Zizek - Mapa Da Ideologia
Zizek - Mapa Da Ideologia
Zizek - Mapa Da Ideologia
,!
UM MAPA
DA IDEOLOGIA
Theodor Adorno· Peter Dews· Seyla Benhabib
Jacques Lacan . Louis Althusser • Michel Pecheux
Nicholas Abercrombie· Stephen Hill
Bryan S. Turner· Goran Therborn • Terry Eagleton
Richard Rorty • Michele Barret· Pierre Bourdieu
Fredric Jameson· Slavoj Zitek
Organiza<;ao
Slavoj Zitek
Tradw;:ao
Vera Ribeiro
Revisao de tradw;:ao
Cesar Benjamin
1a reimpressao
(OnTRAPonTO
Titulo original: Mapping Ideology
© Verso 1994
© da tradw;:ao, Vera Ribeiro 1996
Projeto grafico
Regina Ferraz
Revisao tipogdfica
Tereza da Rocha
Urn mapa da ideologia / Theodor W. Adorno ... let. al.I j organizayao Slavoj Zitek;
tradu~ao Vera Ribeiro. - Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
337 p.
CDD-IOO
1
14
Slavoj Zizek
Segundo La(an, nao foi ninguem senao Karl Marx quem inventou a nO'fao de
sintoma. Sera essa tese lacaniana apenas urn dito espirituoso, uma vaga analogia,
ou possuira ela urn fundamento te6rico pertinente? Se Marx realmente articulou
a noc;:ao de sintoma, tal como tambem a vemos operar no campo freudiano, de-
vernos formular-nos a pergunta kantiana concernente as "condi<;6es (epistemo-
16gicas) de possibilidade" desse encontro: como foi passivel que Marx, em sua
amHise do mundo das mercadorias, produzisse uma no<;3.o que tambem se aplica
a analise dos sonhos, dos fenomenos histericos e assim por diante?
A resposta e que hi uma homologia fundamental entre as metodos interpre-
tativos de Marx e de Freud - mais precisamente, entre suas respectivas amllises
da mercadoria e do sonho. Em ambos os casos, a questao e evitar 0 fascinio pro-
priamente fetichista do "conteudo" supostamente oculto por tras da forma: 0
"segredo" a ser revelado pela analise nao e 0 conteudo oculto pela forma (a for-
ma da mercadoria, a forma do sonho), mas, ao contrario, 0 "segredo" dessa pro-
pria forma. 0 entendimento teo rico da forma dos sonhos nao consiste em des-
vendar, a partir do conteudo manifesto, seu "cerne oculto", os pensamentos
latentes do sonho; consiste na resposta a pergunta: por que os pensamentos la-
tentes do sonho assumiram essa forma, por que foram transpostos para a forma
de urn sonho? 0 mesmo acontece com as mercadorias: 0 verdadeiro problema
nao e penetrar no "cerne oculto" da mercadoria - na determinac;:ao de seu va-
lor pela quantidade de trabalho consumida em sua produ<;ao - , mas explicar
por que 0 trabalho assumiu a forma do valor de uma mercadoria, por que ele s6
consegue afirmar seu carater social na forma-mercadoria de seu produto.
A notoria pecha de "pansexualismo" com que se censura a interpretac;:ao freu-
diana dos sonhos ja e lugar-comum. Hans-lurgen Eysenck, urn severo critieo da
psican~lise, ha muito observou urn paradoxo crucial na abordagem freudiana
297
UM MAPA DA IDEOLOGIA
No fundo, os sonhas nada mais sao que uma forma particular de pensa-
mento, possibilitada pelas condi<;:6es do estado de sana. E 0 trabalho do sonho
que cria essa forma, e somente ele e a essencia do sonho - a explica<;:ao de sua
natureza peculiar. 4
• Primeiro, devemos eliminar a aparencia de que urn sanha nada mais e que
uma simples confusao sem sentido, urn disturbio causado por processos fi-
sio16gicos e, como tal, nada tern a ver com a significa<;:ao. Em outras pala-
vras, devemos dar urn passo crucial em dire<;:3.o a uma abordagem herme-
neutica e conceber 0 sonho como urn fenomeno dotado de sentido, como
algo que transmite uma mensagem recalcada, que tern que ser descoberta
por urn metodo interpretativo;
• Depois, temos de nos livrar do fasdnio desse nucleo de significa'riio, do
"sentido oculto" do sonho - isto e, do conteudo escondido por tn1s
da forma de Urn sonho - e centrar nossa aten'riio nessa forma ela mesma,
no trabalho do sonho a que os "pensamentos oniricos latentes" foram sub-
metidos.
Devemos, portanto, dar outro passo crucial e analisar a genese da propria forma-
mercadoria. Nao basta reduzir a forma a essen cia, ao nueleo oculto; devemos
tambem examinar 0 processo - homologo ao "trabalho do sonho" - mediante
o qual a conteudo oculto assume essa forma, pais, como assinala Marx: "De
onde vern, portanto, 0 carater enigmatico do produto do trabalho, tao logo ele
assume a forma de mercadorias? Claramente, dessa propria forma."6 E esse passo
em direc;ao agenese da forma que a economia politica classica nao consegue dar,
e e essa sua fraqueza crucial:
A economia politica efetivamente analisou 0 valor e sua magnitude, nao im-
porta quao incompletamente, e desvendou 0 conteudo oculto nessas formas.
Mas nunca se perguntou, uma vez sequer, por que esse conteudo assumiu tal
forma particular, isto e, por que 0 trabalho se expressa num valor, e por que a
mensura<rao do trabalho por sua dura<;:ao expressa-se na magnitude do valor
do produto.'
Vma moeda traz estampada em seu corpo a injun<;:ao de que deve servir como
meio de troca, e nao como objeto de usa. Seu peso e pureza metalica sao ga-
rantidos pela autoridade emitente, de modo que, quando ela perde peso pela
desgaste da circula~ao, assegura-se sua repasi~aa plena. Sua materia fisica tor-
nau-se, visivelmente, mera portadora de sua fun~ao sacial. 1O
Portanto, se a "abstrac;ao real" nada tern a ver com 0 nivel da "realidade", das
propriedades efetivas de urn objeto, seria erroneo, par essa razao, concebe-la
como uma "abstrac;ao do pensamento", como urn processo que ocorra no "inte-
rior" do sujeito pensante: em relas:ao a esse "interior", a abstrac;ao pertinente ao
ate de troea e irredutivelmente externa, descentrada - OU, para citar a concisa
formula,ao de Sohn-Rethel: "A abstra,ao da troca nao eo pensamento, mas tern
a forma do pensamento."
Aqui temos uma das definic;6es possiveis do inconseiente: a forma de pensa-
mento cujo status ontologico nao e 0 do pensamento, ou seja, a forma de pensa-
mento externa ao pr6prio pensamento - em suma, uma Outra Cena, externa ao
pensamento, mediante a qual a forma do pensamento ja e articulada de antemao.
