e a
técnicas, bens, valores, hábitos, costumes, tendências, ções culturais e à complexidade subjacente a elas. Há casos “beleza” da prostituição. E o que é mais surpreendente:
vulnerabilidades, gostos e tradições diferem mundo curiosos. Na Espanha, em particular, desde a Constituição trata-se de uma nação, cujos movimentos em prol da dig-
afora. As legislações de cada nação seguem linha própria. de 1978, inexiste religião oficial. Há cuidados especiais e nidade da mulher são intensos. Há uma infinidade de asso-
Aqui e ali, divergências incríveis ou coincidências ines- oficiais para o cumprimento da prescrição constitucional. ciações. Há uma quantidade quase imensurável de
peradas. Em países islâmicos, as mulheres são condena- Por exemplo, a página eletrônica do Governo de Madrid, seminários, cursos e eventos similares, promovidos por
das à morte. Na Índia, literalmente banidas do convívio www.munimadrid.es, não traz quaisquer dados sobre reli- instituições salmantinas de ensino superior, em defesa dos
social. Afinal, as jovens são reservadas para belas ceri- gião. Mesmo assim, é visível a estreita relação entre Estado direitos humanos. Para quem batalha nesta trincheira, é
mônias de casamento, ainda hoje, estabelecido pelas fa- e Igreja Católica, com mais de 95% de católicos numa po- evidente que mulheres e homens, ao se prostituírem, não
mílias como um negócio lucrativo, enquanto os homens pulação estimada em 46.063.511 habitantes, segundo dados somente se despem aos olhos de outros, mas, sobretudo,
não hesitam em usufruir os prazeres do sexo junto às fê- oficiais do ano de 2008. E o que ocorre, em Castilla e aviltam corpo e alma, sujeitando-se à crueldade desses ou-
meas de países vizinhos ou estrangeiras de outras partes Leon, ou mais precisamente, em Salamanca, embora a tra- tros e/ou a aberrações de quaisquer naturezas. As prostitu-
que visitam o país. Teorica- tas e/ou os michês afirmam,
DIVULGAÇÃO
mente, às ocultas, mas sob o com veemência, que ho-
olhar cúmplice dos compa- mens e mulheres que os fre-
nheiros, o que lhes assegura quentam são extremamente
status de herói. verdadeiros em seus len-
Alemanha, Holanda, çóis. Despem as máscaras
Nova Zelândia e Suíça regu- sociais. Expõem sua face
lamentam e outorgam à pros- mais sórdida, mais cruel,
tituição direitos similares às mais bestial e, mormente, a
outras categorias de traba- mais verdadeira. Traves-
lho. Nos Estados Unidos e tem-se em quatro paredes.
na Austrália, a situação é Por outro lado, há que
mais confusa, com legaliza- se convir que nada disto é
ção em determinadas re- privilégio de um só país.
giões, por exemplo, estados São as tradições de ontem
de Nevada e Sydney. Na moldando hábitos de hoje.
Suécia, a punição vai para os São costumes de nossos
clientes, e não para as pres- avós e bisavós nos dei-
tadoras de “serviço”. Em xando antever a natureza
contraposição a posiciona- humana, como irremedia-
mentos tão díspares, há na- velmente única, embora
ções que nem legalizam nem oculta sob véus distintos.
perseguem os praticantes de São as civilizações cons-
forma ostensiva, com exce- truídas e reconstruídas a
ção da prostituição infantil, cada momento, coletiva-
cuja linha de ação é justifi- mente ou individualmente,
cadamente implacável. Bra-
em suas contradições inevi-
sil e Espanha são exemplos.
táveis. A prova está no su-
No Brasil, o meretrício não
cesso da celebrada
constitui crime, e, sim, as
brasileira Surfistinha, nome de guerra de Raquel Pacheco,
atividades correlatas, tais como favorecimento, indução dição venha se expandindo a outras províncias, parece-nos
cujo maior mérito é ter optado, numa fase de sua vida, pelo
e tráfico de mulheres. Em se tratando da Espanha, em uma das tradições culturais mais surpreendentes.
meretrício. Ao primeiro livro, O doce veneno do escorpião,
2007, o Congresso vota contra a legalização da prosti- É a chamada segunda-feira de águas (lunes de aguas).
tuição, em meio a polêmicas estridentes. Afinal, se- Sua origem remonta ao longínquo século XVI. Por ordem lançado em 2005, sob intensa publicidade e, por conse-
gundo dados publicados pela imprensa, nesse país, do rei Felipe II, durante os 40 dias entre a quarta-feira de guinte, com estrondoso sucesso editorial e bombástica po-
atuam na prostituição 400 mil mulheres (das quais, ina- cinzas até o domingo de Páscoa, as prostitutas locais, à lêmica em diferentes meios sociais, seguem outros títulos.
creditavelmente, 98% são estrangeiras), movimentando época, são levadas para fora da cidade, ao outro lado do rio E isto, num país, onde acadêmicos e literatos, com fre-
por ano cifra em torno de 18 milhões de euros. São Tormes, que banha a cidade, para evitar tentação aos “po- quência, percorrem verdadeiro calvário para publicar seus
dados que dimensionam o problema, que também é grave bres” homens. Permanecem isoladas, sob a custódia do de- trabalhos. E lá está a jovem, como convidada de honra em
no Brasil, cujos números exatos sobre a prostituição não nominado Padre Putas, cargo instituído por um dos distintos programas televisivos e de distintas emissoras.
são dignos de crédito, por uma razão única e inequívoca: membros da realeza. Finda a Quaresma, os jovens (porque Em outubro de 2010, ei-la na grande tela. É o momento do
a fragilidade que ronda o conceito da prostituição per se. libertos das obrigações maritais), sob o olhar conivente dos filme homônimo O doce veneno... , que conta com Debo-
O significado dicionarista, em qualquer idioma, define mais velhos, se juntam para uma grande festa de boas-vin- rah Secco como protagonista. Hoje, Raquel Pacheco está
a prostituição como comércio habitual ou profissional do das às mulheres que chegam, sedutoras e belas, em barcos na mídia, na Wikipedia e no The New York Times. Ou seja,
amor sexual, ou seja, o sexo pago. Nesta concepção tão devidamente engalanados. povos distintos, em momentos distintos ou formas distin-
simplista, onde inserir mulheres de programa, que se ven- A cada ano, na segunda-feira, logo após as celebrações tas, enaltecem a prostituição
dem por valor imensuravelmente alto, que envolvem carros da Ressurreição de Cristo, a cidade literalmente para ou como tradição cultural (ou não)
de última geração, apartamentos, viagens, instâncias em reduz drasticamente sua movimentação. Em bandos ruido- e assim ela segue como a profis-
paraísos, jóias etc.etc.? Outra faceta, também mutável, é sos, famílias inteiras, grupos de amigos, amantes, pessoas são mais antiga do mundo e,
que a profissão agrega, agora, mais e mais homens, que se solitárias, enfim, crianças, jovens, adultos e velhos seguem quiçá, a mais gloriosa. Nós, bra-
vendem por dinheiro, em troca de vida aparentemente às margens do rio Tormes, onde comem, bebem, cantam, sileiros, temos, pois, nossa
fácil. E o que nos parece mais paradoxal é a atitude da so- amam, leem, jogam cartas ou conversa fora, por todo o dia. lunes de aguas ou nossas lunes
ciedade como um todo. Ao tempo em que as pessoas con- E, desde a década de 80 do século passado, à semelhança de aguas!
denam as (os) profissionais do sexo, cada vez mais, do que acontece em Teresina (Piauí), com o “carro das
anúncios de jornais divulgam serviços, com detalhes sór- putas”, no período carnavalesco, há barcos que chegam à Maria das Graças Targino
didos sobre as proezas oferecidas; programas de TV con- Salamanca, em lunes de aguas, com mulheres fantasiadas Prof. Dra. da UFPI
vidam prostitutas ou michês, para que narrem sua e acompanhadas de um “padre”, numa representação sim- [email protected]
TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010 29

CIÊNCIAS DA SAÚDE
CONSUMO ALIMENTAR E DE ÁLCOOL POR ESTUDANTES DE ESCOLAS PÚBLICAS
A adolescência é a fase intermediária entre a infância
e a vida adulta, durante a qual ocorre intenso crescimento
físico e profundas modificações orgânicas, psicológicas CARACTERIZAÇÃO Nº %
e sociais, que influenciam no comportamento alimentar. SEXO
No sentido de investigar os hábitos alimentares e de be- Masculino 160 44,32
bidas alcoólicas de estudantes do ensino fundamental e Feminino 201 55,68
médio, com idade entre 16 e 20 anos, de escolas da rede TOTAL 361 100,00
pública estadual do Piauí, localizadas em Teresina, foi
desenvolvido estudo transversal cuja amostra se consti- FAIXA ETÁRIA (anos)
tuiu de 10% do total dessas escolas, considerando-se para 14 a 15 22 6,09
seleção das mesmas o critério de regionalização e sorteio 16 a 17 208 57,62
aleatório simples. Participaram do estudo alunos regular- 18 a 20 131 36,29
mente matriculados no ano letivo de 2004 e 2005, no ho- TOTAL 361 100,00
rário diurno. Em cada escola, os estudantes foram Fonte: Pesquisa Direta
sorteados, utilizando-se a tabela de números aleatórios.
Os dados foram colhidos mediante instrumento pró- Tabela 1. Caracterização dos estudantes de escolas públicas estaduais de Teresina, segundo o sexo e a faixa etária. Teresina PI, 2005.
prio, abrangendo a frequência alimentar semanal, tabus,
aversões e alergias alimentares, bem como hábito de con- SEXO
sumo de bebidas alcoólicas. O plano de trabalho foi de- REFEIÇÕES / ALIMENTOS MASCULINO FEMININO
senvolvido com a participação de estudantes do PIBICjr, DESJEJUM Nº % Nº %
que aplicaram os formulários para coleta dos dados, sob
a supervisão e orientação das pesquisadoras. Esta pes- Café c/ leite integral 37 23,13 58 28,86
quisa foi submetida à apreciação do Comitê de Ética em Cuscuz c/ margarina 34 21,25 37 18,41
Pesquisa da UFPI, tendo sido aprovada sob o nº 187/20. Açúcar 77 48,43 91 45,27
Na caracterização dos estudantes, observou-se (Tabela 1),
ALMOÇO
que o gênero foi relativamente equitativo, 55,68% para o
Arroz c/feijão 58 36,25 58 29,00
feminino e 44,32% para o masculino, sendo que mais da
metade se encontrava na faixa etária de 16 a 17 anos Arroz Branco 49 30,82 66 32,84
(57,64%). Sobre o hábito alimentar, nas três maiores re- Frango (cozido/frito) 15 9,38 16 7,96
feições do dia, foi encontrado café com leite integral, Carne gado (cozida/frita) 10 6,25 20 9,95
cuscuz com margarina e açúcar compondo o desjejum, de Salada verde/amarela 04 2,52 15 7,46
ambos os gêneros. No almoço, as frequências alimentares Outros vegetais 08 5,03 16 7,99
foram semelhantes entre os estudantes e as estudantes. Fruta em fatia 02 1,27 15 7,50
Aqueles demonstraram preferir arroz com feijão, Suco de frutas (artificial /natural) 23 14,38 33 16,50
frango e suco de fruta, enquanto estas referiram preferên- Refrigerantes 13 8,18 30 14,93
cia por arroz branco, carne de gado, salada com vegetais
variados, frutas (porções e suco) e refrigerantes. No jan- JANTAR
tar, manteve-se a situação observada no almoço, acres- Arroz c/feijão 47 29,38 50 24,88
cida de outras preferências alimentares mencionadas por Arroz Branco 43 27,04 54 26,87
ambos os gêneros, café com leite integral, bolo doce e Frango (cozido/frito) 19 12,03 21 10,45
salgado e biscoito recheado, (Tabela 2). Observa-se que Carne gado (cozida/frita) 11 6,88 18 8,96
a alimentação das estudantes se aproxima da alimentação Salada verde/amarela 03 1,89 16 7,96
saudável, quando se considera as características diversi- Café c/leite integral 14 8,75 15 7,46
ficadas e variedade alimentar. Sobre consumo de bebidas Bolo doce/Salgado 05 3,14 12 5,97
alcoólicas, o estudo evidenciou tendência crescente, no
Biscoito recheado 10 6,29 17 8,46
final de semana e socialmente, da menor para a maior
faixa etária. Todavia, é preocupante constatar o consumo Fonte: Pesquisa Direta
diário de álcool de 11,11% entre estudantes com idade
entre 14 e 15 anos (Tabela 3). Tabela 2. Hábito alimentar de estudantes de escolas públicas estaduais de Teresina, segundo o sexo e a faixa etária. Teresina PI, 2005.

CONSUMO BEBIDA ALCOÓLICA


CARACTERIZAÇÃO DIARIO FIM SEMANA SOCIALMENTE TOTAL
Nº % Nº % Nº % Nº %
SEXO
masculino 05 6,17 16 19,75 60 74,07 81 100,00
Feminino 03 4,62 04 6,15 58 89,23 65 100,00
TOTAL 08 5,48 20 13,70 118 80,82 146 100,00
FAIXA ETÁRIA (anos)
14 a 15 01 11,11 01 11,11 07 77,78 09 100,00
16 a 17 05 6,33 10 12,66 64 81,01 79 100,00
18 a 20 02 3,45 09 15,52 47 81,03 58 100,00
Marize Melo dos Santos
TOTAL 08 5,48 20 13,70 118 80,82 146 100,00 Profa. Dra. da UFPI
Fonte: Pesquisa Direta [email protected]

Tabela 3. Freqüência de consumo de bebida alcoólica de estudantes de escolas públicas estaduais de Teresina, segundo o sexo e a faixa etária. Teresina - PI, 2005.
30 TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

