Contracultura e Imprensa 2 PDF
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Orivaldo Leme Biagi
Dedico este trabalho para minha esposa
Wanderléa e para meu filho Daniel!!!
Eu os Amo!!!
Agradecimentos
Em todo o caminho que tomamos sempre encontramos quem nos ajude a segui-
lo – e, no caso da presente pesquisa, encontrei muitos incentivadores, o que agradeço a Deus por
suas existêncais.
Primeiro devo agradecer quem confiou em mim e abriu espaços para o
desenvolvimento da pesquisa, minha supervisora na ECA-USP Sidinéia Gomes Freitas. Suas
conversas acadêmicas cheias de excelentes reflexões e suas leituras da pesquisa ajudaram
imensamente o texto a ganhar a forma atual – se não está melhor foi pela razão de eu não ter
utilizado melhor sua sabedoria.
E, logicamente, não posso esquecer a entidade que também me apoiou desde o
início, ajudando em todos os sentidos para que a pesquisa pudesse ganhar a forma que ganhou –
as Faculdades Atibaia (FAAT). Não apenas pelo financiamento deste um ano e meio de
trabalho, mas por realmente confiar na minha capacidade. Agradeço, em particular, as figuras
do diretor acadêmico Gilvan Elias Pereira e do mantenedor da instituição Hercules Brasil
Vernalha, pois foram os que estiveram mais próximos do processo.
Claro que minha família foi a que esteve mais perto de todo o processo e
merece todos os elogios do mundo! Meus pais (Orivaldo Biagi e Suely Conceição Leme
Biagi) e meu irmão (Gilson Leme Biagi) acompanharam todas as minhas dificuldades no
mestrado e doutorado – caminhos estes que me levaram ao presente momento e para o atual
texto. Jamias poderei expressar em palavras o que vocês representam na minha vida!
E, logicamente, os amores da minha vida: minha esposa Wanderléa de Souza
Biagi e meu filho Daniel de Souza Biagi são a luz que me orienta a vida, meus objetivos
supremos, meus... tudo! Eu realmente os amo, meus amores!
My Generation
Pete Townshend
This is my generation
This is my generation, baby!
This is my generation
This is my generation, baby!
This is my generation
This is my generation, baby!
This is my generation
This is my generation, baby!
Abstract: The objective of this research was to study precisely the influence of the Counterculture in the
Brazilian publicity, from 1965 through 1977. We have tried to trace how the Brazilian publicity worked
the Counterculture in Brazil. This organization was chosen due to its characteristic which tried to
encompass an expressive social niche (basically the middle class youth of the 60´s and 70´s,a public more
inclined to accept the Counterculture values) and for the imagistic and textual character of its
production. And, above all, for its production having shown intense passion - very technical but never
neutral.
Therefore, the publicity works contain the aspirations and contradictions from its
production time - and the turn of the 60´s and 70´s carried a lot of aspirations and contradictions. This
way, we can highlight three specific points: 1 – there was a substantial market expansion, particularly the
so called youth market, quite influenced by the culture being produced in the developed countries,
particularly in the United States and England; 2 – the political moment was dictatorial – the period
between 1968 and 1974 represented the climax of the military dictatorship, particularly in its fight
against guerrilla groups and when censorship was imposed; 3 – the TV, particularly Rede Globo, became
the most expressive communication media of the country.
Counterculture had a controversial speech which was not wanted by the publicity
organizations nor by most of the publicity sponsors, neither by the vehicles through which such publicity
would be carried out – and least of all by the Brazilian political regime of the time. To by-pass this
situation, the Brazilian publicity used the following strategy: 1- not to hide that there was an imaginary
controversy connected with young people, the Counterculture, because had this been done it would be
difficult to create the identification of this public towards consumption; 2 – try to highlight its most
superficial and imagistic aspects, i.e., elements considered easier to be manipulated; 3 - relate the need
of social controversy to defeat and/or to the cooptation by society. We will call such strategy of value
reversion - Counterculture showed a set of values and the publicity, without ignoring such set of values,
worked in them inverting them and reverting them to a more conservative optic.
Key Words: Counterculture – Publicity - 60´s and 70´s –Military Dictatorship – Rock n´ Roll
Índice
Introdução.......................................................................... 1
Capítulo 1 – Contracultura.............................................. 19
Capítulo 2 – A Contracultura no Brasil........................... 32
Capítulo 3 – O Imaginário da Eterna Juventude............. 56
Capítulo 4 – O Imaginário da Luta contra o “Sistema”...75
Capítulo 5 – O Imaginário da Liberdade Total............... 98
Conclusões..................................................................... 124
Bibliografia.................................................................... 140
Introdução
As Faces da Pesquisa
Uma pesquisa, seja ela de qual temática for, sempre apresenta, no mínimo, duas
faces: a primeira face é pessoal, ou seja, compreende a parte do universo interior da vida do
pesquisador - a inquietação ou gosto pessoal que motiva a razão da pergunta que ele irá (tentar)
responder (em parte) no seu trabalho de pesquisa; já a segunda face é social, pois as perguntas,
métodos e conclusões do pesquisador tendem a responder um problema do seu tempo. A
primeira face poderia ser apenas uma preocupação pontual do pesquisador, mas o problema que
ele levanta também, de alguma forma, aparece na segunda face, mais ampla. A presente
pesquisa apresenta as duas faces.
Na face pessoal, o gosto pela Contracultura nasceu na juventude do
pesquisador, embalado pela sua fixação, em alguns momentos exagerada até, na música dos
Beatles e de toda uma, digamos, “cultura de rock’n’roll” que foi sendo descoberta a partir de
estudos e pesquisas pessoais a partir da banda inglesa.
A outra fixação foi a Guerra do Vietnã, inicialmente apresentada a ele nos
filmes que eram apresentados na televisão e, depois, assistidos constantemente em videocassete
e, atualmente, em DVD. A loucura da maior máquina de matar da História da humanidade
atacando camponeses e guerrilheiros (com armamento mínimo) e toda a contestação social a
partir desse fato era fascinante demais para não deixar fortes impressões. Beatles e Vietnã
levaram o pesquisador ao encontro da temática da Contracultura.
Na face social, o que realmente chamou a atenção sobre a Contracultura foi a
maneira como ela era repudiada por parte da grande imprensa depois do esvaziamento do
movimento, ou seja, da década de 80 em diante. Nas várias retrospectivas sobre o movimento
(em particular nos cadernos ou edições especiais “comemorando” os aniversários de 1968),
podemos notar que a ênfase está totalmente voltada para a sua “derrota”, como se praticamente
nada das suas propostas e experiências pudessem acrescentar qualquer elemento para os tempos
atuais. Em 1998 o jornal O Estado de S. Paulo lançou um livro, em capa dura, cujo título não
deixava dúvidas quanto ao conteúdo: 1968: do Sonho ao Pesadelo. (PONTES e CARNEIRO,
1998)
Outra ênfase constante sobre a Contracultura é a defesa da utilização de drogas
que vários de seus grupos pregavam. Mesmo sendo um posicionamento inegável por parte de
tais grupos, a maneira como a utilização de drogas ainda hoje é apresentada procura esvaziar
totalmente qualquer outra experiência. Um exemplo recente foi um documentário produzido
pelo canal pago History Channel, com o título de “Hippies”, exibido no Brasil em 15 de maio
2008, que, mesmo tendo mostrado algumas facetas sociais da Contracultura, praticamente
apenas destacou o uso de drogas em seus aspectos negativos. (WOLFE, 2007)
Mas tal posicionamento não se limita à grande imprensa ou às produções
televisivas. No momento que a presente pesquisa estava sendo produzida (entre os anos de 2008
e 2010), uma interessante peça publicitária de televisão começou a ser divulgada. O comercial,
que anuncia o tônico Grecin, abre com imagens do festival de Woodstock e de uma praia onde
está sendo praticado surf, afirma na narração que a “geração que jurou ser jovem para sempre
chegou lá”.
E para demonstrar tal conceito o comercial mostra homens maduros realizando
atividades jovens (surf e conversas sobre carros, mais especificamente), acompanhados de belas
mulheres, garantindo que o produto anunciado manterá o tom grisalho dos cabelos de seus
consumidores. Na sua construção, o comercial uniu a idéia de eterna juventude (que este grupo,
em tese, defendia quando era efetivamente jovem) com a austeridade da sua maturidade através
dos cabelos grisalhos – ou, conforme seu texto indica, “deixe alguns grisalhos, muitos não”.
Talvez não seja coincidência que o momento deste comercial também coincida
com o aniversário de 40 anos das manifestações de 1968, acontecimentos estes que foram o
apogeu da idéia da juventude tomando o poder e contestando a ordem vigente, seja esta qual
fosse – democracia, comunismo, ditaduras, etc., naquilo que denominaremos de Imaginário da
Contracultura. No comercial do tônico Grecin a juventude efetivamente toma o poder – mas o
de compra e o de consumo.
Quais seriam as razões de tantos ataques e desmerecimentos da Contracultura –
visto que no momento de tais produções jornalísticas, educacionais e publicitárias o movimento
já estava, em tese, derrotado? Por que enfatizar ainda mais o óbvio?
Não dá para deixar de notar a existência de certo medo por parte de certos
segmentos socias, em particular os das classes dominantes ou que dominam os meios de
comunicação, medo este que faz com que a “derrota” e os elementos ditos negativos (como o
uso de drogas, por exemplo) da Contracultura sejam mais evidenciados.
Talvez tais segmentos estejam certos – a Contracultura foi perigosa para a
sociedade, ou pelo menos para a chamada sociedade “estabelecida”. O movimento, apesar da
sua falta de unidade e de objetivos mais evidentes, mexeu num ponto vital das relações humanas
e sociais: a influência cultural. O grande medo que o “sistema” tinha na época (e ainda
demonstra ter) é perceber quando suas “amarras culturais” não podem influenciar a sociedade, e
a Contracultura atacou justamente tais “amarras”.
As propor novas ideias e novos exemplos de vida, a Contracultura contestou o
instrumento mais eficaz utilizado pela sociedade “estabelecida” para sua perpetuação, ou seja, a
sua capacidade de impor seus valores culturais como “corretos” e “eternos”. Assim, a
Contracultura abriu novas opções de valores culturais, utilizando-se dos mais variados meios e
formas para propagá-los, dando novas possibilidades de vida além daquelas estabelecidas.
Não estamos afirmando que as possibilidades de vida apresentadas pela
Contracultura eram, necessariamente, as melhores – o consumo de drogas, por exemplo, já era
um problema na época -, mas a simples apresentação e experimentação de novas possibilidades
de vida sempre foram (e serão) inquietantes para qualquer sociedade, ou seja, uma prática que
deve ser combatida. Talvez tal lógica explique o medo dos já citados segmentos sociais e suas
organizações ainda apresentam da Contracultura até os dias atuais: é melhor mostrar apenas as
derrotas e problemas do movimento para evitar que surjam novos contestadores.
Uma questão, então, tornou-se vital: se anos depois da “derrota” a Contracultura
ainda é vista como uma ameaça, o que teria acontecido na própria época quando a Contracultura
não estava ainda “derrotada”? Como os atores sociais e as organizações enfrentaram as novas
ideias para a criação de novas instituições ou alterações nas existentes? Podemos afirmar que a
luta foi intensa e que os atores sociais e as organizações não pouparam esforços em manter ou
impor seus pontos de vista.
Tal tensão iria contribuir para criar novos caminhos culturais e políticos, muitas
vezes diferentes dos objetivos originais. Mesmo considerando-se que a Contracultura foi
“derrotada”, ela também ajudou a mudar a sociedade. Nas palavras do jornalista Roberto
Muggiati sobre um dos símbolos da Contracultura, o festival de Woodstock:
“Woodstock parecia uma pré-estréia da sociedade utópica do futuro. Mas a engrenagem social
era bem mais complexa do que imaginavam os hippies e radicais da nova esquerda. O Sistema
soube absorver as novas idéias e recuperá-las; em contrapartida, ao fazer isso também se
modificava. O fim da Guerra do Vietnã e a queda de Nixon após o escândalo de Watergate foram
decorrência de uma nova moral que devia muito àqueles jovens dos anos 60.” (1984: 139)
Mas complementando:
“O problema é que só aconteceu em meados dos anos 70, quando as condições sócio-econômicas
modificadas (o boicote do petróleo começou em 73) já haviam pulverizado qualquer nova
tentativa de contracultura, enquanto aquela dos anos 60 já passara a fazer parte da cultura
estabelecida. (1984: 139)
Problemática da Pesquisa
“A historiografia dos movimentos sociais dessa década e também de boa parte dos anos setenta
procurou incessantemente desvendar os mistérios da dialética da revolta e da revolução, e foi
somente a partir das derrotas sucessivas dos projetos revolucionários desse período, que esse
paradigma das ciências sociais sofreu mudanças de direção.” (1992: 21)
“a criação que é a criação ex nihilo. [...] O imaginário de que falo não é imagem de. É criação
incessante e essencialmente indeterminada (social-histórica e psíquica) de
figuras/formas/imagens, a partir das quais somente é possível falar-se de “alguma coisa”.
Aquilo que denominamos “realidade” e “racionalidade” são seus produtos.” (1982: 13)
De acordo com essa definição, apenas podemos nos referir a alguma coisa
quando ela foi criada imaginariamente - ou, em outras palavras, quando ela foi instituída.
Quando o autor emprega ex nihilo, que significa a partir do nada, não está
dizendo que esse nada seja total ou absoluto, mas sim uma série de indeterminações que são
processadas imaginariamente - e o seu resultado, então, é instituído, podendo-se, então, a partir
daí, falar-se de alguma coisa, que é justamente a parte instituída.
A instituição da sociedade decorre da “materialização” de um magma de
significações imaginárias sociais somente a partir das quais os indivíduos e objetos podem ser
captados ou mesmo simplesmente existir. (1982: 388-9)
A Contracultura pode ser vista como um exemplo literal dessa “construção”,
pois resulta da materialização de um magma de significações imaginárias sociais ligadas aos
problemas políticos e culturais surgidos depois da Segunda Guerra Mundial, em particular a
partir da chamada Guerra Fria. (BIAGI, 2003: 41)
Mais do que as implicações políticas e culturais do termo, a criação de um novo
problema, de um novo referencial, de uma nova condição que justificaria práticas políticas e
culturais tornou a Contracultura uma realidade a ser discutida e vivida, pois havia sido criada,
inventada, instituída - um imaginário radical, no sentido que lhe atribuiu Castoriadis.
As sociedades humanas estão imersas dentro de imaginários, que são justamente
os elementos que lhes dão suas formas e conteúdos. Estas considerações são de um caráter mais
geral e amplo. Para se trabalhar historicamente, precisamos sair dessa imersão total e definir os
imaginários; buscar a representação, pois é através dela que os imaginários se manifestam.
Vamos discutir melhor o conceito de representação.
Entendemos por representação como alguma coisa que se encontra no lugar de
outra coisa, ser o “outro do outro”, simultaneamente evocado e cancelado pela representação. O
que representa, o que está no lugar de outra coisa, é o signo, ou seja, o elemento que possui um
referencial ao qual ele se reporta. (VIEIRA FERREIRA, 1997: 67)
Em outras palavras, podemos dizer que a representação é a maneira subjetiva da
manifestação do imaginário – é o tecido pelo qual o imaginário se manifesta através de uma
linguagem, seja ela qual for.
As pessoas não se reduzem a ser apenas mão-de-obra ou criadores de significações. Elas são,
necessariamente, ao mesmo tempo sujeitos dos dois e submetidas subjetivamente aos dois, ou
seja, elas se definem como mão-de-obra e ao mesmo tempo como portadoras de diferentes
identidades sociais múltiplas e interligadas. (1996: 56)
“Como a organização é composta por especialistas, cada um com sua própria área restrita de
conhecimento, sua missão tem de ser muito clara. A organização precisa ter uma só finalidade,
caso contrário seus membros ficarão confusos. Eles seguirão sua especialidade, ao invés de
aplicá-la à tarefa comum. Cada um irá definir ‘resultados’ em termos dessa especialidade,
impondo seus próprios valores á organização. Somente uma missão clara, concentrada e comum
pode manter unida a organização e capacitá-la a produzir resultados.” (1998: 31-2)
“De fato, existe uma tendência bastante forte nas ciências humanas em separar a pessoa do ator.
Na base de tal raciocínio, encontram-se concepções em que a pessoa é vista como o sujeito
apropriado da ação, conduzindo à interiorização das ações pelos atores. Entretanto, a ação não
é um termo genérico para designar o ser humano: ela remete freqüentemente a formas coletivas
de tomada de decisões, como são por exemplo as organizações.” (1996: 48)
Podemos afirmar que a organização é uma forma de ação coletiva, mas não
apenas dentro das relações de produção – as relações simbólicas são fundamentais. Nas palavras
de Stewart Clegg, “o poder intervém sempre ao mesmo tempo internamente na hierarquia e na
linguagem, na dominação e no simbólico”. (1996: 49)
E as paixões não podem ser separadas das instituições, das organizações e das
linguagens trabalhadas sobre e por elas. Nas palavras de Sidinéia Gomes Freitas e Maria José
Guerra de Figueiredo, os “discursos institucionais trazem como característica intrínseca uma
propriedade discursiva, da linguagem, a propriedade de comportar as representações
simbólicas encarregadas de estruturar e conduzir a vida social” e assim “(as paixões) deixam
de ser concretizadas diretamente nos indivíduos e passam a ser midiatizadas por meio da
linguagem”. (2º semestre/2008: 123)
O comportamento organizacional é reflexo de seu universo cultural, sendo que
seus debates e questionamentos, como nos afirma o pensador Jean-François Chalant, é “um
campo aberto a quase todos os ventos teóricos”. (23: 1996)
Chanlat também nos afirma que para apreender a realidade humana nas
organizações é preciso distinguir cinco níveis estreitamente relacionados: indivíduo, interação,
organização, sociedade e mundo. (1996: 34) Nas suas palavras:
“Cada nível é ao mesmo tempo dissociável e concretamente indissociável dos quatro outros.
Cada um destes níveis faz emergir uma ordem determinada, isto é, dispõe de elementos próprios
segundo relações aparentes e relativamente estáveis. Se um nível e uma ordem podem exercer,
em alguns momentos, um papel preponderante, isto não significa que se postule uma hierarquia
imutável entre eles, pois as relações entre os níveis podem tomar várias direções na teoria e na
prática.” (1996: 34)
Nas palavras de John Lennon, numa entrevista coletiva nos Estados Unidos em
1968, lançando oficialmente a Apple, a empresa procurava “liberdade artística numa estrutura
empresarial, criando coisas sem vendê-las a um preço três vezes maior que o custo”.
(LENNON apud STOKES, 1982: 209) Paul McCartney ainda chamaria a Apple de “comunismo
ocidental”.
O projeto era radical. A parte musical produziu sucessos consideráveis: além da
produção das músicas do quarteto, abriu caminhos para novos talentos – James Taylor e o grupo
Badfinger foram duas das descobertas mais famosas da empresa. Mas existiam muitos setores
operacionais, como cinema, vestuário, eletrônica, educação – a Escola Apple, uma preocupação
até então inédita em termos de mundo pop. (MILES, 2000: 537-8)
Mas o sonho durou pouco. A bagunça nos negócios, resultado da absoluta falta
de experiência empresarial e administrativa do quarteto, abortou praticamente todas essas
iniciativas. Os Beatles também prezavam bastante o seu lucro para abandoná-lo totalmente pela
causa da Contracultura. Esse caos administrativo e a perda de grandes somas em dinheiro
influenciaram a separação da banda, em 1970.
O “comunismo ocidental” fracassaria totalmente, como a maioria dos sonhos da
Contracultura, mas a Apple iria se transformar numa empresa de sucesso nos anos seguintes.
Depois de longas brigas judiciais, os negócios foram definitivamente arrumados e a empresa,
sob a liderança de um velho amigo dos Beatles, Neil Aspinall (falecido em 2010), tornou-se
uma das gravadoras mais lucrativas do mundo.
Outra fonte de renda foi o nome, registrado em vários países nos anos 60: a
Apple Computers, uma das pioneiras na fabricação de microcomputadores, teve de pagar uma
verdadeira fortuna aos Beatles para manter esta marca. Quando desenvolveu um chip de música,
entrando na área da Apple Music, outro acordo lucrativo em favor Beatles foi fechado. (MILES,
2000: 701-2)
O sonho acabou, mas os lucros não – situação que a Contracultura iria
constantemente se debater, inclusive.
