Identidades Algebricas

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Álgebra, Aritmética e aplicações

Rudimentos da aritmética
Sabemos que as duas operações essenciais sobre números, nomeadamente a soma e a
multiplicação, obedecem a propriedades bem definidas. Ambas são comutativas e associativas.
Por exemplo, e . A ordem com que aplicamos a
operação é irrelevante. Este facto observa-se para todos os números. Assim, se representa
um número qualquer e representa um outro número, então

Trata-se da propriedade comutativa da adição e da multiplicação. Por outro lado também é


verdade que e ;
e . Neste caso, vemos que é indiferente a ordem com que
associamos os números entre si para obter o resultado. Também é uma propriedade geral dos
números e pode-se escrever algebricamente

Damos a designação de associativa a esta propriedade. Ainda identificamos uma outra


propriedade, a distributiva da multiplicação relativamente à adição que se escreve

Não é difícil constatá-la em casos práticos. Por exemplo, e


.

Quanto aos números naturais, isto é, os números que usamos para contar, , pouco
mais há a acrescentar. De facto, é frequente, neste conjunto, considerar as operações inversas,
nomeadamente a adição e a subtracção.

Imaginamos que queremos saber qual é o número natural que, adicionado a resulta no
número . A resposta é dada pela subtracção de por . Simbolicamente, procuramos o
número nas condições cuja resposta é . O mesmo acontece com a
multiplicação. Se é um número tal que então . Quando
efectuamos os seculares algoritmos da subtracção e divisão estamos, em última análise, a
testar somas e multiplicações. De facto, para determinarmos o valor de , adicionamos
sucessivamente valores a até perfazer :

Como então . Vemos que atribuímos valores a de modo a obter a


resposta ao nosso problema. Do mesmo modo, para determinar , substituímos
sucessivamente na expressão até obter o resultado:
Daqui concluímos que . Nem todas as equações do género possuem solução natural.
De facto, não existe nenhum número que satisfaça a equação . Quando a equação
tem solução, dizemos que . Assim, porque o número satisfaz
. Dizemos que é maior do que e, deste modo, só é possível efectuar a subtracção
se . É frequente utilizar a notação sempre que ou .

Imaginamos que queremos saber a solução da equação . Aplicamos o algoritmo


anterior, isto é,

O número encontra-se entre os números e , donde concluímos que a equação não


tem solução. O melhor que podemos fazer é . O número designamos por
quociente e o número designamos por resto da divisão de por . Os números para os
quais a equação tem solução dizem-se divisíveis por . Sejam dois números
naturais. Então, o algoritmo da divisão permite escrever , onde é o quociente e
é o resto da divisão de por . Além disso, .

Verificamos que o número tem a propriedade de que . Este número


adquire uma certa neutralidade na multiplicação. A esta propriedade da operação dá-se a
designação de elemento neutro. É possível introduzir o número com a mesma propriedade
relativamente à adição, isto é, . A introdução deste número no sistema numérico foi
um dos maiores avanços da aritmética.

Como , então . Deste modo,


qualquer que seja o valor de .

Vemos que nem todas as equações da forma e têm solução. Se


introduzirmos os números e de modo que

Então vem

Por exemplo, a equação tem solução . Se adicionarmos a


ficamos com , isto é, ,
simétrico de . Um raciocínio deste género permite concluir que
Atentemos na equação cuja solução é . Por outro lado, desta
equação vemos que , isto é, cuja solução é . Daqui advém

Se abreviarmos por o número , temos a regra da multiplicação

Por exemplo,

Para tornar a notação mais limpa, iremos ignorar o sinal nas expressões, desde que não
cause confusão. Deste modo, representa .

Do exemplo anterior vemos que

Contudo, o número vale . Daqui resulta que

Se ambos os números e são divisíveis por um terceiro número então

Se e não tiverem um divisor comum dizem-se primos entre si e a fracção neste caso
adquire a designação de fracção irredutível.

Consideremos a soma

Multiplicamos este número por , vindo

Daqui vem que


O número corresponde ao menor múltiplo comum entre e , isto é, o menor número
possível que é divisível por ambos. Se é o menor múltiplo comum entre e ; e
então

Sabendo um método de determinar este número, é possível somar fracções na sua forma mais
simples.

Resta-nos estabelecer as regras para a multiplicação de números afectados de sinal.


Facilmente constatamos que . Além disso é verdade que .
Por outro lado, . Assim, . Se trocarmos os
papeis de e também concluímos que . Finalmente vem
. Trata-se da famigerada regra dos sinais.

Factorização em números primos e coisas afins


Existem números, como o , o , o , e muitos mais que não possuem outros divisores senão o
e eles próprios. Estes números são designados por números primos. O número não é primo
já que tem como divisor. Uma forma elementar de confirmar se um número é primo consiste
em dividi-lo por todos os outros números primos menores que este. Por exemplo, o número
não é divisível por , , , nem , logo é primo.

Qualquer outro número é escrito de maneira única (a menos da ordem) como um produto de
factores primos. Por exemplo,

Para determinar a factorização de um número, dividimo-lo pelo primeiro primo pelo qual o
número é divisível. Se o resultado for diferente de um, procedemos do mesmo modo para este
número, usando o mesmo número primo. Assim,

Aproveitamos aqui para introduzir a notação

Verificam-se imediatamente as propriedades ( é a base e é o expoente)

Temos as factorizações
O máximo divisor comum, maior número que divide ambos o eo resulta de escolher o
menor expoente possível em cada factor que entra em comum nos dois. Ambos os números
têm os factores e em comum. O menor exponente em cada um deles é logo o máximo
divisor comum é . O mínimo múltiplo comum, menor número possível que é divisível
por ambos obtém-se escolhendo todos os factores envolvidos. Se estes factores forem comuns
a ambos os números, escolhe-se o maior expoente. Neste caso, como os factores e são
comuns, o seu mínimo múltiplo comum é .

Deste modo, e . Também é verdade que


. O mínimo múltiplo comum entre dois números é igual ao quociente do produto deles
pelo respectivo máximo divisor comum.

