A Questao Social Na Primeira Republica

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IAMAMOTO, Marilda Vilela e CARVALHO, Raul de. Relaes Sociais e Servio Social no Brasil: esboo de uma interpretao histrico-metodolgica.

2a. Ed. So Paulo: Cortez, 1983.PARTE II ASPECTOS DA HISTRIA DO SERVIO SOCIAL NO BRASIL (1930 1960) Captulo I A Questo Social nas Dcadas de 1920 e 1930 e as bases para a implantao do Servio Social A Questo Social na Primeira Repblica A questo social relaciona-se generalizao do trabalho livre, numa sociedade com marcas da escravido. Destaca-se o longo processo de transio, atravs do qual se forma um mercado de trabalho em moldes capitalistas, em especial ao momento em que a constituio desse mercado est em amadurecimento nos principais centros urbanos. Momento em que o capital j se liberou do custo de reproduo da fora de trabalho, limitando-se a procurar, no mercado, a fora de trabalho tornada mercadoria. A manuteno e a reproduo dessa fora de trabalho est a cargo do operrio e de sua famlia, atravs do salrio, advindo da venda da fora de trabalho classe capitalista e no a um nico senhor. A partir do momento em que a sociedade burguesa v como ameaa a luta defensiva do operrio explorao abusiva a que submetido, h necessidade que o controle social da explorao da fora de trabalho seja feito pelo Estado, atravs de uma regulamentao jurdica do mercado de trabalho. As Leis Sociais aparecem, ento, para responder aos movimentos sociais que lutam por uma cidadania social. Esses movimentos refletem e so elementos dinmicos das profundas transformaes da sociedade, quando da consolidao de um plo industrial, pois colocam os problemas e exigem modificao na composio de foras dentro do Estado e no relacionamento deste com as classes sociais. Portanto, o desdobramento da questo social tambm a questo da formao da classe operria e de sua entrada no cenrio poltico, de seu reconhecimento em nvel de Estado, da implementao de polticas que atendem seus interesses. Sendo assim, a questo social constitui-se, essencialmente, da contradio entre burguesia e proletariado. Proletariado este em que os laos de solidariedade poltica e ideolgica perpassam seu conjunto. A implantao do Servio Social ocorre no decorrer desse processo histrico, surgindo da iniciativa particular de grupos e fraes de classe, que se manifestam por intermdio da Igreja Catlica. Enquanto que as leis sociais so resultantes da presso do operariado pelo reconhecimento de sua cidadania social, a legitimao do Servio Social diz respeito a grupos e fraes restritos das classes dominantes e a sua especificidade na ausncia quase total de uma demanda a partir das classes e grupos a que se destina prioritariamente. A anlise do posicionamento e das aes assumidas e desenvolvidas pelos diferentes grupos e fraes dominantes e pelas instituies que mediatizam seus interesses na sociedade, permite apreender o sentido histrico do Servio Social. A crise do comrcio internacional de 1929 e o movimento de 1930 aparecem como movimentos centrais de um processo que leva a uma reorganizao das esferas estatal e econmica, apressando o deslocamento do centro motor da acumulao capitalista das atividades de agroexportao para outra de realizao interna. O histrico das condies de existncia e de trabalho do proletariado industrial mostra a extrema voracidade do capital por trabalho excedente: * A populao operria amontoava-se em bairros insalubres junto s aglomeraes industriais, com falta absoluta de gua, luz e esgoto; * as empresas funcionavam em prdios sem condies mnimas de higiene e segurana; * salrios insuficientes para a subsistncia; * o preo da fora de trabalho, constantemente pressionada para baixo devido ao exrcito industrial de reserva; * a presso salarial fora a entrada no mercado de

