Fernandes 9788568576793

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A democracia reduz a desigualdade econômica?

Um estudo sobre as possibilidades de construção de uma


sociedade mais igual por meio da democracia

Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes

SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros

FERNANDES, I.F.A.L. A democracia reduz a desigualdade econômica? Um estudo sobre as


possibilidades de construção de uma sociedade mais igual por meio da democracia [online]. São
Bernardo do Campo, SP: Editora UFABC, 2017, 301 p. ISBN: 978-85-68576-79-3.
https://doi.org/10.7476/9788568576793.

All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0
International license.

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4.0.

Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative
Commons Reconocimento 4.0.
i
Universidade Federal do ABC

Prof. Dr. Klaus Werner Capelle - Reitor


Prof. Dr. Dácio Roberto Matheus - Vice-Reitor

Editora da UFABC
Profª. Drª. Adriana Capuano de Oliveira - Coordenação
Cleiton Fabiano Klechen
Natalia Gea

ii 
IVAN FILIPE DE ALMEIDA LOPES FERNANDES

São Bernardo do Campo - SP


2017

 iii
© Copyright by Editora da Universidade Federal do ABC (EdUFABC)

Todos os direitos reservados.

Revisão
Bruna Longobucco

Projeto gráfico e diagramação


Rita Motta - Tribo da Ilha, sob coordenação da Gráfica e Editora Copiart.

Foto da capa
Pixabay

Impressão
Gráfica e Editora Copiart

CATALOGAÇÃO NA FONTE
SISTEMA DE BIBLIOTECAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC
Responsável: Marciléia Aparecida de Paula CRB: 8/8530

Fernandes, Ivan Filipe de Almeida Lopes


A democracia reduz a desigualdade econômica?: um estudo sobre as
possibilidades de construção de uma sociedade mais igual por meio da democracia /
Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes — São Bernardo do Campo, SP : EdUFABC,
2017.

xxiii, 301 p. : il.

ISBN: 978-85-68576-61-8

1. Democracia. 2. Desigualdades Sociais - Brasil. 3. Igualdade Social - Brasil. I.


Título.

CDD 22 ed. – 361.1

iv 
Agradecimentos

Gostaria de agradecer aos que contribuíram de maneira


decisiva para a realização deste trabalho, fruto de minha pes-
quisa de doutoramento, agora transformada em livro. É um
grande prazer agradecer a todos pelo enorme auxílio prestado
das mais diversas formas possíveis.
Em primeiro lugar gostaria de agradecer àqueles que
viabilizaram de forma direta à produção desta pesquisa.
Agradeço à professora Maria Hermínia Tavares de
Almeida, orientadora, cuja dedicação, conselhos, críticas pre-
cisas e método de trabalho foram cruciais para o andamento e
evolução desta pesquisa e do próprio autor como pesquisador.
Agradeço também ao professor José António Cheibub, coo-
rientador durante minha estadia na Universidade de Illinois,
em Urbana-Champaign.
Agradeço ao apoio institucional prestado pelo Depar-
tamento de Ciência Política (DCP) da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São
Paulo – USP que viabilizou e forneceu a infraestrutura neces-
sária e o apoio institucional para a finalização desta pesquisa;
ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecno-
lógico – CNPq e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior - CAPES, que apoiaram financeiramente
o trabalho. O primeiro responsável pelo financiamento dos

v
estudos durante o doutoramento e a segunda responsável
pela Bolsa Sanduíche usufruída no Departamento de Ciência
Política da Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign
(UIUC). Agradeço também a contribuição da Universidade
Federal do ABC (UFABC), instituição que me abrigou após o
término do doutorado e quem, por meio de sua Editora (Edi-
tora UFABC) propiciou a publicação desta pesquisa de douto-
rado no formato de livro.
O trabalho se beneficiou muito da experiência como vi-
siting scholar na UIUC. Em particular gostaria de agradecer às
contribuições dos professores James H. Kuklisnk e Matthew S.
Winters com quem tive a dupla satisfação de ser aluno e poder
discutir pessoalmente os caminhos desta pesquisa. Gostaria
também de agradecer aos professores e colegas do DCP/USP.
Gostaria de agradecer também aos professores Walter
Beluzzo e Sérgio Firpo cujos comentários a respeito da me-
todologia desta pesquisa foram de fundamental importância
para o sucesso do trabalho, assim como ao professor Bruno
Càutres com quem tive a oportunidade de trabalhar como mo-
nitor nas IPSA Summers Schools de 2012 e 2013 e pude apre-
sentar e discutir minhas ideias de pesquisa.
É importante lembrar também a contribuição de David
Samuels, Ben Ansell, Christian Houle, Salvatore J. Babones,
María José Alvarez-Rivadulla e James K. Galbraith por terem
cedido parte dos dados de suas pesquisas, além de terem
sido extremamente atenciosos ao responderem com bastante
cuidado aos e-mails de um jovem pesquisador.
Aos companheiros do Polmet, grupo de estudos e orien-
tação organizado pela professora orientadora Maria Hermínia,
juntamente com os professores Leandro Piquet Carneiro e
Cristiane Lucena Carneiro e os colegas pesquisadores Nadim

vi 
Gannoum, Lucas Cadah, Juliana Costa, Laerte Apolinário,
Bruno Lopes, Suhayla Khalil e Andreas Werner, cujos comen-
tários, críticas e conselhos foram fundamentais para a evolu-
ção do argumento e da pesquisa empírica. Aproveito também
para agradecer aos companheiros da vida acadêmica no IRI
e DCP – USP. Em especial, gostaria de agradecer todo apoio
de Leandro Consentino, Marcello Baird, Lara Mesquita, Vitor
Oliveira e Humberto Dantas.
Em especial, gostaria de agradecer as contribuições dos
colegas do Grupo de Economia Política (GEP) sediado no
IRI/USP, Flávio Pinheiro, Gabriel Cepaluni, Rafael Magalhães
e Gustavo Araújo, que analisaram e discutiram longamente os
esboços desta pesquisa.
Por fim, e mais importante, gostaria de agradecer a to-
dos aqueles que me deram o apoio afetivo e emocional fun-
damental no percurso desta jornada, a quem dedico integral-
mente esta pesquisa:
À Duda, ao Lucas e à Mari que me propiciaram uma das
maiores felicidades de minha vida ao me permitirem tornar-
me parte de sua família. À Mércia e às minhas cunhadas, Helen
e Heliane, por todo o apoio, carinho e compreensão. À Isabela,
Laura e Miriam por todo o incentivo e apoio. À Fabi e ao
André por todo o apoio e cuja ajuda foi crucial para que pu-
desse morar nos EUA sem grandes preocupações.
Aos membros da minha família que são a essência de
tudo que sou! Aos meus pais, Diogo e Nina Rosa, os grandes
mestres de minha vida, cujo exemplo, dedicação e carinho são
imensuráveis e incomparáveis. À minha tia/madrinha Sônia,
sempre muito querida, e aos meus irmãos, Gustavo e Guilher-
me, que sempre me apoiaram, discutiram, estiveram e estarão
por perto, seja nos momentos difíceis, nas grandes celebrações
e mesmo no dia a dia de todo o sempre.

 vii
À minha amada Heloísa, cujo carinho e compreensão
superam o limite do compreensível, me ajudando em tudo em
minha vida, minhas faltas ao longo deste projeto, e a atenção
nos momentos mais nervosos, vibrando com minhas vitórias
e com quem percorrerei de mãos dadas toda essa fabulosa
jornada chamada Vida. E, finalmente, ao Filipinho, nosso
primeiro filho, que veio para alegrar ainda mais nossa vida e
todos os futuros passos de nossa família.

viii 
Lista de figuras

Figura 1 Efeitos heterogêneos da democracia sobre a


desigualdade econômica – diferentes
especificações e instrumentos........................ 207
Figura 2 Efeitos heterogêneos da democracia sobre a
desigualdade econômica em diferentes intervalos
temporais – efeitos fixos continentais........... 215
Figura 3 Efeitos heterogêneos da democracia sobre a
desigualdade econômica – Polity IV........ 227
Figura 4 Efeitos heterogêneos da democracia sobre a
desigualdade econômica – Standardized Income
Inequality Data (SIID).................................... 231
Figura 5 Efeitos heterogêneos da democracia sobre a
econômica - Standardized World Income
Inequality Data (SWIID) para renda bruta..... 235
Figura 6 Efeitos heterogêneos da democracia sobre a
participação do capital na agregação de
valor................................................................... 239
Figura 7 Efeitos heterogêneos da persistência
democrática sobre a desigualdade econômica –
EHII e BM-GINI.............................................. 252

 ix
Lista de gráficos

Gráfico 1 Coeficiente de GINI no Brasil a partir dos anos


1990........................................................................2
Gráfico 2 Visão de longo prazo do coeficiente de GINI no
Brasil.......................................................................4
Gráfico 3 Densidades de Kernel de desigualdade econômica
bruta (EHII) por regimes políticos................ 138
Gráfico 4 Densidades de Kernel de desigualdade econômica
bruta (SWIID) por regimes políticos............ 140
Gráfico 5 Médias de desigualdade GINI (EHII_bruto e
SWIID_bruto).................................................. 144
Gráfico 6 Médias de desigualdade GINI ao longo dos
anos em quinquênios (EHII_bruto).............. 148
Gráfico 7 Médias de desigualdade GINI ao longo dos
anos em quinquênios (SWIID_bruto).......... 150
Gráfico 8 Médias de desigualdade GINI ao longo do
horizonte democrático (EHII e SWIID) –
anual.................................................................. 154
Gráfico 9 Médias de Desigualdade GINI ao longo do
horizonte democrático (EHII e SWIID)....... 155

 xi
Gráfico 10 Médias de desigualdade GINI ao longo do
horizonte democrático (EHII e SWIID) –
por décadas....................................................... 156
Gráfico 11 Densidades de Kernel de desigualdade
econômica de longo prazo (BM) por regimes
políticos............................................................. 163
Gráfico 12 Médias de desigualdade GINI (BM) por
décadas e por regime político........................ 166
Gráfico 13 Médias de desigualdade GINI (BM) ao longo
do horizonte democrático – visão de longo
prazo.................................................................. 167
Gráfico 14 Efeitos heterogêneos da democracia sobre a
desigualdade econômica – efeitos fixos
continentais...................................................... 197
Gráfico 15 Efeitos heterogêneos da democracia sobre a
desigualdade econômica – efeitos fixos
continentais e temporais................................. 201
Gráfico 16 Efeitos heterogêneos da democracia sobre a
desigualdade econômica – efeitos fixos
regionais e temporais...................................... 204
Gráfico 17 Efeitos heterogêneos da democracia sobre a
desigualdade econômica – sem efeitos fixos..... 208
Gráfico 18 Efeitos heterogêneos da democracia sobre a
desigualdade econômica – efeitos fixos
continentais...................................................... 245
Gráfico 19 Efeitos heterogêneos da democracia sobre a
desigualdade econômica – efeitos fixos
continentais e temporais (décadas)............... 246

xii 
Gráfico 20 Efeitos heterogêneos da democracia sobre a
desigualdade econômica – efeitos fixos
continentais e temporais (anos)..................... 247
Gráfico 21 Efeitos heterogêneos da democracia sobre a
desigualdade econômica – efeitos fixos
continentais - países-décadas......................... 248
Gráfico 22 Efeitos heterogêneos da democracia sobre a
desigualdade econômica – efeitos fixos
continentais e temporais – países-décadas..... 249

 xiii
Lista de quadros

Quadro 1 Instrumentos de democracia............................94


Quadro 2 Instrumentos de democracia..........................177

 xv
Lista de tabelas

tabela 1 Correlações entre democracia e difusão de


democracia........................................................100
Tabela 2 Correlações entre democracia e os outros
Instrumentos.....................................................101
Tabela 3 Dados descritivos de EHII_renda bruta........139
Tabela 4 Dados descritivos de SWIID_ renda
bruta...................................................................141
Tabela 5 Estatística descritiva dos dados de
desigualdade......................................................142
Tabela 6 Dados descritivos de GINI – BM...................162
Tabela 7 Estatística descritiva das principais variáveis
de controle.........................................................173
Tabela 8 Democracia defasada (t-1) com efeitos fixos
continentais.......................................................183
Tabela 9 Democracia_defasada (t-1) com efeitos fixos
continentais e temporais..................................185
Tabela 10 Democracia_defasada (t-1) com efeitos fixos
regionais e temporais.......................................188
Tabela 11 Testes de endogeneidade.................................193

 xvii
Tabela 12 Dados faltantes de desigualdade
econômica..........................................................214
Tabela 13 Estatística descritiva dos dados de participação
e recrutamento..................................................226
Tabela 14 Estatística descritiva das variáveis de
controle..............................................................242

xviii 
Lista de abreviaturas

BM - GINI Coeficientes de GINI de Bourguignon e


Morrisson (2002)
CPS/FGV Centro de Políticas Sociais da FGV

DS Coeficientes de GINI de Deininger e Squire


(1996)
EHII Estimated Household Income Inequality
FGV Fundação Getúlio Vargas
FH Freedom House
GLM Generalized Linear Models
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IHME Institute for Health Metrics and Evaluation
ISIC International Standard Industrial Classification
LIS Luxembourg Income Study
MQO Regressão por Mínimos Quadrados Ordiná-
rios
ONU Organizações das Nações Unidas
PBF Programa Bolsa Família

 xix
PME Pesquisa Mensal de Emprego
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PWT Penn World Tables
RQ Regressão Quantílica
SIID Standardized Income Inequality Data
SWIID Standardized World Income Inequality
Database
UNIDO United Nations Industrial Development
Organization
UNU United Nations University
WIDER The World Institute for Development
Economics Research
UTIP University of Texas Inequality Project
WDI World Development Indicators
WIID The World Income Inequality Database

xx 
Sumário

Introdução....................................................................................... 1

Capítulo 1
O campo teórico da discussão entre democracia e
desigualdade.................................................................................21
1.1 O debate sobre a relação entre democracia e
desigualdade...............................................................27
1.2 Resultados empíricos.................................................37
1.3 Desenvolvimento, choques tecnológicos e
desigualdade...............................................................43
1.4 Democracia, mercados e desigualdade
econômica...................................................................48
1.5 Globalização e comércio internacional...................55
1.6 Causalidade reversa: os efeitos da desigualdade
sobre os processos de democratização.....................60

Capítulo 2
Teoria e metodologia....................................................................67
2.1 Ativando a desigualdade como tema eleitoral........68
2.2 Metodologia................................................................89
2.3 Endogenia nas relações entre democracia e
desigualdade econômica ..........................................90

 xxi
2.3.1 Difusão democrática como instrumento de
democracia........................................................95
2.3.2 Estimação dos efeitos heterogêneos da
democracia sobre a desigualdade
econômica.......................................................102

Capítulo 3
Democracia e desigualdade: dados e relação descritiva.........107
3.1 Dados e definições de democracia.........................108
3.1.1 Democracia como processo..........................112
3.1.2 Uma medida alternativa de competição
política.............................................................114
3.2 Dados e definições de desigualdade.......................117
3.2.1 Medidas alternativas de desigualdade
econômica.......................................................129
3.2.1.1 Standardized Income Inequality
Data (SIID) e Standardized World
Income Inequality Data (SWIID).....130
3.2.1.2 Capital Shares ....................................134
3.2.2 Dados de desigualdade econômica..............136
3.3 Relação descritiva entre desigualdade e
democracia................................................................144
3.4 Democracia e desigualdade – visão de longo
prazo..........................................................................158
3.5 Variáveis de controle................................................168

Capítulo 4
Análise inferencial......................................................................175
4.1 Identificação de democracia...................................175
4.2 Democracia e desigualdade econômica................195
4.2.1 O problema dos dados faltantes...................211

xxii 
Capítulo 5
Testando a relação em outros dados.........................................223
5.1 Polity IV.....................................................................224
5.2 Outras medidas de desigualdade............................229
5.3 Desigualdade e democracia desde o século xix....240
5.4 Persistência democrática e a desigualdade...............251

Considerações finais..................................................................257

Apêndice A
Variável instrumental........................................................ 265

Apêndice B
Regressão quantílica..................................................................271

Apêndice C
Estimador bootstrap do erro padrão em regressão quantílica.......273

Referências.................................................................................275

 xxiii
Introdução

Segundo dados divulgados pela Fundação Getúlio Var-


gas a desigualdade econômica no Brasil atingiu em 2011 o nível
mais baixo desde que começou a ser computada na década de
1960. No período posterior à transição democrática da déca-
da de 1980, mais exatamente a partir de 1993, sete anos após
a democratização do país, a desigualdade econômica mensu-
rada pelo coeficiente de GINI passou a apresentar expressiva
tendência de queda (NERI, 2012).
Em 2010 este índice cruzou o patamar mais baixo de va-
lores de GINI do Brasil – computados em 1960, entrando no
décimo segundo ano consecutivo de queda de desigualdade.
Em 2011, a inclinação desta tendência negativa era mais agu-
da do que no começo da curva, apresentando uma taxa de
queda duas vezes maior que a dos primeiros anos do processo,
o que indica que a redução da desigualdade econômica no
Brasil continua sendo um movimento de fôlego. O coeficien-
te de GINI caiu de 0.607 em 1993, ápice da desigualdade,
para 0.519 em janeiro de 2012, 3.3% do patamar estabelecido
em 1960. No Gráfico 1 apresentamos a evolução destes dados
a partir de 1992.

1
0,70

0,65
COEFICIENTE DE GINI

0,607
0,603

0,602
0,600
0,600
0,599

0,596
0,595
0,594

0,589
0,583

0,583
0,60

0,571
0,568
0,562
0,555
0,549
0,545
0,538
0,55

0,519
0,50
1993

2003
1992

1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002

2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Gráfico 1 – Coeficiente de GINI no Brasil a partir dos anos 1990
Fonte: Microdados da PNAD / IBGE (CPS / FGV) (NERI, 2012)

A evolução da desigualdade econômica no Brasil é um


processo intrigante devido ao fato de que seu crescimento e
redução têm acompanhado os principais eventos que marca-
ram a vida política e econômica nacional. O crescimento da
desigualdade ao longo das décadas de 1960-80 é considerado
por muitos como o resultado deliberado da estratégia de mo-
dernização econômica adotada pelo Regime Militar, que privi-
legiou a construção de um setor moderno da economia à custa
dos setores mais tradicionais e de uma menor participação dos
salários no valor adicional agregado da economia.
A partir da transição democrática na década de 1980,
sobretudo após a transferência do poder para os civis, da elei-
ção direta do Presidente da República e da expansão dos di-
reitos políticos para os analfabetos, as demandas dos grupos
menos favorecidos na sociedade vieram à tona, ganhando a
denominação de “dívida social”. Esse processo teve como con-
sequência a criação, ao longo dos últimos 25 anos, de um sis-
tema de proteção social bastante abrangente, incluindo um

2 Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


sistema de saúde gratuito, público e universal e uma ampla
rede de assistência social, que inclui – entre outros projetos
– inúmeros programas de sustentação de renda. Destacam-se
também as reformas e alterações promovidas em esferas es-
sencialmente econômicas, como, por exemplo, a facilitação do
microcrédito, ou mesmo medidas relacionadas ao mercado de
trabalho como a sustentação de aumentos reais no salário mí-
nimo; vetores que impactam e aceleram o processo de redução
da desigualdade.
Uma das principais consequências destes desdobramen-
tos políticos foi um crescimento agudo da desigualdade entre
as décadas de 1960 e 1990, seguido de impressionante redução
iniciada a partir de 1993. No Gráfico 2 apresentamos uma vi-
são de longo prazo da desigualdade no Brasil desde a década
de 1960, o que deixa claro o formato em U-invertido da curva
de evolução da desigualdade econômica no Brasil.
Tendo em vista estes dados preliminares sobre a relação
entre os tipos de regimes políticos e a evolução da desigualdade
econômica no Brasil, questionamos quais são os elementos
últimos que explicariam de fato as razões do crescimento da
desigualdade durante o Regime Militar e a sua posterior queda
após a redemocratização. Seria o caso brasileiro uma evidência
importante de que a democracia é realmente capaz de exercer
o seu papel fundamental de reduzir as diferenças entre as pes-
soas e as ditaduras, por sua vez, estão associadas a processos
de fomento à desigualdade? Isto é, a extensão do direito ao
voto dado ao segmento mais pobre da população durante a
década de 1980, combinado com a permissão da livre esco-
lha por parte dos cidadãos dos seus principais líderes políticos
seriam os principais fatores explicativos da inflexão da curva
da desigualdade econômica brasileira de maneira tão abrupta,

A democracia reduz a desigualdade econômica? 3


revertendo um longo processo de trinta anos ininterruptos de
Gráfico 1 – Visão de longo prazo do coeficiente de GINI no Brasil
crescimento da desigualdade econômica?

0,62

0,60
COEFICIENTE DE GINI

0,58

0,56

0,609

0,600
0,590
0,583

0,54

0,538
0,537

0,52

0,50
1960

1970

1980

1990

2001

2010
Gráfico 2 – Visão de longo prazo do coeficiente de GINI no Brasil
Fonte: Microdata da PNAD / PME e Censo (CPS / FGV) (Neri, 2012)
Obs: Transição Autoritária – 1964. Transição Democrática – 1985.

Nessa pesquisa tentamos responder esta questão toman-


do o caso brasileiro como apenas mais um dentro da perspec-
tiva histórica comparada da relação entre democracia e desi-
gualdade. Isto posto, adotamos como indagação principal a ser
respondida ao longo do trabalho:

“Seria a democracia um importante componente do


processo de redução da desigualdade econômica dentro de
uma determinada comunidade política”?

Esta pergunta já foi feita antes mesmo de a revolução


democrática do século XX, quando verdadeiramente houve a
criação de sistemas políticos nos quais a expansão do sufrá-
gio atingiu toda a população adulta. A expectativa levantada
no século XIX por filósofos políticos, tanto conservadores

4 Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


quanto progressistas, era que a criação e expansão do sufrá-
gio universal estaria associada inevitavelmente à redução da
enorme desigualdade econômica produzida pelas economias
capitalistas a partir da Revolução Industrial. E, possivelmente,
teria como consequência natural, trágica para os conservado-
res e redentora para os socialistas, o fim do sistema de proteção
aos direitos de propriedade.
Apesar disso, um fato bastante corriqueiro das previsões
feitas por cientistas sociais é sua refutação pela história. Boa
parte das consequências políticas empíricas é muitas vezes
inesperada e não respalda as expectativas anteriormente for-
muladas. Diante disso, nos perguntamos se as expectativas dos
filósofos políticos do século XIX encontraram algum respaldo
empírico na jornada da democracia do século XX?
A previsão de que a democracia é capaz de transformar
direitos políticos equitativamente distribuídos em recursos
econômicos mais igualmente distribuídos se realizou ou a
relação entre democracia e desigualdade tornou-se essencial-
mente ortogonal e os temores levantados por políticos e filó-
sofos políticos conservadores no século XIX demonstraram-se
infundados?
Observando mais uma vez o caso brasileiro, é possível
formular uma explicação alternativa para o padrão U-inverti-
do da evolução da desigualdade econômica nas últimas cinco
décadas, no qual o desenvolvimento econômico seria o prin-
cipal determinante deste processo. A conexão entre a demo-
cratização e uma queda abrupta da desigualdade mensurada
pelo coeficiente de GINI seria nessa explicação apenas um re-
sultado espúrio da associação que o desenvolvimento econô-
mico possui tanto com o sucesso de um sistema democrático,
quanto com a própria distribuição de recursos econômicos da

A democracia reduz a desigualdade econômica? 5


sociedade. Isto é, a relação entre democracia e desigualdade
seria espúria ao papel desempenhado por outras variáveis que
importam mais.
Segundo a narrativa econômica tradicional, o próprio
processo de modernização econômica da sociedade, seguin-
do os padrões estabelecidos pelo economista Simon Kuznets
(1955), guiam a evolução da democracia e da desigualdade.
E o ápice da desigualdade se encontra justamente no proces-
so de adaptação e transição de uma sociedade rural para uma
sociedade urbana, com uma posterior queda a partir do mo-
mento em que a economia urbanizada e industrializada atinge
certa maturidade no processo de desenvolvimento.
Dentro desta perspectiva, é possível que tanto o suces-
so democrático brasileiro pós-1985 quanto a redução da de-
sigualdade pós-1993 estejam associadas ao avanço e maturi-
dade do desenvolvimento econômico do país. E assim, nesta
explicação, tanto o aumento quanto a queda da desigualdade
seriam nada mais que consequências do processo de desenvol-
vimento e temporalmente alinhadas, mas independentes dos
momentos autoritários e democráticos.
Na contramão do exemplo brasileiro, pesquisas recentes
sobre a evolução da desigualdade econômica nos Estados Uni-
dos e nas economias mais desenvolvidas da Europa Ocidental
e do Japão demonstram que no último quarto do século XX e
na primeira década do século XXI, a desigualdade nas nações
mais ricas do planeta cresceu de maneira substantiva, ainda
que ao longo de todo esse período estes países tenham sempre
mantido uma estrutura política democrática. Piketty (2014).
Piketty e Saez (2003), por exemplo, mostram dados a respeito
de um crescimento consistente da desigualdade estaduniden-
se desde 1970, sobretudo em favor do topo da distribuição de

6 Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


renda e com grandes picos no crescimento da renda do 1%
mais rico do país no final da década de 1980. Piketty (2014) e
Piketty e Saez (2006) mostram que o mesmo padrão se repete
nas democracias britânica, japonesa, francesa e canadense.
A evolução da desigualdade americana tem um formato
de U ao longo do século XX. Enquanto no início do século,
período conhecido como Gilded Age, a desigualdade econômi-
ca dentro dos EUA era pervasiva, sendo que os 5% mais ricos
detinham mais de 40% da renda nacional, enquanto o 1% mais
rico detinha aproximadamente 25%; o período pós-Grande
Depressão, incluindo o pós-Segunda Guerra Mundial, é mar-
cado por um constante processo de redução das disparidades
econômicas dentro do país, atingindo seu patamar mínimo em
1975, quando o 1% mais rico detinha cerca de 10% da renda
nacional e os 5% mais ricos cerca de 25%. Após a onda liberal
inaugurada pelo presidente republicano Ronald Reagan, esse
processo sofreu uma inflexão e na última década os Estados
Unidos apresentaram patamares de concentração de renda
semelhantes ao início do século XX e, por tal, o período foi
denominado por Larry Bartels (2008) como a New Gilded Age.
Contudo, uma consideração importante a ser feita sobre
estes dados de crescimento da desigualdade no mundo desen-
volvido é que a mera constatação de que países democráticos,
como os exemplos dos Estados Unidos, Reino Unido e Cana-
dá, tenham apresentado consistente aumento da desigualdade
econômica não significa necessariamente que a democracia
não é um vetor de redução da desigualdade entre as pessoas.
É plausível argumentar – embora impossível de comprovar
empiricamente – que caso estes países tivessem sido governa-
dos por regimes autoritários nas últimas décadas, o aumento
da desigualdade teria sido muito maior do que o ocorrido.

A democracia reduz a desigualdade econômica? 7


Tal argumento é enfatizado por aqueles que entendem que o
processo de aumento da desigualdade nas últimas décadas do
século XX independe da política e reflete, outrossim, os efei-
tos da expansão da globalização da economia mundial e das
novas tecnologias da Revolução Tecnocientífica, que aumenta-
ram os retornos salariais do capital humano mais qualificado
(Wood, 1994; Neckerman; Torche, 2007; Autor,
2010; Boix, 2011; Spence; Hlatshwayo, 2012).
A importância desta questão de pesquisa decorre, por-
tanto, do papel crucial que é dado à democracia por cientistas
sociais, políticos e cidadãos como mecanismo facilitador de
criação de condições de maior igualdade econômica. Contu-
do, ainda que este papel seja bastante debatido, é pouco clara
qual é a contribuição efetiva da democracia para o problema
da desigualdade, apesar de existir uma percepção generalizada
e normativa de que a democracia deva estar relacionada e mes-
mo ser a promotora de cidadania mais igual. Como apresenta-
remos no Capítulo 1, a literatura que trata desta relação entre
democracia e desigualdade é extremamente vasta e ainda não
chegou perto de algum consenso sobre os principais padrões
dessa relação, sobretudo do ponto de vista empírico.
Inclusive, análises recentes que fizeram uso de alguns
dos melhores dados disponíveis para discutir os determinan-
tes da desigualdade econômica obtiveram resultados divergen-
tes. Entre os últimos estudos podemos citar Li, Squire e Zou
(1998); Chong (2004); e Reuveny e Li (2003) que encontraram
uma associação forte e negativa entre democracia e desigual-
dade, enquanto Timmons (2010) replicou as três análises em
um banco de dados maior, construído e expandido a partir dos
mesmos critérios dos dados daqueles autores, e não encontrou
nenhuma relação significativa.

8 Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Em relação a esta literatura comparada, discutimos dois
problemas fundamentais que foram pouco tratados e sobre os
quais entendemos que reside a explicação da dificuldade dos
avanços teóricos e empíricos sobre o tema.
Em primeiro lugar, boa parte das pesquisas que tenta-
ram estimar o efeito da democracia sobre a desigualdade não
levou em conta o fato de que existe uma potencial endogenia
nesta relação. De um lado é plausível aventar a hipótese de que
os regimes democráticos possuem efeitos equalizadores sobre
a distribuição de recursos econômicos e do outro existe exten-
sa literatura que aborda a questão de que a própria desigualda-
de é um dos componentes fundamentais dos processos de de-
mocratização. Conforme advogado em parte da literatura que
estuda os determinantes da transição democrática, sociedades
com altos níveis de desigualdade não são terrenos férteis para
a democracia. A ameaça de redistribuição de riqueza estimula-
ria a adoção de soluções antidemocráticas pelas elites política e
econômica, que temem ser expropriadas de suas riquezas, caso
o poder político passe para as mãos do povo (Boix, 2003;
Acemoglu; Robinson, 2006; Houle, 2009).
Encontramos apenas dois estudos que de fato se es-
forçaram para analisar as duas relações simultaneamente
(Rubinson; Quinlan, 1977; Bollen; Jackman,
1985). Em nosso trabalho, apresentamos uma abordagem de
variável instrumental que permite superar os problemas e li-
mitações decorrentes da potencial endogenia existente na rela-
ção. Ademais, incluímos na análise uma lista de variáveis ins-
trumentais que nos permitem selecionar com confiança quais
são os instrumentos que identificam a variável endógena de
maneira adequada, sendo fortemente correlacionados com de-
mocracia e não com desigualdade.

A democracia reduz a desigualdade econômica? 9


Em segundo lugar, e como contribuição mais relevante
da pesquisa, incorporamos novo elemento na análise da rela-
ção entre democracia e desigualdade econômica, que não foi
trabalhado por nenhum estudo comparado. Desenvolvemos
no Capítulo 2 e verificamos empiricamente no Capítulo 4 e
5 a hipótese de que os efeitos da democracia na redução da
desigualdade social não são homogêneos ao longo da distri-
buição de desigualdade. Refutamos de maneira peremptória a
suposição de que os efeitos da democracia sobre a desigualda-
de econômica são os mesmos em sociedades mais iguais e em
sociedades mais desiguais. Em nossa hipótese e nos resultados
apresentados constatamos que a democracia só possui efei-
tos redutores da desigualdade econômica justamente quando
comparamos ditaduras e democracias entre os países mais de-
siguais das diferentes amostras utilizadas neste trabalho.
Para isso conjecturamos teoricamente que em socieda-
des mais igualitárias o tema da desigualdade não é discutido
e tampouco a clivagem central do debate político democráti-
co. Isto porque os indivíduos desejam que outros temas sejam
tratados pelo sistema político, pelos partidos e pelas autori-
dades políticas. Temas estes que ocupam posição superior no
ranking de problemas e prioridades existentes na sociedade,
o que estimula que a disputa pelo eleitorado entre os partidos
políticos sublinhe outros problemas mais sensíveis que o tema
da desigualdade. Por outro lado, em sociedades desiguais, o
tema da redução da desigualdade econômica é extremamente
sensível e atrativo politicamente, de forma que os partidos que
competem pelo voto popular tendem a utilizar esta temática
como trunfo político, criando, portanto, um ciclo positivo de
redução da desigualdade econômica por meio das políticas
públicas desenvolvidas pelos partidos vitoriosos.

10  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


De acordo com o arcabouço teórico proposto, o pro-
cesso político ocorrido no Leste Europeu após a democrati-
zação dos antigos satélites soviéticos não foge ao escopo de
nossa teoria. O aumento dramático da desigualdade nesses
países decorreu do fato que esse tema não deveria ser o foco
de atenção principal dos partidos que competiam pelo poder
político. Inclusive, existem fortes evidências que no imediato
à transição democrática, a opinião pública do Leste Europeu
estava interessada em outras temáticas e não no debate sobre
a desigualdade econômica. Isto porque estas sociedades dei-
xavam para trás regimes autoritários que produziram um ní-
vel elevado de igualdade social, estando no centro da disputa
política outros temas julgados mais relevantes pelos membros
dessas sociedades.
A evolução da opinião pública polonesa sobre a de-
sigualdade ao longo da década de 1990 é clara sobre isto.
No início do processo de democratização e transformação eco-
nômica a desigualdade foi enxergada segundo um viés positi-
vo: reflexo da ampliação das oportunidades com as reformas
econômicas pós-comunistas. Com o passar do tempo, a tole-
rância à crescente desigualdade reduziu-se, coincidindo com
o crescimento da percepção de que os rendimentos elevados
eram e são obtidos por meio de corrupção e outros processos
injustos (Grosfeld; Senik, 2010).
Outro exemplo das diferentes visões a respeito da neces-
sidade de redistribuição de renda é obtido com a análise da opi-
nião pública chinesa, país onde o crescimento da desigualdade
econômica não é observado pela população como um gran-
de problema, mas sim como reflexo de uma maior abertura
à livre iniciativa e à capacidade de ascensão pessoal dentro
dessa sociedade marcada por um sistema autoritário que por

A democracia reduz a desigualdade econômica?  11


três décadas teve como principal objetivo reduzir a diferencia-
ção entre seus cidadãos (Zhou, 2000; Whyte, 2010).
Em survey, na China, a respeito das atitudes sobre a desi-
gualdade e injustiça distributiva, realizada em 2004 (entrevista
com 3267 pessoas entre 18 e 70 anos), foi encontrada uma ati-
tude geral de aceitação ou aprovação ao invés de raiva contra
as desigualdades. Por exemplo, a maior parte dos respondentes
disse que diferenças nas habilidades são um importante fator
para explicar quem é rico (70%) e quem é pobre (61%), en-
quanto a injustiça do sistema econômico só foi expressa por
27% da população como justificativa de quem é rico e por 21%
como justificativa de quem é pobre. Encontramos, inclusive,
indicadores que demonstram não existir uma pauta em defesa
da redistribuição de renda. Apenas 30% dos cidadãos respon-
dentes disseram ser favoráveis a medidas redistributivas por
parte do governo (Whyte, 2010)1.
Segundo o arcabouço proposto, o tema da desigualda-
de só será ativado politicamente a partir do momento em que
os níveis de desigualdade econômica atingem patamares mais
elevados, de forma a transformá-lo num tema sensível ao de-
bate político e, portanto, um caminho para a obtenção de vo-
tos. Deste modo, solucionamos o enigma proposto por Grads-
tein e Milanovic (2004) sobre o crescimento da desigualdade
econômica no Leste Europeu após o fim do sistema soviético e
a posterior democratização. E resolvemos o problema incluin-

1
Mesmo não havendo uma indisposição social contra o crescimento da desi-
gualdade, os dados do Banco Mundial demonstram que o crescimento desta na
China foi agudo nas três últimas décadas. Enquanto em 1981 o Índice de GINI
chinês era de apenas 0.29, um dos menores do mundo, em 2002 esse número
cresceu para 0.45, indicando que a China transitou de um país de baixa desi-
gualdade para um país de desigualdade moderadamente alta.

12  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


do tal caso na análise e não adotando a solução mais utilizada
pela literatura: a mera eliminação desses casos dos bancos de
dados.
Assim, o tema da desigualdade econômica só virá à tona
nos ambientes eleitorais em que uma considerável parcela dos
eleitores for de fato sensível a essa temática. E isso ocorrerá
quando a questão da desigualdade econômica for passível de
ser traduzida em termos de injustiça e desequilíbrio social e
não como consequência natural de outros elementos que sejam
positivamente valorizados pelos cidadãos, como, por exemplo,
a competição via mercado em contextos políticos nos quais os
cidadãos tendem a valorizar os pontos positivos das relações
mercantis centradas na livre iniciativa e no retorno monetá-
rio de acordo com a produtividade individual. Isto é, quando
a distribuição de renda em uma dada sociedade for passível
de abjeção social e existir espaço (verídico ou não) para a de-
núncia do uso das instituições políticas e econômicas para o
benefício de certos grupos específicos em detrimento do todo
social e não como consequências naturais de processos aceitos
como justos pela sociedade.
O exemplo claro deste processo é a forte derrubada da
desigualdade na América Latina nos anos 2000 com a consoli-
dação das transições democráticas no subcontinente. Trata-se
da região do mundo que após a terceira onda democrática as-
sociou em um mesmo território os índices mais altos de de-
sigualdade no planeta com adoção de sistemas políticos de-
mocráticos e inclusive uma forte pressão da própria região
para a manutenção dos regimes democráticos nos países que
entraram em crise política, tal como os recentes exemplos pa-
raguaio e hondurenho. Como demonstrado em Lustig, Lopez-
-Calva e Ortiz-Juarez (2013) nos anos 2000, após 15 anos de

A democracia reduz a desigualdade econômica?  13


democracia, há uma queda na magnitude da desigualdade
latino americana não trivial. Este fenômeno abarcou países
que apresentaram distintas características, como, por exemplo,
altas taxas de crescimento na Argentina e outros que tiveram
apenas um crescimento modesto como o México e Brasil ou
mesmo que foram governados por partidos de centro-esquer-
da: Argentina, Brasil, Chile e Uruguai; ou por governos con-
servadores: México.
Postos tais elementos, nesta pesquisa temos como prin-
cipal motivação revisitar essa hipótese tão disseminada no de-
bate sobre o tema da relação entre desigualdade e democracia
que tendem a tratar os efeitos da democracia como homo-
gêneos ao longo da distribuição de desigualdade econômica.
A razão para o uso tão generalizado deste suposto decorre de
duas causas principais.
Do ponto de vista teórico a utilização do modelo do
eleitor mediano como principal alicerce de reflexão a partir
do qual são analisados como os padrões do comportamento
político em sistema democrático são distintos dos padrões dos
sistemas autoritários. Boa parte dos modelos teóricos se baseia
no suposto de que existe uma dimensão única do debate po-
lítico de determinada sociedade e a diferença entre as demo-
cracias e as ditaduras decorre do fato que o eleitor relevante da
primeira é o eleitor mediano e o eleitor relevante da segunda é
um membro da elite política e/ou econômica. O modelo for-
mal elaborado por Buenos de Mesquita e outros (2005) é uma
ilustração clássica e bastante disseminada desta opção teórica
e o modelo redistributivo de Meltzer e Richard (1981) esta-
beleceu o framework básico a partir do qual são discutidas as
diferenças entre democracia e ditadura no que se refere à re-
distribuição econômica.

14  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Do ponto de vista empírico, a adoção do suposto de que
os efeitos da democracia sobre a desigualdade são homogêneos
decorre das exigências técnicas dos modelos tradicionais de re-
gressão baseados em métodos lineares condicionais à média, in-
cluindo os modelos lineares generalizados (GLM). Os modelos
GLMs têm como objetivo principal a estimação de efeitos mé-
dios de um vetor de variáveis independentes em uma variável
dependente. E para a estimação de efeitos heterogêneos é neces-
sária a adoção de técnicas um pouco mais sofisticadas.
Desta maneira, refutamos empírica e teoricamente de
maneira categórica a afirmação que a democracia tem o mes-
mo efeito sobre a desigualdade econômica em sociedades mais
iguais ou em sociedades mais desiguais. Assim, propomos
uma explicação alternativa na qual os efeitos da democracia
sobre a desigualdade tendem a interagir com o próprio ní-
vel de desigualdade. Mais especificamente, propomos que as
democracias que sobrevivem e se consolidam em sociedades
mais desiguais tendem a ser mais eficazes no tratamento da
desigualdade e o sucesso brasileiro em reduzir a profunda de-
sigualdade econômica ao longo dos últimos 20 anos seria re-
flexo deste processo – o surgimento e consolidação da demo-
cracia em uma sociedade que atingiu níveis bastante elevados
de desigualdade econômica.
Temos a expectativa que os efeitos da competição de-
mocrática sobre o tema da redistribuição em sociedades iguais
não deve diferenciá-la de regimes não democráticos, uma vez
que a desigualdade não é um tema a ser ativado pela disputa
política. Inexiste a demanda por redistribuição na população
e os partidos políticos não têm interesse em ativá-la, buscan-
do obter apoio eleitoral por meio do uso de outras demandas
políticas, ativando outras dimensões ou clivagens sociais. Por

A democracia reduz a desigualdade econômica?  15


outro lado, em sociedades excessivamente desiguais os parti-
dos políticos tendem a moldar o discurso eleitoral e as pró-
prias políticas públicas em busca da minimização dos efei-
tos da desigualdade econômica, uma vez que a demanda por
redistribuição por parte da cidadania torna-se um vetor que
diminui a importância de outras clivagens latentes que exis-
tam na sociedade. Os partidos políticos teriam uma maior
tendência a atender a esta demanda e tratar do problema da
desigualdade econômica como uma questão que excede os
limites da economia de mercado, refletindo, outrossim, con-
ceitos de injustiça e exploração social, e de denúncia do uso
das instituições políticas e econômicas para benefício de certos
grupos privilegiados.

O livro está organizado em 5 capítulos e mais as consi-


derações finais. No primeiro capítulo revisamos a extensa li-
teratura que trata da relação entre desigualdade e democracia
tanto do ponto de vista teórico quanto empírico. Em primeiro
lugar introduzimos o debate sobre a recorrente percepção nas
Ciências Sociais de que a criação de iguais oportunidades e
direitos políticos teria como consequência inevitável o fomen-
to de melhores condições econômicas para as classes menos
favorecidas, o que teria como implicação final a redução da
desigualdade econômica vis-à-vis os resultados socioeconô-
micos de regimes políticos autoritários. Em seguida organiza-
mos a literatura mais recente em torno de quatro mecanismos
principais, por meio dos quais a democracia produziria seu
efeito sobre a desigualdade. E, por fim, apresentamos os resul-
tados da literatura empírica, sublinhando que até agora não há

16  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


o mesmo consenso empírico tal qual o teórico sobre os reais
efeitos da democracia sobre a desigualdade.
Ainda no primeiro capítulo, apresentamos a literatura
que trata das relações com democracia e com desigualdade de
outras variáveis de confusão que afetam o modo com o qual
a democracia e a desigualdade se relacionam. Estas são prin-
cipalmente o papel exercido pela economia de mercado, que
é concomitantemente associado a mais democracia e a mais
desigualdade, o papel do desenvolvimento e dos choques tec-
nológicos e, por último, o papel da globalização e da expansão
das relações comerciais e financeiras no mercado internacio-
nal. Finalmente, encerramos o capítulo discutindo brevemen-
te a literatura que analisa a relação inversa entre democracia
e desigualdade: o aumento da desigualdade pode reduzir ou
aumentar a probabilidade de um regime autoritário tornar-se
democrático e de um regime democrático permanecer neste
estado ao longo dos anos.
No segundo capítulo desenvolvemos o argumento teóri-
co de que os efeitos da desigualdade são heterogêneos ao longo
da própria distribuição de desigualdade econômica entre os
países, de forma que para estimar o efeito real da democracia
é necessário separar como o sistema político age em relação
à desigualdade em sociedades mais iguais, em sociedades in-
termediariamente desiguais e nas sociedades mais desiguais.
O nosso argumento é que a democracia só irá reduzir a de-
sigualdade nas sociedades que são mais desiguais, pois nessa
existem incentivos para o surgimento de uma demanda por
políticas redistributivas no seio do eleitorado e também os
partidos políticos encontram incentivos positivos para aten-
derem a esta demanda. Os pormenores do argumento e as res-
pectivas hipóteses são detalhados no capítulo.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  17


No mesmo capítulo discutimos a metodologia adequa-
da para estimar os efeitos heterogêneos da desigualdade e ao
mesmo tempo controlar o problema da potencial causalidade
inversa que existe na relação entre democracia e desigualdade.
Para tal empreitada combinamos duas metodologias distintas.
Para estimar os efeitos heterogêneos da desigualdade adota-
mos o framework da regressão quantílica, enquanto para esti-
marmos a relação da democracia sobre a desigualdade indepen-
dente da relação da desigualdade sobre a democracia optamos
pelo método de variável instrumental. As condições necessárias
para o uso de cada um dos métodos são descritas no Capítulo 2
e os testes que comprovam a validade das variáveis instrumen-
tais selecionadas são apresentados no Capítulo 4.
No terceiro capítulo discutimos, em seus pormenores, o
que entendemos por democracia e desigualdade econômica e
como mensuramos estes dois fenômenos. É importante a dis-
cussão conceitual sobre as duas variáveis, pois existe uma vasta
literatura e inclusive um debate acirrado sobre quais são as de-
finições mais adequadas na conceptualização de cada um dos
conceitos e qual é a melhor forma de mensurá-los. Optamos
nesta pesquisa por adotar o coeficiente de GINI como a régua
de mensuração da escala, pois além de ser o mais difundido
na literatura é também sensível a alterações na distribuição de
renda no começo, meio ou final da distribuição. E em relação
à democracia optamos por uma interpretação minimalista do
fenômeno democrático, entendendo apenas como a existência
de competição política pelo poder associado à participação de
toda a população adulta e adotamos a medida de democracia
que é adequada a esta definição e cuja confiabilidade é maior.
Sublinhamos que nos abstemos de qualquer discussão
mais profunda a respeito de qual seja o conteúdo adequado do

18  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


termo democracia. Caso o leitor considere a definição mini-
malista excessivamente pouco exigente, a nossa pesquisa tenta
estimar o impacto que a competição política livre e aberta tem
sobre a desigualdade econômica. Isto porque o mecanismo
por meio do qual a democracia teria efeitos heterogêneos so-
bre a desigualdade decorre da natureza competitiva da disputa
política democrática e como os partidos e os eleitores encaram
o problema da desigualdade como trunfo e/ou determinante
da escolha do voto.
Finalizamos o capítulo apresentando a relação descritiva
da evolução da desigualdade entre democracias e ditaduras ao
longo de dois diferentes períodos de tempo. No primeiro ana-
lisamos a relação utilizando dados mais refinados de demo-
cracia e desigualdade entre 1960 e 2008 e depois analisamos
com dados um pouco mais problemáticos, mas que abrangem
todo o vasto período de surgimento dos regimes representati-
vos democráticos, tanto nos países do mundo desenvolvido e
do mundo em desenvolvimento – entre 1820 e 1992. As prin-
cipais conclusões que emergem de ambas as análises são, em
primeiro lugar, a constatação de que os últimos anos são mar-
cados por um abrupto crescimento da desigualdade não en-
contra respaldo nos dados e, em segundo lugar, a democracia
não parece ter um comportamento médio distinto do compor-
tamento das ditaduras sobre a desigualdade. E, por fim, na úl-
tima seção do capítulo apresentamos a descrição das variáveis
de confusão que serão utilizadas como controles no capítulo 4.
No capítulo 4 apresentamos a análise inferencial do
argumento. Apresentamos evidências de que as variáveis
instrumentais escolhidas identificam adequadamente a va-
riável endógena democracia, de modo a tornar possível a es-
timação dos reais efeitos da democracia sobre a desigualdade

A democracia reduz a desigualdade econômica?  19


econômica. Os testes realizados demonstram de maneira clara
que os instrumentos selecionados – instrumentos relaciona-
dos ao fenômeno da difusão de democracia pelo mundo e da
localização longitudinal de um país – são correlacionados com
democracia e não correlacionados com desigualdade.
No capítulo 5, ainda fazemos uma bateria de análises
utilizando diferentes medidas de democracia e desigualdade,
diversas especificações do modelo final, inclusive outros ban-
cos de dados e comprovamos a hipótese de que a democracia
possui efeitos heterogêneos sobre a desigualdade e que os efei-
tos em direção à redução da desigualdade estão concentrados
nos países mais desiguais. Além do mais, apresentamos evi-
dências contundentes que a estimação dos efeitos médios da
democracia sobre a desigualdade por meio de métodos condi-
cionais à média é extremamente inadequada, uma vez que, de-
pendendo da variação dos efeitos heterogêneos, a sumarização
pode ser positiva, negativa ou nula.
Tais resultados indicam de maneira peremptória que a
hipótese tradicional adotada pela literatura de que a democra-
cia afeta a desigualdade econômica de maneira homogênea
em países iguais, medianamente desiguais e muito desiguais
é equivocada, um impedimento forte para a evolução do de-
bate a respeito da relação entre a democracia e a desigualdade
econômica e a principal causa por detrás das inconsistências
empíricas encontradas na própria literatura.

20  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Capítulo 1

O campo teórico da discussão


entre democracia e desigualdade

A promoção da democracia pelo mundo tornou-se uma


característica marcante da agenda política internacional por
vários motivos, destacando-se a suposta propensão da demo-
cracia em reduzir as disparidades econômicas entre os indiví-
duos de uma mesma comunidade política (Timmons, 2010).
A noção de que a equidade política reduz as disparidades eco-
nômicas está profundamente enraizada nas ciências sociais
(Bollen; Jackman, 1985). Desta forma, dada a prolife-
ração de governos representativos e a grande disparidade de
renda existente entre e dentro dos países, a relação entre de-
mocracia e desigualdade econômica tem significado prático e
acadêmico imenso.
Boa parte das teorias em que as eleições democráticas
importam baseia-se na suposição de que as democracias são
qualitativamente diferentes de não democracias, especialmen-
te no que se refere à distribuição e redistribuição de recursos
e status entre os indivíduos. Esta conexão entre instituições
políticas e redistribuição tem suas raízes no pensamento clás-
sico de Aristóteles (2005), Maquiavel (1979) e John Stuart Mill
(1862). Para o pensador grego em A política (2005): “nas de-
mocracias os pobres possuem maior poder soberano que os

 21
homens de propriedade: pois eles são mais numerosos e a
decisão da maioria prevalece” (Mill, 1861; Maquiavel,
1979; Aristoteles, 2005).
O ponto de partida desta pesquisa é discutir se a demo-
cracia, por intermédio da criação de condições políticas iguais,
contribui para a edificação de maior equidade econômica.
De fato, durante o século XIX, a equidade política e a equi-
dade econômica conectavam-se tal qual um silogismo social.
O sufrágio universal combinado com a regra majoritária con-
cederia poder político para a maioria e devido ao fato de que
a maioria é sempre pobre, ela adquiriria as condições políticas
necessárias para confiscar a riqueza dos ricos e compartilhá-la
com todos na sociedade, incluindo aqui o próprio fim do direi-
to à propriedade privada (Przeworski, 2010).
Na visão de Gerring, Thacker e Alfaro (2012), a hipótese
de que as instituições democráticas promovem uma dinâmica
política favorável às necessidades e interesses dos menos favo-
recidos tornou-se um axioma teórico fundamental na compa-
ração entre democracias e ditaduras. Gerhard Lenski (1966)
afirma inclusive que a retórica da democracia se baseia na
ideia de que existe uma redistribuição de poder em favor dos
desfavorecidos, a maioria em qualquer sociedade. A ideologia
democrática legitimaria a redistribuição do poder em favor
dessa maioria desfavorecida. E com este aumento da igualdade
política, medidas em favor de uma maior igualdade social e
uma distribuição mais igualitária de bens seriam inevitavel-
mente introduzidas.
Adam Przeworski (2010) entende que esta previsão foi
um tema central do debate e dos conflitos políticos em torno
da expansão do sufrágio universal e da consolidação da demo-
cracia como forma de governo nos países ocidentais. Tal cone-
xão entre a expansão democrática por meio do sufrágio uni-
versal e o fim da propriedade fora levantada e debatida tanto

22  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


por intelectuais conservadores quanto por socialistas. Grupos
conservadores se opuseram à expansão dos direitos políticos
ao longo da história, temendo as consequências distributivas
do novo regime que poderiam minar a favorável posição eco-
nômica dos privilegiados (Bollen; Jackman, 1985)
Na visão do economista David Ricardo para evitar a
ameaça democrática à liberdade, a extensão do sufrágio deve-
ria estar limitada apenas para aqueles cidadãos que não pos-
suem interesse em eliminar o direito à propriedade privada.
Thomas Macaulay em seu discurso sobre o movimento cartista
em 1842 vislumbrou a expansão do sufrágio como “o fim da
propriedade e assim de toda a civilização” (Przeworski,
2011). Na outra ponta do espectro ideológico, Karl Marx
(1972) expressou forte convicção de que a propriedade priva-
da e o sufrágio universal eram inerentemente incompatíveis,
conforme explicitado em estudo sobre os conflitos de classe na
França entre 1848 e 1850:

A ampla contradição desta Constituição consiste, porém,


no seguinte: As classes cuja escravidão social deve eter-
nizar: proletariado, camponeses, pequenos burgueses, ela
coloca-as na posse do poder político por meio do sufrá-
gio universal. E a classe cujo velho poder social sanciona,
a burguesia, ela retira-lhe as garantias políticas desse po-
der. Comprime a sua dominação política em condições
democráticas que a todo o momento favorecem a vitória
das classes inimigas e põem em causa os próprios funda-
mentos da sociedade burguesa. A umas, exige que não
avancem da emancipação política para a social, às outras,
que não retrocedam da restauração social para a política.
(Karl Marx, 1849)2.

2
As lutas de classes em França de 1848 a 1850, Parte II, de junho de 1848 a 13 de
junho de 1849 (MARX, 1972).

A democracia reduz a desigualdade econômica?  23


Na visão do intelectual socialista, a democracia inevita-
velmente abriria uma enorme fronte de conflito entre as clas-
ses sociais ao deslocar o poder político das elites aristocráticas
para a maioria. Assim podemos concluir que às vésperas da re-
volução democrática do século XX, em todos os espectros do
debate político, existia uma forte percepção de que as relações
entre democracia, capitalismo e propriedade privada, e, sobre-
tudo, as relações entre democracia e desigualdade econômica
seriam inerentemente instáveis.
A crença na relação negativa entre democracia e desi-
gualdade tem sido uma das principais razões pelas quais os
movimentos políticos reformistas têm procurado garantir os
direitos políticos para os grupos que estão fora da cidadania3.
Lipset (1959) argumentou que as estruturas políticas demo-
cráticas promovem eleições que servem como a expressão da
luta de classe democrática, pois os cidadãos tendem a votar em
partidos que concorrem primordialmente pela representação
dos interesses das classes médias e trabalhadoras. A extensão
do sufrágio àqueles que não possuíam propriedades e/ou ri-
queza tenderia, portanto, a aumentar a competição política em
sociedades industriais, movendo o debate e a disputa para a
esquerda do espectro político (Lenski, 1966; Gradstein;
Milanovic, 2004).
Outros têm argumentado que a democracia aumenta
as oportunidades de participação, permitindo que os pobres

3
O impacto negativo da democracia sobre a desigualdade econômica é definido
do ponto de vista estatístico, o que significa que a democracia e a desigualdade va-
riam inversamente: isto é, quanto maior uma, menor a outra. Os termos impactos
positivos e negativos serão sempre utilizados segundo este prisma de covariação
estatística e nunca segundo um ponto de vista normativo, no qual o efeito da de-
mocracia seria bom (positivo) quando reduzisse a desigualdade econômica.

24  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


possam exigir uma redistribuição de renda mais equitativa. Isto
porque com a expansão do sufrágio, os líderes democráticos
em busca da reeleição de seu grupo no poder são responsabi-
lizados perante os eleitores e sintonizam-se cada vez mais com
as suas necessidades, facilitando a eleição de representantes de
partidos trabalhistas ou sociais democráticos (Chan, 1997).
Diante disso, governos democráticos tornar-se-iam mais incli-
nados a ajudar as classes pobres e médias por meio da adoção
de políticas redistributivas como gastos com bem-estar social,
políticas tributárias progressivas, fixação de salário mínimo e
preços subsidiados, entre outros. (Rodrik, 1998a).
Os efeitos dos regimes autoritários em fomentar o cres-
cimento da desigualdade também explicariam parte dos bene-
fícios trazidos pela democracia. Os líderes autoritários ao ser
responsabilizados perante apenas uma minoria rica e podero-
sa4, tendem a adotar políticas públicas que beneficiem estrita-
mente essa minoria, mantendo ou aumentando a desigualdade
econômica. E a própria análise dos benefícios da competição
política democrática é realizada em comparação com os resul-
tados produzidos vis-à-vis aos outputs dos regimes não demo-
cráticos, sendo estes tomados com um conjunto definido pela
negação – a ausência de competição política democrática5; e
não por alguma característica semelhante a todos6.

4
Não importando ao argumento se os detentores do poder são ricos antes de
assumirem a posição de autoridade ou se amealham mais recursos econômicos
em movimento posterior à obtenção do poder político.
5
Como esclarecemos mais a frente, assumimos a definição minimalista de demo-
cracia adotada por Przeworski, Alvarez, Cheibub e Limongi (2000), na qual é o
regime em que partidos competem pelo poder político em eleições abertas, livres
e justas, com incerteza ex-ante e certeza ex-post acerca dos resultados eleitorais.
6
Um tema que não é debatido nessa pesquisa, mas que é de fundamental im-
portância para análise da relação entre regime político e desigualdade é o estudo

A democracia reduz a desigualdade econômica?  25


Especificamente, se argumenta que regimes autoritários
conseguem com mais facilidade adotar políticas que benefi-
ciem uma minoria à custa da maioria excluída da comunida-
de política, devido ao fato que não existe nenhum mecanismo
político a partir do qual seja possível responsabilizar o poder
político à maioria. Evans (1995) e Kaufman (1979), por exem-
plo, sugerem que regimes autoritários tem mais liberdade em
colaborar com corporações sediadas no exterior para promo-
ver um setor moderno pequeno e bem remunerado à custa do
setor econômico tradicional, maior e mais pobre. Tais padrões
implicam que os regimes não democráticos tenderiam a gerar
mais desigualdade em favor das elites econômicas e em detri-
mento dos camponeses e trabalhadores. Este resultado parece
típico se olharmos as consequências distributivas de regimes
autoritários modernizantes como os encontrados durante o
período militar brasileiro e chileno ou mesmo o regime ira-
niano do Xá Reza Pahlevi.
Neste capítulo apresentamos as diferentes contribuições
da literatura em economia política comparada sobre a relação
entre democracia e desigualdade. Na primeira seção organi-
zamos a literatura segundo os diferentes mecanismos a partir
dos quais a democracia impacta negativamente na desigualda-
de econômica. A seguir realizamos um breve balanço da lite-
ratura empírica, na qual até agora não há consenso se a relação
é positiva, negativa ou nula.

de como diferentes institucionalidades e tipos de lideranças autoritárias afetam


a desigualdade econômica de uma determinada comunidade política. Em nossa
pesquisa assumimos que ditadura é todo e qualquer regime que não é democrá-
tico, mas não examinamos os efeitos que diferentes configurações institucionais
autoritárias possuem sobre a desigualdade e qual é a performance da demo-
cracia em comparação a esses diferentes tipos de regimes ditatoriais. Para uma
análise sofisticada das variações institucionais entre os regimes autoritários ver
(Svolik, 2012).

