Artigo Científico em Revista
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Revista SÍNTESE
Direito Penal e Processual Penal
Ano XVI – nº 95 – Dez-Jan 2016
Diretor Executivo
Elton José Donato
Coordenador Editorial
Cristiano Basaglia
Editora
Herica Eduarda Geromel Vasques
Conselho Editorial
Fernando da Costa Tourinho Filho, Geraldo Batista de Siqueira, Jader Marques,
Luiz Flávio Gomes, Milton Jordão, Neemias Moretti Prudente, Paulo José Iasz de Morais,
René Ariel Dotti, Roger Spode Brutti, Rômulo de Andrade Moreira, Ronaldo Batista Pinto,
Salvador José Barbosa Júnior
Comitê Técnico
Débora de Souza de Almeida, Giovani Agostini Saavedra,
Leonardo Schmitt de Bem, Renata Jardim da Cunha Rieger,
Rogério Montai de Lima
IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda. SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900
R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca Demais localidades 0800.7247900
05036‑060 – São Paulo – SP E-mail: [email protected]
www.sage.com.br Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900
Demais localidades 0800.7283888
Carta do Editor
“Sistema Penitenciário” foi o assunto escolhido para ser tratado na edição
de nº 95 da Revista SÍNTESE Direito Penal e Processual Penal.
Inúmeros fatores culminaram para que vivêssemos um precário sistema
prisional. Um ambiente degradante e pernicioso, acometido dos mais degene-
rados vícios, impossibilita a ressocialização de qualquer ser humano.
O descaso do poder público, o abandono e a falta de investimento ao
longo dos anos vieram por agravar ainda mais o caos chamado “sistema prisio-
nal brasileiro”.
Para tratar do assunto contamos com a brilhante participação dos juris-
tas Caroline Trevisol D’Agostini, Roque Soares Reckziegel, Aladio Anastacio
Dullius e Jackson André Müller Hartmann.
A Revista contou com a publicação de mais quatro doutrinas de diferen-
tes temas do Direito Penal e Processual Penal, além de um ementário com Valor
Agregado Editorial, criteriosamente selecionado e preparado para você, com
Comentários elaborados pela equipe SÍNTESE.
Vale destacarmos, ainda, todo o conteúdo publicado na Parte Geral,
como o ementário e os Acórdãos na Íntegra de diversos Tribunais Regionais e
Superiores.
Publicamos, também, uma peça prática intitulada “Queixa-Crime”, na
Seção Especial “Prática Processual”.
E, por fim, destacamos a seção denominada “Clipping Jurídico”, em que
oferecemos a você, leitor, textos concisos que destacam de forma resumida os
principais acontecimentos do período, tais como Notícias, Projetos de Lei, Nor-
mas Relevantes, dentre outros.
É com prazer que a IOB deseja a você uma ótima leitura!
Eliane Beltramini
Gerente Editorial e de Consultoria
Sumário
Normas Editoriais para Envio de Artigos..................................................................... 7
Assunto Especial
Sistema Penitenciário
Doutrinas
1. O Método Apac e a Humanização do Sistema Penitenciário Brasileiro
Caroline Trevisol D’Agostini e Roque Soares Reckziegel.............................9
2. Análise do Sistema Prisional Brasileiro
Aladio Anastacio Dullius e Jackson André Müller Hartmann.....................33
Acórdãos na Íntegra
1. Acórdão na íntegra (STJ)............................................................................57
2. Ementário de Jurisprudência......................................................................64
Parte Geral
Doutrinas
1. O Princípio da Confiança na Teoria da Imputação Objetiva: Análise de
Casos Julgados pelos Tribunais Superiores Brasileiros
Marcelo Marcante, Ruiz Ritter e Raul Marques Linhares...........................67
2. Absolvição do Réu ou Cassação da Sentença: a Ordem de Apreciação
e de Exposição das Matérias em Sede de Apelação no Processo Penal
William Akerman Gomes..........................................................................82
3. Interpretação Judicial Criativa em Direito Penal: da Teoria à Prática
Chiavelli Facenda Falavigno...................................................................104
4. Audiências de Custódia como Garantia dos Direitos Fundamentais
do Acusado e Concretização de Política Pública Eficiente na Área
de Segurança
Rafael Niebuhr Maia de Oliveira e Welligton Jacó Messias.....................114
Jurisprudência
Acórdãos na Íntegra
1. Superior Tribunal de Justiça....................................................................132
2. Superior Tribunal de Justiça....................................................................149
3. Tribunal Regional Federal da 1ª Região...................................................157
4. Tribunal Regional Federal da 2ª Região...................................................161
5. Tribunal Regional Federal da 3ª Região...................................................168
6. Tribunal Regional Federal da 4ª Região...................................................184
7. Tribunal Regional Federal da 5ª Região...................................................195
Ementário de jurisprudência
1. Ementário de Jurisprudência.................................................................... 201
Seção Especial
Prática Processual
1. Queixa-Crime
Newton Torres dos Santos Cruz..............................................................234
Clipping Jurídico...............................................................................................240
Índice Alfabético e Remissivo.............................................................................. 245
Normas Editoriais para Envio de Artigos
1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-
cados em sua área temática.
2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação
do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas
publicações.
3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da
Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e,
também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.
4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-
vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que
com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da
Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem
outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.
5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.
6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-
dicos da SÍNTESE.
7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos
artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.
8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-
TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os
pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.
9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou
expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa
ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-
das por ponto.
10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e
“KEYWORDS”.
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co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este
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meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos
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em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.
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rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).
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Assunto Especial – Doutrina
Sistema Penitenciário
RESUMO: O presente trabalho faz uma abordagem sobre a atual situação do Sistema Penitenciário
brasileiro, e aponta uma solução para a questão carcerária. Analisa-se, por meio de um estudo de
caso do Presídio Central de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, como os detentos vivem nos dias de
hoje, e como o Estado pretende resolver a questão da superlotação carcerária. Levanta-se o proble-
ma da saúde, da higiene, dos maus tratos a que os presidiários são submetidos, e de outros pontos
de bastante relevância, que devem ser apurados para preservar a dignidade da pessoa do conde-
nado. Por fim, aponta-se uma solução para tal problemática, já utilizada em diversos Estados e que
vem apresentando resultados positivos: o Método Apac, cuja sigla significa Associação de Proteção
e Assistência ao Condenado. Faz-se uma abordagem acerca de seus fundamentos, seus elementos
e os resultados que apresenta na prática, a fim de averiguar se, realmente, pode vir a ser uma saída
para o problema da falência da pena de prisão.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Estudo de caso: Presídio Central de Porto Alegre/RS; 1.1 CPI do sistema
carcerário – 2009; 2 O Método Apac como pena alternativa ao sistema tradicional; 2.1 Fundamentos
e elementos; 2.2 A Apac e a lei; 2.3 Resultados do método Apac; Referências.
INTRODUÇÃO
Em razão do aumento da criminalidade e, consequentemente, do nú-
mero de reclusos no Brasil, a questão penitenciária tem sido alvo de diversas
discussões e debates entre juristas e penalistas em todo o País. Questões como a
1 Artigo apresentado no dia 14.07.2015 como Trabalho de Conclusão de Curso, sendo requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, pelo Curso de Direito da Faculdade Dom Bosco
de Porto Alegre. Banca composta pelos Professores e Mestres Fabiano Kingeski Clementel e Renata Jardim da
Cunha Rieger, e pelo Professor orientador e coautor Roque Soares Reckziegel.
10 R�������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
2 Brasileiro, natural de Barra Bonita (SP), nascido em 11 de setembro de 1931. Fundador da Apac de São José
dos Campos, na qual desenvolveu o inédito método de recuperação de presos, com repercussão internacional
pelo baixo índice de reincidência que apresenta. Recebeu o prêmio Patrimônio Humano de São José dos
Campos, outorgado pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo, entre outras honrarias e distinções.
3 NETO, Murilo César Coaracy Muniz. Método Apac de Administração de Presídios: Estudo sobre uma
alternativa ao Sistema Prisional Tradicional. Trabalho de Conclusão de Curso. 2011. Faculdade de
Direito do Centro de Universitário de Brasília – UniCeub. Disponível em: <http://repositorio.uniceub.br/
bitstream/123456789/400/3/20709320.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2015.
4 Idem.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 11
(RS), este já considerado o pior da América Latina5. Analisaremos sob a ótica
dos Direitos Humanos, buscando uma alternativa eficaz para melhorarmos a
atual situação carcerária brasileira, bem como o tratamento do indivíduo en-
carcerado.
Faremos um estudo de caso do Presídio Central de Porto Alegre, do Rio
Grande do Sul. Veremos desde a sua estrutura até o modo como os detentos
vivem; os resultados da Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carce-
rário, que diligenciou 18 Estados e mais de 60 unidades, classificando o PCPA
como o pior deles6, e também os motivos que levaram entidades a representar
contra a República Federativa do Brasil, pela violação dos direitos humanos no
PCPA, perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Orga-
nização dos Estados Americanos)7.
Por fim, apresentaremos uma das soluções existentes para a situação pre-
cária do Sistema Penitenciário brasileiro: o Método Apac. Veremos como surgiu
a ideia e quais os seus principais elementos, bem como o seu funcionamento
na prática. Será que um estabelecimento sem a intervenção do Estado no geren-
ciamento é capaz de lidar com detentos que praticaram diferentes delitos? Pois
uma das frases bastante utilizada na Apac já responde: “aqui entra o homem, o
delito fica lá fora”.
O objetivo maior é estudar um meio eficaz de cumprimento de pena, em
que o detento a cumpra e ao mesmo tempo se recupere. Que entenda que não
é o fim, e que ainda há uma chance de fazer diferente. Na Apac eles encontram
essa segunda chance.
5 CÂMARA dos Deputados. CPI Sistema Carcerário. Brasília, 2009. Disponível em: <http://bd.camara.gov.br>.
Acesso em: 1º jun. 2015. p. 169.
6 Idem.
7 AJURIS – Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Representação: violação dos direitos humanos no
Presídio Central de Porto Alegre. Porto Alegre, 2013. Disponível em: <http://www.ajuris.org.br>. Acesso em:
2 jun. 2015.
8 CÂMARA dos Deputados. CPI Sistema Carcerário. Brasília, 2009. Disponível em: <http://bd.camara.gov.br>.
Acesso em: 1º jun. 2015.
12 R�������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
zentos alojamentos, com celas individuais para um número máximo de 600
presos9, o que jamais fora concretizado.
Na última atualização da Susepe (Superintendência dos Serviços Peni-
tenciários), do dia 03.02.2015, o Presídio Central de Porto Alegre, Rio Grande
do Sul, contabilizava uma população carcerária de 3.740 presos, em que pese
comportar apenas 1.82410. Por pior que possa parecer, ainda estamos diante de
um dos números mais otimistas dos últimos anos. Em 2009, quando houve a
CPI do Sistema Carcerário brasileiro, que abordaremos em tópico particular, o
PCPA abrigava 4.235 detentos, e tinha vagas para apenas 1.565. A superlotação
era de cerca de 200% (duzentos por cento). Além disso, de todos estes presi-
diários, somente cerca de 1.700 estavam condenados, sendo o restante presos
provisórios, aguardando julgamento11.
9 AJURIS – Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Representação: violação dos direitos humanos no
Presídio Central de Porto Alegre. Porto Alegre, 2013. Disponível em: <http://www.ajuris.org.br>. Acesso em:
1º jun. 2015.
10 SUSEPE – Superintendência dos Serviços Penitenciários. Disponível em: <http://www.susepe.rs.gov.br/
conteudo.php?cod_menu=39>. Acesso em: 1º jun. 2015.
11 CÂMARA DOS DEPUTADOS. CPI Sistema Carcerário. Brasília, 2009. Disponível em: <http://bd.camara.gov.
br>: Acesso em: 1º jun. 2015. p. 167.
12 Idem.
13 Idem.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 13
absurda e desumana. Um descaso! Fios expostos em todas as paredes, grades
enferrujadas, esgoto escorrendo pelas paredes, despejado no pátio. Sujeira e po-
dridão fazem parte do cenário. A visão é tenebrosa. [...]. (Câmara dos Deputados,
2009)
14 CÂMARA DOS DEPUTADOS. CPI Sistema Carcerário. Brasília, 2009. Disponível em: <http://bd.camara.gov.
br>. Acesso em: 1º jun. 2015. p. 169.
15 Idem.
16 BRUNO, Marcos. Justiça confirma que vídeo mostrando presos em fila para usar cocaína foi no Presídio
Central. Rádio Gaúcha, ClicRBS. Porto Alegre, 29 dez. 2014. Disponível em: <http://gaucha.clicrbs.com.
br/rs/noticia-aberta/justica-confirma-que-video-mostrando-presos-em-fila-para-usar-cocaina-foi-no-presidio-
central-126650.html>. Acesso em 1º jun. 2015.
17 ROSA, Eduardo; DORNELLES, Renato. Com scanner corporal, apreensão de drogas no Presídio Central
cresce 300%. Diário Gaúcho. Porto Alegre, 25 abr. 2015. Disponível em: <http://diariogaucho.clicrbs.
com.br/rs/policia/noticia/2015/04/com-scanner-corporal-apreensao-de-drogas-no-presidio-central-
cresce-300-4747564.html>. Acesso em: 1º jun. 2015.
14 R�������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
visto que os presos não têm acesso a todos os pátios, e muitos objetos não che-
gam até eles18.
Apesar de todos os dados expostos, o que classificou o Presídio Central
de Porto Alegre como o primeiro colocado no ranking das dez piores unidades
prisionais do Brasil foi a detectação das condições subumanas de encarcera-
mento. As celas em que vivem os detentos foram bastante criticadas, e os pou-
cos presos que falaram alertaram sobre os maus tratos a que são submetidos
rotineiramente, com cassetetes de madeira e tiros de balas de borracha19.
Decidiu-se, ao concluir o inquérito, por responsabilizar o Estado do Rio
Grande do Sul “pela omissão no cumprimento da legislação aplicável à espécie,
pelas históricas e continuadas violações aos direitos humanos dos encarcerados
e pela precariedade do sistema prisional brasileiro”20. Todos os Juízes de Execu-
ção, Promotores de Execução, Defensores Públicos e Comandante da Brigada
Militar com atuação no PCPA nos últimos oito anos foram responsabilizados
pela Comissão Parlamentar de Inquérito pela “violação dos direitos atinentes à
pessoa humana e aos direitos dos presos”21.
Por fim, foram recomendadas as seguintes providências em relação ao
PCPA:
a) proibição de ingresso de novos presos; b) interdição imediata dos pavilhões
que estão sem condições de acomodar presos; c) desativação do estabelecimento
em face da evidente falta de estrutura para a execução da pena; e recomendar
que sejam designados gestores civis para o Presídio Central de Porto Alegre.22
18 Idem.
19 CÂMARA DOS DEPUTADOS. CPI Sistema Carcerário. Brasília, 2009. Disponível em: <http://bd.camara.gov.
br>. Acesso em: 1º jun. 2015. p. 169.
20 CÂMARA DOS DEPUTADOS. CPI Sistema Carcerário. Brasília, 2009. Disponível em: <http://bd.camara.gov.
br>. Acesso em: 1º jun. 2015. p. 485.
21 CÂMARA DOS DEPUTADOS. CPI Sistema Carcerário. Brasília, 2009. Disponível em: <http://bd.camara.gov.
br>. Acesso em: 1º jun. 2015. p. 514.
22 CÂMARA DOS DEPUTADOS. CPI Sistema Carcerário. Brasília, 2009. Disponível em: <http://bd.camara.gov.
br>. Acesso em: 1º jun. 2015. p. 491.
23 Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – Ajuris; Associação do Ministério Público do Rio Grande do
Sul – AMPRS; Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio Grande do SUL – Adpergs; Conselho
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 15
Federativa do Brasil, pela violação dos direitos humanos no PCPA, perante a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Esta-
dos Americanos)24.
O arquivo relata em suas 104 páginas todas as precariedades do presídio,
juntando fotos chocantes de detentos mortos, doentes e dos seus “aposentos”
imundos. Postula-se a intervenção urgente da Comissão na situação do presídio,
e diversas medidas cautelares, como a vedação ao ingresso de novos detentos
no estabelecimento, a separação entre os presos provisórios e condenados, o
acesso de todos os detentos ao trabalho e à educação, entre outros25. Até hoje,
entretanto, nada foi feito, apesar de as medidas cautelares terem sido deferidas.
Quanto à infraestrutura, há destaque para a falta de espaço nas celas. Nas
galerias que foram construídas para abrigar 100 detentos, espremem-se 470. Por
meio do relato do Juiz da Vara de Execuções Penais de Porto Alegre, Sidinei
Brzuska, cujo depoimento consta na representação e é citado diversas vezes,
podemos ter uma ideia do que os presidiários passam no dia a dia:
Esses presos, na ausência de camas, são obrigados a dormir no chão, em col-
chões de espuma, ou a improvisar “camas aéreas”, feitas de uma trama de pano
e plástico, já que nem mesmo o chão da galeria é suficiente para todos. [...]
Os banheiros adaptados no centro das celas para oito pessoas (não previstos no
projeto original do prédio) passaram a infiltrar para o andar debaixo das galerias.
Para evitar o esgoto dos vasos sanitários das galerias superiores, os presos fixam
sacos plásticos no teto, canalizando-os com garrafas plásticas até as janelas que
dão para o pátio interno.
Por se tratar de banheiros adaptados, a sua canalização é externa e corre na late-
ral do prédio até a rede coletora. Com uma superlotação de centenas de pessoas,
esses canos foram entupindo. O desentupimento se deu por meio da quebra dos
canos. Como consequência, a descarga dos vasos sanitários faz com que os de-
jetos cloacais de centenas de pessoas caiam no pátio interno. A cena é verdadei-
ramente grotesca! Canos rompidos e destruídos pelo tempo fazem com que, nos
pátios, os esgotos corram a céu aberto. Essa miséria é “amenizada” com algumas
valas para dar maior vazão ao escoamento. Noutros pontos, cobertores chegam
a ser usados para conter as fezes humanas advindas dos banheiros das galerias.26
Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul – Cremers; Conselho da Comunidade para Assistência
aos Apenados das Casas Prisionais Pertencentes às Jurisdições da Vara De Execuções Criminais e Vara De
Execução de Penas e Medidas Alternativas de Porto Alegre; Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de
Engenharia – Ibape; Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais – Itec; Themis Assessoria Jurídica e
Estudos de Gênero.
24 AJURIS – Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Representação: violação dos direitos humanos no
Presídio Central de Porto Alegre. Porto Alegre, 2013. Disponível em: <http://www.ajuris.org.br>. Acesso em:
2 jun. 2015.
25 Idem.
26 Sidinei José Brzuska, Juiz da Vara de Execuções Penais de Porto Alegre. Representação pela violação dos
direitos humanos no Presídio Central de Porto Alegre (PCPA) com pedido de medidas cautelares, oferecido
16 R�������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
No mesmo sentido é a crítica à rede elétrica do estabelecimento, que
coloca todos os detentos em perigo de morte constantemente. Pelo fato de a co-
zinha do presídio não possuir condições de atender a todos os apenados, visto
que havia sido construída para alimentar cerca de 1,5 mil, foram improvisadas
pelos presos “cozinhas artesanais”, com “fogões elétricos, alimentados por li-
gações elétricas clandestinas”. Tais ligações também são utilizadas para outros
fins, como para puxar energia para televisões, rádios, chuveiros e aquecedores
de água, acarretando em uma trama de fios improvisados e alarmando o risco
para incêndios27. A imagem a seguir foi juntada no arquivo da representação:
perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 10 de janeiro de 2013. Disponível em: <http://
www.ajuris.org.br/sitenovo/wp-content/uploads/2013/05/representacao_oea.pdf>. Acesso em: 3 jun. 2015.
27 AJURIS – Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Representação: violação dos direitos humanos no
Presídio Central de Porto Alegre. Porto Alegre, 2013. Disponível em: <http://www.ajuris.org.br>. Acesso em:
2 jun. 2015.
28 Idem.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 17
Detentos Airton da Silva e Adriano Noggi de Oliveira. Fotos tiradas em 29.10.2011 e 19.06.2009,
respectivamente.
Criou-se, então, uma entidade civil de direito privado, sem fins lucrati-
vos, que adota o trabalho voluntário como principal fonte de sobrevivência. O
Estado somente repassa verbas para alimentação dos recuperandos. Não há po-
liciamento ou seguranças, visto que a segurança da casa prisional é feita pelos
próprios presos ou pelos funcionários (que não são funcionários públicos). É um
trabalho baseado na confiança depositada no recuperando, e vem apresentan-
do um resultado incentivador!
No mesmo ano, o Doutor Sílvio Marques Neto, devido à necessidade de
novas vagas para o crescente número de detentos, decidiu transferir a gerência
do presídio de Humaitá para aquela equipe, que aceitou o encargo de reformar
a prisão e dirigi-la, com o apoio da comunidade, do Doutor Mário Ottoboni e
29 OTTOBONI, Mário; NETO, Sílvio Marques. Cristo chorou no cárcere. 1. ed. São Paulo: Paulinas, 1976.
30 Idem.
31 Idem.
32 Idem, p. 73.
33 Idem, p. 36.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 19
do Doutor Franz de Castro Holzwarth, Presidente e Vice-Presidente, respecti-
vamente34. Em 1981, durante uma rebelião no presídio de Jacareí, São Paulo,
no qual Franz de Castro dava assistência aos presos, o mesmo foi vítima de um
tiroteio, falecendo no dia 14 de fevereiro.
A intenção da Apac, e também o seu lema, é “matar o criminoso, sal-
vando o homem”. É desprezar o erro, mas amar os que erram. Trata-se de uma
busca incessante pela salvação do homem que cometeu ato ilícito, e para isso,
conta com a religião como fator de base e a valorização humana. Aqui, não se
fala em imposição de um tipo de religião; trata-se de conscientizar o recuperan-
do da necessidade de o homem crer em algo superior e na libertação que este
o concederá35.
Outro elemento utilizado pela Apac é a participação dos próprios recu-
perandos, um detento cuidando do outro. O preso mais conscientizado fica
responsável pelo mais hesitante, fazendo escoltas e o acompanhando nas visitas
a médicos, velórios, dentistas, etc. Essa participação faz com que o recuperando
desenvolva um sentimento de responsabilidade para assumir novos encargos na
comunidade, e também aguça sua autoconfiança. O terceiro e último elemento,
mas não menos importante, é a participação da família no processo reabilitador,
que também passa por um procedimento de conscientização para formar uma
base mais sólida ao recuperando quando liberto36.
O fundador Mário Ottoboni, em sua obra Ninguém é Irrecuperável, cita
a tríplice finalidade da Apac:
1. É o órgão auxiliar da Justiça, subordinado ao Juiz das Execuções,
destinado a preparar o preso para voltar ao convívio social. Aplica
a metodologia própria, cumprindo, assim, a finalidade pedagógica
da pena.
2. Protege a sociedade, devolvendo ao seu convívio apenas homens
em condições de respeitá-la. Fiscaliza o cumprimento da pena e
opina sobre a conveniência da concessão de benefícios e favores
penitenciários, bem como sobre sua revogação.
3. É o órgão de proteção aos condenados, no que concerne aos direitos
humanos e de assistência, na forma prevista em Lei, desenvolvendo
um trabalho que se estende, à medida do possível, aos familiares,
eliminando a fonte geradora de novos criminosos e evitando que
34 BUTELLI, Karyne Aranha Diniz. Projeto novos rumos na execução penal e o Método Apac – uma abordagem
jurídica e filosófica acerca da eficácia da Lei nº 7.210/1984. 2011. Trabalho de Conclusão de Curso.
Faculdade de Direito, Escola de Direito do Centro Universitário da Cidade – UniverCidade. Disponível em:
<http://apac-brasil.blogspot.com/>. Acesso em: 10 jun. 2015.
35 Idem.
36 OTTOBONI, Mário; NETO, Sílvio Marques. Op. cit.
20 R�������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
os rigores da pena extrapolem a pessoa do condenado. (Ottoboni,
1997, p. 34)
2.1.4 A religião
No Método Apac, a religião é fator determinante para a recuperação do
preso, mas, assim como o trabalho, não funciona sozinha. A experiência de
amar e ser amado, de saber que não se está só no mundo, e que Deus olha por
nós, traz ao recuperando um sentimento de paz, de confiança.
Não se prega uma determinada religião, mas sim um Deus que não falha.
É uma chance ao detento para que recomece, por meio do perdão de seus pe-
cados e do preenchimento de seu coração.
2.1.8 A família
Ter o apoio da família durante a recuperação do condenado é fundamen-
tal para o bom funcionamento do Método Apac, e bastante incentivada pelo
órgão. O contato entre o recuperando e seu familiar é frequente, tendo direito a
ligações diárias, a escrever cartas etc.53.
Nas datas festivas, como Natal, dia das mães, dia dos pais, dia das crian-
ças, é permitido que os familiares participem das comemorações, possibilitando
momentos felizes aos recuperandos54.
No Método Apac não se trabalha apenas a recuperação do condenado,
mas também a de sua família, que, na maioria dos casos, é desestruturada e
fonte dessa criminalidade. Em razão disso, ambos passam por um programa de
recuperação, aumentando a probabilidade de êxito na transformação do recu-
perando55.
Visitas íntimas familiares também são permitidas quinzenalmente, du-
rante um horário previamente estipulado, e de acordo com as regras internas
56 Idem.
57 Idem.
58 FBAC – Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados. Disponível em: <http://www.fbac.org.br/
index.php/pt/institucional/metodo-apac/educador-social-e-o-curso-para-sua-formacao>. Acesso em: 11 jun.
2015.
59 BUTELLI, Karyne Aranha Diniz. Projeto novos rumos na execução penal e o Método Apac – uma abordagem
jurídica e filosófica acerca da eficácia da Lei nº 7.210/1984. 2011. Trabalho de Conclusão de Curso.
Faculdade de Direito, Escola de Direito do Centro Universitário da Cidade – UniverCidade. Disponível em:
<http://apac-brasil.blogspot.com/>. Acesso em: 11 jun. 2015.
60 FBAC – Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados. Disponível em: <http://www.fbac.org.br/
index.php/pt/institucional/metodo-apac/centro-de-reintegracao-social>. Acesso em: 11 jun. 2015.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 27
O estabelecimento oferece ao recuperando a oportunidade de cumprir
a sua pena perto de seu núcleo familiar e afetivo, a fim de fortalecer seus laços
familiares e favorecer sua reintegração social61.
2.1.11 Mérito
No Método Apac, cada recuperando possui uma pasta-prontuário, em
que são anotadas todas as tarefas desempenhadas, elogios e advertências rece-
bidas, suas saídas etc. Isso se dá para apurar o seu mérito e analisar a possibili-
dade de progressão nos regimes62.
Para essa apuração criou-se uma Comissão Técnica de Classificação
(CTC),
composta de profissionais ligados à metodologia, seja para classificar o recupe-
rando quanto à necessidade de receber tratamento individualizado, seja para
recomendar, quando possível e necessário, os exames exigidos para a progressão
de regimes e, inclusive, cessação de periculosidade e insanidade mental.63
61 BUTELLI, Karyne Aranha Diniz. Projeto novos rumos na execução penal e o Método Apac – uma abordagem
jurídica e filosófica acerca da eficácia da Lei nº 7.210/1984. 2011. Trabalho de Conclusão de Curso.
Faculdade de Direito, Escola de Direito do Centro Universitário da Cidade – UniverCidade. Disponível em:
<http://apac-brasil.blogspot.com/>. Acesso em: 11 jun. 2015.
62 Idem.
63 FBAC – Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados. Disponível em: <http://www.fbac.org.br/
index.php/pt/institucional/metodo-apac/merito>. Acesso em: 11 jun. 2015.
64 Idem.
65 BUTELLI, Karyne Aranha Diniz. Projeto novos rumos na execução penal e o Método Apac – uma abordagem
jurídica e filosófica acerca da eficácia da Lei nº 7.210/1984. 2011. Trabalho de Conclusão de Curso.
Faculdade de Direito, Escola de Direito do Centro Universitário da Cidade – UniverCidade. Disponível em:
<http://apac-brasil.blogspot.com/>. Acesso em: 11 jun. 2015.
28 R�������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
utilizados condizem com as obrigações da LEP em todos os pontos, muitos já
citados no presente trabalho.
Com relação à capacidade, o art. 85 da referida Lei diz que “o estabele-
cimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade”,
e é seguido à risca dentro dos estabelecimentos da Apac. Além disso, todas as
formas de assistência que deveriam ser prestadas pelo Estado em favor do preso
são supridas nas Apacs, quais sejam assistência material, à saúde, jurídica, edu-
cacional, social e religiosa, conforme art. 11 da Lei de Execução Penal.
Seguindo nessa mesma linha, o direito ao trabalho do preso também é
respeitado, obedecendo sua dupla função, educativa e produtiva, conforme dis-
põe o art. 28 da LEP. A comunidade também cumpre sua função, auxiliando no
desenvolvimento da Apac e na recuperação dos detentos, em total comunhão
com o art. 4º da mesma Lei.
Se observarmos os doze pilares do Método Apac, citados anteriormente,
veremos que todos eles se baseiam na Lei de Execução Penal, e foram pensados
em benefício do recuperando e da sociedade, que receberá esse detento trans-
formado.
Em contrapartida, os presídios convencionais não possuem, hoje, capaci-
dade de aplicar eficiência à Lei de Execução Penal, o que resulta na atual crise
que estamos vivendo. Enquanto houver desrespeito à dignidade da pessoa hu-
mana e maus tratos dentro das unidades prisionais, nunca haverá a recuperação
do condenado, e a criminalidade irá continuar aumentando.
Ante o exposto, verificamos que a Lei de Execução Penal, na teoria, é
bastante eficaz, mas na prática está longe de alcançar seus objetivos. No mé-
todo apaqueano, os resultados são diferentes: o condenado cumpre a sua pena
enquanto passa por um processo de recuperação, e volta à sociedade trans-
formado, o que é confirmado pelo baixo índice de reincidência que o método
alcança66.
66 Idem.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 29
Grosso, com uma unidade; e Rio Grande do Sul, que implementa sua primeira
unidade em Canoas67.
A Apac se tornou assunto internacional quando, no ano de 1986, se filiou
a Prision Fellowship International (PFI), órgão consultivo da ONU para assuntos
penitenciários. A partir de então, passou a ser divulgado mundialmente, causan-
do interesse em diversos lugares68.