trabalho de mulheres e crianas; * a jornada de trabalho, , no incio do sculo de quatorze horas; * no se tem direito a frias, descanso semanal remunerado, licena para tratamento de sade etc; * dentro da fbrica est sujeito autoridade absoluta de patres e mestres; * no possui garantia empregatcia ou contrato coletivo; * com as crises do setor industrial h dispensas macias e rebaixamentos salariais. Frente a estas condies de trabalho e de existncia, o operariado se organiza para se defender. Uma organizao diferenciada em seus diversos estgios de desenvolvimento, desde o carter assistencial e cooperativo ao de resistncia operria organizada. A luta reivindicatria est centrada na defesa do poder aquisitivo dos salrios, na durao da jornada de trabalho etc. As duas primeiras dcadas so marcadas pelas greves e manifestaes operrias. No perodo de 1917 a 1920 a densidade e a combatividade das manifestaes de inconformismo marcam, para a sociedade burguesa, a presena ameaadora de um proletariado beira do pauperismo. O liberalismo excludente do Estado e a elite republicana da Primeira Repblica, dominados pelos setores burgueses ligados a agro-exportao, so incapazes de tomar medidas de peso em prol do proletariado. Somente em 1919 que implantada a primeira medida ampla de legislao social, responsabilizando as empresas pelos acidentes de trabalho, contudo, no representa mudana substantiva na situao dos trabalhadores. Na dcada de 20, so aprovadas leis que abrem caminho interveno do Estado na regulamentao do mercado de trabalho e leis que cobrem uma parcela chamada proteo ao trabalho, frias, acidente de trabalho, cdigo de menores, seguro-doena etc. A dominao burguesa implica a organizao do proletariado, ao mesmo tempo em que implica sua desorganizao enquanto classe, isto porque ela necessita de estabelecer mecanismos de integrao e controle. Sendo assim, na Velha Repblica, as medidas parciais que so implantadas visam mais ampliao de sua base de apoio e a atenuao do conflito social, sem implicarem um projeto mais amplo de canalizao das reivindicaes operrias. Por um lado, para o Estado e para setores dominantes ligados a agro-exportao, as relaes de produo so um problema de empresa, por outro, o movimento operrio tambm no consegue estabelecer laos politicamente vlidos com outros segmentos da sociedade que constituem a maioria da populao. Assim, a classe operria, apesar de seu progressivo adensamento, permanece sendo uma minoria fortemente marcada pela origem europia, estando social e politicamente isolada. A preocupao do empresariado com o social aparece apenas a partir da desagregao do Estado Novo e trmino da Segunda Guerra Mundial e representa uma adaptao a nova fase de aprofundamento do capitalismo. O patronato, a burguesia industrial, que est solidificando sua organizao enquanto classe est ancorada nos princpios do liberalismo do mercado de trabalho e no privatismo da relao de compra e venda da fora de trabalho, como pressuposto essencial de sua taxa de lucro e acumulao. A adeso s novas formas de dominao e controle do movimento operrio ser dada pelo populismo e desenvolvimentismo da era Vargas. Dentre os diversos aspectos da prtica social do empresariado durante o perodo de 1920 a 1930, destacam-se dois elementos relacionados com a implantao e desenvolvimento do Servio Social: Crtica do empresariado a inexistncia de mecanismos de socializao do proletariado, ou seja, da inexistncia de instituies que tenham por objetivo produzir trabalhadores integrados fsica e psiquicamente ao trabalho fabril; O contedo diverso da poltica assistencialista desenvolvida pelo empresariado no mbito da empresa.