O método mais usual para calcular o máximo divisor comum entre dois números toma a
designação de algoritmo de Euclides. Escrevemos

Se tomarmos atenção a este resultado, chegamos à conclusão que se um número divide o e


o em simultâneo então também divide o resto que é . Deste modo, o máximo divisor
comum entre e é o mesmo que o máximo divisor comum de e . Repetimos o
processo

O divide o e, por conseguinte, divide o sendo o seu máximo divisor comum.

Se divide em simultâneo e então também divide o resto da divisão de um pelo outro.


Suponhamos que , então

Deste modo

Se dividir ambos e então existem outros inteiros e de modo que e .


Daqui resulta a equação

Como , e são inteiros por construção, então divide . Escrevemos a equação nesta
forma com base na propriedade distributiva. Assim, se e são primos entre si, e fizermos
Esta sequência acaba por parar uma vez que os sucessivos restos são cada vez menores. Neste
ponto ficaríamos com

Como o máximo divisor comum divide todos os restos, então, caso sejam primos entre si,
teremos forçosamente .

Este processo é aplicável na simplificação de fracções, uma vez que

Por outro lado, o mínimo múltiplo comum é utilizável para determinar a soma seguinte.

Expressões algébricas
Vimos que existem relações entre as operações válidas para todos os números.
Resumidamente temos:

• Propriedade comutativa: ,
• Propriedade associativa: ,
• Existência de elemento neutro: ,
• Existência de inverso: ,
• Propriedade distributiva:

Ainda temos as propriedades dos expoentes, as quais expomos novamente.

Vejamos como podemos construir algumas identidades. Começamos com a expressão

Este expressão resulta num valor sempre que atribuímos uma quantidade a e a . Se
fizermos e obtemos

Multiplicamos por para obtermos


Aplicamos a propriedade distributiva para ficarmos com

Aplicamos a propriedade comutativa a cada uma das parcelas para vir

Aplicamos a regra dos expoentes para advir finalmente a expressão

Esta expressão é válida uma vez que utilizámos apenas as propriedades que valem para
qualquer número. Do mesmo modo vemos que

Segue-se que

No último passo utilizámos a propriedade distributiva, uma vez que é o simétrico de .


Aplicamos a propriedade comutativa para escrevermos

Por outro lado temos

Aqui utilizámos a propriedade distributiva. A aplicação das propriedades gerais permitiram


construir a identidade algébrica válida para qualquer número que se substitua em e em ,

Um raciocínio idêntico permite mostrar que

Se substituirmos por , obtemos a identidade

Nesta expressão podemos substituir por – . De acordo com a regra dos sinais vemos
facilmente que , e assim sucessivamente, isto é,
se é par e diferente de e se é ímpar. A identidade anterior fica
Aplicamos a regra supracitada para a potência do valor afecto do sinal para escrever a
identidade anterior como

se é par. Se for ímpar, a identidade escreve-se, depois da respectiva simplificação

Multiplicamos ambos os membros desta identidade por para ficarmos com

Substituímos por nesta expressão, onde é um número natural qualquer para ficarmos
com

Mais uma vez aplicamos a regra dos expoentes para vir finalmente

Esta expressão algébrica condensa um resultado algo importante. Permite-nos dizer que, se
for um múltiplo de um número ímpar diferente de , então o número não é primo.
Tomemos como exemplo e . Por um lado, . Fazendo
e na identidade anterior vemos que

Provámos que, se um número da forma é primo, então tem de ser da forma


para qualquer número natural . O matemático Fermat acreditava que todos os números da
forma fossem primos. Contudo, tal não é verdade. De facto, se fizermos temos

Deixo aqui a nota de que este primeiro contra-exemplo foi descoberto pelo Euler.

Os casos notáveis
Se fizermos na fórmula mais geral da secção anterior obtemos o caso notável

Este caso notável permite fazer alguns géneros de multiplicações de forma expedita. Por
exemplo,

Um outro caso notável prende-se com a expansão

Aplicamos a propriedade distributiva para obtermos


A propriedade comutativa permite escrever

Por outro lado, da propriedade distributiva vemos que . Assim, o


caso notável anterior escreve-se

Substituindo por – obtemos o terceiro caso notável, nomeadamente

Exploramos uma das consequências destas identidades e adiamos outras aplicações para a
secção seguinte. Subtraímos as identidades anteriores, isto é

As propriedades algébricas permitem simplificar a expressão anterior em

Por outras palavras, temos

Fazemos a substituição e na expressão para vir

Finalmente, com o auxílio da regra dos expoentes, podemos simplificá-la em

Por exemplo, para e vem a relação

Temos mais relações

Ao conjunto de três números inteiros que satisfazem a relação damos a


designação de ternos pitagóricos por permitir construir triângulos rectângulos com todos os
lados inteiros.

Se e tiverem um máximo divisor comum e , então e são primos


entre si. Substituímos na expressão, vindo
Aplicamos as regras dos expoentes, a propriedade comutativa e a distributiva para escrever

Dada uma solução, por exemplo , é possível multiplicá-la por para obter uma
infinidade de soluções derivadas. Dizemos que é primitiva. De acordo com esta
última fórmula, vemos que e geram equações primitivas sempre que forem primos entre
si.

Problema: dada uma sequência pitagórica primitiva, achar e de modo que


esta sequência se possa escrever como .

Se este problema tiver solução, então todos os ternos pitagóricos podem ser obtidos dando
valores convenientes a e a . Em primeiro lugar, notamos que, sendo a sequência primitiva,
então , e são primos entre si, isto é, o seu único divisor comum é a unidade. Além disso,
um dos termos ou tem de ser par. Com efeito, escrevemos

Se ambos forem ímpares, então é ímpar. Logo e são pares donde se conclui que
é múltiplo de . Logo é par, o que é uma contradição. Sem perda de generalidade,
consideramos que é o termo par. Se a sequência for primitiva, e são ímpares porque a
soma de um número par com um número ímpar é ímpar.