A ordem simb61ica e precisamente uma ordem formal desse tipo, que suplemen-
ta e/ou rompe a relas:ao dual da realidade factual "externa" com a experieneia
subjetiva "interna"; Sohn-Rethel, portanto, esta perfeitamente justificado em sua
critica a Althusser, que concebe a abstras:ao como urn processo que ocorre intei-
ramente no campo do conhecimento e, par essa razao, rejeita a categoria da "abs-
trac;ao real" como a expressao de uma "confusao epistemo16gica". A "abstrac;ao
real" e impensavel no contexto da fundamental distin,ao epistemologica althus-
seriana entre 0 "objeto real" e 0 «objeto do conhecimento", na medida em que
introduz urn terceiro elemento que subverte a proprio campo dessa distins:ao: a
forma do pensamento anterior e externa ao pensamento - em suma, a ordem
simb6lica.
Agora podemos formular com exatidao a natureza "escandalosa" da iniciativa
de Sohn-Rethel para a reflexao filosofica: ele confrontou 0 circulo fechado dessa
reflexao com urn lugar externo em que sua forma ja e <'encenada". A reflexao
ftlos6fica, portanto, fica sujeita a uma experiencia de estranheza, semelhante a
resumida na antiga f6rmula oriental "tu es isto": ali, oa efetividade externa do
processo de troca, e teu lugar adequado; e ali a teatro em que tua verdade foi
encenada antes que tomasses conhecimento dela. 0 confronto com esse lugar e
insuportavel, porque a filosofia como tal se define por sua cegueira em relaC;ao a
COMO MARX INVENTOU 0 SINTOMA?
esse lugar: ela nao po de leva-Io em considera<;:ao sem dissolver a si mesrna, sem
perder sua consistencia.
Isso nao significa, por outro lado, que a ~onsciencia "pratica" cotidiana, em
contraste com a filosofico-teorica - a consciencia dos individuos que partici-
pam do ato de troca- nao esteja iguahnente sujeita a uma cegueira complemen-
tar. Durante 0 ato de troca, os individuos procedem como "solipsistas praticos",
desconhecem a fun<;:ao socio-sintetica da troca: e esse 0 nivel da "abstra<;:ao real"
como forma de socializa<;:ao da prodw;ao privada, por intermedio do mercado:
"0 que os donos da mercadoria fazem numa rela<;:ao de troea e urn solipsismo
pr<itico - a despeito do que pensem e digam sobre ela. "11 Esse desconhecimento
e a condi<;:ao sine qua non da efetiva<;:ao de urn ato de troca - se os participantes
reparassem na dimensao da "abstra<;:ao real", 0 proprio ato <cefetivo" de troca ja
nao seria possivel.
Assim, ao falar do carater abstrato da troca, devemos ter 0 cui dado de nao
aplicar esse termo a consciencia dos agentes da troca. Eles estao supostamente
ocupados com a uso das mercadorias que veem, mas ocupados apenas em sua
imagina<;:ao. Eo ate da troca, e somente a ato, que e abstrato. C... ) 0 carater
abstrato desse ato nao pode ser notado quando acontece, porque a consciencia
de seus agentes esta tomada pela negociacrao e pela aparencia empirica das coi-
sas, que se refere a seu usa. Dir-se-ia que 0 carater abstrato de seu ato esta alem
do reconhecimento dos atores porque a pr6pria consciencia deles interfere. Se
o carater abstrato Ihes cativasse a mente, seu ato deixaria de ser uma troea e a
abstracrao nao surgiria. 12
lidade; antes, e essa mesma realidade que ja deve ser concebida como "ideologi-
ca": "ideo16gica" e uma realidade social cuja pr6pria existencia implica 0 nao-co-
nhecimento de sua essencia por parte de seus participantes, ou seja, a efetividade
social cuja propria reprodus:ao implica que os individuos "nao sabem 0 que fa-
zem". "Ideo16gica" nao e a 'lalsa consciencia" de um ser (social), mas. esse pr6prio
ser, na medida em que ele esustentado pela 'lalsa consciencia". Chegamos final-
mente a dimensao do sintoma, pois uma de suas definis:oes possfveis seria, igual-
mente, "uma formas:ao cuja propria consistencia implica urn certo nao-conhe-
scimento por parte do sujeito": 0 sujeito so pode "gozar com seu sintoma" na
medida em que sua logica Ihe escapa - a medida do sucesso da interpreta,ao do
sintoma e, precisamente, sua dissolus:ao.
o SINTOMA SOCIAL
..
COMO MARX INVENTOU 0 SINTOMAl 307
cadorias ainda nao atingiu urn carater universal - isto e, quando 0 que predo-
mina ainda e a chamada "produ'fao natural" - , os pr6prios proprietarios dos
meios de produ~ao ainda sao produtores (pelo menos em regra geral): trata-se de
uma produ'fao artesanal; os pr6prios proprietarios trabalham e vendem seus .
produtos no mercado. Nesse estagio de desenvolvimento, nao ha explora'fao (ao
menos em principio, isto e, se nao considerarmos a explora<;ao dos aprendizes e
assim por diante); a troca no mercado e feita com equivalentes, toda mereadoria
recebendo como pagamento seu valor pleno. Mas, tao logo a produ~ao para 0
mercado prevaleee no edificio economieo de uma dada sociedade, essa generali-
zariio e necessariamente acompanhada pelo aparecimento de urn novo tipo para-
doxal de mercadoria: a for~a de trabalho, os trabalhadores que nao sao donos dos
meios de produ'fao e que, por conseguinte, sao obrigados a vender no mercado
seu pr6prio trabalho, em vez dos produtos desle.
Com essa nova mercadoria, a troca de equivalentes transforma-se em sua ne-
ga~ao - na pr6pria forma de explora~ao, de apropria~ao da mais-valia. 0 aspec-
to crucial que nao se pode perder de vista aqui eque essa nega'fao e estritamente
interna a troca de equivalentes, e nao sua simples viola'fao: a for'fa de trabalho
nao e «explorada" no sentido de seu pleno valor nao ser remunerado; em princi-
pia, pelo menos, a troea entre 0 trabalho e 0 capital e plena mente equivalente e
eqiiitativa. 0 problema eque a for~a de trabalho euma mercadoria peculiar, cujo
uso - 0 trabalho em si - produz uma certa mais-valia, e esse excedente que
ultrapassa 0 valor da pr6pria for~a de trabalho eapropriado pelo capitalista.
Aqui temos, mais uma vez, urn certo Universal ideol6gico (0 da troea equiva-
lente e eqiiitativa) e uma troca paradoxal particular (a da for~a de trabalho por
seus salarios) que, precisamente como urn equivalente, funciona como a pr6pria
forma da explora'fao. 0 desenvolvimento "quantitativo" em si, a universaliza<;ao
da produ'fao de mereadorias, promove uma nova «qualidade", a emergenda de
uma nova mercadoria que representa a nega'fao interna do principio universal da
troea equivalente de mercadorias; em outras palavras, ela acarreta urn sintorna.
E, na perspectiva marxista, 0 sodalismo utopico consiste na cren'fa em que e pos-
sivel uma sodedade em que as rela'foes de troea sejam universalizadas e em que
predomine a produ'fao para 0 mercado, mas na qual os trabalhadores, ainda
assirn, sejam proprietarios de seus meios de produ'fao e, portanto, nao sejam
explorados - em suma, 0 componente "ut6pico" transmite a cren'fa na possibi-
lidade de uma universalidade sem seu sintoma, sem a ponto de exce'fao que fun-
dona como sua nega'fao interna.