A negativa constante no reconhecimento das organizaes sindicais, a no aceitao do operariado como capaz de participar das decises que lhes dizem respeito, a intransigncia para as reivindicaes e sua aceitao apenas em ltima instncia, seu relacionamento com a polcia, a prtica normal de usar represso etc., aparecem como a face mais evidente do comportamento do empresariado da Primeira Repblica. Ao mesmo tempo, se verifica a existncia de uma poltica assistencialista que se acelera a partir dos grandes movimentos sociais do primeiro perodo aps a guerra. A maioria das empresas de maior porte propicia a seus empregados uma sria de servios assistenciais como: vilas operrias, assistncia mdica etc. Isto significa o controle social aliado ao incremento da produtividade e o aumento da taxa de explorao. 2 A Reao Catlica Aps os grandes movimentos sociais, a questo social fica definitivamente colocada para a sociedade. H que analisar a posio da Igreja frente questo social considerando a Igreja no s como Instituio social de carter religioso, mas tambm o seu engajamento na dinmica dos antagonismos de classe da sociedade na qual est inserida. Aps a Contra Reforma, os Estados nacionais europeus so forados a conceder aos movimentos polticos e ideolgicos burgueses uma parcela do anterior monoplio mantido pela Igreja. Portanto, a religio catlica perde sua ampla hegemonia enquanto concepo de mundo das classes dominantes. Para a desagregao da sociedade civil tradicional e para o declnio de sua influncia, a Igreja Catlica reage. Essa reao tem por base, atravs de mtodos organizativos e disciplinares, a constituio de poderosas organizaes de massa. 2.1. Primeira Fase da Reao Catlica No Brasil, a partir da segunda metade da Repblica Velha, a Igreja inicia o processo de reformulao de sua atividade poltica religiosa, a fim de recuperara os privilgios e as prerrogativas perdidos com o fim do Imprio. Esse movimento condensa-se nos primeiros anos da dcada de 20. O ento Bispo, Dom Sebastio Leme, lana documentos contendo as bases do que seria o programa de reivindicaes catlicas, com a finalidade de restabelecer as bases da noo de Nao Catlica. Altera, substancialmente, a estrutura e a imagem da Igreja, dois processo: A mudana interna de sua estrutura, com a sua centralizao; A romanizao do catolicismo brasileiro, ou seja, a referncia em Roma, que atinge tanto o clero como o movimento leigo. Sendo assim, a mobilizao do laicato, que se far a partir desse momento, ter por modelo as organizaes que se formaram na Europa, especialmente na Itlia e Frana. Na dcada de 20, a revista A Ordem e o Centro Dom Vital sero os principais aparatos de mobilizao do laicato, que procuram recrutar uma aristocracia intelectual capaz de combater poltica e ideologicamente manifestaes que Igreja considere perigosas para seu domnio. A questo social no atrai a ateno das lideranas catlicas. E, ao findar-se a Repblica Velha, cada vez maior a identidade entre Igreja e Estado. Com o movimento de 1930, inicia-se um novo perodo de mobilizao do movimento catlico laico, visto estarem criadas as condies para que a Igreja seja chamada a intervir nas dinmicas sociais de forma muito mais ampla. A hierarquia, explorando a nova situao conjuntural, ir compor com o novo bloco dominante que emerge. O movimento laico vive uma fase de identificao com o esprito das Encclicas Sociais, o sentido do Aggiornamento, ou seja, a Igreja passa a se envolver nas causas sociais emergentes da populao.

