Oscar Nakasato
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Oscar Nakasato
Osvaldo Duarte
ENTREVISTA
OSCAR NAKASATO: AUTOR DE NIHONJIN (ROMANCE) E IMAGENS DA
INTEGRAÇÃO E DA DUALIDADE - PERSONAGENS NIPO-BRASILEIROS NA
FICÇÃO (CRÍTICA E ANÁLISE LITERÁRIA)
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Oscar Nakasato é professor, doutor em Literatura Brasileira pela UNESP e escritor. Com sua
obra de ficção, recebeu, entre outros, os prêmios Benvirá (2011), Prêmio Bunkyô de Literatura
(2011) e Jabuti (2012).
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“Nihonjin” corresponde ao adjetivo pátrio “japonês”. É como os japoneses se referem a si
mesmos.
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Associação de caráter nacionalista criada por isseis no interior de São Paulo no início da
década de 1940. Após o final da Segunda Guerra Mundial, seus membros empenham-se em
difundir a ideia de que o Japão saíra vitorioso, punindo, mesmo com a morte, àqueles que
propagavam a rendição japonesa.
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“Estrangeiro” ou aquele que não é japonês, dito de forma depreciativa.
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Duarte – Qual foi o espaço ocupado pela cultura nipônica em sua infância?
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sabe que essas são também as artimanhas da invensão, já que ela se faz
também pelo esquecimento: a literatura tende ao trespassamento do factual,
ao devaneio da verdade, ao estremecimento das certezas, e leva à recordação
inventiva, à fantasia voluntária, que chamamos às vezes de memória. Então,
em que medida essas instâncias – ficção, história, perscrutação subjetiva – se
encontram ou se afastam?
Duarte – Além disso, ele conta a história de sua própria família, o que implica,
consequentemente, um mergulho emocional. Conta também a favor dessa
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Tomoo Handa é autor de O Imigrante Japonês: história de sua vida no Brasil (São Paulo: T.
A. Queiroz: Centro de Estudos Nipo-Brasileiros, 1987), uma das fontes para a composição de
Nihonjin.
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Nakasato – Sim, ele conversa com o avô, entrevista o tio Hanashiro, vale-se da
leitura de Tomoo Handa e diz ter a “mania de arquitetar com palavras”. Diz
também que para escrever precisa-se de tinta e papel, admitindo que todas as
fontes e estratégias são válidas. Uma posição bastante autônoma, e moderna,
da atividade de escrever. Por fim, numa tentativa de síntese, aponta para tudo
isso e diz: “eis a história”. Então, o que faço em Nihonjin, através do narrador,
é unir dois projetos, os quais se mostram compatíveis: o de restaurar o passado
e o de ficcionar.
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Eram chamados makegumes os membros da colônia japonesa que difundiam a ideia de que o
Japão havia sido derrotado na Segunda Guerra Mundial; acreditavam também que os
imigrantes japoneses deveriam se adaptar à vida no Brasil. Por isso, muitos foram
sentenciados à morte e executados pelos kachigumes, cujas posições eram radicalmente
opostas.
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Nakasato – Sim, este é um dos pontos de ligação entre eles. Veja o que diz
Cassio Shimomoto no artigo de 1935: "somos brasileiros, respeitamos o Japão,
como pátria de nossos pais, porém como brasileiros devemos amar o Brasil".
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Nakasato – Foi muito perseguido, e Haruo foi assassinado por admitir que o
Japão perdera a Guerra. Por isso a alusão a Cassio é importante em Nihojin.
Veja que a reflexão sobre a identidade do nipo-brasileiro é central no romance.
Em uma época em que havia, de um lado, imigrantes e filhos de japoneses que
defendiam entusiasticamente a nacionalidade nipônica e o caráter divino do
imperador, e, de outro, brasileiros que criticavam e rejeitavam os nikkeis por
considerá-los enquistados em redutos particulares, Cassio ousa enfrentar os
dois lados. Por ser um personagem emprestado da vida real, sua participação
imprime a Nihonjin um caráter genuíno, embora a minha proposta tenha sido
realizar uma leitura subjetiva da realidade histórica. Por outro lado, não quis
explorá-lo de forma panfletária, daí a sua inserção acanhada no enredo,
mesmo que suas posições tenham um valor social extraordinário.
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Duarte – Quer dizer, então, que o subjetivismo da ficção moderna não seria
um impeditivo para que se dê credibilidade à dimensão histórica na literatura.
O texto literário incorporaria, assim, a dialética humana da conjunção do
plano histórico e do plano psicológico.
Nakasato – Sim. Essa conjunção é fundamental. É nela ou por meio dela que o
leitor pode se reconhecer em sua completude.
O romance histórico, que realiza um diálogo
entre a realidade e a ficção, sempre teve
leitores fieis que gostam de interagir com
elementos da história oficial. São leitores para
os quais a verossimilhança se materializa
melhor a partir de dados concretos. Quanto ao
subjetivismo, pode ser trabalhado como mais
um ingrediente para a credibilidade. É por
meio das investigações subjetivas que o leitor
tem acesso ao mundo interior dos personagens,
assimila suas vivências, dramas, sonhos e se
reconhece como ser humano.
