Despedimento Improcedente
Despedimento Improcedente
Despedimento Improcedente
1
Siglas e abreviaturas
ac. - acórdão
CC - Código Civil
Cfr. - Conferir
Coord. - Coordenado
Ed. - edição
proc. - processo
segs. - seguintes
TS - Tribunal Supremo
2
Introdução
Como é sabido, nas relações laborais não existe uma igualdade de armas entre o
trabalhador e o empregador, o trabalhador será sempre a parte mais débil da relação, e
neste sentido nunca se pode falar de uma igualdade. O empregador, como a parte mais
forte (detentora do poder económico), preferira sempre celebrar contratos por tempo
determinado, uma vez que o mesmo é menos oneroso aquando da sua extinção3. Por
isso, questionamos a constitucionalidade deste artigo, confrontando-o com os princípios
constitucionais da igualdade (art. 23.º e da estabilidade do emprego 76.º CRA). Como
observa, e bem, Leal Amado, “numa relação de poder como é, tipicamente, a relação
laboral, a liberdade contratual não existe, no plano substantivo, e não pode deixar de
1
Os artigos indicados sem expressa referência à fonte são artigos da Lei n.º 7/15, de 15 de Junho (Lei
Geral do Trabalho).
2
São as situações enumeradas no artigo 15.º n. 1 da anterior LGT: “O contrato de trabalho por tempo
determinado só pode ser celebrado nas seguintes situações:”. A seguir, o artigo continuava nas suas
alíneas (a, b, c, d, e, f, g, h, i, j, k), indicando as situações permitidas para a celebração de um contrato de
trabalho por tempo determinado.
3
O contrato por tempo determinado deve ser uma excepção, a regra é a celebração de contratos por tempo
indeterminado, garantindo desta forma a estabilidade do emprego.
3
ser fortemente condicionada no plano normativo.”4 Ora, é esta condicionalidade que o
legislador laboral não salvaguardou no caso em apreço.
Deixemos de lado estas questões por nós formuladas e passemos ao assunto que
nos propomos abordar, relativo ao art. 209.º artigo que tinha a mesma redacção na sua
antecessora (cfr. art. 229.º anterior LGT).
4
JOÃO LEAL AMADO, Contrato de Trabalho, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 26.
5
O sublinhado é nosso.
4
3. Além da reintegração ou indemnização previstas no n.º 1 deste artigo, são
sempre devidos ao trabalhador os salários base que teria recebido se estivesse a
prestar o trabalho, até à data em que obteve novo emprego ou até à data do trânsito em
julgado da sentença, se anterior ao novo emprego mas sempre com o limite máximo de
seis meses para as grandes empresas, de quatro meses para as médias empresas e de
dois meses para as pequenas e micro-empresas.”
5
1. Considerações gerais
Tal como já afirmado, o problema do emprego não é novo, remonta talvez a épocas
milenares, possivelmente pelo facto de o trabalho ser uma actividade inerente ao próprio
homem.
Na época romana, o trabalho era essencialmente efectuado pelos escravos, que eram
vistos como coisas, propriedade dos seus donos. Apesar de já nesta época existir um
trabalho prestado por conta de outrem, que coexistia com o trabalho escravo, aquele que
era prestado fora do quadro da família, o trabalho servilista, figura do trabalho
subordinado, era reconduzido no direito romano à figura da locação em sentido amplo8.
6
JORGE LEITE, Direito do Trabalho, Vol. II, Serviços de Textos da Universidade de Coimbra, 2004, p.
5.
7
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito do Trabalho, Livraria Almedina, Coimbra,
1997, p. 33.
8
IBIDEM., p. 37.
9
Cfr. LUIS MENEZES LEITÃO, Direito do Trabalho de Angola, 2.ª ed. Almedina, Coimbra, 2013, p.
22.
6
processo de trabalho, definindo os ritmos de laboração, salários, bem como cláusulas de
restrição da liberdade de trabalho. Este regime corporativo não tinha como apanágio a
defesa dos trabalhadores, antes pelo contrário, visava defender profissionalmente a
classe que pagava os salários, através do estabelecimento de um regime de monopólio
ou fixação de salários máximos10.
10
IDEM. Por isso é que, no exercício do poder regulamentar, apenas participavam os mestres, a eles
subordinando os companheiros, os oficiais e os aprendizes, que, na maioria das vezes, estipulavam em
contrato próprio com os mestres os deveres e obrigações das partes.