26  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Na terceira, quarta seção apresentamos sucintamente
a literatura sobre alguns determinantes da desigualdade eco-
nômica que são potenciais fatores de confusão na relação en-
tre democracia e desigualdade, tais como o próprio processo
de desenvolvimento econômico e tecnológico. Além disso,
uma influência relevante é o papel da expansão das relações
de mercado, acentuadas ainda mais no pós Guerra Fria com
a crescente globalização econômica e a aceleração dos fluxos
internacionais de comércio e finanças. Isto porque existe uma
associação forte entre a expansão dos sistemas democráticos e
a expansão de mercados e, de acordo com análises empíricas
recentes, o livre mercado tem efeito direto no aumento da de-
sigualdade econômica, pois os indivíduos são dotados de dife-
rentes conjuntos de bens, habilidades e recursos, remunerados
a taxas distintas (Przeworski, 2010; Piketty, 2014).
Na quinta seção tratamos da potencial relação causal in-
versa entre democracia e desigualdade. Após um vasto esforço
de se entender os efeitos do desenvolvimento econômico sobre
os processos de democratização, a literatura comparada se inte-
ressou por como a distribuição de recursos dentro de uma dada
sociedade pode afetar as possibilidades de um regime autori-
tário adotar instituições democráticas e de um regime demo-
crático reproduzir-se ao longo do tempo (Ansell; Samuels,
2014). Por fim, concluímos o capítulo e introduzimos os temas
do próximo.

1.1 O debate sobre a relação entre democracia e desigualdade

A literatura sobre efeitos da democracia na mitigação do


problema da desigualdade econômica formulou quatro meca-
nismos gerais por meio dos quais os regimes democráticos

A democracia reduz a desigualdade econômica?  27


exercem uma pressão em direção a uma maior equidade eco-
nômica (TIMMONS, 2010; GERRING; THACKER; ALFARO,
2012).
O primeiro mecanismo é baseado na relação entre os
sistemas de tributação e transferências de renda que decorre
de postulações teóricas tomadas à luz do teorema do eleitor
mediano de Harold Hotelling e Anthony Downs. No texto
clássico de Meltzer e Richard (1981) o ponto de equilíbrio do
tamanho do governo é modelado como consequência da regra
majoritária e da distribuição de produtividade na economia7
(Hotelling, 1929; Downs, 1957). A extensão dos direi-
tos de sufrágio, a posição do eleitor mediano, cuja preferência
determina as políticas governamentais, é deslocada para baixo
na distribuição de renda. Em condições de sufrágio universal,
o eleitor mediano tende a ter renda idêntica à renda mediana.
E como está é inferior à renda média, ele favorece uma políti-
ca tributária distributiva e progressiva, transferindo renda das
elites para os menos favorecidos.
Os modelos de economia política que partem do ar-
cabouço de Meltzer e Richard invariavelmente afirmam que
quanto maior a desigualdade econômica – isto é: uma distân-
cia maior entre as rendas médias e mediana – maior a taxa
de redistribuição por meio da ação eleitoral e política do go-
verno democrático. A teoria é sintetizada na ideia de quan-
to maior for a distância entre a renda do eleitor mediano e a
renda média da população, maior será a tendência de o gover-
no redistribuir renda do topo para a base, reduzindo o escopo

7
Os modelos do eleitor mediano sobre a redistribuição (Romer, 1975;
Roberts, 1977; MELTZER; RICHARD, 1981) são o ponto de partida para grande
parte da discussão sobre a economia política do Estado de Bem-Estar Social.

28  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


da desigualdade econômica8. De forma simplificada, como as
democracias levam às urnas uma parcela majoritária de in-
divíduos que possuem renda inferior à média, essa maioria,
atuando coletivamente, força o governo a redistribuir renda da
elite para as massas.
O modelo redistributivo de Meltzer e Richard assume
que o governo tributa uma porcentagem específica e unifor-
me da renda dos indivíduos e, a partir da arrecadação obtida,
distribui um benefício universal e de igual valor para todos.
Assim são criados incentivos para a redistribuição, quaisquer
que sejam as regras de votação que concentrem votos abaixo
da renda média, uma vez que a distribuição de renda é quase
sempre desviada para a esquerda. E como nos modelos redis-
tributivos a distribuição da renda bruta9 é exógena ao sistema
político, a redução da desigualdade é simplesmente assumida
como o estreitamento da distância entre a renda individual e a
renda média para todos os grupos de renda.
Bergh (2005) critica essa forte suposição do modelo re-
distributivo, uma vez que ela implica que as políticas públicas
redistributivas não afetam a oferta de trabalho. Caso exista um
efeito das políticas redistributivas sobre o trabalho ofertado,
é necessário levar em conta o impacto posterior da política

8
Meltzer e Richard (1981) usam a parcela de renda distribuída pelo governo
em dinheiro e em serviços como uma medida do tamanho relativo do governo e
desenvolvem uma teoria no qual o tamanho do governo é definido por escolhas
racionais de indivíduos maximizadores de utilidade que são completamente in-
formados sobre o presente estado da economia e das consequências da taxação
e da redistribuição de renda (Meltzer; Richard, 1981).
9
A distribuição de renda bruta é definida pela renda dos indivíduos antes de
impostos e transferências: a distribuição da renda obtida pelos indivíduos em
situação de mercado. Já a distribuição de renda líquida é definida pela renda dos
indivíduos após a tributação e transferências públicas.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  29


redistributiva na distribuição de renda pré-tributação – a ren-
da bruta, tornando-a endógena ao modelo redistributivo. Na
visão de Bergh, os diferentes grupos da sociedade devem res-
ponder de maneira distinta à oferta de benefícios públicos, o
que pode ocasionar tanto aumento quanto diminuição da de-
sigualdade bruta. Por exemplo, indivíduos mais jovens tendem
a reduzir a sua oferta de trabalho se existem recursos públicos
para serem investidos em sua própria educação, enquanto mu-
lheres tendem a reduzi-la para dedicar mais tempo à educação
e criação de seus filhos, e, por fim, idosos tendem a se retirar
mais facilmente do mercado por razões de saúde (Nicaise,
1998; Bergh, 2005).
Boix (2010) argumenta na mesma linha ao analisar que
na escolha de políticas públicas que beneficiam o eleitor me-
diano, é necessário levar em conta não apenas o impacto di-
reto da ação pública na renda líquida desse indivíduo (Boix,
2010). Um arcabouço regulatório molda a renda bruta de todos
os indivíduos. Desta forma, ao se calcular as consequências de
determinado arcabouço institucional é necessário o cálculo da
mudança final da renda do eleitor mediano, levando em conta
os efeitos da tributação, da oferta de trabalho e os custos da
participação política10. Robinson (2009) por sua vez sublinha
que não existe a possibilidade de uma distribuição de renda de

10
Outra possível consequência é o impacto de gastos com educação na ca-
pacidade de engrandecimento do capital humano individual. Isto porque se a
distribuição de capital humano for desigual, o aumento do gasto público em
educação tende a reduzir essa desigualdade, endogenizando, por meio de ou-
tro mecanismo, a distribuição de renda pré-tributação (Bergh, 2005). Usando
dados sobre gastos governamentais em educação, Sylwester (2002) mostrou que
países que destinaram maior parte do seu PIB para a educação pública expe-
rienciaram menor desigualdade nos anos subsequentes (Sylwester, 2002;
BergH, 2005).

30  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


mercado tal como ela fosse livre de quaisquer influências do
mundo da política. A própria ideia de mercado é em parte
uma construção política (Przeworski, 2003). Para existir
o livre mercado capitalista é necessária a construção institu-
cional dos direitos de propriedade e das próprias esferas de
mercado, que só são garantidos a partir da ação política do
próprio estado, pois é o sistema político quem determina a
natureza destes direitos de propriedade e o quão livre estão
os agentes econômicos para operarem dentro de determina-
das estruturas de trocas.
Não obstante, mesmo que os regimes políticos reais não
se encaixem perfeitamente na estrutura teórica do modelo do
eleitor mediano, as conclusões gerais do modelo implicam que
de alguma forma as democracias devem apresentar sistema-
ticamente um nível inferior de desigualdade do que as não
democracias, ainda que a relação entre a diferença da renda
do eleitor mediano com a renda média e a taxa de redistri-
buição não seja perfeitamente monotônica e nem as predi-
ções do modelo sejam passiveis de aceitação teórico-formal
(Acemoglu; Robinson, 2006).
Ademais, estudos quantitativos recentes mostram que
as democracias tendem a produzir maior quantidade de bens
e serviços públicos e mais redistribuição de renda que dita-
duras. (Avelino; Brown; Hunter, 2005; Ross, 2006;
Gerring; Thacker; AlfarO, 2012). Estudos históricos
também mostram uma correlação entre a extensão do sufrágio
e o tamanho do governo nos EUA, Europa e América Lati-
na (Kristov; Lindert; Mcclelland, 1992; Lindert,
1994; Gouveia; Masia, 1998). Bueno de Mesquita et al.
(2005) são incisivos ao elaborarem um modelo sobre a sobre-
vivência das lideranças políticas, no qual quanto maior for a

A democracia reduz a desigualdade econômica?  31


participação para a escolha do governo (selectorate) e a base
de apoio deste governo (winning coalition), maiores serão os
incentivos para a produção de bens públicos11.
O segundo mecanismo é a competição política e o pa-
pel desempenhado pelo voto retrospectivo e prospectivo,
que sublinha a conexão eleitoral entre o eleitor e as lideran-
ças políticas e a responsividade engendrada pelo ordenamento
político democrático (KEY, 1949). O arcabouço básico do me-
canismo de competição política se fundamenta no argumento
de que quanto mais os líderes políticos competem entre si e em
grupos organizados pelo apoio dos cidadãos, mais serviços são
produzidos pelo setor público para dado nível de arrecadação
do governo. E devido ao fato que a democracia está intima-
mente relacionada com a existência de competição política, a
melhora dos serviços prestados pelo governo é estimulada.
Na visão de Gerring, Thacker e Alfaro (2012), como a
miséria generalizada é impopular, líderes democraticamente
eleitos são mais cuidadosos com problemas referentes ao de-
senvolvimento humano. Um exemplo disto é a constatação
de Sen e Dreze (1989) de que até hoje nunca foram registra-
das crises humanitárias em regimes democráticos. Sen (1983;
1999) argumenta que em democracias, por meio do processo
eleitoral, os pobres podem penalizar os governos que permi-
tem o desenvolvimento de crises humanitárias:

A fome mata milhões de pessoas em diferentes países


do mundo, mas nunca mata os governantes... se não
houver eleições, sem partidos de oposição, sem espaço

11
Outra forma de interpretação dos resultados de Bueno de Mesquita et al.
(2005) sugere que os governos democráticos têm uma gama mais ampla de
apoiadores para atender, que os induz à produção de mais bens públicos em
comparação a bens privados.

32  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


para críticas públicas não censuradas, então aqueles que
possuem autoridades não irão sofrer as consequências
políticas no fracasso em evitar crises de fome. As demo-
cracias, por outro lado, estenderiam os efeitos negativos
da fome para os grupos dominantes e os líderes políticos.
(SEN, 1999)12.

Valdimer O. Key (1949), por sua vez, conecta explicita-


mente a relação entre democracia e desigualdade à competição
política. Ao analisar o sistema de partido único dos estados do
sul dos EUA, ele conclui que a organização política uniparti-
dária impede o debate organizado sobre temas e, ao contrá-
rio, leva o debate político a uma disputa de personalidades.
As instituições democráticas seriam fundamentais ao darem
origem a competição política organizada. A falta de concor-
rência sustentada entre dois grupos políticos claramente defi-
nidos tornaria o governo mais suscetível a pressões individuais
e favoritismo, impedindo o debate sobre temas abrangentes.
Isto posto, Key conclui que os sistemas de partido único têm
um viés pró-status quo que beneficia as elites privilegiadas em
detrimento dos pobres. Sem a competição política entre par-
tidos organizados, os pobres não possuiriam nenhum meca-
nismo que possibilitasse a sua participação política efetiva nas
decisões do Estado.
Além disso, com uma distribuição mais equitativa de
poder, a democracia dá mais espaço para que os sindicatos de
trabalhadores e partidos políticos representem as classes so-
ciais fora do restrito círculo das elites, assim como estimula a
criação de políticas públicas para competir pelo voto das bases

12
Todas as citações de trabalhos em língua estrangeira foram traduzidas li-
vremente.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  33


sociais desses sindicatos e de partidos não elitizados. Quanto
mais organizados e vitais estes grupos forem, maior será o seu
sucesso na busca por influência no processo decisório parti-
dário. E caso os grupos de menor renda se beneficiem mais
das atividades governamentais, especialmente da educação
pública, a democracia tenderá a reduzir a dispersão de capital
humano na sociedade, causando, no longo prazo, a queda da
desigualdade (Saint-Paul; Verdier, 1993).
Por fim, Sen (1999) argumenta que a democracia per-
mite que um maior fluxo de informação seja transmitido das
áreas mais pobres e remotas para o governo central devido ao
trabalho da livre imprensa e do uso e divulgação estratégica de
informações por aqueles que buscam ocupar e competem pelo
centro do sistema político. Assim, quando existe a possibilida-
de de surgimento de uma crise falimentar, a mídia e oposito-
res têm incentivos políticos e institucionais para trazer à tona
fatos que sejam negativos para o governo e que usualmente
seriam censurados em ditaduras.
O terceiro mecanismo que indica a tendência da demo-
cracia ser mais efetiva na redução da desigualdade econômica
é a presença de uma sociedade civil mais institucionalizada e
desenvolvida, uma vez que os direitos políticos e os direitos ci-
vis são altamente correlacionados. A existência de direitos civis
estimula, no decorrer do tempo, a criação de uma rede densa
de associações voluntárias que prestam serviços aos desfavore-
cidos, muitas vezes em conjunção com entidades governamen-
tais, que também tendem a influenciar as atividades legislativas
por meio de pressão política e atividades de lobby (Gerring;
Thacker; Alfaro, 2012). Para Simon Kuznets (1955):

O crescimento do poder político dos grupos urbanos de


menor renda leva a uma variedade de leis de proteção e

34  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


apoio, muitas das quais buscam combater os piores efei-
tos da rápida industrialização e urbanização e apoiar as
reivindicações das grandes massas para uma participação
maior na renda crescente do país. (Kuznets, 1955).

A provisão dos benefícios oriundos dos serviços do


Estado de bem-estar social demandados por essas organiza-
ções representaria um importante meio pelo qual o governo
poderia influenciar a desigualdade (Rueda, 2008). Esses
serviços, além de redistribuírem riqueza para os pobres, tam-
bém minimizam os riscos do mercado de trabalho (Moene;
Wallerstein, 2003). Assim, existem duas formas nas quais
os gastos do governo podem afetar a desigualdade. Primeiro,
reduzindo os riscos dos trabalhadores, pois os programas de
bem-estar têm como consequência imediata reduzir a depen-
dência das pessoas à participação no mercado de trabalho
como fonte de riqueza (Esping-Andersen, 1991). Segun-
do, Iversen e Cusack (2000) apontam que os serviços providos
pelo governo reduzem a desigualdade no acesso à educação e
saúde, além de ampliarem o escopo do emprego público, que
também pode ser utilizado como mecanismo de redução da
variação salarial.
Por fim, o quarto e último mecanismo enfatiza expli-
citamente as consequências da democracia na regulação do
mercado de trabalho. Como notado por Schumpeter (2013),
a democracia reduz o custo de participação política do traba-
lho organizado, permitindo que obtenha uma posição mais
privilegiada no processo político. Rodrik (1998a) revisitou o
argumento defendendo que as democracias se caracterizam
por atributos que capacitam trabalhadores na medida em que
incentiva a sindicalização, a negociação salarial centralizada e

A democracia reduz a desigualdade econômica?  35


a existência de salários mínimos, o que reduz a desigualdade
de rendimentos. Scheve e Stasavage (2009) mostraram que a
densidade sindical (porcentagem de membros da população
economicamente ativa que estão em sindicatos) e a concentra-
ção das negociações salariais estão negativamente correlacio-
nadas com a desigualdade econômica.
Wallerstein (1999) analisa a desigualdade nos salários
entre 16 economias avançadas e encontra fortes evidências de
que a centralização do processo de negociação salarial é forte
redutor das disparidades de rendimentos. Outros fatores im-
portantes também são a própria concentração de poder dos
sindicatos e a parcela da força de trabalho coberta por acordos
de barganhas salariais coletivas. Para Wallerstein, a associação
entre a centralização do processo de negociação salarial e uma
distribuição mais equitativa de ganhos decorreria do fato que
a centralização altera a influência de diferentes grupos no pro-
cesso de definição salarial ao comprimir a estrutura dos salá-
rios e, assim, indiretamente, reduzir a desigualdade de ganhos.
Ademais, se os trabalhadores mais produtivos optarem por sair
do acordo central, o efeito da centralização será intensificado na
calda final da distribuição de renda, afetando negativamente a
desigualdade (Wallerstein; Golden; Lange, 1997).
Rueda (2008) demonstra que o corporativismo é uma
variável que afeta a capacidade dos partidos políticos em pro-
duzir políticas que reduzam a desigualdade, sobretudo no que
toca à variação salarial. De acordo com o autor, em sistemas
corporativos os partidos políticos não possuem graus de li-
berdade para afetar a desigualdade salarial. Apenas nos países
cujo nível de coordenação na barganha entre empregadores e
empregado é baixa é que a política partidária consegue afetar
a desigualdade econômica por meio do estabelecimento de sa-

36  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


lários mínimos maiores, gastos do governo com o estado de
bem-estar social e no financiamento do estado por meio de
impostos sobre o trabalho.
Finalmente, vale a pena mencionar como último pon-
to as relações teóricas entre democracia e desigualdade. Alguns
autores propõem que esta relação não é encontrada em curto,
mas sim em longo prazo. As estruturas institucionais de maior
dispersão do poder político nas democracias demoram para
afetar as estruturas de concentração – difusão dos recursos eco-
nômicos. Deste modo, apenas ao longo de uma extensa trajetó-
ria democrática que a desigualdade econômica entre os cida-
dãos tende a ser arrefecida. Sirowy e Inkeles (1990) e Gradstein e
Milanovic (2004) ao reverem a literatura empírica que trata so-
bre o tema concluem que os resultados mais robustos são aque-
les que analisam o tamanho da experiência democrática com
a desigualdade econômica. Muller (1988) reporta que aproxi-
madamente 20 anos de experiência democrática são necessários
para os efeitos igualitários da distribuição do poder político
atingirem e arrefecerem a concentração do poder econômico13.

1.2 Resultados empíricos

Apesar desse já extenso e já bem desenvolvido arcabou-


ço teórico que integra ao regime político democrático uma

13
Ainda que não estejam preocupados na análise entre a relação da democracia
com a desigualdade econômica e sim com os efeitos das instituições de trabalho,
instituições eleitorais e da ideologia política dos partidos, o trabalho de Scheve
e Stasavage (2009) deixa claro a importância de se analisar os efeitos de longo
prazo das instituições sobre a desigualdade econômica, uma vez que em curto
prazo as mudanças institucionais tendem a ser menores e a dinâmica da desi-
gualdade tende a reagir lentamente aos eventos do mundo da política.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  37


dinâmica de redução de desigualdade econômica, os achados
empíricos não são robustos e surpreendem o leitor. Na visão
de Timmons (2010), este enorme descompasso existente entre
as teorias que vislumbram um potencial democrático em re-
duzir as desigualdades econômicas e as evidências empíricas
pode ser parcialmente atribuído à escassez de dados confiáveis
sobre a mensuração da desigualdade econômica14, sem contar
os enormes problemas conceituais relacionados à que tipo de
desigualdade econômica a democracia opera para reduzir: a
desigualdade de consumo, a desigualdade de ganhos ou mes-
mo a desigualdade da capacidade de se obter renda econômica.
Em uma extensa revisão dos primeiros esforços da lite-
ratura quantitativa em estimar o efeito da democracia sobre a
desigualdade, Sirowy e Inkeles (1990) analisaram doze dife-
rentes estudos. Entre estes, sete estudos15 acharam efeitos da
democracia em direção à redução da desigualdade econômica,
enquanto outros cinco16 mostraram que esses efeitos são posi-
tivos, porém estatisticamente insignificantes. Contudo, alguns
achados devem ser qualificados. Em Cutright (1967) os efeitos
são encontrados apenas nas economias médias e pobres, en-
quanto não há efeitos entre as economias mais ricas. Hewitt
(1977), por sua vez, argumenta que os efeitos do regime políti-
co democrático são de fato efeitos espúrios e causados primor-
dialmente pelas sociais democracias. Por fim, Muller (1988)

14
No capítulo 3 apresentamos de maneira mais detalhada as dificuldades e so-
luções para a mensuração do fenômeno da desigualdade econômica.
15
Cutright (1967); Hewitt (1977); Stack (1979; 1980); Weede e Tiefenbach
(1981); Weede (1982); Muller (1988).
16
Jackman (1975); Rubinson e Quinlan (1977); Bollen e Grandjean (1981);
Kohli et al. (1984); Bollen e Jackman (1985).

38  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


encontra evidências de que é a extensão da experiência demo-
crática e não o nível de democracia que reduz a desigualdade.
Por sua vez, Rubinson e Quinlan (1977) controlam as
estimações para o problema da causalidade reversa usando
um sistema de equações da múltipla relação entre democracia
e desigualdade e encontram um efeito da desigualdade sobre
a democracia, mas não da democracia sobre a desigualdade.
Já Bollen e Jackman (1985) reexaminam a análise de Rubinson
e Quinlan e não encontram efeitos significantes em nenhuma
das direções causais. Assim, Sirowy e Inkeles concluíram
que é ambígua a evidência de que a democracia reduz a
desigualdade econômica, ainda que a medida da extensão da
experiência democrática parece contribuir mais diretamente
com a equalização das relações econômicas.
Resultados mais otimistas, ainda que cautelosos, foram
encontrados na revisão da literatura elaborada por Gradstein
e Milanovic (2004). A revisão levantou alguns estudos histó-
ricos que encontraram forte associação entre a extensão do
sufrágio, sobretudo o direito de voto às mulheres, com um au-
mento do gasto público redistributivo nos EUA, Inglaterra e
Suíça, (HUSTED e KENNY, 1997; ABRAMS; SETTLE, 1999;
JUSTMAN; GRADSTEIN, 1999; LOTT JR; KENNY, 1999),
enquanto Mueller e Stratmann (2003) encontraram evidências
de que quanto maior o turnout eleitoral, maior é a redução da
desigualdade.
Assim como Bollen e Jackman (1985), Gasiorowski
(1997) e Lundberg e Squire (1999) reportaram que os efeitos
da democracia sobre a desigualdade econômica são estatis-
ticamente insignificantes17, enquanto Muller (1988), Moon

17
Lundberg e Squire (1999) encontraram um efeito protetor da democracia em

A democracia reduz a desigualdade econômica?  39


(1991) e Rodrik (1998a) sustentaram que a democracia de fato
reduz a desigualdade, ainda que os potenciais mecanismos
causais fossem distintos. Chan (1997), por sua vez, reportou
resultados mistos, analisando os efeitos da democracia sobre
diferentes tipos de gastos públicos redistributivos18, enquanto
Simpson (1990) e Justman e Gradstein (1999) argumentaram,
utilizando uma mensuração contínua de democracia, que a de-
sigualdade de renda aumenta com a democracia até certo ní-
vel de democracia, após o qual os efeitos começam a declinar,
numa espécie de curva política de Kuznets. Por fim, Nielsen e
Anderson (1995) também propuseram uma relação num for-
mato U-invertido, mesmo que seus achados não se mostrem
robustos à inclusão de novos controles.
Um dos principais problemas enfrentados nesses estu-
dos é a escassez de dados, o que impede a obtenção de con-
clusões confiáveis. Boa parte dos testes usou dados de cortes
transversais, o que impede o controle para efeitos temporais
dinâmicos ou mesmo efeitos que se diferenciam ao longo do
tempo em cada país. Um passo mais consistente foi dado com
a publicação da compilação de dados sobre desigualdade fei-
ta por Klaus Deininger e Lyn Squire, patrocinada pelo Banco
Mundial, que deu origem ao primeiro banco de dados em pai-
nel sobre a desigualdade econômica (Deininger; Squire,
1996). Os estudos empíricos que fizeram uso do Banco de dados

relação ao último quintil da distribuição de renda, impactando, portanto, na


redução da pobreza. Ademais, este paper foi o primeiro a incluir uma amostra
com vários casos de países pós-comunistas do leste europeu.
18
Comparando os gastos públicos de Taiwan, Coréia do Sul e Cingapura, Chan
(1997) concluiu que os gastos em educação e previdência social aumentaram
depois da democratização de Taiwan e Coréia do Sul, enquanto na Coréia do Sul
também houve crescimento nos gastos com habitação. Por outro lado, o autor
não encontrou efeitos da democracia sobre os gastos em saúde.

40  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


de Deininger e Squire (DS) concluíram de maneira mais consis-
tente que mais democracia resulta em menos desigualdade.
Li, Squire e Zou (1998); Chong (2004) e Reuveny e Li
(2003) usaram o DS e encontraram uma relação negativa entre
democracia e desigualdade. Li, Squire e Zou (1998) mostra-
ram que o nível de liberdades civis, mensurado com os indica-
dores da Freedom House, e os níveis de escolarização secundá-
ria, mais uma medida de abrangência do sistema financeiro e
a distribuição inicial de terras são determinantes importantes
do nível de desigualdade. Na visão dos autores, as duas primei-
ras variáveis medem constrangimentos que as elites econômi-
cas e políticas enfrentam para influenciar as políticas públicas
e as duas últimas medem fatores estruturais econômicos que
moldam o acesso dos pobres ao mercado financeiro. Outro
importante achado da pesquisa de Li, Squire e Zou é que a
maior parte da variância dos coeficientes de GINI é decorrente
de um corte transversal (65%) e não temporal. Mudanças na
desigualdade foram muito lentas na maioria dos países, suge-
rindo que fatores estruturais possuem um papel fundamental
na determinação do nível de desigualdade e tornam muito di-
fíceis transformações profundas em curtos períodos de tempo.
Chong (2004) também ofereceu evidências sobre a co-
nexão entre democracia e desigualdade econômica no período
de 1960-1995. Em uma regressão transversal, usando médias
amostrais para o período e também painéis dinâmicos, o au-
tor encontrou uma relação não monotônica entre democracia
e desigualdade, sustentando mais uma vez a possível existên-
cia de uma curva de Kuznets política. O conjunto de variá-
veis controles consistia do PIB per capita inicial, indicadores
de saúde (número de médicos por habitante), participação de
agricultura e da indústria na economia e a taxa de inflação.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  41


Reuveny e Li (2003), por sua vez, estudaram os efeitos
da democracia levando em conta os efeitos da abertura econô-
mica. Para estes autores, ambas as variáveis afetam a desigualda-
de, enquanto a abertura econômica também afeta a democracia
(Im, 1996; Whitehead, 1996; Drake, 1998; Held, 1999).
Desta maneira, estudos empíricos que não as levem simultanea-
mente podem estimar resultados enviesados ao atribuir o efeito
de uma à outra. Em sua análise empírica, Reuveny e Li dividem
sua amostra por nível de desenvolvimento, testando sua teo-
ria em países desenvolvidos, em países em desenvolvimento e
numa terceira com todos os países. Como resultado, concluem
que a democracia sempre reduz a desigualdade econômica, en-
quanto a abertura econômica só reduz a desigualdade nos paí-
ses em desenvolvimento. Todas as variáveis nos modelos foram
computadas como médias por décadas
Do outro lado da moeda, Timmons (2010) replicou a
análise de Li, Squire e Zou (1998), Chong (2004), e Reuveny
e Li (2003) usando novos e mais robustos dados The World
Income Distribution Database – WIID (2007)19, o sucessor do
DS, e não encontrou resultados que indicassem algum impacto
significante da democracia na desigualdade econômica. Usan-
do em sua análise dados agregados em médias por décadas e
por quinquênios, Timmons não encontrou nenhuma relação
entre democracia e liberdades civis com as medidas de desi-
gualdade econômica. Sua alegação final é que a questão sobre

19
UNU-WIDER (Unu/Wider-Undp) (World Institute for Development
Economics Research), World Income Database (WIID), Versão 2 (Helsinki:
World Institute for Development Economics Research of the United Nations
University/UNDP, May 2007). O banco de dados de Deininger e Squire (DS)
contém 2634 observações contra 4982 do WIID (Timmons, 2010). Uma dis-
cussão aprofundada sobre os diferentes bancos de dado comparados de GINI é
apresentada no capítulo 3.

42  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


os efeitos da democracia sobre a desigualdade econômica ain-
da permanece aberta, mas que os novos bancos que compilam
dados de natureza longitudinal prometem revolucionar o cam-
po de pesquisa da relação entre desigualdade e democracia.
Alguns estudos realizados no último decênio também de-
safiaram esse suposto consenso teórico sobre os efeitos dos regi-
mes políticos em relação a outras medidas de desenvolvimento
humano. Por exemplo, os estudos de Gauri e Khaleghian (2002)
McGuire (2006), Ross (2006) e Shandra, Nobles, London e
Williamson (2004) não encontraram correlações positivas
e robustas entre indicadores de desenvolvimento humano e
a presença de um regime político democrático (Gerring;
Thacker; Alfaro, 2012)20.

1.3 Desenvolvimento, choques tecnológicos e desigualdade

Na análise da relação entre democracia e desigualdade é


necessário estarmos atentos para o fato de que existem outros
fatores externos que interferem na relação. Por exemplo, uma
extensa literatura discute como o desenvolvimento afeta a de-
sigualdade, interagindo com os próprios efeitos da democracia
(Kuznets, 1955). Somando esta discussão à literatura que
analisa a associação entre desenvolvimento e democracia, tor-
na-se claro a necessidade de se controlar o seu papel para a es-
timação dos reais efeitos da democracia sobre a desigualdade.
Outros potenciais fatores de confusão descritos nos próximos
parágrafos decorrem do papel interveniente dos mercados na

20
Gauri e Khaleghian (2002) tomaram como variável dependente a cobertura
de vacinação da população e Ross (2006), MacGuire (2006) e Shandra, Nobles,
London e Williamson (2004) a taxa de mortalidade infantil.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  43


relação entre democracia e desigualdade. Posto isso, apresen-
tamos de maneira bastante sucinta as vertentes da literatura
que analisam a relação entre desenvolvimento, mercados, glo-
balização e desigualdade. A metodologia e os dados empíricos
serão detalhados nos próximos capítulos.
A análise da relação entre desenvolvimento e desigual-
dade data da contribuição seminal de Simon Kuznets (1955)
na qual o autor defende a hipótese de que durante o processo
de desenvolvimento econômico e transformação de uma so-
ciedade rural e agrária em uma sociedade industrial urbana, a
desigualdade segue um padrão de U-invertido, com um inicial
aumento e posterior queda. A curva de Kuznets se assemelha a
uma parábola com concavidade para baixo. Antes do processo
de industrialização na Inglaterra e nos Estados Unidos, a ativi-
dade econômica principal consistia basicamente em conjunto
de pequenos proprietários familiares, cuja renda da atividade
agrícola era limitada pelo escopo natural do trabalho familiar.
A partir do surgimento de uma vida urbana mais dinâmica nos
estágios iniciais da industrialização, a desigualdade tenderia a
aumentar. Isso acontecia porque nessa fase ocorria um aumen-
to da demanda por mão de obra nos setores mais modernos
da cidade, elevando os salários dos trabalhadores urbanos em
detrimento dos que permaneciam na zona rural.
Com o passar do tempo, a migração e, por fim, a indus-
trialização da agricultura deslocou os trabalhadores rurais para
a cidade. A população rural declinou, assim como a importância
do diferencial de renda entre o campo e a cidade e a desigualda-
de passou a ser reduzida com o crescimento da renda, sobretu-
do pelo fato que a população se deslocou do campo, tornando-
-se urbana. Apesar do fato de que as cidades fossem ambientes
econômicos mais diversos que o campo, e naturalmente mais

44  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


desiguais, Kuznets tinha a expectativa de que com a maturida-
de da industrialização, a sindicalização dos trabalhadores e o
avanço da social democracia haveria redução ainda mais forte
da desigualdade. Assim, a desigualdade como um todo deveria
declinar com o aprofundamento do desenvolvimento indus-
trial na medida em que o desenvolvimento econômico urbano
progredisse (Galbraith, 2012).
A hipótese de Kuznets é motivada para analisar o pro-
cesso de transição econômica estrutural e demográfica da mo-
dernização, mas a relação U-invertida pode surgir a partir de
qualquer transição entre atividades com níveis distintos de
produtividade. Isto porque com a transição de uma economia
centrada em uma atividade de pouca produtividade para uma
atividade de alta produtividade há um inevitável aumento da
desigualdade durante o processo, em benefício da parcela da
população que atua na atividade altamente produtiva. Com o
passar do tempo e a transição de boa parte da população para
esta atividade, os retornos voltam a ser equiparados.
Outro fator assemelhado à lógica do modelo de Kuznets
são os efeitos das novas tecnologias, tal como proposto no
modelo de Boix (2010) onde os choques exógenos afetam de
maneira incisiva a distribuição de ganhos. O argumento de
Kuznets seria apenas um caso especial no qual existe um cho-
que tecnológico – a industrialização – em uma atividade que
gera mais renda para determinado grupo da sociedade – a po-
pulação urbana. Contudo, Boix incrementa o modelo com a
possibilidade de criação de barreiras de entrada no novo mer-
cado, premiando aqueles que foram beneficiados inicialmente
com a alteração tecnológica21.

21
Boix (2010) tem como objeto a evolução da desigualdade de longa duração.
O primeiro choque exógeno analisado é decorrente da revolução agrária –

A democracia reduz a desigualdade econômica?  45


O papel da evolução da tecnologia é outro fator crucial
na evolução da desigualdade. Na visão de Boix (2010), as evo-
luções tecnológicas se dividem, basicamente, entre dois extre-
mos: pró-pobres e pró-elites. Um exemplo de choques pró-eli-
tes é a descobertas de recursos naturais ou o boom em preços
de commodities, que aumentam a desigualdade ao beneficiar
aqueles que controlam os recursos naturais de uma dada so-
ciedade. Já um choque pró-pobres é aquele que aumenta mais
a renda dos indivíduos pobres em relação à elite e cujos efeitos
tendem a ser sufocados caso o eleitor decisivo na sociedade
seja membro da elite econômica e não das massas.
Uma das explicações econômicas a respeito do expo-
nencial crescimento da desigualdade econômica nas eco-
nomias mais avançadas do mundo nos últimos 30 anos tem
sido analisada como consequência de um choque econômico
pós-revolução tecnocientífica e um decorrente aumento dos
retornos da educação. Em revisão da literatura a respeito das
causas e consequências da desigualdade, Neckerman e Torche
(2007), analisando o caso americano, discutem os efeitos da
computadorização do campo de trabalho sobre o aumento
do valor de mercado da educação e de habilidades específicas
para o uso da tecnologia.
Recentemente Autor, Katz e Kearney (2005; 2006) pro-
puseram uma versão modificada do argumento tecnológico
como fonte do aumento das desigualdades nas últimas décadas.

domesticação de plantas e animais. Os grupos beneficiados com esse choque


econômico exógeno seriam aqueles que exerciam atividades agropastoris em
terra mais férteis e produtivas. Com o advento da revolução agrária, esses indi-
víduos obtiveram mais renda do que aqueles que viviam na periferia das gran-
des planícies férteis. Tal processo desencadearia uma teia de relações econômi-
cas e políticas que justificaria a formação do Estado e o surgimento de regimes
políticos mais ou menos autoritários.

46  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


A computadorização aumentaria a competitividade de pro-
fissionais altamente qualificados, reduzindo os retornos e a
demanda por trabalho rotineiro, normalmente alocados para
indivíduos com salários médios. Tais transformações tecno-
lógicas teriam pouco efeito nos salários dos trabalhadores
alocados no final da distribuição de renda. Fernandez (2001)
inclusive sugere uma associação importante entre o aumento
da dispersão salarial e a atualização tecnológica.
Para Galor e Tsiddon (1997) e Aghion e Howitt (1998),
a tecnologia aumenta a concentração de trabalhadores quali-
ficados nos setores mais avançados da economia em prejuízo
dos trabalhadores menos qualificados, alocados em setores
mais atrasados, aumentando a desigualdade de pagamentos.
Galbraith (2012) encontra evidências de que o setor industrial
é a atividade mais afetada pelas mudanças tecnológicas e a de-
sigualdade induzida pela tecnologia possui características dis-
tintas entre diversos setores manufatureiros, tendo reflexo na
distribuição dos pagamentos e aumentando a diferença entre os
trabalhadores dos setores mais modernos em relação aos outros.
Por fim, Rogowski e MacRae (2008) elaboraram outro
modelo a respeito de como as dotações de fatores de produção,
o comércio e os choques tecnológicos afetariam as instituições
democráticas por meio da alteração dos níveis de desigualda-
de econômica por, entre outras coisas, aumentar ou reduzir os
salários do trabalho em relação ao capital ao afetar a produti-
vidade marginal de ambos de formas diferentes. Entre as mu-
danças tecnológicas discutidas, Rogowski e MacRae analisam
o papel da tecnologia militar sobre o aumento ou diminuição
da desigualdade:

Caso alguma mudança tecnológica como a introdução de


melhores táticas de infantaria aumente a produtividade

A democracia reduz a desigualdade econômica?  47


marginal do trabalho na produção da força militar, o tra-
balho tornar-se-á mais valorizado em relação ao capital.
A sua remuneração aumentará, seja em termos monetá-
rios ou políticos, diminuindo a desigualdade. Da mesma
forma, qualquer mudança tecnológica que aumente a
produtividade marginal relativa do capital aumentará a
desigualdade. (Rogowski; MacRae, 2008, p. 359)22.

1.4 Democracia, mercados e desigualdade econômica

Outro tema candente no debate a respeito da evolução


da desigualdade na segunda metade do século XX é o papel
que a expansão das relações de mercado tem sobre este fenô-
meno. Conforme apontado por Przeworski (2010), o surgi-
mento da democracia foi uma revolução no mundo da política
e não uma revolução social, tal como esperado no século XIX.
A equidade política entre os cidadãos não necessariamente
significa que a igualdade será difundida para todos outros atri-
butos socioeconômicos que caracterizam a existência humana.
Ademais, a democracia tornou-se, ao longo de sua con-
solidação no século XX, num sistema político observado em
nações com diferentes graus de desigualdade econômica. Isso
se torna ainda mais latente ao verificarmos que as democra-
cias políticas funcionam na maioria dos casos em sistemas

22
Exemplos históricos de choques exógenos que aumentaram a produtividade
relativa do capital foram as legiões profissionais romanas, a cavalaria armada
medieval e os exércitos modernos absolutistas. Já exemplos que aumentaram a
produtividade relativa do trabalho foram as forças hoplitas da Grécia Antiga, a
peste negra que ao reduzir a oferta de trabalho, reduziu a produtividade relativa
do capital em relação ao trabalho ou mesmo a possibilidade de imigração na
Europa do século XIX e a sociedade de fronteira dos Estados Unidos, Canadá e
Austrália (Rogowski; MacRae, 2008).

48  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


econômicos nos quais os recursos são distribuídos via forças
de mercado e que existe uma tendência inequívoca das rela-
ções de mercado gerarem e reproduzirem desigualdade econô-
mica ao longo do tempo (Piketty, 2014). Przeworski (2010)
entende que nenhum sistema político organizado em uma so-
ciedade de mercado pode gerar e manter uma perfeita equida-
de no campo socioeconômico.
O autor chama atenção para o fato de que além das difi-
culdades políticas da construção de qualquer mecanismo insti-
tucional de redistribuição de recursos, a própria linguagem da
redistribuição é anacrônica, refletindo o conflito redistributivo
sobre a posse e uso da terra, um bem divisível e manejável por
unidades familiares. Nenhum outro insumo produtivo pode
ser tão facilmente redistribuído como a terra. Muitas vezes
existem barreiras tecnológicas que impedem a redistribuição
de um tipo de ativo econômico, como, por exemplo, os insu-
mos de indústrias tecnologicamente avançadas, ou mesmo a
própria distribuição de capital humano, um bem não divisí-
vel e cujo domínio e expansão geram externalidades positivas
muito difíceis de serem controladas via mercado ou mesmo
via controle político.
Posto isto, Przeworski (2010) entende que a construção
da cidadania igualitária dentro de sistemas políticos demo-
cráticos não implica em que as diferenciações sociais entre os
cidadãos serão reduzidas, mas sim que o sistema político não
observará as diferenças socioeconômicas entre os concidadãos.
Assim, o cidadão democrático seria simplesmente o cidadão
sem categorização e anônimo. Não sendo iguais e muito me-
nos homogêneos, mas sim necessariamente anônimos perante
as leis, as instituições e o próprio sistema político. Desta for-
ma, a potencial tensão entre um sistema de equidade política

A democracia reduz a desigualdade econômica?  49


e a produção e reprodução de desigualdades via relações de
mercados tornar-se-ia tolerável do ponto de vista lógico, ainda
que com consequências empíricas e políticas fundamentais23.
A equidade política seria, assim, a equidade aos olhos do Esta-
do e não nas relações diretas entre os cidadãos.
Por outro lado, é inevitável esperar que de alguma for-
ma o advento da equidade política torne-se um mecanismo de
redução das desigualdades econômicas, sobretudo em relação
ao direito de propriedade, tal como já exposto na introdução
deste capítulo. Contudo, para Przeworski (2010), independen-
te de qual seja o formato institucional do governo, se não hou-
ver esforço político ativo e perseverante para a proteção dos
mais pobres por meio de algum mecanismo de transferência
de recursos para os indivíduos que possuem uma menor capa-
cidade de obtenção de renda, a desigualdade tenderá a crescer
em uma sociedade cuja economia é organizada via relações de
mercado. A experiência neoliberal das últimas décadas exem-
plifica tal suposto, pois com a redução do papel do governo
na economia dos países capitalistas houve profundo e rápido
crescimento da desigualdade (Piketty, 2014).
Outra justificativa crucial para o controle dos fatores
relativos ao fenômeno da expansão das relações de mercado
decorre do fato de que com o fim da Guerra Fria e a terceira

23
Przeworski (2011a) analisa o papel que as diferenças econômicas têm no cur-
so normal da competição política e como uma distribuição de renda desequi-
librada afeta a capacidade de influência dos indivíduos detentores de menos
recursos. Na visão de Przeworski alguns cidadãos não podem equalizar o cus-
to marginal da influência na política com os benefícios marginais decorrentes,
pois sofrem constrangimentos orçamentários, o que, portanto, tem como con-
sequência direta um viés político favorável aos cidadãos detentores dos recursos
econômicos. Para uma discussão sobre os mecanismos pelos quais o dinheiro
afeta a política vide (Przeworski, 2011a; 2012).

50  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


onda da democratização (HUNTINGTON, 1993) ocorrem
dois processos distintos, mas concomitantes: a expansão de
regimes políticos democráticos e a expansão de processos eco-
nômicos liberalizantes em temas de comércio exterior e das
próprias relações econômicas internas, denominado na litera-
tura como onda neoliberal. Como esses dois processos ocorre-
ram ao mesmo tempo é bastante provável que os reais efeitos
da democracia sobre a desigualdade foram mitigados pelos
efeitos das relações econômicas menos reguladas.
Do mero fato que um país se democratiza e apresenta
dados crescentes de desigualdade não decorre que a demo-
cracia não seja uma força equalizadora da sociedade, mas sim
que o resultado líquido da soma dos efeitos dos mercados e da
democracia é positivo. Isto porque a partir da década de 1990,
muitos países tornaram-se democracias, ao mesmo tempo em
que optaram por agendas de políticas econômicas mais libe-
ralizantes. Desta maneira, é de fundamental importância de-
sagregar os efeitos sobre a desigualdade causados por relações
de mercado dos efeitos causados pela competição eleitoral em
eleições democráticas.
Os processos de democratização política e liberaliza-
ção econômica, embora concomitantes, são independentes.
A história chilena na segunda metade do século XX ilustra bem
esse fato. Antes do golpe comandado pelo general Augusto
Pinochet, o então presidente Salvador Allende, que havia sido
eleito democraticamente, estava direcionando a política eco-
nômica chilena para um ponto distante de políticas voltadas à
liberalização de mercado. E depois de 1973, o regime militar
de Pinochet colocou o Chile no caminho da liberalização eco-
nômica em um momento em que não havia liberdade política.
O golpe militar chileno é paradigmático para ilustrar como

A democracia reduz a desigualdade econômica?  51


liberdade política e liberdade econômica podem estar separa-
das, uma vez que o oposto à liberdade política é autoritarismo,
enquanto a antítese da liberdade econômica é o planejamento
centralizado. Posto de outra forma, a liberdade política não é
equivalente à liberdade de comprar, ainda que muitas vezes
teóricos econômicos como Milton Friedman tenham feito essa
associação equivocada (Galbraith, 2008). Nas palavras do
economista James Galbraith:

Enquanto isso, o regime de mercado livre de Augusto


Pinochet trouxe a liberdade econômica para o Chile. As
pessoas podiam ser livres economicamente sem ter qual-
quer voz na política, enquanto viviam sob os coturnos de
uma junta militar. (Galbraith, 2008, p. 16).

Argumentação semelhante é feita por Cardoso (2011)


ao analisar o tema do debate político sobre o liberalismo no
Brasil contemporâneo:

E como o liberalismo econômico leva à desigualdade,


acabamos por não acreditar no liberalismo político, que
é um valor. O liberalismo político é um valor que foi rei-
vindicado pelos socialistas no século XIX, inclusive por
Marx. A liberdade política como valor político é extrema-
mente importante. A liberdade como laissez-faire econô-
mico é inaceitável sem contrapesos. Um regime de libe-
ralismo econômico não leva à igualdade e nem, no limite,
à liberdade política. Mas há confusão entre esses termos.
(Cardoso, 2011, p.58).

Por fim, é de fundamental importância analisar se e o


quanto a expansão das relações de mercado podem afetar a
desigualdade econômica, tal como esperado por Przeworski,
Pikkety e Galbraith. Há vasta discussão sociológica e econômica

52  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


que data desde as contribuições de pensadores do século XIX
como Karl Marx, passando pela obra de Karl Polanyi (1957;
2013), de que a economia de mercado, ao ser guiada pela busca
e expansão dos lucros, tende a reduzir a participação do traba-
lho nos ganhos, tratando-a necessariamente como uma entre
outras simples commodities e aumentando, assim, a distância
entre ricos e pobres.
Outras abordagens como a teoria da dependência (CAR-
DOSO E FALLETO, 1970; EVANS, 1979) e Evans (1979) e a
teoria das vantagens cumulativas de (Merton, 1973) indicam
também que em uma economia de mercado os ricos expandem
a sua renda a uma taxa maior do que os pobres, aumentando a
sua vantagem relativa. Um possível mecanismo por detrás do
fenômeno da expansão dos mercados é que o poder de barga-
nha do trabalho é limitado quando a propriedade dos meios de
produção encontra-se na mão de um grupo reduzido de indiví-
duos, os capitalistas.
Estudo de Szelenyi e Manchin (1987) sobre a expansão
das relações de mercado na Hungria indica, outrossim, que a
liberalização teve como consequência principal a pauperiza-
ção real dos que ocupam as menores faixas da distribuição de
renda. Outros trabalhos que focaram a emergência da econo-
mia de mercado no Leste Europeu também endossam a visão
de que os mercados ampliam a desigualdade econômica, pre-
judicando os mais pobres e beneficiando um pequeno grupo
de privilegiados (Hankiss, 1990a; b; Staniszkis, 1991;
Rona-Tas, 1994).
O mesmo padrão se repete na China, onde, seguindo
os padrões teorizados por Simon Kuznets, há uma enorme di-
ferenciação dos ganhos no campo em relação aos ganhos do
setor urbano, centro do dinamismo econômico chinês após a
introdução e avanço das reformas econômicas modernizantes

A democracia reduz a desigualdade econômica?  53


e orientadas para o mercado de Deng Xiaoping (Zhao, 1993).
Os efeitos de ampliação da desigualdade decorrentes da ex-
pansão das relações de livre mercado são ainda mais fortes
quando os indivíduos que se veem livres para competir por
remuneração e renda possuem diferentes estoques de capital
humano e/ou diferentes conjuntos de talentos e habilidades
(Nee; Liedka, 1997).
Diante de tais constatações, Przeworski (2012) tenta
enunciar uma “Lei Newtoniana” da desigualdade, na qual a de-
sigualdade de renda tende a crescer como resultado da opera-
ção dos mercados quando o governo não atua ativamente para
contrabalancear e frear tal tendência. Fora isso, a tendência
ao crescimento e manutenção da desigualdade de mercados
simplesmente persiste e tende a ser reduzida de forma aguda
somente na presença de eventos catastróficos como revoluções
sociais (União Soviética), intervenções militares externas (pa-
pel japonês na Coréia ou soviético no Leste Europeu), guerras
ou emigração maciça dos pobres (Noruega e Suécia) ou mes-
mo o próprio efeito da 1ª e 2ª Guerra Mundial como indu-
tor da redução da desigualdade salarial nos EUA e na Europa
Ocidental (Goldin; Margo, 1992), (Scheve; Stasava-
ge, 2009) e (Przeworski, 2012)24.

24
Piketty (2014), Piketty e Saez (2003; 2006) e Moriguchi e Saez (2008) de-
monstram que países como França, Reino Unido, EUA e Japão assistiram a uma
forte redução da desigualdade durante a 1ª e a 2ª Guerra Mundial que deve ser
atribuída a uma queda drástica da renda do capital do topo da distribuição de
renda, uma vez que fortunas foram reduzidas como resultado da inflação em
tempos de guerra e da própria taxação para o esforço militar, associados à intro-
dução do imposto de renda progressivo.

54  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


1.5 Globalização e comércio internacional

Como a expansão das economias de mercado é um pro-


cesso complementado pelo aprofundamento da globalização,
estando ambos associados temporalmente à própria expansão
da democracia pelo mundo, é necessário separar as contribui-
ções de cada um destes três fatores sobre a desigualdade eco-
nômica. Podemos considerar a democratização, a liberalização
econômica e a globalização como o tripé fundamental da nova
ordem internacional e, portanto, que constituem fenômenos
nitidamente inter-relacionados. Isto porque o exponencial
crescimento das relações de mercado no último quartel do
século XX estimulou de maneira inequívoca a aceleração do
processo de globalização. A própria expansão dos mercados
ocorre concomitantemente à democratização das relações po-
líticas dentro das nações, embora a aproximação entre merca-
do e democracia seja mais tensa que a afinidade entre merca-
dos e globalização.
Frankel (2000) entende a globalização econômica como
uma das forças mais poderosas que moldaram o mundo no
pós-guerra. Em particular, o comércio internacional de bens e
serviços, que se tornou cada vez mais importante ao longo dos
últimos 60 anos e os fluxos financeiros nos últimos 40 anos.
Em sua opinião, os vetores do processo de globalização eco-
nômica são os avanços tecnológicos que permitiram a redução
dos custos de transportes e comunicações na atuação do setor
privado e a redução das barreiras sobre os fluxos comerciais e
financeiros por parte do setor público.
A literatura comparada ainda não produziu conclusões
consensuais a respeito do que seja a globalização e mesmo de
quais são os efeitos da própria expansão das economias de

A democracia reduz a desigualdade econômica?  55


mercado sobre o agravamento ou não da desigualdade econô-
mica. Nas palavras de Brune e Garret (2005), o debate sobre os
efeitos da globalização econômica sobre a desigualdade asse-
melha-se a um gigante teste de Rorschach: os analistas obser-
vam o mesmo tipo de informação, mas tendem a tomar con-
clusões diferentes e normalmente enviesadas ideologicamente.
O consenso não emergiu entre outras coisas, pois a
própria definição do que signifique o constructo globalização
ainda não é consensual. Em consequência, as propostas de
mensuração empírica do construto são bastante contestáveis,
pois tendem a simplificar o complexo fenômeno em termos
de integração de mercado de bens, serviços ou de capitais. Por
exemplo, alguns pesquisadores mensuram o quanto um país
é integrado ao mercado global por meio da análise de fluxos
de comércio ou de capital (Rodrik, 1998a; b), (Dollar;
Kraay, 2001) e (Milanovic, 2003; 2005) ou por meio da
análise de medidas de política econômica, como, por exemplo,
níveis tarifários e abertura do mercado de capitais (Quinn,
1997), (Garrett, 1998a), (Birdsall; Hamoudi, 2002),
(Swank, 2003), (Brune; Garrett; Kogut, 2004) e
(Garrett, 2004).
Ademais, outros fatores de confusão do próprio pro-
cesso de expansão da globalização precisam ser integrados à
análise. Os acordos de livre comércio e o próprio processo de
integração econômica e política regional, como, por exemplo,
o MERCOSUL e a UNIÃO EUROPÉIA (UE), possuem efeitos
sobre a velocidade da integração econômica e sobre a própria
distribuição de bens entre os indivíduos (Beckfield, 2006;
2009) e (Pastor; Serrano, 2012). Beckfield (2009), por
exemplo, apresenta dados em que, de um lado a integração eu-
ropeia reduziu a diferença entre países e do outro aumentou

56  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


a desigualdade dentro de cada país. Os acordos regionais não
apenas criam comércio e fomentam investimentos dentro da
região, mas também afetam a distribuição de recursos nos paí-
ses membros da união como desviam comércio e investimen-
tos que seriam realizados em países que estão fora do acordo.
É bastante razoável assumir a hipótese de que os
efeitos da globalização em sociedades muito desiguais sejam
distintos dos efeitos em sociedades que já possuem uma cesta
de bens distribuídos de maneira mais uniforme. O modelo de
Heckscher-Ohlin (HO), por exemplo, prevê, adaptando-o à
economia contemporânea globalizada, que o surgimento de
um mercado comum global afeta de maneira distinta os países
nos quais o trabalho qualificado é abundante daqueles onde há
mais trabalhadores dotados de poucas habilidades (Brune;
Garrett, 2005; Meschi; Vivarelli, 2009). A intuição é
simples: com a redução das barreiras contra a livre circulação
de bens e investimentos, os salários relativos dos trabalhadores
nos setores com vantagens comparativas devem subir. E nos
países mais desiguais as vantagens comparativas estariam con-
centradas nas atividades das quais participam os trabalhadores
menos qualificados, enquanto nos países mais iguais, as vanta-
gens residem nas atividades das quais participam os trabalha-
dores mais qualificados (Beyer; Rojas; Vergara, 1999).
Em outro enfoque abordado por Boix (2011) existe uma
discussão importante a respeito dos efeitos da globalização
econômica do ponto de vista da oferta e da demanda por re-
distribuição. Em relação ao primeiro, a oferta de redistribui-
ção deve diminuir, pois a capacidade dos estados perseguirem
políticas econômicas autônomas dentro de seu próprio país
é prejudicada pela integração global, uma vez que se veem
constantemente ameaçadas pela possibilidade dos fatores de

A democracia reduz a desigualdade econômica?  57


produção, sobretudo o capital, migrarem para outros países na
presença de políticas que afetem suas respectivas margens de
lucro, como, por exemplo, uma política que aumenta a trans-
ferência de renda da elite para segmentos menos favorecidos
da sociedade25.
Wood (1994) atribuiu o crescimento da desigualdade
nos últimos quarenta anos nas economias mais desenvolvidas
ao resultado da globalização e à crescente competição com
as economias em desenvolvimento, que possuem vantagens
comparativas na produção de bens trabalho-intensivo, o que
resulta numa redução dos salários dos trabalhadores pouco e
semiqualificados nas economias mais avançadas. Autor (2010)
e Spence e Hlatshwayo (2012) mostraram que o processo de
globalização está associado a uma crescente polarização do
emprego e salário entre os setores econômicos da América do
Norte e Europa.
Por outro lado, do ponto de vista da demanda por re-
distribuição, quanto maior for o efeito da globalização sobre o
aumento da desigualdade econômica, maior será a demanda
por políticas redistributivas e por taxações que compensem
os perdedores nacionais do jogo econômico global. Cameron
(1978) observou que o melhor preditor do tamanho do setor
público (fração do PIB) entre o período de 1960-1975 é o grau
de abertura econômica, mensurado pela soma das exportações
e importações sobre o próprio PIB. O mesmo foi encontrado

25
Em um dos modelos formais em Boix (2011), a globalização da economia
nacional restringe os graus de liberdade do governo na elaboração de políticas
redistributivas, ao reduzir a margem de imposto possível de ser aplicado. Ao se
considerar que a mobilidade internacional dos ativos importa é esperado que o
orçamento público se baseie mais nos setores específicos, como o próprio tra-
balho, do que nos menos específicos, como o capital. Isto porque esse último é
mais apto a deslocar-se dentro da economia globalizada que o primeiro.

58  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


por Rodrik (1996), que mostrou que quanto maior o risco ex-
terno decorrente das flutuações econômicas internacionais,
maior é o setor público, uma vez que o emprego e a renda de-
rivada deste setor não se correlacionam com choques externos
de curto prazo.
Garret (1998b) também associa o tamanho do setor
público com a abertura comercial, enquanto Mares (2005)
encontra uma associação entre a introdução de esquemas de
proteção social em decorrência da maior abertura. Adserà e
Boix (2002) desenvolvem o argumento de que a abertura co-
mercial só ocorre se os beneficiários oferecem compensações
aos perdedores. Boix (2011) relata como a abertura comercial
esteve associada à introdução de mecanismos de compensa-
ção no Reino Unido, Escandinávia, Austrália e Nova Zelândia
entre 1830 e 1950 e na Europa do Sul entre 1930 e 1980. Por
fim, Avelino, Brown e Hunter (2005) mostram que uma maior
abertura econômica se correlaciona com maiores gastos so-
ciais e educação na América Latina entre 1980 e 1999.
Boix (2011) inclusive aponta que este descompasso en-
tre os efeitos da globalização sobre a demanda e oferta de re-
distribuição está nas raízes do descontentamento que certos
setores da sociedade têm em relação ao mundo globalizado.
O descontentamento de certos grupos decorre da percepção
dupla de que a globalização impõe custos sociais e ao mesmo
tempo reduz a capacidade de ação dos governos nacionais gas-
tar tal como os cidadãos, no caso o eleitor mediano, preferem,
pois limitam os graus de liberdade de taxar, tornando pior o
bem-estar daqueles que perdem com a integração econômica.
Hobsbawn (2007) aponta os efeitos negativos da globa-
lização em termos da expansão da desigualdade econômica
da seguinte forma, inclusive trazendo potenciais repercussões
políticas danosas para estabilidade dos regimes políticos:

A democracia reduz a desigualdade econômica?  59


A globalização acompanhada de mercados livres, atual-
mente tão em voga, trouxe consigo uma dramática acen-
tuação das desigualdades econômicas e sociais no inte-
rior das nações e entre elas. Não há indícios de que essa
polarização não esteja prosseguindo dentro dos países,
apesar de uma diminuição geral da pobreza extrema. Este
surto de desigualdade, especialmente em condições de
extrema instabilidade econômica, como as que se criaram
com os mercados livres globais na década de 1990, está na
base das importantes tensões sociais e políticas do novo
século. (Hobsbawn, 2007, p. 11).

