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Antropofagia ou Multiculturalismo?
Oswald de Andrade na 24a Bienal de São Paulo
São Paulo
2011
FOLHA DE APROVAÇÃO
Aprovado em:
Banca Examinadora
Na realização dessa pesquisa contei com a ajuda de várias pessoas às quais quero
curso.
A todos os professores com os quais tive contato por meio das aulas, palestras e demais
Aos meus colegas do curso, com quem dividi dúvidas e incertezas. Agradeço em
especial às amigas Georgia Nomi e Gabriela Abraços por estarem ao meu lado durante todo
esse processo.
Agradeço especialmente ao meu irmão gêmeo Alfredo e minha cunhada Mariana pelo
Agradeço ao Paulo por seu companheirismo e ao seu filho Dani por sua força.
Esta dissertação examina os conceitos que embasaram o projeto curatorial da 24a Bienal de
São Paulo, a última Bienal do século XX, realizada em 1998. Busca-se tirar o foco da análise
unicamente da Antropofagia e do canibalismo para inserir a mostra no contexto do
multiculturalismo. Parte-se do pressuposto de que o fenômeno do multiculturalismo, presente
nas discussões políticas decorrentes das mudanças advindas da globalização e da consequente
desterritorialização da arte no mundo contemporâneo, tornou anacrônica a tentativa de
construção de identidades nacionais fixas, tema central do modernismo brasileiro. Nesse
contexto, a 24a Bienal teria se firmado internacionalmente não por estar centrada em um tema
periférico da cultura brasileira, como pretendo comprovar, mas sim por inscrever-se no debate
do multiculturalismo em tempos de globalização pós-colonial.
Figura 1 - Outdoor da 24a Bienal de São Paulo. Fotografia de Gal Oppido. Arquivo Histórico
Wanda Svevo .................................................................................................................... 10
Figura 2 - Rockefeller e Matarazzo assinam convênio de cooperação entre o MoMA e o
MAM, em Nova York. Fotografia: Autor desconhecido. Fundação Bienal de São Paulo.
Arquivo Histórico Wanda Svevo......................................................................................22
Figura 3 - Cartaz da 24a Bienal de São Paulo. Design de Raul Loureiro e Rodrigo Cerviño
Lopez. In: < http://bienalemcartaz.blogspot.com/2009/12/24-cartaz-da-bienal.html ...... 33
Figura 4 - Regina Silveira. Tropel 1998 vinil sobre fachada Pavilhão Ciccillo Matarazzo.
Reprodução: João Musa. In: XXIV Bienal de São Paulo – Arte Contemporânea Brasileira –
um e/entre outro/s: catálogo, 1998............................................................................................36
Figura 5 - Núcleo Histórico. Obras de Francis Bacon contaminadas pelas Trouxas
ensanguentadas de Artur Barrio. Fotografia: Gal Oppido. Arquivo Histórico Wanda Svevo..45
Figura 6 - Oswald de Andrade. Fotografia de Gregori Warchavchik, São Paulo, 1943. In:
PAGU/OSWALD/SEGALL. Catálogo da exposição realizada no Museu Lasar Segall,
de 17 de out. de 2009 a 31 de jan. de 2010...............................................................................47
Figura 7 - Revista de Antropofagia. Edição fac-similar da edição original..............................61
Figura 8- Vista estereográfica de Canibais. Coleção particular................................................66
Figura 9 - Oswald de Andrade: o culpado de tudo. Exposição realizada no Museu da Língua
Portuguesa com curadoria de José Miguel Wisnik no período de 27 set. 2011 a 30 jan.de
2012...........................................................................................................................................71
Figura 10 – Núcleo Histórico: sala Albert Eckhout e séculos XVI e XVIII. Fotografia: Gal
Oppido. Acervo Histórico Wanda Svevo..................................................................................73
Figura 11 – Theodore de Bry. America tertia pars. Frankfurt, 1592. Coleção Biblioteca
Municipal Mário de Andrade, São Paulo. In: XXIV Bienal de São Paulo – Núcleo Histórico –
Antropofagia e Histórias de Canibalismo: catálogo. São Paulo, 1998.....................................74
Figura 12 – Anônimo. O inferno, primeira metade do século XVI. Coleção: Museu Nacional
de Arte Antiga. Lisboa. In: XXIV Bienal de São Paulo – Núcleo Histórico – Antropofagia e
Histórias do Canibalismo: catálogo. São Paulo, 1998..............................................................75
Figura 13 – Albert Eckhout e séculos XVI e XVIII. Fotografia: Gal Oppido. Acervo Histórico
Wanda Svevo...........................................................................................................................75
Figura 14 – Tarsila do Amaral. Abapuru, 1928 óleo sobre tela 147 x 127 cm. Coleção
Eduardo Constantini, Buenos Aires. In: XXIV Bienal de São Paulo – Núcleo Histórico:
Antropofagia e Histórias do Canibalismo: catálogo, São Paulo, São Paulo............................76
Figura 15 – Hélio Oiticica. Tropicália, Penetráveis PN² PN³, 1967. Instalação. Universidade
Estadual do Rio de Janeiro. In: XXIV Bienal de São Paulo – Núcleo Histórico – Antropofagia
e Histórias do Canibalismo: catálogo. São Paulo, 1998.......................................................... 76
Figura 16 – Vista estereoscópica. Coleção particular...............................................................86
Figura 17 - Oficiais britânicos com bronzes e marfins confiscados durante expedição em
Benin, 1897. In: Primitivism and 20th century art: a documentar history……………………87
Figura 18 - Picasso em seu estúdio em Bateau-Lavoir, Paris, 1908. In: Primitivism and 20th
century art: a documentar history……………………………………………………………..88
Figura 19 – Propaganda da exposição: Primitivism in Twentieth Century Art: Affinity of
Tribal and the Modern. In: Primitivism and 20th century art: a documentar history…………91
Figura 20 – Propaganda e salão da exposição de escultura africana na Galeria 291, Nova
York, 1914. In: Primitivism and 20th Art: a documentary history...........................................92
Figura 21 – Albert Chong. Meu passaporte jamaicano. Fotografia 71 x 96,5cm. In: XXIV
Bienal de São Paulo – Representações Nacionais: catálogo. São Paulo, 1998......................98
Figura 22 – Sandra Eleta. Catalina, a rainha dos Congos,1977. Fotografia (prata/gelatina). In:
XXIV Bienal de São Paulo – Representações Nacionais: catálogo. São Paulo,
1998.........................................................................................................................................98
Figura 23 – Fernando Alvim. Termômetros culturais. Instalação. In: XXIV Bienal de São
Paulo – Representações Nacionais: catálogo. São Paulo, 1998...............................................99
Figura 24 – Cecilio Thompson. Presépio koyguá. Instalação. In: XXIV Bienal de São Paulo –
Representações Nacionais: catálogo. São Paulo, 1998...........................................................100
Figura 25 – Moico Yaker. A sua, a minha e a nossa. Vista interior. Instalação, 1997. In: XXIV
Bienal de São Paulo – Representações Nacionais: catálogo. São Paulo, 1998...................... 100
Figura 26 – Abdoulaye Konaté. Homenagem aos caçadores Mande. In: XXIV Bienal de São
Paulo – Representações Nacionais: catálogo. São Paulo, 1998............................................. 101
Figura 27 – Mark Adams. Su’a Pasina Sefo da série Tufuga Ta-Tatau, cibacromo 125 x 100
cm, 1982. In: XXIV Bienal de São Paulo – Roteiros, roteiros: catálogo. São Paulo, 1998.. 102
Figura 28 – Geoff Lowe. Personalificação, 1994. Tinta de polímero sintético sobre linho,
152,5 x 122 cm. Coleção: The Ian Potter Museum of Art, The University of Melbourne. In:
XXIV Bienal de São Paulo – Roteiros, roteiros.: catálogo. São Paulo, 1998.........................102
Figura 29 – Malick Sidibé. Um Yéyé em posição, 1963. Fotografia C.A.A.C. Coleção: The
Pigozzi, Genebre. In: XXIV Bienal de São Paulo – Roteiros, roteiros.: catálogo. São Paulo,
1998.
...............................................................................................................................................103
Figura 30 – Seydou Keita. Sem título. 1956-57. Fotografia C.A.C.A. Coleção: The Pigozzi,
Genebra. In: XXIV Bienal de São Paulo – Roteiros, roteiros.:catálogo. São Paulo, 1998.....104
SUMÁRIO
Antropofagia ou Multiculturalismo?
Oswald de Andrade na 24a Bienal de São Paulo
Introdução
estrutura uma exposição de arte do porte de uma bienal, e quais os motivos que levam um
de comunicação empregadas nas mostras, suas relações com o resultado final e suas
repercussões.
A Bienal de São Paulo é considerada como o mais importante evento artístico do país.
Ela vem cumprindo, por mais de 50 anos, duas tarefas principais, definidas desde sua primeira
edição, quais sejam: colocar a arte moderna e contemporânea do Brasil em contato com a arte
internacional e posicionar a cidade de São Paulo como centro artístico mundial. Deve-se levar
em conta também seu papel pedagógico de tornar a arte contemporânea mais próxima e
importância, portanto, estudar a produção das Bienais, os conceitos definidos para embasar os
escolhemos a 24ª Bienal de São Paulo por sua recepção extremamente positiva e pela temática
Paulo. Este percurso permitirá observar a relação da Bienal com o Museu de Arte Moderna e
seu patrono, Ciccillo Matarazzo. Fazem parte dessa história alguns dos principais nomes da
crítica de arte brasileira como: Mário de Andrade, Sérgio Milliet, Lourival Gomes Machado e
que teve como curador Paulo Herkenhoff e como curador adjunto Adriano Pedrosa.
para entender como foram pensadas e estruturadas as relações com o Manifesto de Oswald de
Antropofagia.
identidade brasileira. Oswald de Andrade concluiu que entre as várias culturas formadoras –
africana, indígena e portuguesa - havia uma que cultivava o canibalismo como prática
pela antropofagia e proclamou-a como sendo o processo que caracterizou a absorção de outras
24ª Bienal inclinou-se mais para o multiculturalismo do que para a discussão da Antropofagia.
Optamos por tratar do tema do multiculturalismo no terceiro capítulo, discutido aqui desde as
conquistas coloniais da América. Pautamos este estudo principalmente nos seguintes autores:
Andrea Semprini, Ella Shoat, Robert Stam e Stuart Hall. Procuramos entender os efeitos das
década de 1990. Escolhemos duas exposições polêmicas, anteriores à 24ª Bienal, que
Century Art: Affinity of Tribal and the Modern, realizada no MoMA, em Nova York (1984),
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argumenta que o Outro passou a ser incluído no mercado internacional de arte contemporânea
a partir desta última exposição. Pautamos a análise desta mudança, que ocorreu, nas décadas
de 1980/1990 nos seguintes teóricos: James Clifford, Thomas McEvilley, José António
Fernandes Dias e Mary Anne Staniszewski. No final deste capítulo confrontamos a 24ª Bienal
muito intrigantes e passaram a nortear toda nossa reflexão a partir das sugestões da banca de
qualificação.
Isso resultou na escolha de uma pergunta como título dessa dissertação. Não se tratou
de buscar uma resposta definitiva para essa questão, mas de abrir uma discussão mais ampla
que nos permitiu abordar a 24ª Bienal de São Paulo de maneira mais complexa, levando em
na esfera da arte.
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Por muitos anos seguidos, a Bienal de São Paulo manteve, ao lado da Bienal de
Veneza, sua precursora e modelo, a posição de mais importante evento do circuito mundial de
arte. Assim, antes de tratar de questões referentes a uma Bienal em particular, é necessário dar
cultura brasileira.
Mário Pedrosa, em “Dos Murais de Portinari aos Espaços de Brasília”, afirma que a
primeira Bienal, de 1951, no Trianon, “(...) marca uma data na evolução das artes no Brasil.
incalculáveis. Não somente para o Brasil como para nosso continente e mesmo para a velha
O crítico acrescenta que “estávamos atrasados 30 anos” (AMARAL, A., 2006, p. 93)
começar pela história, do Museu de Arte Moderna. Machado afirma, também, que o aumento
ritmo muito acelerado, só comparável ao crescimento da própria cidade de São Paulo. Sérgio
Milliet, em 1951, em “Paulicéia: Bienais de São Paulo” deixa claro que a criação de uma
O grande acontecimento da semana em São Paulo foi sem dúvida a Primeira Bienal
de Arte Moderna, que assinala a elevação da pequena e provinciana cidade de 30
anos atrás à categoria de Capital artística do País. Um tal acontecimento já vinha
amadurecendo há muito tempo, primeiramente com a série de exposições coletivas
dos museus e, mais recentemente, com as várias retrospectivas, entre as quais cabe
apontar, pela sua importância, a de Lasar Segall. (ALAMBERT & CANHÊTE,
2004, p. 11)
O marco inicial dessa longa jornada é o contato que os jovens artistas brasileiros
tiveram com a pintura moderna, no início do século XX. Esse contato se deu pela impactante
Essa famosa exposição deflagrou a polêmica entre arte moderna e arte acadêmica,
polêmica, o artigo que Monteiro Lobato escreveu para o jornal O Estado de São Paulo,
intitulado “A propósito da Exposição Anita Malfatti”, foi a reação mais contundente dos
escritor de “Urupês” era avesso às inovações artísticas, que sua crítica de arte baseava-se na
concepção primária de pintura e que não devemos nos esquecer de sua vontade de ser pintor.
A primeira edição de “Urupês” foi ilustrada por ele mesmo, dentro das normas acadêmicas, e
por não ter obtido êxito adveio daí seu provável ressentimento. (BRITO, 1954, p. 51)
ela, figuras como Oswald e Mário de Andrade, Guilherme de Almeida e Menotti del Picchia.
