Despedimento Improcedente

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Sobre o despedimento improcedente:

inconstitucionalidade do artigo 209.º da Lei Geral do


Trabalho de Angola

Acerca da faculdade alternativa dada ao empregador de reintegrar ou


indemnizar o trabalhador

Eugénio Salesso Ribeiro da Silva

O presente artigo representa no essencial


ao relatório final apresentado pelo autor
ao Instituto de Direito das Empresas e do
Trabalho (IDET), no âmbito do XIII
Curso de Pós-Graduação em Direito do
Trabalho

Luanda, Março 2016


Índice
Siglas e abreviaturas ...................................................................................................................... 2
Introdução ..................................................................................................................................... 3
1. Considerações gerais ............................................................................................................. 6
1.1. Afirmações históricas do direito do trabalho ................................................................ 6
1.2. Globalização da economia – Livre iniciativa económica e seu impacto na relação de
trabalho...................................................................................................................................... 8
2. Factos extintivos das relações laborais ................................................................................ 10
2.1. Despedimento disciplinar ............................................................................................ 11
2.2. Despedimento ilícito ................................................................................................... 16
2.3. Efeitos do despedimento ilícito ................................................................................... 16
2.3.1. Despedimento nulo .............................................................................................. 17
2.3.2. Despedimento improcedente ............................................................................... 18
3. Valoração do direito fundamental ao trabalho .................................................................... 21
3.1. Estabilidade no emprego ou protecção da relação de emprego contra despedimento
sem justa causa ........................................................................................................................ 22
4. Reintegração ........................................................................................................................ 26
4.1. Breve olhar sobre a reintegração do trabalhador no direito comparado ...................... 26
A) No Direito cabo-verdiano ....................................................................................... 26
B) No Direito moçambicano ........................................................................................ 27
C) No Direito português ............................................................................................... 28
4.2. Inconstitucionalidade da opção dada ao empregador entre a reintegração ou uma
indemnização........................................................................................................................... 29
Considerações finais.................................................................................................................... 34
Bibliografia ................................................................................................................................. 36

1
Siglas e abreviaturas

ac. - acórdão

art./ arts. - artigo/ artigos

BFDUC - Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

CC - Código Civil

Cfr. - Conferir

Coord. - Coordenado

CRA - Constituição da República de Angola

Ed. - edição

FDUL - Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

IDEM - mesmo autor e mesma página

IBIDEM - mesmo autor, página diferente

LGT - Lei Geral do Trabalho

n.º / n.ºs - número / números

ob. cit. - obra citada

OIT - Organização Internacional do Trabalho

p./ pp. - página / páginas

proc. - processo

segs. - seguintes

TS - Tribunal Supremo

2
Introdução

A 7 de Junho de 2015, Angola introduziu no seu ordenamento a Lei n.º 7/15 de


15 de Junho, nova Lei Geral do Trabalho (LGT). Este diploma, que dependeu da
iniciativa do governo, entrou em vigor aos 13 de Setembro de 2015, vindo revogar a Lei
n.º 2/00 de 11 de Fevereiro LGT e toda a legislação que a contrarie.

Apesar do diploma se assumir como um instrumento criado com o objectivo de


“facilitar a geração de emprego, dinamizar a mobilidade da força de trabalho na
economia” e de “garantir a estabilidade do emprego e os direitos fundamentais dos
trabalhadores com vista a manutenção da paz social”, tem sido acusado de ser
excessivamente oneroso para o trabalhador, prejudicando a estabilidade social deste,
uma vez que o diploma veio flexibilizar em demasia a relação laboral, atentando contra
princípios constitucionais como o da “segurança e estabilidade do emprego.” Exemplo
disso mesmo é a consagração de um “pseudoprincípio” de consensualidade na escolha
da modalidade do contrato de trabalho (cfr. art. 16.º Lei Geral do Trabalho 1 ) e a
consequente eliminação da consagração taxativa das situações em que o empregador
podia recorrer ao contrato por tempo determinado2; assim, a escolha da modalidade do
contrato de trabalho fica apenas sujeito a um “acordo entre as partes”.

Como é sabido, nas relações laborais não existe uma igualdade de armas entre o
trabalhador e o empregador, o trabalhador será sempre a parte mais débil da relação, e
neste sentido nunca se pode falar de uma igualdade. O empregador, como a parte mais
forte (detentora do poder económico), preferira sempre celebrar contratos por tempo
determinado, uma vez que o mesmo é menos oneroso aquando da sua extinção3. Por
isso, questionamos a constitucionalidade deste artigo, confrontando-o com os princípios
constitucionais da igualdade (art. 23.º e da estabilidade do emprego 76.º CRA). Como
observa, e bem, Leal Amado, “numa relação de poder como é, tipicamente, a relação
laboral, a liberdade contratual não existe, no plano substantivo, e não pode deixar de
1
Os artigos indicados sem expressa referência à fonte são artigos da Lei n.º 7/15, de 15 de Junho (Lei
Geral do Trabalho).
2
São as situações enumeradas no artigo 15.º n. 1 da anterior LGT: “O contrato de trabalho por tempo
determinado só pode ser celebrado nas seguintes situações:”. A seguir, o artigo continuava nas suas
alíneas (a, b, c, d, e, f, g, h, i, j, k), indicando as situações permitidas para a celebração de um contrato de
trabalho por tempo determinado.
3
O contrato por tempo determinado deve ser uma excepção, a regra é a celebração de contratos por tempo
indeterminado, garantindo desta forma a estabilidade do emprego.
3
ser fortemente condicionada no plano normativo.”4 Ora, é esta condicionalidade que o
legislador laboral não salvaguardou no caso em apreço.

A nova LGT apresenta-nos ainda outras mudanças questionáveis, como o facto


de aumentar o período de duração máxima do contrato de trabalho por tempo
determinado, até dez anos para as pequenas e médias empresas e cinco anos para as
grandes empresas (cfr. art. 17.º n.ºs 1 e 2), quando o anterior regime fixava um prazo de
duração máxima de 3 anos (cfr. art. 16.º anterior LGT). Em suma, a nova LGT vem
possibilitar o prolongamento injustificado da situação de precariedade do trabalhador.

O legislador contemplou outras situações inovadoras como: a consagração do


inquérito prévio no processo disciplinar (art. 45.º n.º 3), solução que responde na
concretização dos prazos de caducidade e prescrição; a atribuição de efeito extintivo ao
despedimento abusivo (art. 57.º); manteve a possibilidade de, em caso de o
despedimento ser declarado nulo, o empregador poder suprir as irregularidades, num
prazo de até 5 dias após a declaração da nulidade (art. 208.º n.º 4), possibilidade esta
que, a nosso ver, é questionável, visto que pode traduzir-se numa diminuição das
garantias de defesa do trabalhador, afectando desta feita a certeza e a segurança
jurídicas.

Deixemos de lado estas questões por nós formuladas e passemos ao assunto que
nos propomos abordar, relativo ao art. 209.º artigo que tinha a mesma redacção na sua
antecessora (cfr. art. 229.º anterior LGT).

Dispõe o art. 209.º sob a epígrafe (despedimento improcedente).

“1. Se o tribunal competente declarar o despedimento improcedente, por


sentença transitada em julgado, deve o empregador proceder à reintegracão imediata
do trabalhador no posto de trabalho, com as condições de que beneficiava
anteriormente, ou em alternativa, indemnizá-lo nos termos estabelecidos no artigo
239.º.5

2. Se o trabalhador não pretender ser reintegrado, tem sempre direito à


indemnização a que se refere o número anterior.

4
JOÃO LEAL AMADO, Contrato de Trabalho, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 26.

5
O sublinhado é nosso.
4
3. Além da reintegração ou indemnização previstas no n.º 1 deste artigo, são
sempre devidos ao trabalhador os salários base que teria recebido se estivesse a
prestar o trabalho, até à data em que obteve novo emprego ou até à data do trânsito em
julgado da sentença, se anterior ao novo emprego mas sempre com o limite máximo de
seis meses para as grandes empresas, de quatro meses para as médias empresas e de
dois meses para as pequenas e micro-empresas.”

O referido artigo, no seu número 1 «in fine», ao facultar ao empregador, em caso de


declaração de improcedência do despedimento, a possibilidade alternativa da
reintegração imediata do trabalhador ou da sua indemnização, isto é sem reintegração,
viola princípios fundamentais, tais como o princípio da estabilidade do emprego e a
consagração constitucional da proibição de despedimentos sem justa causa (art. 76.º
CRA).

Por motivos expositivos, e para melhor compreensão do busílis da questão,


dividimos o nosso estudo em quatro pequenos capítulos: no primeiro, tratamos de
considerações gerais do direito do trabalho, analisando de forma breve o
desenvolvimento deste ramo até ao seu figurino actual; no segundo, atentamos aos
factos extintivos das relações laborais, focando-nos no despedimento disciplinar, os
seus requisitos e o processo; a seguir, no mesmo capítulo, tratamos da questão da
ilicitude do despedimento, destacando os seus efeitos (nulidade e improcedência); no
terceiro, tratamos da valoração do direito fundamental ao trabalho, abordando assim a
estabilidade no emprego numa vertente constitucional; e, no último capítulo, centramo-
nos num dos efeitos do despedimento improcedente, a reintegração, começando por
uma brevíssima incursão no direito comparado (exame dos ordenamentos cabo-
verdiano, moçambicano e português), passando para a análise da constitucionalidade da
opção discricionária que o legislador ordinário atribui ao empregador entre reintegrar o
trabalhador ou, alternativamente, indemnizá-lo (indeminização substitutiva da
reintegração).