Publicidade no Brasil
“O verão de 1972 foi o apogeu do desbunde brasileiro. Massacrados pela repressão política e
pelo autoritarismo violento, os jovens, muitos deles sem apetite para a luta armada, optaram
pelo rompimento total com a sociedade. Viraram hippies pacifistas radicais e caíram na boca no
ácido e na maconha, viviam em comunidades, faziam música e artesanato, comiam macrobiótica
e tentavam abolir o dinheiro, o casamento, a família, o Congresso, as forças armadas, a polícia e
os bandidos, tudo de uma vez só e numa boa. Muitos encontraram a felicidade, ainda que fugaz,
vivendo com amigos numa ‘nova família’, convivendo e se divertindo como irmão.” (2000: 234)
O cineasta Glauber Rocha destaca tal deslocamento com suas críticas à opção
contracultural (e também da esquerda armada) numa entrevista dada em 1980:
“Eu estava conflitado com essa esquerda armada e contra a opção hippie, que era a opção da
CIA programada para o Brasil, através dos jornais que surgiram para ocultar o problema da
Guerra do Vietnã e transformar os perigosos maoístas guerrilheiros em hippies drogados. Foi a
luta da granada contra o Rock. Quer dizer, duas opções: uma colonização guerrilheira orientada
pela CIA, por Cuba e pela China, e uma orientação hippista orientada pelos Estados Unidos no
sentido de liquidar com o Terceiro Mundo, com as potencialidades revolucionárias que estavam
explodindo.” (ROCHA apud GASPARI, HOLLANDA e VENTURA, 2000: 162)
Mas tais pontos de vista são limitados, pois a Contracultura também foi uma
forma de confronto contra a ditadura, em particular contestando seus padrões morais
conservadores. Assim, o visual mais colorido, os cabelos compridos, as músicas inovadoras e as
novas questões morais (sexo, drogas, cultura indiana, etc.) serviam tanto para chocar o público
mais velho como também para contestar a própria estrutura moralista do regime militar,
inclusive nos seus aspectos políticos.
E, quase sempre, o regime militar reagiu com força aos atos ligados à
Contracultura: a união entre os “desbundados” e os comunistas, união esta nunca clara entre os
próprios grupos, foi uma visão constante do regime militar, como as prisões de Caetano Veloso,
Gilberto Gil e Paulo Coelho, entre outros, demonstraram; muitos bailes e shows da iniciante
música negra brasileira (o samba-rock, como o estilo foi chamado na época, entre outras
denominações), assim como vários festivais de música no campo e ao ar livre, foram fechados
pelas autoridades policiais por se tratar de “reunião de comunistas”; o comportamento sexual e
consumo de drogas eram relacionados à expansão do comunismo internacional na juventude,
para corrompê-la dos verdadeiros valores morais – valores estes que a propaganda do regime
militar insistia em defender. (DIAS, 2003: 123-8) O general Milton Tavares de Souza, o
Miltinho, comandante da CIE (Centro de Informações do Exército), um dos setores mais
repressivos da ditadura militar, considerava o movimento hippie uma invenção de Moscou.
(GASPARI, 2002: 379)
Podemos perceber que as práticas culturais do movimento também produziam
efeitos políticos. De acordo com Marialice M. Foracchi, a “concepção de contracultura é
essencialmente política, na medida em que os efeitos sociais da exacerbação da criatividade e
da busca de novas formas de expressão repercutem sobre o sistema como modos de
contestação”. (1972: 13)
Ao mesmo tempo em que a Contracultura contestava o regime militar, ela
também se mostrava como um excelente negócio. O mercado jovem “descoberto” na década de
60 (em particular através dos movimentos conhecidos como Jovem Guarda e Tropicalismo),
com o desenvolvimento econômico da virada dos anos 60 e 70, estava cada vez mais
consolidado e verificando, inclusive, uma significativa ampliação. (ORTIZ, 1991: 25)
A publicidade, no geral, não procura criar novos valores, mas, sim, trabalhar
para reforçar as idéias já existentes. Assim, ao criar peças publicitárias tendo a Contracultura
como tema, as organizações publicitárias já contavam com pesquisas mercadológicas e análises
mais aprofundadas do público que desejava atingir, ou seja, o mercado jovem. (GIACOMINI
FILHO, 1991: 16)
Mas, como vimos antes, a Contracultura tinha um discurso contestador, discurso
este que não era desejado pelas organizações publicitárias ou pela maioria expressiva dos
financiadores das peças publicitárias e dos veículos onde tais peças seriam divulgadas – e muito
menos pelo regime político brasileiro da época.
Para contornar tal situação, a publicidade brasileira utilizou-se da seguinte
estratégia: 1 - não esconder que existia um imaginário de contestação ligado aos jovens, a
Contracultura, pois, se o fizesse, seria difícil criar a identificação deste público para o consumo;
2 – procurar destacar seus aspectos mais superficiais e imagéticos, ou seja, elementos mais
fáceis de serem manipulados; 3 - relacionar o desejo de contestação social à derrota e/ou à
cooptação pela sociedade. Chamaremos tal estratégia de reversão de valores – a Contracultura
apresentava um conjunto de valores e a publicidade, sem desprezar tal conjunto de valores,
trabalhava neles invertendo-os, revertendo-os a uma ótica mais conservadora.
Em outras palavras, as organizações publicitárias procuraram criar peças com o
que tinha de mais externo da Contracultura (cabelos compridos, roupas coloridas, música, etc.),
procurando enquadrá-las dentro de padrões mais conservadores, procurando reverter seus
conteúdos.
Como podemos perceber a luta entre a cultura oficial e a Contracultura foi
intensa - e vamos procurar mostrar na presente pesquisa esta luta ocorrida no Brasil, com suas
particularidades e especificidades, num campo simbólico por excelência, ou seja, a publicidade
da época. E o campo simbólico é apenas possível quando existe um ou mais imaginários para
alicerçá-lo.
A Contracultura estava no seu apogeu e iria influenciar a publicidade brasileira
– não apenas a Contracultura como imaginário radical, mas também com suas significações
imaginárias secundárias.
“não podem existir sem aquelas; não há entre elas relação de prioridade, e em geral tais
relações não têm sentido no nível aqui considerado. A empresa é uma instituição secundária do
capitalismo – sem a qual não há capitalismo.” (1982: 416)
Mark Kurlansky afirmou que nunca existiu um ano como 1968, pois, apesar das
culturas ainda serem separadas, “ocorreu uma combustão espontânea de espíritos rebeldes no
mundo inteiro”. (2005: 13) O autor também destacou quatro fatores para explicar o que
aconteceu: 1 - o exemplo do movimento dos direitos civis, na época uma prática nova e original;
2 - uma geração que se sentia diferente e alienada para rejeitar todas as formas de autoridade; 3 -
a Guerra do Vietnã, “uma guerra universalmente odiada, no mundo inteiro, a ponto de fornecer
uma causa para todos os rebeldes que buscavam uma”; 4 – tudo isso acontecendo “num
momento que a televisão amadurecia mas ainda era suficientemente nova para não ter sido
ainda controlada, destilada e embalada do jeito que é hoje”. (2005: 14)
Marcos Alexandre Capellari apresentou quatro manifestações mais visíveis da
Contracultura: 1 – a desvalorização do racionalismo, onde “temos as rebeliões, nas
universidades, contra o sistema de ensino, e a construção de novos paradigmas, ou visões de
mundo, baseadas em correntes contraculturais subterrâneas do Ocidente, em filosofias e
religiões orientais e em certas vertentes da psicanálise e do marxismo”; 2 – a recusa ao
american way of life, destacando “um estilo de vida descompromissado e errante”; 3 – o
pacifismo, “dirigido principalmente contra ações imperialistas das grandes potências” (o autor
também destaca que algumas vertentes pregavam a luta armada, com os Black Panthers); 4 – o
hedonismo, “caracterizado pela valorização do corpo e das emoções, sendo as principais
manifestações a ‘revolução sexual’ e o culto às drogas psicotrópicas, normalmente
relacionadas a um de seus principais veículos de disseminação, a música rock”. (2007: 7)
Novas práticas políticas e comportamentais, uma geração autônoma e distante
da geração mais velha, um inimigo em comum para praticamente todos os grupos (Guerra do
Vietnã) e um meio de comunicação deixando tudo mais próximo e, assim, aumentando a idéia
de unidade – eis a caracterização mais geral da Contracultura.
É difícil definir toda a extensão do termo Contracultura, pois os grupos que a
compunham não apresentavam uma unidade. Alguns autores realizam, inclusive, divisões mais
específicas sobre os grupos de contestação da década de 60, como é o caso de Peter Clecak, que
chama de “Movimento” o conjunto de ações não-conformistas praticadas nos Estados Unidos
neste período, dividindo-o assim: “o movimento negro, o movimento estudantil, a nova
esquerda, o movimento feminista, a contracultura.” (1985: 353)
O termo surgiria em 1968, nos Estados Unidos, quando de uma eventual junção
da Nova Esquerda com os Hippies, sendo que o termo iria, depois, estender-se a quase todas as
formas de rebelião ligadas à juventude. O que seria essa Nova Esquerda?
A Nova Esquerda era uma resposta a uma corrente de pensamento que se
formou na segunda metade da década de 50 que defendia o “fim da ideologia”. Tal pensamento
foi desenvolvido pelos intelectuais norte-americanos H. Stuart Hughes, Judith N. Shklar,
Seymour Martin Lipset e Daniel Bell, entre outros, e defendia que as velhas ideologias do
século XIX estariam esgotadas (minadas tanto pelo aspecto mais sangrento do comunismo
soviético tanto quanto pelo sucesso do capitalismo liberal do mundo ocidental). Assim, existiria
um consenso de que as questões políticas não tinham mais o seu caráter crítico (o trabalhador,
por exemplo, estava recebendo os bons frutos do capitalismo, inclusive apoio previdenciário, o
que o anularia como força revolucionária). Em outras palavras: o radicalismo e a utopia não
tinham mais espaços na vida política (JACOBY, 2001: 18-9)
O sociólogo Charles Wright Mills contestou tal pensamento. Ele defendeu que o
radicalismo e a utopia são elementos presentes para a mudança social e que nem sempre o
trabalhador era o melhor instrumento pra a revolução – “não devemos tratá-lo como a Alavanca
Necessária – como os trabalhistas ingleses, e outros, tenderam a fazer”. (1978: 133) Para Mills,
o “fim da ideologia” era uma maneira conservadora, tanto no mundo capitalista quanto no
socialista, para esconder os problemas da sociedade dando um verniz de aceitação ao errado
sem contestá-lo por, em tese, não ter nada a se fazer.
E quem seria, então, o agente dessa contestação? A intelectualidade jovem, os
únicos dispostos a fugir da apatia e que “temos de estudar essas novas gerações de intelectuais
em todo o mundo, como instrumentos vivos e reais da transformação histórica”. (1978: 134-6)
Assim, a Nova Esquerda norte-americana iria procurar novas questões para criticar o
capitalismo, concentrando-se nas questões dos direitos civis e na contestação à Guerra do
Vietnã. (SOUSA, 2009)
Práticas políticas que caracterizariam o estilo da “nova esquerda” não se
limitaram aos Estados Unidos. Em Londres, em 1963, o Comitê dos 100 (grupo pioneiro de
utilização de práticas públicas antinucleares, que contava com figuras como o filósofo Bertrand
Russel) promovia passeatas com milhares de pessoas contra a corrida armamentista, utilizando
das técnicas de sit-ins, ou seja, as pessoas sentavam no asfalto e impediam o trânsito, sendo
presas pela polícia num ato de provocação política deliberada. O sinal militar que significava
“parem as bombas” foi transformada em ícone pelo Comitê dos 100 – e, mais tarde, seria um
dos símbolos utilizados por hippies do mundo todo. (MUGGIATI, 1997: 48)
Nota: a grande maoria das pessoas que participavam de tais manifestações era
composta por jovens.
A inclusão da Nova Esquerda como movimento contracultural sempre será
discutível, mas sua “união” com o movimento hippie acabou ajudando a formar o conceito de
Contracultura - a formar o Imaginário da Contracultura. E também contribuiu para deixar
difícil a sua contextualização.
Contextualização da Contracultura
“em Greenwich Village, em 1963, numerosas redes de artistas, pequenas, sobrepostas, às vezes
concorrentes, estavam formando a base multifacetada de uma cultura alternativa que floresceria
na contracultura do final da década de 1960, semearia os movimentos de arte da década de 70 e
moldaria os debates sobre pós-modernismo na década de 1980 adiante.” (1999: 13)
“crescia a uma taxa explosiva. Na década de 1960, era claro que jamais houvera algo assim. A
produção mundial de manufaturas quadruplicou entre o início da década de 1950 e o início da
década de 1970, e, o que é ainda impressionante, o comércio mundial de produtos
manufaturados aumentou dez vezes.” (1995: 257)
“termo ‘contracultura’ foi inventado pela imprensa norte-americana, nos anos 60 para designar
um conjunto de manifestações culturais novas que floresceram, não só nos Estados Unidos, como
em vários outros países, especialmente na Europa e, embora com menor intensidade e
repercussão, na América Latina. Na verdade, é um termo adequado porque uma das
características básicas do fenômeno é o fato de se opor, de diferentes maneiras, à cultura vigente
e oficializada pelas instituições das sociedades do Ocidente. Contracultura é a cultura marginal,
independente do reconhecimento oficial. No sentido universitário do termo é uma anticultura.
Obedece a instintos desclassificados nos quadros acadêmicos.” (MACIEL apud PEREIRA,
1984: 13)
Tanto Roszak quanto Maciel fizeram suas análises a partir dos elementos
sociais da década de 60 em diante, com algum retorno nas duas décadas anteriores. Precisamos
nos aprofundar em períodos mais distantes para entender a dinâmica que iria se constituir na
Contracultura.
A “questão jovem” (a presença social da juventude nas sociedades e seu caráter
contestador) não nasceu nas décadas de 50 e 60 no cinema e na música. Desde o final do século
XIX que a preocupação com o jovem, em particular com a sua provável ligação com a
delinqüência e a desordem social, era intensamente discutida, sendo que várias políticas
públicas foram aplicadas tentando tirar os rapazes do universo do crime e as garotas do
exercício ilícito da sexualidade. (SAVAGE, 2009: 25)
E paralelo a esse processo de luta contra a delinqüência, encontramos inúmeras
políticas de valorização do jovem como elemento vital para a sociedade, como a força do futuro
da mesma - e, como tal, deveria ser tratado como alguém especial. A Juventude Hitlerista e de
outras correntes e nações e suas representações típicas de “beleza, força e futuro” são exemplos
desses cuidados. (SAVAGE, 2009: 277-98)
Assim, a juventude sempre recebeu uma especial atenção da sociedade adulta.
E, mesmo assim, sempre procurou mostrar suas diferenças. Muitos pais ficaram imensamente
preocupados com a dança “libidinosa” que seus filhos executavam ao som das Big Bands de
Jazz dos anos 30 e 40. (SAVAGE, 2009: 337) E já existiam as chamadas subculturas jovens
antes dos anos 60, como já observamos anteriormente: o incidente que deu origem ao filme “O
Selvagem” (“The Wild One”), ou seja, a invasão de um grupo de motoqueiros numa pequena
cidade americana ocorreu em 1948 (THOMPSON, 2004: 47); os “Existencialistas”, ou “Exis”
como eram chamados, já eram um grupo forte na juventude francesa e alemã (o famoso corte de
cabelos dos Beatles era baseado nesta subcultura) (SPITZ, 2007: 238); e na Inglaterra, várias
subculturas se formaram durante os anos 40 e 50 (os Ted Boys, os Mods, os Rockers, entre
outros), localizados inicialmente nos subúrbios proletários de Londres e, depois, espalhando-se
nas cidades mais distantes. (GOULD, 2009: 118)
Não sendo a juventude uma novidade e nem a sua rebeldia, o que a fez brilhar
tão intensamente depois de 1945? E por que ela, ou uma parte dela, se rebelaria contra o mundo
adulto?
Uma parte da resposta foi a maneira como a juventude foi canalizada
imageticamente a partir do final da Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos
tornaram-se a grande superpotência do mundo ocidental.
Nos Estados Unidos, e depois irradiado para o resto do mundo, ser jovem,
depois de 1945, tornou-se um ideal absoluto dos novos tempos e um marco a ser alcançado. Foi
criada uma nova estratégia de publicidade (comercial, mas, principalmente, política)
valorizando a juventude, ou o teenage, como imagem de modernidade – uma modernidade
especificamente norte-americana a princípio, e, depois, mundial. De acordo com Jon Savage, os
“aliados venceram a guerra exatamente no momento em que o mais recente produto da América
estava saindo da linha de produção. Definida durante 1944 e 1945, a teenage fora pesquisada e
desenvolvida por uns bons cinqüenta anos, o período que marcou a ascensão da América ao
poder global. A divulgação pós-guerra de valores americanos teria como ponta de lança a idéia
do teenager. Este novo tipo era a combinação psíquica perfeita para a época: vivendo no agora,
buscando prazer, faminto por produtos, personificador da nova sociedade global onde a inclusão
social seria concedida pelo poder de compra. O futuro seria teenage.” (498: 2009)
“O crime do Edifício Rio Nobre colocava sob os holofotes a Juventude Transviada. Era a
primeira vez que se pregava um rótulo num grupo de jovens com gostos mais ou menos afins: no
caso, rock and roll, camisa vermelha nos rapazes e calça jeans nas garotas, tudo jogado em cima
de uma lambreta. Uma palavra estava aparecendo e ainda não tinha virado jingle de
refrigerante: rebeldia.” (1998: 139-40)
“transformação que haviam empreendido na música popular desde a chegada nos Estados
Unidos em 1964 era amplamente reconhecida como a expressão primordial do poder cultural da
juventude, uma influência tão notável que a progressão de seus álbuns marcava a passagem do
tempo na vida dos ouvintes (...).” (2009: 402)
“foi a transformação que causaram na moda masculina americana, a começar pela afronta ao
‘princípio indiscutível de que cabelo curto equivale ao sexo masculino e cabelo comprido ao
feminino’. Dois anos e meio de influência dos Beatles após a primeira visita popularizaram o
estilo nos EUA. O cabelo comprido para homens rendeu à geração dos rebeldes culturais uma
bandeira de rebeldia que atingia uma questão especialmente sensível (e, portanto, satisfatória)
entre muitas gerações de americanos mais velhos condicionadas aos ideais de gênero
polarizados ao extremo que prevaleciam desde a Segunda Guerra Mundial.” (2009: 402)
“só pode haver revolução, servindo de modelo para o mundo, numa sociedade em que o debate
contraditório das partes em luta se situa no nível mais elevado, isto é, arrola – no domínio
econômico, político, científico, administrativo, na tecnologia e na cultura, na produção e na
informação, na moral e na literatura – as forças que representam o mais alto grau de evolução
no momento. É preciso que o ‘diálogo’ coloque os revolucionários mais inteligentes do momento
às voltas com os reacionários mais inteligentes, a fim de que esse ‘diálogo’ se transforme em
dialética, gere uma revolução, isto é, um novo protótipo de civilização e não apenas um golpe de
estado local, ainda que com apoio popular.” (1973: 41)
O local era os Estados Unidos, e seus debates e práticas iriam se propagar pelo
mundo, criando, portanto, a situação desta segunda revolução. E a publicidade mundial seria o
meio de propagação desta revolução em grande escala.
