Apresentacao A Antropologia Voto e Repre PDF
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Mareio Goldman e Moacir Palmeira
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Antropologia, Voto e
Representação Política
copyright © 1996, Mareio Goldman e Moacir Palmeira
Capa
Andrea Vilela de AlmeitÚl
APRESENTAÇÃO
Projeto Gráfico
Contra Capa
Mareio Goldman e Moacir Palmeira
Produção Editorial
Casa da Palavra
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i MARCIO GOLDMAN e MOACIR PALMEIRA APRESENTAÇÃO •
cessos mais ou menos marginais, a do modelo culturalista é a tentati- mesmo modo, Gilles Deleuze e Félix Guattari sugeriram que~ p~
va de apreender grandes sistemas ideológicos que caracterizariam glo- der envolve sempre a subjetividade e que, longe de opormos o mdJ-
balmente uma sociedade. A uma vertente 'microscópicà corresponde, víduo à política ou à sociedade, deveríamos t.ratar de busca: as
pois, uma outra, de caráter, digamos, 'macroscópico': se, no primeiro inscrições simultaneamente individuais ~ coleuva~ da repressao e
caso, tende-se a buscar grupos minoritários ou identidades locais no do desejo. Mais próximo da antropologia: Bour~1eu demonstro.u
interior da sociedade abrangente, no segundo trata-se de descobrir como as perspectivas sistêmicas e estruturais de:enam ser submeti-
um traço, ou um conjunto de traços, que definiria de imediato e de das ao crivo da atenção no jogo efetivo das prát~cas e !~tas de. rodos
forma global esta sociedade. os tipos implementadas nos mais variados níveis da v1da soc1al.
O segundo conjunto de questões também remete à 'antropo- Não menos radicais foram as iniciativas dentro da própria dis-
logia política'. Ainda que se costume situar o nascimento dessa 'es- ciplina, de autores como Leach, Bailey, Bloch e ~eertz. O primei-
pecialidade' antropológica na década de 1940, com os trabalhos ro, ao perceber que a política entre os Kachm ~undav~-se em
esrrutural-funcionalistas sobre a África, é preciso reconhecer, como princípios que atravessavam roda a socie.dade, .a?nu ~ammh~ ao
demonstrou Adam Kuper (1988), que a questão do poder está bem questionamento de fronteiras entre domímos soc1a1s. Baliey, apoian-
no centro da própria constituição da antropologia social. Neste tra- do-se fortemente nos rrab:llhos de Erving Goffman e reformula~do
balho, Kuper mostra que a grande teoria de Maine- um jurista, 0
conceito de comunidade- que remeteria não à idéia de l.ocaltda-
lembremos - , dividindo as sociedades entre as que estavam fun- de mas a determinado tipo de relações sociais que permean~m tan-
dadas sobre um 'contrato' estabelecido por indivíduos livres e aque- to as pequenas quanto as grandes. coletividades - qu.esnono~ .a
las baseadas em um 'status' que constrangeria a priori a posição e a pertinência da hierarquia esta?ele~1da e~.tre macr~ : mlcro-polt.u-
ação de seus membros, deriva inequivocamente da oposição movi- ca. Bloch, trabalhando com ntua1s polltlcos e rehg10sos, qu~suo
da pelo autor às teorias militaristas que admitiam a universalidade nou a separação entre os dois domínios e s~geriu que a a.urondad.e
do indivíduo e, pelo menos potencialmente, a do Estado. Paradigma (dominação) tradicional do esquema webe~1ano e a autondade reli-
de todas as great divide theories, o modelo político-jurídico de Maine giosa calvez sejam uma única e mesma coisa. Geertz, p~~sando o
restringe claramente o objeto da antropologia às chamadas socieda- Estado e a política nos rermos em que eram pensados e v1v.1dos peb
des sem Estado. população do Bali pré-colonial, demonstrou q~e os nrua1s co•:sn-
ruíam 0 cerne mesmo da política naquela sociedade (e, poss:ve.l-
Como vimos, as teorias sistêmicas da década de 1940 e as mente, não apenas nela) e questionou a universalidal:e da propna
processualistas da década de 1960 introduziram alguns descen- noção de poder e a idéia de que, n.ecessariamente, esteja em jogo na
tramentos neste modelo, recentrando, contudo, o estudo do poder, política apenas a dominação soCial. Esses auto~es, em moment.os
seja nos sistemas, seja nos processos e agentes políticos. Ao longo distintos, estudando povos muito diversos e apo1an~o-se em te~ nas
da década de 1970, os antropólogos assistiram, um pouco de fora, de referência muito diferentes, questionaram o parad1gma :vebe~•a~_o
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é verdade, a alguns descentramentos mais radicais, oriundos em do poder, comum às ciências sociais, e to~n~ra~ sem s~nudo a 1de1a
parte dos movimentos políticos da década de 1960 com suas reivin- de uma antropologia política como subd1sc1plma relanvamente au-
dicações ligadas a demandas minoritárias específicas. A obra de
tônoma da antropologia social.