Posto tal debate bastante polarizado e pouco consensual


sobre as relações das três variáveis de interesse: mercados, de-
mocracia e globalização; apontamos a necessidade de se con-
trolar os efeitos que a economia de mercado e a expansão da
globalização econômica têm na relação entre democracia e de-
sigualdade. Assim, no próximo capítulo apresentamos a abor-
dagem com a qual tentamos eliminar as relações de confusão
que as variáveis de mercado e globalização impõem à capa-
cidade da democracia em reduzir a desigualdade econômica
dentro de uma determinada sociedade.

1.6 Causalidade reversa: os efeitos da desigualdade sobre os processos


de democratização

O último problema teórico a ser tratado neste capítulo


decorre da existência de uma vasta literatura que busca ana-
lisar os efeitos da desigualdade como determinante dos pro-
cessos de democratização. Nessa literatura a desigualdade é
tratada como um entrave à possibilidade de um país tornar-
-se democrático, uma vez que quanto mais desigual for o país,

60  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


mais a elite econômica tem a perder com a adoção do sufrágio
universal em eleições competitivas nas quais as massas podem
atuar livremente.
Nessas circunstâncias as sociedades com um alto grau
de desigualdade não seriam um terreno fértil para a demo-
cracia. Modelos teóricos elaborados por Carles Boix (2003) e
Acemoglu e Robinson (2006) tomaram como base o modelo
de Meltzer e Richard e propuseram que o aumento da desi-
gualdade tende a reduzir a probabilidade de uma ditadura
transitar para um sistema democrático. Isto porque a ameaça
de redistribuição de riqueza com a adoção do voto majoritário
livre e a transferência do poder para as massas estimula a ado-
ção de soluções antidemocráticas pelas elites política e econô-
mica, que temem a expropriação de suas riquezas.
A lógica formal teórica da relação entre renda média e a
renda mediana do modelo redistributivo de Meltzer e Richard
é a mesma aplicada nos estudos sobre a transição democrática,
que frequentemente enquadram as transições entre democra-
cia e ditadura como uma disputa redistributiva (Boix, 2003),
(Acemoglu; Robinson, 2006) e (Houle, 2009). Estas
abordagens atualizaram os estudos de Barrington Moore (1966)
e Rueschemeyer, Stephens e Stephens (1992) ao modelarem as
formas nas quais as receitas do governo interagem com as de-
mandas da sociedade e como o estado democrático pode servir
como um compromisso crível com a redistribuição no futuro.
Boix (2003) propõe uma relação linear negativa entre
desigualdade e democratização: quanto mais desigual for um
país, menor será a probabilidade de ocorrer uma transição de-
mocrática. Os efeitos da desigualdade só são atenuados quan-
do parte da riqueza da elite se encontra em tipos de capital
que não são fixos (como, por exemplo, capital financeiro), uma

A democracia reduz a desigualdade econômica?  61


vez que a flexibilidade de movimentação possibilita à elite eco-
nômica uma rota de fuga caso o poder político deseje extrair
parte de sua propriedade. Assim, o cenário no qual a demo-
cratização é menos provável é justamente aquele no qual existe
uma grande desigualdade econômica e a riqueza da elite é ba-
seada em um capital fixo, como terra, que pode ser facilmente
taxado e extraído pelo poder político.
Por sua vez Acemoglu e Robinson (2006) propõem que
existe uma curva em formato de U-invertido entre desigual-
dade e probabilidade de democratização. Nas sociedades mais
iguais as camadas populares não demandam maiores direitos
políticos, pois a distribuição de recursos é equitativa e a ob-
tenção do poder político não melhorará o bem-estar dos des-
favorecidos e assim a probabilidade de democratização é bai-
xa. Por outro lado, nas sociedades mais desiguais, ainda que
exista uma forte demanda por redistribuição pelas camadas
mais pobres, os custos da tolerância política da elite em rela-
ção à maioria pobre são muito altos e uma solução autoritária
e repressora emerge. Por fim, apenas nas sociedades mediana-
mente desiguais há uma maior probabilidade de democrati-
zação, uma vez que os custos de repressão são maiores que os
custos da redistribuição e, além do mais, as massas possuem
incentivos suficientes para se mobilizarem e organizarem. As-
sim, quando o problema de ação coletiva das massas for su-
perado, a elite política e econômica responde às demandas
por redistribuição econômica com a transferência do poder
político para as massas.
O ponto fundamental do argumento de Boix e Acemo-
glu e Robinson é de que apenas com a efetiva transferência de
poder da elite para as massas é que a redistribuição deman-
dada tornar-se-ia crível. Mais uma vez, tal como na literatura

62  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


que analisa os efeitos da democracia sobre a redistribuição, é
feito um silogismo perfeito entre a igual distribuição de di-
reitos políticos e a igual distribuição de recursos econômicos.
Por outro lado, ainda que do ponto de vista teórico exista uma
provável endogenia na relação entre democracia e desigualda-
de, do ponto de vista empírico a hipótese sobre quais são os
efeitos da democracia sobre a desigualdade ainda é disputada.
Adotando diferentes abordagens Houle (2009) não encontra
uma associação clara entre desigualdade e democratização
política, ainda que encontre uma relação entre igualdade e
consolidação democrática. Já Ansell e Samuels (2010 e 2014)
apresentam uma contraposição teórica na qual o aumento da
desigualdade econômica está associado ao surgimento de uma
classe média e, portanto, tende a aumentar a probabilidade de
democratização de uma dada sociedade, invertendo completa-
mente o modelo redistributivista de Meltzer e Richard.
O trabalho de Ansell e Samuels (2010 e 2014) parte de
uma constatação empírica poderosa. Enquanto a desigualdade
na Inglaterra no século XIX tinha um GINI de 0.51, a desi-
gualdade na China era de 0.24 e, como sabido, a probabili-
dade de surgimento de um regime democrático era maior no
primeiro caso. Essa ponderação decorre do fato que as novas
classes que surgem no processo de modernização econômica
(a burguesia e a classe trabalhadora) possuem uma renda su-
perior à renda do eleitor mediano. Desta forma, o surgimento
dessas novas classes que demandam por proteção contra a au-
toridade despótica do governo está associado a um aumento
da desigualdade econômica e não a um aumento da igualdade.
Assim, Ansell e Samuels reveem as suposições teóri-
cas do modelo redistributivo e colocam como questão chave
no processo de democratização o medo de expropriação por

A democracia reduz a desigualdade econômica?  63


parte da burguesia que surge a partir da modernização eco-
nômica contra os poderes absolutistas do Estado. Isto porque
o aumento do coeficiente de GINI em países em desenvolvi-
mento reflete o surgimento de uma classe média, mesmo que
a maioria da população ainda permaneça na pobreza. Desta
forma, o potencial eleitor mediano em sociedades em desen-
volvimento é sempre um membro da classe mais empobreci-
da e que não participa e nem tem voz no mundo da política,
colocando em questão todos os modelos redistributivos que
fazem suas previsões a partir da preferência por redistribuição
do eleitor mediano em situação autoritária.
Desta forma, o processo de democratização não se daria
por intermédio da lógica da redistribuição, mas sim a partir da
criação de uma classe média (composta pela burguesia e/ou a
classe trabalhadora), que exigiria proteção contra as arbitrarie-
dades do poder autocrático. Portanto, a ameaça fundante da de-
mocracia não foi a ameaça de redistribuição, mas sim a ameaça
de extração. A democratização não foi sobre redistribuição, mas
sim sobre taxação sem representação: um conflito entre elites
econômicas rivais sobre o controle da autoridade coercitiva e
expropriativa do Estado. O fundamento da democracia seria,
portanto, o temor à ameaça à liberdade e à propriedade e não o
ideal de transformação do poder político em igualdade econô-
mica (Ansell; Samuels, 2010; 2014).

Neste capítulo apresentamos uma pequena amostra da


vasta literatura que trata do tema da desigualdade econômica e
de algumas das polêmicas que envolvem o debate. A longa lis-
ta de estudos demonstra a importância do tema na economia

64  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


política comparada e como a discussão sobre a relação entre
democracia e igualdade econômica é vasta e controversa. Nas
primeiras seções apresentamos como a democracia é tratada
na literatura da ciência social como um mecanismo de redu-
ção de disparidades econômicas, assumindo quase que um
silogismo de que a igualdade política tem como consequên-
cia inevitável a igualdade econômica. Nas seções seguintes
apresentamos novos problemas teóricos que mostram que a
associação entre igualdade política e igualdade econômica não
pode ser feita de maneira tão direta e inequívoca.
A presença de uma associação empírica entre liberda-
de política e liberdade econômica introduz ao problema uma
série de dificuldades para que quaisquer tipos de sistemas
políticos democráticos produzam a tão esperada igualdade
econômica, uma vez que a existência de um sistema de trocas
institucionalizado a partir de relações de mercado tem como
consequência principal a criação de desigualdades. Problemas
que se tornam ainda mais complexos com a globalização das
relações políticas e econômicas e com os efeitos dos diferentes
choques tecnológicos, que em algumas vezes melhoram a si-
tuação do trabalho, vis-à-vis do capital, e em outras vezes têm
como consequência uma aceleração dos processos fomentado-
res de desigualdade.
Por fim, apresentamos a literatura que analisa a rela-
ção inversa ao interesse desta pesquisa. Existe importante,
ainda que recente discussão sobre os efeitos da desigualdade
econômica no processo de democratização em sociedades
autoritárias, embora não seja possível assumir com clareza
quais são os verdadeiros efeitos do crescimento da desigual-
dade para a inauguração e consolidação de democracias, uma
vez que os achados de Ansell e Samuels (2010; 2014) vão na

A democracia reduz a desigualdade econômica?  65


contramão do modelo redistributivo de Boix (2003) e
Acemoglu e Robinson (2006).
Com efeito, no próximo capítulo apresentamos uma
nova proposta teórica a respeito da relação entre democracia
e desigualdade, de forma a mediar os efeitos do debate sobre
a desigualdade entre outras dimensões que também impor-
tam no mundo da política, tal como desenvolvimento, cres-
cimento, etnicidade e outras clivagens políticas. Em seguida,
introduzimos a metodologia de pesquisa que busca investigar
os diferentes problemas levantados nesse capítulo e na seção
teórica do próximo. Por fim, no terceiro capítulo, finalizamos a
introdução do problema ao apresentarmos quais são os requi-
sitos, conceitos e critérios utilizados para mensurar o sistema
político e o tamanho da desigualdade econômica de determi-
nado país em determinado ano.

66  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Capítulo 2

Teoria e metodologia

Após a breve discussão de alguns dos principais debates


da economia política comparada sobre a desigualdade, neste
capítulo apresentamos a contribuição teórica e a metodologia
adequada para analisar as nossas hipóteses de pesquisa, expos-
tas ao fim da seção 2.1.
Na primeira seção discutimos um tema pouco explora-
do no debate sobre a relação entre democracia e desigualdade:
as condições necessárias para a competição política partidária
ser realizada sobre o tema da desigualdade econômica. O pon-
to de partida teórico é o diagnóstico de que até agora a litera-
tura sobre o tema parte de um pressuposto entre democracia e
desigualdade que embora possa ser testado ainda não foi ava-
liado adequadamente: a homogeneidade dos efeitos da demo-
cracia ao longo da distribuição da desigualdade econômica.
Isto é, se de fato o efeito da democracia sobre a desigualdade é
o mesmo em sociedades iguais, em sociedades medianamente
desiguais e em sociedades muito desiguais. A nossa aborda-
gem teórica tentará responder esta questão fundamental para
se compreender corretamente quais são os reais efeitos da de-
mocracia sobre a desigualdade econômica.
Na segunda seção apresentamos a metodologia da re-
gressão quantílica que é a mais adequada para testar as hipó-
teses rivais da homogeneidade ou heterogeneidade dos efei-

 67
tos da democracia ao longo da distribuição da desigualdade
econômica. Além disso, apresentamos também o ferramental
metodológico de variável instrumental a partir do qual lida-
mos com o problema da causalidade inversa na relação entre
democracia e desigualdade, de forma a verificarmos o que de
fato é efeito da democracia sobre a desigualdade e não apenas
reflexo dos próprios limites que o excesso de desigualdade eco-
nômica coloca na criação de sistemas políticos democráticos.

2.1 Ativando a desigualdade como tema eleitoral

A principal contribuição teórica da pesquisa é preencher


a lacuna existente na literatura de economia política compara-
da a respeito da suposição, não testada, de que os efeitos da
democracia sobre a desigualdade são homogêneos ao longo de
diferentes contextos de desigualdades. Contudo, tal suposição
não parece ser crível quando trazemos à baila o problema da
multidimensionalidade da política democrática e ponderamos
acerca de quais são as condições que estimulam o surgimento
de uma demanda por redistribuição entre o eleitorado e, de
outro lado, um interesse partidário em ofertar plataformas e
políticas públicas que tratem diretamente deste problema so-
cioeconômico. Posto isso, desenvolvemos a hipótese de que os
efeitos da democracia sobre a desigualdade variam ao longo do
próprio eixo da desigualdade econômica, sendo mais efetivos
justamente nas sociedades mais desiguais, justamente aquelas
nas quais existe maior possibilidade de surgir uma demanda e
uma oferta por políticas redistributivas.
A construção desta proposta teórica parte de uma con-
cepção minimalista e procedimental de democracia. Ao longo

68  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


de toda pesquisa associamos o regime político democrático
ao próprio processo de definição das lideranças e autoridades
políticas via eleições. Desta maneira, a democracia é defini-
da basicamente como um regime no qual as posições centrais
de governo são preenchidas segundo os resultados de eleições
competitivas, livres, certas e justas (Przeworski, 1991;
Vreeland, 2003; Schumpeter, 2013)
Esta definição possui dois elementos fundantes: posi-
ções centrais de governo e competição política por meio de
eleições. As posições centrais são os órgãos fundamentais da
vida política de qualquer comunidade – os postos responsá-
veis pela criação e execução das leis. E para um regime ser de-
mocrático é necessário que o preenchimento das cadeiras nos
corpos legislativo e executivo seja realizado por meio de um
método eleitoral aberto e competitivo. Isto porque a existência
de competição política indica a concorrência dos agentes po-
líticos por esses postos, de forma que exista oposição ao atual
governo cujas chances de vitória são reais26.
Diante desta definição de democracia como competição
política, uma importante questão para a discussão da relação
entre democracia e desigualdade foi, a nosso ver, deixada de
lado pela literatura. Quais são as condições nas quais às lide-
ranças partidárias de fato optam por destacar a questão da de-
sigualdade econômica como argumento eleitoral em busca da

26
As eleições necessitam de três condições fundamentais para cumprir com seu
papel de mecanismo competitivo de definição das posições centrais do governo:
i) incerteza ex ante de quem seja o vitorioso da competição eleitoral; ii) irrever-
sibilidade ex post do resultado da competição eleitoral; e iii) repetitividade da
competição eleitoral. Estas três características fundamentais determinam se as
eleições são competitivas, livres, certas e justas. Uma justificação mais porme-
norizada das razões teóricas e metodológicas da escolha da definição minima-
lista e procedimental de democracia é apresentada no Capítulo 3.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  69


obtenção de votos e apoio dos cidadãos e elaboram políticas
públicas para reduzi-la? Propomos que essas condições se re-
lacionam ao contexto socioeconômico que estimula (ou não)
a oferta de plataformas políticas por parte das elites políticas e
também cria ou arrefece a demanda por algum tipo de ação re-
distributiva no seio da cidadania, isto é por todos aqueles que
participam da decisão sobre quem ocupa as posições centrais
do governo27.
Do lado da oferta de plataformas políticas, é necessá-
rio incorporar a análise do cálculo do custo e benefício para
os partidos das diferentes estratégias eleitorais disponíveis e
quando se torna interessante para os competidores elaborar
um discurso que tenha como centro o debate sobre a desigual-
dade econômica. Já do lado da cidadania, a massa de eleitores,
é necessário observar quais são as condições que estimulam o
surgimento de uma demanda política por redistribuição eco-
nômica na maior parte do eleitorado. Caso não se verifique si-
multaneamente uma demanda por redistribuição e um ganho
político por parte dos partidos com a oferta de plataformas
que atendam a esta demanda, não é esperado que a competi-
ção democrática tenha qualquer impacto sobre a distribuição
de recursos econômicos.
Para tal, assumimos o pressuposto, a nosso ver não res-
tritivo, de que em toda e qualquer comunidade política existe
uma miríade de temas que podem ser politizados no debate
entre os partidos e a cidadania. Assim, não é em qualquer
momento ou contexto socioeconômico que a questão da desi-
gualdade econômica será trazida à tona e recursos públicos e

27
Usaremos o termo cidadania, massa de eleitores e eleitorado como sinônimos
que se referem ao conjunto de indivíduos aptos a exercer o direito político do voto.

70  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


partidários serão despendidos com o intuito de minimizá-la.
Outros problemas políticos latentes podem ser estimulados
pelas lideranças políticas ou mesmo demandados pela própria
cidadania. Exemplos são questões relacionadas à seguran-
ça nacional, os imperativos do desenvolvimento econômico,
a defesa de princípios étnicos ou religiosos, separatismos ou
mesmo a manutenção da unidade nacional, entre outros.
Piketty (2014) exemplifica esse fato ao lembrar que no
período pós-Segunda Guerra Mundial, o debate político na
Europa Ocidental era essencialmente voltado para o esforço
de reconstrução nacional e não para os problemas da desigual-
dade econômica. Ademais, a própria questão da desigualda-
de econômica pode ser vista segundo outros prismas que não
o problema da distribuição dos recursos entre os cidadãos.
Gilens (2009) apresenta dados que relacionam o debate
norte-americano sobre o estado de bem-estar social com a
questão racial e econômica. A principal consequência desta as-
sociação entre pobreza e raça nos EUA foi reduzir a suscetibi-
lidade política do argumento igualitário em uma sociedade na
qual a raça é um componente importante do debate político28.
Desta forma, o pressuposto assumido pelo modelo re-
distributivo de Meltzer e Richard (1981), de que a política
ocorre em uma única dimensão ideológica, pode ser uma hi-
pótese demasiadamente forte29. Com efeito, o pressuposto da

28
Poole e Rosenthal (2001) mostraram que os votos dos congressistas america-
nos desde 1789 são melhor explicados por duas dimensões: a questão tributária
e a questão racial (escravidão antes da Guerra Civil e integração/direitos civis
depois). Mais de 85% da variância dos votos no congresso estadunidense são
explicados por essas duas dimensões.
29
No capítulo 1 apresentamos uma descrição mais pormenorizada sobre o mo-
delo redistributivo de Meltzer e Richards e uma discussão crítica a respeito da
validade de suas conclusões teóricas.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  71


unidimensionalidade é assumido como ferramenta heurística
de simplificação da realidade política, visando facilitar a mo-
delagem ou teorização informal sobre os principais efeitos e
padrões da competição político-eleitoral. Contudo, ao assumir
este pressuposto simplificador e deduzir implicações teóricas
sobre os efeitos da competição política unidimensional nas
eleições e no próprio desenrolar do sistema político analisado,
é necessário o retorno à realidade sensorial para verificar se
essas implicações teorizadas encontram respaldo empírico30.
O modelo do eleitor mediano apresentado por Hotelling
(1929) e refinado por Downs (1957) é a ferramenta tradicional
para o estudo do impacto da competição eleitoral nas socie-
dades democráticas e é o framework a partir do qual Meltzer e
Richard elaboram o modelo redistributivo. O modelo do elei-
tor mediano assume uma competição política unidimensional
e propõe a existência de um contínuo político, polarizado en-
tre esquerda e direita, com um único equilíbrio: a apresenta-
ção pelos partidos de plataformas eleitorais de acordo com as
orientações ideológicas do eleitor mediano (assumindo uma
competição bipartidária).
Analisando a relação entre taxas de tributação e trans-
ferências de renda, Meltzer e Richard (1981) mostram que o
ponto de equilíbrio do tamanho do governo em uma dada
sociedade democrática seria definido pela distância da renda
do eleitor mediano à renda média da população. Existindo,

30
Piketty (2014) aponta problemas semelhantes ao estudar a evolução da desi-
gualdade econômica nas economias mais desenvolvidas. Para o autor a ciência
econômica norte-americana (sobretudo) nas últimas décadas dedicou-se exces-
sivamente ao desenvolvimento de modelos teóricos, deixando de lado a verifi-
cação empírica das implicações postuladas.

72  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


portanto, uma tendência à redistribuição do topo para a base,
uma vez que a curva de renda é usualmente desviada para
a esquerda. Assim, em qualquer regra de votação na qual o
eleitor mediano possui renda menor do que a renda média,
existiriam incentivos para a redistribuição por meio da taxa-
ção dos mais ricos.
Ainda que não desejemos criticar o valor pedagógico
da simplificação unidimensional, é preciso reconhecer que
o tema que divide este espectro ideológico nem sempre é o
mesmo, dependendo das circunstâncias e contextos nos quais
a competição política ocorre. Em uma democracia, é razoá-
vel supor que a apresentação de quaisquer pautas políticas e
mesmo a criação de políticas públicas com foco no horizonte
eleitoral é feita em direção a temas que tenham um maior po-
tencial de atração de votos. E o mesmo acontece com a desi-
gualdade econômica.
O suposto de Meltzer e Richard (1981) de que a com-
petição eleitoral sempre se dá sempre em torno das diferen-
ças entre a renda média e a renda mediana de determinada
comunidade política não reflete o fato que essa diferença só
será politizável dadas certas circunstâncias socioeconômicas.
Por exemplo, o próprio nível absoluto da distância entre a
renda do eleitor mediano e a renda média e a não existên-
cia de debates e tensões que dividem a metade inferior da
distribuição de renda em outras clivagens políticas além da
questão redistributiva31.

31
A evolução da opinião pública polonesa sobre a desigualdade ao longo da
década de 1990 é clara sobre isso. No início do processo de democratização e
transformação econômica a desigualdade foi enxergada segundo um viés po-
sitivo: reflexo da ampliação das oportunidades com as reformas econômicas
pós-comunistas. Com o passar do tempo a tolerância à crescente desigualdade

A democracia reduz a desigualdade econômica?  73


Ademais, os resultados dos testes empíricos sobre o mo-
delo redistributivo foram insatisfatórios. As análises realiza-
das encontram um resultado absolutamente distinto daquele
preconizado pelo modelo teórico. São justamente as socieda-
des mais igualitárias que tendem a produzir maior redistri-
buição do que as sociedades mais desiguais (Beramendi;
Anderson, 2008) ainda que exista, como já referido no ca-
pítulo 1, um problema primordial na análise dos determinan-
tes da redistribuição, uma vez que o modelo redistributivo é
essencialmente estático. Como foi proposto por Bergh (2005),
a política redistributiva afeta também a renda pré-tributação
no futuro e não apenas a pós-tributação no presente.
Recentemente, a própria indisposição tradicional do
eleitorado estadunidense às políticas relacionadas ao Estado de
Bem-estar Social começou a ser dissipada com o incremento
constante da desigualdade econômica no país ao longo das úl-
timas três décadas. Com o aumento da distância entre a renda
média e a renda do eleitor mediano, nos conceitos do modelo
de Meltzer e Richard, o problema da desigualdade econômica
deixou de ser circunscrito a certos grupos minoritários hosti-
lizados socialmente e passou a ser temática central no debate
político nacional. Esse fenômeno é exemplificado no discurso
do Presidente Barack Obama ao Congresso americano em ja-
neiro de 2014, no qual o tema da desigualdade foi o foco cen-
tral da mensagem (Baker, 2014)32.

reduziu-se, coincidindo com o crescimento da percepção de que rendimentos


elevados eram oriundos de corrupção e outros processos injustos (Grosfeld;
Senik, 2010).
32
Em 2012, pela primeira vez uma espécie de proteção universal pública no
campo da saúde foi aprovada, indicando que o tema da desigualdade social
começou a ganhar fôlego em decorrência do agravamento da crise econômica
e também do aumento da celeridade do crescimento da desigualdade. Outro

74  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Além de a competição eleitoral ser aberta a diferentes
clivagens, a própria economia política da redistribuição dos
recursos dentro de uma dada sociedade é multidimensional.
Isto porque a decisão do esforço de redistribuição de renda
ativa múltiplas clivagens sociais que são distintas da mera di-
ferenciação de rendimentos entre as classes baixas, medianas
e altas. Por exemplo, a política redistributiva pode incluir ar-
gumentos em defesa ou contrários ao aumento das despesas
que sejam motivadas por questões raciais, de gênero, renda ou
relações de centro e periferia. E conforme demonstrado por
Roemer (1998) o sucesso da temática redistributiva está asso-
ciado com a sua ortogonalidade em relação a outras clivagens
que dividem o eleitorado.
Alesina, Bair e Easterly (2000) mostraram, inclusive,
que dentro dos Estados Unidos a demanda por redistribuição
em cada cidade é afetada pela extensão da fragmentação etno-
linguística da população. Retornando a Gilens (2009), o autor
mostra em seu argumento que parte da população estaduni-
dense considerava – durante os anos 1990 – que o segmento
social receptor de benefícios da política social era composto
majoritariamente por aqueles que não assumiam a responsa-
bilidade pelo próprio aperfeiçoamento pessoal e que não deve-
riam se fiar no apoio governamental. Sublinhavam ainda que
as políticas de proteção social colocavam um peso desnecessá-
rio nas costas da classe média pagadora de impostos.
De maneira geral, os estadunidenses não defendiam a
ampliação de políticas de bem-estar social, pois acham que

elemento que indica a crescente importância da temática da desigualdade no


debate político estadunidense é o papel ocupado pelo movimento Occupy Wall
Street e seu slogan: We are the 99% (Piketty, 2014).

A democracia reduz a desigualdade econômica?  75


esses programas apoiariam os pobres indignos do apoio do
estado. E a percepção a respeito de quem seriam os pobres in-
dignos possuía dois componentes básicos: a maior parte dos
receptores dos benefícios seriam os negros e a opinião pública
tem a percepção de que os negros são menos comprometidos
com a ética do trabalho do que os outros estadunidenses. Exis-
tia, portanto, uma percepção generalizada de que o bem-estar
tornou-se uma palavra código para raça. Gillens conclui que a
oposição à ampliação das políticas redistributivas estava mais
associada ao problema racial do que a própria antipatia do
eleitorado à redistribuição.
Em outro corte teórico, Thomas Frank (2007) analisa
essa questão da multidimensionalidade da política democrá-
tica ao discutir como a dimensão dos valores sociais no inte-
rior dos Estados Unidos (debate que perpassa questões como
a permissão do aborto e do casamento homoafetivo e políticas
migratórias) se sobrepõe aos interesses econômicos do eleitor
médio. Segundo o argumento do autor, o conservadorismo na
dimensão dos valores sociais é proeminente ao passo que a di-
mensão econômica é deixada de lado. Assim, o interior dos Es-
tados Unidos se mantém fortemente republicano, mesmo que
as políticas econômicas defendidas pelo Partido Republicano
tenham prejudicado o eleitor decisivo dessa região.
Robinson (2009) discute esse ponto e o apresenta como
um dos principais problemas dos modelos redistributivos ba-
seados no teorema do eleitor mediano. Para o autor, a inclusão
de novas dimensões do debate político permite o surgimento
de clivagens transversais que reduzem a demanda por redis-
tribuição por parte da cidadania. Assim, dada a multidimen-
sionalidade da competição política, as previsões do modelo
redistributivo do eleitor mediano tornam-se nebulosas. Isto

76  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


porque os cidadãos possuem diferentes interesses em jogos
na definição de qual deve ser a política pública a ser adotada,
produzindo uma gama variada de preferências sobre essa te-
mática, inclusive em alguns momentos defendendo posições
políticas sobre assuntos que tem como consequência reduzir
o seu próprio rendimento econômico final (Bartels, 2008).
Beramendi e Anderson (2008) resumem esta questão:

Nossa habilidade para entender os aspectos intrincados


das políticas distributivas aumentam uma vez que mais
dimensões são incorporadas no modelo. Exemplos disso
incluem o enigma de porque os pobres não expropriam
os ricos em regimes democráticos (Roemer, 1999;
2009), o papel da renda, aversão ao risco e habilidades
específicas dos cidadãos alterando suas preferências
pela redistribuição da renda do trabalho (Iversen;
Soskice, 2001; Moene; Wallerstein, 2001) e
dos empregadores (Swenson, 2002; Mares, 2003); e
a interação entre raça e as preferências por redistribui-
ção de diferentes grupos de renda (Austen-Smith;
Wallerstein, 2003; Alesina; Glaeser, 2004).
(Beramendi; Anderson, 2008, p. 10).

Partindo de percepção semelhante a respeito do pro-


blema da multidimensionalidade da disputa política demo-
crática, Roemer (1998) propõe um modelo bidimensional
entre dois partidos no qual a competição política acontece
entre as dimensões redistributiva e outra qualquer, podendo
ser esta conflagrada pelo tema da escravidão, integração, reli-
gião, nacionalismo ou mesmo a disputa por valores morais33.

33
Laver e Hunt (1992) apresentam evidências de que a política é multidimen-
sional em um conjunto de 20 países. Kitschelt (1994) discute o fato de que nos
últimos 30 anos na Europa a política pode ser compreendida como sendo bidi-
mensional. De um lado um eixo redistributivo e do outro um eixo de valores

A democracia reduz a desigualdade econômica?  77


Ao tentar resolver o modelo n-dimensional, Roemer demons-
tra claramente a inexistência de um único equilíbrio na linha
do modelo redistributivo de Meltzer e Richards. Ademais,
além do próprio problema da dimensionalidade da disputa
política, Roemer (1998) lista outras possíveis hipóteses en-
contradas em sua revisão da literatura que explicariam a não
aplicação dos modelos redistributivos na realidade histórica
contemporânea:
a) eleitores reconhecem a dinâmica adversa decorrente
dos efeitos de expropriar os ricos, que possuem talen-
tos produtivos escassos e que deixariam de ser ofertados
mediante uma política tributária muito ofensiva, o que
reduziria o output total da economia34;
b) muitos eleitores cuja renda é menor que mediana tem
a expectativa de que vão enriquecer e, portanto, defen-
dem o seu futuro bem-estar;
c) os ricos possuem instrumentos de convencimento do
resto da cidadania, disseminados por meio da mídia –
controlada pelas elites econômicas, de que a redistribui-
ção não seria boa para a comunidade política como um
todo; e finalmente

entre posições mais autoritárias e posições mais libertárias, sendo que ambas
dimensões tendem a ter uma relação ortogonal entre si. Por sua vez, Kalyvas
(1996) e Przeworski e Sprague (1986) argumentam que entre 1880 e 1940 a po-
lítica europeia teve como dimensões fundamentais a dimensão redistributiva e
a dimensão religiosa.
34
Przeworski e Wallerstein (1988) desenvolvem este problema como o poder
estrutural do capital em democracias capitalistas. Existe um limite às políticas
redistributivas que é não ameaçar o papel da decisão privada e descentralizada
do capital sobre a taxa de investimento, o que tem consequências de médio pra-
zo sobre o desempenho econômico afetando, assim, a sustentação política do
governo de plantão.

78  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


d) os cidadãos acreditam que as pessoas ricas – e de fato
todos – merecem a riqueza que possuem, e, portanto, as
taxas de imposto muito elevadas seriam antiéticas.

Inclusive do ponto de vista formal, a partir da inclusão


de múltiplas dimensões nos conflitos políticos eleitorais, teo-
ristas sociais como Kenneth Arrow demonstram que regras
eleitorais não ditatoriais produzem preferências coletivas irra-
cionais, refutando, entre outras coisas, o próprio requisito da
transitividade das preferências sociais coletivas. O equilíbrio
do teorema do eleitor mediano supõe como hipótese que a po-
lítica ocorre estritamente em uma única dimensão. Se as prefe-
rências dos cidadãos não forem unidimensionais, a regra não
ditatorial não leva a nenhum equilíbrio específico, indicando
claramente a irrazoabilidade das preferências coletivas na pre-
sença de múltiplas clivagens eleitorais e das próprias conclu-
sões do modelo redistributivo (Arrow, 1963; Sen, 1970).
Por outro lado, ainda que a política não ocorra em uma
única dimensão e a questão da redistribuição não possa ser
considerada sempre importante, o debate democrático não é
caótico, pois além das potenciais demandas gestadas no seio
da cidadania, é preciso observar o lado da oferta e, logo, como
os partidos enquadram em plataformas e políticas públicas as
dimensões latentes da cidadania. Não há incentivo para que
os partidos concorram tendo argumentos políticos elaborados
para um número vasto de dimensões e clivagens sociais.
A introdução de uma gama variada de temas tende a
criar dificuldades para os eleitores no processo de identifica-
ção de qual é a orientação do partido nas dimensões que lhe
são mais relevantes, impondo também um custo desnecessá-
rio aos partidos derivado da necessidade de se posicionar na

A democracia reduz a desigualdade econômica?  79


discussão sobre temas que não sejam de interesse de vasto nú-
mero de eleitores. Em outras palavras, os custos de fomento
do debate e difusão de imagens e ideias sobre muitas clivagens
podem ser maiores que os benefícios do potencial de conquis-
ta de eleitorado. Os partidos tendem, portanto, a eleger alguns
temas que sejam eleitoralmente mais lucrativos dentre o con-
junto de potencias dimensões que existem num dado contexto
socioeconômico35.
Posto isto, para se analisar a relação entre democracia e
desigualdade é necessário levarmos em conta tanto o lado da
demanda quanto o da oferta de redistribuição. Do lado da de-
manda é necessário analisar qual é o contexto socioeconômico
no qual uma parcela majoritária da cidadania apoia a adoção
de medidas redistributivas. E do lado da oferta, quando o cál-
culo do custo benefício da ação política sobre determinada
clivagem eleitoral é favorável. Isto é, qual é cenário socioeco-
nômico nos quais os temas redistributivos podem trazem mais
votos para os partidos políticos.
É necessária uma teoria sobre qual o contexto no qual
a política redistributiva está entre aquelas que são as mais
demandadas pela maior parte do eleitorado e ao mesmo tempo
são menos custosas para os partidos e, assim, podem ser

35
Ademais, a própria institucionalidade do Estado moderno contemporâneo
estimula que a atenção seja voltada em determinados momentos para certos
assuntos em detrimento de outros problemas e conflitos sociais. Para Breunig
(2011) devido a limitações cognitivas, os próprios decisores realizam uma busca
ordenada entre um conjunto limitado de alternativas e avaliam sequencialmente
um número finito de alternativas até que possam encontrar uma solução sufi-
cientemente boa para o problema percebido. E assim, no agregado, o modelo de
decisão sugere que a maioria das mudanças é marginal e em apenas determi-
nados momentos acontecem mudanças radicais em temas que tomam grande
proeminência na ordem política do dia.

80  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


utilizados pela propaganda política e foco de políticas públicas
que aumentem a probabilidade de manutenção do partido in-
cumbente nas posições centrais de governo.
Propomos que o tema da desigualdade econômica só
será demandado pela cidadania de maneira mais substantiva
nos ambientes eleitorais nos quais uma considerável parcela
dos eleitores for de fato sensível a essa temática. E isso ocorrerá
somente quando a distância entre pobres e ricos for tão ex-
tensa que a questão da desigualdade econômica torna-se pas-
sível de ser traduzida em termos de injustiça e desequilíbrio
social e não como consequência natural de outros elementos
positivamente valorizados pelos cidadãos36. Ou seja, quando a
distribuição de renda em uma dada sociedade for alvo passível
de abjeção social, existindo espaço (verídico ou não) para a
denúncia do uso das instituições políticas e econômicas para o
benefício de certos grupos específicos em detrimento do todo
social. E é plausível assumir que quanto maior for essa dis-
tância entre pobres e ricos – isto é quanto maior for a própria
desigualdade econômica; maior será o potencial eleitoral da
demanda por redistribuição pela cidadania, que passa a enxer-
ga as diferenças entre pobres e ricos sob uma lente política e
não apenas econômica.
Em complementação à demanda por redistribuição, a
oferta também é afetada de acordo com o aumento do grau de
desigualdade econômica de uma dada sociedade. O resultado
líquido do cálculo de custos e benefícios eleitorais varia posi-
tivamente com a expansão do fosso social que separa os ricos

36
Como, por exemplo, a competição via mercado em contextos políticos nos
quais os cidadãos tendem a valorizar os pontos positivos das relações mercantis
centradas na livre iniciativa e no retorno monetário de acordo com a produti-
vidade individual.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  81


dos mais pobres. O suposto subjacente a esta relação decorre
do fato de quanto maior for a desigualdade econômica dentro
de uma dada sociedade e mais justa e livres forem as eleições,
menores serão os custos que os partidos políticos enfrentam
na obtenção do apoio político e também dos votos das clas-
ses menos favorecidas na distribuição de renda. Isto porque a
falta de recursos desse grupo social torna necessário um me-
nor investimento para obter o apoio político de um indivíduo
desfavorecido do que o voto de alguém que pertença às classes
médias e altas.
Em sociedades democráticas e desiguais, a quantidade
de recursos necessários para obter o apoio das classes mais po-
bres é menor que os custos de atração das classes médias e altas,
o que torna a primeira estratégia mais interessante dado cons-
trangimentos naturais existente nos orçamentos partidários e
governamentais. Assim os partidos políticos que ativarem o
tema da desigualdade em termos de injustiça e desequilíbrio
social competirão para obter os votos da base da sociedade e
criarão políticas que reduzam a pobreza deste segmento, o que
terá como consequência um efeito negativo substantivo no ní-
vel de desigualdade econômica.
Uma ilustração desse argumento é obtida ao se anali-
sar os impactos positivos do Programa Bolsa Família (PBF)
no cenário eleitoral brasileiro. Enquanto os benefícios são bas-
tante reduzidos se olharmos os efeitos potenciais de aumento
de renda que trariam para famílias de classe média e classe
alta no Brasil, o programa foi extremamente importante na
superação da pobreza familiar em redutos de miséria no Bra-
sil. Desta forma, os grupos sociais atendidos pelo programa
corresponderam eleitoralmente votando maciçamente a favor

82  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


dos incumbentes nas eleições de 2006 e 201037. Os valores em
2010, ano da eleição da candidata governista Dilma Rousseff,
do PBF variavam entre R$ 70,00 a R$ 230,00 e focavam, so-
bretudo, as famílias com renda inferior à R$ 140,00 per capi-
ta38, o que obviamente definem valores que não trariam tantos
dividendos eleitorais se fossem transferidos para famílias de
classe média ou alta, que no Brasil possuem renda familiar su-
perior à R$ 7.475,00, perfazendo 15% da população brasileira
ou mesmo à classe média emergente (classe C), que constitui
60% da população brasileira e cuja renda familiar é superior à
R$ 1734,00 (Neri, 2012)39.
Diante destas ponderações, é necessário dar uma nova
interpretação às implicações teóricas obtidas a partir do teore-
ma do eleitor mediano, quando aplicado à questão da redistri-
buição. Diferentemente das conclusões de Downs e Hotelling
de que a política majoritária é determinada pela posição do
eleitor mediano, esse teorema delimita de fato o máximo po-
tencial da força dos mais pobres dentro de uma determinada
sociedade democrática. Isto porque, dada a sua pior posição
na escala de renda, estes grupos possuem menos recursos eco-
nômicos per capita para serem transferidos para o campo da
política. Assim, a única forma de conseguirem atingir e mo-
dificar o status quo do sistema político de fato é por meio da
atuação coletiva e coordenada. E o máximo de coordenação é
obtido quando todos os indivíduos abaixo da renda mediana

37
Uma literatura relativamente desenvolvida já captou efeitos relevantes e posi-
tivos do PBF no sucesso eleitoral de Lula em 2006 (Hunter; Power, 2007),
(Nicolau; Peixoto, 2007), (Zucco, 2008), (Licio; Rennó; Castro,
2009) e (Corrêa, 2010).
38
Ministério do Desenvolvimento Social
39
Estimativas populacionais para 2014. Em 2003 a Classe A e B perfaziam ape-
nas 7,6% da população. A Classe C 37.5% e as Classes D e E 55% (Neri, 2012).

A democracia reduz a desigualdade econômica?  83


votam conjuntamente para pressionar os líderes democráticos
em prol de determinada pauta eleitoral.
Contudo a metade mais pobre da distribuição de renda
sempre é suscetível a outras divisões decorrentes da existência
de outras clivagens – étnicas, raciais ou de valores – que sejam
temas importantes do debate político e que reduzam a capa-
cidade de ação conjunta dos mais pobres como um segmento
coeso e defensor da redução das disparidades econômicas.
Ademais, há vasta literatura que apresenta o papel de
empreendedores políticos para a ativação de certas clivagens
que rompem a unidade das populações menos favorecidas.
O exemplo acima citado do estudo de Thomas Frank (2007)
em sua leitura sobre a disputa eleitoral no interior dos Estados
Unidos é um claro exemplo disso. Outro estudo que mostra a
importância do papel do empreendedor político na ativação
de clivagens sociais é o estudo de Posner (2004) no qual são
discutidas as circunstâncias nas quais as divisões culturais e
identitárias tornam-se salientes40.

Dada essas ponderações é necessário rever alguns dos


achados empíricos apresentados nas seções anteriores e dos

40
Outra forma de entender as clivagens transversais que rompem a solidarie-
dade política entre os mais pobres além do diagnóstico de Frank (2007) é o con-
ceito de falsa consciência política adotado de longa data por teoristas políticos
marxistas. No que se refere ao debate sobre o papel das clivagens identitárias,
Posner (2004) usando um desenho de pesquisa quase-experimental defende a
hipótese de que a saliência política das clivagens culturais não depende da pró-
pria clivagem em si, mas sim do tamanho dos grupos e se esses grupos serão
uteis na competição política. Isto é, além da potencialidade divisória da dimen-
são identitária, é necessário que algum empreendedor político desempenhe o
papel de ativador do tema no debate político-eleitoral.

84  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


próprios mecanismos teóricos sublinhados. Em toda esta li-
teratura que discute a relação entre democracia e desigual-
dade econômica foi feita uma suposição, ainda não testada,
de que os efeitos da democracia sobre a desigualdade eco-
nômica seriam homogêneos ao longo de diferentes contex-
tos de desigualdade. Independente, portanto, do contexto
socioeconômico no qual a competição democrática ocorre.
A dimensão da desigualdade econômica sempre ocuparia o
mesmo espaço político eleitoral, não havendo diferenças dos
efeitos da democracia em termos de redução da desigualdade
e ampliação da redistribuição em sociedades mais igualitá-
rias ou mais desiguais.
A suposição de que a competição política democráti-
ca, no que toca aos problemas da desigualdade, ocorreria se-
gundo padrões semelhantes ao longo de todo o contínuo de
desigualdade social não parece ser crível quando levantamos
o problema da multidimensionalidade da política democrá-
tica. E é exatamente sobre esta questão que nos debruçamos
nessa pesquisa. Pretendemos verificar se este pressuposto é
verdadeiro e para tanto analisamos a hipótese alternativa de
que esses efeitos variam ao longo da distribuição de desigual-
dade econômica devido aos dois mecanismos complemen-
tares discutidos acima: a existência ou não da demanda por
redistribuição no seio da cidadania e o cálculo eleitoral feito
pelas elites políticas partidárias.
Contrário ao consenso da literatura, temos a expectati-
va que os efeitos da competição democrática sobre o tema da
redistribuição em sociedades iguais não deve diferenciá-la de
regimes não democráticos, uma vez que a desigualdade não
é um tema a ser ativado pela disputa política. Nestes contex-
tos socioeconômicos inexiste a demanda por redistribuição no

A democracia reduz a desigualdade econômica?  85


seio da população e os partidos políticos, por sua vez, não têm
interesse em ativá-la, buscando obter apoio eleitoral por meio
do uso de outras demandas políticas ao acionar outras dimen-
sões ou clivagens sociais.
Por outro lado, em sociedades excessivamente desiguais
os partidos políticos tendem a moldar o discurso eleitoral e as
próprias políticas públicas em busca da minimização dos efeitos
da desigualdade econômica, uma vez que a intensidade da de-
manda por redistribuição por parte da cidadania torna-se um
vetor que diminui a importância de outras clivagens latentes.
E os partidos políticos teriam uma maior tendência a atender a
esta demanda e tratar do problema da desigualdade econômica
como uma questão que excede os limites da economia de mer-
cado, refletindo, outrossim, conceitos de injustiça e exploração
social e de denúncia do uso das instituições políticas e econômi-
cas para benefício de certos grupos privilegiados.
Assim, ao colocarmos em questionamento o pressupos-
to da homogeneidade dos efeitos da democracia, tentamos res-
ponder à seguinte indagação: seriam os efeitos equalizadores
de um regime político democrático em uma sociedade desigual
semelhantes aos efeitos equalizadores de um regime político de-
mocrático em uma sociedade igualitária?
Sublinhamos mais uma vez o significado que damos
para o termo democracia, definido nessa pesquisa como um
processo competitivo de escolha de lideranças políticas. A di-
ferenciação de padrões recorrentes em regimes democráticos
em relação a não democracia decorre, portanto, de implicações
que a competição política tem para a temática em análise. Em
sociedades relativamente iguais, o tema da desigualdade eco-
nômica não está entre os principais temas da agenda política
da competição eleitoral. Já em sociedades relativamente

86  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


desiguais, as chances de que um dos partidos que disputam
as eleições democráticas invista na temática da necessidade de
redução da desigualdade, traduzindo-a em termos de injustiça
e desequilíbrio, e, portanto, defendendo o imperativo moral
de que é necessário reduzi-la, é maior. Posto isso, iremos
verificar se os efeitos da democracia sobre a desigualdade
econômica são condicionados às situações nas quais o tema
da desigualdade pode ser ativado de maneira crível por algum
dos competidores políticos.
Como foi apontado pela literatura que discute os efeitos
da desigualdade econômica nos processos de democratização,
uma das dificuldades de se criar uma democracia em socieda-
des desiguais é o temor das elites políticas e econômicas decor-
rente da ameaça de redistribuição que são levados em conta
em seu cálculo estratégico sobre os custos de repressão e os
custos de tolerância à transferência de poder às classes mais
desfavorecidas (Boix, 2003; Acemoglu; Robinson,
2006; Houle, 2009). Desta feita, quando uma transição de-
mocrática em um país relativamente desigual é bem-sucedida,
é provável que esta democracia desigual esteja associada a um
processo mais efetivo de redistribuição de riqueza do que o
padrão encontrado em sociedades democráticas igualitárias.
As diferenças entre os temas prioritários das agendas
pós-redemocratização na América Latina e no Leste Europeu
deixam indícios de que é importante diferenciar os efeitos da
democracia ao longo deste contínuo da desigualdade econô-
mica. As democracias recém-saídas da esfera de influência do
sistema político soviético são bastante claras a respeito do fun-
cionamento deste padrão de ação sobre a desigualdade. Como
os regimes autoritários a partir dos quais estas democracias
emergiam foram regimes que produziram níveis altos de igual-
dade econômica (os mais altos encontrados até agora), o tema
da desigualdade não estava no topo da lista de prioridades

A democracia reduz a desigualdade econômica?  87


dos primeiros competidores políticos. Por outro lado, após a
redemocratização latino-americana, que emergia de regimes
autoritários que produziram níveis recordes de desigualdade
econômica, como o caso brasileiro, o tema do resgate da dí-
vida social tornou-se uma das principais bandeiras políticas,
disputando espaço na agenda apenas com os debates sobre a
inflação e sobre o próprio processo de redemocratização41.
Para responder a esta questão de pesquisa iremos anali-
sar as duas hipóteses abaixo que nos permitem explorar (a) se
na média as democracias reduzem a desigualdade econômica
em relação às ditaduras (H1: hipótese tradicional da homoge-
neidade dos efeitos) e (b) se os efeitos dos regimes políticos de-
mocráticos sobre a desigualdade econômica são crescentes ao
longo da distribuição de desigualdade, sendo mais acentuados
nas sociedades mais desiguais (H2: hipótese da heterogeneida-
de dos efeitos).

H1: As democracias possuem em média um efeito negativo


sobre a desigualdade.

H2: Os efeitos negativos da democracia sobre a desigualda-


de são maiores nas sociedades mais desiguais e tendem a
ser menos relevantes em sociedades mais iguais.

41
O artigo de Lupu e Pontusson (2011) analisa essa questão segundo um prisma
distinto, mas que converge com o argumento teórico proposto nesta pesquisa.
Para ambos autores, o que afeta a economia política da redistribuição de renda
é a estrutura da desigualdade. Para justificar o argumento, os autores propõem
um modelo no qual o posicionamento estrutural da classe média em relação aos
pobres e os ricos determina o apoio à redistribuição: “na ausência de clivagens
étnicas transversais, os eleitores com renda intermediária terão empatia com os
pobres e apoiaram políticas redistributivas quando a distância entre a renda mé-
dia e dos pobres é pequena em relação à distância de renda entre a renda média
e a renda dos mais ricos” (Lupu; Pontusson, 2011, p. 316).

88  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


2.2 Metodologia

Na seção anterior desenvolvemos a nossa proposta teó-


rica e hipóteses de pesquisa. Nesta apresentamos o método
que nos permitirá testar a hipótese da heterogeneidade dos
efeitos da democracia sobre a desigualdade e como agiremos
para superar a questão da endogenia presente na relação entre
democracia e desigualdade econômica. Isto porque como já
apresentado no Capítulo 1, existe uma vasta literatura que dis-
cute os potenciais efeitos negativos que a desigualdade pode
trazer aos processos de democratização. A questão da presen-
ça de endogeneidade na relação entre democracia e desigual-
dade é fundamental, pois vasto conjunto de estudos discute a
hipótese de que a desigualdade é negativamente relacionada
com a probabilidade de um dado país tornar-se e/ou perma-
necer sendo uma democracia.
Na próxima subseção apresentamos a estratégia adotada
para identificar o efeito da democracia sobre a desigualdade,
controlando o problema da causalidade reversa. O método que
utilizamos e justificamos abaixo é o de variáveis instrumentais.
Na subseção seguinte introduzimos o método de regressão
quantílica, adequado para a estimação dos efeitos heterogê-
neos da democracia sobre a desigualdade.
Para a identificação dos países que são democráticos,
utilizamos a base sobre regimes políticos de Cheibub, Gan-
dhi e Vreeland (2010). Assumimos a mensuração dicotômica
defendida pelos autores que definem democracia como um
regime político no qual existe competição política por meio
de eleições42. De maneira simplificada podemos dizer que

42
Cheibub, Gandhi e Vreeland (2010) atualizam a base de Przeworski, Alvarez,
Cheibub e Limongi (2000).

A democracia reduz a desigualdade econômica?  89


consideramos como democrático todos os regimes políticos
nos quais o partido incumbente deixa o poder por meio de
eleições livres e justas. E para mensurar a desigualdade econô-
mica utilizamos o conjunto de dados produzido pelo Projeto
Desigualdade da Universidade do Texas (University of Texas
Inequality Project - UTIP), que utiliza métodos baseados no
componente entre grupos do Índice T de Theil. O banco de
dados inclui 3686 pontos de dados de EHII para 145 países43.
A unidade básica de análise é um país/ano e o banco tem o
formato de um painel desbalanceado de 1963 à 2008. Apre-
sentamos uma discussão mais aprofundada sobre as definições
teóricas e metodológicas de democracia e desigualdade econô-
mica no Capítulo 3.

2.3 Endogenia nas relações entre democracia e desigualdade econômica

Na relação descritiva entre democracia e desigualdade44,


verificamos que a democracia está associada a níveis meno-
res de desigualdade. Contudo apenas esta informação descri-
tiva não nos permite compreender qual é o processo causal
presente nessa relação. Como existe na literatura e no próprio
mundo da política a percepção de que a democratização esti-
mularia a adoção de uma maior redistribuição de renda das
elites para as classes menos favorecidas, a transição democráti-
ca é custosa para às elites econômicas. E como consequência é

43
O banco final possui projeções lineares para reduzir o problema de dados
faltantes de desigualdade econômica para intervalos de até 8 anos. O banco de
dados foi ampliado para 4138 anos – países. A interpolação não é problemática
dado que a variação na desigualdade é sempre bastante lenta e gradual. Ade-
mais, os resultados são idênticos quando usamos o banco original.
44
Apresentada no capítulo 3.

90  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


possível que exista uma resistência por parte destas elites con-
tra avanços democráticos justamente nas sociedades que pos-
suem uma distribuição de renda mais desigual (Boix, 2003;
Acemoglu; Robinson, 2006; Houle, 2009)45. Caso tal
processo realmente exista, os sistemas políticos democráti-
cos tenderiam a ser uma seleção predileta de sociedades mais
igualitárias e, desse modo, a mera associação entre democra-
cia e desigualdade não confirmaria a hipótese de que a demo-
cracia é um regime político capaz de reduzir as desigualdades
econômicas entre os indivíduos.
Para resolver o problema da endogeneidade presente na
relação entre democracia e desigualdade, usaremos a técnica
de variável instrumental (IV). A intuição básica subjacente
à abordagem de IV é estimar a variável endógena, no nosso
caso, a variável de democracia (a independente com proble-
ma de causalidade reversa), usando uma variável exógena e
que seja correlacionada com a variável endógena, mas que não
esteja correlacionada de nenhuma outra forma com a variável
dependente, em nosso caso, a desigualdade econômica. Desta
forma, quaisquer efeitos da variável instrumental sobre a va-
riável dependente seriam canalizados única e exclusivamente
por meio da variável endógena (Angrist; Krueger, 2001;
Angrist; Pischke, 2008)46. Isto é, devemos encontrar uma
variável que não seja relacionada com o nível de desigualdade

45
Boix (2003) demonstrou que altos níveis de desigualdade podem prejudicar a
democratização e a consolidação das democracias. Houle (2009) e Acemoglu e
Robinson (2006) também investigaram a probabilidade de que alta desigualda-
de prejudique a consolidação da democracia devido às expectativas de redistri-
buição que existe em sociedades democráticas.
46
A Hipótese de Restrição de Exclusão assume que a variável instrumental é não
correlacionada com qualquer outra variável não observada que esteja correla-
cionada com a variável dependente.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  91


econômica encontrada no país e nem com qualquer outro fa-
tor determinante da desigualdade com exceção apenas da va-
riável endógena em questão: o indicador de democracia47.
A validade da estimação por variável instrumental de-
pende crucialmente da seleção de um instrumento adequado
que satisfaça dois critérios: (a) ser correlacionado com a va-
riável endógena; e (b) não possuir um efeito causal na variável
dependente (ou, por extensão, no termo de erro da equação
estimada). Estes critérios implicam que qualquer alteração
na variável dependente que seja resultado de mudanças nos
valores de um instrumento deve ser atribuída ao canal causal
proporcionado pela variável endógena e, deste modo, livre da
relação que existe entre a variável dependente e a variável en-
dógena (Savun; Tirone, 2011).
Nesta pesquisa selecionamos alguns potenciais instru-
mentos de democracia usados na literatura comparada e tam-
bém propomos outras variáveis instrumentais. A partir desta
seleção, analisamos e testamos quais são aqueles instrumentos
que atendem aos dois critérios. Para a seleção destes potenciais
instrumentos utilizamos duas abordagens distintas: a) variá-
veis utilizadas na literatura sobre democratização e que não
são consideradas potenciais fatores causais da desigualdade;
b) variáveis completamente exógenas aos processos de demo-
cratização e desigualdade econômica, mas que estão empirica-
mente relacionados com democracia.
Desta seleção, apresentamos três diferentes conjuntos de
instrumentos para estimar o verdadeiro efeito da democracia
na desigualdade. O primeiro é composto de um conjunto de

47
Para uma apresentação mais pormenorizada do método de variável instru-
mental vide apêndice A.

92  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


variáveis relacionadas aos processos de difusão de democracia,
tendo em vista a vasta literatura que discute os efeitos que o
aumento do número de democracias no mundo tem sobre a
permanência de regimes políticos autoritários e democráticos.
E por outro lado, até onde sabemos, não existem trabalhos que
apontem uma relação entre os efeitos da difusão de democra-
cia pelo mundo e a desigualdade econômica dentro de um de-
terminado país. Contudo, este conjunto de instrumentos não
possui uma natureza completamente exógena ao mundo da
política. O mesmo acontece com o segundo instrumento, he-
rança colonial britânica.
O terceiro conjunto é composto por variáveis que cap-
tam o posicionamento longitudinal de um país no planisfério.
As duas variáveis utilizadas para captar esse fenômeno são por
definição estritamente exógena à relação entre democracia e
desigualdade, uma vez que o posicionamento longitudinal de
um país é um dado independente de sua conformação política
e social e também não existem estudos ou teorias, até onde
pudemos verificar, que relacionem o posicionamento longitu-
dinal de um país com a sua desigualdade econômica.
No Quadro 1 listamos os potenciais instrumentos de
democracia que foram selecionados para analisar o impacto
desta sobre a desigualdade econômica. Da lista dos instru-
mentos que mensura o fenômeno da difusão de democracia,
os três primeiros são instrumentos que diferem pelo âmbito
geográfico, respectivamente no mundo, no continente e no
subcontinente, e os dois seguintes são medida resumo das três
variáveis anteriores. Já a variável herança britânica é um indi-
cador da existência ou não de alguma herança colonial britâ-
nica no país, incluindo o próprio Reino Unido. Além das colô-
nias britânicas, são considerados como parte deste conjunto os

A democracia reduz a desigualdade econômica?  93


países que foram colonizados pelas ex-colônias britânicas
EUA e Austrália.

Quadro 1 – Instrumentos de democracia

1) Instrumentos de Difusão:
a) Difusão mundial de democracia: número de democracia existentes no ano
/ número de países existentes no ano. [difmundo]
b) Difusão continental de democracia: número de democracia existentes no con-
tinente no ano/número de países existentes no continente no ano. [difcont]
c) Difusão subcontinental de democracia: número de democracia existentes
no subcontinente no ano/número de países existentes no subcontinente
no ano. [difregiao]
d) Difusão ponderada de democracia: média simples das medidas (a); (b) e
(c) [difpond1]
e) Difusão ponderada de democracia dado a relevância regional e continental
do país: média de (a), (b) e (c), ponderada pelo peso territorial do país no
continente e no subcontinente, respectivamente [difpond2]
2) Herança Britânica: indica se o país possui herança britânica, incluindo o
próprio Reino Unido e ex-colônias americanas e australianas, adaptado de
Hadenius e Teorell (2005) [british]
3) Localização Longitudinal:
a) Hemisférico Oriental: indica se o país possui localização longitudinal ao
oriente do meridiano 36º (Turquia). [horiental]
b) Longitude: log da longitude de um país calculado por 105+longitude.
[llong]

O terceiro e último conjunto de instrumentos são es-


tritamente exógenos, pois mensuram de diferentes formas o
posicionamento longitudinal de um país. Contudo, se espe-
ra que a relação com democracia seja mais fraca. Mensura-
mos a localização longitudinal com um indicador se o país
está localizado na fração oriental do planisfério, sendo a li-
nha divisória traçada no meridiano 36º Leste, que divide o

94  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


continente europeu do continente asiático48. O segundo é a
própria transformação logarítmica da longitude do país. Op-
tamos pela transformação logarítmica de forma a reduzir a in-
fluência de alguns poucos casos específicos do continente da
Oceania que possuem valores absolutos longitudinais muito
superiores ao restante da amostra49.

2.3.1 Difusão democrática como instrumento de democracia

No primeiro conjunto de instrumentos estão as


medidas da difusão de democracia. Como uma importante
literatura sobre as transições políticas mostrou, um dos
importantes componentes do processo de democratização
é a atmosfera política internacional (Wejnert, 2005;
Brinks e Coppedge, 2006; Gleditsch; Ward, 2006;
Mainwaring; Pérez Liñán, 2009). Todos estes autores
defendem a ideia de que existe algum mecanismo de difusão
ou contágio por meio do qual os regimes democráticos são
propagados. Isto porque os processos de democratização e
transições autoritárias se agrupam no tempo e no espaço, su-
gerindo a ocorrência de uma difusão e da existência de depen-
dências transfronteiriças que influenciam o desenvolvimento
e persistência das instituições políticas (Nogueira, 2011).