Em 1991, por meio de um relatório publicado nos Estados Unidos, foi
reconhecido que o Método Apac poderia ser aplicado em qualquer lugar do
mundo, que teria sucesso. Depois disso, o interesse se multiplicou69.
Já adotaram o Método Apac Alemanha, Bulgária, Cingapura, Chile, Cos-
ta Rica, Equador, El Salvador, Eslováquia, Estados Unidos, Inglaterra, País de
Gales, Honduras, Latvia, Malawi, México, Moldávia, Namíbia, Nova Zelândia
e Noruega70. E o objetivo é que se espalhe ainda mais.
De acordo com o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que
possui o maior número de unidades da Apac, os índices de reincidência entre
os egressos é de aproximadamente 15%. Nos presídios convencionais, entre-
tanto, este número aumenta para cerca de 70%. Ainda: em mais de 40 anos de
funcionamento, nunca houve registro de rebelião ou assassinato nas Apacs71.
A questão financeira também é levada em conta: pesquisas apontam que,
na Apac, cada recuperando tem custado 1/3 do valor gasto nos estabelecimen-
tos prisionais convencionais72, mesmo oferecendo materiais e alimentos que os
presídios comuns não fornecem. Em 2013, o custo do preso no sistema con-
vencional era cerca de R$ 2.220,00, enquanto que, no método Apac, era de
R$ 650,0073.
Entretanto, o principal resultado do método apaqueano é a mudança na
vida de cada recuperando, que tem sua dignidade preservada e sua existência
valorizada. É possível, por meio de documentários, ver o quanto os próprios
E é por esses resultados que o Método Apac vem sendo cada vez mais co-
gitado pela administração pública como uma alternativa ao modelo tradicional
de presídios. Uma alternativa que visa não somente o integral cumprimento da
pena pelo condenado, mas sua recuperação e ressocialização.
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75 VILELA, Flávio Pereira. Documentário APAC: do amor ninguém foge. Viçosa, Minas Gerais, 2013.
Entrevista concedida a Thaíssa Cristina Vaz Pereira. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=nK9cMNakJs0>. Acesso em: 11 jun. 2015.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 31
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do Apac – uma abordagem jurídica e filosófica acerca da eficácia da Lei
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Assunto Especial – Doutrina
Sistema Penitenciário
RESUMO: O presente trabalho de pesquisa faz uma análise do sistema carcerário e de sua evolu-
ção até chegar aos dias atuais. Traz as conceituações dos estabelecimentos prisionais, buscando
identificar as diferenças entre os modelos adotados, conforme opinião de estudiosos que visitaram
prisões em diferentes partes do mundo. Discute brevemente a atual falência do sistema penitenciá-
rio, buscando levantar os maiores problemas que assolam as casas de recuperação em nosso País,
como a saúde precária, a superpopulação, o poder paralelo, bem como a visão da sociedade atual,
no tocante ao preso, a pena de morte e o estabelecimento penitenciário. Nessa perspectiva, tece
algumas considerações e reflexões acerca desse fenômeno em nosso País, igualmente analisando o
seu surgimento, a sua evolução e, por fim, o atual estágio em que se encontra.
RESUMEN: La investigación analiza el sistema penitenciario, su evolución hasta nuestros días. Trae
los conceptos de las prisiones, tratando de identificar las diferencias entre los modelos, según la
opinión de los expertos que visitaron cárceles en diferentes partes del mundo. Explica brevemente el
actual fracaso del sistema penitenciario, buscando elevar los mayores problemas que plagan la casa
a mitad de camino en nuestro país como la mala salud, la energía hacinamiento, en paralelo, así como
la visión de la sociedad moderna en relación con el prisionero, la pena de muerte y de la institución
penal. Desde esta perspectiva, y ofrece algunas reflexiones sobre este fenómeno en nuestro país
también, el examen de su aparición, su evolución y, por último, la etapa actual en la que se encuentra.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Discussão geral do sistema prisional; 1.1 Breve histórico do sistema pri-
sional; 1.2 Conceito de estabelecimentos prisionais; 1.3 Principais diferenças entre os sistemas
prisionais; 2 Sistema prisional brasileiro: maiores problemas e a visão da sociedade; 2.1 Maiores
problemas do sistema prisional brasileiro; 2.2.A visão da sociedade brasileira a respeito do tema;
2.3 Dignidade da pessoa humana e garantias do preso; Conclusão; Referências.
34 R�������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
INTRODUÇÃO
A prática punitiva dos povos passa constantemente por transformações,
segundo a realidade política e econômica vigente, a qual aponta, por meio de
um regramento jurídico, os movimentos deste sistema, ou seja, a vida neste am-
biente, se haverá e quando haverá investimento na sua melhoria e adequação à
realidade e necessidade.
O sistema penitenciário brasileiro encontra inúmeras dificuldades na atu-
alidade, tendo em vista o total abandono por parte das autoridades responsá-
veis, dificuldades essas que serão palco de estudo.
Para tanto, em um primeiro momento, analisa-se a história das peniten-
ciárias, uma conceituação genérica dos estabelecimentos penitenciários, um
apontamento das diferenças entre prisões de alguns países, até chegarmos aos
principais problemas que afligem o modelo adotado pelo nosso Estado.
Em uma segunda abordagem, discutir-se-á, com base em dados e esta-
tísticas e apoiando-se na doutrina e na jurisprudência, os maiores problemas
enfrentados pelas casas de recuperação brasileiras, a visão da sociedade acerca
do preso, da prisão e da aplicação de penas extremas.
Neste sentido, este estudo pretende fazer uma reflexão acerca do modelo
prisional aderido pelo Estado brasileiro, tendo em vista traçar um perfil deste
com base na sua evolução e atualidade, fazendo comparativos com outros mo-
delos e dados do sistema pátrio.
Para atingir este objetivo, no primeiro capítulo serão abordados um breve
histórico do sistema prisional, conceitos sobre os estabelecimentos prisionais e
as diferenças entre eles; já no segundo capítulo faremos uma análise dos maio-
res problemas do sistema prisional brasileiro, incluindo a visão da sociedade
brasileira e um relato sobre as garantias do preso e a dignidade da pessoa hu-
mana.
Cabe colocar que em momento algum se busca, neste trabalho, esgotar
as questões concernentes aos institutos in foco. Nosso interesse é unicamen-
te apresentar uma abordagem breve e sucinta sobre os temas elencados, com
apoio na doutrina e legislação pertinentes e entendimento dos tribunais.
O método é dedutivo e a pesquisa será bibliográfica.
Nos Estados Unidos, por sua vez, existe apenas uma instituição responsá-
vel pela área de segurança de cada cidade. Escolhido pela população, o deno-
minado “xerife” cuida tanto do policiamento ostensivo quanto da polícia inves-
tigativa e também da guarda e acautelamento dos presos. Lá, o detento tem que
ser ouvido em até 24 horas pelo juiz, que fica em um setor ao lado da unidade
prisional, que é denominada Corte (JusBrasil, 2009).
Nas palavras de Assis (2007, p. 3), o sistema norte-americano divide-se
em três, conforme aponta:
Os sistemas penitenciários podem ser basicamente divididos em três, os quais,
numa sequência evolutiva, foram o pensilvânico, o auburniano e o progressivo.
Quando a Colônia da Pensilvânia (então uma das Treze Colônias inglesas na
América) foi criada em 1681 ela tinha como objetivo atenuar a dureza da le-
gislação penal inglesa. A cominação da pena de morte foi limitada ao crime de
homicídio e também foram substituídas as penas de castigos físicos e de mutila-
ções pelas penas privativas de liberdade e de trabalhos forçados, que em 1786
vieram finalmente a ser abolidos, persistindo então apenas a do encarceramento.
[...] O sistema penitenciário auburniano surgiu da necessidade de se superar as
limitações e os defeitos do regime pensilvânico. A sua denominação decorre da
construção da prisão de Auburn, em 1816, na qual os prisioneiros eram divididos
em categorias, sendo que aqueles que possuíam um potencial maior de recupe-
ração somente eram isolados durante o período noturno, sendo-lhes permitidos
trabalharem juntos durante o dia [...] A adoção do regime progressivo coincidiu
com a ideia da consolidação da pena privativa de liberdade como instituto penal
(em substituição à pena de deportação e à de trabalhos forçados) e da necessida-
de da busca de uma reabilitação do preso.
7486
EMENTA
EXECUÇÃO PENAL – HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO –
INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – PACIENTE CONDENADA AO CUMPRIMENTO DE PENA
PRIVATIVA DE LIBERDADE INICIALMENTE NO REGIME FECHADO – PROGRESSÃO PARA
O REGIME SEMIABERTO – INEXISTÊNCIA DE VAGA – CONSTRANGIMENTO ILEGAL
EVIDENCIADO – WRIT NÃO CONHECIDO – ORDEM, CONTUDO, CONCEDIDA DE OFÍCIO
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira
Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e
sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade
quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria,
sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos
de flagrante ilegalidade.
2. No caso concreto, sustenta a defesa, em síntese, que a falta de vaga
em estabelecimento prisional compatível com o regime semiaberto, por
deficiência do sistema penitenciário, não pode prejudicar a paciente,
forçando-a ao cumprimento da pena em situação mais gravosa, pois tal
medida fere o princípio da dignidade da pessoa humana.
3. Com efeito, é assente nesta Corte Superior o entendimento que, em
caso de falta de vagas em estabelecimento prisional adequado ao cum-
primento da pena no regime semiaberto, deve-se conceder ao apenado,
em caráter excepcional, o cumprimento da pena em regime aberto, ou,
na falta de vaga em casa de albergado, em regime domiciliar, até o surgi-
mento de vagas no regime apropriado.
58 R��������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
4. Habeas corpus não conhecido. Contudo, ordem concedida de ofício,
confirmando a liminar deferida, para restabelecer, em caráter definitivo,
a decisão proferida pelo Juízo da Vara de Execuções Criminais, que de-
terminou a inclusão da paciente no sistema de monitoramento eletrônico
(tornozeleira).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indica-
das, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, não conhecer do pedido e conceder Habeas Corpus de ofício,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Newton Trisotto
(Desembargador Convocado do TJ/SC), Leopoldo de Arruda Raposo (Desembar-
gador convocado do TJ/PE), Felix Fischer e Gurgel de Faria votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Brasília (DF), 15 de setembro de 2015 (data do Julgamento).
RELATÓRIO
O Exmo. Senhor Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (Relator):
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado pela Defen-
soria Pública em benefício de Rosane da Silva contra acórdão proferido pelo
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no julgamento do Agravo
em Execução nº 0016142-50.2015.8.21.7000.
Consta dos autos que o Juízo da Vara de Execuções Penais de Caxias do
Sul/RS deferiu à paciente, em razão da ausência de vaga no regime semiaber-
to, sua inclusão no sistema de monitoramento eletrônico (tornozeleira) [e-STJ
fls. 111/115].
Inconformado, o Ministério Público apresentou agravo em execução.
O Tribunal de origem deu provimento ao recurso ministerial (e-STJ
fls. 167/176). Eis a ementa do julgado:
AGRAVO EM EXECUÇÃO – MONITORAMENTO ELETRÔNICO (TORNOZELEI-
RA) – PRISÃO DOMICILIAR – APENADO CUMPRINDO PENA EM REGIME SE-
MIABERTO – IMPOSSIBILIDADE – Não há previsão legal para prisão domiciliar
ou monitoramento eletrônico de presos que cumprem pena em regime semia-
berto, a menos que, no caso de monitoramento, seja para uma saída temporária,
conforme art. 146-B da LEP. A falta de vagas nas casas prisionais não justifica a
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA........................................................................................... 59
aplicação do monitoramento eletrônico ou concessão da prisão domiciliar, ainda
que o preso não tenha responsabilidade pelas falhas do Estado quanto ao sistema
carcerário, pois o cumprimento da pena imposta e de interesse social, que pre-
pondera sobre o direito individual. Agravo provido por maioria.
VOTO
O Exmo. Senhor Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (Relator):
O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção
deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do
habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal
for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilida-
de de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse
entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o
instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual
do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade
que o seu julgamento requer. Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados,
exemplificativos dessa nova orientação das Cortes Superiores do País:
PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDI-
NÁRIO – NÃO CABIMENTO – ROUBO EM CONCURSO DE PESSOAS E COM
EMPREGO DE ARMA DE FOGO – PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM
PREVENTIVA – ALEGADA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO
PRISIONAL – INOCORRÊNCIA – SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE
FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA – PERICULOSIDADE
CONCRETA DO PACIENTE – MODUS OPERANDI – HABEAS CORPUS NÃO
CONHECIDO
60 R��������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
I – A Primeira Turma do col. Pretório Excelso firmou orientação no sentido de
não admitir a impetração de habeas corpus substitutivo ante a previsão legal de
cabimento de recurso ordinário (v.g.: HC 109.956/PR, Rel. Min. Marco Aurélio,
DJe de 11.09.2012; RHC 121.399/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 01.08.2014
e RHC 117.268/SP, Relª Min. Rosa Weber, DJe de 13.05.2014). As Turmas que
integram a Terceira Seção desta Corte alinharam-se a esta dicção, e, desse modo,
também passaram a repudiar a utilização desmedida do writ substitutivo em de-
trimento do recurso adequado (v.g.: HC 284.176/RJ, 5ª T., Relª Min. Laurita Vaz,
DJe de 02.09.2014; HC 297.931/MG, 5ª T., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze,
DJe de 28.08.2014; HC 293.528/SP, 6ª T., Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de
04.09.2014 e HC 253.802/MG, 6ª T., Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura,
DJe de 04.06.2014). II – Portanto, não se admite mais, perfilhando esse enten-
dimento, a utilização de habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso
próprio, situação que implica o não conhecimento da impetração. Contudo, no
caso de se verificar configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangi-
mento ilegal, recomenda a jurisprudência a concessão da ordem de ofício. [...].
Habeas corpus não conhecido. (HC 320.818/SP, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T.,
J. 21.05.2015, DJe 27.05.2015)
HABEAS CORPUS – SUBSTITUTIVO DO RECURSO CONSTITUCIONAL – INA-
DEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS – DO-
SIMETRIA – SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA – REGIME INICIAL FECHADO – FUN-
DAMENTAÇÃO IDÔNEA – CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS
1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental do
cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser o writ amesquinhado, mas tam-
bém não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como
remédio heroico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior
prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário.
Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração de
novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal pró-
prio, em manifesta burla do preceito constitucional. Igualmente, contra o impro-
vimento de recurso ordinário contra a denegação do habeas corpus pelo Superior
Tribunal de Justiça, não cabe novo writ ao Supremo Tribunal Federal, o que
implicaria retorno à fase anterior. Precedente da 1ª T. desta Suprema Corte. [...].
(STF, HC 113890, Relª Min. Rosa Weber, 1ª T., J. 03.12.2013, DJ 28.02.2014)
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUINTA TURMA
Número Registro: 2015/0201358-5
Processo Eletrônico HC 333.301/RS
Matéria criminal
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA........................................................................................... 63
Números Origem: 00156690520128210005 00521200036917
01581739320158217000 156690520128210005 1581739320158217000
521200036917 70063307649 70064727951
Em Mesa Julgado: 15.09.2015
Relator: Exmo. Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca
Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer
Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Áurea M. E. N. Lustosa
Pierre
Secretário: Bel. Marcelo Pereira Cruvinel
AUTUAÇÃO
Impetrante: Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul
Advogado: Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
Paciente: Rosane da Silva
Assunto: Direito processual penal – Execução penal
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia Quinta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe
na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
“A Turma, por unanimidade, não conheceu do pedido e concedeu habeas corpus
de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.”
7488 – Sistema penitenciário – execução penal – pena privativa de liberdade – regime fechado –
progressão – possibilidade
“Execução penal. Habeas corpus substitutivo de recurso próprio. Inadequação da via eleita. Paciente
condenada ao cumprimento de pena privativa de liberdade inicialmente no regime fechado. Progres-
são para o regime semiaberto. Inexistência de vaga. Constrangimento ilegal evidenciado. Writ não
conhecido. Ordem, contudo, concedida de ofício. 1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira
Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e suces-
siva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de
impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício,
nos casos de flagrante ilegalidade. 2. No caso concreto, sustenta a defesa, em síntese, que a falta de
vaga em estabelecimento prisional compatível com o regime semiaberto, por deficiência do sistema
penitenciário, não pode prejudicar a paciente, forçando-a ao cumprimento da pena em situação mais
gravosa, pois tal medida fere o princípio da dignidade da pessoa humana. 3. Com efeito, é assente
nesta Corte Superior o entendimento que, em caso de falta de vagas em estabelecimento prisional
adequado ao cumprimento da pena no regime semiaberto, deve-se conceder ao apenado, em caráter
excepcional, o cumprimento da pena em regime aberto, ou, na falta de vaga em casa de albergado,
em regime domiciliar, até o surgimento de vagas no regime apropriado. 4. Habeas corpus não co-
nhecido. Contudo, ordem concedida de ofício, confirmando a liminar deferida, para restabelecer, em
caráter definitivo, a decisão proferida pelo Juízo da Vara de Execuções Criminais, que determinou a
inclusão da paciente no sistema de monitoramento eletrônico (tornozeleira).” (STJ – HC 333301/RS –
(2015/0201358-5) – 5ª T. – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – DJe 21.09.2015)
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO............................................................................................................ 65
Comentário Editorial SÍNTESE
O vertente acórdão trata de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado pela Defen-
soria Pública em benefício da paciente contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça
do Estado do Rio Grande do Sul, no julgamento do Agravo em Execução nº 0016142-
50.2015.8.21.7000, conforme segue ementa:
“AGRAVO EM EXECUÇÃO – MONITORAMENTO ELETRÔNICO (TORNOZELEIRA) – PRISÃO
DOMICILIAR – APENADO CUMPRINDO PENA EM REGIME SEMIABERTO – IMPOSSIBILIDA-
DE – Não há previsão legal para prisão domiciliar ou monitoramento eletrônico de presos que
cumprem pena em regime semiaberto, a menos que, no caso de monitoramento, seja para
uma saída temporária, conforme art. 146-B da LEP. A falta de vagas nas casas prisionais não
justifica a aplicação do monitoramento eletrônico ou concessão da prisão domiciliar, ainda
que o preso não tenha responsabilidade pelas falhas do Estado quanto ao sistema carcerário,
pois o cumprimento da pena imposta e de interesse social, que prepondera sobre o direito
individual. Agravo provido por maioria.”
Consta dos autos o deferimento à paciente, de sua inclusão no sistema de monitoramento
eletrônico (tornozeleira), em razão da ausência de vaga no regime semiaberto.
Inconformado, o Ministério Público apresentou agravo em execução.
O Tribunal de origem deu provimento ao recurso ministerial.
Alegou a defesa que a falta de vaga em estabelecimento prisional compatível com o regime
semiaberto, por deficiência do sistema penitenciário, não pode prejudicar a paciente, forçan-
do-a ao cumprimento da pena em situação mais gravosa, pois tal medida fere o princípio da
dignidade da pessoa humana.
Diante disso, requereu, liminarmente, a suspensão dos efeitos do acórdão impugnado e, no
mérito, o restabelecimento da decisão do Juízo das Execuções Penais.
O relator mencionou que a falta de vaga em estabelecimento prisional compatível com o
regime semiaberto, por deficiência do sistema penitenciário, não pode prejudicar a paciente,
forçando-a ao cumprimento da pena em situação mais gravosa, pois tal medida fere o princí-
pio da dignidade da pessoa humana.
Com efeito, firmou-se neste Superior Tribunal de Justiça entendimento de que a inexistência
de vaga em estabelecimento prisional compatível com o regime determinado no título con-
denatório ou decorrente de progressão de regime permite ao condenado o cumprimento da
reprimenda no modo menos gravoso.
Vale trazer trecho do voto do relator:
“Nesse sentido, colhe-se o seguinte precedente da Corte Suprema:
PENA – EXECUÇÃO – REGIME – Ante a falência do sistema penitenciário a inviabilizar o cum-
primento da pena no regime menos gravoso a que tem jus o reeducando, o réu, impõe-se o
implemento da denominada prisão domiciliar. Precedentes: Habeas Corpus nº 110.892/MG,
julgado na 2ª T. em 20 de março de 2012, relatado pelo Min. Gilmar Mendes, 95.334-4/RS,
1ª T., no qual fui designado para redigir o acórdão, 96.169-0/SP, 1ª T., de minha relatoria, e
109.244/SP, 2ª T., da relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, com acórdãos publicados no
Diário da Justiça de 21 de agosto de 2009, 9 de outubro de 2009 e 7 de dezembro de 2011,
respectivamente. (HC 107.810, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª T., DJe 02.05.2012)
Confiram-se, ainda, os seguintes julgados desta Corte Superior:
AGRAVO REGIMENTAL – NO RECURSO ESPECIAL – PENAL E PROCESSUAL PENAL – ROU-
BO CIRCUNSTANCIADO – OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE – NULIDADE NÃO
CONFIGURADA – REGIME SEMIABERTO – INEXISTÊNCIA DE ESTABELECIMENTO PRISIO-
NAL COMPATÍVEL – POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE PRISÃO DOMICILIAR – PRECE-
DENTES – USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO DAS EXECUÇÕES PELO TRIBUNAL –
NÃO OCORRÊNCIA – AGRAVO DESPROVIDO – [...] 2. Na linha da orientação já consolidada
nesta Corte, o condenado ao cumprimento de pena no regime semiaberto ou aberto não pode
ser mantido no regime prisional fechado ou mais gravoso dada a inexistência de vagas no es-
tabelecimento prisional adequado ao regime intermediário. 3. Importante acrescentar que não
foi deferida, pelo Tribunal de origem, a prisão domiciliar ao Acusado, mas, tão somente, fez-se
uma recomendação ao Juízo da Execução, caso a considerasse necessária e adequada, obser-
vados os critérios previstos na Lei de Execução Penal. 4. Decisão agravada que se mantém pe-
los seus próprios fundamentos. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg-REsp 1.252.016/RS,
Relª Min. Laurita Vaz, 5ª T., DJe de 04.09.2013)
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PENAL E PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDI-
NÁRIO – UTILIZAÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO
– NÃO CONHECIMENTO DO WRIT – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – DEFERIMENTO DE PROGRESSÃO AO REGI-
ME SEMIABERTO – NÃO REMOÇÃO DO PACIENTE PARA ESTABELECIMENTO ADEQUADO,
PERMANECENDO NO REGIME FECHADO – ILEGALIDADE FLAGRANTE – INEXISTÊNCIA DE
VAGA EM ESTABELECIMENTO COMPATÍVEL COM O REGIME INTERMEDIÁRIO, DETERMI-
NADO PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO – PRISÃO EM REGIME ABERTO OU PRISÃO DOMICILIAR
– POSSIBILIDADE – PRECEDENTES – HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO – CONCESSÃO
DA ORDEM, DE OFÍCIO – [...] V – Na forma da jurisprudência do STJ, em caso de falta de
vagas, em estabelecimento prisional adequado, deve-se conceder, ao apenado, em caráter
excepcional, o cumprimento da pena em regime aberto, ou em prisão domiciliar, até o sur-
gimento de vaga. VI – Resta incontroverso nos autos que, em 29.01.2013, o paciente teve
deferida, pelo Juízo das Execuções, a progressão para o regime semiaberto. Entretanto, até a
presente data, encontra-se ele cumprindo pena em regime fechado. VII – Revela-se, no ponto,
flagrante ilegalidade, eis que manifesto o constrangimento imposto ao paciente, mantido em
regime prisional mais gravoso do que aquele que lhe foi deferido, em 29.01.2013, em razão
da progressão para o regime semiaberto. VIII – Habeas corpus não conhecido. IX – Ordem
concedida, de ofício, nos termos do art. 654, § 2º, do CPP, para determinar que o Juízo das
Execuções remova, imediatamente, o paciente para o regime semiaberto. Persistindo a ausên-
cia de vaga, no regime semiaberto, que aguarde ele, no regime aberto, o surgimento de vaga
adequada ao regime para o qual obteve progressão, em 29.01.2013. Caso não haja vaga, no
regime aberto, que aguarde em prisão domiciliar, sob as cautelas do Juízo das Execuções, o
surgimento de vaga no regime semiaberto. (HC 272.506/SP, Relª Min. Assusete Magalhães,
6ª T., DJe de 27.09.2013)”
RUIZ RITTER
Advogado, Mestrando e Especialista em Ciências Criminais pela PUCRS, Sócio do escritório
Marcante, Ritter & Advogados Associados.
RESUMO: A teoria da imputação objetiva, com referência teórica no funcionalismo penal, busca
superar a extensiva cadeia causal decorrente da adoção da teoria da equivalência das condições
(conditio sine qua non). As suas categorias jurídicas buscam – já no juízo de tipicidade objetiva –
excluir a imputação penal quando ausentes alguns critérios fático-normativos. Entre esses critérios,
ganha especial destaque o princípio da confiança, segundo o qual se permite às pessoas delegar
funções a outras pessoas, confiando que essas condutas serão cumpridas conforme sua expectativa,
vale dizer, de acordo com as normas jurídicas. O referido princípio tem sido aplicado pelos Tribunais
Superiores brasileiros nas mais variadas situações, sendo que sua efetiva compreensão passa pelo
estudo de casos, o que se propõe no presente ensaio.
PALAVRAS-CHAVE: Teoria da imputação objetiva; princípio da confiança; teoria geral do delito; dog-
mática penal.
ABSTRACT: The theory of objective imputation, with theoretical reference in criminal functionalism,
seeks to overcome the extensive causal chain resulting from the adoption of the theory of equivalent
conditions (conditio sine qua non). Its legal categories aim at excluding the criminal imputation when
some factual-normative criteria are missing – starting in the judgment of objective typicality. Among
these criteria, the principle of trust receives special mention, which allows people to delegate tasks
to others, trusting that these behaviors will be fulfilled according to their expectation, and, of cour-
se, according to the laws. That principle has been applied by Brazilian Superior Courts, in different
situations, but their actual understanding goes through case studies, what is proposed in this essay.
KEYWORDS: Theory of objective imputation; trust principle; general delict theory; criminal dogmatic.
SUMÁRIO: Considerações iniciais; 1 Aspectos introdutórios sobre a teoria da imputação objetiva;
2 O princípio da confiança: aspectos conceituais; 3 O princípio da confiança nas Cortes Supremas
nacionais: uma breve análise jurisprudencial; Considerações finais; Referências.
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Direito Penal e a teoria do delito se encontram em um processo cons-
tante de aprimoramento, o que se reflete nas estruturas (então) consolidadas e
proporciona o desenvolvimento de novas ideias e categorias jurídicas. Inevi-
tável ser diferente, sobretudo considerando-se a permanente incompletude do
conhecimento humano e o processo de desenvolvimento social, que acaba por
expor todas as dificuldades que o Direito enfrenta como um sistema de regula-
ção de condutas e composição de conflitos. Nesse contexto, estão inseridos os
estudos sobre a teoria geral do delito, desenvolvidos a partir das mais diversas
influências político-criminais, às vezes de cunho mais funcionalista, outras mais
calcadas no clássico conceito de bem jurídico.
Atualmente, no cenário acadêmico-jurídico, a teoria do delito tem sofri-
do grande influência do funcionalismo penal, matriz a partir da qual pode ser
pensada a teoria da imputação objetiva. O objetivo desta teoria é superar a in-
suficiência da teoria da equivalência das condições (conditio sine qua non), de
modo a limitar a extensão da cadeia de causas do evento delituoso. A solução
que a dogmática tradicional (finalista) acaba encontrando é recorrer à tipicidade
subjetiva (dolo ou culpa) para evitar a indevida e injusta extensão da responsa-
bilização criminal.
Dessa forma, a teoria da imputação objetiva insere diversas categorias
jurídicas com a pretensão de (no mínimo) reduzir as insuficiências da teoria da
conditio sine qua non. No presente ensaio, o estudo será aprofundado sobre
uma dessas categorias jurídicas incorporadas à teoria do delito pela imputação
objetiva, a saber, o princípio da confiança, o qual tem tido relativa repercussão
na jurisprudência pátria.
2 ROXIN, Claus. A teoría da imputação objetiva. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 39,
p. 11-12, jul./set. 2002. A culpabilidade aqui ressaltada por Claus Roxin é aquela entendida conforme a
teoria causalista da ação, dentro da qual estavam inseridas as categorias de dolo e culpa.
3 D’AVILA, Fábio Roberto. Crime culposo e a teoria da imputação objetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001. p. 25.
4 FRISCH, Wolfgang. La imputación objetiva: estado de la cuestión. In: ROXIN, Claus et al (Org.). Sobre el
estado de la teoría del delito. Madrid: Civitas, 2000. p. 22.
5 ROXIN, Claus. A teoría da imputação objetiva. Op. cit., p. 12.
6 Idem, ibidem.
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Portanto, tendo como referência o sistema normativo brasileiro, os fatores
limitadores da teoria da equivalência das condições – que se opera a partir do
juízo de eliminação hipotético – seriam a própria tipicidade subjetiva (aferição
de dolo e culpa) e a possibilidade de existência de um concurso de causas (se-
jam preexistentes ou supervenientes). Nessa perspectiva, a imputação objetiva
agrega novos critérios à teoria do delito com o intuito de suprir as insuficiências
da equivalência das condições que acarretam o “regresso ao infinito”. Trata-se,
nesse contexto, da incorporação de critérios jurídicos e normativos ao sistema
de imputação, os quais vão além da mera relação de causa e efeito7.
Em outras palavras, a teoria da imputação objetiva surge como uma ten-
tativa de solucionar os problemas práticos do tipo objetivo, com a intenção de
limitar a aplicação do tipo por meio da criação de novas categorias jurídicas.
Isso acontece porque a concepção do tipo objetivo, como descrição valora-
tivamente neutra de um acontecer físico-causal, é questionada pela teoria da
imputação objetiva, que introduz filtros objetivo-normativos na teoria do tipo8.
Essa teoria permite eliminar, já no nível da tipicidade objetiva, compor-
tamentos considerados irrelevantes para o Direito Penal9. Para alcançar esse
intento, a teoria da imputação objetiva institui que
um resultado causado pelo agente só deve ser imputado como sua obra e preen-
che o tipo objetivo unicamente quando o comportamento do autor cria um risco
não permitido para o objeto da ação [...], quando o risco se realiza no resultado
concreto [...], e este resultado se encontra dentro do alcance do tipo.10
7 FRISCH, Wolfgang. La imputación objetiva: estado de la cuestión. In: ROXIN, Claus et al (Org.). Op. cit.,
p. 24.