MENTE, CÉREBRO E RESSONÂNCIA MAGNÉTICA


Hoje em dia, há um boom da imagem da neuroimagem, inferir onde o cérebro está funcionando mais energicamente. e médicos pesquisadores apóiam-se na neuroimagem como
tanto na literatura técnica quanto na imprensa leiga, na qua- Como descrito por Costa, AP Oliveira e Bressan (2001), reforço do materialismo reducionista e ao materialismo eli-
lidade de “fotografia da mente”. Face a este desenvolvimento os métodos PETscan e SPECT, baseiam-se no princípio básico minativo. Ao passo que a neuroimagem nos fornece apenas
emergente e vertiginoso, pesquisadores deste segmento que a instrumentação utilizada é apenas receptora de infor- localização cerebral. Esta não deve ser confundida com lo-
devem se questionar sobre os usos e abusos dos recursos da mação, ou seja, para se obter as imagens, é necessário admi- calização anatômica, o que não nos permite inferir uma tese
neuroimagem. Destacam-se atualmente as seguintes tecnolo- nistrar aos pacientes um radiofármaco marcado (um contraste, identitarista e reducionista para o problema mente-corpo.
gias de imagem: TC (Tomografia Computadorizada), fMRI uma forma de glicose radioativa leve), seja um emissor de pó- Observa-se, desde os primórdios dessa técnica, que a neuroi-
(Imagem de Ressonância Magnética Funcional), PETscan sitron para PET, seja um emissor de fóton simples no caso do magem sugere um cérebro mais parecido com uma rede, em
(Tomografia por Emissão de Pósitrons) e SPECT (Tomogra- SPECT. Sabe-se que a eficácia de detecção do sinal radioativo que uma função cognitiva tem vários locais dentro de uma
fia por Emissão de Fóton Único). Peres (2009) exemplifica é maior no PET do que no SPECT, mesmo assim seu uso é li- concepção equipotencialista, conexionista ou holista. Pense-
que, até o ano de 2007, muitos estudos envolveram o método mitado, pois os radioisótopos de emissão de pósitrons têm mos, estudos feitos com linguagem e memória levam à con-
PET com uso em 48%, o SPECT com 33% e fMRI em 19%, vida radioativa curta de minutos, no máximo cerca de duas clusão de que são várias áreas cerebrais envolvidas no
que vem crescendo significativamente por se tratar de um horas para o flumazenil, tornando um instrumento oneroso e desenvolvimento do discurso e que muitos são os papéis as-
método não invasivo e não usar radiação ionizante comum restrito às grandes universidades públicas e clínicas privadas, sumidos pelo cérebro pré-frontal esquerdo nessa produção,
na energia nuclear. Por isto, não é correto usar o termo res- favorecendo ao SPECT uma alternativa mais viável. o qual pode acessar significado, resgatar palavras da memó-
sonância magnética nuclear, apesar de algumas pessoas ainda N que pese a necessidade de ultrapassar problemas sig- ria, gerar representações internas e acessar informação fono-
insistirem nessa nomenclatura. nificativos com tais metodologias, ainda são bastante neces- lógica. Todavia, aquilo que é capturado pela neuroimagem –
A Tomografia Computadorizada é uma técnica que se ba- sários nas seguintes situações clínicas: diagnóstico o brilho - refere-se em parte o que está ocorrendo no cérebro
seia em emissão de Raios-X. Esse aparelho consiste em uma diferencial das demências, incluindo a depressão dos idosos; quando uma determinada função cognitiva é realizada. Por-
fonte de raios-X que é acionada, ao mesmo tempo em que avaliação pré-cirúrgica de doentes com epilepsia focal; con- tanto, uma função não se reduz a uma única região anatô-
realiza um movimento circular ao redor da cabeça do pa- firmação de morte cerebral; avaliação das sequelas neurop- mica, mas sim multilocalizada. (TEIXEIRA, 2008;
ciente, emitindo um feixe de raios-X em forma de leque. siquiátricas após traumatismos encefálicos; diagnóstico DAMÁSIO, 2000; LLOYD, 2000).
Já as imagens de ressonância magnética têm maior capa- diferencial entre doença de Parkinson e parkinsionismo in- Com base nesta linha de raciocínio, Teixeira (2008), su-
cidade de demonstrar diferentes estruturas no cérebro e faci- duzido por fármacos. Além de estudar uma gama maior de gere que a neuroimagem associada à ideia do mental como
lita visualizações de mínimas alterações na maioria das funções cerebrais principalmente em relação à neurotrans- virtual, ao territorializar o lugar do psíquico e do anatô-
doenças. Também possibilita avaliar estruturas como hipo- missão e os neuroreceptores do que os exames de ressonância mico, não caracteriza em si o reducionismo nem indepen-
campos, núcleos da base e cerebelo – que é de difícil avalia- magnética funcional. dência da relação mente-corpo, mas nos possibilita uma
ção por meio da TC (Amaro Júnior e Yamashita, 2001). As vantagens do PET e SPECT, respectivamente, são: teoria do aspecto dual, sendo assim, o mental e físico são
A técnica de fMRI é semelhante a um exame clínico com exames com dinâmicas temporais, ou seja, mensura variações modos de descrição de uma única e mesma realidade.
MRI, diferenciando a particularidade de se obter informações ao longo do procedimento; permite boa localização espacial Dessa forma, no campo das psicoterapias os métodos da
relativas à determinada função cerebral. Por exemplo, que par- em regiões ativas e uso de distintos marcadores para estudos neuroimagem têm favore-
tes do cérebro são mais ativas durante estimulação cognitiva metabólicos. Favorece a aquisição das imagens na tomogra- cido o estudo de sujeitos
do tipo escutar uma música, concentrar-se em uma imagem fia posterior à tarefa em desenvolvimento, reduzindo artefa- com transtornos de persona-
agradável ou não, relembrar memórias de longo prazo. Tem tos de movimento; privacidade ao sujeito; usam-se lidade, transtornos de es-
como vantagens alta resolução espacial e temporal; permite a marcadores da atividade neural mais estável, como meia-vida tresse pós-traumático,
correlação da atividade neural com a anatomia subjacente; di- mais longa entre quatro e seis horas. Na mesma ordem, as depressão maior, transtorno
versos paradigmas podem ser utilizados com um simples desvantagens compreendem exame invasivo; em um curto obsessivo-compulsivo, fobia
exame e permite vários ensaios em um intervalo curto de período de tempo o experimento não pode ser repetido; res- social e específica.
tempo, favorecendo a avaliação estrutural de transtornos psi- trição a estudos com tarefas sem variações; imobilidade dos
quiátricos. Essa técnica baseia-se no fato de que a atividade sujeitos envolvidos. Baixa resolução não adquire anatomia; Eleonardo Rodrigues
cerebral requer energia, e a glicose é a forma de energia pro- restrição ao estudo com tarefas sem variações e os demais Prof. Msc. da UESPI e
cessada pelo cérebro. Quando observamos qual área cerebral quesitos do PET. Faculdade Santo Agostinho
está consumindo maior quantidade de glicose, então, pode-se Do ponto de vista da filosofia da mente, neurocientistas [email protected]

SAÚDE MENTAL EM PICOS: UM PROJETO, UMA PROPOSTA


No campo da saúde mental, a conceituação que exprime re- reciona o modelo assistencial de saúde mental (BRASIL, 2001). contexto social sítio do problema (THIOLLENT, 2008), diversas
lação entre loucura e estigma está fortemente presente nas discus- Por ser ainda recente esta Lei, os passos rumo a uma nova reuniões foram realizadas durante o ano de 2009, nas quais havia
sões atuais. Ao contrário dos séculos XV a XIX, nos quais o forma de pensar e lidar com o processo de sofrimento psíquico a oportunidade de troca de experiências, estudos em grupo, lei-
conceito de loucura passou de natural a patológico (AMARANTE, no Brasil suscitam ainda amplo debate, discussões e divulgações tura de textos, assistência e discussão de filmes sobre saúde
2002), os debates desse século em torno da saúde mental discutem em prol da participação dos envolvidos e da sociedade em suas mental, encontros que resultaram em trabalhos apresentados
pontos nodulares pela necessidade de ressignificações sociais/cul- instâncias democráticas, para que não seja apenas implantado o em congressos e elaboração de artigos. Para 2010, serão ela-
turais, sob o enfoque do novo objeto: o portador de transtorno, novo, mas que seja passível de acompanhamento e gerência pela boradas cartilhas sobre saúde mental/transtorno mental que
outrora denominado doente mental. população (MEDEIROS; GUIMARÃES, 2002). serão distribuídas nos diversos espaços sociais picoenses, para
Em breve trajetória acerca da história da loucura no mundo O portador de transtorno mental continua sendo visto que as lacunas que separam o portador de transtorno mental
(FOUCAULT, 1972), nota-se que a sociedade utilizou diversas como um indivíduo que necessita ser recolhido a um espaço da sociedade sejam cada vez menores e para a sensibilização
denominações para o fenômeno em questão, conforme as neces- físico de cuidado terapêutico, devendo receber medicações e da população, no sentido de redução do estigma. O projeto ini-
sidades e os interesses das classes dominantes, fazendo com que controlar suas crises, pois é incapaz de realizar atividades ciou em janeiro de 2009 com término para dezembro de 2010.
o termo “loucura” e “louco” fossem adquirindo conotações di- rotineiras, sob a alegação de anormalidade. Assim, a sociedade
vergentes, com o passar dos anos. Não bastasse haver mudança que busca a garantia dos direitos humanos é a mesma que re-
em seus significados, também havia transformações nas práticas tira do portador de transtorno mental esse direito, pois estabe-
de cuidado para aqueles que frequentavam os asilos, hospitais e, lece relação estreita entre cidadania e normalidade;
mais tarde, hospícios ou manicômios. portanto, o louco estaria definitivamente excluído da condi-
A loucura, que inicialmente era considerada fenômeno inte- ção de cidadão (Oliveira, 2002).
grante da natureza humana, mais tarde assumiria o papel de cau- Assim, considerando urgente criar espaços de discussão
sar malefícios à sociedade, por meio daqueles por ela acerca da saúde mental, um grupo de pesquisadores formado por
acometidos. Os alienados (loucos) eram seres perigosos, por estudantes de Enfermagem e docentes da Universidade Federal
serem agressivos, fazendo com que os profissionais de saúde op- do Piauí elaboraram uma proposta para redução do estigma da
tassem por acorrentá-los e segregá-los em celas-fortes, sob o pre- loucura na cidade de Picos-PI, submetendo-a à apreciação e
texto de que o isolamento por si só tinha o poder de cura apoio pelo CNPq, através do Edital 033/2008. Sendo aprovado Maria Rosilene C. Moreira – Profa. da UFPI (Picos)
(Oliveira, 2002). no processo seletivo, o projeto teve início no mês de março de [email protected]
No Brasil, com inúmeras mortes ocorrendo nesses manicô- 2009, formado por quatro alunos da graduação em Enfermagem, Edina Araújo R. Oliveira – Profa. da UFPI (Picos)
mios, e considerando inútil o tipo de prática no tratamento do duas alunas do Mestrado em Enfermagem, três docentes e de- [email protected]
louco, os trabalhadores de saúde mental se organizaram através zoito servidores técnico-administrativos da UFPI/Picos. Através Claudete F. de S. Monteiro – Profa. Dra. da UFPI
de intensa mobilização em diversas cidades do país. Esse marco, da metodologia da pesquisa-ação, estratégia que permite que [email protected]
conhecido como Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental ocorra um processo simultâneo de investigação e ação cuja in- Jonathan Veloso Costa – Acadêmico
(MTSM) culminou com um processo bastante complexo deno- tenção primordial é o conhecimento e a resolução do problema em enfermagem da UFPI (Picos)
minado de Reforma Psiquiátrica (AMARANTE, 2002) e com a coletivo, a partir dos fatos observados, e que culmina na trans- [email protected]
promulgação da Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001, que redi- formação dos pesquisadores e dos participantes envolvidos no
TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010 31

IMPORTÂNCIA DO PSICÓLOGO PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA


O psicólogo é um profissional bastante atuante na sociedade solidação da profissão está associada ao crescimento do número recebida pelo psicólogo ainda na graduação para atuar junto a
em que vivemos. Em quaisquer ambientes que o psicólogo venha de profissionais cadastrados juntos aos conselhos de Psicologia esse público. A graduação é o momento mais oportuno para se
a atuar ele encontrará todos os tipos de público e pessoas em e a presença mais frequente do Código de Ética na orientação da discutir a atuação do futuro profissional uma vez que é o mo-
suas mais variadas singularidades, o que acarreta para a forma- prática psicológica. O Código de Ética do Psicólogo pode ser mento no qual o futuro profissional está ávido pelo aprender.
ção desse profissional uma responsabilidade ímpar. A formação considerado um alicerce para orientar a prática do profissional E qual seria a relevância de estudos nessa área? Caetano
do psicólogo ainda na graduação é essencial para direcioná-lo (CRP, 2005). A edição de 2005 orienta para uma formação de um (2009) realizou uma pesquisa com estudantes de Psicologia de
ao o mercado de trabalho, garantindo um profissional bem pre- psicólogo mais generalista, que, em casos em que não domine o uma instituição pública do estado do Piauí e identificou que em
parado tanto para realizar atendimentos diversos como para procedimento, ao menos reconheça sua função de encaminhar e diversos aspectos estudantes formandos e estudantes ingressan-
orientar o público a encontrar o atendimento necessário de forma orientar quem o procura, de modo a garantir e respeitar o direito tes do curso apresentavam o mesmo nível de conhecimento
adequada. do usuário do serviço. Ele aborda os novos desafios da profissão acerca da atuação do psicólogo com pessoas com deficiência,
As Diretrizes Nacionais para os Cursos de Psicologia - como questões relativas às novas tecnologias, a ampliação dos nível esse muitas vezes não satisfatório. No geral, as respostas
DCNs (MEC, 2004), que devem embasar o ensino de Psicologia locais de trabalho, a inclusão dos problemas profissionais (en- dos formandos foram mais satisfatórias que as dos ingressantes,
para a formação do psicólogo, e o Código de Ética do Psicólogo volvendo preconceitos e discriminações), novas formulações embora ainda insuficientes, quando analisadas à luz das Diretri-
(CRP, 2005), que orienta sobre os deveres esperados e os com- para o sigilo profissional, dentre outros temas. zes Curriculares e do Código de Ética. O comportamento de não
portamentos vedados a esse profissional, são documentos fun- Frente ao exposto, uma pergunta se faz necessária: a forma- responder foi mais comum entre os estudantes ingressantes, e o
damentais para nortear a formação do mesmo ainda durante a ção recebida pelo psicólogo ainda na graduação o prepara para comportamento de responder, ainda que com respostas insatis-
graduação, garantindo que essa formação atenda as necessidades atender as demandas necessárias? É comum encontrarmos pes- fatórias, foi mais comum entre os formandos. Os dados encon-
do público a ser atendido. quisas com psicólogos que identificam carências na formação trados levaram a pesquisadora a considerar a necessidade de
As DCNs estabeleceram que os cursos de formação devem recebida na graduação (CRUCES, 2006; BARDAGI et al, 2008). monitorar a formação desses estudantes e assim propor alterna-
dotar os psicólogos ao longo do curso de conhecimentos que lhes Um exemplo é o atendimento a pessoas com deficiência. No Bra- tivas para sanar as dificuldades identificadas. Espera-se que os
permitam a aquisição das seguintes habilidades e competências: sil há 24.600.256 pessoas com algum tipo de deficiência. Dessas, dados coletados nessa nova pesquisa possam fornecer informa-
atenção a saúde, tomada de decisões, comunicação, liderança, 501.409 vivem no estado do Piauí (SEE, 2006). As pessoas com ções mais precisas sobre os pontos positivos e negativos dessa
administração e gerenciamento, educação permanente. Esses co- deficiência correspondem a um público com necessidades espe- formação (CAETANO, no prelo).
nhecimentos, habilidades e competências devem ser articulados cíficas, muitas delas de ordem técnica. É necessário conheci-
de modo a contemplar como eixos estruturantes da formação: mento acerca dessas necessidades e principalmente do suporte
fundamentos epistemológicos e históricos, fundamentos teóricos disponível para atendê-las. O primeiro ponto a considerar é que
metodológicos, procedimentos para a investigação científica e a esse público não é homogêneo e da mesma forma os serviços
prática profissional, fenômenos e processos psicológicos, inter- prestados ao mesmo são bastante diferenciados. Portanto, é ne-
faces com campos afins do conhecimento e práticas profissionais cessário que o psicólogo esteja preparado para atuar junto a essas
integradas (MEC, 2004). As DCNs estabeleceram ainda que o demandas ou, segundo as orientações do Código de Ética, possa
objetivo principal do psicólogo é promover qualidade de vida. encaminhá-las adequadamente.
Para atingir esse objetivo, faz-se necessário um domínio básico Em uma pesquisa realizada com psicólogos que atuam com
de conhecimentos psicológicos e a capacidade de utilizá-los nos pessoas com deficiência os participantes identificaram a forma-
ção recebida na graduação como insuficiente para lidar com esse Nadja Carolina de S. P. Caetano
mais diversos contextos, desenvolvendo a investigação, análise,
Profa. Msc. da UESPI – [email protected]
avaliação, prevenção e atuação em processos psicológicos e psi- público (PIO, 2008). Marques et al (2007) identificou os mesmos
Enicéia Gonçalves Mendes
cossociais (MEC, 2004) problemas ao entrevistar estudantes de cursos de psicologia. Profa. Dra. (Pós-doutorado) UFSCar
A formação do psicólogo deve ainda considerar que a con- Contudo, são escassas as pesquisas que avaliam a formação [email protected]