11
MIGUEL JOÃO DE SOUSA, A Flexibilização das Normas Trabalhistas e Suas Implicações nos
Princípios Peculiares do Direito Material do Trabalho Sob a Égide da Constituição Cidadã de 1988, In
Revista da ESMAT 13, ano 6, n.º 6, 2013, p. 213.
12
Este modelo “fordista-taylorista” baseia-se no modelo da grande indústria, que engloba todos os meios
de produção. Trata-se de um modelo vertical em que as empresas intervêm no seu conglomerado
industrial desde o momento da recepção da matéria-prima até ao transporte do produto final.
13
Este modelo rompe com a produção em massa das mercadorias pelas fábricas, horizontalizando a
estruturação empresarial. Verifica-se um fenómeno de subcontratação e de pulverização da grande
indústria em vários núcleos de trabalho.
7
de trabalho, exigindo-se assim aos trabalhadores jornadas exaustivas e com baixos
salários14.
Este fenómeno tem tido grande impacto na evolução das relações laborais, pois
conduziu a que a legislação laboral de cada país conferisse um importante peso às
14
ANDRE NÓBREGA BRANCO, Norteamento do Princípio da Proteção em Face da Flexibilização do
Trabalho, In Revista da ESMAT 13, ano 6, n.º 6, 2013, p. 32.
15
LEAL AMADO, Contrato …, OB. CIT., p. 24.
16
Globalização ou “globalismo” corresponde à fase do sistema capitalista, despontada no último quartel
do seculo XX, que se caracteriza por uma vinculação especialmente estreita entre os diversos subsistemas
nacionais, regionais ou comunitários, de modo a criar como parâmetro relevante para o mercado a noção
de globo terrestre, e não mais exclusivamente nação ou região. (cfr. JOÃO DE SOUSA, A Flexibilização
…, OB. CIT., p. 213.
17
MARIANA MORENO CUNHA, O Princípio Protetor na Sociedade Contemporânea, In Revista da
ESMAT 13, ano 6, n.º 6, 2013, p. 197.
8
decisões de investimento dos agentes económicos que actuam a nível global 18. Uma
consequência de vulto é “a deslocação de empresas”: mesmo quando já têm polos
instalados, os investidores preferem mudar-se para países mais flexíveis a nível laboral.
Países com legislações laborais mais rígidas têm mais dificuldades para atrair
investimentos e países com legislações mais flexíveis atraem mais investimentos, o que
origina graves problemas ao nível do emprego local.
Perante este cenário, os Estados são pressionados para tomarem algumas medidas,
destacando-se a desregulamentação e a flexibilização dos direitos dos trabalhadores19.
Este facto fez surgir vozes concordantes e discordantes20.
18
MENEZES LEITÃO, Direito …, OB. CIT. p. 29.
19
MARIANA CUNHA, O Princípio …, p. 204. É neste sentido que MENEZES LEITÃO (Direito …,
OB. CIT. p. 30) fala sobre a globalização como uma perversão do desenvolvimento do direito laboral,
pois a mesma pode levar a retrocessos: a concorrência entre os países, no sentido de atraírem
investimentos estrangeiros, condu-los a adaptar a legislação laboral em ordem a torná-la mais atractiva,
num processo que, extremado, pode afectar consideravelmente as condições de trabalho.
20
Algumas vozes que criticam esta posição assumida pelos Estados afirmam que se assiste à substituição
de uma ideologia de Estado por uma ideologia de mercado. Em sentido inverso, os neoliberalistas
afirmam que a exacerbada protecção ao trabalhador ocasiona sociedades menos competitivas em relação
às economias sem garantias, e que o excesso de protecção pode tornar-se causa de desemprego.
9
2. Factos extintivos das relações laborais
O art. 76.º n.º 4 da CRA proíbe o despedimento sem justa causa, “o despedimento
sem justa causa é ilegal, constituindo-se a entidade empregadora no dever de justa
indemnização ao trabalhador despedido, nos termos da lei”. Nesta sequência o art.
198.º da LGT consagra o direito do trabalhador à estabilidade de emprego: “o
trabalhador tem direito à estabilidade de emprego, sendo as razões susceptíveis de
extinção da relação laboral as previstas na lei”. Assim, o n.º 2 efectua uma
classificação das causas de extinção do contrato de trabalho, distinguindo entre: a)
causas objectivas, alheias à vontade das partes; b) por mútuo acordo; e c) decisão
unilateral de qualquer das partes, oponível a outra. Refere ainda o n.º 3 o caso particular
da extinção do contrato de trabalho por exoneração, quando este tenha sido constituído
por nomeação.
Entre as causas objectivas alheias à vontade das partes temos a caducidade (art.
