2959 9436 1 PB
2959 9436 1 PB
2959 9436 1 PB
267-271, 2012
RESUMO - O processo de cicatrização se inicia imediatamente após a ocorrência de uma lesão para que o
tecido lesionado seja substituído por um tecido conjuntivo vascularizado, o que irá promover o reestabelecimento
da homeostase tecidual. Diante disso, e considerando que a pele é um tecido bastante exposto aos fatores
ambientais, também se faz necessária a compreensão da ação desses fatores na tentativa de minimizá-los e,
quando possível, extingui-los da terapia. O objetivo desta revisão é tornar mais claro esse processo tão comum na
rotina clínica dos profissionais de saúde bem como os fatores que nele interferem, para que esses profissionais
tomem as medidas necessárias diante de tal processo, auxiliando no estabelecimento da homeostase do animal.
ABSTRACT - The wound healing process starts immediately after the occurrence of an injury when the
damaged tissue is replaced by a conjunctive vascularized tissue. This will reestablish the tissue homeostasis.
Considering the skin is a tissue exposed to environmental factors, it is also necessary to understand such factors
and their actions and attempt to minimize them as much as possible, trying to keep them away from the treatment.
The objective of this study is to clarify this healing process which is familiar to health professionals and part of
their clinical routine, as well as the environmental factors that can interfere in it. That way, health professionals
can take the necessary measures before the process, assisting in the establishment of animal homeostasis.
*
Autor para correspondência: [email protected]
267
Acta Veterinaria Brasilica, v.6, n.4, p.267-271, 2012
Uma cobertura primária composta por fibrina O papel dos linfócitos na cicatrização não está bem
(coágulo) restabelece a hemostase e fornece um definido e permanece controverso. Porém, sabe-se
ambiente para que as plaquetas secretem fatores de que, com suas linfocinas, tem importante influência
crescimento (FCs), citocinas e elementos da matriz sobre os macrófagos (Mandelbaum et al., 2003).
extracelular (MEC) (Dário, 2008). O coágulo Aproximadamente, entre seis a sete dias após a
formado atua na coaptação das bordas da ferida, injúria, a quantidade de linfócitos que aparece na
minimizando a perda de sangue e fluidos, ferida é menor que na circulação. Eles secretam
protegendo o organismo contra penetração de linfocinas importantes, como o fator de inibição da
agentes exógenos e disponibilizando uma matriz migração (MIF), interleucina-2, fator de ativação de
provisória para o início da organização da ferida macrófago (MAF) e fatores quimiotáticos, além de
(Barbul, 2006). Os mediadores do processo aumentar o estágio inicial da cicatrização através da
inflamatório recrutam macrófagos e neutrófilos, que estimulação de macrófagos, células endoteliais e
secretam diversos fatores específicos, que regem as fibroblastos. Entretanto, sugere-se que os linfócitos
fases seguintes do processo de reparação tecidual T podem regular a atividade fibroblástica exuberante
(Irion, 2005; Santoro & Gaudino, 2005). a qual poderia, caso esta regulação não existisse,
ocorrer tardiamente na reparação cicatricial (Neto,
Fase inflamatória 2003).
268
Acta Veterinaria Brasilica, v.6, n.4, p.267-271, 2012
crescimento interno dos capilares (angiogênese) membrana basal subjacente e das células epiteliais
(Kumar et al., 2005). Como consequência da adjacentes, dando-lhes a capacidade de movimentar-
angiogênese, o tecido conjuntivo é formado, se lateralmente. Tão logo a reepitelização tenha
recebendo a denominação de tecido de granulação, completado toda superfície da ferida, as células
devido a sua aparência granular, pela presença de epiteliais revertem-se ao seu fenótipo normal, a
inúmeros capilares (Werner & Grose, 2003). membrana basal é reconstituída pelo novo epitélio e
hemidesmossomos e desmossomos são rearranjados
O tecido de granulação consiste primariamente em (Carvalho, 2002).