FATORES DE RISCO PARA A HEPATITE B ENTRE CAMINHONEIROS


A hepatite causada pelo vírus B ainda é uma das princi- RESULTADOS E DISCUSSÃO quando comparado ao uso e entre estar casado, quando
pais causas de doença hepática no mundo. Calcula-se que em A média de idade dos caminhoneiros do estudo foi 44 comparado aos solteiros.
torno de um milhão de pessoas morrem por complicações da anos. Dentre a amostra, 72% são casados e 49% residem
doença hepática a cada ano. Trata-se de uma doença que tem no Nordeste. Em relação à escolaridade, 70% possuem en- CONCLUSÃO
transmissão parenteral, sexual, além da transmissão vertical. sino fundamental, 21% ensino médio e apenas 3% têm A aproximação com o objeto do estudo permitiu verifi-
Entretanto, pode ser efetivamente prevenida por meio da va- curso superior. car que população caminhoneira apresenta baixa frequência
cinação de grupos considerados prioritários pelo Programa Quanto às informações sobre a doença, 79% não sabem de uso de preservativos e elevada proporção de relações se-
Nacional de Imunização. Dentre esses grupos, também foram como se transmite, apenas 16% têm conhecimento de que a xuais com múltiplas parceiras, uso de álcool e outras drogas,
incluídos os caminhoneiros (BRASIL, 2008; FERREIRA; doença pode ser transmitida pelas relações sexuais, 67% des- somados ao fato de, na sua maioria, não buscarem os servi-
SILVEIRA, 2006). conhecem a existência da vacina contra hepatite B e 100% não ços de saúde, mesmo frente ao aparecimento de qualquer
De acordo com Vilarinho (2002), os caminhoneiros, es- apresentam proteção vacinal. Além destes fatores de risco para problema que os esteja afetando. Esses fatores podem fun-
pecialmente aqueles de rota longa, constituem uma categoria a hepatite B, merecem destaque os que seguem: 31% usam cionar como ponte entre eles, que são considerados grupos
ocupacional que pode contribuir sobremaneira para a disse- algum tipo de droga ilícita, 58% fazem uso de álcool, 40% têm de prevalência elevada para as DST, e a população em geral.
minação da epidemia da Aids e para a Hepatite B, dentre ou- múltiplas parceiras sexuais, 55% não usam preservativos, e Os achados deste estudo vêm corroborar com outros que
tras DST. Uma das explicações seria o tempo que um percentual expressivo acredita na proteção divina contra encontraram alta vulnerabilidade dos caminhoneiros às DST
permanecem fora de casa, o que faria com que mantivessem a Hepatite B, Aids e outras DST . Somam-se a isto, as difi- e evidenciam a importância da implantação de programas
relações sexuais com diversas parceiras ocasionais, sem pro- culdades para procura de serviços de saúde em função dos específicos de prevenção de doenças para essa categoria pro-
teção. O uso de bebidas alcoólicas e de anfetaminas, além de constantes deslocamentos e de 77% não possuírem plano de fissional que enfrenta um cotidiano de deslocamentos e, por-
outras drogas ilícitas, também têm contribuído para aumentar saúde para consultas, quando aparecem com alguma doença tanto, podem disseminar essas infecções em grandes áreas
a vulnerabilidade dos caminhoneiros às DST. Frente ao ex- sexualmente transmissível (DST) ou outra doença. geográficas em um curto espaço de tempo.
posto, pretendeu-se analisar a vulnerabilidade dos caminho- Teles et al. (2008) realizaram um estudo sobre DST com
neiros que trafegam por Teresina/PI à infecção pelo vírus da 641 caminhoneiros de rota longa que circulam na BR-153,
Hepatite B e buscar a predominância dos fatores de risco em uma rodovia federal que atravessa o Brasil de sul a norte.
relação aos dados sociodemográficos da amostra. Destes, 96,7% afirmaram antecedentes de DST e 35,6% re-
feriram história presente ou passada de DST. A idade supe-
METODOLOGIA rior a 30 anos foi estatisticamente associada. Aqueles que
Trata-se de um inquérito epidemiológico, realizado com relataram o uso de anfetaminas ("rebite"), antecedentes pri-
384 caminhoneiros que trafegaram por Teresina no período sionais e relacionamento sexual com profissionais do sexo
de dezembro de 2009 a fevereiro de 2010. O local da pesquisa apresentaram maior chance de relato de DST.
foi um posto de combustíveis, onde expressivo número de ca- Observou-se que o uso de preservativo nas relações se-
xuais com múltiplas parceiras tem associação estatistica- Telma M. E. de Araújo – Profa. Dra. da UFPI
minhoneiros repousa e abastece os seus caminhões. O tama-
mente significativa apenas com a condição de estar casado, NOVAFAPI e Enfermeira da SESAPI
nho da população foi calculado com base em uma
amostragem aleatória simples e a seleção foi do tipo aciden- quando comparado ao uso entre os solteiros. A variável [email protected]
tal, a qual vai se formando pelos elementos que vão apare- faixa etária e escolaridade não apresentaram associação sig- Neylon Araújo Silva – Fisioterapeuta e Bolsista
cendo, até completar o número da amostra. nificativa. Ao se buscar a associação entre ter uma parceira AT do CNPq/UFPI - [email protected]
Os dados foram analisados para buscar associação entre sexual única com o uso de algum tipo de droga, escolari- Aline S. Santos; Illoma Rossan L. Leite e
os dados sociodemográficos da população do estudo e os fa- dade e situação conjugal pode se observar que existe signi- Ranieri A. P. de Santana – Graduandos de
tores de risco para a hepatite B. ficância estatística apenas entre o não uso de drogas, Enfermagem da UFPI - [email protected]
32 TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

AVALIAÇÃO DA PROMOÇÃO DA SAÚDE NO ESTADO DO PIAUÍ


O objetivo geral do projeto consistiu em avaliar os sistemas utilizados por organismos e bancos de dados oficiais com as O primeiro estudo realizado apontou que esses indicadores
municipais de saúde tendo como referência a situação da comu- ações desenvolvidas pelos serviços e a compreensão da popu- apresentavam pouca viabilidade diante da situação da grande
nidade e a organização dos serviços de atenção básica, na pers- lação sobre seus problemas de saúde e assim dimensionou o maioria dos municípios brasileiros em relação à promoção da
pectiva da promoção da saúde. quanto a promoção da saúde se encontra instituída no plano po- saúde, incluindo a organização das informações em saúde. Con-
Considerou-se como base da promoção da saúde as estra- lítico e organizacional. siderando promoção da saúde como o enfrentamento dos deter-
tégicas fundamentais para sua implementação definidas desde Utilizaram-se os indicadores de promoção da saúde su- minantes sociais em suas dimensões distais proximais e
a Carta de Ottawa (1986): políticas intersetoriais, ambiente geridos pela OPAS para avaliar municípios saudáveis em es- mediais e ainda, a alta complexidade de índices e taxas em
saudável, reorganização dos serviços de saúde, desenvolvi- tudo de natureza quali-quantitativa, com uso da técnica de base populacional distinta e heterogênea, o presente estudo
mento das habilidades individuais (empoderamento) e partici- amostragem por conglomerado áreas/microáreas adotou uma nova seleção dos indicadores da OPAS. Estes
pação social. (urbano/rural) assistidas pela Estratégia Saúde da Família foram reagrupados e orientados para o enfrentamento dos de-
A primeira pesquisa avaliou os municípios de Teresina, (SUS). A pesquisa compreendeu uma triangulação entre a en- terminantes de saúde em cinco grupos: relativos ao ambiente
Picos e Luís Correia, e a segunda, aqui relatada, refere-se a Flo- trevista com os gestores municipais (planilha de gestores), físico; ao ambiente social; à organização dos serviços; ao es-
riano e São Raimundo Nonato. Foi realizada pela Universidade inquérito domiciliar dirigido a 502 famílias, verificação do tilo de vida; e indicadores de promoção da saúde relativos à
Federal do Piauí (UFPI) através do Núcleo de Estudos em Saúde acesso a equipamentos e programas sociais. As informações saúde subjetiva (Quadro 1).
Pública (NESP), subsidiada pela Fundação de Amparo à Pes- em saúde foram obtidas nos relatórios gerados pelo Sistema O estudo revelou a distância entre os problemas referidos
quisa no Estado do Piauí (FAPEPI), projeto de pesquisa sele- de Informação da Atenção Básica (SIAB). A análise aprofun- pela população e as ações governamentais. Os domicílios das
cionada pelo Programa Pesquisa para o SUS - dou a relação entre os indicadores de promoção da saúde, as áreas rurais se mostraram em piores condições em relação à dis-
DECIT/Ministério da Saúde (BRASIL, 2010). condições de vida da população, os determinantes sociais e tância de posto telefônico, unidades de saúde e baixo acesso ao
O estudo comparou os indicadores de promoção da saúde o modelo de organização dos serviços. abastecimento de água, coleta de lixo e saneamento. Para os en-
trevistados, os três fatores determinantes da saúde seriam ali-
QUADRO 1: INDICADORES DE PROMOÇÃO ORIENTADOS PARA O ENFRENTAMENTO DOS DETERMINANTES DE mentação, higiene, cuidado e lazer. Dentre as 35 políticas/ações
SAÚDE, ADAPTADOS DOS INDICADORES OPAS (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE). PIAUÍ, 2010. de saúde de caráter promocional desenvolvidas pelo município,
verificou-se que a maioria dos gestores não desenvolveu essas
1. INDICADORES DE PROMOÇÃO DA SAÚDE RELATIVOS AO AMBIENTE FÍSICO ações e algumas mostraram-se mecanicamente assimiladas e
a) % de domicílios ligados ao sistema público de abastecimento de água; executadas sem a problematização necessária a respeito da sua
b) % de domicílios ligados ao sistema público de coleta de lixo; coerência com a realidade e os desejos ou necessidades de saúde
c) % de domicílios ligados ao sistema de esgotamento sanitário; da população. Evidenciou, ainda, a não participação da comu-
d) % de domicílios localizados em rua pavimentada. nidade em organizações de caráter comunitário, o que a fragiliza
diante da luta por seus direitos.
Concluiu-se que as políticas municipais contribuem so-
2. INDICADORES DE PROMOÇÃO DA SAÚDE RELATIVOS AO AMBIENTE SOCIAL mente na dimensão da atenção básica, apresentando baixo nível
a) % de domicílios com membros desempregados há mais de 6 meses; de intersetorialidade com outras políticas sociais em presença
b) % de domicílios com crianças com certidão de nascimento; de condições ambientais e sanitárias desfavoráveis, consta-
c) % de domicílios com crianças de 7 a 14 anos na escola; tando-se uma imensa iniquidade entre o campo e a cidade.
d) % de domicílios com escolares reprovados.

3. INDICADORES DE PROMOÇÃO DA SAÚDE RELATIVOS À ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS


a) % de RN pesados ao nascer;
b) % de crianças menores de 1 ano com vacina em dia;
c) % de crianças < 4 meses em aleitamento materno exclusivo;
d) políticas intersetoriais.

4. INDICADORES DE PROMOÇÃO DA SAÚDE RELATIVOS AO ESTILO DE VIDA


a) % de domicílios com fumantes;
b) % de domicílios com bebedores;
c) % de domicílios com adolescente praticando esporte;
d) % de domicílios com > 15 anos que participam de organizações sociais.

5. INDICADORES DE PROMOÇÃO DA SAÚDE RELATIVOS À SAÚDE SUBJETIVA José Ivo dos S. Pedrosa – Prof. Dr. da UFPI
a) principais problemas enfrentados pelas famílias; [email protected]
b) ações necessárias para a saúde; Laureni D. de França - Mestre – Dentista da UFPI
c) % de domicílios que procuram os serviços de saúde como primeira providência quando ficam doentes; [email protected]
d) atos realizados pelos indivíduos para promover a saúde. Gláucia A. V. de Azevedo – Profa. Msc. da UFPI
[email protected]

A BIOÉTICA DA PROTEÇÃO
A Assistência ao Planejamento Familiar foi estabelecida Planejamento Familiar e investigar se as mesmas se desenvol- mens. Quanto à igualdade, diagnosticou-se que as ações indi-
pela Lei nº 9.263/1996, pautada no Artigo nº 226, parágrafo vem como deveriam. Sendo assim, o objetivo deste estudo é cativas da existência do Programa ocorrem isoladamente e se-
7, da Constituição da República Federativa do Brasil. Este de- discutir a moralidade dos dispositivos biopolíticos e de biopo- quer existem instrumentos para sua avaliação. Portanto, se os
termina que as instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde der da Assistência ao Planejamento Familiar nas maternidades quesitos eficiência e efetividade não existem, não pode haver
(SUS) são obrigadas a garantir a mulheres, homens e casais, públicas de Teresina-PI. Os dados foram coletados por meio como promover a igualdade, nem tam pouco a proteção e o
em toda a sua rede de serviços, a assistência à concepção e à de questionários, posteriormente tabulados e tratados pelo pa- empoderamento.
contracepção como parte das demais ações que compõem a cote estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS). Em síntese, os dispositivos biopolíticos e de biopoder
rede de saúde. Desta forma, demanda ações cujas finalidades Este estudo possibilitou que se chegasse às seguintes con- utilizados pelo Estado, configurados pelo Planejamento Fa-
principais são: garantir os direitos sexuais e reprodutivos e clusões: 1) as ações de Planejamento Familiar desenvolvidas miliar não cumprem seu dever de proteger. Por isso, é no mí-
promover a saúde reprodutiva. são insuficientes e não atingem seu dever de proteção porque, nimo necessário alertar os gestores das políticas públicas
O Planejamento Familiar pode ser considerado um dispo- sequer o Programa de Planejamento Familiar foi realmente sobre a urgência na reconfigu-
sitivo, ou seja, um instrumento de poder (Biopoder). Entre- implantado; as ações ali constatadas e que se relacionam ao ração do modus operandi de tal
tanto, tendo em conta as insuficiências da atenção à saúde no Planejamento Familiar são isoladas e não integradas, limi- dispositivo. Sendo assim, os re-
Brasil, tais como falta de efetividade nas ações de saúde pú- tando-se ao atendimento no ciclo grávídico-purperal; 2) os ferenciais apontados pela Bio-
blica, má gestão dos recursos e dos programas, poderiam métodos contraceptivos não são disponibilizados de forma in- ética da Proteção poderiam se
constituir uma razão para se duvidar da performance deste tegral, só distribuem camisinhas e contraceptivos orais tornar instrumentos embasado-
dispositivo e, portanto, da própria pertinência de utilizar, (quando disponíveis); 3) os usuários não recebem informa- res das ações desenvolvidas
por tal dispositivo.
neste caso, este termo para caracterizar. ções suficientes sobre as Doenças Sexualmente Transmissí-
A bioética da proteção, na medida em que se ocupa dos veis (DST), a não ser as mais divulgadas por campanhas Francisca Sandra C. Barreto
suscetíveis e vulnerados, parece se legitimar em situações de educativas do Ministério da Saúde, bem como pela mídia. Profa. da FACID e CEUT
falta de desempenho e efetividade dos dispositivos biopolíti- Quanto à universalidade na cobertura, as ações focam apenas fsandracbarreto@
cos e de biopoder, ou seja, pode se ocupar com as ações do os casais e as mulheres, deixando de fora adolescentes e ho- terra.com.br
TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010 33