2.2. O Movimento Poltico-Militar de 1930 e a Implantao do Corporativismo O desenvolvimento capitalista, tendo por ncleo central da acumulao a economia cafeeira, traz contraditoriamente o aprofundamento da industrializao, a urbanizao acelerada, com a diferenciao social e diversificao ocupacional resultantes da emergncia do proletariado e da consolidao dos estratos urbanos mdicos. A poltica de defesa permanente do caf permite, ainda no primeiro qinqnio de 1920, um perodo de apreender prosperidade. A burguesia ligada ao complexo cafeeiro, que dirige o Estado, constantemente ameaada por outras parcelas da classe dominante, que procuram redefinir, em proveito de sua prpria expanso, as diretrizes e benesses da poltica econmica e, pela tenso das classes dominadas, que pela sua luta em prol da cidadania social abre mais uma rea de contradio entre o setor industrial e a frao hegemnica, isto porque algumas medidas sociais so implementadas. Portanto, o fim da dcada de 20 marcado pela decadncia da economia cafeeira e pelo amadurecimento das contradies econmicas e complexidade social advindas do desenvolvimento capitalista baseado na expanso do caf. A crise de 1929 acelera o surgimento das condies que possibilitam o fim da supremacia da burguesia cafeicultora, porque mantm uma poltica de equilbrio financeiro, abandonando a poltica de defesa de preos e subsdios aos produtores. Aglutina as oligarquias regionais no vinculadas economia cafeeira, setores do aparelho do Estado e frao majoritria das classes mdias urbanas que reclamavam o alargamento da base social do regime, a fim de assegurar rea de influncia para defesa de seus interesses econmicos. Assim, forma-se uma coalizo heterognea sob a bandeira da diversificao do aparato produtivo e da reforma poltica, que desencadeia o movimento polticomilitar de 1930, pondo fim a Velha Repblica. No h uma substituio imediata do bloco hegemnico e nem de uma classe por outra, em relao ao acesso ao poder. O que ocorre, no processo de transio, que a poltica econmica orientada para alm de preservar a cafeicultura, favorecer tambm o sistema produtivo voltado para o mercado interno e para diversificar a pauta de exportaes. Para tanto, estabelece-se um Estado de Compromisso. S que este est ligado aos interesses mais globais que resultam do fortalecimento de um novo polo hegemnico e de uma redefinio da insero na economia mundial. Frente necessidade de redefinio da poltica econmica, a fim de garantir a acumulao e, uma conjuntura de acirramento das contradies entre as oligarquias regionais, que brigam entre si pela supremacia, a mobilizao dos setores urbanos mdios e o ascenso da organizao poltica e sindical do proletariado, o Estado assume paulatinamente uma organizao corporativa, canalizando para sua rbita os interesses divergentes. A poltica social do Estado Novo est vinculada a uma estrutura corporativista, em que reprime e desmantela a organizao poltica e sindical autnoma. As medidas de legislao social e sindical so relacionadas crise de poder e a redefinio das relaes do Estado com as diferentes classes sociais, acompanhadas de mecanismos que visam integrar os interesses do proletariado atravs de canais dependentes e controlados, com o objetivo de expandir a acumulao, intensificando a explorao da fora de trabalho. Em termos ideolgicos, isola-se a classe proletria e afirma-se o mito do Estado acima das classes e representativo dos interesses gerais da sociedade, da harmonia social, benfeitor, protetor do trabalho. Pode-se apresentar a criao do Ministrio do Trabalho, na dcada de 30 como uma ao que veio a contribuir para tal imagem do Estado. 2.3. Relaes Igreja-Estado A conjuntura poltica e social (crise de hegemonia entre as fraes burguesas e a movimentao das classes subalternas) abre Igreja um campo de interveno na vida social, visto

desempenhar um importante papel para a estabilidade do novo regime e tambm por disputar com ele a delimitao das reas e competncias de controle social e ideolgico, visto ter como objetivo a conquista de slidas posies na sociedade civil. O Estado, necessitando de apoio da fora disciplinadora da Igreja, procura atrair sua solidariedade tomando medidas favorveis a esta, como a oficializao do ensino do catolicismo nas escolas. A partir da, Igreja e Estado se empenham, atravs de projetos corporativos, estabelecer mecanismos de influncia e de controle na sociedade civil. A Igreja se lana a mobilizao da opinio pblica catlica e reorganizao do laicato, por meio de um projeto de cristianizao de ordem burguesa. Valendo-se da adaptao realidade nacional do esprito das Encclicas Sociais Rerum Novarum e do Quadragsimo Anno, de posies, programas e respostas aos problemas sociais via uma viso crist corporativa de harmonia e progresso da sociedade. Tendo por base as instituies criadas na dcada de 20, em especial o Centro Dom Vital e a Confederao Catlica, surge a Ao Universitria Catlica, a Liga Eleitoral Catlica e outras com o fim de implementar a Ao Catlica. A questo social no monoplio do Estado. A Igreja tem a tarefa de reunificar e recristianizar sociedade burguesa, harmonizando as classes em conflito e estabelecendo entre elas relaes de amizade. Deve prevalecer o comunitarismo cristo. A sua ao poltica ser conduzida pela mobilizao do eleitorado catlico e do apostolado social. A campanha antipopular e anticomunista, que se desencadeia na segunda metade da dcada de 30, estreita ainda mais os laos entre a Igreja e o Estado, pois os dois se empenham contra o comunismo. As instituies atravs das quais mobilizado o laicato, reproduzem os modelos europeus do incio do sculo, modelos estes autoritrios, elitistas e cooperativistas, submetidas ao controle da hierarquia catlica. Tambm tm intima ligao com a Ao Integralista Brasileira (fascismo nacional, ex: TFP Tradio Famlia e Propriedade).

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