8 CANCIO MELIÁ, Manuel. Algunas reflexiones sobre lo objetivo y lo subjetivo en la teoría de la imputación
objetiva. In: MONTEALEGRE LYNETT, Eduardo (Org.). El funcionalismo en derecho penal. Colombia:
Universidad Externado de Colombia, 2003. p. 215.
9 BACIGALUPO, Enrique. Derecho penal: parte general. 2. ed. Argentina: Hammurabi, 1999. p. 272.
10 ROXIN, Claus. A teoría da imputação objetiva. Op. cit., p. 13.
11 ROXIN, Claus Derecho Penal. Parte General. Fundamentos. La Estructura de la Teoría Del Delito. Traducción y
notas Diego-Manuel Luzón Pena, Miguel Diaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas,
t. I, 1997. p. 364.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA....................................................................................................................... 71
No que toca ao primeiro elemento da teoria da imputação objetiva, apre-
senta-se como requisito à realização do tipo objetivo o fato de que a conduta do
agente crie ou incremente significativamente o risco de ocorrência de um resul-
tado e que esse risco criado/incrementado seja juridicamente proibido. Mesmo
que se verifique a criação de um risco, ainda assim pode se estar diante de uma
situação de atipicidade, por se tratar de um risco permitido ou irrelevante12.
Desse modo, para a satisfação desse primeiro requisito do tipo objetivo, deve-se
tratar de criação de um perigo juridicamente desaprovado. Como refere Enrique
Bacigalupo: “Riesgos que una sociedad tolera porque los considera necesarios
para su desarrollo social no pueden ser alcanzados por la tipicidad”13.
Salienta-se que as categorias da imputação objetiva (inclusive em relação
ao risco proibido) não são desprovidas de fatores subjetivos. Claus Roxin ofere-
ce como exemplo o caso no qual o agente convence outrem a viajar e, durante
a viagem, o avião sofre uma pane e vem a cair, causando a morte de todos os
passageiros. Tal situação não representa a criação de um risco não permiti-
do. Todavia, na mesma situação, caso o agente tivesse o prévio conhecimento
(dado subjetivo) de que o avião seguramente cairia, ocasionando a morte dos
passageiros, estar-se-ia diante da criação de um perigo proibido14. Dessa forma,
quando se refere a tipo objetivo, não necessariamente se está a referir uma con-
cepção privada de juízos subjetivos.
Inversamente ao risco não permitido, as condutas que diminuem um ris-
co já criado não são imputáveis ao tipo objetivo15. Dessa forma, mesmo que o
agente atue causalmente, se evitar a configuração de um risco maior, não atuará
de maneira típica16. Portanto, esse elemento de imputação deve ser excluído no
caso em que o agente altere o curso causal, produzindo uma diminuição do
risco já existente. Nesse aspecto, conquanto o agente altere, intencionalmente,
o curso causal e produza conscientemente uma lesão ao bem jurídico tutelado,
percebe-se que, apesar da lesão final produzida, sua atitude diminuiu o risco e
evitou lesão maior. Essa situação não pode ser corretamente solucionada pela
teoria causal da adequação, já que o transcorrer dos fatos é completamente pre-
visível pelo agente. Conquanto pudesse ser resolvida tal problemática quando
da análise da antijuridicidade, Claus Roxin refere ser verdadeiro absurdo consi-
derar típicas ações que apenas beneficiam o estado do bem jurídico tutelado17.
Ainda, mesmo nos casos nos quais o agente não haja diminuído o risco já
criado, deve-se excluir a imputação ao tipo objetivo quando não houver ele au-
18 Idem, p. 366.
19 Idem, p. 371
20 ROXIN, Claus. A teoría da imputação objetiva. Op. cit., p. 15.
21 BACIGALUPO, Enrique. Op. cit., p. 272.
22 ROXIN, Claus. A teoría da imputação objetiva. Op. cit., p. 16.
23 JAKOBS, Günter. A imputação objetiva no direito penal. Trad. André Luís Callegari. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000. p. 56.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA....................................................................................................................... 73
No dizer de Jakobs, “o princípio da confiança é a autorização para con-
fiar no comportamento correto das outras pessoas [...] não obstante a expe-
riência de que elas cometem erros”24. Ou seja, ao agente que realizará uma
atividade arriscada se permite que confie que as demais pessoas participantes
do ato (direta ou indiretamente) irão se comportar corretamente, de acordo com
as regras existentes, em respeito com seus respectivos deveres de cuidado25.
Consequentemente, pelo princípio da confiança, como critério para
determinação da conduta socialmente adequada, o sujeito não está obriga-
do a evitar toda e qualquer criação de risco juridicamente desaprovado, pois
sua esfera de responsabilização deve ser bem delimitada26. Conforme Claus
Roxin, “es un principio que sirve para la negación de un incremento del peligro
inadmisible”27.
Equivale dizer, portanto, que o princípio da confiança se destina a con-
ferir às pessoas a possibilidade (se não o dever) de confiar em que as demais
pessoas não cometerão atos ilícitos, ou seja, pautarão seus comportamentos
conforme as normas jurídicas, fundamentando a proibição de regresso28, pela
qual a participação culposa em crimes dolosos é impunível29. Nesse sentido,
aquele que confiou na atuação cautelosa do agente criminoso não deve ser
responsabilizado, mesmo que culposamente.
Assim, “el que obra sin tener en cuenta que otros pueden hacerlo en
forma descuidada no infringirá el deber de cuidado”30. Isso garante que cada
cidadão apenas responda por seus erros, eximindo-o da responsabilização pe-
las condutas ilícitas de outras pessoas31. Desse modo, age conforme o dever
de cuidado aquele que atua confiando em que o outro atuará com prudência,
quando não houver razões para desconfiar do terceiro32.
Em síntese, o principio da confiança
se enuncia diciendo que dentro de la sociedad cada persona debe realizar cor-
rectamente los comportamientos que le corresponden y que los demás esperan
que así sea, es decir, que actúe acorde con aquello que le compete. Dicho de otra
24 JAKOBS, Günter. Tratado de Direito Penal: teoria do injusto penal e culpabilidade. Luiz Moreira (Coord.).
Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 302.
25 CANCIO MELIÁ, Manuel. Líneas básicas de la teoria de la imputación objetiva. México: Angel, 2001.
p. 77--78.
26 CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Imputação objetiva e risco no direito penal: do funcionalismo à teoria
discursiva do delito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2005. p. 93.
27 ROXIN, Claus. Derecho Penal.Op. cit., p. 1004.
28 D’AVILA, Fábio Roberto. Op. cit., p. 52.
29 ROXIN, Claus. Derecho Penal..., p. 1006.
30 BACIGALUPO, Enrique. Manual de derecho penal. Parte general. Colombia: Temis, 1996. p. 215.
31 JAKOBS, Günther. Sociedad, norma y persona en una teoría de un Derecho penal funcional. Trad. Manuel
Cancio Meliá et al. Madrid: Civitas, 1996. p. 54.
32 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Tratado de derecho penal. Parte general. Argentina: Ediar, 1981. p. 402.
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manera, el hombre debe desplegar su conducta dentro de los cánones estableci-
dos y los otros aguardan a que así lo haga. Simultáneamente, ese hombre espera
que los otros realicen acciones y omisiones según les corresponda. Es una con-
creción de la relación expectativas – no defraudaciones. En síntesis, la persona se
conduce sobre la base de la fe, o sea, confiando en que las demás obran dentro
de las reglamentaciones establecidas.33
33 PÉREZ PINZÓN, Álvaro Orlando. El funcionalismo en la sociología actual. In: MONTEALEGRE LYNETT,
Eduardo (Org.). El funcionalismo en derecho penal. Colombia: Universidad Externado de Colombia, 2003.
p. 128.
34 ROXIN, Claus. A teoría da imputação objetiva. Op. cit., p. 14.
35 Idem, ibidem.
36 BACIGALUPO, Enrique. Op. cit., p. 272.
37 CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Op. cit., p. 93.
38 CANCIO MELIÁ, Manuel. Líneas básicas de la teoria..., p. 78.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA....................................................................................................................... 75
Pode-se perceber, portanto, que o âmbito de aplicação do princípio da
confiança se encontra naquelas atividades nas quais à conduta individual do
sujeito somam-se as condutas de outros participantes39.
Assim acontece com a divisão do trabalho, que somente se faz possível
com a repartição de funções e responsabilidades entre sujeitos40. Ou seja, seria
inviável uma divisão eficaz do trabalho se cada indivíduo tivesse de contro-
lar todo o controlável, de maneira que a exigência de controle a respeito da
conduta de terceiros enfraqueceria a atenção e o controle da própria conduta
individual41.
Aliás, o princípio da confiança deve ser aplicado, inclusive, em casos nos
quais o agente atue de maneira ilícita. A esse respeito, Claus Roxin toma como
exemplo o fato do motorista que, mesmo em estado de embriaguez, se envolve
em um acidente em razão de outro motorista não haver respeitado a sua prefe-
rência em um cruzamento:
Por tanto, quien conduce un coche en un estado de incapacidad para conducir
a consecuencia del consumo de alcohol, a pesar de ello debe quedar exento
de responsabilidad penal invocando el principio de confianza cuando otro no
respeta su prioridad de paso y el accidente tampoco habría sido evitable para el
conductor sobrio.42
39 CALLEGARI, André Luís. Imputação objetiva: lavagem de dinheiro e outros temas de Direito Penal. 2. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 40-41.
40 CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Op. cit., p. 94.
41 JAKOBS, Günter. Tratado de Direito Penal. Op. cit., p. 304.
42 ROXIN, Claus. Derecho Penal..., p. 1005.
43 MONTEALEGRE LYNETT, Eduardo. Estudio introductorio a la obra de Günther Jakobs. In: ______ (Org.). El
funcionalismo en derecho penal. Colombia: Universidad Externado de Colombia, 2003. p. 31.
44 JAKOBS, Günter. Tratado de Direito Penal..., p. 304.
45 D’AVILA, Fábio Roberto. Op. cit., p. 52.
76 R������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA
risco considerado permitido pela aplicação do princípio da confiança. Todavia,
em uma situação de rixa em frente à mesma loja, o ato de venda de uma faca a
um dos participantes da rixa configuraria a criação de um risco não permitido,
não mais se aplicando a confiança de que o comprador fará uso normal do
objeto46.
Em síntese, tem-se que, especialmente na sociedade atual, se o agente
fosse obrigado a observar cuidadosamente a conduta das demais pessoas para,
com segurança, realizar a sua conduta, restaria ele impossibilitado de agir, jus-
tamente por não ser possível se controlar todos os riscos cotidianos47. Nesse
sentido, surge o princípio da confiança, como permissivo à atuação em grupo e
limitador da imputação ao tipo objetivo. Em outras palavras, não pratica o tipo
penal objetivo aquela pessoa que confia – sobretudo em virtude das circunstân-
cias de cada fato – que as outras pessoas irão respeitar as regras de convivência
e agir conforme o Direito.
49 Inq 2280, Relª Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, J. 03.12.2009, DJe-055 Divulg. 25.03.2010, Public.
26.03.2010, Ement. v. 02395-01, p. 250-251.
50 Inq 2280, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, J. 03.12.2009, DJe-055 Divulg. 25.03.2010, Public.
26.03.2010, Ement. v. 02395-01, p. 249-251.
78 R������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA
de divisão de funções, eximindo de responsabilidade penal um dos agentes por
não lhe ser exigível a fiscalização completa do atuar dos demais sujeitos.
Da mesma forma, tal princípio foi aplicado pelo Superior Tribunal de
Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.115.641, julgado no ano de
2012, em caso no qual um dos acusado era pessoa contratada para realização
do serviço de segurança em uma festa. Nessa situação, foi oferecida denúncia
por homicídio culposo contra pessoa que, ao se jogar em uma piscina existente
no clube no qual ocorria a referida festa, foi eletrocutada, fato ocorrido por
equívocos nas ligações elétricas realizadas no local.
Em seu voto, o Ministro Relator Sebastião Reis Júnior consignou:
Impossível deixar de invocar, uma vez mais, o princípio da confiança. Sem em-
bargo das possíveis regulamentações da profissão de segurança ou de vigilante,
certo é que a prova dos autos – aliada à experiência comum – permite concluir
que esse réu fora contratado para, chefiando uma equipe de empregados, manter
a paz e a ordem ao longo da festa, não para efetuar operações de resgate e salva-
mento, até porque uma equipe de paramédicos fora especificamente contratada
para esse fim, conforme documentalmente provado.51
51 REsp 1115641/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, J. 27.03.2012, DJe 09.05.2012. p. 16.
52 HC 46.525/MT, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, J. 21.03.2006, DJ 10.04.2006, p. 245.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA....................................................................................................................... 79
No mesmo sentido, aplicou-se o princípio da confiança no julgamento
do Habeas Corpus nº 147.250, julgado no ano de 2010, com a seguinte ementa:
PROCESSO PENAL – HABEAS CORPUS – HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO
DE VEÍCULO – CARÊNCIA DE JUSTA CAUSA – ATIPICIDADE – PRINCÍPIO DA
CONFIANÇA – AUTOCOLOCAÇÃO DA VÍTIMA EM PERIGO – CONSTRANGI-
MENTO ILEGAL – RECONHECIMENTO
1. O fundamento da responsabilidade pelo crime culposo reside na violação do
dever objetivo necessário nas circunstâncias. in casu, tendo o motorista respeita-
do todas as regras de trânsito, surgindo o transeunte, de inopino, na via, provo-
cando o seu próprio óbito, mostra-se ilegal o processo crime pela suposta prática
de homicídio culposo. Tem-se, a um só tempo, o emprego dos princípios da
confiança e da autocolocação da vítima em perigo, o que, à evidência, exclui a
tipicidade do comportamento do condutor.
2. Ordem concedida para trancar a Ação Penal nº 2575080/2009, em curso pe-
rante a 17ª Vara Criminal da Comarca de Salvador/BA.53
53 HC 147.250/BA, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, J. 04.03.2010, DJe 22.03.2010.
54 JAKOBS, Günter. Tratado de Direito Penal..., p. 304.
80 R������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA
Não há sequer como se invocar o princípio da confiança se, segundo consta dos
autos, a paciente conhecia o rotineiro modo do corréu conduzir seu veículo, sen-
do muito possível, ante a convivência diária, concluir pelo risco a que expunha
a filha recém nascida e antever o provável dano à sua integridade física e até
mesmo a morte.55
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A teoria geral do crime permanece em constante mutação, sendo que à
matriz finalista estão sendo incorporadas categorias jurídicas próprias do fun-
cionalismo penal, sendo inseridos novos critérios para aferição do injusto penal.
Especificamente em relação à teoria da imputação objetiva, almeja-se a supe-
ração das insuficiências da teoria da equivalência das condições (conditio sine
qua non), de modo limitar o tipo objetivo.
Como fruto de concepções atuais, tal teoria surge com o propósito de for-
necer respostas mais compatíveis, no Direito Penal, à conformação social mo-
derna. Nesse aspecto, o princípio da confiança, categoria jurídica criada pela
teoria da imputação objetiva, apresenta-se como a possibilidade de desenvol-
vimento de funções setorizadas, considerando a cada vez maior especialização
das áreas de conhecimento e divisão de funções, necessária ao efetivo desem-
penho de atividades complexas e que demandam uma participação coletiva em
seu desenvolvimento.
O princípio da confiança tem sido aplicado pelos Tribunais brasileiros
nas mais diversas situações concretas, nas quais a teoria do delito com matriz
marcadamente finalista não apresenta uma solução adequada. Nessa perspec-
tiva, começam a ganhar terreno as categorias jurídicas da imputação objetiva
– (a) criação de um risco relevante e proibido; (b) se o risco se refletiu no resul-
tado; e (c) se o resultado está dentro do alcance do tipo penal – que vem agregar
novos critérios para a configuração do injusto penal, com o intuito de superar
tais insuficiências.
55 HC 166.810/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, J. 01.03.2012, DJe 13.03.2012. p. 4-5.
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REFERÊNCIAS
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Del Delito. Traducción y notas Diego-Manuel Luzón Pena, Miguel Diaz y Garcia
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STRUENSEE, Eberhard. Acerca de la legitimación de la “imputación objetiva”
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ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Tratado de derecho penal. Parte general. Argentina:
Ediar, 1981.
Parte Geral – Doutrina
Absolvição do Réu ou Cassação da Sentença: a Ordem de Apreciação
e de Exposição das Matérias em Sede de Apelação no Processo
Penal
WILLIAM AKERMAN GOMES
Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro (DPE/RJ), Ex-Procurador do Estado do
Paraná (PGE/PR), Especialista em Direito Público pela Universidade Católica de Petrópolis
(UCP), Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Autor de
obras jurídicas voltadas para concursos públicos pela Editora JusPodivm.
RESUMO: Este artigo cuida da ordem de apreciação dos erros de julgamento e de procedimento no
âmbito da apelação criminal, que não tem sido observada na prática dos Tribunais e nos gabaritos
dos concursos públicos, bem como da sequência em que tais matérias devem ser apontadas pela
defesa técnica em seu recurso.
INTRODUÇÃO
A prática dos Tribunais no que tange à análise dos recursos1 em sede
processual penal tem sido marcada, a nosso sentir, por um desvio de perspec-
tiva.
1 A fim de delimitar o objeto do presente artigo, talvez ainda que não com contornos rígidos, é certo que as
considerações seguintes, além de se aplicarem à apelação, se relacionam aos embargos infringentes e de
nulidade e aos recursos excepcionais que lhes sucedam, bem como aos recursos previstos na primeira fase do
procedimento especial do Tribunal do Júri. Não se aplicam, entretanto, à apelação prevista no art. 593, III, do
CPP, pelo seu regime jurídico diferenciado instituído pelo próprio Texto Maior.
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E – o que é mais importante e grave – insistem em apreciar tais questões
antes de decidirem acerca da absolvição2 do réu, mesmo quando os vícios de
procedimento foram suscitados pela própria defesa3.
Por outro lado, do mesmo mal parece padecer a atuação da defesa téc-
nica em sede recursal, que, ao combater as sentenças e acórdãos, com frequ-
ência suscita, em primeiro lugar, as matérias de cunho processual, relacionadas
aos erros de procedimento verificados, designando-as também de preliminares.
Apenas a seguir, adentrando ao que, de forma restritiva, denomina de “mérito”
do recurso, expõe as razões pelas quais pretende a absolvição do acusado, o
que, pelos motivos adiante articulados, constitui evidente inversão da correta
ordem de apresentação das matérias.
Na gênese desse fenômeno, poder-se-ia identificar uma conjunção de
fatores, desde a forma como o ensino do Direito Processual Penal está moldado
nos cursos de graduação, partindo sempre da teoria geral do processo – que
nem sempre encontra o vértice comum a todas as searas –, até o modo como es-
truturado o Poder Judiciário nacional – já que os juízes acabam por reproduzir
no Tribunal o raciocínio desenvolvido ao longo de anos de carreira em primeiro
grau de jurisdição.
Em meio a isso, também ganha relevo a maneira como as bancas de con-
cursos têm formulado as questões e estabelecido os seus gabaritos4, reafirmando
e difundindo o desvio óptico a nosso juízo existente.
Não pretendendo atacar as causas do fenômeno, mas tão somente lançar
luzes sobre o tema, debruçamo-nos, doravante, sobre o verdadeiro objeto do
presente ensaio: a correção da ordem de apreciação das questões submetidas
ao Tribunal havendo recurso de quaisquer das partes, bem como da ordem de
exposição das matérias nos apelos da defesa técnica.
2 No contexto deste artigo, o termo deve ser relacionado às hipóteses de negativa de autoria e materialidade,
mais benéficas ao réu e que têm o condão de vincular as esferas administrativa e civil.
3 Já tendo nos deparado com as questões abordadas neste ensaio ainda nos primeiros anos de estudo, cotidiana
e novamente nos defrontamos com tais temas ao combatermos as decisões judiciais no exercício do cargo
de Defensor Público perante diversos juízos com competência criminal no Estado do Rio de Janeiro. Apenas
abarcando a competência Criminal, já atuamos nas 5ª, 14ª e 26ª Varas Criminais da Capital, 1ª Vara Criminal/
Júri de Belford Roxo, 2ª Vara Criminal de Duque de Caxias, 1ª Vara Criminal de São João de Meriti, Vara
Criminal/Júri de Macaé, 2ª Vara Criminal de Campos dos Goytacazes, 2ª Vara Criminal de Volta Redonda, 1ª
Vara Criminal/Júri de Resende, 2ª Vara Criminal de Resende, 1ª Vara Criminal/Júri de Itaperuna, 1ª e 2ª Varas
de Três Rios, 1ª e 2ª Varas de Japeri, 1ª e 2ª Varas de Bom Jesus do Itabapoana, 2ª Vara de São Fidélis, 2ª
Vara de São João de Barra, Vara Única de Paty do Alferes, Vara Única de Paraty, Vara Única de Conceição de
Macabu, Vara Única de Quissamã, Vara Única de Cordeiro, Vara Única de Bom Jardim, Vara Única de Itatiaia,
Vara Única de Porto Real, Vara Única de São Francisco do Itabapoana e Vara Única de Italva/Cambuci.
4 Por natural, tais exames disseminam e consolidam a prática que ora se aborda de forma crítica.
84 R������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA
1 AS QUESTÕES PRELIMINARES E O MÉRITO DO RECURSO NA PRÁTICA DOS TRIBUNAIS E NOS
GABARITOS DOS CONCURSOS
Malgrado seja tão conhecida quanto irretocável a lição de que o mérito
do recurso não se confunde com o mérito do processo5 e, por conseguinte, de
que as questões que funcionam como preliminares no processo não mantêm
essa característica em sede recursal, a ausência de rigor na aplicação de tais
conceitos causa relevantes distorções e graves prejuízos na seara processual
penal.
No estado atual da ciência processual, é indiscutível a noção de que as
preliminares recursais dizem respeito apenas aos seus requisitos de admissibi-
lidade. Todo o mais diz respeito ao mérito do recurso ou às questões de ordem
pública, conhecíveis de ofício pelo órgão julgador.
Colhendo as sempre preciosas lições do ilustre mestre Barbosa Moreira,
desta vez sobre a relação de preliminariedade, perfeitamente aplicáveis ao pro-
cesso penal, tem-se o seguinte:
Cabendo a qualificação de “prejudiciais” às questões de cuja solução dependa
o teor ou o conteúdo da solução de outras, reservar-se-á a expressão “questões
preliminares” para aquelas de cuja solução vá depender a de outras, não no seu
modo de ser, mas no seu próprio ser; isto é, para aquelas que, conforme o sentido
em que sejam resolvidas, oponham ou, ao contrário, removam um impedimento
à solução de outras, sem influírem, no segundo caso, no sentido em que estas
outras hão de ser resolvidas.6 (grifou-se)
5 Sobre o tema, Leciona Pacelli, por todos, que “uma coisa é o juízo de admissibilidade do recurso, e outra é
o juízo de mérito do recurso. No primeiro, examina-se o seu conhecimento; no segundo, o seu provimento,
ou não. E mais: mérito do recurso também é diferente do mérito da ação penal, ainda que, muitas vezes, o
seu objeto seja o mesmo. O mérito do recurso é o pedido que nele se contém, por meio do qual se delimita a
quantidade e a qualidade da matéria a ser apreciada, quando, então, poderá ou não coincidir exatamente com
o mérito da ação penal (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2011. p. 801).
6 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Questões prejudiciais e coisa julgada. Tese de concurso para a docência livre
de direito judiciário civil apresentada à congregação da faculdade de direito da UFRJ. Rio de Janeiro: Forense,
1967. p. 22.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA....................................................................................................................... 85
Nessa linha, em sede recursal, conforme já sublinhado, funcionam como
preliminares tão somente os requisitos de admissibilidade. Aliás, o próprio Bar-
bosa Moreira já assinalava tal dicotomia, consoante se extrai, entre outras obras,
do famigerado artigo “Que significa ‘não conhecer’ de um recurso”:
Para bem responder à pergunta do título, deve-se começar por lembrar que o re-
curso – como aliás todo ato postulatório – pode ser objeto de apreciação judicial
por dois ângulos perfeitamente distintos: o da admissibilidade e o do mérito. Ao
primeiro deles, trata-se de saber se é possível dar atenção ao que o recorrente
pleiteia, seja para acolher, seja para rejeitar a impugnação feita à decisão contra
a qual se recorre. Ao outro, cuida-se justamente de averiguar se tal impugnação
merece ser acolhida, porque o recorrente tem razão, ou rejeitada, porque não a
tem. É intuitivo que à segunda etapa só se passa se e depois que, na primeira,
concluiu ser admissível o recurso; sendo ele inadmissível, com a declaração de
inadmissibilidade encerra-se o respectivo julgamento, sem nada acrescentar-se a
respeito da substância da impugnação. Semelhante relação entre os dois juízos
permite caracterizar o primeiro como preliminar ao segundo.7 (grifou-se)
7 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Que significa “não conhecer” de um recurso, RJ 224, jun. 1996. p. 1.
8 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 744.
86 R������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA
que, inclusive, insistem em chamar de “preliminares”, ao arrepio da dogmática
processual penal.
A fim de elucidar o que ora se afirma, analisamos, de início, hipótese em
que, julgando apelação que interpusemos, requerendo – ao contrário do que
rotineiramente se observa – primeiramente a absolvição do recorrente e, apenas
subsidiariamente, a cassação da sentença9, o e. Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro apreciou, em primeiro lugar, o pleito de anulação e, apenas a seguir, o
pedido absolutório.
Em nossas razões recursais, a matéria foi apresentada observando a se-
guinte ordem:
9 E nesta mesma ordem, como se vê já a seguir, foram apresentados os temas: primeiro as razões que
conduziriam à absolvição e apenas a seguir os motivos que ensejariam a anulação do processo.
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Na hipótese de se manter o édito condenatório, do que apenas se cogita à luz do
princípio da eventualidade, é evidente que o aumento da pena levado a efeito na
primeira fase da dosimetria mostra-se desarrazoado e excessivo. [...]. (destaques
no original)
11 AKERMAN, William et al. Coleção provas discursivas respondidas e comentadas – Direito Penal. 2. ed.
Salvador: JusPodivm, 2015.
12 AKERMAN, William; CAMARGO, Eduardo Aidê Bueno de; GOMES, Roberto. Coleção provas discursivas
respondidas e comentadas – Processo Penal. Salvador: JusPodivm, 2015.
92 R������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA
ção para o tráfico de entorpecentes; não configuração do crime de corrupção de
menores – 0,00 a 7,00
2.3 – Da aplicação da pena: ausência de maus antecedentes; aplicação da causa
de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006; regime
inicial e da substituição da pena privativa de liberdade – 0,00 a 7,00
2.4 – Dos pedidos de anulação: anulação do processo a partir do oferecimento
da denúncia por ausência de defesa preliminar e colocação do réu em liberdade
para responder novamente ao processo; anulação do processo a partir da audi-
ência de instrução, devido à ausência do réu e colocação do réu em liberdade
para a renovação da instrução; anulação da sentença condenatória por ofensa
aos princípios da identidade física do juiz – 0,00 a 3,00
2.5 – Dos pedidos de absolvição do réu: de todos os crimes por total ausência
de provas colhidas em juízo, e em razão de a condenação ter ocorrido com base
exclusivamente em provas inquisitoriais obtidas na fase policial sem as garantias
do contraditório e da ampla defesa; do crime de associação para o tráfico de
entorpecentes por total ausência de provas quanto à efetiva presença de vínculo
associativo entre ele e o adolescente que participou dos fatos; do crime de cor-
rupção de menores em razão da não ocorrência de corrupção do adolescente
– 0,00 a 2,00
[...].13 (grifou-se)
13 BLAJCHMAN, Miguel (Org.). Questões discursivas: direito processual penal. Rio de Janeiro: Questões
Discursivas, 2014. p. 73.
14 Não desconhecemos que boa parte da doutrina sustenta que a nulidade não seria tecnicamente uma sanção,
mas o próprio vício do ato. Todavia, tal controvérsia não constitui o objeto do presente artigo e, por isso, não
pretendemos marcar posição, adotando, de forma rigorosa, esta ou aquela corrente sobre o tema.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA....................................................................................................................... 93
2.1 – Razões de apelação (CPP, art. 600, caput)
2.2 – Preliminares: ausência do laudo toxicológico definitivo15; não oitiva de uma
testemunha de defesa; inadequação do rito da Lei nº 11.343/2006: condenação
com base apenas em provas colhidas na fase policial.
2.3 – Mérito: absolvição de Robert do crime de tráfico (CPP, art. 386, V e VI); pe-
dido de desclassificação, para ambos os réus, do crime previsto no art. 33, caput,
da Lei nº 11.343/2006 para o art. 28 da mesma Lei; absolvição de ambos os réus
do crime de roubo (CPP, art. 386, IV e V).
2.4 – Fixação das penas de reclusão e de multa no crime de roubo; impugnação
da pena-base acima do mínimo legal (CP, art. 59); aplicação da atenuante da
confissão espontânea para ambos os réus (CP, art. 65, III, d) [...].16 (grifou-se)
Espera-se que o candidato desenvolva a peça processual de acordo com o que
se segue. 1 Peça processual: razões de apelação (CPP, art. 600). 2 Endereçamen-
to: Tribunal Regional Federal. 3 Prazo em dobro: 27 de janeiro de 2015. Vide
art. 600 do CPP c/c art. 44, I da LC 80/1994. 4 Preliminar: Incompetência da Jus-
tiça Federal. Nulidade absoluta. Violação ao patrimônio de agência franqueada
dos Correios. Competência da Justiça Estadual. Precedentes do STJ 5 Preliminar:
violação do art. 263 do CPP c/c princípio da ampla defesa e garantia de consti-
tuição de advogado de confiança. 6 Preliminar: falha na defesa técnica. Súmula
nº 523 do STF. Defesa dativa deixou de adotar medidas processuais necessárias
para salvaguardar a primeira oportunidade de contraditório, bem como de pro-
dução probatória em favor dos acusados. 7 Preliminar: nulidade do interrogatório
conjunto dos acusados. Violação do art. 191 do CPP. 8 Mérito: atipicidade da
associação criminosa, dada a inaplicabilidade da modificação do art. 288 do CP
promovida pela Lei nº 12.850/2013. 9 Mérito: desclassificação do art. 157, § 3º,
do CP para art. 157, caput, do Código Penal, dado o desejo de participação em
crime menos grave, nos moldes do art. 29, § 2º, do CP. 10 Mérito: circunstância
atenuante da confissão (art. 65, III, d, CP) para ambos, e da menoridade para
João (art. 65, I, CP). 11 Mérito: causa de redução da pena para João, nos termos
do art. 29, § 1º, do CP, dada a participação de menor importância. 12 Mérito:
impugnação ao concurso formal de crimes de latrocínio em razão de o único pa-
trimônio atingido pertencer à empresa pública (STF HC 75006-1/SP). 13 Pedidos:
inicialmente, conhecer a peça, em razão de atendimento aos requisitos formais
de admissibilidade, e julgar procedente a apelação, para, preliminarmente, de-
clarar a nulidade de todos os atos processuais desde o recebimento da denúncia,
em razão da incompetência absoluta, ou, acaso assim não se entenda, desde a
desconstituição do advogado particular constituído pelos acusados e da indevida
nomeação do defensor dativo, bem como dos atos de instrução processual e
sentença. No mérito, pedir a absolvição dos acusados no que se refere ao crime
15 Isso sem considerar que há diversos julgados indicando que a ausência do laudo definitivo não ensejaria a
anulação do feito, mas a absolvição do réu, em razão da ausência de provas da materialidade delitiva.