199.º). Como se sabe, esta é a extinção do contrato em resultado da verificação de um
facto jurídico “strictu sensu”, ou seja, de um facto jurídico não voluntário. Assim
admite a LGT, no seu art. 199.º, que o contrato de trabalho possa caducar nas situações
seguintes: a) morte do trabalhador; b) incapacidade permanente, total ou parcial do
trabalhador, que o impossibilite de continuar a prestar o seu trabalho por período
superior a doze meses; c) reforma do trabalhador nos termos da legislação da protecção
social obrigatória; d) condenação do trabalhador por sentença transitada em julgado à
pena de prisão superior a um ano ou independentemente da sua duração nos casos
previstos por lei; e) morte, incapacidade total ou permanente ou reforma do empregador,
quando dela resultar o encerramento da empresa ou cessação da actividade; f) falência
ou insolvência do empregador e extinção da sua personalidade jurídica; caso fortuito ou
de força maior que impossibilite definitivamente a prestação ou o recebimento do
trabalho.
A extinção por mútuo acordo das partes, ou revogação (art. 200.º): “a todo o
tempo as partes podem fazer cessar o contrato de trabalho, por tempo determinado ou
indeterminado, desde que o façam por escrito, assinado pelas duas partes”. Esta
10
modalidade é, no fundo, a manifestação do princípio da autonomia da vontade das
partes, mas aqui em sentido inverso, isto é para a extinção (cfr. art. 406.º CC): “o
contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode… extinguir-se por mútuo
consentimento dos contraentes.”.
Temos ainda a resolução pelo trabalhador, que o legislador qualifica como rescisão
do contrato de trabalho pelo trabalhador com justa causa respeitante ao empregador (art.
226.º).
11
trabalhadores, verificados determinados pressupostos que conduzem à sua aplicação21.
É o chamado poder disciplinar22.
Reza o art. 46.º que o empregador tem poder disciplinar sobre os trabalhadores ao
seu serviço e que o pode exercer em relação às infrações disciplinares por estes
cometidas. Resulta deste artigo uma condicionante ao exercício do poder disciplinar que
é o da existência de uma infração disciplinar, definida pelo legislador como “o
comportamento culposo do trabalhador que viole os seus deveres resultantes da
relação jurídico-laboral, designadamente os estabelecidos no art. 44.º da presente lei”
(cfr. Art. 3.º n.º 18).
A) As medidas disciplinares
Prevê o art. 47.º, sob a epígrafe “medidas disciplinares”23, que pelas infracções
cometidas pelos trabalhadores pode o empregador aplicar as medidas disciplinares de:
a) admoestação verbal;
b) admoestação registada;
d) despedimento disciplinar.
12
exclusão da medida de despromoção temporária de categoria, com diminuição de salário
e da medida de transferência temporária do centro de trabalho, com despromoção e
diminuição de salário (cfr. al.s c) e d) do n.º 1 do artº 49 º da anterior LGT).
24
MARCIA NIGIOLELA, O Exercício …, OB. CIT., p. 74. Unilateral, porque é de iniciativa do
empregador; vinculado, porque o acto de despedir deve ser fundado em justa causa, não sendo permitidos
despedimentos imotivados; constitutivo, porque o acto de vontade do empregador produz efeitos por si
mesmo; e receptício, porque se torna eficaz depois de ter sido recebida pelo trabalhador, ou após dela ter
contraído conhecimento.
25
PEDRO FURTADO MARTINS, Despedimento Ilícito, Reintegração na Empresa e Dever de
Ocupação Efectiva: Contributos Para o Estudo dos Efeitos da Declaração da invalidade do
despedimento, Centro de estudos e do Trabalho da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 1992, p. 37.
13
Assim, o legislador angolano adoptou num ponto uma cláusula geral e noutro
26
ponto enumera situações exemplificativas da justa causa. Este sistema misto
contempla, por um lado, a definição do conceito de justa causa (205.º), e, por outro,
apresenta uma enumeração, meramente exemplificativa 27 , dos factos susceptíveis de
integrar o conceito (206.º).
26
A doutrina, não poucas vezes fala em sistema genérico e sistema taxativo de justa causa. O sistema
genérico consiste numa enunciação conceitual em que se não identificam factos que a integram. É um
conceito meramente de direito, competindo ao juiz a análise dos factos com vista à respectiva integração e
valoração.
O sistema taxativo é um sistema contrário ao genérico, uma vez que é constituído, exclusivamente, pela
enumeração tipificada dos factos que, como tal, integram a justa causa. Cfr. MESSIAS CARVALHO/
VITOR NUNES DE ALMEIDA, Direito do Trabalho e Nulidade do despedimento, Livraria Almedina,
Coimbra, 1984, pp. 203-204.