Pretendemos resolver o sistema de equações:

Somamos e subtraímos as duas primeiras equações para obtermos

De acordo com o caso notável podemos escrever este sistema como

Sabemos que, para a sequência ser primitiva, e têm de ser primos entre si, uma vez que,
sendo e então . Por outro lado,

Mais uma vez usámos o primeiro caso notável. Suponhamos que um número primo divide
e em simultâneo, isto é, existem e inteiros de modo que
Deste sistema resulta que

Para obter estas duas equações adicionámos e subtraímos cada uma das equações do sistema
anterior. Como é ímpar e é par então é ímpar pois e são números ímpares.
Daqui resulta que e são divisíveis por e divide tanto como . Como e são
primos entre si, então . Voltemos à equação

Seja é uma factorização prima de então

onde são primos ímpares. Por outro lado vimos que, se divide então não pode
dividir e vice-versa. Daqui concluímos que é factor de apenas um deles. Deste
modo, tanto como são quadrados perfeitos.

Sejam e dois números tais que e . O sistema que queremos resolver


escreve-se

Por outras palavras temos

cuja solução vem da forma

Os números e são pares (divisíveis por ) uma vez que e são ímpares.

A título de exemplo, consideramos o terno pitagórico . Esta sequência é


primitiva. Temos então , e . Daqui vemos que

Como e então
Raízes
Trabalhámos um pouco a noção de expressões algébricas e notámos a existência de
identidades nas operações que se verificam para todos os números. Vimos também que existe
a necessidade de introduzir determinados números de modo a podermos resolver certas
equações. O problema de Pitágoras apresentado na secção anterior requer a resolução de uma
equação do tipo

Verificamos que algumas destas equações têm solução, tais como ou mas
outras equações como ou parecem não conter solução da forma . Para o
mostrar, vamos começar por nos concentrarmos em dois teoremas de Euclides.

Imaginemos que queremos resolver a equação , onde e , e são inteiros. Se


existir um número de modo que e então , o que só pode
acontecer se . Deste modo, a equação só tem solução caso e sejam primos entre si.
Por outro lado, se e são primos entre si, o seu máximo divisor comum é . Vimos que o
algoritmo de Euclides permite escrever

onde . Resolvemos a primeira equação em ordem a vindo

Multiplicamo-la por e substituímos na segunda equação para obtermos

Multiplicamos esta equação por e substituímos e na terceira equação para ficarmos


com

Continuamos o processo até obtermos

Trata-se de uma solução da equação, uma vez que, por construção, os números e são
inteiros. Se fizermos e , vem
Encontrámos uma infinidade de soluções e, em particular, uma solução para a qual o
coeficiente de é positivo. Provámos o teorema seguinte.

Teorema: a equação só tem soluções se e só se e forem primos entre si.

Com base neste teorema é possível provar o resultado seguinte.

Teorema: sejam e dois números primos entre si. Então, se divide o produto , divide .

Com efeito, se e são primos entre si, então existem números inteiros e de modo que

Escrevemos . Multiplicamos a equação anterior por para ficarmos com

Daqui concluímos que divide como pretendíamos. Resulta também que se é primo com
então é primo com . Suponhamos que divide . Como é primo com então
divide , pelo teorema. Contudo, trata-se duma contradição. O mesmo argumento permite
mostrar que se é primo com então é primo com .

Definimos um polinómio como uma entidade algébrica da forma

Consideramos e dizemos que tem grau . Pretendemos ver em que condições, a


fracção irredutível é solução da equação . Substituímos na equação.

Aplicamos as regras das potências a cada uma das parcelas para ficarmos com

Somamos todas as fracções de acordo com as respectivas regras algébricas para obtermos

Como consideramos , a fracção é nula se o termo superior for nulo, isto é

Esta equação é equivalente a


Deste modo, vemos que tem de dividir já que é primo com e, consequentemente, com
. Do mesmo modo mostramos que tem de dividir e provámos o teorema da raiz
racional que se segue.

Teorema (da raiz racional): seja um polinómio de


grau . Se a fracção irredutível é solução da equação então divide e
divide .

Um resultado interessante segue-se deste teorema. Consideremos a equação

Suponhamos que a sua solução é da forma , uma fracção irredutível. Pelo teorema
anterior, tem de dividir e divide , isto é, e . Daqui resulta que

Como somente se então temos . Aplicamos de novo o teorema da


raiz racional para concluir que tem de dividir . Quando aplicamos o teorema de forma
sucessiva, mostramos que .

Dizemos que um número é uma potência perfeita de ordem se para algum inteiro
. Mostrámos que a solução da equação

é racional somente quando é uma potência perfeita de ordem . Introduzimos então o


símbolo para a solução desta equação, o qual designamos por raiz de índice de . Trata-
se de um número racional apenas quando é potência perfeita.

Podemos escrever sem violar as regras das potências. Com efeito, seja um número e
e soluções das equações

Deste modo vemos que e . Multiplicamos ambas as equações, aplicamos


as regradas das potências para obtermos a equação . Se considerarmos
e então, da equação,

As outras propriedades relativas à exponenciação são imediatamente verificadas utilizando o


mesmo tipo de argumento.

Notas sobre a aritmética das raízes


O facto das raízes se comportarem como potências de expoente fraccionário é útil na
simplificação de expressões que envolvam raízes. Suponhamos que queremos determinar a
raiz quadrada de , representada por (o índice é ignorado no caso da raiz quadrada).
Vemos que . Deste modo, vem

A decomposição em factores primos continua a ser uma ferramenta essencial na simplificação


deste tipo de expressões. Do mesmo modo vemos que .

Consideremos o caso notável . Se fizermos e vem

Mais uma vez, uma identidade algébrica se torna frutífera na simplificação de expressões. De
facto temos

Aos processos como este, onde eliminamos expressões que contenham raízes no denominador
de uma fracção (a parte de cima de uma fracção tem a designação de numerador e a parte de
baixo corresponde ao denominador) para substituirmos por valores inteiros, damos a
designação de racionalização.

Resolução de equações do segundo grau com raízes quadradas


Uma equação do segundo grau é da forma , com , a qual pretendemos
resolver com o recurso às raízes quadradas sempre que tal seja possível. Sabemos de antemão
que o produto de dois números e se anula se pelo menos um deles é nulo, isto é,
caso ou . Torna-se conveniente escrever a expressão como produto
de factores, donde advém trivialmente a solução.

Dividimos a equação por de modo a obtermos onde e .