vasos sanguíneos invasores, fibroblastos e seus
produtos, como colágeno fibrilar, elastina, Remodelação
fibronectina, glicosaminoglicanas sulfatadas e não
sulfatadas e proteases. Esse tecido é produzido de Essa é a última fase de cicatrização, ocorre no
três a quatro dias após a indução da lesão, como um colágeno e na matriz; dura meses e é responsável
processo intermediário entre o desenvolvimento da pelo aumento da força de tensão e pela diminuição
malha formada por fibrina e fibronectina e a do tamanho da cicatriz e do eritema. É o período no
reestruturação de colágeno (Berry & Sullins, 2003). qual os elementos reparativos da cicatrização são
Uma vez restabelecidos o fluxo sanguíneo e a transformados para tecido maduro de características
oxigenação, o principal fator desencadeador da bem diferenciadas (Neto, 2003).
angiogênese é reduzido e os vasos neoformados
começam a diminuir (Neto, 2003). Durante a remodelagem ocorre diminuição da
atividade celular e do número de vasos sanguíneos,
A partir deste evento, inicia-se a fase de contração além de perda do núcleo dos fibroblastos, levando à
das paredes marginais da lesão. Esta ação é realizada maturação da cicatriz (Vieira et al., 2002). O número
pelos fibroblastos ativados, os quais se diferenciam de células diminui, mas aumenta a síntese e a
em miofibroblastos (Paganela et al., 2009). O produção de colágeno do tipo I. As fibras de
miofibroblasto é uma célula que está presente no colágeno, dispostas paralelamente às linhas de
tecido de granulação e confere capacidade contrátil, tensão, formam feixes de várias unidades,
reduzindo a área de sangramento e facilitando a preferencialmente intercruzadas, enquanto as fibras
epitelização (Sarandy, 2007). Ele contém fibras orientadas aleatoriamente são digeridas pela
intracelulares de actina e miosina e forma conexões colagenase. O conteúdo aquoso da matriz diminui,
especializadas, ou fibronexus, com a matriz aumentando a agregação das fibras de colágeno
extracelular e outras células dentro da cavidade da (Neto, 2003). Gradativamente os feixes de fibras
lesão. Os miofibroblastos aproximam as margens da colágenas tornam-se mais espessos, resultando em
ferida, forçando as fibras de colágeno a se uma configuração mais regular, que está diretamente
sobreporem e se entrelaçarem (Paganela et al., relacionada às forças mecânicas as quais o tecido
2009), sua atividade contrátil é responsável pelo está sujeito durante a atividade normal. Assim, a
fechamento das feridas após as lesões (Ramalho et lesão torna-se mais resistente após o colágeno ter
al., 2003). sofrido maturação (Oliveira, 2008). Com a evolução
do processo, acentua-se a deposição de colágeno e a
Ao final dessa fase ocorre a epitelização, etapa que maioria das células desaparece, observando-se a
levará ao fechamento das superfícies da lesão e que é apoptose de fibroblastos e células endoteliais,
iniciada pela migração de células epiteliais formando finalmente o tecido cicatricial (Balbino et
(queratinócitos) desde as margens da ferida al., 2005).
(Carvalho, 2002). Esta epitelização faz-se pelo
aumento de tamanho, divisão e migração das células
da camada basal da epiderme sobre a área de FATORES QUE INTERFEREM NA
reparação do tecido conjuntivo subjacente. Os CICATRIZAÇÃO
diferentes fatores de crescimento são responsáveis
pelo aumento de mitoses e consequente hiperplasia Embora não se possa acelerar o processo de
do epitélio (Mandelbaum et al., 2003). cicatrização, existem vários fatores, locais e
sistêmicos, que afetam adversamente a cicatrização
Concomitantemente à migração, as células sofrem das feridas (Neto, 2003). Além disso, há situações
alterações fenotípicas específicas, como retração dos onde a cura ocorre, mas de forma desorganizada
tonofilamentos intracelulares, dissolução dos (Halloran & Slavin, 2002).
desmossomos intercelulares e formação de actina
citoplasmática na periferia (Carvalho, 2002; Ehrlich Os fatores locais estão relacionados principalmente
& Diez, 2003). Tais alterações liberam as células da ao movimento e à presença de resíduos dentro da
269
Acta Veterinaria Brasilica, v.6, n.4, p.267-271, 2012
ferida, por exemplo: tecido necrosado, corpos granulação. Deficiências de vitamina C diminuem a
estranhos, contaminação bacteriana e hipóxia resistência da ferida à tensão e atrasam a cicatrização
tecidual. Estes fatores podem atuar como barreira da lesão. O magnésio é necessário para a síntese de
física para o desenvolvimento ordenado de tecido de proteínas e a deficiência do zinco dificulta a função
granulação e deposição de colágeno, ou podem das metaloproteinases da matriz (MMPs), que são
exagerar a inflamação, afetando a resposta essenciais para o colágeno e fase de remodelagem
inflamatória (Halloran & Slavin, 2002). (Halloran & Slavin, 2002).