Mário Pedrosa destaca outra descoberta feita por Menotti Del Picchia e Oswald de
Mário Pedrosa chama a atenção para essa influência ter vindo não dos escritos literários e sim
da experiência direta com as artes visuais. Segundo o autor, foi nesse momento que nossos
O jornalista Oswald de Andrade fez entrevistas com as celebridades que nos visitaram
em turnês de espetáculos, como Isadora Ducan, Anna Pavlova e Nijinsky, e chamou a atenção
Trianon um manifesto lançando Menotti Del Picchia. Logo depois, criaram juntos a revista
Papel e Tinta, de vida breve, mas de fundamental importância para o ensaio geral da Semana
de Arte Moderna. Por sugestão de Oswald de Andrade optaram por aproveitar a data da
culturais, tais como: conferências, concertos, recitais e uma exposição de artes plásticas com
cerca de cem obras, no saguão do imponente Teatro Municipal de São Paulo, que aconteceu
Raul Bopp resumiu como principal mérito da Semana de 22, o despertar do Brasil de
Mendes de Almeida (1976, p. 25) analisa que aqueles três dias de fevereiro, foram o
que de mais heterogêneo pudesse existir, tendo apenas um ponto de unidade ideológica, o
sentimento nacionalista de descobrir afinal o Brasil. Concordando com ele, Oswald analisa o
movimento de 22 como a força propulsora primitiva, sem elaboração igual a tantos outros
movimentos que se processam confusos e desiguais. Raul Bopp resumiu como principal
1
Mário de Andrade considerou que a Semana marcou o início do movimento modernista como fato coletivo;
trouxe a convicção de uma arte nova, de um espírito novo. E acrescentou que no Brasil, o modernismo significou
uma ruptura, e uma “revolta contra o que era a Inteligência nacional”. (ANDRADE, M., 1974, p.235)
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Logo após a Semana, os artistas nela envolvidos uniram-se e criaram uma revista
do Brasil. “É uma buzina2 literária, fonfonando, nas avenidas ruidosas da Arte Nova, o
advento da falange galharda dos vanguardistas”, escreve Menotti Del Picchia na KLAXON.
para discutir em mesas de café, salas de redação, os diferentes modos de ver, sob a tônica
modernista.
efervescência cultural no país, como Mário de Andrade (ANDRADE, 1974, p. 238) confessa:
“(...) vivemos uns oito anos, até perto de 1930, na maior orgia intelectual da história artística
do país”.
Durante esses oito anos, eles participavam da garçonnière de Oswald de Andrade, dos
salões na Rua Lopes Chaves, tendo Mário de Andrade como anfitrião e dos chás oferecidos
por D. Olívia Penteado. Essa, influenciada pelos amigos modernistas, construiu o Salão de
Arte Moderna, no fundo de seu Palacete, que ficou conhecido como Pavilhão Moderno e
transformou em um ponto de encontro. Esse pavilhão teve o forro e paredes decorados por
Lasar Segall, e abrigava móveis e objetos modernos, além de obras de: Picasso, Lèger,
Tarsila, Brancusi e Brecheret. O último desses salões paulistas foi o da pintora Tarsila do
Amaral, que segundo Mário de Andrade (ANDRADE, 1974, p. 240) foi o “mais gostoso dos
Penteado, viajaram pelo Rio de Janeiro e Minas Gerais, com o objetivo de mostrar o Brasil ao
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Klaxon é uma palavra de origem inglesa e segundo o Dicionário Aurélio significa “Buzina de Automóvel”.
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poeta franco-suíço Blaise Cendrars, e acabaram redescobrindo o país. Nasceu desta viagem
Amaral, de mesmo nome, que buscam a simplicidade. Márcia Camargos (2002, p. 140)
analisa que mais uma vez, um componente estrangeiro, Cendrars, contribuiu para consolidar
definidor de novos princípios para a poesia brasileira e como um revisor cultural do Brasil,
Quatro anos depois, Oswald de Andrade se reuniu com Tarsila do Amaral e alguns
amigos em um restaurante paulista cuja especialidade era rã. Raul Bopp (BOPP, 1977, p.41),
que estava presente, relata que o amigo começou a fazer o elogio da rã, zombeteiramente
tese, “com um forte tempero de blague” da antropofagia. Alguns dias mais tarde, ele redigiu o
anterior à sociedade e cultura ocidental e européia. Ela valoriza o homem natural, e foi
inspirada no capítulo “De Canibalis” dos Ensaios de Montaigne. Raul Bopp (BOPP, 1977,
p.41) explica que em fases que se sucederam “o grupo empenhou-se num reestudo do ciclo
totêmico, de comer o seu semelhante, isto é, fazer, em disposições mágicas, uma absorção de
principalmente na arquitetura. O país torna-se por um momento, segundo Pedrosa, o país dos
arquitetos.
das conquistas modernistas e de intensa atividade que teria colocado em primeiro plano os
como: Bonadei, Volpi, Rossi Osir, Graciano, Rebolo etc. Datam desta época as associações de
duração breve, mas de significativa importância, como a Sociedade Pro - Arte Moderna
(SPAM). Fundada por um grupo de trinta e nove membros entre artistas, intelectuais,
do Museu de Arte Moderna de São Paulo, ele esclarece que a sociedade propunha-se a
estreitar as relações entre os artistas e as pessoas que se interessam pela arte em todas as suas
colaboração de todos. Logo em seguida foi criado e dirigido por Flávio de Carvalho, o Clube
dos Artistas Modernos (CAM) no qual se organizaram conferências polêmicas sobre a arte
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proletária na URSS, sobre os desenhos dos loucos e também promoveu o intercâmbio entre
São Paulo e Rio de Janeiro, inexistentes até então de acordo com Aracy Amaral. Os salões de
arte também começaram nesta década, como: Salão Paulista de Belas Artes, o Salão do
Sindicato de Artistas e o Salão de Maio. Estes salões são considerados por Amaral, como uma
A partir de 1937, com o Estado Novo, esta fase dos clubes de arte moderna acaba e,
A relação entre a elite brasileira e os artistas modernistas com a cultura européia foi
Estados Unidos fizeram uma oposição democrática ao fascismo e foram apoiados por boa
O governo Roosevelt traçou uma política externa que visava impedir que o modelo
alemão de modernização fosse implantado na América Latina. Este projeto recebeu o nome de
“Política da Boa Vizinhança” e foi implantado pelo milionário Nelson Rockefeller, dono da
Standard Oil e presidente do MoMA. Francisco Alambert explica que essa ação visava criar e
sociedade brasileira. A função era divulgar a cultura e os laços de amizade dos americanos do
norte e do sul. Como tentativa de aproximação cultural entre os dois países podemos citar: a
vinda de Orson Welles para fazer um filme “de amizade” que acabou não sendo concluído e a
vinda de Walt Disney que resultou na criação do personagem Zé Carioca, inspirado no povo
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brasileiro. Para os Estados Unidos foram enviados artistas como Cândido Portinari e Carmen
desejosos de construir, em São Paulo, um Museu de Arte Moderna. Sérgio Milliet, crítico de
destaque, era professor na Escola de Sociologia e Política e, por isso, estava em contato com
Carlton Sprague Smith, adido cultural do Consulado Americano em São Paulo, era um de
Sérgio Milliet, desde 1938, enfatiza em sua atividade crítica, a necessidade de se criar
um museu de arte moderna em São Paulo. Em meados dos anos 1940, Milliet coordena um
grupo de interessados em criar o museu em São Paulo. Faziam parte deste grupo: Eduardo
Kneese de Mello, Carlos Pinto Alves, Ciccillo Matarazzo, Rino Levi e Carleton Sprague
Smith. Sucessivas reuniões foram realizadas no Instituto de Arquitetos com esse objetivo.
Logo após os primeiros encontros, decidiu-se pela criação do museu de arte. Sérgio Milliet foi
encarregado de viajar aos Estados Unidos para contatar Nelson Rockefeller e consolidar a
proposta de fundação do museu, o que seguiria o modelo do Museu de Arte Moderna de Nova
York (MoMA).3
Nelson Rockfeller, em 1946, doou treze obras para a constituição dos museus de Arte
Moderna de São Paulo e do Rio de Janeiro, entre elas – óleos, guaches, têmpera e um móbile,
de artistas significativos como Picasso, Marc Chagall, Fernand Leger e Max Ernst entre
Ao trazer para o Brasil alguns exemplos da arte produzida nos Estados Unidos a
partir de 1940, eu estava pensando que talvez isso os ajudasse a chamar a atenção do
público para os esforços, dos quais ouvi falar pelo meu amigo Carleton Sprangue
Smith. (...) minha intenção, dando alguns objetos de arte ao Brasil, não é fundar uma
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João Spinelli (GONÇALVES, 2004b, p.53) salienta que as dificuldades advindas da implantação de um Museu
de Arte Moderna foram compreendidas pelo magnata norte-americano Nelson Rockefeller, conforme registro em
carta enviada por ele a Milliet, na qual afirma, “em Nova York também tivemos dificuldades que, felizmente, se
resolveram com o tempo”. Era uma referência clara à implantação do museu moderno nova-iorquino em 1929.
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Figura 2 - Rockefeller e Matarazzo assinam convênio de cooperação entre o MoMA e o MAM, em Nova York.
nasceu em São Paulo em 1898. A origem de sua fortuna veio de seu tio, o conde Francisco
Matarazzo, imigrante italiano que veio ao Brasil negociar gordura de porco e, em menos de
uma década, já havia acumulado uma fortuna considerável. Ele e Yolanda Penteado, sobrinha
de Dona Olívia Guedes Penteado, casaram-se e foram passar suas núpcias na Europa. Durante
essa viagem, Ciccillo é acometido pela tuberculose e encaminhado a uma clínica em Davos,
na Suíça para tratamento. Nesta clínica os dois conhecem Nierendorf, colaborador da Bauhaus
e dono de uma galeria de arte em Nova York. Este relacionamento influencia Ciccillo no
projeto do novo museu, sendo decisivo para determinar a participação de intelectuais das
Somente em 1949, o Museu de Arte Moderna abriria sua sede social na rua 7 de Abril,
numa sala do edifício dos Diários Associados, cedida por Assis Chateaubriand. Coube ao
mecenas, Ciccillo, a presidência e, ao crítico belga, Leon Dégand, a direção artística. Foi
direção executiva, que o Museu de Arte de São Paulo “(...) não tem a intenção de favorecer
obras presentes na exposição eram abstratas e pertenciam à Escola de Paris, como podemos
Dentro dos limites que lhe foram designados, a nossa exposição está longe de ser tão
completa como seria de esperar em tempos normais. As dificuldades atualmente
reinantes nas relações e transportes internacionais foram os motivos pelos quais
tivemos que limitar-nos principalmente à Escola de Paris. (ALMEIDA, P.M., 1976,
p.210)
fechava e outra se abria. Em seu livro, o autor denomina o fim da década de 1940 como “a era
dos museus”, quando o ideal modernista, junto ao capital privado da cultura do café, leva a
cidade de São Paulo a buscar uma nova etapa no processo de transmissão, formação e
recepção da arte moderna, o que envolve a fundação de vários museus de arte. É nesse
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período que são fundados o Museu de Arte de São Paulo (MASP), em 1947, o Museu de Arte
importações. A população urbana do país teve um crescimento estrondoso seja pela migração
de capitalistas fugidos das intempéries da Europa, seja por milhões de brasileiros fugidos da
Paulo. Yolanda Penteado, sua esposa na época, acreditava que esta idéia surgiu de uma
maneira imprevista:
Um dia, o Ciccillo estava conversando com o Arturo Profili, e me fez essa pergunta:
– Você não quer experimentar fazer uma Bienal?
Fiquei muito espantada porque nem sabia direito o que era uma bienal. Aí, eles
disseram:
– Já escrevemos a diversos países, sugerindo a idéia, mas não veio resposta. Você
quer tentar? (ALAMBERT & CANHÊTE, 2004, p.37)
Machado, sobre “quanto custava uma bienal”. Machado confessou posteriormente o seu
Era eu então o diretor artístico do Museu de Arte Moderna de São Paulo, e não
quero esconder que, ao lançar Francisco Matarazzo Sobrinho a idéia de levar o
Museu a realizar uma Bienal, fui dos mais acirrados opositores. Realmente, o Museu
25
O modelo seguido pela Bienal Internacional de São Paulo foi o da Bienal de Veneza,
que se baseava por sua vez nas feiras internacionais. Segundo Ivo Mesquita, Veneza, por sua
demais cidades do norte da Itália após sua reunificação. Assim, com sua característica de polo
turístico, a cidade italiana ampliou seu desenvolvimento econômico através da sua inclusão no
calendário das mostras internacionais, criando em 1895 a Bienal de Veneza. Com a criação de
uma exposição de arte internacional em São Paulo, ambicionava-se fazer algo semelhante.
São Paulo consolidava-se como principal centro industrial do país e necessitava, portanto,
Esta nova empreitada lançada por Ciccilo representava um avanço para o ambiente
artístico do país, mas envolvia riscos, uma vez que implicava também em gastos vultosos para
Itália onde se realizava a Bienal de Veneza. Mendes de Almeida (1976, p.221) admite: “(...)
tinham razão os mais prudentes em recear seu fracasso. A realização de uma exposição desse
vulto e a garantia do sucesso não repousa unicamente nos esforços de quem a promove.”
Já Mário Pedrosa (PEDROSA, 1975, p. 252) argumenta: “(...), com efeito, a I Bienal
foi uma pura jogada de improvisação. A sorte ajudou como é costume acontecer aos grandes
de uma produção identificada com os ideais da arte moderna, que buscava incessantemente a
internacional, mas não necessariamente no mercado, o que tem ocorrido em anos bem mais
recentes.
cultural do Brasil”, com carta de apresentação de Getúlio Vargas, aponta Alambert. Ciccillo
grupos: os espontâneos com os artistas que se inscreveram e foram escolhidos pelo júri, e os
convidados compostos por artistas já famosos. Os critérios para os convites não eram
Ao lado dos artistas que passaram pelo Júri de Seleção, figuram oito convidados
especiais. Sua escolha, que mereceu o estudo da diretoria executiva do Museu de
Arte Moderna, visou tomar um punhado de artistas brasileiros cujos nomes e cujas
obras tivessem por qualquer forma, atraído a atenção da crítica estrangeira.
