Tratamento Clinico Das Feridas - Curativos

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Rev Med (São Paulo). 2010 jul.-dez.;89(3/4):137-41.

Tratamento clínico das feridas - curativos

Clinical treatment of wounds – dressings

Pedro Henrique de Souza Smaniotto1, Rafael Galli1,

Viviane Fernandes de Carvalho2, Marcus Castro Ferreira3

Smaniotto PHS, Galli R, Carvalho VF, Ferreira MC. Tratamento clínico das feridas – curativos.
Rev Med (São Paulo). 2010 jul.-dez.;89(3/4):137-41.

RESUMO: O tratamento das feridas inclui métodos clínicos e cirúrgicos, entre os clínicos, o
curativo é o mais frequentemente utilizado. Um vasto arsenal terapêutico, composto por curativos
passivos, os com princípios ativos, inteligentes, biológicos e terapia por pressão negativa é
capaz de auxiliar no reparo do tegumento em várias situações. Os curativos são utilizados para
melhorar as condições do leito da ferida podendo ser, em algumas ocasiões, o próprio tratamento
definitivo. Em muitas situações é apenas a etapa intermediária para o tratamento cirúrgico.
A opção do tipo de curativo a ser utilizado deve ser baseada no conhecimento das bases
fisiopatológicas da reparação tecidual sem nunca esquecer o quadro sistêmico do paciente.

DESCRITORES: Bandagens/utilização; Cicatrização; Cirurgia plástica.

1. Médico Residente de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
2. Enfermeira da Divisão de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (FMUSP).
3. Professor Titular da Disciplina de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FMUSP).
Endereço para correspondência: Pedro Henrique de Souza Smaniotto. Laboratorio de Investigação Médica (LIM 04) -
Av. Dr. Arnaldo, 455 - Sala 1363 - Cerqueira César - CEP: 01246903 - São Paulo , SP, Brasil.

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Rev Med (São Paulo). 2010 jul.-dez.;89(3/4):137-41.

O
interesse pelos cuidados com processo fisiológico de reparo tecidual exercida por
agressões ao tegumento nos remete sinalizadores (TGF-beta, PDGF, IGF-1, VEGF, FGF)
à Antiguidade1. O tratamento das não ocorre de forma adequada e os mecanismos
feridas inclui métodos clínicos e cirúrgicos. O curativo bioquímicos mediados por citocinas (TNF-alfa, IL-1,
é o tratamento clínico mais frequentemente utilizado2. INF-gama) não apresentam sucesso8. O processo de
A escolha do material adequado para o curativo reparo tissular não se completa de forma adequada
decorre do conhecimento fisiopatológico e bioquímico e consequentemente, não se restitui a integridade
da reparação tecidual. do tegumento.
Feridas são definidas como a perda da
Outro aspecto importante a ser destacado
solução de continuidade do tegumento, representadas
é que a não-resolução fisiológica adequada de
não apenas pela ruptura da pele e do tecido celular
uma ferida está intimamente associada à presença
subcutâneo, mas também, em alguns casos músculos,
de comorbidades sistêmicas tais como, infecção
tendões e ossos. As feridas são classificadas quanto
local, desnutrição, insuficiência vascular periférica,
à etiologia, complexidade e tempo de existência3.
diabetes, radioterapia e corticoterapia6.
Traumatismos, queimaduras, úlceras de
pressão, úlceras por estase venosa, feridas nos pés O tratamento das feridas cutâneas é dinâmico
diabéticos e feridas por radioterapia são exemplos e depende da evolução das fases da reparação
de algumas das etiologias encontradas na prática tecidual. Cabe aos profissionais da área da saúde
clínica. escolher a melhor opção.
Quanto à complexidade define-se ferida
simples como aquela que evolui espontaneamente
para a resolução seguindo os três estágios principais MATERIAIS DE CURATIVOS
da cicatrização fisiológica: inflamação, proliferação
celular e remodelagem tecidual4. Já as lesões que
Curativo é definido como um meio terapêu-
acometem extensas áreas, necessitam de métodos
tico que consiste na limpeza e aplicação de material
especiais para sua resolução, têm seu processo de
sobre uma ferida para sua proteção, absorção e
evolução natural alterado, ou representam ameaça à
drenagem de exsudatos, com intuito de melhorar as
viabilidade de um membro são denominadas feridas
condições do leito dessa ferida. Curativos podem ser,
complexas. Feridas recorrentes, depois de reparadas
em algumas ocasiões, o próprio tratamento definitivo;
com cuidados locais ou procedimentos cirúrgicos, que
em outras, apenas uma etapa intermediária para o
reabram ou necessitem de tratamento mais elaborado
tratamento cirúrgico.
são consideradas como complexas5.
Há, no mercado mundial, diversas opções
Ferreira et al.6, definiram como critérios para
de materiais que podem ser utilizados nas diferentes
considerar uma ferida como complexa: I) extensa
perda de tegumento, II) presença de infecção local, etapas de tratamento das feridas, a saber: na
III) comprometimento da viabilidade dos tecidos higienização, no desbridamento, para diminuição da
superficiais e IV) associação à doenças sistêmicas população bacteriana, para controle do exsudado e
que dificultam o processo fisiológico de reparação como estímulo à granulação.
tecidual. Fan et al. 9 classificam os curativos em
Quando fecham espontaneamente em até três passivos (Tabelas 1 e 2), curativos com princípios
semanas as feridas são definidas como agudas. Após ativos (Tabela 3), curativos inteligentes (Tabela 4) e
três semanas, crônicas. Alguns autores pregam que curativos biológicos (Tabela 5). A terapia por pressão
somente após três ou quatro meses de não resolução negativa idealizada por Argenta e Morikwas10 em
essas feridas seriam consideradas crônicas7. Porém, 1997 e introduzida no Brasil em 2003 por Ferreira et
em face às condutas mais modernas, tal definição al.11 também ganha espaço no arsenal terapêutico
não nos parece razoável. moderno como uma opção a mais no tratamento das
Nessas afecções a coordenação do feridas (Tabela 6).