48
O meridiano 36L atravessa a Rússia europeia, a Ucrânia, o interior da Tur-
quia, o Oriente Médio, passando pela Síria, Jordânia e Arábia Saudita e no conti-
nente Africano atravessa o Chifre da África cortando o Sudão, Etiópia e Quênia
e ao sul atravessa Tanzânia e Moçambique. Destes países a Turquia, Ucrânia,
Sudão, Tanzânia e Moçambique estão no hemisfério ocidental. Os outros são
considerados como localizado na esfera oriental.
49
A Oceania é o único continente que possui longitude superior a 138, sendo
que a variação longitudinal nesse continente é entre 133 a 179.15.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  95


Bunce e Wolchik (2006) definem difusão como um
processo no qual ideias, instituições, modelos de políticas
públicas, ou repertórios de comportamento se propagam de
um centro geográfico para outras regiões. Mas o processo de
difusão não requer apenas a existência de desdobramentos si-
milares, pois exige também o reconhecimento de um novo ele-
mento em um determinado país A por atores externos em B e
um compromisso por indivíduos e grupos de B para emulá-lo
em sua própria localidade.
Além da associação positiva com democracia, para que
o instrumento cumpra com sua função metodológica, é neces-
sário, portanto, que seja verdadeira a hipótese de que a variá-
vel difusão de democracia não possui outro canal por meio do
qual os seus efeitos sobre a desigualdade sejam transmitidos,
além do próprio mecanismo da competição eleitoral em regi-
me democrático.
Do ponto de vista da literatura, podemos frisar que até
onde pudemos encontrar informações, não há discussão sobre
qualquer influência da difusão de democracia no mundo sobre
a desigualdade econômica dentro de cada um dos países. Des-
ta forma, podemos assumir que quaisquer efeitos que sejam
estimados por meio da técnica de variável instrumental po-
dem ser atribuídos ao efeito da democracia sobre a desigual-
dade, purificado dos problemas de causalidade reversa. Além
do mais, no capítulo 4 realizamos alguns testes estatísticos que
comprovam a adequabilidade do instrumento, aumentando
nossa confiança neste pressuposto.
O argumento subjacente ao efeito democratizante da
difusão decorre do suposto de que com o aumento no núme-
ro de democracias ao redor de um país A, o grupo político
que defende a democratização neste país (ou que defende a

96  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


manutenção da democracia) é empoderado. Ideias, modelos
e afins podem se espalhar para além das fronteiras, simples-
mente por fornecerem precedentes atraentes para os atores
em A, influenciando o pensamento, objetivos e comporta-
mento de lideranças (Bunce; Wolchik, 2006). Do outro
lado, não existem indícios de um canal de covariação da difu-
são de democracia no sistema internacional com a desigual-
dade econômica interna de um dado país que não seja, neces-
sariamente, transmitido pelos próprios efeitos da competição
política democrática.
Do ponto de vista prático, iremos mensurar a difusão de
democracia em três diferentes proporções: uma proporção em
nível regional, outra em nível continental e a terceira em nível
global. Para realizar esse cálculo dividimos o mundo em cin-
co continentes distintos e dez subcontinentes. Os cinco con-
tinentes são: 1. África e Oriente Médio; 2. América; 3. Ásia;
4. Europa; e 5. Oceania. E os dez subcontinentes são: 1. Europa
Oriental e pós-URSS; 2. Europa Ocidental; 3. Norte da África
e Oriente Médio; 4. África Subsaariana; 5. América do Norte e
Central; 6. América do Sul; 7. Centro e Extremo Oriente;
8. Sudeste Asiático; 9. Ásia do Sul; e 10. Oceania. Assim, o cál-
culo para cada uma destas proporções é basicamente o mes-
mo, variando apenas a circunscrição geográfica:

(Eq. 2.1)

no qual Dt representa o número de democracias no ano t na


região, continente ou em todo mundo e Nt representa o núme-
ro total de países neste mesmo ano t na mesma circunscrição

A democracia reduz a desigualdade econômica?  97


geográfica, sendo que para ambos os termos da proporção não
contabilizamos na contagem de países e democracias o pró-
prio país.
Além das três proporções puras de difusão, também
criamos duas medidas resumos de difusão. Na primeira cal-
culamos a média simples das três diferentes proporções da
Eq. 2.1 de cada país e na segunda ponderamos as proporções
regionais e continentais pelo espaço territorial ocupado pelo
país na região e no continente, respectivamente. Abaixo apre-
sentamos as duas fórmulas:

(Eq. 2.2)

i) Difusão Ponderada de Democracia: Onde D1 é o número


de democracias no mundo no ano t e N1 é o número
de países no mundo no mesmo ano t; D2 é o número
de democracias no continente do país i no ano t e N2 é
o número de países no continente do país i no mesmo
ano; D3 é o número de democracias no subcontinente do
país i no ano t e N3 é o número de países na região (ou
subcontinente) do país i no mesmo ano.

(Eq. 2.3)

ii) Difusão Ponderada de Democracia dado a relevância re-


gional e continental do país: onde repete-se as medidas
do item anterior e acrescentamos: At - a área territorial
do país no ano t; Ci - a área do Continente onde o país i

98  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


está localizado e R - a área da Região onde o país i está
localizado. Obviamente a medida de At tende a ser está-
vel na maior parte do tempo, mas em alguns casos ex-
cepcionais certos países, como o Paquistão, tiveram seu
território reduzido.
Na Tabela 1 apresentamos as correlações entre as cin-
co variáveis que mensuram a difusão de democracia, mais o
próprio indicador de democracia mensurado por Cheibub,
Gandhi e Vreeland (2010). Além das duas medidas pondera-
das de difusão (Difpond1 e Difpond2), incluímos as três variá-
veis puras que mensuram a difusão de democracia no mundo
(Difmundo), no continente (Difcont) e na região (Difregião).
Com exceção das correlações de Difmundo com as outras va-
riáveis, inclusive as próprias variáveis de difusão e de apenas
0.20 com o indicador de democracia, todas as outras correla-
ções são bastante altas50.
Constatações interessantes podem ser obtidas a par-
tir desta tabela de correlações. A principal constatação é que
difusão mundial de democracia (difmundo) é menos corre-
lacionada com todas as outras variáveis, incluindo o próprio
indicador de democracia. Já o instrumento difusão regional
de democracia (difregião) possui a maior correlação com
democracia e com os dois índices de ponderados difusão, o
que aponta para o fato que o processo de difusão tem o seu
efeito principal nas regiões e continentes e não sobre todo o
globo. E as correlações de difusão continental de democracia
(difcont) estão em um ponto intermediário entre as de

50
Adiantando resultados apresentados mais a frente, os testes estatísticos do
capítulo 4 indicam que a identificação de democracia é realizada com mais acu-
rácia nos modelos nos quais introduzimos as variáveis puras de difusão de de-
mocracia ao invés das variáveis ponderadas.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  99


difmundo e difregião. Estes dados indicam que o processo de
difusão de democracia é um fenômeno mais sensível regional
do que globalmente, o que é um achado esperado uma vez que
os processos de mútua interdependência são muito mais co-
muns entre países que se localizam em regiões próximas do
que entre países que possuem uma distância geográfica maior.

Tabela 1 – Correlações entre democracia e difusão de democracia

Democracia Difpond1 Difpond2 Difmundo Difcont


Difregiao 0.61 0.95 0.93 0.33 0.86
Difcont 0.54 0.95 0.92 0.39
Difmundo 0.20 0.52 0.52
Difpond2 0.57 0.98
Difpond1 0.59
Fonte: Cheibub, Gandhi e Vreeland (2010) - CGV

Finalmente, o instrumento que mensura a herança co-


lonial britânica é retirado da literatura de política comparada.
Em Eichengreen e Leblang (2008) a herança colonial britânica
é usada como instrumento para estimar os efeitos da democra-
cia sobre a globalização, mensurada como o nível de abertura
comercial, num cenário que de acordo com os autores também
sofre do problema de causalidade reversa51.
Na Tabela 2 apresentamos as correlações entre os ou-
tros três instrumentos selecionados e democracia. Podemos

51
Outras variáveis utilizadas como potenciais instrumentos de democracia por
Eichengreen e Leblang (2008) foram o número de anos desde a independência
do país usadas também por Persson (2005), Mobarak (2005) e Acemoglu, Robin-
son e Yared (2008); a origem legal do sistema jurídico do país; e a distância mé-
dia do país das outras democracias do sistema internacional (Mobarak, 2005;
Persson; Tabellini, 2006; Acemoglu et al., 2008; Eichengreen;
Leblang, 2008).

100  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


observar que as correlações são menores do que as encontra-
das com os instrumentos anteriores. E praticamente não existe
correlação entre a herança colonial britânica e o indicador de
democracia, o que vai na contramão da literatura compara-
da e é um resultado que se mantém consistente nas análises
do capítulo 4. Já as correlações do indicador hemisférico e da
longitude são maiores e semelhantes entre si, indicando que
estar na parcela ocidental do mundo está empiricamente as-
sociado com democracia enquanto o oriente é mais associado
a regimes não democráticos. No capítulo 4 apresentamos os
testes que avaliam quais destes instrumentos são adequados
para identificar a relação da democracia sobre a desigualdade.

Tabela 2 – Correlações entre democracia e os outros instrumentos

Democracia
British 0.03
Hemisfério Oriental -0.20
Longitude -0.20
Fonte: CGV

Por meio dos testes de Stock, Wright e Yogo (2002) de-


monstramos no Capítulo 4 que os instrumentos de difusão de
democracia e os indicadores longitudinais são os instrumen-
tos mais adequados para identificar democracia, enquanto a
herança colonial britânica não está correlacionada com de-
mocracia, não atendendo a um dos critérios fundamentais
da estimação por variável instrumental – a correlação entre
o instrumento e a variável endógena. Por fim, nas principais
especificações os instrumentos de difusão e de longitude
atendem também aos requisitos exigidos pela hipótese de
restrição de exclusão.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  101


2.3.2 Estimação dos efeitos heterogêneos da democracia sobre a
desigualdade econômica

Conforme apresentamos na secao 1 deste capítulo pre-


tendemos analisar duas hipóteses rivais sobre os efeitos da
democracia na desigualdade econômica. A primeira hipótese,
tradicional, busca avaliar se as H1 - as democracias possuem
em média um efeito negativo sobre a desigualdade. Já a segun-
da hipótese, a hipótese alternativa, busca inserir na discus-
são a questão da multidimensionalidade do conflito político
e as condições e contextos nos quais existem incentivos para
que surja no seio da população uma demanda por maior re-
distribuição e os partidos políticos atendam a esta demanda
oferecendo uma plataforma eleitoral e políticas públicas que
tenham como objetivo principal a redução da desigualdade
econômica: H2 - os efeitos negativos da democracia sobre a de-
sigualdade são maiores nas sociedades mais desiguais e tendem
a ser menos relevantes em sociedades mais iguais.
É necessário, portanto, adotar um método de estimação
flexível o suficiente para estimar os efeitos heterogêneos da de-
mocracia sobre a desigualdade econômica ao longo da própria
distribuição da desigualdade, uma vez que queremos testar
a hipótese de que os efeitos da democracia sobre a desigual-
dade são maiores nas democracias mais desiguais. O método
mais adequado para responder a esse problema de pesquisa é
o arcabouço de Regressão Quantílica desenvolvido por Roger
Koenker e Gilbert Bassett (1978).
Sublinhamos mais uma vez que essa questão de pesqui-
sa e a abordagem teórica proposta ainda não foram discutidas
em nenhum dos estudos da literatura de econômica política
comparada sobre desigualdade econômica. Todas as pesquisas

102  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


anteriores trabalharam com hipóteses que assumem que os
efeitos da democracia sobre a desigualdade são homogêneos.
E na maior parte das vezes foram utilizados como método de
inferência regressões por Mínimos Quadrados Ordinários
para dados em Painel. Assim, uma das contribuições mais re-
levantes desta pesquisa será o exame dos efeitos de um regime
político democrático ao longo de todas as diferentes magnitu-
des de desigualdade econômica.
A Regressão Quantílica introduzida por Koenker e Bas-
sett (1978) é uma extensão direta da estimação clássica das
médias condicionais por Mínimos Quadrados Ordinários
(MQO) para estimação de modelos por funções condiciona-
das nos quantis. O método emprega um estimador de mínimos
desvios absolutos que pode ser utilizado para estimar os per-
centis da distribuição condicionada. Deste modo, a Regressão
Quantílica possibilita a detecção de relações causais distintas
para vários pontos da distribuição de uma variável dependen-
te. Isto porque ela fornece estimativas dos efeitos de cada cova-
riável (variável independente de interesse e controles) ao longo
de toda a distribuição condicional da variável dependente52.
Em contraste, a regressão por MQO tradicional fornece esti-
mativas apenas para a média condicional (Breunig, 2011).
Uma propriedade importante do método de Regressão
Quantílica é sua robustez à presença de outliers na variável
dependente, uma vez que a estimação é feita condicionada
à posição do ponto dentro da distribuição da própria variá-
vel dependente. Ademais, como os dados estão estruturados
em forma longitudinal, pretendemos estimar a relação entre

52
Para uma apresentação mais pormenorizada do método de Regressão Quan-
tílica com variável instrumental vide apêndice B.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  103


democracia e desigualdade por meio de Regressão Quantílica
com Variável Instrumental para Dados em Painel Empilhados.
O método de estimação por efeitos fixos não é adequa-
do para a análise da relação entre democracia e desigualdade,
pois 57.2% dos pontos de dados são países-anos pertencentes
a países cujos regimes políticos não transitaram ao longo do pe-
ríodo analisado. Assim o estimador de efeito fixo consideraria
a permanência em um regime democrático ou em um regime
autoritário durante todo o período como um efeito fixo a ser eli-
minado junto com a heterogeneidade específica não observada.
Visando diminuir a variação dos dados, incluímos na regressão
efeitos fixos continentais e em algumas estimações efeitos fixos
temporais. Desta forma, eventuais especificidades regionais ou
choques exógenos que tenham impactado a desigualdade são
retirados na estimação dos efeitos das covariáveis.
No primeiro passo do processo de estimação, utilizamos
as variáveis instrumentais para prever os valores defasados de
democracia e depois, no segundo passo, estimamos por meio de
uma série de regressões quantílicas a relação entre democracia
e desigualdade usando o índice de GINI para desigualdade e
os valores previstos no primeiro passo de democracia defasada
para todos os decis da distribuição de desigualdade econômica.
Visando reduzir a necessidade de impor hipóteses adi-
cionais para a validade das estimativas, as variâncias dos coe-
ficientes da RQ são estimadas pelo método não paramétrico
de bootstrapping (Efron, 1979; Efron, 1982; Cameron;
Trivedi, 2005). O método de bootstrap permite evitar fortes
suposições paramétricas sobre a estrutura do termo de erro ou
fórmulas complexas para o cálculo dos erros padrões53.

53
Foram utilizadas 1000 repetições no procedimento de bootstrapping. Para uma
apresentação mais pormenorizada do método de bootstrap vide apêndice C.

104  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


No primeiro passo, utilizaremos como variável inde-
pendente de interesse uma variável de difusão de democracia
defasada em dois anos e a variável democracia defasada em
um ano. Optamos por defasar a variável independente para
minimizar ao máximo a possibilidade de existência de endo-
genia na relação de interesse. Nossa hipótese foi testada sem
variáveis ​​defasadas e os resultados continuam semelhantes.
Repetimos estas estimativas em quatro amostras diferentes.
A primeira é a nossa amostra completa, a segundo tem como
unidade temporal básica um triênio, a terceira quinquênios, a
quarta decênios e, por fim, a quinta e última intervalos tempo-
rais de 15 anos. O objetivo principal das amostras com maior
intervalo temporal é minimizar o problema de dados faltantes,
sendo um procedimento recorrentemente utilizado na litera-
tura que debate a relação entre democracia e desigualdade. Em
todas as estimações, os resultados são semelhantes.
Desta forma, apresentamos abaixo as regressões estimadas.
Os coeficientes de interesse são os diferentes β2 estimados para
cada decil da distribuição de desigualdade econômica. A variável
de democracia está defasada em um ano e os instrumentos, quan-
do variáveis no tempo, estão defasados em dois anos.

1) EQUAÇÃO ESTIMADA NO PRIMEIRO PASSO:

L.DEMOit = αi + β6 controlesit + β7 L2.Instrumentosit +


β8 continentes + β9 tend + β10 tend2 + πit (Eq. 2.4)

2) EQUAÇÃO ESTIMADA NO SEGUNDO PASSO:


Assumindo especificação linear para o τ - ésimo quantil:

Qτ [. | X = x] = αi + β1 controlesit + β2 L.DEMOit +
β3 continentes + β4 tend + β5 tend2 + ε it (Eq. 2.5)

A democracia reduz a desigualdade econômica?  105


No qual Qτ [. | X = x] ≡ P ( . ≤ q | X = x) ≥ τ sendo o
τ -ésimo quantil condicionado na distribuição da variável de-
pendente EHII.
Assim concluímos a abordagem teórica e metodoló-
gica desta pesquisa. No próximo capítulo apresentaremos as
definições de democracia e desigualdade econômica em seus
pormenores e os dados descritivos da relação de interesse. Por
fim, nos dois últimos capítulos apresentamos os resultados
empíricos da análise proposta.

106  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Capítulo 3

Democracia e desigualdade:
dados e relação descritiva

Este capítulo está dividido em 5 seções e nele iniciamos


a análise empírica da relação entre democracia e desigualdade.
Nas duas primeiras seções apresentamos os conceitos a partir
dos quais definimos e mensuramos democracia e desigualda-
de. Na terceira seção apresentamos os dados descritivos da re-
lação entre estas duas variáveis. Um importante achado é que
no período histórico abrangido pelos dados – entre os anos
1960 e a primeira década do século XXI – o usual diagnós-
tico sobre o crescente e preocupante avanço da desigualdade
econômica pelo mundo, tão debatido na literatura contempo-
rânea, não encontra respaldo nos dados, ainda que seja possí-
vel observar um abrupto crescimento da desigualdade entre
as democracias consolidadas e mais desenvolvidas a partir da
década de 198054.
Na quarta seção apresentamos novas informações des-
critivas e discutimos a relação entre democracia e desigual-
dade em uma visão de longo prazo, iniciada ainda no século
XIX. Nesta visão de longo prazo, apresentada no Gráfico 12,

54
Um pequeno crescimento da média da desigualdade econômica entre os
países entre 1970 e 2005 é indicado no Gráfico 6, enquanto no Gráfico 7 há uma
singela tendência decrescente para o mesmo período.

 107
fica claro que houve uma forte redução da média de desigual-
dade econômica entre os países na 1º metade do século XX,
acompanhado de uma reversão desta tendência com cresci-
mento até 1990, ainda que este aumento seja menos abrupto
do que a queda anterior. Obviamente um problema inerente
ao esforço empírico de tratar de dados econômicos que voltam
tanto no tempo decorre do fato que as mensurações de desi-
gualdade são menos válidas e confiáveis do que os dados mais
recentes, obtidos por meio de metodologias modernas como,
por exemplo, surveys de renda. Por fim, na quinta e última
seção apresentamos os dados das variáveis controles utilizadas
na pesquisa e concluímos o capítulo.

3.1 Dados e definições de democracia

Nesta pesquisa trabalhamos com o conceito dahlsiano


de que democracia é o regime no qual os governos perdem
eleições livres, competitivas, certas e justas e deixam o poder,
dando espaço político para a oposição. Em outras palavras, é o
regime político no qual existe competição entre os diferentes
atores que possuem interesses em acessar e ocupar os loci ins-
titucionais de poder. E esta competição é realizada dentro de
uma arena institucionalizada e com regras que são respeitadas
por todos os jogadores. Aqueles que detêm o poder momentâ-
neo são obrigados por essas próprias regras a entregar o poder
político a outro grupo caso o último seja vitorioso nas eleições.
Abstemo-nos de qualquer tipo de discussão conceitual
a respeito de se o conteúdo do termo democracia deve indicar
apenas um procedimento de escolha das lideranças políticas ou
requer elementos substantivos associados aos procedimentos

108  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


eleitorais. Posto de outra forma, para os leitores que consi-
deram a definição minimalista de democracia muito pouco
exigente e entendem que este construto deveria abranger ou-
tros elementos substantivos, a nossa pesquisa tenta estimar o
impacto que a competição política livre e aberta tem sobre a
desigualdade econômica.
Além do debate conceitual, existem inúmeras propos-
tas de mensuração dos regimes políticos que foram elaboradas
ao longo do tempo para medir os efeitos da democracia so-
bre uma gama enorme de variáveis e também sobre quais são
os principais determinantes dos processos de democratização
e consolidação democrática. Mas, conforme demonstramos
nos próximos parágrafos, a única medida que assume ipsis
litteris a nossa definição de democracia como competição polí-
tica, justificada pelas elaborações teóricas do capítulo anterior,
é a concepção minimalista de Alvarez, Cheibub, Limongi e
Przeworski (1996) e atualizada por Cheibub, Gandhi e Vree-
land (2010), de agora em diante indicada como CGV.
Existem outras duas medidas de regime político larga-
mente utilizadas na literatura: a medida elaborada pela Free-
dom House (FH) sobre direitos políticos e liberdades civis
(Bollen, 1980) e a medida do POLITY IV sobre caracterís-
ticas diversas dos regimes políticos (Marshall et al., 2002).
Essas três medidas cobrem um grande número de países ao
longo de um extenso número de anos. Mas, segundo os pró-
prios Cheibub, Gandhi e Vreeland (2010), se diferem em três
características fundamentais, que justificam a nossa opção
pelo CGV. As três diferenças são referentes às55:

55
Apresentamos brevemente os pontos que justificam a nossa escolha pelo
CGV. Para uma análise mais pormenorizada de suas características ver

A democracia reduz a desigualdade econômica?  109


i) Diferentes concepções de democracia;
ii) Natureza do tipo de dado utilizado nos indicadores de
regime político;
iii) Tipo de mensuração realizada.
No que toca à concepção de democracia subjacente ao
esforço de mensuração, apenas o CGV assume uma definição
estritamente procedimental e minimalista de um regime polí-
tico. As medidas da FH e do POLITY IV possuem uma concep-
ção substantiva do processo, referindo-se concomitantemente
à exigência de um procedimento de escolha das lideranças por
meio de eleições livres, competitivas, certas e justas e também
questões de cunho extraprocedimental, como, por exemplo, a
ausência de violações de direitos civis ou mesmo o respeito e
responsividade do governo aos interesses dos cidadãos e/ou o
controle sociopolítico do Estado. Isto é, enquanto na visão do
CGV a democracia é apenas o método de escolha dos dirigen-
tes políticos, as outras medidas entendem que a competição é
necessária, mas insuficiente para definir os contornos exatos
da democracia.
Como propomos que as eleições competitivas sejam o
fundamento do diferencial qualitativo que justifica quando e
em quais condições surgem as diferenças entre regimes polí-
ticos democráticos e não democráticos sobre a desigualdade
econômica, a proposição minimalista de CGV torna-se, sem
sombra de dúvidas, a mais adequada para o teste da hipótese
de que os efeitos da democracia são heterogêneos. Como o FH
ou o POLITY IV incluem elementos além das fronteiras elei-
torais, caso optássemos por estas escalas, tornar-se-ia muito

Cheibub, Gandhi e Vreeland (2010). Em Elkins (2000) é feita importante crítica


às escolhas metodológicas do CGV.

110  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


mais difícil apontar qual é o tipo de conexão teórica entre o
regime democrático e a desigualdade econômica.
O segundo ponto que embasa a nossa opção pelo CGV
decorre da maior confiabilidade56 de seus dados, pois as infor-
mações coletadas para diferenciar o que seja uma democracia
de um regime não democrático são objetivas e as regras de
codificação e manipulação dos dados são claras. Isto porque
o CGV se baseia em eventos políticos cujas ocorrências não
são difíceis de determinar, tais como a realização de eleições,
a existência de mais de um partido político e mudanças parti-
dárias na liderança do governo. Já a atribuição dos valores da
FH é realizada por especialistas cuja codificação nem sempre
é evidente ao usuário do banco de dados e a mensuração reali-
zada pelo POLITY IV, ainda que objetiva, requer a observação
de minúcias do dia a dia da política do país analisado.
Por fim, a mensuração dicotômica do CGV elimina as
dificuldades e ambiguidades inerentes às propostas policotô-
micas do FH e do POLITY IV. A agregação dos indicadores
destas escalas torna difícil a identificação clara de quais são
os verdadeiros significados de seus diferentes pontos na esca-
la. Por sua vez, a regra de agregação aditiva do CGV elimi-
na a possibilidade que diferentes combinações de caracterís-
ticas institucionais e eventos políticos indiquem um mesmo
valor de democracia. Posto isto, o formato policotômico tra-
zido pelo POLITY IV e pela FH não é mais informativo, tal
como à primeira vista é pensado por se aproximar mais de um
contínuo de democracia. Isto porque ambas não indicam de

56
Confiabilidade é a medida que mensura o quão os resultados de uma deter-
minada medida são repetidos de maneira similar sob condições consistentes.
Isto é, o quanto a técnica de mensuração é precisa. Quanto menor for a proba-
bilidade de erro que a recontagem do dado pode ter, mais confiável é a medida.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  111


maneira objetiva o que significa no mundo real o avanço em
um ponto de suas respectivas escalas57.
Desta maneira, os problemas de não classificação de re-
gimes “intermediários” pelo CGV são minimizados, uma vez
que os critérios de definição deste “tipo” de regime pelo PO-
LITY IV e pela FH são obscuros e a partir de informações não
objetivas. Ademais toda a literatura da transitologia encara a
diferenciação entre um regime autoritário e um regime demo-
crático como um traço qualitativo profundo e não apenas uma
gradação em uma escala imaginária de competição política.

3.1.1 Democracia como processo

A democracia é um regime no qual as posições centrais


de governo são preenchidas segundo os resultados de eleições
competitivas, livres, certas e justas. Esta definição possui dois
elementos centrais: posições centrais de governo e competição
política por meio de eleições. As posições centrais de gover-
no são os órgãos fundamentais da vida política de qualquer
comunidade política – os postos responsáveis pela criação e
pela execução das leis. Assim, para um regime ser democrá-
tico é necessário que o preenchimento das posições no corpo
legislativo e no corpo executivo do governo seja realizado por
meio de um método eleitoral. E a competição política indica
que o método eleitoral deve possibilitar a livre competição dos
agentes políticos, de forma que cidadãos opositores aos que
ocupam o governo possuam chances reais de tomar o poder
pela via eleitoral.

57
O POLITY IV mensura democracia em uma escala de 21 pontos que vão
desde -10 (menos democrático) a +10 (mais democrático), enquanto a Freedom
House propõe duas escalas de 7 pontos para mensurar, respectivamente, direitos
políticos e liberdades civis.

112  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


As eleições necessitam de 3 condições fundamentais
para cumprir com seu papel de mecanismo competitivo de de-
finição das posições centrais do governo: i) incerteza ex ante
de quem seja o vitorioso; ii) irreversibilidade ex post do resul-
tado; e iii) repetitividade das eleições. Estas três característi-
cas fundamentais determinam se as eleições são competitivas,
livres, certas e justas. Isto porque a condição i indica que o
jogo político é aberto e seus resultados não são pré-definidos.
A condição ii indica que não é possível que o governo reverta
uma eleição perdida, fraudando ou anulando uma vitória da
oposição. E, por fim, a condição iii indica que o jogo eleitoral
repete-se ao longo do tempo, impedindo que apenas um gru-
po tenha o seu poder congelado, além de abrir a possibilidade
para que o perdedor trabalhe com a expectativa de que é pos-
sível esperar as próximas eleições para reverter numa batalha
eleitoral futura a competição política perdida no presente.
Para operacionalizar empiricamente essa definição pro-
cedimental e minimalista de democracia são estabelecidas por
Alvarez, Cheibub, Limongi e Przeworski (1996) e repetidos
por Cheibub, Gandhi e Vreeland (2010) quatro critérios obje-
tivos. Caso um desses não seja atendido, o país é considerado
como não democrático naquele ano.
1. Chefe do Executivo escolhido por meio de uma eleição
popular ou por um corpo eleitoral eleito popularmente;
2. Legislativo eleito popularmente;
3. Mínimo de dois partidos competindo nas eleições;
4. Alternância de poder dentro das leis eleitorais nas quais
a competição política ocorre.
As eleições que ocorrem em sistema unipartidário não
são consideradas eleições democráticas, assim como as elei-
ções que ocorrem de maneira aparentemente aberta, mas

A democracia reduz a desigualdade econômica?  113


cujos resultados foram ignorados pelo governo no momento
no qual o partido de sustentação do Poder Executivo perdeu
apoio eleitoral. A implementação da regra da alternância no
poder busca eliminar a possibilidade de se considerar erro-
neamente regimes autoritários com algum grau de competi-
ção eleitoral como um regime democrático de fato. Contudo,
inevitavelmente esta regra da alternância produz um erro de
mensuração esperado: ela não diferencia os regimes políticos
que terão alternância de poder no futuro daqueles que o go-
verno fraudará ou anulará as eleições caso a oposição política
seja vitoriosa nas urnas. A opção do CGV nesses casos foi as-
sumir uma posição mais conservadora face aos dados e indi-
car que esses dois tipos de situação configuram regimes não
democráticos, corrigindo os dados apenas no momento em
que a oposição obtém sua primeira vitória eleitoral e a história
demonstra cabalmente se a regra eleitoral é ou não violada.

3.1.2 Uma medida alternativa de competição política

Descartamos de maneira peremptória o uso da escala


elaborada pela Freedom House, pois além de ser pouco clara
e muito subjetiva em sua métrica de mensuração, a concepção
de democracia adotada pela instituição se afasta da definição
minimalista que utilizamos nesta pesquisa. A FH compreende
que democracia abarca mais elementos do que a mera existên-
cia de eleições livres, competitivas e justas, embora não fiquem
claros quais são os conceitos substantivos tratados como mais
caros na concepção de democracia da instituição. Por outro
lado, ainda que o POLITY IV seja uma escala de democracia
que também exija qualidades substantivas, ele é composto pela
agregação de uma série de subescalas que mensuram diferentes

114  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


atributos de um regime democrático. Estas, por sua vez, são
avaliadas em critérios objetivos, estando as mensurações de
suas subescalas disponíveis e desagregadas para um uso mais
parcimonioso dos dados.
A escala final de democracia-ditadura no POLITY IV é
uma escala aditiva de 21 pontos derivados de 5 subescalas ori-
ginárias: a) competitividade da participação política; b) aber-
tura no recrutamento do Poder Executivo; c) competitividade
no recrutamento do Executivo; d) constrangimentos ao Chefe do
Executivo; e) regulação da participação.
Dentre estas cinco, as duas mais adequadas para a dis-
cussão de nosso objeto de pesquisa são a primeira, competiti-
vidade da participação política, e a terceira, competitividade
no recrutamento do Executivo, pois ambas mensuram impor-
tantes facetas do fenômeno político que tentamos contemplar
na pesquisa: a existência de projetos políticos competitivos que
concorrem pela aprovação da população por meio de eleições.
Nas próprias palavras dos organizadores do POLITY IV,
a subescala de competitividade da participação mensura: “a ex-
tensão em que preferências alternativas por políticas e por lide-
ranças podem ser perseguidas na arena política” (Marshall;
Jaggers; Gurr, 2011, p. 26). Já a subescala de competitivi-
dade do recrutamento do Executivo é definida como:

A extensão em que os mecanismos de progresso profis-


sional dão aos subordinados chances iguais de se torna-
rem mandatários. Por exemplo, a seleção do chefe do exe-
cutivo por meio de eleições populares entre dois ou mais
partidos ou candidatos viáveis ​​é considerada como com-
petitiva. (Marshall; Jaggers; Gurr, 2011, p. 21).

A competitividade da participação política é mensurada


nas seguintes cinco categorias (5) competitiva, (4) transicional,

A democracia reduz a desigualdade econômica?  115


(3) faccional, (2) suprimida, (1) repressiva, sendo que a com-
petição política competitiva é definida como aquela na qual
existem:

Grupos políticos relativamente estáveis e duradouros que


regularmente competem pela influência política no nível
nacional; os grupos e coligações dominantes regular e,
voluntariamente, transferem o poder central para grupos
concorrentes. A competição entre os grupos raramen-
te envolve coerção ou interrupção violenta. Pequenos
partidos ou grupos políticos podem ser restringidos no
padrão competitivo. (Marshall; Jaggers; Gurr,
2011, p. 27).

Essa definição se aproxima da ideia da natureza com-


petitiva da competição eleitoral, uma vez que na arena eleito-
ral são postos em disputa diferentes projetos políticos sobre o
país, incluindo a possibilidade de que estes projetos tratem de
alguma forma sobre como deve ser regulada a relação entre o
mercado e a desigualdade econômica.
Já a escala de competitividade do recrutamento do Exe-
cutivo é mensurada nas seguintes três categorias (3) eleições;
(2) dual/transicional e (1) seleção, sendo que o recrutamento
eleitoral é definido como aquele método de escolha no qual
“os chefes do executivo são tipicamente escolhidos por meio
de eleições competitivas entre dois ou mais candidatos prin-
cipais (as eleições podem ser populares ou realizadas por uma
assembleia eleita popularmente)” (Marshall; Jaggers;
Gurr, 2011, p. 22). Essa definição também se aproxima da
ideia da natureza competitiva da competição eleitoral, uma vez
que discutimos a hipótese de que as eleições livres, competiti-
vas e justas são o principal mecanismo regulador da relação
entre a democracia e desigualdade econômica.

116  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Posto isso, propomos três outras formas de mensura-
ção da competição política baseadas nestas duas subescalas
do POLITY IV: a) classificação dicotômica na qual os regimes
políticos cuja participação política é qualificada como compe-
titiva são considerados como democrático e todos os outros
são considerados como autoritários; b) classificação dicotômi-
ca na qual o método de recrutamento eleitoral dos chefes do
Executivo é considerado como democráticos e todos os outros
são considerados como autoritários e c) uma interação entre
as duas variáveis, sendo considerado democrático apenas os
regimes com participação política competitiva e recrutamento
do Executivo pela via eleitoral. Denominamos a primeira va-
riável como Participação, a segunda como Recrutamento e a
terceira como Competição.

3.2 Dados e definições de desigualdade

Utilizamos como medida básica da desigualdade econô-


mica nacional o Coeficiente de GINI, que é uma medida de
dispersão estatística desenvolvida pelo estatístico e sociólogo
italiano Corrado Gini (1912) para representar a distribuição
de renda dentro de uma dada população. O GINI mensura
a desigualdade entre os valores de duas distribuições de fre-
quência, no caso a distribuição de renda e a distribuição de
habitantes de um país. Um coeficiente de GINI igual a zero
indica a perfeita equidade entre ambas, a renda é igualmente
distribuída entre a população – todos recebem a mesma ren-
da. Já um GINI de 1 (ou 100%) indica a máxima desigualdade
entre os possíveis valores de renda – apenas uma pessoa detém
toda a renda e todos os outros obtém zero. Optamos por essa

A democracia reduz a desigualdade econômica?  117


medida, pois além de ser a mais tradicional na literatura, ela
também é sensível às modificações ocorridas em todo o esco-
po da distribuição de renda.
Existem outras medidas que mensuram diferentes as-
pectos da desigualdade, como, por exemplo, o papel da fra-
ção da renda que é controlada pela elite econômica. O vasto
estudo de Piketty (2014) sobre o aumento da desigualdade
nas economias mais avançadas baseia-se fortemente em da-
dos a respeito do controle da renda e da riqueza dos 10% e
1% mais ricos58. Esta medida, que é bastante adequada para
captar os efeitos do papel especial exercido pela elite econô-
mica na economia capitalista, não é apropriada para mensu-
rar efeitos agregados na desigualdade que ocorrem na calda
direita da distribuição (entre os mais pobres e as classes me-
dianas) e nem fenômenos relacionados à redistribuição entre
os mais pobres e as classes medianas59.
Além da definição conceitual da medida de desigual-
dade, outra dificuldade importante é que a própria forma de
mensuração do coeficiente de GINI ainda não é um consenso
na literatura. Os dados disponíveis na maioria dos casos são ob-
tidos por meio de inúmeros e discrepantes métodos, sendo o
mais comum o uso de surveys de renda ou consumo. Contudo
mesmo nas surveys, os métodos de conceituação, amostragem,
codificação e tratamento dos dados nem sempre são convergen-
tes e consistentes ao longo do tempo e entre diferentes países.
Assim, as técnicas de mensuração variaram em demasia ao lon-
go dos eixos transversal e temporal, tornando conceitualmente

58
Para uma discussão de diferentes medidas sobre a desigualdade ver (De
Maio, 2007).
59
Além do limite operacional decorrente do fato que tais medidas ainda não
foram compiladas para um grande número de países.

118  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


inconsistentes comparações cruas. Tais atritos conceituais aca-
bam aumentando a probabilidade de erro e enviesando as análi-
ses comparadas sobre a desigualdade econômica.
Outra dificuldade adicional decorre do fato de que boa
parte das observações e medidas de desigualdade entre países
e ao longo do tempo se baseiam em surveys realizadas ocasio-
nalmente, pois poucos incluem em suas estatísticas nacionais a
mensuração anual do GINI. E como os dados tem origem em
surveys, não é possível recodificar e reparar possíveis defeitos
originais e nem complementa-los retrospectivamente por in-
termédio dos mesmos métodos com os quais foram criados,
uma vez que não é possível repetir as entrevistas realizadas no
passado. Nas palavras de Galbratih (2012, p. 20):

Não se pode fazer uma survey retrospectiva; não há ma-


neira de voltar para a casa do indivíduo e perguntar qual
era sua renda de cinco, dez ou vinte anos atrás. Assim, as
lacunas de informações não podem ser preenchidas […].

Diante desses enormes problemas de comparabilidade


dos dados, em 1996 Klaus Deininger e Lyn Squire (1996) pu-
blicaram no The World Bank Economic Review um banco de
dados no qual fora compilado um conjunto bastante grande
de surveys sobre disparidade de renda e de gastos com indi-
cações dos pontos de dados que atendiam a certos critérios
de “alta qualidade”, oferecendo o primeiro banco em painel
e abrangente com 682 observações de países-anos desde 1947,
dentre uma oferta de mais de 2600 observações de qualida-
de questionável60. Este banco foi um formidável estímulo aos

60
Esses critérios são: cobertura abrangente de todos os tipos de renda, incluin-
do rendimentos em espécie e não salariais, como pensões e aluguéis; cobertura

A democracia reduz a desigualdade econômica?  119


estudos sobre a desigualdade econômica e dezenas de traba-
lhos passaram a usá-lo61.
Esforços para expandir o projeto de Deininger e Squire
– DS continuaram, principalmente na UNU-WIDER – World
Institute for Development Economics Research da Universi-
dade das Nações Unidas em Helsinki. Mesmo com a maior
abrangência dos dados coletados, a estrutura metodológica
manteve-se e as regras de compilação do DS permaneceram.
A UNU-WIDER organizou um banco com 5314 observações
de 160 países denominado como World Income Inequality Da-
tabase - WIID. Contudo alguns pontos são repetidos para al-
guns países-anos e abrangem diferentes métodos e conceitos
de desigualdade, não constituindo um banco de dados que
possa ser usado sem um tratamento estatístico de padroniza-
ção adequado.
Não obstante o crescente número de observações, a
cobertura continuou esparsa e desbalanceada, com poucos
dados com “alta qualidade” para boa parte do mundo em
desenvolvimento. Milanovic (2002) apontou que o prin-
cipal problema das medidas de desigualdade do DS e do
UNU-WIDER, apesar de todas as virtudes levantadas, decorre
da grande quantidade de dados omitidos e da excessiva inter-
polação feita nos trabalhos que o adotaram.
Atkinson e Brandolini (2001) apontaram ainda que as
medidas do DS e da UNU-WIDER são baseadas em diferen-
tes definições conceituais de renda, unidades de referência e
procedimentos de pesquisa, que não podem ser totalmente

abrangente da população, incluindo famílias urbanas e rurais; e que tenham tido


como unidade básica os domicílios (Deininger; Squire, 1996).
61
O artigo inaugural de Deininger e Squire possui cerca de 3329 citações no
Google Scholar. Acesso em: 11 nov. 2016.

120  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


reconciliados com o outro, mesmo na filtragem de “alta qua-
lidade”. Isso porque, a despeito da medida de desigualdade
do DS e da UNU-WIDER seja o GINI, não existe uma base
métodológica comum. Em particular, diferenças no conceito
de renda, surveys de renda bruta ou líquida ou mesmo surveys
de gastos, conduzidas em diferentes países e regiões, criam
inconsistências que não são facilmente resolvidas.
Com isso uma mesma economia em determinado ano
pode oferecer diferentes valores de GINI mensurados em uma
mesma survey. O GINI pode ser calculado para a renda bruta
(antes do pagamento dos impostos), renda líquida (depois do
pagamento dos impostos) ou mesmo para o nível de consumo
do indivíduo. Em uma sociedade cujo sistema tributário seja re-
distributivo, o GINI de renda bruta tende a ser maior do que o
GINI de renda líquida. Ademais, devido ao fato de que as classes
mais pobres consomem uma fração maior de sua renda, a dife-
rença entre ricos e pobres tende a ser reduzida em surveys de
consumo. Uma parte dos ganhos dos ricos tende a ser canaliza-
da para investimentos e poupança e não entra no cálculo.
As medidas de renda nos EUA, por exemplo, são obtidas
antes de serem taxadas, enquanto no Reino Unido analisa-se
a renda líquida (após impostos e transferências). Desta forma,
não é possível verificar se os resultados encontrados na litera-
tura foram obtidos devido à existência efetiva de padrões de
causa e efeito da desigualdade econômica ou estes resultados
foram fruto apenas das diferenças entre as técnicas e conceitos
de mensuração (Atkinson; Brandolini, 2001).
Um segundo atrito conceitual é a própria abrangên-
cia da população coberta pela medida. Isto por que algumas
das medidas compiladas pelo WIID são coletadas apenas
com a população urbana ou rural, economicamente ativa

A democracia reduz a desigualdade econômica?  121


ou com frações geográficas. Por fim, o terceiro e último
grande problema que reduz a comparabilidade temporal e
internacional dos dados do WIID é a unidade de referência
em relação à qual é calculado o índice de GINI, podendo ser
um indivíduo ou a família, e calculado em relação ao número
de pessoas (per capita) ou ao número de adultos de uma fa-
mília (per adult). A terceira e última unidade de referência é a
unidade de assistência social, utilizada apenas na Escandinávia
e na Alemanha.
O próprio manual elaborado pelo UNU-WIDER aponta:
“tenha em mente que pontos de dados com definições similares
não são definições automaticamente comparáveis, uma vez que
diferenças de metodologia de pesquisa nas surveys podem preju-
dicar a comparabilidade” (UNU/WIDER-UNDP, 2007, p. 15).
Galbraith (2008) e Atkinson e Brandolini (2001) subli-
nham ainda outro aspecto problemático do DS e UNU-WIDER,
que é a falta de validade de face62 de algumas mensurações,
como, por exemplo, o fato que a Espanha aparece como um
país com pequena desigualdade enquanto os países escandina-
vos (Suécia, Noruega e Dinamarca) encontram-se numa faixa
média de desigualdade dentro da OCDE. Outro problema de
validade de face é o fato de que o Reino Unido mantém-se
como um país de desigualdade média, mesmo existindo uma
percepção de um suposto crescimento da desigualdade econô-
mica durante o thatcherismo. Os cinco exemplos apresentam

62
Validade de face é um indicador subjetivo da validade de um indicador. Um
exemplo claro de uma medida que viola o princípio da validade de face é um in-
dicador do nível de desenvolvimento econômico que aponte que o Brasil é mais
desenvolvido economicamente que os EUA. Obviamente é uma análise bastante
imprecisa, uma vez que é possível que de fato a percepção sobre a realidade seja
diferente da própria realidade empírica.

122  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


situações nas quais os índices de desigualdade apresentados
pelo DS e pelo UNU-WIDER vão de encontro às percepções
comuns a respeito da distribuição do coeficiente de GINI
pelo mundo.
Devido a estes problemas, vamos utilizar em nossa pes-
quisa o conjunto de dados produzido pelo Projeto Desigual-
dade da Universidade do Texas (University of Texas Inequality
Project - UTIP), um grupo de pesquisa que ao longo das duas
últimas décadas tem se dedicado ao desenvolvimento de no-
vas medidas de desigualdade econômica, usando métodos ba-
seados no componente entre grupos do Índice T de Theil63.
O UTIP tem como objetivo mensurar a desigualdade por meio
de diversas fontes de informação, incluindo dados regionais
sobre tributos, emprego e renda, censos sobre a produção ma-
nufatureira e banco de dados industriais harmonizados inter-
nacionalmente como fonte de informação dos níveis e mudan-
ças da desigualdade econômica.
Este método desenvolvido pela UTIP não requer o uso
de micro dados derivados de surveys e, consequentemente,
produz como resultado uma infinidade de novas medidas
da evolução da desigualdade econômica, comparáveis tan-
to através do tempo e entre países e que podem ser recupe-
radas a partir de dados agregados levantados pelos estados
e seus respectivos sistemas de contas públicas no passado
(Galbraith; Kum, 2003 e 2005; Galbraith, 2012).

63
A estatística T de Theil é da família de medidas generalizadas de entropia
sobre a desigualdade, sendo a única que pode ser exatamente decomposta. Se-
gundo Theil, a diferença entre grupos da estatística T pode ser pensada como
uma medida indireta da informação requerida para transformar probabilidades
a priori em posteriores, no qual os pesos populacionais para cada grupo são
a priori e a parcela de rendas posteriores (Galbraith; Kum, 2003; 2005;
Galbraith, 2010).

A democracia reduz a desigualdade econômica?  123


A organização dos dados deriva da constatação de que a
distribuição de ganhos é constituída em qualquer economia de
um conjunto de entidades institucionais entrelaçadas formada
por grupos: firmas, ocupações, indústrias e regiões geográfi-
cas64. Dado isso, a observação consistente dos movimentos nos
ganhos obtidos em relação a estas entidades, tomadas em seus
valores médios e comparado entre si, são suficientes para revelar
os principais movimentos da distribuição de ganhos como um
todo. E isto seria verdade, na visão do UTIP, mesmo se a cober-
tura não seja completamente abrangente, contanto que grupos e
entidades sejam consistentes ao longo do eixo temporal.
Esses dados semiagregados são, portanto, fontes de in-
formações fundamentais para expandir a capacidade analítica
e a abrangência dos bancos de dados sobre desigualdade por
dois motivos básicos. Em primeiro lugar, o conceito de desi-
gualdade econômica subjacente a todos os pontos de dado é
o mesmo – transversal e temporalmente. Em segundo lugar,
é possível reestimar os pontos de dados do passado por meio
da mesma técnica se existirem informações sobre esses grupos
nas contas nacionais, permitindo o preenchimento de dados
faltantes sem a necessidade de interpolação.
Para calcular o Índice T de Theil é necessário obter
duas informações de cada grupo: sua renda total e sua popu-
lação. De posse destes dados, é possível calcular duas razões
fundamentais: a participação de cada grupo na população e a
proporção da renda média de cada grupo em relação à renda
média da população. O Índice de Theil que identifica o com-
ponente entre grupos da desigualdade por meio da somatória

64
A única restrição para a escolha das entidades institucionais é que os grupos
escolhidos sejam mutuamente exclusivos e coletivamente exaustivos.

124  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


do produto destas duas proporções multiplicado pelo logaritmo
do segundo termo dos m grupos. A notação formal do índice é:

(Eq. 3.1)

onde m indica o número de grupos, é o peso do grupo na


população e é a razão entre a renda média y do grupo i em
relação à renda média µ de toda a população65.
Uma propriedade fundamental do Índice T de Theil é que
a partir de semiagregados harmonizados internacionalmente
(mesmos setores em diferentes países e anos) e estáveis ao
longo do tempo é possível construir uma série de dados sobre
desigualdade a partir da mesma definição consensual. Assim,
supera-se o principal defeito do DS e do WIID: a multiplicidade
conceitual existente no rol de surveys compiladas como pontos
de dado de alta qualidade.
Os dados da Organização das Nações Unidas para o De-
senvolvimento Industrial (UNIDO) formam a base dos dados
criados pela UTIP sobre a desigualdade de pagamentos no
setor industrial, tendo mais de 3200 observações desde 1963.
As estatísticas da UNIDO utilizadas pelo UTIP para calcular o
Índice T de Theil sobre desigualdades salariais são duas medi-
das: o emprego total e o pagamento médio nominal nos seto-
res econômicos desagregados66. Os dados da UNIDO são uma

65
Devido ao termo logarítmico, o elemento de Theil (o produto de cada um
dos grupos) é positivo para os grupos com renda média superior à renda média
populacional e negativo caso contrário.
66
A partir de agora denominamos o Índice T de Theil do cálculo da desigual-
dade de pagamentos no setor industrial como UTIP-UNIDO. Para maiores por-
menores sobre os cálculos ver Galbraith e Kum (2003 e 2005).

A democracia reduz a desigualdade econômica?  125


grande fonte de informação sobre a temática, pois mensuram
a distribuição de pagamentos salariais no setor industrial em
diferentes categorias econômicas e de maneira harmonizada
em todo o planeta, baseando-se na International Standard In-
dustrial Classification (ISIC) organizada pela ONU (Galbraith
e Kum, 2003; 2005; Galbraith, 2010).
Basicamente, os dados sobre desigualdade econômica
da UTIP combinam informações obtidas a partir do Índice T
de Theil sobre desigualdade de pagamentos no setor industrial
do UTIP-UNIDO com as informações oferecidas pelo banco
de dados de Deininger e Squire – DS sobre desigualdade eco-
nômica mensurada pelo coeficiente de GINI. A UTIP criou,
desta forma, uma proxy bastante elaborada da desigualdade
econômica com a combinação de informações compilados
pelo DS com uma medida mais precisa (embora mais restri-
ta) da dispersão dos pagamentos do setor industrial obtidos
no banco de dados da UTIP-UNIDO. Convertem-se, assim,
as medidas de desigualdade de pagamento no setor industrial
em uma medida da desigualdade de renda bruta domiciliar
estimada (EHII – Estimated Household Income Inequality):
um banco de dados denso, consistente conceitualmente e pos-
suindo o mesmo formato dos GINIs compilados pelo DS e
UNU-WIDER.
Assumindo que todos os erros de mensuração, exceto
os causados pelo tipo de survey utilizada na coleta de dados,
são aleatórios, Galbraith e Kum (2003) utilizaram um mode-
lo de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) apresentado
na equação (3.2) para estimar a desigualdade econômica.
Nesta equação o GINI-DS representa a medida do coeficien-
te de GINI coletada por Deininger e Square (1996), α é uma
constante, UTIP-UNIDO é o índice de Theil baseado na

126  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


medida da desigualdade de pagamentos no setor industrial e X
é um vetor de condicionantes. Nesse vetor X são incluídas um
conjunto de dummies refletindo as fontes de dados67 e outras
informações relevantes como a razão entre emprego industrial
relacionada com a população total, o grau de urbanização e o
crescimento populacional.

(Eq. 3.2)

Em seguida, o indicador de desigualdade principal,


EHII, é definido, na forma logarítmica, como:

68
(Eq. 3.3)

onde EHII significa a Desigualdade de Renda Bruta Domi-


ciliar Estimada, UTIP-UNIDO é o índice de desigualdade sa-
larial, da UTIP-UNIDO e X é a matriz de variáveis ​​condicio-
nantes. E os coeficientes estimados são termos determinísticos
extraídos da equação (3.2). Esta abordagem permite uma
forma apropriada de extrapolação teórica e empiricamente
orientada por meio da replicação dos dados da UTIP-UNIDO
com as medidas estimadas de EHII (Gimet; Lagoarde-
-Segot, 2011)69.

67
As variáveis dummies indicadoras do tipo de survey utilizado na compilação
de dados do DS são três: indicador de renda bruta ou líquida, indicador de ren-
da domiciliar ou individual, e indicador de renda ou consumo.
68
Como a distribuição do Índice T de Theil da UTIP-UNIDO e do GINI da
UNU – WIDER possuem uma distribuição log-normal, para aumentar a eficiên-
cia do modelo de regressão, as duas medidas de desigualdade estão em formato
logarítmico. Assim o coeficiente é uma estimativa da elasticidade na relação entre
desigualdade de pagamentos no setor industrial e desigualdade econômica.
69
A análise da estimação em seus pormenores e os resultados podem ser vistos
em Galbraith (2012, p. 81-97).

A democracia reduz a desigualdade econômica?  127


Nas palavras de um dos líderes do projeto UTIP:

Essas medidas são amplamente consistentes com as me-


didas convencionais de desigualdade de renda obtidas
por meio de survey ou podem ser feitas por meio de
ajuste estatístico, permitindo diferenças conceituais entre
salário e renda e para os diferentes tipos de desigualdade
que são relatados nas pesquisas baseadas em survey (ex:
renda, despesas, bruta ou líquida, domiciliar ou pessoal).
(Galbraith, 2010).

A vantagem é que a cobertura em termos de países e


anos é muito maior e a uniformidade de método produz
coeficientes que são comparáveis ​​tanto através do tem-
po e quanto no espaço. O método UTIP, assim, permite
a formação de conjuntos de dados em painel quase ba-
lanceados com mais de três mil observações anos-país,
abrangendo mais de 160 países ao longo de três ou quatro
décadas. (Galbraith, 2008).

Os dados da Desigualdade de Renda Bruta Domiciliar


Estimada (EHII) foram amplamente utilizados na literatura
sobre desigualdade. Herzer e Nunnenkamp (2011) usaram-no
para analisar a relação entre desigualdade e a saúde da popu-
lação. Herzer e Vollmer (2012) afirmaram que a grande van-
tagem do EHII é que os dados são totalmente comparáveis ​​no
espaço e no tempo e usaram-no para estimar o efeito de longo
prazo da desigualdade de renda sobre a renda per capita de 46
países durante o período 1970-1995. Gimet e Lagoarde‐Segot
(2011), por sua vez, usaram os dados do EHII para analisar o
impacto das diferentes características do setor financeiro na
distribuição de renda dos países. Eles também afirmaram que
o UTIP-EHII é a mais precisa e extensiva fonte de informação
sobre a distribuição de renda já elaborada. Finalmente, Meschi

128  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


e Vivarelli (2009) utilizaram os dados de EHII para estimar o
impacto do comércio na desigualdade de renda em uma amos-
tra de 65 países em desenvolvimento, destacando a compara-
bilidade dos dados através do tempo e entre países.

3.2.1 Medidas alternativas de desigualdade econômica

Do mesmo modo que existe um vigoroso debate sobre


como o fenômeno da democracia deve ser mensurado empi-
ricamente, a literatura também diverge sobre quais são as me-
lhores formas de medir a desigualdade econômica. O problema
sobre esse conceito é ainda mais fundamental, pois a captura
de uma medida fina sobre a distribuição de renda dentro de
uma determinada sociedade requer grandes investimentos de
recursos para a obtenção de um único ponto de dado, tal como
surveys de consumo e renda.
Deste modo, nessa seção iremos introduzir outras três
medidas de desigualdade econômica. Duas adotam diferentes
estratégias empíricas para produzir mais dados que mensu-
ram o mesmo conceito tratado pelo UTIP-EHII: o coeficiente
de GINI. A primeira é o Standardized Income Inequality Data
(SIID) de Salvatore J. Babones e María José Alvarez-Rivadulla
(2007) e a segunda é o Standardized World Income Inequality
Database (SWIID) de Frederick Solt (2009). A terceira, Capital
Shares, captura o quanto dos recursos de um determinado país
são controlados pelos detentores do capital e foi elaborada por
Daniel Ortega e Francisco Rodríguez (2006). As três medidas
são abrangentes temporal e transversalmente.
Temos como expectativa encontrar relações semelhan-
tes para diferentes mensurações do GINI, uma vez que o con-
ceito objeto da análise é a curva de Lorenz do coeficiente de

A democracia reduz a desigualdade econômica?  129


GINI e a fonte primária dos dados de desigualdades elabora-
dos pela UTIP, pelo SWIID e pelo SIID são a mesma: a com-
pilação feita pelo UNU-WIDER. Por sua vez, em relação à ter-
ceira medida, que foi utilizada por Houle (2009) para analisar
a relação entre desigualdade e processos de democratização, as
expectativas são mais incertas, uma vez que a variável captura
outro aspecto da desigualdade: a divisão de recursos entre os
detentores do capital e o resto da sociedade e não apenas a
desigualdade no fluxo de renda e nem efeitos que acontecem
ao longo de toda a distribuição de renda. Uma característica
comum de todas as 4 medidas e que justifica a escolha empí-
rica é a extensão da cobertura dos dados, abrangendo tantos
países desenvolvidos quanto em desenvolvimento, em todos
os continentes e por um extenso período de tempo.

3.2.1.1 Standardized Income Inequality Data (SIID) e Standardized World Income


Inequality Data (SWIID)

As medidas de desigualdade econômica elaboradas pelo


SIID e pelo SWIID são tentativas de melhorar a consistência
e comparabilidade internacional e temporal dos dados sobre
desigualdade econômica compilados pela UNU-WIDER por
técnicas diferentes das utilizadas no UTIP-EHII. Os trabalhos
de Babones e Alvarez-Rivadulla (2007) e de Solt (2009) tem
um mesmo objetivo: padronizar os dados do WIID em uma
nova variável que reduza os atritos conceituais entre os dife-
rentes pontos de GINIs estimados. Deste modo, assim como o
exercício empírico realizado pelo projeto UTIP-EHII, o SIID
e o SWIID re-estimam os coeficientes de GINI do WIID para
maximizar a comparabilidade dos dados, mantendo a maior
cobertura possível em termos geográficos e temporais.