Como sabemos resolver equações lineares, isto é, equações que não envolvam potências de ,
é natural tentar procurar factores lineares da equação em causa, isto é, procurar e de
modo que

Aplicamos a propriedade distributiva ao parêntesis para escrevermos

Como pretendemos que seja uma identidade válida para qualquer valor de , os coeficientes
têm de satisfazer o sistema

Aplicamos o caso notável para escrever


Então temos . Observando com atenção, verificamos que se então
mas também , uma vez que também . Este facto permite dizer
que . Os valores e obtêm-se do sistema

Se somarmos e subtrairmos as duas equações, obtemos a solução

ou

Dá a sensação de existirem duas soluções para os parâmetros. Relembramos que tentámos


factorizar o polinómio como . Dada a sua simetria e devido à
propriedade comutativa, é indiferente colocar o factor em à direita ou à esquerda. Contudo,
uma vez definido o valor para o de vem completamente determinado. A factorização
escreve-se

Lembramos que e donde vem

Multiplicamos tudo por para ficarmos com

Desta identidade concluímos que as soluções da equação são


e tal expressão é conhecida como fórmula resolvente de equações de segundo grau.
Apliquemos esta expressão a alguns casos. Comecemos por tentar determinar a solução da
equação . A fórmula resolvente reduz-se à solução

Os valores são então e , os quais são racionais. Mais uma vez seria de esperar que o
denominador das soluções dividisse o de acordo com o teorema da raiz racional, o que se
verifica prontamente.

A expansão do binómio
O primeiro caso notável, isto é, , é um caso particular de uma
relação que envolve potências mais elevadas. É útil considerarmos uma generalização dos
outros casos, isto é, determinarmos uma expansão para o binómio . Vejamos o que
acontece durante as expansões

As três primeiras expressões já eram conhecidas. Contudo, a última resulta da aplicação


directa da propriedade comutativa e das regras dos expoentes. Não é difícil de verificar que

Definimos

Para provarmos a asserção utilizamos o método da indução. De facto, a prova é válida para
. Suponhamos que é válida para . Então

Aplicamos a hipótese de indução para obtermos

A propriedade distributiva permite simplificar a expressão anterior em

Como pretendíamos mostrar. Se definirmos


para qualquer , vemos que os coeficientes da expansão satisfazem a relação

Tais coeficientes podem ser agrupados naquilo a que vulgarmente toma a designação de
triângulo aritmético ou de Pascal. De seguida apresenta-se o respectivo triângulo com algumas
entradas.

Cada linha do triângulo é ladeada por uns. Cada número de uma linha é igual à soma dos dois
números que lhes são adjacentes na linha imediatamente acima. Deste modo, o terceiro
número da quinta linha é , o qual é igual à soma de com que são os números adjacentes
da quarta linha (isto é, da linha ). Este triângulo é conhecido da combinatória o
coeficiente

dá o número de subconjuntos de elementos escolhidos dum conjunto de elementos. Aqui,


usa-se a notação para condensar o produto . Assim ,
e assim sucessivamente. Convencionamos que . Vemos que

Por outro lado temos

Verificam a propriedade requerida no binómio. Na simplificação algébrica anterior utilizámos a


identidade resultante da definição , isto é, a aplicação imediata da propriedade
associativa da multiplicação.

Mostrámos que estes coeficientes são inteiros, uma vez que resultam de somas sucessivas de
números inteiros. Têm uma propriedade aritmética curiosa e útil. Observamos que é possível
escrevê-los como
Este número é um inteiro diferente de caso seja diferente de ou . No caso em que é
um número primo, é primo com e divide o produto . Então
divide . Concluímos então que, caso seja primo então

sempre que é diferente de e de .

Aplicação da expansão do binómio na obtenção de outros coeficientes


A expansão do binómio é aplicável na obtenção dos coeficientes da expansão do polinómio

É claro que este polinómio admite uma expansão da forma

Se colocarmos no lugar de ficamos com

Então vem

Por outro lado, sabemos que

Aplicamos a expansão do binómio na expressão anterior, aplicamos a propriedade distributiva


a esta última expansão e comparamos os coeficientes para escrever os em termos dos
coeficientes binomiais.

A expansão do multinómio
Pretendemos generalizar aquilo que fizemos para o binómio de modo a enquadrar o
multinómio. Comecemos pelo trinómio

Vemos, de acordo com a expansão para o binómio, que a expansão para o trinómio envolve
uma soma de termos da forma
onde , e são inteiros que satisfazem a equação . Fixemos, por exemplo,
e analisemos um termo em . Suponhamos que , donde resulta .
Vemos que esse termo se encontra na expansão de

Aplicamos a expansão do binómio para obtermos o termo

Este termo é passível de ser escrito como

onde

A mesma inspecção permite concluir que o coeficiente do termo é

Por outras palavras, o trinómio corresponde à soma de todos os termos da forma

sujeitos à condição . Numa notação mais concisa, é possível utilizar o símbolo


de soma, explorando alguma regularidade nos termos a serem somados. Deste modo,

Nesta expressão, as três equações , representam a condição segundo a qual


começam as variáveis, isto é, , e tomam valores desde zero em diante desde que
satisfaçam a restrição.

Para escrever uma expressão condensada relativa ao multinómio mais geral, é conveniente
introduzir uma nova notação para os termos. Queremos a expansão de

Este multinómio adquire uma notação mais simplificada com o auxílio do símbolo de soma. De
facto, queremos a expansão de
Nesta notação, o índice da variável, , inicia-se em zero e toma valores menores ou iguais a ,
gerando cada uma das parcelas. Fazemos e e
denotamos

Definimos e

Aplicamos o raciocínio do trinómio de forma recursiva e obtemos a expansão

Mais uma vez a equação permitem indicar que todos os valores .

Por exemplo, temos as expansões

Daqui vemos que

Se fizermos , e , obtemos a identidade de Euler-Aida Ammei,


nomeadamente

Esta identidade assemelha-se àquela utilizada para parametrizar os ternos pitagóricos.