Michel Foucault, por exemplo, nos ensinou que o poder não preci-
sava necessariamente ser encarado como uma substância localizada
aqui ou ali; podia ser tratado como um feixe de relações imanentes
a rodas as dimensões da vida social. E que, portanto, uma teoria do A especificidade de uma abordagem das eleições apoiada ~m
poder talvez não fosse necessária, devendo ser substituída por uma certas premissas derivadas da tradição antropológica fica espeCial-
analítica empírica das relações de poder em domínios precisos. Do
r·J MARCIO GOLDMAN e MOACIR PALMEIRA APRESENTAÇÃO •
mente clara quando levamos em conta o tipo de tratamento a que mwte o efeito de algumas premissas teóricas e éticas, constituindo-
este objeto foi tradicionalmente submetido, em especial pela ciên- \c, ao mesmo tempo, em responsável pela desvalorização de outras
cia política. Com freqüência, os trabalhos acerca do processo elei- variáveis que fazem parte do processo analisado. A crítica cada vez
toral parecem estar marcados por algumas temáticas centrais bem mais incisiva às visões 'sociológicas' e a progressiva adoção de uma
delineadas. Voltados principalmente para explicar o funcionamen- perspectiva 'internalista' apontam claramente nesta direção. Além
to dos partidos políticos e sua adequação aos problemas da repre- disso, é possível constatar que este modelo sobrevive ao fim do regi-
sentação, estes trabalhos parecem descuidar-se de alguns pontos me militar e é constantemente acionado para dar conta tanto da
fundamentais desse conjunto de questões. Tudo se passa como se nova estrutura partidária que então se estabelece quanto das elei-
estivéssemos às voltas com um esforço destinado a evitar uma pos- \Ões ocorridas a partir deste momento. Assim, diversos trabalhos a
sível relativização das únicas forças tidas a priori como fundamen- respeito das eleições presidenciais de 1989 tendem a enfatizar exata-
tais no processo: partidos políticos e grandes conjuntos sociais, como mcnte os elementos presentes nas abordagens teóricas mais gerais.
classes e seus segmentos.
Nesse sentido, as abordagens tradicionais das eleições tendem
Limitando-nos ao caso brasileiro, podemos constatar que a a conferir um caráter mais ou menos negativo tanto à dinâmica
evoluçã~ dos trabalhos sobre eleições entre 1950 e 1990 parece apon- eleitoral quanto ao comportamento do eleitor. A explicação para as
tar na dtreção de um privilégio cada vez mais acentuado de uma questões levantadas são em geral encontradas na jàfta de algum ele-
visão 'internalista' do fenômeno, visão que se concentra em parti- mento tido a priori como essencial: racionalidade, informação, tra-
cular na análise dos partidos políticos. É preciso reconhecer, em dição e organização partidárias, eficiência governamental etc. As
primeiro lugar, que esta progressiva valorização dos partidos como explicações para os comportamentos dos eleitores oscilam entre uma
c.entrais e, ao menos potencialmente, como legítimos e representa- pretensa irracionalidade do eleitor, o fato dele não dispor das infor-
tiVOS, depende de um condicionamento histórico preciso. mações necessárias para decidir de forma correta, e a suposta desor-
ganização do sistema partidário-eleitoral do país.
Elaborado pouco após o processo de redemocratização de 1945,
o trabalho pioneiro de Victor Nunes Leal (I 949) parece ainda ecoar Enfim, é importante observar que a maior parte das análises
o questionamento do sistema partidário desenvolvido prática e teo- que buscam escapar deste modelo não conseguem evitar a arma-
ricamente a partir de 1930. Escrevendo a partir da segunda me- dilha que consiste em isolar as eleições como momento especial e,
tade da década de 1960, os demais autores dispõem da experiência conseqüentemente, como objeto privilegiado. Analisa-se, pois, a
partidária que se desenrola entre 194 5 e 1964, período no qual se cobertura jornalística, o noticiário da televisão, as pesquisas de opi-
concentram suas abordagens. Além disso, parte desta produção teó- nião, os aros governamentais, o comportamento da população ...
rica se desenvolve no contexto do regime militar de 1964 que, como durante o período das eleições, como se fosse possível encontrar aí a
se sabe, procurou promover novamente a desvalorização dos parti- chave explicativa para o fenômeno estudado.
6 ~o.s. Tentando atribuir a estes uma posição central no processo po-
lmco e advogando sua absoluta necessidade para o funcionamento
da democracia, a literatura produzida a partir da década de 1970
estava certamente participando de uma luta contra o fechamento Face a esse tipo de tratamento, os trabalhos antropológicos sobre
do espaço institucional. eleições aqui reunidos adoram, de diferentes maneiras, uma pers-
pectiva apoiada em ao menos três caracteres distintivos: ampliação
Por outro lado, é possível indagar, de um ponto de vista menos do campo de análise; busca de uma abordagem positiva; reintrodução
histórico, se essa supervalorização dos partidos não representa igual- da dimensão sociológica.