130  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


O SIID versão 2 possui 1218 pontos de dados estimados
de GINI para 143 países entre 1960 e 1999 para a desigualdade
em renda per capita bruta da família utilizando do arcabou-
ço regressional de MQO para padronizar os dados do WIID
após classificar conceitualmente os diferentes pontos em cate-
gorias distintas de conceitos de renda e unidades de referência
(Babones; Alvarez-Rivadulla, 2007). Babones (2008)
realiza uma interpolação polinomial para preencher os valores
faltantes. O resultado final da interpolação, SIID versão 3, re-
sulta em séries temporais contínuas para 134 países entre 1955
e 2005. Além do mais, esta última versão possui um indicador
para informar se os dados são estimados para além ou dentro
da amostra do WIID. Para os dados de fora da amostra, são re-
petidos os primeiros e últimos valores encontrados. Em nosso
banco de dados 2302 observações do SIID versão 3 não extra-
polados para fora da amostra foram imputadas70. Nas análises
utilizaremos os dados do SIID versão 3 não extrapolados para
fora da amostra71.
Por sua vez, o SWIID utiliza-se de um algoritmo mais
sofisticado para padronizar os dados do UNU-WIID (versão
2.0c), utilizando como parâmetros os dados de duas séries de
desigualdade de renda elaboradas pelo Luxembourg Income
Study (LIS) 72, desigualdade bruta e desigualdade líquida, e

70
Não pudemos inserir todos os dados do SIID, pois alguns pontos de dados
desse banco não são países independentes como, por exemplo, Hong Kong e
Porto Rico.
71
Agradecemos a gentileza dos professores Salvatore Babones e María Alvarez-
-Rivadulla por terem nos fornecido os dados das versões 2 e 3 de SIID.
72
O LIS possui o maior banco de dados comparável sobre desigualdade ao utili-
zar a mesma metodologia de survey em diferentes países e anos, mas a sua cober-
tura temporal e internacional é bastante limitada. Seus dados cobrem os 30 países
mais ricos do mundo e seus dados estão disponíveis apenas a partir de 1993.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  131


regressões não paramétricas para a interpolação e padroniza-
ção dos dados da UNU-WIDER. O primeiro passo da padro-
nização do SWIID foi eliminar as observações que não cobrem
toda a população de um país, tal como feito por Babones e
Alvarez-Rivadulla (2007) na elaboração do SIID e incluir as
variáveis de desigualdade de renda líquida e bruta do LIS, que
são para Solt (2009) os dados melhor comparáveis sobre desi-
gualdade e servem, portanto, de baseline para o algoritmo de
padronização dos dados.
Em seguida, os dados foram organizados de acordo com
21 categorias empíricas decorrentes de combinações das cinco
unidades básicas de referência e dos quatro conceitos de renda
existentes no WIID73, mais as duas categorias básicas do LIS:
rendas líquidas e brutas familiares adulto-equivalentes, consi-
deradas como grupos distintos74. Assim foi formado um novo
banco de dados com a unidade básica de análise sendo o país/
ano/categoria de renda e unidade referência. A partir destes
dados foi calculada para cada país/ano a razão entre as catego-
rias, o que permite a extrapolação dos dados para os anos nos
quais algumas das categorias estão ausentes.
Um suposto assumido é que estas razões são estáveis no
médio prazo, sendo possível usar a razão encontrada em um
ano mais próximo para estimar o dado faltante. Com isso em
mente, para os países com dados suficientes foram realizadas
regressões não paramétricas (LOESS), incorporando o máximo

73
Unidades de referência no WIID: familiar per capita; familiar adulto equiva-
lente; familiar; por empregado; e per capita. Conceitos de renda no WIID: renda
líquida; renda bruta; consumo; e não identificada.
74
A escala família equivalente é o resultado obtido pela ponderação do rendi-
mento de cada família pela sua dimensão em número de indivíduos. A escala de
equivalência do LIS baseia-se na ponderação da renda familiar pela raiz quadra-
da do número de membros da família.

132  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


de informação disponível por meio de curvas de suavização
ponto por ponto. Em seguida, modelos multiníveis foram
aplicados para estimar as razões de países com menos infor-
mações, incluindo no modelo indicadores de década-país, dé-
cada-região, país, região e se o país é desenvolvido ou em de-
senvolvimento. As predições foram combinadas para estimar
a razão entre as categorias para diversos países, tendo como
baseline de comparação a renda líquida e depois a bruta do LIS.
O terceiro passo da padronização dos dados do SWIID
foi feito baseado no suposto que a mudança na distribuição de
renda de determinado país é lenta ao longo do tempo. Como a
desigualdade contemporânea deve ser similar à desigualdade
nos anos precedentes, foi usado um algoritmo que computa
uma média móvel ponderada em 5 anos exposta na equação
(3.4). As únicas exceções para as quais não foram aplicadas o
algoritmo de suavização foram as mudanças dramáticas ocor-
ridas no LIS, que são consistentes ao longo dos eixos temporais
e transversais, e as mudanças ocorridas nos países comunistas
após o colapso da URSS entre os anos de 1989 e 1992.

(Eq. 3.4)

Finalmente, o quarto e último passo foi a re-estimação


dos dados em 100 vezes por meio da aplicação de uma simu-
lação de Monte Carlo e do algoritmo da média móvel em cada
simulação. Os valores para todos os dados faltantes depois de
1975 foram interpolados em cada estimação. Como resultado
foram gerados duas novas séries de dados padronizados em
desigualdade de renda bruta adulto equivalente da família
e renda líquida adulto equivalente da família para mais de
4000 pontos de dados e cobrindo 153 países.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  133


3.2.1.2 Capital Shares

A variável Capital Shares foi compilada por Ortega e Ro-


driguez (2006), baseando-se nos dados da UNIDO, que desde
1963 coleta informações sobre os agregados industriais para
181 países. Os dados da UNIDO, os mesmos utilizados nas
criações do UTIP-UNIDO e no EHII, são coletados por meio
de questionários enviados aos governos nacionais. Após o re-
cebimento das informações, os dados são conferidos visando
à correção de inconsistências e erros e posteriormente são
suplementados com outras fontes nacionais e internacionais
de informações econômicas. A verificação é feita visando ga-
rantir a comparabilidade internacional e temporal dos dados.
Os dados da UNIDO incluem medidas dos valores adiciona-
dos agregados e salários para 136 países permitindo o cálculo
do capital share, definido como75:

(Eq. 3.5)

De acordo com Houle (2009), o conceito de Capital


Shares é bastante usado na literatura em política comparada
para mensurar a desigualdade76 por possuir vantagens teóri-
cas e empíricas: a) são consistentes com a literatura que foca
o problema da desigualdade entre grupos da sociedade e não
a desigualdade total; b) a capital shares observa, sobretudo, a

75
Salários são todos os pagamentos feitos aos empregados em um ano e va-
lor adicional é o resultado dos valores dos outputs menos os valores dos inputs
(materiais e insumos para a produção e custos de serviços industriais). Agrade-
cemos a gentileza do professor Christian Houle por ter nos fornecido os dados
de capital share.
76
Os autores citados são Dunning (2008), Acemoglu e Robinson (2006) e
Przeworski e outros (2000)

134  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


desigualdade entre pobres e a elite, ao medir a renda relati-
va das elites; c) a variável é coletada por uma única fonte – a
UNIDO – cuja metodologia é semelhante para todos os países.
Por outro lado, os próprios autores dos dados verifica-
ram empiricamente que esta variável é forte e negativamente
relacionada com o nível de desenvolvimento. Ortega e Rodri-
guez (2006) estimaram que as economias mais desenvolvidas
possuem em média 10 pontos percentuais a menos de capital
shares do que as economias de renda média e 20 pontos per-
centuais a menos do que países de baixa renda. Tal relação é
robusta a diferentes especificações77. O mesmo argumento é
feito por Ansell e Samuels (2014), que entendem que a variável
utilizada por Houle (2009) é mais uma proxy de desenvolvi-
mento do que uma medida de desigualdade, o que explicaria
o fato que os achados de Houle sobre a relação entre desigual-
dade e democratização serem muito semelhantes aos achados
de Przeworski e outros (2000) sobre a relação entre desenvol-
vimento e democratização.
Ademais, um segundo ponto problematizado por Ansell
e Samuels (2014) decorre do fato de que a fatia pertencen-
te ao capital em uma dada sociedade pode ser mais ou me-
nos equitativamente distribuída. Isto é, a fração pertencente
ao capital em dada economia não nos informa muito sobre
como o capital é distribuído entre os agentes econômicos.
Caso a fração do produto adicional pertencendo ao capital
seja elevada, mas a propriedade do capital ser equitativamen-
te distribuída, a variável não mensuraria adequadamente a
desigualdade econômica.

77
Em nossos dados, a correlação entre Capital Shares e o log de renda per capita
é de cerca de -0.4.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  135


Piketty (2014), inclusive, mostra que o período pós-Se-
gunda Guerra Mundial é justamente aquele no qual a proprie-
dade do capital ocupou um peso menor em relação à renda na-
cional nas economias mais desenvolvidas da América do Norte,
Europa Ocidental e Japão. E também demonstra claramente que
a 2ª metade do século XX é justamente o período do surgimento
de uma classe média patrimonial: uma classe média detentora
de capital e que retira sua renda mensal não apenas da renda do
trabalho, mas também de renda deste capital.

3.2.2 Dados de desigualdade econômica

Em nossa pesquisa iremos utilizar como fonte de dados


principal o banco da desigualdade de renda bruta domiciliar
estimada (EHII) elaborado pelo Projeto Desigualdade da Uni-
versidade do Texas (UTIP). Nessa seção apresentamos algumas
estatísticas descritivas de EHII e no capítulo 4 analisaremos
os efeitos heterogêneos da democracia sobre a desigualdade.
O banco de dados original inclui 3686 pontos de dados de EHII
para 145 países entre 1963 e 200878. Com projeções lineares
sempre que havia de um a no máximo oito anos faltantes entre
dois pontos de EHII, o banco cresceu para 4138 pontos.
Optamos por priorizar a análise do EHII por dois mo-
tivos. É a única proposta metodológica de obtenção de dados
que permite a recuperação de pontos do passado, enquanto
as metodologias propostas por Solt (2009) – Standardized
World Income Inequality Data (SWIID) e Babones e Alvarez-

78
Quando um país foi dividido ou unificado, a parcela principal do território
permaneceu sendo o mesmo país e as outras parcelas tornaram-se novos. Fo-
ram divididos Paquistão (Paquistão e Bangladesh) e Etiópia (Etiópia e Eritréia).
O país unificado foi a Alemanha. Após a divisão da Tchecoslováquia dois novos
países foram criados: República Tcheca e Eslováquia, o mesmo foi feito para a
divisão da Iugoslávia.

136  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


-Rivadulla (2007) – Standardized Income Inequality Data
(SIID) são aplicáveis apenas nos casos onde existem dados de
survey de renda. O segundo ponto é que a última versão do
UTIP-EHII foi publicada em dezembro de 2013, sendo o mais
atual dos bancos de dados sobre desigualdade. Por outro lado,
como o SWIID possui uma cobertura tão extensa quanto o do
UTIP-EHII e também cobre um vasto período de tempo, 1960
a 2008, também apresentaremos as estatísticas básicas dessa
variável79. Contando com as interpolações realizadas, temos
4710 pontos de dados no SWIID, sendo que deste total 1967
são ditaduras e 2463 são democracias.
As principais estatísticas descritivas de EHII são apre-
sentadas na Tabela 3 e sua densidade de kernel no Gráfico 3.
Em ambas as figuras apresentamos as informações para todo a
amostra e também para cada tipo de regime político. Estende-
mos em todas as análises os valores de GINI e de Capital Sha-
res para um intervalo entre 0 e 100 e não limitado entre 0 e 1.
O motivo para tal escolha decorre do fato que um GINI e Capital
Shares que variam de 0 a 100 facilitam a interpretação dos coefi-
cientes das regressões quantílica e lineares do próximo capítulo.
No Gráfico 3 apresentamos a distribuição da variável de-
pendente por meio da densidade de kernel. No eixo horizontal
está o escopo de valores encontrados na variável dependente e
no eixo vertical a concentração de dados em cada intervalo de
pontos. A linha sólida indica a distribuição de toda a amostra.
Os menores valores são próximos de um GINI de 20 e os maio-
res de um GINI de 60, mas os dados estão concentrados entre
os GINIs de valores de 30 a 50 e a distribuição apresenta uma

79
Ambos os trabalhos são amplamente citados na literatura: Solt (2009) tem mais
de 351 citações no Google Scholar, enquanto o trabalho do UTIP-EHII tem cerca
de 190 citações. Por sua vez, o banco de dados de Babones e Alvarez-Rivadulla
(2007) - Standardized Income Inequality Data (SIID) - também é frequentemente
citado, tendo cerca de 180 citações. Dados vistos em: 25 maio 2014.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  137


forma bimodal. O mesmo formato bimodal é encontrado quan-
do vemos a distribuição de EHII apenas para as democracias
(linha pontilhada). Ainda que os dados variem entre os valo-
res de 20 e 60, os dois vértices da distribuição estão entre 30
e 40 e entre 40 e 50, sendo o primeiro vértice mais elevado. Já
a distribuição de desigualdade econômica em ditaduras (linha
tracejada) tem um formato unimodal e o vértice está localizado
próximo do GINI de 50. Mas assim como as outras, a distribui-
ção varia entre os GINIs de 20 e 60.

Gráfico 3 – Densidades de Kernel de desigualdade


econômica bruta (EHII) por regimes políticos
Fonte: UTIP – EHII e CGV

Ademais, fica claro no Gráfico 3 que o pico da distribui-


ção de desigualdade econômica em democracias é menor que
o pico da distribuição em ditaduras, indicado pela diferença na
curtose das duas dimensões, embora ambas sejam menos acha-
tadas que a distribuição normal. Os dados descritivos da Tabela

138  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


3 mostram ainda que a média e a mediana de desigualdade nas
democracias são menores do que nas ditaduras. A proximidade
entre os valores médios e medianos de cada curva demonstram
que as três distribuições de GINI aproximam-se de uma nor-
mal. Por outro lado, curiosamente, mesmo tendo uma média
superior à democracia, os primeiros 39 pontos de dados míni-
mos são todos ditatoriais e referem-se à Alemanha Oriental e
Tchecoslováquia. Por sua vez, os desvios padrões e os valores
máximos das duas distribuições são semelhantes. Finalmente,
as simetrias das curvas são discrepantes, indicando que as duas
distribuições estão inclinadas para lados diferentes da média80.

Tabela 3 – Dados descritivos de EHII_renda bruta

Toda amostra Democracias Ditaduras


Média 42.26 39.98 44.72
Desvio Padrão 7.11 6.51 6.90
Mediana 43.45 39.01 46.17
Assimetria -0.46 0.18 -1.34
Curtose 2.60 2.05 5.03
Mínimo 19.70 23.18 19.70
Máximo 59.96 58.03 59.96
Número de Observações 4138 2145 1993
Observação 1: 4 países - anos ditatoriais são mais desiguais que todos os países-anos de-
mocráticos: Angola – 1993; Camboja – 1995; Kuwait – 1991 e 1992.
Observação 2: 39 países - anos ditatoriais são mais iguais que todos os países-anos demo-
cráticos: Tchecoslováquia – 1963 a 1986 e Alemanha Oriental – 1975 a 1989.
Fonte: UTIP – EHII e CGV

80
Assimetria ou skewness é a medida do grau em que uma distribuição de pro-
babilidade está inclinada para um lado da média. Uma assimetria negativa indi-
ca que a cauda no lado esquerdo da função densidade é maior ou mais ampla do
que a do lado direito. Já a curtose é uma medida de dispersão que caracteriza o
pico ou “achatamento” da curva. Uma curtose de 0 indica o mesmo achatamen-
to da distribuição normal.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  139


Os achados são um pouco distintos quando observa-
mos os dados de desigualdade econômica bruta pelo SWIID.
Os dados estão disponíveis na Tabela 4 e sua densidade de ker-
nel no Gráfico 4. Assim como no gráfico anterior, em ambas as
figuras apresentamos as informações para toda a amostra e tam-
bém divididas de acordo com o regime político. O que fica evi-
dente ao analisamos as distribuições de kernel do Gráfico 4 são
que as distribuições de toda a amostra ou dividida por regimes
políticos são muito mais semelhantes em praticamente todos os
aspectos, variando apenas na curtose de cada curva. Em todas
as três distribuições (que seguem o mesmo padrão de formas do
Gráfico 3) as curvas são unimodais com o centro da distribuição
posicionado de maneira semelhante, os dados variam de GINIs
inferiores à 20 à GINIs superiores à 80, embora boa parte da
concentração esteja entre os GINIs de 30 e 50.

Gráfico 4 – Densidades de Kernel de desigualdade


econômica bruta (SWIID) por regimes políticos
Fonte: UTIP – EHII e CGV

Já na Tabela 4 as estatísticas descritivas das três distribui-


ções são essencialmente semelhantes. As médias e medianas

140  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


são muito próximas, distando menos de 3 pontos de GINI e
os desvios padrões também. O sinal da assimetria também é
igual, indicando uma inclinação em relação à média seme-
lhante. A curtose das ditaduras é um pouco menor, o que re-
flete o fato que o vértice desta distribuição ser mais achatado
que os vértices das outras duas curvas, mas as três são mais
alongadas que uma distribuição normal. Os mínimos e máxi-
mos também convergem.
Em relação aos dados do EHII, as médias e medianas do
SWIIDs, com exceção apenas da mediana das ditaduras, são
maiores. Por outro lado, as diferenças absolutas entre EHII e
SWIID para renda bruta das ditaduras são bem menores (0.85
ponto de média e 0.76 de mediana) do que as diferenças ab-
solutas das democracias (3.15 pontos de média e 3.9 de me-
diana). Os desvios padrões de cada uma das curvas também
são maiores no SWIID, assim como a amplitude total entre os
valores mínimos e máximos em média 22.9 pontos de GINI
maior nas três curvas de SWIID.

Tabela 4 – Dados descritivos de SWIID_ renda bruta

Toda amostra Democracias Ditaduras


Média 44.15 43.14 45.57
Desvio Padrão 9.32 7.99 10.90
Mediana 43.65 42.91 45.41
Assimetria 0.34 0.33 0.16
Curtose 3.27 3.68 2.65
Mínimo 17.10 19.25 17.10
Máximo 79.39 78.65 79.39
Número de Observações 4710 2463 1967
Observação 1: 1 país-ano ditatorial é mais desiguais que todos os países-anos democráti-
cos: Maldivas – 1998.
Observação 2: 9 países-anos ditatoriais são mais iguais que todos os países-anos democrá-
ticos: Bulgária – 1967 a 1974 e Romênia – 1989.
Fonte: SWIID e CGV

A democracia reduz a desigualdade econômica?  141


Tabela 5 – Estatística descritiva dos dados de desigualdade

1 – Correlações entre as Medidas de Desigualdade


SIID_ SWIID_ SWIID_
EHII
bruto líquido bruto
EHII
SIID_bruto 0.62
SWIID_liquido 0.71 0.73
SWIID_bruto 0.53 0.73 0.86
Capshare 0.47 0.26 0.41 0.25
2 – Dados Descritivos
Média Desvio Média Média
N
Geral Padrão Democracias Ditaduras
EHII 4138 42.26 7.11 39.98 44.72
SIID_bruto 2302 42.54 9.16 42.22 42.88
SWIID_liquido 4710 39.05 11.14 36.54 42.55
SWIID_bruto 4710 44.15 9.32 43.14 45.57
Capshare 3427 64.21 12.66 60.86 67.40
Fonte: UTIP-EHII, SIID, SWIID, CAPSHARE e CGV

Na Tabela 5 apresentamos a descrição de todas as outras


variáveis de desigualdade, incluindo a mensuração de SWIID
para renda líquida, e mostramos como estão fortemente rela-
cionadas com a variável EHII. Como podemos ver nesta ta-
bela, as quatro diferentes mensurações do GINI são bastante
correlacionadas, ainda que a relação menor seja justamente
entre o SWIID_bruto (GINI para renda bruta) e o EHII. Por
outro lado, é interessante observar que a medida do SIID que
mensura um índice de GINI para renda bruta tem a mesma
correlação com as duas diferentes medidas do SWIID, en-
quanto o coeficiente de GINI do EHII é mais correlacionado
com SWIID_líquido (GINI para renda líquida) do que com o

142  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


SWIID_bruto, embora na definição apresentada pela UTIP a
medida seja sobre a renda bruta.
Além das variáveis sobre GINI, também introduzimos
na Tabela 5 a variável sobre o quanto dos recursos de um de-
terminado país são controlados pelos detentores do capital.
A diferença entre a correlação das variáveis é visível. As corre-
lações da variável Capital_Share [capshare] com os índices de
SWIID_líquido e EHII estão na casa do 0.4 enquanto a correla-
ção com os índices de renda bruta do SWIID_bruto e do SIID_
bruto estão próximas de 0.25. Além do mais, a própria média e
desvio padrão da variável de Capital_Share é superior aos das
outras quatro variáveis de GINI, o que é esperado, uma vez
que o conceito mensurado é essencialmente distinto, enquanto
as outras possuem estratégias metodológicas diferentes para
a computação dos dados, mas tomam como base o mesmo
conceito do coeficiente de GINI e o mesmo dado original do
WIID.
Observando os dados descritivos da Tabela 5 – que tam-
bém estão divididos entre ditaduras e democracias, vemos cla-
ramente que para todas as variáveis as médias de desigualdade
em democracias são menores do que as médias em ditaduras.
E as únicas variáveis que tem uma diferença ínfima entre as
médias de democracias e ditaduras são os dados de desigual-
dade bruta do SIID e do SWIID. A diferença entre a desigual-
dade bruta mensurada pelo EHII é de cerca de 4.5 pontos na
escala do GINI, enquanto a diferença entre a desigualdade lí-
quida mensurada pelo SWIID é de 6 pontos. Já em relação ao
papel do capital no valor agregado da economia, em ditaduras
o capital ocupa uma parcela de 67.4% enquanto em democra-
cias esse valor cai para 60.9%.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  143


3.3 Relação descritiva entre desigualdade e democracia

Nesta seção apresentamos alguns dados descritivos so-


bre e relação entre as duas principais variáveis da pesquisa.
Para regimes políticos usamos os dados de Cheibub, Gandhi
e Vreeland (2010). Sublinhamos, mais uma vez, que assumi-
mos a mensuração dicotômica defendida pelo CGV, que de-
fine democracia como um regime no qual existe competição
política regulada por eleições. Dividimos nossa amostra em
dois grupos distintos de países. O primeiro grupo consiste dos
países que não fizeram nenhuma transição política ao longo
do período entre 1960 e 2008. O segundo grupo é formado
pelos países que fizeram transições democráticas e/ou autori-
tárias. Obviamente não podemos afirmar que os regimes que
não transitaram sejam mais estáveis, uma vez que é possível
que tenha havido mudanças de sistema político e de governo
sem que a característica democrática ou não democrática do
regime tenha sido alterada.

864

Gráfico 5 – Médias de Desigualdade GINI (EHII_bruto e SWIID_bruto)


Fonte: CGV, UTIP-EHII, SWIID

144  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Optamos por apresentar os dados de acordo com essa
divisão, pois há uma importante consequência metodológica
da existência de inúmeros casos de países que não atravessam
alguma transição política entre a década de 1960 e a primeira
década do século XXI: a inadequação do uso de efeitos fixos
na estimação em painel. Caso optássemos pelo uso de efeitos
fixos na análise empírica, todos estes casos que não apresen-
tam transições (ou variação na variável independente) seriam
eliminados da análise: cerca de 48% dos dados do EHII e 44%
dos dados do SWIID.
O Gráfico 5 mostra a média de desigualdade em cada
um desses dois grupos, tanto no GINI de EHII quanto no GINI
do SWIID, sempre dividindo os países-anos em democráticos
e não democráticos. No eixo vertical está exposto o valor mé-
dio do GINI para cada um dos grupos. No primeiro conjunto
de barras temos os dados de EHII e no segundo os de SWIID.
Em negrito – no corpo de cada barra – está exposto o núme-
ro de países-anos de cada grupo. O menor número de países-
-anos em ambos os conjuntos são das não democracias transi-
cionais (países-anos ditatoriais em países que fizeram alguma
transição política), respectivamente 878 (em EHII) e 888 (em
SWIID) países-anos; e também das democracias transicionais
de EHII: 864 países-anos. Todos os outros grupos possuem
mais de 1000 países-anos.
Outra importante constatação que é possível obter a
partir da análise das barras do Gráfico 5 é que embora em
todas as amostras expostas na Tabela 5 as democracias apre-
sentaram média do GINI inferior ao GINI das ditaduras, po-
demos ver que isso está nitidamente associado a grande dife-
rença que existe entre os GINIs das ditaduras não transicionais
em relação às democracias não transicionais, diferença que se

A democracia reduz a desigualdade econômica?  145


sobressai ainda mais ao analisarmos os dados de EHII. A dife-
rença no SWIID é de 5 pontos de GINI enquanto a diferença
no EHII é de 8.9 pontos. Mas caso optemos por analisar ape-
nas os dados de países que passaram por alguma transição po-
lítica, as democracias são ligeiramente mais desiguais do que
as ditaduras: uma diferença de 1.17 pontos do GINI em EHII e
de 0.75 em SWIID. Desta forma, fica evidente que a adoção de
uma especificação de um modelo com efeitos fixos gerará um
viés importante na análise para encontrar um efeito positivo –
do ponto de vista estatístico – da democracia sobre a desigual-
dade (democracia aumentando desigualdade).
Por outro lado, é importante salientar que as compara-
ções realizadas até aqui ainda são preliminares, não sendo pos-
sível elaborar nenhuma inferência causal a partir destes dados.
Além de questões metodológicas relacionadas à existência de
um potencial problema de causalidade reversa na relação entre
democracia e desigualdade, existem inúmeros outros fatores
de confusão que afetam esta relação e que precisam ser levados
em conta antes de inferirmos a partir de dados observacionais.

Avançando na análise da relação entre as duas variáveis


nos Gráficos 6 e 7 (p. 148 e 150), apresentamos a evolução no
tempo da média da desigualdade econômica em cada um dos
grupos do Gráfico 5 e também para toda a amostra. Observa-
mos a trajetória dos 4 diferentes tipos de regimes – democra-
cias versus ditaduras e a natureza transicional ou não do regime
– ao longo do período abrangido pela década de 1970 até à pri-
meira década do século XXI. Visando remediar o problema de
dados faltantes, observamos as médias temporais em intervalos

146  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


de cinco anos, começando no ano de 1970 até o período qua-
drienal entre 2005 e 2008. Um ponto importante a ser conside-
rado na análise dos gráficos 6 e 7 é que as tendências dos regi-
mes que tiveram transição são afetadas pela direção da transição
política, dificultando a interpretação das movimentações e da
evolução no tempo de suas curvas. Já para os dados de regimes
que permaneceram iguais, as tendências indicam de fato qual
foi a evolução da desigualdade durante estes 38 anos analisados.
No Gráfico 6 apresentamos os dados de desigualdade
econômica mensurados pelo EHII. Neste gráfico temos 5 cur-
vas distintas. No eixo horizontal estão dispostos os quinquê-
nios que dividem o período entre 1970 e 2008, no eixo vertical
estão os valores médios de GINI para cada um dos grupos.
As quatro primeiras curvas referem-se às democracias e dita-
duras transicionais ou não e a quinta à evolução da desigualda-
de em toda a amostra. A curva escura e sem marcador indica
que ao longo do período houve um crescimento pequeno da
média de desigualdade entre os países em todo o mundo.
O crescimento da média de desigualdade ocorrido nas
democracias não transicionais é uma tendência maior e mais
estável que nas outras curvas. O que, por sua vez, corrobo-
ra a literatura sobre a expansão da desigualdade na Améri-
ca do Norte e Europa. Boa parte da discussão é centrada no
debate dos efeitos da expansão das relações de mercado, de
relações financeiras menos reguladas e da própria globaliza-
ção nas economias mais desenvolvidas e o retorno do mundo
desenvolvido a uma economia de baixo crescimento, tal como
demonstrado em Piketty (2014). As curvas das ditaduras não
transicionais também apresentam um forte crescimento da

A democracia reduz a desigualdade econômica?  147


desigualdade entre 1985 e 1990 e se estabiliza nos anos seguin-
tes. Esse crescimento não pode ser explicado apenas pelos efei-
tos do fim do mundo comunista, uma vez que nos dados de
1985 só a Alemanha Oriental conta como regime comunista
que deixa de existir nos dados do quinquênio que começa em
199081. Mas fica claro que a tendência de crescimento da desi-
gualdade nas ditaduras não transicionais é menor do que nas
democracias não transicionais.

Gráfico 6 – Médias de Desigualdade GINI ao


longo dos anos em quinquênios (EHII_bruto)
Fonte: CGV, UTIP-EHII

Por sua vez, as ditaduras transicionais apresentam um


pico de desigualdade próximo do quinquênio do ano 2000 e
uma profunda queda no momento seguinte, o que é explica-
do facilmente pelo número de países-anos contidos nos dois

81
Sem a Alemanha Oriental a média de 1985 cresce apenas de um GINI de
44.40 para um GINI de 45.42

148  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


intervalos, que despenca de 24 para apenas 7 casos, todos de
apenas 3 países: Nepal, Paquistão e Tailândia82. Ademais, o
crescimento da desigualdade nas ditaduras transicionais após
a década de 1990 é facilmente explicado pela transição dos re-
gimes comunistas no Leste Europeu e Ásia Central. Isto por-
que com a transição democrática nestes estados, os países di-
tatoriais mais iguais saem do grupo, aumentando a respectiva
média83. Por sua vez as democracias transicionais apresentam
uma tendência estável, indicando um pequeno crescimento da
média de desigualdade apenas na década de 1990.
No Gráfico 7 apresentamos os dados de desigualdade
econômica bruta mensurados pelo SWIID. Mais uma vez no
eixo horizontal estão dispostos os quinquênios e no eixo ver-
tical está o valor médio de GINI para cada um dos grupos.
Mantemos a mesma disposição das 5 curvas e a mesma estru-
tura de informação. As quatro primeiras referem-se às demo-
cracias e ditaduras transicionais ou não e a quinta refere-se
à evolução da desigualdade em toda a amostra. No gráfico
parece existir uma maior divergência entre os regimes na
década de 1970, enquanto nos últimos dois quinquênios as
cinco curvas sinalizam uma convergência entre os valores de
41 a 44 pontos de GINI.
Diferentemente do gráfico anterior, todas as curvas
desse gráfico indicam que ao longo do período houve uma

82
Os 24 do caso anterior são de 9 países: Equador, Fiji, Geórgia, Quirguistão,
Nepal, Paquistão, Peru, Sudão e Uganda.
83
No quinquênio de 1990-94 apenas a Albânia, Geórgia, Quirguistão e Sérvia
– Montenegro são ditaduras (num total de 6 países-anos com dados), enquanto
no quinquênio de 1985-89 temos 21 países-anos com dados de Albânia, Bulgá-
ria, Tchecoslováquia, Hungria, Quirguistão, Polônia e România.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  149


diminuição, ainda que pequena, da desigualdade pelo mundo,
o que é surpreendente dado o grande consenso a respeito de
que desde a década de 1970 assistiríamos a um retorno ine-
xorável da desigualdade econômica, sobretudo nas sociedades
mais desenvolvidas, com o avanço da economia de mercado e
da globalização econômica.

Gráfico 7 – Médias de Desigualdade GINI ao longo


dos anos em quinquênios (SWIID_bruto)
Fonte: CGV, SWIID

Por outro lado, a curva das democracias mais consoli-


dadas (que não são as transicionais) tem um formato de U no
qual o momento de menor desigualdade foi o quinquênio de
1985, ainda que a desigualdade da década de 1990 seja menor
do que a encontrada na década de 1970. Ademais as outras
três curvas parecem indicar uma tendência a redução da de-
sigualdade no período indicado, mesmo que os movimentos
das três tenham sido marcados por choques e picos, como, por
exemplo, o auge da desigualdade em ditaduras transicionais

150  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


no quinquênio dos anos 1990 (que é explicado pelo mesmo
fenômeno apresentado na nota de rodapé 82).
Mais uma vez, os resultados preliminares indicam que
a análise de dados sobre a desigualdade não é um empreen-
dimento fácil. Mesmo partindo de um mesmo conjunto de
informações compiladas pela UNU-WIDER, mas com meto-
dologias de padronização dos dados diferentes, os dados in-
dicam tendências da evolução da desigualdade discrepantes.
Os padrões apresentados pelos dados de EHII parecem mais
próximos dos debates contemporâneos ao apontarem que nas
últimas décadas houve aumento da desigualdade econômica
nas democracias e ditaduras não transicionais, fruto de hipo-
téticos efeitos das relações de mercado com a concomitante li-
beralização do setor financeiro e queda dos regimes comunis-
tas. Por outro lado, não podemos negar o fato que este debate
está voltado para as realidades econômicas dos países mais
desenvolvidos, que nos gráficos 6 e 7 tendem a estar concen-
trados na curva de democracias mais consolidadas (não tran-
sicionais) e que apresentaram, pelo menos a partir de 1985,
crescimento da desigualdade econômica, inclusive nos dados
do SWIID. E os movimentos da desigualdade fora dessa região
geográfico-econômica tendem a ser menos discutidos pela li-
teratura devido a pouca disponibilidade de dados.

Como os dados ao longo dos anos são menos informati-


vos para a análise dos efeitos da democracia sobre a desigual-
dade em países que transitam de um regime político para o
outro, propomos uma nova forma de verificar a dinâmica tem-
poral destes. Observamos agora a evolução da desigualdade

A democracia reduz a desigualdade econômica?  151


econômica segundo o horizonte de democratização, que é de-
finido de acordo com a persistência do regime democrático no
tempo. Inaugurado após uma transição, a democracia perdura
até atingirmos o ano de 2008 (ano final para o qual temos da-
dos) ou até acontecer uma nova transição que reverta o regime
político do país.
Visando facilitar a comparação entre democracia e de-
sigualdade econômica, incluímos também valores negativos
no horizonte de democratização. Damos o valor de -1 ao ano
imediatamente anterior à transição democrática e assim con-
tinuamente, até atingirmos uma transição anterior no tempo
ou chegarmos ao ano de entrada do país na amostra (sendo o
limite o ano de 1960). É importante salientar que as dinâmicas
do lado esquerdo dos gráficos sobre os horizontes de demo-
cratização referem-se, portanto, à relação entre desigualdade
econômica e o regime anterior à transição e no lado direito a
evolução da desigualdade no imediato à transição política e
durante o decorrer do regime democrático instaurado.
Assim definimos como 0 (zero) o momento no qual um
país se democratiza ou se torna um regime autoritário e como
+1 o primeiro ano daquele governo (ou seja, nenhum ano/país
recebe o valor de zero nesta mensuração). Os números positi-
vos indicam o avanço no tempo da democracia. Por exemplo,
como em nosso banco o Brasil se democratizou em 1985, o
ano de 1975 recebe o valor de -10 e o ano de 1994 recebe o
valor de +10. Restringimos a análise apenas para os países que
fizeram uma transição política. Isto é as democracias e ditadu-
ras transicionais. Optamos por deixar de fora da análise as de-
mocracias não transicionais, pois não temos dados sobre desi-
gualdade para o período autoritário anterior a estas transições.

152  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Nos Gráficos 8 a 10 apresentamos essa relação, plotan-
do no eixo vertical os valores médios de EHII e de SWIID e
no eixo horizontal os valores do horizonte de democratização.
No Gráfico 8 mensuramos o horizonte de democratização
anualmente, no 9 trienalmente e no 10 por décadas. Optamos
por utilizar intervalos de tempo mais amplos para reduzir
eventuais problemas causados por dados faltantes. As infor-
mações mais importantes são as mais próximas da transição de-
mocrática, por três motivos: a) após certo intervalo de tempo,
características próprias do regime podem parar de produzir os
efeitos sobre a desigualdade se houver retornos decrescentes; b)
quanto mais se distancia do momento da transição democráti-
ca, menor é o número de anos-países que compõe a média de
desigualdade naquele ponto do horizonte de democratização; e
c) os efeitos da desigualdade sobre a democracia podem ser ob-
servados no imediato anterior à transição política.
Apresentamos os efeitos dos regimes políticos 20 anos
antes e 20 anos depois da transição democrática. Para a cons-
trução da curva do efeito do horizonte de democratização so-
bre EHII, temos em média 45 anos-países para os primeiros 5
anos democráticos, 38 para o quinquênio seguinte, 33 para o
período entre 10 e 15 anos pós democratização e, por fim, 26
no último quinquênio. Em SWIID os números são, respectiva-
mente, 55, 47, 40 e 32. E nos anos anteriores à democratização
temos em EHII 48, 40, 30 e 23 anos-países e para o SWIID
temos 49, 37, 24 e 17; todos listados em ordem cronológica
inversa e que demonstram claramente a maior confiabilidade
dos dados nos arredores da transição política.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  153


Gráfico 8 – Médias de desigualdade GINI ao longo
do horizonte democrático (EHII e SWIID) – anual
Fonte: CGV, UTIP-EHII, SWIID

No Gráfico 8 apresentamos a média de desigualdade


econômica entre todos os países que passaram por alguma
transição entre 1960 e 2008. O intervalo vazio no meio do
gráfico refere-se ao momento da transição e tem a função de
deixar devidamente separado o período ditatorial (esquerda)
do democrático (direita). A primeira conclusão é que o tipo
de regime político não tem efeitos nas duas curvas do EHII e
do SWIID. Os dados descritivos demonstram a existência de
uma leve tendência de crescimento de desigualdade ao longo
do horizonte democrático, mas cuja inclinação independe do
regime político ser autoritário ou democrático. O único gran-
de choque encontrado é o pico que existe próximo ao nono
ano anterior à transição na curva de SWIID, que é reduzido ao
adotarmos intervalos de tempo maiores no eixo do horizonte
de democratização.

154  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Fazemos isto no Gráfico 9, no qual apresentamos o mes-
mo horizonte democrático, mas agora no eixo horizontal estão
triênios e não mais anos anteriores e posteriores à transição
democrática. Os intervalos de tempo maiores minimizam po-
tenciais distorções causadas por dados faltantes de certos paí-
ses. O resultado é assaz semelhante ao anterior. Na série dos
dados de EHII não há nenhuma mudança estrutural com a
alternância de regime. O crescimento visto no momento pos-
terior à transição democrática é o mesmo que já acontecia nos
triênios anteriores. Já nos dados de SWIID esse efeito não é
aparente, pois há uma importante queda da média da desi-
gualdade entre o quarto e o segundo triênio anterior à demo-
cratização, embora no período democrático a tendência seja
de um crescimento leve da desigualdade. Contudo, fora este
choque, existe uma tendência crescente em toda a série que
independe do regime político.

Gráfico 9 – Médias de desigualdade GINI ao


longo do horizonte democrático (EHII e SWIID)
Fonte: CGV, UTIP-EHII, SWIID

A democracia reduz a desigualdade econômica?  155


Gráfico 10 – Médias de desigualdade GINI ao longo do
horizonte democrático (EHII e SWIID) – por décadas
Fonte: CGV, UTIP-EHII, SWIID

Por fim, no Gráfico 10 apresentamos o mesmo horizon-


te democrático, tendo como unidade temporal décadas. Os re-
sultados são mais uma vez semelhantes aos anteriores, com ex-
ceção apenas do fato de que com os dados de EHII existe uma
aparente queda da desigualdade a partir da segunda década
democrática, o que pode indicar que os efeitos da democracia
sobre a desigualdade não são imediatos, mas sim resultados do
acúmulo de práticas da experiência democrática. Tal hipótese
foi advogada e testada com razoável sucesso por Muller (1998).
Contudo, na série de SWIID este mesmo padrão não se
repete, mas pelo contrário, na terceira década há um aparente
crescimento da desigualdade econômica e não arrefecimento
do processo, indicando de fato que há uma trajetória de cresci-
mento da desigualdade com o passar dos anos que é completa-
mente independente do regime político em questão.
Podemos concluir, tendo como base os dados apresen-
tados nos gráficos 6 a 10, que a democracia não parece ser um
redutor da desigualdade econômica. Os padrões observados

156  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


até agora não indicam um efeito distinto da democracia em
relação às ditaduras sobre a desigualdade. E a principal dife-
rença encontrada no Gráfico 5 entre democracias e ditaduras
não transicionais parece ser mais resultado do fato de que as
democracias não transicionais existem em sociedades menos
desiguais do que algum efeito específico destes próprios re-
gimes políticos. A análise da dinâmica temporal feita nos 38
anos entre 1970 e 2008, inclusive indica um crescimento efe-
tivo da desigualdade entre as democracias não transicionais.
E os dados das democracias transicionais parecem demonstrar
por outro lado a inexistência de uma relação entre democra-
cia e desigualdade. Os gráficos 8 a 10 indicam claramente que
a transição democrática não afetou o comportamento da de-
sigualdade econômica ao longo do contínuo do horizonte de
democratização.
Por outro lado, tal como em toda a literatura apresen-
tada no capítulo 1, estes dados partem de um suposto forte e
que deve e será equacionado no próximo capítulo. Ao longo de
toda a seção trabalhamos com a ideia de que existe um efeito
médio e negativo da democracia sobre a desigualdade. Com
o tipo de dado e métodos rudimentares aqui utilizados, não é
possível separar os efeitos da democracia em sociedades mais
desiguais dos efeitos da democracia em sociedades menos de-
siguais. Ao longo de todos os gráficos que analisaram conjun-
tamente as variáveis de regime político e desigualdade econô-
mica, trabalhamos essencialmente com o conceito de média.
Por fim, antes de iniciarmos a análise inferencial da nos-
sa hipótese, desenvolvida no capítulo 4, avançaremos um pou-
co mais sobre a relação descritiva entre democracia e desigual-
dade e mostramos na próxima seção qual é o comportamento
das duas variáveis numa visão de longo prazo e que abrange os

A democracia reduz a desigualdade econômica?  157


dois últimos séculos, abrindo espaço para análise de como o
processo de democratização das democracias mais antigas, e
hoje consideradas como regimes políticos democráticos mais
consolidados, afetou a desigualdade econômica.

3.4 Democracia e desigualdade – visão de longo prazo

Nesta seção apresentamos as mesmas estatísticas descri-


tivas da seção anterior a partir de outro banco de dados que
contém informações que começam no século XIX (1820) e se
estendem até 1992. Uma questão a respeito destes dados é que
o esforço de obtenção de uma série mais longa de desigual-
dade tem como preço uma medida que é menos confiável e
que abrange um menor número de países. Contudo, o exer-
cício é válido, pois introduz na análise a democratização dos
países desenvolvidos da Europa Ocidental, América do Norte
e Oceania, o que não é captado pelos anteriores.
Os dados que permitem esta visão de longo prazo da
desigualdade foram elaborados por Ansell e Samuels (2010),
a partir de informações organizadas por Bourguignon e Mor-
risson – BM (2002), cobrindo cerca 53 países em intervalos
de 20 anos entre 1820 e 1950 e em intervalos de 10 anos en-
tre 1950 e 199284. Estes autores estimaram a parcela da ren-
da tomada por cada decil da distribuição de renda em cada
um dos países com o objetivo de estimar a evolução da desi-
gualdade em todo o mundo durante os dois últimos séculos.
A partir destes dados dos decis da distribuição de renda,

84
Agradecemos a gentileza dos professores Ben Ansell e David Samuels por
terem nos fornecido os dados de GINI - BM utilizados em seu trabalho.

158  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Ansell e Samuels calcularam o coeficiente de GINI de cada
um destes países em cada um dos intervalos, interpolando
linearmente os dados em cada período para ter como unida-
de básica o país-ano. Segundo os autores, apesar de todos os
problemas, os dados do BM são os únicos disponíveis para
mensurar a desigualdade antes de 1945 e são amplamente ci-
tados na literatura85.
O primeiro problema decorre do fato que as estimativas
são tomadas somente a intervalos de 10 ou 20 anos e Ansell e
Samuels organizam os dados por países-anos. Além disto, as
estimativas de alguns países são partilhadas com outros que
possuem estruturas econômicas semelhantes. Por exemplo,
certos pontos de dados da Irlanda são derivados da Grã Bre-
tanha, Portugal e Espanha partilham do mesmo dado, assim
como os países escandinavos. De acordo com Bourguignon e
Morrisson (2002), o agrupamento foi baseado em considera-
ções de consistência histórica e homogeneidade. Existem de
fato apenas 16 estados86 que estão listados individualmente
num total de 33 grupos mensurados. Além desses 16 países,
existem mais 17 grupos de mais de um país que são compi-
lados por Bourguignon e Morrisson como fossem uma úni-
ca estrutura econômica autônoma87. Por fim, como terceiro

85
O artigo de Bourguignon e Morrisson (2002) possui 1384 citações no Google
Scholar. Acesso em: 16 nov. 2016.
86
Os 16 países são: Egito, Nigéria, África do Sul, China, Índia, Indonésia, Japão,
Brasil, México, Polônia, Rússia, Turquia, França, Alemanha, Itália, Estados Uni-
dos. Todos possuem no mínimo 1% da população mundial.
87
Os outros 17 grupos são i) Costa do Marfim, Gana e Quênia; ii) África do
Norte; iii) outros países africanos; iv) Burma, Bangladesh e Paquistão; v) Tai-
lândia e Filipinas; vi) 45 países asiáticos; vii) Coréia do Sul e Taiwan; viii) Co-
lômbia, Peru e Venezuela; ix) Argentina e Chile; x) 37 países latino america-
nos; xi) Portugal e Espanha; xii) Bulgária, Grécia, Romênia e Iugoslávia; xiii)
Austrália, Canadá e Nova Zelândia; xiv) Áustria, Tchecoslováquia e Hungria;

A democracia reduz a desigualdade econômica?  159


e último problema a variação geográfica dos dados é menor
do que nos outros bancos: 52% dos países-anos pertencem a
nações da Europa Ocidental ou do Leste Europeu e ex-URSS,
23% das Américas, 14% da Ásia, 3.5% da Oceania e apenas
8% da África.
Para medir os regimes democráticos, fizemos uma com-
binação dos indicadores sobre características institucionais
e competitivas dos regimes políticos. A primeira é o indica-
dor dicotômico de Boix e Rosato (2001) – BR que classifi-
ca, desde 1820, como democráticos os países que possuem:
i) legislativo eleito em eleições livres e com vários partidos;
ii) executivo eleito direta ou indiretamente pelo voto popu-
lar e respondendo diretamente aos eleitores ou à legislatura
popularmente eleita; iii) participação (direito ao voto) de no
mínimo 50% da população adulta masculina. O trabalho de
Boix e Rosato (2001) estendeu o banco CGV para o período
anterior à 2ª Guerra Mundial, adotando um critério empírico
um pouco menos exigente, mas partindo de uma mesma con-
cepção minimalista e procedimental de democracia (Boix;
Rosato, 2001; Boix; Miller; Rosato, 2012).
A seguir, incorporamos as informações compiladas por
Przeworski (2009), que indicam qual é a extensão legal do di-
reito ao voto em cada país. O banco de dados estendido com
informações sobre as instituições e alguns eventos políticos
ocorridos desde o estabelecimento das primeiras institui-
ções representativas modernas pode ser visto em Przeworski
(2011b). Consideramos como democráticos apenas aqueles

xv) Escandinávia; xvi) Suíça, Beneluz e microestados europeus; e xvii) Reino


Unido e Irlanda.

160  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


regimes que simultaneamente foram considerados demo-
cráticos por Boix e Rosato (2001) e para o quais Przeworski
(2009) indica a existência de sufrágio universal legal para to-
dos os homens. Por fim, como critério adicional considera-
mos autoritários todos os países que permitiam a existência
legal da escravidão.
Para o funcionamento adequado da hipótese dos efei-
tos heterogêneos da democracia é necessário a efetiva reali-
zação do sufrágio universal, uma vez que em geral as regras
que excluem alguma parte do eleitorado, sejam elas censitá-
rias ou requisitos educacionais, tendem a excluir justamente
o segmento menos favorecido da sociedade. O caso brasilei-
ro a respeito da impossibilidade do voto do analfabeto até
1985 é exemplo ilustre desse fato. Posto isto, optamos por
incorporar na definição de democracia o requisito do sufrá-
gio universal masculino. Uma melhor identificação de real
democracia seria por meio da avaliação do exercício efetivo
do direito ao voto. Contudo como não encontramos nenhum
autor que tenha mensurado tal elemento, optamos por consi-
derar suficiente o direito legalmente estabelecido do sufrágio
universal a todos os homens.
As principais estatísticas descritivas do GINI-BM são
apresentadas na Tabela 6 e sua densidade de kernel no Gráfi-
co 11. Em ambas as figuras apresentamos as informações para
toda a amostra e também para cada regime político. Mais uma
vez estendemos os valores do GINI para um intervalo entre 0 e
100 pelas mesmas razões apresentadas anteriormente.
Na Tabela 6, as democracias mais uma vez possuem
uma média e mediana de desigualdade econômica inferior às
das ditaduras. Outra constatação é que o número de anos-paí-
ses ditatoriais é duas vezes superior ao número de anos-países

A democracia reduz a desigualdade econômica?  161


democráticos, o que é esperado, uma vez que a primeira expe-
riência democrática só ocorre em 1850 e só a partir de 1864
existem países que permanecem como democracia por longos
períodos de tempo. E as curvas de distribuição também são
um pouco diferentes em relação à curtose e à assimetria, o que
fica bem claro no Gráfico 11 onde apresentamos as densida-
des de kernel da desigualdade econômica em toda a amostra e
para as democracias e ditaduras separadamente. Comparando
com os dois gráficos de densidades apresentados anteriormen-
te, fica patente como os dados do BM mostram um compor-
tamento mais discrepante entre as curvas de desigualdade em
democracias e em ditaduras.

Tabela 6 – Dados descritivos de GINI - BM

Toda amostra Democracias Ditaduras


Média 45.02 41.73 46.67
Desvio Padrão 6.48 5.97 6.09
Mediana 44.94 40.60 46.67
Assimetria -0.28 0.34 -0.65
Curtose 2.97 3.00 4.05
Mínimo 27.66 27.66 27.66
Máximo 62.04 55.72 62.04
Número de Observações 5718 1905 3813
Observação 1: 83 países-anos ditatoriais são mais desiguais que todos os países-anos de-
mocráticos: todos pertencentes à África do Sul de 1910 a 1992.
Fonte: BM-GINI

Nestes novos dados que possibilitam uma visão de longo


prazo da desigualdade, há uma concentração maior da distri-
buição de GINI para democracias à esquerda, enquanto para
as ditaduras a concentração está mais à direita. A distribuição
de BM em ditaduras tem um formato trimodal com os três

162  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


vértices localizados entre os GINIs de 45 e 55. Já a distribuição
de BM em democracias é unimodal com um único vértice em
torno de 40. Por outro lado, são bastante semelhantes os des-
vios padrões das duas distribuições, assim como os mínimos,
máximos e a própria amplitude total.

Gráfico 11 – Densidades de Kernel de desigualdade


econômica de longo prazo (BM) por regimes politicos
Fonte: BM-GINI

No Gráfico 12 (p. 166) apresentamos a evolução da mé-


dia de desigualdade ao longo do tempo – desde 1820 até 1992
– para toda a amostra, para as ditaduras e para as democracias.
Obviamente o número de pontos de dados é bem menor nos
primeiros anos da amostra. De 1820 a 1849 são apenas 17 ca-
sos, entre 1850 e 1870 são 26 casos, 40 casos a partir de 1930
até o máximo de 49 casos em 1992. Há um primeiro episó-
dio democrático apenas em 1848-49 e 1851 na França, mas de
fato a primeira democracia surge apenas em 1864 (Grécia), a

A democracia reduz a desigualdade econômica?  163


segunda em 1865 (EUA), a terceira em 1870 (Nova Zelândia),
a França novamente em 1870 e assim por diante. Somente em
1910 temos mais de 10 democracias e só depois de 1950 mais
de 20. Visando maximizar a informação contida nos dados, o
Gráfico 12 tem como unidade de análise a média de desigual-
dade por décadas desde 1820 até 1990 e por tipo de regime
político. No eixo vertical, como nos outros gráficos, estão os
valores médios de GINI e no eixo horizontal as décadas.
O Gráfico 12 apresenta um padrão bem interessante.
Enquanto no século XIX não há diferenças gritantes entre a
média da desigualdade nas democracias e nas ditaduras, após
a 1ª Guerra Mundial há um forte aumento na distância entre
as duas curvas, que se mantém bastante parecido até o final
da década de 1950 (mesmo que durante esse período ambas
apresentem uma tendência declinante bastante relevante).
A diferença entre as duas médias na primeira década do sé-
culo XX é de apenas 1.1 pontos de GINI, enquanto que em
1950 essa diferença sobe para 4.6 pontos. Esse diferencial é um
pouco reduzido entre as décadas de 1960 e 1970, e em 1980 a
diferença é de apenas 3.2 pontos de GINI. E apenas no último
ponto de dado, a média do triênio 1990-1992, a divergência
entre democracias e ditadura cresce abruptamente para 8.5
pontos de GINI.
Este período entre 1900 e 1950 também é analisado por
Thomas Pikkety (2014) como um momento no qual há uma
enorme queda da desigualdade nas economias mais desenvol-
vidas da Europa. Para o economista, as principais causas sub-
jacentes a este forte processo redutor da desigualdade foram os
esforços de mobilização nacional nas duas Grandes Guerras,
que tiveram entre suas consequências a destruição parcial do
estoque de capital das elites econômicas por meio do próprio

164  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


conflito ou como fonte de financiamento do estado, a prolon-
gada crise da Grande Depressão, a perda do valor dos títulos da
dívida pública com o surgimento de economias inflacionárias
e o próprio processo de descolonização da África e Ásia, com o
qual parte dos ativos estrangeiros europeus evaporaram.
Por fim, repetindo a análise feita na seção anterior, apre-
sentamos no Gráfico 13 a evolução da desigualdade econômi-
ca segundo o horizonte de democratização. Definimos hori-
zonte de democratização da mesma forma: a persistência do
regime no tempo. Inaugurado após uma transição democráti-
ca e perdurando até atingirmos o ano de 1992 ou até aconte-
cer uma nova transição que reverta o regime político do país.
O 0 (zero) determina o momento no qual um país se democra-
tiza e como +1 o primeiro ano terminado naquele governo (ou
seja, nenhum ano-país recebe o valor de zero nesta mensura-
ção). Os números positivos indicam sempre o avanço no tem-
po da democracia, enquanto os números negativos referem-se
ao período autoritário anterior a uma transição democrática.
O gráfico apresenta a média da desigualdade nos regimes auto-
ritários nos 30 anos anteriores à democratização (esquerda do
gráfico) e nos trinta anos democráticos posteriores (direita)88.

88
Visando facilitar a comparação entre democracia e desigualdade econômi-
ca, incluímos também valores negativos no horizonte de democracia. Damos o
valor de -1 ao ano imediatamente anterior à transição democrática e assim con-
tinuamente, até atingirmos uma transição anterior no tempo ou chegarmos ao
ano de entrada do país na amostra. As dinâmicas do lado esquerdo dos gráficos
sobre os horizontes de democracia se referem, portanto, à relação entre desi-
gualdade econômica e o regime anterior à transição e no lado direito a evolução
da desigualdade no imediato à transição política e durante o regime democrá-
tico instaurado.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  165


Gráfico 12 – Médias de desigualdade GINI (BM)
por décadas e por regime político
Fonte: BOIX-ROSATO e BM-GINI

O Gráfico 13 demonstra um padrão extremamente in-


teressante de evolução da desigualdade segundo o horizonte
de democratização. Entre os trigésimo e vigésimo anos au-
toritários anteriores à democratização (assinalada pelo ano
0), não há alteração no nível de desigualdade econômica. Já
nos dez últimos anos do regime autoritário, há o início de um
processo de redução da desigualdade que se estende até o vi-
gésimo ano pós-democratização, mesmo que nos primeiros
anos após a transição democrática exista um pico de aumento
da desigualdade que depois é rapidamente revertido. Isto é, a
própria transição democrática não parece afetar a média da
desigualdade e nem a sua tendência de evolução. A principal
constatação é que já no período anterior à transição, os países
entram em um processo de redução da desigualdade que se
estende no posterior da transição política e durante a própria

166  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


consolidação da democracia, se estabilizando somente a partir
do vigésimo ano democrático89.

Gráfico 13 – Médias de desigualdade GINI (BM) ao longo


do horizonte democrático – visão de longo prazo
Fonte: BOIX-ROSATO e BM-GINI

Interessante apontar que esta possível interpretação


dos dados expostos no Gráfico 13 contraria à tese de Ansell e
Samuels (2010 e 2014). O argumento defendido por Ansell e
Samuels parte da teorização de que a democratização decorre
do surgimento de uma elite econômica e mesmo de uma classe
média autônoma do Estado, que demandam proteção contra o
poder expropriativo do Leviatã absolutista. Isto implicaria, do
ponto de vista empírico, que há uma associação entre o cres-
cimento da desigualdade e um concomitante aumento da pro-
babilidade de democratização. E isto não é o que parece ocor-

89
Consolidação entendida simplesmente como a persistência no tempo do re-
gime democrático.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  167


rer nos dados do Gráfico 13 nos anos anteriores à transição
democrática. A tendência apresentada no imediato anterior à
transição democrática é nitidamente crescente e persiste após
a mudança de regime político.
Obviamente não temos a pretensão de resolver este im-
passe teórico com uma análise puramente descritiva. Confor-
me já exposto ao longo do texto existe uma miríade de fatores
de confusão que permeiam a relação entre democracia e de-
sigualdade. Contudo, é interessante notar como a relação de
longo prazo entre desigualdade e democracia parece tomar
uma perspectiva bastante distinta daquela encontrada no pe-
ríodo entre 1960 e 2010. Desta forma, após testarmos a hipó-
tese sobre a heterogeneidade dos efeitos da democracia sobre
a desigualdade nos dados mais refinados e confiáveis da 2ª
metade do século XX, verificaremos se esta hipótese encontra
respaldo empírico em uma visão de maior longo prazo, ainda
que mais restrita geograficamente.

3.5 Variáveis de controle

Como apresentamos no último parágrafo, a relação en-


tre democracia e desigualdade é permeada por outros fatores
que a afetam simultaneamente. Desta maneira, não podemos
realizar nenhuma afirmação conclusiva a respeito de algum
tipo de relação causal entre as duas variáveis com os dados
descritivos expostos ao longo desse Capítulo 3, sem que esses
possíveis fatores de confusão sejam controlados. Variáveis e
fatores como o grau liberalização dos mercados, a globaliza-
ção, o capital humano e também o nível de desenvolvimento

168  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


de cada país podem desempenhar um papel relevante e tornar
espúrias algumas das relações encontradas.
Tomando como ponto de partida as contribuições da
literatura recente, iremos controlar a análise para quatro con-
juntos de variáveis, que mensuram: os processos de liberaliza-
ção e expansão das relações de mercado i) no nível do país e
ii) em nível global; iii) o nível de desenvolvimento econômico
de cada país e, por fim, iv) o nível educacional da população
como proxy do capital humano e da distribuição das habilida-
des presente no sistema econômico daquela sociedade.
Conforme já exposto anteriormente, é de fundamental
importância controlar para os fatores de mercado uma vez
que democracia e mercados tendem a andar juntos no mundo
contemporâneo. Ainda mais depois do fim da guerra fria e da
terceira onda de democratização, quando vigora um processo
distinto, mas concomitante da expansão de regimes políticos
democráticos e disseminação de processos econômicos libera-
lizantes em temas de comércio exterior e das próprias relações
econômicas nacionais.
Como esses dois processos ocorrem ao mesmo tempo
é bastante provável que os reais efeitos da democracia sobre a
desigualdade sejam mitigados pelos efeitos causados por rela-
ções econômicas menos reguladas. Do mero fato que um país
se democratiza e apresenta dados crescentes de desigualdade
não decorre que a democracia não seja uma força equalizado-
ra da sociedade, é possível que a democracia esteja reduzindo
a velocidade do aumento da desigualdade que o processo de
expansão das relações de mercado impõe.
Os processos de democratização política e liberaliza-
ção econômica, embora concomitantes, são independentes.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  169


A história chilena ilustra bem esse fato. Antes do golpe coman-
dado pelo general Augusto Pinochet, o então presidente Salva-
dor Allende, que havia sido eleito democraticamente, estava
direcionando a política econômica chilena para um ponto dis-
tante dos mercados. E depois de 1973, o regime militar de Pi-
nochet colocou o Chile no caminho da liberalização econômi-
ca em um momento em que não havia mais liberdade política.
Posto de outra forma, a liberdade política não é equivalente à
liberdade de comprar (Galbraith, 2008).
Desta forma, iremos controlar nossa análise para quatro
variáveis que buscam capitar os processos de mercado:

a) Processos de Mercado dentro do país


i. Abertura Econômica: Volume total de comércio (expor-
tação e importação) como percentagem do PIB a pre-
ços constantes. Dados da Penn World Tables versão 7.1
(Heston; Summers; Aten, 2012).
ii. Participação do Governo: Proporção dos gastos do go-
verno em relação ao PIB a preços constantes. Dados da
Penn World Tables version 7.1 (Heston; Summers;
Aten, 2012).

b) Globalização: processos de Mercado em escala global


iii. Comércio Mundial: Log (Soma de todas as correntes
de importação e exportação em cada ano / 2). Dados da
Penn World Tables version 7.1 (Heston; Summers;
Aten, 2012).
iv. Variável Binária como indicador do Período Pós Guerra
Fria: 1 - depois de 1990; 0 - caso contrário.