Com a intensificação da publicidade em todos os aspectos da vida cultural da
humanidade, em particular na insistência da valorização da idéia de juventude e do uso
expressivo de imagens, várias estruturas sociais e culturais relativamente estáveis ou de pouca
mobilidade começaram a apresentar significativas mudanças e perda de foco – características
básicas da chamada pós-modernidade. (VIEIRA FERREIRA, 1997: 55)
A Contracultura impulsionou bastante a fragmentação dos tempos atuais, pois
foi a partir dela que inúmeros movimentos sociais e políticos formaram-se fora das estruturas
sociais e políticas tradicionais (como, por exemplo, os movimentos ecológicos, feministas e de
homossexuais), intensificando a formação do chamado Terceiro Setor. (BIAGI, 2006: 132-5)
Logo, a própria estrutural estatal (o conceito de estado-nação) seria contestada, abrindo caminho
para inúmeros debates com a temática de Globalização, em particular após a queda do império
soviético e com a expansão, aparentemente ilimitada, das relações capitalistas. (THUROW,
1997)
De acordo com Michael Hardt e Antonio Negri:
“Muita gente sustenta que a globalização da produção e da permuta capitalistas é prova de que
as relações econômicas tornaram-se mais independentes de controles políticos, e,
consequentemente, que a soberania política está em declínio. (...) É fato que, em sintonia com o
processo de globalização, a soberania de Estados-nação, apesar de ainda eficaz, tem
gradualmente diminuído. (...) O declínio da soberania dos Estados-nação, entretanto, não quer
dizer que a soberania como tal esteja em declínio. Através das transformações contemporâneas,
os controles políticos, as funções do Estado, e os mecanismos reguladores continuaram a
determinar o reino da produção e da permuta econômica e social. Nossa hipótese básica é que a
soberania tomou nova forma, composta de uma série de organismos nacionais e supranacionais,
unidos por uma lógica ou regra única. Essa nova forma global de economia é o que chamamos
de Império.” (2006: 11-2)
“Há uma presença (sem aspas) chinesa não apenas no Sudeste asiático, mas na Ásia do Sul lato
sensu, multi-secular, de tipo emigratório, sem plano de Estado, para a sobrevivência dos indivíduos
que decidiram assentar sua vida em outros pontos que não o da China propriamente dita. A
fidelidade destes ao Estado chinês moderno – o da China real, repitamos – é uma hipótese que tem
sido objeto de propaganda e de ominosas predições, mas até hoje nenhuma atitude pode ser
atribuída que corrobe a sua ‘periculosidade’, a serviço da China.” (REVISTA CIVILIZAÇÃO
BRASILEIRA, maio/1965: 71)
‘sob a inspiração do Pentágono e de John Foster Dulles, se foi ancorando na estratégia norte-
americana a convicção de que a queda de um peão seria seguida de outro e assim sucessivamente,
de tal arte que em breve a Ásia inteira vivia a cair nas garras do comunismo. A única alternativa,
dentro desse esquema genérico, era apegar-se a cada peão o mais possível, ainda que, ao cabo, as
forças armadas norte-americanas fossem a só resistência contra a expansão comunista em cada um
dos governos que essas forças armadas instituíssem nesses peões. De modo que, em nome da
democracia, os Estados Unidos da América têm sido levados a instaurar os mais espúrios governos
do mundo nessas áreas, porque sem nenhuma raiz popular. Aos governos comunistas ou
esquerdizantes, odiosos porque comunistas ou esquerdizantes (ainda que contando com o apoio das
largas massas das respectivas populações e ainda que apresentando índices de progresso material à
altura dos esforços coletivos), os Estados Unidos não têm podido oferecer aos olhos do mundo outra
coisa que quislings dos mais minoritários e desamparados do mundo. (grifos meus) (REVISTA
CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, maio/1965: 73)
“Balanço: Duas convicções existem geralmente quanto ao problema no seu conjunto: 1) a questão
do Vietnam não se resolverá por via militar; se essa via for sustentada, tende a alargar o conflito,
quantitativa e qualitativamente; o escaladamento pode vir a chegar até o tipo atômico: cumpre, a
qualquer preço, cortar essa via, enquanto é tempo; 2) as negociações diplomáticas se imporão, mais
cedo ou mais tarde, embora se possa presumir que se arrastarão por muito tempo e se estrangularão
em muitos pontos. Entrementes, a realidade das lutas sociais na área e no mundo encaminharão
para um relevo maior ou menor.” (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, maio/1965: 83-4)
Críticas aos Estados Unidos, defesa da autonomia dos povos (mesmo que
aceitassem governos “de esquerda ou esquerdizantes”), medo de uma guerra nuclear: eis como
a revista de Ênio Silveira trabalhava com a Guerra do Vietnã - e tudo isso apenas na primeira
matéria sobre a guerra.
“Dirijo-me a vocês, cidadãos norte-americanos, movido por meu interesse na liberdade e na justiça
social. Muitos de vocês crerão que seu país tem servido a estes ideais e, certamente, os Estados
Unidos possuem uma tradição revolucionária que, em suas origens, gravitou em favor da liberdade
humana e da igualdade social. Esta tradição tem sido traída pela minoria que governa atualmente
os Estados Unidos. Muitos de vocês talvez não saibam até que ponto seu país está controlado por
industriais que, em parte, baseiam seu poder nos grandes consórcios econômicos espalhados nos
quatro cantos da terra.” (REVISTA CIVLIZAÇÃO BRASILEIRA, setembro-novembro/1966: 65-6)
“O governo americano não é culpado de ter inventado o genocídio moderno, nem mesmo de tê-lo
escolhido em meio a outras respostas possíveis e eficazes à guerrilha. Ele não é culpado – por
exemplo – de ter-lhe dado sua preferência por motivos de estratégia ou de economia. De fato, o
genocídio se propõe como a única reação possível à insurreição de todo um povo contra seus
opressores; o governo americano é culpado de ter preferido, de preferir ainda uma política de
agressão e guerra, visando o genocídio total, a uma política de paz, a única que teria uma
contraprestação, porque implicaria necessariamente na reconsideração dos objetivos principais que
lhe impõem as grandes companhias imperialistas por intermédio de seus grupos de pressão. Ele é
culpado de prosseguir e de intensificar a guerra, se bem que cada um de seus membros compreende
cada dia mais profundamente, pelos relatórios dos chefes militares, que o único meio de vencer é
“liberar” o Vietnã de todos os Vietnamitas. (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA,
Janeiro/Fevereiro/1968: 17)
“Quando um camponês tomba no seu arrozal, ceifado por uma rajada de metralhadora, nós somos
todos atingidos na sua pessoa. Assim também os Vietnamitas combatem por todos os homens e as
forças americanas contra todos. Não apenas no sentido figurado nem abstrato. E também não
somente porque o genocídio seria no Vietnã um crime universalmente condenado pelo direito dos
homens. Mas porque, pouco a pouco, a chantagem representada pelo genocídio se estende a todo o
gênero humano, apoiando-se sobre a chantagem da guerra atômica, quer dizer, do absoluto da
guerra total, e porque este crime, perpetrado todos os dias sob todos os olhos, faz de todos aqueles
que não o denunciam cúmplices daqueles que o cometem, e, para melhor nos avassalar, começa por
nos degradar. Neste sentido, o genocídio imperialista só pode radicalizar-se: porque o grupo que se
quer atingir e aterrorizar, através da nação vietnamita, é o grupo humano por inteiro.” (REVISTA
CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, Janeiro/Fevereiro/1968: 17-8)
Podemos notar que muitas das críticas levantadas por Russell e Sartre poderiam
ser aplicadas no Brasil da época, pois a maioria expressiva da esquerda brasileira analisava a
ditadura militar como fruto do imperialismo norte-americano - o mesmo que atuava no Vietnã.
A luta vietnamita defendida por Sartre poderia ser a luta brasileira, por exemplo. Tais
coincidências de conteúdo não foram, de forma alguma, acidentais.
Já as discussões a partir da Contracultura envolveram as idéias do pensador
alemão Herbert Marcuse, que defendeu nas páginas da revista a existência de uma “sociedade
tecnológica”:
“Entendo por sociedade tecnológica aquela que se caracteriza pela automação progressiva do
aparato material e intelectual que regula a produção, a distribuição e o consumo, quero dizer, um
aparato que se estende tanto às esferas públicas de existência como às particulares, tanto no
domínio cultural como ao econômico e político; em outras palavras, é um aparato total.(...) A
racionalidade, assim como a eficiência do aparato tecnológico, e o alto grau de produtividade
atingido por este, levam a uma coordenação e manipulação totais, obtidas em grande parte por
métodos invisíveis e agradáveis. Esses métodos produzem a perda da autonomia e da liberdade
individuais, apesar do grau, aparentemente elevado, de independência que prevalece na
sociedade.” (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, Março/Abril/1968: 4)
E, criticando tal lógica, Marcuse concluiu que “nesta sociedade a tecnologia, a
técnica e o progresso técnico são utilizados como instrumentos políticos na batalha contra as
formas humanas de existência”. (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, Março/Abril/1968:
6) Mesmo assim, tais técnicas estão ajudando a produzir, dentro dessa mesma sociedade
tecnológica, a contestação a ela: estudantes, minorias, guerrilheiros no Terceiro Mundo, etc.
Mas, apesar disso, Marcuse levantaria críticas profundas em relação aos contestadores, como
podemos perceber na seguinte passagem:
“esta oposição foi fortalecida pela guerra do Vietname. Para estes estudantes a guerra do
Vietname, pela primeira vez, desvendou a essência da sociedade existente: a necessidade, que lhe é
imanente, de expansão e agressão, e a brutalidade da luta de concorrência no terreno
internacional.” (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, Setembro/Outubro/1968: 83)
“Trata-se de uma luta decisiva contra todas as tentativas de libertação nacional, em todos os cantos
do mundo, decisiva no sentido de que uma vitória do movimento libertador vietnamita daria o sinal
para a ativação de movimentos libertadores, em outras partes do mundo e muito mais próximas da
metrópole, onde realmente existem enormes investimentos. Se, neste sentido, o Vietname, de modo
algum, é apenas um acontecimento da política externa, mas está ligado à essência do sistema, talvez
também um ponto de inflexão no desenvolvimento do sistema, talvez o começo do fim. Pois o que aqui
se mostrou é que a vontade humana e o corpo humano, com os mais pobres armamentos, são capazes
de por em cheque o sistema de destruição mais operante de todos os tempos. Isto é, ainda uma vez,
algo de novo na história mundial.” (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA,
Setembro/Outubro/1968: 84)
Mas a falta de união e articulação entre esses movimentos será prejudicial aos
próprios. Mesmo estratégias criativas (como os bed-in, teach-in, discussões sobre sexo, etc.)
precisam de articulação entre os grupos de contestação e, principalmente, de uma teoria que dê
caminhos para reflexões – e ações. Concluindo o artigo, Marcuse afirmou que:
“O fato é que nos encontramos em face de um sistema, que, desde o começo do período fascista e,
ainda hoje, por sua realidade, renegou propriamente a idéia do progresso histórico – um sistema
cujas íntimas contradições se manifestam sempre renovadamente em guerras desumanas e
desnecessárias, e cuja crescente produtividade é uma crescente perturbação e um crescente
desperdício. Tal sistema não está imunizado. Ele já se defende contra a oposição do mundo. E mesmo
que não alcancemos em que possa adiantar essa oposição, devemos prosseguir, se quisermos ainda
trabalhar como homens e ser felizes. Em aliança com o sistema, nada conseguiremos.” (REVISTA
CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, Setembro/Outubro/1968: 90)
Nem sempre esta educação e arte eram assimiladas pelos “subalternos”, quer
por não entenderem ou não se identificarem com o que era apresentado. Mas seria a base da
cultura brasileira mais intelectualizada durante toda a década de 60 e metade da década de 70:
nacionalista, engajada, com caráter de denúncia contra o capitalismo e, logicamente,
radicalmente contra a ditadura militar que se instalou no Brasil a partir de 1964. A chamada
“música de protesto” era um de seus frutos diretos. Portanto, a crítica deste grupo a qualquer
manifestação cultural estrangeira, em particular norte-americana, era radical, razão pela qual a
Jovem Guarda e o Tropicalismo tiveram tanta rejeição.
Mas esta oposição ao regime militar estava, por sua vez, “rachada” no que
defendia: muitas das manifestações estudantis, junto de grupos da sociedade civil e
personalidades, defendiam que “o povo organizado derruba a ditadura”; já a ala mais radical
dos estudantes e os membros da esquerda armada defendiam que “o povo armado derruba a
ditadura”. A esquerda armada colocava-se diretamente contra as diretrizes políticas do PCB –
uma das principais era a defesa pacífica contra a ditadura.
O grupo tropicalista, mesmo sendo mais ligado a uma reestruturação estética da
arte brasileira, em particular da música, tendia a estar no primeiro grupo, mesmo quando
apresentavam uma linguagem mais agressiva da Contracultura (em particular nas apresentações
ao vivo – razão esta, inclusive, que levaria Caetano Veloso e Gilberto Gil à prisão e, depois, ao
exílio). (CALADO, 1997: 113)
Dois momentos de um mesmo evento musical, em 1968, mostrariam tais
questões de maneira mais efetiva.
Na fase paulista do III Festival Internacional da Canção, no TUCA, a
apresentação de Caetano Veloso (tendo os Mutantes como grupo de apoio), com a música “É
Proibido Proibir”, juntou tudo de pior que a juventude engajada e a esquerda armada poderiam
desejar: um lema do anárquico Maio francês, interpretado por um “alienado” do tropicalismo
junto da ameaça imperialista do rock´n´roll como fundo musical.
As vaias foram terríveis a ponto de Caetano Veloso fazer seu famoso discurso
destacando que:
“Vocês estão por fora! Vocês não dão para entender. Vocês são iguais sabem a quem? São
iguais sabem a quem? Àqueles que foram na Roda Viva e espancaram os atores! Vocês não
diferem nada deles, vocês não diferem em nada.” (...) ... se vocês, em política, forem como são
em estética, estamos feitos!”(VELOSO apud MELLO, 2003: 279)
“a manutenção de uma produção cultural mobilizada pela idéia da Revolução, tal como fora
equacionada até 64, revelava-se improvável e cada vez mais ‘fora do lugar’, a participação na
indústria cultural, por seu turno, mostrava-se problemática e até mesmo identificada com uma
espécie de ‘traição’ à ética emprenhada da intelectualidade. A esse impasse, o Tropicalismo
respondeu de forma original. Entre a exigência política e a solicitação da indústria cultural,
optou pelas duas. Ou melhor: pela tensão que poderia ser estabelecida entre esses pólos. (...) Na
opção tropicalista o foco da preocupação política foi deslocado da área da Revolução Social
para o eixo da rebeldia, da intervenção localizada, da política concebida enquanto problemática
cotidiana, ligada à vida, ao corpo, ao desejo, à cultura em sentido amplo.” (1985: 66)
(...)
A referência aos “indecisos cordões” que “ainda fazem da flor seu mais forte
refrão”, além de acreditar “nas flores vencendo o canhão” tem uma dupla crítica: 1) aos grupos
que defendem a organização do povo para a derrubada da ditadura, ou seja, dos defensores da
linha pacífica de resistência; 2) aos grupos de Contracultura, ligados à idéia do “flower power”,
que com a leveza das flores e do comportamento mais livre poderiam mudar a vida social. Não
podemos nos esquecer que o Maio francês dividiu o universo revolucionário mundial, jovem ou
não: para muitos marxistas os rebeldes franceses não passavam de irresponsáveis e sem projetos
políticos, um grupo cuja “imaginação” (traduzida nas “flores” do Vandré) era apenas expressão
de alienação e, pior, ainda poderia atrapalhar os verdadeiros revolucionários. Assim, para a
revolução vencer é preciso “os amores na mente” e, logicamente, “as flores no chão”.
O confronto entre a juventude consciente e a “alienada” continuou sendo
debatida na década de 70, e a Rede Globo acabaria dando o espaço para tal embate no seriado
“A Grande Família”. Primeira comédia de costumes da televisão nacional, inspirada na série
norte-americana “All in the Family”, foi apresentado pela primeira vez em 26 de outubro de
1972. A série ganhou características nacionais graças aos redatores Oduvaldo Vianna Filho, o
Vianinha, e Armando Costa, retratando com humor e leveza uma típica família da classe médica
baixa brasileira. (SOUTO MAIOR, 2006: 94)
Vianinha era um dos intelectuais mais engajados na virada dos anos 50 e 60,
tendo participado ativamente do CPC da UNE, e manteve, nos programas, dentro de onde era
possível, manter o espírito crítico de seu passado não muito recente. O personagem que mais se
aproximou deste espírito crítico foi o Júnior, interpretado por Osmar Prado, que era o típico
estudante universitário que contestava a situação brasileira – razão pela qual era o personagem
mais perseguido pela censura.
Mas não era apenas o regime militar que o personagem Júnior atacava, mas sim
seu irmão, Tuco, interpretado por Luiz Armando Queiroz, que fazia o papel de um típico
membro da Contracultura, um hippie desligado da realidade. O “choque” dos personagens deu
espaço para muitas críticas entre a lógica engajada de Vianinha e a “alienada” dos hippies,
lógica esta ainda acreditada por correntes mais críticas.
De acordo com Marcos Alexandre Capellari, a vertente do nacional-popular
tinha certa desconfiança em relação ao movimento contracultural e, por tal razão, este
movimento sofreria oposição tanto da direita (ditadura) quanto da esquerda (tradicional e
revolucionária), pois aparecia como uma forma de escapismo. (2007: 115) O confronto entre os
personagens Tuco e Junior procurou mostrar tal questão.
O seriado acabou em 1975 tanto pela morte do Vianinha quanto por pressões do
regime militar. Em 2001 o seriado seria retomado e, no presente momento, ainda é exibido na
Rede Globo. Detalhe: o personagem Tuco foi mantido, mas o Júnior não foi reaproveitado.
Como podemos perceber tanto a censura quanto a Rede Globo foram
fundamentais para o período.
Censura
“formas pelas quais a contracultura se difundiu no Brasil foram bastante peculiares, não
podendo contar com um dos elementos que a distinguiram nos EUA e na Europa: as grandes
manifestações coletivas de repúdio ao sistema, limitando-se, assim, à incorporação de um novo
‘estilo de vida’, a partir de seus referenciais estéticos e intelectuais introduzidos por intermédio
das artes plásticas, da literatura, da música e de jornais alternativos, como O Pasquim.” (2007:
9)
- BRAGA, José Luiz. O Pasquim e os Anos 70 - Mais Pra Epa Que Pra Oba...
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991;
- MELLO, Zuza Homem de. A Era dos Festivais: uma Parábola. São Paulo:
Ed. 34, 2003;
Origens
“Os anos 60 marcaram o auge do movimento dos hippies (pregadores da Paz e Amor), a
maravilhosa renovação da música popular internacional pelos Beatles, a difusão da roupa
informal e da minissaia, a moda masculina dos cabelos compridos e das barbas, o começo da
desrepressão do comportamento sexual. Nos anos 30 e 40 (0s da minha juventude), a iniciação
da adolescência vinha cheia da ânsia pelo direito de usar calças compridas e receber o
tratamento de adulto. Nos anos 60, os jovens queriam afirmar-se enquanto jovens no confronto
desafiador contra os adultos. Processava-se uma mutação geracional, refletida nos costumes e
em múltiplos aspectos espirituais, inclusive no que se chamou de contracultura.” (1987: 146)
“O guarda-roupa é uma das áreas críticas na ‘guerra fria’ entre os jovens e os ‘corôas’ (sic). Os
‘barra-limpas’ se recusavam sistematicamente a envergar uma ‘beca igual à dos mais velhos.
Porém, Confecções Camelo acaba de eliminar pelo menos essa ‘área de atrito’. E aí está o
Roberto Carlos, que não nos deixa mentir, mora!...” (REALIDADE, dezembro/1966: 23)
“Identifique-se! Finalmente, uma etiqueta com uma idéia. Ela é tão simples, mas tão simples, que
é simplesmente genial: as coisas que você gosta de fazer e as coisas que você veste têm sempre
que representar você. Se isto faz sentido para você, identifique-se com YOU. YOU é abreviatura
de Young Universe, que significa mais ou menos ‘um mundo-de-coisas-com-que-a-gente-se-
identifica’. Você vai encontrá-la em jeans, jaquetas, tênis, camisetas e discos que tenham sempre
alguma coisa a ver com sua maneira de pensar e viver. Vamos, identifique-se com você mesmo.
Identifique-se com os novos jeans YOU.” (VEJA, 479, novembro/1977: 56-7)
“Proibida para massas. Nada de demagogia. Línea Cinturata não veste bem certas pessoas.
Porque é uma camisa acinturada, modelo exclusivo Saronord. Lindos padrões e cores em tecidos
Tergal. Línea Cinturata desenha a elegância, acentua o porte, sublinha o talhe. De quem os tem,
lógico.” (VEJA, 107, setembro/1970: 41)
O anúncio era acompanhado de duas imagens: a maior apresentava um jovem,
de costas, com um cigarro, utilizando a camisa da marca; a outra imagem, menor, de um homem
mais velho, obeso e puxando os suspensórios. A juventude era apresentada como um conceito
totalmente positivo.