Essa e tambem a logiea da critica marxista a Hegel, da nocrao hegeliana da
sodedade como totalidade radonal: assim que tentamos eoneeber a ordem social
existente como uma totalidade racional, temos de incluir nela urn elemento pa-
radoxal que, sem deixar de ser urn seu componente interno, funciona como seu
°
sintoma - subverte proprio principio radonal universal dessa totalidade. Para
308 UM MAPA DA IDEOLOGIA
o FETICHISMO DA MERCADORIA
De certa maneira, da-se com 0 homem 0 mesmo que com as mercadorias. Vma
vez que ele nao vem ao mundo nem com urn espelho na mao, nem como urn
fil6sofo fichtiano para quem "eu sou eu" seja suficiente, 0 homem se ve e se
«
COMO MARX INVENTOU 0 SINTOMA? 309
Essa breve nota antecipa, de certa maneira, a teo ria lacaniana do estadio do espe-
I
lho: somente ao se refletir num outro ser humano - ista e, na medida em que
esse Qutro ser humane the oferece uma imagem de sua unidade - e que 0 eu
[moil pode chegar it sua auto-identidade; a identidade e a aliena,ao, por conse-
, guinte, sao estritamente correlatas. Marx da seguimento a essa homologia: a DU-
tra mercadoria, B, 56 e urn equivalente oa medida em que A se relaciona com ela
como sendo a forma-da-aparencia de seu pr6prio valor, somente dentro dessa
relac;ao. Mas a aparencia - e nisso reside 0 efeito de inversao que e caracteristico
do fetichismo - , a aparencia e exatamente oposta: A parece relacionar -se com
B como se, para B, ser urn equivalente de A nao correspondesse a ser uma "deter-
minac;ao reflexa') (Marx) de A - ou seja, como se B ja fosse, em si mesmo, equiva-
lente a A; a propriedade de "ser equivalente" parece pertencer-lhe ate mesmo
fora de sua relac;ao com A, no mesmo nivel de suas outras propriedades efetivas .
"naturais" que constituem seu valor de uso. A essas reflexoes, mais uma vez,
Marx acrescentou uma nota muito interessante:
Tais express6es das rela~6es em geral, chamadas por Hegel de categorias refle-
xas, comp6em uma classe muito curiosa. Por exemplo, urn homem s6 e rei
porque outros homens colocam-se numa rela~ao de suditos com ele. E eles, ao
contnirio, imaginam ser suditos por ele ser reL16
"Ser rei" e urn efeito da rede de relacroes sociais entre urn «rei" e seus "suditos";
mas - e ai esta 0 desconhecimento fetichista - , para os participantes desse vin-
culo social, a relac;ao aparece necessaria mente de forma inversa: e1es acham que
sao suditos, dando ao rei urn tratarnento real. porque 0 rei ja e rei em si mesrno,
fora da relac;ao com seus suditos, como se a determinac;ao «ser rei" fosse uma
propriedade "natural" da pessoa de urn rei. Como nao recordar aqui a famosa
afirrnac;ao lacaniana de que urn louco que se acredita rei nao e mais louco do que
urn rei que se acredita rei - au seja, que se identifica imediatamente com 0 man-
dato de "rei"?
o que temos ai, portanto, e urn paralelo entre duas modalidades de fetichis-
rna, e a questao crucial concerne a relac;ao exata entre esses dois niveis. Essa rela-
c;ao de modo algum constitui uma simples homologia: na~ podemos dizer que,
nas sociedades em que predomina a produc;ao para 0 mercado - isto e, em ulti-
ma instancia, nas sociedades capitalistas - , "suceda com 0 homem a mesrna que
com as mercadorias". Verifica-se precisamente 0 opasto: 0 fetichismo da merca-
doria ocorre nas sociedades capitalistas, mas, no capitalismo, as relac;oes entre os
homens decididamente nao sao "fetichizadas"j 0 que temos aqui sao relac;oes en-
UM MAPA DA IDEOLOGIA
31 0
tre pessoas «livres", cada qual seguindo seu pr6prio interesse egoista. A forma
predorninante e determinante de suas inter-rela'Y0es flaO sao a domina<;ao e a
servida.o, porem urn contrato entre pessoas livres, que sao iguais aos olhos da lei.
Seu modele e a troca mercantil: no mercado, dais sujeitos se encontrarn, numa
rela~iio livre de todo 0 fardo da venera~iio ao Senhor e da prote~ao e cuidado do
I' Senhor para com seus suditosj eles se encontram como duas pessoas cuja ativida-
de e completamente determinada por seus interesses egoistas; cada qual age co-
mo urn born utilitarista; 0 Dutro, para ele, esta totalmente livre de qualquer aura
mistica; tuda 0 que ele ve no parceiro e urn Dutro sujeito que visa a seus proprios
interesses e que 56 the interessa na medida em que possui algo - uma mercado-
ria - capaz de satisfazer alguma de suas necessidades.
As duas formas de fetichismo, portanto, sao incompativeis: nas sociedades em
que impera 0 fetichismo da mercadoria, as «rela'Yoes entre os homens" sao total-
mente desfetichizadas, ao passo que, nas sociedades em que ha fetichismo nas
"rela'r0es entre os homens» - nas sociedades pre-capitalistas - , 0 fetichismo da
mercadoria ainda nao se desenvolveu; e a produ'rao «natural" que predomina, e
na~ a produ'Yao voltada para 0 mercado. Esse fetichismo nas rela'roes entre os
homens tern que ser charnado por seu nome apropriado: 0 que temos aqui, como
assinala Marx, sao «rela'Yoes de domina'Yao e servidao» - ou seja, precisamente a
rela'Yao do Senhor e do Escravo no sentido hegeliano;17 e e como se 0 recuo do
Senhor no capitalismo fosse apenas urn deslocamento, como se a desfetichiza'r3.o
das "rela'Yoes entre os homens" fosse paga com a emergencia do fetichismo nas
«rela'Yoes entre as coisas» - com 0 fetichismo da mercadoria. 0 lugar do feti-
chismo apenas se desloca das rela'roes intersubjetivas para as rela'roes "entre coi-
sas»: as rela'Yoes sociais cruciais, as de produ'r3.0, deixam de ser imediatamente
transparentes, como 0 eram sob a forma das rela'Yoes interpessoais de domina'Yao
e servidao (do Senhor com seus servos, e assim por diante); elas se disfan;am -
para usar a formula'r3.o precisa de Marx: - «sob a forma de rela'Yoes sociais entre
coisas, entre os produtos do trabalho".
Par isso, e preciso buscar a descoberta do sintoma na maneira como Marx con-
cebeu a passagem do feudalismo para 0 capitalismo. Com 0 estabelecimento da
sociedade burguesa, as rela'roes de domina'Yao e servidao sao recalcadas: formal-
mente, parecemos estar lidando apenas com sujeitos livres, cujas rela'roes interpes-
soais estao isentas de qualquer fetichismo; a verdade recalcada - a da persistencia
da domina'Yao e da servidao - emerge num sintoma que subverte a aparencia
ideol6gica de igualdade, liberdade e assim por diante. Esse sintoma, 0 ponto de
emergencia da verdade sobre as reia'Yoes sociais, sao precisamente as "relac;oes so-
dais entre as coisas": "Em vez de aparecer em quaisquer circunstancias como Silas
pr6prias rela'roes mutuas, as relac;oes sociais entre os individuos disfar'Yam-se sob a
forma de relac;oes sociais entre as coisas" - ai temos uma defini<;3.o precisa do
sintoma histerico, da «histeria de conversao" que e pr6pria do capitalismo.