170  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Também vamos controlar nossa análise para o nível de
desenvolvimento de cada país, pois é amplamente reconhecido
que o nível de desenvolvimento está altamente correlacionado
com a democracia e também com a própria desigualdade, tal
como proposto pela famosa curva de Kuznets (1955). Além
disso, não podemos desconsiderar o fato de que os países de-
senvolvidos têm mais recursos para lidar com problemas de-
correntes da desigualdade, uma vez que a questão da sobrevi-
vência econômica e reprodução social das elites, classes médias
e mesmo dos segmentos mais empobrecidos são conquistas já
garantidas. Mensuraremos o nível de desenvolvimento de cada
país por meio de suas variáveis: o PIB real per capita e o índice
de urbanização.

v. Desenvolvimento: Log do PIB Real per capita em forma-


to quadrático. Dados da Penn World Tables version 7.1
(Heston, Summers and Aten 2012).
vi. Urbanização: Porcentagem urbana da população to-
tal. Dados do Banco Mundial 2013. (WORLD BANK
GROUP WDI, 2013).

Por fim, a disponibilidade de capital humano também


pode afetar a relação entre democracia e desigualdade. Isto por-
que quanto mais bem educada e dotada de habilidades, mais
recursos os indivíduos da sociedade possuem para superar os
desafios econômicos impostos pela integração dos mercados e
globalização, ao passo que também existe uma associação entre
o nível educacional e o regime político: quanto mais qualificado
é o demos de determinada sociedade, maior é sua capacidade de
exigência de controle e responsividade das ações do governo.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  171


Desta forma, incluímos na especificação uma variável que men-
sura o nível de escolaridade médio da população.

vii.Escolarização: Escolaridade média da população adul-


ta masculina com mais de 25 anos. Dados do Institute
for Health Metrics and Evaluation (IHME) – University
of Washington. (Gakidou et al., 2010; Hogan et al.,
2010; Rajaratnam et al., 2010).

Na Tabela 7 abaixo apresentamos a estatística descriti-


va das variáveis de controle e a fonte de informação de onde
obtivemos os dados. Com exceção da variável de globalização
que é um indicador do período pós 1990 e da variável escola-
rização, todas as outras foram obtidas a partir das informações
compiladas pelo Penn World Tables versão 7.1 (Heston;
Summers; Aten, 2012) e pelo Banco Mundial em sua série
de indicadores (World Development Indicators
- The World Bank, 2013). Por fim, os dados de educa-
ção foram elaborados pelo Institute for Health Metrics and
Evaluation da Universidade de Washington (Gakidou et al.,
2010; Hogan et al., 2010; Rajaratnam et al., 2010).
No próximo capítulo discutiremos a relação entre de-
mocracia e desigualdade em seus pormenores, incorporando
os dados aqui apresentados à discussão teórica e metodológi-
ca sobre os efeitos heterogêneos da democracia ao longo dos
diferentes pontos da distribuição de desigualdade econômica
entre os países realizada no Capítulo 2.

172  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


informação
informação de de onde
onde obtivemos
obtivemos os os dados.
dados. Com Com exceção
exceção da da variável
variável de de globalização
globalização queque éé um um
informação
indicador
indicador do período
dodeperíodo obtivemos
onde pós
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1990 ee daos variável
dados. Com
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escolarização,
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da as outras
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de foram obtidas partir
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indicador do período
do período pós 1990 e da variável
e da variável escolarização,
escolarização, todas
todas as outras foram obtidas
foram obtidas a partir
a partir das
das
informações
indicador
informações compiladas
do período
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1990Penne da variável
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World Tables versão 7.1
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todas
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(HESTON; foram obtidas
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informações
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PennWorld
WorldTables
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(HESTON;SUMMERS;SUMMERS;ATEN, ATEN,2012)2012)
informações
ee pelo Banco
pelo Banco compiladas
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7.1 (HESTON;
(WORLD DEVELOPMENTSUMMERS; INDICATORS
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2013).Por Porfim,fim,os osdados
dadosdedeeducação
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2013). Por
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Health
HealthMetrics
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Washington(GAKIDOU
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2010;HOGAN
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Healthal., 2010;
MetricsRAJARATNAM
and Evaluation
et al., 2010; RAJARATNAM et al., 2010).etdaal., 2010).
Universidade de Washington (GAKIDOU et al., 2010; HOGAN
etetal.,
al.,2010;
2010;RAJARATNAM
RAJARATNAMetetal., 2010).
al.,2010).
et al., 2010; RAJARATNAM et al., 2010).
Tabela 7 – Estatística descritiva das principais variáveis de controle90 90
Tabela Estatística Descritiva
Tabela 77 –– Estatística Descritiva das das Principais
Principais Variáveis
Variáveis de Controle90
de Controle
9090
VariáveisTabelaTabela EstatísticaDescritiva
Tabela77––Estatística
Variáveis
Descritivadas
Indicador
dasPrincipais
Indicador
PrincipaisVariáveis
Variáveisde
N Média
N
deControle
Controle90
Mediana Pad
Mediana Fonte Des. Pad Fonte
7 – Estatística Descritiva
Variáveis das Principais Variáveis
Indicador N Média de Controle
Mediana
Média Des. Des. Pad Fonte
Variáveis
Variáveis Indicador
Indicador NN Média Média MedianaMediana Des. Des.PadPad Fonte Fonte
Abertura
I.I. AberturaVariáveis Indicador N Média Mediana Des. Pad Fonte
Abertura Abertura
Econômica
I.I. Abertura 6638 6638
6638 69.00
69.00 57.43
69.00
57.43 49.79
49.79 57.43PWT PWT 49.79 PWT
Econômica
I. Abertura
Econômica 6638
6638 69.00
69.00 57.43
57.43 49.79
49.79 PWT
PWT
Econômica
Econômica 6638 69.00 57.43 49.79 PWT
II. Econômica
II. Participação
Participação do do
Participação
II. do
Participação
II. Participação do
do 6638
6638 6638 18.69
18.69 15.87
15.87 10.75 PWT
Governo 18.69 18.69
15.87
10.75 15.87PWT
10.75 PWT 10.75 PWT
II. Participação
Governo Governo do 6638
6638 18.69 15.87 10.75 PWT
Governo
Governo 6638 18.69 15.87 10.75 PWT
III. Governo
III. Comércio Mundial
Comércio Mundial Ln
Ln {{ }} 7980
7980 26.4926.49 26.64
26.64 1.00
1.00 PWT
PWT
III.
Comércio Comércio
III. Comércio Mundial
MundialMundial Ln
Ln{{ }} 7980
7980 7980 26.49
26.49 26.64
26.64
26.49 1.00
1.00 26.64PWT PWT 1.00 PWT
III.
IV. Comércio
Globalização Mundial Ln { } 7980
7980 26.49 0.31 26.64
0.00 1.00
0.46 PWT
próprio
IV. Globalização 7980 0.31 0.00 0.46 próprio

A democracia reduz a desigualdade econômica?


IV. Globalização
IV. Globalização 7980
7980 0.31
0.31 0.00
0.00 0.46
0.46 próprio
próprio
IV. Globalização
Globalização ´Ln
Ln {PIB
{PIB realreal 7980 7980 0.31 0.00
0.31 0.46 0.00próprio 0.46 próprio
V. Desenvolvimento
V. Desenvolvimento LnLn{PIB
{PIBrealreal 6638
6638 1.10 1.10 8.43
8.43 1.10
1.10 PWT
PWT
V.V. Desenvolvimento }} 1.10
1.10 8.43
8.43 1.10
1.10 PWT
PWT
Desenvolvimento Desenvolvimento Ln {PIB
V. Desenvolvimento
Ln real
{PIBper realcapita } 6638
6638 6638
1.10 1.10
8.43 1.10 8.43PWT 1.10 PWT
}} it 6638
VI. Urbanização } 8269 47.82 46.05 24.51 WDI
VI. Urbanização 8269 47.82 46.05 24.51 WDI
Urbanização
VI. Urbanização
VI. Urbanização 8269 8269
8269 47.82
47.82 46.05
47.82
46.05 24.51
24.5146.05WDI WDI 24.51 WDI
VI. Urbanização Anos de educação médio 8269 47.82 46.05 24.51 WDI
Escolarização Anos de educação médio 6.07 5.7 3.28 IHME
VII.
VII. Escolarização Anos
Anosde
Anos
deeducação
para
educaçãomédio
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educação
médio 69286928 6.07 5.7 3.28 IHME
VII.
Escolarização Escolarização
VII. Escolarização Anos de educação
para adultosmédio 6928 6928 6928 6.07
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5.7
6.07 3.28
3.28 5.7 IHMEIHME 3.28 IHME
VII. Escolarização médio para
para adultos
adultos
para adultos 6928 6.07 5.7 3.28 IHME
para adultos

No
No próximo
próximo capítulo
capítulo discutiremos
discutiremos aa relação
relação entre
entre democracia
democracia ee desigualdade
desigualdade em seus
em seus
No
No próximo
próximo capítulo
capítulo discutiremos
discutiremos aa relação
relação entre
entre democracia
democracia ee desigualdade
desigualdade em seus
em seus
90
pormenores,
No próximo
pormenores, incorporando
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capítuloos dados
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àà discussão teórica metodológicaem
teóricae eedesigualdade
metodológica sobre
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Os dados foram
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teóricaeemetodológica et
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sobreos2010;
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Banco Mundial heterogêneos
pormenores,
heterogêneos
efeitos(2013), da
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os dados
da democracia
mas utilizamos ao
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ao longo
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dos diferentes
apresentados
diferentes
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pontos
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teórica
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realizada e pelo Thede desigualdade
metodológica sobre
desigualdade
deQuality of os
Government Institute em maio
efeitos
efeitosheterogêneos
heterogêneosda dademocracia
democraciaao aolongo
longodos
dosdiferentes
diferentespontos
pontosdadadistribuição
distribuiçãode desigualdade
dedesigualdade
econômica
de 2013, que organizou
efeitos
econômica entre
entreum
heterogêneosos países
único realizada
da democracia
os países arquivo ao
realizada Capítulo
diversos
no longo
no banco
dos
Capítulo de dados
2.diferentes
2. pontos
quedatem a estrutura
distribuição de países-ano como unidade de análise
de desigualdade
econômica entre realizada

 173
(Teorelleconômica entre
et al., 2013). os
ospaíses
paísesrealizada
Disponível no
noCapítulo
Capítulo2.2.
em:<http://www.qog.pol.gu.se>.
econômica entre os países realizada no Capítulo 2.
90
90 Os dados foram originalmente organizados por Heston, Summers e Aten (2012), Rajaratnam et al. 2010; Hogan et al.
90 90Os dados foram originalmente organizados por Heston, Summers e Aten (2012), Rajaratnam et al. 2010; Hogan et al.
2010
Os
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al.
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2010; of
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90 edados
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Government
Os dados
2010
2010 pelo
eepelo Institute
foram originalmente
Banco
Banco Mundial
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de países-ano como unidade de análise (TEORELL et al., 2013). Disponível em:<http://www.qog.pol.gu.se>.
Capítulo 4

Análise inferencial

4.1 Identificação de democracia

O objetivo deste capítulo é destrinchar empiricamente


a relação entre democracia e desigualdade conforme os pro-
blemas teóricos e questões metodológicas apresentados nos
capítulos anteriores. Em primeiro lugar, temos como objetivo
teórico-empírico principal discutir a questão se a democracia
seria ou não uma ferramenta de redução da desigualdade eco-
nômica. Conforme já exposto anteriormente, tomamos como
ponto de partida uma definição minimalista de democracia,
compreendida apenas como uma forma competitiva de esco-
lha por parte dos cidadãos das principais lideranças políticas.
E, dada esta natureza competitiva da democracia, propusemos
no capítulo 2 a hipótese de que a desigualdade tornar-se-ia
um assunto relevante na competição eleitoral apenas nas so-
ciedades mais desiguais: exatamente nas quais a desigualdade
econômica estimula o surgimento de uma demanda por dis-
tribuição por parte da cidadania e também um interesse dos
partidos que competem pelo poder político em ofertar políti-
cas redistributivas, criando na sociedade a ideia de que a de-
sigualdade seria resultado de injustiça e desequilíbrio social.
Para responder a esta questão, utilizamos como méto-
do mais adequado para a estimação dos efeitos heterogêneos

 175
da democracia sobre a desigualdade o framework de regressão
quantílica, que permite a estimação dos efeitos da democracia
ao longo de diferentes pontos da distribuição de desigualda-
de econômica entre os países. Para isto estimamos inúmeras
regressões para verificar o efeito da democracia em diferentes
pontos da distribuição de desigualdade econômica.
Um primeiro desafio metodológico a ser superado é a
possível causalidade reversa entre democracia e desigual-
dade. Na literatura sobre os processos de democratização, a
existência de desigualdade econômica dentro de determinada
comunidade política dificulta as chances de sucesso do projeto
democrático (Boix, 2003; Acemoglu; Robinson, 2006;
Houle, 2009) ou na revisão proposta por Ansell e Samuels
(2014), o surgimento de uma elite econômica independente
tem impacto positivo no índice de GINI e ao mesmo tempo
aumenta a probabilidade de democratização de um país.
Para resolver este problema, utilizamos o método de
estimação por variável instrumental. Conforme exposto no
capítulo 2, adotamos três diferentes conjuntos de instrumen-
tos para estimar o verdadeiro efeito da democracia sobre a
desigualdade. O primeiro é composto de um conjunto de va-
riáveis relacionadas aos processos de difusão de democracia.
E o segundo é um instrumento relacionado à herança colonial
britânica. Ambos os conjuntos não possuem uma natureza
completamente exógena ao mundo da política. Já o terceiro
conjunto é composto por variáveis que captam o posiciona-
mento longitudinal de um país no planisfério. As duas variá-
veis utilizadas para captar esse fenômeno são por definição
estritamente exógena à relação entre democracia e desigual-
dade, uma vez que o posicionamento longitudinal de um país
é um dado independente de sua conformação política e social

176  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


e também não existem estudos ou teorias, até onde pudemos
verificar, que relacionem a longitude de um país com a sua de-
sigualdade econômica.

Quadro 2 – Instrumentos de democracia

1) Instrumentos de Difusão:
a) Difusão mundial de democracia: número de democracia existentes no ano
/ número de países existentes no ano. [difmundo]
b) Difusão continental de democracia: número de democracia existentes no
continente no ano / número de países existentes no continente no ano.
[difcont]
c) Difusão subcontinental de democracia: número de democracia existentes
no subcontinente no ano / número de países existentes no subcontinente
no ano. [difregião]
d) Difusão ponderada de democracia: média simples das medidas (a); (b) e
(c) [difpond1]
e) Difusão ponderada de democracia dado a relevância regional e continental
do país: média de (a), (b) e (c), ponderada pelo peso territorial do país no
continente e no subcontinente, respectivamente [difpond2]
2) Herança Britânica: indicador se o país possui herança britânica, incluindo
o próprio Reino Unido e ex-colônias americanas e australianas, adaptado de
(Hadenius; Teorell, 2005) [british]
3) Localização Longitudinal
a) Hemisférico Oriental: indicador se o país possui localização longitudinal
ao oriente do meridiano 36º (Turquia). [horiental]
b) Longitude: log da longitude de um país calculado por 105+longitude.
[llong]

A intuição básica subjacente à abordagem instrumental


é estimar o efeito da variável endógena (a independente com
problema de causalidade reversa) democracia, usando uma
variável exógena correlacionada apenas com a variável endó-
gena e não com a variável dependente – desigualdade econô-
mica, isolando, assim, os efeitos da primeira sobre a última.
A validade da estimação por variável instrumental depende

A democracia reduz a desigualdade econômica?  177


crucialmente da seleção de um instrumento adequado, que sa-
tisfaça os dois critérios: (a) ser correlacionado com a variável
endógena; e (b) não possuir um efeito causal na variável de-
pendente (ou, por extensão, no termo de erro da equação es-
timada). O atendimento a estes critérios implica que qualquer
alteração na variável dependente que resulte de mudanças nos
valores de um instrumento deve ser atribuída à variável endó-
gena e, deste modo, livre da relação recíproca entre a variável
dependente e a variável endógena (Savun; Tirone, 2011).
No Quadro 2 reapresentamos o Quadro 1 onde listamos os
potenciais instrumentos selecionados.
Nas tabelas 8, 9 e 10 (p. 183, 185 e 188) apresentamos os
coeficientes, erros padrões e os Testes F do 1º passo de cada uma
das regressões utilizando defasagens dos instrumentos de difusão
e dos indicadores de herança britânica e de longitude91, de modo
a apresentar quais são os instrumentos adequados para a análise
inferencial da relação entre democracia e desigualdade. Na últi-
ma linha apresentamos os testes F conjunto de todos os instru-
mentos presentes no modelo. Na Tabela 8 adotamos uma espe-
cificação com efeitos fixos continentais92, na Tabela 9 incluímos

91
Foram incluídas nas regressões as variáveis controles presentes no modelo
final, além do indicador de democracia do CGV (demo). Essas variáveis fo-
ram detalhadas na Tabela 7: Abertura Econômica; Participação do Governo;
Comércio Mundial; Globalização, Desenvolvimento (em formato quadrático);
Urbanização; Escolarização. Além destas incluímos uma variável de tendência
em forma quadrática e efeitos fixos continentais. Não apresentamos os efeitos
das variáveis controles, pois no momento estamos interessados em verificar ape-
nas se os instrumentos identificam a relação entre democracia e desigualdade.
Obviamente a amostra do 1º passo é limitada aos casos para os quais possuímos
informações sobre desigualdade econômica mensurada pelo UTIP-EHII.
92
Os continentes são América; Europa e ex-URSS; África e Oriente Médio;
Ásia; e Oceania.

178  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


efeitos fixos continentais e temporais e, por fim, na Tabela 10
incluímos efeitos fixos regionais e temporais93.
A disposição das variáveis nas três tabelas é a mesma.
Na coluna (1) apresentamos os efeitos dos instrumentos quan-
do entram no 1º passo como única variável de identificação.
Para tal foram rodadas regressões para cada um dos potenciais
instrumentos. Na coluna (2) inserimos as mensurações puras
de difusão regional, continental e mundial conjuntamente.
Na coluna (3) analisamos conjuntamente os indicadores he-
misféricos e de herança britânica, além da localização contí-
nua da longitude do país. Observando os resultados das três
primeiras colunas, incluímos na coluna (4) apenas os instru-
mentos adequados para a análise empírica. Diante dos resulta-
dos deste modelo, apresentamos na coluna (5) os instrumen-
tos que identificam fortemente democracia e que, portanto,
são mantidos nas análises daquela especificação94.
A análise cuidadosa do 1º passo é fundamental, pois
conforme já demonstrado na literatura econométrica, quan-
do os instrumentos estão fracamente correlacionados com
os regressores endógenos – não atendem ao critério (a) para
a validade do instrumento – os resultados convencionais as-
sintóticos falham, mesmo na presença de amostras grandes
(Staiger; Stock, 1997).
Como apontado por Bound, Jaeger e Baker a “cura” para
a existência de causalidade reversa na relação de interesse pode

93
As regiões são América do Norte e Central; Am. do Sul; Europa Ocidental;
Leste Europeu e ex-URSS; África do Norte e Oriente Médio; África Subsaariana;
Extremo Oriente; Ásia do Sul; Sudeste Asiático; e Oceania.
94
Como as variáveis de democracia e difusão estão com defasagens, perdemos
30 países-anos nos modelos que incluem alguma variável de difusão. Assim, o
N dos modelos sem difusão é 3811 e o N dos modelos com difusão é sempre
3781. Na estimação da relação heterogênea entre democracia e desigualdade,
democracia está defasada em um e difusão de democracia em dois anos.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  179


ser “pior que a doença” na presença de instrumentos fracos.
Posto isto, nos próximos parágrafos analisamos os resultados
do 1º estágio em seus pormenores, observando as diversas for-
mas nas quais podemos usar o conjunto de 08 instrumentos
apresentados no Quadro 2 e quais podem de fato identificar
democracia, atendendo aos dois critérios exigidos pelo méto-
do (Bound; Jaeger; Baker, 1995).
Na coluna (1) da Tabela 8 observamos que nem todas
as cinco mensurações de difusão configuram como instru-
mentos fortes de democracia. As variáveis de difusão na re-
gião difregião e difusão ponderada difpond1 são significantes
à 95% de confiança, enquanto difusão no mundo difmundo
e difusão ponderada pela relevância territorial difpond2 são
significantes apenas à 90%. Por sua vez, difusão continental
difcont não tem relação significante com democracia.
A única variável de difusão com teste F superior à 10 é difre-
gião95. Além do mais, um resultado muito interessante obtido
na coluna (1) é o fato de que difusão mundial de democracia
difmundo está negativa e significantemente relacionada com
democracia. E os outros três instrumentos, o conjunto sobre
a posição longitudinal llong e horiental e o indicador de he-
rança colonial britânica british, nenhum é significante à 90% e
todos têm um teste F inferior à 2.70.
Na coluna (2) testamos em conjunto apenas as mensu-
rações puras de difusão regional, continental e mundial da de-
mocracia. A primeira constatação é que, neste modelo, as va-
riáveis agregadas em circunscrições geográficas mais elevadas

95
Staiger e Stock propõem como regra de bolso que em modelos que incluam
apenas uma única variável endógena, os instrumentos são fracos se o Teste-F do
1º estágio for menor do que 10 (Staiger; Stock, 1997).

180  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


(continental e mundial) são negativa e significantemente as-
sociadas com democracia, enquanto apenas a variável difusão
regional difregiao tem relação positiva com democracia a 99%
de confiança. Além do mais, todos os três testes Fs melhoram,
sendo que o teste da última variável atinge 16.02. Interessante
observar ainda que o teste F do modelo completo com as três
variáveis de difusão de democracia (F = 5.80) é maior e mais
significante do que o teste F do modelo que utiliza as variáveis
resumo que ponderam a difusão nos três níveis geográficos, res-
pectivamente F = 5.43 para difpond1 e F = 3.51 para difpond296.
Em consequência destes resultados, optamos como
método de identificação da democracia a utilização das três
variáveis puras de difusão difmundo, difcont e difregião e
não as variáveis ponderadas. Além de termos um instrumento
com teste F superior a 10, tal como defendido por Staiger e
Stock (1997), a sumarização destas três medidas de difusão em
difpond1 e difpond2 tem menor poder de identificação do
que a utilização conjunta das três variáveis. Além disso, ou-
tra justificativa desta escolha é a incapacidade de as variáveis
ponderadas captarem os distintos efeitos da difusão de demo-
cracia em diferentes circunscrições geográficas, um resultado
inesperado, mas consistente ao longo de todo este estudo, não
importando as especificações apresentadas97.

96
O R2 do modelo com as variáveis puras é maior também que os R2 dos mode-
los com as variáveis ponderadas difpond1 e difpond2. Os valores são, respecti-
vamente, 0.5035; 0.4860; e 0.4828.
97
Interessante observar a movimentação dos sinais dos coeficientes de cada
uma das variáveis de difusão. Indo em direção contrária às teorias sobre a difu-
são da democracia, encontramos um efeito negativo da expansão da democracia
no mundo difmundo e no continente difcont sobre as chances de um país ser
uma democracia nas colunas (1) e (2). Já a variável difusão de democracia na re-
gião difregião tem o sinal esperado em ambas colunas. Uma possível explicação

A democracia reduz a desigualdade econômica?  181


Na coluna 3 incluímos as outras três variáveis instru-
mentais restantes em um único modelo. As duas variáveis lon-
gitudinais, o indicador hemisférico horiental e a longitude
llong são significantes, a primeira a 90% e a segunda a 95%.
Contudo, curiosamente, seus sinais são invertidos. Enquanto
ambas crescem no sentido do oriente, o indicador hemisférico
dá indícios que o hemisfério ocidental é mais democrático que
o oriental, mas a variável longitudinal indica que, controlado
o efeito hemisférico, quanto mais no oriente um país está,
mais democrático ele é. Este resultado permanece em todas as
especificações testadas.
Já a variável “herança colonial britânica” não está asso-
ciada com democracia, o que também é outro achado na con-
tramão das expectativas. E mesmo se expandirmos a amos-
tra para todos os países-anos para os quais temos dados para
as variáveis controles, o resultado se mantém. De fato, a he-
rança colonial britânica não parece ser um determinante da
democracia. E tal resultado se repete em todos os modelos
apresentados. Por conseguinte, british é descartado ao não
se adequar ao primeiro dos dois critérios necessários para a
identificação adequada de uma variável endógena por meio de
um instrumento.

pode ser o fato que limitamos nossa análise a apenas aos países-anos que pos-
suem informação sobre desigualdade econômica (n=3811). Se a expandirmos
a amostra para toda a população (n=6439) para qual temos informações sobre
as variáveis de controle, os sinais permanecem iguais. No modelo da coluna
(2), as variáveis difmundo e difcont permanecem significantes e negativamente
associados com democracia a 90% e 95% de confiança. E difregião também
permaneça significante e positivamente relacionado à 99%. Já nos modelos da
coluna (1) difmundo torna-se positivo e insignificante, difcont permanece ne-
gativo e insignificante e difregião positivo e significante à 99%. Concluindo, é
possível perceber com os resultados apresentados que o fenômeno da difusão de
democracia é muito mais complexo que o teorizado na literatura e constituí um
campo aberto e que deve ser alvo de estudos mais aprofundados.

182  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Tabela 8 – Democracia defasada(t-1) com efeitos fixos continentais
(1) (2) (3) (4) (5)
difmundo(t-2) -0.550* -0.522* -0.457
0.307 0.288 0.286
F-test 3.21* 3.29* 2.55
difcont(t-2) -0.139 -0.614** -0.640** -0.684**
0.224 0.252 0.252 0.251
F-test 0.38 5.92** 6.47** 7.40**
difregião(t-2) 0.435** 0.547*** 0.580*** 0.579***
0.137 0.137 0.137 0.137
F-test 10.03** 16.02*** 17.87*** 17.94***
difpond1(t-2) 0.747**
0.321
F-test 5.43**
difpond2(t-2) 0.219*
0.117
F-test 3.51*
horiental -0.176 -0.214* -0.201* -0.201*
0.108 0.109 0.105 0.105
F-test 2.63 3.87* 3.65* 3.65*
british - 0.005 0.012
0.065 0.066
F-test 0.01 0.03
llong 0.137 0.177** 0.208** 0.209**
0.095 0.082 0.076 0.076
F-test 2.09 4.66** 7.48** 7.54**
N 3781 3781 3811 3781 3781
F-test para todos
5.80*** 2.48* 5.41*** 6.52***
instrumentos
Erros Padrões robustos e clusterizados por país.
Significância coeficientes e Testes F: *< 0,1 / **< 0,05 / *** <0,01

Na coluna (4) incluímos os dois conjuntos de instru-


mentos em um único modelo: as três mensurações de difusão
de democracia e as variáveis longitudinais. Com exceção ape-
nas da difmundo, todos outros instrumentos estão relaciona-

A democracia reduz a desigualdade econômica?  183


dos com democracia. Difregião é positiva e significantemente
associado com democracia à 99% de confiança, tendo apre-
sentado um teste F superior à 10 em todas as colunas, o que
permite, portanto, uma identificação forte da variável demo-
cracia. Difcont e longitude estão associados à 95% e o indica-
dor hemisférico à 90%, sendo que o teste F de llong também
se aproxima do limiar estabelecido por Staiger e Stock (1997).
O teste F de todos os instrumentos é de 5.41.
Por fim, no modelo final de identificação – coluna (5)
– mantemos apenas as variáveis da coluna (4) que foram sig-
nificantes a no mínimo 90% de confiança98. Nesta primeira
especificação com efeitos fixos continentais o modelo final é
composto das seguintes variáveis: difcont, difregião, llong e
horiental. O segundo é significante a 99%, o primeiro e o ter-
ceiro a 95%, e o quarto a 90%, sendo o teste F do modelo da
coluna (5) 6.52 ligeiramente superior ao F da coluna (4).
Na Tabela 9 reproduzimos a mesma análise incluindo
além dos efeitos fixos para os cinco continentes, o controle de
choques temporais exógenos (dummies de ano). Os resultados
das variáveis de difusão são bastante semelhantes: difmundo
e difcont continuam com sinais negativos enquanto difregião
possui sinal positivo. E se repetirmos o modelo incluindo todos
os dados para o qual temos informações das variáveis controles
(N=6439), os resultados se repetem: difmundo e difcont são
ambas negativamente relacionadas com democracia, mas só a
primeira é significante a 99% de confiança enquanto a outra não
atinge os limiares tradicionais de significância. Já difregião per-
manece com sinal positivo e fortemente significante.

98
Os testes empíricos demonstram que a inclusão de um instrumento de di-
fusão que não tenha relação significativa com democracia reduz a eficiência da
estimação e do método de identificação. Diante disso, optamos por excluí-los.
Os testes utilizados para tal avaliação são os testes de Kleibergen-Paap de subi-
dentificação e fraca identificação e a estatística J de Hansen sobreidentificação.

184  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Tabela 9 – Democracia defasada(t-1) com efeitos fixos continentais e tem-
porais

(1) (2) (3) (4) (5)


difmundo(t-2) -141.17*** -141.46**** -140.44*** -141.07***
2.642 2.753 2.803 2.742
F-test 2854.64*** 2640.02*** 2511.40*** 2647.55***
difcont(t-2) -0.247 0.253*** 0.245*** 0.287***
0.238 0.067 0.069 0.066
F-test 1.08 14.03*** 12.46*** 18.59***
difregião(t-2) 0.42** 0.037 0.042
0.142 0.026 0.027
F-test 8.86** 1.98 2.50
difpond1(t-2) 0.720**
0.357
F-test 4.07**
difpond2(t-2) 0.209*
0.126
F-test 2.77*
horiental -0.174* -.212* -0.043** -0.043**
0.109 0.109 0.021 0.021
F-test 2.54 3.75* 4.15** 4.15**
british -0.006 0.011
0.065 0.067
F-test 0.01 0.03
llong 0.137 0.178** 0.024* 0.021
0.094 0.082 0.013 0.013
F-test 2.12 4.68* 3.29* 2.39
n 3781 3781 3811 3781 3781
F-test para todos
1067.35*** 2.45* 723.22*** 856.09***
instrumentos
Erros Padrões robustos e clusterizados por país.
Significância: *< 0,1 / **< 0,05 / *** <0,01

A democracia reduz a desigualdade econômica?  185


Por outro lado, quando analisadas em conjunto, dif-
mundo é a variável com maior poder explicativo, pois possui
teste F muito superior a qualquer outro teste F da Tabela 9, in-
cluindo a comparação com as variáveis ponderadas difpond1
e difpond2. Mais uma vez encontramos evidências que a me-
lhor estratégia de identificação de democracia é a introdução
conjunta das três variáveis de difusão puras. Ademais, quando
difcont é um instrumento junto com as outras duas variáveis
de difusão, ela também possui um teste F superior a 10.
O fator que determina o crescimento exponencial dos coe-
ficientes e da significância da variável difmundo é a introdução
das dummies de ano, uma vez que em cada ano o grau de difusão
de democracia no mundo é por definição semelhante para to-
dos os países. Desta forma, boa parte da variação deste dado foi
capturada pelas dummies de ano e a pequena variação restante é
sensivelmente relacionada com democracia99.
No que se refere aos outros três instrumentos, o mesmo
resultado se repete. Os padrões encontrados na Tabela 8 não são
alterados. A longitude e o indicador hemisférico são variáveis
insignificantes quando instrumentos únicos. Contudo ao serem
colocadas ao mesmo tempo no modelo, ambas atingem signi-
ficância estatística a 95% e 90% de confiança, respectivamente,

99
Existe uma pequena diferença entre democracias e desigualdades em cada ano
em todas as mensurações puras de difusão de democracia, pois quando um país
é democrático, ele deve ser retirado tanto do denominador quanto do numerador
da fórmula, enquanto quando um país é autoritário é retirado apenas do deno-
minador. Supondo, por exemplo, que existam 50 países e 20 sejam democráticos.
Para os países autoritários, o valor de difmundo é de 20/49 enquanto para os
países democráticos esse valor é de 19/49. Esta diferença decorre da necessidade
de se retirar o próprio país da contagem de difusão nas três circunscrições geográ-
ficas. Caso o próprio país fosse incluído no número de democracias e no número
de ditaduras, as variáveis de difusão tornar-se-iam endógenas ao próprio regime
político do país e deixariam de ser instrumentos adequados.

186  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


enquanto o indicador de “herança colonial britânica” permane-
ce insignificante em todos os modelos, resultado também repe-
tido na Tabela 10.
No modelo da coluna (4), incluímos os dois conjun-
tos de instrumentos em um único modelo. Incluímos as três
mensurações de difusão de democracia e também as variáveis
longitudinais. As duas variáveis mais agregadas de difusão fo-
ram significantes e os testes Fs do modelo como um todo e das
variáveis difmundo e difcont são superiores a 10. Por outro
lado, diferentemente do resultado da especificação apenas com
efeitos fixos continentais, a variável difregião não é significan-
te. Já as duas variáveis de longitude são significantes e possuem
os mesmos sinais da Tabela 8.
Posto isto, encontramos mais uma vez indícios de que
a melhor forma de identificar a democracia é a utilização dos
instrumentos de difusão e de localização longitudinal do país,
não obstante para a especificação com efeitos fixos continen-
tais e temporais utilizamos apenas difmundo e difcont como
variáveis de difusão. O modelo final com todos os instrumen-
tos é apresentado na coluna (5), onde llong está ligeiramente
acima do limite de 90% de significância.
Por fim, na Tabela 10 reproduzimos os mesmos mode-
los, mas agora incorporamos efeitos fixos para os dez subcon-
tinentes (ou regiões) além das dummies de ano, o que reduz de
forma considerável a variabilidade dos dados. Os resultados
continuam sendo mais robustos nesta especificação para a va-
riável difmundo e difcont. Na primeira coluna da tabela, com
exceção da variável de difmundo, todas as outras possuem re-
lações estatisticamente insignificantes com democracia, o que
é uma decorrência do fato que boa parte da variação dos dados
é captado pelo conjunto de dummies temporais e regionais.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  187


Tabela 10 – Democracia defasada(t-1) com efeitos fixos regionais e
temporais

(1) (2) (3) (4) (5)


difmundo(t-2) -140.65*** -141.28*** -140.26*** -140.73***
2.55 2.695 2.76 2.66
F-test 3049.61*** 2748.84*** 2582.84*** 2792.77***
difcont(t-2) -0.317 0.221** 0.213** 0.297***
0.239 0.073 0.072 0.65
F-test 1.76 9.12** 8.77** 20.80***
difregião(t-2) 0.247 0.076 0.09*
0.201 0.052 0.507
F-test 1.50 2.09 3.33*
difpond1(t-2) 0.084
0.373
F-test 0.05
difpond2(t-2) 0.054
0.137
F-test 0.16
horiental -0.158 -0.188 -0.051** -0.489**
0.119 0.117 0.024 0.235
F-test 1.75 2.58 4.56** 4.31**
british -0.062 -0.059
0.065 0.065
F-test 0.91 0.83
llong 0.161 0.209** 0.032* 0.295*
0.107 0.095 0.017 0.017
F-test 2.23 4.82** 3.33** 3.12*
n 3781 3781 3811 3781 3781
F-test for all instruments 5850.65*** 2.31* 811.05*** 904.53***
Erros Padrões robustos e clusterizados por país.
Significância: *< 0,1 / **< 0,05 / *** <0,01

188  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Por outro lado, nos modelos da coluna (2) e da coluna
(4) as outras variáveis puras de difusão, difcont e difregião
recuperam a significância estatística e, inclusive, a primeira
fica com um teste F muito próximo de 10. Já os outros dois
conjuntos de variáveis apresentam um comportamento bem
semelhante ao encontrado nos dados anteriores. As variáveis
de longitude só ganham significância quando ambas fazem
parte do modelo. Na coluna (3) longitude já é significante e
na coluna (4) as duas o são (llong e horiental). Por sua vez,
repetindo os resultados das duas tabelas anteriores, o indica-
dor da herança colonial britânica, british, é não significante e
inclusive mantém o sinal negativo.
Diante desses resultados semelhantes nas colunas (1),
(2) e (3), optamos por incluir na identificação de democra-
cia da coluna (4) as seguintes variáveis difmundo e difcont,
difregião, llong e o indicador hemisférico horiental. O resul-
tado final da Tabela 10 é o único no qual as três variáveis de
difusão puras são significantes, ainda que difregião esteja no
limite tolerável ao ter um p-valor de 0.90. Posto isso, podemos
verificar que nas três especificações a única variável presente
em todos os modelos finais é difcont, apesar de ter trocado de
sinal com a introdução das dummies de tempo. Difmundo,
por sua vez, é sempre negativo, mas não significante na primei-
ra especificação com apenas efeitos fixos continentais. Após a
inclusão das dummies de ano torna-se fortemente associada
com democracia em todas as especificações. E já a variável di-
fregião é positiva em todos os modelos, mas confortavelmente
significante apenas no primeiro modelo que não incorpora os
choques temporais. As variáveis llong e horiental são signifi-
cantes e bem estáveis em todos os modelos apresentados. Por
fim, na coluna (5) da Tabela 10 apresentamos o modelo sem a

A democracia reduz a desigualdade econômica?  189


variável difregião por razões que serão enunciadas nos próxi-
mos parágrafos100.

Após apresentarmos extensamente a escolha das variá-


veis do primeiro estágio do modelo, discutimos alguns dos tes-
tes estatísticos que permitem verificar se os modelos finais de
cada especificação identificam fortemente democracia ou não.
Todas as estatísticas apresentadas nesta seção foram estimadas
a partir de modelos lineares condicionais à média e em painel
empilhado. Para mais informações sobre os testes de identifi-
cação por variável instrumental de regressores endógenos ver
Baum, Schaffer e Stillman (2007).
No modelo com efeitos fixos continentais, apresentado
na coluna 5 da Tabela 8, os testes Kleibergen-Paap rejeitam as
hipóteses nula de subidentificação e de fraca identificação com
F de, respectivamente, 9.85 e 6.52. E a estatística J de Hansen
aceita a hipótese nula de sobreidentificação dos instrumentos
à 10%. Por fim, o teste de endogeneidade do indicador de de-
mocracia rejeita a hipótese nula de que esta variável possa ser
tratada como exógena a 5%.
Já no modelo com efeitos fixos continentais e temporais
apresentado na coluna 5 da Tabela 9, a estatística J de Hansen
só aceita a hipótese nula de sobreidentificação dos instrumen-
tos a 10% e não a 5%, ainda que melhore substancialmente
a rejeição das hipóteses nulas de subidentificação e de fraca
identificação nos testes Kleibergen-Paap para 59.51 e 856.01,

100
A inclusão desta variável faz com que o modelo rejeite a hipótese nula de
sobreidentificação de todos os instrumentos da estatística J de Hansen.

190  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


respectivamente. E o teste de endogeneidade do indicador de
democracia aceita a hipótese nula de que esta variável seja exó-
gena a mais de 40%.
Finalmente, no modelo com efeitos fixos regionais e
temporais, a estatística J de Hansen rejeita a hipótese nula de
que o modelo é sobreidentificado a 5% (p-valor: 0.04), além de
os testes Kleibergen-Paap de subidentificação e de fraca identi-
ficação serem de 61.09 e 810.15 respectivamente. Devido a este
resultado da estatística J de Hansen, optamos por excluir a va-
riável difregiao da lista de instrumentos da especificação com
efeitos fixos regionais e temporais pois era a única variável de
difusão significante à 10%, mas não a 5%. Com isto, estatística
J de Hansen aceita a hipótese nula de que o modelo é sobrei-
dentificado à 4%, além de os testes Kleibergen-Paap de subi-
dentificação e de fraca identificação serem de 60.50 e 904.53,
respectivamente. Logo, a especificação com efeitos fixos regio-
nais e temporais terá a mesma lista de instrumentos da especi-
ficação com efeitos fixos continentais e temporais: difmundo,
difcont, horiental e llong. Por fim, o teste de endogeneidade
do indicador de democracia rejeita a hipótese nula de que esta
variável possa ser tratada como exógena a 5%.
Em todas as especificações do 1º passo os instrumentos
identificam fortemente democracia, atendendo ao primeiro
critério da estimação por variável instrumental. Independen-
temente da especificação (com ou sem efeitos fixos temporais,
regionais e/ou continentais) incluímos dois conjuntos de ins-
trumentos – variáveis de difusão e de longitude dos países

Como última etapa da análise da adequabilidade do mé-


todo, também é importante avaliar a plausibilidade do segundo

A democracia reduz a desigualdade econômica?  191


critério da estimação por variável instrumental. Isto é, a vali-
dade ou não da hipótese da restrição de exclusão. Não existe
um teste específico para tal que seja semelhante aos testes que
acabamos de avaliar para identificar quais instrumentos são
fortemente correlacionados com a variável endógena. Contu-
do é possível verificar se, na presença de outros instrumentos
fortes, a difusão democrática ou a longitude de um país é re-
lacionada com a desigualdade econômica. Diante disso, por
meio de uma especificação de modelos lineares condicionais
à média e em painel empilhado, testamos se as variáveis de
difusão e de longitude são relacionadas com a desigualdade
econômica, após usarmos nossos próprios instrumentos para
purificar democracia da potencial endogenia. O fato de termos
sobreidentificado democracia em todos os modelos nos dá a
flexibilidade necessária para testar a hipótese de restrição de
exclusão por meio de múltiplos testes de Wald.
Fazemos isso de duas formas distintas. Na primeira
testamos no 2º passo do método cada variável instrumental
isoladamente, enquanto as outras três permanecem como ins-
trumentos no 1º passo. E na segunda testamos os conjuntos de
variáveis de difusão e de longitude separadamente. O exercício
é aproveitar que em nossos modelos sobreidentificamos de-
mocracia, tal como comprovado pela estatística J de Hansen,
e dessa forma podemos trabalhar com estas variáveis testando
se algum dos instrumentos são covariáveis que afetam ou não
desigualdade. Apresentamos os resultados deste exercício para
as três especificações finais apresentadas nas colunas (5) das
Tabelas 8, 9 e 10.

192  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Tabela 11 – Testes de endogeneidade

Potenciais Instrumentos como Covariável Única no 2º passo.


Efeitos Fixos Efeitos Fixos
Efeitos Fixos
Continentais e Regionais e
Continentais
Temporais Temporais
difmundo(t-2) - 7.347 65.895
- 20.358 325.651
difcont(t-2) 2.968 1.822 0.742
2.675 2.504 2.408
difregiao(t-2) 2.288 - -
1.850 - -
horiental 2.375 0.990 0.909
1.938 1.255 1.297
llong 1.122 1.722** 1.423
1.231 0.743 2.979
Potenciais Instrumentos como Covariáveis Conjuntas no 2º passo.
difmundo(t-2) - -12.352 0.000
13.141 26.296
difcont(t-2) 0.703 1.831 0.710
4.204 2.496 2.396
difregião(t-2) 2.069 - -
2.780 - -
horiental 2.254 0.604 0.666
1.944 1.243 1.278
llong 0.246 1.633** 1.253
1.340 0.705 0.971
N 3781 3781 3781
Erros Padrões robustos e clusterizados por país.
Significância: *< 0,1 / **< 0,05 / *** <0,01

A democracia reduz a desigualdade econômica?  193


Conforme podemos ver na Tabela 11, o resultado das
especificações que controlam para efeitos continentais e
efeitos regionais temporais indica que os instrumentos não
sofrem de endogeneidade. Já a especificação de efeitos fixos
continentais e temporais tem um de seus instrumentos rela-
cionados com desigualdade econômica – o posicionamento
longitudinal llong
No primeiro modelo, todas as variáveis instrumentais
são insignificantes quando inseridas como covariáveis do
2º passo. Quando inseridas isoladamente, os menores p-valo-
res são das variáveis difregiao e horiental (p-valor: 0.22) e os
outros são de 0.26 para difcont e 0.36 para llong e quando
inseridos em conjunto com a outra variável do grupo, o me-
nor p-valor é de horiental (p-valor: 0.25), enquanto os outros
valores são maiores: difregião – 0.46; llong – 0.85; e difcont
– 0.87. No segundo modelo a variável llong tem efeito signi-
ficativo sobre desigualdade econômica tanto quando inserida
isoladamente como covariável como quando inserida junto
com a outra variável de longitude. Posto isto, o uso destas qua-
tro variáveis instrumentais é inadequado na especificação com
efeito fixo continental e temporal. Diante de tal fato, optamos
por rever o resultado da Tabela 9 e propomos como instrumen-
tos finais de identificação de democracia apenas difmundo,
difcont e horiental101. Finalmente, no terceiro modelo, no qual

101
O modelo final para esta especificação elimina, consequentemente, llong do
rol de instrumentos. O resultado final do 1º passo indica que os três instru-
mentos restantes são significantes: difmundo e difcont à 1% e horiental à 10%.
Neste novo modelo a estatística J de Hansen passa a aceitar a hipótese nula de
sobreidentificação dos instrumentos a mais de 35% e os resultados dos testes
de subidentificação e de fraca identificação permanecem bastante satisfatórios;
59.03 e 1068.7, respectivamente. Por fim, nos testes de endogeneidade nenhum
dos instrumentos é um determinante de desigualdade econômica, seja entrando

194  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


incluímos efeitos fixos regionais e temporais, os quatro instru-
mentos são insignificantes em todos os modelos. Os p-valores,
isolados e em conjunto respectivamente, são: para difmundo:
0.84 e 1.00; para difcont: 0.75 e 77; para horiental 0.49 e 0.60;
e, finalmente, para llong: 0.63 e 0.20.
Desta forma, finalizamos essa seção concluindo que o
método de estimação da relação de democracia sobre a desi-
gualdade econômica por meio de variáveis instrumentais de
difusão e de longitude é apropriado. Ambos os critérios para
a validade de um instrumento são atendidos. Os conjuntos de
instrumentos identificam adequadamente a variável endóge-
na, pois além de estarem fortemente relacionada com a variá-
vel endógena, não estão correlacionadas com a variável depen-
dente e, por consequência, com o termo de erro εit do 2º passo
(hipótese de restrição de exclusão).

4.2 Democracia e desigualdade econômica

O segundo desafio metodológico é a estimação dos efei-


tos heterogêneos da democracia sobre a desigualdade econô-
mica. Conforme expusemos anteriormente, o método mais
adequado para responder a essa questão é a regressão quan-
tílica apresentada no Capítulo 2. Posto isso, o único ponto
a ser esclarecido antes de começarmos a expor os achados é
o formato do resultado apresentado no output do mode-
lo. Na realidade, tradicionalmente, os modelos de regressão
quantílica são apresentados por meio de um output gráfico.
Isto porque a regressão quantílica é usada como ferramenta

como covariável única ou como covariável conjunta no 2º passo da equação.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  195


tradicional de estimação dos efeitos heterogêneos de uma va-
riável independente sobre uma variável dependente contínua
e para o tal é necessário estimar inúmeras regressões ao longo
dos diferentes quantis condicionais da distribuição da variável
dependente.
Os resultados da regressão quantílica são de fato o re-
sultado de inúmeras regressões semelhantes, que variam ape-
nas em relação τ -ésimo quantil condicionado. Isto porque, por
exemplo, para estimar os efeitos ao longo dos 9 diferentes de-
cis de uma distribuição é necessário estimar nove regressões
distintas que variam entre os τ de τ = 0.1 a τ = 0.9. Por outro
lado, apesar dessa especificidade do método, a interpretação
dos efeitos é semelhante às interpretações dos coeficientes
das regressões lineares por MQO. E a opção do output gráfico
tem como fundamento a maior facilidade para analisar a he-
terogeneidade dos efeitos da democracia sobre a desigualdade
econômica do que a apresentação de uma série de tabelas de
regressão com o mesmo conjunto de variáveis e diferentes ape-
nas em relação aos quantis condicionais τ102.

102
Ademais, tal como explicitamos anteriormente, a regressão quantílica é uti-
lizada no 2º passo da estimação por variável instrumental. Os pormenores do
1º passo foram apresentados na seção anterior e por isso podemos considerar
que a variável independente de interesse dos modelos quantílicos é uma nova
variável independente de democracia [demo], purificada – teoricamente – dos
problemas de causalidade reversa.

196  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Gráfico 14 – Efeitos heterogêneos da democracia sobre
a desigualdade econômica - efeitos fixos continentais
Fonte: CGV e Utip-EhiI

Na série de gráficos que apresentamos mantemos um


padrão uniforme de exposição dos dados. No eixo horizon-
tal estão dispostos os quantis da distribuição de desigualda-
de econômica entre os países-anos, estando à esquerda os
países-anos mais iguais e à direita os países-anos mais desi-
guais. Cada quantil refere-se à posição do caso na distribuição.
O quantil 0.1 indica os casos que dividem os 10% anos/países
mais iguais dos outros 90% entre 1963 e 2008. Já o intervalo
entre o quantil 0.4 e 0.6 abrange os 20% de casos localizados
exatamente no centro da distribuição da desigualdade. E o
quantil 0.9 indica os casos que dividem os 10% anos-países
mais desiguais do restante 90% da amostra. No eixo verti-
cal encontramos os efeitos estimados da democracia sobre a

A democracia reduz a desigualdade econômica?  197


desigualdade em cada um dos quantis do eixo horizontal. Efei-
tos negativos indicam que a democracia possui uma relação
inversa com a desigualdade: quanto mais democrático menos
desigual. Já efeitos positivos indicam que a democracia pos-
sui uma relação de mesma direção: quanto mais democrático,
mais desigual103.
Além dos efeitos heterogêneos da democracia que são
apresentados na reta contínua, também indicamos em cin-
za os intervalos de confiança de cada um dos pontos es-
timados, todos condicionados no quantil de desigualdade.
Estimamos os intervalos de confiança a 90% por meio do
método de bootstrap de forma a tornar válida as inferências
causais realizadas.
Do mesmo modo, apresentamos uma linha horizontal
tracejada que indica o resultado de uma regressão em MQO e
seu respectivo intervalo de confiança104. Além das curvas esti-
madas, inserimos em todos gráficos uma linha horizontal de
referência que assinala o limite do efeito nulo de democracia.
Esta linha (preta contínua e mais fina) tem como função sepa-
rar os quantis nos quais os efeitos da democracia são positivos
dos quantis onde os efeitos são negativos.
No conjunto de gráficos apresentamos diversos mode-
los de regressão quantílica em diferentes especificações, que

103
O impacto negativo da democracia sobre a desigualdade econômica é definido
do ponto de vista estatístico, o que significa que a democracia e a desigualdade
variam inversamente: isto é, quanto maior uma, menor a outra. Os termos impac-
tos positivo e negativo estão sendo utilizados segundo este prisma de covariação
estatística e nunca segundo um ponto de vista normativo, no qual o efeito da de-
mocracia seria bom (positivo) quando reduzisse a desigualdade econômica.
104
Na regressão de MQO estimamos o efeito médio da democracia sobre a desi-
gualdade econômica. Obviamente este modelo, embora bastante difundido, não
é o adequado para o estudo de nosso problema de pesquisa, uma vez que não
permite a estimação dos efeitos da desigualdade em diferentes pontos da distri-
buição. E esta é a razão pela qual em todos os gráficos o resultado do modelo de
MQO é uma reta paralela ao eixo horizontal.

198  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


variam de acordo com os dados de democracia e desigualda-
de e entre os diferentes efeitos fixos inseridos. Nesta segunda
seção do capítulo utilizamos os dados do CGV para medir de-
mocracia e do EHII para a desigualdade econômica. No pró-
ximo capítulo analisamos a relação usando os outros dados
de desigualdade e democracia apresentados no capítulo 3. Em
todos os modelos incluímos o mesmo vetor de variáveis con-
troles citados na primeira nota de rodapé deste capítulo e na
Tabela 7 do capítulo 3.
O Gráfico 14 (p. 197) apresenta a relação entre demo-
cracia e desigualdade na especificação com efeitos fixos conti-
nentais, utilizando os quatro instrumentos listados na Tabela
8. Neste gráfico fica claro que os efeitos da democracia sobre a
desigualdade são fundamentalmente heterogêneos e o supos-
to sobre a homogeneidade dos efeitos é equivocado. O Grá-
fico 14 não deixa dúvidas de que os resultados apresentados
por modelos lineares condicionais à média (MQO) – a reta
horizontal tracejada – que no caso indicam que a democracia
está positivamente associada com a desigualdade, refletem
de maneira inadequada e reduzem em muito a complexidade
da relação entre democracia e desigualdade. Por outro lado,
é interessante notar como a regressão de MQO é de fato um
sumário da relação média entre desigualdade e democracia,
indicando um efeito médio e positivo da democracia em torno
de 5.3 pontos de GINI. Contudo, o custo desta sumarização é a
inflexibilidade para captar os pormenores de como o contexto
socioeconômico no qual opera a democracia afeta os efeitos
do regime político sobre a desigualdade.
Os efeitos da democracia só se tornam negativos ao fi-
nal da distribuição, mais especificamente nos 13% países-anos
mais desiguais durante todo o período analisado, justamente

A democracia reduz a desigualdade econômica?  199


os países-anos nos quais é muito maior a probabilidade do
surgimento de uma demanda por redistribuição no seio da
cidadania e onde o cálculo do custo benefício da adoção de
plataforma eleitoral e políticas públicas que foquem esse pro-
blema pelos partidos é mais favorável. Já nos primeiros 40%
dos países-anos mais iguais de toda a amostra (os quatro pri-
meiros decis da distribuição), existe um efeito um tanto homo-
gênea e estável da democracia sobre a desigualdade, mais ou
menos em torno de um efeito positivo de 10 pontos de GINI.
A partir do 4º decil, o aumento da desigualdade parece, mo-
notonicamente, amenizar os efeitos positivos da democracia
até o ponto que essa gradativa suavização cruza o valor zero (a
linha referencial do efeito nulo) e o efeito da democracia sobre
a desigualdade torna-se negativo.
Resumindo, de acordo com o resultado do Gráfico 14,
a democracia aumenta a desigualdade de maneira substancial
entre os países-anos mais iguais e após certo nível de desigual-
dade seus efeitos positivos são arrefecidos monotonicamente,
até que nos países-anos mais desiguais da amostra os seus efei-
tos tornam-se verdadeiramente negativos.
Este padrão encontrado está de acordo com a narrativa
político-econômica a respeito dos efeitos da democratização
no Leste Europeu e na América Latina. Enquanto naqueles
países mais iguais do mundo, recém-saídos da experiência
comunista-soviética, o surgimento da democracia foi acompa-
nhado de um substancial aumento da desigualdade econômi-
ca, na América Latina – a região economicamente mais desi-
gual do globo – o esforço do projeto democrático dos últimos
25 anos foi em direção à criação de políticas que reduzam as
disparidades econômicas entre os indivíduos.
Este primeiro resultado indica, portanto, que: 1) a re-
lação entre democracia e desigualdade não deve ser tratada

200  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


como homogênea e nem seus efeitos são monotônicos ao
longo da distribuição da desigualdade; 2) existe uma relativa
homogeneidade dos efeitos da democracia no início da dis-
tribuição de desigualdade, e só apenas quando um país-ano
atinge níveis intermediários de desigualdade é que a demo-
cracia passa a ter seus efeitos positivos amenizados; e, por fim,
3) é apenas no final da distribuição que a democracia age de
maneira mais contundente na redução da desigualdade, o que
parece indicar um limiar básico a partir do qual a competição
política democrática passa a ter como tema principal a efetiva
redução da desigualdade econômica.