A empresa de calçados Franciscano também apostou na juventude apresentando
uma imagem composta de seis jovens, formando três casais, todos com os calçados da empresa
nos pés, descendo uma escada num parque, com o destaque: “Pense firme. Vá em frente com
Franciscano”. (VEJA, 479, novembro/1977: 45)
Para anunciar o desodorante Canoe (da empresa Dana de perfumaria) foi
utilizada a fotografia, em preto-e-branco, de um casal nas areias de uma praia, ele com o violão
do lado, com o texto “As pessoas ainda respiram. Use Canoe”. (VEJA, 235, março/1973: 8) A
juventude dos cabelos também foi trabalhada nos anúncios da época: “Os cabelos sempre jovens
conhecem San-Dar. Fórmula exclusivamente vegetal, Quina Petróleo San-Dar regenera e
prolonga juventude de qualquer tipo de cabelo”. (VEJA, 86, abril/1970: 17)
Expressões típicas da juventude da época, chamadas de gírias, eram utilizadas
constantemente, como podemos perceber no anúncio com o título “Santa Matilde é da pesada”,
que se referia especificamente à companhia Santa Matilde, uma indústria de equipamentos
pesados. (VEJA, 111, outubro/1970: 91)
Já a Antarctica, ao anunciar o refrigerante Guaraná, utilizou-se de outra gíria da
época: “Fique na sua”. O texto indica a imagem jovem pretendida pela empresa:
“Ao som de música suave corria o aniversário-família. As mulheres, com seus tradicionais
pretinhos, trocavam domesticidades. Os ternos escuros, drinques na mão, resolviam seriamente
os problemas do mundo. De repente, ela entrou: calça boca-de-sino, midi-colete, bugigangas no
pescoço, cabelos soltos, fita vermelha na testa. Prafrentex. Comentários imediatos: que são isto!
Isto são trajes? E outros blahs. Do outro lado da sala um coroa parou no meio da frase, com
ares indignados. Daí ela pediu bem alto: ‘Me dá um Guarará Champagne Antarctica.’ E secou a
festa com a maior tranqüilidade.
Foi então que o Lobo Mau, todo bacana, e que estava louco pra tomar um Guaraná Antarctica
mas não tinha coragem de pedir, chegou perto para pedir explicação: ‘Foi a vida que me
ensinou. Só faço o que quero, só bebo o que gosto: Guaraná Antarctica. Fico sempre na minha.
Fique na sua.’
O Lobo Mau compreendeu então que o negócio é ser autêntico. Por isso, pegou sua garrafa de
Guaraná Champagne Antarctica e saiu com a Menina de Fita Vermelha na Testa, puxado pela
coleira.” (VEJA, 113, novembro/1970: 2)
“10º Há que ser autêntico. E beber o Guaraná Antarctica, principalmente quando estive com a
turma: tem uma idade em que você sabe, o forte tem que ser você, não a bebida. Se você
concorda, siga o exemplo do Bebe Quieto: tome Guaraná Champagne Antarctica e viva de
cabeça erguida.” (VEJA, 117, dezembro/1970: 2)
A idade é que determina que “o forte tem de ser você, não a bebida” – e é sobre
a idade jovem que o anúncio se refere. A idéia de ter uma idade adulta, ou seja, de ter mais
experiência para determinar o que “você sabe” foi descartada pelo anúncio.
O sucesso do personagem foi grande, principalmente por ter sido feito uma
campanha com ele pela televisão.
Outro ponto jovem também explorado pela campanha do Guaraná Antarctica foi
o Surf. Com o título “Passe este verão com um frio no estomago”, com uma pequena foto
destacando um rapaz surfando, tendo como fundo uma garrafa de Guaraná e uma taça dentro da
praia, o texto destacava:
“Para fazer isso, é simples: suba num vôo de esqui aquático, ‘surf’ ou caia de queixo no Drinkão
de Verão. Drinkão de Verão é a pedida deste calor: copo cheio de gelo e Guaraná Antarctica por
cima. Fica lindo de ver. Fica divino de beber. Aí, v. parte de novo para o seu esporte favorito. E
se o seu esporte favorito for mulher, melhor. Porque com mulher e Guaraná Antarctica, v. já tem
duas das três melhores coisas da vida.” (VEJA, 130, março/1971: 2)
“Você sabe com quem está falando? Fale com os jovens. Você estará falando com mais da
metade da população do Brasil. E essa metade pesa na balança de qualquer produto. Ponha seu
produto no prato certo. Use as revistas jovens. Elas entendem o que eles dizem. E falam a mesma
linguagem. Elas não espantam com rapazes cabeludos vestindo calças Lee desbotadas. Nem com
moças que simplificam suas maneiras de vestir e de sentir as coisas. Nem com o ruído das motos.
Tudo isso as revistas entendem. E até pensam assim. Afinal, elas são feitas por jovens também.
Se você tem alguma coisa a dizer para a juventude, use revistas. Você sempre saberá com quem
está falando.” (VEJA, 164, outubro/1971: 20-1)
“A moda podia ter parado aqui. Mas não parou. E não vai parar nunca. A moda evolui
constantemente, pois é reflexo dos costumes, atitudes e opiniões do momento. Por isso, é uma
história sem fim. Alguns dos heróis dessa história, como Courrèges, Cardian, Dior, Denner ou
Mary Quant, são nomes que dispensam apresentações. Dispensam agora – porque foram
apresentados pelas revistas. Eles e suas máxis, mínis, pantalonas, shorts, hot pants. Mas as
novidades continuam surgindo. A todo momento. E as revistas continuam escrevendo a história
da moda. Quebrando tabus. Abrindo caminhos. E até reproduzindo a moda de outras épocas.
Para que voe possa encontrar nas revistas de hoje a moda que você estará vestindo amanhã.
(VEJA, 150, julho/1971: 82-3)
“Você não vai à Fenit deste ano. Sabe por quê? A Nova Fenit é exclusivamente para
comerciantes e industriais. Por isso v. não vai à Fenit. Mas nem por isso v. vai ficar triste, não?
Afinal, foi por v. mesmo que a Fenit mudou. A Nova Fenit, como as feiras internacionais, vai
reunir todas as pessoas que fazem a moda. Elas vão ver, discutir, programar uma moda mais
bonita pra v. (...) Em setembro, as ruas, as lojas e v. vão estar mais bonitas. Porque a nova moda
da Fenit será novíssima, diferente. A esta altura, v. já deve estar com um sorrisinho no canto da
boca. Conserve esse sorrisinho até setembro, para assistir à explosão de elegância que vai haver
nas lojas. Ele vai virar um sorrisão.” (VEJA, 144, junho/1971: 39)
A imagem destacava o desenho de uma jovem com ar de hippie triste, com um
diabinho rindo no seu ouvido. Embaixo do anúncio, desenho de vários participantes da Fenit,
além de um anjinho rindo.
Até a utilização de referenciais artísticos a imagem de juventude foi utilizada:
“Ponha uma escultura no seu banheiro. O Conjunto Ipanema é feito por homens que amam
trabalhar com as mãos. Cada peça que sai dos fornos da Deca, foi antes esculpida por
verdadeiros artistas, por gente com uma imensa cultura sobre obras de arte. Eles entendem de
decoração. Eles saem que você não quer ter em casa apenas um banheiro convencional. É por
isso que eles põem muito amor em cada peça do Conjunto Ipanema.” (VEJA, 158,
setembro/1971: 66)
Muitas empresas pouco ligadas à juventude também iriam buscar nos “ideais
jovens” a inspiração para seus anúncios, procurando, logicamente, uma identificação com este
segmento do público e também com a preocupação de ter uma imagem positiva junto ao resto
do público de um modo geral – e ser jovem carregava tal imagem.
Eis uma das estratégias da reversão de valores realizadas pela publicidade
brasileira na época: a juventude justificando e dando valor ao mais tradicional, mesmo que este
nada tenha de jovial. Em outras palavras, a valorização da condição de jovem, adolescente em
particular, foi apropriada por empresas que raramente seriam vistas como tal, conforme
podemos perceber no anúncio a seguir:
“Lucas, o sonhador. Como um adolescente, Joseph Lucas era um sonhador. Sonhava com as
mesmas coisas que todos nós sonhamos na nossa juventude: consertar o mundo, ajudar o
progresso, contribuir para o desenvolvimento. Enfim, para uma existência mais feliz e alegre. E
aos poucos Joseph Lucas foi conseguindo realizar parte desse sonho. (centro industrial). Assim,
hoje, esse mesmo processo continua avançando cada vez mais o progresso e o desenvolvimento
do nosso século, melhorando um pouco o mundo em que vivemos. Partindo sempre, de sonhos
adolescentes como o de Joseph Lucas.” (VEJA, 177, janeiro/1972: 7)
“Acreditamos que, num belo dia, o homem conseguirá prolongar os verdes anos da juventude.
Esse dia, porém, ainda vai tardar. (...) Enquanto não descobrem a pílula, ou outra forma de viver
mais tempo, estaremos empenhados num trabalho emocionante: fazer a velhice se sentir mais
jovem.” (VEJA, 334, janeiro/1975: 27)
“Sul América New Look. Nós acreditamos nos jovens. Eles é que vão dirigir nossa empresa num
futuro muito breve. E precisam estar em condições de assumir seu lugar, continuando o trabalho
bem feito das gerações que os antecederam. É por isso que investimos nos jovens, pagando 80%
do custo dos estudos colegiais ou universitários de nossos funcionários, dentro de um plano
especial de renovação de valores e atualização profissional. É a nova face da Sul América sendo
formada.” (VEJA, 344, abril/1975: 67)
“Petróleo em tudo. Em quase todas as coisas do mundo de hoje, o petróleo está presente.
Petróleo é comunicação. Ele é a tinta que faz o colorido das revistas e manchetes dos jornais.
Está na eletrônica, nos painéis e nos botões de controle. Em todos os equipamentos que fazem o
som e a imagem do nosso tempo. A comunicação é importante. E petróleo, no Brasil, é com a
gente.” (VEJA, 166, novembro/1951: 65)
“A Tupi não tem idade. Dizem mesmo que as boas coisas da vida não tem idade. Nossos ouvintes
têm entre 10 e 90 anos. Uns começaram a ouvir a Tupi por causa da música (estes jovens só
pensem em música!) (...) A programação da Tupi é uma das coisas mais equilibradas da Terra.
Mais equilibrada até que a divisão por idades do gênero humano. Ouça a Rádio Tupi, 1040. É o
maior passo para você compreender que a luta de gerações tem suas tréguas.” (VEJA, 141,
maio/1971: 97)
A imagem do anúncio mostrava várias pessoas, de várias idades, inclusive
jovens com roupas hippie, com uma pena na cabeça, símbolo da Rádio Tupi.
Mantendo o mesmo tom da campanha, a Rádio Tupi apresentou um anúncio
mais específico: para a mulher. Com o título “Sintonize a sua mulher. Faça-a ligar a Tupi”, o
texto destacou:
“A Tupi tem tudo isso: notícias, música, esporte, comentário, mas tudo melhor. Sua mulher ouve.
Ela manja tudo. Se você tem medo de estar casado com uma mulher bem informada, mande a
Light cortar a força e corte você a verba pra pilhas de rádio. Se você quer uma mulher à sua
altura, faça-a ouvir a Tupi. Pelo menos vocês terão o que conversar.” (VEJA, 142, maio/1971:
64)
A imagem era da parte de cima de uma mulher com cabelos compridos, com
uma faixa de pano na cabeça e a pena do logotipo da Tupi.
Ainda dentro da campanha, “Melhore o seu Q.I. Sintonize a Tupi”, com a
imagem de uma criança com aparelho nos ouvidos e a pena. (VEJA, 151, julho/1971: 74) E com
a imagem de um jovem hippie, com faixa na cabeça e a pena, temos o título “A Rádio Tupi é
exatamente como todas as emissoras de rádio gostariam de ser”, cujo um dos destaques do
texto é a música: “Cuidamos a programação musical. Não tão velha que se torne reminiscente,
não tão avançada que só agrade a elite. A Tupi está sempre em dia”. (VEJA, 152, agosto/1971:
76)
Não era uma novidade esta abordagem, pois o grupo de Assis Chateaubriand já
tentara unir a imagem de juventude à sua empresa, ou seja, os Diários Associados procuraram
também conquistar a juventude. Num de seus anúncios, além de apresentar um desenho
psicodélico, também destacou no título “Somos os maiores fabricantes de produtos para os
olhos, ouvidos e cérebros”. (VEJA, 95, julho/1970: 65) Tanto o desenho como esta expressão
iriam se tornar a marca da emissora nesse período, inclusive de seus jornais Diário da Noite e
Diário de S. Paulo. (VEJA, 109. outubro/1970: 79)
Aniversários
“Uma agência de propaganda criada por um garoto de 18 anos, homenageia todos os que
passaram dos 30. A Santos & Santos é desta mesma geração que está virando a mesa. Uma
agência tão jovem como aqueles que andam tomando as melhores decisões deste país. Só é
preciso perceber o que acontece de bom por aí para se confiar em alguém com mais de 30 anos.
Ou com menos. A Santos & Santos está na mesma faixa de idade desses jovens que assumiram o
poder. Uma agência absolutamente de acordo com o seu tempo. Em cilindradas, tamanho de
cabelo ou cor de gravata. Ele ainda tem na sua história um garoto de 18 anos que não viu cinco
vezes os Dzi Croquetes, nunca fez ponto no Rick, mas gostava muito do azul: Carlos Alberto dos
Santos. Ele criou uma agência que se transformou dia a dia nestes 34 anos. (...) Santos & Santos
Publicidade S. A. – 34 anos mais jovem.” (VEJA, 277, dezembro/1973: 44)
“Anúncio em defesa dos beijinhos e abraços. A Ericsson do Brasil está fazendo 50 anos. Mas
toda vez que passa um beijinho ou um abraço por alguns dos seus telefones ele sente o coração
bater como se tivesse 15 anos. E todas as 750.000 linhas que a Ericsson instalou no Brasil
inteiro, não se comparam a uma linha que liga um coração a outro. É que, amigão, estes são
tempos de uma crise de entendimento para os homens. Tem guerras, têm brigas, ódios e uma
série de conflitos e agressões todo dia, a toda hora. O mundo precisa de paz, de amor, de
compreensão, de amizade. Um beijinho, um abraço pode não dar paz ao mundo, mas já é um
pequeno passo para tirar a humanidade dessa crise de entendimento. Paz, amor e bom
entendimento não é apenas um slogan para você dizer levantando o braço. É a única condição
que os homens têm para continuar existindo.” (VEJA, 283, fevereiro/1974: 9)
“E com toda a sua juventude, o Bancocidade sente ainda muito orgulho de ter um sócio 10 vezes
mais velho: o Swiis Bank Corporation, um banco com 103 anos de experiência e tradição.
Resultado: nós temos apenas 10 anos de vida, mas já temos a experiência de um avô” (VEJA,
376, novembro/1975: 92-3)
Malhas e T-Shirts
A empresa Hering, cujo slogan “a malha jovem” ligava diretamente seu nome à
juventude, também trabalhava com estas representações: em 1974 lançou suas malhas com
expressões tipicamente jovens, como “Não tem grilo” ou “Qual é a transa?”, afirmando seu
papel de divulgador desta juventude: “Leia, na malhas Hering, o que pensa a juventude
brasileira”. (POP, outubro/1974: 33) O texto deste anúncio é bastante expressivo:
“A Hering começou a fazer malha com a mais séria das intenções. E continua assim até hoje.
Fazendo a malha mais perfeita, mais confortável. E mais bonita também. E no seio da juventude
brasileira, as malhas Hering mostraram a sua mais nova qualidade: estão se tornando um
excelente meio de expressão. O que também não deixa de ser muito sério.” (POP, outubro/1974:
33)
O sucesso dos anúncios pode ser visto na premiação do out-door para as malhas
Hering (“Com malhas Hering você dá o recado”), criado pela empresa Denison Propaganda
S.A. (VEJA, 328, dezembro/1974, 102)
E a Hering iria além: ofereceria seus serviços de estampas nas malhas para as
empresas:
“Ponha o nome de sua empresa num veículo que nunca sai do ar. Na hora de divulgar o nome de
sua empresa ou produto, o importante é avaliar a eficiência do veículo a ser utilizado. Esse é o
segredo. As camisetas Hering com fio penteado colocam à sua disposição o veículo mais
eficiente que existe: a juventude brasileira. Ela não pára nunca. 24 horas por dia está presente
em algum lugar, nas escolas, nas ruas, no trabalho, nos pontos de encontro e de diversão.
Sempre com o nome de suas empresa no peito. Divulgando-o incessantemente, a um custo
bastante baixo. E com uma eficiência bastante alta. Pense nisso e programe camisetas Hering
imeditamente.” (VEJA, 501, abril/1978: 63)
Choque de Gerações
“aparecer o crítico e ensaísta que existe em você. Faça um análise do livro sob o aspecto
conflito de gerações que é uma das constantes na história de Cleo e Daniel. Conte como você vê
o problema, proponha alternativas para Cleo, explique Daniel, sugira soluções para os dois. Seu
ensaio poderá ser aproveitado na realização do roteiro para o filme Cleo e Daniel.” (VEJA, 43,
julho/1969: 59)
“Numa rodada pra frente, a Pirelli lançou de uma só vez toda uma geração de pneus de passeio:
(...) Projetada por computadores para vencer o clima e as condições de nossas estradas, essa
nova geração chegou para tornar mais feliz todas as gerações de automobilistas. Rode para o
presente com os modernos, confortáveis, silenciosos e esportivos pneus da nova geração. Pirelli
é o melhor da roda, porque Pirelli é mais pneu.” (VEJA, 380, dezembro/1975: 76-7) O slogan
deste anúncio foi Pirelli – Uma rodada pra frente.
A idéia de nova geração continuou na campanha da Pirelli, com o título “A nova geração
chegou e venceu”, já utilizando o slogan clássico da empresa, “Pirelli é mais pneu.” (VEJA,
405, junho/1976: 72-3)
“Seu pai não entende você, por que você não tenta entendê-lo? Talvez assim vocês dois possam
se entender melhor. Isso não significa que vocês precisem concordar em tudo. Por exemplo, você
usa cabelos compridos. Já o seu pai precisa de alguma coisa que faça a barba sem ele sair
machucado. Barbeador Philishave Super-90 (...).” (VEJA, 203, julho/1972: 80)
O da moça:
“Certamente o seu pai implica com o cabeludo que você está namorando. Certamente o seu pai
implica com as roupas que você está usando. Certamente ele vai começar a implicar menos se
todo dia de manhã ele se lembrar de você. Porque você não esqueceu que ele pode se machucar
fazendo a barba. Certamente seu pai vai implicar menos ainda se ele não se machucar nem um
pouquinho. Barbeador Philishave Super -90 (...)” (VEJA, 203, julho/1972: 81)
Os textos mostraram que ambos, tanto o rapaz quanto a moça, valorizavam as
diferenças de geração.
O Dia dos Pais renderiam vários anúncios, como o dos chinelos Franciscano,
com o texto indicando que “Franciscano, uma idéia jovem no dia do papai.” (VEJA, 465,
agosto/1977: 123), com a imagem de uma jovem hippie segurando um chinelo da marca.
Apresentando a imagem de um jovem cabeludo sentado numa poltrona com um idoso de terno e
gravata ao lado, sorrindo, com uma garrafa de uísque na mão, a Drury´s aproveitou-se da
imagem jovem para anunciar seu produto para o dia dos pais: “No Dia dos Pais, deixe que ele
tome conta da sua garrafa”. E, embaixo da página, destacou: “Seu pai vai ficar muito feliz, pois
ele também sabe que quem toma conta da garrafa de Drury´s é o dono da festa”. (VEJA, 308,
julho/1974: 39) A referência ao choque de gerações foi bem apresentada neste anúncio: afinal
de conta, quem é o “dono da festa”, os jovens ou os adultos?
Com a imagem de um jovem alto apontando o dedo indicador para um homem
de terno e gravada borboleta, a Cofap enfatizaria a predominância da juventude, embora o texto
não trabalhasse diretamente sobre isso, conforme indicou o título do anúncio: “Quem fabrica
amortecedores num país de contrastes pode falar de cima”. (VEJA, 254, julho/1973: 97)
Utilizando a imagem de uma batida de veículos, com um idoso discutindo com
um hippie, a Touring Club do Brasil anunciou os seus serviços, com o título “Seja sócio do
Touring. Para começo, meio e fim de conversa”. (VEJA, 240, abril/1973: 59). E o texto abre
com “Não discuta” – referência direta às dificuldades de comunicação de uma geração com a
outra.
A Esso, já sentindo o “fantasma” da Crise do Petróleo, realizou uma campanha
para que os consumidores poupassem gasolina e, para tal, utilizou-se do choque de gerações.