COMO MARX INVENTOU 0 SINTOMA? )11
o RISO TOTALITARIO
Nesse ponto, Marx e mais subversivo do que a maioria de seus criticos atuais, que
descartam a diaIetica do fetichismo da mercadoria como obsoleta: essa dialetica
ainda e capaz de nos ajudar a apreender 0 fen6meno do chamado "totalitaris-
mo". Tomemos como ponto de partida 0 nome da rosa, de Umberto Eco, preci-
samente porque ha algo errado nesse livro. Esta critica nao se aplica apenas a sua
ideologia, que poderia ser chamada - segundo 0 modelo dos Westerns spaghetti'
- de estruturalismo spaghetti: uma especie de versao simplificada, no estilo cul-
tura de massa, das ideias estruturalistas e pos-estruturalistas (nao existe realidade
ultima, todos vivemos num mundo de sinais que remetem a outros sinais ... ).
o que deve nos incomodar nesse livro e sua tese fundamental subjacente: a ori-
gem do totalitarismo e urn apego dogmatico a palavra oficial: a falta do riso, do
desprendimento ir6nico. Urn compromisso excessivo com 0 Bern pode tornar-
se, em si mesmo, 0 pior Mal: 0 verdadeiro Mal -e qualquer tipo de dogrnatismo
fanatico, especialmente a exercido em nome do Bern supremo.
[ ... J
Prirneiro, essa ideia de uma obsessao com a Bern (uma devo~ao fanatica a ele)
transformando-se no Mal mascara a experiencia inversa, que e muito mais
inquietante: 0 modo como urn apego obsessivo e fanatica ao Mal pode adquirir
o status de uma postura etica, de uma postura nao norteada por nossos interes-
ses egoistas. Basta examinarmos 0 Don Giovanni de Mozart, no final da opera,
quando ele e confrontado com esta escolha: se confessar seus pecados, ainda po-
den! obter a salva~ao; se persistir ne1es, sera amaldi'r0ado para sempre. Do ponto
de vista do principia do prazer, a coisa adequada a fazer seria renunciar ao passa-
do; mas ele nao faz isso; persiste em seu Mal, embora saiba que, persistindo, sera
arnaldi~oado para sempre. Paradoxalmente, com sua op~ao final pelo Mal, ele
adquire 0 status de urn her6i etico - isto e, de alguem que e guiado por prind-
pios fundamentais «aIem do principio do prazer", e naG apenas pela busca do
prazer au do lucro material.
o que ha de realrnente perturbador em 0 nome da rosa, contudo, e a cren~a
subjacente na for~a libertaria e antitotalitciria do riso, do distanciamento ironi-
co. Nossa tese, aqui, e quase 0 oposto diametral dessa premissa subjacente do
romance de Eco: nas sociedades conternporaneas, dernocraticas au totalitarias,
esse distanciamento cinico, 0 riso, a ironia, sao, por assim dizer, parte do jogo.
A ideologia dominante nao pretende ser levada a serio ou no sentido literal. Tal-
vez 0 rnaior perigo para 0 totalitarismo sejam as pessoas que tomam sua ideolo-
gia ao pe da letra - ate no romance de Eco, 0 pobre Jorge, encarnac;:ao da crenlfa
\
dogm<itica que nao ri, e uma figura bastante trigica: ultrapassado, uma especie
de morto-vivo, urn remanescente do passado, decerto nao uma pessoa que re-
presente os paderes sociais e politicos existentes.
Que conclusao devemos extrair disso? Deveremos dizer que estamos vivendo
numa sociedade p6s-ideo16gica? Talvez fosse melhor, primeiramente, tentar es-
pecificar 0 que queremos dizer com ideologia.
I... J
Mas tudo isso ja e bastante conhecido: trata-se do conceito dissico da ideologia
como "falsa consciencia", como urn desconhecimento da realidade social que faz
parte dessa mesma realidade. Nossa pergunta e: sera que esse conceito da ideo-
logia como consciencia ingenua ainda se aplica ao mundo de hoje? Ainda sera
atuante hoje em dia? Na Critica da razao cinica, urn grande campeao de vendas
na Alemanha,18 Peter Sloterdijk prop6e a tese de que 0 modo dominante de fun-
cionamento da ideologia e cinico, a que torna impossivel- ou, mais exatamen-
te, inutil - 0 classico metoda critico-ideoI6gico. 0 sujeito cinico tern perfeita
COMO MARX INVENTOU 0 SINTOMA?
31 3
serio. A ideologia totalitaria nao tern essa pretensao. Nao pretende, nem mesmo
por seus autores, ser levada a serio - seu status e apenas 0 de urn meio de mani-
pulac;ao, puramente externo e instrumental; sua dominac;ao e assegurada, nao
por seu valor de verdade, mas pela simples violencia extra-ideologica e pela pro-
messa do lucr~.
E aqui, neste ponto, que a distinc;ao entre sintoma e fantasia deve ser introdu-
zida, para mostrar como a ideia de estarmos vivendo numa sociedade p6s-ideo-
16gica e urn pouco apressada demais: a razao cinica, com todo 0 seu desprendi-
mento ir6nico, deixa intacto 0 nivel fundamental da fantasia ideol6gica, 0 nivel
em que a ideologia estrutura a pr6pria realidade social.
A FANTASIA IDEOL6GICA
coisas. a problema e que, em sua atividade social, naquilo que Jazem, eles agem
como se 0 dinheiro, em sua realidade material, fosse a encarna~ao imediata da
1
riqueza como tal. Eles sao fetichistas na pnitica, e na~ na teo ria. 0 que «nao
sabem", 0 que desconhecem, e 0 fato de que, em sua propria realidade social, em
sua atividade social - no ato de troca da mercadoria - , esta.o sendo guiados
pela ilusao fetichista.
Para deixar isso claro, tomemos novamente 0 c1assico tema marxista da inver-
sao especulativa da rela~a.o entre 0 Universal e 0 Particular. a Universal e apenas
uma propriedade de objetos particulares que realmente existem, mas, quando
somos viti mas do fetichismo da mercadoria, e como se 0 conteudo concreto de
uma mercadoria (seu valor de uso) fosse uma expressao de sua universalidade
abstrata (seu valor de troca) - 0 Universal abstrato, 0 Valor, aparece como uma
Substancia real, que se encarna sucessivamente numa serie de objetos concretos.