16 BLAJCHMAN, Miguel. Op. cit., p. 83.
94 R������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA
previsto no art. 288 do CP, bem como a desclassificação da conduta imputada.17
(grifou-se)
20 Em relação à significação d o termo absolvição, como já assentado, deve ser relacionada às hipóteses
de negativa de autoria e materialidade, mais benéficas ao réu e que têm o condão de vincular as esferas
administrativa e civil. Todavia, se é certo que tais situações, embora encontradiças na prática, talvez não
sejam as mais comuns, não menos certo é o fato de que ainda mais raramente o réu manifesta interesse em
recorrer de uma decisão absolutória apenas com o escopo de alterar a fundamentação do decisum e obter a
vinculação das demais esferas (relativamente independentes).
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA....................................................................................................................... 97
haverá prejuízo para a defesa, que terá obtido o resultado favorável, a despeito
do erro de procedimento verificado21.
E, nesse ponto, uma anotação se faz necessária: a possibilidade de absol-
vição do acusado deve ser apreciada mesmo que não tenha sido requerida no
recurso de quaisquer das partes22.
Ainda que não constitua objeto do recurso da defesa ou da acusação,
deve o réu ser absolvido ex officio pelo Tribunal, uma vez submetido o feito à
sua apreciação pela irresignação recursal, já que, como consabido, possível a
concessão de habeas corpus de ofício pelo Tribunal23.
Sobre o tema, também é consolidado o entendimento do Superior Tribu-
nal de Justiça:
O art. 617 do Código de Processo Penal veda, tão somente, a reformatio in pejus,
sendo admissível a reformatio in mellius na hipótese em que o Tribunal a quo,
ao julgar o recurso da acusação, reconheceu a insubsistência do conjunto proba-
21 Se as formas estabelecidas pela lei não são um fim em si mesmas, mas instrumentais, visando a proteger
algum interesse, deve-se sempre verificar se o ato atingiu o seu fim ou malferiu o interesse de uma das partes,
causando-lhe prejuízo (RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 707-708).
22 Nesse sentido, é firme a jurisprudência pátria, citando-se, por todos os julgados, os seguintes: “APELAÇÃO
– TENTATIVA DE ROUBO QUALIFICADO POR LESÃO GRAVE, TENTATIVA DE ESTUPRO – IRRESIGNAÇÃO
MINISTERIAL, EM QUE SE REQUER O RECONHECIMENTO DA CONSUMAÇÃO DO ROUBO QUALIFICADO
POR LESÃO CORPORAL GRAVE – PROVIMENTO – AUSÊNCIA DE RECURSO DA DEFESA – PROVA
COLIGIDA NOS AUTOS QUE SE REVELA RESTRITA, DUVIDOSA E INSUFICIENTE A ENSEJAR UM
DECRETO CONDENATÓRIO QUANTO AO CRIME DE ESTUPRO – APLICAÇÃO DA REFORMATIO IN MELLIUS
– ABSOLVIÇÃO – Agente que, simulando portar arma, invadiu residência, e determinou as vítimas, pai e
filha, que lhe entregassem dinheiro e cartões. Durante a empreitada criminosa falou que estupraria a vítima,
causando reação no pai, iniciando-se uma luta corporal, que redundou em grave lesão na vítima. A vítima
mulher conseguiu buscar socorro, interrompendo a empreitada criminosa. Consumação do roubo qualificado
por lesão corporal grave. O delito de roubo qualificado pela lesão corporal grave é crime complexo, composto
por dois elementos constitutivos, que isoladamente constituem figuras penais autônomas, um crime contra
a pessoa e um crime contra o patrimônio. Nos crimes complexos a tentativa só ocorre quando os delitos
que o compõem permanecem na forma tentada. No caso em exame, o crime de lesões corporais graves se
consumou enquanto a subtração patrimonial restou na forma tentada. Assim, há de reputar-se plenamente
caracterizado o momento consumativo da conduta praticada pelo apelado. Da absolvição do acusado. Não
obstante a ausência de recurso defensivo, não há como ratificar a sentença prolatada pelo MM. Juiz a quo,
na medida em que a prova produzida pelo Ministério Público revelou-se restrita, duvidosa e insuficiente
a ensejar um decreto condenatório quanto ao aventado crime. As provas apontam que o recorrido sequer
iniciou qualquer ato executório para a prática do crime de estupro, apenas falou que a estupraria. O recurso
exclusivo do Ministério Público não tem o condão de impedir a absolvição, em razão da possibilidade de
aplicação do princípio da reformatio in mellius em nosso sistema processual penal. Recurso a que se dá
provimento. Absolvição de ofício do acusado por insuficiência de provas, com fulcro no art. 386, VII, do
Código de Processo Penal, quanto ao crime de estupro” (grifou-se).
“APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA – COAÇÃO NO CURSO DO
PROCESSO (ART. 344 DO CP) – RECURSO EXCLUSIVO DA ACUSAÇÃO PRETENDENDO A MAJORAÇÃO
DA REPRIMENDA E O AGRAVAMENTO DO REGIME PRISIONAL – ANÁLISE, DE OFÍCIO, DO CONJUNTO
PROBATÓRIO UTILIZADO PARA EMBASAR A CONDENAÇÃO – RÉ QUE TELEFONOU PARA A VÍTIMA E
PROFERIU AMEAÇAS – INEXISTÊNCIA DE PROVA ACERCA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECÍFICO DO
TIPO PENAL – AUSÊNCIA DE TEMOR DA VÍTIMA – APLICAÇÃO DA REFORMATIO IN MELLIUS – CONCESSÃO
DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO PARA ABSOLVER A ACUSADA – PREJUDICADO O RECURSO.” (grifou-se)
23 Nesse sentido: TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 35. ed. São Paulo: Saraiva, v. 4,
2013. p. 512; LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 978;
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense, v. IV, 1965.
p. 276; MIRABETE. Código de processo penal interpretado. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 1590.
98 R������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA
tório e absolveu o réu, com fulcro no art. 386, inciso VI, do Código de Processo
Penal.24
24 REsp 753.396/RS, Relª Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, J. 11.04.2006, DJ 08.05.2006, p. 281.
25 Mesmo em relação às nulidades ditas absolutas, como a decorrente da incompetência do juízo, incide o
verbete em destaque: “Informativo nº 298, Título: Verbete nº 160 da Súmula e Nulidade Absoluta, Processo:
HC 80263, Artigo: Concluído o julgamento de habeas corpus em que se impugnava, por ofensa ao Verbete
nº 160 da Súmula do STF (‘É nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no
recurso da acusação, ressalvados os casos de ofício.”), decisão do STJ que mantivera acórdão do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo o qual, acolhendo a preliminar de incompetência absoluta do juízo estadual
suscitada no parecer do Ministério Público perante aquela Corte – e não suscitada pelas partes na apelação e
nas contrarrazões ao recurso –, anulara a sentença absolutória proferida pela justiça estadual, determinando
o processamento dos autos na justiça federal (v. Informativo 237). O Tribunal, por maioria, entendendo que o
conceito de nulidade disposto no Verbete 160 compreende a nulidade absoluta da sentença proferida por juiz
incompetente, deferiu em parte a ordem de habeas corpus para assentar que não cabia ao Tribunal de origem
concluir pela incompetência da justiça comum e para determinar que se prossiga no julgamento de mérito
da apelação do Ministério Público. Vencido o Min. Moreira Alves, que indeferia o pedido. HC 80.263/SP, Rel.
Min. Ilmar Galvão, 20.02.2003. (HC 80263). Também neste julgado, do Pretório excelso, o termo preliminar
foi equivocadamente empregado, como destacado ao longo do texto, por se tratar de um recurso apreciado
pela Corte, e não de ação penal originária”.
26 Nesse sentido, Norberto Avena ressalta a inexistência de efeito translativo na apelação no que pertine à
possibilidade de contrariar os interesses do réu, restringindo tal possibilidade apenas aos casos de reexame
necessário (art. 7º da Lei nº 1.521/1951). (AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal esquematizado.
6. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 1201).
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA....................................................................................................................... 99
razões recursais e pretendesse a anulação, além da absolvição, o qual correria o
risco de, a prevalecer a ordem de análise das matérias atualmente seguida pelos
Tribunais, ver o provimento judicial ser anulado, com a retomada da marcha
processual, em vez de obter, desde logo, a absolvição de todas as imputações,
com a reforma da sentença.
Logicamente tal raciocínio redundaria em clara violação ao exercício da
ampla defesa.
Em síntese, antes de apreciar o vício de procedimento que prejudica a
defesa, dando ensejo à anulação do feito, forçoso analisar a prova dos autos
com o escopo de concluir se é possível a absolvição do acusado.
E mesmo que não haja pleito de absolvição no recurso interposto pela
defesa ou pela acusação, impende seja tal possibilidade analisada pelo Tribu-
nal, que, como já dito e ressabido, pode conceder ordem de habeas corpus de
ofício.
Por derradeiro, uma última hipótese deve ser analisada, já que até esse mo-
mento cuidamos dos casos em que há recurso apenas da defesa. Havendo recurso
da acusação, exclusivo ou não, o único caso em que um erro de procedimento
deve ser analisado antes mesmo dos fundamentos para absolvição do réu – o que
não constitui exceção ao que anteriormente se expôs, mas, ao revés, representa
corolário do que aqui sustentado – se verifica quando a cassação da sentença
seja objeto do apelo da acusação, que exponha erro de procedimento que tenha
prejudicado o exercício da persecução penal em juízo, ou, para usar a expressão
do próprio Código de Processo penal, tenha prejudicado a acusação.
Nesse caso, por intuitivo, se se alega que a atividade persecutória não
foi exercida de forma plena, torna-se precipitada a análise do conjunto proba-
tório com o escopo de concluir pela absolvição ou não do acusado, já que a
acusação, uma vez afastado o erro de procedimento, pode modificar o quadro
fático-probatório e até jurídico até então desenhado.
Dessa forma, em casos tais, a análise da possibilidade de anulação da
sentença em razão do vício de procedimento que prejudica a acusação, e não a
defesa, antes de se apreciar a própria absolvição, deflui igualmente da raciona-
lidade subjacente ao sistema recursal em sede processual penal.
Mas, frise-se, como decorre da própria Súmula do STF, Verbete nº 160,
exige-se que o vício tenha sido submetido ao Tribunal por força do efeito de-
volutivo, em recurso da acusação que requeira a cassação da sentença, sendo
vedado o seu conhecimento de ofício pelo julgador, sob pena de afronta à pros-
crição da reformatio in pejus (art. 617 do CPP).
De forma a ilustrar o que se expõe acerca da correta ordem de aprecia-
ção das matérias em sede recursal, elaboramos o quadro sinóptico a seguir:
100 D���������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA
Ordem
Matéria a ser Quando pode
de apre- Fundamento
apreciada ser analisada
ciação
Vedação à refor-
matio in pejus,
Súmula STF,
Apenas quando
Vício de procedi- verbete nº 160 e
constituir objeto
1º mento que preju- princípio do tan-
do recurso da
dica a acusação tum devolutum
acusação
quantum
apellatum
(art. 599 do CPP)
Em qualquer
hipótese, mesmo
CPP, art. 654,
Absolvição que não seja
MÉRITO 2º § 2º, e princípio
do réu objeto do recurso
DO do favor rei
da defesa ou
RECURSO da acusação
Em qualquer
Vício de proce-
hipótese, mesmo
dimento que pre- CPP, art. 654,
que não seja
judica a defesa e § 2º, e princípio
objeto do recurso
enseja nulidade do favor rei
da defesa ou da
absoluta27
acusação 28
3º
Princípio do
Vício de pro-
Apenas quan- tantum
cedimento que
do constituir devolutum
prejudica a
objeto do recurso quantum
defesa e enseja
da defesa apellatum
nulidade relativa
(art. 599 do CPP)
CONCLUSÃO
Retomando as questões propostas no início deste ensaio, a fim de se
consolidar o que foi expendido, devem ser destacadas as seguintes conclusões.
A) Recorrendo a defesa, buscando não apenas a absolvição do réu,
senão também a anulação da sentença em razão de erro de proce-
dimento que prejudica a própria defesa, a correta ordem de apre-
ciação das matérias consiste em que o pleito absolutório de todas as
imputações seja analisado antes do pleito de anulação.
B) No que tange à outra indagação formulada – se tal ordem depende-
ria de pedido expresso formulado pela defesa em seu recurso (ou até
mesmo pela acusação, quando na defesa dos interesses do acusado)
–, é certo que, mesmo que a absolvição não tenha sido pretendida,
havendo recurso de quaisquer das partes, deve o Tribunal analisá-
-la e sempre antes de apreciar eventual erro de procedimento que
tenha causado prejuízo à defesa.
Aliás, o próprio error in procedendo que prejudica a defesa, desde que
constitua nulidade absoluta, pode ser reconhecido de ofício pelo Tribunal, não
necessitando ter sido objeto do apelo.
Portanto, tal ordem independe do fato de haver recurso em que o pleito
absolutório e até mesmo o de cassação em razão de nulidade absoluta consti-
tuam o seu objeto.
C) No que pertine à atuação da defesa técnica, ao arrazoar e formular
os pedidos nos recursos interpostos, ao contrário do que rotineira-
mente se vê na prática jurisdicional e nos gabaritos dos concursos,
deve, em primeiro lugar, expor as razões para a absolvição do réu
e assim requerê-la. Apenas na eventualidade de não se acolher o
pleito de absolvição de todas as imputações feitas, formulado em
sede principal na peça recursal, pretender a anulação da sentença,
sempre de forma subsidiária.
Também em seguida, não havendo a absolvição de todas as imputações
e não sendo anulada a sentença, ainda subsidiariamente, requerer a reforma do
decisum no que tange aos aspectos relacionados à dosimetria penal.
102 D���������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA
Demais disso, nos recursos manejados, deve a defesa abandonar o em-
prego, de forma incorreta, do termo “preliminares” para designar os vícios de
procedimento que a prejudiquem, que, frise-se, apenas serão expostos após as
razões para a absolvição.
Nesse particular, também os gabaritos propostos nos concursos públicos
reclamam os mesmos ajustes.
D) Por derradeiro, em caso de recurso da acusação, exclusivo ou não,
logicamente as matérias atinentes à absolvição do réu e ao reco-
nhecimento de nulidade absoluta que prejudique a defesa devem
ser analisadas na mesma ordem indicada (porque a absolvição deve
anteceder a anulação a pretexto de salvaguardar os interesses do
réu).
A seguir (ou, não havendo recurso da acusação com esse objeto, em pri-
meiro lugar) – como também já elucidado no quadro apresentado –, cuidará da
absolvição do réu, tendo sido suscitada ou não por quaisquer das partes, e, logo
após, de erro de procedimento que tenha prejudicado a defesa, como indicado
no quadro acima.
REFERÊNCIAS
AKERMAN, William; CAMARGO, Eduardo Aidê Bueno de; GOMES, Roberto.
Coleção provas discursivas respondidas e comentadas – Processo Penal.
Salvador: JusPodivm, 2015.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA.................................................................................................................... 103
______ et al. Coleção provas discursivas respondidas e comentadas – Direito Pe-
nal. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2015.
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal esquematizado. 6. ed.
Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.
BLAJCHMAN, Miguel (Org.). Questões discursivas: direito processual penal.
Rio de Janeiro: Questões Discursivas, 2014.
CESPE/UnB. Defensoria Pública da União. Disponível em: <http://www.cespe.unb.
br/concursos/dpu_14_defensor/arquivos/grupo_2_padroes_de_respostas_definitivo.
pdf>. Acesso em: 5 ago. 2015.
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Rio de Janeiro:
Forense, v. IV, 1965.
MIRABETE. Código de processo penal interpretado. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Que significa “não conhecer” de um recurso,
RJ 224, jun. 1996.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Questões prejudiciais e coisa julgada. Tese de
concurso para a docência livre de direito judiciário civil apresentada à congrega-
ção da faculdade de direito da UFRJ. Rio de Janeiro: Forense, 1967.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 14. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2011.
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 14ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 35. ed. São Paulo:
Saraiva, v. 4, 2013.
Parte Geral – Doutrina
Interpretação Judicial Criativa em Direito Penal: da Teoria à Prática
CHIAVELLI FACENDA FALAVIGNO
Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestre em Ciências
Criminais, aprovada com voto de louvor, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, Professora de Direito Penal, Direito Internacional e Criminologia das Faculdades João
Paulo II (Passo Fundo/RS), Professora de Legislação Penal Especial na Universidade do Contes-
tado (Concórdia/SC), Advogada.
RESUMO: Esse trabalho visa a abordar a interpretação judicial criativa, tema bastante recente e
ainda pouco explorado pela doutrina nacional. Serão tratadas, nesse texto, de forma breve e objetiva,
a definição do instituto e sua origem histórica, bem como a relação entre ele, o ativismo judicial e a
hermenêutica jurídica. Na primeira parte do trabalho será analisada a possibilidade de utilização da
interpretação judicial criativa em matéria penal, tendo em vista os limites do próprio ordenamento
jurídico brasileiro. Ao final, por um viés prático, serão expostas manifestações do Supremo Tribunal
Federal e de outros tribunais brasileiros em que foram usados, pelos julgadores, métodos de in-
terpretação que podem ser considerados criativos. A metodologia utilizada nesse artigo consiste,
primordialmente, em revisão bibliográfica das obras mencionadas nas referências do texto. Também
foi realizada pesquisa prática, por meio de busca em sites de tribunais pátrios e de conteúdo jurídico
em geral. O objetivo desse trabalho é desenvolver exposições iniciais sobre a interpretação judicial
criativa em matéria penal, possibilitando aos leitores um contato primeiro com o tema, tendo em
vista que cada vez mais o ativismo se manifesta nas decisões do Judiciário brasileiro, porém carente
de doutrina que o defina e o delimite.
INTRODUÇÃO
Nos dias atuais, faz-se cada vez mais necessário o estudo do papel dos
magistrados na aplicação do Direito, que tem sido uma construção diária do
intérprete. O presente trabalho visa a elucidar alguns aspectos sobre o instituto
da interpretação judicial criativa, principalmente pela influência que esta vem
exercendo, inegavelmente, na cultura jurídica brasileira.
A justificativa do estudo se deve a recentes decisões que têm sido profe-
ridas, ainda que de forma pontual, pelo Supremo Tribunal Federal e os demais
tribunais brasileiros, as quais visam não a aplicar a lei de forma literal, e sim a
adaptá-la, com uso de criatividade, ao caso concreto. Tal procedimento pode
até mesmo afastar o dispositivo legal quando se fizer necessário, de modo a
buscar a solução mais justa.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA.................................................................................................................... 105
Assim, a presente análise se centra, primeiramente, na conceituação do
instituto e suas referências históricas para introduzir o leitor ao debate acerca do
tema em comento. Após o desenvolvimento, analisa-se, por fim, manifestações
práticas, que ilustram essa inovadora teoria interpretativa.
1 MIARELLI, Mayra Marinho; LIMA, Rogério Montai de. Ativismo judicial e a efetivação de direitos no Supremo
Tribunal Federal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2012. p. 9.
2 Sobre a omissão como configuradora de grave dano à Constituição, passível de controle pelo Supremo Tribunal
Federal por meio do preenchimento de lacunas, cita-se precedentes memoráveis da referida Corte: “EMENTA:
DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO – MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO
PODER PÚBLICO – O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante
inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do
Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe,
assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em
um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. Se o Estado deixar de adotar as medidas
necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e
exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs,
incidirá em violação negativa do Texto Constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a
inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial,
106 D���������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA
ou retardam excessivamente o cumprimento de deveres que estão em sua alça-
da por expressa determinação constitucional, não podendo o Poder Judiciário
manter-se passivo. E conclui:
A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a
imposição ditada pelo Texto Constitucional – qualifica-se como comportamento
revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder
Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se
fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concreti-
zadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental
[...].3
quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público [...]” (ADI 1458 MC, Rel. Min. Celso de Mello,
Tribunal Pleno, J. 23.05.1996, DJ 20.09.1996 p. 34531, Ement. v. 01842-01, p. 00128).
3 MELLO FILHO, José Celso de. O Supremo Tribunal Federal e a defesa das liberdades públicas sob a
Constituição de 1988: alguns tópicos relevantes. In: PAULSEN, Leandro (Org.). Repercussão geral no recurso
extraordinário: estudos em homenagem à Ministra Ellen Gracie. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
p. 16.
4 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2005. p. 54/56.
5 MIARELLI, Mayra Marinho; LIMA, Rogério Montai de. Op. cit., p. 23
6 FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 52.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA.................................................................................................................... 107
Como deve o magistrado criminal ativista comportar-se diante da norma
penal que não contempla as garantias fundamentais do acusado? Pode esse
magistrado, em exercício de interpretação abertamente criativa, usar de her-
menêutica para solucionar o caso concreto? Essas poucas linhas não detêm a
pretensão de exaurir definitivamente a questão, mas é possível que se comece
a vislumbrar alternativas doutrinárias que dão azo a uma resposta, ao menos
aparentemente, positiva.
A expressão ativismo judicial encontra-se umbilicalmente conectada
com os direitos fundamentais, compreendendo o juiz que decide de forma a
conferir eficácia a esses direitos. Qualquer postura ativa do magistrado que vá
de encontro ao que apregoam tais garantias pode ser qualquer coisa, à exceção
do tema tratado no presente artigo.
Logo, pode-se concluir que a função principal do juiz consiste em reali-
zar julgamentos sempre submetidos à lei. Porém, nos casos de omissão legislati-
va, sem que se incluam as hipóteses de decisões autoritárias ou excessivamente
subjetivas, a melhor forma de atuação dos tribunais seria fazer uso de uma
conduta ativa, voltada à efetivação dos direitos fundamentais do cidadão7, e
tornando-se assim também fonte de criação do direito. E, em princípio, também
não deve ser outro o pensamento que guia o juiz no deslinde dos casos que
envolvem Direito Penal.
7 MIARELLI, Mayra Marinho; LIMA, Rogério Montai de. Op. cit., p. 25.
8 Marbury was the first Supreme Court case to apply the emergent doctrine of judicial review to a congressional
statute. (HALL, Kermit L., (ed. in chief). The Oxford Companion to the Supreme Court of the United States.
Oxford: Oxford University Press, 1999. p. 521).
9 MIARELLI, Mayra Marinho; LIMA, Rogério Montai de. Op. cit., p. 159.
10 Bem explicita essa compreensão obra de Ronald Dworkin, que comenta as principais decisões da Suprema
Corte norte-americana, publicada quase dois séculos após a decisão paradigmática citada no texto: a situação
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O termo ativismo judicial foi citado pela primeira vez também nos Es-
tados Unidos, no ano de 1947, quando o jornalista Arthur Schlesinger Jr., em
artigo publicado na revista Fortune, nomeou assim a atuação da Suprema Cor-
te norte-americana. O referido texto dividia os juízes da Suprema Corte entre
aqueles que adotavam a postura ativista e os que mantinham condutas contidas
em suas decisões11.
Conforme Canotilho, na doutrina americana identifica-se duas correntes
em sede de interpretação constitucional: a dos interpretativistas e a dos não
interpretativistas. De acordo com a primeira, o juiz deve interpretar a norma
constitucional limitando-se a captar o sentido de preceitos nela expressos12.
Já as correntes não interpretativistas defendem que é possível – e até mesmo
necessário – que o juiz invoque princípios substantivos, como a liberdade e a
justiça, contra atos de competência do legislador que se encontrem em descon-
formidade com a Carta Maior13.
Por meio da aceitação da segunda corrente, depreende-se o caráter con-
tramajoritário do Poder Judiciário14, eis que cabe a ele a proteção da Cons-
tituição, principalmente no que tange aos valores e direitos fundamentais lá
expressos. Assim, a função primordial do magistrado é a de decidir de maneira a
que esses mesmos direitos encontrem-se preservados, ainda que isso signifique
posicionar-se contra a vontade da maioria.
é muito diferente quando não estamos fundando uma nova prática constitucional, mas sim interpretando uma
prática estabelecida. Nesse caso, a autoridade já foi distribuída pela história e os detalhes da responsabilidade
institucional dependem de uma interpretação e não de uma criação a partir do nada. Nessas circunstâncias,
a rejeição da premissa majoritária nos liberta para procurar a melhor interpretação com a mente mais aberta:
não temos nenhuma razão de princípio que nos obrigue a encaixar nossas práticas num molde majoritário
qualquer. Se a interpretação mais direta da prática constitucional norte-americana mostra que nossos juízes
são dotados da autoridade interpretativa final e que eles, em sua maioria, compreendem a Declaração de
Direitos como uma constituição de princípios – se é essa a melhor explicação das decisões que os juízes
efetivamente tomam e que o público em sua maioria aceita –, não temos motivo algum para resistir a essa
leitura e nos esforçar para encontrar outra que pareça mais compatível com a filosofia majoritária (DWORKIN,
Ronald. O direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. Trad. Marcelo Brandão
Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 53/54).
11 MIARELLI, Mayra Marinho; LIMA, Rogério Montai de. Op. cit., p. 159.
12 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 7 reimp. Coimbra: Almedina,
2003. p. 1195.
13 Idem, p. 1196.
14 FELDENS, Luciano. Op. cit., p. 57.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA.................................................................................................................... 109
Não que a palavra seja imperfeita e esteja, em face do visível, num déficit que
em vão se esforçaria por recuperar. São irredutíveis uma ao outro: por mais que
se diga o que se vê, o que se vê não se aloja jamais no que se diz, e por mais que
se faça ver o que se está dizendo por imagens, metáforas, comparações, o lugar
onde estas resplandecem não é aquele que os olhos descortinam, mas aquele que
as sucessões da sintaxe definem.15
15 FOCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Trad. Salma Tannus
Muchail. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 12.
16 MIARELLI, Mayra Marinho; LIMA, Rogério Montai de. Op. cit., p. 177.
17 Idem, p. 179.
18 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do
direito. 3. ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 230/233.
19 STRECK, Lenio Luiz. Op. cit., p. 109.
20 FALAVIGNO, Chiavelli. A interpretação judicial criativa pro reo em direito penal. Porto Alegre: Núria Fabbris,
2015. p. 154.
21 De modo mais simples, é preciso comunicar esse óbvio (jurídico) de que um texto normativo só será válido se
estiver em conformidade com a materialidade exsurgente da proposta civilizatória que é o Estado Democrático
de Direito. (Idem, p. 137).
110 D���������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA
4 AS POSSIBILIDADES DA CRIATIVIDADE EM MATÉRIA PENAL
Inicia-se aqui a segunda parte desse trabalho, em que se relacionará o
tema até então estudado com as possibilidades de sua aplicação em matérias de
Direito Penal. Para tanto, é necessário que se exponham os princípios rígidos
que orientam o sistema de direito criminal vigente no País, sabendo-se, portan-
to, que a incidência do ativismo judicial, além de limitada por uma teleologia
constitucional, deverá dar-se também em respeito aos estreitos ditames desse
sistema penal.
No breve espaço desse artigo, é preciso que se eleja um autor que ana-
lise, de forma satisfativa, as principais máximas norteadoras do ordenamento
penal pátrio. A escolha acadêmica feita nesse trabalho é pelos ensinamentos de
Francisco de Assis Toledo. Para traçar um primeiro quadro de garantias rígidas
do sistema, o autor refere os princípios que delimitam a lei penal no tempo
(principalmente a irretroatividade), os que delimitam a lei penal no espaço (ter-
ritorialidade, personalidade, da defesa e da universalidade ou justiça universal)
e os que delimitam a aplicação da lei em si22. Esses últimos serão objetos de
análise mais aprofundada nesse momento.
O princípio da legalidade ou da reserva legal pode ser considerado a
espinha dorsal do ordenamento penal brasileiro. Adotando-se a metodologia de
Assis Toledo, tal princípio desdobra-se em quatro ditames principais: a exigên-
cia de lei prévia (exigência de lei anterior), escrita (hipótese de exclusão e de
admissibilidade de costumes), estrita (hipótese de exclusão e admissibilidade de
analogia) e certa. Só é possível conceber-se a aplicação – e, por consequência,
a interpretação – do Direito Penal, com a preservação dessas características,
sob pena de que este perca sua natureza essencial. Explicita o autor, sobre a
abrangência do princípio da legalidade:
O princípio da legalidade, segundo o qual nenhum fato pode ser considerado
crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada, sem que antes desse mesmo
fato tenham sido instituídos por lei o tipo delitivo e a pena respectiva, constitui
uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera das liberdades indivi-
duais. [...] Funda-se na ideia de que há direitos inerentes à pessoa humana que
não são nem precisam ser outorgados pelo Estado. Sendo assim, e como não se
pode negar ao Estado o poder de estabelecer certas limitações ou proibições, o
que não estiver proibido está permitido (permittiturqod non prohibetur). Daí a ne-
cessidade de editarem-se proibições casuísticas, na esfera penal, o que, segundo
o princípio em exame, compete exclusivamente à lei.23
22 ASSIS TOLEDO, Francisco. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. XIII.
23 Idem, p. 21/22.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA.................................................................................................................... 111
Assim, delimitadas, de forma breve, as características essenciais e irre-
nunciáveis do sistema penal adotado no Brasil, passa-se a analisar algumas de-
cisões de tribunais brasileiros que podem ser consideradas ativistas em matéria
criminal, as quais vêm ao encontro do exposto nesse texto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o exposto nesse texto, conclui-se que a interpretação judicial cria-
tiva e ativista é fenômeno que começa a tomar forma no Direito brasileiro, de-
vendo, por conseguinte, despertar o interesse dos estudiosos de todas as searas
jurídicas.