Seu anúncio com o título “Às vezes poupar gasolina pode trazer de volta valores esquecidos”
apresentou uma fotografia colorida de um homem maduro conversando com um rapaz cabeludo
e com camiseta com estampa, escrito embaixo “Tente dar os primeiros passos. Converse com
seu filho”, com o texto:
“Parece que com o tempo você esqueceu muita coisa. Falar, ouvir, sentir. Lembra quantas
palavras você trocou com seu filho esta semana? Nos últimos meses? E você sabe como é essa
idade. Acontece tanta coisa, que a gente tem assunto que não acaba mais. Agora que você vai
precisar poupar gasolina, tente dar os primeiros passos.” (VEJA, 308, julho/1974: 9)
A “conciliação” entre as gerações que foi pedida neste anúncio era significativa:
para conservar (no caso, poupar gasolina) é preciso do diálogo, diálogo este difícil pelas
circunstâncias geracionais. O anúncio mostrou a existência do problema do conflito de gerações
e também a saída para tal com a iniciativa do pai, o mais consciente, já que a instabilidade do
filho (“E você sabe como é essa idade”) é mais difícil de ser trabalhada. A reversão de valores
foi bem sutil neste caso.
Contestação à Contestação
E termina com uma clara referência do novo: “Cacique Solúvel – o café mais
jovem do Brasil”.
O tema do novo sobre o velho foi abordado no anúncio do café Cacique-
Solúvel, mostrando um homem com roupas típicas dos séculos XVIII e XIX, com o título de
“Os reacionários detestam idéias novas”:
“Há pessoas que conservam hábitos antiquados por preguiça de adotar um hábito novo mais
conveniente. Se você não é uma dessas pessoas, se não é um reacionário perdido para a causa da
modernização dos hábitos de consumo, ótimo. É com você mesmo que este anúncio quer falar.
(...) Mude para Cacique-Solúvel. Não se renda ao preconceito. Não se acomode às marcas
conhecidas, nem ceda aos hábitos do passado. Busque o novo. Descubra o novo. Prove o novo.”
(VEJA, 77, fevereiro/1970: 7)
“Após 15 minutos na frente de uma tela, muita gente talvez tenha dado um mau passo no
caminho dos Incentivos: acreditar nos maravilhosos slides coloridos de algum projeto. Por isso,
na hora de escolher o projeto para sua empresa, procure alguém que tenha mais do que lindas
imagens para mostrar. O City Bank pode mostrar a você números, gráficos, análises. (...) E
evitar que uma tentação acabe levando você pelo mau caminho.” (VEJA, 181, fevereiro/1972: 8-
9)
Origens
E, para tal vida, o exemplo seria justamente uma das figuras mais desprezadas e
oprimidas da vida norte-americana, o negro, pois, para este, os “camafeus da segurança para a
média dos brancos: mãe e lar, emprego e família, não são nem mesmo um simulacro para
milhões de negros; são coisas impossíveis”. (MAILER apud CAMPBELL, 2000: 271) Assim,
os negros foram obrigados a criar uma série infinita de estratégias para enfrentar a sociedade
(esperteza, liberdade sexual, atitudes fora dos padrões, etc.), ou seja, o “sistema”.
(Nota: Uma consideração é necessária: fica claro que Mailer não considerou o
problema da escolha de vida das figuras que ele comenta. O hipster, normalmente, pode
escolher tal caminho, algo que os negros não necessariamente puderam fazer, ou seja, as
estratégias criadas por eles são maneiras de sobrevivência e não, necessariamente, de
contestação à sociedade. Nas palavras de James Campbell, “o hipster se recusava a aceitar a
sociedade convencional: o negro era recusado pela sociedade”. (2000: 272) Uma distinção que
não poderia ser desprezada, mas o foi quase o tempo todo pela Contracultura.)
Como podemos perceber a representação de um “sistema”, ou “establishment”,
que passava por cima dos homens, ganhou conotações dramáticas com os beats e Norman
Mailer. Os frankfurtianos, em particular Jürgen Habermas e Herbert Marcuse, dariam o nome de
tecnocracia.
Assim, uma das representações que a Contracultura combatia era a tecnocracia,
pois não importava se o regime fosse capitalista ou comunista (a divisão por excelência da
Guerra Fria): a ordem tecnocrática era a mesma nas duas formas de governo. Para Theodore
Roszak, tecnocracia é
“a forma social na qual uma sociedade industrial atinge o ápice de sua integração
organizacional. É o ideal que geralmente as pessoas têm em mente quando falam de
modernização, racionalização, planejamento. Com base em imperativos incontestáveis como a
procura de eficiência, a segurança social, a coordenação em grande escala de homens e
recursos, níveis cada vez maiores de opulência e manifestações crescentes de força humana
coletiva, a tecnocracia age no sentido de eliminar as brechas e fissuras anacrônicas da sociedade
industrial. (...) A política, a educação, o lazer, o entretenimento, a cultura como um todo, os
impulsos inconscientes e até mesmo, como veremos, o protesto contra a tecnocracia - tudo se
torna objeto de exame de manipulação puramente técnicos.” (1972: 19)
Herbert Marcuse seria o grande teórico desta linha, pois o pensador alemão
propunha que, já que as classes trabalhadoras dos países desenvolvidos estavam satisfeitas com
a prosperidade econômica e com a segurança da orientação tecnocrática, restava às minorias o
papel de lutar pela revolução, ou seja, negros, pobres, grupos radicais de países
subdesenvolvidos e, principalmente, estudantes – a chamada Grande Recusa. (KONDER, 2002:
92)
A Grande Recusa não estava baseada na falta, mas sim no excesso, na afluência
da sociedade industrial que a rebeldia iria se pautar, como bem observou Marcuse. De acordo
com Leandro Konder,
“Marcuse observou que a única igualdade que a sociedade afluente oferecia aos indivíduos
atomizados pela concorrência generalizada era uma igualdade abstrata, que se realizava como
desigualdade completa: a dos consumidores. Constituía-se uma paisagem humana de indivíduos
que moravam engavetados em prédios de apartamentos, possuíam carros novos, com os quais
suportavam terríveis engarrafamentos para ir a lugares parecidos com os locais onde viviam e
trabalhavam. Esses indivíduos tinham em casa geladeiras e freezers abarrotados de comidas
enlatadas, liam os mesmos jornais e revistas, viam os mesmos filmes, ouviam as mesmas músicas,
orgulhavam-se da singularidade de suas personalidades e no entanto cada vez mais se
assemelhavam uns aos outros.” (2002: 90)
“Você não merece roupas comuns. Os dias que vivemos são apenas para os homens corajosos.
Você não pode esconder o seu atrevimento. Mostre-o em sua roupa, agora, já. Fórmula R aí está
para você enfrentar o mundo com toda a energia de sua personalidade. Fórmula R é a
atualização da roupa do homem brasileiro. Traz a criatividade de Carnaby Street, a
masculinidade de Mastroianni, a ousadia dos Beatles, a austeridade de Saville Row numa
fórmula exclusiva da Renner.” (VEJA, 38, maio/1969: 67)
“As coisas estão acontecendo. Você precisa de estar por dentro do embalo de café. Comece
dando uma de bom moço. Para não assustar a turma. Dê sorvete de café. Ou refresco de café.
Depois surpreenda a moçada. Sirva um café bem mais ‘quente’. Ponha conhaque no café. Ponha
vodca no café. Ou então faça um coquetel com tudo que você quiser. Mas acrescente café. Você
vai fundir a cuca tentando imaginar o que se pode fazer com um tranqüilo café. Mas se o que a
turma está querendo mesmo é um bom estimulante, então dê um cafezinho feito na hora. Nem
tudo que é bom é proibido. Café-society, 1969.” (VEJA, 39, junho/1969: 25)
O detalhe no final do texto, “Nem tudo que é bom é proibido”, indica que a
prática das proibições, típico comportamento mais conservador, era discutida nas agências de
publicidade e, aqui, a idéia foi muito bem utilizada – na lógica mais primária da Contracultura
tudo o que é proibido acaba sendo bom (discurso utilizado para justificar o uso de drogas, por
exemplo) e, neste anúncio, foi feita uma reversão de valores relativamente bem elaborada.
O próprio “sistema” também era colocado nos anúncios. A empresa de
publicidade Aroldo Araújo Propaganda Ltda destacou justamente o valor da “engrenagem”,
utilizando um desenho com um homem no meio de muitos braços, cada um com uma atividade.
Com o título “Hoje é dia do homem que vive no meio dessa engrenagem”, o texto destacou:
“Há uma grande engrenagem que, quando se movimenta, é capaz de movimentar até um país.
Suas peças básicas são Cliente, Agência e Veículo. (...) Pois bem: para que essa engrenagem
funcione bem, existe uma pequena peça chamada Contato. Essa pequena peça trabalha junto às
peças Cliente e Agência, que assim podem girar livremente. Cada qual na sua direção mas com
uma só finalidade: progresso e desenvolvimento entre si e para todo o País. Hoje é o dia dessa
peça. Dia do Contato. A ele, o agradecimento de toda a engrenagem.” (VEJA, 163,
outubro/1971: 90)
“De agora em diante, você assiste o programa que você quer. Quando quer. Onde quer. Sem
ficar frustrado, nem forçar ninguém a ver o que não quer: Telefunken apresenta o televisor
individual, que põe fim às guerrinhas domésticas. (...) É o televisor individual.” (VEJA, 1, 1968:
57)
Rock´n´Roll
Nunca política e música estiveram tão ligadas do que na virada dos anos 60 e
início dos anos 70. De acordo com Roberto Muggiati,
“Não se pode imaginar – nem entender – o poder jovem e os hippies sem associar ao rock, o som
que cadenciou aqueles anos de luta contra o Establishment e de procura do Prazer Absoluto. No
filme Woodstock, que documenta o mais famoso de todos os festivais, um repórter de TV pergunta
a Mike Lang (organizador do evento) qual a principal razão daquele sucesso. ‘A música’,
responde Lang. ‘Sempre existiu música’, contesta o entrevistador, ‘e nunca reuniu tanta gente
assim...’ Responde Lang: ‘Mas nunca a música teve um envolvimento social como o que tem
hoje.’” (1984: 100-1)
“Já se falou que ele foi o primeiro branco a cantar como um negro, o que é uma inverdade em
termos factuais, mas totalmente verdadeiro em termos de impacto cultural. Mas o mais crucial é
que, quando Elvis começou a rebolar seus quadris e Ed Sullivan recusou-se a mostrá-lo em seu
programa, o país inteiro entrou num paroxismo de frustração sexual que levou a um
descontentamento permanente, que culminou na explosão do folclore psicodélico-militante que
foram os anos 60.” (2005: 121)
“V. se sentirá envolvido pela magia da música contagiante dos eletrofones Philips. É a fidelidade
de som que o exclusivo cabeçote de cerâmica proporcional: a sensação de que a própria
orquestra está a seu lado. Os eletrofones Philips são portáteis, leves e transistorizados. Philips –
melhor não há!” (VEJA, 11, novembro/1968: 5)
“Hoje, ao andar em seu carro, dê uma carona ao John Lennon, Barbra Streisand, Gal Costa,
Sylvie Vartan, Nancy Sinatra, Françoise Hardy. Boa gente. E isso diz é a Varig, que dá longas
caronas para eles. De qualquer parte do mundo. Já faz alguns dias que isso começou. Desde que
a Rádio Difusora São Paulo colocou no ar a Jet Music 960. Agora, a programação da Difusora
chega a jato. (...) A Difusora aposta que V. nunca teve tanta gente importante dentro do seu
carro. V. ficará muito feliz de dar carona a eles. A Varig jura que sim.” (VEJA, 59,
outubro/1969: 14)
“Beethoven, Alice Cooper, Frank Sinatra e os Secos & Molhados merecem coisa melhor”, dá o
título do anúncio da Gradiente de seus amplificadores LAB-45 e LAB-75, enfatizando os ícones
da música, inclusive no texto: “Os mil e tantos cruzeiros que um e outro custam, você vai ver que
é um cachê até muito barato para ter em casa o Beethoven, o Alice Cooper, o Frank Sinatra e os
Secos & Molhados, como se fosse ao vivo.” (VEJA, 335, fevereiro/1975: 65)
A inclusão de Beethoven e Frank Sinatra não foi acidental: para atrair o público
mais velho começou-se a utilizar da mesma estratégia da utilizada para o público mais novo, ou
seja, apresentar os artistas como ícones jovens.
A imagem de juventude era forte nos anúncios sobre equipamentos sonoros. A
Gradiente, para anunciar seu aparelho de som STR-1050, apresentou no título que este “é o que
todo homem gostaria de ser: jovem, bonito, sensível, potente e com muita experiência”. (VEJA,
394, março/1976: 77)
“A Gradiente faz som para duas pessoas. Ou mais”, texto anunciando seus
equipamentos de som tanto para poucas quanto para muitas pessoas, com a utilização de duas
imagens: a de cima um jovem casal num ambiente doméstico e a de baixo uma reunião de
jovens, provavelmente num show ou festival. (VEJA, 193, maio/1972: 67) O anúncio da
Toshiba, empresa de equipamento eletrônico e sonoro, utilizou uma fotografia em preto-e-
branco com várias pessoas numa escadaria, e, entre elas, um casal com roupas hippie. (VEJA,
290, março/1974: 87) No lançamento da fita cassete, a Sony utilizou-se da imagem de jovens
abraçados lateralmente, num efeito de negativo azul com ondas de cores vermelha, rosa e
amarela de contorno. (VEJA, 246, maio/1973: 12)
Imagens bem mais diretas da Contracultura foram utilizadas. Com a imagem de
três jovens, duas moças dançando e um rapaz sentado observando-as, todos usando estilo
hippie, a Telefunken anunciou o seu aparelho Hi-Fi Compact 2000, que apenas é pequeno
“quando está desligado”. (VEJA, 309, agosto/1974: 12-3) Em outro anúncio da mesma
campanha, mostra a imagem de uma bela moça de visual hippie, sentada atrás do aparelho,
destacando que “Dentro desse amplificador stéreo existe uma receptor FM. Fora, você põe o
que quiser”. (VEJA, 310, agosto/1974: 78-9)
Uma tendência do começo dos anos 70 foi uma espécie de saudosismo dos anos
anteriores: tivemos inúmeras apresentações de músicos de rock´n´roll dos anos 50 em vários
festivais revisionistas; filmes como “A Última Sessão de Cinema” (“The Last Picture Show”),
de 1971, e “Loucuras de Verão” (“American Graffiti”), de 1973, focados em épocas
recentemente passadas, fizeram enorme sucesso comercial; e muitas coletâneas de astros dos
anos 60 (Beatles, Rolling Stones, Beach Boys, etc.) foram, muitas vezes, recordistas de vendas.
O anúncio da CCE, do seu Conjunto Kenwood-Collaro, apostou justamente
nesta imagem. Com imagens dos Beatles (na época do lançamento de seu álbum Sgt. Pepper´s
Lonely Hearts Club Band, de Jimi Hendrix, do Festival de Woodstock e de Bob Dylan, com o
longo título de “Um bom uisquinho, uma garota num vestidinho da Mary Quant, o Sergeant
Peppers na vitrola. Pena que naqueles tempos ainda não tivessem inventado este equipamento
de som”, o texto revela a nostalgia:
“A CCE tem tudo para você recapturar a loucura daqueles tempos que não voltam mais. Com
uma diferença: a lucidez do som, que a tecnologia só alcançou na década de 70. (...) Pronto.
Agora você pode pegar o uisquinho, o Sergeant Peppers, a garota e entrar numa de nostalgia. O
único problema talvez seja o vestidinho da Mary Quant. Mas isso se arranja.” (VEJA, 271,
novembro/1973: 97)
“A TEAC A-350 custa caro. Quase uma loucura para os anos dourados do Lennon e McCartney.
Um preço exigente mesmo nestes tempos de Rick Wakeman. Mas vale a pena. Se a tecnologia já
chegou ao TEAC, por que comprar equipamento de segunda classe?” (VEJA, 272,
novembro/1973: 127)
A nostalgia também voltou com uma cor específica: o rosa. A Celite lançou
uma série de louças sanitárias nesta cor, no anúncio com o título de “A Linha Lótus revive o
lilás-nostalgia”, destacando no texto: “Como em todas as cores Celite, há muito charme no
lilás, outra vez em moda”. (VEJA, 316, setembro/1974: 13)
A cor rosa seria recuperada em outro anúncio com outro personagem nostálgico,
o desenho da Pantera Cor-de-Rosa, que foi usada para mostrar a linha de aparelhos de televisão
da General Electric. (VEJA, 336, fevereiro/1975: 46-7) Anos depois, a linha de geladeiras da
GE também utilizou a imagem da Pantera Cor-de-Rosa em seu anúncio. (VEJA, 443,
março/1977: 8-9)
Com ou sem nostalgia, Londres ainda estava na moda na época. A empresa
BTA (British Tourist Authority) promovia o turismo para Londres num anúncio que procurava
valorizar as melhores partes de Londres e da história da Inglaterra. Os climas de juventude (ou
melhor, de uma idade não tão avançada assim) e liberdade foram acentuados no texto:
“Você pode ficar certo de que Londres, apesar da sua tradição, dos seus museus e da sua
história, não é mais velha do que você queria que fosse. Uma conhecida artista de cinema,
metida dentro de econômica minissaia, sentenciou certo dia: ‘Aqui em Londres se pode fazer o
que quiser, conquanto que não se faça nas ruas ou não se assustem os cavalos.’” (VEJA, 284,
fevereiro/1974: 61)
A BTA anunciou: “E são tantos e tão bonitos os espetáculos teatrais que você
talvez se esqueça se está ou não entendendo direito a ação. É o caso do ‘Rocky Horror Show’,
o musical de maior sucesso no momento, em cartaz no King´s Road Theatre”. (VEJA, 318,
outubro/1974: 111)
Em outro anúncio reforçou a imagem de Londres como centro cultural e de
compras: “Andando pelas boutiques de King´s Road ou indo aos grandes magazines de Harrods
e Selfridges, com poucas libras você pode fazer as melhores compras da sua vida. Os preços
são muito baratos e a qualidade é inglesa”. (VEJA, 371, outubro/1975: 117)
Noutro anúncio da campanha, destacou que a viagem para aprender inglês
“lindo, refrescado e atualizado”, viria “com todas as novidades em moda, conjuntos ‘pop’,
shows, e as últimas daquela Londres muito doida”. (VEJA, 378, dezembro/1975: 35) E tudo
isso “com aqueles jovens inquietos que vivem revolucionando a moda, os costumes, as artes”
(VEJA, 428, novembro/1976: 121) ou “assistindo, de quebra, ao deslumbrante espetáculo de
cores e de alegria da juventude mais animada e divertida do mundo”. (VEJA, 430,
dezembro/1976: 119)
Os “aniversariantes” também se utilizaram da imagem de juventude e
Contracultura, conforme nos apresentou o anúncio com o título “É preciso muita tecnologia
para reproduzir tanto som”, sobre os 25 anos da Telefunken, que utilizou a imagem de uma
banda de rock ao vivo. (VEJA, 477, outubro/1977: 79)
A Gradiente manteve o mesmo tom dos seus 10 anos de existência:
“Apenas o puro som Gradiente continua nas paradas de sucesso desde 1965. No mundo da
música, um dia você pode estar lá em cima e já no outro ninguém mais lembrar seu nome. Para
você ficar sendo falado, elogiado e comentado durante mais de 10 anos a fio, é preciso um
trabalho muito sério, muito profissional. Como foi o dos Beatles. Como é o da Gradiente.”
(VEJA, 406, junho/1976: 88)
A imagem, na metade da parte alta da página, apresenta uma foto dos Beatles na
fase “Sgt. Pepper´s”.
O “envelhecimento” da Rádio Difusora não acrescentou a idade, mas sim a
sensibilidade jovem:
“Difusora: a moda musical da cidade. Você talvez não tenha notado, mas o jovem de 5 ou 6 anos
atrás, amadureceu culturalmente. E aquele jovem que era fã de Elvis Presley agora tem
aproximadamente 35 anos. Mas continua gostando de música. Música também tem moda. Moda
faz parte da cultura. A Difusora oferece informação cultural para os jovens de todas as idades,
programas culturais, mensagens comerciais personalizadas. Refine sua cultura musical. A
Difusora sabe de tudo o que ainda vai ser moda na cidade. A Difusora cria a moda musical da
cidade.” (VEJA, 438, janeiro/1970: 96)
O musical Hair (escrita por Jerome Ragni e James Rado, musicada por Galt
MacDermot) conta as aventuras de um jovem do interior dos Estados Unidos, Claude
Bukowski, convocado para lutar no Vietnã, e de seu encontro com um grupo de hippies antes de
se apresentar ao seu batalhão. A partir daí, o musical trabalha com o universo da cultura jovem
de sua época, com referências à contracultura, liberdade sexual, drogas, rock´n´roll e,
principalmente, carregando uma mensagem pacifista contrária à Guerra do Vietnã. O musical
estreou em 1968 na Broadway e provocou muita polêmica no teatro norte-americano (o ponto
mais discutido acabou sendo a nudez do elenco em certas passagens) e dividiu a crítica. Junto
com a polêmica, veio também um grande sucesso de público.