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Em primeiro lugar, o campo de análise é ampliado nas mais deixado de lado, é insustentável. Como já foi sugerido, não basta
diversas direções: representações 'nativas', faccionalismos, vida co- supor "uma simples - mesmo que ampla- 'contextualização' de
munitária, família e redes sociais, imprensa, identidade étnica, fes- ações individuais concebidas em termos lógicos"; cumpre "perceber
tividades, biografias, estruturas de mediação e cultura parlamentar como as estruturas sociais e simbólicas não apenas circunscrevem
são as principais dimensões introduzidas nas análises. aquelas ações, mas atravessam diferentes unidades sociais, indiví-
duos ou não, incutindo-lhes significado" (Palmeira 1992: 30).
Em segundo lugar, trata-se de evitar as abordagens puramente
negativas. Ou seja, em lugar de partir de supostas 'faltas' ou 'carên- A partir desse conjunto de pressupostos, e sem desconhecer a
cias' do eleitorado ou do sistema como um todo, busca-se apreen- especificidade de cada abordagem, uma linha comum parece pre-
der o que há aí de específico c de positivo. Assim, as representações sente em todos os textos aqui reunidos. Goldman e Sant'Anna bus-
dos eleitores são mais que o produto deformado do atraso político cam, deste modo, mostrar como as representações 'nativas' dos
ou da falta de informação; as facções políticas não se reduzem a eleitores fazem parte do processo, que não se reduz, portanto, a um
sobrevivências de um passado a ser abolido; as relações intra-comu- conjunto de ações mecânicas supostamente desenvolvidas, em um
nitárias, familiares ou étnicas são vistas como constituintes do pró- quadro dado de antemão, por regras e limites formais. Da mesma
prio processo eleitoral; os meios de comunicação ganham um papel forma, Palmeira insiste sobre a diversidades de concepções de po-
ativo que não se limita a refletir estruturas supostamente dadas de der e política em jogo no fenômeno eleitoral, ao mesmo tempo em
antemão; as festas e as representações a elas associadas não são mero que mostra que divisões microsociológicas e faccionalismos desem-
suplemento da atividade política; a rrajetória dos candidatos e a penham aí um papel fundamental. Hercdia e Guebel contextualizam
campanha podem ser vistas como processos mutáveis c imprevisí- suas análises na dinâmica da vida comunitária c das relações famili-
veis; os mediadores políticos c a dinâmica da vida parlamentar pas- ares, respectivamente. Bonelli demonstra como a cobertura jorna-
sam a ser encarados como fenômenos dotados de uma certa lística das eleições não está pautada apenas por grandes interesses c
particularidade e eficácia específica. ideologias globais, obedecendo também a dinâmicas próprias ao
funcionamento dos meios de comunicação. Seyfcrth, de uma pers-
Enfim, se, como vimos, a evolução dos trabalhos da ciência
pectiva histórica, revela a importância da questão étnica cm um
política brasileira sobre o fenômeno eleitoral se caracteriza por uma
quadro eleitoral específico. Chaves inclui em sua análise não ape-
progressiva 'de-sociologização' do objcto, é preciso deixar claro que
nas a importância das festas no processo eleitoral, corno também o
a reintrodução da dimensão sociológica por parte dos antropólogos
lugar central aí ocupado por um certo tipo de 'noção de pessoa'.
não equivale, de forma alguma, a um retorno ao tipo de reducio-
Trabalhando também com esta noção, ainda que a partir de um
nismo sociologizantc que os cientistas políticos têm toda razão em
quadro teórico distinto, Scotto demonstra como as biografias dos
desejar ultrapassar. Trata-se, antes, de tentar captar processos que
candidatos em uma eleição majoritária fazem parte do jogo políti-
poderíamos denominar de microsociológicos ou micropolíticos,
co, sendo objcto de construções e disputas fundamentais. Por fim,
8 desde que estes termos não sejam entendidos de forma equivocada.
as análises de Kuschnir e Teixeira tornam as eleições, de algum modo, 9
A análise antropológica de fenômenos como as eleições não se a postcriori. Enquanto a primeira analisa a relação entre a ação de
reduz a um estudo meramente suplementar, ou mesmo comple- vereadores eleitos e as bases sociais e locais que garantiram sua elei-
mentar, àquele desenvolvido há muito tempo pela sociologia ou pela ção, a segunda, detendo-se em um caso particular, demonstra que a
filosofia c ciência políticas. A idéia de uma 'divisão do trabalho' esfera parlamentar é governada, ao menos em parte, por um certo
entre essas disciplinas, onde as últimas abordariam as grandes ques- conjunto de valores específicos.
tões deixando aos antropólogos a tarefa de analisar o que foi por elas
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' J MARCIO GOLDMAN e MOACIR PALMEIRA