5
1. Considerações gerais

O problema do emprego não é um problema novo. Recente parece ser apenas a


descrença no funcionamento dos automatismos das leis de mercado como mecanismos
de ajustamento da oferta e da procura e de correcção de desequilíbrios que possam
surgir6. Como aconselha Menezes Cordeiro, para compreendermos o direito que nos
rege, não podemos abdicar da perspectiva histórica, uma vez que “as configurações
assumidas pelas realidades jurídicas devem as suas estruturação e natureza aos factos
históricos que as promoveram”7. Sem essa compreensão, não há conhecimento, nem
aplicação racional. Por isso, sem querermos ser exaustivos, começaremos o nosso
estudo por uma breve análise histórica do direito ao trabalho.

1.1. Afirmações históricas do direito do trabalho

Tal como já afirmado, o problema do emprego não é novo, remonta talvez a épocas
milenares, possivelmente pelo facto de o trabalho ser uma actividade inerente ao próprio
homem.

Na época romana, o trabalho era essencialmente efectuado pelos escravos, que eram
vistos como coisas, propriedade dos seus donos. Apesar de já nesta época existir um
trabalho prestado por conta de outrem, que coexistia com o trabalho escravo, aquele que
era prestado fora do quadro da família, o trabalho servilista, figura do trabalho
subordinado, era reconduzido no direito romano à figura da locação em sentido amplo8.

Na época intermédia, verifica-se o abandono do trabalho escravo. Este tipo de


trabalho foi substituído pelo novo estatuto da servidão, típico da sociedade feudal 9. A
servidão era uma forma de trabalho em que havia uma adstrição à terra com a obrigação
da sua exploração, ou uma adstrição pessoal, com a obrigação de prestar trabalho a um
senhor. Nesta época, é característica a existência de corporações que controlavam o

6
JORGE LEITE, Direito do Trabalho, Vol. II, Serviços de Textos da Universidade de Coimbra, 2004, p.
5.
7
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito do Trabalho, Livraria Almedina, Coimbra,
1997, p. 33.
8
IBIDEM., p. 37.
9
Cfr. LUIS MENEZES LEITÃO, Direito do Trabalho de Angola, 2.ª ed. Almedina, Coimbra, 2013, p.
22.
6
processo de trabalho, definindo os ritmos de laboração, salários, bem como cláusulas de
restrição da liberdade de trabalho. Este regime corporativo não tinha como apanágio a
defesa dos trabalhadores, antes pelo contrário, visava defender profissionalmente a
classe que pagava os salários, através do estabelecimento de um regime de monopólio
ou fixação de salários máximos10.

A revolução industrial. Com o surgimento do fenómeno da produção em massa,


veio provocar uma grande alteração no âmbito das relações laborais. A necessidade da
produção industrial tornou-se incompatível com a manutenção do trabalho num estado
meramente artesanal. Os artesãos não conseguiam suprir as demandas do mercado. Este
facto levou a que uma parte da doutrina considerasse que a relação de trabalho prestado
pessoalmente em proveito de outrem e retribuído, como forma de utilização da energia
produtiva, apenas encontrasse condições propícias a partir da revolução industrial11. No
período em foco, assiste-se à dissociação entre “capital” e trabalho. A época é marcada
pela teorização e implantação dos sistemas de produção, destacando-se os modelos
“fordista-taylorista”12 e “toyotista”13.

Com a implementação das máquinas na produção, tornou-se cada vez menos


necessário mão-de-obra qualificada, pelo que se recorria facilmente ao trabalho de
mulheres e crianças, com salários cada vez mais baixos. Paralelamente, a taxa de
desemprego disparou, uma vez que as máquinas simplificaram os trabalhos e algumas
tarefas que antes eram exercidas por oito pessoas, por exemplo, podiam agora ser
exercidas por duas ou menos. Os empregados eram divididos em grupos, e estimulava-
se a concorrência entre eles, criando-se assim um ambiente propício a patologias,
desgastes físicos e emocionais, em suma, verificava-se uma grande exploração da força

10
IDEM. Por isso é que, no exercício do poder regulamentar, apenas participavam os mestres, a eles
subordinando os companheiros, os oficiais e os aprendizes, que, na maioria das vezes, estipulavam em
contrato próprio com os mestres os deveres e obrigações das partes.
11
MIGUEL JOÃO DE SOUSA, A Flexibilização das Normas Trabalhistas e Suas Implicações nos
Princípios Peculiares do Direito Material do Trabalho Sob a Égide da Constituição Cidadã de 1988, In
Revista da ESMAT 13, ano 6, n.º 6, 2013, p. 213.
12
Este modelo “fordista-taylorista” baseia-se no modelo da grande indústria, que engloba todos os meios
de produção. Trata-se de um modelo vertical em que as empresas intervêm no seu conglomerado
industrial desde o momento da recepção da matéria-prima até ao transporte do produto final.
13
Este modelo rompe com a produção em massa das mercadorias pelas fábricas, horizontalizando a
estruturação empresarial. Verifica-se um fenómeno de subcontratação e de pulverização da grande
indústria em vários núcleos de trabalho.

7
de trabalho, exigindo-se assim aos trabalhadores jornadas exaustivas e com baixos
salários14.

O Surgimento da legislação social. A revolução industrial trouxe consigo graves


problemas sociais. Foi neste contexto que o direito de trabalho surgiu, como forma de
implantar alguma civilidade nas relações entre capital e trabalho, procurando assim
eliminar as perversidades de utilização e exploração da força de trabalho pela economia.
A formação deste ramo do direito “assenta na constatação histórica da
insuficiência/inadequação do livre jogo da concorrência no domínio do mercado de
trabalho, em ordem à consecução de condições de trabalho e de vida minimamente
aceitáveis para as camadas laboriosas”15.

O ponto fulcral para a consolidação universal da valorização do trabalhador é a


criação da Organização internacional do Trabalho (OIT).

1.2. Globalização da economia – Livre iniciativa económica e seu impacto


na relação de trabalho

O fenómeno da globalização16 é impulsionado pela dinâmica do capitalismo que faz


com que os países desenvolvidos, que já estão com o mercado interno saturado,
expandam suas áreas de negócios para outras nações. Os efeitos deste processo
reflectem-se diretamente na sociedade, seja no aspecto económico, seja no social,
cultural ou político17.

Este fenómeno tem tido grande impacto na evolução das relações laborais, pois
conduziu a que a legislação laboral de cada país conferisse um importante peso às

14
ANDRE NÓBREGA BRANCO, Norteamento do Princípio da Proteção em Face da Flexibilização do
Trabalho, In Revista da ESMAT 13, ano 6, n.º 6, 2013, p. 32.
15
LEAL AMADO, Contrato …, OB. CIT., p. 24.
16
Globalização ou “globalismo” corresponde à fase do sistema capitalista, despontada no último quartel
do seculo XX, que se caracteriza por uma vinculação especialmente estreita entre os diversos subsistemas
nacionais, regionais ou comunitários, de modo a criar como parâmetro relevante para o mercado a noção
de globo terrestre, e não mais exclusivamente nação ou região. (cfr. JOÃO DE SOUSA, A Flexibilização
…, OB. CIT., p. 213.
17
MARIANA MORENO CUNHA, O Princípio Protetor na Sociedade Contemporânea, In Revista da
ESMAT 13, ano 6, n.º 6, 2013, p. 197.

8
decisões de investimento dos agentes económicos que actuam a nível global 18. Uma
consequência de vulto é “a deslocação de empresas”: mesmo quando já têm polos
instalados, os investidores preferem mudar-se para países mais flexíveis a nível laboral.
Países com legislações laborais mais rígidas têm mais dificuldades para atrair
investimentos e países com legislações mais flexíveis atraem mais investimentos, o que
origina graves problemas ao nível do emprego local.

Perante este cenário, os Estados são pressionados para tomarem algumas medidas,
destacando-se a desregulamentação e a flexibilização dos direitos dos trabalhadores19.
Este facto fez surgir vozes concordantes e discordantes20.

Defendemos que há necessidade de uma flexibilização, no sentido de tornar as


normas laborais menos rígidas, mas esta flexibilização tem que pressupor sempre uma
intervenção do Estado no sentido de garantir direitos mínimos dos trabalhadores, pois a
flexibilização não deve ser confundida com precariedade. E desde logo nos opomos à
desregulamentação, pois, como afirmado inicialmente, no direito de trabalho as partes
não estão em pé de igualdade: o trabalhador será sempre a parte mais vulnerável, pelo
que não é legítima a pura remissão para a autonomia das partes.

Podemos assim invocar a “flexisegurança”, ou seja, devemos combinar a


flexibilidade do mercado com a segurança que é devida ao trabalhador, essencialmente
contra o desemprego.

18
MENEZES LEITÃO, Direito …, OB. CIT. p. 29.
19
MARIANA CUNHA, O Princípio …, p. 204. É neste sentido que MENEZES LEITÃO (Direito …,
OB. CIT. p. 30) fala sobre a globalização como uma perversão do desenvolvimento do direito laboral,
pois a mesma pode levar a retrocessos: a concorrência entre os países, no sentido de atraírem
investimentos estrangeiros, condu-los a adaptar a legislação laboral em ordem a torná-la mais atractiva,
num processo que, extremado, pode afectar consideravelmente as condições de trabalho.
20
Algumas vozes que criticam esta posição assumida pelos Estados afirmam que se assiste à substituição
de uma ideologia de Estado por uma ideologia de mercado. Em sentido inverso, os neoliberalistas
afirmam que a exacerbada protecção ao trabalhador ocasiona sociedades menos competitivas em relação
às economias sem garantias, e que o excesso de protecção pode tornar-se causa de desemprego.