A versão brasileira de Hair nasceu quando o diretor musical Cláudio Petraglia,
que estava em Nova Iorque na época, conseguiu assistir uma “preview” (pré-estréia) da peça,
interessando-se em encená-la no Brasil. Em 1969, todo o elenco (que incluía nomes que fariam
sucesso na televisão brasileira nos anos posteriores, como Armando Bogus, Laerte Morrone,
Araci Balabanian, Sônia Braga, entre outros) estava reunido e ensaiado, e a peça estrearia, em
São Paulo, em 8 de outubro deste ano, dirigida por Ademir Guerra, no Teatro Aquarius. Em
futuras montagens, os atores Ney Latorraca e Nuno Leal Maia liderariam o elenco.
Como nos Estados Unidos, repetiu-se o sucesso da peça no Brasil, com o grupo
lotando teatros pelo interior do país, por três anos, até a peça ser definitivamente caçada pela
ditadura.
Assistir ao musical era uma aventura para o público: sempre existia a ameaça de
a polícia aparecer durante a sua exibição e prender todo mundo, em particular quando o elenco
ficava totalmente nu. No Rio de Janeiro, por exemplo, o risco da atuação da repressão foi
imenso para o público e elenco: o musical foi montado no teatro Casa Grande, localizado na
frente da 14ª DP, cujo delegado titular, Nelson Duarte, realizava constantes prisões de pessoas
com cabelos compridos e portadores de tóxicos, sendo uma espécie de “inimigo público número
1” dos “desbundados”. (BAHIANA, 2006: 148-9)
O sucesso do musical no Brasil deveu-se ao próprio impacto da peça por suas
inovações musicais/estéticas (além, logicamente, da nudez do elenco) e pelo seu conteúdo
carregado de temáticas jovens, em particular sobre a Guerra do Vietnã e a postura crítica da
peça em relação a esta guerra. Mostrar a resistência jovem norte-americana contra a Guerra do
Vietnã era uma referência indireta, embora fortíssima, aos jovens brasileiros insatisfeitos com a
ditadura militar: a contestação do imperialismo norte-americano no Vietnã relacionou-se à
contestação contra o regime militar no poder do Brasil. Hair acabou fazendo esta ligação.
A rejeição à guerra em particular e ao universo adulto como um todo seria a
grande característica da Contracultura. E esta rejeição era, basicamente, pelas formas
convencionais de se fazer política. De acordo com Miriam Adelman:
“As análises mais comuns da inusitada resistência da década de sessenta, segundo ela (Julie
Stephens), não nos ajudam a entender algumas das suas características mais importantes,
interpretando como despolitizada toda uma lógica contracultural que, tendo na verdade uma
visão diferente do político, antecipa (e contribui para) a emergência das visões pós-modernas
que vieram a ocupar um espaço tão grande nos debates teóricos e políticos das últimas décadas
do século XX.” (2001: 143)
Uma das rejeições às formas mais convencionais de fazer política foi o caso dos
provos. Originários da Holanda, os provos foram um dos mais criativos grupos de jovens
daquele momento, apresentando novas formas de fazer política. O grupo invadia prédios
abandonados e apresentava sugestões bastante criativas, como a obrigatoriedade da prefeitura de
Amsterdã em fornecer bicicletas brancas para a população, evitando os típicos
congestionamentos urbanos. Roel Van Duyn sugeriu que os policiais, no lugar de carregar
cassetetes para impedir os happenings, deveriam ter caixas de fósforos para acender o cigarro
das pessoas, além de esparadrapos, preservativos, etc. (GUARNACCIA, 2001: 11-7)
Nem toda a população holandesa gostava destas idéias. Podemos afirmar,
inclusive, que a maioria da população do mundo não gostava das idéias “excêntricas” e
“rebeldes” surgidas nos anos 60.
A rebeldia também seria revertida. Com o título “Seja rebelde mesmo de paletó
e gravata”, o anúncio da Sudamtex era bem direto no uso de elementos da Contracultura,
transformando-os em regras mais conservadoras:
“Quando você veste uma roupa feita com tecidos Sudamtex, na verdade, você está indo contra as
velhas tradições. Está chamando sobre si toda a ira das pessoas que gostariam que o tempo
parasse. Não vá atrás das vozes conservadoras, meu filho. Desfralde a sua bandeira de rebelde e
tape a boca daqueles que não acreditavam na sua audácia.” (VEJA, 161, outubro/1971: 51)
“O.K. Nós concordamos que você não precisa entrar no escritório com os cabelos á Thomas
Koch, para mostrar sua rebeldia. Achamos ainda que, se você entrasse numa reunião da
empresa com as últimas bossas que o Paulo César inventou, você certamente teria problemas.
Mas isso tudo não quer dizer que, dos ombros para baixo, você precise ser um paladino do cinza.
A Sudamtex lançou tecidos e padrões avançadíssimos, fora de série mesmo. Para que você possa
ser um rebeldo, mesmo de paletó e gravata. Vamos, escolha os tecidos Sudamtex que você gostar.
E faça os modelos que você entender. Garantimos que será uma boa ajuda para que você vista
carapuça da época sem correr nenhum risco.” (VEJA, 166, novembro/1951: 51)
“Cale a boca deste reacionário. O grito de guerra de seu heróizinho, nada mais é do que um
protesto reacionário. Ele não quer mudanças. Que voltar ao lugar onde se considera seguro:
dentro da sua mãe. Devolva-lhe a segurança que ele julga perdida. Para que ele não seja um
reacionário a vida toda. Você consegue isso, dando-lhe todo o amor do mundo. E
compreendendo que nenhuma segurança é completa, se não tem uma boa base econômica. Tudo
depende de uma decisão sua. Associe-se ao Montepio Nacional dos Bancários. (...) Então ele terá
a segurança que procura, para enfrentar a vida que você lhe deu. E será dono do futuro.”
(VEJA, 168, novembro/1971: 10)
“Última Hora apresenta todos os dias um tablóide chamado Jornal da Comunicação. Lá estão
alguns dos nomes mais famosos do jornalismo brasileiro de vanguarda: Artur da Távola,
Chacrinha, Jacinto de Thormes, Zsu-Zsu Vieira, Jaguar, Gilda Muller, Amado Ribeiro, Redi,
Marisa Raja Gabaglie, Luiz Carlos Maciel, Daniel Más e tantos outros. Tudo gente que sabe das
coisas. Tudo gente que fala diretamente com o leitor. Que cria necessidade de consumo para
uma idéia, um produto, um nome.” (VEJA, 121, dezembro/1970: 64-5)
“Surgiu no Brasil a geração underwriting. Tem a mesma idade da geração underground. Usa
gíria, cabelo grande, barba, motocicleta. Mas está em outra. Acha que a melhor curtição ainda é
o dinheiro mesmo. (...) Agora o Brasil já cresceu, o papo é outro: quem também quiser crescer
precisa ter uma empresa de capital aberto. Qualquer empresa pode abrir seu capital. A geração
underwriting não tem preconceitos. Nela cabem pessoas de todas as idades, desde que tenham
um pensamento jovem. E o melhor caminho para entrar na geração underwriting é o Grupo
Financeiro Independência. O Banco Independência de Investimento oferece as melhores
condições para você abrir seu capital. Pode crer.” (VEJA, 209, setembro/1972: 37)
“Ninguém protesta deitado. O mundo está em perigo. Mas é o nosso mundo. E será o mundo dos
nossos filhos. O que fizermos agora, com relação a este mundo, será o nosso legado para eles.
Será que melhoraremos as coisas simplesmente tocando violão? Será suficiente pronunciar a
palavra ‘paz’ com os dedos em V? Ou seria mais racional trabalhar duro para consertar aos
erros? Desenvolver nosso espírito de liderança e aperfeiçoar nossas idéias? Dar a mão ao nosso
irmão necessitado e conduzi-lo ao caminho certo? Não se mudam as coisas pela passividade.
Ninguém protesta deitado. Protesta-se com o trabalho, com o sorriso fraternal, com o exemplo
pessoal. Não se cala a voz do canhão com uma flor. A paz só virá pelas idéias. O mundo está
faminto de boas idéias. O mundo precisa de Você. Da sua liderança. Do seu trabalho. 500.000
jovens encontraram o caminho. Junte-se a eles.” (VEJA, 187, abril/1972: 89)
“O Negócio deles era fazer uma revolução. Na música, nas atitudes, nas roupas, no mundo todo.
Fizeram isso como se fazem todas as revoluções: com gritos, cabelos compridos, barba crescida
e roupas folgadas. De repente, eles assumiram o poder, fizeram sucesso. Então descobriram que
ter uma casa com 28 cômodos era a maior curtição do mundo. Descobriram que podiam ir à
Índia à procura de gurus e filosofias orientais. Descobriram que posar pelados numa fotografia
era uma forma de continuar a revolução. Viram que andar de Rolls Royce não era nenhuma
esnobação. Seja qual for a revolução que você esteja fazendo no momento, dentro ou fora da
faculdade, em cima de uma moto ou dentro de um buggy, freqüentando repúblicas de estudantes
ou não se ligando a coisa nenhuma, algum dia você vai descobrir o seu Rolls Royce – uma
caneta Parker. Por enquanto, é bom mesmo ter uma canetinha qualquer no bolso ou na bolsa.
Mesmo que você perder ou alguém levar emprestada par sempre, com alguns centavos você
compra outra. Mais tarde, quando você tiver que participar de reuniões importantes, saque do
bolso um Rolls Royce. Vai ser um bom jeito de você consolidar a sua revolução.” (VEJA, 301,
junho/1974: 57)
A imagem mostrava quatro fotografias: um rapaz numa moto; dois hippies num
show ou festival de música; um hippie meditando, tipo yoga; um hippie tocando bateria. O
título: “Teve uma hora que eles partiram para um Rolls Royce”, com a imagem da tampara de
uma caneta Parker, cor ouro.
A derrota dos ideais da Contracultura fica evidente neste anúncio. Liga,
diretamente, a idéia de revolução (“O negócio deles era fazer uma revolução”), bem sucedida
num primeiro momento (“eles assumiram o poder, fizeram sucesso”), mas os outros valores
que, em tese, eles teriam derrubado, ainda estavam bem vivos (“Então descobriram que ter uma
casa com 28 cômodos era a maior curtição do mundo”), entre outras maravilhas do mundo com
dinheiro.
Os sonhos se realizaram e, ao mesmo tempo não – na verdade, as imagens
contraculturais eram mais de vítimas de um sonho que não se realizou e jamais irá se realizar e,
assim, é preciso mudar a maneira de encarar a vida, ou seja, consumindo – no caso, a caneta do
anúncio, que por sua vez, ajudará a consumir o Rolls Royce e outros bens da sociedade. A luta
foi inútil – o “sistema” venceu e, assim, consuma. O discurso do poder procurou reafirmar que
os riscos de uma vida contestatória não tinham sentido.
O mesmo tinha ocorrido nos Estados Unidos no final dos anos 60 e envolveu a
chacina cometida por Charles Manson e sua “família”, exemplo que foi colocado como o perigo
da juventude contestadora. Assim como o Festival de Altamont.
“Muita gente sonhou com este Brasil que está pintando. Muito coroa se criou ouvindo aquele
papo de ‘país do futuro’, ‘gigante adormecido’... Agora aí está ele. Ao vivo e em cores. O futuro
chegou. O gigante acordou. E você pode começar a viver o sonho. Um Brasil com mais escolas.
Com um mercado de trabalho em expansão. Com mais indústrias. Com novas técnicas. Com
algumas profissões que antes nem existiam. Com muito mais oportunidades pra você crescer,
desenvolver o seu talento, realizar o seu sonho particular – e curtir a vida. Tudo contigo,
magro.” (VEJA, 357, julho/1975: 88)
Drogas
“sensação de pertencer a outro mundo experimentada por um consumidor de ácido não pode ser
superestimada, mas é fato que ela contribuiu para o nascimento da contracultura dos anos 60,
tão elitista quanto qualquer movimento artístico anterior, ainda que pautada exclusivamente pelo
consumo de drogas em vez de pela riqueza (embora muitos também fossem ricos).” (2007: 44-5)
Luís Carlos Maciel acabaria resumindo a razão do uso e defesa das drogas na
Contracultura:
“No fundo da nova moda parecia haver uma filosofia, nascida da angústia da beat generation
norte-americana. Ela era, antes de mais nada, uma ética revolucionária. Se o square norte-
americano procurava a felicidade injetando dólares na sua conta bancária, por que não
haveriam os jovens rebeldes de procurar a felicidade injetando drogas na corrente sanguínea?
Para muitos, a segunda opção era mais moral. As drogas, embora pudessem prejudicar o
organismo, não o fariam mais do que o stress da vida moderna a que o square estava submetido,
com a vantagem de fornecer um tipo de felicidade mais imediato e gratificante.” (1987: 50)
“Cinco anos depois de Pepper, qualquer fã de rock que se prezasse sabia que as drogas – direta
ou indiretamente, psicodélicas ou narcóticas – tiraram a vida de Brian Jones, Jimi Hendrix,
Janis Joplin e Jim Morrison e transformaram a mente dos grandes e dos bons – incluindo figuras
geniais como Brian Wilson, Arthur Lee, Syd Barrett, Nick Drake e Peter Green – em banana
frita.” (2007: 237)
“Um problema sério de escrever sobre Haight-Ashbury é que a maioria das pessoas com quem
você tem que falar está envolvida, de uma maneira ou de outra, com o tráfico de drogas. Tem
bons motivos pra desconfiarem de estranhos que fazem perguntas. Recentemente, um estudante
de 22 anos foi condenado a dois anos de prisão por informar a um agente de narcóticos
disfarçado onde comprar maconha. ‘Amor’ é a senha de Haight-Ashbury, mas seu estilo é a
paranóia. Ninguém quer ser preso.” (2004: 165)
A visão de Thompson sobre as drogas ficou mais amarga na sua obra-prima Las
Vegas na Cabeça (também conhecida como Medo e Delírio em Las Vegas). Na obra, o autor
destacou a existência de “um fantástico senso comum universal de que tudo o que fizéssemos
estava certo, e de que estávamos vencendo” e que aquilo “era a segurança, aquela sensação de
vitória sobre as forças do mal”. (1984: 60) “Não havia por que lutar, do nosso lado ou do
deles”, continua Thompson, pois “nós tínhamos todo o ímpeto”, “nós estávamos deslizando na
crista de uma onda enorme e linda”.
Mas o próprio autor vai observar que menos de cinco anos depois “você pode
subir numa montanha meio íngreme em Las Vegas e com o olhar certo pode até ver a marca da
água, aquele lugar onde a onda acabou arrebentando”. (1984: 60) E complementou:
“Nós estamos todos atados à viagem de sobrevivência agora. Não tem o pique que caracterizou
os Anos Sessenta. Estimulantes estão saindo da moda. Era o fim da viagem de Tim Leary. Ele
saiu pela América pregando a ‘expansão da consciência’ sem nunca ter pensado na cruel
realidade que estava esperando todos aqueles que o levaram a sério. (...) Todos aqueles patéticos
e ansiosos dependentes do ácido que pensaram que poderiam comprar Paz e Compreensão por
três dólares a dose. Mas o fracasso deles é nosso também. O que Leary destruiu com ele foi a
ilusão central de um estilo de vida que ele ajudou a criar... uma geração de aleijados
permanentes, fracassados, que nunca entenderam o sofisma místico essencial do ácido: a
suposição desesperada de que alguém, ou pelo menos alguma força, está segurando a luz no final
do túnel.” (1984: 158)
“Há alegria ao seu redor. Mas Você já não se liga. Suas emoções tem que vir de ora para
dentro. Aí, Você vai de bolinha. Ou de pico, erva, cheiro... e consegue rir. Um dia, vem a fossa.
Nem curtir Você sabe mais. Mas tem bola pra curtir. Você toma. E consegue chorar. Você é um
robot, amizade, podes crer. Deixou de ser um homem, faz tempo. Vai ver, um dia, Você quer dar
no pé. Se arrancar do mundo que Você não topa. Vai ver, Você não terá peito. Mas tem bolinha
pra ter peito... Você a tomará. E conseguirá morrer. Ainda é tempo de viver. O mundo gosta de
Você.” (VEJA, 190, abril/1972: 12)
“Esse tal de poder jovem está cada vez mais por fora. Descobrimos que os jovens entre 18 e 24
anos odeiam o dinheiro. Parece mentira, mas ficou apurado, numa pesquisa nacional, que a
maioria dos compradores de bilhetes da Loteria Federal é gente madura, acima dos 30 anos.
Parece absurdo: apenas 16% tem entre 18 e 24 anos. É o cúmulo. Preferir uma bicicleta a uma
Mercedes esporte é prova de visão curta. Trocar um cruzeiro nos mares do Sul por uma voltinha
de barco é sinal de vista grossa. Continuar aquele programinha quadrado no cinema do bairro
em vez de assistir às temporadas da Broadway é sintoma de imaturidade. Toda quarta-feira é
milionária com os prêmios da Loteria Federal. Você só precisa fazer uma coisa: tentar. Sem
tentar, ninguém consegue nada. A estatística é clara: os homens experientes tem tido mais direito
à sorte grande. É preciso contestar essa estatística!” (VEJA, 109, outubro/1970: 2)
Origens
“Seguinte: o futuro já começou. Não se pode julgá-lo com as leis do passado. A nova cultura é o
começo da nova civilização. E a nova sensibilidade é o começo da nova cultura. Sua continuação
é a nova lógica. Não: as leis do passado não servem. (...) Não se deixe grilar: na nova lógica
começa a nova razão. O círculo se fecha na Idade de Aquarius. Por isso o hippie é um poeta
negagé. Ele precede à nova linguagem conceitural. Mas esta só pode nascer do ventre de sua
(the hippie´s) imagem.” (O PASQUIM, janeiro/1970: 3)
A “velha Razão”, nas palavras de Maciel, estava esgotando suas possibilidades
e abrindo espaço para os novos:
“A velha Razão é a mãe de todos nós. Ela nos amamentou com seu leite forte e gorduroso;
educou-nos para que crescêssemos à sua imagem e semelhança; adestrou-nos em seus truques,
obedientes às suas Normas Invioláveis. As proteínas de seu leite explodiram em bolhas
neuróticas sobre a pele da alma; a educação resultou em asfixia de nosso instinto criador e a
obediência em mutilação do próprio sexo.” (O PASQUIM, janeiro/1970: 3)
Mas Maciel destacaria que o “novo” estava tomando lugar do “velho” e a busca
da liberdade era o caminho, apesar da resistência que a “velha Razão” ainda iria proporcionar:
“Mas a fase edipiana passou. Nada temos mais a aprender dos conselhos maternais. Já nos
disseram o que sabiam ou podiam. Naturalmente, a liberdade não é fácil: a velha Razão, gordota
e bochechuda como a supermãe do Ziraldo, insiste em manter a rédea curta, afrouxando a
tensão apenas para iludir o filho incauto com a ingênua e inútil tentativa de compreensão, que é
típica das mães fabricadas pelo sistema.” (O PASQUIM, janeiro/1970: 3)
“A revolução cultural está em marcha, dizem uns e outros. É verdade. Até em seus recuos, ela
não apenas propõe a mudança: ela muda, aqui e agora, através de uma dialética que ninguém
definiu. Seu método é a vigência provisória da moda. Através do efêmero, ela finca suas raízes.
Seu estilo é o improviso de free-jazz. Não: ela não deseja destruir tudo para começar de novo.