Assentado que os convites, nas futuras exposições, assumiriam um caráter rotativo,
recaindo sempre pois em novos nomes elegeram-se para a Bienal de 1951 três
pintores – Candido Portinari, Lasar Segall e Emiliano Di Cavalcanti – três escultores
– Victor Brecheret, Bruno Giorgi e Maria Martins – e dois gravadores – Oswald
Goeldi e Lívio Abramo.” (MUSEU de Arte de Moderna de São Paulo, 1951, p.18)
com cerca de mil e oitocentas obras de vinte países com predominância das tendências
abstratas.
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Mário Pedrosa analisa positivamente o contato que os artistas brasileiros tiveram com
a arte internacional com a chegada da Bienal. Para ele, os artistas brasileiros corriam grave
Eram os jovens reverentes demais para com os velhos. Os velhos, por sua vez,
satisfeitos com a unanimidade de respeito que os envolvia, tinham a doce e ilusória
impressão que haviam chegado ao ponto final da evolução da arte moderna.
Dormiam sossegados sobre os louros. Tudo isso acabou com o certame internacional
do Trianon. (PEDROSA, 1998, p. 242)
Este contato não foi positivo apenas para os artistas brasileiros, mas sim para todos os
envolvidos direta ou indiretamente com a Bienal. O retorno desta primeira mostra veio logo
Centenário da Cidade de São Paulo, pelo governador Lucas Nogueira Garcez. Pedrosa
observa que esta indicação aconteceu por que a I Bienal havia mexido com a imaginação dos
consagrados. Ela ficou conhecida também como a Bienal do IV Centenário por ter sido adiada
justamente para coincidir com a majestosa comemoração que estava sendo organizada para o
A Bienal foi transferida para o Parque do Ibirapuera, também como parte das
dois pavilhões: o Pavilhão das Nações que receberia as obras estrangeiras e o Pavilhão dos
Estados, para abrigar os artistas nacionais. A mostra recebeu obras de trinta e três países e
nomes consagrados como: Paul Klee, Pablo Picasso, Georges Braque, Marcel Duchamp,
Constantin Brancusi, Alexandre Calder, Edvard Munch (sala especial), James Ensor, Henry
28
Moore (sala especial), e Walter Gropius arquiteto fundador da Bauhaus, entre outros. Um dos
destaques foi a sala especial que abrigou a já famosa Guernica, obra de Pablo Picasso.
comissão julgadora. Decidiu-se que a delegação brasileira teria duas salas especiais apenas:
uma retrospectiva de Eliseu Visconti e uma exposição cujo tema era Paisagem Brasileira.
candidatos tiveram que participar de um extenso curso de formação dirigido pelo professor
Wolfgang Pfeiffer, diretor do Museu. Ele esclarece que a situação do júri nessa edição
melhorou, sendo formado por importantes críticos convidados como o inglês Herbert Read.
mostra e pondera que estava sendo divulgada e julgada por critérios de números, de ordem do
inserido na história da Bienal a partir desta edição; o Instituto Brasileiro do Café instalou
críticas jornalísticas, dentre eles, as principais fontes consultadas para esta pesquisa foram: As
Bienais de São Paulo – 1951-1987, publicada em 1989, pela crítica e historiadora Leonor
mais recente deles, Bienais de São Paulo da era do Museu à era dos curadores, escrito pelo
econômicas pelas quais o país passou durante os últimos sessenta anos. Acompanhada de
muita polêmica, discussão, interesses políticos, especulações e crises financeiras, cada Bienal
trouxe uma reflexão crítica sobre o mundo da arte, como veremos a seguir.
Os primeiros dez anos de Bienal, de 1951 a 1961, que correspondem às seis primeiras
mostras estavam diretamente vinculadas ao Museu de Arte Moderna de São Paulo. Portanto, o
Alambert considera que esses intelectuais de peso que o museu emprestou, explicam o
outro grupo que formava o júri de seleção, modificando a cada edição. Verificamos que,
desde o início, inúmeras são as críticas quanto ao número excessivo de obras expostas, e junto
a isso, a dificuldade que o júri encontrava para fazer a seleção dos trabalhos inscritos.
Amarante destaca esta reclamação do crítico José Geraldo Vieira que integrou o júri de
seleção da 3ª mostra: “Ser membro do júri de seleção da Bienal era o maior castigo. A
quantidade de trabalhos medíocres que aparecia era de pasmar. Raros, entre os milhares,
Este número excessivo de trabalhos enviados para seleção comprova o sucesso que o
profissionalizando o júri de seleção, tais como: Herbert Read, James Johnson Sweeney, Max
favorecimento pela amizade com Ciccillo. A falta de critérios claros para definir os nomes
para as premiações ou para as homenagens através das salas especiais também faz parte
dessas denúncias. Preocupação esta de Lourival Gomes Machado, que em 1955, criticava a
Bienal, já que, segundo ele, campeonatos, concursos e outros tipos de competições eram
O crescimento exagerado das mostras exigiu que a Bienal se mudasse para um espaço
adequado e seguro, compatível com o tamanho e quantidade de obras. Foi desta necessidade
que aconteceu a combinação perfeita entre espaço e exposição. Em 1957, a Bienal foi
instalada no Pavilhão das Indústrias, projetado por Oscar Niemeyer, onde permanece até hoje.
Curiosamente, durante a escolha das obras para a IV Bienal, já instalada neste espaço maior, a
polêmica era a exclusão de vários artistas inscritos, sendo alguns já consagrados. Esta mostra
ficou conhecida como Bienal dos recusados, mas esta postura mais rígida na seleção das obras
dividindo as atenções com a Bienal Internacional se confirmou. Dez anos depois, em 1961, o
presidente Jânio Quadros autorizou Mário Pedrosa, a redigir um projeto de lei que tornasse a
Bienal uma instituição pública. A justificativa dada para a separação das duas entidades era
31
que o Museu havia ficado em segundo plano em relação à Bienal. Para a crítica Aracy
Amaral, a questão era de prestígio, e também de poder. O que Ciccillo desejou foi “se liberar
do fardo de carregar duas instituições”, optando pela Bienal, que lhe conferia maior prestígio
mecenas das duas entidades transformou, então, a Bienal em uma fundação autônoma de
caráter privado, enquanto o Museu continuaria como uma sociedade civil relata Alambert.
separada do MAM, Ciccillo começa a se apoiar em pessoas de sua amizade e não mais em
ausência de um diretor artístico a frente do evento há vários anos. A mostra de 1969 ficou
conhecida como Bienal do Boicote. Participaram desse boicote internacional, encabeçado por
Mário Pedrosa, EUA, França, México, Holanda, Suécia e Argentina. Amaral destaca a falta de
cobertura da imprensa de São Paulo, controlada pelo próprio Matarazzo, que não divulgou
notícias a respeito das causas do boicote e deu pouquíssima cobertura a este assunto de suma
importância para o país. Assim, apesar do boicote internacional com a participação de vários
artistas brasileiros unidos neste momento crítico, a mostra aconteceu normalmente, para o
público desavisado.
globalizantes, momento nomeado por Alambert de “era dos curadores”. Walter Zanini é
convidado por Luís Villares para ser o curador da mostra de 1981, e este convida outros
Este processo de curadoria compartilhada adentra os anos 1990 chegando até a mostra
Em tempos neoliberais, o lema das mostras é quanto maior melhor. Assim, desde que
uma mostra consiga atrair um número cada vez maior de pessoas, ninguém parece se
preocupar com reflexões teóricas ou com a qualidade das obras expostas; contanto que os
tornou-se o padrão das megaexposições em final do século XX. A arte moderna que nas
décadas de 1950 e 1960 era vista, como exemplo a ser seguido, hoje, serve apenas como
chamariz. Separadas em salas especiais e/ou históricas, fica muitas vezes, destituída de
A 24a Bienal inserida neste contexto utilizou as mesmas estratégias para atrair
patrocinadores e o grande público, montando salas históricas com nomes como Vincent van
Gogh e René Magritte, mas conseguiu articulá-los a um projeto curatorial consistente, cujo
Figura 3 - Cartaz da 24a Bienal de São Paulo. Design de Raul Loureiro e Rodrigo Cerviño Lopez.
34
Este capítulo visa descrever a estrutura da 24a Bienal de São Paulo, a última Bienal do
projeto curatorial do curador Paulo Herkenhoff nos quatro segmentos: Núcleo Histórico,
Roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, Representação Nacional e Arte
Andrade e uma análise de seus escritos com o intuito de ampliar o entendimento das questões
históricas presentes numa certa arqueologia do modernismo brasileiro, no qual ele estava
inserido. Para tanto, faremos um mergulho nos primeiros anos do século XX, desde sua
Oswald de Andrade. Não podemos deixar de assinalar que as informações aqui contidas, se
noventa e cinco idéias sobre antropofagia e o canibalismo proposta pelos curadores. No anexo
III inserimos um esquema organizacional da 24ª Bienal de São Paulo feito por Paulo
proposta de reconstituição da mostra feita na planta baixa que situa as principais obras da
Paulo e convidou o crítico Paulo Herkenhoff para ser o curador da 24a mostra Bienal de arte.
Outros nomes importantes passaram a integrar a equipe: Adriano Pedrosa foi o curador
adjunto, Evelyn Berg Ioschpe dirigiu o Núcleo Educação e o arquiteto Paulo Mendes da
Herkenhoff esclarece que inicialmente, cogitou buscar tal conceito em vários momentos da
história da arte brasileira. O Barroco responderia por Minas e pelas cidades da costa, já o
conceito operacional deslocado para a idéia de densidade. A espessura não deveria estar
apenas na arte, e sim na ação dos curadores e, sobretudo, na instituição. Júlio Landmann
defende que este conceito refletiu-se na precisa integração e articulação dos vários setores,
digital, das relações com o público, patrocinadores e outras instituições, além da mídia. Ele
considera que a curadoria da 24a Bienal realizou um velho desígnio: centrar os debates a partir
de uma ótica brasileira e de nossa história cultural. Portanto, pela primeira vez, a Bienal
simbólicas do canibalismo. Esta lista recebeu o nome de “noventa e cinco entre mil, formas de
especulativo)”.
Figura 4 - Regina Silveira. Tropel 1998 vinil sobre fachada Pavilhão Ciccillo Matarazzo. Reprodução: João
Musa.
anterior. Ela foi dividida em quatro segmentos: o tradicional Representações Nacionais, que
recebeu os trabalhos enviados a partir de relações diplomáticas entre o Brasil e vários países
participantes; o Núcleo Histórico, que veio ocupar o lugar das Salas Especiais de mostras
37
palavra Roteiros indicava o número de regiões do mundo cuja arte recente estava
representada. Por último havia o segmento Arte Contemporânea Brasileira declarado como
sendo uma inovação da 24a Bienal, dando destaque especial à produção nacional. Para isso,
foi criada uma exposição denominada Um e/entre Outro/s, que foi dividida em dois eixos. Um
eixo mais subjetivo e psicanalítico, curado por Adriano Pedrosa e outro que expressava
Representações Nacionais
Bienal Internacional de São Paulo. Ela segue o modelo da Bienal de Veneza, onde os países
empreitada. Este segmento garante o prestígio diplomático para a instituição e para seus
diplomáticos em Brasília para cerimônia no Ministério das Relações Exteriores em que cada
país presente recebe o convite formal para participação. A esse respeito Herkenhoff desabafa:
“Às vezes a Bienal pensa que é o Itamaraty”. (HERKENHOFF, Paulo. Revista Santa
Marcelina, p. 31).
participantes. Não se desejava a produção de salas por países, evitando a idéia de “sala
lado o cubo branco e evitando o tipo de espaço característico das feiras comerciais.
Trinidad Tobago, Jamaica, Porto Rico, Cuba, Martinica, El Salvador, Haiti, República
Dominicana, Guatemala, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, Panamá, Suécia, Espanha, Chile,
Irlanda, México, Uruguai, Paraguai, Equador, Colômbia. Áustria, Angola, Portugal, Austrália,
Noruega, Turquia, Grécia, Bélgica, Estados Unidos, Canadá, Palestina, Finlândia, Tailândia,
Rússia, França, Coréia, Suíça, Japão, Bolívia, África do Sul, Eslovênia e Israel.
Núcleo Histórico
As Salas Especiais sedimentada nos anos de 1970, dedicadas a grandes nomes da arte,
foram substituídas nesta mostra pelo Núcleo Histórico. Assim, a 24a manteve o segmento de
identidade brasileira lançaram a hipótese de que entre as várias culturas formadoras (africana,
indígena e portuguesa) havia uma que cultivava uma prática simbólica – o canibalismo – que
antropofagia e canibalismo, a partir do qual foram colhidas opiniões acerca desses dois
incorporados a uma lista que foi distribuída com o título provisório de “165, entre 1000,
interpretações compôs uma lista final publicada em um dos catálogos da 24a Bienal de São
Paulo. Na lista não constou o nome de seus autores para que a noção individualista de autoria
fosse dissolvida numa espécie de banquete, numa grande apropriação coletiva. Segundo o
curador geral, aquilo que surgiu como um tema brasileiro dissolveu-se no amplo interesse dos
participantes de todo o mundo. Herkenhoff aponta também que optou por diferenciar
Para cada sala havia um programa curatorial específico: no espaço dos séculos XVI a
A jangada da Medusa de Géricault, utilizada por artistas como David Siqueiros, Asger Jorn,
Jeff Wall, Thomas Struthe e outros. Como exemplo de apropriação transcultural, ele escolheu
a obra de Van Gogh e as influências que sofreu da xilogravura japonesa. Assim, articularam-
se diversas exposições, todas organizadas por uma equipe de vinte e cinco curadores. O
curador ampliou sua área de atuação, interferindo nesse segmento com as chamadas
instigante entre elas. Além de criarem controvérsias e discussões que serão investigadas após
O título deste segmento composto da palavra roteiro repetida sete vezes foi retirado de
Oswald de Andrade
Sua estrutura seguiu o modelo da 23ª Bienal, chamada “Universalis” que introduziu a
idéia de mostra composta por regiões do mundo. Portanto, cada roteiro indicava uma região
41
do mundo: África, América Latina, Ásia, Canadá e Estados Unidos, Europa, Oceania e
Herkenhoff esclarece que dois princípios foram estabelecidos como método curatorial:
ir e vir. Os curadores deveriam ter a capacidade de articular uma perspectiva do olhar a partir
do lugar. Era necessário definir uma questão e testá-la em campo, construindo o desenho final
Adriano Pedrosa coordenou um chat na internet entre os curadores. Para ele esse chat
Os curadores internacionais escolheram seis obras de cada uma dessas sete regiões do
mundo. Essas regiões foram entendidas como territórios culturais, ao invés de territórios
geográficos. Júlio Landmann explicitou que havia regiões formadas por partes de três
continentes, como no caso do Oriente Médio. O desafio, segundo Herkenhoff, era integrar o
conjunto de olhares e articular critérios. Muitos curadores do segmento optaram por fazer
Destacamos que a arte contemporânea brasileira estava inserida neste segmento também,
Este eixo foi apontado pelos curadores, como uma inovação na história da Bienal.