Essa e a tese marxista basica: 0 mundo efetivo das mercadorias ja se porta como
urn sujeito-substancia hegeliano, como urn Universal que passa por uma serie de
encarna~6es particulares. Marx fala da «metafisica da mercadoria", da "religiao
da vida cotidiana". As raizes do idealismo especulativo filos6fico encontram-se
na realidade social do mundo das mercadorias; e esse mundo que se comporta
«idealisticamente" - ou, como diz Marx no primeiro capitulo da primeira edi-
,ao de 0 capital:
A inversao mediante a qual 0 que esensivel e concreto conta apenas como uma
forma fenomenica do que e abstrato e universal, ao contnirio do verdadeiro
estado de coisas, em que a abstrato e 0 universal importam apenas como uma
propriedade do concreto, essa inversao e caracteristica da expressao do valor, e
e essa inversao que, ao mesmo tempo, torna tao dificil compreender essa ex-
pressao. Se digo que 0 direito romano e a direito germanico sao ambos leis,
isso euma coisa evidente. Mas se, ao contrario, digo "A Lei, essa coisa abstrata,
realiza-se no direito romano e no direito germanico, ista e, nessas leis concre-
tas", a interconexao torna-se mlstica. 19
A pergunta a fazer e, mais uma vez: onde esta a ilusao? Nao devemos esquecer
que 0 individuo burgues, em sua ideologia cotidiana, definitivarnente nao e urn
hegeliano especulativo: ele nao concebe 0 conteudo particular como resultante
de urn movimento autonomo da Ideia universal. Ao contrario, e urn born nomi-
nalista anglo-saxao, que acha que 0 Universal e uma propriedade do Particular
- isto e, das coisas que realmente existem. 0 valor em si nao existe, ha apenas
coisas isoladas que, entre outras propriedades, tern valor. a problema e que, na
pratica, em sua atividade real, ele age como se as coisas particulares (as mercado-
rias) fossern apenas urn punhado de personifica,6es do Valor universal. Refor-
mulando a frase de Marx: Ele sabe muito bem que 0 direito romano e 0 direito
germanico sao apenas dais tipos de lei, mas, em sua pratica, age como se a Lei em si,
essa entidade abstrata, se realizasse no direito romano e no direito germanico.
31 6 UM MAPA DA IDEOLOGIA
Agora, portanto, demos urn decisivo passo a frente: estabelecemos uma nova
maneira de ler a formula marxista "disso eles flaD sabem, mas 0 fazem": a ilusao
nao est. do lado do saber, mas j. est. do lado da pr6pria realidade, daquilo que as
pessoas fazem. 0 que elas flaD sabem e que sua propria realidade social, sua ativi-
dade, e guiada por uma ilusao, por uma inversao fetichista. 0 que desconside-
ram, 0 que desconhecem, nao e a realidade, mas a ilusao que estrutura sua rea-
lidade, sua atividade social. Eles sabem muito bern como as coisas real mente sao,
mas continuam a agir como se nao soubessem. A ilusao, portanto, e dupIa: con-
siste em passar por cima da ilusao que estrutura nossa rela<;ao real e efetiva com a
realidade. E essa ilusao desconsiderada e inconsciente e a que se pade chamar de
fantasia ideologica.
Se nosso conceito de ideologia continuar a ser 0 conceito chlssico, no qual a
ilusao e situada no saber, a sociedade de hoje deveni afigurar-se p6s-ideoI6gica:
a ideologia vigente e a do cinismo; as pessoas ja nao acreditam na verdade ideo-
logica; nao levam a serio as proposi<;:oes ideologicas. 0 nivel fundamental da
ideologia, entretanto, nao e de uma ilusao que mascare 0 verdadeiro estado de
coisas, mas de uma fantasia (inconsciente) que estrutura nossa propria realida-
de social. E nesse nivel, e claro, estamos longe de ser uma sociedade pos-ideolo-
gica. A distancia cinica e apenas urn modo - urn de muitos modos - de nos
cegarmos para 0 poder estruturador da fantasia ideologica: mesmo que nao le-
vemos as coisas a serio, mesmo que mantenhamos uma distancia ironica, conti-
nuaremos a faze-las.
E desse ponto de vista que podemos explicar a f6rmula da razao cinica pro-
posta por Sloterdijk: "eles sabem muito bern 0 que estao fazendo, mas fazem
assim mesmo." Se a ilusao estivesse do lade do saber, a postura cinica seria real-
mente pos-ideologica, simplesmente uma postura sem ilusoes: "eles sabem 0
que estao fazendo e 0 fazem". Mas, se 0 lugar da ilusao esta na realidade do
proprio fazer, essa formula pode ser lida de uma maneira total mente diversa:
«eles sabem que, em sua atividade, estao seguindo uma ilusao, mas fazem-na
assim mesmo". Por exemplo, eles sabem que sua ideia de Liberdade mascara
uma forma particular de explora<rao, mas, mesmo assim, continuam a seguir
essa ideia de Liberdade.
A OBJETIVIDADE DA CRENyA
Por esse ponto de vista, tambem valeria a pena reler a formula<rao marxista ele-
men tar do chamado fetichismo da mercadoria: numa sociedade em que os pro-
dutos do trabalho humano adquirem a forma de mercadorias, as rela<roes cruciais
entre as pessoas assumem a forma de rela<;:oes entre coisas) entre mercadorias -
em vez de rela<;:oes imediatas entre as pessoas, temos rela<;:oes sociais entre coisas.
Nas decadas de 1960 e 1970, todo esse problema foi desacreditado atraves do
COMO MARX INVENTOU 0 SINTOMA? 317
[ ... J
[ ... J
A "LEI EA LEI"
A liyao a ser extraida disso no tocante ao campo social e, acima de tudo, que a
cren\a, longe de ser urn estado "intima" e puramente mental, e sempre materia-
lizada em nossa atividade social efetiva: a cren\a sus tent a a fantasia que regula a
realidade social. Tamemos 0 caso de Kafka: costuma-se dizer que, no universo
"irracional" de seus romances, Kafka forneceu uma cxpress3.o "exagerada", "fan-
tasiosa" e "subjetivamente distorcida" da burocracia moderna e do destino do
individuo dentro dela. Ao dizer isso, desconsidera-se 0 fato crucial de que e esse
proprio "exagero" que articula a fantasia reguladora do funcionamento libidinal
da burocracia "efetiva" e "real" em si.
318 UM MAPA DA IDEQLOGIA
L-_____________________________________
COMO MARX INVENTOU a SINTOMA? 31 9
Portanto, ser-nos-ia born obedecer as leis e aos costumes par eles serem leis.
( ... ) Mas as pessoas nao sao receptivas a essa doutrina e, desse modo, acredi-
tando que a verdade pode ser encontrada e reside nas leis e nos costumes, acre-
ditam nestes e tomam sua antiguidade como prova de sua veracidade (e nao
apenas de sua autoridade, sem verdade).22
- Naa concordo com esse ponto de vista - disse K., balan<j:ando a cabec;:a. -
Aa aceita-lo, seria preciso admitir como verdadeiro tudo a que diz 0 guarda.
Mas voce mesmo provau suficientemente 0 quanta isso e impossivel.
- Nao - disse 0 abade - , nao e preciso aceitar tudo como verdadeiro,
deve-se apenas aceita-Io como necessario.