A COMPOSIÇÃO CORPORAL E O CONSUMO ALIMENTAR EM JOGADORES DE FUTEBOL


A produção de espécies reativas de oxigênio é comum
em todos os sistemas biológicos. Em condições fisiológi- RESULTADOS:
cas, durante o metabolismo celular aeróbio são formados
intermediários reativos (superóxido, hidroxila, peróxido de ENERGIA/NUTRIENTES ATLETAS RECOMENDAÇÃO
hidrogênio). Quando a formação desses radicais livres é su- Energia (kcal/dia) 3640,5 ± 628,9 30 – 50 kcal/kg de PC*
perior à atividade do sistema de defesa antioxidante, o re- Proteína (g/kg de PC) 2,8 ±0,4 1,2 – 1,6g/kg de PC*
sultado é dano tecidual e produção de compostos tóxicos Carboidrato (%) 52,4 ± 5,5 60 – 70*
danosos aos tecidos, caracterizando assim o estresse oxi- Lipídio (%) 24,8 ± 3,7 < 30*
dativo (FERREIRA & MATSUBARA, 1997; SCHNEIDER Zinco (mg/dia) 26,6 ± 5,0 11**
& OLIVEIRA, 2004).
O exercício intenso induz a formação excessiva de es- PC = Peso Corporal *Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte (2009) **DRIs (2001)
pécies reativas de oxigênio, bem como o aumento do me-
tabolismo energético. Essas espécies podem prejudicar o TABELA 1: Valores médios e desvios padrão de energia, macronutrientes e concentração de zinco presentes na alimentação
desempenho do atleta (KOURY & DONANGELO, 2003). do grupo de atletas em estudo (n = 12).
O futebol é uma modalidade de esporte com exercícios in-
PARÂMETROS ATLETAS
termitentes de intensidade variável. Aproximadamente,
88% de uma partida de futebol envolvem atividades aeró- Peso (kg) 72,8 ± 5,3
bias e os 12% restantes, atividades anaeróbias de alta in- Altura (cm) 176,3 ± 5,4
tensidade (GUERRA et al., 2001). IMC (kg/m2) 23,5 ± 1,5
Pesquisas recentes apontam que o exercício extenuante Peso de Massa Magra (kg) 62,8 ± 4,6
pode acarretar alterações no metabolismo do zinco, le- Peso de Massa Gorda (kg) 10,0 ± 3,3
vando a uma imunossupressão, ao estresse oxidativo e à di- Gordura Corporal (%) 13,7 ± 4,1
minuição da performance (CORDOVA & NAVAS, 1998). TMB (Kcal) 1909,7 ± 140,2
Este mineral participa como cofator de enzimas envolvidas
no sistema de defesa antioxidante, entre elas a superóxido IMC= Índice de Massa Corporal; TMB=Taxa Metabólica Basal
dismutase (SOD), além de ser um potente estabilizador das
membranas celulares e de possuir uma relação com os si- TABELA 2: Valores médios e desvios padrão de parâmetros antropométricos e da composição corporal dos atletas participantes
nais de membrana na regulação hormonal (GOLDFARB, do estudo (n = 12).
1999; CLARKSON & THOMPSON, 2000).
METODOLOGIA DETERMINAÇÃO DE MACRONUTRIENTES
OBJETIVOS
Estudo de natureza transversal, analítico e experimen- E DO ZINCO NA DIETA
Avaliar a composição corporal de jogadores de futebol
tal desenvolvido com os jogadores do time Piauí Esporte O consumo de alimentos foi avaliado por meio de um
por meio da impedância bioelétrica. Avaliar a adequação
Clube (n=12). Para a seleção dos participantes foram ado- inquérito alimentar realizado de acordo com a técnica de
da dieta em relação à macronutrientes e zinco.
tados os seguintes critérios de inclusão: Não fumantes. Au- registro alimentar durante três dias, compreendendo dois
sência de suplementação vitamínica-mineral e/ou uso de dias da semana e um dia do final da semana. Os partici-
DIVULGAÇÃO

outros medicamentos que possam interferir no metabolismo pantes da pesquisa foram orientados quanto à forma cor-
do zinco. Ausência de doenças agudas ou crônicas que pu- reta de anotar os alimentos, discriminando o tipo de
dessem interferir na avaliação do estado nutricional rela- refeição, preparações, porcionamento, medidas caseiras,
tivo ao zinco. quantidades e horários em que foram consumidas.
Os inquéritos alimentares foram analisados pelo
PARÂMETROS ANTROPOMÉTRICOS programa computadorizado NutWin versão 1.5 do De-
Peso (Kg): O peso corporal foi determinado, utili- partamento de Informática em Saúde da Universidade
zando-se uma balança digital Plena com capacidade má- Federal de São Paulo (ANÇÃO et al., 2002). Os alimen-
xima de 150 Kg, graduada em 100 em 100 gramas, estando tos não encontrados no programa foram incluídos na de-
os participantes descalços e com roupas leves. terminação da composição de nutrientes, tomando-se
Estatura (cm): A estatura foi mesurada com altímetro por base a Tabela Brasileira de Composição de Alimen-
metálico, graduado em cm e estando o avaliado em posição tos (TACO, 2006).
ortostática, pés descalços e unidos, procurando pôr em con-
tato com o instrumento de medida as superfícies posterio- CONCLUSÃO
res do calcanhar, cintura pélvica, cintura escapular e região O consumo alimentar dos atletas avaliados neste estudo
occipital, estando à cabeça esta orientada segundo o plano apresenta-se inadequado em relação à ingestão de proteínas
de Frankfurt (PETROSKI, 1999). e carboidratos, porém adequado em relação a lipídios. Os
IMPEDÂNCIA BIOELÉTRICA valores médios de zinco dietético apresentam-se superiores
Para avaliação do percentual de gordura dos participan- à recomendação.
tes do estudo foi utilizada a impedância biolétrica como A avaliação da composição corporal dos atletas avaliados
aparelho BYODYNAMICS modelo 310, Body Composi- neste estudo mostra que os mesmos apresentam a adequada con-
tion Analyser – USA. centração de gordura.

Moisés Mendes da Silva – Mestrando em Ciências e Saúde na UFPI


[email protected]
Nara Adília A. Cavalcante – Graduanda de Nutrição na UFPI
Mariana Séfora B. Sousa – Graduanda de Nutrição na UFPI
Nadir do N. Nogueira – Profa. Dra. da UFPI
Dilina do N. Marreiro – Profa. Dra. da UFPI
[email protected]
34 TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

TECNOLOGIAS
ATAPULGITA NO PIAUÍ: POSSIBILIDADES TECNOLÓGICAS
As argilas são recursos naturais que sempre foram utilizadas Guadalupe, no Piauí, distribuídos em uma área de 700 km2 com fácil obtenção na natureza, visto que o estado disponibiliza uma
pela humanidade, como, por exemplo, na fabricação de objetos potencial de aproveitamento econômico. A atapulgita ainda grande reserva de atapulgita. Pode ser utilizada em diversos setores
cerâmicos (telhas e tijolos) e utensílios domésticos. Possuem pode ser encontrada nos municípios de Anísio de Abreu, Fron- de atividade humana, despertando o interesse de várias indústrias.
propriedades que podem ser modificadas, possibilitando seu uso teiras, Paulistana, São Raimundo Nonato e Simões. Nos próximos anos, esse aumento será cada vez maior com melho-
na fabricação de vários produtos, colaborando para o desenvol- Várias são as aplicações da atapulgita, que pode ser uti- res formas de processamento e qualidade em sua extração, possi-
vimento de novas tecnologias, competindo no mercado de forma lizada como absorvente de óleos (na limpeza de assoalhos in- bilitando seu uso em diversas aplicações tecnológicas.
igual ou superior a muitos produtos sintéticos. Em virtude da dustriais, em especial), suportes primários para biocidas, para Na Universidade Federal do Piauí, sob orientação do Profes-
gama de aplicações tecnológicas, as argilas têm se tornado ma- banheiro de gatos ("pet" ou "cat litter"), para cobrir o chão sor Doutor José Machado Moita Neto ([email protected]), de-
teriais importantes na indústria brasileira e mundial. de vagões transportadores de gado e para uso como absor- senvolvemos projetos de pesquisa
A atapulgita, também conhecida como paligorsquita, é um vente de óleos e gorduras para rações animais. Outras apli- com a atapulgita, analisando suas
argilomineral que consiste em um silicato de magnésio hidra- cações incluem uso como agente tixotrópico em perfuração propriedades e seu potencial em
tado. Esse nome foi atribuído por Lapparent, em 1935, data de de poços de petróleo em regiões salinas ou com águas sali- novas aplicações tecnológicas,
sua descoberta, em Attapulgus, no estado da Geórgia (EUA) e nas; manuseio e distribuição de fertilizantes líquidos (ex.: como a formação de compósitos
em Mormoiron (França). A partir de técnicas mais sofisticadas, amônia líquida); substituição do amianto crisotila em mate- para uso em tratamento de efluen-
o mesmo pesquisador mostrou que essa argila era a mesma pa- riais de revestimento, vedação e pavimentação à base de as- tes têxteis.
ligorsquita descoberta em 1861 nos Montes Urais na União So- falto; adsorvente e desodorante das frações do petróleo,
viética. Possui fórmula geral R5Si8O20(OH)2(OH2)4.4H2O, especialmente querosene para motores a jato, e adsorventes Cristiany Marinho Araújo
onde o R representa o cátion Mg2+, podendo também ser subs- para fins farmacêuticos. Mestranda em
tituído pelo Al3+, Fe2+e Fe3+. No Piauí, o interesse em pesquisas com esse argilomineral é Química da UFPI
Depósitos de atapulgita foram descobertos no município de cada vez mais crescente. Um dos fatores para tal investigação é sua [email protected]

AS POLÍTICAS PÚBLICAS ESTADUAIS DE HABITAÇÃO: A ATUAÇÃO DA ADH


A habitação se caracteriza por ser um bem de consumo de ca- totalizados em 60.232 unidades, sendo 51.145 unidades na área ur- Atualmente, a ADH possui 5 grandes conjuntos em obras, 4
racterísticas singulares, constituindo um elemento durável e de ele- bana e 9.087 unidades na área rural. Destes, no que diz respeito à deles em Teresina (Conjunto residencial Prado Júnior no Nova The-
vado valor. Infelizmente, uma parcela significativa da população inadequação dos domicílios urbanos (déficit qualitativo), referente resina; Residencial Jornalista Paulo de Tarso Morais, no bairro de
não dispõe de condições financeiras para tal aquisição, consti- à inadequação fundiária, são totalizados 14.004 imóveis; 15.426 Santa Maria da Codipi; Residencial Jacinta Andrade localizado,
tuindo-se, assim, em demanda imediata por habitação no Brasil. A com adensamento excessivo, 40.758 domicílios sem banheiro e também, no bairro de Santa Maria da Codipi e Cidade 2000, todos
habitação, quando se baseia na produção a baixo custo, no emprego 53.995 com carência de infra-estrutura. inseridos na zona norte da cidade, em áreas ainda não consolidadas
de materiais alternativos e com propósito de servir a classes menos do ponto de vista urbanístico.
favorecidas, denomina-se habitação de interesse social. AS AÇÕES DA ADH EM TERESINA Um aspecto que desperta interesse nestas propostas é que a
A habitação popular não se resume apenas a um produto, e sim A oferta de produtos habitacionais da ADH está condicionada ADH adotou para todos os seus empreendimentos a política de
a um processo, caracterizado como resultado de uma relação com- aos programas e linhas de financiamento do Governo Federal, cotas em parceria com a Coordenadoria de Direitos Humanos e da
plexa de produção com determinantes políticos, sociais, econômi- FNHIS, OGU, MCMV e FGTS, e tem encontrado no FGTS uma Juventude. Os grupos que estão incluídos para benefícios através
cos, jurídicos, ecológicos, tecnológicos. Não se deve resumir a importante fonte de recursos para a habitação, totalizando 60 % de dessas cotas são negros(as), mulheres vítimas de violência, mães
habitação popular à unidade habitacional, sendo necessário que seja sua produção oriunda deste fundo. São operados basicamente os de menores infratores e o público GLBTTT (gays, lésbicas, bisse-
considerada de forma mais abrangente, contemplando aspectos, programas Pró-Moradia e Carta de Crédito Individual em Opera- xuais, transgêneros, travestis e transexuais).
como serviços urbanos: infra-estrutura urbana, equipamentos so- ções Coletivas, denominado no estado de Semeando Moradia. Visando diminuir o déficit habitacional local, o Conjunto
ciais, de lazer, educacionais, esportivos e de geração de emprego Além da Agência de Desenvolvimento Habitacional (ADH) que Habitacional Jacinta Andrade (Figura 3) é um empreendimento
e renda. Observa-se que as cidades brasileiras não se prepararam opera ambos, a Secretária de Planejamento por meio do Programa que vem sendo realizado com recursos do PAC/Governo Federal
para a forte demanda urbano/habitacional e cresceram desorde- de Combate à Pobreza Rural (PCPR) também tem produzido habi- e CAIXA, e tem como meta a construção de 4.300 casas, abri-
nadamente e à margem dos instrumentos legais, com moradias tações no programa Semeando Moradia gando aproximadamente 20.000 pessoas, na zona norte do mu-
em condições precárias de salubridade e segurança, comprome- A única ação com recursos do OGU/ Orçamento Geral da nicípio de Teresina, a 18 km do centro. O empreendimento
tendo o meio ambiente e os recursos naturais necessários à vida, União é a de Projetos Prioritários de Investimentos na qual a ADH consiste num dos maiores investimentos federais na área em
não só nos locais ocupados como nas regiões vizinhas. está concluindo o conjunto residencial Nova Theresina, a 18 km construção no País, e vem sendo alvo principal da política pú-
Em Teresina, capital do estado do Piauí, a realidade não é di- do centro de Teresina (TD Entre Rios) com 527 unidades com área blica estadual e municipal, uma vez que envolve uma série de
ferente. A cidade está localizada geograficamente na região “entre- entre 50 e 57m². De forma geral, é possível perceber que os pro- atores institucionais, como AGESPISA, CEPISA, Prefeitura Mu-
rios” (os rios Parnaíba e Poti), e se caracteriza por possuir um clima gramas e projetos que têm como fonte de financiamento OGU/ Or- nicipal de Teresina, entre outros.
quente-úmido, com altas temperaturas, alta taxa de insolação, a ine- çamento Geral da União são poucos e concentrados no Território Pode-se aqui concluir, após algumas das reflexões realiza-
xistência de uma ventilação constante. A vegetação pertence à Mata de Entre Rios, mais especificamente em Teresina, chegando a das, que a ADH-PI conseguiu realizar um bom trabalho na ci-
dos Cocais, e com grande parte da população formada pela misci- R$15.000.000.00 no Residencial Prado Júnior, no bairro Nova The- dade de Teresina, apesar de alguns pontos relacionados, como
genação entre brancos e índios, os caboclos, o que faz com que tais resina. A produção habitacional, tanto privada quanto pública, se a falta de projetos arquitetônicos de melhor qualidade projetual
aspectos sejam preponderantes para o direcionamento da criação concentra em Teresina e em municípios com mais de 50 mil habi- voltados para a realidade sociocultural local. Sabe-se que disso
projetual de tipologias arquitetônicas apropriadas a esta realidade. tantes, sendo a produção de novas unidades habitacionais, com ti- depende, também, uma mudança na política habitacional nacio-
Observou-se que, no que diz respeito às tipologias arquitetô- pologias de casas unifamiliares térrea, em alvenaria. A oferta e a nal, especificamente por parte dos órgãos financiadores destas
nicas existentes, 41,5% das casas utilizam tijolos e telhas cerâmi- demanda por habitação produzida pela incorporação privada se obras, que devem abrir a possibilidade de soluções mais apro-
cas, sendo 38,5% das casas em taipa de pau a pique e cobertura de concentram em Teresina, pois o município apresenta a população priadas a cada especificidade regional. Outro aspecto a ser con-
palha (Figura 1), denotando a influência do meio ambiente local, com nível de renda mais alto. siderado diz respeito à necessidade da implantação de uma
uma vez que a cidade faz parte da região geográfica da Mata dos Tal fato também pode ser observado em nível de oferta pú- instituição municipal que organize melhor a política municipal
Cocais, com predomínio de palmeiras, como a carnaúba e o babaçu, blica, que, na cidade de Teresina, apresentou 80% das unidades
na área habitacional, podendo
dos quais são extraídos alguns materiais construtivos destas casas. produzidas pela COHAB-PI (1966/ 2000) e concentrando 49% das
existir, assim, uma melhor par-
Outra tipologia existente são os conjuntos habitacionais. So- ações da ADH, entre 2007 e 2009. Segundo dados coletados no do-
ceria entre ações e programas
mente entre os anos de 1964 a 1990 foram construídos pela antiga cumento de Revisão do PEHIS/PI (2010), a solução habitacional
COHAB/ PI 43 conjuntos, com aproximadamente 35 mil unidades, mais adotada é a construção de nova unidade habitacional, alcan- do Estado e da Prefeitura, dando
abrigando 150 mil pessoas. Muitos destes conjuntos estão em pre- çando 81% do total produzido entre os anos de 2007 a 2009. E a a oportunidade de se trabalhar
cário estado de conservação, necessitando de intervenções, tanto cidade de Teresina recebeu 49% do total de unidades produzidas em conjunto, e não, de forma in-
nas residências, como na infraestrutura dos mesmos. Conforme os pelo Governo Estadual, neste mesmo período. dividualista e distante, con-
dados do IBGE (Censo Demográfico 2000), o número de habitantes Os produtos habitacionais mais comuns adotados são a casa forme vem ocorrendo.
é de 779.939 pessoas, dos quais, 194.354 ocupam os domicílios ur- térrea ou a cesta de material para construção. As casas têm, predo-
banos, e 10.826, os domicílios rurais, totalizando 183.528 unida- minantemente, até 40m² de área com dois quartos, sala, cozinha, Alcília Afonso de A. Costa
des. Apresenta um déficit habitacional quantitativo (Fundação João banheiro e área de serviço externa e utilizam como técnica cons- Profa. Dra. da UFPI
[email protected]
Pinheiro/ SNH/ Mcidades, ano base: 2000) em números absolutos trutiva, predominantemente, a alvenaria.
TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010 35