27
A doutrina angolana não é unanime na caracterização do artigo 206.º como sendo meramente
exemplificativo, fruto em parte do anterior regime constante no art. 225.º LGT, possuir o advérbio
“nomeadamente”, advérbio este eliminado da nova versão. Contudo continuamos a defender que o
legislador não teve a intenção de fechar o número de situações enquadráveis no artigo.
No mesmo sentido vide NORBERTO MOISÉS MOMA CAPEÇA, Os despedimentos à Luz da Nova Lei
Geral do Trabalho, Damer Gráficas S.A, 1.ª Ed. Luanda, Outubro 2015, p. 116. “ Neste sentido, e como
se os aplicadores do da lei pudessem retirar a noção de justa causa nesta enumeração que agora nos
parece exemplificativa, ao contrario da anterior LGT”. Não concordamos totalmente com a posição
defendida por este autor, uma vez que acreditamos que a anterior LGT também nos apresentava um leque
de situações exemplificativas e não taxativas como defende o autor.
Vide ainda, FRANCISCO LIBERAL FERNANDES/ MARIA REGINA REDINHA, Contrato de
Trabalho - Novo Regime Jurídico Angolano: Lei Geral do Trabalho, Lei n.º 7/15, de 15 de Junho, Vida
Económica, Porto, Julho 2015, p. 470. nota de rodapé n.º 234 “O legislador não tipificou (ao contrário do
que se verifica no direito penal) os comportamentos susceptíveis de serem considerados infracção
disciplinar, admitindo assim a possibilidade de serem sancionados disciplinarmente todos os actos de
incumprimento laboral do trabalhador (…) Se atendermos ao facto de a noção de infracção disciplinar
constante no art. 3.º n.º 18, possuir âmbito geral (abrangendo por isso o despedimento com justa causa)
e apresentar um conteúdo característico da técnica da enumeração exemplificativa, não nos parece ser
seguro concluir que a tipificação constante no art. 206.º é de caracter taxativo ou fechado, pelo que,
para além dos comportamentos aí descritos, devem, entre outros, ser consideradas para efeitos de
despedimento com justa causa subjectiva as acções ou omissões contrárias aos deveres enunciados no
art.44.º”.
14
A mesma posição é partilhada pelo Ac. do Tribunal Supremo de Angola, no
Proc. N.º1178/07 acerca da justa causa, o qual dispõe que o conceito de justa causa “é
um conceito normativo, tendo o seu volume normativo de ser preenchido
casuisticamente, através de actos de valoração. Todavia, tal valoração não deve
traduzir-se numa valoração pessoal-subjectiva do aplicador do direito ou do
empregador mas pautar-se por critérios objectivos que tenham em conta
comportamentos que, à luz de um critério social (aferição feita com base no
entendimento de um bom pai de família) se mostrem incompatíveis com a continuidade
do trabalhador ao serviço daquele ou de qualquer outro empregador, privado ou
público”.
B) Procedimento disciplinar
Para que o despedimento seja legal, exige a lei, além do pressuposto material
(verificação de justa causa), um pressuposto processual (adjectivo), que é o competente
processo disciplinar. Esse processo disciplinar consiste num conjunto de actos dirigidos
ao apuramento da verdade (cfr. art. 48.º), o que exige a audiência prévia do trabalhador
na aplicação de qualquer medida disciplinar (neste caso, despedimento), salvo tratando-
se de medidas disciplinares de admoestação verbal e a registada, sancionando-se com a
nulidade a sua falta. No fundo, com esta salvaguarda pretende-se dar a possibilidade ao
trabalhador de exercer o seu direito à defesa e fornecer os meios de prova disponíveis.
15
Contrariamente ao legislador português, o legislador angolano não distingue entre
processo disciplinar comum e processo disciplinar tendente à aplicação do
despedimento.
Assim o despedimento disciplinar é ilícito sempre que seja decretado fora dos
pressupostos legalmente previstos ou com inobservância dos procedimentos legalmente
estabelecidos28.
28
MENEZES LEITÃO, Direito…, OB. CIT., p. 284.
29
NORBERTO MOISÉS MOMA CAPEÇA, Da Ilicitude do despedimento Disciplinar e Suas
Consequências, Casa das Ideias, Luanda, 2012, p. 90.
16
Para assegurar um desenvolvimento mais claro, vamos abordar em separado os
efeitos da nulidade do despedimento e da improcedência do despedimento, atribuindo
mais destaque a este último.