- Triste conclusao - disse K. - Ela transfarma a mentira num principia
universa1. 23
o que se "recalca", portanto, nao e uma origem obscura da Lei, mas 0 pr6prio
fato de que a Lei nao tern que ser aceita como verdadeira, mas apenas como ne-
cessaria - 0 fato de que sua autoridade edesprovida de verda de. A ilusiio estrutu-
rall1ecessaria que move-as pessoas a acreditarem que a verdade pode ser encon-
UM MAPA DA IDEOLOGIA
320
... minhas maDS estao atadas e meus Iabios, cerrados; sou for~ado a apostar, e
nao estoli livre; estou aprisionado, e sou feito de tal maneira que nao consigo
acreditar. Que quer voce que eu fac;a, entao?
- lsso everdade, mas ao menos meta em sua cabec;a que, se voce e incapaz
de crer, e por causa de suas paixoes, ja que a razao 0 impele a crer, mas voce
nao consegue., Concentre-se, pais, nao em se convencer, multiplicanda as pra-
vas da existencia de Deus, mas em diminuir suas paixoes. Voce quer descobrir
a fe e nao sabe 0 caminho. Quer curar-se da descrenc;a e raga pelo remedio:
aprenda com aqueles que urn dia estiveram atados como voce e que agora
apostam tudo 0 que tern. Eles sao _pessoas que conhecem a caminho que voce
deseja seguir, que foram curadas das aflityoes de que voce deseja curar-se: siga
a caminho par onde elas comec;aram. Elas se portaram exatamente como se
acreditassem, recebendo agua-benta, mandando rezar missas e assim par
diante. Isso 0 fad. acreditar com muita naturalidade, e ira torna-Io mais d6cil.
Ora, que prejuizo the advira da escolha desse rumo? Voce sera leal, franco,
humilde, grato, repleto de boas obras, um amigo sincero e verdadeira. (... )
E verdade que nao gozara de prazeres nocivos, da gl6ria e da boa vida, mas,
porventura nao tera outros?
Afirmo-lhe que voce tenl a ganhar nesta vida mesmo e que, a cada passo
que der nessa estrada, vera que seu ganho e tao certeiro e sen risco, tao despre-
zfvel, que, no final, voce se dara conta de que apostou em alga certeiro e infini-
to, pelo qual nada teve de pagar.24
[ ... ]
o fato crucial de que 0 costume externo e sempre urn esteio material para 0
inconsciente do sujeito.
[ ... ]
.. Jogando com a homofonia francesa, 0 autor desdobra jOllissallce (gozo) em jOllis-sens (e hoi ain-
da 0 j'ollis sem [ou~o sentido ]lacaniano); jogando com a homofonia inglesa, faz 0 mesmo com
enjoyment (gozo) e elljoy-meallt (gozo com 0 que foi significado). (N. da '1'.)
322 UM MAPA DA IDEOLOGIA
E, mais uma vez, nao foi por acaso que mencionamos 0 nome de Kafka: no
que concerne a esse jouis-sens ideol6gica, podemos dizer que Kafka desenvolve
uma especie de crttica a Althusser avant la [cttre, permitindo-nos ver 0 que e
constitutivo da lacuna entre a «maquina» e sua «internalizac;ad'. Acaso a buro-
cfacia "irracional" de Kafka, esse aparelho cego, gigantesco e absurdo, nao e pre-
cisamente 0 Aparelho Ideol6gico de Estado com que 0 sujeito se confronta antes
que ocorra qualquer identificacrao, qualquer reconhecimento - qualquer subje-
tivardo? Que podemos aprender com Kafka, portanto?
Numa primeira aproximac;ao, 0 ponto de partida dos romances de Kafka e
uma interpela~iio: 0 sujeito kafkiano e interpelado por uma entidade burocnitica
misteriosa (a Lei, 0 Castelo). Mas essa interpelac;ao tern uma aparencia meio es-
tranha: e, por assim dizer, uma interpelarao sern identificaraolsubjetivafllO; nao
nos oferece uma Causa com que nos identificarmos - a sujeito kafkiano e °
sujeito na busca desesperada de urn trac;::o com que se identificar, nao entende 0
sentido do chamamento do Outro.
Essa e a dimensao desconsiderada na explicac;::ao althusseriana da interpeIa-
c;::ao: antes de ser captado na identificac;ao, no reconhecimento/desconhecimento
simb6lico, 0 sujeito ($) e captado pelo Outro atraves de urn paradoxal objeto-
causa do desejo em meio a isso, (a), mediante 0 segredo supostamente oculto no
Outro: $Oa - a f6rmula lacaniana da fantasia. Que significa, mais exatamente,
dizer que a fantasia ideo16gica estrutura a propria realidade? Expliquemos isso
partindo da tese lacaniana fundamental de que, na oposic;::ao entre 0 sonho e a
realidade, a fantasia fica do lado da realidade: ela e, como certa vez disse Lacan, 0
suporte que da coerencia ao que chamamos «reaIidade~'.
Em seu serninario sobre Os quatro conceitos fundamentais da psicanaiise, La-
can desenvolve isso atraves de uma interpretac;ao do celebre sonho do "filho
queimando":
Urn pai estivera de vigilia a cabeceira do leito de seu filho enfermo por dias e
noites a fio. Apos a morte do menino, foi deitar-se no quarto ao lado, mas
deixou a porta aberta, de modo a poder enxergar de seu quarto 0 aposento em
que jazia 0 corpo do filho, cercado por velas altas. Urn velho fora encarregado
de vela-Io e sentara-se ao lado do corpo, murmurando preces. Apos algumas
horas de sono, 0 pai sonhou que a filho estava de pe junto a sua carna, puxava-
o pelo brafo e Ihe sussurrava em tom de censura: "Pai, nao ves que estou quei-
mando?" Ele acordou, notou urn clarao intenso vindo do quarto ao lado, cor-
reu ate la e constatou que 0 velho vigia pegara no sana, e que a mortalha e urn
dos bra~os do cadaver de seu amado filho tin ham sido queimados par uma
vela acesa que caira sobre eles. 26
A interpretac;ao costumeira desse sonho baseia-se na tese de que uma das func;::6es
do sonho e permitir que 0 sonhador prolongue seu sono. Adormecido, ele e su-
bitamente exposto a uma irritac;ao externa, urn estimulo proveniente da realida-
r , COMO MARX INVENTOU 0 SINTOMA? 323
de (0 som de urn despertadof, lima batida na porta au, nesse caso, 0 cheiro de
fuma~a) e, para prolongar 0 sanD, constr6i prontamente, na mesma hora, urn
, sonha: uma pequena ceoa, uma historieta que inclua esse elemento irritante. En-
tretanto, a irrita<rao externa logo se torna intensa demais e 0 sujeito acorda.