Uma ferida em área com mobilidade alta, é propensa O efeito da temperatura na cicatrização de lesões
à inflamação crônica devido à perturbação repetitiva está aparentemente relacionado ao seu efeito no
dos novos capilares, depósitos de colágeno e tônus vasomotor periférico. Diminuições na
fragilidade do novo epitélio. Inversamente, a temperatura ambiental exercem uma vasoconstrição
completa imobilização da área ferida pode levar a reflexa autonômica, que reduz a microcirculação
um arranjo desorganizado do novo colágeno dentro local, através da diminuição da oxigenação e
da ferida, que diminui a força de tensão resultante nutrição tecidual (Neto, 2003). A temperatura mais
(Knottenbelt, 2003). baixa é um dos fatores que determinam os diferentes
padrões de cicatrização entre as diversas regiões
A presença de corpos estranhos no interior da ferida anatômicas do equino (Paganela et al., 2009).
é fonte de infecção e irritação (Knottenbelt, 2003),
mantendo a inflamação e resistindo às tentativas de Alguns medicamentos podem interferir na
controlar a infecção (Neto, 2003). Antes de instituir cicatrização de feridas, produzindo efeitos negativos
um tratamento, a presença de corpos estranhos deve sobre a pele, tornando-a mais suscetível ao
ser descartada em uma ferida. Se a presença de um surgimento de lesões e outras patologias cutâneas
corpo estranho é confirmada no interior da ferida, (Freitas et al., 2011). Os anti-inflamatórios
debridamento e lavagem são necessários para esteroidais restringem a fase inflamatória da
garantir limpeza e umidade no leito da mesma cicatrização causando efeito inibitório na taxa e
(Hendrickson & Virgin, 2005). qualidade da cicatrização. Como consequência,
ocorrem atrasos na formação de tecido de
Dentre os fatores locais, a infecção é a causa mais granulação, proliferação de fibroblastos e
importante do retardo da cicatrização. Deve-se neovascularização. Entretanto, o efeito de uma única
considerar que toda ferida está colonizada, já que as dose de esteróides pode não afetar as fases de
bactérias existentes na pele podem colonizar a lesão, cicatrização (Neto, 2003).
mas isso não significa que esteja infectada (Sarandy,
2007).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fluxo de sangue deficiente para a ferida aumenta o
risco de infecção, retardando a taxa de cura A cicatrização é um processo que está presente na
(Hendrickson & Virgin, 2005). Além disso, reduz a rotina clínica dos profissionais de saúde, dentre eles
perfusão tecidual, aumentando a hipóxia, os médicos veterinários. Por ser um evento
interferindo no metabolismo e no crescimento sistêmico, esse processo abrange uma gama de
celular, prejudicando a cicatrização (Sarandy, 2007). fatores que precisam interagir entre si para que haja
Já os fatores sistêmicos, que dificultam a uma evolução de forma eficiente. Esses mesmos
cicatrização, incluem estado nutricional, fatores, bem como as interações existentes entre eles,
hipovolemia, hipotensão, hipóxia, hipotermia, precisam ser bem elucidados para que os
infecção, trauma e uso de medicamentos anti- profissionais possam interferir no processo, tendo
inflamatórios (Neto, 2003). em vista que a aceleração do mesmo é muitas vezes
um dos principais objetivos terapêuticos na rotina
Várias deficiências dietéticas têm sido implicadas na clínica. O conhecimento sobre esse processo, aliado
cicatrização de feridas (Halloran & Slavin, 2002). às nuances particulares de cada paciente, serão as
Estudos têm demonstrado que a falta de proteínas, bases nas quais os profissionais deverão se apoiar
antes da ocorrência do ferimento, propicia a para instituir uma terapia cicatrizante, que irá
formação de reações teciduais menos exuberantes do culminar com o reparo tecidual e o
que quando a depleção ocorre após o ferimento reestabelecimento da homeostase do animal.