ARQUITETURA DE RUA
Considerando que a arquitetura deve ser vista antes de tudo sentam com uma organização espacial em consonância com os O passo seguinte é identificar a composição demográfica da
como um ordenamento cujos princípios têm regras básicas, tanto aspectos mais tradicionais de nossa cidade, tais como uma ar- área e verificar como ela se distribui espacialmente. A densidade
para a distribuição espacial dos movimentos urbanos de veículos quitetura que prioriza espaços abertos tratados adequadamente populacional será a variável obtida e principal restrição de pro-
e pedestres, como para a localização das diferentes atividades de forma a propiciar o convívio social, que gera um sistema viá- jeto. Outras informações importantes poderão ser obtidas em ins-
que podem ser realizadas nos espaços urbanos, é necessário in- rio compatível com o da cidade, que busca a vinculação entre as tituições governamentais e dizem respeito à variável “densidade
cluir uma complexa análise do entorno urbano do lugar onde as áreas edificadas e a rua, que promove a interação da comunidade demográfica”, que remete aos dados socioeconômicos e estrutu-
intervenções arquitetônicas têm um significado maior para o com a cidade, através de um fluxo direto, e que produz uma es- rais. Refere-se à educação (número de escolas e creches, de-
funcionamento da cidade do que possa imaginar nossa vã filo- trutura fundiária flexível, possibilitando o manuseio da célula manda atendida, demanda a atender, etc.); economia (renda
sofia. Toda intervenção no espaço urbano vai gerar nova ocupa- habitacional e da unidade de parcelamento, por parte do usuário, mensal/domicílio); meio-ambiente; cultura; esporte e lazer; sis-
ção e novos ocupantes ou usuários, que passarão a usufruir da de forma a adequá-los às suas necessidades, etc. tema viário; saúde e segurança.
cidade existente. Imagine, o sistema urbano recebendo novos Conhecer as peculiaridades do sítio permite a constatação As informações obtidas até aqui devem fazer o arquiteto
usuários sem que o projetista tenha se preocupado com este as- de fatos que se tornam elementos do partido arquitetônico a ser exercitar o PENSAR. Por exemplo: Como refletir tais informa-
pecto ao implantar o novo projeto. adotado. Mas também se aprende em visitas à arquitetura já ções espacialmente? Esta talvez seja a primeira discussão do ar-
Para tanto, é necessário conhecer as características locais de quiteto com ele mesmo. Ocorre, porque temos que considerar tal
ocupação, tipologia e morfologia urbanas. Explica-se tal neces- construída. Retomando o exemplo dos conjuntos habitacionais
de Teresina, uma visita ao local demonstra o surgimento de uma rebatimento como necessário à integração do objeto arquitetô-
sidade por duas razões. Primeiro para harmonizar a ideia proje-
tual com aspectos morfológicos tradicionais da área, e segundo, arquitetura cheia de constituições, conexões entre espaço pri- nico ao seu entorno. Outro tema bom para esta discussão solitá-
para identificar, dentre as características físicas, sociais e eco- vado e espaço público, que se justifica por permitir à população ria é: a implantação do objeto arquitetônico vai trazer que tipo
nômicas pertinentes ao sítio, aquelas que poderão se tornar res- um maior controle visual da rua, o que contribui para a conser- de consequências à região? Aliás, diga-se de passagem, que o
tritivas ao projeto. Também é preciso identificar e localizar vação e segurança do espaço público e o qualifica. Significa exercício de pensar, de refletir sobre o projeto e sua relação com
equipamentos e serviços urbanos existentes com o objetivo de dizer que intensificar a relação entre os espaços públicos e os as pessoas e com o entorno, acompanha o arquiteto durante todo
conhecer sua capacidade de atendimento em função da demanda espaços privados é uma boa prescrição projetual. o processo de projetação. E se tal discussão for compartilhada,
existente e da demanda pós-intervenção. A preocupação em harmonizar a proposta projetual aos as- ao invés de ser uma atividade solitária, melhor. Trará bons re-
Várias visitas à área de implantação do novo projeto pode- pectos tradicionais da cidade implica a necessidade de sair da sultados para o projeto.
rão fornecer subsídios para evitar equívocos projetuais. Visi- prancheta e ir à rua olhar e assimilar suas feições e suas cicatri- Todas as informações coletadas e as constatações decor-
tando os conjuntos habitacionais de Teresina, por exemplo, zes, para fazer bons projetos. rentes das discussões deverão constituir subsídios para o ar-
observa-se que alguns apresentam sinais de deterioração, en- Como vimos, o processo exige a experimentação do sítio. quiteto projetar corretamente durante todas as fases do
quanto outros apresentam condições urbanas mais aceitáveis. Mas também requer sua identificação no contexto urbano sob o projeto. O resultado? Será um objeto arquitetônico aprazível.
Como explicar a diferença entre eles? A explicação para a dege- ponto de vista de sua complexidade: legal, histórico, social, eco- A análise prévia permite uma
neração urbana ou insucesso projetual desses espaços urbanos nômico, etc. implantação compatível com o
tem várias causas. Em geral, os danos não estão relacionados ao Depois de analisar as legislações pertinentes acerca da exe- sítio em termos de uso e ocupa-
sistema construtivo utilizado, mas sim, à forma como o espaço quibilidade do objeto arquitetônico no terreno selecionado, o ar- ção. Projetado desta forma,
público e privado foi idealizado. A análise das diferenças exis- quiteto deve se perguntar: quais as particularidades do com certeza a intervenção ur-
tentes talvez aponte o caminho para uma projetação que assegure crescimento urbano deste trecho da cidade? Como a área se bana será um sucesso.
o sucesso da implantação desta tipologia. Sabe-se que, em mui- constituiu? E como ela se apresenta hoje? Quais suas permanên-
tos casos, a apropriação, ao longo do tempo e das necessidades cias, transformações e acréscimos? Como esta área se integra à Ângela Martins
que dela decorrem promovem uma correção do projeto. Este foi cidade? Há alguma barreira à continuidade da malha urbana? Napoleão Braz e Silva
o caso do Conjunto Mocambinho. Entretanto, outros conjuntos Conhecer a evolução urbana da área e suas características tipo- Profa Msc. da UFPI
são absorvidos pela cidade desde o início de sua ocupação. Con- lógicas e morfológicas atuais é fator de aproximação com o ob-
juntos habitacionais, como Saci, Parque Piauí, e Itararé se apre- [email protected]
jeto arquitetônico e constitui variável de projeto.

ESTUDO DO POTENCIAL EÓLICO NO LITORAL DO PIAUÍ


Atualmente, muito se tem falado em fontes renováveis de dos primeiros Parques Eólicos em terreno de dunas. Abrindo comparado com a Alemanha, ou seja, são aproximadamente 66
energia. Isso pode ser justificado pelo consenso mundial da comu- então a oportunidade de implantação de diversos outros, como km de extensão contra aproximadamente 300 km, ainda assim,
nidade acadêmica no sentido de alertar, cada vez mais, para os pe- por exemplo, na praia Pedra do Sal na cidade de Parnaíba, no é possível prever a implantação de mais Parques Eólicos na re-
rigos que podemos enfrentar com o aumento acelerado do efeito Piauí, como ilustrado na fig.(1). gião litorânea, devido às empresas do setor eólico terem o inte-
estufa, oriundo de processos de combustão, que, por sua vez, O primeiro Parque Eólico piauiense foi implantado pela Trac- resse de aproveitar essa intensidade, e certamente fará com que
emitem o gás carbônico CO2 em excesso, devido à utilização de tebel Energia, empresa do setor eólico, que o inaugurou em 13 de haja uma significativa mudança na matriz energética do Estado.
fontes energéticas, como é o caso do petróleo, e também com o fevereiro de 2009. Esta usina irá produzir 18 MW por meio de 20 É importante dizer que não somente o litoral vem sendo
funcionamento de termelétricas, que, no seu processo de conver- aerogeradores e estará interligada ao Sistema Interligado Nacional pesquisado para implantação de Parque Eólico no território
são de energia elétrica, utiliza a queima do carvão mineral. Pode- (SIN) pela subestação da Companhia Energética do Piauí – (Ce- brasileiro, mas também regiões fora dele, como por exem-
se dizer que essa utilização, que vem preocupando os pisa), em Parnaíba (PI). Com um investimento total de R$ 102,8 plo: regiões serranas e ribeirinhas. No Piauí, é possível ex-
ambientalistas pelo mundo a fora, teve um começo na revolução milhões, a usina tem capacidade para operar em plena carga, de plorar todas essas regiões, em especial ao longo do rio
industrial no final do século XVIII, mas, naquela época, possi- gerar energia elétrica para atender o consumo residencial de apro- Parnaíba e afluentes. Ficamos, então, ansiosos com mais
velmente não existia um grau de preocupação das consequências ximadamente 70 mil pessoas, e ocupa uma área total de 540 hec- instalações de empresas de energia eólica, a fim de trazer
dos malefícios que essa revolução poderia nos trazer de ordem tares, sendo que cada torre possui aproximadamente 80 m de cada vez mais benefícios em diversos setores para o Estado
das mudanças climáticas, que hoje em dia muitos cientistas aler- altura. Vale ressaltar que esse parque eólico foi planejado dentro do Piauí. Não esquecendo também que esse tipo de energia
tam que irá afetar o mundo todo num futuro próximo. Portanto, do Programa de Incentivo para Fontes Alternativas de Energia Elé- limpa e renovável poderá um dia substituir as fontes ener-
em tempos atuais, o incentivo a pesquisas que possam nos trazer trica (PROINFA), lançado pelo governo brasileiro, em 2002. O ob- géticas atuais que degradam o meio ambiente, retardando,
uma garantia de geração de energia elétrica limpa, ou seja, livre jetivo principal deste programa é fornecer incentivo à utilização assim, o aquecimento global.
de poluentes atmosférico e também renovável, deve ser uma de energias renováveis, como por exemplo, energia eólica, solar e
constante no meio acadêmico, visto que não podemos pensar so- pequenas centrais hidroelétricas.
mente em uma substituição de fonte de energia, mas sim em ga- A implantação do Parque Eólico da Praia Pedra do Sal foi
rantir que nossas futuras gerações possam viver em um mundo um importante passo inicial para inserir o Estado do Piauí como
saudável. Dessa forma, estaremos alcançando o chamado desen- um produtor em potencial para a geração eólica. Quando olhamos
volvimento sustentável, tanto divulgado pelos ambientalistas. para os principais mapas de potencial eólico já produzidos até
Uma das fontes de energia que pode contribuir muito para a agora no Brasil, Figs.2 e 3, pelo Centro Brasileiro de Energia Eó-
redução de gases estufa em excesso devido a atividades antro- lica (CBEE) no ano de 1998, e Centro de Pesquisas em Energia
pogênicas é, sem dúvida, a geração eólica, isso se pensarmos no Elétrica (CEPEL) em 2001, respectivamente, vemos que, de fato,
fato de o vento ser uma fonte inesgotável de energia. E no caso há muito a ser explorado no Estado.
do Brasil, especialmente na região do litoral nordestino, in- Para a confecção dos dois mapas, foram utilizados dados de
cluindo os estados do Piauí, Ceará, e Rio Grande do Norte, já é velocidade de vento medidos a uma altura de 50 m. Nos dois
de consenso mundial que nessas regiões a qualidade dos ventos mapas, o litoral do Piauí possui intensidades médias de ventos
é tamanha que chega a ser incomparável como restante do superiores a 8,0 m/s. O Atlas Europeu do Vento, publicado pela Henrique do Nascimento Camelo
mundo, principalmente com relação a pouca variação tanto na empresa dinamarquesa Risø National Laboratory, em 1989, re- Prof. Msc. do Instituto Federal de Educação,
intensidade bem como na direção. velou que a um nível de 50 m de altura, as regiões de maior po- Ciência e Tecnologia do Piauí (Parnaíba)
Em nosso país a geração da energia cinética dos ventos em tencial eólico da Alemanha (um dos maiores produtores do setor [email protected]
energia elétrica vem sendo bastante explorada nos últimos anos eólico) estão localizadas em uma pequena faixa litorânea com Thiago de Brito Pereira
com a implantação de diversos Parques Eólicos em grande parte velocidade média de vento entre 5 e 6 m/s. Com isso observamos Graduando de Física do IFPI
do território, aliás, foi no Estado do Ceará que se implantou um que, muito embora, o litoral do Estado do Piauí seja pequeno, [email protected]
36 TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

CIÊNCIAS DA NATUREZA
VITAMINA E OU ALFA-TOCOFEROL?
O termo vitamina E é usado como descritor genérico de quer apenas a forma alfa tocoferol natural em conformação inatividade dos Isômeros 2S.
todos os derivados de tocol e tocotrienol com atividade bio- RRR. Essa nomenclatura depende de como os carbonos qui- Além disso, existe mais um aspecto a considerar, que é
lógica de α-tocoferol (IUPAC,1981). As formas encontradas rais presentes na cauda phytyl se ligam ao anel cromanol. a dificuldade em se obter a forma natural do RRR-alfa-
naturalmente incluem quatro tocoferóis (α-, β-, δ- e γ-toco- A forma sintética, também conhecida como all-rac-alfa- tocoferol (antes denominada d-alfa-tocoferol), porque os
ferol) e quatro tocotrienóis (α-, β, δ- e γ-tocotrienol) (Her- tocoferol ou dl-alfa-tocoferol, possui uma mistura equiva- óleos vegetais mais baratos, tais como os óleos de soja e de
rera et al, 2001). lente de oito estereoisômeros, sendo a conformação RRR milho, possuem maior proporção do gama-tocoferol em re-
É um micronutriente que tem como principal ação pro- apenas um desses estereoisômeros (Traber, 2006). Conside- lação ao alfa-tocoferol (Eitenmiller and Lee, 2004).
teger os ácidos graxos poliinsaturados de cadeia longa das rando as recomendações do Instituto de Medicina Ameri- Assim, fica o alerta à população de que apenas a forma
membranas celulares e as lipoproteínas contra a oxidação cano (2000), um adulto deve consumir 15mg/dia da forma natural da vitamina E, representada pelo isômero RRR-alfa-
(Bramley et al, 2000). Alguns estudos têm indicado um natural RRR-alfa-tocoferol. Esse valor é baseado na RDA tocoferol (antes denominado d-alfa-tocoferol) é requerido pelo
provável envolvimento da deficiência de vitamina E na pa- 2000 (Recommended Dietary Allowance) que se refere à ser humano. A vitamina E sinté-
togênese da aterosclerose, diabetes e alguns tipos de cân- quantidade de nutriente que deve ser ingerida para atingir tica, normalmente oferecida em
cer, bem como na modulação da inflamação e resposta as necessidades de quase todos (97-98%) os indivíduos de suplementos, possui apenas uma
imune (Morrissey e Sheehy, 1999). Além disso, ela é im- um grupo. fração do que o organismo neces-
portante nos estágios iniciais de vida, desde a concepção Tal fato resulta em valores diferentes, ao considerar sita e, por isso, é frequentemente
que 1 UI (unidade internacional) de vitamina E corres- encontrada nas farmácias com pre-
até o desenvolvimento pós-natal da criança, e a sua defi-
ponde a 1mg de all-rac-alfa-tocoferil acetato, 0,67mg de ços mais baixos do que a forma
ciência pode causar anemia hemolítica e afetar o desen-
RRR-alfa-tocoferol, ou 0,74 mg RRR-alfa-tocoferil ace- natural, RRR-alfa-tocoferol.
volvimento do sistema nervoso central, principalmente em
recém-nascidos pré-termo, por causa das concentrações tato. Portanto, 15mg/dia de RRR-alfa-tocoferol corres-
mais baixas de tocoferol no plasma (Azzi e Stocker, 2000, ponde a 23UI da forma RRR ou 34UI da mistura racêmica. Roberto Dimenstein
Debier, 2007). Em cálculos de dietas, suplementos na forma all-rac-alfa- Prof. Dr. da UFRN
Do ponto de vista nutricional, o organismo humano re- tocoferol possuem um fator de 0.45mg/UI, refletindo a [email protected]