Identidade de Brahmagupta-Fibonacci
Iremos verificar uma identidade segundo a qual se escreve o produto de duas somas de
quadrados como soma de quadrados. Começamos com os casos notáveis na forma

Com um pouco de álgebra mostrámos a identidade de Brahmagupta-Fibonacci,


nomeadamente,
É possível trocar o com o , resultando a identidade escrita noutra forma

Vemos daqui que o produto da soma de dois quadrados continua a ser a soma de dois
quadrados. Se fizermos e obtemos a identidade que já conhecíamos e
usámos na construção de ternos pitagóricos, isto é

Esta identidade tem uma estreita relação com os números complexos. A solução da equação
quadrática é da forma

Sabemos também que nenhum número multiplicado por ele próprio resulta num número
negativo. Deste modo, não existem raízes de números negativos e a equação só tem solução
caso . O exemplo mais simples consiste na equação . Neste contexto,
introduzimos um número imaginário de tal forma que . A cada número da
forma , onde e são números usuais, damos a designação de número complexo.
Neste conjunto a equação quadrática tem solução e esta vale

A soma de com resulta imediatamente das propriedades comutativa, associativa


e distributiva. Assim

O produto é tratado da mesma forma. Deste modo,

Como definimos de modo que então

Seja e . Existe uma função tal que . A


identidade de Brahmagupta proporciona essa função. É frequente definirmos

Assim temos também . Por outro lado, temos


Se fizermos no número , vem . Isto é, se é um número
normal (ao que damos a designação de número real) então é o módulo desse número. É
natural imaginar que é o módulo do número complexo e denota-se por .

Da regra do produto para os números complexos vemos que (fórmula de De Moivre)

Por outro lado, sendo então

onde foi aplicada a fórmula fundamental da trigonometria, . Seja


um outro vector. Então

É fácil concluir que o produto de um número complexo qualquer por um número complexo
de norma unitária corresponde a uma rotação do vector cujas componentes são as
partes reais e imaginárias desse complexo. Existe, pois, uma identificação do grupo das
rotações no plano com o produto deste tipo de números.

Se definirmos o conjugado de como então .

É conveniente introduzir aqui uma identidade analítica devida a Euler. Partimos da expansão
em série da função exponencial,

Nesta expansão fazemos e atendemos ao facto de e e assim


sucessivamente para obtermos

Os inteiros de Gauss e de Eisenstein


Vemos que existe uma relação intrínseca entre os números complexos e os ternos pitagóricos.
De facto, se fizermos , com e inteiros, então a fórmula

Resume-se à já debatida identidade

A identidade apresentada resulta desta simplesmente quadrando ambos os membros. Este


pormenor sugere o estudo dos números da forma com e inteiros, com a
designação de inteiros de Gauss. Se imaginarmos a representação gráfica num referencial
cartesiano onde o eixo das abcissas corresponde à parte real do número e o eixo das
ordenadas corresponde à parte múltipla de , isto é, a parte imaginária, então estes inteiros
encontram-se numa rede. Vejamos que tais números gozam de propriedades semelhantes aos
números inteiros vulgares. Os números , , e – dividem qualquer inteiro e são
designados por unidades. Sejam e dois inteiros complexos. Deste modo vem

Por exemplo, para , , e temos

Deste modo, o primo factoriza-se neste novo sistema de números. É claro, da expressão, que
um primo vulgar se factoriza neste sistema caso seja composto por uma soma de quadrados.
Por exemplo, os primos , , factorizam-se neste
sistema.

As unidades não são divisíveis por quaisquer outros números senão outras unidades, isto é, se
é uma unidade então e ou e . Suponhamos que .A
fórmula da divisão resulta em

Os números e são divisíveis por caso e , isto é, quando é uma


unidade.

Com o auxílio do algoritmo da divisão vulgar, escrevemos

Temos , e

Comparemos a norma do resto, isto é,

Daqui vemos que é possível encontrar um inteiro complexo de modo que


Onde o resto inteiro (igual à diferença entre dois inteiros) é tal que

Arranjado um algoritmo da multiplicação, é possível aplicar o algoritmo de Euclides, como foi


feito anteriormente, para mostrar que existe uma factorização única em números primos
associada aos números de Gauss. É importante dizer o que entendemos por factorização única.
Um número primo é aquele que apenas é divisível por si próprio ou por qualquer uma das
unidades. Dois primos são essencialmente o mesmo caso um resulte do outro por intermédio
da multiplicação por uma unidade.

Se representarmos cada inteiro num referencial cartesiano cujo eixo das abcissas corresponde
à parte real e o eixo das ordenadas corresponde à parte em , vemos que os inteiros estão
posicionados numa rede quadrangular. É possível definir outro tipo de inteiros,
correspondentes aos pontos de uma rede triangular. Seja uma raiz da equação

Desta equação tiramos . De acordo com a fórmula resolvente, vemos que uma
das soluções é

Definimos os inteiros de Eisenstein como sendo os números da forma onde e são


inteiros. As unidades, neste caso, são , e . Isto acontece porque ,
isto é, . Em suma, é uma raiz cúbica da unidade. Com o intuito de definir uma
norma, é suficiente considerar a norma do número como um complexo. Então

Este tipo de inteiros goza da propriedade da factorização única, uma vez que esta norma induz
um algoritmo de divisão. Não nos vamos reter mais neste assunto.

A identidade dos quatro quadrados de Euler


Seguimos a mesma linha de raciocínio afim à aplicação da identidade da secção anterior aos
complexos. Neste processo, construímos números fictícios , e de modo que satisfaçam as
relações

Observamos que a propriedade comutativa não se verifica. Ao número da forma


damos a designação de quaternião. O mesmo método permite determinar a soma e o produto
de dois destes números. Definimos . A soma mais uma vez é definida
como

O produto adquire uma forma um pouco mais complexa, nomeadamente

Vejamos se é possível definir uma função idêntica à norma dos complexos no caso dos
quaterniões. Atentemos na quantidade

Quando aplicamos a propriedade distributiva obtemos dezasseis parcelas, onde algumas,


devido à propriedade comutativa dos números reais, se adicionam.

O mesmo se passa com os outros. A expansão resulta numa soma de quadrados com o dobro
do produto dos termos cruzados. Facilmente observamos que o polinómio da forma
contribui com o termo . Se o somarmos ao polinómio
que contém o termo , estes termos cruzados anulam-se entre
si. Somamos os quadrados dos quatro polinómios e verificamos que as parcelas
correspondentes aos termos cruzados se anulam mutuamente, com o auxílio desta ideia.