A partir do raciocínio construído nesse artigo, porém sem pretensão de
tornar definitiva a resolução do problema, é possível vislumbrar-se uma legiti-
midade, ao menos aparente, em relação ao uso do protagonismo judicial em
decisões penais. Contudo, esse procedimento deve dar-se por meio da utiliza-
ção de uma hermenêutica constitucionalmente orientada, bem como preser-
vando as disposições rígidas de legalidade do ordenamento penal pátrio, o que
torna inviável o recrudescimento das situações punitivas.
Assim, a interpretação judicial criativa em Direito Penal deve seguir a
única via possível em um Estado Democrático de Direito, qual seja a que au-
menta as garantias do acusado. Apenas assim pode-se advogar pela sua legiti-
midade, orientando, pela teoria, procedimento que já ocorre com frequência na
prática cotidiana dos tribunais brasileiros.
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CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed.
7 reimp. Coimbra: Almedina, 2003.
30 A justificativa para essa aplicação se dá pelo fato de que o art. 28 da Lei nº 11.343/2006 não prevê qualquer
modalidade de pena privativa de liberdade, sendo que, dessa forma, a transação não seria propriamente um
benefício gerador de impunidade no caso de reiteração da conduta delituosa.
31 STJ. Corte Especial. AI-HC 239.363/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, J. 26.02.2015. Info 559.
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Parte Geral – Doutrina
Audiências de Custódia como Garantia dos Direitos Fundamentais
do Acusado e Concretização de Política Pública Eficiente na Área de
Segurança
Custody Hearings as Warranty of Fundamental Rights of the Accused and
Implementation of Public Policy Efficient in Safety Area
ABSTRACT: The objective is to examine the institution of custody hearing, examining their assump-
tions, purposes and legislative provision, so that in a second stage, from an analysis of individual
guarantees, set up the congruence of the same address these and at the same time, convenience
as a way of implementing effective public policies in the area of public safety. Through the monogra-
phic research, operated by the inductive method, it was found that the custody hearing has express
provision in the American Convention on Human Rights treaty to which Brazil is a signatory, and as
precedents of the Supreme Court has supralegal and immediate applicability under national regula-
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA.................................................................................................................... 115
tory system. Regarding the institute itself, it turns out that this addition to meeting the principles and
guarantees of the accused, avoiding arbitrary and / or unnecessary prisons while meets the aspira-
tions and social needs, for minimizing the damage caused by irrational widespread incarceration.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Desenvolvimento; 1.1 Sistema prisional brasileiro; 1.2 Audiência de custó-
dia e sua previsão normativa; 1.3 Aplicação imediata da Convenção Americana de Direitos Humanos
no ordenamento nacional; 1.4 Finalidade do instituto; 1.5 Experiências práticas no Brasil, audiências
de custódia nos Estados do Espírito Santo e de São Paulo; 1.5.1 Audiências de custódia no Esta-
do do Espírito Santo; 1.5.2 Audiências de custódia no Estado de São Paulo; Considerações finais;
Referências.
INTRODUÇÃO
Constitui-se como objeto deste artigo científico a pesquisa no Direito
brasileiro e internacional, no ramo constitucional, especialmente no âmbito das
garantias individuais do acusado, acerca do instituto da audiência de custódia,
examinando seus pressupostos, finalidades e previsão normativa, para que, em
um segundo momento, a partir de uma análise acerca das garantias individuais,
estabeleça-se a congruência do mesmo frente a estes e, ao mesmo tempo, sua
conveniência como forma de implementação de políticas públicas eficientes na
área de segurança pública.
A justificativa para o desenvolvimento desta pesquisa se encontra no fato
de que, muito embora escritas, diversas normas que visam adequar o processo
penal ao direito constitucional, especialmente no que tange às garantias indi-
viduais introduzidas nas constituições, especialmente após as grandes guerras,
acabam por não se verificarem no campo prático, gerando prejuízo individual
direto ao acusado, que muitas vezes acaba por ser processado e julgado por
um sistema muito mais inquisitório do que garantista, além de gerar prejuízo
mediato à própria sociedade, visto que o método do encarceramento em massa
demonstra-se, por uma série de fatores, ineficiente, além de cruel.
A pesquisa se origina do problema que consiste em descobrir os pressu-
postos e finalidades da audiência de custódia, para que assim se verifique se
esta representa uma expressão na prática das garantias individuais do acusado,
e ainda, se esta possui regramento normativo aplicável ao Direito brasileiro.
Diante do problema apresentado, propôs-se a hipótese de que a audiên-
cia de custódia visa à apresentação do cidadão preso ao juízo, de forma imedia-
ta, para que este decida de forma rápida se é legal e necessária a manutenção
da custódia preventiva do mesmo. Embora não haja previsão expressa no orde-
namento nacional, ao menos em forma de lei formal, a audiência de custódia
encontra previsão expressa na Convenção Americana dos Direitos Humanos,
116 D���������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA
tratado do qual o Brasil é signatário, e, conforme precedentes do STF, possui
aplicabilidade supralegal e imediata no âmbito do sistema normativo nacional.
Para se atingir os objetivos perseguidos, inicialmente, será investigado o
cenário atual do sistema prisional brasileiro, para que, na sequência, se aborde
a audiência de custódia em si, bem como a sua previsão normativa e a conse-
quente aplicabilidade imediata da Convenção Americana dos Direitos Huma-
nos no ordenamento jurídico brasileiro. Posteriormente, examinar-se-á as finali-
dades do instituto, para que se vislumbre se estes se coadunam com as garantias
individuais do acusado. Por fim, serão trazidos dados estatísticos e opiniões de
operadores do direito que tiveram contato com os exemplos práticos existentes
no Brasil, especificamente nos Estados do Espírito Santo e de São Paulo, para
que derradeiramente se apresente as considerações finais, identificando se as
hipóteses apresentadas foram ou não confirmadas pela pesquisa.
No desenvolvimento desta pesquisa será utilizado o método indutivo, ou
seja, pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo
a ter uma percepção ou conclusão geral. Na investigação, far-se-á uso da técni-
ca do referente, das categorias e do conceito operacional, por meio de pesquisa
doutrinária, cujas referências serão trazidas ao longo do texto, por notas de
rodapé, enquanto as informações gerais das obras citadas serão colacionadas
ao final em seção específica.
1 DESENVOLVIMENTO
1 O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desenvolve ações relacionadas ao sistema carcerário, à execução penal
e às medidas socioeducativas. Estas ações são de responsabilidade do Departamento de Monitoramento e
Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), criado pela
Lei nº 12.106/2009.
2 BARBOSA, Ruchester Marreiros. O conteúdo epistemológico da audiência de custódia de São Paulo: não
o apóstolo, mas também prega milagres (parte 1). Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/tag/
ruchester-marreiros-barbosa/>. Acesso em: 3 jul. 2015.
3 FRANCESCO, Wagner. CNJ divulga dados sobre nova população carcerária brasileira. Disponível em: <http://
wagnerfrancesco.jusbrasil.com.br/noticias/129733348/cnj-divulga-dados-sobre-nova-populacao-carceraria-
brasileira>. Acesso em: 3 jul. 2015.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA.................................................................................................................... 117
Nas palavras do Ministro Ricardo Lewandowski4, do Supremo Tribunal
Federal, tem-se, na cultura do encarceramento, uma cultura antiga de mandar
as pessoas para a prisão, seja qual for o delito que cometeram. Muitas vezes por
conta de um crime de menor potencial ofensivo, o acusado é enviado à prisão,
onde passa a cursar uma verdadeira universidade do crime. A realidade no cár-
cere acaba por influenciar sua conduta para que se alie a uma facção criminosa,
com o intuito de obter condições mais dignas, ou até mesmo para proteger a
sua família que está fora dos estabelecimentos prisionais, conforme sustenta o
presidente do CNJ e do STF5.
Neste sentido, Foucault parece ter razão quando admite que todos os in-
convenientes da prisão são conhecidos, admitindo-se que o estabelecimento é
perigoso, quando não inútil. Todavia, até o momento, a sociedade ainda parece
não ter encontrado um modelo suficiente para lhe substituir. Assim, o cárcere
permanece como a detestável solução, de que não se pode abrir mão6.
Por outro lado, segundo Lopes e Paiva, citando Ferrajoli, a prisão tem se
convertido no sinal mais evidente da crise da jurisdicionalidade, da tendência
de administrativização do processo penal e, sobretudo, da sua degeneração em
um mecanismo diretamente punitivo7.
Como ressaltado pela Corte constitucional italiana, um tratamento penal
inspirado em critérios de humanidade é pressuposto necessário para uma ação
reeducativa do condenado8.
Entretanto, o sistema carcerário nacional, além de não possuir as condi-
ções mínimas para concretização do projeto corretivo previsto nas normas na-
cionais e internacionais, apresenta uma eficácia invertida, isto é, atua de forma
deformadora e estigmatizante sobre o condenado9. Neste sentido, as palavras
de Yarochewsky:
O homem já voou (1906); já pisou na lua (1969) e passeou no espaço; descobriu
a penicilina (1941); inventou o telefone (1876); inventou o rádio (1920) e a te-
4 Brasil, Conselho Nacional de Justiça. Lewandowski destaca fortalecimento da Justiça junto ao sistema
carcerário. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/79482-lewandowski-destaca-fortalecimento-
da-justica-junto-ao-sistema-carcerario>. Acesso em: 3 jul. 2015.
5 Supremo Tribunal Federal.
6 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 39. ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2011. p. 218.
7 LOPES JR., Aury; PAIVA, Caio. Audiência de custódia e a imediata apresentação do preso ao juiz: rumo
à evolução civilizatória do processo penal. Revista Liberdade IBCCrim, n. 17, p. 11. Disponível em:
www.revistaliberdades.org.br. Acesso em: 10 jul. 2015.
8 TAVARES, Juares. Não se pode prender no Brasil. Falta responsabilidade do Estado e de seus magistrados.
Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/juarez-tavares-diz-que-nao-se-pode-prender-no-brasil-falta-
responsabilidade-do-estado-e-de-seus-magistrados/>. Acesso em: 3 jul. 2015.
9 Idem.
118 D���������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA
levisão (1925); transplantou coração (1967); clonou mamífero (1996); mas, para
punir seres humanos ainda se utiliza da prisão.10
17 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A palavra dos mortos: conferências de criminologia cautelar. São Paulo: Saraiva,
2013. p. 404.
18 CANÁRIO, Pedro. Reincidência não deve impedir aplicação da bagatela. Disponível em: <http://www.conjur.
com.br/2014-dez-10/reincidencia-nao-impedir-aplicacao-bagatela-afirma-barroso>. Acesso em: 3 jul. 2015.
19 BARBOSA, Ruchester Marreiros. Op. cit.
20 MOREIRA, Rômulo de Andrade. A audiência de custódia, o CNJ e os pactos internacionais de direitos humanos.
Disponível em: <http://romulomoreira.jusbrasil.com.br/artigos/160776698/a-audiencia-de-custodia-o-cnj-e-
os-pactos-internacionais-de-direitos-humanos>. Acesso em: 6 jul. 2015.
120 D���������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA
Direitos Humanos (CADH) – Pacto de São José da Costa Rica, o Pacto Interna-
cional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e a Convenção Europeia de Direitos
Humanos21. Durante a audiência, o juiz analisará a prisão sob o aspecto da
legalidade, da necessidade e da adequação da continuidade da prisão ou da
eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas
cautelares. O juiz poderá avaliar também eventuais ocorrências de tortura ou
de maus-tratos, entre outras irregularidades22. Neste sentido, Paiva conceitua
custódia como:
A condução do preso, sem demora, à presença de uma autoridade judicial, que
deverá, a partir de prévio contraditório estabelecido entre o Ministério Público e
a Defesa, exercer um controle imediato da legalidade e da necessidade da prisão,
assim como apreciar questões relativas à pessoa do cidadão conduzido, notada-
mente a presença de maus tratos ou tortura. Assim a audiência de custódia pode
ser considerada como uma relevantíssima hipótese de acesso à jurisdição penal,
tratando-se, então, de uma das garantias da liberdade pessoal que se traduz em
obrigações a cargo do estado.23
21 CORDEIRO, Patricia. TJPR, em decisão inédita, reconhece a necessidade de audiência de custódia. Disponível em:
<http://emporiododireito.com.br/tjpr-em-decisao-inedita-reconhece-a-necessidade-da-audiencia-de-custodia
-por-patricia-cordeiro/>. Acesso em: 10 jul. 2015.
22 Brasil, Conselho Nacional de Justiça. Audiência de Custódia. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/sistema-
carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia>. Acesso em: 3 jul. 2015.
23 PAIVA, Caio. Na série audiência de custódia: conceito, previsão normativa e finalidades. Disponível em:
<http://justificando.com/2015/03/03/na-serie-audiencia-de-custodia-conceito-previsao-normativa-e-
finalidades/>. Acesso em: 3 jul. 2015.
24 LOPES JR., Aury; ROSA, Alexandre de Moraes. Afinal quem tem medo da audiência de custódia? (parte 1).
Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-fev-13/limite-penal-afinal-quem-medo-audiencia-custodia-
parte>. Acesso em: 3 jul. 2015.
25 GOMES, Luiz Flávio. Audiência de custódia e a resistência das almas inquisitoriais. Disponível em:
<http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/168950071/audiencia-de-custodia-e-a-resistencia-das-almas-
inquisitoriais>. Acesso em: 3 jul. 2015.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA.................................................................................................................... 121
72 horas no caso da Espanha, passando por 24 horas no Chile, 36 horas na
Colômbia e 48 horas no México, Peru e Estados Unidos da América. Finaliza o
autor, deixando clara sua predileção por este ato judicial, afirmando ser preciso
ter uma alma exorbitantemente inquisitorial e exageradamente tribalista26 para
se posicionar contra tais audiências.
O Brasil, por sua vez, está preso ao período arcaico e, mesmo após algu-
mas recentes reformas, inclusive do sistema de prisão, pela Lei nº 12.403/2011,
permanece prevendo que, em caso de prisão em flagrante, apenas os documen-
tos policiais (laudo de prisão em flagrante) serão encaminhados à autoridade
judicial, nada mencionando acerca do direito do preso comparecer perante
ela. Percebe-se assim que a legalidade desse aprisionamento somente se pauta
em documentos escritos fornecidos unilateralmente pelo aparato inquisitório
da persecução penal, ao contrário do que aponta a tendência internacional,
conferindo azo a arbitrariedades e violências ao cidadão que, muitas vezes, se
encontra preso injustamente e por um longo período de tempo27.
Assim, pode-se afirmar que audiência de custódia é uma etapa do alinha-
mento do Processo Penal brasileiro com as Declarações de Direitos Humanos,
talvez por isso seja tão complicado falar dela para quem mantém a mentalidade
autoritária. A convenção se aplica ao Brasil, porém, em muitos pontos, é igno-
rada, como, aliás, boa parte da normativa de Direitos Humanos28.
26 Denomina Gomes esse termo a tribo engravatada de cima que odeia a tribo pé de chinelo de baixo, que é a
única que é presa em flagrante pela polícia militar.
27 COELHO, Pedro. Audiência de Custódia. Disponível em: <http://blog.ebeji.com.br/audiencia-de-custodia/>.
Acesso em: 8 jul. 2015.
28 LOPES JR., Aury; ROSA, Alexandre de Moraes. Não sei, não conheço, mas não gosto da audiência de
custódia. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-jul-10/limite-penal-nao-sei-nao-conheco-nao-
gosto-audiencia-custodia>. Acesso em: 10 jul. 2015.
29 Brasil, Supremo Tribunal Federal. Notícias STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/
verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=116380>. Acesso em: 8 jul. 2015. A Convenção Americana de Direitos
Humanos completa 40 anos. O tratado, também chamado de Pacto de San José da Costa Rica, foi assinado
em 22 de novembro de 1969, na cidade de San José, na Costa Rica, e ratificado pelo Brasil em setembro
de 1992. A convenção internacional procura consolidar entre os países americanos um regime de liberdade
pessoal e de justiça social, fundado no respeito aos direitos humanos essenciais, independentemente do país
onde a pessoa resida ou tenha nascido. O documento é composto por 81 artigos, incluindo as disposições
transitórias, que estabelecem os direitos fundamentais da pessoa humana, como o direito à vida, à liberdade,
à dignidade, à integridade pessoal e moral, à educação, entre outros. A convenção proíbe a escravidão e
a servidão humana, trata das garantias judiciais, da liberdade de consciência e religião, de pensamento e
expressão, bem como da liberdade de associação e da proteção a família. A partir da promulgação da Emenda
Constitucional nº 45/2004 (Reforma do Judiciário), os tratados relativos aos direitos humanos passaram a
vigorar de imediato e a ser equiparados às normas constitucionais, devendo ser aprovados em dois turnos,
122 D���������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA
Rica, seja uma norma de status constitucional no escólio da esmagadora maio-
ria e mais balizada doutrina. Apesar disso, a jurisprudência do STF, contrarian-
do a constituinte de diversos países, definiu que a mesmo possui status de nor-
ma supralegal, tendo sido vencida, por 5x4, a tese do Ministro Celso de Mello,
do Pacto se tratar de uma garantia constitucional30. De qualquer maneira, em
quaisquer das teses, o tratado possui eficácia plena e imediata31 por se tratar de
um direito e uma garantia humana fundamental, e invalida qualquer norma ju-
rídica em sentido contrário, em razão do que a doutrina denomina de controle
de convencionalidade das leis32. Sintetizando o tema, Gomes preleciona que o
valor dessa convenção vale mais que a lei e menos que a Constituição33.
Esse controle pode se dar pela via difusa ou concentrada, merecendo
especial atenção a via difusa, pois exigível de qualquer juiz ou tribunal. No RE
466.343/SP e no HC 87.585/TO, o STF firmou posição (por maioria apertada,
registre-se) de que a CADH tem valor supralegal, ou seja, está situada acima
das leis ordinárias, mas abaixo da Constituição34. Mazzuolio (e o Ministro Celso
de Mello no STF) faz uma verdadeira tese para sustentar que todos os Tratados
Internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil têm índole e nível
constitucional (por força do art. 5º, § 2º, da CF). Inobstante a divergência, am-
bas as posições coincidem em um ponto crucial: a CADH é um paradigma de
controle da produção e aplicação normativa doméstica35.
A audiência de custódia encontra previsão no art. 7º, § 5º, da citada
convenção, vigente, portanto, desde novembro de 1992. O texto normativo
disciplina que toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à
presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções
judiciais. No mesmo sentido, assegura o art. 9.3 do Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos, que “qualquer pessoa presa ou encerrada em virtude
de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de
outra autoridade habilitada por leia exercer funções judiciais”36. Tem-se, pois,
por pelo menos três quintos dos votos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. O primeiro deles a ser
recebido como norma constitucional a partir da EC 45/2004 foi a Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência, voltada para a inclusão social dessas pessoas e a adaptabilidade dos espaços.
30 BARBOSA, Ruchester Marreiros. Op. cit.
31 RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2014. p. 228
32 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
p. 290-291. Ferrajoli faz distinção entre “vigência” como validade formal e “eficácia” como validade
substancial. De forma que uma lei que seja menos protetiva que conflite com os tratados será inválida e não
produz efeitos que o ato almejava, não possuindo “legitimidade jurídica substancial”. É uma forma de conter
o poder político externo que influenciou ou criou uma norma materialmente não protetiva.
33 GOMES, Luiz Flávio. Op. cit.
34 LOPES JR., Aury; PAIVA, Caio. Op. cit., p. 14.
35 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 3. ed. São Paulo: RT,
2013.
36 LOPES JR., Aury; PAIVA, Caio. Op. cit., p. 15.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA.................................................................................................................... 123
que a audiência de custódia é totalmente compatível com a Constituição bra-
sileira, embora seja ignorada pela quase totalidade dos operadores do direito.
Isto porque, em se considerando que a Convenção Americana vale mais que a
lei, dispensa a elaboração de uma lei para o reconhecimento desse direito. A
prova disto é que quando o Supremo Tribunal Federal eliminou a possibilidade
de prisão civil de depositário infiel aplicando diretamente a Convenção Ame-
ricana, não se falou em exigência de lei específica, comprovando que esta é
desnecessária, em face da aplicação direta da convenção37.
Contudo, ainda que tímido, percebe-se um movimento a favor da aplica-
bilidade prática da audiência de custódia, o que apesar da elogiável, nada mais
representa do que dar efetividade a um direito reconhecido pelo Estado brasi-
leiro em Tratados e Convenções Internacionais. A proposta de regulamentação
e, especificamente, do “projeto piloto” do CNJ encontra resistências e críticas
bastante questionáveis, entre as quais se pode destacar para fins ilustrativos o
artigo recém publicado no site da Folha de S.Paulo, de autoria dos Juízes pau-
listas Eduardo Ruivo Nicolau e José Tadeu Picolo Zanoni:
Se a intenção é verificar a legalidade da prisão e eventual prática de tortura, por
que não a adoção de uma solução intermediária como a condução do preso, em
prazo razoável, à presença de um Defensor Público e, em caso de ausência deste
na Comarca, ao Promotor de Justiça? Constatada alguma ilegalidade na prisão,
caberia ao Defensor ou ao Promotor de Justiça a provocação do órgão julgador
para fins de relaxamento da prisão em flagrante ou concessão de medida cautelar
diversa da prisão.38
1.5 Experiências práticas no Brasil, audiência de custódia nos Estados do Espírito Santo e
de São Paulo
52 REDAÇÃO. Audiência de custódia no ES reduzem em 50% o número de presos provisórios. Disponível em:
<http://justificando.com/2015/06/29/audiencias-de-custodia-no-es-reduzem-em-50-o-numero-de-presos-
provisorios/>. Acesso em: 9 jul. 2015.
53 Brasil, Conselho Nacional de Justiça. Audiência de custódia no ES reduzem em 50% o número de presos
provisórios. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/79751-audiencias-de-custodia-no-es-redu
zem-em-50-o-numero-de-presos-provisorios>. Acesso em: 10 jul. 2015.
54 REDAÇÃO. Op. cit.
55 GODOY, Marcelo; CARVALHO. Marco Antônio. Audiência de custódia revoga 40% de prisões. Disponível em:
<http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,audiencia-de-custodia-revoga-40-das-prisoes,1655034>.
Acesso em: 10 jul. 2015.
56 ARAÚJO, Tesmitocles; FERREIRA, Telmo. Audiência de custódia revoga 40% de prisões. Disponível em:
<http://temistoclestelmo.jusbrasil.com.br/noticias/175669855/audiencia-de-custodia-revoga-40-das-
prisoes>. Acesso em: 10 jul. 2015.
128 D���������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA
(AMB) também resolveu apoiar a iniciativa do TJSP57. João Ricardo Costa, presi-
dente da entidade, afirmou que “as audiências de custódia são um instrumento
efetivo de combate à tortura e uma forma de garantir o controle do ingresso de
presos no sistema prisional brasileiro”. As audiências, portanto, devem evitar a
superlotação desnecessária dos presídios58.
O exemplo de São Paulo motivou outros 15 Estados a procurarem o Con-
selho Nacional de Justiça para estudar a implementação de projetos similares.
O balanço paulista foi avaliado positivamente pelo juiz assessor da presidência
do CNJ Luís Geraldo Lanfredi, que classificou a iniciativa como uma mudança
de paradigma e “salto civilizacional”.
Pode-se dizer que a audiência de custódia parece ser um pequeno pas-
so para que se rompa com uma cultura de punição, levando-se em conta que
sua pretensão maior é estabelecer um controle efetivo da porta de entrada do
sistema prisional, o que, por óbvio, não pode ser tido como sinônimo de impu-
nidade, mas melhor conferência da necessidade de prisão59.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos estudos apresentados, foi possível se vislumbrar que o sistema
penal brasileiro vive um colapso, na medida em que não alcança nenhum dos
escopos sociais da pena, eis que a entrada no mesmo representa, na maioria das
vezes, um agravamento das situações criminógenas do indivíduo ao invés de re-
presentar um meio de recuperação e ressocialização do mesmo. Por outro lado,
este mesmo sistema falido em relação a seus fins ressocializadores exacerba em
muito o seu escopo punitivo.
Verificou-se, desta forma, que a cultura do encarceramento não conse-
gue atingir nenhum dos objetivos, visto que, além de, em muitas oportunidades,
privar cidadãos de suas liberdades de forma desproporcional, ainda não aten-
dem aos interesses sociais, visto que, além de não cumprir com a ressocializa-
ção, ainda representa custo muito elevado para o Estado, que, desta forma, paga
caro por um serviço inócuo, quando não ainda mais prejudicial.
Este cenário do sistema punitivo brasileiro leva à conclusão de que algo
deve ser feito pelo Poder Público para que se caminhe em outra direção, bus-
cando um melhor resultado, e, neste sentido, surge a audiência de custódia,
que, conforme comprovado, tanto do ponto de vista teórico quanto pelo prisma
prático obtido pelos dados extraídos das primeiras experiências brasileiras, no
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Parte Geral – Jurisprudência
7491
EMENTA
PROCESSUAL PENAL – ASSISTÊNCIA À ACUSAÇÃO – LEGITIMIDADE – CRIME DE
PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE QUE RESULTA MORTE POR LEGÍTIMA DEFESA
– INTERVENÇÃO PRETENDIDA PELOS PAIS DO DE CUJUS – MITIGAÇÃO DO RIGOR
NA ANÁLISE DA PRESENÇA DO INTERESSE JURÍDICO AUTORIZADOR DA INTERVENÇÃO
– ESTREITA RELAÇÃO ENTRE O CRIME IMPUTADO NA DENÚNCIA E O EVENTO MORTE
– RECURSO PROVIDO
1. Não obstante a existência de posicionamentos, no âmbito doutrinário
e jurisprudencial, que questionam a própria constitucionalidade da assis-
tência à acusação, o Supremo Tribunal Federal reconhece a higidez do
instituto processual, inclusive com amplo alcance, admitindo sua pro-
jeção não somente para as hipóteses de mera suplementação da ativi-
dade acusatória do órgão ministerial, como pacificamente aceito pelos
Tribunais em casos de inércia do Parquet , mas também para seguir o
assistente da acusação atuando no processo em fase recursal, mesmo em
contrariedade à manifestação expressa do Ministério Público quanto à
sua conformação com a sentença absolutória.
2. O art. 268 do Código de Processo Penal autoriza a intervenção na
ação penal pública, como assistente do Ministério Público, do ofendido
ou de seu representante legal, ou, na falta destes, de qualquer das pessoas
mencionadas no art. 31 do mesmo diploma processual – cônjuge, ascen-
dente, descendente ou irmão.
3. Na interpretação do referido dispositivo, deve-se tomar em considera-
ção principalmente a finalidade da intervenção, devendo o instituto pro-
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA......................................................................................................... 133
cessual ser tratado como expressão do Estado Democrático de Direito e
até mesmo como modalidade de controle – complementar àquele exerci-
do pelo Poder Judiciário – da função acusatória atribuída privativamente
ao Ministério Público.
4. Há que se mitigar o rigor na análise da presença do interesse jurídico
que autorize a assistência, afastando-se a exigência consistente na abso-
luta vinculação entre a pretensão do interveniente e o objeto jurídico do
tipo penal imputado na denúncia, uma vez que, diante de certas pecu-
liaridades do caso concreto, interesses jurídicos podem assumir caráter
metaindividual e, pulverizados sobre as relações que permeiam o núcleo
da demanda, carecer de proteção jurídica igualmente legítima.
5. Hipótese em que foi indeferida pelo Tribunal de origem a assistência
à acusação porque, afastada a ilicitude em relação à morte do filho dos
habilitandos, pelo reconhecimento da legítima defesa, e restringindo-se
a denúncia ao crime de porte ilegal de arma de fogo – delito que teria
como vítima a própria sociedade –, desapareceria a figura do ofendido
prevista no art. 268 do CPP e, consequentemente, o próprio interesse
jurídico dos impetrantes em intervir na ação penal.
6. Embora não possam os recorrentes, a princípio, ser qualificados como
ofendidos pelo mero porte ilegal de arma de fogo, o interesse que emana
da morte de seu filho encontra-se entrelaçado de forma inarredável com o
objeto da ação penal em que pretendem intervir, independentemente dos
vícios do inquérito policial que alegam, ou mesmo do reconhecimento
da legítima defesa, a qual não constitui objeto do presente mandamus.
7. Recurso ordinário provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-
cadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justi-
ça, prosseguindo no julgamento, por maioria, dar provimento ao recurso, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Reynaldo Soares da
Fonseca e Ribeiro Dantas votaram com o Sr. Ministro Relator. Votaram vencidos
os Srs. Ministros Felix Fischer e Jorge Mussi.
Brasília, 03 de novembro de 2015 (data do Julgamento).
VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Gurgel de Faria (Relator):
A questão cinge-se à legitimação para o exercício da assistência à acusa-
ção prevista pelo art. 268 do Código de Processo Penal.
Inicialmente, cumpre pontuar a existência de posicionamentos, no âmbi-
to doutrinário e jurisprudencial, que questionam a própria constitucionalidade
da assistência à acusação, por ter a Carta Magna de 1988 atribuído competên-
cia privativa ao Ministério Público para a propositura da ação penal.
No entanto, a Corte Constitucional pátria reconhece a higidez do institu-
to processual, inclusive com amplo alcance, admitindo sua projeção para além
das hipóteses de mera suplementação da atividade acusatória do órgão ministe-
rial, como pacificamente aceito pelos Tribunais em casos de inércia do Parquet.
É o que se verifica a partir do julgamento proferido no HC 102.085, da
relatoria da em. Ministra Cármen Lúcia, no qual a Suprema Corte, em sua com-
posição plena, entendeu pela legitimidade do assistente à acusação para seguir
atuando no processo em fase recursal, mesmo em contrariedade à manifestação
expressa do Ministério Público quanto à sua conformação com a sentença ab-
solutória. Confira-se a ementa do julgado:
HABEAS CORPUS – CONSTITUCIONAL – PROCESSO PENAL – ESTELIONA-
TO – ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE DA ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO PARA
RECORRER DA SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA – IMPROCEDÊNCIA – AU-
SÊNCIA DE RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – IRRELEVÂNCIA DO PARE-
CER MINISTERIAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA PELO NÃO CONHECIMENTO DO
RECURSO
1. A assistente de acusação tem legitimidade para recorrer da decisão que absol-
ve o réu nos casos em que o Ministério Público não interpõe recurso.