ANILHAMENTO DE AVES NO ALTO RIO ARAGUAIA/MT


Este artigo reúne os dados coletados durante expedições X 30 redes = 10.560h/rede). nico das populações de aves.
científicas ao Rio Araguaia e seus principais afluentes nos Mu- Os espécimes capturados nas redes de neblina foram ani- Dos espécimes capturados, a maioria não foi possível de-
nicípios de Alto Araguaia/MT e Santa Rita/GO. Para esse tra- lhados seguindo manual de anilhamento do CEMAVE, com terminar o sexo em decorrência da ausência de dimorfismo se-
balho contei com a ajuda indispensável de meus alunos do numeração específica. Alguns dados biométricos foram regis- xual aparente, e apenas cinco indivíduos capturados eram
Curso de Ciências Biológicas da UFPI/Bom Jesus: Junival trados por meio de paquímetro de precisão e pesolas, a saber: jovens, os demais eram adultos. Dos 198 indivíduos captura-
Vieira Lima, Pedro Benvindo de Albuquerque Júnior, Alex So- comprimento do bico, tarso cauda, asa e o peso, e foram ob- dos na primeira campanha, 27% apresentavam placa de incu-
brinho da Rocha e Éverton Silva Vitorino além da aluna do servados, quando possível, a idade, o sexo, a presença de placa bação, ao passo que dos 173 indivíduos capturados na segunda
Curso de Ciências Biológicas da USP, Raquel Colombo Oli- de incubação e a presença de canhões, o que poderia indicar campanha 31% apresentavam placa de incubação, indicando
veira, durante aproximadamente sessenta dias de excelente período de muda das aves. Todos os dados biométricos, nú- período reprodutivo.
convívio, muito trabalho e vários quilômetros de estrada. mero das anilhas, lista de espécies e um guia fotográfico com- A grande maioria das espécies capturadas é insetívora, se-
Considerando a fragmentação de áreas e seus respecti- pleto, de todas as espécies anilhadas compõem um livro guida por frugívoros e nectarívoros, respectivamente, sendo a
vos graus de isolamento, foi realizado o anilhamento da avi- submetido à Editora da UFPI para publicação (prelo). maioria das espécies dependente de ambiente florestado. Du-
fauna de nove áreas do alto Rio Araguaia, na divisa dos A nomenclatura das espécies e a distribuição por habitat rante as amostragens, foi possível perceber diferentes deslo-
Estados de Goiás e Mato Grosso, durante dois períodos seguem Sick (1997). Pela diversidade de ambientes do cerrado camentos de grupos mistos formados por traupídeos e
amostrais, um na época úmida (abril/2009) e outro na seca (sentido amplo), foram apenas consideradas as espécies flo- emberezídeos no interior das matas de galeria, ao longo do dia.
(julho/2009), enfocando a estrutura trófica e a relação das restais como espécies de Mata e espécies não florestais como Em todas as áreas de estudo, o número de frugívoros foi
espécies de aves e seus habitats, como subsídio para análise espécies de Cerrado, e as categorias tróficas seguem Motta Jú- acentuada e, segundo Motta Júnior (1990), a grande riqueza
de sua dinâmica ecológica. nior (1990): insetívoros (INS), com ¾ ou mais de insetos e ou- de plantas presentes nas matas de galeria deve ter favorecido
tros artrópodes na dieta; onívoros (ONI), com mais de ¾ de a maior representatividade dos frugívoros neste habitat. Da
METODOLOGIA insetos, outros artrópodes e frutos, em proporções similares; mesma forma, a grande proporção de granívoros no cerrado
A área amostral é composta por nove regiões, cujos focos frugívoros (FRU), com mais de ¾ de frutos; granívoros esteve relacionada à abundância de gramíneas neste ambiente.
de coleta foram os fragmentos de matas residuais isolados, (GRA), com ¾ ou mais de grãos; nectarívoros (NEC), néctar A técnica de levantamento de avifauna empregada fornece
principalmente às margens de afluentes do rio Araguaia: rio e pequenos insetos ou outros artópodes; carnívoros (CAR) e um perfil da estrutura ecológica das áreas estudadas, e mesmo
Babilônia, ribeirão Claro, córrego Rico, córrego da Vaca, cór- dretívoros (DET), vertebrados vivos e mortos, respectiva- levando-se em conta o caráter secundário desses fragmentos,
rego do Sapo e Ribeirão Zeca Novato (Área 1: 17°36'12'' S, mente, ao menos em ¾ da dieta. registrou-se a presença de espécies de grande importância eco-
53°13'53'' W; Área 2: 17°33'42'' S, 53°18'31'' W; Área 4: lógica - como dispersores de sementes, por exemplo - cujas
17°13'52'' S, 53°09'15'' W; Área 9: 17°16'40'' S, 53°07'58'' W, RESULTADOS E DISCUSSÃO populações se encontram em declínio por todo Brasil.
no Município de Santa Rita de Goiás/GO, e Área 3: 17°14'18'' Foram capturados 371 espécimes de aves, pertencentes a Desta forma, este estudo parece corroborar a ideia de que,
S, 53°16'14'' W; Área 5: 17°15'40'' S, 53°12'12'' W; Área 6: 85 espécies, que compõem 22 famílias e 8 ordens. A família se os atuais níveis de perturbação ambiental continuarem, ha-
17°12'03'' S, 53°09'54'' W; Área 7: 17°10'14'' S, 53°08'40'' W; que apresentou o maior número de espécies dentre os Passeri- verá uma tendência cada vez maior das aves onívoras e possi-
Área 8: 17°01'49'' S, 53°03'39'' W, no Município de Alto Ara- formes foi Emberezidae (23 espécies), seguida por Tyraniidae, velmente das insetívoras menos
guaia/MT). Esse procedimento se justifica, pois há pequenas e a família que apresentou o maior número de espécies dentre especializadas aumentarem sua re-
diferenças da composição da avifauna, devido principalmente os não-passeriformes foi Trochiliidae. As espécies de aves com presentatividade, sucedendo o con-
ao tamanho dos fragmentos e suas riquezas específicas. os maiores números de espécimes capturados foi Basileuterus trário no caso dos frugívoros e
Foram utilizadas redes de neblina (mist nets) com dimen- hypoleucus (25 indivíduos), seguida por Turdus leucomelas insetívoros mais especializados, o
são de 3mX15mX3mm em todos os fragmentos estudados, (22 indivíduos) e Antilophia galeata (21 indivíduos). que já vem ocorrendo, de certa
num total de 30 redes, em 9 fragmentos, durante 22 dias, na Durante a segunda amostragem foram recapturados 12 es- forma, em vegetações secundárias
primeira amostragem (período úmido) e 24 dias na segunda pécimes anilhados durante a primeira amostragem. Todos e em ilhas de vegetação nativa cada
amostragem (período seco), permanecendo 5 dias em cada foram recapturados nas mesmas áreas onde foram anilhados, vez mais comuns no Brasil.
fragmento (10 redes, 150m), desde o amanhecer até uma exceto um indivíduo de Galbula ruficauda, que, em apenas três
hora depois de anoitecer, em três ou duas áreas concomitan- dias, se deslocou pelo rio Araguaia ao longo de mais de 10km. Anderson Guzzi
Prof. Dr. da UFPI- Parnaíba/PI
tes, para facilitar a execução dos trabalhos de campo. As Esse exemplo de deslocamento ao longo das áreas amostrais
[email protected]
redes ficaram abertas durante todo o dia (44 dias X 8h/dia pode demonstrar a importância da mata ciliar para fluxo gê-
TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010 37

MUSICOTERAPIA E PRATICANTE ESPORTIVO: RITMO SUPERANDO BARREIRAS


Assim como o universo, todo ser humano é dotado de

DIVULGAÇÃO
motora, que varia em suas manifestações, de acordo com a área
ritmo. O ritmo é considerado o elemento musical mais asso- encefálica comprometida. Muitos têm movimentos involuntá-
ciado ao movimento. Na atividade física, o ritmo facilita a rios por ter comprometimento nos gânglios basais do cérebro.
coordenação motora e a integração funcional de todos os as- No Brasil, a capoeira é um esporte ou arte marcial que une
pectos. Coordenação motora é a realização intencional de um a luta, a música e a dança. É um patrimônio cultural afro-bra-
movimento. O fisiologista Charles Fere (cronobiologia) con- sileiro com infinitas possibilidades motoras. O ritmo na ca-
cluiu que são os estímulos rítmicos, antes de quaisquer outros, poeira pode ser vivenciado através dos instrumentos musicais
que conseguem “aumentar o rendimento corporal”. São nume- (berimbau, atabaque, pandeiro, agogô, reco-reco), movimenta-
rosas as pesquisas mundiais que apontam e reafirmam estas ção corporal, palmas e canto. Em centros de reabilitação física,
possibilidades de utilização benéfica. A presença de estímulos a capoeira trabalha com os objetivos de desenvolver noções de
rítmicos acrescenta estabilidade imediata no controle motor, equilíbrio, ritmo, coordenação, harmonia de movimentos, fle-
mais do que através de um processo gradual de aprendizagem. xibilidade, agilidade, força e velocidade. Também estimula a
sociabilização, a integração familiar, inclusão social e melhoria
CÉREBRO, RITMO E MOVIMENTO da autoestima.
O planejamento motor ocorre no lobo frontal, onde o cór-
tex pré-frontal na superfície externa e a área motora suple- A MUSICOTERAPIA E O PRATICANTE ESPORTIVO
mentar analisam os sinais que chegam de outras partes do EXPERIÊNCIAS PRÁTICAS EM O profissional capacitado em musicoterapia pode ser um
cérebro, indicando essa informação como uma posição no es- ATIVIDADES DESPORTIVAS importante aliado no planejamento e nas atividades esporti-
paço e memória de ações passadas. Depois, essas duas áreas Segundo Karageorghis, escutar música animada durante vas. Seus conhecimentos técni-
acessam o córtex motor primário que define quais os múscu- atividade física aumenta a resistência física e estimula o prati- cos podem ser utilizados na
los que precisam se contrair, e envia as instruções pela me- cante a acrescentar mais 15% de tempo ao seu treino. E o me- forma de consultoria, planeja-
lhor: sem perceber. mento ou mesmo na aplicação de
dula espinhal até os músculos. Esses últimos devolvem os
O campeão de natação Michael Phelps utiliza sempre seu algumas práticas musicoterapêu-
sinais para o cérebro. O cerebelo usa essa resposta muscular ticas durante os estressantes e
para auxiliar no equilíbrio e aprimorar os movimentos, sendo Ipod antes de iniciar as competições para melhorar sua concen-
tração. Alguns atletas mentalizam canções preferidas, que jul- exaustivos treinos diários.
responsável pelo ajuste rítmico e reações emocionais à mú-
sica. Os gânglios de base reúnem informações sensoriais das gam adequadas, para melhorar a performance.
Nydia Cabral C. do R. Monteiro
regiões corticais e as transmitem por meio do tálamo até áreas Musicoterapeuta do Centro
motoras do córtex (responsável pela modelação do ritmo, an- PARALISADOS CEREBRAIS E A Integrado de Reabilitação /Piauí
damento e métrica, controle de movimentos intencionais e UTILIZAÇÃO TERAPÊUTICA DA CAPOEIRA nydiadoregomonteiro@
globais do corpo). A característica principal da paralisia cerebral é a desordem yahoo.com.br

CONTRIBUIÇÕES REICHIANAS PARA A PSICOSSOMÁTICA: O CONCEITO DE BIOPATIA


Wilhelm Reich, enquanto exercia a Psicanálise na Clínica da perda do controle, do desequilíbrio. musculares nos indivíduos.
Psicanalítica de Viena e coordenava os célebres Seminários Baker (1980) considera que as patologias estariam relacio- De acordo com Navarro (1991), um tumor pode ser concei-
sobre a Técnica Analítica na década de 20, contribuiu para am- nadas com uma simpaticotonia crônica advinda da ansiedade do tuado como toda produção celular patológica constituída de um
pliar a função do corpo na psicoterapia, ao desenvolver seus es- homem ao se deparar com sua impotência orgástica, ou seja, com tecido neoformado sem fenômenos inflamatórios. Nesse sentido,
tudos sobre as defesas caracteriológicas, observando as reações a sua incapacidade de canalizar saudavelmente sua energia, de- o câncer enquadraria os tumores considerados como malignos,
somáticas advindas do processo de interpretação e intervenção vido a seus mecanismos de defesa caracteriais. Ou seja, o indi- caracterizados por células irregulares, deformadas, que se repro-
na dinâmica psíquica dos pacientes, na interpretação e na relação víduo não consegue ter uma vida gratificante e funcional pela duzem e podem se alastrar por todo o corpo. É importante res-
transferência/resistência (Reich, 1990). Elaborou o conceito de fórmula do orgasmo, estando sob o peso de constantes frustra- saltar que toda biopatia está intimamente relacionada à
couraça de caráter (Brandão, 2008), como forma de compreender ções. A respiração, nesse contexto, é comprometida - dificulda- compreensão da construção das defesas narcísicas do sujeito
as tensões musculares subjacentes às defesas psicológicas vivi- des de respirar estariam relacionadas a anseios e defesas ao mediante as ameaças do mundo externo ou interno, que Reich
das pelo sujeito em análise, ao entrar em contato com os conteú- contato com as sensações emocionais, vindas do corpo. conceituou como caráter. Uma clínica que trate qualquer
dos dolorosos e ameaçadores que foram recalcados. A partir de Segundo Navarro (1991), a simpaticotonia está intimamente transtorno psicossomático deve prestar atenção aos padrões
ligada com a emoção do medo, a qual deve ser foco da terapia de rigidez dessas defesas, que se expressam em formas de se
suas investigações e seu interesse na interface entre o conceito
corporal: “A emoção é um fenômeno vital de resposta a uma so- comportar, para além do discurso verbal de nossos pacientes.
metapsicológico de libido desenvolvido por Freud e a produção Como bem nos fala Berlinck (2002), o sistema psíquico pode
de energia bioelétrica e metabólica no corpo decorrente da cir- licitação externa (...) A emoção primária de consequências ne-
gativas é o medo (que no fundo é sempre o medo de morrer, ou ser compreendido como nosso sistema imunológico mediante
culação orgânica no ato sexual, Reich criou a vegetoterapia ca- o mundo externo, ou seja, constrói-se nas defesas e nas estru-
racteroanalítica, que consiste numa abordagem em que o melhor, de não viver adequadamente” (p.12). Dessa forma, o
turas cada vez mais complexas de interrelação e atribuição de
analista intervém diretamente no corpo dos pacientes, através medo é a emoção/base das patologias, por ser o elemento deter- sentidos aos eventos que nos ocorrem na dinâmica do pro-
de um entendimento econômico e energético da psicodinâmica minante/desencadeante da contração. É uma emoção que perma- cesso de viver. Assim, mudanças psicológicas acarretam si-
dos sintomas, interrelacionando aspectos somáticos com os nece impressa ou reprimida do consciente, mas se encontra multaneamente mudanças orgânicas, tendo em vista a
conflitos inconscientes do sujeito, atuando diretamente nos presente no organismo, inscrito em nível celular, expresso e vi- formação contínua de novas sinapses e conexões posturais, a
bloqueios emocionais decorrentes da estase – energia libidinal venciado na oportunidade de entrar em contato com os bloqueios partir do processo de mobilizar as defesas psíquicas e traba-
acumulada decorrente do processo de frustrações no desenvol- energéticos através dos actings da terapia, que, como vimos, têm lhar com a musculatura contraída e a distribuição
vimento psicossexual infantil (Trotta, 2008; Araújo, 2008), que o objetivo de mobilizar a energia estagnada e evitar a entropia. energética/erógena do corpo.
podem ocasionar os mais diversos transtornos à saúde psicos- Para ilustrar melhor o conceito de biopatia, podemos lançar
somática do indivíduo. um olhar sobre o câncer, objeto de pesquisa de Reich durante
Nesse sentido, a vegetoterapia conceitua como biopatias os muitos anos, que gerou diversos artigos e o posterior desenvol-
estados mórbidos nos quais a medicina oficial não reconhece a vimento da vegetoterapia em orgonomia. Segundo o autor, o cân-
etiologia. São quadros patológicos sistêmicos e/ou degenerativos cer é basicamente uma putrefação ativa do tecido, resultante da
dos quais se conhece apenas a patogênese, em que um compo- falta de impulsos para a expansão energética em nível orgânico
nente de ordem psicológica determina, desencadeia ou influencia – ou seja, uma alta potencialidade para a contração e a estase,
a disfunção dos aspectos biológicos do indivíduo. Para Reich, mas sem possibilidades de se expandir, canalizar-se, de forma
toda patologia tem sua origem numa disfunção (no sentido de que o fluxo de energia diminui, interrompe-se. Nos casos de
contração) do sistema nervoso autônomo, alterando toda a fun- câncer, o organismo desistiu de fazer sua energia circular, cau-
ção biológica da pulsação plasmática do organismo, reduzindo sando no indivíduo um estado contínuo de resignação emocio-
sua condição energética. A contração simpaticotônica propicia nal, uma vida sem prazer. Uma respiração precária, segundo
modificações no ambiente celular negativo a sua vitalidade, au- Baker (1980), provoca uma respiração celular interna precária
mentando a estase energética. Nesse sentido, a biopatia seria em nível de tecidos, seguido de acúmulo de dióxido de carbono
uma forma de resignação biológica, resultante de uma situação e anoxia. Dessa forma, o processo de carga e descarga se encon- Périsson Dantas do Nascimento
existencial em que o indivíduo se encontra incapaz de se ade- tram comprometidos, a fórmula do orgasmo perde a importância Prof. Msc. da UESPI e da Faculdade Santo Agostinho
quar, voltando a energia estásica resultante do conflito para o na vida do indivíduo, que não consegue perceber com prazer o [email protected]
impedimento da homeostase fisiológica. A biopatia, dessa maa- seu mundo. Geralmente, os tumores ocorrem em locais onde a Mathilde Neder
neira, seria o sinal de canalização, em nível celular, da loucura, simpaticotonia e a contração estásica provocam fortes couraças Prof. Dra. da PUC/SP - [email protected]
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CASAMENTOS E DEFICIÊNCIAS CONGÊNITAS EM SÃO GONÇALO DO PIAUÍ