Deste modo, temos

Aplicamos nesta última expressão a regra dos expoentes. De acordo com a propriedade
comutativa agrupamos as parcelas que contém , , e e aplicamos a propriedade
distributiva para ficarmos com

Aplicamos novamente a propriedade distributiva para ficarmos com

Provámos a identidade dos quatro quadrados de Euler, nomeadamente


Esta identidade permite afirmar que o produto da soma de quatro quadrados é também uma
soma de quatro quadrados. Por exemplo, sabemos que

Se fizermos , , , , , , e na identidade vem

O teorema dos quatro quadrados afirma que qualquer número pode ser escrito como a soma
de quatro quadrados. Esta identidade permite reduzir a prova apenas aos números primos.

Os quaterniões e as rotações vulgares


Os quaterniões prestam-se na obtenção de representações para as rotações. Como nos
complexos, definimos o conjugado de como sendo o número

Utilizando a fórmula dos quatro quadrados e reparando que , vem

Consideremos a aplicação , onde . Se for um número


complexo da forma então a parte real de é precisamente . Além
disso, . Se os quaterniões tiverem norma unitária, então
e é um número da forma . Mostrar o que foi afirmado é uma
questão da aplicação da multiplicação e das propriedades algébricas atrás mencionadas.

Como , vemos que a aplicação actua apenas no espaço e


preserva a quantidade . Além disso, sendo e dois quaterniões então

uma vez que se verifica, aplicando a fórmula para a multiplicação que ,


concluímos que a aplicação forma um grupo e esse grupo é isomorfo ao grupo das rotações no
espaço a três dimensões.

Para identificar a correspondência, apresentamos as rotações em torno dos eixos das cotas,
das abcissas e das ordenadas.
Fazemos onde e .
Efectuamos a multiplicação e analisamos as componentes. Vamos tentar obter uma
correspondência para a rotação em torno do eixo das cotas. Procedemos à multiplicação dos
números e obtemos uma expressão relativamente complexa. Forçamos que não surja
qualquer nas componentes e (porque a rotação é em torno desse eixo). Por outro lado, a
componente em mantém-se. Tal é possível se . Nestas circunstâncias o produto
fica

Para esta quantidade representar uma rotação em torno do eixo das cotas é necessário que os
coeficientes satisfaçam a

A melhor forma de resolver este sistema utiliza o recurso aos números complexos. Temos
(notemos que aqui o é a unidade imaginária dos números complexos e não dos
quaterniões). Multiplicamos a segunda equação por , somamos e subtraímos para obtermos

As propriedades dos expoentes permitem escrever

Daqui tiramos a solução

Uma rotação de em torno do eixo das cotas identifica-se com o quaternião da forma
. Uma rotação de em torno do eixo das abcissas corresponde ao
quaternião e a rotação correspondente ao eixo das ordenadas tem a
identificação neste sistema com . Esta aplicação não é fidedigna uma vez
que, a cada rotação no espaço dos quaterniões correspondem duas rotações no espaço vulgar.
Uma aplicação como a descrita volta à identidade no ângulo . Contudo, tal formalismo
descreve bem partículas com spin em mecânica quântica.

Os octoniões
O próximo passo na generalização dos quaterniões consiste em considerar a álgebra dos
octoniões. Estes são números da forma

A norma deste número vale

As unidades satisfazem a seguinte tabela de dupla entrada para a multiplicação

Com base nesta tabela, conseguimos definir como se multiplicam dois octoniões da mesma
forma que foi feito para os complexos e quaterniões. Contudo, tal multiplicação não goza das
propriedades comutativa e associativa. No entanto, se e forem dois octoniões então é
verdade que

Este resultado constitui a identidade dos oito quadrados. O matemático Hurwitz mostrou que
apenas existem as identidades de Bramagupta-Fibonacci, a dos quatro quadrados de Euler e a
identidade dos oito quadrados. A sua prova implica conceitos um pouco mais elaborados do
que os previamente expostos e baseia-se essencialmente na descrição de álgebras de ordem
superior com base em álgebras de ordem metade. Por exemplo, é possível descrever os
octoniões com base nos quaterniões e estes últimos com base nos números complexos. Este
conjunto de identidades encontra aplicações nas teorias quânticas de campo.

A identidade de Lagrange
As três identidades anteriores envolvem relações entre o produto de dois conjuntos de
números. Atentemos, por exemplo, na identidade de Brahmagupta-Fibonacci e centremo-nos
no seu significado geométrico (figura seguinte).
O triângulo tem como vértices os pontos , e . É imediato verificar que a
área do triângulo é dada pela área do rectângulo subtraída da metade das áreas dos
rectângulos , e o rectângulo com comprimento e largura . Então vem

Por outro lado, o comprimento dos lados e são e respectivamente,


de acordo com o teorema de Pitágoras. A identidade

envolve, deste modo, o produto das normas dos vectores que constituem lados do
paralelogramo, a sua área e o seu produto escalar. Consideramos, agora, dois vectores em
dimensões

Definimos o vector

Trata-se do vector cujas componentes são da forma para todas as combinações de


, , escolhidos dos índices.

Por exemplo, sendo e então

Se quadrarmos cada uma das componentes , verificamos que contribuem


precisamente com os termos . Estes quadrados mantêm-se
inalterados sempre que trocamos o vector com o vector , isto é, são simétricos no que
concerne à troca dos vectores. Então somamos para todas as combinações para obtermos uma
quantidade simétrica. Consideramos o exemplo do índice quatro considerado previamente.

Temos então
Atentemos na quantidade

Podemos adicionar e subtrair

Com o auxílio da propriedade comutativa vemos que

Do mesmo modo escrevemos a quantidade

como

Daqui advém a identidade

Esta identidade é generalizável a vectores de com qualquer dimensão. Sejam e dois


vectores num espaço de dimensão arbitrária. De geometria analítica sabemos que o cosseno
do ângulo formado pelos vectores é dado por

Aqui temos

Para provarmos que o valor do cossendo se mantém entre e , é suficiente provar que
Por outras palavras, pretendemos mostrar que

Como o segundo membro da identidade de Lagrange é positivo ou nulo, uma vez que se trata
da soma de quadrados, este resultado segue imediatamente. Esta desigualdade é conhecida
como desigualdade de Cauchy e encontra enumeras aplicações em matemática. Considerando
a norma do vector , designada por norma euclideana, temos, por um lado,

Por outro lado temos

Aplicamos a desigualdade e tomando atenção ao facto de se tratar de quantidades positivas


para afirmarmos a desigualdade

Trata-se da desigualdade triangular. De facto, é intuitivo verificar que o comprimento do maior


lado de um triângulo é sempre menor ou igual à soma dos comprimentos dos outros dois lados
(daí o nome).