'I A leitura lacaniana op6e-se diretamente a isso. 0 sujeito nao acorda quando a
irrita<;:ao externa torna-se intensa demais; a 16gica de seu despertar e bern dife-
I rente. Primeiro, ele constr6i urn sooho, uma hist6ria que the permita prolongar
o sanD, de modo a evitar despertar para a realidade. Mas a coisa com que depara
no sonho, a realidade de seu desejo, 0 Reallacaniano - em nosso caso, a realida-
r de da censura do filho ao pai, "Nao ves que estou queimando?", que implica a
culpa fundamental do pai - e mais aterrorizante do que a propria chamada rea-
lidade externa, e e por isso quer ele acorda: para escapar ao Real de seu desejo,
que se anuncia no sonho apavorante. Ele foge para a chamada realidade para
poder continuar a dormir, para manter sua cegueira, para escapar de despertar
para 0 Real de seu desejo. Podemos reformular aqui 0 velho lema hippie dos anos
60: a realidade e para quem nao consegue suportar 0 sonho. A "realidade" e uma
constru(j:ao fantasiosa que nos permite mascarar 0 Real de nosso desejo.27
Sucede exatamente 0 mesmo com a ideologia. A ideologia na~ e uma ilusao
de tipo onirico que construamos para escapar a realidade insuportavel; em sua
dimensao basica. ela e uma constru(j:ao de fantasia que serve de esteio a nossa
pr6pria "realidade": uma uilusao" que estrutura nossas rela(j:oes sociais reais e
efetivas e que, com isso, mascara urn insuportavel nucleo real impossivel (con-
ceituado por Ernesto Laclau e Chantal Mouffe como "antagonismo": uma divi-
sao social traumatica que nao pode ser simbolizada). A funr;ao da ideologia nao e
oferecer-nos uma via de escape de nossa realidade, mas oferecer-nos a pr6pria
realidade social como uma fuga de algum nudeo real traumatico. Para explicar
essa 16gica, refiramo-nos mais uma vez a as quatro conceitos Jundamentais da
psicanalise. 28 Lacan menciona ali 0 conhecido paradoxo de Chuang-Tse, que so-
nhou que era uma borboleta e, ao acordar, formulou-se uma pergunta: como
sabia ele que nao era uma borboleta agora, sonhando ser Chuang-Tse? 0 comen-
tario de Lacan e que essa pergunta se justifiea, por duas razoes.
Primeiro, ela prova que Chuang-Tse nao e loueo. A defini(j:ao lacaniana diz
que loueo e quem aeredita em sua identidade imediata consigo mesmo, quem
nao e capaz de urn distanciamento dialeticamente mediado de si mesmo, como
urn rei que pensa ser rei, que toma seu ser-rei por uma propriedade imediata, e
nao por urn mandato simbolico que Ihe e imposto por uma rede de relar;oes in-
tersubjetivas da qual ele faz parte (urn exemplo de rei que foi louco por pensar
que era rei e Luis II da Baviera, 0 meeenas de Wagner).
Mas isso nao e tudo; se fosse, 0 sujeito poderia ser reduzido a urn vacuo, a urn
espa(j:o vazio eujo eonteudo seria totalmente preenchido pelos Qutros, pela rede
simb61ica de rela(j:oes intersubjetivas: "em mirn mesmo", sou urn nada; 0 conteu-
,.
UM MAPA DA IDEOLOGIA
324
do positivo de mim e aquila que sou para os outros. Em Dutros termos, se isso
fosse tudo, a palavra final de Lacan seria uma alienayao radical do sujeito. Seu
conteudo, «0 que ele en, seria determinado por uma rede significante externa,
que the ofere ceria os pontos de identifica~ao simb6lica, conferindo-lhe alguns
mandatas simb61icos. Mas a tese fundamental de Lacan, pelo menos em seus ul-
timos trabalhos, e a de que existe uma possibilidade de 0 sujeito obter alguns
conteudos, algum tipo de consistencia positiva, tambem fora do grande Outro,
da rede simb6lica alienante. Essa outra possibilidade e a oferecida pela fantasia,
equacionando 0 sujeito com urn objeto da fantasia. Quando achou que era uma
borboleta sonhando ser Chuang-Tse, de certo modo Chuang-Tse tinha razao.
A borboleta era 0 objeto que constituia 0 alicerce, a espinha dorsal de sua identi-
dade de fantasia (a rela~ao Chuang- Tse-borboleta pode ser escrita $00). Na rea-
lidade simb61ica, ele era Chuang- Tse, mas, no real de seu desejo, era uma borbo-
leta. Ser uma borboleta era toda a consistencia de seu ser positivo, fora da rede
simb6lica. Talvez nao seja inteiramente por acaso que encontramos uma especie
de eco disso no filme Brazil, de Terry Gilliam, que retrata, de urn modo repulsi-
vamente engra'fado, uma sociedade totalitaria: 0 her6i encontra uma ambigua
via de escape da realidade cotidiana em seu sonho de ser urn homem-borboleta.
A primeira vista, 0 que temos aqui.e uma simples inversao simetrica da chama-
da perspectiva normal COillum. Em nossa compreensao cotidiana, Chuang-Tse e
a pessoa "real" que sonha ser uma borboleta, e aqui temos algo que e «realmente"
uma borboleta sonhando ser Chuang-Tse. Mas, como Lacan assinala, essa rela'fao
simetrica e uma ilusao: quando Chuang-Tse esta acordado, ele pode pensar consi-
go mesmo que e 0 Chuang-Tse que sonhou ser uma borboleta, mas, em seu so-
nho, ao ser uma borboleta, nao pode perguntar-se se, quando acordado, quando
pensava ser Chuang-Tse, ele nao era essa borboleta que agora sonha ser Chuang-
Tse. A pergunta, a divagem dialetica, s6 e possivel quando ele esta acordado. Em
outras palavras, a ilusao nao pode ser simetrica, nao pode ter os dais senti dos,
pois, se 0 fizesse, descobrir-nos-iamos na absurda situa'fao descrita por Alphonse
Allais: Raul e Margarida, dois amantes, combinam encontrar-se num baile de
mascaras; ali, escapolem para urn canto escuro, abra'fam-se e se acariciam. Por
fim, ambos retiram as mascaras e - surpresa! - Raul descobre que esta abra'fan-
do a mulher errada, que ela nao e Margarida, e Margarida tambem descobre que a
outra pessoa nao e Raul, mas urn estranho, urn desconhecido ...
Esse problema deve ser abordado a partir da tese lacaniana de que e somente no
sonho que chegamos perto do verdadeiro despertar - isto e, do Real de nosso
desejo. Quando Lacan diz que 0 derradeiro esteio do que chamamos "realidade"
e a fantasia, isso decididamente nao deve ser entendido no sentido de que «a vida
r
I COMO MARX INVENTOU OSINTOMA? 325
eapenas urn sonho", au "0 que chamamos de realidade e somente uma ilusao", e
assim por diante. Encontramos esse tema em muitas hist6rias de fiq:ao cientifica:
a realidade como urn sonho au ilusao generalizados. A hist6ria costuma ser COD-
tada da perspectiva de urn her6i que, pOlleD a pOlleD, faz a apavorante descoberta
de que todas as pessoas a seu redor nae sao realmente seres humanos, porem
uma especie de automatos, au rob6s, que apenas parecem seres humanos reais e
agem como eles; 0 ponto final dessas historias, evidentemente, e a descoberta do
her6i de que ele mesma tambem e urn desses automatos, e na~ urn seT humane
real. Essa ilusao generalizada e impassivel: encontramos 0 mesma paradoxa nu-
rna famosa gravura de Escher em que duas maos desenham-se uma a outra.