Gráfico 15 – Efeitos heterogêneos da democracia sobre a desigualdade


econômica - efeitos fixos continentais e temporais
Fonte: CGV e UTIP-EHII

No Gráfico 15 repetimos a mesma estimação, mas agora


usando a segunda especificação com efeitos fixos continentais

A democracia reduz a desigualdade econômica?  201


e efeitos temporais para o controle de choques exógenos.
O vetor de variáveis controles permanece o mesmo. O grá-
fico corrobora o anterior, demonstrando que mesmo com a
adição de dummies de ano, os efeitos da democracia sobre a
desigualdade são fundamentalmente heterogêneos e a aborda-
gem tradicional que assume efeitos homogêneos é equivocada.
Contudo, ainda que o formato seja muito semelhante, o Grá-
fico 15 apresenta algumas diferenças a respeito dos patamares
dos efeitos estimados. O primeiro ponto é que nesta especi-
ficação o efeito médio da democracia sobre a desigualdade é
nulo, uma vez que o seu intervalo de confiança cruza o zero
do eixo vertical. Já os efeitos negativos da democracia sobre a
desigualdade não são exclusivos apenas dos 13% países-anos
mais desiguais. A partir do 57º centil (ou os 43% países-anos
mais desiguais), os efeitos da democracia sobre a desigualdade
são em direção à criação de uma sociedade cujos recursos são
mais homogeneamente distribuídos entre os cidadãos.
Ademais, o ponto de estabilidade inicial dos efeitos po-
sitivos da democracia sobre a desigualdade abrange apenas os
primeiros 20% países-anos mais iguais de toda a amostra (os
dois primeiros decis da distribuição). A partir do intervalo
entre o 2º e o 3º decil, os efeitos positivos da democracia em
relação à desigualdade começam a ser amenizados monoto-
nicamente até que, próximo ao 6º decil, a linha do efeito nulo
é atravessada e a democracia começa a operar em direção à
redução da desigualdade. Os maiores efeitos negativos estão
mais uma vez nos limites finais da distribuição, mas a magni-
tude é reduzida de - 7 pontos de GINI para apenas - 2.5 pontos.
Contudo, apesar das diferenças de magnitudes e valores,
as 3 conclusões permanecem respaldadas: 1) a relação entre
democracia e desigualdade é heterogênea e seus efeitos não

202  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


variam monotonicamente em toda a distribuição da desigual-
dade; 2) existe uma relativa homogeneidade dos efeitos da de-
mocracia no início da distribuição; e, por fim, 3) é apenas en-
tre os países mais desiguais que a democracia age de maneira
mais contundente na redução da desigualdade.
Finalmente, expandimos os controles da especificação,
incluindo agora efeitos fixos regionais junto aos efeitos fixos
temporais. O Gráfico 16 apresenta o resultado desta estimação.
O vetor de controles permanece o mesmo e o vetor de instru-
mentos é o apresentado na coluna (5) da Tabela 10. Novamen-
te os mesmos padrões empíricos são encontrados, indicando a
veracidade da hipótese de os efeitos da democracia sobre a de-
sigualdade serem heterogêneos e apenas nas sociedades mais
desiguais a democracia opera da forma vislumbrada pelos filó-
sofos políticos do século XIX: um sistema que traduz a igual-
dade política em uma busca por maior igualdade econômica.
O Gráfico 16 corrobora os anteriores, demonstrando
que mesmo com a adição de região às dummies de ano, os efei-
tos da democracia sobre a desigualdade são fundamentalmen-
te heterogêneos e a abordagem tradicional que assume efeitos
homogêneos é equivocada. Contudo, ainda que o formato seja
semelhante, algumas diferenças são importantes. Em primei-
ro lugar, a magnitude dos efeitos é menor, variando entre +1
no início da distribuição à -2 no final. Ademais, a estabilidade
dos efeitos positivos da democracia sobre a desigualdade no
início da distribuição se estende do 1º ao 4º decil, mas em uma
magnitude bastante menor: um efeito de +0.3 pontos de GINI.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  203


Gráfico 16 – Efeitos heterogêneos da democracia sobre a
desigualdade econômica - efeitos fixos regionais e temporais
Fonte: CGV e UTIP-EHII

Os efeitos negativos da democracia sobre a desigualdade


não são exclusivos apenas dos 13% ou 43% países-anos mais
desiguais. Os efeitos tornam-se negativos (ainda que nesse
ponto da distribuição estatisticamente não diferente de zero)
no centil 45º, indicando que para mais de metade dos anos-
-países da amostra a democracia é uma instituição redutora da
desigualdade econômica. E outra vez apenas no final da distri-
buição que os efeitos da democracia são mais fortes, atingindo
-2 pontos de GINI.
Outra constatação surpreendente e bastante distinta dos
dois resultados anteriores refere-se ao fato que o efeito médio
estimado da democracia sobre a desigualdade na especificação
com efeitos fixos regionais e temporais é negativo e significante
(próximo de -0.5). Interessante observar que na especificação

204  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


apenas com efeitos fixos continentais os efeitos médios da
democracia são positivos, na segunda com efeitos fixos con-
tinentais e temporais os efeitos são nulos e na especificação
com efeitos fixos regionais e temporais os efeitos são negativos.
Evidências contundentes que boa parte das dificuldades em se
resolver as discussões a respeito de quais sejam os verdadeiros
efeitos da democracia sobre a desigualdade decorre do pressu-
posto assaz equivocado que os efeitos da democracia são ho-
mogêneos, não sendo necessário contextualizá-los ao cenário
socioeconômico sobre o qual a competição política ocorre. Por
fim, mais uma vez verificamos que as 3 conclusões elencadas
acima se confirmam.
Na Figura 1 apresentamos outros quatro modelos distin-
tos. Selecionamos as especificações com efeitos fixos continen-
tais e com efeitos fixos regionais e temporais (as que possuem no
mínimo dois instrumentos identificadores de democracia para
cada um dos conjuntos de variáveis de difusão e longitudinais),
mas agora mantendo em cada uma das estimações apenas um
dos conjuntos de variáveis instrumentais. Não reestimamos essa
análise para a especificação com efeitos fixos continentais e tem-
porais, pois nesta apenas a variável horiental atende aos dois re-
quisitos de adequabilidade de um instrumento, enquanto llong
está estatisticamente relacionada com EHII.
A Figura 1 apresenta quatro gráficos. Na metade su-
perior estão as especificações com efeitos fixos continentais
e na metade inferior as com efeitos fixos regionais e tempo-
rais. Ao lado direito do gráfico estão as especificações instru-
mentalizadas apenas pelas variáveis longitudinais enquanto
no lado esquerdo estão aquelas instrumentalizadas pelas va-
riáveis de difusão. Os testes estatísticos indicam que os dois
modelos com apenas instrumentos de difusão são fortemente

A democracia reduz a desigualdade econômica?  205


identificados com democracia e não correlacionados com de-
sigualdade econômica, atendendo os dois critérios de adequa-
bilidade da estimação por variável instrumento. Por sua vez,
nos dois modelos com apenas os instrumentos de longitude,
os testes de Kleibergen-Paap não rejeitam a hipótese nula de
subidentificação e a variável contínua de longitude llong não
atende a hipótese de restrição de exclusão no modelo com efei-
to fixo continental, o que não torna estatisticamente válidos os
resultados destes dois modelos.
Conforme podemos ver, os modelos do lado esquerdo
que utilizam apenas as variáveis de difusão apresentam resul-
tados bastante semelhantes aos expostos nos gráficos 14 e 16.
Em ambos podemos tomar as mesmas conclusões de que a
relação entre democracia e desigualdade é: 1) heterogênea e
seus efeitos não variam monotonicamente em toda a distribui-
ção da desigualdade iguais; 2) existe uma relativa homogenei-
dade destes efeitos positivos no início da distribuição; e, por
fim, 3) é apenas no final da distribuição de desigualdade que a
democracia age de maneira mais contundente na redução da
desigualdade. Além do mais, os resultados também refletem
as magnitudes dos efeitos encontrados. No modelo com efeito
fixo continental são estimados efeitos que variam entre +10 e
-9.5 e no modelo com efeitos fixos regionais e temporais são
estimados efeitos que variam entre +1 e -2105.

105
Na apresentação gráfica e na discussão dos resultados efetivos em todos os
gráficos e figuras desta pesquisa optamos por analisar os dados apenas entre o 5º
e o 95º centil da distribuição para evitar que outliers deturpem os resultados. Por
outro lado, se estimarmos os efeitos da democracia no último centil da distri-
buição, os resultados são sensivelmente mais poderosos no modelo com efeitos
fixos continentais, onde a democracia reduz no 99º centil a desigualdade econô-
mica em - 6 pontos de GINI enquanto no modelo com efeitos fixos regionais e
temporais os efeitos são matizados e chegam a apenas -1.0 pontos.

206  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Figura 1 – Efeitos heterogêneos da democracia sobre a desigualdade
econômica - diferentes especificações e instrumentos
Fonte: CGV e UTIP-EHII

Já nos modelos com apenas instrumentos de longitude


(que não identificam adequadamente os efeitos da democra-
cia sobre a desigualdade econômica), algumas das conclusões
não são verificadas. Por exemplo, no modelo com efeitos fixos
continentais não há mais estabilidade dos efeitos da democra-
cia nos países-anos mais iguais. Esta estabilidade é encontrada
entre os países-anos medianamente desiguais. Por outro lado,
os efeitos continuam sendo heterogêneos e não monotônicos
e a democracia só reduz a desigualdade nos países-anos mais
desiguais. Já no modelo com efeitos fixos regionais e temporais
a democracia aumenta a desigualdade de maneira contunden-
te nas sociedades mais iguais, mas os efeitos são monotonica-
mente decrescentes até se atingir a mediana da distribuição de

A democracia reduz a desigualdade econômica?  207


desigualdade, onde a democracia passa a ter efeitos que são
negativos homogêneos mas não estatisticamente diferentes de
zero (isto é, o intervalo de confiança perpassa a linha horizontal
de efeito nulo).

Gráfico 17 – Efeitos heterogêneos da democracia


sobre a desigualdade econômica - sem efeitos fixos
Fonte: CGV e UTIP-EHII

No Gráfico 17 introduzimos outra especificação da rela-


ção entre democracia e desigualdade desta vez sem qualquer
controle regional, continental ou temporal. Esta é a especifica-
ção mais simples de toda a análise, pois excluí quaisquer tipos
de efeitos fixos transversais ou temporais. Sublinhamos que
para tal refizemos os passos feitos na seção anterior e usamos
apenas os instrumentos que devidamente identificam demo-
cracia ao atenderem aos dois critérios necessários para a ade-
quabilidade de um instrumento: a) estar fortemente relacionado

208  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


com a variável endógena e b) não ser correlacionado com a
variável dependente e, por consequência, com o termo de erro
εit do 2º passo (hipótese de restrição de exclusão). Nesta aná-
lise usamos como instrumentos apenas as variáveis de difusão
mundial e regional, difmundo e difregião.
Os resultados apresentados no Gráfico 17 mais uma vez
reafirmam e confirmam a hipótese de que os efeitos da de-
mocracia sobre a desigualdade econômica são heterogêneos e
afetados pelo contexto socioeconômico, no qual ocorre a com-
petição política e eleitoral, sendo positivos entre as socieda-
des mais iguais e negativos entre as sociedades mais desiguais.
Contudo, diferentemente dos achados dos modelos anteriores,
a heterogeneidade dos efeitos parece variar de maneira mono-
tônica conforme se amplia a desigualdade econômica. Não há
na curva dos efeitos nenhuma aparente estabilidade. Por fim,
mais uma vez se confirma a hipótese de que ao final da distri-
buição de desigualdade que a democracia age de maneira mais
contundente para reduzir a desigualdade econômica, ainda
que desde o 35º centil os efeitos da democracia sobre a desi-
gualdade sejam negativos. Mas é exatamente no 9º decil que o
efeito negativo é de maior magnitude: -8 pontos de GINI.

Após analisarmos todas as especificações para avaliar a


relação e os efeitos heterogêneos da democracia sobre a desi-
gualdade usando os dados do CGV e do EHII, iremos a partir
de agora testar o quanto estes resultados empíricos resistem a
diferentes formas de se analisar a relação e mesmo à alteração
das medidas de desigualdade e de democracia. Nesta seção fi-
nalizamos a análise com a adoção de diferentes intervalos de

A democracia reduz a desigualdade econômica?  209


tempo como unidade básica de análise. E na seção seguinte
introduzimos os dados do POLITY IV, SIID, SWIID e do BM-
-GINI e verificamos se a relação encontrada permanece.
Um importante ponto a ser discutido é que de agora em
diante não apresentamos os resultados dos testes do 1º passo
das próximas especificações. Contudo, de antemão enfatiza-
mos que todo e qualquer modelo apresentado nas próximas
seções possuem instrumentos que atendem aos dois critérios
necessários para a validade da estimação por variável instru-
mental. Isto significa que tiveram resultados satisfatórios nos
testes subidentificação e de fraca identificação de Kleibergen-
-Paap e nos testes de Wald para verificar se o instrumento é
correlacionado de maneira significativa com democracia e se é
não correlacionado com desigualdade, ambas decisões consi-
deradas a 10% e a 5% de significância. Caso não encontremos
nenhum conjunto de instrumentos que atenda aos critérios,
não apresentamos aquela especificação e justificamos em quais
testes os instrumentos falharam.
As primeiras especificações que não atendem aos crité-
rios da metodologia de variável instrumental são aquelas que
possuem apenas efeitos fixos regionais ou apenas temporais.
Para ambas não encontramos um único conjunto de instru-
mentos que atendesse aos dois requisitos. Em quase todos ou
a hipótese nula de não identificação não foi rejeitada a 10% ou
algum dos instrumentos inclusos não eram estatisticamente
significantes. E na única lista de instrumentos no qual a hipó-
tese de não identificação foi rejeitada – os instrumentos dif-
mundo e difcont com efeitos fixos temporais – os instrumen-
tos não atenderam à condição de restrição de exclusão.

210  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


4.2.1 O problema dos dados faltantes

Um terceiro desafio desta pesquisa decorre do fato que


utilizamos dados observáveis e que não são sempre compila-
dos pelos países e instituições de pesquisa, impedindo que as
conclusões obtidas com o arcabouço regressional em política
comparada se aproximem do potencial inferencial de dese-
nhos de pesquisa mais próximos do ideal experimental. Um
dos problemas comuns decorrentes da natureza observacional
da pesquisa é a existência de muitos dados faltantes, mesmo
após uma criteriosa interpolação de dados. Uma importante
consideração a ser feita sobre este ponto é a não independên-
cia do problema dos dados faltantes. É possível, por exemplo,
que ditaduras divulguem menos dados sobre si mesmo do que
democracias, assim como países menos desenvolvidos tendam
a produzir menos dados que os países desenvolvidos, além de
possuírem economias mais instáveis que tornam suas respec-
tivas contas nacionais menos confiáveis.
Uma técnica amplamente utilizada na literatura para li-
dar com esse problema é a utilização de intervalos temporais
maiores como unidade de análise106. É exatamente isto o que
faremos nesta seção. Reestimamos a relação entre democracia
e desigualdade utilizando como intervalo de dados não o país-
-ano, mas a média trienal, quinquenal, em uma década e em
quinze anos das variáveis para cada país107. Contudo, antes de

106
Está estratégia empírica foi feita nos principais estudos que tratam sobre os
efeitos da democracia sobre a desigualdade, entre estes apontamos: Timmons
(2010), Chong (2003), Reuveny e Li (2003) e Li, Squire e Zou (1998). O custo
principal desta estratégia é a redução dos casos para análises inferenciais mais
complexas, como as que propomos nessa pesquisa.
107
No banco anual temos 46 unidades de tempo, no trienal 15 unidades e no
quinquenal 11. Por sua vez, no banco por décadas temo 5 unidades de tempo e

A democracia reduz a desigualdade econômica?  211


estimarmos os novos modelos, verificamos por meio de uma
regressão logística quais são os atributos dos países que au-
mentam a probabilidade da inexistência de dados sobre desi-
gualdade econômica.
A coluna (2) da Tabela 12 apresenta os resultados de um
modelo logístico que tem como variável dependente princi-
pal um indicador que demonstra se o dado sobre desigualdade
econômica mensurado pelo EHII é faltante. Os dados que fo-
ram interpolados na amostra analisada são considerados como
não faltantes. O modelo deixa claro que a existência de variá-
veis missing não é aleatória. Nesta coluna (2) apresentamos
quais são possíveis determinantes da não divulgação de
informações usando como lastro os países-anos. Os países não
democráticos [chga_demo] têm 1.70 mais chances de ter a va-
riável desigualdade não reportada. Além do regime político,
o nível educacional da população masculina [ihme_ayem],
o nível de desenvolvimento [lrgdpc] e o tamanho do Gasto
Público [lgsg] também estão negativamente associados com a
não divulgação de informações sobre desigualdade, enquanto
a abertura comercial [lopenk] e o papel do consumo no PIB
[lcsg] estão associados de forma positiva.
Nas colunas (4) a (8) apresentamos a proporção de da-
dos faltantes em cada uma das regiões e continentes analisa-
dos e como essa proporção é razoavelmente reduzida nos ban-
cos de dados com intervalos de tempo maiores. Por exemplo,
enquanto no banco de dados com intervalo de tempo anual

no banco com intervalo de 15 anos somente 3. Ficando claro que o preço a ser
pago por estratégias deste tipo é uma redução da alavancagem inferencial dos
dados. Muita informação é perdida neste processo de agregação, o que fica evi-
dente que nos dados mais agregados em 10 e 15 anos os intervalos de confiança
tornam-se maiores.

212  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


55% dos casos africanos são faltantes, essa proporção se reduz
para 38% no banco com intervalo de tempo de 15 anos. Já na
América, Ásia e em toda a amostra a redução de informações
faltantes é de aproximadamente 15 pontos percentuais. As di-
ferenças são menores para a Europa e a Oceania, justamente
os continentes para os quais temos mais e menos informação,
respectivamente.
Na Figura 2 usamos essas diferentes amostras e apresen-
tamos os efeitos da democracia sobre a desigualdade ao lon-
go da distribuição da variável dependente por intervalos de
tempo trienais, quinquenais, por décadas e a cada quinzena
de anos. Como método de identificação utilizamos as mesmas
regras das seções anteriores para a identificação do conjunto
de instrumentos mais adequados. Optamos por apresentar os
dados na especificação apenas com efeitos fixos continentais,
uma vez que já houve grande perda da variância dos dados
com as agregações realizadas, sobretudo nas análises com in-
tervalos de tempo de 10 anos e 15 anos. Contudo testamos os
mesmos modelos para a especificação com efeitos fixos conti-
nentais e temporais e os resultados são bastante semelhantes.
Sempre incluímos as variáveis instrumentais que identificam
fortemente democracia sem ao mesmo tempo estarem relacio-
nadas com desigualdade.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  213


Tabela 12 – Dados faltantes de desigualdade econômica
M. Painel
(3) (4) (5) (6) (7) (8)
Logístico Anual
Ano - 10 15
chga_demo -0.63*** Missings 3 anos 5 anos
pais anos anos
0.07
lrgdpc -0.25*** África 55.3% 50.8% 52.3% 44.4% 37.9%
Af. Norte
0.05 e Oriente 41.8% 39.4% 41.1% 32.3% 30.3%
Médio
Af.
wdi_urban -0.00 61.2% 55.8% 57.2% 49.8% 29.5%
Subsaariana
0.00
ihme_ayem -0.14*** América 44.9% 39.8% 43.4% 36.3% 29.3%
Am. do N e
0.02 46.8% 40.9% 45.6% 36.8% 30.3%
Central
lgsg -0.60*** Am. do Sul 41.1% o 38.9% 35.2% 27.3%
0.06
lopenk 0.21*** Europa 25.2% 23.9% 26.4% 21.4% 22.8%
Europa
0.05 17.8% 16.0% 17.3% 13.3% 13.0%
Ocidental
Eur. Orien.
lisg 0.09 36.2% 35.5% 37.7% 32.5% 32.8%
e URSS
0.06
lcsg 0.43*** Ásia 45.7% 43.1% 43.3% 41.5% 30.6%
Extremo
0.09 44.9% 42.9% 41.7% 40.0% 22.2%
Oriente
tend 0.06*** Asia do Sul 45.4% 43.9% 46.4% 43.8% 36.7%
Sudeste
0.01 46.4% 42.3% 40.7% 40.0% 29.2%
Asiático
global -0.02
0.12 Oceania 67.0% 63.8% 68.2% 60.8% 61.8%
llong 0.09
0.10 Total 45.8% 42.3% 44.2% 38.2% 33.1%
con1 -1.53***
0.16 N 7617 3233 1727 849 544

214  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


M. Painel
(3) (4) (5) (6) (7) (8)
Logístico Anual
con2 -0.75***
0.17
con3 -0.29
0.26
con4 -1.08***
0.17
cons 0.98
0.70
N 6325

Figura 2 – Efeitos heterogêneos da democracia sobre a desigualdade


econômica em diferentes intervalos temporais - efeitos fixos continentais108
Fonte: CGV e UTIP-EHII

108
No modelo com dados trienais foram selecionadas todas as cinco variáveis.
Nos outros três modelos - com dados quinquenais, por décadas e com intervalos
de 15 anos, excluímos apenas difmundo, pois nestas especificações esta variável
não está associada com democracia.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  215


O formato da curva é bem semelhante em todos os grá-
ficos, independente do intervalo de tempo considerado. De
fato os efeitos os efeitos da democracia sobre a desigualdade
são mais fortes no sentido de reduzir a desigualdade econô-
mica nas sociedades muito desiguais, sendo, por outro lado,
positivos nas sociedades mais iguais. Além disso, nos quatro
modelos apresentados na Figura 2 existe um efeito positivo e
relativamente homogêneo da desigualdade nos primeiros qua-
tro decis da distribuição de desigualdade, com uma magnitude
do efeito semelhante e em torno de 10 pontos de GINI. Isto é
a democracia tende a fomentar a desigualdade econômica nos
casos mais iguais da amostra.
Entre o 3º e 4º decil este efeito positivo da democracia
sobre a desigualdade econômica começa a ser amenizado até
que por volta do 8º decil a curva dos efeitos heterogêneos ul-
trapassa a linha preta contínua, que indica o valor nulo, e os
efeitos passam a ser negativos. É somente nos últimos dois de-
cis da distribuição que a democracia produz de fato um efeito
negativo sobre a desigualdade e próximo ao 9º decil o efeito
passa a ser máximo, atingindo uma magnitude de -10 pontos
negativos. A única ressalva é que no gráfico inferior direito,
cujos intervalos são de 15 anos, os erros padrões são bastante
grandes e não temos completa confiança estatística no dado
estimado. Por outro lado, parece claro que os efeitos negativos
da democracia sobre a desigualdade são uma especificidade
das sociedades mais desiguais, corroborando os achados em-
píricos anteriores e a hipótese da heterogeneidade dos efeitos.

Ao longo do capítulo entramos na discussão bastante


complexa a respeito dos efeitos heterogêneos da democracia

216  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


sobre a desigualdade econômica. Para tal, nos dedicamos, na
primeira parte, à análise da adequabilidade do método de va-
riável instrumental para resolver os problemas da potencial
causalidade reversa existente na relação entre democracia e
desigualdade. Definimos esse problema como potencial, pois
existem estudos na literatura que apontam para efeitos com-
pletamente diferentes da desigualdade sobre a democracia.
Enquanto Acemoglu e Robinson (2006) e Boix (2003) chamam
atenção à ameaça redistributiva que a democracia representa
às classes dominantes, ao empoderar os desfavorecidos, Ansell
e Samuels (2010 e 2014) entendem a chave da democratização
como a busca por proteção aos direitos de propriedade de no-
vas elites contra os poderes de um líder autoritário ou de um
estado opressor e absolutista.
A seguir demonstramos que as variáveis de difusão e de
longitude são instrumentos adequados, pois atendem aos dois
critérios básicos para a validade da estimação por variável ins-
trumental: (a) são correlacionados com democracia; e (b) não
possuem um efeito causal sobre desigualdade independente
dos efeitos da própria democracia. Postas tais condições, po-
demos assumir com razoável cautela que a associação entre a
variação nos instrumentos e a variação em desigualdade deve,
de fato, ser atribuída aos próprios efeitos da democracia sobre
a desigualdade. E assim temos confiança estatística para esti-
mar os efeitos da democracia livres da influência que a própria
desigualdade exerce sobre os regimes políticos.
Para encontrar evidências empíricas em relação ao pri-
meiro critério foram realizados séries de testes estatísticos em
cada uma das especificações e só foram aceitas as variáveis ins-
trumentais que apresentaram bons resultados em todos. Des-
ta forma, temos razoável grau de certeza que o conjunto de

A democracia reduz a desigualdade econômica?  217


instrumentos propostos nesta pesquisa identificam fortemente
democracia, evitando os graves problemas decorrentes do uso
de instrumentos fracos.
Por outro lado, não existem testes adequados para testar
o requisito fundamental imposto pela hipótese de restrição de
exclusão. Contudo, além da argumentação de que não há ne-
nhum mecanismo que conecte a longitude de um país com o
seu nível de desigualdade interno, assim como a própria difu-
são de democracia, realizamos alguns testes de Wald que são
possíveis de serem realizados em modelos sobreidentificados.
E isso foi possível, pois em todas as especificações sobreidenti-
ficamos a variável endógena democracia.
Após este longo exercício de identificação, introduzimos
uma série de diferentes especificações e análises da relação entre
democracia e desigualdade, além de inclusive termos apresen-
tados modelos que estimam essa relação em bancos de dados
com cortes temporais mais amplos (Figura 2). A série de grá-
ficos apresentada deixa claro que a relação entre democracia e
desigualdade não deve em hipótese alguma ser reduzida a um
efeito homogêneo. Há evidências fortíssimas de que os efeitos
da democracia sobre a desigualdade variam de acordo com o
contexto socioeconômico no qual a competição política ocorre.
Ademais, com exceção apenas do gráfico 17, que esti-
ma a relação entre democracia e desigualdade sem incluir ne-
nhum efeito fixo, a variação dos efeitos da democracia parece
não ser monotonicamente variada ao longo da distribuição de
desigualdade. Em boa parte das estimações, foi indicado um
efeito positivo da democracia sobre a desigualdade nas socie-
dades mais iguais que tendia a ser estável ao longo dos primei-
ros dois ou quatro decis da distribuição. E apenas quando a
democracia ocorre em níveis intermediários de desigualdade,

218  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


esses efeitos positivos começavam a ser minimizados até que
nos últimos quatro decis da desigualdade se tornavam negati-
vos e seu ponto de maior contundência se localizava entre os
dois ou mesmo no último decil da distribuição.
Assim, retomando as duas hipóteses apresentadas no
capítulo 2:

H1: As democracias possuem em média um efeito negativo


sobre a desigualdade.

H2: Os efeitos negativos da democracia sobre a desigualda-


de são maiores nas sociedades mais desiguais e tendem a
ser menos relevantes em sociedades mais iguais.

Podemos concluir que a Hipótese 2 encontra forte res-


paldo nos dados. Parece não restar dúvidas que os efeitos da
democracia sobre a desigualdade econômica tendem a ser ne-
gativos nas sociedades mais desiguais do que nas sociedades
iguais, onde de fato, encontramos evidências robustas que os
efeitos são positivos. Isto é, a democratização de uma socie-
dade igual leva a um posterior crescimento da desigualdade
operado pelo próprio sistema político.
Por outro lado, em relação à Hipótese 1, dada a exis-
tência destes efeitos heterogêneos da democracia sobre a de-
sigualdade que atravessam o eixo dos efeitos nulos, não está
claro qual é o efeito médio da democracia sobre desigualdade.
Em todos os gráficos analisados incluímos uma linha que in-
dica a magnitude e os erros padrões dos efeitos médios. Em
algumas das especificações, como, por exemplo, aquelas com
efeitos fixos continentais, o efeito médio da democracia sobre a
desigualdade é positivo. Já em outra, a especificação com efei-
tos fixos continentais e temporais, o efeito médio é nulo, sendo

A democracia reduz a desigualdade econômica?  219


equilibrado pelos efeitos negativos em sociedades desiguais e
os efeitos positivos em sociedade iguais. E ainda, outras espe-
cificações, como a sem nenhum tipo de efeito fixo ou inclusive
outras com efeitos regionais e temporais, o efeito médio da de-
mocracia foi negativo.
Esta inconsistência dos achados sobre o efeito médio da
democracia sobre desigualdade resulta do fato que a suposição
da homogeneidade dos efeitos é extremamente equivocada.
É de fundamental importância teórica e empírica a contextuali-
zação dos efeitos da democracia sobre a desigualdade de acordo
com as condições socioeconômicas nas quais os partidos polí-
ticos competem pelo voto popular, incluindo como calculam o
custo benefício da obtenção do apoio político eleitoral dos seg-
mentos mais desfavorecidos da sociedade e a existência ou não
de uma demanda por redistribuição pela cidadania.
Diante deste rol de evidências, concluímos que os efei-
tos da democracia são heterogêneos e que nas sociedades mais
desiguais é de fato um regime político que reduz com contun-
dência a desigualdade econômica entre os cidadãos. Por outro
lado, o arcabouço teórico desenvolvido no capítulo 2 não for-
nece todas as pistas para explicar o achado empírico que em
sociedades mais igualitárias a democracia tende a aumentar
a desigualdade econômica, ainda que, historicamente, os efei-
tos estejam relacionados a transição política nos antigos países
sob a esfera de influência da URSS e a democratização destas
sociedades tenha sido concomitante ao esforço de diferencia-
ção dos indivíduos com o fim da organização da vida econô-
mica via planejamento central. A ausência de uma clivagem
redistributiva implicaria de maneira mais imediata em um não
efeito da democracia sobre a desigualdade, mas o que encon-
tramos de maneira consistente ao longo dos diversos modelos
foi um efeito positivo da democracia. Desta maneira, parece

220  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


existir a partir dos dados analisados um mecanismo por meio
do qual a competição política produz mais desigualdade que
as ditaduras em sociedades mais igualitárias.
Finalmente, devido ao fato que existem algumas polê-
micas e discussões a respeito das diferentes maneiras de se
mensurar democracia e desigualdade, no próximo capítulo
testamos a robustez destes achados, analisando a relação en-
tre democracia e desigualdade em outros bancos de dados
que cobrem o mesmo horizonte temporal e em um horizon-
te histórico que abrange todo o processo de democratização
do mundo desenvolvido e em desenvolvimento, ainda que o
custo da maior abrangência temporal seja a própria qualida-
de dos dados.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  221


Capítulo 5

Testando a relação em outros dados

O objetivo principal deste quinto capítulo é aprofundar


a consistência dos achados anteriormente apresentados e tor-
nar mais latente a veracidade da hipótese de que os efeitos da
democracia sobre a desigualdade são heterogêneos e de que a
democracia é um contundente agente redutor da desigualdade
econômica em sociedades mais desiguais. Para tal empreitada
o dividimos em quatro seções.
Nas duas primeiras analisamos outras mensurações
de desigualdade e democracia para o período pós 2ª Guerra
Mundial. Na primeira analisamos se os resultados permane-
cem se mudarmos a medida de democracia para a escala ela-
borada pelo POLITY IV. Na segunda analisamos as três ou-
tras medidas de desigualdade propostas no capítulo 3, SWIID,
SIID e Capshares. Na terceira seção analisamos a relação da
democracia e desigualdade em um horizonte histórico mais
extenso, utilizando dados que mensuram as duas variáveis
desde o século XIX.
Na quarta seção verificamos se os efeitos da demo-
cracia são localizados no tempo ou se estendem ao longo
da experiência democrática, tal como alguns autores como
Muller (1988) e Sirowy e Inkeles (1990) entendem que po-

 223
dem funcionar os mecanismos causais da democracia sobre a
desigualdade. Para tal discussão fazemos uma pequena alte-
ração na variável independente. A medida deixa de ser se um
simples indicador se o país possui um regime democrático
ou não e passa a ser uma medida da persistência do regime,
calculada por meio da contagem de anos passados desde a
transição democrática.

5.1 Polity IV

Conforme exposto no capítulo 3, existe um debate sobre


como o fenômeno da democracia deve ser mensurado empi-
ricamente e em quais dimensões de um regime político estão
suas propriedades essenciais. Optamos como medida principal
a proposta dicotômica de Cheibub, Gandhi e Vreeland (2010).
Entretanto, existem outras duas medidas de regime político
usualmente utilizadas na literatura e entre elas destacamos o
projeto do POLITY IV que mensura diversas características
dos regimes políticos (Marshall et al., 2002).
No próprio capítulo 3, após apresentarmos brevemente
o formato policotômico da medida do POLITY IV, propuse-
mos três novas formas de mensuração da competição política
de um determinado país baseadas em duas escalas do POLITY
IV: a) Participação: classificação dicotômica na qual os regimes
políticos são qualificados como tendo participação política
competitiva (democráticos) ou não competitiva (autoritários);
b) Recrutamento: classificação dicotômica na qual o método
de recrutamento eleitoral dos chefes do Executivo é conside-
rado como democrático e todos os outros são considerados
como autoritários; e, por fim, c) Competição: a interação entre

224  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


as duas variáveis, sendo considerados democráticos apenas os
regimes com participação política competitiva e recrutamento
do Executivo pela via eleitoral.
Embora aparentemente a variável do CGV e estas trans-
formações das variáveis do POLITY mensurem uma mesma di-
mensão do fenômeno político democrático, as correlações entre
as três medidas não são tão elevadas quanto o esperado. A cor-
relação entre Participação e o CGV é de apenas 0.58. Dos 6418
regimes analisados pelas duas escalas concomitantemente, em
38 casos a classificação POLITY IV analisa a participação como
competitiva e CGV define o regime como ditatorial. E 1351 ca-
sos analisados como democráticos pelo CGV são considerados
como regimes cuja participação não é competitiva pelo POLITY
IV. Fica claro que a variável natureza competitiva da participa-
ção política do POLITY IV é mais conservadora e exigente que
a definição minimalista assumida pelo CGV.
Já a correlação entre Recrutamento e o CGV é maior,
próxima de 0.79. Dos 6418 casos analisados concomitante-
mente existe desacordo em 663. Destes, 232 são classificados
como ditaduras pelo CGV e como recrutamento eleitoral
pelo POLITY IV e 431 democracias do CGV não possuem
um critério de recrutamento considerado como eleitoral pelo
POLITY IV. Por fim, a nova medida de Competição que utiliza
os dois requisitos acima se aproxima muito da variável Parti-
cipação, pois apenas em 8 casos o POLITY IV classificou um
mesmo caso como tendo participação política competitiva e
método de recrutamento do Executivo não eleitoral109. Posto

109
Taiwan (1992 a 1995) e Uruguai (1985 a 1988). O primeiro é classificado
como ditadura pelo CGV e o segundo como democracia. A correlação entre as
variáveis Participação e Competição é de 0.996.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  225


isto, devido a esta enorme convergência entre Participação e
Competição, testaremos a hipótese dos efeitos heterogêneos
apenas para a segunda, que é justamente a que agrega as duas
medidas de Participação e Recrutamento.

Tabela 13 – Estatística descritiva dos dados de participação e recruta-


mento

1 – Correlações (1963 – 2008)


CGV Participação Recrutamento
Participação 0.578
Recrutamento 0.785 0.642
Competição 0.579 0.996 0.646
2 - Tabelas de Contingência: POLITY e CGV (1963 – 2008)
CGV = 0 Recrutamento
Participação 0 1 Total
0 3572 198 3770
1 4 34 38
Total 3576 232 3808
CGV = 1 Recrutamento
Participação 0 1 Total
0 427 924 1351
1 4 1255 1259
Total 431 2179 2610
CGV
Competição 0 1 Total
0 3774 1355 5129
1 34 1255 1289
Total 3808 2610 6418
Observação: A diferença do total desta tabela (6418) para o total da Tabela 12 (7617) de-
corre do fato que o Polity IV cria mais valores faltantes do que o CGV.

226  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Na Tabela 13 apresentamos a descrição de cada uma
dessas três novas variáveis. E mostramos como elas estão for-
temente relacionadas entre si e são uma definição mais con-
servadora do que seja um regime político democrático do
que o CGV. Podemos observar nesta tabela que o CGV cate-
goriza 3808 casos como ditaduras e 2610 como democracias.
Enquanto isso, a variável Recrutamento observa 2411 (2179
+ 232) casos de democracia e 4007 (3576 + 431) de ditadu-
ras. Já a variável Participação observa apenas 1297 (1259 + 38)
países-anos democráticos e 5121 (3770 + 1351) ditatoriais. Por
fim, a variável mais restritiva, Competição, observa 1289 anos
democráticos e 5129 anos ditatoriais.

Figura 3 – Efeitos heterogêneos da democracia sobre a


desigualdade econômica – POLITY IV 110
Fonte: POLITY IV e UTIP-EHII

110
Os modelos que mensuram democracia com a variável recrutamento tem
como instrumentos de identificação difmundo, difregião, llong e horiental
quando a especificação contém apenas efeitos fixos e quando são adicionadas
as dummies de anos apenas difmundo identifica o modelo. Já na mensuração

A democracia reduz a desigualdade econômica?  227


Discutido o formato das 3 novas variáveis, na Figura 3
apresentamos os efeitos da democracia sobre a desigualdade
ao longo da distribuição da variável dependente. Como mé-
todo de identificação, utilizamos os dois conjuntos de instru-
mentos de difusão e de longitude. Mais uma vez, incluímos
dentre os cinco apenas aqueles que atendem aos critérios ne-
cessários para a validade da estimação por variável instrumen-
tal. A especificação básica dos modelos da metade superior da
figura tem efeitos fixos continentais. Já a especificação da me-
tade inferior apresenta efeitos fixos continentais e temporais.
Para cada um dos modelos fizemos os testes para escolher o
melhor rol de variáveis instrumentais para a identificação de
democracia. Na coluna da esquerda testamos a hipótese dos
efeitos heterogêneos para a variável Recrutamento. E na co-
luna da direita a variável mais conservadora de Competição.
O padrão da Figura 3, mais uma vez, é bem semelhante
ao formato das curvas encontradas nos modelos apresentados
no capítulo anterior. Encontramos um efeito positivo e homo-
gêneo no início da distribuição de desigualdade, que vai do
1º ao 4º decil nas especificações que apenas contam com efei-
tos fixos continentais e do 1º e 2º decil nas especificações com
efeitos fixos continentais e dummies de ano. Após este pri-
meiro estágio, os efeitos positivos da democracia passam a ser
amenizados e próximo ao 8º decil nos dois primeiros modelos
ou próximo ao 6º decil nos dois modelos inferiores os efeitos
da democracia tornam-se negativos. Em todos os modelos o
efeito mais contundente e negativo da democracia em relação
à desigualdade econômica é encontrado entre o 9º decil e o
95º centil da distribuição. Os resultados são basicamente os

de democracia pela variável competição, no modelo com apenas efeitos fixos


continentais os instrumentos são difcont e difregião e após a adição de dummies
de ano apenas difmundo identifica a variável endógena.

228  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


mesmos dos encontrados anteriormente, não importando, as-
sim, a medida de democracia utilizada.
Um último aspecto importante de ser destacado decor-
re do fato que apenas observando os resultados destes qua-
tro modelos fica clara a inconsistência da análise dos efei-
tos da democracia por meio da estimação dos seus efeitos
médios por MQO. Enquanto nos modelos com efeitos fixos
continentais a democracia tem um efeito médio positivo, nos
modelos que incluem efeitos fixos para os anos, as democra-
cias passam a ter um efeito nulo. Fica patente, outra vez, a
conclusão que o suposto sobre os efeitos homogêneos da de-
mocracia é sobremaneira equivocado e uma das razões que
dificultam o avanço da literatura.
Por fim, testamos os mesmos modelos incorporando efei-
tos fixos regionais e efeitos fixos regionais e choques temporais.
Os resultados são semelhantes aos encontrados até aqui, ainda
que para o modelo com efeitos fixos regionais e democracia
mensurada pela variável competição não tenha sido encontrado
nenhuma variável instrumental que torne a estimação válida.

5.2 Outras medidas de desigualdade

Do mesmo modo que existe um vigoroso debate sobre


como o fenômeno da democracia deve ser mensurado empi-
ricamente, também discutimos as divergências da literatura
sobre quais são as melhores formas de medir a desigualdade
econômica. Apresentamos três diferentes medidas de desi-
gualdade econômica que possuem dados disponíveis para um
longo período de anos e para muitos países. As duas pri-
meiras são o Standardized Income Inequality Data (SIID) e
a Standardized World Income Inequality Database (SWIID),
que mensuram o mesmo conceito tratado pelo EHII: o

A democracia reduz a desigualdade econômica?  229


coeficiente de GINI. E a terceira, Capital Shares, captura o
quanto os recursos de um determinado país são controlados
pelos detentores do capital.
Esperamos encontrar relações semelhantes para diferen-
tes mensurações do GINI, uma vez que o conceito é o mesmo:
a curva de Lorenz; e a fonte primária dos dados é a compilação
de surveys de GINI feita pelo UNU-WIDER. Por sua vez, em
relação à terceira medida, que foi utilizada por Houle (2009)
para analisar a relação entre desigualdade e processos de de-
mocratização, as expectativas são mais incertas. A variável
captura outro aspecto da desigualdade: a divisão de recursos
entre os detentores do capital e o resto da sociedade e não ape-
nas a desigualdade no fluxo de renda entre os indivíduos. E a
relação negativa entre democracia e desigualdade encontrada
na cauda direita da distribuição de desigualdade medida pelo
coeficiente de GINI não necessariamente significa, por exem-
plo, que os recursos utilizados pelo governo democrático para
reduzir a desigualdade de renda sejam extraídos do capital.
É bem possível que outros grupos da sociedade arquem com
os custos de projetos e políticas públicas que almejem reduzir
a desigualdade econômica.
Na Figura 4 apresentamos os efeitos da democracia, no-
vamente mensurada pelo CGV, sobre a desigualdade econô-
mica mensurada pelo SIID. Mais uma vez repetimos o mesmo
método de identificação de democracia, utilizando os mesmos
testes para identificação e verificação da hipótese de restrição
de exclusão. Nesta análise temos três divergências em relação
aos outros achados. Como a amostra de países analisadas
pelo SIID é menos abrangente que as amostras de EHII e do
SWIID111, os primeiros passos das equações apresentaram
resultados um pouco distintos. Para os dados de SIID, nenhum

111
Enquanto o EHII possui 4138 países-anos com atribuição de valores para
desigualdade e democracia, o SWIID possui mais de 4700 países-anos e o SIID
apenas 2302 – menos que a metade que o SWIID.

230  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


instrumento é adequado para identificar corretamente as es-
pecificações sem nenhum efeito fixo e com apenas efeito fixo
continental, enquanto tal identificação foi possível nos mode-
los de EHII e de SWIID. Além disso, apenas para os dados
de SIID conseguimos estimar adequadamente a especificação
de efeitos fixos regionais, enquanto o contrário aconteceu nas
estimações de EHII e SWIID. Assim, para SIID temos poder
estatístico para identificar as especificações com efeitos fixos
continentais e temporais e as duas com efeitos fixos regionais
(com e sem dummies de ano).

Figura 4 – Efeitos heterogêneos da democracia sobre a desigualdade


econômica - Standardized Income Inequality Data (SIID)112
Fonte: CGV e SIID

112
O modelo com efeitos fixos continentais e temporais foi identificado pelos
instrumentos difmundo, difcont, horiental e llong. Já o modelo com efeitos fixos
regionais foi identificado por difmundo e o modelo com efeitos fixos regionais e
temporais foi identificado por difmundo, difcont, horiental e llong.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  231


Os gráficos da Figura 4 apresentam um cenário comple-
tamente diferente do encontrado até agora. Em dois dos três
gráficos parece que o suposto da homogeneidade dos efeitos
da democracia sobre a desigualdade encontra respaldo empí-
rico. Além de serem homogêneos, também é indicado que os
efeitos da democracia sobre a desigualdade são nulos, pois as
duas curvas – a de efeitos heterogêneos e de efeitos homogê-
neos – contêm em seus respectivos intervalos de confiança o
eixo de referência dos efeitos nulos.
Na especificação com efeito fixo regional esse resultado é
claríssimo. Em todos os decis da distribuição de desigualdade,
a curva de efeitos heterogêneos está contida dentro do interva-
lo de confiança da reta de efeitos homogêneos, enquanto am-
bas incluem dentro de seus intervalos de confiança o eixo de
efeitos nulos. O mesmo acontece na especificação com efeitos
fixos regionais e temporais, com exceção apenas do último de-
cil, onde há um efeito positivo da democracia na desigualdade.
Em todos os outros decis, do 0.1 ao 0.8, o efeito é homogêneo
e nulo. Por fim, na especificação com efeitos fixos continentais
e temporais, os resultados recuperam, ainda que de maneira
tímida, o aspecto encontrado anteriormente. Há um efeito po-
sitivo da democracia sobre a desigualdade nas sociedades mais
iguais e a partir do 4º decil este efeito é negativo, embora seja
relativamente homogêneo até o 95º centil.
A partir dos dados exposto nos gráficos acima, duas
possibilidades empíricas emergem para explicar as brutais
diferenças encontradas. Como os dados de desigualdade do
SIID abrangem um menor conjunto de países, é possível que
as discrepâncias sejam resultados não das diferentes técnicas
de mensuração de Babones e Alvarez-Rivadulla (2007), mas

232  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


sim meramente uma questão amostral113. Para isso, realizamos
dois exercícios: re-estimamos os resultados anteriores de EHII
apenas com os casos para os quais o SIID tem dados e em se-
gundo lugar avaliamos um terceiro banco de dados, o SWIID,
que possui mais informações e cuja técnica de estimação é se-
melhante às adotadas por Babones e Alvarez-Rivadulla (2007).
Para utilizarmos os dados de EHII nos mesmos casos de
SIID, optamos por não avaliar o primeiro passo da equação e
aceitar os instrumentos que identificaram democracia nos 3
modelos da Figura 4. O total de dados analisados nesta estima-
ção é menor, pois não há dados de EHII em 396 países-anos
para os quais as informações de SIID estão disponíveis. O re-
sultado que emerge é claríssimo: na estimação com efeitos fixo
continentais, os resultados são convergentes com as evidências
apresentadas no capítulo 4. Os efeitos heterogêneos da demo-
cracia variam da forma esperada: efeitos positivos da demo-
cracia entre os países mais desiguais e efeitos negativos entre
os países mais desiguais, sendo o ponto de maior contundên-
cia negativa dos efeitos da democracia encontrado justamente
entre o 8º e 9º decil. Retornando nossa atenção à Figura 4, a
estimação de SIID com efeitos fixos continentais é entre as três
apresentadas a que mais se aproxima dos achados anteriores.
Já em ambas as especificações com efeitos fixos regio-
nais (com efeitos fixos temporais ou não), o formato da curva
de efeitos heterogêneos estimada com os dados de EHII ape-
nas para os casos onde a informação de SIID não é faltante se

113
Contando com a perda de casos por dados faltantes nas variáveis contro-
les, a estimação com SIID usa ao todo 2101 países-anos para estimar os efeitos
da democracia, enquanto os modelos com EHII utilizam-se de 3781 casos e os
modelos que serão analisados a seguir com os dados de SWIID possuem 4267
países-anos.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  233


aproxima muito das duas curvas da própria Figura 4, indi-
cando que democracia teria um efeito homogêneo e nulo so-
bre desigualdade. Posto isto, podemos concluir que os efeitos
distintos encontrados na Figura 4 decorrem de uma questão
predominantemente amostral do que das próprias discre-
pâncias metodológicas entre as técnicas de padronização dos
dados de GINI. Isto coloca em destaque a importância da
ampliação do escopo geográfico dos bancos de dados sobre
desigualdade e da necessidade de incorporação de informa-
ções a respeito da dinâmica da evolução da desigualdade eco-
nômica nos países em desenvolvimento para a realização de
uma análise mais acurada do fenômeno. O foco excessivo nas
economias mais desenvolvidas tem um enorme potencial em
enviesar a análise empírica.
Prosseguindo à verificação da robustez dos achados so-
bre os efeitos heterogêneos da democracia sobre a desigual-
dade econômica, na Figura 5 apresentamos a estimação des-
ses efeitos a partir dos dados de GINI sobre a desigualdade
econômica bruta do SWIID, que inclusive é mais abrangente
que o próprio projeto da UTIP-EHII. O mesmo método de
identificação foi utilizado. Nenhum instrumento identificou
corretamente as especificações com efeito fixo regional. A es-
pecificação sem efeito fixo é identificada apenas por difusão
regional, a especificação com efeito fixo continental é iden-
tificada por difusão regional e continental, enquanto as duas
especificações com efeitos fixos temporais – efeitos fixos con-
tinentais ou regionais – são identificadas por difusão regio-
nal e mundial.

234  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Figura 5 – Efeitos heterogêneos da democracia sobre
a desigualdade econômica - Standardized World Income
Inequality Data (SWIID) para renda bruta114
Fonte: CGV e SWIID

Como podemos observar na Figura 5, os formatos das


curvas sobre os efeitos heterogêneos da democracia sobre a
desigualdade permanecem bastante semelhantes aos resulta-
dos encontrados no capítulo anterior. Os efeitos positivos da
democracia sobre a desigualdade são mais fortes no início
(esquerda) da distribuição de desigualdade e os efeitos são
abrandados com o movimento crescente no eixo horizontal da
distribuição de desigualdade. O que se destaca nas curvas da

114
O modelo sem efeito fixo é identificado apenas por difusão regional. Já a es-
pecificação com efeito fixo continental é identificada por difregiao e difcont e as
duas especificações com efeitos fixos temporais são identificadas por difmundo
e difregião.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  235


metade superior do gráfico, que não apresentam efeitos fixos
ou só incluem efeitos fixos continentais, é o desaparecimen-
to dos efeitos positivos homogêneos no início da distribuição.
Há uma clara matização monotônica dos efeitos positivos da
desigualdade do 1º decil da distribuição até que no 8º decil se
tornam negativos ao cruzar o limiar dos efeitos nulos. Já os
gráficos da metade inferior da figura indicam que os efeitos
da democracia sobre a desigualdade nunca são positivos. São
nulos no início da distribuição e tornam-se gradativamente
mais negativos com o avanço no eixo horizontal em direção à
direita da distribuição de desigualdade. E nos quatro gráficos
os efeitos negativos mais contundentes da democracia sobre a
desigualdade encontram-se no final da distribuição, isto é no
decil dos países-anos mais desiguais da amostra.
Mais uma vez fica evidente que a estimação dos efeitos
médios da democracia sobre a desigualdade a partir do su-
posto de sua homogeneidade é equivocada e inconsistente.
Enquanto na estimação sem efeitos fixos e com efeitos fixo
continentais os resultados são significantes e positivos, na es-
timação com efeitos fixos regionais e temporais e com efeitos
fixos continentais e temporais os resultados são sempre nega-
tivos e significantes. Estes resultados estão representados pela
linha tracejada horizontal.
Resultados bastante semelhantes aos apresentados na
Figura 5 são obtidos se estimarmos os efeitos da democracia
sobre a desigualdade a partir da desigualdade de renda líquida
do SWIID. A especificação sem efeitos fixos tem o mesmo
formato, com a única diferença que a amplitude dos efeitos é
menor, variando entre +10 no início da distribuição e -10 no
final. O mesmo padrão também se repete na especificação com
efeitos fixos continentais, com exceção do fato que os efeitos

236  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


tornam-se negativos no 6º decil e não no 8º. Por fim, as curvas da
metade inferior da figura são também semelhantes, com exceção
apenas do fato que elas recuperam o formato tradicional, no
qual os efeitos são positivos no início da distribuição, tornam-
se negativos entre o 2º e o 4º decil e os efeitos mais negativos e
contundentes são encontrados no 9º decil.
Posto isto, podemos concluir que a principal diferença
encontrada entre os modelos que analisam o efeito da demo-
cracia sobre a desigualdade econômica mensurada pela renda
líquida do efeito da democracia sobre a desigualdade de renda
bruta é apenas uma questão de magnitude desses efeitos, que
são um pouco menores no primeiro. Tal resultado é espera-
do uma vez que a desigualdade da renda líquida tende a ser
menor do que a desigualdade por renda bruta, caso os países
adotem um sistema tributário minimamente regressivo.
Fora isso, ao compararmos os resultados das estimações
com diferentes tipos de renda, vemos que os formatos são ra-
zoavelmente semelhantes, apontando mais uma vez que a dife-
renciação que a literatura faz sobre estes dois tipos de desigual-
dade não é convincente teórico e empiricamente. Isto porque,
tal como posto por Bergh (2005), os sistemas de taxação e
transferência e as políticas públicas redistributivas têm efeito
tanto sobre a renda líquida do presente quanto sobre a oferta
de trabalho no futuro, impactando, portanto, nos formatos das
distribuições líquida e bruta dos ganhos.
Finalmente, na Figura 6 apresentamos os gráficos dos
efeitos heterogêneos da democracia sobre a distribuição dos
recursos entre o capital e trabalho, variável com a qual Houle
(2009) analisa a relação entre democracia e desigualdade. Os
resultados são bastante diferentes dos encontrados no restante
da pesquisa, o que parece indicar o fato que a fração do valor

A democracia reduz a desigualdade econômica?  237


agregado pertencente ao capital não é uma boa proxy para me-
dir a desigualdade econômica entre os indivíduos. A primeira
constatação que merece ser destacada é que independente do
quantil analisado, o efeito da democracia sobre a fração do PIB
pertencente ao capital é negativa. Isto é, a democracia sempre
e de forma homogênea aumenta a participação do trabalho
no processo de agregação de valor. Podemos concluir que esse
efeito é homogêneo, uma vez que boa parte das curvas de efei-
tos heterogêneos está contida dentro do intervalo de confiança
da curva de efeito médio.
Destarte, no que se refere à análise da relação entre de-
mocracia e a participação do capital na agregação do valor,
podemos realmente assumir a hipótese de que seus efeitos são
homogêneos e, portanto, independente do contexto socioeco-
nômico no qual a competição política ocorre. Além do mais,
é importante ter em mente que independentemente da quan-
tidade de recursos pertencentes ao trabalho ou ao capital, isto
não quer dizer diretamente que estes recursos são distribuí-
dos concentrada ou homogeneamente entre os trabalhadores
e, consequentemente, os países nos quais o valor agregado é
mais concentrado no trabalho (lado esquerdo dos gráficos) ou
no capital (lado direito) não necessariamente possuem maior
ou menor desigualdade econômica.
Fica claro, por outro lado, que a democracia impacta
positivamente a participação do trabalho no valor adicionado
de uma dada economia, mas este impacto não é condiciona-
do em relação ao nível de concentração da renda no capital.
Enquanto nas análises feitas pelas diferentes mensurações do
GINI, fica evidente que quanto maior for a desigualdade de
renda entre os indivíduos, maior será o efeito da democracia
na sua redução. Conectando os dois resultados e assumindo o

238  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


pressuposto que o capital é concentrado na mão de alguns in-
divíduos, que conformariam a elite econômica, podemos con-
cluir que a democracia reduz a desigualdade nas sociedades
mais desiguais, mas isto não afeta a fração do valor adicionado
que está concentrado no capital, além do impacto geral que a
democracia tem em proteger o papel do trabalho no processo
de agregação de valor.

Figura 6 – Efeitos heterogêneos da democracia sobre a


participação do capital na agregação de valor115
Fonte: CGV e Houle (2009)

115
Não identificamos adequadamente democracia na especificação sem
nenhum efeito fixo e só conseguimos aceitar a hipótese de restrição de exclusão
da especificação com efeitos fixos regionais e temporais a 5% de significância.
A especificação com efeito fixo continental foi identificada por difcont e difre-
gião; já a especificação com efeito fixo continental e temporal foi identificada
por difmundo e difcont; a especificação com efeito fixo regional foi identificada
por difmundo e llong; e, finalmente, a especificação com efeito fixo regional e
temporal é identificada por difmundo, difcont e llong.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  239


5.3 Desigualdade e democracia desde o século xix

Até agora os achados da relação entre democracia e desi-


gualdade indicam que de fato os efeitos da democracia sobre a
desigualdade são heterogêneos e o impacto da democracia em di-
reção à redução das disparidades econômicas entre os indivíduos
é maior nos países mais desiguais. Contudo os achados refletem
apenas o que aconteceu na segunda metade do século XX. Diante
disso nos questionamos se estes resultados permanecem se obser-
vamos a relação entre as duas variáveis em um horizonte histórico
mais abrangente e que incorpore os processos de democratização
dos primeiros regimes representativos democráticos da Europa
Ocidental, América do Norte e Oceania.
Para responder a tal questionamento, iremos analisar
a relação entre democracia e desigualdade em um intervalo
histórico de longa duração. Com os dados já apresentados
de Bourguignon e Morrison (2002) e trabalhados por Ansell
e Samuels (2014), temos um banco alternativo que permite
capturar os efeitos da democracia e desigualdade nesta esca-
la histórica maior. Obviamente que a escala mais extensa dos
dados não resolve o problema da relação causal inversa en-
tre democracia e desigualdade. E para tal adotamos a mesma
metodologia e os mesmos tipos de instrumentos de difusão
de democracia e de posicionamento longitudinal do país para
identificar a relação.
O cálculo da difusão de democracia é refeito a partir da
nova mensuração de democracia que associa aditivamente três
regras distintas: a) os regimes definidos como democráticos
por Boix e Rosato (2001), b) os regimes políticos que amplia-
ram o direito de voto a 100% da população masculina adulta
(Przeworski, 2009) e c) os regimes que proíbem a existên-
cia legal da escravidão em seu território.

240  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Uma restrição empírica que adotamos nessa subseção é
a não inclusão de efeitos fixos regionais. Conforme já exposto
no capítulo 3, os autores dos dados de desigualdade Bourguig-
non e Morrison (2002) calcularam os dados de mais de 70%
dos anos-países disponíveis na amostra a partir da estrutu-
ra econômica regional e não nacional. Dos 53 países para os
quais temos informações sobre desigualdade e regime político,
apenas para 16 temos os dados de desigualdade calculados a
partir da própria unidade econômica nacional. Desta forma,
a inclusão de efeitos regionais retira boa parte da variabilida-
de dos dados, enviesando a análise. E, consequentemente, não
teríamos poder estatístico para discernir se os resultados obti-
dos seriam decorrentes da própria dinâmica dos dados ou do
nível de agregação a partir do qual os cálculos dos GINIs de
Bourguignon e Morrison (2002) foram feitos.
Além das novas medidas de desigualdade, democracia
e difusão de democracia, também incluímos novos vetores de
variáveis controles. Isto porque o conjunto de controles uti-
lizados nas especificações anteriores também foi compilado
apenas para a 2ª metade do século XX. Na nova especificação
incluímos as seguintes três variáveis de controle: o PIB real per
capita como medida do nível de desenvolvimento econômico,
o nível de escolaridade da população e a desigualdade da dis-
tribuição da propriedade rural, além disso, incluímos também
variáveis de tendência. Utilizamos a medida de renda per ca-
pita de Angus Maddison (1997) e as medidas de desigualdade
rural e de níveis de escolaridade de Tatu Vanhanen (2000)116.