Reza o art. 208.º n.º 1 que “o despedimento é nulo sempre que ao trabalhador não
lhe seja remetida ou entregue a convocação para a entrevista…, quando a entrevista
não se realize por culpa do empregador ou sempre que ao trabalhador não seja feita a
comunicação de despedimento…”. Continua o seu n.º 2: “é igualmente nulo o
despedimento que tenha por fundamento: a) as opiniões políticas, ideológicas ou
religiosas do trabalhador, b) a filiação ou não filiação sindical em determinado
sindicato, c) qualquer outro motivo que seja motivo de descriminação…”.
30
Relativamente a este segundo aspecto, vide ANTONIO VICENTE MARQUES/ MIGUEL LUCAS
PIRES, Comentário à Legislação Laboral Angolana, Polis Editores, Luanda, 2014, p. 281. A nulidade do
despedimento merece uma censura mais grave por parte do legislador, dado que, para além da ilicitude
dos motivos invocados, subsiste uma especial reprovação subjacente à justificação alegada, a qual radica
na violação de princípios constitucionais nos termos do n.º 2 do art. 23 da CRA.
31
MOMA CAPEÇA, Da Ilicitude…, OB. CIT., p. 91 “ O efeito anulatório implica a destruição
retroactiva de todos os efeitos produzidos pelo despedimento, ou seja, sendo o acto de despedir um acto
com efeito extintivo do contrato laboral, a destruição retroactiva deste acto extintivo, em relação à sua
ilicitude, implica um efeito positivo que consiste na manutenção do contrato de trabalho.”
17
Estando em causa vícios formais, a lei admite que o empregador, antes da
reintegração do trabalhador, possa suprir as irregularidades do procedimento disciplinar
num prazo de cinco dias, após a declaração da nulidade do despedimento (art. 208.º n.º
4).
O despedimento improcedente está previsto no art. 209.º e resulta dos demais vícios
não invocados no despedimento nulo. No fundo, o que está em causa na improcedência
do despedimento é a justa causa: o fundamento que o empregador apresenta para
despedir o trabalhador é que é insuficiente, ou em muitos casos inexistente 32, a não
verificação dos motivos que a lei entende como justificativos da aplicação dessa
sanção33.
32
IBIDEM, p. 112. Não basta que com o seu comportamento ilícito e culposo o trabalhador viole o seu
dever, é necessário que com essa violação seja impossível a manutenção do contrato de trabalho; é
necessário que com o comportamento do trabalhador estejam completamente deterioradas as condições de
conveniência entre o empregador e o trabalhador.
33
VICENTE MARQUES/ LUCAS PIRES, Comentário…, OB. CIT., p. 281.
34
MARCIA NIGIOLELA, O Exercício…, OB. CIT., p. 85, que acompanhamos de perto.
35
MENEZES LEITÃO, Direito…, OB. CIT., p. 285.
18
No mesmo sentido, conferir o Ac. TS Proc. N.º 1110/07, que julgou nula a decisão
do tribunal “a quo” por falta de audição de algumas testemunhas indicadas pelo
trabalhador, fundamentando que “o direito de defesa que assiste ao trabalhador se
traduz na mais ampla possibilidade de defesa que passa, necessariamente, pela
oportunidade de exercer o contraditório e oferecer os meios de prova que se mostrem
adequados e necessários”.
36
No mesmo sentido, vide MARCIA NIGIOLELA, O Exercício …, OB. CIT., p. 86.
37
Vide, MOMA CAPEÇA (Da Ilicitude…, OB. CIT., p. 97, que afirma haver uma violação do princípio
da igualdade consagrado no art. 18.º da Lei Constitucional (correspondente actualmente ao art. 23.º da
CRA), pois, se o que está em causa é a ilicitude do despedimento, tal como na nulidade, na improcedência
do despedimento deveriam ser pagos também os salários e os seus complementos. Continua o autor, seria
19
b) Deve ainda o empregador proceder à reintegração imediata do trabalhador no
posto de trabalho, com as condições de que beneficiava anteriormente, ou em
alternativa, indemnizá-lo nos termos do art. 239.º. «artigo 239.º que trata da
indemnização devida ao trabalhador em caso de decisão judicial de
improcedência do despedimento individual com a invocação de justa causa
disciplinar, não havendo reintegração» (cfr. art. 209.º n.º 1).
uma injustiça se, por exemplo, dois trabalhadores despedidos pela mesma causa, sendo um declarado
como despedimento nulo e outro como improcedente, aos dois fossem pagos de maneira diferente.