9
2. Factos extintivos das relações laborais

O art. 76.º n.º 4 da CRA proíbe o despedimento sem justa causa, “o despedimento
sem justa causa é ilegal, constituindo-se a entidade empregadora no dever de justa
indemnização ao trabalhador despedido, nos termos da lei”. Nesta sequência o art.
198.º da LGT consagra o direito do trabalhador à estabilidade de emprego: “o
trabalhador tem direito à estabilidade de emprego, sendo as razões susceptíveis de
extinção da relação laboral as previstas na lei”. Assim, o n.º 2 efectua uma
classificação das causas de extinção do contrato de trabalho, distinguindo entre: a)
causas objectivas, alheias à vontade das partes; b) por mútuo acordo; e c) decisão
unilateral de qualquer das partes, oponível a outra. Refere ainda o n.º 3 o caso particular
da extinção do contrato de trabalho por exoneração, quando este tenha sido constituído
por nomeação.

Consideremos de forma meramente enunciativa estas formas de extinção da


relação laboral previstas na lei.

Entre as causas objectivas alheias à vontade das partes temos a caducidade (art.
199.º). Como se sabe, esta é a extinção do contrato em resultado da verificação de um
facto jurídico “strictu sensu”, ou seja, de um facto jurídico não voluntário. Assim
admite a LGT, no seu art. 199.º, que o contrato de trabalho possa caducar nas situações
seguintes: a) morte do trabalhador; b) incapacidade permanente, total ou parcial do
trabalhador, que o impossibilite de continuar a prestar o seu trabalho por período
superior a doze meses; c) reforma do trabalhador nos termos da legislação da protecção
social obrigatória; d) condenação do trabalhador por sentença transitada em julgado à
pena de prisão superior a um ano ou independentemente da sua duração nos casos
previstos por lei; e) morte, incapacidade total ou permanente ou reforma do empregador,
quando dela resultar o encerramento da empresa ou cessação da actividade; f) falência
ou insolvência do empregador e extinção da sua personalidade jurídica; caso fortuito ou
de força maior que impossibilite definitivamente a prestação ou o recebimento do
trabalho.

A extinção por mútuo acordo das partes, ou revogação (art. 200.º): “a todo o
tempo as partes podem fazer cessar o contrato de trabalho, por tempo determinado ou
indeterminado, desde que o façam por escrito, assinado pelas duas partes”. Esta
10
modalidade é, no fundo, a manifestação do princípio da autonomia da vontade das
partes, mas aqui em sentido inverso, isto é para a extinção (cfr. art. 406.º CC): “o
contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode… extinguir-se por mútuo
consentimento dos contraentes.”.

Relativamente à extinção por decisão unilateral de qualquer das partes, oponível à


outra, refira-se a denúncia do contrato de trabalho, que o art. 228.º qualifica como
rescisão do contrato de trabalho pelo trabalhador independentemente de justa causa.
Essa faculdade parece ser dada apenas ao trabalhador.

Temos ainda a resolução pelo trabalhador, que o legislador qualifica como rescisão
do contrato de trabalho pelo trabalhador com justa causa respeitante ao empregador (art.
226.º).

Temos, também, o despedimento colectivo, fundado na ocorrência de fenómenos


económicos, estruturais ou tecnológicos que impliquem reorganização ou reconversão
interna, redução ou encerramento de actividades, quando destes factos resulte a
necessidade de extinguir postos de trabalho (cfr. art. 210.º/ 216.º). Contudo, é necessário
que estes motivos não sejam devidos a actuação culposa do empregador ou do
trabalhador, e que seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Deixamos, intencionalmente, para último o despedimento disciplinar, ou seja, a
modalidade que se deve a iniciativa do empregador por facto imputável ao trabalhador,
e que consiste em comportamento culposo deste que, pela sua gravidade e
consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de
trabalho (cfr. arts. 206.º e ss), pois iremos abordá-lo mais pormenorizadamente no
ponto que se segue.

2.1. Despedimento disciplinar

Ao empregador são atribuídas várias faculdades, dentre elas a de estabelecer normas


no seio da empresa para garantir a eficiência da actividade, tendo em conta os fins a que
a mesma se propõe. Assim, uma vez violados, pelo trabalhador, certas obrigações
laborais, o empregador tem a faculdade de impor, dentro dos limites normativos, e
respeitando as garantias formalmente estabelecidas pela lei, determinadas sanções aos

11
trabalhadores, verificados determinados pressupostos que conduzem à sua aplicação21.
É o chamado poder disciplinar22.

Reza o art. 46.º que o empregador tem poder disciplinar sobre os trabalhadores ao
seu serviço e que o pode exercer em relação às infrações disciplinares por estes
cometidas. Resulta deste artigo uma condicionante ao exercício do poder disciplinar que
é o da existência de uma infração disciplinar, definida pelo legislador como “o
comportamento culposo do trabalhador que viole os seus deveres resultantes da
relação jurídico-laboral, designadamente os estabelecidos no art. 44.º da presente lei”
(cfr. Art. 3.º n.º 18).

A) As medidas disciplinares

Prevê o art. 47.º, sob a epígrafe “medidas disciplinares”23, que pelas infracções
cometidas pelos trabalhadores pode o empregador aplicar as medidas disciplinares de:

a) admoestação verbal;

b) admoestação registada;

c) redução temporária do salário e;

d) despedimento disciplinar.

Esta lei apresenta uma novidade relativamente à anterior, já que reduz as


medidas/sanções disciplinares que podem ser aplicadas aos trabalhadores, em razão da
21
FJ COUTINHO DE ALMEIDA, Os Poderes da Entidade Patronal no Direito Português, Revista de
Direito e Economia, Ano III, n.º 1, Janeiro/Junho 1977, p. 316. Só assim não será no caso de ordens ou
directivas ilegais, ofensivas da ordem pública, dos bons costumes ou violadores do princípio da boa fé.
22
MARCIA NIGIOLELA, O Exercício do Poder Disciplinar no Ordenamento Jurídico Angolano,
Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pp. 20-21. Informa a autora que, no direito angolano, o
poder disciplinar deve ser entendido em duas perspectivas:
a) perspectiva prescritiva, que é a faculdade, reconhecida pela ordem jurídica ao empregador, de
fixar regras de comportamento no seio da empresa (excluindo-se, como é óbvio, as orientações
que estejam directamente ligadas à execução da prestação laboral, visto que estas enquadram-se
no âmbito do poder de direcção);
b) perspectiva sancionatória, que é o poder de punir os trabalhadores que violem deveres
decorrentes da relação laboral.
23
Alguns autores criticam esta opção legislativa, referindo que a expressão “medidas disciplinares” não
se afigura rigorosa, uma vez que esta disposição faz menção a verdadeiras sanções disciplinares, pelo que,
neste caso, a expressão rigorosa seria “sanções disciplinares”. Por todos, vide MARCIA NIGIOLELA, O
Exercício …, OB. CIT., pp. 20-21.

12
exclusão da medida de despromoção temporária de categoria, com diminuição de salário
e da medida de transferência temporária do centro de trabalho, com despromoção e
diminuição de salário (cfr. al.s c) e d) do n.º 1 do artº 49 º da anterior LGT).

Retomemos a análise da medida disciplinar/sanção que mais nos interessa para


este estudo, o despedimento disciplinar.

O despedimento disciplinar, ou individual por justa causa, ou ainda


despedimento por causas subjectivas, é definido pelo legislador como sendo “a ruptura
do contrato de trabalho por tempo indeterminado, ou por tempo determinado antes do
seu termo, depois de concluído o período de experiência, quando houver, sempre que
resulte de decisão unilateral do empregador” (cfr. n.º 12 do art. 3.º). Assim, o
despedimento disciplinar “é o acto unilateral, vinculado, constitutivo e receptício, pelo
qual a entidade empregadora procede à extinção da relação laboral”24 .

Tecnicamente, o despedimento “configura-se como uma declaração de vontade,


recipienda (ou receptícia), vinculada e constitutiva, dirigida à contraparte, com o fim
de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro”25. Ora, para que a conduta do
trabalhador seja sancionada com o despedimento, a mesma não deve ser uma conduta
qualquer mas sim uma conduta que, pela sua gravidade e consequências, torne
praticamente impossível a manutenção da relação laboral. Ou seja, tem que existir a
prática de uma infração grave que constitua justa causa de despedimento (cfr. art.
205.º). O despedimento só pode ser validamente decidido com fundamento em justa
causa se for considerada a prática de infração grave pelo trabalhador, e caso se torne
impossível a manutenção da relação jurídico-laboral. O legislador apresenta, no art.
206.º, uma lista de situações exemplificativas da justa causa.

24
MARCIA NIGIOLELA, O Exercício …, OB. CIT., p. 74. Unilateral, porque é de iniciativa do
empregador; vinculado, porque o acto de despedir deve ser fundado em justa causa, não sendo permitidos
despedimentos imotivados; constitutivo, porque o acto de vontade do empregador produz efeitos por si
mesmo; e receptício, porque se torna eficaz depois de ter sido recebida pelo trabalhador, ou após dela ter
contraído conhecimento.
25
PEDRO FURTADO MARTINS, Despedimento Ilícito, Reintegração na Empresa e Dever de
Ocupação Efectiva: Contributos Para o Estudo dos Efeitos da Declaração da invalidade do
despedimento, Centro de estudos e do Trabalho da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 1992, p. 37.