A tese lacaniana, ao contnirio, diz que sempre existe urn mlc1eo solido, urn
resto que persiste e que nao pode reduzir-se a urn jogo universal de especulari-
dade ilusoria. A diferen(j:a entre Lacan e 0 «realismo ingenuo» e que, para Lacan,
o unico ponto em que nos aproximamos desse nucleo solido do Real e, efetivamente,
o sonho. Quando acordamos para a realidade ap6s urn sonho, costumamos dizer
a n6s mesmos que «foi apenas urn sonho», com isso cegando-nos para 0 fato de
que, em nossa realidade cotidiana de vigilia, nao somos nada senao a consciencia
desse sonho. Foi somente no sonho que nos aproximamos da estrutura de fantasia
que determina nossa atividade, nosso modo de agir na realidade.
o mesmo se da com 0 sonho ideol6gico, com a determina(j:ao da ideologia
como uma constru(j:ao de estilo onirico que nos impede de ver a verdadeira si-
tua(j:ao, a realidade como tal. Em VaG tentamos sair do sonho ideol6gico, "abrin-
do nossos olhos e procurando ver a realidade tal como realmente e», jogando fora
as 6culos ideologicos: como sujeitos desse olhar objetivo sobrio, pos-ideologico,
livre dos charnados preconceitos ideologicos, como sujeitos de urn olhar que en-
xerga as fatos como eles sao, continuarnos a ser, 0 tempo todo, "a consciencia de
nosso sonho ideologico". A unica rnaneira de romper com 0 poder de nosso so-
nho ideologico e confrontar 0 Real de nosso desejo que se anuncia nesse sonho.
Exarninemos a anti-semitismo. Nao basta dizer que devemos livrar-nos dos
charnados "preconceitos anti-semitas» e aprender a ver as judeus como eles real-
mente sao - desse modo, certamente continuaremos vitimas desses charnados
preconceitos. Devemos confrontar-nos com 0 modo como a imagem ideologica
do "judeu" e investida de nosso desejo inconsciente, com 0 modo como cons-
truimos essa imagem para fugir de urn certo impasse de nosso desejo.
Suponharnos, por exemplo, que urn olhar objetivo confirmasse - por que
nao? - que os judeus de fato explorarn financeiramente 0 resto da populac;:ao.
que as vezes seduzem mesmo nossas filhas mo\as, e que alguns deles nao tornam
banho regularmente. Nao estara claro que isso nada tern a ver com as verdadeiras
rafzes de nosso anti-semitismo? Basta lembrarrnos, nesse ponto, a proposic;:ao
lacaniana referente ao rnarido patologicamente ciumento: mesmo que todos os
fatos que ele cita para corroborar seu ciurne sejam verdadeiros, mesmo que sua
l
UM MAPA DA IDEOLOGIA
32 6
\
mulher esteja realmente dormindo com outros homens, isso naD altera em nada
o fato de que seu citime e uma constru'fao paran6ide pato16gica.
Fac;amos a nos mesmos uma pergunta simples: na Alemanha do fim dos anos
30, qual seria 0 resultado de uma abordagem objetiva e nao ideol6gica como
essa? Provavelmente, alguma coisa do tipo: «as nazistas estao condenando os
judeus com demasiada pressa, sem uma argumenta<;:ao apropriada, de modo que
vamos dar uma olhada fria e s6bria para ver se eles realmente sao culpados. au
oao; vamos ver se ha alguma verdade nas acusa<r6es contra eles." Sera realmente
necessaria acrescentar que tal abordagem meramente confirmaria nossos cha-
rnados "preconceitos inconscientes" com racionaliza<;:6es adicionais? A resposta
adequada ao anti-semitismo, portanto, nao e «os judeus nao sao realmente as-
sim", porem «a ideia anti-semita do judeu nada tern a ver com os judeusj a ima-
gem ideologica do judeu e uma mane ira de costurar a incoerencia de nosso pro-
prio sistema ideo16gico".
E por isso que somos tao incapazes de nos desfazer dos chamados preconcei-
tos ideol6gicos, levando em conta 0 nivel pre-ideol6gico da experiencia cotidia-
na. A base desse argumento e que 0 constructo ideo16gico sempre esbarra em
seus limites no campo da experiencia cotidiana - que ele e inca paz de reduzir,
abranger, absorver e aniquilar esse nivel. Tomemos novamente urn individuo ti-
pico da Alemanha do fim dos anos 30. Ele e bombardeado pela propaganda anti-
semita, que retrata 0 judeu como uma encarna'fao monstruosa do Mal, como 0
grande manipulador atnls dos bastidores etc. Mas, ao voltar para casa, encontra-
se com 0 sr. Stern, seu vizinho, urn born homem com quem se pode conversar a
noite e cujos filhos brincam com os dele. Porventura essa experiencia cotidiana
nao cria uma resistencia irredutivel ao constructo ideologico?
A resposta, evidentemente, e nao. Quando a experiencia cotidiana cria essa
resistencia, e porque a ideologia anti-semita ainda nao nos captou realmente.
Vma ideologia s6 "nos pega" para valer quando nao sentimos nenhuma oposi-
'fao entre ela e a realidade - isto e, quando a ideologia consegue determinar 0
modo de nossa experiencia cotidiana da pr6pria realidade. Assim, como haveria
nosso pobre alemao, se fosse urn born anti-semita, de reagir a essa divergencia
entre a imagem ideol6gica do judeu (maquinador, arquitetador de tramas secre-
tas, explorador de nossos homens decentes etc) e a experiencia cotidiana co-
mum de seu born vizinho, 0 Sf. Stern? Sua resposta seria transformar essa diver-
gencia, essa pr6pria discrepancia, num argumento a favor do anti-semitismo:
(tEsta vendo como eles sao mesmo perigosos? Edificil reconhecer sua verdadeira
natureza. Eles a escondem por tras da mascara da aparencia cotidiana - e e
exatamente essa oculta'fao da verdadeira natureza, essa duplicidade, que consti-
tui urn tra'fo basico da natureza judaica." Vma ideologia logra pleno exito quan-
do ate os fatos que a primeira vista a contradizem come'fam a funcionar como
argumentos a seu favor.
COMO MARX INVENTOU 0 SINTOMA? 327
MAIS-VALIA E MAIS-GOZAR
desen-
NOTAS
l.
COMO MARX INVENTOU 0 SINTOMA?
331
9. Ibid., p. 59.
10. Ibid.
II. Ibid., p. 42.
12. Ibid., p. 26-7.
13. Jacques Lacan, "R.S.L", Ornicar?, 4, Paris, 1975, p. 106.
14. Marx, Capital, p. 77.
15. Idem, p. 59.
16. Ibid., p. 63.
17. G. W. F. Hegel, Phenomenology of Spirit, Oxford, 1977.
18. Peter Sloterdijk, Kritik der zynischen Vernunft, Frankfurt, 1983; traduzido como Critique of
Cynical Reason, Londres, 1988.
19. Marx, Capital, p. 132.
20. Blaise Pascal, Pensees, Harmondsworth, 1966, p. 271.
21. Idem, p. 46.
22. Ibid., p. 216.
23. Franz Kafka, The Trial, Harmondsworth, 1985, p. 243.
24. Pascal, Pensees, p. 152-3.
25. Louis Althusser, "Ideologia e Aparelhos Ideologicos de Estado", neste volume.
26. Freud, The Interpretation of Dreams, p. 652.
27. Jacques Lacan, The FOllr Fundamental Concepts of Psycho-Analysis, Harmondsworth, 1979,
cap.5e6.
28. Idem, cap. 6.