Em qualquer dimensão, abreviamos a identidade como

Do ponto de vista geométrico, trata-se de uma identidade particular num conjunto de


identidades mais geral associadas aos volumes num espaço de dimensão arbitrária.

Polinómios simétricos elementares


No cerne das identidades algébricas surge a ideia de polinómio simétrico elementar, a qual
está intimamente com o problema mais antigo de álgebra que consiste na resolução de
equações polinomiais. Suponhamos que um polinómio se factoriza como

Sabemos, da lei do anulamento do produto (um produto de números é nulo quando um dos
seus factores é nulo) que os valores de para os quais são , .
Pretendemos averiguar o que acontece quando expandimos, por intermédio da propriedade
distributiva, os factores de . Começamos com dois deles. Assim temos
Se continuarmos o processo, vemos que

Os constituem polinómios simétricos (não alteram o valor aquando da permuta das


variáveis) de grau nos . Tratam-se dos polinómios simétricos elementares. É fácil verificar
que o polinómio simétrico elementar é dado pela soma de todos os termos resultantes da
combinação de elementos escolhidos do conjunto . Por exemplo, se
então

Cada tem um número de parcelas igual a

Isto verifica-se uma vez que, caso façamos na expansão então

que corresponde ao binómio cujos coeficientes iguala precisamente o número de parcelas


afins aos polinómios simétricos elementares.

Voltemos à identidade algébrica

donde, fazendo e trocando o sinal aos , obtemos

Observemos que os são função dos e o número de argumentos influencia a forma da


função. Tomemos como exemplo . Por seu turno,
. Definimos
e se . É fácil verificar que estes coeficientes satisfazem a recorrência

Também satisfazem a recorrência

Mais geralmente, uma permutação cíclica dos índices da primeira recorrência resulta numa
outra recorrência válida, uma vez que se tratam de polinómios simétricos. Se substituirmos
por , observamos que . Deste modo obtemos
uma função geradora para este tipo de objectos, nomeadamente
Da teoria em análise das séries de Taylor temos

Suponhamos que, na mesma fórmula, substituímos por . Atentemos nos coeficientes


. Como os são constituídos por parcelas
que são produtos de factores, então o produto dos primeiros termos tem a menor
potência em , a qual vale . Usámos aqui a fórmula para a
soma de uma progressão aritmética. Deste modo escrevemos

Para determinarmos os coeficientes , apliquemos as recorrências supracitadas. A primeira


escreve-se

Substituímos pela definição, vindo

É válida a outra relação de recorrência que se escreve

uma vez que neste caso. Observamos que .


Voltamos a substituir pela definição para ficarmos com

Obtivemos duas relações de recorrência para os nossos coeficientes, nomeadamente

Se subtrairmos ambas as equações obtemos prontamente a recorrência

Como então, aplicando sucessivamente a fórmula anterior, obtemos


Daqui obtivemos a expressão

Trata-se dum resultado associado com o binómio, um tópico particular em teoria das
séries.

A divisão e os polinómios simétricos


Dada importância dos polinómios simétricos elementares na resolução das equações
polinomiais, é importante estudá-los com grande cuidado. É já bem conhecido o algoritmo
gráfico da divisão inteira. Vamos centrar-nos um pouco em tal algoritmo. Suponhamos que
pretendemos dividir o número por . Decompomos o dividendo em

Procuramos, com o auxílio da tabuada, o maior número que, multiplicado por resulta em
. Este número é e o resto vale . Deste modo, obtemos a representação

Dividimos novamente . Como cabe duas vezes em então escrevemos


. Deste modo ficamos com

Por seu turno, cabe cinco vezes em , isto é, . Se substituirmos nos


resultados anteriores obtemos

O resultado da divisão de por é com resto . Verificámos que é suficiente dividir


por múltiplos de de modo a obter restos sucessivamente menores.

Este processo é generalizável aos polinómios, desde que definamos uma relação de ordem,
isto é, desde que possamos dizer quando um resto é inferior ao quociente. Uma forma simples
de o fazer consiste em dizer que se o grau de é menor do que o grau de
. Por exemplo, é menor do que , uma vez que o grau do primeiro é e
o grau do segundo é . Esta ordenação não é a única, mas é a mais habitual mesmo
relativamente aos resultados que pretendemos. Vamos então dividir por
. Começamos por considerar o maior termo na nossa ordenação, tanto no dividendo
como no divisor. Estes são e respectivamente. Como , facilmente
vemos que
Como o resto, é inferior ao divisor, o processo pára e obtemos o quociente . Se o
resto fosse superior ao quociente, continuávamos a dividir pelo maior termo.

O alogritmo lexicográfico
Está dado o mote para a divisão de polinómios simétricos. Apenas se torna necessário definir
uma ordenação nos seus termos. Para o efeito, centramo-nos na definição de polinómio
simétrico. Um polinómio diz-se simétrico se mantém a mesma forma aquando da
permutação das suas variáveis, isto é,

A definição mantém-se para quaisquer variáveis. Uma vez que tais polinómios possuem esta
propriedade é imediato verificar que, se contém o termo , então também
contém os termos , , entre outros. De facto, obtêm-se todos os termos,
escrevendo todas as permutações de nos expoentes de , e . Neste caso, a este
conjunto está associado um termo simétrico com seis parcelas e representamo-lo por .
Notamos que, nesta nossa representação, é equivalente a e assumimos sempre
a escrita na ordem decrescente. Alguns exemplos são

Vemos que qualquer polinómio simétrico de três variáveis (no caso de mais variáveis passa-se
exactamente a mesma coisa) pode ser escrito na forma

Neste ponto é possível definir uma ordenação nos termos. Dizemos que se e só se
e se e só se

Por exemplo, uma vez que , mas . Esta ordenação recebe o


nome de ordenação lexicográfica por se assemelhar à ordenação que as palavras adquirem
num dicionário.