20
3. Valoração do direito fundamental ao trabalho
38
A nível económico, o Estado angolano reconhece constitucionalmente a existência de diversos sectores
de produção, onde destacamos o sector privado como um dos sectores fundamentais da organização
económica, o que vai ao encontro da protecção que é conferida ao direito de propriedade privada, bem
como de iniciativa privada (art. 14.º CRA): “o Estado respeita e protege a propriedade privada das
pessoas singulares ou colectivas e a livre iniciativa económica e empresarial exercida nos termos da
Constituição e da lei”.
39
JOSÉ JOÃO ABRANTES, Sobre a Constituição e a Crise do Favor Laboratoris em Direito do
Trabalho, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, II volume, FDUL, 2012, p. 276.
Relativamente à “constituição laboral”, MENEZES CORDEIRO (Manual …, OB. CIT., p. 138)
distingue:
“- a «constituição laboral formal» como o conjunto dos preceitos que, estando incluídos numa
constituição formal tenham a ver com o fenómeno do trabalho subordinado;
- da «constituição laboral material», que exprime o conjunto de normas e de princípios que estruturam e
legitimam determinada ordem jurídica na área do trabalho subordinado.”
40
Dentre os direitos fundamentais específicos dos trabalhadores, podemos destacar: direito ao trabalho e
dever de trabalhar (art. 76.º n.º 1), liberdade sindical (art. 50.º, direito à greve (art. 51.ª), direito à
formação profissional, a justa remuneração, a descanso, a férias, a protecção, a higiene e segurança no
trabalho (art. 76.º 2).
21
dos trabalhadores 41 ) devem ser encarados como componentes estruturais básicos do
contrato de trabalho42.
41
Designadamente: direito à vida (art. 30.º), direito à integridade pessoal (art. 31.º), direitos à integridade
pessoal, à capacidade civil, à nacionalidade, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra e à reserva da
vida privada e familiar (art. 32.º n.º 2), liberdade física e segurança pessoal (art. 36.º), etc.
42
JOÃO ABRANTES, Sobre a Constituição …, OB. CIT., p. 276.
43
ADRIANO MESQUITA DANTAS, Os Direitos Fundamentais nas Relações Trabalhistas: A Proteção
da Relação de Emprego Contra Despedida Arbitraria ou Sem Justa Causa a partir da Teoria da Eficácia
Horizontal, In Revista da ESMAT 13, ano 6, n.º 6, 2013, p. 12.
22
protecção, higiene e segurança no trabalho…”. Continua o n.º 4: “o despedimento sem
justa causa é ilegal, constituindo-se a entidade empregadora no dever de justa
indemnização ao trabalhador despedido, nos termos da lei”44.
O direito ao trabalho é entendido como o primeiro dos direitos sociais, aquele que
deu origem às lutas dos trabalhadores para que eles se consagrassem como direitos
fundamentais45.
Jorge Leite e Gomes Canotilho48 apontam para três dimensões essenciais do direito
à protecção/segurança no emprego:
2) o comportamento deve ser ilícito, culposo, injustificado e grave para existir justa
causa de despedimento.
49
IBIDEM, p. 30.
24
4) o comportamento do trabalhador deve projectar-se no futuro da relação de
trabalho em termos de tornar impossível a sua subsistência50.
50
ANA LAMBELHO/ LUISA GONÇALVES, Poder disciplinar Justa Causa de despedimento, Quid
Juris, Lisboa, 2012, p. 29.
25
4. Reintegração
A) No Direito cabo-verdiano
“1. O trabalhador despedido sem justa causa tem direito a ser reintegrado na
empresa, com a mesma categoria e antiguidade, bem como às retribuições
correspondentes ao período decorrido desde o despedimento até à reintegração.
B) No Direito moçambicano
Reza o art. 69.º da Lei n.º 23/2007 de 1 de Agosto, Lei do Trabalho de Moçambique,
sob a epígrafe “Impugnação do despedimento”:
51
SIMÃO GOMES MONTEIRO, Dever de Reintegração e de Indemnização em Sede do despedimento
Disciplinar Ilícito no Ordenamento Cabo-verdiano, Almedina, Coimbra, 2009, p. 83.