Segundo Landmann, ele busca dar destaque e tratamento especial à produção nacional,
São Paulo. Este tratamento aparece também na elaboração de um volume a parte, o quarto no
conjunto das publicações. Este volume teve o diferencial de registrar e veicular imagens da
42
segmento foi dividido em dois eixos: Um e outro, cujo curador foi Adriano Pedrosa e Um
Um e outro
As obras foram separadas por temas e definidas pelo curador da seguinte maneira:
Tema dos espelhos: Cildo Meireles, Iole de Freitas, Lygia Clark, Leonilson;
Nazareth Pacheco;
A carne, a pele, a cicatriz: Arthur Barrio, Ernesto Neto, Sandra Cinto, Rosangela
Rivane Neuschwander.
43
Esta organização revela uma abordagem das obras de cunho psicanalítico, enfatizando
o caráter subjetivo.
Um entre outros
Este eixo, segundo o curador Paulo Herkenhoff, foi centralizado em obras que tratam
escolhidas para pontuar esta área: a primeira delas foi a crônica de Clarice Lispector chamada
de Hélio Oiticica.
Os artistas selecionados foram: Anna Bella Geiger, Antonio Manuel, Arthur Omar,
Claudia Andujar, Emamanuel Nassar, Ivens Machado, Mauricio Dias e Walter Riedweg,
Contaminações
de contaminação poderia trazer para a exposição foi dada por Adriano Pedrosa, que a
considera oposta ao cubo branco como o lugar ideal da arte exigido pela modernidade.
potência do objeto, não importando as circunstâncias em que ele se encontre. Assim, a arte
brasileira teve uma presença complexa na Bienal, cumprindo o papel de dialogar com as obras
44
dos outros segmentos. Uma obra de um artista brasileiro, por exemplo, foi incluída na sala de
foi a inserção do artista austríaco Franz West dentro do Eixo da Cor do Núcleo Histórico.
Brasileira foi publicado após a mostra, justamente para registrar imagens das obras no espaço
são insuficientes para uma observação criteriosa dos efeitos visuais destas contaminações.
contaminadas pelo TaCaPe de Tunga e pela Proposta para uma catequese de Adriana Varejão;
Artur Barrio;
Nauman;
- no Eixo da Cor teve presença de obras dos brasileiros Waltercio Caldas e Antonio
Figura 5 - Núcleo Histórico. Obras de Francis Bacon contaminadas pelas Trouxas Ensanguentadas de Artur
Barrio. Fotografia: Gal Opiddo.
mostra. Em artigo para o site da UOL verificamos que o Núcleo Histórico é apontado como o
maior foco de polêmicas. Já no catálogo oficial comemorativo dos 50 anos da Bienal, ele é
Mais de uma década após a mostra, acreditamos que essa polêmica perdeu força no
contexto das exposições internacionais. Paulo Herkenhoff, na revista Santa Marcelina, aponta
São eles: Nicolas Serota, John Elderfield e Yve-Alain Bois. Pudemos conferir em pesquisa
rápida na internet4, a montagem de John Elderfield para exposição Modern Starts (1880-1920)
uma revisão da arte do século XX, dividida em três partes. A primeira delas foi montada por
4
MoMA, Modern Starts: Expresso Revista de 03-06-2000.
46
incluído nas Obras Completas de Oswald “A Utopia Antropofágica”. Nesse texto, Nunes
parte do manifesto Pau-Brasil para identificar no período modernista, algum indício das
questões que ele trabalharia vinte anos depois quando ele escreveu os artigos publicados sob o
título de “A Marcha das Utopias”. O segundo texto encontra-se no livro “Oswald Canibal”,
O livro “Os dentes do Dragão” trás informações preciosas sobre o poeta, através de
depoimentos, desde a época de seu apogeu em 1924 até sua última entrevista poucos dias
antes de sua morte. Esses depoimentos oferecem um panorama de suas idéias em torno dos
mais variados temas, como seu envolvimento com a política e suas opiniões sobre os
Por fim, uma importante fonte consultada foi o livro de Adriano Bitarães Netto
Oswald de Andrade foi bacharel em direito pela Faculdade São Francisco, poeta,
romancista, repórter, jornalista, crítico teatral, bacharel em direito pela Faculdade São
porões do Palácio das Indústrias, defendeu publicamente Anita Malfatti dos ataques de
Monteiro Lobato em seu artigo “Paranóia ou Mistificação”, fez diversos amigos e inimigos
Nascido em uma família tradicional burguesa fez parte da aristocracia rural paulista no
início do século XX. Passeava de cadilac verde pela Rua Augusta e levava os amigos, a toda
velocidade, a lugares distantes, para declamar poemas, cantar e discutir arte. Em depoimento a
48
Mário Silva Brito afirmou: “adquiri um cadilac apenas porque era o único automóvel de São
Paulo equipado com um cinzeiro”, o que mostra seu espírito irônico. Transitou entre as
mansões oligárquicas de mecenas como Freitas Valle, Paulo Prado e Dona Olívia Guedes
Penteado, participando ativamente de reuniões e salões de arte. Fez inúmeras viagens a Paris,
onde manteve residência própria por longos anos e tantas a países da Europa e do Continente
Africano. Fazia extravagâncias como hospedar-se durante longos períodos nos melhores
A vida de nosso personagem, contudo, deu uma guinada em 1929. A quebra da Bolsa
seus relacionamentos. Como em um efeito cascata, rompeu com seus dois melhores amigos,
Mário de Andrade e Paulo Prado e separou-se de Tarsila do Amaral. Filiou-se, então, em 1931
ao Partido Comunista com o incentivo de sua nova companheira, a Pagú. Criaram juntos, em
1933, o jornal O Homem do Povo, cuja característica principal era a defesa dos ideais do
comunismo e a crítica social e política. Portanto, sua vida passou por mudanças
avassaladoras, de aristocrata que passava longos meses viajando pela Europa, à situação de
Viajei, fiquei pobre, fiquei rico, casei, enviuvei, casei, divorciei, viajei, casei... Já
disse que sou conjugal, gremial e ordeiro. O que não me impediu de ter brigado
diversas vezes à portuguesa e tomado parte em algumas batalhas campais. Nem de
ter sido preso treze vezes. Tive também grandes fugas por motivos políticos.
(BRITO M.S., 1972, p.12)
Vários estudiosos se debruçaram sobre sua vida e obra inovadora e polêmica. Antônio
Candido, escritor, crítico e amigo de Oswald, considera que nada separa Oswald de Andrade
de seus personagens. E reitera essa fusão entre vida e obra quando “ele se torna o seu maior
A sociedade brasileira foi abalada em fins do século XIX por dois acontecimentos
novo regime, a sua primeira grande crise econômica. Silva Brito enfatiza esta passagem
histórica com um artigo do romancista Aluísio Azevedo que faz a seguinte declaração:
que era de cerca de 65.000 habitantes foi invadida por uma leva de imigrantes que vinham
substituir a mão-de-obra escrava. Por volta de 1920, a população atinge 580.000 habitantes.
Além disso, a cidade tornou-se um importante centro ferroviário, comercial e político e desde
descreveu em suas memórias algumas dessas importantes transformações: “Um mistério esse
negócio de eletricidade. Ninguém sabia como era. Caso é que funcionava. Para isso as ruas da
pequena São Paulo de 1900 enchiam-se de fios e de postes”. (SCHWARTZ, 1983, p.157)
A literatura deste longo período que se estende desde o final da Monarquia até as
parnasianismo, com pequenas exceções dentro do Simbolismo. Vera Chalmers, escritora que
“Pennando”, o primeiro artigo escrito por Oswald, baseia-se no trocadilho que lhe
serve de título, e designa a viagem do Presidente Afonso Pena a Curitiba e Santa Catarina. O
título tem duplo sentido já que o escritor faz o que teria sido uma penosa cobertura da viagem
Manifesto Antropófago. Ele se utiliza da anedota para organizar o texto que “é puro
Alguns anos depois, ele fundou e dirigiu o semanário paulista O Pirralho5, financiado
por sua mãe. “Ligando-me a um grupo de literatos lancei o semanário com êxito”, relembra
Em 1912, Oswald fez sua primeira viagem à Europa e trouxe em sua bagagem o
Manifesto Futurista de Felippo Marinetti. Em suas memórias lemos: “dos dois manifestos que
5
A revista teve boa aceitação e lançou o extraordinário caricaturista Voltolino.
51
Influenciado também por Paul Fort, que acabava de ser eleito príncipe dos poetas
franceses, o escritor brasileiro resolveu tentar o verso livre. “Eu nunca fui capaz de contar
sílabas. A métrica era coisa a que minha Inteligência não se adaptava, uma subordinação a
Escreveu então, o poema, sem rima e sem metro, intitulado “Último Passeio de um
Tuberculoso, pela Cidade, de Bonde”. Esses versos apontavam o início do rompimento com
Oswald escreveu o artigo “Em prol da pintura nacional”, em O Pirralho de 1915, texto
que já se percebe seu compromisso como incentivador da renovação das artes no Brasil. Nele,
o escritor fixa Almeida Junior como precursor e modelo, e defende as raízes nacionais. Ao
mesmo tempo em que elogia o pintor, critica-o declarando que não vê em seus quadros a
desembaraçarem das recordações de motivos que tiveram em suas viagens para a Europa e,
incorporem ao nosso meio, à nossa vida. Pede também, para que tirem dos recursos imensos
do país, como cor e luz, que os circunda, a nossa arte, buscando uma manifestação superior de
6
“Um automóvel barulhento como uma metralhadora é mais belo que a Vitória de Samotrácia” (uma das obras
primas da antiguidade grega).
7
Oswald de Andrade está se referindo aqui aos jovens artistas brasileiros beneficiados por bolsas de estudos na
Europa, muitas delas oferecidas por Freitas Valle (senador gaúcho, mecenas e dono da Villa Kirial).
52
amigo, assinala Maria Augusta Fonseca. (FONSECA, 1982, p.10) É nessa época também que
Oswald descobre Victor Brecheret, que chegara a pouco da Itália e trabalhava nas
campo artístico. O plano político mundial está contaminado pelas seqüelas da Primeira Guerra
Mundial e pela Revolução Russa. O Brasil rompe relações diplomáticas com a Alemanha
entre os estudantes. Em São Paulo, estoura uma greve geral da qual tomaram parte setenta mil
operários. Mas é no campo artístico que se registra um importante marco para o movimento
seguinte quando de seu retorno dos Estados Unidos, depois de um longo período estudando na
Voltei sem dúvidas, sem preocupações, em pleno idílio pictórico. Durante esses anos
de estudos, pintara simplesmente por causa da cor. Devo confessar, não fora para
iluminar a humanidade, não fora para enfeitar as casa, nem fora para ser artista. Não
houve preocupação de glória, nem de fortuna, nem de oportunidades proveitosas.
Quando viram minhas telas, todos acharam-nas feias, dantescas, e todos ficaram
tristes, não eram os santinhos dos colégios. Guardei as telas. (BRITO, 1958, p.41)
Tem causado a melhor impressão nas nossas rodas artísticas e sociais a exposição de
quadros da distinta pintora Sra. Anita Malfatti, à rua Libero Badaró nº 11...Muitos
dos lindos trabalhos expostos tem sido adquiridos pelos visitantes. Ontem o Sr. Dr.
Eloy Chaves comprou o de nº 15, “Os Patinhos”, e o Sr. J. M. Rodrigues Alves o de
nº 26, “Aspecto da Vila”. (BOAVENTURA, 1995, p.51)
8
Tão impressionados ficaram com suas obras, Oswald e Menotti Del Picchia, que dele fizeram personagens de
seus romances. Em Os Condenados, de Oswald, e no O Homem e a Morte, de Menotti.
53
publicado no jornal O Estado de São Paulo, que iria mudar os rumos da exposição e da
própria artista, que ficaria abalada para sempre. Em torno dela, e em sua defesa reúnem-se
Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Guilherme de Almeida e Menotti Del Picchia. Mas é
filho com a francesa Kamiá que conhecera e trouxera de uma de suas viagens à Europa. Logo
depois, apaixonou-se por uma bailarina brasileira e em seguida, foi a vez de Deisi, a musa
local compõem conjuntamente um diário: O Perfeito Cozinheiro das Almas deste Mundo
(1918-1919). Esse diário é um enorme caderno escrito com tinta de diferentes cores e
imprensa com legendas adaptadas com zombarias do grupo, e outras contribuições como nos
conta Mário Silva Brito em “As Metamorfoses de Oswald”. O autor também aponta que a
figura dominante desse diário é Deise, a Miss Cíclone, o novo amor de Oswald. Eles se
tornam amantes, e escrevem no diário coletivo, poemas e cartas de amor mútuo utilizando
Ferrignac que Oswald casa-se com Deisi moribunda. Ela morre alguns dias depois do
casamento, ocasionando também o fim dos encontros literários nesse local e do diário
coletivo.