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Smaniotto PHS, et al. Tratamento clínico das feridas - curativos.

Tabela 1. Exemplos de cobertura (curativos passivos) encontrados no mercado brasileiro

Composição Mecanismos de ação Indicações Contra indicações

Queimaduras de
Tela de acetato de profundidade parcial, Feridas infectadas e
Curativo aderente
celulose com vaselina Livre fluxo de exsudato. áreas doadoras e com grande volume de
(Rayon)
ou SF. receptoras de enxerto e exsudato.
lacerações.

Feridas com
Cobertura permeável a
Polímero de fechamento por
gases e impermeável à
poliuretano, com primeira intenção sem Feridas com
Filme transparente água e microrganismos.
adesivo de acrílico em exsudato e exsudação.
Manutenção do leito
uma das faces. Áreas doadoras de
úmido. Alívio da dor.
enxerto.

Tabela 2. Exemplos de curativos passivos encontrados no mercado brasileiro

Composição Mecanismos de ação Indicações Contra indicações

Poliuretano Absorção pouco exsudato. Proteção de


Feridas com grande
semipermeável (ext.) Mantém meio úmido. proeminência óssea
Hidrocolóide exsudação e
e celulose, gelatina e Alívio da dor (úlceras de pressão) e
infectadas.
pectina (int.). Estimula tecido granulação. Lesão parcial de pele.

Àlcool de polivinil, Ambiente hidrófilo Lesão parcial de pele e


Hidrogel poliacrilamidas e Retem umidade. Liquifação feridas com tecidos des- Feridas infectadas
polivinil. de necrose. vitalizados.

Fibras de O cálcio induz hemostasia.


Feridas abertas Lesões superficiais
algas marinhas Absorção de exsudatos.
Alginato de Cálcio exsudativas, cavitárias e com pouca
impregnadas com Mantém o meio úmido
sangrantes. exsudação e limpas.
cálcio. (desbridamento autolítico).

Tabela 3. Exemplos de curativos com principio ativo encontrados no mercado brasileiro

Composição Mecanismos de ação Indicações Contra indicações

Ação de cisteína em
dissolver seletivamente Hipersensibilidade à
Enzima proteolítica do Tecido desvitalizado,
Papaína substratos necróticos formulação ou dor.
látex do Carica papaya. necrose úmida ou seca.
(desbridante Feridas limpas e secas
enzimático).

Enzima proteolítica Degrada colágeno da Tecido desvitalizado,


Colagenase Feridas limpas e secas.
Clostridiopeptidase ferida. necrose úmida ou seca.

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Tabela 4. Exemplos de curativos inteligentes encontrados no mercado brasileiro

Composição Mecanismos de ação Indicações Contra indicações

Fibras de carvão Adsorção de exsudato Feridas fétidas,


Carvão ativado Feridas limpas e
ativado impregnado Diminuição do odor. exsudativas e
com prata secas.
com prata 0,15%. Prata é bacteriostática. infectadas.

Poliuretano ou silicone Alta absorção com isolamento


Feridas exsudativas,
entremeadas por bolhas térmico. Aderência do silicone Feridas limpas e
Espuma com prata colonizadas, superficiais
de ar impregnada com ao leito. secas.
ou profundas.
prata. Prata é bacteriostática.