Prefere assumir sua tarefa montada sobre os ombros da tradição, sem compromisso, colhendo
dessa tradição suas forças, desprezadas: o êxtase, o sonho, o ritmo, a cor, o riso, a paz e todos
os presentes que o nosso Deus criador oferece aos sentidos humanos para a sua fugaz fruição
nesta Terra.” (O PASQUIM, janeiro/1970: 3)
“Tope Topeka! A calça demais! Topeka é um estado de espírito. Uma evidência de liberdade. Ser
jovem é antes de mais nada ser livre. Tope Topeka. Nas cores da vida atual. Tope, é demais. Só
se vive Topeka intensamente. Não hesite, tope Topeka enquanto é tempo.” (VEJA, 46,
julho/1969: 63)
“Liberdade é estar tranqüilo, confiante e seguro de si. É não depender dos outros na hora de
resolver um problema e encarar o futuro com otimismo. Liberdade mesmo é ter dinheiro no
bolso, para você usar como quiser, na hora que precisar. E Caderneta de Poupança é como
dinheiro no bolso. Deposite já. Ninguém pode ser muito feliz sem uma Caderneta de Poupança.”
(VEJA, 410, julho/1976: 86)
“Um vôo à liberdade. (...) Confie no Chevette. Ele vai levar você a todos os lugares e a todos os
momentos. Brincar com sua imaginação e libertar seus pensamentos mais profundos. Mas agora
esqueça esta revista e pare de sonhar. Existe um Chevette á sua espera, nos 360 Concessionários
Chevette. Prontinho para sair pelo mundo com você.” (VEJA, 427, novembro/1976: 58-9)
“A liberdade tem preço. Tanto tem, que você pode comprá-la a partir de Cr$ 19,10 mensais,
pagáveis em qualquer banco. Com essa modesta quantia, você adquire o direito de viver
livremente cada dia, sem se preocupar com o futuro. Um direito que antes só cabia aos ricos.
Mas agora é seu. Exerça-o. (...) Tome uma atitude de vida. Entre para o Montepio Nacional dos
Bancários. E acrescente mais liberdade à sua vida, acrescentando segurança ao futuro de sua
família.” (VEJA, 99, julho/1970: 47)
“Em que pensa Aldo Fernando? Pensa que está na dele. E está. Que ninguém duvide disso. Na
liberdade que conquistou e acha pouca. Quer mais. Pensa numa yamaha, toda vermelha, jóia de
moto. Ou no fusca que o pai anda prometendo. (...) Pensa que, mesmo contra a vontade, está
seguindo o caminho que o coroa seguiu antes (só que ele não ganhou fuca de ninguém... mas é
bom nem pensar em voz alta que o velho pode tirar um sarro...). Mais um pouquinho e vai se
encontrar com o seu ideal. Dono do nariz. Livre e independente. Liberdade, entende?” (VEJA,
220, novembro/1972: 95)
E a GBOEx conhece “muito bem os anseios de seu filho”, pois tem “uma
experiência acumulada em mais de meio século de existência” e, assim, é melhor deixar “o
Grêmio Beneficente de Oficiais do Exército ajudá-los a concretizar o ideal de liberdade do
garotão”, pois “o que ele quer, é aquilo que vocês já conquistaram”.
A mesma lógica foi utilizada, mas agora destacando uma jovem, “Em que pensa
Ana Maria?”:
“Pensa no primeiro encontro com ele. O passeio no parque. Na descoberta do amor. Depois,
parece que foi ontem, na suavidade da Ave-Maria, os olhares ternos diante do altar. Na lua de
mel (será que foi sonho?) Nas primeira fraldas e mamadeiras. O choro forte do Álvaro Luís. Na
chegada da nequinha. Nas bonecas com que agora brincam juntos, mãe e filha. Pensa no
companheiro das horas alegres e tristes. Nas conversas dentro da noite, nos planos a dois. O
filho formado. A nequinha feliz. A mesma liberdade de hoje, no amanhã.” (VEJA, 222,
dezembro/1972: 127)
Assim, “Mamãe, nós do GBOEx sabemos que você pensa muito num futuro
cheio de liberdade para os seus filhos” e deixe, portanto, a empresa a “ajudá-los nesta nobre
missão”. (VEJA, 222, dezembro/1972: 127)
A liberdade feminina, muitas vezes trabalhada na Contracultura como ideais do
feminismo, era revertida nos anúncios, como podemos perceber no texto a seguir:
“Nos quintais e nas áreas de serviço que as mulheres devem provar que são livres”, cuja parte
final do texto mostrou-se bem expressivo: “Como você viu, o lençol Tergal foi duramente testado
para poder falar em liberdade e conseguir mais tempo de sobra para você. Seria uma pena se
você não aproveitasse a oportunidade.” (VEJA, 273, novembro/1973: 135)
“Paris é hoje uma das cidades mais jovens do mundo. Os valores culturais e de liberdade estão
presentes em cada instante da vida parisiense. Mesmo que seu destino seja outra cidade da
Europa, faça de Paris a sua porta de entrada. O arco do triunfo é muito significativo para a sua
chegada. (...) Quando você chegar, existem milhares de oportunidades para fazer tudo aquilo
que sempre desejou, intensamente. Vá viver o clima da nova França. Que continua mantendo
acesa uma velha chama de sua antiga imagem: Liberté, Egalité, Fraternité.” (VEJA, 355,
junho/1975: 50-1)
“A máscula aventura do mar. Garoto de praia adora o mar. Espreita o horizonte e sonha com
terras distantes. Levar a mil pontos diferentes a boa nova que o Brasil existe, e quanto. Em
navios super-modernos, automatizados e computerizados (sic), onde o lobo do mar é mais do que
tudo um técnico altamente especializado. Jovens de toda a costa brasileira: a máscula aventura
do mar não é mais um sonho e sim fascinante realidade! Em menos de 5 anos o Brasil deu
imenso salto, criou uma das mais sofisticadas e eficientes Marinhas Mercantes do mundo. Hoje,
nos mastros da NETUMAR, do Rio das Pratas aos Grandes Lagos, a bandeira brasileira é
presença constante, ativa e incondicionalmente respeitada.” (VEJA, 198, junho/1972: 82)
“Pantene para quem tem cabelos longos e quer conservá-los. E você pode usar seus cabelos no
tamanho que quiser. O que você não pode permitir é que eles percam a saúde e a vida. Pantene é
uma loção vitaminada para ser usada por pessoas de todas as idades, seja qual for o tamanho
de seus cabelos.” (VEJA, 164, outubro/1971: 82)
“Se você acha que o bom da vida é ver televisão, continue, meu velho. É muito gostoso você
chegar em casa numa noite fria, chuvosa, tomar um banho quentinho, colocar um roupão e
assistir a um bom filme policial. Mas o mundo não é feito só de noites frias e chuvosas com
filmes sensacionais na televisão. O mundo tem sol, tem noites enluaradas,tem gente bonita
andando pelas ruas, tem estradas maravilhosas onde você ainda encontra ar puro. E tem muita
droga que você não merece ver nos programas de televisão. Você está só é precisando levar um
empurrãozinho para que você também ache a vida menos monótona. Então se segura que lá vai o
empurrão: a Honda produz motos de 50 a 750 CC (...) Com um pouquinho mais de 200 cruzeiros
mensais você já sai em sua moto, dá descanso para o seu cérebro que estava começando a ficar
vagabundo de tanto receber as coisas do mundo do jeito que os outros queriam que você
recebesse. Ponha o capacete, pegue a sua Honda e venha viver aqui fora. A menos que seus
olhos já tenham adquirido o formato das telas do seu aparelho de TV. (VEJA, 240, abril/1973: 9)
A imagem deste anúncio destacava dois jovens, um rapaz e uma moça, num
campo, com uma barraca ao fundo, ambos segurando suas motos.
Utilizando a imagem de uma moto Yamaha na frente e quatro jovens em volta
de uma mesa de um bar ou restaurante (tem um garçom atrás, além de outro jovem em outra
mesa), olhando para ela com admiração, a ênfase à liberdade e juventude ficou evidente:
“Yamaha, opção jovem de viver. Yamaha, além de máquina, é a opção jovem de viver com dois
tipos de cilindradas: RS 125 e RD 75. (...) Yamaha tem também o Torque Induction, que permite
arrancadas cheias de vigor jovem. Outro aspecto jovem muito característico das Yamaha é a
economia. Dinheiro não anda fácil. E ninguém resiste àquele espírito de aventura que só uma
Yamaha traz consigo. YAMAHA SÓ NÃO ECONOMIZA EMOÇÃO.” (VEJA, 504, maio/1978:
115)
“Não somos contra os novos hábitos. Existem mesmo, entre nossa clientela, várias pessoas que
só vivem para as novas idéias, respiram novidade 24 horas por dia. São pessoas que vivem
velozmente, que consomem rapidamente, que se movimentam com intensidade. Nos damos bem
com estes clientes. Também procuramos sempre atualizar e modernizar nossa estrutura de
serviços e atendimento. É, o mundo muda. E nós aceitamos toda a mudança para melhor.
Banrisul, o banco de todos.” (VEJA, 199, junho/1972: 91)
“Amor que não discrimina nem gordos, nem magros. Amor que está ligado à personalidade, ao
jeito-de-ser de cada pessoa. E que depende, isso sim, de estar de-bem com a vida. Nesse ponto, o
açúcar é importante. Porque é o energético mais natural que existe. (...) O fato é que você
necessita de energia, e açúcar é energia. Quanto ao amor, só uma coisa é verdadeira: um homem
cansado e sem ânimo nem pensa em amar, não é certo?” (VEJA, 59, outubro/1969: 43)
“A Philips gosta do amarelo. E daí? E gosta também do vermelho, do azul, do verde... Afinal, cor
que espetáculo de cor. Vida é um espetáculo Philips. Vida é movimento: vai de casa para o
escritório, para a fábrica, para a escola, para as ruas e praças públicas, para os campos de
esporte. Vida é trabalho, é repouso. Luz é amor. Luz é alegria. Luz é felicidade. A Philips ama as
cores. Luz, luz, cada vez mais luz para a felicidade das cores. (...) Uma luz para cada ambiente.
Uma cor para cada vida.” (VEJA, 113, novembro/1970: 25)
“O país que mais tem sabido confratenizar homens de todas as raças, oferece agora ao mundo
um monumento vivo e duradouro – uma praça onde estarão plantadas árvores de todos os
países, de todos os continentes e que, juntamente com um pau-brasil, servirão de exemplo de paz
e harmonia. Esta realização, que traz a marca do espírito de irmandade e grandeza de nossa
terra, é um acontecimento de repercussão mundial, do qual você se orgulhará hoje e sempre.”
(VEJA, 244, maio/1973: 97)
O anúncio mostrando que o Brasil é um “exemplo de paz e harmonia” para o
mundo em plena repressão política interna das mais violentas (embora o governo Médici já
estivesse encerrado e, neste momento, os primeiros meses do governo de Ernesto Geisel
iniciasse, lentamente, uma repressão menor) mostrava bem a reversão de valores com o
universo dos pacifistas da época.
Linguagem Jovem
“Os jovens estão falando uma nova e bela linguagem que não precisa de palavras. Os jovens
estão falando com gestos. Cada um deles é um símbolo. E a sua linguagem é a esperança. O que
eles querem dizer é que – seja você quem for, faça o que você fizer – há sempre um ponto de
contato. Mesmo que você fale uma linguagem diferente. Nós, da IBM, temos um exemplo disto.
Nós fomos às universidades. E levamos uma nova linguagem. A linguagem dos computadores.
(...) Hoje, mais de 30 universidades brasileiras contam com os computadores e os serviços da
IBM. E milhares de jovens estão aprendendo uma linguagem diferente. Feita de números,
gráficos, perfurações e fitas magnéticas. Uma linguagem um pouco menos poética que a deles.
Mas que, no fundo, no fundo, tem o mesmo sentido. Eles estão falando de esperança. E nós
estamos falando de futuro.” (VEJA, 152, agosto/1971: 69)
A imagem era de uma fotografia de uma mão fazendo o gesto de paz e amor.
A campanha procurava mostrar que era a valorização do homem que a IBM
buscava, pois, em outro anúncio (descrevendo sua fábrica em Campinas):
“Uma fábrica, por fora, na aparência. Uma fábrica, como tantas outras. Mas por dentro é o
homem. É o trabalho, o objetivo do homem. Se você olhar bem, de um lugar assim, você pode
enxergar o futuro. De dentro para fora. É assim que nós vemos as coisas.” (VEJA, 155,
agosto/1971: 73)
O estilo livre e cheio de gírias também foi aproveitado pela publicidade
brasileira. A Volkswagem lançou este anúncio utilizando-se, basicamente, apenas de gírias:
“Vai sacar, por exemplo, as vantagens de ser cliente da maior rede bancária da América Latina.
Verá o que quase 1.000 agências distribuídas por todo o País (e 28 dependências no exterior)
podem transar por você. E mais: Cheque-Ouro, cheque de viagens, todos os serviços bancários;
com rapidez e eficiência. Você vai poder viajar sem grilo. Em todo lugar existe uma agência do
Branco do Brasil. Aqui e nos principais centros financeiros do mundo, para na nossa. Use o
Banco do Brasil.” (VEJA, 375, novembro/1975: 5)
Misticismo
“A Gradiente convida você a desligar o mundo e entrar para a religião do verdadeiro som
profissional. (...) E os revendedores abaixo, como gurus desta nova religião que surge para
acompanhar você a vida toda, são todo ouvidos. Fale com eles. Os gurus Gradiente são guias
para o som de gente grande. O resto é silêncio.” (VEJA, 99, julho/1970: 21)
No anúncio dos fósforos Fiat Lux, foi utilizado uma imagem hippie: quatro
jovens, dois rapazes e duas moças, acendendo um pilão de metal, com o título “Para os novos
adoradores do fogo”. As caixas dos fósforos, destacadas no lado da fotografia com os jovens,
são apresentadas em cores psicodélicas. (VEJA, 101, agosto/1970: 2)
A Fiat Lux também se aproveitou do misticismo da época: apresentando um
idoso com as mãos numa bola de cristal, com um rolo de papel perfurado (formulário da loteria
esportiva da época) flutuando atrás e junto de suas mãos na bola, o título apresentava: “Para os
futurólogos de si próprios”. Abaixo, mais à direita, várias caixas de fósforos com desenhos do
Ziraldo. (VEJA, 104, setembro/1970: 2)
Elementos esotéricos também eram utilizados. Um anúncio do grupo químico
da Rhodia usou a imagem de um alquimista, que poderia “transformar o metal mais comum em
ouro”, para mostrar seus atributos:
“A Rhodia fez este anúncio porque sente na sua filosofia, uma total afinidade com os princípios
dos alquimistas. No afã de pesquisar, na necessidade de inventar, no propósito de melhorar cada
vez mais, a vida de um número cada vez maior de pessoas. Isso para a Rhoidia já é a pedra
filosofal, ‘essa substância miraculosa capaz de provocar toda sorte de transformações’. Pena
que os alquimistas não perceberam.” (VEJA, 242, abril/1973: 16-7)
“Ai da tora que cair na mão dos bruxos da Serraria Americana. A vida dela vira um verdadeiro
inferno. Um inferno de vigas, pontaletes, estrados, tacos, lambris, paredes divisórias etc. etc. Em
compensação, feliz de você se cair na mão deles. Os bruxos trasnsformam o seu problema de
madeira num mar de rodas. (...) Você não sabe do que uma Bruxaria, ou melhor, uma Serraria
bem intencionada é capaz.” (VEJA, 61, novembro/1969: 47)
Sensualidade
“Você vai continuar deixando de ir à praia, tomar sol, nadar, e perdendo a chance de continuar
sendo a mesma mulher que foi durante os outros 25 dias do mês, só porque ficou menstruada?
Esta é uma pergunta que o absorvente o.b.* veio responder. Porque com o.b.* você pode fazer
exercícios , praticar esportes e levar uma vida completamente normal.” (grifos do anúncio)
(VEJA, 327, dezembro/1974: 12-3)
Não perca a sua liberdade como mulher, compre e use o produto – a reversão
dos valores fica evidente.
A nudez feminina não foi exclusiva. A Victor, empresa de produtos de beleza
masculinos, também iria anunciar seus produtos com nudez, mas, neste caso, a masculina: os
produtos foram colocados em pequenos quadros que cobriam partes estratégicas do modelo nu.
O título: “Os 10 pontos fracos de uma mulher”, anunciando 10 produtos (dois por quadro) de
beleza masculina. (VEJA, 137, abril/1971: 37)
A moda unisex ganharia relevo neste momento – e a linguagem contracultural
se fazia presente, como podemos perceber no texto a seguir:
A imagem apresentava dois jovens, um rapaz e uma moça, vestidos com roupa
unisex.
A Contracultura era utilizada com certa freqüência, em particular a imagem do
hippie e um de seus ideais, o amor livre. A fabricante de colchões Milplast utilizaria uma
espécie de trocadilho com uma de suas produções no anúncio denominado “Ponha um hippy na
sua cama”, com a imagem de uma mulher de camisola sentada numa cama. O tal hippy citado
era o Colchão Hippy, “um colchão que é ao mesmo tempo ortopédico, anti-alérgico e anti-
bactericida” e que, caso você durma com ele, “nunca mais vai querer saber de outro na sua
cama”. (LAR MODERNO, dezembro/1972: 30) O outro colchão anunciado neste mesmo
comercial denominava-se Pop – ou seja, as imagens modernas da época estavam sendo
aproveitas. (LAR MODERNO, dezembro/1972: 30)
A reversão de valores da sensualidade nos anúncios foi uma das grandes marcas
da década de 70, pois a agências de publicidade tinham de trabalhar com o gosto popular (por
nudez e sexo), com a moral (que proibia ambos) e com os usos mais politizados propostos pela
Contracultura (choque de costumes). Assim, a sensualidade apresentada nos anúncios estava
longe de ser confrontadora – era uma tendência que o público se interessava cada vez mais e
que deveria ser abrandada, sem que o caráter de choque de costumes ficasse evidente.
A estratégia de reversão apresentou-se, portanto, assim: algumas imagens mais
fortes, cobertas nos lugares estratégicos e mostrando as maravilhas do consumo, sem culpa ou
preocupações.
O slogan “sexo, drogas & rock´n´roll” iria ser um dos pontos mais
característicos da primeira metade da década de 70, sendo o chamado “desbunde” brasileiro
uma síntese destas práticas. Mais do que um mero slogan, é um pedido para “soltar as amarras”
e um grito para cair na “festa” – e seria esta idéia de festa permanente que uma parte expressiva
da Contracultura iria cultuar como expressão de liberdade.
Não uma festa qualquer, como o carnaval (outro ponto forte quando pensamos
em liberação total) ou datas comemorativas oficiais, mas uma festa contra o sistema. A
liberdade destas festas era para a criação de universos alternativos e libertários, onde o amor
livre entra em choque direto com os limites da vida sexual oficial, as drogas desafiam
diretamente a ordem por darem prazer e serem ilegais, tendo como fundo musical o rock.
A reação contrária à idéia de festa foi bastante forte. No Brasil, um anúncio
publicado no começo da década de 70 chamou a atenção ao procurar mostrar as conseqüências
desastrosas do uso de drogas: o comercial retratava o fim trágico de Jimi Hendrix (sufocado por
vômito depois de consumir excesso de barbitúricos e dormir) e Janis Joplin (overdose de
heroína).
Com duas fotos dos artistas, utilizando o efeito negativo do filme, em preto-e-
branco, o anúncio abre com o pesar do anunciante: “Estamos chorando por eles.”
“A primeira calça brasileira que desbota e perde o vinco. O nome dessa calça é U.S. Top. Ela é
feita com o autêntico tecido Denim Índigo Blue. O tecido que tornou famosos os jeans
americanos. Ele desbota muito e desbota pouco, como você quiser. Quanto mais usado, surrado
e lavado for, mais bonito e macio ele fica. Esse tecido está numa calça de boca larga, ajuste
perfeito e Made in Brasiz: a U.S. Top. De agora em diante quem não usar U.S. Top vai pagar
caro por isso. Falei? “ (VEJA, 223, fevereiro/1973: 87)
Na mesma linha, a campanha continuou: “Solte o seu corpo dentro da calça que
desbota e perde o vinco. E viva a liberdade.” (VEJA, 297, maio/1974: 76) A linguagem jovem
também foi utilizada: “De hoje em diante você pode ficar sempre numa boa. Chegou a camisa
U.S. Top”, ressaltando a imagem de um casal de jovens, ele sobre uma moto, ambos vestindo a
camisa. (VEJA, 380, dezembro/1975: 131)
A concorrência da US Top contra a Lee intensificou-se na segunda metade dos
anos 70, e ambas procuraram explorar a idéia de liberdade da Contracultura e da juventude. O já
citado tecido demin índigo blue foi o catalisador das campanhas.