Paulicéia Desvairada de Mário de Andrade, que ocasiona um reboliço. Este título dado ao
amigo escritor vai desencadear um equívoco difícil de desfazer pelos literatos modernistas
1921, o triunvirato organizava reuniões, banquetes e começava a campanha pelos jornais, para
Segundo Menotti Del Picchia (1929, p.13), o grupo modernista, em 1921, estava não
Nós queremos viver, vibrar, gozar a glória das coisas criadas no nosso minuto
efêmero, ao ritmo que marca a harmonia integral do cosmos; não queremos ser um
eco de vibração morta, dentro de uma orquestração feita de sons vivos,
harmonizados com todos os ruídos atuais. O passado é um cadáver. Sua refração no
presente só pode ser fantasmal, absurda. (BOAVENTURA, 1985, p.117)
confundida com o movimento futurista italiano, como aponta Maria Eugenia Boaventura.
(1985, p.25)
(...) por uma dúzia de vezes desmentimos o significado estreito do termo futurismo,
a ele dando, quando empregávamos ou um sentido largo e universal, que abrangia
toda a revolução moderna das artes, ou o sentido “paulista”, de renovação dentro das
nossas cerradas fileiras provincianas”. (BOAVENTURA, 1985, p.107)
Annateresa Fabris faz uma aprofundada análise comparativa dos dois movimentos em
Cabe ressaltar que entre os três protagonistas da Semana de Arte Moderna, é Oswald o
de cem obras de artes plásticas, aberta diariamente no saguão do Teatro Municipal de São
Menotti Del Picchia. Contudo, o poeta teve outra participação controvertida, só refutada por
ele anos depois, a contratação de estudantes de direito, instalados nas galerias do Teatro
Municipal, para confrontar os artistas participantes. Era de lá que partiram as vaias, tomates e
batatas arremessadas no palco. Esta participação foi considerada pela escritora Márcia
Camargos em a Semana de 22, como uma brilhante jogada de marketing, levando a imprensa,
até então indiferente aos acontecimentos, a comentá-los, nem que fosse para criticar.
primeiro número da revista, lê-se: “KLAXON cogita principalmente de arte. Mas quer
representar a época de 1920 em diante. Por isso é polimorfo, onipresente, inquieto, cômico,
irritante, contraditório, invejado, insultado, feliz”. Essa revista coletiva durou de maio de 1922
a janeiro de 1923.
56
Tarsila do Amaral chega de Paris, em junho de 1922, e instala seu ateliê no centro de
São Paulo, sentindo a atmosfera inquieta da Paulicéia pós-Semana. Anita Malfatti apresenta-a
ao grupo modernista formado por ela e pelos amigos Oswald de Andrade, Mário de Andrade e
Menotti Del Picchia. Eles começam a se reunir no ateliê da Tarsila, formando o Grupo dos
cinco. No fim daquele ano, Oswald encontra-se com Tarsila em Paris, e passam alguns meses,
publicado em 1924, cuja ilustração da capa é de Tarsila. Ele chama o romance de “o primeiro
cadinho de nossa prosa nova” em um artigo de 1943. O escritor Haroldo de Campos ressalta
exposições de Paris a principal influência na prosa de Oswald de Andrade. O livro foi lançado
por Oswald sem pressa nenhuma, já que começou a escrevê-lo em 1912. Alguns capítulos do
livro foram publicados em 1919 no jornal dos estudantes de Direito e sofreu inúmeras e
como: Manoel Bandeira, Mário de Andrade, Luis Aranha e de forma fundamental Oswald de
Andrade. Cendrars e Oswald liam-se mutuamente no decorrer de 1924 e é nesse ano que o
poeta franco-suiço é convidado a vir ao Brasil para dar uma palestra sobre os poetas modernos
pelo Rio de Janeiro e pelo interior de Minas Gerais. Seu olhar estrangeiro funciona como
mediação à revalorização das tradições coloniais e da cultura popular. Durante essas viagens
57
tradição e à simplicidade, características que dominaram sua obra. Portanto, destas viagens
saíram obras como “Noturno de Belo Horizonte” de Mário de Andrade, o livro Pau-Brasil de
Oswald de Andrade e a série de Tarsila do Amaral, denominada mais tarde de fase Pau-
Brasil.
Cendrars escreveu diversos textos e poesias inspiradas nas terras brasileiras, viajou
diversas vezes ao país, convidado pelo amigo Paulo Prado. Oswald de Andrade chamava seu
amigo francês de poeta-cubista por acreditar que seus poemas eram feitos da mesma maneira
seguida.9
Manhã, quinze dias depois do Carnaval de 1924, e foi dedicado ao amigo francês. Já o livro
de Poesias Pau Brasil foi publicado, em 1925, pela editora Au Sans Pareil, em Paris por
Amaral.
Vi nas exposições, nas conferências, nos círculos de artistas e intelectuais, o que era
a Arte Moderna. Um incrível destroçamento das boas maneiras do “branco, adulto e
civilizado”. O primitivo tremulava nos tapetes mágicos de Picasso, em Rouault, em
Chirico que majestosamente criava o surrealismo. A estatuária negra do Benin
figurava nas vitrinas da Rue La Boetie. Os ateliers eram trincheiras revolucionárias.
Os grandes artistas novos falavam das cátedras do College de France. A mecânica de
Léger, a geometria que do cubismo passava ao abstracionismo, revelavam também
as artes do primitivo, que nada tem nem de paisagista nem de agricultor. A onda
tomou conta do mundo atual, deste grande mundo do século XX que ainda se debate
nas tenazes da reação por não ter levado às últimas conseqüências a certeza de sua
alma primitiva. (BRITO, 1972, p.67)
9
Em 1972, Carlos Augusto Calil fez um filme sobre o poeta e seu amor pelo Brasil, que foi transformado no
livro “Etc..., etc... (Um Livro 100% Brasileiro)”, de Blaise Cendrars. Nele, podemos ler sobre sua paixão pelo
país: “(...) - Senhor Presidente, amo o seu país. Sou louco por ele. Apaixonado. E eu adoro o povinho da sua
terra que dança, canta, faz música, é angelical”. (CENDRARS, 1976, p. 77)
58
um grande impacto nos meios intelectuais do país. Muitos escritores e críticos consagrados
Jornal, intitulado “Literatura Suicida”, lamentando que Oswald estivesse sob a influência do
dadaísmo, condenado pelo crítico como uma das formas negativas do espírito europeu.
Oswald lê esse artigo em Paris, fornecido pelo amigo Paulo Prado e responde a ele,
escrevendo:
O escritor Mário de Andrade faz algumas restrições ao livro, mas declara ser este o
mais completo e mais divertido dos livros de Oswald de Andrade: “Aceito o nome de Pau
Brasil e me sinto muito bem nele. A humanidade carece de rótulos pra compreender as
coisas... Pau Brasil é rótulo condescendente e vago, significando para nós iluminadamente a
Paulo Prado foi o maior defensor do projeto Pau Brasil e Boaventura revela que
Oswald pretendia dedicar-lhe essa obra, mas como Blaise Cendrars patrocinou o livro, ganhou
a homenagem.
movimento modernista e acredita que a partir dele surgiria o nacional como objetivo.
59
(AMARAL, A., 1976, p.219) A análise crítica dos manifestos de Oswald, elaborado por
Oswald comenta sobre o Manifesto em uma de suas entrevistas coletadas por Maria
Chamei Pau- Brasil à tendência mais vigorosamente esboçada nos últimos anos de
aproveitar os elementos desprezados da poesia nacional. Há dois anos publiquei,
sobre essa tendência um manifesto. Persisto nas mesmas idéias. É a expressão que
traduz, com toda propriedade, a poesia brasileira, inspirada nos motivos existentes
em nosso país. (BOAVENTURA, 1990, p.37)
Pau-Brasil começa pela História do Brasil, colocando os índios nos primeiros poemas,
dono da terra, aponta Maria Augusta Fonseca. Os poemas são curtos, sem pontuação,
brasileiros.
Benedito Nunes enfatiza também, a utilização dos cronistas em seus textos e acredita
que essas imagens, essas sugestões isoladas dos textos originais, dão-lhes leituras autônomas
O Manifesto Antropófago
Tarsila do Amaral e o amigo Raul Bopp para comemorar a data em um restaurante no Brás,
em São Paulo. Oswald ganha um quadro de presente pintado por Tarsila. Era o famoso
Abapuru, que ainda não tinha nome. Eles olharam para a pintura e disseram que parecia um
homem sugando a terra, um homem que come a terra, com os pés enormes plantados no chão.
Foram então até o dicionário da língua tupi e viram o que significavam os termos: aba, o
homem, e poru, que come, surgindo daí Abapuru. As associações não pararam por aí. Como o
prato pedido foi pernas de rãs, os amigos começaram a brincar a respeito, articularam aí um
Antropofagia.10
O movimento antropofágico de 1928 teve sua origem numa tela minha que se
chamou Abapuru, antropófago: uma figura solitária monstruosa, pés imensos,
sentada numa planície verde, o braço dobrado repousando num joelho, a mão
sustentando o peso-pena da cabecinha minúscula. Em frente, um cáctus explodindo
numa flor absurda. Essa tela foi esboçada a 11 de janeiro de 1928. Oswald de
Andrade e Raul Bopp – o criador do afamado poema Cobra Norato – chocados
ambos diante do Abapuru, contemplaram-no longamente. Imaginativos, sentiram
que dali poderia surgir um grande movimento intelectual. (AMARAL, T., XXXX,
p.XX)
10
Raul Bopp (BOPP, 1977, p.40.), porém, revela outras particularidades daquele momento histórico:
Quando entre aplausos, chegou o prato com a esperada iguaria, Oswald levantou-se,
começou a fazer o elogio da rã, explicando, com uma alta percentagem de burla, a
doutrina da evolução das espécies. Citou autores imaginários, os ovistas holandeses,
a teoria dos homúnculos, para provar que a linha da evolução biológica do homem,
na sua longa fase pré-andróide, passava pela rã – essa mesma rã que estávamos
saboreando entre goles de um Chabli gelado.
Tarsila interveio:
- Com esse argumento, chega-se teoricamente à conclusão de que estamos sendo
agora uns ... quase - antropófagos.
Bopp acrescenta que a tese se amplia, dando lugar a um divertido jogo de idéias, Hans Staden e outros estudiosos
da antropofagia foram citados. Só alguns dias mais tarde, o mesmo grupo do restaurante reuniu-se no palacete do
casal para o batismo do quadro de Tarsila.
61
Antropófago, escrito por Oswald e datado como “Piratininga, Ano 374 da Deglutição do
colaborando pouco. Quando retornou ao país, decidiu levar à frente a segunda fase da revista,
sem poder contar com a colaboração dos antigos colegas devido a desentendimentos. Ele
refez então, a revista no Diário de S. Paulo. Fizeram parte dessa segunda fase, os jornalistas
Oswaldo Costa e Clóvis Gusmão, Raul Bopp e Geraldo Ferraz que colaborou na parte gráfica
explicou que a revista não foi uma e sim duas. A primeira surgiu com um caráter eclético que
Foi aí que resolvemos tomar de assalto o suplemento do Diário de São Paulo, jornal
dirigido então pelo Rubens do Amaral. E à inteira revelia da direção do órgão, que
ignorava completamente nossas atividades “subversivas”, conseguimos fazer à luz
uns oito números (....). (BOAVENTURA, 1990, p.213)
importação” que fora seu apelo em 1922. Em outra entrevista de 1944 ele aponta que a
p.87).
tendo Tarsila como principal intérprete penetra mais a fundo no Brasil, para atualizá-lo, mas
O brasileiro tem que assimilar as conquistas da cultura e da civilização, pois tais são
as contingências do tempo, mas que ao menos isso se faça à bruta, ferozmente. O
selvagem, o brasileiro, pode elevar-se à cultura, desde que conserve as qualidades
bárbaras das origens bugres e africana. Ela digere a civilização como, segundo a
lenda, os selvícolas comeram o Bispo Sardinha numa praia deserta do Brasil
cabralino. (PEDROSA, 1998, p. 149.)
Mário Silva Brito concorda que a Antropofagia prega o retorno ao primitivo, porém,
modernistas brasileiros junto com os relatos produzidos pelos cronistas que retrataram o
Brasil nos séculos XVI e XVII. O contato direto ou indireto com esses textos na época do
mentalidade do primitivo como oposta à do civilizado, analisada por Freud e por Marx; a
1954:
da América, ao considerar os canibais brasileiros, menos cruéis com seus inimigos do que os
E essa ambigüidade era geralmente resolvida pela idealização, fazendo com que o
Assim, neste período de definição das estéticas modernas, não se ignoraram os papéis
enfatiza essa concepção, do movimento modernista no Brasil, entrando no país pelos fundos e
defende que:
europeus, “às latitudes exóticas da África e da Oceania para revigorar as forças em fontes
mais puras e vitalizadas de certas culturas primitivas” era só se virarem para dentro do país.
Por quê? Porque nós somos, antes de tudo, antropófagos...Sim, porque nós da
América – nós, o autóctone: o aborígene – rodeamos o cerimonial antropófago de
ritos religiosos. Comer um ser igual para o índio não significava odiá-lo. Ao
contrário: o bugre sempre comeu aquele que lhe parecia superior. Aquele, dono de
qualquer dom sobrenatural, sobre-humano que o fazia aproximar-se dos pajés. De
resto, isto é profundamente humano: o homem sabe o que deve comer.