13
Assim, o legislador angolano adoptou num ponto uma cláusula geral e noutro
26
ponto enumera situações exemplificativas da justa causa. Este sistema misto
contempla, por um lado, a definição do conceito de justa causa (205.º), e, por outro,
apresenta uma enumeração, meramente exemplificativa 27 , dos factos susceptíveis de
integrar o conceito (206.º).

Esta circunstância deixa ao aplicador do direito um grande âmbito de


concretização de condutas do trabalhador que possam ser consideradas graves, apesar da
enumeração exemplificativa, sem com isso cair num subjectivismo.

Como bem nota Jorge Leite, “a gravidade do comportamento é um conceito


objectivo-normativo e não subjectivo-normativo, isto é, a valoração do comportamento
não deve ser feita segundo os critérios subjectivos do empregador ou do juiz, mas
segundo o critério do empregador razoável tendo em conta a natureza deste tipo de
relações, caracterizadas por uma certa conflitualidade, as circunstâncias do caso
concreto e os interesses em presença”.

26
A doutrina, não poucas vezes fala em sistema genérico e sistema taxativo de justa causa. O sistema
genérico consiste numa enunciação conceitual em que se não identificam factos que a integram. É um
conceito meramente de direito, competindo ao juiz a análise dos factos com vista à respectiva integração e
valoração.
O sistema taxativo é um sistema contrário ao genérico, uma vez que é constituído, exclusivamente, pela
enumeração tipificada dos factos que, como tal, integram a justa causa. Cfr. MESSIAS CARVALHO/
VITOR NUNES DE ALMEIDA, Direito do Trabalho e Nulidade do despedimento, Livraria Almedina,
Coimbra, 1984, pp. 203-204.

27
A doutrina angolana não é unanime na caracterização do artigo 206.º como sendo meramente
exemplificativo, fruto em parte do anterior regime constante no art. 225.º LGT, possuir o advérbio
“nomeadamente”, advérbio este eliminado da nova versão. Contudo continuamos a defender que o
legislador não teve a intenção de fechar o número de situações enquadráveis no artigo.
No mesmo sentido vide NORBERTO MOISÉS MOMA CAPEÇA, Os despedimentos à Luz da Nova Lei
Geral do Trabalho, Damer Gráficas S.A, 1.ª Ed. Luanda, Outubro 2015, p. 116. “ Neste sentido, e como
se os aplicadores do da lei pudessem retirar a noção de justa causa nesta enumeração que agora nos
parece exemplificativa, ao contrario da anterior LGT”. Não concordamos totalmente com a posição
defendida por este autor, uma vez que acreditamos que a anterior LGT também nos apresentava um leque
de situações exemplificativas e não taxativas como defende o autor.
Vide ainda, FRANCISCO LIBERAL FERNANDES/ MARIA REGINA REDINHA, Contrato de
Trabalho - Novo Regime Jurídico Angolano: Lei Geral do Trabalho, Lei n.º 7/15, de 15 de Junho, Vida
Económica, Porto, Julho 2015, p. 470. nota de rodapé n.º 234 “O legislador não tipificou (ao contrário do
que se verifica no direito penal) os comportamentos susceptíveis de serem considerados infracção
disciplinar, admitindo assim a possibilidade de serem sancionados disciplinarmente todos os actos de
incumprimento laboral do trabalhador (…) Se atendermos ao facto de a noção de infracção disciplinar
constante no art. 3.º n.º 18, possuir âmbito geral (abrangendo por isso o despedimento com justa causa)
e apresentar um conteúdo característico da técnica da enumeração exemplificativa, não nos parece ser
seguro concluir que a tipificação constante no art. 206.º é de caracter taxativo ou fechado, pelo que,
para além dos comportamentos aí descritos, devem, entre outros, ser consideradas para efeitos de
despedimento com justa causa subjectiva as acções ou omissões contrárias aos deveres enunciados no
art.44.º”.

14
A mesma posição é partilhada pelo Ac. do Tribunal Supremo de Angola, no
Proc. N.º1178/07 acerca da justa causa, o qual dispõe que o conceito de justa causa “é
um conceito normativo, tendo o seu volume normativo de ser preenchido
casuisticamente, através de actos de valoração. Todavia, tal valoração não deve
traduzir-se numa valoração pessoal-subjectiva do aplicador do direito ou do
empregador mas pautar-se por critérios objectivos que tenham em conta
comportamentos que, à luz de um critério social (aferição feita com base no
entendimento de um bom pai de família) se mostrem incompatíveis com a continuidade
do trabalhador ao serviço daquele ou de qualquer outro empregador, privado ou
público”.

Assim, para o conceito de justa causa concorrem os seguintes elementos:

a) O elemento subjectivo, que se traduz no comportamento do trabalhador a quem é


imputável a culpa (por acção ou omissão);
b) O elemento objectivo, que se representa no desvalor juslaboral daquele
comportamento e as suas consequências negativas, cuja gravidade comprometa
de forma irremediável a manutenção da relação laboral; e a
c) Existência de nexo de causalidade entre os elementos subjectivos e objectivos,
de tal forma que a sua ligação se possa estruturar em critérios objectivos,
próprios de um bom pai de família ou de um empregador normal, em cada caso
concreto, segundo os critérios de objectividade e razoabilidade.

B) Procedimento disciplinar

Para que o despedimento seja legal, exige a lei, além do pressuposto material
(verificação de justa causa), um pressuposto processual (adjectivo), que é o competente
processo disciplinar. Esse processo disciplinar consiste num conjunto de actos dirigidos
ao apuramento da verdade (cfr. art. 48.º), o que exige a audiência prévia do trabalhador
na aplicação de qualquer medida disciplinar (neste caso, despedimento), salvo tratando-
se de medidas disciplinares de admoestação verbal e a registada, sancionando-se com a
nulidade a sua falta. No fundo, com esta salvaguarda pretende-se dar a possibilidade ao
trabalhador de exercer o seu direito à defesa e fornecer os meios de prova disponíveis.

15
Contrariamente ao legislador português, o legislador angolano não distingue entre
processo disciplinar comum e processo disciplinar tendente à aplicação do
despedimento.

2.2. Despedimento ilícito

Tal como acabámos de explanar, o despedimento disciplinar, enquanto acto


extintivo da relação laboral, está sujeito a apertados requisitos, formais e materiais, que
condicionam a sua licitude, e quando assim não acontece este despedimento é ilícito.

Assim o despedimento disciplinar é ilícito sempre que seja decretado fora dos
pressupostos legalmente previstos ou com inobservância dos procedimentos legalmente
estabelecidos28.

A ordem jurídica estabelece, a favor do trabalhador ilicitamente despedido, a


faculdade de impugnar tal acto. O trabalhador pode assim socorrer-se das acções de
impugnação do despedimento disciplinar, em processo de recurso em matéria
disciplinar, naqueles casos em que foi instaurado o processo disciplinar ou naqueles
casos em que não foi instaurado, acções estas que devem ser intentadas no prazo de um
ano a contar do dia seguinte da cessão do contrato art. 302.º e 180 dias para as acções de
reintegração, nos termos do art. 303.º.

2.3. Efeitos do despedimento ilícito

As consequências do despedimento ilícito podem ser reconduzidas a duas: a


nulidade (art. 208.º) e a improcedência (art. 209.º). Mas, os efeitos de declaração
judicial da ilegalidade por carência de processo ou por falta de fundamento
correspondem ao tratamento normal da invalidade do negócio jurídico previsto no art.
289.º CC, pois visa a reposição do estado de coisas que se teria verificado sem a prática
do acto inválido29.

28
MENEZES LEITÃO, Direito…, OB. CIT., p. 284.
29
NORBERTO MOISÉS MOMA CAPEÇA, Da Ilicitude do despedimento Disciplinar e Suas
Consequências, Casa das Ideias, Luanda, 2012, p. 90.

16
Para assegurar um desenvolvimento mais claro, vamos abordar em separado os
efeitos da nulidade do despedimento e da improcedência do despedimento, atribuindo
mais destaque a este último.

2.3.1. Despedimento nulo

Reza o art. 208.º n.º 1 que “o despedimento é nulo sempre que ao trabalhador não
lhe seja remetida ou entregue a convocação para a entrevista…, quando a entrevista
não se realize por culpa do empregador ou sempre que ao trabalhador não seja feita a
comunicação de despedimento…”. Continua o seu n.º 2: “é igualmente nulo o
despedimento que tenha por fundamento: a) as opiniões políticas, ideológicas ou
religiosas do trabalhador, b) a filiação ou não filiação sindical em determinado
sindicato, c) qualquer outro motivo que seja motivo de descriminação…”.

Parece-nos que, no caso de nulidade do despedimento, há dois fundamentos que são:


o primeiro, vícios de forma e a não observância do formalismo processual, e o segundo,
vícios de substância mais graves, como a discriminação30.

A nulidade do despedimento produz uma invalidade, que neste caso opera


retroactivamente, eliminando o acto extintivo viciado e implicando a reconstituição do
vínculo laboral, tudo se passando como se o despedimento jamais se tivesse efectuado,
pelo que as partes devem ser colocadas, na medida do possível, na posição em que
estariam caso não se tivesse verificado o despedimento31. Nestes termos, o empregador
é obrigado a proceder à reintegração do trabalhador e a pagar-lhe os salários e
complementos que este deixou de receber até à reintegração, até ao limite máximo de
seis meses para as grandes empresas, quatro meses para as médias empresas e dois
meses para as pequenas e micro-empresas, nos termos dos arts. 208.º n.º 3 conjugado
com o art. 209.º n.º 3.