Nakasato – Com certeza, Nihonjin reforça essa tese. Haruo, que na infância é
castigado pelo pai por assumir que tem coração brasileiro, reconhece, depois,
que se orgulha de ser “um brasileiro filho de japoneses”. E no último capítulo,
o narrador, brasileiro e neto de japoneses, diz que “ir ao Japão é quase um
retorno”. Sua imaginação antecipa os fatos e, então, ele se vê no Japão: “na
primeira oportunidade me desvencilharei dos sapatos, pisarei a areia branca e
sentirei um contato antigo, os pés revivendo o toque, moldando-se a formas
(...) ignoradas pelo tempo, (...) me sentarei num campo de cerejeiras
brancas (...), irei aos pés do monte Fuji, olharei o pico coberto de neve e o
reconhecerei, que será um reencontro”. O narrador e Haruo são dois
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Duarte – Edward Said, no livro Reflexões sobre o exílio e outros ensaios (2003,
p. 46) descreve o exílio com “uma fratura incurável entre um ser humano e
um lugar natal, entre o eu e seu verdadeiro lar”, e atribui a ele uma “tristeza
essencial” que “jamais pode ser superada.” Como pesquisador e como
romancista que refletiu sobre a história de imigrantes, você corroboraria esse
ponto de vista? Como pensa a questão?
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imigrante que tivesse abandonado seus costumes mais que os japoneses (...).
Desde sua chegada, teve que morar numa casa sem tatame, tirar o quimono,
jogar fora a tigela e o hashi, beber café ao invés de chá”. Ele me chamou a
atenção para o problema da perda de identidade, que começa mesmo antes do
imigrante perceber que se tornou um exilado. Ao corpo acostumado ao tatame,
ao chá e ao peixe, impõem-se o colchão, o café e a carne suína. A essas
imposições vão se somando outras, que transformam o imigrante em um
sujeito mutilado. Em inglês, usa-se o termo uprooted na referência ao
imigrante, que caracteriza aquele que perdeu as suas raízes. É o que ocorre
com alguns personagens de Nihonjin, principalmente Kimie, que morre em
função desse processo de desenraizamento.
Duarte – Podemos refletir um pouco mais sobre essa questão? Citei o livro do
Edward Said porque o problema do exílio me parece pouco discutido no
contexto das imigrações. Essa questão atinge de modo muito violento os
valores individuais de liberdade, pertencimento e identidade; ele dilacera
corpos culturalmente constituídos, como nacionalidade, territorialidade,
família. Penso na tragédia pessoal vivida por alguns imigrantes que, ao
tomarem consciência de que não teriam condições de regressar ao Japão,
deixam de ser imigrantes (com perspectivas de regresso) e tornam-se exilados.
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cultura do seu país. A união em torno dos costumes foi para os japoneses uma
forma de sobrevivência, pois o distanciamento cultural, notadamente no que
diz respeito à língua, impunha o isolamento e, consequentemente, um grande
sofrimento. Além disso, um traço que caracteriza os japoneses é que eles se
mantiveram firmes na dedicação ao trabalho e aos estudos, o que promoveu
uma ascensão social e o respeito por parte da sociedade brasileira. Em
Nihonjin, ocorre o que a socióloga Ruth Cardoso atesta em sua tese de
doutoramento: a mobilidade física, ou seja, a mudança de endereço, implica
mobilidade social para os nikkeis. Hideo trabalha arduamente e se muda da
fazenda, onde era colono, para se tornar arrendatário em outra propriedade,
depois se transfere para a cidade de São Paulo para ser proprietário de um
comércio. Nesse sentido, pode-se dizer que as dificuldades iniciais serviram
de mola propulsora para algo mais positivo.
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um pequeno público que consegue ler nas entrelinhas, que não se contenta
com a camada superficial do texto e que, ao mesmo tempo, não confunde
profundidade com uma moda existente de hermeticidade. Um escritor produz
reflexão, ele faz todo um trabalho nos bastidores antes que o texto seja
apresentado, mas eu sigo acreditando que a literatura deve, primeiro, oferecer
entretenimento. Por isso, em se tratando de romance, uma boa história bem
contada é fundamental. Creio que os concursos literários, cujos números vêm
aumentando, têm colaborado para dar visibilidade a bons escritores e a bons
livros, os quais, fora desse contexto, ficariam restritos a pequenos grupos de
leitores. A internet também tem se mostrado como uma possível vitrine para
bons textos
Duarte – Diz-se que para se tornar um escritor é preciso ser antes um leitor.
Penso que isso interessa bastante aos educadores: que tipo de leitor se deve
ser?
Nakasato – Eu sempre digo isso àqueles que me pedem fórmulas para se tornar
escritor. Mas, que tipo de leitor? Talvez a resposta seja: um leitor assíduo.
Depois: leitor não somente de romances, pois um aspirante a escritor deve
estar informado sobre quase tudo. A reflexão vem com a prática, já que as boas
leituras levam à reflexão, aos questionamentos e às dúvidas. A qualidade dos
textos também é importante, mas essa questão já é mais complexa. Também
sempre digo que se deve prestar muita atenção à vida. Ficar trancado em casa
lendo livros não basta.
Referências
CARVALHO, Bernardo. O sol se põe em São Paulo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007.
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SAM, Silvio. Sonhos que de cá segui. São Paulo: Ysayama Editora, 1997.
Bibliografia
SAID, Edward W. Reflexões sobre o exílio e outros ensaios. Trad. Pedro Maia
Soares. São Paulo: Companhia das letras, 2003.
Recebido em 30/06/2014.
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Aceito em 30/07/2014.
Osvaldo Duarte
Docente do Curso de Pós-Graduação em Estudos Literários da UniR e do Curso
de Letras (Campus de Vilhena). Líder do Grupo de Pesquisa Mapa Cultural -
Centro Interdisciplinar de Estudos em Cultura e Artes.
E-mail: [email protected]
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