(BOAVENTURA, 1990, p.43)
Em Oswald Canibal, Benedito Nunes reforça o caminho seguido por Oswald em suas
andanças por Paris, e descreve esse longo percurso de influências sofridas pelo poeta do Pau-
Surrealismo e reforça a enorme diferença da Paris nos idos anos de sua primeira viagem e a
65
Paris dos anos 1923. A Paris do Dadaísmo, sobre o qual choviam panfletos e revistas,
discussão em Oswald Canibal é se Oswald teve contato direto ou não com o Manifeste
plágio das idéias de Picabia. O autor discorda dessa interpretação feita por Heitor Martins,
destaca que:
Como bem percebeu Heitor Martins, a imagem do canibal estava no ar. Por isso,
quem se aventura a estabelecer os antecedentes literários privilegiados que ela teve,
será obrigado a recuar de autor a autor, indefinidamente. Essa imagem, que a
nenhum autor pertenceu, fez parte de repertório comum a todos, e a todos serviu de
acordo com as intenções específicas de cada qual. (NUNES, 1979, p.15)
Nunes. E admite que Oswald aproxima-se dessa fonte de que todos bebiam retirando dela,
Ao comentar sobre a originalidade em arte, Valéry afirma que: “(...) plagiador é aquele
que digeriu mal a substância dos outros: vomitando pedaços reconhecíveis daquilo que havia
Dicionário Filosófico de Voltaire, salienta Nunes. Totem e Tabu, de Freud foi publicado em
condição humana, nas palavras de Oswald. No campo das imagens é possível encontrar, por
Figura 8 - Vista estereoscópica publicada pela Key Stone View Company, integrante da série South Sea Island.
Legenda: “One kind of water craft in which the New Guinea Cannibal paddles to Nelghboring Islang”. (s.d.,
início do século XX).
Cândida Ferreira de Almeida (ALMEIDA, M.C.F., 2011, p.03), alguns autores trabalham com
uma distinção entre estas palavras. O canibalismo estaria ligado ao ato de se alimentar de
carne humana, enquanto a antropofagia faria a ligação entre o ato e um ritual. Ela explica que
Marshall Sahlins, o canibalismo tem uma forte dimensão simbólica mesmo quando se
concretiza na vida real. Ferreira conclui que Oswald reverteu essa ordem, ao se apresentar
brasileira.
tradição, como Paulo Prado escreveu: “Oswald de Andrade, numa viagem a Paris, do alto de
um atelier da Place Clichy- umbigo do mundo- descobriu, deslumbrado, a sua própria terra”.
1944, reafirma essa idéia: “Se alguma coisa eu trouxe das minhas viagens a Europa dentre
duas guerras, foi o Brasil mesmo. O primitivismo nativo era o nosso único achado de 22”.
escritor Mário de Andrade passou a ocupar este espaço junto à intelectualidade brasileira,
constatar a seguir: “Houve mesmo, durante muito tempo – e com reflexos até nossos dias -
uma campanha sistemática de silêncio contra Oswald, que resultou na minimização, senão na
p.xiv)
Oswald de Andrade fez um levantamento do percurso crítico de sua própria atuação na cultura
brasileira. Segundo Lúcia Helena, nesta palestra, ele procurou realçar o seu papel de ponta de
faz um levantamento analítico dos percalços vividos pelo poeta. E é ela quem destaca o trecho
Lúcia Helena enfatiza, também, que esse espaço perdido por Oswald, foi ocupado por
Mário de Andrade, e que este assumiria o papel de mentor, pesquisador e crítico reconhecido.
Até mesmo Antonio Candido contribuiu nesta década de decadência, para difamação
de Oswald, escrevendo que ele seria o “inventor do sarcasmo pelo sarcasmo”. Porém, em
condescendência juvenil.
Maria Eugênia Boaventura reuniu várias entrevistas de Oswald, de 1924 até a data de
sua morte, e localiza a fase de ostracismo do autor, entre o final da década de 1940 e início
dos anos 1950. Nestes longos anos, seus artigos eram recusados pelos jornais mais
importantes, não tinha fãs e distribuía autógrafos somente aos “pregos e aos bancos”, como o
próprio Oswald lembrou. Nos artigos escritos para os jornais de 1930 a 1940, prevalecia a
discussão sobre política, as fofocas em torno da política nacional, sua ligação com o Partido
menciona o papel de Oswald como denunciador do ambíguo discurso das elites na Revolução
de 1932 e os obstáculos diversos que estas lhes causaram. (REVISTA USP, 2001/2, p.15)
Consideramos que dentre vários motivos para essa anulação, seu encaminhamento
para a extrema esquerda iniciando uma fase de militância política na década de 1930,
69
contribuiu fortemente. Durante esse período, Oswald lançou no cenário jornalístico nacional o
O Homem do Povo criado e dirigido por ele e sua companheira Patrícia Galvão. Neste
momento, 1931, eles estão filiados ao Partido Comunista, defendem os ideais do comunismo,
a crítica social, política e religiosa como tema desse periódico. Circula de março a abril de
1931, com grande formato, mas com apenas seis páginas em cada número. Este jornal era
diferente dos outros que Oswald havia criado ou colaborado, como: O Pirralho, Papel e tinta
páginas de “(...) pura conflagração: crítica à Igreja, ao Estado, aos governos, à família e aos
o 1º concurso, com votação feita pelos leitores, para escolher o maior bandido vivo do Brasil.
Incluindo entre os mais votados estão alguns importantes políticos da época – como Dr.
desgastado. (CAMPOS, A. 2009, p.59) A circulação deste periódico foi proibida pela polícia
devido aos graves incidentes com os estudantes da faculdade de direito de São Francisco.
Oswald havia classificado a faculdade como um cancro, que estaria minando o Estado de São
Paulo, foi agredido e quase linchado em plena Praça da Sé. (CAMPOS, 2009, p.56)
Oswald de Andrade morreu em 1954 sem recuperar seu prestígio. Assinalamos essas
anárquica, e sua vida particular, comprometeram sua obra e diminuíram seu valor para a
seu gênio criador e inventivo como influência direta. A poesia concreta de Augusto e Haroldo
70
brasileira temos o movimento tropicalista com Gilberto Gil, Caetano Veloso e Torquato Neto.
No teatro, entre 1967 e 1968, Oswald aparece de forma polêmica e conturbada através da
encenação de O rei da vela, no Teatro Oficina de José Celso Martinez. Ultimamente Oswald
vem ganhando destaque no cenário nacional e, sua obra tem sido revista através de
escritores foram convidados para comemoração. Estas palestras e seminários foram transcritos
e reunidos no livro Oswald Plural, publicado em 1995. Destacamos, também, que 1998, ano
da inauguração da 24a Bienal de São Paulo, foi o aniversário de setenta anos do Manifesto
Antropófago.
Após a 24a Bienal, várias outras publicações sobre o Manifesto Antropófago e Oswald
relação entre o poeta e Pagú, com farta documentação de cartas, desenhos e retratos e seu
relacionamento posterior com Maria Antonieta d’Alkmin. Por ocasião da mostra, foi lançada
Paraty que homenageou o escritor Oswald de Andrade. O crítico literário Antonio Candido foi
por Jorge Ruffinelli e João Cezar de Castro Rocha, em versão ampliada, cuja primeira versão
havia sido publicada em 1999. O Museu da Língua Brasileira prestou homenagem ao poeta e
escritor com a exposição “Oswald de Andrade: o culpado de tudo”, aberta desde outubro de
71
2011 até o início das comemorações dos 90 anos da Semana de Arte Moderna. O curador
Figura 9 – “Oswald de Andrade: o culpado de tudo”. Exposição realizada no Museu da Língua Portuguesa.
Fotografia da autora.
reavaliar sua obra e sua importância no cenário nacional continuará nos próximos anos,
revertendo assim, o silêncio sobre ele. Alguns estudiosos defendem a atualidade de seus
O Núcleo Histórico da 24a Bienal de São Paulo e suas imbricações com o Manifesto
Antropófago
relevantes do Núcleo Histórico na 24a Bienal por sua aproximação direta com o Manifesto
com o canibalismo, e ou, criaram relações forçadas com a antropofagia. Endossamos a crítica
feita pela historiadora Annateresa Fabris (FABRIS, 1998, p.XX) ao enfatizar que toda cultura
72
é feita de empréstimos e adaptações por parte de outra cultura. Com isso, consideramos que
recorte evitando, o que consideramos como simples influências. Lembramos que esta foi uma
A primeira sala que destacamos foi a denominada Albert Eckhout e séculos XVI-
XVIII que teve como curadores Ana Maria Beluzzo e Jean-François Chougnet.
revista de Picabia, a destruição do Dada, de André Breton e as conexões possíveis com a obra
de Oswald de Andrade. Ela acredita que Oswald apropria-se para re-significar passando o
Antropofágica (1928). Este é um dos grandes trunfos do Núcleo Histórico, aproximar as duas
obras, agregando a eles, os relatos de viagem, que circulavam por toda a Europa e entre os
é o avesso do discurso lógico, pode compensar a falta das imagens e dos trocadilhos que nos
Figura 10 - Núcleo Histórico: sala Albert Eckhout e séculos XVI e XVIII. Acervo Histórico Wanda Svevo.
Fotografia de Gal Oppido. Vitrine com os livros de: Montaigne, Hans Staden, Jean de Lery e Andre Thevenet.
Beluzzo acredita que a visualização das figuras indígenas pode ser mais bem
Theodore de Bry que divulga novas versões das viagens dos dois. Ela defende que o projeto
“o argumento visual toma proeminência e conquista autonomia com relação ao texto, do qual
Histórico: as primeiras edições de Staden, Léry e Thevet, duas cópias de Theodore de Bry e
uma das oito cópias da primeira edição dos Ensaios de Montaigne. Segundo Nunes, Oswald
de Andrade tirou do capítulo XXXI dos Essais a própria idéia da vida primitiva.
74
Beluzzo considera que “Theodore de Bry confere teor dramático à narrativa visual
pecado.
Além dos relatos de viagem dos conquistadores do século XVI, o núcleo histórico
apresentou também várias alegorias produzidas entre os séculos XVI e XVII. Desde as
alegorias quinhentistas portuguesas sobre o inferno com a imagem do índio como demônio,
Figura 12 – O inferno. Anônimo. Primeira metade do século XVI, óleo sobre tela. Coleção Museu Nacional.
1998b, p.71)
Figura 13 - Núcleo Histórico: sala Albert Eckhout e séculos XVI e XVIII. Fotografia de Gal Oppido.
76
A sala século XIX teve curadoria de Régis Michel e discutiu o Totem e o Tabu de
esculturas de Auguste Rodin, Gustave Moreau e Theodore Gericault. Estas obras e suas
tópico.
dividiu o espaço com: Anita Malfatti, Vicente do Rego Monteiro, Emiliano di Cavalcanti,
Guinard, Goeldi e Ismael Neri. Mas é na sala com curadoria de Sonia Salzstein que pudemos
apreciar sua obra mais famosa e deflagradora da Antropofagia, o Abapuru. A curadora destaca
a obra “A negra” e seus estudos feitos em Paris, em 1923, como precursora das idéias
Antropofagia na arte brasileira, a obra dos artistas ligados ao neoconcretismo: Hélio Oiticica e
Lygia Clark. Salzstein argumenta que apesar de não encontrarmos nos textos mais conhecidos
desses dois artistas, menção direta a poética da antropofagia, não podemos negar esta
presença. A obra de Hélio Oiticica esteve presente na sala denominada de Monocromos que
teve curadoria de Paulo Herkenhoff e assistência de Valéria Piccoli. E também, foi muito bem
curadoria de César Oiticica Filho, Luciano Figueiredo e Paulo Herkenhoff. Esta sala
lembramos que na XXVI Bienal sua obra ganhou destaque, alcançou a centralidade da mostra.
Este capítulo pretende refletir sobre uma questão surgida no decorrer desta pesquisa de
mestrado, isto é, qual era a vocação da 24a Bienal de São Paulo, a antropofagia ou o
multiculturalismo? Como vimos no capítulo anterior, a 24a Bienal de São Paulo articulou a
devemos restringir nosso olhar apenas ao eixo histórico com suas histórias de canibalismo e
levados a defender que os artistas escolhidos e suas obras contemporâneas estão inseridos no
Roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, roteiros e suas imbricações com o
multiculturalismo.
Semprini. Os autores têm maneiras distintas de tratar o tema, contudo defendem a mesma raiz
discurso na formação das práticas colonialistas, discorre sobre seu reflexo em todas as
histórias do resto do mundo não europeu. Já o autor italiano faz um levantamento histórico da
sua complexa sociedade atual múltipla e conflituosa. Para ele, é neste contexto de grupos
heterogêneos com forte mobilidade social que a diferença se torna a questão central, ponto-
questão central das reflexões sobre o fim da modernidade. O livro de Stuart Hall, A identidade
Estados Unidos, já que este assunto encontra-se com maior disponibilidade na bibliografia, e,
Semprini.
julgamentos morais, escolhas comportamentais que tem valor absoluto e deveria aplicar-se a
todos os homens.
Semprini destaca que contrariamente a esta suposta idéia de igualdade e justiça, foi
O autor conclui que este projeto de modernidade foi colocado em xeque pelas
América Latina guardam certas semelhanças, isto é, têm como alicerce a violência da
conquista. Esta palavra foi substituída oficialmente por “descobrimento” pelo governo
espanhol em 1556. Sabemos que os países americanos eram habitados por populações
indígenas há milhares de anos que foram massacradas até quase sua eliminação. É este
momento do discurso colonialista, a partir de 1492, que serve de base para a discussão do
multiculturalismo nos dois livros acima citados. Shohat e Stam consideram que as viagens de
condensados por eles em três fatores: a cobiça pelas riquezas oriundas do Novo Mundo, a
vantagem dos novos mercados nas Américas e a dominação das populações nativas das
Américas e da África.
que sua história é crucial para o eurocentrismo pelo fato dele desempenhar um papel seminal
disseminar o paradigma colonial. As omissões históricas que cercam a figura de Colombo são
revistas pelos autores, que apontam e incluem: a Inquisição, seu envolvimento com o tráfico
podemos ler:
Shohat e Stam lembram que o processo colonial deu um salto enorme com as viagens
século XIX, no período entre 1870 a 1914. Tratado como a sedimentação do colonialismo, o
81
maior parte da Ásia, África e Américas. Esta conquista de territórios, também conhecida
de capital, assim como, a uma política de intervenção do Primeiro Mundo nas nações recém-
emancipadas.
século XIX consistia numa forma diferente de dominação. O foco do neocolonialismo era
principal objetivo era repartir o mundo entre as grandes potências capitalistas, ampliando e
África ocidental; a presença, entre os primeiros colonos, de grupos religiosos; a base anglo-
injustiças impostas pela população branca européia aos povos nativos e aos negros durante a
religiosa, isto é, com o multiculturalismo, que naquele momento estava longe de ser nomeado
como tal.