Prata iônica causa precipitação


de proteínas e age na Feridas com infecção Hipersensibilidade
Placa de Prata Saís de prata.
membrana citoplasmática da superficial. à prata.
bactéria (bacteriostática).

Tabela 5. Exemplos de curativos biológicos encontrados no mercado brasileiro

Composição Mecanismos de ação Indicações Contra indicações

Agrega sinalizadores,
Feridas crônicas e
Colágeno bovino ou que coordenam a
anérgicas Experiência clínica
Matriz de colágeno suíno decelularizado ativação de fatores
(ex: diabéticos, úlceras ainda limitada.
com celulose oxidada. de crescimento
venosas).
endógenos.

Membrana de
Manutenção da
celulose produzida por Área doadora de Feridas muito
umidade da ferida e
Matriz de celulose Acinetobacter xylinum enxerto e feridas exsudativas e
ativação de fatores de
desidratada, acrescida superficiais. infectadas.
crescimento.
de poros artificialmente.

Lâmina de pele Grande queimado,


Substituto temporário Limitação de bancos de
Pele alógena humana de doador feridas complexas com
da pele humana. tecidos em nosso meio.
decelularizada. perdas extensas.

Tabela 6. Exemplos de curativo utilizando pressão subatmosférica como forma de preparação do leito da ferida

Composição Mecanismos de ação Indicações Contra indicações

Esponja, tubos Pressão subatmosférica, Feridas extensas e


Feridas com
Terapia por pressão conectores, película estímulo à vascularização, à de difícil resolução.
suspeita de lesões
negativa adesiva, reservatório e granulação, controle do edema Feridas complexas
malignas.
bomba de vácuo. e da população bacteriana agudas e crônicas

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Smaniotto PHS, et al. Tratamento clínico das feridas - curativos.

A utilização de curativos passivos é descrita sinalizadores são citocinas (fatores de crescimentos)


na literatura médica desde 1962 por Winter12 que que ganham importância crescente neste contexto.
demonstrou, em trabalhos experimentais, que a Tecidos alógenos ou heterógenos para uso
reepitelização ocorria mais rapidamente em feridas clínico, que substituem temporariamente a pele
ocluídas que naquelas expostas ao ar. Hinman e humana em lesões como queimaduras, feridas
Miabach13 posteriormente demonstraram resultados traumáticas, úlceras crônicas, ou ferimentos em
semelhantes em humanos. diabéticos são chamados de curativos biológicos.
Já os curativos com princípios ativos Esses substitutos dérmicos são descelularizados
possuem ação tópica local fiel às composições tornando-se imunologicamente inertes.
químicas que carreiam em suas fórmulas. Ganham Embora atualmente a variedade de curativos
destaque frequentemente no desbridamento e no seja cada vez maior e a pressão da indústria
controle da população bacteriana durante o preparo farmacêutica para ocupar espaço no mercado não
do leito de uma ferida. pare de crescer, ainda não se têm curativos ideais. Um
Quando um curativo consegue alterar o arsenal terapêutico vasto capaz de auxiliar o reparo
microambiente de um leito cruento crônico induzindo tecidual em varias situações já é uma realidade. Cabe
estímulos a sinalizadores endógenos responsáveis aos profissionais da saúde fazer a melhor escolha,
por orquestrar o reparo resolutivo de uma ferida sem nunca esquecer o quadro sistêmico que está
são denominados de curativos inteligentes9. Tais envolvido no tratamento de uma ferida.

Smaniotto PHS, Galli R, Carvalho VF, Ferreira MC. Clinical treatment of wounds - dressings.
Rev Med (São Paulo). 2010 jul.-dez.;89(3/4):137-41.

Abstract: The treatment of wounds includes clinical and surgical methods, among the clinical
the dressings are the most often used. A vast therapeutic arsenal it is composed by passive,
active, intelligent and biological dressings; negative pressure therapy - vacuum can also assist
various situations in wound repair. Dressings are used to improve the conditions of the wound
bed and in some occasions they can be considered the definitive treatment whereas in others,
only an intermediate step to the surgical treatment. The choice of material for the bandage
should included biochemical and physiopathological knowledge of the wound healing process,
keeping in mind the existing systemic problems of the patient.

KEY WORDS: Bandages/utilization; Wound healing; Surgery, plastic.

REFERÊNCIAS

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Cochrane Database Syst Rev. 2005;25(1):CD001737. Reynolds LP, Abdullah A, Abdullah KM. Wound healing:
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Elsevier; 2006. p.863-99. 12. Winter GD. Formation of the scab and the rate of
6. Ferreira MC, Tuma Jr P, CarvalhoVF, Kamamoto F. epithelization of superficial wounds in the skin of the young
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3. 1963;200:377-8.

Artigo recebido em: 05/06/2010


Artigo aceito em: 25/07/2010

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