A consanguinidade torna mais provável a homozigose dos Nordeste brasileiro a prevalência global de casamentos consan- Gonçalo parece estar relacionada com a origem e formação da-
genes deletérios, condicionadores de mortalidade precoce (em guíneos é de aproximadamente 9%, havendo locais isolados quele município, pois a formação da sociedade sãogonçalense
muitos casos, devido a anomalias graves) e de outras anomalias com taxas muito mais elevadas, como a cidade de São Gonçalo tem origem em algumas famílias que podem ser entendidas como
que se manifestam nos que sobrevivem, por exemplo: cegueira, do Piauí – Piauí – Brasil, que apresentava uma taxa de 22% do as que alicerçaram a formação do lugar. Desse modo, devido ao
surdo-mudez, retardamento mental, malformação congênita etc. total de casamentos naquele ano (IBGE). De acordo com o le- número reduzido de indivíduos, registrou-se um alto índice de
(FREIRE-MAIA, 1990) vantamento realizado pela SEID – Secretaria Estadual para In- cruzamentos consanguíneo. Este fato reforça a necessidade de es-
Consanguinidade parental é um importante fator de risco clusão de Pessoas, os 4249 habitantes desta cidade sofrem com tudos da dinâmica desses casamentos e de suas consequências
para as deficiências congênitas e neurológicas. Quando se estuda maior frequência de problemas de deficiência física, uma pro- tanto genéticas quanto médicas.
o padrão de herança das anomalias recessivas, observa-se que há porção de aproximadamente 3 em cada 10 pessoas possuem A realização de novos estudos incluindo um maior número
uma alta porcentagem de afetados que são filhos de casais con- algum tipo de morbidade. de famílias e com grau maior de complexidade poderá evidenciar
sanguíneos. Este fato ocorre porque tais casais têm maior proba- Observou-se que as comunidades que constituíram o muni- a existência de alelos ou de polialelos relacionados com essa pro-
bilidade de gerar filhos homozigotos do que os não cípio de São Gonçalo do Piauí se formaram a partir da extensão blemática. As relações maritais de consanguinidade se mostram
consanguíneos. Sabe-se que 5% dos nascidos vivos apresentam das famílias que iniciaram a ocupação da Baixa do Coco (antigo estatisticamente como um importante fator gerador desse pro-
alguma anomalia do desenvolvimento determinada total ou par- nome da cidade). De modo geral, depois de algum tempo estabe- blema, havendo a necessidade de aconselhamento genético dos
cialmente por fatores genéticos. Acrescentando-se os distúrbios lecidas naquele local, muitas famílias procuravam novas e mais casais sãogonçalenses que estão em fase de reprodução ou que
que se manifestam mais tardiamente, como em certas enfermida- terras para o cultivo. Isso resultou na fixação de muitas pessoas desejam contrair enlace matrimonial.
des crônicas degenerativas, fica ainda mais evidente o efeito dos nas proximidades do município, formando novas localidades que, O reconhecimento de indivíduos ou famílias com malfor-
condicionantes genéticos sobre a saúde. (Horovitz et al., 2006). com a emancipação da Baixa do Coco, tornam-se povoados do mação congênita ou patologia hereditária, muitas vezes, ape-
No Brasil, nestes últimos 25 anos, as anomalias congênitas têm novo município (VILANOVA, 2007). nas complementado com histórico familiar detalhado e
sido apontadas como a segunda causa de mortalidade de crianças As variações geográficas podem refletir em larga escala, as avaliação clínica básica por especialista capacitado podem ser
em seu primeiro ano de vida (Brasil, 2006). variações socioeconômicas e demográficas das populações, tor- suficientes para estabelecimento de diagnóstico e conduta.
A consanguinidade, evidentemente, também aumenta a pro- nando o padrão sociocultural, socioeconômico, a migração e o Uma abordagem clínica inicial próxima ao domicílio do pa-
babilidade de genes normais, mas, como estes já apresentam uma grau de ruralização, nos principais responsáveis pela manutenção ciente pode, além de evitar grandes deslocamentos, ser total-
elevada frequência, o acréscimo provocado em sua taxa de ho- da distribuição diferencial dos níveis de endocruzamento no Bra- mente resolutiva. É possível criar estratégias para avaliação
mozigose se torna desprezível na prática (SALZANO E FREIRE- sil. As frequências de casamentos consanguíneos podem variar de grupos de pacientes em locais próximos aos domicílios
MAIA, 1967). muito entre as diversas regiões de um mesmo estado, entre a zona através da figura do “geneticista itinerante”. Este profissional,
Nas populações brasileiras, ao lado dos casamentos não rural e a zona urbana de um mesmo município ou até mesmo vinculado ao sistema de saúde (e não a uma unidade especí-
consanguíneos, existe sempre certa taxa de casamentos con- entre os diversos bairros de uma mesma cidade (SALAZANO E fica), poderia atender com periodicidade pré-estabelecida, de
sanguíneos em diferentes graus e frequências (FREIRE- FREIRE-MAIA, 1967). acordo com a necessidade do local (semanal, mensal ou bi-
MAIA, 1989). Este fato reforça a necessidade de estudos da Das 15 famílias analisadas e com um total de 539 pessoas ci- mensal, por exemplo, cobrindo várias localidades), em polos
dinâmica desses casamentos e de suas consequências tanto ge- tadas, cerca de 9% possuíam algum tipo de deficiência (4,8% mu- de atendimento clínico, como cidades com hospitais universi-
néticas quanto médicas. lheres, 4,2% homens); destes, 14% possuíam deficiência física tários ou faculdades de medicina.
A genética médica lida com condições individualmente raras (85% mulheres e 15% homens); 12% possuíam deficiência audi-
que constituem, no entanto, grupo não desprezível de doenças, tiva (50% mulheres e 50% homens); 37% possuíam deficiência
com repercussões significativas e de relevância crescente para a visual (53% homens, 36% mulheres e 11% indefinidos) e 37%
saúde comunitária. Ressalta-se o papel do médico geneticista na possuíam deficiência mental (63% homens e 37% mulheres).
abordagem dos defeitos congênitos, traduzidos a partir de defei- Dos acometidos, 49% eram provenientes da 1ª geração filial
tos congênitos, que englobam toda anomalia funcional ou estru- de casamentos consanguíneos; 8% da segunda geração; 2% da 3ª
tural do desenvolvimento do feto, decorrente de fator originado geração e 41% eram de casamentos não consanguíneos ou situa-
antes do nascimento, seja genético, ambiental ou desconhecido, ções não informadas na ocasião da entrevista. Os heredogramas
mesmo quando o defeito não for aparente no recém-nascido, só foram confeccionados com base nas informações fornecidas no
se manifestando mais tarde (HOROVITZ et al., 2006). inquérito familiar.
O Nordeste é a região que apresenta a mais alta taxa de casa- Embora existam outros fatores de risco (ambientais, nutri-
mentos consanguíneos e, embora essa taxa, como em outras regiões, cionais) para a ocorrência de nascimentos de crianças com
venha baixando, com o tempo (FONSECA E FREIRE-MAIA, algum tipo de deficiência na cidade de São Gonçalo do Piauí, Manoel Cícero R. Júnior
1970), ainda pode ser considerada alta, principalmente no interior a hipótese mais provável para este fato é o alto número de ca- Prof. Esp. da Sec. Est. de Educação do Piauí
dessa região, quando comparada a outras regiões do país (FREIRE- samentos entre parentes, visto que desde a colonização da re- [email protected]
MAIA, 1990). gião, que se deu por pequenos grupos, são inúmeros os casos Antônio Sérgio de Sousa
Casamento consanguíneo é algo incomum em muitas partes de deficiências no município. Prof. Esp. da Sec. de Educação do Maranhão
do planeta. No entanto, dados do ano de 2007 indicavam que no A grande incidência de casamentos consaguíneos em São [email protected]

PATOLOGIA DO MATERIAL ARGILOSO


Algumas patologias provenientes de materiais argilosos em- úmida e na combinação do óxido de cálcio remanescente com o
pregados no setor da construção civil, principalmente dos mate- dióxido de carbono presente no ar, formando carbonato de cálcio.
riais utilizados na composição de argamassas são, via de regra, Em muitos casos, após a secagem, origina uma estrutura crista-
atribuídas à presença de sais hidratados no corpo desses mate- lina, resistente e impermeável.
riais. As mais conhecidas são a eflorescência e a subflorescência O fenômeno da eflorescência ocorre não somente em mate-
ou criptoflorescência, que, na realidade, são variações da fluo- riais argilosos, atuando como componentes de argamassas nas su-
rescência, que, na região de Teresina, é conhecida popularmente perfícies de alvenaria, uma vez que ele não está restrito somente
como salitre. a este tipo de aplicação, podendo ocorrer, portanto, em qualquer
Eflorescência ou cristalização de sais é um processo que con- tipo de superfície alcalina, como fibrocimento e o concreto.
A presença de sais hidratados nos materiais utilizados na
siste na migração da umidade da parede externa para a interna,
composição de argamassas tanto de assentamento, quanto de re-
levando consigo sais solúveis. Como decorrência desse processo,
vestimento, é responsável direta pela formação de eflorescências,
aparecem manchas que afloram à superfície, alterando o aspecto quando estes reagem com água e ar
visual do revestimento. em ambiente, no geral, de pouca
As fases dominantes no processo são os sulfatos. O sulfato sua composição química, sua estrutura cristalina e a morfologia ventilação e pouca luz solar.
de cálcio, gipsita, é encontrado em ambientes urbanos e é consi- de suas partículas. Estes três tipos de dados podem ser obtidos Condições atmosféricas aliadas
derado um fator de deterioração significante. O ânion sulfato pela combinação da difratometria de raios X (DRX), com a mi- a fatores como porosidade elevada
pode ser fornecido pelos poluentes atmosféricos. Por soluções croscopia eletrônica de varredura (MEV) e com a espectrosco- do material empregado e excesso de
ascendentes, a partir das fundações das construções ou da disso- pia de energia dispersiva de raios X (EDS). Ambos os métodos água na confecção da argamassa
lução da exsudação de cimento e argamassa, sendo nesse caso, fazem uso dos raios X, que são parte do espectro eletromagné- contribuem diretamente para a apa-
também, uma importante fonte de cálcio. tico com comprimento de onda menor que luz visível. Os raios rição da eflorescência.
Os materiais das eflorescências são materiais cristalinos, ou X têm maior poder de penetração na matéria que a luz visível,
seja, são materiais cujos átomos estão organizados em um arranjo e suas interações com os átomos dos materiais revelam suas di-
periódico e regularmente espaçado em três dimensões, denomi- Paulo Henrique C. Fernandes
versas propriedades. Prof. Msc. da UFPI
nado de estrutura cristalina. O estudo dos materiais cristalinos, A carbonatação é um fenômeno que consiste na evaporação [email protected]
em geral, é feito pela combinação de métodos que identificam da água do hidróxido de cálcio constituinte da argamassa ainda
TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010 39