2. Aplicação da Súmula nº 210 do Supremo Tribunal Federal: “O assistente do
Ministério Público pode recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal,
nos casos dos arts. 584, § 1º, e 598 do Código de Processo Penal”.
3. A manifestação do promotor de justiça, em alegações finais, pela absolvição
da Paciente e, em seu parecer, pelo não conhecimento do recurso não altera nem
anula o direito da assistente de acusação recorrer da sentença absolutória.
4. Ordem denegada. (HC 102.085, Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno,
DJe 27.08.2010)
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUINTA TURMA
Número Registro: 2013/0205843-8 Processo Eletrônico RMS 43.227/PE
Matéria criminal
Números Origem: 00123808720128170001 00246461220128170000
02930503 123808720128170001 2930503
Pauta: 06.10.2015 Julgado: 06.10.2015
Relator: Exmo. Sr. Ministro Gurgel de Faria
Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer
Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Célia Regina Souza
Delgado
Secretário: Bel. Marcelo Pereira
AUTUAÇÃO
Recorrente: José Hamilton Mendes
Recorrente: Sandra Inês Lins de Abreu Mendes
Advogados: Gervásio Xavier de Lima Lacerda e outro(s)
Bruno Henning Veloso
Recorrido: Ministério Público do Estado de Pernambuco
Recorrido: Estado de Pernambuco
Procurador: Pelópidas Soares Neto e outro(s)
Interes.: João Francisco de Lima Cruz
Assunto: Direito Penal
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA......................................................................................................... 143
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia Quinta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe
na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
“Após o voto do Sr. Ministro Relator dando provimento ao recurso, no que foi
acompanhado pelo voto do Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, pediu vista,
antecipadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer.”
VOTO-VISTA
O Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer: Conforme consta do relatório ela-
borado pelo eminente Ministro Gurgel de Faria, trata-se de recurso ordinário
interposto por José Hamilton Mendes e Sandra Inês de Abreu Mendes contra
acórdão proferido pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco.
Dessume-se dos autos que os ora recorrentes formularam, ao d. Juízo da
6ª Vara Criminal da Comarca de Recife/PE, pedido de habilitação como assis-
tentes de acusação. Após parecer desfavorável do Ministério Público, o pleito
foi indeferido ao fundamento de que os peticionários não possuíam legitimi-
dade para figurar como assistentes da acusação, uma vez que a denúncia teria
atribuído ao acusado apenas a prática da conduta tipificada no art. 14 da Lei
nº 10.826/2003 – porte ilegal de arma de fogo de uso permitido –, delito que
não possui ofendido determinado.
Contra essa decisão, os recorrentes impetraram mandado de segurança
perante o eg. Tribunal a quo, requerendo a concessão da ordem com a conse-
quente habilitação no polo ativo da ação penal, na qual figura como réu João
Francisco Lima Cruz.
A Corte de origem, por unanimidade, denegou a segurança nos seguintes
termos:
“PENAL E PROCESSUAL PENAL – MANDADO DE SEGURANÇA – AÇÃO PE-
NAL PÚBLICA INCONDICIONADA – HABILITAÇÃO COMO ASSISTENTE DE
ACUSAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – ILEGITIMIDADE AD CAUSAM – SEGURAN-
ÇA DENEGADA
I – Considerando que a conduta de portar ilegalmente arma de fogo não lesiona
bem jurídico subjetivo, do ofendido, resta afastada a possibilidade de habilitação
como assistente da acusação.
II – Segurança denegada. Decisão unanimidade” (fl. 181).
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUINTA TURMA
Número Registro: 2013/0205843-8 Processo Eletrônico RMS 43.227/PE
Matéria criminal
Números Origem: 00123808720128170001 00246461220128170000
02930503 123808720128170001 2930503
Pauta: 06.10.2015 Julgado: 03.11.2015
Relator: Exmo. Sr. Ministro Gurgel de Faria
Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer
Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Francisco de Assis Vieira
Sanseverino
Secretário: Bel. Marcelo Pereira Cruvinel
AUTUAÇÃO
Recorrente: José Hamilton Mendes
Recorrente: Sandra Inês Lins de Abreu Mendes
Advogados: Gervásio Xavier de Lima Lacerda e outro(s)
Bruno Henning Veloso
Recorrido: Ministério Público do Estado de Pernambuco
148 D����������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – Jurisprudência
Recorrido: Estado de Pernambuco
Procurador: Pelópidas Soares Neto e outro(s)
Interes.: João Francisco de Lima Cruz
Assunto: Direito Penal
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia Quinta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe
na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
“Prosseguindo no julgamento, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.”
EMENTA
RECURSO ESPECIAL – PENAL – ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR – CRIME
ÚNICO – DOSIMETRIA – COMBINAÇÃO DE LEIS – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO
ESPECIAL PROVIDO
1. A atual jurisprudência desta Corte Superior entende que, “como a Lei
nº 12.015/2009 unificou os crimes de estupro e atentado violento ao
pudor em um mesmo tipo penal, deve ser reconhecida a existência de
crime único de estupro, caso as condutas tenham sido praticadas contra
a mesma vítima e no mesmo contexto fático” (AgRg-AREsp 233.559/BA,
Relª Min. Assusete Magalhães, 6ª T., DJe 10.02.2014, destaquei), o que
torna inviável a incidência do concurso material de crimes, previsto no
art. 69 do Código Penal.
2. Também ficou assentado neste Tribunal Superior o entendimento que
em casos como os dos autos, os atos libidinosos diversos da conjunção
carnal poderão ser negativamente valorados, por ocasião da dosagem da
pena-base, na análise das circunstâncias elencadas no art. 59 do Código
Penal.
3. O Tribunal local. conquanto haja reconhecido a prática de crime úni-
co – excluindo o concurso material –, ao redimensionar a pena, fez inci-
dir o preceito secundário do art. 213 do Código Penal, em vigor à época
dos fatos. Isso porque manteve o aumento da pena-base perpetrado pelo
Juiz sentenciante em 1 ano, fixando-a em 7 anos (enquanto a pena míni-
ma do art. 217-A do CP é de 8 anos).
4. O STJ veda a combinação de leis, em face do princípio da retroativida-
de da lei penal mais benéfica (art. 5º, XL, da Constituição da República),
“que impõe o exame, no caso concreto, de qual diploma legal, em sua
integralidade, é mais favorável” (EREsp 1.094.499/MG, Rel. Min. Felix
Fischer, 3ª S., DJe 18.08.2010).
150 D����������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – Jurisprudência
5. Recurso especial provido, para afastar a combinação de leis e deter-
minar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que proceda à
adequação da pena aos termos da Lei nº 12.015/2009.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acor-
dam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro,
Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP) e Sebastião Reis Júnior
votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra
Maria Thereza de Assis Moura.
Brasília (DF), 24 de novembro de 2015
RELATÓRIO
O Senhor Ministro Rogerio Schietti Cruz: o Ministério Público do Estado
de Santa Catarina interpõe recurso especial, com fundamento no art. 105, III,
a, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça
daquele Estado (Apelação Criminal nº 2010.025586-4).
Depreende-se dos autos que o recorrido foi condenado à pena de 22
anos e 6 meses de reclusão, em regime fechado, pela prática dos delitos des-
critos nos arts. 213 e 214, c/c os arts. 224, a, 226, II, 69 e 71, todos do Código
Penal.
No julgamento da apelação, a Corte de origem deu parcial provimento
ao recurso, para reduzir a pena para 12 anos, 7 meses e 6 dias de reclusão.
Nas razões deste recurso especial, o Ministério Público local aponta vio-
lação dos arts. 2º, parágrafo único, 213 e 217-A, todos do Código Penal, tendo
em vista a combinação de leis realizada pela Corte local, ao reconhecer a retro-
atividade da Lei nº 12.015/2009 (reconhecimento de crime único) e aplicar o
preceito secundário dos artigos anteriormente vigentes.
Requer o provimento do recurso, para que seja restabelecida a decisão
de primeiro grau, que aplicou a pena do art. 217-A do Código Penal.
Contrarrazões às fls. 236-243.
Decisão de admissão às fls. 249-251.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA......................................................................................................... 151
O Ministério Público Federal manifestou-se, às fls. 262-271, pelo parcial
provimento do recurso.
EMENTA
RECURSO ESPECIAL – PENAL – ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR – CRIME
ÚNICO – DOSIMETRIA – COMBINAÇÃO DE LEIS – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO
ESPECIAL PROVIDO
1. A atual jurisprudência desta Corte Superior entende que, “como a Lei
nº 12.015/2009 unificou os crimes de estupro e atentado violento ao
pudor em um mesmo tipo penal, deve ser reconhecida a existência de
crime único de estupro, caso as condutas tenham sido praticadas contra
a mesma vítima e no mesmo contexto fático” (AgRg-AREsp 233.559/BA,
Relª Min. Assusete Magalhães, 6ª T., DJe 10.02.2014, destaquei), o que
torna inviável a incidência do concurso material de crimes, previsto no
art. 69 do Código Penal.
2. Também ficou assentado neste Tribunal Superior o entendimento que
em casos como os dos autos, os atos libidinosos diversos da conjunção
carnal poderão ser negativamente valorados, por ocasião da dosagem da
pena-base, na análise das circunstâncias elencadas no art. 59 do Código
Penal.
3. O Tribunal local. conquanto haja reconhecido a prática de crime úni-
co – excluindo o concurso material –, ao redimensionar a pena, fez inci-
dir o preceito secundário do art. 213 do Código Penal, em vigor à época
dos fatos. Isso porque manteve o aumento da pena-base perpetrado pelo
Juiz sentenciante em 1 ano, fixando-a em 7 anos (enquanto a pena míni-
ma do art. 217-A do CP é de 8 anos).
4. O STJ veda a combinação de leis, em face do princípio da retroativida-
de da lei penal mais benéfica (art. 5º, XL, da Constituição da República),
“que impõe o exame, no caso concreto, de qual diploma legal, em sua
integralidade, é mais favorável” (EREsp 1.094.499/MG, Rel. Min. Felix
Fischer, 3ª S., DJe 18.08.2010).
5. Recurso especial provido, para afastar a combinação de leis e deter-
minar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que proceda à
adequação da pena aos termos da Lei nº 12.015/2009.
VOTO
O Senhor Ministro Rogerio Schietti Cruz (Relator):
152 D����������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – Jurisprudência
I – Contextualização
Depreende-se dos autos que o recorrido foi condenado à pena de 22
anos e 6 meses de reclusão, em regime fechado, pela prática dos delitos des-
critos nos arts. 213 e 214, c/c os arts. 224, a, 226, II, 69 e 71, todos do Código
Penal.
No julgamento da apelação, a Corte de origem deu parcial provimento
ao recurso, para reduzir a pena para 12 anos, 7 meses e 6 dias de reclusão.
II – Arts. 2º, parágrafo único, 213 e 217-A, todos do Código Penal. Combinação de leis
Ao dar provimento à apelação da defesa, a Corte de origem asseverou
que:
[...]
De outra banda, a mitigação da reprimenda é medida que se impõe. Com o ad-
vento da Lei nº 12.015/2009, o estupro e o atentado violento ao pudor passaram
a integrar a mesma figura típica, circunstância que se afigura mais favorável ao
apenado, motivo pelo qual a referida norma deve retroagir, ex vi do art. 5º, inciso
XL, da Constituição Federal, e do art. 2º, parágrafo único, do Código Penal.
Em conformidade com a novel legislação, os crimes perpetrados pelo apelante
encontram-se, agora, definidos no art. 217-A, caput, do Código Penal, sob o
nomen juris estupro de vulnerável, nestes termos:
“Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze)
anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos”.
Referido ilícito vem sendo considerado como tipo penal misto alternativo, por-
quanto abarca mais de uma conduta, consumando-se com a prática de qualquer
delas, e se o agente vier a perpetrar mais de uma responde por crime único.
Portanto, como restou comprovado que o apelante constrangeu a vítima a manter
consigo conjunção carnal e com ela praticou, por pelo menos duas vezes, outros
atos libidinosos, cometeu delitos da mesma espécie, devendo-se, por conseguin-
te, reconhecer a continuidade delitiva entre eles, aplicando-se, por isso, a pena
de um deles acrescida de um sexto a dois terços.
Resta, portanto, enfrentar a controvérsia atinente ao preceito secundário que
deve incidir, se o do antigo art. 213, mais benéfico, ou o do atual art. 217-A,
caput, mais gravoso, ambos do Estatuto Repressivo.
Considerando-se que os crimes de que aqui se cuida foram praticados antes do
advento da Lei nº 12.015/2009, aplica-se a sanção cominada no art. 213, caput,
do Código Penal, então em vigor, pelo fato de favorecer o apenado, eis que a
pena abstratamente cominada variava de 6 (seis) a 10 (dez) anos, ao passo que a
de que trata o art. 217-A, caput, do mesmo digesto, tem como limites o mínimo
de 8 (oito) e o máximo de 15 (quinze) anos.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA......................................................................................................... 153
Saliente-se, por oportuno, que a combinação entre o art. 217-A, caput, e o pre-
ceito secundário contido no texto revogado do art. 213, caput, ambos do Estatuto
Repressivo, afigura-se cabível.
[...] Na primeira etapa, descabe a redução da pena-base, pois a dosimetria obser-
vou, rigorosamente, as operadoras do art. 59 do Código Penal, tendo o Dr. Juiz
de Direito atentado para as consequências do crime, que, de fato, não favorecem
o apelante, não se afigurando exacerbado o aumento de 1 (um) ano, porquanto
igualou a fração adotada pela Câmara, qual seja, um sexto do mínimo legal,
mantendo-se, por isso, a sanção em 7 (sete) anos de reclusão.
Na segunda fase, ausentes agravantes ou atenuantes, permanece no mesmo pa-
tamar.
Na derradeira etapa, presente a causa de aumento de que trata o art. 226, inciso
II, do Código Penal, eis que o apelante é padrasto da ofendida, majora-se a san-
ção de metade, ficando estipulada em 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de reclusão.
Finalmente, por força do reconhecimento da continuidade delitiva, incrementa-
-se a pena de 1/5 (um quinto), porquanto restou evidenciado o cometimento
de um estupro e de pelo menos dois atentados violentos ao pudor, ficando de-
finitivamente quantificada em 12 (doze) anos, 7 (sete) meses e 6 (seis) dias de
reclusão, permanecendo inalterado, quanto ao mais, o veredicto (fls. 201-203,
destaquei).
V – Dispositivo
À vista do exposto, nos termos do art. 557, § 1º-A, do Código de Proces-
so Civil, c/c o art. 3º do Código de Processo Civil, dou provimento ao recurso,
para afastar a combinação de leis. Determino, ainda, o retorno dos autos ao
Tribunal de origem, para que proceda à adequação da pena aos termos da Lei
nº 12.015/2009.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEXTA TURMA
Número Registro: 2012/0052659-9 REsp 1.308.131/SC
Matéria criminal
Números Origem: 20100255864 20100255864000100 242090007077
Pauta: 24.11.2015 Julgado: 24.11.2015
Segredo de Justiça
Relator: Exmo. Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz
Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz
Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Raquel Elias Ferreira
Dodge
Secretário: Bel. Eliseu Augusto Nunes de Santana
156 D����������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – Jurisprudência
AUTUAÇÃO
Recorrente: Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Advogado: Ledo Mário Slongo e outro(s)
Recorrido: A. M. da S.
Assunto: Direito penal – Crimes contra a dignidade sexual – Estupro
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia Sexta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe
na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Sexta Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto
do Sr. Ministro Relator.
EMENTA
PROCESSUAL PENAL – RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – PECULATO – DEFESA PRÉVIA
(ART. 514, CPP) – EX-SERVIDOR PÚBLICO – INAPLICABILIDADE
1. A notificação prévia para resposta escrita, prevista no art. 514 do Có-
digo de Processo Penal, não se aplica ao ex-servidor público, pois a sua
ratio consiste em evitar que o servidor em atividade seja temerariamente
processado, em detrimento do desempenho da sua atividade.
2. A etapa procedimental igualmente não se aplica, mesmo na constân-
cia do status funcional, quando a ação penal tem embasamento em in-
quérito policial, em que restam apurados o delito e sua autoria.
3. Provimento do recurso em sentido estrito.
ACÓRDÃO
Decide a Turma dar provimento ao recurso em sentido estrito, à unani-
midade.
4ª Turma do TRF da 1ª Região.
Brasília, 28 de julho de 2015.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Marcus Vinicius Reis Bastos (Relator Convoca-
do): – Ministério Público Federal recorre em sentido estrito (fls. 3 – 11) de deci-
158 D����������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – Jurisprudência
são da Vara Única da Subseção Judiciária de Sinop/MT (fls. 332), que decretou
a nulidade dos atos processuais, a partir do recebimento da denúncia na Ação
Penal nº 6778-27.2010.4.01.3603/MT, ajuizada em desfavor de Eles Monteiro
de Carvalho Filho pela suposta prática do crime tipificado no art. 312 do Código
Penal, modalidade peculato-apropriação.
Ao decretar a nulidade dos atos processuais a partir do recebimento da
denúncia, a decisão entendeu que, por tratar-se o peculato de crime funcional
típico e afiançável, impõe-se o procedimento previsto no art. 514 do CPP.
Contrariamente, o Parquet Federal sustenta, em síntese, que, a teor da
Súmula nº 330/STJ, o rito especial previsto no art. 514 do CPP não se faz neces-
sário quando a denúncia vem acompanhada de inquérito policial.
O Ministério Público Federal nesta instância, em parecer firmado pelo
Procurador Regional da República Guilherme Magaldi Netto, ressalta a inapli-
cabilidade do procedimento especial previsto no art. 514 do CPP quando o fun-
cionário público deixou de exercer a função na qual estava investido, e opina
pelo provimento do recurso. (fls. 363-366).
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Marcus Vinicius Reis Bastos (Relator Convo-
cado): – O art. 514 do CPP, ao tratar do processo e julgamento dos crimes de
responsabilidade dos funcionários públicos, prevê que, oferecida a denúncia,
o juiz notificará o acusado, para responder por escrito, dentro do prazo de 15
(quinze) dias.
Em torno do art. 514 do CPP – que remete ao procedimento especial
para o processamento das denúncias contra o funcionário público que tenha
cometido crime contra a Administração –, consolidou-se a compreensão, na
jurisprudência, de que a providência não é necessária quando o acusado não
mais detém a condição de agente público1.
Decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “A defesa preliminar, antes do
recebimento da denúncia, atende a interesse do Estado, sempre afetado quando
o crime é praticado por funcionário público. Se o acusado perdeu o status de
servidor público, dado o sentido finalístico da lei, desnecessária se faz a referida
fase procedimental”2.
1 STJ, RHC 9817/GO, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª T., decisão de 06.02.2001.
2 Cf. Revista do Superior Tribunal de Justiça nº 87/390-1 (apud Júlio Fabbrini Mirabete, in Código de Processo
Penal Interpretado. Atlas. 8. ed. p. 1109).
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA......................................................................................................... 159
A 3ª Turma, no julgamento do HC 2001.01.00.033938-5/AP, aderiu à
interpretação dada à hipótese pelo STJ, restando a questão assim ementada:
PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – EX-SERVIDOR PÚBLICO – NOTIFI-
CAÇÃO PARA RESPOSTA ESCRITA – REGIME LEGAL
1. A notificação prévia para resposta escrita, prevista no art. 514 do Código de
Processo Penal, não se aplica ao ex-servidor público, pois a sua ratio consiste em
evitar que o servidor em atividade seja temerariamente processado, em detrimen-
to do desempenho da sua atividade.
2. A etapa procedimental igualmente não se aplica, mesmo na constância do
status funcional, quando a ação penal tem embasamento em inquérito policial,
em que restam apurados o delito e sua autoria.
3. Denegação da ordem de habeas corpus. (TRF 1ª R., Rel. Des. Fed. Olindo
Menezes, decisão de 18.12.2001)
Na espécie, considerando que o réu, ora recorrido, foi demitido por justa
causa do cargo de atendente comercial II no dia 23.07.2007 (fl. 197), data an-
terior ao oferecimento da denúncia (30.07.2010), e levando em conta os termos
do parecer da Procuradoria Regional da República, dou provimento ao recurso
em sentido estrito para, desconstituindo a decisão ora atacada, determinar o
regular processamento do feito.
É o voto.
SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr. Gustavo Virginili pelo recorrido Eles Monteiro de Carvalho Filho.
CERTIDÃO
Certifico que a(o) egrégia(o) Quarta Turma, ao apreciar o processo em
epígrafe, em Sessão realizada nesta data , proferiu a seguinte decisão:
A Turma, à unanimidade, deu provimento ao recurso em sentido estrito, nos
termos do voto do relator.
EMENTA
PENAL – PROCESSUAL PENAL – APELAÇÃO DO RÉU – CRIME DO ART. 318, CAPUT,
DO CP – FACILITAÇÃO DE DESCAMINHO – MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS
NÃO COMPROVADAS – AUSÊNCIA DE PROVAS CONCRETAS DA PRÁTICA DO CRIME
– CONDENAÇÃO BASEADA NUMA VERSÃO DE UMA TESTEMUNHA – VERSÃO DO
APELANTE PLAUSÍVEL – IN DUBIO PRO REO – ALEGAÇÕES FINAIS E CONTRARRAZÕES
DO PARQUET PEDEM ABSOLVIÇÃO DO RÉU – APELAÇÃO DO RÉU PROVIDA PARA
ABSOLVER A TEOR DO ART. 386, VII, DO CPP
I – Procedem as alegações do réu: ausência de provas suficientes para
comprovar a materialidade e a autoria do crime; os fatos objetivos ocor-
reram, ou seja, William, beneficiado pela suspensão condicional do
processo, ao desembarcar no Galeão, se evadiu da área de fiscalização,
tendo sido reconduzido pelo funcionário Jerônimo; duas malas foram
inspecionadas contendo mercadorias para comercialização e outras duas
malas foram deixadas na esteira de bagagens e trazidas ao local da Al-
fândega.
II – No entanto, para embasar a condenação do réu, auditor fiscal, a sen-
tença entendeu ser verdadeira a versão da testemunha Marco Aurélio,
chefe do réu que, partindo da premissa de que o apelante era corrup-
to, elaborou uma versão plausível, na qual Roberto seria cúmplice de
William. Contudo, não vislumbro provas mais concretas desta versão. O
apelante apresenta uma outra versão, também plausível, de que William
teria fugido da fiscalização e foi reconduzido a seu pedido para que fosse
efetivada a fiscalização; inclusive, inicialmente, Roberto encontrava-se
no aparelho de Raio-x e determinou que William levasse as bagagens
para a bancada para efetuar a vistoria.
162 D����������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – Jurisprudência
III – Sendo assim, entendo que existem ilações e interpretações subjetivas
dos fatos que podem estar equivocadas ou não; de qualquer forma, não
vislumbro um lastro probatório mínimo para a condenação do réu pelo
crime do art. 318, caput, do CP.
IV – Apelação do réu provida para reformar a sentença no sentido de
sua absolvição, a teor do art. 386, VII, do CPP, por ausência de provas
suficientes para embasar uma condenação penal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os presentes autos, em que são partes as acima indica-
das, acordam os membros da Segunda Turma Especializada do Tribunal Regio-
nal Federal da 2ª Região, por unanimidade, em dar provimento ao recurso do
réu, nos termos do voto do Relator.
Rio de Janeiro, 10 de novembro de 2015 (data do Julgamento).
RELATÓRIO
Trata-se de apelação criminal, interposta pelo réu Roberto Vidigal Limei-
ra, em face da sentença proferida pelo MM. Juízo da 2ª Vara Federal Criminal/RJ
que condenou o réu em 3 anos de reclusão, além de 10 dias-multa, no valor
unitário de 1 salário mínimo, pela prática do crime previsto no art. 318, caput,
do CP, pena esta substituída por 2 restritivas de direitos.
Narra a denúncia, recebida em 13.02.2014 (fls. 501/502), que, no dia
26.05.2008, Roberto, auditor fiscal, teria facilitado o descaminho praticado por
William, perpetrando o crime do art. 318, caput, do CP. Os fatos foram os
seguintes: William, beneficiado com a suspensão condicional do processo, ao
desembarcar no Galeão, apesar de solicitado, não se deteve na Alfândega para
que suas malas fossem verificadas, tendo saído da área de vistoria; foi recondu-
zido pelo funcionário Jerônimo, a pedido do apelante, o auditor-fiscal Roberto.
Em seguida, William retornou àquela área e conversou com Roberto, apresen-
tando uma carteira que, imediatamente, teria sido guardada quando percebeu
que era observado pelo fiscal Marco Aurélio que suspeitou das intenções de
Roberto; Marco Aurélio determinou a vistoria das malas, detectando uma gran-
de quantidade de meias de nylon femininas com destinação comercial. Além
disso, pelo bilhete aéreo, verificou que William possuía mais 2 malas, nas quais
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA......................................................................................................... 163
havia o mesmo material, que não haviam sido retiradas da esteira de bagagem –
o que teria motivado o seu retorno à área de vistoria – bem como que tais malas
teriam sido trazidas por Roberto.
A sentença, publicada em 31.10.2014 (fl. 700), condenou Roberto pela
prática do crime do art. 318, caput, do CP, fixando a pena de 3 anos de re-
clusão, substituída por 2 penas restritivas de direitos: prestação de serviços à
comunidade e prestação pecuniária no valor de 60 salários mínimos. O juiz a
quo absolveu Jerônimo.
Apelação do réu, às fls. 733/750, pugna pela absolvição, afirmando que
os fatos narrados tais como, a saída de William da área de fiscalização, o seu
retorno, acompanhado de Jerônimo, e as malas deixadas na esteira e trazidas
pelo segurança são verdadeiros, mas ocorreram por motivos totalmente diversos
da versão apresentada pela testemunha Marco Aurélio. Assevera o apelante que
William tentou se evadir da fiscalização, tendo sido reconduzido, a seu pedido,
por Jerônimo para que as malas fossem fiscalizadas; que as duas malas deixadas
na esteira foram encontradas por um segurança que percebeu que tinham sido
abandonadas. Afirma que William, aparentemente, teria um plano de fuga da
fiscalização que foi interrompido por Jerônimo e que a versão de que todos os
atos de William foram combinados com Roberto para, como cúmplice, evitar a
fiscalização, foi uma interpretação errônea do fiscal Marco Aurélio, partindo da
premissa de que o acusado era corrupto e sem quaisquer provas concretas deste
suposto crime. Aduz que no processo administrativo instaurado pela Correge-
doria da Receita Federal concluiu pela inexistência de qualquer falta funcional
do ora acusado.
Alegações finais do Ministério Público Federal, às fls.669/672 e contrar-
razões do Parquet, às fls.759/763, requerem a absolvição do réu.
Parecer ministerial às fls. 215/220 pelo desprovimento do recurso inter-
posto pelo réu.
É o Relatório.
À douta revisão.
VOTO
PENAL – PROCESSUAL PENAL – APELAÇÃO DO RÉU – CRIME DO ART. 318, CAPUT,
DO CP – FACILITAÇÃO DE DESCAMINHO – MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS
164 D����������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – Jurisprudência
NÃO COMPROVADAS – AUSÊNCIA DE PROVAS CONCRETAS DA PRÁTICA DO CRIME
– CONDENAÇÃO BASEADA NUMA VERSÃO DE UMA TESTEMUNHA – VERSÃO DO
APELANTE PLAUSÍVEL – IN DUBIO PRO REO – ALEGAÇÕES FINAIS E CONTRARRAZÕES
DO PARQUET PEDEM ABSOLVIÇÃO DO RÉU – APELAÇÃO DO RÉU PROVIDA PARA
ABSOLVER A TEOR DO ART. 386, VII, DO CPP
I – Procedem as alegações do réu: ausência de provas suficientes para
comprovar a materialidade e a autoria do crime; os fatos objetivos ocor-
reram, ou seja, William, beneficiado pela suspensão condicional do
processo, ao desembarcar no Galeão, se evadiu da área de fiscalização,
tendo sido reconduzido pelo funcionário Jerônimo; duas malas foram
inspecionadas contendo mercadorias para comercialização e outras duas
malas foram deixadas na esteira de bagagens e trazidas ao local da Al-
fândega.
II – No entanto, para embasar a condenação do réu, auditor fiscal, a sen-
tença entendeu ser verdadeira a versão da testemunha Marco Aurélio,
chefe do réu que, partindo da premissa de que o apelante era corrup-
to, elaborou uma versão plausível, na qual Roberto seria cúmplice de
William. Contudo, não vislumbro provas mais concretas desta versão. O
apelante apresenta uma outra versão, também plausível, de que William
teria fugido da fiscalização e foi reconduzido a seu pedido para que fosse
efetivada a fiscalização; inclusive, inicialmente, Roberto encontrava-se
no aparelho de Raio-x e determinou que William levasse as bagagens
para a bancada para efetuar a vistoria.
III – Sendo assim, entendo que existem ilações e interpretações subjetivas
dos fatos que podem estar equivocadas ou não; de qualquer forma, não
vislumbro um lastro probatório mínimo para a condenação do réu pelo
crime do art. 318, caput, do CP.
IV – Apelação do réu provida para reformar a sentença no sentido de
sua absolvição, a teor do art. 386, VII, do CPP, por ausência de provas
suficientes para embasar uma condenação penal.
Como relatado, trata-se de apelação criminal, interposta pelo réu Roberto
Vidigal Limeira, em face da sentença que o condenou pela prática do crime
previsto no art. 318, caput, do CP, fixando a pena de 3 (três) anos de reclusão,
pena esta substituída por 2 (duas) restritivas de direitos.