116
A medida de desigualdade rural é calculada por Ansell e Samuels a partir das
medidas de agricultura familiar (Family farms) e do nível de urbanização da po-
pulação, ambas de Tatu Vanhanen (2000). A desigualdade rural é obtida a partir
da operação: (1 - agricultura familiar) * (1 - população urbana) – a proporção da

A democracia reduz a desigualdade econômica?  241


158
Empregamos para as três variáveis as mesmas transformações
transformações e os dados utilizados por Ansell e Samuels (2014)117. Na Tabela 158
e os dados utilizados por Ansell e Samuels (2014)11714. Na apresentamos
Tabela158a
estatística de cada
transformações e osuma delas.
dados utilizados por Ansell e Samuels (2014)117. Na Tabela 14 apresentamos a
14 apresentamos a estatística de cada uma 117
delas.
transformações
estatística e os
de cada umadados utilizados por Ansell e Samuels (2014)
delas. . Na Tabela 14 apresentamos a
estatística de cada uma delas.
Tabela 14 – Estatística descritiva das variáveis de controle
Tabela 14: Estatística Descritiva das Variáveis de Controle
Des.
Des.
Variáveis IndicadorDescritiva
Variáveis Tabela 14: Estatística
Indicador NN
das Média
VariáveisMediana
de Controle
Média Mediana Fonte
Fonte
Pad
Pad
Tabela 14: Estatística Descritiva das Variáveis de Controle
Des.
Variáveis Indicador N Média Mediana Fonte
I. Desenvol-
Desenvolvimento Des.
Pad
Variáveis Ln {PIB real
Indicador N
10354 Média
7.70 Mediana
7.62 0.91 Fonte
Maddison
vimento 10354 7.70 7.62 0.91 Maddison
Pad
I. Econômico
Desenvolvimento }
Econômico Ln {PIB real 10354 7.70 7.62 0.91 Maddison
I. Desenvolvimento
Econômico
II. Desigualdade Rural Ln {PIB real} 10354 7.70
9612 50.73 7.62
52.25 0.91 Vanhanen
24.72 Maddison
Econômico }
Desigualdade 9612 50.73 52.25
II. Desigualdade Rural 9612 50.73 52.25 24.72
24.72 Vanhanen
Vanhanen
Rural ½ * (alfabetização + 9613 32.81 30.25 23.11
III.
II. Escolarização
Desigualdade Rural 9612 50.73 52.25 24.72 Vanhanen
Vanhanen
nº estudantes)
III. Escolarização ½ * (alfabetização + 9613 32.81 30.25 23.11 Vanhanen
III. Escolarização ½ *nº(alfabetização
estudantes) +
9613 32.81 30.25 23.11 Vanhanen
Na Escolarização
especificação final nºdas 9613 incluímos
variáveis controles
estudantes)
32.81 30.25
um termo23.11 Vanhanen
quadrático para o
desenvolvimento econômico,
Na especificação final tal
dascomo fizemoscontroles
variáveis nos modelos anteriores,
incluímos um etermo
uma linha de tendência
quadrático para de
o
ordemNa
3. Incluímos
desenvolvimento também
especificação finaluma
econômico, variável
taldas dummy
variáveis
como fizemos nos identificando
controles o período
incluímos
modelos entre
ume uma
anteriores, termo o começo
quadrático
linha e para
o final
de tendência deo
Na especificação final das variáveis controles incluímos
das duas
ordem Grandeseconômico,
desenvolvimento Guerras
3. Incluímos tambémMundiais
tal como
uma que, conforme
fizemos
variável vimos no
nosidentificando
dummy modelos capítulo
anteriores, e3,uma
o período é caracterizado
linha
entre epor uma
de tendência
o começo de
o final
um termo quadrático para o desenvolvimento econômico, tal
forte
ordem
das queda
duas da desigualdade
3. Grandes
Incluímos também
Guerras econômica.
uma que, Além
variável
Mundiais dummy
conformedisso, como noocapítulo
identificando
vimos horizonte
3, temporal
o período éentre desta análise
o começo
caracterizado finalé
e o uma
por
maior,
como
optamos
fizemos
porGuerras
nos
defasar Mundiais
modelos
democracia emAlém
anteriores,
três anos
e uma linha de tendên-
das duas
forte queda Grandes
da desigualdade econômica. que, disso,evimos
conforme difusão
comonoode democracia
capítulo
horizonte em seis.
3,temporal Desta
é caracterizado
desta porforma,
uma
análise é
as equaçõescia de
estimadasordem são: 3. Incluímos também uma variável
maior, optamos por defasar democracia em três anos e difusão de democracia em seis. Desta forma,é
forte queda da desigualdade econômica. Além disso, como o horizonte dummy
temporal desta iden-
análise
maior,
as tificando
optamos
equações o período
por defasar
estimadas são: democracia entre o anos
em três começoe difusão e odefinal das em
democracia duasseis.Grandes
Desta forma,
1)
as EQUAÇÃO
equaçõesGuerras ESTIMADA
estimadas Mundiais
são: NO PRIMEIROque, conforme PASSO: vimos no capítulo 3, é ca-
(4.1)
1) racterizado
L3.DEMO
EQUAÇÃO it = αi + β6
ESTIMADA por NOuma
controles it +forte
PRIMEIRO queda
β7 L6.Instrum
PASSO: it +da desigualdade
β8 contin. + β9 tend + β10econômica.
tend2 + β11
3+
tend πitAlémESTIMADA
1) EQUAÇÃO
(4.1) L3.DEMO it disso,
= αi + β6como oit +horizonte
NO PRIMEIRO
controles β7 L6.Instrum temporal
PASSO: it + β8 contin. desta
+ β9 tendanálise é maior,
+ β10 tend 2
+ β11
2
2) EQUAÇÃO
3 +L3.DEMO
tend πit optamos
(4.1) αi
ESTIMADA
= β6 NO SEGUNDO β7 PASSO: β8 β9 β10 β11
it
por defasarit democraciait em três anos e difusão de+ de-
+ controles + L6.Instrum + contin. + tend + tend
tend
2)
3+
Assumindoπit especificação
EQUAÇÃO ESTIMADA linear
NOpara o τ - ésimoPASSO:
SEGUNDO quantil:
mocracia em seis. Desta forma, as equações estimadas são:
(4.2)
2) EQUAÇÃO
Assumindo x] = αi + linear
Qτ [. |especificação
X = ESTIMADA β1 controles
NO β2 L3.DEMO
o itτ +- ésimo
SEGUNDO
para quantil: it + β3 contin. + β4 tend + β5 tend + β5
PASSO:
2

3
tend
(4.2) Q+τ ε[.it| X
Assumindo especificação linear
= x] = αi + β1 para oit τ+-β2
controles ésimo quantil:it + β3 contin. + β4 tend + β5 tend2 + β5
L3.DEMO
Qτεconcentração
(4.2)3qual
No
tend + Q
[. [. =| x]
it τ| X x]+fundiária,
X = αi P ( . ponderado
≡β1 controles = x)pelo
≥ τ peso
≤itq+ |β2XL3.DEMO sendo rural
it + β3 da+população.
ocontin. β4quantil
τ -ésimo tend + β5Játend
a medida
+ β5 na
condicionado 2

No + εde
tendqual 3 escolaridade é a média da porcentagem de adultos alfabetizados e do número
Qitτ [.
distribuição da| variável ≡ P ( . BM-GINI.
X = x] dependente ≤ q | X = x) ≥ τ sendo o τ -ésimo quantil condicionado na
de estudantes por habitante (Ansell; Samuels, 2014).
No qual 117 [. |variável
Qτ da ≡ P ( .BM-GINI.
X = x]dependente ≤ q | X = x) ≥ τ sendo o τ -ésimo quantil condicionado na
distribuição Agradecemos mais uma vez a gentileza dos professores Ben Ansell e David
EmSamuels,
relação
distribuição à por terem
estratégia
da variável denos fornecido
BM-GINI.detodos
identificação
dependente os dados
democracia, nãoutilizados na análise
temos variáveis histórica
instrumentais que
da relação entre democracia e desigualdade.
Em relação à estratégia de identificação de democracia, não temos variáveis instrumentais que
117
Agradecemos mais uma vez a gentileza dos professores Ben Ansell e David Samuels, por terem nos fornecido todos
os dadosEm relaçãonaàanálise
utilizados estratégia de da
histórica identificação
relação entre de democracia,
democracia não temos variáveis instrumentais que
e desigualdade.
117
Agradecemos mais uma vez a gentileza dos professores Ben Ansell e David Samuels, por terem nos fornecido todos
os
242 
Agradecemos mais uma vez a gentileza dos professores Ben Ansell e DavidIvan
117dados utilizados na análise histórica da relação entre democracia e desigualdade. Filipe de
Samuels, porAlmeida Lopes
terem nos Fernandes
fornecido todos
os dados utilizados na análise histórica da relação entre democracia e desigualdade.
1) EQUAÇÃO ESTIMADA NO PRIMEIRO PASSO:

L3.DEMOit = αi + β6 controlesit + β7 L6.Instrumit +


β8 contin. + β9 tend + β10 tend2 + β11 tend3 + πit (Eq. 5.1)

2) EQUAÇÃO ESTIMADA NO SEGUNDO PASSO:

Assumindo especificação linear para o τ - ésimo quantil:

Qτ [. | X = x] = αi + β1 controlesit + β2 L3.DEMOit +
β3 contin. + β4 tend + β5 tend2 + β5 tend3 + ε it (Eq. 5.2)

No qual Qτ [. | X = x] ≡ P ( . ≤ q | X = x) ≥ τ sendo o
τ -ésimo quantil condicionado na distribuição da variável de-
pendente BM-GINI.

Em relação à estratégia de identificação de democracia,


não temos variáveis instrumentais que nos permitam identificar
adequadamente a especificação sem a presença de algum efeito
fixo. Isto porque embora as variáveis de difregião e difcont es-
tejam relacionadas fortemente com democracia, ambas violam
os testes de Wald da hipótese de restrição de exclusão. Já nas
especificações de efeitos fixos continentais e de efeitos fixos con-
tinentais e temporais, estas mesmas duas variáveis identificam
democracia e não estão relacionadas com desigualdade, qualifi-
cando-se, portanto, como instrumentos adequados.
O Gráfico 18 apresenta a relação entre democracia e de-
sigualdade na especificação com efeitos fixos continentais. Mais
uma vez, fica claro que os efeitos da democracia sobre a desi-
gualdade são fundamentalmente heterogêneos e o suposto so-
bre a homogeneidade dos efeitos é equivocado, mesmo quan-
do analisamos um dado sobre GINI de maior escala histórica

A democracia reduz a desigualdade econômica?  243


abrangendo os processos de democratização da América do Nor-
te, Oceania e Europa Ocidental. O Gráfico 18 não deixa dúvidas
de que modelos lineares condicionais à média (MQO) – a reta
horizontal tracejada – refletem de maneira assaz inadequada e
reduzem em muito a complexidade existente na relação entre
democracia e desigualdade.
Os efeitos da democracia só se tornam negativos no fi-
nal da distribuição, mais especificamente nos 30% países-anos
mais desiguais da amostra, justamente os países-anos nos
quais é maior a probabilidade do surgimento de uma demanda
por redistribuição no seio da cidadania e onde o cálculo pelos
partidos do custo benefício da adoção de plataforma eleitoral
e políticas públicas que foquem nesse problema tende a ser po-
sitivo. Por outro lado, no primeiro decil (onde estão os países-
-anos mais iguais da amostra) existe um forte efeito positivo
da democracia, em torno de 10 pontos de GINI, mas que é de-
crescente até o 2º decil, onde os efeitos positivos se estabilizam
em torno de 7 pontos. A partir do 5º decil, os efeitos voltam a
ser amenizados e no 7º decil essa gradativa suavização cruza
o valor zero (a linha referencial do efeito nulo) e seus efeitos
tornam-se negativos.
Resumindo, a democracia aumenta a desigualdade de
maneira substancial entre os países-anos mais iguais e após
certo nível de desigualdade seus efeitos positivos são arrefe-
cidos monotonicamente. Nos países-anos mais desiguais da
amostra, os seus efeitos são verdadeiramente negativos, sendo
que o ápice deste efeito negativo está no 9º decil, por volta de
-6 pontos de GINI. E a estabilização positiva dos efeitos da de-
mocracia sobre a desigualdade não acontece nos países-anos
mais igualitários, mas sim numa região mais intermediária do
gráfico, entre o 2º e o 5º decil da distribuição de desigualdade
entre os países.

244  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Gráfico 18 – Efeitos heterogêneos da democracia sobre
a desigualdade econômica - efeitos fixos continentais
Fonte: BOIX, ROSATO e BM-GINI

No Gráfico 19 repetimos a mesma estimação, mas agora


usando como especificação efeitos fixos continentais e efeitos
temporais para o controle de choques exógenos por meio de
dummies de década. O vetor de variáveis controles e os instru-
mentos de identificação são os mesmos. O gráfico corrobora
o resultado anterior, demonstrando que mesmo com a adição
destas dummies de décadas, os efeitos da democracia sobre a
desigualdade são fundamentalmente heterogêneos e a aborda-
gem tradicional que assume efeitos homogêneos é equivoca-
da. Ademais, o formato do gráfico é essencialmente o mesmo.
Os efeitos negativos da democracia sobre a desigualdade sur-
gem a partir do 7º decil da distribuição, quando a curva de
efeitos heterogêneos cruza a linha de referência do efeito nulo

A democracia reduz a desigualdade econômica?  245


e o ápice dos efeitos negativos está no 9º decil, em torno de -5.5
pontos de GINI.

Gráfico 19 – Efeitos heterogêneos da democracia sobre a desigualdade


econômica - efeitos fixos continentais e temporais (décadas)
Fonte: BOIX, ROSATO e BM-GINI

No Gráfico 20 adicionamos à especificação anterior efei-


tos temporais com dummies de ano, o que torna a estimação
mais exigente. Os vetores de variáveis controles e instrumentos
permanecem idênticos. E mais uma vez o gráfico corrobora os
resultados encontrados ao longo de toda a pesquisa, os efeitos
da democracia sobre a desigualdade são fundamentalmente
heterogêneos e a abordagem tradicional que assume efeitos
homogêneos é equivocada. Ademais, o formato do gráfico é
essencialmente o mesmo dos formatos encontrados nos Grá-
ficos 18 e 19. Os efeitos negativos da democracia sobre a desi-
gualdade surgem a partir do 7º decil da distribuição, quando

246  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


a curva de efeitos heterogêneos cruza a linha de referência do
efeito nulo e o ápice dos efeitos negativos está no 9º decil, em
torno de -5.4 pontos de GINI.

Gráfico 20 – Efeitos heterogêneos da democracia sobre a desigualdade


econômica - efeitos fixos continentais e temporais (anos)
Fonte: BOIX, ROSATO e BM-GINI

Outro problema de pesquisa apresentado na seção 4.2


no capítulo 4 foi a questão da existência de muitas observações
faltantes nos dados de desigualdade econômica. A solução
apresentada foi a utilização de intervalos temporais maiores
como unidade de análise, estratégia muito utilizada na litera-
tura sobre desigualdade. Repetimos mais uma vez essa abor-
dagem e re-estimamos a relação entre democracia e desigual-
dade tendo com unidade de análise o país-década. Com esta
alteração temos um novo banco de dados, agora com 53 países
e 10 unidades temporais.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  247


Nos Gráficos 21 e 22 apresentamos estes resultados.
No primeiro incluímos na especificação apenas efeitos fixos
continentais e no segundo efeitos fixos continentais e dum-
mies de décadas. Como método de identificação utilizamos
as mesmas regras anteriores e identificamos democracia com
as variáveis de difusão regional e continental. Uma alteração
na especificação foi a não inclusão de defasagens para men-
surar a variável independente de democracia e a inclusão
de apenas uma defasagem para mensurar os instrumentos
de difusão. A escolha por não utilizarmos tantas defasagens
como na estimação anterior decorre de duas ponderações: a
própria extensão da unidade temporal abrangendo um longo
período de 10 anos e o fato de termos poucas unidades de
tempo na análise.

Gráfico 21 – Efeitos heterogêneos da democracia sobre a desigualdade


econômica - efeitos fixos continentais - países-décadas
Fonte: BOIX, ROSATO e BM-GINI

248  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


No Gráfico 21 encontramos um formato dos efeitos he-
terogêneos bastante semelhante com aquele encontrado na
primeira especificação apresentada no Gráfico 1 (p. 197). Exis-
tem, basicamente, três momentos distintos dos efeitos da de-
mocracia sobre a desigualdade. Um longo e homogêneo efeito
positivo ao longo da primeira metade da distribuição, com um
efeito positivo de ser democracia ao longo dos 10 anos de cerca
de 10 a 11 pontos de GINI. Após o 5º decil (ou a mediana),
uma constante e monotônica amenização dos efeitos positivos
da democracia sobre a desigualdade, até que um pouco antes
do 7º decil a curva de efeitos heterogêneos cruza a linha de re-
ferência dos efeitos nulos e a democracia passa a ter um efeito
redutor da desigualdade. No 8º decil esse efeito negativo atinge
seu valor máximo, em torno de -15 pontos de GINI.

Gráfico 22 – Efeitos heterogêneos da democracia sobre a desigualdade


econômica - efeitos fixos continentais e temporais - países-décadas
Fonte: BOIX, ROSATO e BM-GINI

A democracia reduz a desigualdade econômica?  249


No Gráfico 22 adicionamos à especificação anterior efei-
tos temporais com dummies de década. E as mesmas conclu-
sões podem ser retiradas com a análise do Gráfico 22, com
exceção apenas de o fato de que o maior efeito negativo da
desigualdade não se encontra no 8º decil, mas sim na ponta
da distribuição, onde os efeitos atingem por volta de -8 pontos
de GINI. Permanece, portanto, a constatação que existe um
efeito positivo da democracia que é relativamente constante ao
longo dos primeiros cinco decis da distribuição, ainda que nos
primeiros centis estimados (o 7º e 8º centil) os efeitos sejam
muito mais fortes (cerca de 17 pontos de GINI), mas a seguir
reduzidos para apenas 9 pontos de GINI no 1º decil, a partir
do qual são mantidos relativamente dentro de um mesmo in-
tervalo. E após os níveis intermediários de desigualdade, a de-
mocracia passa a ter seus efeitos positivos amenizados, até que
estes se tornam negativos e atingem o valor negativo máximo
no final da distribuição.
Posto isto, podemos retomar as três principais consta-
tações que fizemos sobre a democracia com um vasto leque
adicional de evidências empíricas que as respaldam: a saber:
1) a relação entre democracia e desigualdade não deve ser
tratada como homogênea e nem seus efeitos são monotôni-
cos ao longo da distribuição da desigualdade; 2) existe uma
relativa homogeneidade dos efeitos da democracia no início
da distribuição de desigualdade e só apenas quando um país/
década atinge níveis intermediários de desigualdade é que a
democracia passa a ter seus efeitos positivos amenizados; e,
por fim, 3) apenas no final da distribuição de desigualdade que
a democracia age de maneira mais contundente na redução da
desigualdade, o que parece indicar um limiar básico a partir
do qual a competição política democrática passa a ter como
tema principal a efetiva redução da desigualdade econômica.

250  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


5.4 Persistência democrática e a desigualdade

Como último exercício empírico verificamos se os efei-


tos do acúmulo da experiência democrática afetam os padrões
da relação entre democracia e desigualdade encontrados ao
longo da pesquisa. Muller (1988), inclusive, propôs e encon-
trou evidências sobre o argumento de que a democracia tem
um efeito acumulado sobre a desigualdade e não em nível.
Além disso, no capítulo 3 também encontramos evidências –
na curva de EHII do Gráfico 10 – de que os efeitos negativos
da democracia sobre a desigualdade tomavam corpo somente
a partir da segunda década democrática, o que pode ser indí-
cio de que os efeitos não são imediatos, mas sim resultados do
acúmulo e aprendizado de práticas e experiência da competi-
ção política democrática.
Para verificar esta pequena modificação na hipótese,
utilizamos o mesmo desenho de pesquisa, incluindo as mes-
mas variáveis instrumentais. Isto porque é possível defender
o argumento que a difusão da democracia não só aumenta a
probabilidade de um país tornar-se democrático, como tam-
bém aumenta a probabilidade deste mesmo país continuar
sendo governado sob um governo democrático. Do ponto de
vista formal, os instrumentos passam nos testes necessários,
atendendo aos dois critérios de validade da estimação por va-
riável instrumental.
Mensuramos a persistência democrática a partir da con-
tagem de anos que um país permanece ao longo do tempo em
um regime democrático. Mas como é possível que os efeitos
da democracia sejam decrescentes no tempo – e também para
reduzir o peso na estimação dos casos de alguns poucos países
cuja experiência democrática é de longa duração – optamos

A democracia reduz a desigualdade econômica?  251


por uma transformação logarítmica desta contagem118. Testa-
mos a relação nas especificações com efeitos fixos continentais
e efeitos fixos temporais nos dados do CGV e EHII e nos dados
da análise de longo prazo feita com o BM-GINI. Os resulta-
dos são apresentados na Figura 7. Na metade superior estão os
gráficos do banco de dados mais recente e na metade inferior
os gráficos cujas variáveis mensuram a relação de longo prazo
entre democracia e desigualdade.

Figura 7 – Efeitos heterogêneos da persistência


democrática sobre a desigualdade econômica119
Fonte: CGV e UTIP-EHII, BOIX-ROSATO e BM-GINI

118
Calculamos a variável persistência democrática segundo a seguinte fórmu-
la: persistência = log (nº de anos democráticos + 1). A opção pela adição de
1 decorre do fato de que uma ditadura recebe um valor de 0 de número de
anos democráticos e não existe uma transformação logarítmica para esse valor.
A variável tem média de 0.64 e desvio padrão de 1.29.
119
Os modelos que mensuram os efeitos heterogêneos da persistência demo-
crática mensurada pelo CGV sobre o EHII são instrumentados por difcont di-
fregiao e horiental llong na especificação com efeitos fixos continentais e por

252  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Mais uma vez os resultados estão de acordo com as pro-
postas teóricas do Capítulo 2, não importando o fato de estar-
mos medindo a democracia em seu tempo presente ou como
o acúmulo da experiência democrática. Nos quatro gráficos
encontramos, novamente, fortes evidências de que os efeitos
da democracia são heterogêneos ao longo do eixo de desigual-
dade e são negativos entre os países-anos mais desiguais.
Entre os países-anos mais iguais, justamente aqueles
onde não deve existir uma demanda por redistribuição pela
cidadania, a competição política democrática tem como efeito
principal o aumento da desigualdade econômica. Isto é, a livre
e aberta competição entre governo e oposição estimula a ado-
ção de políticas que, em comparação às ditaduras, produzem
mais desigualdade econômica, já controlando para os efeitos
que diferentes níveis de desenvolvimento ou mesmo o papel
da economia de mercado sobre a desigualdade. Em relação
a esta consistente evidência do estudo, não temos um argu-
mento teórico explicativo que o justifique, além da mera con-
juntura de que este resultado é guiado empiricamente pelos
eventos ocorridos nos países que saíram da esfera comunista.
Isto porque, enquanto os regimes comunistas produziram os
níveis mais baixos de desigualdade econômica, após a transi-
ção democrática foram sacudidos por movimentos políticos

difmundo e difcont na especificação com efeitos fixos continentais e temporais.


Os modelos que mensuram os efeitos heterogêneos da persistência democrática
mensurada pela medida modificada de Boix e Rosato sobre o BM-GINI são ins-
trumentados por difcont e difregião no modelo só com efeitos fixos continentais
e por difmundo, difcont e difregião no modelo com efeitos fixos continentais e
dummies de décadas. Nas quatro especificações os instrumentos atendem aos
dois critérios de validade da estimação por variável instrumental.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  253


e econômicos que tiveram como principal consequência um
vigoroso aumento da desigualdade120.
Por outro lado, o resultado mais uma vez indica de ma-
neira categórica a veracidade empírica da hipótese sobre os
efeitos heterogêneos da democracia e que este regime político
de fato reduz a desigualdade nas sociedades mais desiguais.
E a rationale deste resultado decorre do fato que com o aumen-
to da desigualdade econômica, existe condições para o surgi-
mento, ceteris paribus, de uma maior demanda por redistribui-
ção econômica no seio da cidadania e um decorrente interesse
dos partidos em responder efetivamente a esta demanda por
meio de plataformas e políticas públicas que tenham como ob-
jetivo reduzir a desigualdade. Nos quatro gráficos da Figura
7 este resultado é encontrado, não importando desta forma o
horizonte histórico da análise. Os efeitos mais agudos da de-
mocracia em direção à redução da desigualdade econômica
estão definitivamente concentrados no final da distribuição.
Em outras palavras, mesmo que os efeitos negativos estima-
dos em cada uma das especificações variem, parece ser uma
evidência incontestável que esses efeitos são mais agudos nos
últimos decis da distribuição de desigualdade econômica.

O objetivo principal deste capítulo foi aprofundar a


consistência dos achados da relação entre democracia e de-

120
Por outro lado, verificamos a plausibilidade desta explicação com a intro-
dução de uma variável dummy indicativa de o país ter sido membro ou não da
zona de influência comunista. Os resultados positivos dos efeitos da democracia
do início da distribuição são amenizados, mas permanecem significantes e po-
sitivamente relacionados com a desigualdade econômica nas quatro especifica-
ções da Figura 7. Desta forma, existem importantes questões a serem explicadas
sobre este fenômeno e que devem ser foco de estudos mais aprofundados.

254  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


sigualdade que é muito mais complexa e contextualizada às
realidades socioeconômicas do que tal como foi trabalhada
até agora pela literatura. Para tal desafio, analisamos esta re-
lação utilizando outros dados de democracia e de desigualda-
de, outro tipo de mensuração de democracia e, ainda, outro
banco de dados com uma abrangência histórica muito maior,
mesmo tendo como custo uma reduzida dispersão geográfi-
ca. Em todas as seções o resultado foi categórico: a) os efeitos
da democracia sobre a desigualdade são heterogêneos; b) em
sociedades mais iguais a democracia produz desigualdade; e
c) em sociedades mais desiguais a democracia a reduz de ma-
neira contundente. Retomando as duas hipóteses apresentadas
no capítulo 2, as conclusões permanecem consistentes após as
mais diferentes análises realizadas.

H1: As democracias possuem em média um efeito negativo


sobre a desigualdade.

H2: Os efeitos negativos da democracia sobre a desigualda-


de são maiores nas sociedades mais desiguais e tendem a
ser menos relevantes em sociedades mais iguais.

Os dados apresentados respaldam de maneira inequívo-


ca a Hipótese 2. Podemos afirmar que não nos resta dúvidas
que os efeitos da democracia sobre a desigualdade econômi-
ca são heterogêneos e tendem a ser negativos nas sociedades
mais desiguais. E nas sociedades iguais encontramos evidên-
cias robustas que os efeitos são positivos. Por outro lado, em
relação à Hipótese 1, dada a existência destes efeitos heterogê-
neos da democracia, não está claro qual é o seu efeito médio
sobre desigualdade. Ademais podemos diagnosticar, inclusive,
diante dos achados desta pesquisa que as razões pelas quais a

A democracia reduz a desigualdade econômica?  255


literatura tem encontrado enormes dificuldades em estimar
um resultado sobre a relação entre a democracia e desigual-
dade que seja consistente com a utilização de modelos eco-
nométricos condicionais à média são decorrentes da própria
existência destes efeitos heterogêneos.
Além disto, estes achados mostram que a estimação
dos efeitos médios da democracia tem pouco significado
prático ao reduzirem a complexidade do problema teórico
da relação entre as duas variáveis, ignorando informações e
interações que são fundamentais para uma verdadeira com-
preensão do problema. E, por fim, isto também explica por-
que no capítulo 3, no qual apresentamos a relação descritiva
entre as duas variáveis, encontramos poucas diferenças entre
as performances das ditaduras e das democracias sobre a de-
sigualdade. Em todas as comparações feitas, tivemos como
base a observação da evolução das médias de desigualdade
entre democracias e ditaduras no tempo e no horizonte de
democratização, o que é forte impedimento para a com-
preensão adequada de quais sejam os verdadeiros efeitos da
democracia sobre a desigualdade econômica.

256  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Considerações finais

Reunimos os achados empíricos dos Capítulo 4 e 5 à luz


das proposições teóricas desenvolvidas no Capítulo 2 e da lite-
ratura comparada discutida no Capítulo 1. Para isso, reapresen-
tamos a hipótese da heterogeneidade dos efeitos da democracia
sobre a desigualdade e discutimos a contribuição que os resul-
tados obtidos podem trazer para a literatura comparada. Além
disso, recuperamos alguns resultados inesperados encontrados
e discutimos uma futura agenda de pesquisa para tratá-los.
Os esforços desta pesquisa tiveram início a partir da cons-
tatação de que, mesmo existindo um razoável consenso teórico
na literatura de que os regimes democráticos devem de algu-
ma forma produzir uma melhor distribuição de bens do que os
regimes autoritários, os resultados empíricos são inconclusivos
e contraditórios. Diante de tal impasse empírico, propusemos
uma reformulação teórica, a partir da qual entendemos que os
efeitos da democracia sobre a desigualdade devem ser reinter-
pretados. A principal contribuição teórica da pesquisa reside na
constatação tanto teórica quanto empírica de que os efeitos da
democracia sobre a desigualdade são heterogêneos e interagem
com o próprio nível de desigualdade do país, e, por conseguinte,
o suposto tão disseminado na literatura de que esses efeitos se-
riam homogêneos e independentes do contexto socioeconômi-
co da desigualdade é equivocado. Os efeitos redistributivos da

 257
democracia são distintos, sendo seus efeitos relacionados com
o grau de desigualdade da sociedade.
O resultado de que estes efeitos da democracia são he-
terogêneos é robusto às mais diferentes especificações, dados
e formas de mensuração, tanto de democracia quanto de desi-
gualdade, em diferentes cortes temporais e horizontes históri-
cos de análise. Inclusive, quando estendemos o recorte tempo-
ral para além da análise mais comum da literatura comparada,
que foca os eventos do pós-Segunda Guerra Mundial, devido
a maior e melhor disponibilidade de dados, mesmo quando
observamos dados que abrangem o período de surgimento
dos primeiros regimes representativos democráticos no século
XIX, os resultados são claros: os efeitos da democracia sobre
a desigualdade são heterogêneos, tendendo a serem positivos
entre os países mais iguais e negativo onde a desigualdade
é mais exacerbada ao longo de toda história da democracia
quanto no pós anos 1960s.
Ademais, o tratamento teórico e empírico utilizado nes-
ta pesquisa nos permitiu encontrar a raiz da inconsistência dos
resultados da literatura comparada. Conforme apresentado
no capítulo 4, dependendo apenas de pequenas variações na
especificação do modelo principal encontramos ora ou outra
efeitos médios negativos, positivos ou mesmo nulos da demo-
cracia, tal como fora constatado na revisão bibliográfica. Em
quase todas as especificações a heterogeneidade dos efeitos
da democracia sobre a desigualdade é um resultado evidente,
persistente e razoavelmente semelhante.
Em boa parte das análises chegamos a três conclusões
básicas principais, arroladas em ordem de importância:
1) a relação entre democracia e desigualdade não deve ser
tratada como homogênea e nem seus efeitos são mono-
tônicos ao longo da distribuição da desigualdade;

258  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


2) é apenas no final da distribuição que a democracia age
de maneira mais contundente na redução da desigual-
dade, o que fornece indícios da existência de um limiar
básico de desigualdade a partir do qual a competição
política democrática passa a ter como tema principal a
sua efetiva redução;
3) existe uma relativa homogeneidade dos efeitos positivos
da democracia no início da distribuição de desigualdade
e só apenas quando um país-ano atinge níveis interme-
diários de desigualdade é que a democracia passa a ver
seus efeitos positivos amenizados.
O argumento teórico, a partir do qual elaboramos a
hipótese dos efeitos heterogêneos, refere-se à necessidade de
uma convergência na competição política eleitoral entre os in-
teresses político-eleitorais dos partidos – o lado da oferta de
plataformas e políticas públicas que sejam eleitoralmente ren-
táveis – e as clivagens sobre as quais uma potencial maioria dos
eleitores tem interesse em ser atendido – o lado da demanda
por parte de parcela majoritária de cidadãos por políticas pú-
blicas e plataformas. Somente nas sociedades mais desiguais
tanto os partidos políticos terão interesse em ofertar políticas
redistributivas, quanto tende a surgir no seio da cidadania
uma demanda por redistribuição por parte de uma maioria
de eleitores. Nesse cenário, o saldo líquido do cálculo do custo
benefício de atrair as classes menos favorecidas é positivo para
os partidos, superando os ganhos que seriam obtidos atraindo
as classes com renda acima da mediana. E do lado da deman-
da por redistribuição, a exacerbação da desigualdade tende a
eclipsar outras potenciais clivagens que possam dividir as clas-
ses menos favorecidas em diferentes grupos e frentes políticas,
permitindo uma ação eleitoral coordenada – seja ela organiza-
da pelos partidos ou pela própria cidadania.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  259


Diante destas ponderações teóricas e dos claros resul-
tados empíricos surge, como subproduto, a sugestão de uma
nova interpretação das implicações do teorema do eleitor me-
diano, quando aplicado à questão da redistribuição econômi-
ca, levando em conta a questão da multidimensionalidade da
política e como os partidos e o eleitorado operam para reduzir
a complexidade desta disputa. Diferentemente das conclusões
de Meltzer e Richard (1981), de que a política redistributiva é
determinada pela posição econômica do eleitor/cidadão me-
diano – assumindo sufrágio universal, esse teorema delimita
na realidade o potencial máximo da força dos mais pobres
dentro de determinada sociedade.
Em outras palavras, o teorema delimita o poder das clas-
ses menos favorecidas quando conseguem resolver seus pro-
blemas de ação coletiva (seja essa ação organizada por cima
pelos partidos ou de maneira horizontal pela própria socie-
dade) e demandar de maneira uníssona uma resposta políti-
ca por parte dos partidos – que competem pela formação de
alguma maioria – ao problema da desigualdade econômica.
Dada a sua pior posição na escala de renda, estes grupos pos-
suem menos recursos para serem transferidos para o campo
da política e seu principal instrumento político em uma de-
mocracia é, portanto, a ação organizada via escolha eleitoral.
Assim, a melhor forma de conseguirem atingir e modificar de
fato o status quo do sistema político é por meio da sua atuação
coletiva e coordenada.
O máximo de coordenação possível é obtido quando
todos os indivíduos abaixo da renda mediana votam con-
juntamente para pressionar os líderes democráticos em prol
de determinada pauta eleitoral. Por outro lado, a relação he-
terogênea entre democracia e desigualdade é um argumento

260  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


probabilístico, sendo possível encontrar casos nos quais a exis-
tência de uma grande desigualdade na sociedade não tenha
resultado em uma maior pressão por políticas para a sua re-
dução caso exista outra clivagem que, por uma razão ou outra,
divida a metade mais pobre da distribuição de renda, como,
por exemplo, questões de clivagens políticas étnicas, raciais ou
de valores, entre outras, seja esta demanda espontânea ou for-
jada pelas elites políticas. Contudo é patente que quanto maior
for a desigualdade, maior será a probabilidade que o sistema
político passe a operar em direção à redução da desigualdade.
A hipótese dos efeitos heterogêneos da democracia se
adequa para explicar tanto o processo político econômico
ocorrido no Leste Europeu quanto o latino-americano. Após a
democratização dos antigos satélites soviéticos, houve aumen-
to dramático da desigualdade, enquanto na América Latina,
a tendência de evolução da desigualdade é negativa, sendo o
único subcontinente no século XXI onde a desigualdade real-
mente diminuiu. A América Latina é justamente a região do
planeta mais adequada para se encontrar tal efeito, por ser
onde encontramos os índices mais altos de desigualdade.
Por outro lado, o nosso arcabouço teórico proposto
no capítulo 2 é adequado para explicar com mais precisão
porque apenas nas sociedades mais desiguais a democracia é
um agente redutor da desigualdade, enquanto nas sociedades
intermediárias e nas mais iguais o debate redistributivo não
ocupa espaço central na competição político-eleitoral. A pro-
posta teórica apresentada não é suficiente, em nossa opinião,
para explicar em seus pormenores porque nos países mais
iguais a democracia produz desigualdade. A ausência de uma
clivagem redistributiva implicaria de maneira mais imediata
em um não efeito da democracia sobre a desigualdade, mas o

A democracia reduz a desigualdade econômica?  261


que encontramos de maneira consistente ao longo dos diver-
sos modelos apresentados no capítulo 4 foi um efeito positi-
vo da democracia. Desta maneira, parece existir a partir dos
dados analisados um mecanismo por meio do qual a compe-
tição política produz mais desigualdade que as ditaduras em
sociedades mais igualitárias.
A compreensão destes mecanismos políticos que conec-
tam a experiência democrática nessas sociedades com uma
distribuição dos recursos econômicos de forma mais desigual
é um quebra-cabeça teórico a ser debatido em futuras pesqui-
sas. A primeira vista, o resultado parece estar conectado com
os eventos ocorridos no Leste Europeu e países da esfera de
influência soviética que após a democratização apresentaram
tendência aguda de crescimento da desigualdade, tanto nos
países que se democratizaram quanto nos que permaneceram
autoritários. Contudo, mesmo após a inclusão de uma variável
dummy para esses países os efeitos da democracia sobre a de-
sigualdade permaneceram positivos entre os países-anos mais
iguais, o que indica que existem outros mecanismos que co-
nectam a democracia a mais desigualdade em sociedades mais
iguais que ainda não foram debatidos.
Por fim, o último elemento a ser destacado é o méto-
do adotado para a identificação de democracia e a estimação
de seus efeitos sobre a desigualdade, purificados do potencial
problema da relação inversa entre desigualdade sobre a proba-
bilidade de democratização e consolidação democrática. Con-
forme extensamente discutido na primeira seção do Capítulo
4, as variáveis de difusão de democracia e de localização lon-
gitudinal de um país são instrumentos válidos que identificam
democracia adequadamente ao atender os dois critérios ne-
cessários para a validade do método de variável instrumental:

262  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


(a) ser correlacionado com a variável endógena democracia;
e (b) não possuir um efeito causal na variável dependente de-
sigualdade econômica (ou, por extensão, no termo de erro da
equação estimada).
Ademais, durante a avaliação dos instrumentos, foi
constatado que o processo de difusão de democracia é mais
complexo do que o teorizado na literatura e, por conseguinte,
são necessárias pesquisas mais aprofundadas sobre os proces-
sos e mecanismos por meio dos quais o aumento do número
de democracias no mundo pode (ou não) afetar a probabili-
dade de um país democratizar-se e/ou consolidar um regime
democrático.
Em primeiro lugar, os efeitos de difusão são mais fortes
e positivos quanto mais próximos do país afetado forem as
outras democracias. Em segundo lugar, foi constatado que
após controlarmos os efeitos da difusão de democracia em
circunscrições geográficas mais próximas do país afetado, o
aumento da proporção de democracias no mundo está ne-
gativamente relacionado com a democracia no país afetado.
Este foi um resultado inesperado, demandando análises mais
detalhadas em futuras pesquisas e não pode ser considerado
definitivo uma vez que as variáveis de controle foram propos-
tas para os potenciais efeitos espúrios na relação entre demo-
cracia e desigualdade, não tendo sido discutidas em relação
aos próprios determinantes da democratização e/ou consoli-
dação democrática.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  263


Apêndice A - Variável instrumental

o principal objetivo de uma pesquisa que busca avaliar


os efeitos de uma variável independente em uma variável de-
pendente é garantir a validade da relação causal proposta. No
plano ideal, a melhor maneira de garantir que a relação entre
duas variáveis seja causal seria trabalhar com contrafactuais,
ou seja, observar a presença ou ausência da variável de interes-
se, dadas condições ambientais exatamente iguais. Uma forma
clássica de garantia contrafactual é o uso de um experimento
randômico. Contudo em estudos observacionais, aqueles nos
quais não é possível o uso da técnica experimental, é neces-
sário a utilização de métodos que permitam a superação de
problemas de autosseleção121.
Para descrever essa questão de maneira precisa, defi-
nimos o tratamento como uma variável binária; Di = {0, 1}.
O resultado de interesse é definido por Yi. A questão a ser pes-
quisada é se a variação em Di afeta o valor de Yi. Assim, para
qualquer indivíduo i existem dois resultados potenciais:

121
Angrist e Pischke (2008) ilustram essa questão discutindo se o atendimen-
to hospitalar melhora ou piora a saúde de seus pacientes. Obviamente, a mera
comparação entre os que foram ao hospital e aqueles que não foram não é
suficiente, pois obviamente, quem busca um hospital possui uma condição de
saúde mais frágil.

 265
(Eq. A.1)

Caso fosse possível observar os dois resultados poten-


ciais, o efeito de Di sobre Yi seria facilmente calculado sub-
traindo-se Y1i – Y0i para cada indivíduo e assim estimaríamos
o efeito causal calculando a diferença média encontrada na
amostra. Contudo, inevitavelmente só podemos ver um dos
dois resultados potenciais. Outra forma possível é atribuir
os tratamentos Di = 0 e Di = 1 de forma aleatória na amos-
tra observada, de maneira a controlar para possíveis fatores
que interfiram na relação (fatores de confusão). A atribuição
aleatória do tratamento resolveria os problemas de seleção,
pois torna Di independente dos resultados potenciais. O ex-
perimento assegura, portanto, que a relação causal de interes-
se seja independente dos resultados potenciais. (Angrist;
Pischke, 2008).
Em estudos observacionais o ideal experimental é mui-
tas vezes impraticável. O estudo de regimes políticos compa-
rado é exemplo típico desses casos. Por razões óbvias, não é
possível atribuir o tipo de regime de dado país aleatoriamente.
As características de cada um dos indivíduos (nesse caso os
países) da população de países se autosseleciona a adotar certo
tipo de regime. Assim, é necessário controlarmos a análise de
consequências da democracia para as variáveis conectadas ao
próprio processo de democratização.
A primeira forma de aproximar os estudos observacio-
nais do ideal experimental reside na utilização de controles e
assumir a suposição da seleção em observáveis. Isto é, assumir
a suposição de que as variáveis que interferem na relação cau-
sal são conhecidas e observáveis e, portanto, podem ser con-
troladas (Angrist: Pischke, 2008).

266  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Outra ferramenta mais sofisticada para permitir a infe-
rência causal em um cenário de pesquisa observacional é o uso
de uma variável instrumental (IV), que permite solucionar o
problema da autosseleção. Em nosso tema de estudo, o pro-
blema da autosseleção é claro, uma vez que a literatura sobre
a redemocratização discute os efeitos que a própria desigual-
dade econômica possui sobre a possibilidade de democratiza-
ção e consolidação democrática (Boix, 2003; Acemoglu;
Robinson, 2006; Houle, 2009).
Suponha as seguintes equações sobre a relação entre de-
mocracia (D) e desigualdade (Y):

(Eq. A.2)

(Eq. A.3)

onde Di é o indicador de democracia, Xi é o vetor de variáveis


de controle e εi é o termo de erro. O problema crucial dessa
equação é que o termo de erro é correlacionado com Di; caso
não fosse, estaríamos assumindo que não existe qualquer rela-
ção entre desigualdade e democracia em um país, o que parece
pouco plausível:

(Eq. A.4)

Com isso uma estimação pelo tradicional método de


MQO (mínimos quadrados ordinários) gerarão resultados in-
consistentes e enviesados, pois a equação não atende às Hipó-
teses de Gauss-Markov. O método de IV fornece uma solução
a esse problema. Para isso é necessário escolher uma variável
instrumental Zi que não esteja na equação A.3 e que satisfaça
três condições. (Wooldridge, 2010):

A democracia reduz a desigualdade econômica?  267


Primeiro, Zi deve ser não correlacionado com o termo
de erro εi.

(Eq. A.5)

Isto é Zi deve ser exógeno à equação A.3, não sendo,


portanto, um determinante da desigualdade econômica den-
tro de um determinado país.
Segundo, Zi deve ser parcialmente correlacionado com
Di, uma vez controlada todas as outras variáveis de controle da
equação A.3.

(Eq. A.6)

A forma mais simples de identificar essa relação é esti-


mando a equação:

(Eq. A.7)

Quando Zi satisfaz as condições A.5 e A.6 ela torna-se


um instrumento em potencial da equação A.3. O segundo pas-
so na análise é inserir a Equação A.7 na Equação Principal A.3:

(Eq. A.8)

rearranjando, assim, o termo de erro na forma reduzida:

(Eq. A.9)

e o coeficiente do efeito do tratamento Di:

(Eq. A.10)

268  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


A última e final condição, denominada como restrição
de exclusão, assume que a relação entre Zi e Yi é única e exclu-
sivamente transmitida por Di. Desta forma, todo e qualquer
efeito de Zi estimado na equação A.8 é de fato o efeito de Di em
Yi purificado do problema de causalidade reversa, ou qualquer
outro problema de endogeneidade no termo de erro. Assim,
segundo os pressupostos assumidos ui é não correlacionado
com todas as variáveis explanatórias de A.8 e uma regressão de
MQO pode assim estimar os parâmetros reduzidos de forma
consistente122 (WOOLDRIDGE, 2010).
Conforme indicado no Capítulo 3, a variável selecio-
nada como instrumento da relação entre democracia e desi-
gualdade é o próprio processo de difusão de democracia no
mundo, que afeta a desigualdade econômica de um dado país,
única e exclusivamente pelos efeitos que possui sobre o seu
regime político.

122
Do ponto de vista estritamente econométrico a hipótese de restrição de ex-
clusão é decorrência lógica da condição 1. Apenas a apresentamos para subli-
nhar a importância da hipótese de que um regime político democrático, isto é,
a competição política eleitoral, seja o único meio de transmissão dos efeitos da
difusão de democracia sobre a desigualdade econômica.

A democracia reduz a desigualdade econômica?  269


Apêndice B - Regressão quantílica
APÊNDICE B - REGR
A RegressãoAPÊNDICE
Quantílica (RQ) é uma ferramenta
B - REGRESSÃO QUANTÍLICA eco-
nométrica desenvolvida para analisar relações entre variáveis
além das variações sobre a média. Ela A Regressão
permite captarQuantílica
efeitos ao (RQ) é uma ferra
A Regressão
longo de toda Quantílica (RQ)
a distribuição évariável
uma ferramenta
da relações dependente. econométrica
An- dasdesenvolvida
Paraalém
entre variáveis para
variações sobre
relações
gristentre variáveis alémé uma
das variações
e Pischke (2008) toda asobre
ferramenta a média.
poderosa
distribuiçãoque Ela
da permite
torna captar efeitos ao
a dependente.
variável Par
toda amodelagem
distribuiçãodasdadistribuições uma tarefaPara
variável dependente. fácilAngrist
além deeterPischke
pro- (2008) é uma fe
poderosa que torna a modelagem das distribuiçõe
priedades
poderosa que aa modelagem
que torna assemelhamdasà estimação clássica
distribuições umapor Mínimos
tarefa fácil além de ter proprieda
Quadrados Ordinários (MQO). assemelham à estimação clássica por Mínimos Qu
assemelham à estimação clássica por Mínimos Quadrados Ordinários (MQO).
Suponha que estamos interessado na distribuição de
Suponha que estamos interessado na distrib
uma variável
Suponha que aleatória contínua Yina
estamos interessado . Sua função quantílica
distribuição con- aleatória contínua
de uma variável
função quantílica condicional (FQC) no quantil τ d
funçãodicional (FQC)
quantílica no quantil
condicional τ dado
(FQC) um vetor
no quantil de um
τ dado vetor de X
regressores regressores
i pode se
pode ser definida como: como:
como:

(Eq.
( B.1)
onde ( é a função de distribuição
onde
onde ( éé aafunção
funçãode
dedistribuição para Yi em
distribuição para emY, con-
, condicionado em . Qu
exemplo,em Xi. Quando
dicionado
0.1, por τ = 0.1,
0.1,
descreve por
o menor decil de dado , descreve
por exemplo,
exemplo, enquanto oτ menor
= 0.5 dd
descreve o menor decil de Y dado Xi, enquanto
mediana τ = 0.5 descre-
mediana condicional. Com a visãoi sobre toda acondicional.
distribuição Com
de ,apodemos
visão sobre toda aad
descrever
ve a mediana condicional. Com a visão sobre toda a distribui-
dos efeitos das variáveis presentes no dos efeitos das. variáveis
componente Assim como presentes no componente
a regressão por MQO
ção de Yi, podemos descrever a dispersão dos efeitos das variá-
modelo linear
veis componenteoXmodelo
para nominimizando
presentes erro
i
linear
como para
quadrático
. Assim minimizando
aesperado,
regressão RQ ajustaoum
a por erromodelo
quadráli
MQO
usando ajusta um
a Função modelo linear
de Perda para Yi minimizando
usando
123. (Angrist eaPischke,
Função 2008). o erro
de Perda 123. (Angrist e P

Assim
Assim como problemas de endogeneidade emcomo
MQOproblemas
podem ser de endogeneidade
resolvido por meioed
 271
variável instrumental, a RQ também évariável
flexívelinstrumental,
à incorporaçãoa de
RQum instrumento.
também O esti
é flexível à
IV-RQ introduzido por Abadie, Angrist
IV-RQe Imbens (2002)por
introduzido assumem
Abadie,asAngrist
mesmase supos
Imbe
estimações em variável instrumentalestimações
para o efeito
em do tratamento
variável localizado
instrumental (LATE)
para o ef
compliers (tratados a quem foram atribuídos
compliers o(tratados
instrumento). Os foram
a quem parâmetros de inteo
atribuídos
unção quantílica condicional (FQC) no quantil τ dado um vetor de regressores pode ser definida
como:

(
177

onde ( é a função de distribuição


APÊNDICEpara em , condicionado
B - REGRESSÃO em
QUANTÍLICA . Quando τ =
0.1, por exemplo, descreve o menor decil de dado , enquanto τ = 0.5 descreve a
quadrático esperado,
A Regressão a RQ
Quantílica (RQ) ajusta
mediana condicional. Com a visão sobre toda a distribuição de um modelo
é uma ferramenta linear usando
econométrica a para analisar
desenvolvida
, podemos descrever a dispersão
Função de Perda
relações entre (u)123
variáveispalém das(ANGRIST
variações sobreea PISCHKE,
média. Ela permite2008).
captar efeitos ao longo de
τ
dos efeitos das variáveistoda
presentes
a Assim
no componente . Assim como a regressão por MQO ajusta um
como
distribuição problemas
da variável dependente. dePara
endogeneidade
Angrist e Pischkeem MQO
(2008) é uma ferramenta
modelo linear para minimizando
podem
poderosa que o erro
sertorna
resolvido quadrático
por das
a modelagem meio esperado,
do usoauma
distribuições RQtarefa
de ajustafácilum
variável modelo
instrumen-
além linear para
de ter propriedades que a
assemelham à 123
estimação clássica por Mínimos Quadrados Ordinários (MQO).
tal,
usando a Função de Perda a RQ também é flexível
. (Angrist à incorporação
e Pischke, 2008). de um instrumento.
O estimador de IV-RQ introduzido por Abadie,
Suponha que estamos interessado na distribuição de Angrist
uma variável e Im-
aleatória contínua . Sua
Assim como problemas de endogeneidade em MQO podem ser resolvido por meio do uso de
bens
função(2002)
quantílicaassumem as mesmas
condicional (FQC) no quantil suposições
τ dado um vetordas estimações
de regressores pode ser definida
variável instrumental, aemRQvariável
como: tambéminstrumental
é flexível à incorporação
para o efeitodedoumtratamento
instrumento. O estimador de
localiza-
V-RQ introduzido pordoAbadie,
(LATE)Angrist
para ose compliers
Imbens (2002) (tratados a quem
assumem as( foram
mesmasatribuí-
suposições das
estimações em variável dosinstrumental
oonde
instrumento).
( para
Osefeito
é aofunção
parâmetros depara
do tratamento
de distribuição
interesse são definidos
localizado
em (LATE)
, condicionado em para os τ =
. Quando
compliers (tratados a deste
quem modo;
0.1, por foram
para τ ∈ (0,o 1),
exemplo,atribuídos descreve
assumimos
instrumento).
o menor decilOs
que existe
de parâmetros
um α
dado , enquanto deτ einteresse
um são a
τ = 0.5 descreve
bmediana
τ
na seguinte equação:
condicional. Com a visão sobre toda a distribuição de , podemos descrever a dispersão
definidos deste modo; para , assumimos que existe um e um na seguinte equação:
dos efeitos das variáveis presentes no componente . Assim como a regressão por MQO ajusta um
modelo linear para minimizando o erro quadrático esperado, a RQ ajusta(Eq.
um B.2)
modelo linear para
usando a Função de Perda 123
. (Angrist e Pischke, 2008).
onde o lado esquerdo da equação denota o quantil τ de dado e para os compliers.
onde o lado esquerdo da equação denota o quantil τ de dado
Assim como problemas de endogeneidade em MQO podem ser resolvido por meio do uso de
Assim e são coeficientes
e D
Xvariável de RQ
para ospara os compliers.
compliers. Assim α e bτ são coeficientes de RQ
i i instrumental, a RQ também é flexívelτ à incorporação de um instrumento. O estimador de
para os compliers.
IV-RQ introduzido por Abadie, Angrist e Imbens (2002) assumem as mesmas suposições das
estimações em variável instrumental para o efeito do tratamento localizado (LATE) para os
compliers (tratados a quem foram atribuídos o instrumento). Os parâmetros de interesse são
definidos deste modo; para , assumimos que existe um e um na seguinte equação:

onde o lado esquerdo da equação denota o quantil τ de dado e para os compliers.


Assim e são coeficientes de RQ para os compliers.
23

123
123

272  Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes


Apêndice C - Estimador bootstrap
do erro padrão em regressão quantílica

A obtenção de erros padrões para os coeficientes esti-


mados por meio de uma regressão quantílica (RQ) não é uma
tarefa trivial. Rogers (1993) entende que não existem respos-
tas bem definidas em RQ mesmo quando os pressupostos são
atendidos, ainda que existam algumas demonstrações que su-
gerem estimadores para parâmetros assintóticos de variância e
covariância (KOENKER e BASSET JR, 1978; ROGERS, 1993;
KOENKER, 2005). Diante destas dificuldades, ainda mais
agravadas com o aumento da incerteza dos coeficientes de-
corrente da estimação do 1º passo com variável instrumental,
uma estratégia para obter erros padrões adequados e que exija
menos pressupostos é por meio da técnica de bootstrapping,
apesar do custo de maior tempo de computação dos estimado-
res (Efron, 1979; Efron, 1982).
O método bootstrapping é simples, mas computacio-
nalmente desgastante e permite inclusive a estimação de erros
padrões para qualquer estimador mesmo se não existir uma
solução analítica para o problema (Gould, 1993). Ele con-
siste na estimação dos erros padrões não paramétricos com
base na seleção de K novas amostras de mesmo tamanho N
da amostra inicial a partir dos próprios dados desta mesma

 273
definidas em RQ mesmo quando os pressupostos são atendidos, ainda que existam algumas
ea incerteza
erros padrões para qualquer
dos coeficientes
variável estimador
decorrente dauma
instrumental, mesmo
estimação do 1º
estratégia se nãocom
passo
para obter existir uma solução
erros padrões adequados analítica
e que exija menos
demonstrações que sugerem estimadores para parâmetros assintóticos de variância e covariância.
ma (GOULD,
estratégia para 1993).
obter
(Koenker Elepadrões
pressupostos
e erros
Bassett Jr,consiste
é1978; na 1993;
porRogers,
meio estimação
da
adequados técnica
que de
eKoenker, dos
exija erros padrões
bootstrapping,
menos
2005).
apesar
Diante destas não paramétricos
do custo
dificuldades,
de maior tempo
ainda mais
de
aeleção
técnicadedeK computação dos estimadores
apesar custo(EFRON, 1979; EFRON, 1982).
bootstrapping,
agravadas
novascomamostras
o aumento dedo
da incerteza
mesmo detamanho
dos maior tempo
coeficientes N dadeamostra
decorrente da estimação do 1º passo
inicial com
a partir dos
variável
(EFRON, 1979; EFRON, O1982).
métodouma
instrumental, bootstrapping é simples,
estratégia para mas padrões
obter erros computacionalmente desgastante
adequados e que e permite inclusive
exija menos
s desta mesma amostra
a estimação
pressupostos
inicial
é por de erros
meio
etécnica
cujade
da padrões
seleção é aleatória
parabootstrapping,
qualquer estimador
ecusto
mesmo
apesar do
com se
reposição.
denão existir
maior tempo
Neste
umadesolução analítica
g é simples, mas computacionalmente desgastante e permite inclusive
aspara
dasqualquer
observações para originais
computação dos estimadores
o mesmo
problema apareceram
(EFRON, 1993).
(GOULD, uma
1979; Elevez,
EFRON, algumas
1982).
consiste mais dos
na estimação de uma vez e outras
erros padrões não paramétricos
estimador
Ocom
amostra
método
inicial
se
bootstrapping
e
não existir
é
cuja
simples,
uma
mas
seleção
solução éanalítica
aleatória
computacionalmente
e come permite
desgastante
reposição.
inclusive
m. O bootstrapping base na seleção
considera assimde Ka novas
amostra amostras
uma de mesmo tamanho
população finitaNapareceram
adapartir
amostradoinicial
qual aé partir dos
1993). Neste
Ele consiste na estimação sorteio,
dos algumas
erros padrões dasnãoobservações
paramétricos originais
a estimação de erros padrões para qualquer estimador mesmo se não existir uma solução analítica
próprios dados desta mesma amostra inicial e cuja seleção é aleatória e com reposição. Neste
ovas amostras
onar novas para deomesmo
amostras uma vez, algumas
tamanho
(CAMERON;
problema (GOULD, N1993). mais
da amostra
TRIVEDI,
Ele de na
consiste uma
inicial vez edos
a partir
2005).
estimação outras
dos não apareceram.
erros padrões não paramétricos
sorteio,
O algumas
bootstrapping das observações
considera originais
assim apareceram
a amostrauma vez,
uma algumas mais de uma vez e outras
população
amostra inicial e cuja
com base seleçãodeé Kaleatória
na seleção e comdereposição.
novas amostras mesmo tamanho NesteN da amostra inicial a partir dos
destas K novasnão amostras
apareceram.
finita
é possível
O bootstrapping repetidamente
considera assim re-estimar a mesma
a amostra uma população estatística,
finita a partir do qual é
ções originaispróprios
apareceramdados destaavez,
uma partir
mesma do mais
amostra
algumas qual deé euma
inicial possível
cujavez e selecionar
seleção é aleatória enovas
outras amostras
com reposição. Neste
lista de dados (Cameron;
secundária
possível
sorteio, algumas das observaçõesTrivedi,
composta
selecionar novas pelos
amostras 2005).uma vez, algumas mais de uma vez e outras
resultados
(CAMERON;
originais apareceram das K
TRIVEDI, replicações
2005). do estimador,
ping considera assim a amostra uma população finita a partir do qual é
eficientes não apareceram.
da RQTRIVEDI,
A partir
(GOULD, A partir
destas
O bootstrapping Kdestas
considera
1993). Em seguida, K
novas amostras novas
assim é amostras
possível
a amostra
a uma
partir édesta
possível
repetidamente
população
listarepetida-
finita are-estimar a mesma
partir do qual
secundária é
de
estatística,
ostras (CAMERON; 2005).
mente
possívelformando
selecionar uma re-estimar
novas lista de dados
amostras a mesma
secundária
(CAMERON; estatística,
composta
TRIVEDI, formando
pelos
2005). resultados umadas lista de
K replicações do estimador,
imadas
as é épossível
amostras possível calcular
repetidamente
dados
Anopartir
caso destas o
secundáriadesvio
re-estimar
K novas amostras
os coeficientes padrão
dacomposta
a mesma
RQé possível
(GOULD, da
pelos estimativa
estatística,
resultados
repetidamente
1993). dos coeficientes
das Kaamesma
Emre-estimar
seguida, replicações de
partir estatística, RQ
desta lista secundária de
secundária composta
formando pelos
uma resultados
do estimador,
lista estimadas no
de dados das K replicações
caso oscalcular
secundária composta do estimador,
coeficientes
o desviodapadrão
pelos resultados RQ (Gould,
das K replicações do1993).
estimador,
ula: estatísticas é possível da estimativa dos coeficientes de RQ
RQ (GOULD,no1993). caso osEm
usandoEma fórmula:
seguida, a partir desta lista secundária de estatísticas es- de
seguida,
coeficientes daa partir
RQ desta
(GOULD, lista
1993). secundária
Em seguida, dea partir desta lista secundária
estatísticas estimadas daé épossível calcular
dos ocoeficientes
desvio padrãodedaRQ estimativa dos coeficientes de RQ
timadas
ível calcular o desvio padrão possível
estimativa calcular o desvio padrão da estimativa dos
usando a fórmula:
coeficientes de RQ usando a fórmula:

(Eq. C.1)

onde
onde βbooté éa aestimativa
estimativa do do
erroerro padrão
padrão do coe- é o coeficiente
do coeficiente,
é a estimativa
ficiente, bi éuma
do
o das
erro
coeficiente
padrão
estimado
do coeficiente,
emdo cada é o onovas
é coeficiente
onde
estimado em cada é a estimativa do
novas amostras errooupadrão
replicação, é uma
o valordas
coeficiente, médiocoeficiente
do coeficiente estimado
adaéuma das novas
estimado
a estimativa
emamostras
amostras
cada
adopartir
erro
uma
depadrão ou
das replicação,
replicação,
novas
todas asdonovas amostras
coeficiente,
ou é o valor
amostras e éééoo coeficiente
valor
replicação, é omédio
númeromédio
valor do
médio
de replicações coeficiente
do realizadas. es-
do coeficiente
coeficiente estimado
estimado

timado
a partir de todas a
as novas partir
amostrasdee todas as
é o número novas amostras
de replicações e K
realizadas. é o número de
s asamostras
ovas novas amostras
ou replicação, e acurácia
A éé o valor
número dedoreplicações
médio
da aproximação coeficiente
da estimação realizadas.
estimado
dos aumenta tanto com o
replicações
A acurácia realizadas.
da aproximação da estimação dos aumenta tanto com o
ostras e é o número de replicações
aumento realizadas.
de N quanto com o aumento do número das K replicações. Como os erros padrões por
cia da aproximação
aumento de Nda A comacurácia
estimação
quanto dos dodanúmero
o aumento aproximação
das K replicações. daComo estimação
aumenta dospor
tanto
os erros padrões com o
ação da estimação dos aumenta tanto com o aumento de N
aumenta tanto com o
quanto com o aumento do número das K replicações. Como os erros padrões por
aumento do número das quanto com o aumento
K replicações. Como osdo número
erros padrões daspor
K replicações. Como os
erros padrões por bootstrapping são consistentes, estes podem
ser utilizados nas fórmulas assintóticas tradicionais para o cál-
culo de intervalos de confiança e testes de hipóteses que sejam
assintoticamente válidos. (Cameron e Trivedi, 2005).

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