Depois desta formação inicial, os Estados Unidos passaram por outros fluxos de
protestante (católicos, judeus) e aos países da Europa meridional e oriental. Este processo
migratório sofreu uma estagnação justificada pela Grande Depressão de 1929 e a Segunda
uma vez, o cenário étnico norte-americano. No pós-guerra o país se torna a grande potência
mundial que se manterá dominante até a recente crise dos anos 2010.
enormes migrações legais e ilegais, a partir de vários países pobres da América Latina e da
bacia caribenha bem como de refugiados políticos do Sudeste da Ásia e do Extremo Oriente,
entendimento do peso das mudanças socioculturais e na crise do espaço público que levaram
países europeus – encabeçados pela França - passaram por diferentes movimentos sociais nos
anos 60, que contribuíram para afirmar o multiculturalismo recente. O movimento pelos
direitos civis com o objetivo principal de pôr fim a segregação racial nos Estados Unidos,
através de Martin Luther King e Nelson Mandela, foi um deles. Junto ao movimento negro,
movimentos pela paz e tudo aquilo que está associado com o emblemático ano de 1968.
(...) sofrendo tensões pelas pressões exercidas nos limites do espaço público;
fragilizado enfim pelas mudanças ocorridas no coração mesmo deste espaço, o
projeto da modernidade dificilmente poderá dar uma resposta coerente ao impasse
multicultural se não for profundamente reformulado. (SEMPRINI, 1999, p.160)
O historiador da arte Hans Belting reforça esses argumentos quando escreve sobre o
fim da história da arte. Ele reafirma que a história da arte foi sempre história da arte européia,
hegemônica e universal e começou a ser contestada como tal, primeiramente pelos Estados
84
Unidos, que depois da II Guerra Mundial dominaram o cenário artístico. Este protesto,
segundo o autor, partiu justamente das feministas que reclamaram a sua participação numa
história da arte em que queriam reconhecer a própria identidade. Atualmente, segundo ele, os
temas regionais também forçaram a uma revisão da história da arte. E previne que:
Entramos assim, nas questões específicas das exposições. Todas essas transformações
dos objetos não ocidentais, concebidos como objetos rituais das culturas primitivas
uma mudança radical na mão dos modernistas. Consideramos importante percorrer o trajeto
feito por estes artefatos até chegar às mega-exposições espalhadas pelo mundo, entre elas a
Bienal de São Paulo, foco desta pesquisa. Verificamos que eles foram e continuam sendo
contemporâneas.
Antes de iniciarmos este trajeto faremos uma pequena pausa para inserir uma
importante observação sobre o uso dos termos: primitivo, primitivismo e tribal. Eles sofreram
mudanças no seu uso e sentido durante os últimos anos. Segundo Gill Perry, o termo
primitivo foi usado para distinguir as sociedades européias e suas culturas das outras
consideradas menos civilizadas. Ele observa que até meados do século XIX, primitivo era
usado para objetos vindos da cultura italiana e flamenga dos séculos XIV e XV e, que depois
seu uso foi ampliado. A partir do século XX, passou a referir-se às antigas culturas egípcias,
persa, peruana, japonesa e a arte chamada tribal da África e da Oceania. Para Perry,
primitivismo é usado para referir-se aos discursos sobre o primitivo. Thomas Mc Evilley
85
No final do século XX, o termo “primitivo” foi descrito como eurocentrista, como
revelador de uma visão centrada no Ocidente, de uma cultura estrangeira (por isso
eu uso o termo entre aspas). Argumentou-se que pelo simples fato de usarmos a
palavra “primitivo”, em vez de uma que dê uma designação geográfica da cultura
em questão (como “africana”, “egípcia”, “polinésia”), estamos definindo essa
cultura como diferente da nossa, como “primitiva” segundo nossa noção ocidental
do que é civilizado. (PERRY, 1998, p.5)
operaram amplas e profundas mudanças no modo do europeu ver o mundo. Na época das
cultura material dos povos e da natureza que encontravam em suas viagens. Esses fragmentos
tiveram um papel importante para aqueles que não podiam viajar, proporcionando um
ao XVIII, de acordo com o antropólogo português José Fernandes Dias. Alguns curiosos e
estudiosos tornaram-se grandes colecionadores desses objetos que mais tarde tornaram-se
parte dos acervos dos primeiros museus científicos e etnográficos, reforçando assim, a
povos colonizados, tratados como bárbaros e primitivos. Uma série de exposições tanto nos
Lembramos que este tipo de exposição no qual seres humanos se tornavam objetos de
estudo, e eram explorados como atração já acontecia no século XVI, durante as viagens de
descobrimento, citadas anteriormente. Acreditava-se que estas etnias viviam sem história,
paralisados no tempo, em uma existência mítica. E muitos estudiosos acreditam ser esta, uma
Figura 16 – Vista estereoscópica publicada pela Key Stone View Company. Legenda: “Indiana at Home, Atlanta
Exposition, Georgia”. (1895).
esclarecem o importante papel delas, que, naquele momento, foram essenciais para dar
buscando de certa forma, decifrar as outras culturas. Os autores observam também, que a
fácil, certo e rápido, segundo Sandra Koutsoukos. Eram comuns retratos de cientistas,
mostrar, mais uma vez, o contraste entre o civilizado e o primitivo. (KOUTSOUKOS, 2010,
s/n)
Figura 17 – Oficiais Britânicos com bronzes e marfins confiscados durante expedição em Benin, 1897.
No início do século XX, ocorre uma transformação radical operada pelos artistas de
do Homem, por exemplo, buscando nos mundos distantes e colonizados, a arte primitiva
88
como uma saída para o desalento cultural e o esgotamento da arte ocidental. Alguns artistas
colecionavam objetos tribais que serviam de inspiração para suas obras. O caso mais
conhecido e estudado é o de Pablo Picasso que modificou a história da arte com suas obras
cubistas, influenciado pelas máscaras africanas que colecionava. Tornou os objetos rituais
parte inseparável da história ocidental da arte. Dito de outra maneira, os artistas modernistas
deram aos artefatos tribais que se espalhavam pelos mercados de rua, a qualidade de arte. Das
ruas, esses objetos foram parar em seus ateliês, organizados em coleções particulares.
supunha que o entorno neutro da galeria os libertaria de seu contexto. Somente os critérios
seus criadores. Assim, os critérios de qualidade ocidentais foram impostos aos objetos tribais,
Museu de Arte Primitiva, como também, no Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York.
Ela conta a história das exposições no MoMA e contribuiu imensamente para a nossa
pesquisa sobre as duas exposições emblemáticas que discutiremos a seguir. Outros dois livros
alicerçaram esta parte da pesquisa. O primeiro deles reúne diversos textos sobre o encontro
entre os artistas e escritores ocidentais com a chamada arte Primitiva: Primitivism and
twentieth-century art editado por Jack Flam. E Picasso’s collection of African & Oceanic art
escrito por Peter Stepan, que reconstrói a clássica coleção de arte primitiva de Picasso, tendo
como escopo crítico a exposição do MoMA. Esclarecemos que estes livros constituem parte
neste sentido. Nos anos 1980, as questões multiculturais ganharam repercussão mundial. Os
José Fernandes Dias destaca que os antigos primitivos, os indígenas norte-americanos, por
exemplo, passam a ser ouvidos na arena internacional e nas nações. Ele cita a “Declaração de
San José” de 1981, realizada pela UNESCO. Nela se proclamou a necessidade de deter o
também, foram se abrindo para a inclusão dessas culturas e suas produções na pós-
modernidade.
Trataremos neste item de duas exposições internacionais, anteriores a 24a Bienal, que
Lembramos aqui, que na Bienal de 1996, foi realizada a exposição Universalis, que se propôs
a inovar, dividindo o espaço expositivo em sete regiões do mundo e contou com diferentes
curadores para a seleção das obras. Na abertura do catálogo, lê-se que “Conscientes do fato de
espaço dos centros artísticos ditos hegemônicos a continentes antes ignorados pela crítica de
Importante observar que o curador dos segmentos África e Oceania era Jean-Hubert
Martin responsável também pela mostra no Centre Pompidou em Paris, que trataremos em
seguida. Neste mesmo catálogo, o curador Nelson Aguilar faz uma comparação entre as duas
Tribal and the Modern, realizada em 1984 no MoMA (NY) e Magiciens de la terre,
A mostra no Museu de Arte Moderna, em Nova York, teve como curador William
Rubin e Kurt Varnedoe. Teve também a colaboração do designer Charles Froom e Jerome
1985.
Figura 19 – Propaganda da exposição: “Primitivism in 20th Century Art: Affinity of Tribal and the Modern”,
realizada no MoMA de Nova York.
moderna. Os objetos tribais eram oriundos da Oceania e da África, e foram expostos, lado a
lado, com as obras dos artistas modernos consagrados, e apresentados como sua poderosa
fonte de inspiração. A idéia principal, como o próprio nome diz, era mostrar as afinidades
entre as formas das peças africanas e as obras dos mestres ocidentais modernos como Picasso,
92
Matisse, Gauguin, Giacometti e Brancusi. Rubin defende que pela primeira vez esses objetos
tribais eram mostrados desta maneira, ao lado de obras modernas. Entretanto, em 1914, a
africanas. Estes objetos pertenciam a Paul Guillaume e vieram de Paris. Marius de Zaras,
organizador da exposição, declarou que os objetos tribais foram mostrados unicamente sobre
o ponto de vista da arte e, defendia-os como a raiz da arte moderna. O texto que deveria
forma. Segundo Zaras (FLAM, 2003, p.70), a arte negra ensinava também, como ver e sentir
o lado puramente expressivo e, abria os olhos dos modernistas para o mundo novo da
sensação plástica.
Figura 20 – Propaganda (esquerda) e salão da exposição de escultura africana na Galeria 291, Nova York, 1914
(direita).
Thomas Mc Evilley argumenta em artigo para a revista Art Fórum que, desde a
moderna começaram a comprar trabalhos de arte “primitiva” para expor junto às obras
modernistas. Ele cita também algumas exposições anteriores a de Rubin, que utilizaram essa
idéia.
93
parede no hall de entrada da exposição Primitivism. Nele, lia-se que os artefatos etnográficos
estavam sendo examinados não em termos de sua cultura e de seus significados, mas em
relação a suas semelhanças. Para ela essas semelhanças eram fortuitas, e representavam
p.118) Quanto a esta questão específica, Thomas McEvilley enfatizou que os organizadores
criação. Outra crítica desse autor está relacionada à maneira com que os objetos primitivos
foram expostos: isolados em vitrines, embaixo de fortes luzes, sendo uma maneira de
intercalados com os de arte moderna e, com frequência em uma mesma vitrine a mesma
antropólogos e críticos de arte fizeram à mostra. Eles apontaram a ênfase dada apenas nas
afinidades formais, característica dos modernistas, deixando de lado mais uma vez todo o
contexto e o significado das peças não ocidentais. Ana Almeida (ALMEIDA, A., 2008, s/n),
porém, defende que esta mostra foi um passo importante para a consolidação do novo
desmontou-se o mito da originalidade do artista ocidental moderno. Ela acredita, porém, que o
tratamento diferenciado dado aos objetos pressupunha que apenas os ocidentais mereciam o
conceito de arte. Para Almeida, enquanto as obras ocidentais estavam devidamente datadas e
atribuídas a um autor, os nãos ocidentais eram apresentados por etnias e vagamente datados.
Já para a crítica Leonor Amarante (AMARANTE, 2010, s/n) o resultado final foi além da
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mera comparação, já que colocou em xeque o caráter político e moral das obras celebradas
Ainda em relação à exposição Primitivism, Jack Flam (2003, p.18) argumenta que o
que estava em jogo era o próprio museu, pois, considerado até então como bastião do
modernismo, passou a ser visto como um museu de nação imperial, do começo do século,
com algum tipo de arrogância cultural. Ele acrescenta que muitos foram pegos de surpresa
pela violência com que os críticos se articularam, contra a mostra, demonstrando claramente
que alguma coisa tinha mudado, o que indicava uma transformação real nas atitudes culturais
dos Estados Unidos. As críticas, escritas em forma de cartas, rechearam as colunas da Art
Podemos concluir que embora, a mostra Primitivism tenha aberto suas portas em 1984,
gerado um grande fluxo de publicações e outras exposições sobre o assunto, como a que
MoMA. Martin considerou que Rubin excluiu os primitivos da cena, como se eles fossem
irracionais e dispensáveis.