Narra a denúncia, recebida em 13.02.2014, que, no dia 26.05.2008,
Roberto, auditor fiscal, teria facilitado o descaminho praticado por William,
perpetrando o crime do art. 318, caput, do CP. Os fatos foram os seguintes:
William, beneficiado com a suspensão condicional do processo, ao desembar-
car no Galeão, apesar de solicitado, não se deteve na Alfândega para que suas
malas fossem verificadas, tendo saído da área de vistoria; foi reconduzido pelo
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA......................................................................................................... 165
funcionário Jerônimo, a pedido do apelante, auditor-fiscal Roberto. Em seguida,
William retornou àquela área e conversou com Roberto, apresentando uma car-
teira que, imediatamente, teria sido guardada quando percebeu que era obser-
vado pelo fiscal Marco Aurélio que suspeitou das intenções de Roberto; Marco
Aurélio determinou a vistoria das malas, detectando uma grande quantidade de
meias de nylon femininas com destinação comercial. Além disso, pelo bilhete
aéreo, verificou que William possuía mais 2 malas, nas quais havia o mesmo
material, que não haviam sido retiradas da esteira de bagagem – o que teria
motivado o seu retorno à área de vistoria – bem como que tais malas teriam sido
trazidas por Roberto.
A sentença, publicada em 31.10.2014, condenou Roberto pela prática
do crime do art. 318, caput, do CP, fixando a pena de 3 anos de reclusão que
foi substituída por duas restritivas de direito. O juiz a quo absolveu Jerônimo.
Apelação do réu, às fls. 733/750, pugna pela absolvição, afirmando que
os fatos narrados são verdadeiros, mas ocorreram por motivos totalmente diver-
sos da versão apresentada pela testemunha Marco Aurélio. Assevera o apelante
que William tentou se evadir da fiscalização, tendo sido reconduzido, a seu
pedido, por Jerônimo para que as malas fossem fiscalizadas; que as duas malas
deixadas na esteira foram encontradas por um segurança que percebeu que
tinham sido abandonadas. Afirma que William, aparentemente, teria um plano
de fuga da fiscalização que foi interrompido por Jerônimo e que a versão de que
todos os atos de William foram combinados com Roberto para, como cúmplice,
evitar a fiscalização, foi uma interpretação errônea do fiscal Marco Aurélio,
partindo da premissa de que o acusado era corrupto e sem quaisquer provas
concretas deste suposto crime.
Alegações finais do Ministério Público Federal, às fls.669/672 e contrar-
razões do Parquet, às fls. 759/763, requerem a absolvição do réu.
Merece reforma a sentença.
Em primeiro lugar, alguns detalhes dos fatos narrados na denúncia não
foram confirmados em juízo. Marco Aurélio, em seu depoimento, afirma não
ter certeza de que a carteira que viu William apresentar ao réu Roberto, seria
uma carteira de dinheiro, conforme descrito na exordial. As testemunhas asse-
veram que Jerônimo “não estava com William”, apenas foi buscá-lo quando
ele se evadiu da área de fiscalização. Jerônimo relatou que Marco Aurélio lhe
pediu, apenas, que confirmasse que viu Roberto apertando a mão de um amigo
(e não que tivesse lhe pressionado para depor contra Roberto), mas ele não deu
este depoimento, simplesmente, porque não viu esta ocorrência. Marco Aurélio
teria afirmado que foi ameaçado por Jerônimo, o que pareceu ao Procurador,
um exagero, na medida em que Jerônimo era um simples funcionário, franzino,
com mais de 50 anos.
166 D����������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – Jurisprudência
Compulsando os autos, verifico que os fatos principais, de fato, ocorre-
ram e foram confirmados por todos os envolvidos e pelas testemunhas: William
saiu da área de fiscalização, e retornou acompanhado por Jerônimo, quando
foi ao encontro de Roberto; as duas malas levadas por William ficaram em área
semi-restrita, ao lado do vigilante Fábio; outras duas malas teriam sido deixadas
na esteira de bagagem; as malas tinham mercadorias com destinação comercial,
acima do limite e não declaradas no formulário. Havia outras pessoas na sala
junto com Roberto e assim que Marco Aurélio entrou, suspeitou que Roberto
iria facilitar o descaminho das mercadorias e determinou, imediatamente, a vis-
toria das malas, tendo visto, no bilhete aéreo que William trouxera mais outras
duas malas que também foram vistoriadas.
A partir destes fatos, a testemunha de acusação, o fiscal Marco Aurélio,
chefe de Roberto, sobre quem o réu afirma ter tido rusga e ser um colega que
ninguém gosta porque tem a mania de perseguir, apresentou a seguinte estória:
Roberto teria deixado William sair com as duas malas para, depois, pedir a
Jerônimo que fosse buscá-lo para que entrasse na sala, já sem as malas, e pu-
desse pegar as demais malas que estavam na esteira, de forma que não fossem
vistoriadas, talvez, em troca de uma recompensa, já que teria visto William
mostrar uma carteira (apesar de não saber se era carteira de dinheiro) e, tam-
bém, porque Roberto teria lhe dito que estaria “atendendo a um pedido de um
amigo”.
O magistrado entendeu que esta versão de Marco Aurélio era a verda-
deira por achar que: não teria como William fugir já que a área seria equipada
com câmeras e seguranças; não teria como Roberto não perceber a fuga de
William; Roberto deveria ter ido junto ou chamado os policiais e seguranças
para perseguirem William; William deveria ter trazido as malas de volta para a
área de fiscalização.
Já o réu Roberto apresentou outra explicação para os fatos, explicação
esta aceita como plausível por dois Procuradores que pediram a absolvição do
réu, o que subscreveu as alegações finais e aquele que elaborou as contrar-
razões à apelação do réu. O apelante afirma que William tentou se evadir da
fiscalização, tendo sido reconduzido, a seu pedido, por Jerônimo para que as
malas fossem fiscalizadas; que as duas malas deixadas na esteira foram encon-
tradas por um segurança que percebeu que tinham sido abandonadas; que as
malas que estavam com William ficaram ao lado do vigilante Fábio; que não
tinha como ver a fuga de William, já que estava operando o aparelho de Raio-
-X e, portanto, estava de costas para a bancada onde se colocam as malas para
vistoria; que quando olhou para trás para mostrar William, foi que notou que ele
não estava mais na sala e pediu a Jerônimo que fosse atrás dele.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA......................................................................................................... 167
No parecer favorável à absolvição do réu, é enfatizado que as testemu-
nhas informam que o tráfego de passageiros é muito grande para um pequeno
número de fiscais e que é possível sim que alguém saia sem ser visto; que a
segurança não é tão perfeita assim.
É plausível que William tivesse um plano de fuga da fiscalização, que
foi interrompido por Jerônimo, e que a versão de que todos os atos de William
foram combinados com Roberto para, como cúmplice, evitar a fiscalização, po-
deria ter sido uma interpretação equivocada do fiscal Marco Aurélio, partindo
da premissa de que o acusado era corrupto e sem quaisquer provas concretas
deste suposto crime.
Enfim, o que vislumbro na apreciação deste processo e suas nuances
é que as conclusões estão muito fundamentadas em interpretações subjetivas,
em criação de versões plausíveis sim, mas sem uma base concreta, fática, sem
provas mais contundentes que incriminem o réu.
Ora, não se pode afirmar, com toda a certeza , que o réu é inocente, mas,
certamente, não se pode concluir que praticou uma conduta criminosa pois não
há um lastro probatório mínimo para embasar uma condenação penal. Impõe-
-se a aplicação do princípio in dubio pro reo.
Pelo exposto, dou provimento à apelação do réu para reformar a sen-
tença no sentido da absolvição do réu Roberto, a teor do art. 386, VII, do CPP,
em razão da inexistência de provas suficientes para embasar uma condenação
penal, nos termos da fundamentação supra.
É como Voto.
EMENTA
PENAL – TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES – PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA – INAPLICABILIDADE – DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO – REJEITADA
– AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS – DOSIMETRIA – PENA-BASE –
CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE DA CONFISSÃO – REDUZIDO O PATAMAR DE AUMENTO
DA PENA PELA INTERNACIONALIDADE DO DELITO – “MULAS” DO TRÁFICO – BENESSE
DO § 4º DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/2006 INCOMPATÍVEL COM A REPRESSÃO À
NARCOTRAFICÂNCIA – REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS – REGIME FECHADO –
SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS –
DESCABIMENTO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO
1. O réu foi denunciado pela prática do delito descrito no art. 33, caput,
c/c art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, por ser flagrado prestes a embarcar
com destino ao exterior, transportando 260 (duzentos e sessenta gramas)
de cocaína.
2. Pedido de justiça gratuita indeferido. O acusado alegou em seu depoi-
mento que recebia entre 2000 a 2500 euros por mês, tendo arcado com
o pagamento de sua passagem aérea, que custaram 680 euros.
3. O princípio da insignificância não tem aplicabilidade no crime de
tráfico de drogas, por se tratar de crime de perigo abstrato, sendo irrele-
vante a quantidade de droga apreendida. A admissão da tese defensiva
da insignificância tornaria letra morta a tipificação do crime de tráfico de
drogas. Precedentes.
4. Não comporta acolhimento o pleito de desclassificação do crime de
tráfico de drogas para uso. O acusado não se declarou dependente de
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA......................................................................................................... 169
drogas. Ademais, a quantidade de entorpecente apreendida em seu poder
em muito se distancia daquela transportada para consumo próprio, razão
pela qual não se enquadra no disposto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006.
5. A quantidade de cocaína apreendida não é compatível com aquela co-
mumente utilizada por usuários, sendo muito superior, como é notório,
ao que se consome rotineiramente, e, além disso, a sua forma de trans-
porte para o exterior (ingestão de cápsulas contendo o estupefaciente)
é evidentemente indicativo de que seria posteriormente distribuída em
outro país e não apenas consumida.
6. Materialidade e autoria comprovadas pelo conjunto probatório coligi-
do aos autos.
7. Mantido o decreto condenatório pela prática do delito previsto no
art. 33, caput, c/c o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006.
8. Dosimetria da pena. Pena-base majorada com fundamento nos maus
antecedentes. O próprio acusado confirmou em seu interrogatório ter
sido preso e processado em seu país de origem pelo crime de tráfico de
drogas, sendo condenado à pena de dez semanas de prisão, mais dois
anos de condicional, o que corrobora o registro da Interpol.
9. Ademais, ainda há apontamento na mesma informação de que no ano
de 2002 o acusado teria sido apenado por crime de roubo e “depredação
de propriedade privada”.
10. Aplica-se ao caso a circunstância atenuante prevista no art. 65, III, d,
do Código Penal. O fato de o réu ter sido preso em flagrante não é óbice
ao reconhecimento da confissão, uma vez que a espontaneidade exigida
pela norma prescinde de motivos. Ademais, a confissão foi usada como
fundamento do decreto condenatório, conforme se verifica da sentença
vergastada.
Precedentes.
11. Todavia, do exame do caso concreto, não há como sustentar-se, com
a devida vênia, a pena-base fixada na sentença apelada, de 06 anos e 03
meses de reclusão, por conta da aludida circunstância judicial negativa.
12. Confissão. Incidência. O fato de o réu ter sido preso em flagrante
não é óbice ao reconhecimento da circunstância atenuante da confissão,
uma vez que a espontaneidade exigida pela norma prescinde de motivos.
Ademais, a confissão também foi usada como fundamento do decreto
condenatório, conforme se verifica da sentença vergastada, no ponto em
que analisou a autoria delitiva. Precedentes.
13. Quanto à causa de aumento prevista no art. 40, inciso I da Lei
nº 11.343/2006, a distância a ser percorrida pela droga não é variável
170 D����������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – Jurisprudência
a ser cotejada, conforme precedentes desta Corte Regional. Mantida a
causa à razão de 1/6 (um sexto).
14. Causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006
inaplicável ao caso. O réu sujeitou-se a realizar o transporte de 260g
de cocaína, que ingeriu sob a forma de cápsulas, para levá-la até outro
continente.
15. Pela quantidade e espécie de substância entorpecente apreendi-
da (260g de cocaína); a forma como estava oculta em seu organismo,
acondicionada em cápsulas que havia ingerido; a circunstância do in-
crepado ter empreendido viagem internacional, com despesas financia-
das por narcotraficantes, acrescido pelo fato do increpado já ter sido
preso, processado e condenado pelo crime de tráfico de drogas em seu
país de origem, tudo está a denotar seu enredamento, ainda que não
habitual, com organização criminosa voltada para o comércio interna-
cional de cocaína, arredando a incidência da norma do § 4º do art. 33
da Lei Antidrogas.
16. Releva destacar que a simples circunstância do acusado portar maus
antecedentes, como reconhecido na sentença de primeiro grau, tendo
em mira a informação da Interpol contida às fls. 25 dos autos em apenso
(registro de condenação por crimes de tráfico de drogas e roubo) e admi-
tida pelo réu em seu interrogatório (mídia de fls. 197), já se afigura sufi-
ciente para servir de empeço à incidência da causa de diminuição do § 4º
do art. 33 da Lei nº 11.363/2006, que reclama a presença concomitante
dos requisitos de ausência de maus antecedentes e reincidência, assim
como que o agente não integre organização criminosa ou dedique-se a
atividades criminosas.
17. Fixado regime inicial fechado de cumprimento de pena, nos termos
do art. 33, § 3º, do Código Penal.
18. Incabível, in casu, a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos, porquanto não preenchidos os requisitos objetivos e
subjetivos do art. 44 do Código Penal.
19. Apelo da defesa parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-
cide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da defesa para reduzir a pena-
-base, aplicar a atenuante da confissão espontânea e reduzir o patamar da causa
de aumento de pena relativa à internacionalidade, resultando na pena definitiva
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA......................................................................................................... 171
de 05 anos 10 meses de reclusão e pagamento de 583 dias-multa, comunican-
do-se o Juízo das Execuções Criminais e ao Ministério da Justiça, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
São Paulo, 05 de maio de 2015.
Hélio Nogueira
Desembargador Federal
RELATÓRIO
O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Hélio Nogueira (Re-
lator): O Ministério Público Federal denunciou Walford James Thomas, quali-
ficado nos autos, holandês, nascido aos 11.09.1953, como incurso no art. 33,
caput, combinado com o art. 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/2006. Consta
da denúncia:
O Denunciado, de modo consciente e voluntário, adquiriu, trouxe consigo, guar-
dou, e tentou embarcar para o exterior, em 11.04.2013, droga, sem qualquer
autorização do órgão regulamentar.
Naquela data, por volta das 22h, no Aeroporto Internacional de Viracopos, em
Campinas/SP, Walford James Thomas trouxe consigo 30 cápsulas de cocaína e
tentou embarcar no vôo (TP)92 da Companhia Aérea TAP, agendado para as
22h30min, com destino a Lisboa/Portugal, com conexão posterior para Amster-
dam/Holanda. O entorpecente havia sido disposto em 30 cápsulas embaladas
com filme, plástico, que foram ingeridos pelo denunciado.
O Policial Federal Saverio Christovam encontrava-se em atividade no Aeroporto
Internacional de Viracopos e, durante o check in para o voo da TAP (TP)92,
desconfiou do comportamento do denunciado, que se aproximava do local. Re-
solveu proceder a entrevista pessoal com o mesmo, questionando-o acerca dos
motivos da viagem.
Diante do nervosismo aparentado pelo denunciado, e das respostas evasivas às
perguntas que lhe foram feitas, o policial solicitou ao conduzido que depositasse
uma amostra de urina para exame, o qual deu positivo para a substância entorpe-
cente, “cocaína”. Conduziu-o, então, ao pronto socorro do Hospital Celso Pierro,
onde se identificou, por meio de exame raio-x, a presença de corpos estranhos
em seu organismo. Só então o denunciado confessou a ingestão de cocaína. Após
expelir as cápsulas, foi realizado o narco-teste que resultou positivo para a subs-
tância “cocaína, e foi dada voz de prisão para o denunciado. Formalizada a
prisão em flagrante, o denunciado reservou-se ao silêncio, conforme fl. 04.
A materialidade e a autoria delitivas estão demonstradas pelo auto de prisão em
flagrante de fls. 02/04, pelos autos de apreensão de fl. 05 (referente a 28 cápsulas
inicialmente expelidas pelo denunciado) e fl. 29 (referente a outras 02 cápsulas,
expelidas posteriormente), e pelo Laudo Preliminar de Constatação de fls. 09/11.
Os exames atestam que os cerca de 260 gramas de droga, inicialmente apreendi-
172 D����������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – Jurisprudência
das, eram cocaína, substância entorpecente capaz de causar dependência psíqui-
ca e que está inclusa na Lista F/Fl, item 11, de uso proscrito no Brasil, da Portaria
SVS/MS nº 344, de 12.05.1998, republicada nº DOU de 01.02.1999 e Resolução
nº 147 da Agência de Vigilância Sanitária, de 09.08.2001.
A internacionalidade do tráfico é evidenciada pelas circunstâncias em que ocor-
reram a prisão do denunciado, quando estava se aproximando, do check in do
voo (TP)92 da TAP Portugal com destino a Lisboa/Portugal, na posse de passapor-
te (fl. 20) e duas passagens aéreas relacionadas aos voos (fl. 06).
É o relatório.
Ao MM. Revisor.
Hélio Nogueira
Desembargador Federal Relator
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA......................................................................................................... 173
VOTO
O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Hélio Nogueira (Re-
lator): Walford James Thomas foi denunciado por transportar substância entor-
pecente (cocaína) em forma de cápsulas, que haviam sido por ele ingeridas,
quando tentava embarcar com destino a Lisboa/Portugal, com conexão poste-
rior para Amsterdam/Holanda, do Aeroporto de Viracopos, em Campinas/SP.
Na r. sentença, o Juízo de primeiro grau o condenou à pena definitiva
de 08 anos e 04 meses de reclusão, no regime inicial fechado, e pagamento
de 725 dias-multa, como incurso no art. 33 caput c/c o art. 40, inciso I da Lei
nº 11.343/2006.
Apela o réu, representado pela DPU Defensoria Pública da União,
pugnando pela absolvição, em razão da aplicação do princípio da insignifi-
cância ou, alternativamente, a desclassificação do delito para o art. 28 da Lei
nº 11.343/2006. Subsidiariamente, requer: a) a redução da pena-base; b) a apli-
cação da atenuante da confissão espontânea, c) o afastamento da causa de au-
mento de pena relativa à internacionalidade da conduta ou sua aplicação no
patamar mínimo; d) a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no
art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/2006, em seu maior patamar; e) o estabelecimen-
to de regime inicial de cumprimento de pena menos gravoso; f) a substituição
da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos; g) o seja concedido os
benefícios da justiça gratuita.
Passo à análise do recurso.
De início, indefiro os benefícios da assistência judiciária gratuita, pois o
acusado alegou em seu interrogatório que recebia entre 2000 a 2500 euros por
mês, tendo arcado com o pagamento de sua passagem aérea, que custaram 680
euros (fl. 197 mídia eletrônica).
A materialidade delitiva restou bem delineada nos autos, pelo Auto de
Prisão em Flagrante Delito (fls. 02/04), pelos Autos de Apresentação e Apre-
ensão (fls. 05 e 29), pelo Laudo Preliminar de Constatação (fls. 09/11), e pelo
Laudo Pericial Definitivo (fls. 106/109), os quais atestam tratar-se de cocaína
o material apreendido, totalizando a massa bruta de 280g (duzentos e oitenta
gramas), acondicionadas em 30 cápsulas.
A transnacionalidade do delito restou comprovada pelo fato de Walford
ter sido preso em flagrante delito quando estava prestes a embarcar em vôo
da companhia aérea TAP Portugal, com destino a Lisboa/Portugal, com cone-
xão para Amsterdam/Holanda, no Aeroporto Internacional de Viracopos, em
Campinas, transportando substância entorpecente sob a forma de cápsulas, que
havia ingerido (fls. 02, 05 e 29).
O conjunto probatório é coeso e uníssono, não restando dúvida sobre a
materialidade e a internacionalidade do delito.
174 D����������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – Jurisprudência
A autoria também é inconteste.
Na esfera policial, o acusado reservou-se ao direito de permanecer em
silêncio (fl. 04).
Em Juízo (fls. 197 mídia eletrônica), Walford admitiu os fatos narrados
na denúncia.
Afirmou que veio ao Brasil para trabalhar com iluminação de teatro, mas
o negócio não prosperou; que em um restaurante lhe ofereceram cocaína e
como em seu país a droga é muito cara e por ser usuário, resolveu comprar em
cápsulas para levar consigo.
A testemunha Saverio Cristovam, Agente de Polícia Federal, ratificou em
Juízo o depoimento prestado na fase inquisitorial (fls. 181 mídia eletrônica), e
acrescentou que em nenhum momento o acusado afirmou ter vindo ao Brasil
para trabalhar com teatro, mas apenas que veio atrás de prostíbulos.
A testemunha Críton Gonçalves Melo também confirmou o depoimento
prestado na sede policial, afirmando ainda que o réu simulou a colocação de
água no copo para narcoteste, para que os policiais acreditassem que o material
era urina.
Pugna a defesa pelo reconhecimento da atipicidade da conduta, em ra-
zão do princípio da insignificância.
O aludido princípio não tem aplicabilidade no crime de tráfico de dro-
gas, por se tratar de crime de perigo abstrato, sendo irrelevante a quantidade
de droga apreendida. A admissão da tese defensiva da insignificância tornaria
letra morta a tipificação do crime de tráfico de drogas, ainda mais de natureza
transnacional.
A jurisprudência rechaça a aplicação do princípio da insignificância ao
crime da Lei nº 11.343/2006.
Neste sentido:
“RECURSO EM HABEAS CORPUS – PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE
PARA CONSUMO PRÓPRIO – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IMPOSSI-
BILIDADE – CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO – 1. Indepen-
dentemente da quantidade de drogas apreendidas, não se aplica o princípio da
insignificância aos delitos de porte de substância entorpecente para consumo
próprio e de tráfico de drogas, sob pena de se ter a própria revogação, contra
legem, da norma penal incriminadora. Precedentes. 2. O objeto jurídico tutelado
pela norma do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 é a saúde pública, e não apenas
a do usuário, visto que sua conduta atinge não somente a sua esfera pessoal,
mas toda a coletividade, diante da potencialidade ofensiva do delito de porte
de entorpecentes. 3. Para a caracterização do delito descrito no art. 28 da Lei
nº 11.343/2006, não se faz necessária a ocorrência de efetiva lesão ao bem jurí-
dico protegido, bastando a realização da conduta proibida para que se presuma
o perigo ao bem tutelado. Isso porque, ao adquirir droga para seu consumo, o
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA......................................................................................................... 175
usuário realimenta o comércio nefasto, pondo em risco a saúde pública e sendo
fator decisivo na difusão dos tóxicos. 4. A reduzida quantidade de drogas integra
a própria essência do crime de porte de substância entorpecente para consumo
próprio, visto que, do contrário, poder-se-ia estar diante da hipótese do delito
de tráfico de drogas, previsto no art. 33 da Lei nº 11.343/2006. 5. Recurso em
habeas corpus não provido.” (RHC 201301189213, Rogerio Schietti Cruz, STJ,
6ª T., DJe Data: 17.11.2014 ..DTPB:.)
“HABEAS CORPUS – PENAL – TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES –
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – INAPLICABILIDADE – REGIME INICIAL
DE CUMPRIMENTO DE PENA – INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO
ART. 2º DA LEI Nº 8.072/1990 DECLARADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FE-
DERAL – CABÍVEL O REGIME INICIAL ABERTO – SUBSTITUIÇÃO DA PENA
PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS – DETER-
MINAÇÃO DE ANÁLISE PELO JUÍZO DAS EXECUÇÕES – ORDEM DE HABEAS
CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDA – 1. Não se afigura possível a aplica-
ção do princípio da insignificância ao delito de tráfico ilícito de drogas, tendo
em vista tratar-se de crime de perigo presumido ou abstrato, sendo irrelevante a
quantidade de droga apreendida em poder do agente. Precedentes desta Corte
e do Supremo Tribunal Federal. 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao
julgar o HC 111.840/ES, afastou a obrigatoriedade do regime inicial fechado para
os condenados por crimes hediondos e equiparados, devendo-se observar, para
a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o disposto no art. 33, c.c. o
art. 59, ambos do Código Penal. 3. Na hipótese, fixada a pena-base da Paciente,
ré primária, no mínimo legal, porque reconhecidas como favoráveis as circuns-
tâncias judiciais, não é possível infligir-lhe regime prisional mais gravoso apenas
com base na gravidade abstrata do delito. Inteligência do art. 33, §§ 2º e 3º, c/c
o art. 59, ambos do Código Penal. Aplicação do Enunciado nº 440 da Súmula
desta Corte. 4. No tocante à conversão da pena privativa de liberdade em restriti-
va de direitos, o Plenário da Suprema Corte, nos autos do HC 97.256/RS, julgou
inconstitucional a vedação contida no § 4º do art. 33 e também no art. 44 da Lei
nº 11.343/2006, o que resultou na edição da Resolução nº 05/2012, do Senado
Federal, na qual foi suspensa a execução da parte final do art. 33, § 4º, da Lei
nº 11.343/2006. 5. Ordem de habeas corpus parcialmente concedida para, man-
tida a condenação da Paciente, fixar o regime aberto para o inicial cumprimento
da pena reclusiva, bem como determinar ao Juízo das Execuções Criminais que
proceda ao exame do preenchimento ou não dos requisitos necessários à con-
cessão do benefício da substituição da pena privativa de liberdade por sanções
restritivas de direitos.” (HC 201200818132, Laurita Vaz, STJ, 5ª T., DJe Data:
13.08.2013 ..DTPB:.)
Hélio Nogueira
Desembargador Federal
Parte Geral – Jurisprudência
7496
EMENTA
DIREITO PENAL – MOEDA FALSA – FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA – SÚMULA Nº 73 DO STJ
– DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE ESTELIONATO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
ESTADUAL
1. A constatação de falsificação grosseira de moeda implica a desclassifi-
cação do delito para o art. 171 do Código Penal, conforme entendimento
sumulado do Superior Tribunal de Justiça.
2. Declinada, de ofício, a competência em favor da Justiça estadual. Ra-
zões prejudicadas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, deci-
de a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria,
desclassificar, de ofício, o delito imputado para o tipo penal do art. 171 do Có-
digo Penal, anular a sentença e declinar a competência em favor da Justiça do
Estado do Paraná, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 04 de novembro de 2015.
RELATÓRIO
O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de Daniel
Martins da Silva, nascido em 13.12.1982, pela suposta prática do delito previsto
no art. 289, § 1º, do Código Penal.
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA......................................................................................................... 185
A inicial acusatória narra o seguinte:
No dia 10 de fevereiro de 2006, por volta das 23h30min, no Município de
Campo Mourão/PR, o denunciado Daniel Martins da Silva realizou uma compra
no valor de R$ 10,00 (dez reais) no estabelecimento comercial de propriedade de
Luiza da Silva e, como pagamento, introduziu em circulação uma cédula falsa no
valor de R$ 50,00 (cinquenta reais), número de série B8831260217A.
Interrogado em sede policial, Daniel Martins da Silva confessou ter sido o respon-
sável pelo repasse da cédula contrafeita (fl. 48).
De acordo com o Laudo de Exame em Moeda (papel moeda) nº 0459/06-SR/PR
“as características verificadas indicam que a cédula examinada foi produzida por
processo de impressão do tipo offset em papel inautêntico. A falsificação pode
ser considerada de regular qualidade, podendo, a cédula em questão, dadas as
semelhanças com as cédulas verdadeiras e dependendo das circunstâncias em
que for apresentada, levar pessoas de conhecimento mediano a aceitá-la como
se fosse autentica” (fls. 09/11).
Assim agindo, Daniel Martins da Silva, com vontade livre e consciente, ciente
da ilicitude de sua conduta, introduziu em circulação moeda que sabia ser falsa,
incidindo diretamente nas penas do art. 289, § 1º do Código Penal.
1 Do crime previsto no art. 289, § 1º, do Código Penal e sua capacidade de iludir
pessoas de compreensão mediana
O crime previsto no art. 289, § 1º, do Código Penal pune o agente que,
por conta própria ou alheia, importa, exporta, adquire, vende, troca, cede, em-
presta, guarda ou introduz na circulação moeda falsa.
Trata-se de crime de ação múltipla, ou seja, que se consuma pela prática
de qualquer uma das condutas elencadas no tipo.
Para fins de configuração da materialidade do delito, necessário que es-
tejam comprovadas (1) a efetiva ocorrência de uma das ações elencadas no
tipo – importar, exportar, adquirir, vender, trocar, ceder, emprestar, guardar ou
introduzir em circulação – e (2) a falsidade da moeda.
Além de estar provada a falsidade da moeda, é preciso estar demonstra-
do que o falso tem aptidão para enganar pessoa de mediana acuidade (imitatio
veri). Essa constatação é importante porque, sendo a contrafação grosseira, não
se caracteriza o delito de moeda falsa, mas sim, em tese, o crime de estelionato
(art. 171 do Código Penal), consoante jurisprudência pacífica consolidada na
súmula 73 do Superior Tribunal de Justiça:
“A utilização de papel-moeda grosseiramente falsificado configura, em tese, o
crime de estelionato, da competência da Justiça Estadual.”
VOTO REVISÃO
O Senhor Desembargador Leandro Paulsen: Peço vênia para divergir do
encaminhamento proposto pelo eminente Relator, em cujo voto foi manifestado
entendimento no sentido de que as cédulas apreendidas constituem falsificação
grosseira, não possuindo aptidão para enganar, razão pela qual a conduta não
se enquadra no delito de moeda falsa, operando a desclassificação para o delito
de estelionato previsto no art. 171 do CP.
Com o devido respeito, divirjo da posição defendida pelo nobre Relator,
porquanto, ao verificar as cédulas, a mim pareceram aptas a se passarem por
verdadeiras.
Ademais, o Laudo de Exame em Moeda, elaborado pelos peritos do Insti-
tuto Nacional de Criminalística, Setor Técnico-Científico, do Estado do Paraná,
concluiu pela falsidade das cédulas e pela regular qualidade da impressão das
mesmas (fls. 09/11 do IP).
De fato, analisando-se as cédulas apreendidas, verifico que são aptas a
enganar o homem médio, não se tratando de falsificação grosseira.
Passo à análise das teses recursais.
Sustenta a Defesa inexistir prova quanto ao dolo, assim como quanto à
culpabilidade do réu, aduzindo que o apelante incorreu em erro de tipo essen-
cial escusável. Vejamos.