30
Relativamente a este segundo aspecto, vide ANTONIO VICENTE MARQUES/ MIGUEL LUCAS
PIRES, Comentário à Legislação Laboral Angolana, Polis Editores, Luanda, 2014, p. 281. A nulidade do
despedimento merece uma censura mais grave por parte do legislador, dado que, para além da ilicitude
dos motivos invocados, subsiste uma especial reprovação subjacente à justificação alegada, a qual radica
na violação de princípios constitucionais nos termos do n.º 2 do art. 23 da CRA.
31
MOMA CAPEÇA, Da Ilicitude…, OB. CIT., p. 91 “ O efeito anulatório implica a destruição
retroactiva de todos os efeitos produzidos pelo despedimento, ou seja, sendo o acto de despedir um acto
com efeito extintivo do contrato laboral, a destruição retroactiva deste acto extintivo, em relação à sua
ilicitude, implica um efeito positivo que consiste na manutenção do contrato de trabalho.”
17
Estando em causa vícios formais, a lei admite que o empregador, antes da
reintegração do trabalhador, possa suprir as irregularidades do procedimento disciplinar
num prazo de cinco dias, após a declaração da nulidade do despedimento (art. 208.º n.º
4).

2.3.2. Despedimento improcedente

O despedimento improcedente está previsto no art. 209.º e resulta dos demais vícios
não invocados no despedimento nulo. No fundo, o que está em causa na improcedência
do despedimento é a justa causa: o fundamento que o empregador apresenta para
despedir o trabalhador é que é insuficiente, ou em muitos casos inexistente 32, a não
verificação dos motivos que a lei entende como justificativos da aplicação dessa
sanção33.

Corroborando a posição defendida por Márcia Nigiolela 34 , distanciamo-nos da


posição defendida por Menezes Leitão35, segundo a qual estão integrados no conceito de
despedimento improcedente os “vícios de forma”, vícios estes que não estão integrados
no despedimento nulo. Este argumento seria sustentável se entendêssemos que o
preceito do art. 208.º é o de uma norma que contém situações taxativas e não
exemplificativas. Mas o certo é que não há suporte para se concluir que se trata de uma
taxatividade. Para ilustrar isto mesmo, temos a questão formal, não mencionada no art.
208.º, da indicação de testemunhas no âmbito do procedimento disciplinar: a falta de
audição das mesmas, pelo empregador, não deverá ser sancionada com a improcedência
do despedimento, mas sim com a nulidade, isto tendo em conta a finalidade desta
formalidade, que é a defesa do trabalhador, implicando a sua não observância uma
diminuição das garantias de defesa do trabalhador.

32
IBIDEM, p. 112. Não basta que com o seu comportamento ilícito e culposo o trabalhador viole o seu
dever, é necessário que com essa violação seja impossível a manutenção do contrato de trabalho; é
necessário que com o comportamento do trabalhador estejam completamente deterioradas as condições de
conveniência entre o empregador e o trabalhador.
33
VICENTE MARQUES/ LUCAS PIRES, Comentário…, OB. CIT., p. 281.
34
MARCIA NIGIOLELA, O Exercício…, OB. CIT., p. 85, que acompanhamos de perto.
35
MENEZES LEITÃO, Direito…, OB. CIT., p. 285.

18
No mesmo sentido, conferir o Ac. TS Proc. N.º 1110/07, que julgou nula a decisão
do tribunal “a quo” por falta de audição de algumas testemunhas indicadas pelo
trabalhador, fundamentando que “o direito de defesa que assiste ao trabalhador se
traduz na mais ampla possibilidade de defesa que passa, necessariamente, pela
oportunidade de exercer o contraditório e oferecer os meios de prova que se mostrem
adequados e necessários”.

Parece-nos que em relação ao despedimento improcedente, diferentemente do que


sucede com o despedimento nulo, o legislador reconhece um efeito extintivo36.

As consequências da declaração da improcedência do despedimento são:

a) Recebimento dos salários de base que o trabalhador teria direito se estivesse a


prestar o trabalho até à data em que obteve novo emprego ou até a data do
trânsito em julgado da sentença, mas sempre com o limite máximo de seis meses
para as grandes empresas, de quatro meses para as pequenas e de dois meses
para as pequenas e micro-empresas.

Este artigo sofreu uma modificação relativamente ao regime anterior, no sentido de


que no «ancien regime» não havia esta diferenciação entre grande, pequena ou média
empresa, e em todos os casos o limite máximo era de nove meses de salários (cfr. art.
229.º n.º 3 da anterior LGT).

Por outra, existe ainda uma diferença quanto ao regime da nulidade do


despedimento. É que, na nulidade, além dos salários base, também são exigíveis os
complementos que integram a remuneração, ao passo que na improcedência apenas são
exigíveis os salários base. Esta opção do legislador é fortemente criticada pela doutrina,
na medida em que não há fundamento nenhum para que se trate de forma diferenciada o
despedimento nulo e o despedimento improcedente: ambos são despedimentos ilícitos,
tanto num caso como no outro o empregador actuou de forma ilícita, pelo que o justo
seria o tratamento igual. Alguns autores chegam ao ponto de questionar a
constitucionalidade desta solução37.

36
No mesmo sentido, vide MARCIA NIGIOLELA, O Exercício …, OB. CIT., p. 86.
37
Vide, MOMA CAPEÇA (Da Ilicitude…, OB. CIT., p. 97, que afirma haver uma violação do princípio
da igualdade consagrado no art. 18.º da Lei Constitucional (correspondente actualmente ao art. 23.º da
CRA), pois, se o que está em causa é a ilicitude do despedimento, tal como na nulidade, na improcedência
do despedimento deveriam ser pagos também os salários e os seus complementos. Continua o autor, seria
19
b) Deve ainda o empregador proceder à reintegração imediata do trabalhador no
posto de trabalho, com as condições de que beneficiava anteriormente, ou em
alternativa, indemnizá-lo nos termos do art. 239.º. «artigo 239.º que trata da
indemnização devida ao trabalhador em caso de decisão judicial de
improcedência do despedimento individual com a invocação de justa causa
disciplinar, não havendo reintegração» (cfr. art. 209.º n.º 1).

Parece-nos que a lei dá, erradamente, ao empregador a possibilidade de optar entre a


reintegração do trabalhador e a sua indemnização, não estando com isso o trabalhador
obrigado a aceitar a reintegração, podendo sempre optar pela indemnização. Para
maiores desenvolvimentos remetemos ao ponto 4 (reintegração).

uma injustiça se, por exemplo, dois trabalhadores despedidos pela mesma causa, sendo um declarado
como despedimento nulo e outro como improcedente, aos dois fossem pagos de maneira diferente.
20
3. Valoração do direito fundamental ao trabalho

No que concerne directamente ao valor trabalho, a Constituição angolana, além de


reconhecer expressamente o trabalho como direito fundamental do cidadão (art. 76.º
CRA), estabelece regras, princípios e normas programáticas que devem orientar a
relação entre o capital e o trabalho, almejando a harmonia que deve reinar entre os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa económica38.

Trata-se da constitucionalização do direito do trabalho, isto é, da elevação à


dignidade constitucional dos grandes temas e princípios fundamentais, a ponto de se
poder falar na perspectiva de uma “constituição laboral”39. A constitucionalização do
direito do trabalho surge como um reconhecimento da necessidade de uma especial
tutela que deve ser dada ao trabalhador, fruto do desequilíbrio existente entre as partes.

Neste particular, a constituição tem relevância no sentido de se afigurar como fonte


suprema, “fonte das fontes”, isto é, surge como norma primária sobre a produção de
normas. Sem prejuízo da margem de manobra dada ao legislador ordinário, este devera
sempre ter em conta os preceitos constitucionais, sob pena de inconstitucionalidade.

Os princípios constitucionais do direito do trabalho recolhem o legado histórico,


traduzindo-se na ideia do direito laboral ter no seu cerne a pessoa do trabalhador e os
seus direitos, quer individuais quer colectivos. Sendo o trabalho um valor essencial para
a dignidade do homem e para o livre desenvolvimento da sua personalidade, os direitos
fundamentais (tanto aqueles específicos dos trabalhadores 40 como os não específicos

38
A nível económico, o Estado angolano reconhece constitucionalmente a existência de diversos sectores
de produção, onde destacamos o sector privado como um dos sectores fundamentais da organização
económica, o que vai ao encontro da protecção que é conferida ao direito de propriedade privada, bem
como de iniciativa privada (art. 14.º CRA): “o Estado respeita e protege a propriedade privada das
pessoas singulares ou colectivas e a livre iniciativa económica e empresarial exercida nos termos da
Constituição e da lei”.
39
JOSÉ JOÃO ABRANTES, Sobre a Constituição e a Crise do Favor Laboratoris em Direito do
Trabalho, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, II volume, FDUL, 2012, p. 276.
Relativamente à “constituição laboral”, MENEZES CORDEIRO (Manual …, OB. CIT., p. 138)
distingue:
“- a «constituição laboral formal» como o conjunto dos preceitos que, estando incluídos numa
constituição formal tenham a ver com o fenómeno do trabalho subordinado;
- da «constituição laboral material», que exprime o conjunto de normas e de princípios que estruturam e
legitimam determinada ordem jurídica na área do trabalho subordinado.”
40
Dentre os direitos fundamentais específicos dos trabalhadores, podemos destacar: direito ao trabalho e
dever de trabalhar (art. 76.º n.º 1), liberdade sindical (art. 50.º, direito à greve (art. 51.ª), direito à
formação profissional, a justa remuneração, a descanso, a férias, a protecção, a higiene e segurança no
trabalho (art. 76.º 2).
21
dos trabalhadores 41 ) devem ser encarados como componentes estruturais básicos do
contrato de trabalho42.