95
A mostra pretendia-se pós-moderna dando ao Outro, voz, nome e rosto. Les Magiciens
curador viajou pelo mundo para fazer a seleção dos artistas. No catálogo da exposição lêem-se
a proposta de colocar de um lado artistas vindos do centro das artes, e do outro, artistas que
não pertencem a estes centros, e sim à periferia. Verificamos também que, a escolha das obras
não ocidentais esteve sempre ligada ao transcendental, experiência religiosa ou mágica, sendo
arte na cultura européia a partir do próprio título da exposição “mágicos da terra”, evitando
assim, o conceito de arte para esses objetos dos Outros. E esta foi justamente a maior crítica
feita à exposição francesa, o de folclorizar o não ocidental, buscando mais uma vez o exótico
nas peças expostas. Thomas McEvilley (2006, p.182) achou positiva a estratégia expositiva
utilizada por Martin por tentar conscientemente desdenhar das crenças modernistas em
relação aos cânones universais. Contudo, aponta um problema na metodologia da seleção das
obras, pois foi feita na sua maioria por indivíduos ocidentais. Comprovando assim, o olhar do
ocidental na tentativa de exaltar o outro, optando pelo mágico, caindo mais uma vez em suas
próprias armadilhas. Para ele, entretanto, a mostra ofereceu um ponto de vista que poderia vir
a modificar o formato das grandes exposições internacionais que até então negligenciavam a
arte de 80% da população mundial. E é realmente isto que vem ocorrendo desde então. Um
dos principais desdobramentos desta exposição foi à ascensão de muitos dos artistas da
percurso aqui apresentado nos indica que, a questão do Outro, ou seja, do não ocidental,
96
aparece claramente nas exposições de arte a partir dos anos 1980 e consequentemente no
mercado internacional de arte. Iremos apresentar a seguir, alguns exemplos dessa inserção
O levantamento que realizamos ao longo dessa pesquisa acerca das exposições citadas
no item anterior permite-nos agora contextualizar a 24a Bienal em relação ao debate sobre o
Outro e inseri-la na discussão do multiculturalismo. Apesar da mostra ter sido aclamada como
a Bienal da Antropofagia e, criticada por sua aproximação com um tema particular e datado
abordar essas inclinações multiculturais através das obras apresentadas, tanto no segmento
trazendo com ele a expansão do mercado da arte. A globalização é entendida aqui como um
processo de destruição de identidades tradicionais que cria novas relações nas comunidades
Como conclusão provisória, parece então que a globalização tem, sim, o efeito de
contestar e deslocar as identidades centradas e “fechadas” de uma cultura nacional.
Ela tem um efeito pluralizante sobre as identidades, produzindo uma variedade de
97
Essa expansão das fronteiras desafia a pretensa unidade cultural e nos coloca um novo
Nesse ponto cabe observar que o curador Paulo Herkenhoff refere-se à dificuldade de
se escolher artistas que possam ser considerados como representantes nacionais no contexto
da globalização:
da 24a Bienal de São Paulo e discutem as identidades múltiplas, resultantes das migrações do
mundo globalizado.
história da região foi marcada pelo confronto de raças, e têm a maior parte da arte
artística. O passaporte é feito para localizar a origem dos viajantes e suas passagens de um
país a outro. Canclini enfatiza o poder simbólico dos passaportes no mundo globalizado:
98
Figura 21. Albert Chong. Meu passaporte jamaicano. Fotografia (prata/gelatina) 71 x 96,5cm.
O trabalho apresentado pela artista Sandra Eletra foi realizado entre 1977 e 1981, e
consistia em um ensaio fotográfico sobre os habitantes do porto de Portobello. Este local foi
fundado no século XVI no lado caribenho do Panamá e era um antigo assentamento de férias
do início da colônia e povoado por descendentes de escravos trazidos da África. O porto foi
Figura 22 – Sandra Eleta. Catalina, rainha dos Congos, 1977 fotografia (prata/gelatina).
99
sobre a história do continente africano, sobre o africano fugindo das guerras impostas que
redefinem seus territórios. Na obra apresentada na 24a Bienal, ele discute as fronteiras
Termometros culturais
Somewhere in Angola when we find two Chicken legs attached together with a
String, we have to believe that it’s a malignant fetish. To annihilate the malignancy,
we have to urinate on it. (FUNDAÇÃO BIENAL, 1998c, p.154)
mostra a assimilação e fusão da cultura colonial cristã com elementos pagãos e nativos. O
O presépio koyguá diferencia-se dos atuais presépios porque não utiliza luzes
elétricas, nem Papai Noel, nem neve de plástico. É montado por homens (não por
mulheres, como o “outro”, mais religioso). Os visitantes reúnem-se, tocam violão e
tomam caña (aguardente de cana) para se alegrarem. Neste presépio entra de tudo:
porquinho de barro de clubes de futebol, uniformes bordados de soldados ao saírem
do quartel, calendários velhos etc. Também são pendurados chipás (pães de amido
de mandioca, milho, queijo, ovo etc.). (FUNDAÇÃO BIENAL, 1998c, p.138)
100
O artista peruano Moico Yaker descende de uma família branca e judia, radicada numa
província andina, e tem, assim, uma herança emocional de imigrante europeu. A instalação de
Moico denominada “Casa Tomada”, apresentou diversas pequenas molduras de prata e nelas,
motorista com o carro que não é seu, a babá indígena da mãe do artista e depois dele próprio.
Figura 25 – Moico Yaker. A sua, a minha e a nossa. Vista interior, 1997. Instalação.
101
Abdoulaye Konaté nasceu em Diré, Mali em 1953. Os temas centrais de seu trabalho
têm sido as guerras, os direitos humanos e mais recentemente a AIDS, os assuntos ecológicos
hunters apresentada na Bienal simboliza a realidade dos mande e seu trabalho de manufatura
do algodão. A curadora Awa Meite defende que o mundo imaterial também está presente
A vestimenta dos caçadores inspira medo e respeito, e ao mesmo tempo permite que
cada caçador seja identificado em ação. Em vista de sua elaboração, cor e
composição, a vestimenta alcança uma comunicação e uma energia que é tanto
espiritual quanto estética. (FUNDAÇÃO BIENAL, 1998c, p.50)
artistas que selecionei por representarem temas multiculturais são: Mark Adams, Geoff Lowe,
O fotógrafo neozelandês Mark Adams apresentou uma série de fotos sobre o ritual da
tatuagem samoana, praticada por imigrantes na Nova Zelândia. As fotografias fazem parte da
série Tufuge Ta-tau de 1978-86, e retrata o tradicional processo de tatau samoano. Segundo a
curadora Louise Neri, Adams recupera a prática da tatuagem segundo uma interpretação
p.50)
Figura 27 – Mark Adams. Su’a Pasina Sefo da série Tufuga Ta-Tatau, cibacromo 125 x 100 cm, 1982.
Impersonation de 1984. Nele vemos uma figura pintada com um dos pés levantados como
uma cegonha, em uma das mãos um bumerangue e na outra uma lança. A curadora Neri
esclarece ser esta a pose típica de um Aborígene Mítico. Contudo, ela assinala também que:
Figura 28. Geoff Lowe. Personificação. Tinta de polímero sintético sobre linho, 152 x 122 cm,1984.
103
descrevem o cotidiano africano, sua identidade, sua cultura. Seus retratados parecem estar
orgulhosos de posar para a câmera. Sidibé vem ganhando fama internacional desde então. O
conjunto de fotografias feitas neste período ganhou o prêmio Leão de Ouro da Bienal de
educativo para o trabalho do professor de arte. As fotografias dos personagens de Keita são
construídas a partir de poses planejadas, num ambiente de estúdio. Elas são elaboradas com a
preocupação de articular os jogos de motivos que são encontrados nas roupas e nos tapetes
Podemos observar que todos esses artistas, de diferentes regiões do mundo, seja do
contemporâneo. Esses artistas vivem em trânsito, de uma cultura à outra, não representando
mais um lugar específico e fixo. Esse trânsito se dá de várias formas, como nas migrações por
exílios, por diásporas ou por convites feitos pelas organizações culturais nas chamadas
residências artísticas.
Considerações finais
24ª Bienal de São Paulo e situá-lo na história da Instituição. A pesquisa empreendida possibilitou
evidenciar os fatos marcantes desde sua fundação, em 1951, até a última Bienal do século XX. Essa
105
abordagem procurou identificar as estratégias curatoriais da mostra de 1998, sua repercussão na mídia
Ao se debruçar sobre o material produzido pela mostra, observou-se que o curador Paulo
Herkenhoff buscou pautar o conceito operacional da mostra pela “espessura do olhar”, na linha de
diversas curadorias distribuídas na mostra, o que acabou por indicar tratar-se de um argumento confuso
curadores participantes a formular uma lista visando à definição desses dois conceitos. Esta lista com
diferentes interpretações circulou entre os curadores convidados, levando alguns deles a optarem por
Antropofagia. A pesquisa possibilitou evidenciar que algumas salas do Núcleo Histórico banalizaram a
atitude antropofágica de Oswald de Andrade, transformando influência ou empréstimo feito por uma
Por outro lado devemos ressaltar que Paulo Herkenhoff e a equipe de curadores da 24ª Bienal
de São Paulo, chamou atenção para um momento importante da história cultural brasileira, a
Antropofagia. Sem dúvida, a mostra resultou na disseminação de uma literatura sobre a Antropofagia e
o canibalismo entre os críticos e curadores internacionais. Colocou-se desta maneira, um tema não
eurocêntrico no circuito das artes ocidentais, intenção esta, declarada desde o início. Consideramos que
a escolha do Manifesto Antropófago confirmou-se acertada por dois motivos. Primeiro pela
prestígio do escritor Oswald de Andrade, ao fazer de seu pensamento o fio condutor da mostra mais
internacional. Neste sentido, ao nos aprofundarmos na análise das curadorias e das obras escolhidas
roteiros, roteiros, roteiros de arte contemporânea verificamos a inclinação destes não para a
advindas das mudanças ocorridas principalmente, com o fluxo de imigrações a partir dos anos 1980.
trouxe com ela a expansão do mercado da arte. A globalização foi entendida aqui como um processo
de destruição de identidades tradicionais criando novas relações nas comunidades locais. Deste
momento em diante, as identidades passam a ser descentralizadas e deixam de ser fechadas nas
caminho percorrido pelos objetos não ocidentais desde sua inserção nos museus de arte moderna até a
contemporaneidade. Estes objetos tribais voltaram a ter uma posição de destaque a partir da exposição
de Willian Rubin no MoMA de Nova Iorque, em 1984. A mostra “Primitivism in Twentieth Century
Art: Affinity of Tribal and the Modern” ocasionou discussões inflamadas no mercado internacional de
arte ao colocar esses objetos em situação inferior aos objetos ocidentais, utilizando estratégias
comprovaram que o cenário mundial havia mudado. Em contrapartida, o curador Jean Hubert Martin,
quatro anos depois, expôs em situação de igualdade objetos contemporâneos ocidentais e não
ocidentais. A exposição “Le magiciens de la terre”, realizada no Centro Pompidou em Paris, faz com
que o Outro passe a ser incluído no mercado de arte contemporânea. Com base no estudo dessas duas
mercado hegemônico, campos de forças atuantes no momento da 24ª Bienal de São Paulo.
107
curador Paulo Herkenhoff defende que seu projeto curatorial, estava oferecendo espaços iguais, tanto
para os centros artísticos hegemônicos, quanto para os continentes antes ignorados pela crítica.
Discurso idêntico a este foi sustentado pelo curador Jean Hubert Martin por ocasião da mostra em
Paris. Cabe lembrar que Nelson Aguilar, curador da 23ª Bienal já havia proclamado a Bienal brasileira
Outro aspecto detectado pela pesquisa, que evidencia a relação com a ideologia do
multiculturalismo parte, de novo, de uma declaração do curador da mostra Herkenhoff. Externa sua
obras da América Latina. Nesse sentido, a pesquisa possibilitou identificar os possíveis motivos para
esta recusa. De acordo com George Yúdice, a política multicultural nos Estados Unidos, ao contrário
do que se espera, tem sido utilizada para salientar a diferença, situando os latino-americanos em um
Embora esta dissertação não tenha se proposto a aprofundar a discussão sobre os novos
internacionais nos propiciou algumas reflexões. Os estudos de Canclini nos possibilitaram a constatar
as diferenças impostas aos artistas das periferias, como no caso latino-americano, no mercado de arte
no contexto pós-colonial. Segundo este autor, ao artista europeu é permitido investigar outras culturas
para enriquecer seus próprios trabalhos, porém ao artista da periferia, espera-se que trabalhe apenas na
retaguarda, utilizando a tradição de seu local de origem. Se este artista não seguir esses critérios do
Nesse sentido, observamos que atenta às mudanças que estavam ocorrendo e que ainda
estavam por vir, a 24ª Bienal de São Paulo, junto com as feiras de arte e bienais do mundo todo,
11
YÚDICE George. In: Refazendo passaportes: o pensamento visual no debate sobre multiculturalismo.
108
contribuíram para inserção das minorias étnicas, classificadas na política multicultural. Entretanto, ela
também reforçou, esses critérios e manteve a política da diferença. As obras que fizeram parte dos
multicultural e globalizado.
Podemos concluir que apesar da globalização ter promovido uma abertura das fronteiras, elas
multiculturalismo assistiu-se a um interesse cada vez maior pelos artistas das regiões periféricas e das
minorias.
mantém atuais. Ao nos aprofundarmos nos dois manifestos assinalamos que a cultura indígena recebeu
do autor o maior destaque, acompanhando o canibalismo, defendido pelos dadaístas. Entretanto, após a
Segunda Guerra Mundial Oswald reviu a necessidade de reabilitar também o negro brasileiro e
reafirmou a importância de nossa sociedade ter em sua formação essa mistura de raças.
A Alemanha racista, purista e recordista precisa ser educada pelo nosso mulato, pelo chinês, pelo
índio mais atrasado do Peru ou do México, pelo africano do Sudão. E precisa ser misturada de uma
vez para sempre. Precisa ser desfeita no melting-pot do futuro. Precisa mulatizar-se. (ANDRADE,
O, 2004, p.122)
Talvez seja a partir desta revisão de Oswald de Andrade que possamos colocá-lo em posição
defende que a “dialética oswaldiana” desconstrói a ordem clássica de cunho evolutivo ao propor “um
avanço, esbarrando na complexidade apontada por Nestor Canclini e seu conceito de hibridização.
109
Um último fator para a inclusão das sociedades periféricas, no mercado mundial, no século
XXI, é a drástica mudança econômica, que vem invertendo a pirâmide do poder. A grave crise norte-
americana dos últimos anos e a atual crise europeia configuram a necessidade de o mundo rever a
história da arte contada até agora, realocando as ditas sociedades primitivas no lugar que merecem.
110
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Anexo III – Paulo Herkenhoff. Esquema organizacional da 24ª bienal de São Paulo,
126