Utilizando-se da imagem seis jovens sentados no banco de uma estação de trem,
vestidos de jeans, a US Top deu início à campanha:
“Denim Índigo Blue, um privilégio de poucos no mundo. Denim Índigo Blue é o tecido que dá
autenticidade a um jean, porque só ele desbota do jeito que todo mundo gosta. Quanto mais
usado e lavado, mais aumenta aquela cor azul-prata que faz do autêntico jean uma roupa única e
emocionante. No Brasil, o Denim Índigo Blue é privilégio dos consumidores dos jeans US Top.
Porque só US Top é feito com o legítimo Denim Índigo Blue.” (VEJA, 441, fevereiro/1977: 11)
“Continue descontraído da cintura para cima. Abra os braços para as camisas US Top. Para
atender a uma geração que fez do jean US Top uma roupa única e exclusiva, aqui estão as
camisas US Top. Com o mesmo padrão de qualidade já consagrado pela etiqueta US Top.
Muitas cores, muita alegria e descontração. Igualzinho ao seu jeito de viver.” (VEJA, 443,
março/1977: 16-7)
“Lee, que já pintou o mundo de azul, lança agora a sua moda, com todas as cores do mundo. A
calça e jaqueta Lee Riders, no mais legítimo Denim Índigo Blue, todos já conhecem. Pois chegou
a hora de diversificar um pouco. Lee lança a moda para qualquer estação. Chegou a hora do
brim, do cetim algodão, do veludo cotelê. Da calça/jaqueta, calça/colete, calça/shirt-jacket,
camisas, blusões e até bolsas e sacolas de viagem. Naquela profusão de cores: cinza claro, gelo,
bege, azul celeste, marrom castor, petróleo, azul marinho e verde garrafa. Tudo para você sair
por aí pintando a vida de Lee.” (VEJA, 450, abril/1977: 16-7)
“Lee não segue a moda. Lee faz a sua própria moda. No legítimo azul do Denim Índigo e
também em todas as outras cores da juventude. No cinza claro, bege, marrom castor, petróleo,
verde e muitas outras combinações, para calças e jaquetas, camisas e T-shirts, bolsas e blusões.
Lee, a autêntica. Use a imaginação e pinte o mundo com a liberdade de Lee.” (VEJA, 454,
maio/1977: 121)
“US Top. Uma idéia tão boa que virou camisa. Quando uma idéia é boa mesmo, acaba tomando
conta de tudo. Estão aí as camisas US Top: o seu jeito de viver da cintura para cima. Alegres,
coloridas, descontraídas, uma variedade incrível de modelos. Pela qualidade, nem precisa
perguntar. É a mesma do jean US Top que você conhece tão bem. Entre rápido numa camisa US
Top: a moda agora é liberdade para o corpo inteiro.” (VEJA, 475, outubro/1977: 16-7)
“US Top. Uma camisa tão boa que virou presente. Depois que apareceram as camisas US Top,
dar presente ficou muito mais fácil. E receber, muito mais gostoso. É que toda vez que alguém
vai dar um presente, acaba mesmo é comprando alguma coisa que gostaria de ganhar. E não tem
quem não goste de uma camisa US Top.! (VEJA, 483, dezembro/1977: 16-7)
A imagem: quatro jovens, dois rapazes e duas moças, vestindo as camisas US
Top.
O tom da campanha foi mantido: com o título “Camisas US Top. Você também
vai gostar da idéia”, podemos destacar a imagem utilizada: dois jovens, usando camisas e
calças jeans da US Top, comendo frutas, com uma parte escrita embaixo – “As camisas US Top
são feitas para combinar com seu jean US Top. E com seu jeito de viver”. (VEJA, 498,
março/1978: 56-7)
A “resposta” da Lee enfatizou sua marca à moda jovem:
“Lee, moda jovem da cabeça aos pés, sem preconceitos de hora. Ou lugar. Uma maneira
completa de vestir, em qualquer ocasião. Sem preconceito algum de hora ou de lugar. Um estilo
criativo, na calça, na camisa, no blusão, na bolsa e até no coração. Essencialmente seu.”
(VEJA, 501, abril/1978: 16-7)
- ALEXANDRE, Ricardo. Dias de Luta – o Rock e o Brasil dos Anos 80. São
Paulo: DBA Artes Gráficas, 2002;
- BAHIANA, Ana Maria. Almanaque Anos 70. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006;
- CALADO, Carlos. A Divina Comédia dos Mutantes. 2ª ed., São Paulo: Ed. 34,
1995;
- CALADO, Carlos. A Divina Comédia dos Mutantes. 2ª ed., São Paulo: Ed. 34,
1995;
- ECHOLS, Alice. Janis Joplin: Uma Vida, Uma Época. São Paulo: Global,
2000;
- GALVÃO, Luiz. Anos 70: Novos e Baianos. São Paulo: Ed. 34, 1997;
- GIDDENS, Anthony. A Transformação da Intimidade – Sexualidade, Amor e
Erotismo nas Sociedades Modernas. São Paulo: UNESP, 1993;
- GOFFMAN, Ken e JOY, Dan. Contracultura Através dos Tempos: do Mito de
Prometeu à Cultura Digital. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007;
- GOULD, Jonathan. Can´t Buy Me Love: os Beatles, a Grã-Bretanha e os
Estados Unidos. São Paulo: Larousse do Brasil, 2009;
“Os anos furiosos de 1968 e 1969 não parecem mais do que vagas imagens de um passado
distante. As marchas sobre Washington, as manifestações de Berkeley, os distúrbios de Chicago,
os festivais de Woodstock e Altamont – todos esses episódios já se tornaram ‘história’. Para a
imprensa estabelecida, são apenas quadros da revolução-que-não-houve. Para a contracultura,
representam etapas inevitáveis de um processo revolucionário – mais lento porém do que
previram os teóricos do underground.” (1973: 106)
“Abbie é um pioneiro nessa luta, mas até agora sua Nação Woodstock é uma coisa puramente
cultural, um estado mental partilhado por milhares de jovens. O estágio seguinte será
transformar esta Nação Woodstock numa realidade organizada, com suas próprias instituições
revolucionárias e, já a partir de agora, com raízes em seu próprio território.” (apud
MUGGIATI, 1984: 138)
“Os revolucionários pretendem coisas que não possuem. Não sabem o que querem. Mas se
conduzirem a ação como visualizam, algumas extravagâncias nas ruas e suponhamos que
vençam, então o que hão de fazer? Não tem um plano melhor, e eu não acredito que tenham
inteligência suficiente para compreender que se deve pensar em muita gente em termos de
revolução. Falo da revolução nos EUA, onde os jovens pensam em subir ao poder. O que vão
fazer de seus pais e do resto da velharia que tem estragado tudo, vão matá-los? Coisas desse
gênero eles ainda não consideraram. Não estão prontos para formar uma nova sociedade e mais
ainda: seus métodos são tão primitivos que eu, felizmente, não acredito que possam conseguir.”
(ZAPPA apud MÔNICA, 1985: 13)
“problema com os hippies foi que se desenvolveu uma hostilidade dentro da contracultura entre
aqueles que tinham o equivalente a um fundo de crédito – uma espécie de poupança familiar – e
aqueles que tinham de virar sozinhos. É verdade, por exemplo, que os negros já estavam um
pouco ressentidos com os hippies lá pelo Verão do Amor, em 1967, porque, na ótica deles,
aqueles garotos estavam desenhando figuras espirais nos seus blocos, queimando incenso e
tomando ácido, mas poderiam cair fora a hora que quisessem.” (SANDERS apud McNEIL e
McCAIN, 1997: 38)
E complementando:
“Eles podiam voltar pra casa. Podiam ligar pra mamãe e dizer: ‘Me tira daqui.’ Ao passo que
alguém criado num conjunto habitacional da Rua Columbia e que estava se arrastando em volta
de Tompkins Square Park não podia escapar. Aqueles garotos não tem para onde ir. Não podem
voltar para Caipirolândia, não podem voltar para Connectitut. Não podem voltar pro internato
em Baltimore. Estão encurralados.” (SANDERS apud McNEIL e McCAIN, 1997: 38)
As mortes de Brian Jones (1º guitarrista dos Rolling Stones, afogado na sua
piscina) em 1969, de Jimi Hendrix (engasgado com vômito após excessivo de consumo de
barbitúricos), de Janis Joplin (overdose de heroína) em 1970 e de Jim Morrison (vocalista e
compositor do conjunto The Doors, com problemas no coração) em 1971, mostrariam as
tragédias individuais (normalmente envolvendo drogas) atingindo o espírito contracultural.
Mas foi a separação dos Beatles, em 1970, que tornou-se um marco decisivo
para o momento. Mais do que o fim do grupo mais popular da década, esta separação marcou,
simbolicamente, o fracasso da idéia da “celebração coletiva”, tão cara às comunidades
alternativas e aos grandes festivais (como Monterey, Hyde Park e Woodstock, mesmo
considerando o fracasso de Altamont). A frase de John Lennon na música “God”, de 1970, “the
dream is over” (“o sonho acabou”), ficou conhecida como o as palavras escritas no túmulo da
Contracultura e da forma tribal da juventude – não coincidentemente a música com tal frase foi
gravada em seu primeiro álbum solo depois da dissolução dos Beatles.
Em outras palavras, o “estilo tribal”, que tanto marcara os anos 60, seria, aos
poucos, dissolvido nos anos 70, a chamada “década do Eu”, marcando uma excessiva
preocupação egoísta. (LASCH, 1983: 23)
Com ou sem “egoísmo” ou ataques diretos da ordem estabelecida, muitos dos
ativistas da Contracultura cresceram, formaram famílias, empregaram-se (quase sempre dentro
do tão combatido “sistema”) para poderem sobreviver. Muitos foram lutar contra o seu vício nas
drogas. Muitas das motivações do público da Contracultura eram apenas momentâneas, ou, em
outras palavras, era apenas moda.
Os últimos resquícios da Contracultura dos anos 60 e início dos anos 70 ainda
apareciam nos anos de 1976 e 1977, já em processo terminal, embora seja difícil estabelecer um
marco para tal “fim” - procurar o marco final da Contracultura em termos culturais dos anos 60
e 70 é tão complicado quanto procurar o seu marco inicial.
Timothy Leary encontrou um marco interessante para o fim da guerra entre
gerações: o ex-beatle George Harrison, em excursão em Washington, visitaria a Casa Branca e
posaria ao lado do presidente Gerald Ford. (GOFFMAN e JOY, 2007: 349) O assassinato
de John Lennon em 1980, confirmando definitivamente que o “sonho” tinha mesmo acabado, é
um fato também citado. Vamos nos aprofundar um pouco mais neste ponto.
O crítico de rock Lester Bangs, que sempre se caracterizou por sua bela escrita e
por colocar mais sentimentos do que técnica nas suas análises sobre o rock’n’roll, escreveu
acidamente sobre a “tristeza” do público em relação com a morte de Lennon, em particular às
pessoas da geração dele que “se recusam a deixar a adolescência nos anos 60 morrer de morte
natural”, sendo ainda mais patéticos os mais jovens que “irão arrancar e devorar qualquer
migalha de um sonho que alguém declarou acabado há mais de 10 anos”. (2005: 126) Para
Bangs:
“Talvez os jovens sejam os mais tristes, porque ao menos os meus companheiros ainda têm
alguma memória nostálgica das longas e frias lembranças que hoje eles se ajoelham para
reavivar, enquanto que os garotos tem que se virar com coisas do tipo o show de Beatlemania e
uma lista de mercadorias de consumo.”(2005: 126)
Sua critica contra o saudosismo era direta e tais públicos continuavam tentando
recriar um tempo que passou. Para Bangs:
“John Lennon, nos seus melhores momentos, desprezava sentimentalismo barato e teve que
aprender da maneira mais difícil que, uma vez que você deixou sua marca na história, aqueles eu
não o conseguiram ficarão tão agradecidos que vão transformá-la numa jaula para você.
Aqueles que escolhem falsificar suas próprias memórias – que anseiam por uma terra-do-nunca
de uma década de 60 que nunca aconteceu daquela maneira em primeiro lugar – insultam o
Éden retroativo que eles idolatram.” (2005: 127) (grifo do autor)
“Assim, nessa hora de hipocrisias de gelar as tripas a respeito de ícones máximos, espero que
você aguente minhas próprias considerações por tempo suficiente para me deixar dizer que os
Beatles foram com certeza muitíssimo mais do que um grupo de quatro músicos talentosos que
podem muito bem ter sido os melhores de sua geração. Os Beatles foram acima de tudo um
momento. Mas a geração deles não foi a única na história, e insistir em manter a brasa daqueles
sonhos acesa de qualquer maneira, com a esperança de que ela voltará de alguma forma a arder
novamente nos anos 80, é uma busca tão fútil quanto tentar transformar as letras de Lennon em
poesia. É por aquele momento – não para o homem John Lennon – que você está de luto, se é que
você está de luto. Em última instância, você está de luto por si mesmo.” (2005: 127)
O “momento” a que ele se referiu foi a Contracultura, que talvez nunca tivesse
sido como seu público imaginou que fosse, deixando apenas o saudosismo como sensação de ter
participado dela e o consumo como orientador, pois os novos que não a viveram podem sentir
um pouco do seu poder comprando produtos relacionados a ela. A morte de Lennon pelas
questões que produziu não pode deixar de ser considerada, também, um marco do fim de uma
era.
Mas arriscando um número grande de críticas, o autor da presente pesquisa
também encontrou um fato que pode ser considerado uma ruptura da Contracultura, não como
derrota, mas como resumo e despedida: o último concerto do conjunto The Band, no Dia de
Ação de Graças de 1976. Por que esse concerto em particular? Pois foi uma espécie de who´s
who da música contracultural.
O evento, realizado no Filmore East, de Bill Grahan, em San Francisco, reuniria
convidados muito especiais: Van Morrison, Joni Mitchell, Neil Young, Dr. John, o poeta beat
Lawrence Ferlinghetti, Muddy Waters, entre outros, além da trinca da cultura pop definidora (ou
não) da Contracultura, Bob Dylan, Ringo Starr (Beatles) e Ron Wood (que entraria para os
Rolling Stones neste ano). (GRAHAN e GREENFIELD, 2008: 399-413)
Em clima de festa e despedida, cada convidado aparecendo aos poucos e com
um grande consumo de drogas (a cocaína era o “combustível” das apresentações), o evento foi o
que mais se aproximou de síntese musical e comportamental da Contracultura: blues, country,
gospel, r´n´b, rock´n´roll, british invasion, psicodelismo, folk, etc. As expectativas e esperanças,
além das desilusões, da geração da Contracultura apareceram no espetáculo, com toda a sua
beleza e tristeza. (SOUNES, 2002: 267-9) O evento, transformado em filme por Martin
Scorcese, seria lançado em 1978.
Novos parâmetros culturais da juventude começariam a surgir.
“Na verdade, não tínhamos nenhum motivo pra sermos idealistas, e eu estava farta da cultura
hippie. As pessoas estavam tentando manter aqueles ideais de paz e amor, mas eles estavam
muito desvalorizados. Além disso, era a época em que era bacana ser capitalista, e você não
entrava mais naquela. Estava esgotado, mas, como os hippies defendiam o que era bom, ninguém
podia deixar prá lá e dizer ‘isso acabou’. Era como se você fosse forçado a ser otimista,
interessado e bom. E a acreditar na paz e amor. E embora eu talvez acreditasse, me ressenti por
todo mundo me dizer no que acreditar. Eu não gostava da cultura hippie, achava nauseante,
afetada, sentimental e com carinha de smiley.” (HARRON apud McNEIL e McCAIN, 1997:
301)
Assim como o Glam Rock inglês, uma das primeiras respostas jovens contra o
movimento hippie, os punks gostavam mais de chocar do que apresentar propostas de estilos de
vida mais gerais. Os simbólicos utilizados eram mais voláteis e menos profundos, como o uso
de suásticas por uma parte das bandas de punk viria a demonstrar: a maioria expressiva destas
bandas não era de nazistas, mas usavam o símbolo como para chocar. A diferença entre hippies
e punks fica claro nas palavras de Mary Harron:
“Eu era a favor do punk instintivamente, mas tive que me guiar pelo gosto instintivo, por causa
dos símbolos. Levei um tempo para elaborar isto, porque agora é banal que as pessoas usem
símbolos de maneira irônica. Mas na época hippie, modos de vestir ou símbolos não eram
usados ironicamente. Era tipo: ‘Isso é o que você é; você tem cabelo comprido; você veste isso;
você é uma pessoa da paz.’ Por isso, se você usava suásticas, você era um názi. E de repente,
sem nenhuma transição, sem ninguém dizer nada, surge um movimento, e estão usando suásticas
e não tem nada a haver com aquilo; é uma roupa e é uma agressão. Tem a ver com alguma coisa
completamente diferente – tem a ver com encenação e tática de choque.” (HARRON apud
McNEIL e McCAIN, 1997: 266)
O poder dos ídolos e das idéias sempre mudam, apesar da teimosia dos
membros da Contracultura:
Mas não foi apenas o “sistema” que ganhou, os próprios jovens ajudaram a
aceitar a sua própria derrota, em particular as lideranças, pois “que quem me deu a idéia de uma
nova consciência e juventude/ Tá em casa guardado por Deus contanto vil metal” e que
“Entrei como um atleta olímpico, cheio de energia e atitude, fazendo o sinal da paz, vestido com uma
roupa de couro e franjas (...) Mal comecei a primeira música e... coitado de mim. Nem desconfiava
que iria comer o pão que o diabo, invocado por eles, amassou. Não dava para ouvir os insultos, mas
eu adivinhava vendo as expressões de revolta e deboche em suas caras. Começaram a me atirar
areia, latas vazias, copos de plástico, pilhas e outros objetos.” (2009: 315-18)
Embora o próprio cantor considerasse que tal público era minoria, pois “a
grande maioria da galera, que estava atrás da horda, era civilizada e estava ali cumprindo à
risca a proposta do festival, que era de som e paz” (2009: 318), uma reação tão violenta assim
não deixava de ser algo bastante anti-Woodstock, apesar da imagem deste grupo ser
relativamente semelhante: público de cabelos compridos, utilizando drogas e “curtindo
livremente” o show de rock.
O novo tinha definitivamente chegado ao Brasil.
O Balanço da Contracultura
Mas com esse "radicalismo estético", que borra as fronteiras entre a alta cultura e a cultura
popular e vê a realidade como um teatro onde "sempre se está representando", correm-se certos
riscos: principalmente, o de embarcar num caminho que desemboca na tendência pós-moderna
de negar a existência de qualquer referente exterior ao discurso ("só há representação") e do
qual desaparecem as tensões, por exemplo, entre crítica e alienação, trabalho e não-trabalho,
superfície e profundidade. (2001: 143)
“O universo das Comunicações toma vida na e pelas palavras, pelos textos, pelos discursos. A
rede discursiva tecida pelos processos comunicacionais contemporâneos faz da linguagem e,
portanto, da comunicação, o modo de presença dos valores que regem a sociedade. É
precisamente neste sentido que a análise discursiva das paixões torna-se oportuna para
investigar a materialização textual dos efeitos passionais da linguagem e as consequencias desse
exercício passional nas interações cotidianas no mundo do trabalho.” (2º semestre/2008: 123)
Fontes Primárias
* Jornais:
- Flor do Mal;
- O Pasquim;
- Opinião.
* Revistas:
- Cláudia;
- Lar Moderno;
- Manchete;
- POP;
- Realidade;
- Revista Civilização Brasileira.
Fontes Secundárias
- BAHIANA, Ana Maria. Almanaque Anos 70. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006;
- BANES, Sally. Greenwich Village 1963 – Avant-Garde, Performance e o
Corpo Efervescente. Rio de Janeiro: Rocco, 1999;
- BANGS, Lester. Reações Psicóticas. São Paulo: Conrad, 2005;
- BARCINSKI, André e FINOTTI, Ivan. Maldito – a Vida e o Cinema de José
Mojica Marins, o Zé do Caixão. São Paulo: Ed. 54, 1998;
- BRAGA, José Luiz. O Pasquim e os Anos 70 - Mais Pra Epa Que Pra Oba...
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991;
- CALADO, Carlos. A Divina Comédia dos Mutantes. 2ª ed., São Paulo: Ed. 34,
1995;
- ECHOLS, Alice. Janis Joplin: Uma Vida, Uma Época. São Paulo: Global,
2000;
- MELLO, Zuza Homem de. A Era dos Festivais: uma Parábola. São Paulo:
Ed. 34, 2003;
- SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Feliz 1958 – o Ano que não Devia Terminar.
5ª Ed., Rio de Janeiro: Record, 1998;