52
Lê-se neste acórdão: “É certo que na esteira do que defende o A. e ora apelado, muito boa gente
entende que a solução preconizada no dispositivo em causa para resolver os diferendos entre
trabalhador e entidade patronal é profundamente injusta, traduzindo-se numa violência para o
trabalhador, que assim pode ver-se despedido sem justa causa, mediante uma indemnização que não lhe
compense os prejuízos advenientes da perda do emprego. E certamente que muita razão terá quem assim
pense. Porém, por mais que eventualmente concordemos com essa linha de pensamento, entendamos que
a solução adoptada na lei é injusta ou imoral, não nos é permitido afastar a sua aplicação, pois que não
podemos apreciar a justiça ou moralidade dos preceitos legais. A tanto nos proíbe o n.º 2 do art. 8.º do
Código Civil de cabo-verde, que reza assim: o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob
pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo.” Vide GOMES MONTEIRO,
Dever…, OB. CIT., nota de rodapé número 85, p. 83.
27
empregadora e declaradas na sentença, nada obstando que o juiz a declare
oficiosamente, quando conclua ser objectivamente impossível53.
C) No Direito português
Isto salvo nos casos em que o trabalhador opte por uma indemnização, escolha que
deve ser exercida até ao termo da discussão em audiência final, nos termos do art. 391.º
n.º 1. Esta opção, uma vez exercida, é irrevogável: assim, se optar pela reintegração, não
poderá vir depois a mudar de ideias e a optar pela indemnização, sendo que o inverso
também verdadeiro 54 . Ou ainda nos casos da indemnização em substituição de
reintegração ser pedida pelo empregador, em caso de micro-empresas ou de
trabalhadores que ocupem cargos de administração ou de direcção, com fundamento em
factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e
perturbador do funcionamento da empresa (cfr. art. 392.º).
53
AAVV, Coord. JOÃO COSTA, Lei do Trabalho de Moçambique Anotada, Escolar editora, Lisboa,
2015, p. 158.
Sobre esta matéria, vide o Ac, de 02.11.2010, do Tribunal Supremo de Moçambique, Proc. 62/08-L, onde
se lê: “Em face do exposto, há que considerar improcedentes os fundamentos invocados para a rescisão
do contrato de trabalho por infração disciplinar, impondo-se em consequência a reintegração do
trabalhador no seu posto de trabalho e a sua indemnização pelo valor correspondente às remunerações
vencidas. Porém, na impossibilidade da reintegração, deverá ser paga ao trabalhador uma indemnização
a calcular…”.
Parece-nos que o tribunal ao decidir desta forma atribui a faculdade de escolha entre a reintegração e a
indemnização ao empregador, bastando para tal afirmar que existe um motivo objectivo que o
fundamente.
54
LEAL AMADO, Contrato…, OB. CIT. p. 419.
28
“a possibilidade de, face a um despedimento judicialmente considerado ilícito, o
trabalhador perder o direito a manter o seu posto de trabalho e a ser nele reintegrado,
desde que se verifiquem alguns pressupostos sobre os quais não tem qualquer
possibilidade de agir, é susceptível de constituir uma violação da garantia de
segurança no emprego e proibição de despedimentos sem justa causa consagrada no
artigo 53.º da CR.” Nesta apreciação o Tribunal Constitucional Português não deu
procedência ao pedido, pois considera que esta norma não viola nenhuma disposição
constitucional.
Entre nós, reza o art. 209.º, sob a epigrafe “despedimento improcedente”, que:
55
Art. 239.º “Indemnização por despedimento individual”
“1. A indemnização devida ao trabalhador em caso de decisão judicial de improcedência do
despedimento individual com a invocação de justa causa disciplinar, não havendo reintegração e em
caso de despedimento indirecto reconhecida respectivamente no n.º 1 do artigo 209.º e no n.º 5 do artigo
226.º é determinada multiplicando:
a) 50% do valor do salário base para os trabalhadores das grandes empresas, pelo número de
anos de serviço à data do despedimento;
b) 30% do valor do salário base para os trabalhadores das médias empresas, pelo número de
anos de serviço à data do despedimento;
c) 20% do valor do salário base para os trabalhadores das pequenas empresas, pelo número
de anos de serviço à data do despedimento;
d) 10% do salário-base para os trabalhadores das micro-empresas, pelo número de anos de
serviço à data do despedimento.
2. A indemnização calculada nos termos do número anterior tem sempre como valor mínimo o
correspondente ao salário-base de três meses, no caso das grandes e médias empresas, e de dois e um
mês, no caso das pequenas e micro-empresas, respectivamente.”
29
Neste regime, o trabalhador tem a faculdade de optar entre a reintegração e a
indemnização, isto é, em caso do empregador pretender reintegrar o trabalhador, por ser
mais económico e vantajoso para ele, poderá o trabalhador opor-se e com isso terá
direito à indemnização substitutiva da reintegração.
56
MARCIA NIGIOLELA, O Exercício …, OB. CIT., p. 87.