Assim, sem menosprezar a necessidade de alguma flexibilidade, que deve existir em


qualquer sistema económico, produtivo, a nossa Constituição repudia de forma clara
que as exigências económicas devam obter respostas à custa, se possível, dos direitos
dos trabalhadores. Destarte, os direitos fundamentais laborais, com dignidade
constitucional, condicionam a relação laboral, impondo limites aos poderes patronais, e
não podem ser contrariados pela legislação ordinária sob pena de inconstitucionalidade.

O direito ao trabalho enquanto compromisso constitucional, a valoração do trabalho


como manifestação da dignidade humana, deve sempre condicionar a actuação do
Estado e, principalmente, da livre iniciativa económica, no que toca a ampliação dos
direitos dos trabalhadores, como a oferta e manutenção dos postos de trabalho, na
medida em que o económico não pode suplementar o social, até porque este estatuto do
trabalhador é parte da moderna democracia social43.

3.1. Estabilidade no emprego ou protecção da relação de emprego contra


despedimento sem justa causa

Dentro dos vários direitos fundamentais atribuídos ao trabalhador, interessa-nos,


particularmente, o direito à protecção da relação laboral (principio da estabilidade do
emprego) e, consequentemente, a proibição dos despedimentos imotivados (sem justa
causa, “ad nutum”).

Reza o artigo 76.º CRA, sob a epígrafe “direito ao trabalho”:

1. “O trabalho é um direito e um dever de todos”; no n.º 2 diz-se que “todo o


trabalhador tem direito à formação profissional, justa remuneração, descanso, férias,

41
Designadamente: direito à vida (art. 30.º), direito à integridade pessoal (art. 31.º), direitos à integridade
pessoal, à capacidade civil, à nacionalidade, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra e à reserva da
vida privada e familiar (art. 32.º n.º 2), liberdade física e segurança pessoal (art. 36.º), etc.
42
JOÃO ABRANTES, Sobre a Constituição …, OB. CIT., p. 276.
43
ADRIANO MESQUITA DANTAS, Os Direitos Fundamentais nas Relações Trabalhistas: A Proteção
da Relação de Emprego Contra Despedida Arbitraria ou Sem Justa Causa a partir da Teoria da Eficácia
Horizontal, In Revista da ESMAT 13, ano 6, n.º 6, 2013, p. 12.

22
protecção, higiene e segurança no trabalho…”. Continua o n.º 4: “o despedimento sem
justa causa é ilegal, constituindo-se a entidade empregadora no dever de justa
indemnização ao trabalhador despedido, nos termos da lei”44.

O direito ao trabalho é entendido como o primeiro dos direitos sociais, aquele que
deu origem às lutas dos trabalhadores para que eles se consagrassem como direitos
fundamentais45.

Numa óptica constitucional, o direito do trabalhador à protecção em relação ao


despedimento arbitrário implica o reconhecimento da especial importância do bem
protegido, estabilidade do emprego, bem como da evidência de que, sem segurança no
emprego, todos os direitos dos trabalhadores quase se convertem numa miragem 46.

Ora, o direito ao trabalho/à estabilidade no emprego pressupõe a protecção do


trabalhador contra medidas que ponham em causa este direito fundamental, avultando a
aprovação de legislação que sancione o despedimento ilegal e que imponha à entidade
empregadora o dever de justa indemnização ao trabalhador despedido47.

Jorge Leite e Gomes Canotilho48 apontam para três dimensões essenciais do direito
à protecção/segurança no emprego:

1. A primeira é que a segurança no emprego é uma dimensão material autónoma do


direito do homem ao trabalho e à profissão.
2. A estabilidade no emprego é reconhecida no plano jurídico-constitucional como
um “bem”, “direito” ou “valor constitucional eminente, o que não pode deixar de
prevalecer nos casos de colisão ou conflito desse bem ou direito com outros bens
(mesmo se constitucionalmente reconhecidos, ao empregador «exemplos,
44
O sublinhado é nosso.
45
RAUL CARLOS VASQUES ARAÚJO/ ELISA RANGEL NUNES, Constituição da República de
Angola Anotada, tomo I, Gráfica Maiadouro, Luanda, 2014, p. 409. Este é um direito fundamental que
impõe que o Estado crie e promova políticas públicas a favor do emprego, consequentemente, a criação
de postos de trabalho, a valorização dos trabalhadores e o aumento da competitividade do país no
mercado internacional.
46
LEAL AMADO, Contrato …, OB. CIT., p. 46. “É certo que, nos últimos anos, a tutela tende a
deslocar-se da estabilidade no emprego para a empregabilidade do trabalhador, procurando-se proteger
o trabalhador não tanto no emprego mas sobretudo no mercado.”
47
RAUL ARAÚJO/ ELISA RANGEL, Constituição…, OB. CIT., p. 411.
48
JOSE JOAQUIM GOMES CANOTILHO/ JORGE LEITE, A Inconstitucionalidade da Lei dos
despedimentos, Separata do Numero especial do BFDUC – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor
António de Arruda Ferrer Correia, Coimbra, 1988, p. 25.
23
rentabilidade da empresa, racionalidade económica, direitos e interesses da
entidade patronal, etc.»).
3. A tutela da segurança no emprego é constitucionalmente valorada como limite
ao despedimento individual (art. 76.º CRA), resultando daqui duas
consequências, a) restrição à liberdade de conformação do legislador quanto à
densificação legal das «causas» ou «motivos» do despedimento; b) eficácia
directa relativamente à entidade patronal que está vinculada à observância e
respeito do direito à segurança no emprego dos trabalhadores.

O legislador constitucional apenas dispõe, no n.º 4 do art. 76.º CRA, que “o


despedimento sem justa causa é ilegal”. É de sublinhar que, como este conceito é
indeterminado, se originaram amplos debates, por outra, “o conceito de despedimento
sem justa causa é um conceito pré-constitucional, com um conteúdo jurídico-normativo
específico, como produto de uma segura evolução legislativa e doutrinaria” 49 , na
elevação deste conceito a nível constitucional releva-se a densificação do conceito
jurídico-normativo em si mesmo e, por outra, averiguar em que medida é que o conceito
constitucional recebeu ou transformou o conceito pré-constitucional.

Podemos assim invocar os candidatos positivos para o conceito de justa causa a


nível constitucional:

1) a justa causa liga-se a um comportamento ilícito e culposo do trabalhador


adoptado no âmbito das relações de trabalho ou deveres profissionais – isto é, nexo
material com o emprego do trabalhador.

2) o comportamento deve ser ilícito, culposo, injustificado e grave para existir justa
causa de despedimento.

3) O despedimento, como sanção disciplinar, derivado da existência de justa causa


só é justo se for necessário, adequado e proporcional à gravidade da falta do
trabalhador.

49
IBIDEM, p. 30.

24
4) o comportamento do trabalhador deve projectar-se no futuro da relação de
trabalho em termos de tornar impossível a sua subsistência50.

Verificados estes pressupostos numa relação concreta, pode-se concluir pela


existência de uma justa causa disciplinar.

O essencial da justa causa está na não funcionalização do trabalho aos interesses do


empregador e da não submissão daquele à mera conveniência da empresa ou do
empregador. Assim, a proibição expressa na Constituição angolana do despedimento
sem justa causa não veda em absoluto ao legislador ordinário a consagração de certas
causas de rescisão unilateral do contrato de trabalho com base em motivos objectivos,
desde que as mesmas não derivem de culpa do empregador ou do trabalhador e desde
que tornem praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral (referimo-nos
aqui a causas objectivas, não atribuíveis a uma culpa do trabalhador ou do empregador).

50
ANA LAMBELHO/ LUISA GONÇALVES, Poder disciplinar Justa Causa de despedimento, Quid
Juris, Lisboa, 2012, p. 29.
25
4. Reintegração

4.1. Breve olhar sobre a reintegração do trabalhador no direito


comparado
A reintegração é um dos efeitos da declaração judicial da ilicitude do despedimento,
vejamos como ela é encarada nos diversos ordenamentos jurídicos:

A) No Direito cabo-verdiano

Dispõe o art. 240.º do Decreto-Legislativo nº 5/2007 de 16 de Outubro que aprova o


Código Laboral Cabo-Verdiano, sob a epígrafe “Direitos do trabalhador despedido sem
justa causa”:

“1. O trabalhador despedido sem justa causa tem direito a ser reintegrado na
empresa, com a mesma categoria e antiguidade, bem como às retribuições
correspondentes ao período decorrido desde o despedimento até à reintegração.

2. Se o empregador obstar à reintegração do trabalhador é obrigado a pagar-lhe,


além das retribuições referidas no número anterior, uma indemnização no valor de dois
meses de retribuição por cada ano de serviço. A indemnização devida a trabalhadores
contratados por tempo determinado é igual às retribuições vincendas.

3. Para efeitos do número anterior, qualquer fracção de ano superior a 3 meses


conta-se como tempo completo de serviço.

4. As indemnizações previstas no presente artigo são calculadas com base na


retribuição que o trabalhador auferiria, se não tivesse sido despedido, com referência à
data em que deveria ser reintegrado.”