CARACTERIZAÇÃO QUÍMICO-MINERALÓGICA DE MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS


O efeito Mössbauer, descoberto em 1958, fundamenta-se na MIMOS II, e de Costa et al. (Hyperfine Interactions, 1991), com de raios-X (pó), fluorescência de raios-X, espectroscopia de ab-
absorção ressonante de radiação gama nuclear, sem recuo do sis- um espectrômetro Mössbauer em geometria de transmissão. sorção no infravermelho com transformada de Fourier, espectros-
tema atômico emissor-absorvedor. O ferro é o quarto elemento Uma sólida parceria entre o Grupo de Pesquisa Arqueome- copia de absorção molecular na região ultravioleta-visível etc.
químico em abundância, por massa, na crosta terrestre. O 57Fe tria (CNPq), da Universidade Federal do Piauí, e o Laboratório Os resultados, até agora, da identificação de materiais de pin-
é um dos isótopos (2,17 % de abundância natural) do ferro, com Mössbauer, do Departamento de Química da UFMG, tem per- turas, em sua maioria vermelhas, revelaram parâmetros hiperfinos
características nucleares muito apropriadas, para observação do mitido a investigação, no laboratório, de pequenos fragmentos típicos da hematita (αFe2O3; espectro Mössbauer representativo,
efeito Mössbauer. Aproximadamente, uma década depois do apa- portadores de material pictórico, coletados de alguns sítios de na Figura 1), com pequeno tamanho médio de partículas. Detec-
recimento da espectroscopia Mössbauer, foi reconhecido o po- arte rupestre do Piauí, da Bahia e da Argentina, culminando em tou-se, também, alguns outros compostos oxídicos (super) para-
tencial analítico da técnica no estudo de materiais arqueológicos. pelo menos quatro dissertações de Mestrado (Tetisuelma L. magnéticos, inclusive goethita (αFeOOH). A espectroscopia de
Além do ferro, muitos outros isótopos Mössbauer, como o 119Sn Alves, Mestrado em Química, UFPI, 2010; M. Cleidiane P. energia dispersiva indicou, de forma geral, que os óxidos de ferro
(8,58 % de abundância natural) e o 197Au (100 % de abundância Souza, Mestrado em Química, UFPI, 2009; Luis Carlos D. Ca- nas pinturas estão misturados com um pouco de argila, de sorte
natural) apresentam aplicações na análise de artefatos arqueoló- valcante, Mestrado em Química, UFPI, 2008; Laiane M. Fontes, que a presença desses argilominerais contribui decisivamente para
gicos. Dependendo do interesse, a espectroscopia Mössbauer Mestrado em Química, UFPI, em andamento) e uma tese de a prospecção de marcadores químicos interessantes, na identifica-
possibilita a especiação químico-analítica e evidências experi- Doutorado (Luis Carlos D. Cavalcante, Doutorado em Ciências, ção individualizadora da origem dos pigmentos minerais. No en-
mentais sobre a estrutura magnética, a partir de parâmetros hi- UFMG, em andamento). Além destas, há mais quatro disserta- tanto, a micro-análise do material pigmentante tem sido
perfinos, na caracterização químico-estrutural. ções (Mishell. S. Ibiapina, Mestrado em Química, UFPI, 2007; prejudicada pelo fato de os concentrados de pigmentos se alojarem
A análise Mössbauer do 57Fe de materiais cerâmicos, por Reginaldo S. Leal, Mestrado em Química, UFPI, 2005; Bene- nos poros existentes na superfície do arenito suporte. Ainda assim,
exemplo, quando feita em conjunto com outras técnicas, como dito B. Farias Filho, Mestrado em Química, UFPI, em anda- foi possível observar a forma das partículas de hematita e goethita,
a difratometria de raios-X, pode oferecer, além de dados de ca- mento; Lívia. M. Santos, Mestrado em Química, UFPI, em em algumas das amostras.
racterização químico-mineralógica, indícios da temperatura de andamento) aplicando a espectroscopia Mössbauer em outros Trata-se de um desafio de múltiplas dificuldades experi-
queima dos artefatos e da natureza do ambiente (oxidante ou re- vestígios arqueológicos (cerâmicas, paleossedimentos, pigmen- mentais, especialmente em decorrência da complexa composi-
dutor) de combustão. A identificação das espécies químicas em tos minerais naturais, diversos depósitos de alteração, etc.). ção química e das pequenas quantidades das amostras,
que o ferro se apresenta e a presença de determinados argilomi- Os pigmentos utilizados pelos grupos humanos antigos em disponíveis para as análises, no laboratório. Ainda assim, a
nerais é de grande utilidade para a avaliação desses parâmetros pinturas rupestres, são formados, mais frequentemente, por análise químico-mineralógica dessas pinturas tem mostrado
de confecção de corpos cerâmicos. Do ponto de vista arqueoló- compostos, sobretudo minerais, contendo ferro. A grande con- evidências muito animadoras, com informações ineditamente
gico, essas informações auxiliam no conhecimento das tecnolo- tribuição da espectroscopia Mössbauer, especialmente na aná- detalhadas sobre a natureza mineral dos pigmentos das pinturas
gias que foram empregadas nos processos de fabricação de lise de pigmentos de pinturas rupestres pré-históricas, é, rupestres arqueológicas desses sítios.
cerâmicas arqueológicas, contribuindo para o conhecimento incisivamente, na identificação inequívoca dos óxidos de
sobre os níveis culturais dos grupos humanos autores. ferro responsáveis pelas cores dos registros gráficos.
As possibilidades de aplicação da técnica na investigação Os projetos de pesquisa devotados à caracterização quí-
de materiais arqueológicos se encontram em plena expansão, mica e mineralógica dos pigmentos rupestres de alguns sítios
podendo abranger grande variedade de vestígios arqueológicos, pré-históricos encontrados no Piauí, na Bahia e na Argentina
tais como pigmentos minerais naturais, materiais de construção, usam primordialmente informações espectrais Mössbauer,
paleossedimentos, vidros, entre outros. para se identificar a composição de registros gráficos de sítios
Mais recentemente, verificou-se a grande contribuição analí- arqueológicos de arte rupestre pré-histórica. Todavia, outras
tica com essa técnica nuclear, na caracterização química e minera- técnicas também têm sido utilizadas (CAVALCANTE et al.,
lógica de pigmentos de pinturas rupestres pré-históricas Fumdhamentos, 2009; CAVALCANTE et al., CANINDÉ,
(CAVALCANTE et al. Revista de Arqueologia, 2009; CAVAL- 2008; CAVALCANTE et al., Revista de Arqueologia, 2008;
CANTE et al. International J. South American Archaeology, 2008), CAVALCANTE et al., Química Nova, 2008; CAVALCANTE Luis Carlos D. Cavalcante
observando-se a quase inexistência de registros similares, na lite- et al., Clio Arqueológica, 2007; CAVALCANTE et al., CA- Prof. Msc. da UFPI - [email protected]
ratura científica, de caráter pioneiro, exceto pelos trabalhos de NINDÉ, 2007; CAVALCANTE et al., Mneme Revista de Hu- Maria Conceição S. M. Lage
Klingelhöfer et al. (Hyperfine Interactions C, 2002), usando um manidades, 2005), como espectroscopia de energia Profa. Dra. da UFPI - [email protected]
espectrômetro de retroespalhamento de radiação gama, modelo dispersiva, microscopia eletrônica de varredura, difratometria José D. Fabris – Doutor em Química – [email protected]

VERTEBRADOS DO PARQUE NACIONAL DA SERRA DAS CONFUSÕES - PIAUÍ


A Caatinga ocupa aproximadamente 800.000 quilômetros qua- Foram empregados diversos métodos diretos de amostragem de de biomas adjacentes; como, por exemplo, os lagartos do gênero
drados do território brasileiro e representa uma das áreas mais ca- vertebrados terrestres, como armadilhas do tipo Sherman, To- Stenocercus, o morcego Vampyrum spectrum e a cobra-cega
racterísticas do Nordeste. Embora sua fauna seja relativamente bem mahawk, muzuá, redes de neblina, armadilhas fotográficas, ar- Siphonops annulatus, que são espécies típicas de ambientes
conhecida, trabalhos multidisciplinares têm mostrado que o bioma madilhas de interceptação e queda (pit-fall traps); e ainda úmidos. Além disto, as grandes dimensões desta Unidade de
abriga uma diversidade muito maior que o imaginado, até recente- métodos indiretos de amostragem, como procura por vestígios, Conservação do Estado do Piauí permitem ainda a manutenção
mente. Este Bioma possui ampla distribuição no Estado do Piauí, pegadas, carcaças e entrevistas com moradores locais. da existência de espécies de aves e mamíferos de médio e grande
cobrindo uma área de 37% do território, principalmente nas regiões Através do presente projeto, foram registradas 18 espécies de porte, algumas delas criticamente ameaçadas de extinção, como a
leste e sudoeste, sendo caracterizada por apresentar porte arbóreo, anfíbios, 32 de répteis, 42 de aves e 36 de mamíferos não-voadores onça-pintada (Panthera onca) e a suçuarana (Puma concolor).
arbustivo-arbóreo ou arbustivo, com densidades variadas. e 32 de morcegos, totalizando 160 espécies. Somente o número É ainda importante frisar que este Parque Nacional necessita
Embora possua reconhecida importância biológica pela pre- total de espécies de morcegos e de anfíbios registrados no presente de melhorias em sua infraestrutura e maior fiscalização; de forma
sença de inúmeros elementos endêmicos, o conhecimento da bio- trabalho foram maiores que aqueles já registrados anteriormente. a coibir e/ou diminuir os impactos à biota local, causados pela
diversidade faunística do Piauí é ainda heterogêneo, existindo, No entanto, inúmeras espécies são, pela primeira vez, registradas pressão de caça e tráfico de animais silvestres e por pressões da
inclusive, unidades de conservação cuja fauna é ainda mal amos- para o Parque Nacional da Serra das Confusões, indicando que sua agricultura e pecuária. Espera-se continuar a amostragem na re-
trada. Dentre estas, destaca-se o Parque Nacional da Serra das fauna não é totalmente conhecida e outras espécies ainda podem ferida UC, de forma a entender os padrões de distribuição destas
Confusões (PNSC), criado em 2 de outubro de 1998, possui uma ser registradas. Dentre estes novos registros, podemos destacar al- espécies na área de estudo, o que subsidiará futuras medidas con-
área de mais de 500.000ha, encontra-se inserida no bioma Caatinga guns mamíferos, como o gambá (Conepatus semistriatus), a irara servacionistas locais.
e foi recentemente apontado como uma área de máxima importân- (Eira barbara), o furão (Gallictis sp.), o guaxinim (Procyon can-
cia para preservação e investigação científica. A fauna de vertebra- crivorus) e uma espécie de marsupial (Micoureus demerarae).
dos terrestres deste Parque foi recentemente inventariada, por Além disto, uma espécie de cágado (Mesoclemmys sp.), quatro de
pesquisadores da Universidade de São Paulo, que encontraram 16 lagartos (Hemidactylus mabouia, Lygodactylus sp., Bachia sp. e
espécies de anfíbios, 43 de répteis, 221 de aves e 38 de mamíferos Vanzosaura rubricauda), três de cobras (Boa constrictor, Drymo-
não-voadores e 22 de morcegos, totalizando 340 espécies. O Pro- luber brazili e Psomophis joberti), duas de anfíbios (Rhinella
jeto de Pesquisas em Biodiversidade do Semiárido (PPBio Semi- schneideri e Dendropsophus melanargyreus) e ainda 14 de mor-
Árido), implantado em 2005, com participação da UFPI, objetivou cegos (Anoura caudifer, Artibeus concolor, Artibeus jamaicenses,
realizar uma nova amostragem desta fauna (com ênfase em mamí- Eumops auripendulus, Lasiurus borealis blossivillii, Lonchop-
feros e répteis), coletando em outras localidades do PNSC, a fim hylla mordax, Micronicteris minuta, Micronycteris behni, Molos-
de complementar os registros anteriores daquela fauna. sus ater, Noctilo leporinus, Pteronotus davyi, Pygoderma
Esta nova amostragem ocorreu em três expedições de coleta bilabiatum, Sturnira lilium e Tonatia bidens) são registradas pela Janete Diane N. Paranhos
de material biológico, cada uma com quinze dias de duração, em primeira vez para o Parque Nacional da Serra das Confusões. Profa. MSc. da UFPI – [email protected]
áreas do Parque Nacional da Serra das Confusões, localizadas pró- Os presentes resultados reforçam o papel do Parque Nacional Leonardo Sousa Carvalho
ximas às sedes dos municípios de Cristino Castro e Caracol. da Serra das Confusões, na manutenção de espécies da Caatinga e Prof. MSc da UFPI [email protected]
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RESTINGAS: E QUANDO O VIZINHO NÃO É A FLORESTA ATLÂNTICA?


Restinga é o conjunto das plantas que vivem próximo às guar e os litorais do Ceará, Piauí e Maranhão têm como ecossis- nordestino oriental tem a floresta atlântica como vizinha, en-
praias. Sob o ponto de vista botânico, é a vegetação que ocupa temas vizinhos mosaicos vegetacionais constituídos por caatingas quanto na região setentrional os vizinhos são mosaicos que
áreas de influência marinha em solos de areias quartzosas (neos- e áreas de transição Cerrado-Caatinga. combinam espécies de Caatinga e Cerrados. Outro achado
solos quartzarênicos) de idade Quaternária. Grande parte da costa Ao estudarmos três restingas no litoral nordestino seten- importante foi a maior semelhança das restingas da APA do
brasileira apresenta estes solos ocupados por diferentes comuni- trional, a princípio, percebemos que a composição florística Delta do Parnaíba com áreas de Floresta Atlântica da Paraíba
dades vegetais, cuja composição expressa uma continuidade da nesta região repetia os padrões encontrados nas diferentes in- e de Pernambuco, muito embora, na lista de espécies, encon-
floresta atlântica. Pelo menos é o que revelam estudos acadêmi- vestigações ao longo de restingas do litoral nordestino oriental trem-se pelo menos 30% de espécies típicas da Caatinga.
cos desenvolvidos nos litorais do Espírito Santo e do Rio de Ja- e da região sudeste. Com pequenas variações nas feições da Foram assinaladas espécies incomuns para áreas de res-
neiro, em diferentes restingas. Estes estudos listam mais de 50% paisagem, as restingas da Área de Preservação do Delta do Par- tinga, como Maclura tinctoria, típica de florestas de altitude, e
das espécies de restinga como pertencentes à Floresta Atlântica. naíba, no Piauí, mostravam uma vegetação predominantemente Manilkara cavalcantei, típica do ambiente amazônico, o que re-
As restingas são ambientes recentes. As alterações no nível arbustiva, inclusive com caducifolia (queda das folhas) no pe- força o caráter ecotonal (de transição) da região estudada.
dos oceanos promoveram a imersão e emersão sucessiva dos li- ríodo de estiagem. Tal qual o que ocorre nos mosaicos vegeta- Assim, concluímos que embora muitas espécies presen-
torais, alterando sua topografia, criando habitats e permitindo cionais vizinhos, constituídos por áreas de transição tes nas restingas do Delta do Parnaíba pertençam aos ecos-
novos processos de colonização do ambiente, todas as vezes que Cerrado-Caatinga. sistemas mais próximos, as áreas estudadas apresentaram
o nível do mar sofreu rebaixamento. Segundo alguns autores, não Ao aprofundarmos a pesquisa, coletando exemplares para maior semelhança florística com a Floresta Atlântica, sem
houve tempo suficiente para formação de espécies endêmicas identificação e montagem de um check-list das espécies, ob- que esta apresente qualquer remanescente próximo. A Flo-
neste ecossistema, tendo em vista que estas modificações ocor- tivemos dados que permitiram uma comparação com outras resta Atlântica é, portanto, o principal ecossistema a con-
rem em períodos relativamente pequenos (estamos a cerca de restingas do Nordeste e com outros ecossistemas como o Cer- tribuir com as espécies que ocupam as restingas, mesmo
10.000 anos do último evento). As comunidades vegetais da res- rado, Caatinga, áreas de transição Cerrado-Caatinga, Floresta que estas estejam geograficamente distantes. É provável
Atlântica e áreas de Floresta Amazônica. Nossa investigação que estas espécies tenham se-
tinga, deste modo, são formadas por espécies dos ecossistemas
se centrou em verificar qual o ecossistema que melhor con- guido rotas próprias para o esta-
vizinhos. O ambiente propicia uma seleção das espécies que tem
tribuía para a composição florística destas restingas, confir- belecimento, nestas restingas,
facilidade em ajustar-se, ou seja, que detém plasticidade fenotí-
mando (ou não) a influência dos ecossistemas adjacentes na com diferenças no clima, espe-
pica suficiente para suportar as suas variações, no que se refere
colonização das áreas vizinhas de restinga. cialmente no regime de chuvas e
a fatores como ventos, insolação, salinidade, restrições hídricas, tão distantes sob o ponto de
restrições nutricionais entre outras. Os resultados obtidos através de análise multivariada dos
dados mostraram uma afinidade maior entre as restingas da vista geográfico. Há de se conti-
O Nordeste brasileiro apresenta um litoral dividido em duas nuar a investigação.
frentes atlânticas: litoral nordestino oriental (da Bahia ao Rio APA do Delta do Parnaíba com restingas do litoral nordestino
Grande do Norte) e o litoral nordestino setentrional (do Rio oriental. Ressalvando-se o fato de que, embora não existam es-
Grande do Norte ao Maranhão). Com toda sua extensão, apenas pécies típicas somente das restingas (endemismos), muitas es- Francisco Soares S. Filho
as restingas do litoral nordestino oriental apresentam vizinhança pécies são frequentadoras assíduas do ambiente, Prof. Dr. da UESPI
com o que restou da Floresta Atlântica. Boa parte do litoral poti- estranharam-se os resultados obtidos, uma vez que o litoral [email protected]
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Restinga na APA do Delta do Parnaíba: uma paisagem dominada por dunas e carnaúbas.

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