A representação condensa

termos. Isto acontece uma vez que, das oito permutações dos expoentes, correspondem às
permutações dos primeiros elementos que são iguais e os outros dois números no quociente
correspondem às permutações dos expoentes e que se repetem duas vezes cada,
tratando-se de uma contagem habitual em combinatória. Resta-nos indicar um método para
multiplicar estes termos. Consideramos os termos e . Para os multiplicar,
colocamos aquele que condensa menos parcelas no lado direito. Este termo é precisamente o
que condensa três parcelas, ao passo que o condensa . O produto dos termos
irá condensar ao todo parcelas. Consideramos ainda todas as permutações do
termo do lado direito, isto é, , e . Fazemos as somas

Como o termos e contribuem com parcelas e o termo contribui com


parcelas, o coeficiente associado a estes dois é , onde no numerador surge a
contribuição do número de parcelas do termo . Já o coeficiente do termo é
, uma vez que no numerador surge a contribuição de e no denominador surge
a contribuição do termo. O produto vale então

Tentemos determinar o produto de com . Ambos contribuem com três termos,


sendo indiferente a ordem da multiplicação. Assim vem

O coeficiente de é e os coeficientes dos outros dois é . O produto


vale

Contudo, e representam o mesmo termo. Logo

Este método condensado de multiplicar resulta da aplicação da propriedade distributiva aos


polinómios e à contagem dos novos termos que se geram.

Vamos dividir o polinómio por . Assim temos

Deste modo vem

Dividimos por , isto é

Então ficamos com

Dividimos o polinómio por para escrevermos


Voltamos a dividir por e assim sucessivamente para escrevermos o polinómio
como uma função polinomial dos simétricos , e , os quais
são precisamente os que descrevemos atrás. Este processo de dividir os sucessivos restos e
quocientes de um polinómio (usando a ordenação lexicográfica) de modo a escrevê-lo como
combinação polinomial dos tem o nome de algoritmo lexicográfico.

As identidades de Newton-Girard
Consideramos o polinómio e vamos dividi-lo como foi feito acima. Começamos a
divisão pelo simétrico . Temos então

Dividimos o termo por para vir

Quando substituímos nesta recorrência, obtemos

Com base nesta notação não é complicado verificar que as identidades se mantêm mesmo
quando estão envolvidos outro número de variáveis. Se representarmos por o polinómio
simétrico

e por o simétrico elementar então obtemos as fórmulas de Girard

desde que consideremos e se . Por exemplo, se e então


temos

A fórmula anterior permite escrever

Como então e a identidade reescreve-se .


A representação dos polinómios simétricos com base nos expoentes constitui uma forma
simples de demonstrar este resultado, como acabámos de ver. Contudo, a demonstração
habitual deste resultado centra-se em resultados de análise, os quais não vamos aqui debater
mas que considero conveniente fazer uma breve descrição. A técnica é interessante e aplicável
a enumeras situações, sendo conhecida como técnica das funções geradoras.

Começamos com a fórmula para a soma de uma progressão geométrica

Se observarmos com atenção, se fizermos então , isto é, aproxima-se de zero.


Isto acontece porque, se multiplicarmos positivo por um número menor do que a unidade,
então obtemos um resultado menor que que continua positivo. Assim concluímos que

isto é,

onde se aproxima de zero sempre que cresce e . Derivamos


para obtermos

Deste modo, é crescente entre e . Se então

Assim

Isto acontece porque é crescente. Integramos ambos os membros da identidade


resultante da progressão geométrica, vindo

Se a quantidade dada pelo integral tende para zero quando aumenta. Vejamos a
relação deste enquadramento com os polinómios simétricos. Partimos da função
Esta identidade é válida para todo o valor de . Em particular, é válida para todos os valores de
sujeitos à relação . Aplicamos logaritmos ao primeiro membro e derivamos

Se usarmos a aproximação que considerámos atrás, vem

Para valores de em a quantidade quando aumenta. se derivarmos


obtemos

Como , a fórmula para a derivada do logaritmo resulta em

Se fizermos obtemos uma identidade válida para qualquer valor de no intervalo em


estudo. Isto acontece caso os coeficientes de em ambos os membros sejam os mesmos, isto
é, quando se verificarem as identidades de Girard.

Esta técnica é frequentemente empregue na demonstração de uma série de resultados.

A identidade dos 6-8-10 de Ramanujan


Para finalizar esta exposição, vamos estudar uma identidade proposta sem prova por
Ramanujan, a qual é deveras peculiar. A sua verificação algébrica é demorada mas, com algum
esforço, é possível mostrar que é válida. O método usado pelo autor na sua descoberta é uma
incógnita. A identidade tem a estranha forma

Escrevemos esta identidade numa outra forma. Começamos por definir como
Se fizermos , e , a identidade supracitada pode ser compactamente
escrita como

Também se verifica que e .

Umas décadas mais tarde, Hirshhorn descobriu a identidade

Com um pouco de esforço algébrico vemos que os polinómios considerados admitem a


factorização (para o mostrar é suficiente verificar quais são os zeros determinar o factor de
escala)

A partir da factorização apresentada é imediata a demonstração das respectivas identidades. É


possível obter outras identidades como

Infelizmente os outros polinómios não admitem factorizações tão simples. Com o recurso a
sistemas algébricos computacionais, isto é, a programas informáticos que auxiliam a
manipulação de extensas expressões algébricas de acordo com as propriedades já discutidas,
podemos procurar constantes , , e de forma que

Como , e são identicamente , então a identidade anterior contém a soma dos termos
cujos índices somam . Avaliamos esta expressão em quatro pontos e obtemos a conjectura

Os valores das constantes obtêm-se por intermédio da resolução dum sistema linear de quatro
equações a quatro incógnitas. Inserindo a equação num sistema algébrico computacional, é
possível provar a sua veracidade.

Com o auxílio deste tipo de sistemas é possível obter um grande número de outras estranhas
identidades algébricas que poderão encontrar aplicações no futuro.

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