57
MOMA CAPEÇA, Da Ilicitude …, OB. CIT., p. 114.
58
“Obrigações alternativas, são as obrigações que compreendem duas ou mais prestações, mas em que
o devedor se libera mediante a realização de uma só, daquela que vier a ser determinada por escolha.”
JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Livraria Almedina, Coimbra,
1970, p. 597.
30
regulados no art. 566.º CC. Ambas as obrigações encontram-se numa situação de
paridade, podendo o empregador escolher uma ou outra, o que consubstancia uma pura
obrigação alternativa59.
59
Sobre o assunto, vide ainda MARCIA NIGIOLELA, O Exercício…, OB. CIT., p. 104.
60
No mesmo sentido, vide MENEZES LEITÃO, Direito…, OB. CIT., p. 285: “A lei dá assim ao
empregador a possibilidade de optar entre a reintegração ou uma indemnização.”
MOMA CAPEÇA, Da Ilicitude…, OB. CIT., p. 114. “A reintegração no caso angolano é uma faculdade
que cabe tanto ao empregador como ao trabalhador.”
MARCIA NIGIOLELA, O Exercício…, OB. CIT., p. 87.
31
A norma do art. 76.º CRA tem por fim, não apenas consagrar a obrigatoriedade
da motivação do despedimento, como garantir ao trabalhador a manutenção do posto de
trabalho. No fundo, é a tomada de consciência da ideia de que o contrato de trabalho
constitui a base de existência do trabalhador e que, por isso mesmo, o trabalhador só
deve ser privado do seu emprego quando para tal existam motivos que o ordenamento
considere como legítimos 61 . O carácter vital deste direito não se compagina com a
possibilidade de o empregador privar, sem justa causa, o trabalhador do seu emprego.
61
FURTADO MARTINS, Despedimento…, OB. CIT., p. 82.
62
MARCIA NIGIOLELA, O Exercício…, OB. CIT., p. 105.
Quanto ao ordenamento português, FURTADO MARTINS (Despedimento…, OB. CIT., p. 82) escreve:
“Deve observar-se que para a consagração de um sistema de verdadeira estabilidade não é suficiente o
reconhecimento da invalidade do despedimento ilícito. É ainda necessário que a declaração da
invalidade se siga a possibilidade de subsistência do contrato de trabalho, mesmo contra a vontade da
entidade patronal. Quando o Ordenamento concede ao empregador a possibilidade de opor-se à
continuação da relação de trabalho após a anulação do despedimento, não se alcança o efeito final
pretendido, pois, embora num momento posterior, o contrato de trabalho acabe efectivamente por se
extinguir.”
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incómodos, será muitas vezes mais barato pagar-lhe esta indemnização, apesar de até
judicialmente se provar a inexistência de justa causa para o despedimento. Deixa, assim,
de haver o princípio da coercibilidade do vínculo laboral, uma vez que o contrato pode
ser rompido a todo o tempo pelo empregador.
Face a isto, num país como o nosso, onde o nível de desemprego é muito
elevado, conceder ao empregador a possibilidade de escolher entre a reintegração e a
indemnização, sendo que na prática ele opta sempre pela segunda (eliminação do direito
à reintegração de forma injustificada), é permitir que o direito contribua para a
precariedade do emprego, colocando em perigo, não apenas a estabilidade familiar,
como também a própria sociedade.
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Considerações finais
34
justifiquem, por exemplo, no contrato de trabalho doméstico, quando podem colidir
com valores constitucionais como a intimidade da vida privada e familiar e a
estabilidade no emprego. Quando tal não se verifique, a estabilidade no emprego deverá
prevalecer sempre.
35
Bibliografia
AAVV, Coord. JOÃO COSTA, Lei do Trabalho de Moçambique Anotada, Escolar editora,
Lisboa, 2015.
JOÃO LEAL AMADO, Contrato de Trabalho, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2014.
JORGE LEITE, Direito do Trabalho, Vol. II, Serviços de Textos da Universidade de Coimbra,
2004.
36
LUIS MENEZES LEITÃO, Direito do Trabalho de Angola, 2.ª ed. Almedina, Coimbra, 2013.
MIGUEL JOÃO DE SOUSA, A Flexibilização das Normas Trabalhistas e Suas Implicações nos
Princípio Peculiares do Direito Material do Trabalho Sob a Égide da Constituição Cidadã de 1988, In
Revista da ESMAT 13, ano 6, n.º 6, 2013. (PP 213-239).
- Os despedimentos à Luz da Nova Lei Geral do Trabalho, Damer Gráficas S.A, 1.ª Ed.
Luanda, Outubro 2015.
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