(Neto, 2003). A vitamina C (ácido ascórbico) é
essencial para a síntese de colágeno e também é
necessária para a produção de N-acetil
galactosamina, um componente de matriz e tecido de REFERÊNCIAS
270
Acta Veterinaria Brasilica, v.6, n.4, p.267-271, 2012
Carvalho P.T.C. 2002. Análise da cicatrização de lesões Paganela J.C., Ribas L.M., Santos C.A., Feijó L.S., Nogueira
cutâneas através de espectrofotometria: estudo experimental em C.E.W. & Fernandes C.G. 2009. Abordagem clínica de feridas
ratos diabéticos. Dissertação de mestrado, Universidade de São cutâneas em equinos. RPCV. 104(569-572):13-18.
Paulo, São Carlos. 72p.
Panobianco M.S., Sampaio B.A.L, Caetano E.A., Inocenti A. &
Dário G.M. 2008. Avaliação da atividade cicatrizante de Gozzo T.O. 2012. Comparação da cicatrização pós-mastectomia
formulação contendo argila medicinal sobre feridas cutâneas em entre mulheres portadoras e não-portadoras de diabetes mellitus.
ratos. Dissertação de mestrado, Universidade do Extremo Sul Rev. Rene. 11:15-22.
Catarinense, Criciúma, 78p.
Ramalho L.N.Z., Sérgio Z., Ramalho, F.S., Castro-e-Silva Jr. O.
Ehrlich H.P. & Diez T. 2003. Role for gap junctions intercellular & Corrêa F.M.A. 2003. Efeito de agentes anti-hipertensivos sobre
communications in wound repair. Wound Repair and as células estreladas durante a regeneração hepática em ratos.
Regeneration. 11:481-489. Arq. Gastroenterol. 40(1).
Freitas M.C., Medeiros A.B.F., Guedes M.V.C., Almeida P.C., Rocha Junior A.M., Oliveira R.G., Farias R.E., Andrade L.C.F &
Galiza F.T. & Nogueira J.M. 2011. Úlcera por pressão em idosos Aerestrup F.M. 2006. Modulação da proliferação fibroblástica e
institucionalizados: Análise da prevalência e fatores de risco. Rev da resposta inflamatória pela terapia a laser de baixa intensidade
Gaúcha Enferm. 32(1):143-150. no processo de reparo tecidual. An. Bras. Dermatol. Rio de
Janeiro, 81(2):150-156.
Halloran C.M. & Slavin J.P. 2002. Pathophysiology of Wound
Healing. Surgery (Oxford). The Medicine Publishing Company Santoro, M.M. & Gaudino G. 2005. Cellular and molecular facets
Ltd. 5(1):i-v. of keratinocyte reepithelization during wound healing.
Experimental Cell Research. 304:274-286.
Hendrickson D. & Virgin J. 2005. Factors that affect equine
wound repair. Vet Clin Equine. 21:33–44. Sarandy M.M. 2007. Avaliação do efeito cicatrizante do extrato
de repolho (Brassica oleracea var. capitata) em ratos wistar.
Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Viçosa,
Irion G. 2005. Feridas: novas abordagens, manejo clínico e atlas
Viçosa. 49p.
em cores/Glenn L.Irion; tradução João Clemente Dantas do Rego
Barros. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, p.390.
Shimizu T. 2005. Role of macrophage migration inhibitory factor
(MIF) in the skin. Journal of Dermatological Science. 37:65-73.
Knottenbelt D.C. 2003. Handbook of equine wound
management. Liverpool, UK: WB Saunders.
Vieira C.S.C.A, Magalhães E.S.B. & Bajai H.M. 2002. Manual
de condutas para úlceras
Kumar V, Abbas AK, Fausto N. 2005. Robbins e Cotran –
Patologia: bases patologicas das doencas. 7a ed. Elsevier, Rio
de Janeiro. neutróficas e traumáticas. Caderno de reabilitação em
Hanseníase. 2:52.
Lima R.O.L., Rabelo E.R., Moura V.M.B.D., Silva L.A.F.,
Tresvenzol L.M.F. 2012. Cicatrização de feridas cutâneas e Werner S. & Grose R. 2003. Regulation of wound healing by
métodos de avaliação. Revisão de literatura. Revista CFMV. Ano growth factors and cytokines. Physiological Reviews. 83
XVIII. 56:53-59.
271