A Constituição cabo-verdiana (art. 63.º n.º 3) estabelece que “o despedimento sem


justa causa é ilegal”. A ilicitude do despedimento implica, em princípio, a reintegração
do trabalhador no seu posto de trabalho, com a mesma categoria e antiguidade de que
era titular à data do seu despedimento. É uma consequência lógica. Entretanto, neste
ordenamento, o direito à reintegração é frágil, na medida que neste ordenamento, a lei, a
doutrina e a jurisprudência atribuem esta faculdade ao empregador. Na realidade,
naquele ordenamento o empregador pode sempre opor-se à reintegração (sem qualquer
limitação). Por outro lado, não há uma solução clara para a situação em que, optando o
26
trabalhador pela indemnização substitutiva da reintegração, o empregador tenha
obrigação de pagá-la, caso pretenda aceitar a sua reintegração (até porque pode dar-se o
caso da reintegração lhe custar mais barato que a indemnização substitutiva)51. Assim,
quem verdadeiramente tem este direito é o empregador, posição confirmada pelo
Supremo Tribunal de Justiça de Cabo Verde nos seus Ac. de 30/12/8852 e Ac. 04/12/98,
que o considera como um direito potestativo do empregador.

B) No Direito moçambicano

Reza o art. 69.º da Lei n.º 23/2007 de 1 de Agosto, Lei do Trabalho de Moçambique,
sob a epígrafe “Impugnação do despedimento”:

“3. Sendo o despedimento declarado ilícito, o trabalhador deve ser reintegrado no


seu posto de trabalho e pagas as remunerações vencidas desde a data do despedimento
até ao máximo de seis meses, sem prejuízo da sua antiguidade.

5. Por opção expressa do trabalhador ou quando circunstâncias objectivas


impossibilitem a sua reintegração, o empregador deve pagar indemnização ao
trabalhador calculada nos termos do n.º 2 do art. 128.º”, «isto é uma indemnização
correspondente a quarenta e cinco dias por cada ano de serviço».

Neste ordenamento, se o despedimento for declarado ilícito, o empregador deverá


reintegrar o trabalhador com a manutenção da sua categoria profissional e antiguidade,
salvo se o trabalhador tiver optado por receber uma indemnização substitutiva da
reintegração, porém, o legislador admite igualmente a substituição da reintegração pela
indemnização, quando circunstâncias objectivas impossibilitem essa reintegração;
circunstâncias cuja declaração pelo tribunal devem ser requeridas pela entidade

51
SIMÃO GOMES MONTEIRO, Dever de Reintegração e de Indemnização em Sede do despedimento
Disciplinar Ilícito no Ordenamento Cabo-verdiano, Almedina, Coimbra, 2009, p. 83.
52
Lê-se neste acórdão: “É certo que na esteira do que defende o A. e ora apelado, muito boa gente
entende que a solução preconizada no dispositivo em causa para resolver os diferendos entre
trabalhador e entidade patronal é profundamente injusta, traduzindo-se numa violência para o
trabalhador, que assim pode ver-se despedido sem justa causa, mediante uma indemnização que não lhe
compense os prejuízos advenientes da perda do emprego. E certamente que muita razão terá quem assim
pense. Porém, por mais que eventualmente concordemos com essa linha de pensamento, entendamos que
a solução adoptada na lei é injusta ou imoral, não nos é permitido afastar a sua aplicação, pois que não
podemos apreciar a justiça ou moralidade dos preceitos legais. A tanto nos proíbe o n.º 2 do art. 8.º do
Código Civil de cabo-verde, que reza assim: o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob
pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo.” Vide GOMES MONTEIRO,
Dever…, OB. CIT., nota de rodapé número 85, p. 83.

27
empregadora e declaradas na sentença, nada obstando que o juiz a declare
oficiosamente, quando conclua ser objectivamente impossível53.

C) No Direito português

Neste ordenamento, dispõe o art. 389.º, com a epígrafe “efeitos da ilicitude do


despedimento”:

“1. Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:

a) a indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não


patrimoniais;

b) a reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo


da sua categoria e antiguidade”.

Isto salvo nos casos em que o trabalhador opte por uma indemnização, escolha que
deve ser exercida até ao termo da discussão em audiência final, nos termos do art. 391.º
n.º 1. Esta opção, uma vez exercida, é irrevogável: assim, se optar pela reintegração, não
poderá vir depois a mudar de ideias e a optar pela indemnização, sendo que o inverso
também verdadeiro 54 . Ou ainda nos casos da indemnização em substituição de
reintegração ser pedida pelo empregador, em caso de micro-empresas ou de
trabalhadores que ocupem cargos de administração ou de direcção, com fundamento em
factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e
perturbador do funcionamento da empresa (cfr. art. 392.º).

Esta última possibilidade de oposição à reintegração pelo empregador foi objecto de


uma acção preventiva de constitucionalidade, a qual resultou um extenso acórdão (cfr.
acordão do Tribunal Constitucional Português N.º 306/03), onde se fundamentava que

53
AAVV, Coord. JOÃO COSTA, Lei do Trabalho de Moçambique Anotada, Escolar editora, Lisboa,
2015, p. 158.
Sobre esta matéria, vide o Ac, de 02.11.2010, do Tribunal Supremo de Moçambique, Proc. 62/08-L, onde
se lê: “Em face do exposto, há que considerar improcedentes os fundamentos invocados para a rescisão
do contrato de trabalho por infração disciplinar, impondo-se em consequência a reintegração do
trabalhador no seu posto de trabalho e a sua indemnização pelo valor correspondente às remunerações
vencidas. Porém, na impossibilidade da reintegração, deverá ser paga ao trabalhador uma indemnização
a calcular…”.
Parece-nos que o tribunal ao decidir desta forma atribui a faculdade de escolha entre a reintegração e a
indemnização ao empregador, bastando para tal afirmar que existe um motivo objectivo que o
fundamente.
54
LEAL AMADO, Contrato…, OB. CIT. p. 419.

28
“a possibilidade de, face a um despedimento judicialmente considerado ilícito, o
trabalhador perder o direito a manter o seu posto de trabalho e a ser nele reintegrado,
desde que se verifiquem alguns pressupostos sobre os quais não tem qualquer
possibilidade de agir, é susceptível de constituir uma violação da garantia de
segurança no emprego e proibição de despedimentos sem justa causa consagrada no
artigo 53.º da CR.” Nesta apreciação o Tribunal Constitucional Português não deu
procedência ao pedido, pois considera que esta norma não viola nenhuma disposição
constitucional.

Apesar desta posição do Tribunal Constitucional, uma parte considerável da


doutrina considera esta orientação a menos correcta, por se considerar que há, de facto,
uma violação do princípio da segurança no emprego e que existe a proibição do
despedimento sem justa causa.

4.2. Inconstitucionalidade da opção dada ao empregador entre a


reintegração ou uma indemnização

Entre nós, reza o art. 209.º, sob a epigrafe “despedimento improcedente”, que:

“1. Se o tribunal competente declarar o despedimento improcedente, por


sentença transitada em jugado, deve o empregador proceder à reintegração imediata
do trabalhador no posto de trabalho, com as condições de que beneficiava
anteriormente, ou em alternativa, indemnizá-lo nos termos estabelecidos no art. 239.º 55

2. Se o trabalhador não pretender ser reintegrado, tem sempre direito à


indemnização a que se refere o número anterior.”

55
Art. 239.º “Indemnização por despedimento individual”
“1. A indemnização devida ao trabalhador em caso de decisão judicial de improcedência do
despedimento individual com a invocação de justa causa disciplinar, não havendo reintegração e em
caso de despedimento indirecto reconhecida respectivamente no n.º 1 do artigo 209.º e no n.º 5 do artigo
226.º é determinada multiplicando:
a) 50% do valor do salário base para os trabalhadores das grandes empresas, pelo número de
anos de serviço à data do despedimento;
b) 30% do valor do salário base para os trabalhadores das médias empresas, pelo número de
anos de serviço à data do despedimento;
c) 20% do valor do salário base para os trabalhadores das pequenas empresas, pelo número
de anos de serviço à data do despedimento;
d) 10% do salário-base para os trabalhadores das micro-empresas, pelo número de anos de
serviço à data do despedimento.
2. A indemnização calculada nos termos do número anterior tem sempre como valor mínimo o
correspondente ao salário-base de três meses, no caso das grandes e médias empresas, e de dois e um
mês, no caso das pequenas e micro-empresas, respectivamente.”

29
Neste regime, o trabalhador tem a faculdade de optar entre a reintegração e a
indemnização, isto é, em caso do empregador pretender reintegrar o trabalhador, por ser
mais económico e vantajoso para ele, poderá o trabalhador opor-se e com isso terá
direito à indemnização substitutiva da reintegração.

Este regime apresenta um desvio relativo ao despedimento nulo na medida em


que, naquele, o trabalhador poderá negar-se a ser reintegrado no âmbito de uma
declaração de nulidade, mas esta recusa tem o seu fundamento na liberdade de
desvinculação concedida por lei ao trabalhador, e deverá ser enquadrável na rescisão
unilateral do contrato de trabalho por parte do trabalhador sem justa causa, assim o
trabalhador terá apenas direito aos salários e complementos que deixou de receber até à
data em que seria reintegrado e nunca teria direito a indemnização substitutiva da
reintegração.

Relativamente ao empregador, parece-nos que o nosso ordenamento reconhece


eficácia ao despedimento improcedente, ficando o empregador com a obrigação de
indemnizar, podendo o empregador optar alternativamente entre reintegração do
trabalhador (restauração “in natura”) ou indemnização (o equivalente pecuniário)56. A
reintegração corresponderá a uma forma de execução do princípio da reconstituição
natural, referido em sede da responsabilidade civil, mas cuja lógica será aplicável no
domínio laboral57.

Em sede de despedimento nulo, a reintegração do trabalhador é obrigatória, fruto


da declaração da invalidade do despedimento. Ao invés, no despedimento
improcedente, o empregador tem uma obrigação alternativa, proceder à reintegração
imediata do trabalhador, ou, em alternativa, indemnizá-lo: estamos, neste caso, diante de
uma pura obrigação alternativa58, onde o empregador poderá escolher dentre as duas.

A particularidade do regime do despedimento improcedente é que não prioriza a


reposição natural (reintegração), em prejuízo da indemnização em dinheiro nos termos

56
MARCIA NIGIOLELA, O Exercício …, OB. CIT., p. 87.
57
MOMA CAPEÇA, Da Ilicitude …, OB. CIT., p. 114.
58
“Obrigações alternativas, são as obrigações que compreendem duas ou mais prestações, mas em que
o devedor se libera mediante a realização de uma só, daquela que vier a ser determinada por escolha.”
JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Livraria Almedina, Coimbra,
1970, p. 597.

30
regulados no art. 566.º CC. Ambas as obrigações encontram-se numa situação de
paridade, podendo o empregador escolher uma ou outra, o que consubstancia uma pura
obrigação alternativa59.

Assim, chegamos à inevitável conclusão de que em sede de despedimento


improcedente, a faculdade de reintegração é facultativa, tanto para o trabalhador como
para o empregador60.

Atribuindo-se ao empregador a faculdade de reintegrar ou não o trabalhador,


mesmo tendo o tribunal declarado o despedimento ilícito, por sentença transitada em
julgado, aceita-se que, em Angola, sejam admissíveis despedimentos sem justa causa
(imotivados), facto este que constitui uma clara violação dos princípios constitucionais
da segurança no emprego e da proibição do despedimento sem justa causa, nos termos
do art. 76.º da CRA.

Vozes há que consideram não existir inconstitucionalidade no art. 209.º na


medida em que o n.º 1 e o n.º 2 deste artigo devem ser interpretados em conjunto, tendo
em conta o preceito constitucional, e chegando-se à conclusão de que a faculdade de
opor-se a reintegração apenas é dada ao trabalhador. As mesmas fundamentam ainda
com o facto de não existir, no ordenamento jurídico angolano, valores indemnizatórios
diferentes consoante a não reintegração seja pedida pelo trabalhador ou pelo
empregador.

Respeitamos estes argumentos, pois, se esta faculdade de opor-se à reintegração


fosse dada apenas ao trabalhador, não haveria inconstitucionalidade, até porque seria a
posição desejável. Mas não nos parecem os mais correctos, pois não parece ser esta a
vontade do legislador laboral. Ademais, o facto de não haver valores indemnizatórios
diversos consoante a indemnização substitutiva da reintegração seja pedida pelo
trabalhador ou pelo empregador, não é determinante, é apenas uma opção legislativa.

59
Sobre o assunto, vide ainda MARCIA NIGIOLELA, O Exercício…, OB. CIT., p. 104.
60
No mesmo sentido, vide MENEZES LEITÃO, Direito…, OB. CIT., p. 285: “A lei dá assim ao
empregador a possibilidade de optar entre a reintegração ou uma indemnização.”
MOMA CAPEÇA, Da Ilicitude…, OB. CIT., p. 114. “A reintegração no caso angolano é uma faculdade
que cabe tanto ao empregador como ao trabalhador.”
MARCIA NIGIOLELA, O Exercício…, OB. CIT., p. 87.

31
A norma do art. 76.º CRA tem por fim, não apenas consagrar a obrigatoriedade
da motivação do despedimento, como garantir ao trabalhador a manutenção do posto de
trabalho. No fundo, é a tomada de consciência da ideia de que o contrato de trabalho
constitui a base de existência do trabalhador e que, por isso mesmo, o trabalhador só
deve ser privado do seu emprego quando para tal existam motivos que o ordenamento
considere como legítimos 61 . O carácter vital deste direito não se compagina com a
possibilidade de o empregador privar, sem justa causa, o trabalhador do seu emprego.

Porém, este regime do despedimento improcedente, contrariando a Constituição,


permite que, na prática, o empregador acabe por conseguir a cessação do contrato de
trabalho apesar do despedimento ter sido realizado “contra legem”. A própria exigência
de uma justificação para o acto de despedir acaba por ser completamente frustrada, o
que torna o contrato de trabalho excessivamente precário e sem nenhuma garantia de
estabilidade do emprego, já que basta ao empregador invocar determinados factos, ainda
que falsos ou insuficientes, e aplicar uma medida disciplinar de despedimento, apesar do
trabalhador recorrer e o tribunal declarar o despedimento ilícito (improcedente), basta
para isso que o empregador escolha a indemnização substitutiva da reintegração, para
que, na prática, haja efectivamente um despedimento sem justa causa. Isto é, na ordem
prática das coisas, o legislador ordinário autoriza o empregador a rescindir
unilateralmente o contrato de trabalho a troco, tão-só de uma compensação pecuniária
ao trabalhador despedido.

Como alguns autores afirmam, e bem, o mais comum será, naturalmente, a


opção pela indemnização ao invés da reintegração. “Não se vislumbra o porquê que um
empregador que tenha decidido despedir certo trabalhador venha a optar pela sua
reintegração, quando tem a possibilidade de manter a sua posição.”62 A existir, com
certeza, serão escassos, até porque, para se livrarem de trabalhadores tidos como

61
FURTADO MARTINS, Despedimento…, OB. CIT., p. 82.
62
MARCIA NIGIOLELA, O Exercício…, OB. CIT., p. 105.

Quanto ao ordenamento português, FURTADO MARTINS (Despedimento…, OB. CIT., p. 82) escreve:
“Deve observar-se que para a consagração de um sistema de verdadeira estabilidade não é suficiente o
reconhecimento da invalidade do despedimento ilícito. É ainda necessário que a declaração da
invalidade se siga a possibilidade de subsistência do contrato de trabalho, mesmo contra a vontade da
entidade patronal. Quando o Ordenamento concede ao empregador a possibilidade de opor-se à
continuação da relação de trabalho após a anulação do despedimento, não se alcança o efeito final
pretendido, pois, embora num momento posterior, o contrato de trabalho acabe efectivamente por se
extinguir.”

32
incómodos, será muitas vezes mais barato pagar-lhe esta indemnização, apesar de até
judicialmente se provar a inexistência de justa causa para o despedimento. Deixa, assim,
de haver o princípio da coercibilidade do vínculo laboral, uma vez que o contrato pode
ser rompido a todo o tempo pelo empregador.

Face a isto, num país como o nosso, onde o nível de desemprego é muito
elevado, conceder ao empregador a possibilidade de escolher entre a reintegração e a
indemnização, sendo que na prática ele opta sempre pela segunda (eliminação do direito
à reintegração de forma injustificada), é permitir que o direito contribua para a
precariedade do emprego, colocando em perigo, não apenas a estabilidade familiar,
como também a própria sociedade.

33
Considerações finais

Chegados ao termo da nossa investigação, somos chamados, à guisa de


conclusão, a tecer algumas considerações finais.

Tal como tivemos oportunidade de mostrar, o direito do trabalho percorreu um


longo caminho até à consagração dos seus princípios actuais. A sua função é, no fundo,
a de trazer civilidade e equilíbrio às relações existentes entre o trabalhador e o
empregador, não deixando aquele dependente do poder económico. Actualmente. com o
surgimento de fenómenos como a globalização, tende a haver uma certa flexibilização
das relações entre ambos, porém esta flexibilização deverá sempre estar ligada à
segurança, por isso falamos hoje em “flexissegurança” (flexibilidade + segurança =
flexissegurança).

Nesta ordem de ideias, acreditamos que o art. 209.º, ao permitir que o


empregador, em caso do tribunal declarar um despedimento como improcedente, opte
ou melhor, tenha a faculdade de escolher entre reintegrar ou indemnizar o trabalhador
(indemnização substitutiva da reintegração), viola de forma gravíssima o direito
à estabilidade no emprego e opõe-se à proibição constitucional de despedimentos sem
justa causa, consagrados no art. 76.º CRA.

O direito ao trabalho está intimamente ligado aos valores da dignidade da pessoa


humana e aos paradigmas do estado social de direito. Sendo assim, o critério da medida
legislativa deverá ter em conta que, para a ordem constitucional, o trabalho constitui um
importante meio de auto-realização do individuo e da sua família, que o trabalhador é
um fim em si mesmo, não é um simples meio para os planos da vida do empregador.

A estabilidade no emprego deve implicar a construção legislativa de um


conjunto de meios conducentes à sua realização. Mas a proibição dos despedimentos
sem justa causa apresenta-se como a «garantia das garantias».

Assim, defendemos que a proibição constitucional obriga à adopção por parte do


legislador de um regime que faça da manutenção do contrato, com a reintegração,
consequência normal da ilicitude do despedimento (improcedência ou nulidade). A
reintegração deve ser um efeito directamente decorrente desta ilicitude. Defendemos
ainda que a tutela reintegratória só poderá ser afastada quando valores constitucionais o

34
justifiquem, por exemplo, no contrato de trabalho doméstico, quando podem colidir
com valores constitucionais como a intimidade da vida privada e familiar e a
estabilidade no emprego. Quando tal não se verifique, a estabilidade no emprego deverá
prevalecer sempre.

35
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37

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