190 D����������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – Jurisprudência
1. Comprovação do dolo. Em primeiro lugar, registro que, para o tipo
em debate, inexiste possibilidade material de se produzir ampla prova do dolo,
devendo o magistrado orientar-se pelo conjunto das evidências, atendo-se aos
indicativos externos que expressam a vontade do agente para aferir a presença,
ou não, do elemento subjetivo. Nesse sentido:
PENAL – MOEDA FALSA – PROVA DO DOLO – CORRUPÇÃO DE MENOR –
COMPROVAÇÃO DA MENORIDADE – DESNECESSIDADE DE JUNTADA DE
CERTIDÃO DE NASCIMENTO – 1. É de se ter por comprovado o dolo, no cri-
me de moeda falsa, quando o conjunto indiciário indica que o agente sabia ser
inautêntica a moeda. A dificuldade para aferimento e comprovação do elemento
anímico no crime do art. 289 do CP exige a verificação dos elementos indicativos
externos que expressam a vontade do agente, contendo em si todos os detalhes
e circunstâncias que envolvem o evento criminoso, tais como a reação diante
da descoberta da falsidade da cédula, o local onde elas foram encontradas, as
mentiras desveladas pelas provas, entre outros. Admite-se, para configurar o tipo
penal, o dolo eventual. 2. A comprovação da menoridade, para fins de configura-
ção do delito do art. 244-B do ECA, dispensa a juntada de certidão de nascimento
quando a idade do menor ficar demonstrada nos autos por outros elementos. Pre-
cedentes recentes do STF e do STJ. Hipótese em que o termo de audiência registra
a data de nascimento do infante, bem como a sua dispensa de compromisso, nos
termos do art. 208 do CPP. (TRF 4ª R., ACr 5001687-51.2010.404.7202, 8ª T.,
Rel. p/ Ac. Paulo Afonso Brum Vaz, DE 29.06.2012). (grifei)
Leandro Paulsen
Revisor
VOTO-VISTA
Pedi vista dos autos para melhor examinar a matéria trazida a debate,
considerando os diferentes pontos de vista externados pelo Relator e Revisor, e,
após o manuseio e exame visual das cédulas inautênticas, concluo por acom-
panhar a proposta encaminhada pelo primeiro.
Ante o exposto, voto no sentido de desclassificar, de ofício, o delito im-
putado para o tipo penal do art. 171 do Código Penal, anular a sentença e
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA......................................................................................................... 193
declinar a competência em favor da Justiça do Estado do Paraná, ressalvada a
possibilidade de ratificação dos atos processuais e decisórios.
EMENTA
PROCESSUAL PENAL – PENAL – EXTRAÇÃO DE RECURSO MINERAL SEM A DEVIDA
AUTORIZAÇÃO LEGAL – CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA (ART. 2º DA LEI
Nº 8.176/1991) E CRIME AMBIENTAL (ART. 55 DA LEI Nº 9.605/1998) – AUSÊNCIA
DE DOLO – INOCORRÊNCIA – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E SUSPENSÃO
CONDICIONAL DA PENA – INAPLICABILIDADE – MATERIALIDADE E AUTORIA
COMPROVADAS – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA
1. Apelação criminal interposta pela defesa contra sentença proferida
pelo Juízo Federal da 7ª Vara de Sergipe que condenou o réu, pela con-
duta de extrair e explorar matéria-prima pertencente à União, sem auto-
rização legal do DNPM, em pedreira situada no Município de Tomar do
Geru/SE, aos crimes previstos nos arts. 55, da Lei nº 9.605/1998, e 2º, da
Lei nº 8.176/1991.
2. Dolo devidamente provado nos autos: mostrou-se que o acusado,
dono do imóvel no qual eram feitas as extrações, recrutava terceiros para
extrair pedras para posterior venda, ciente da necessidade de autorização
legal para proceder a tal atividade, a qual não pertencia.
3. Inaplicabilidade do princípio da insignificância em face da ofensivida-
de da conduta e a expressividade da lesão jurídica provocada – Entendi-
mento jurisprudencial que “nos casos de crimes ambientais não se aplica
o princípio da insignificância, dada a indisponibilidade do bem jurídico
tutelado” (STJ, AREsp 566.948, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – DJ em
03.11.2014).
4. Incabível a aplicação da suspensão condicional da pena (sursis), nos
termos do inciso III do art. 77 do CP, uma vez que a pena privativa de
liberdade atribuída ao réu foi convertida em duas restritivas de direitos.
196 D����������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – Jurisprudência
5. Materialidade e autoria delitiva devidamente comprovadas nos autos,
razão pela qual não há que se falar na incidência do princípio do in
dubio pro reo.
6. Apelação não provida e manutenção da sentença.
ACÓRDÃO
Decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por
unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do relator, na
forma do relatório e notas taquigráficas constantes nos autos, que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Recife, 24 de novembro de 2015.
RELATÓRIO
O Senhor Desembargador Federal Manuel Maia (Convocado):
Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa do acusado Pedro
Menezes Alves (fls. 90/96) contra sentença proferida pelo Juízo Federal da
7ª Vara de Sergipe (fls. 81/82v), que julgou procedente o pedido formulado na
denúncia para condená-lo pela prática dos crimes previstos nos arts. 55, da Lei
nº 9.605/1998, e 2º, da Lei nº 8.176/1991.
Pena de detenção (2 anos e 11 meses) substituída por restritivas de
direitos.
Em síntese, na denúncia imputou-se a Pedro Menezes Alves e a Aílton
França dos Santos (absolvido) a conduta de extrair e explorar matéria-prima
(pedra granítica facetada), pertencente à União, sem autorização legal do De-
partamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), na pedreira do povoado de
Abrobeira, de propriedade de Pedro Menezes Alves, situada na zona rural do
Município de Tomar do Geru/SE.
Em suas razões recursais, a defesa requer:
a) A absolvição do réu, em face da atipicidade material, decorrente da inocor-
rência de dano efetivo ao bem jurídico tutelado e do desconhecimento da
ilegalidade na extração do material sem licença para uso ou consumo próprio;
b) A aplicação do princípio da insignificância, em razão da ausência de efeitos
poluentes;
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA......................................................................................................... 197
c) A aplicação do art. 16 da Lei nº 9.605/1998, relativo à suspensão condicional
da pena; e
d) O reconhecimento da presença do princípio do in dubio pro reo.
VOTO
O Senhor Desembargador Federal Manuel Maia (Convocado):
Consoante relatado, Pedro Menezes Alves foi denunciado pela prática
dos crimes do art. 2º, da Lei nº 8.176/1991 e do art. 55, da Lei nº 9.605/1998,
por ter procedido, sem autorização do DNPM, a extração de granito em pedrei-
ra de sua propriedade, situada no Povoado Abobreira, zona rural do Município
de Tomar do Geru/SE.
Na sentença, a acusação foi julgada procedente sob o argumento de que
se encontram patentes a materialidade e a autoria delitivas. O magistrado argu-
mentou que o laudo pericial de fls. 85/92 do IPL descreve uma larga atividade
de exploração de granito, sem autorização, responsável por gerar diversos da-
nos ambientais. Concluiu-se, ainda, que a mineração realizada na propriedade
do acusado tinha fins comerciais, em razão da grande quantidade de granito
extraído e da forma do corte da pedra, em formato cúbico, imprestável para
obra domiciliar. Por fim, afastou-se a aplicação do Princípio da Insignificância,
pois o laudo do inquérito policial constatou uma ampla área de degradação
ambiental.
Nas razões recursais, a defesa sustenta a inocorrência de dano efetivo ao
bem jurídico tutelado e o desconhecimento da ilegalidade na extração do ma-
terial; a aplicação do princípio da insignificância; a aplicação do art. 16 da Lei
nº 9.605/1998 (suspensão condicional da pena); e, por fim, o reconhecimento
do princípio do in dubio pro reo.
Quanto à tese de ausência de dolo, entendo não assistir razão ao apelan-
te. Com efeito, os elementos trazidos aos autos demonstram que Pedro, dono
do imóvel no qual eram feitas as extrações, atuante no ramo de extração (tanto
que inscrito na Coopedras), recrutava terceiros para extrair pedras para posterior
venda, ciente da necessidade de autorização legal para proceder a tal atividade,
a qual não pertencia.
198 D����������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – Jurisprudência
Igualmente inaceitável a tese de inocorrência de dano ao bem jurídico
tutelado. Como explica o seguinte trecho de julgado do STF, “os arts. 2º da Lei
nº 8.176/1991 e 55 da Lei nº 9.605/1998 tutelam bens jurídicos distintos: o
primeiro visa a resguardar o patrimônio da União; o segundo protege o meio
ambiente”. (STF, HC 89878/SP, Rel. Min. Eros Grau, 2ª T., DJe 13.05.2010).
No laudo pericial anexado aos autos (fls. 62/92 do IPL), constatou-se
que na propriedade do apelante era realizada a atividade de extração de mi-
nério (pedra granítica facetada), sem a devida autorização por parte do DNPM
(fl. 94 do IPL). Pela área degradada total, tem-se que foram extraídas pelo menos
203.000 (duzentos e três mil) unidades de pedras graníticas, tendo o valor dos
recursos minerais extraídos sido estimado em R$ 142.100,00 (cento e quarenta
e dois mil e cem reais). A atividade desenvolvida, conforme relatado no referido
laudo, ocasionou os seguintes impactos ambientais (fls. 90-91 do IPL):
“a) supressão da vegetação; b) perturbação da fauna silvestre em função da
destruição permanente de locais de refúgio, abrigo, nidificação e alimentação;
c) alteração permanente da paisagem e da geomorfologia local, que altera o bem-
-estar das populações animais e humanas causando desequilíbrio nos ecossiste-
mas e perda de biodiversidade; d) empobrecimento do solo devido à remoção
de suas camadas superiores, dificultando a regeneração da mata nativa; e, e) po-
luição sonora e atmosférica por partículas inertes e gases emitidos pelos veículos
de carga, durante o transporte de minério, inerentes a atividades de mineração,
oferecendo impacto sobre a biota local”.
Vê-se, pois, que a lei ambiental ampliou o limite da pena para incidência
do sursis, de dois para três anos. Contudo, como não regulou os requisitos para
200 D����������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – Jurisprudência
a sua aplicação, permanecem válidos os previstos no Código Penal, o qual,
como destacado, possui aplicação subsidiária. No caso, a pena privativa de
liberdade atribuída ao réu foi convertida em duas restritivas de direitos, razão
pela qual não cabe a suspensão, nos termos do inciso III do art. 77 do CP.
Por fim, entendo igualmente incabível, no presente caso, a aplicação
do princípio do in dubio pro reo, uma vez que cabalmente demonstradas, nos
autos, a materialidade e a autoridade delitivas, não havendo que se falar em
dúvida.
Ante o exposto, nego provimento à apelação criminal da defesa e mante-
nho a sentença em todos os seus termos.
É como voto.
Recife, 24 de novembro de 2015.
7504 – Crime contra o sistema financeiro – gestão fraudulenta – evasão de divisas – alegação
“Penal e processo penal. Recurso especial. Crimes contra o sistema financeiro nacional. Gestão frau-
dulenta e evasão de divisas. Ofensa aos arts. 1º do CP, e 8º, § 2º, f, da convenção americana de direi-
tos humanos. Dispositivos não analisados. Afronta ao art. 157, caput, e § 1º, do CPP. Alegação de
provas colhidas em desconformidade com o acordo de assistência judiciária em matéria penal entre
Brasil e Estados Unidos (MLAT). Tese jurídica não apreciada. Ausência de prequestionamento. Súmu-
las nºs 211/STJ, 282/STF e 356/STF. Negativa de vigência aos arts. 400, § 1º, e 402, ambos do CPP.
Pedido de diligências complementares. Indeferimento devidamente fundamentado pelo magistrado.
Vilipêndio ao art. 383, caput, do CPP. Emendatio libelli. Exercício do prévio contraditório. Desneces-
sidade. Acórdão em conformidade com a jurisprudência desta corte. Súmula nº 83/STJ. Malferimento
aos arts. 41 e 564, caput, e IV, ambos do CPP. Inépcia da denúncia. Sentença condenatória. Preclu-
são. Descrição suficiente dos fatos. Pecha não existente. Contrariedade aos arts. 564, I, 567 e 573,
§ 1º, todos do CPP. Incompetência territorial do juízo. Nulidade relativa. Atos ratificados pelo juízo
competente. Prejuízo não comprovado. Violação aos arts. 10, IX, g, e 38, caput, e II, ambos da Lei
nº 8.625/1993, e 395, I, do CPP. Dispositivos de lei que não amparam a pretensão recursal. Violência
ao art. 17 da LINDB. Ausência de razões jurídicas da vulneração. Violação ao art. 4º, caput, da Lei
nº 7.492/1986. Bis in idem. Tese jurídica. Razões dissociadas do acórdão recorrido. Apelo especial
com fundamentação deficiente. Súmula nº 284/STF. Inobservância aos arts. 157, caput, e § 1º, 222,
§ 3º, e 792, todos do CPP. Ofensa reflexa. Inadmissibilidade. Atos normativos secundários. Via eleita
inadequada. Oitiva de testemunha. Videoconferência. Nulidade. Não ocorrência. Negativa de vigên-
cia aos arts. 4º, caput, e 22, caput, ambos da Lei nº 7.492/1986. Tipicidade. Reexame fático e proba-
tório. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. Ferimento ao art. 59 do CP. Dosimetria da pena. Primeira
fase. Valoração negativa das consequências do crime. Altas cifras movimentadas. Fundamentação
idônea. Mentira das rés na delegacia. Direito de não auto-incriminação. Fundamentação inidônea.
Pena-base reduzida. Infringência ao art. 71 do CP. Ocorrência. Crime de gestão fraudulenta. Crime
habitual impróprio. Impossibilidade de reconhecimento da continuidade delitiva. Delito de evasão de
divisas. Fração de aumento. Número de infrações praticadas. Continuidade delitiva afastada. Recurso
especial a que se dá parcial provimento. 1. Para que se configure o prequestionamento, há que se
extrair do acórdão recorrido pronunciamento sobre as teses jurídicas em torno dos dispositivos legais
tidos como violados, a fim de que se possa, na instância especial, abrir discussão sobre determinada
questão de direito, definindo-se, por conseguinte, a correta interpretação da legislação federal (AgRg-
-AREsp 454.427/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., DJe 19.02.2015). 2. Nos termos da jurispru-
dência deste Sodalício Superior, ‘o deferimento de diligências é ato que se inclui na esfera de
discricionariedade regrada do juiz natural do processo, com opção de indeferi-las, motivadamente,
204 D��������������������������������������������������������������������������� RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA
quando julgar que são protelatórias ou desnecessárias e sem pertinência com a sua instrução’ (RMS
31.577/SP, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu (Des. Conv. do TJ/RJ), 5ª T., DJe 18.05.2011). 3. Nos
moldes do entendimento sufragado no âmbito deste STJ, cuidando-se de hipótese de emendatio li-
belli, e não de mutatio libelli, mostra-se despicienda a abertura de vista à defesa para prévio contra-
ditório, tendo em conta que o réu se defende dos fatos, e não da capitulação jurídica descrita na ini-
cial acusatória. 4. ‘O pleito de reconhecimento da inépcia da denúncia, quando já há, como no caso
concreto, sentença condenatória, confirmada por acórdão de apelação, abrigado pelo pálio da coisa
julgada, é descabido, pois impossível analisar mera higidez formal da acusação se o próprio intento
condenatório já foi acolhido e confirmado em grau de recurso’ (HC 206.519/RJ, Relª Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJe 18.11.2013). 5. Não é inepta a denúncia que narra a ocorrência
de crimes em tese, bem como descreve as suas circunstâncias e indica os respectivos tipos penais,
viabilizando, assim, o exercício do contraditório e da ampla defesa, nos moldes do previsto no art. 41
do Código de Processo Penal. 6. Esta Corte tem afirmado que ‘a competência territorial é, segundo
entendimento jurisprudencial consagrado, relativa e prorrogável, podendo os atos cometidos por juiz
relativamente incompetente, em razão de território, serem ratificados pelo juízo competente sem
prejuízo para as partes’ (RHC 1.971/RJ, Rel. Min. Pedro Acioli, 6ª T., DJ 13.10.1992). 7. Incide a Sú-
mula nº 284 do STF nos pontos em que a deficiência da fundamentação recursal inviabiliza a exata
compreensão da controvérsia. 8. É inviável o recurso especial quando a verificação da ofensa à lei
federal demandar prévio exame de normas locais, tendo em vista que a ofensa à legislação federal
deve ocorrer de forma direta, e não reflexa. 9. A jurisprudência desta Corte entende que os atos nor-
mativos secundários e outras disposições administrativas não estão inseridos no conceito de lei fede-
ral, que enseja o aviamento de recurso especial pela alínea a do art. 105 da Constituição Federal.
10. Ainda que este Tribunal Superior tenha entendimento pacífico quanto a ser nulo o interrogatório
do réu realizado por videoconferência, antes da regulamentação conferida pela Lei nº 11.900/2009,
não é menos certo que referido raciocínio não se aplica à oitiva de testemunha, desde que na audiên-
cia tenha comparecido o defensor do acusado, e ao réu não tenha sobrevindo qualquer prejuízo.
11. ‘As conclusões da Corte de origem no que pertine à tipificação das condutas delituosas imputadas
aos acusados, quando escoradas no conjunto probatório carreado aos autos, não são passíveis de re-
visão em sede de recurso especial, por ser, consoante Orientação Jurisprudencial sumulada desta
Corte, inadmissível o apelo nobre manejado com propósito de simples reexame das provas e fatos’
(REsp 1183134/SP, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Des. Conv. do TJ/RS), Rel. p/ Ac. Min. Gilson
Dipp, 6ª T., DJe 29.06.2012). 12. Ainda que a movimentação financeira seja elementar do delito de
evasão de divisas (art. 22 da Lei nº 7.492/1986), o grande vulto das cifras enviadas, que in casu ultra-
passa o montante de um bilhão de dólares, constitui elemento concreto que extrapola as consequên-
cias naturais do delito, e justifica validamente o aumento da pena em sua primeira fase, a título de
consequências do injusto. 13. Da análise do art. 4º da Lei nº 7.492/1986, constata-se que o prejuízo
decorrente da gestão fraudulenta não é elementar do tipo penal, além do que ‘tendo o réu sido con-
denado pela prática de crime formal, verificado o seu exaurimento pela ocorrência do resultado, tal
fato pode ser utilizado como fundamento idôneo para exasperar a pena-base na apreciação das con-
sequências do delito’ (HC 41.466/MG, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., DJ 10.10.2005). 14. ‘O compor-
tamento do réu durante o processo na tentativa de defender-se não pode ser levado em consideração
para o efeito de aumento da pena, sendo certo, também, que o réu não esta obrigado a dizer a verda-
de (art. 5º, LXIII, da Constituição)’ (STF, HC 72815, Relator(a): Min. Moreira Alves, 1ª T.,
DJ 06.10.1995). 15. É incabível o reconhecimento da ficção jurídica da continuidade delitiva no cri-
me de gestão fraudulenta, sendo uniforme a jurisprudência desta Corte no sentido de que, tratando-se
de crime habitual impróprio, uma só ação basta para configurar o delito de gestão fraudulenta (AgRg-
-REsp 1398829/SC, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., DJe 25.03.2015). Assim, a sequência de atos de
gestão fraudulenta praticados já integra o próprio tipo penal, de maneira que não se pode falar na
ocorrência de crime continuado. 16. Esta Corte de Justiça sedimentou sua jurisprudência no entendi-
mento de que na fixação do quantum de aumento de pena pela continuidade delitiva, o critério fun-
damental é o número de infrações praticadas. 17. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ – REsp
1.520.203 – (2014/0146759-2) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 01.10.2015)
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA................................................................................. 205
7505 – Crime contra os serviços de telecomunicações – desenvolvimento clandestino de ativida-
de – princípio da insignificância – não incidência
“Habeas corpus. Penal. Desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação. Art. 183
da Lei nº 9.472/1997. Princípio da insignificância. Não incidência. Desclassificação para crime do
art. 70 da Lei nº 4.117/1962. Inviabilidade. Conduta habitual. 1. Segundo a jurisprudência do Supre-
mo Tribunal Federal, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado ‘princípio da insigni-
ficância’ e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada
por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressivi-
dade da lesão e nenhuma periculosidade social. 2. Nesse sentido, a aferição da insignificância como
requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente
que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em
seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material,
acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há
de se considerar que ‘a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem
normativa’ (Zaffaroni), levando em conta também que o próprio legislador já considerou hipóteses
de irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a
persecução penal. 3. O crime de exploração clandestina de atividade de telecomunicação é formal
(= não exige resultado naturalístico), cuja consumação se dá com o mero desenvolvimento clandes-
tino da atividade. Havendo dano a terceiro, a parte final do preceito secundário do art. 183 da Lei
nº 9.472/1997 estabelece um aumento de metade da pena. Justamente por não ser elementar do tipo
penal, a configuração desse crime não tem como pressuposto a ocorrência de prejuízo econômico,
objetivamente quantificável, mas a proteção de um bem difuso, que corresponde ao potencial risco
de lesão ao regular funcionamento do sistema de telecomunicações. Doutrina. 4. Comprovado que
o paciente colocou em funcionamento rádio comunitária, de forma irregular, (a) com equipamentos
de potência superior ao permitido para entidades exploradoras do serviço de radiodifusão comuni-
tária, (b) capaz de interferir em outras atividades de telecomunicações e (c) além de já haver sido
anteriormente surpreendido por fiscais da Anatel praticando a mesma conduta, não há espaço para
a incidência do denominado princípio da insignificância, pois ausente os requisitos da inexpressivi-
dade da lesão jurídica e da mínima ofensividade da conduta. Precedentes. 5. Ambas as Turmas desta
já decidiram que ‘a conduta tipificada no art. 70 do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações
diferencia-se daquela prevista no art. 183 da nova Lei de Telecomunicações por força do requisito
da Lei nº 9.472/1997, HC 120602, 1ª T., DJe de 18.03.2014). Assim, ante a patente habitualidade
descrita na denúncia, improcede o pleito desclassificatório. 6. Ordem denegada.” (STF – HC 128.567
– Minas Gerais – 2ª T. – Rel. Min. Teori Zavascki – J. 08.09.2015)
7509 – Crime de roubo majorado – falta de provas – absolvição – habeas corpus – via imprópria
“Penal e processual penal. Habeas corpus substitutivo de recurso especial. Não conhecimento do
writ. Crime de roubo majorado. Pleito de absolvição, por falta de provas. Via imprópria. Necessidade
de reexame da prova. Dosimetria da pena. Pleito de redução da pena-base. Culpabilidade. Premedita-
ção. Acentuada reprovabilidade demonstrada. Circunstâncias do delito. Vítima atraída mediante ardil
ao local do crime. Fato não comum à espécie. Motivos do delito. Lucro fácil. Fundamento inválido,
inerente à espécie. Crime patrimonial. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício.
1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequa-
do o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de
ofício, a concessão da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou terato-
logia. 2. A via estreita do writ não é apropriada à análise do pleito de absolvição por falta de provas
para a condenação, dada a necessidade de reexame do material cognitivo produzido nos autos, para
se infirmar o entendimento firmado pelas instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos e pro-
vas. 3. Mostra-se válido o aumento da pena-base, tendo em vista a culpabilidade do réu, considerada
elevada, em razão da premeditação do crime e com a atração da vítima até local ermo, circunstância
que denota especial reprovabilidade, apta a justificar o desvalor. 4. Do mesmo modo, correta a valo-
ração negativa das circunstâncias do delito pelo fato de a vítima ter sido atraída pelo local do crime
com a promessa de vender um de seus pertences, indicativo de maior gravosidade da conduta deli-
tuosa, por revelar um certo ardil, o que refoge das comuns à espécie (roubo circunstanciado). 5. Por
outro lado, não constitui fundamento idôneo para o aumento da pena-base como motivos do delito
208 D��������������������������������������������������������������������������� RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA
o lucro fácil, por se tratar de circunstância que não exorbita das comuns à espécie (roubo), enquanto
delito de cunho patrimonial. Precedentes. 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de
ofício para reduzir as penas a 7 anos e 4 meses de reclusão e 30 dias-multa.” (STJ – HC 173.084 –
(2010/0089821-0) – 6ª T. – Rel. Min. Nefi Cordeiro – DJe 05.10.2015)
7510 – Denunciação caluniosa – regime inicial semiaberto – pena privativa de liberdade – substi-
tuição por restritiva de direitos
“Habeas corpus substitutivo. Denunciação caluniosa. Regime inicial semiaberto. Condenado primá-
rio. Pena igual a 4 anos de reclusão. Registro de circunstância judicial desfavorável. Observância do
art. 33, § 3º, do CP. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Requisito
do art. 44, III, do CP não preenchido. Ordem concedida de ofício. 1. O paciente não reincidente,
condenado a pena igual a 4 anos de reclusão, mas com registro de circunstância judicial desfavorável
sopesada na primeira fase da dosimetria, deverá cumprir a pena no regime inicial semiaberto, a teor
do art. 33, § 3º, do CP. 2. Não há constrangimento ilegal no ponto em que foi negada a substituição da
pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, porquanto não preenchido o requisito subjetivo
do art. 44, III, do CP. 3. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido, de ofício, apenas para
estabelecer o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena aplicada ao paciente.” (STJ –
HC 313.019 – (2014/0343874-2) – 6ª T. – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – DJe 05.10.2015)
7516 – Extradição – crime de tráfico internacional de pessoa – prisão decretada – justiça espanho-
la – tratado específico
“Extradição instrutória e executória. Prisão decretada pela justiça espanhola. Tratado específico. Re-
quisitos atendidos. Crimes de tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual, favo-
210 D��������������������������������������������������������������������������� RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA
recimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual e redução à condição análoga à de
escravo. Dupla tipicidade. Inocorrência de prescrição. Extradição deferida. 1. O pedido formula-
do pelo Reino da Espanha atende aos pressupostos necessários ao deferimento, nos termos da Lei
nº 6.815/1980 e do Tratado de Extradição específico, inexistindo irregularidades formais. 2. O Estado
Requerente dispõe de competência jurisdicional para processar e julgar os crimes imputados ao Ex-
traditando e para executar a sentença condenatória imposta, conformando-se o caso ao disposto no
art. 78, inc. I, da Lei nº 6.815/1980 e ao princípio de direito penal internacional da territorialidade da
lei penal. 3. Requisito da dupla tipicidade previsto no art. 77, inc. II, da Lei nº 6.815/1980 cumprido:
fatos delituosos imputados ao Extraditando correspondentes, no Brasil, aos crimes de tráfico interna-
cional de pessoa para fim de exploração sexual, favorecimento da prostituição ou outra forma de ex-
ploração sexual e redução à condição análoga à de escravo (arts. 231, 228, caput e § 2º e 149, todos
do Código Penal Brasileiro). 4. Na extradição, este Supremo Tribunal Federal não detém competência
para examinar o mérito da pretensão deduzida pelo Estado Requerente ou o contexto probatório no
qual se apoia a postulação extradicional. Precedentes. 5. Extradição deferida.” (STF – EXT 1.377 –
Distrito Federal – 2ª T. – Relª Min. Cármen Lúcia – J. 29.09.2015)
7517 – Furto – momento da consumação – leading case – prescindibilidade da posse mansa – pre-
cedentes
“Recurso especial representativo da controvérsia. Rito previsto no art. 543-C do CPC. Direito penal.
Furto. Momento da consumação. Leading case. Recurso Extraordinário nº 102.490/SP. Adoção da
Teoria da Apprehensio (ou amotio). Prescindibilidade da posse mansa e pacífica. Precedentes do STJ
e do STF. Recurso especial provido. 1. Recurso especial processado sob o rito do art. 543-C, § 2º,
do CPC e da Resolução nº 8/2008 do STJ. 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, superando a
controvérsia em torno do tema, consolidou a adoção da Teoria da Apprehensio (ou amotio), segundo
a qual se considera consumado o delito de furto quando, cessada a clandestinidade, o agente detenha
a posse de fato sobre o bem, ainda que seja possível à vitima retomá-lo, por ato seu ou de terceiro, em
virtude de perseguição imediata. Desde então, o tema encontra-se pacificado na jurisprudência dos
Tribunais Superiores. 3. Delimitada a tese jurídica para os fins do art. 543-C do CPC, nos seguintes
termos: consuma-se o crime de furto com a posse de fato da res furtiva, ainda que por breve espaço de
tempo e seguida de perseguição ao agente, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigia-
da. 4. Recurso especial provido para restabelecer a sentença que condenou o recorrido pela prática
do delito de furto consumado.” (STJ – REsp 1.524.450 – RJ – (2015/0073105-7) – 3ª S. – Rel. Min. Nefi
Cordeiro – DJe 29.10.2015)
7525 – Lei antidrogas – tráfico internacional de entorpecentes – desclassificação para uso próprio
– rejeição – autoria e materialidade – comprovação
“Penal. Tráfico internacional de entorpecentes. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Des-
classificação para uso: rejeitada. Autoria e materialidade comprovadas. Dosimetria. Pena-base. Cir-
cunstância atenuante da confissão. Reduzido o patamar de aumento da pena pela internacionalidade
do delito. ‘Mulas’ do tráfico. Benesse do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 incompatível com a
repressão à narcotraficância. Requisitos não preenchidos. Regime fechado. Substituição de pena pri-
vativa de liberdade por restritiva de direitos. Descabimento. Recurso parcialmente provido. 1. O réu
foi denunciado pela prática do delito descrito no art. 33, caput, c/c art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006,
por ser flagrado prestes a embarcar com destino ao exterior, transportando 260 (duzentos e sessenta
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA................................................................................. 215
gramas) de cocaína. 2. Pedido de justiça gratuita indeferido. O acusado alegou em seu depoimento
que recebia entre 2000 a 2500 euros por mês, tendo arcado com o pagamento de sua passagem aérea,
que custaram 680 euros. 3. O princípio da insignificância não tem aplicabilidade no crime de tráfico
de drogas, por se tratar de crime de perigo abstrato, sendo irrelevante a quantidade de droga apreen-
dida. A admissão da tese defensiva da insignificância tornaria letra morta a tipificação do crime de
tráfico de drogas. Precedentes. 4. Não comporta acolhimento o pleito de desclassificação do crime de
tráfico de drogas para uso. O acusado não se declarou dependente de drogas. Ademais, a quantidade
de entorpecente apreendida em seu poder em muito se distancia daquela transportada para consumo
próprio, razão pela qual não se enquadra no disposto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006. 5. A quanti-
dade de cocaína apreendida não é compatível com aquela comumente utilizada por usuários, sendo
muito superior, como é notório, ao que se consome rotineiramente, e, além disso, a sua forma de
transporte para o exterior (ingestão de cápsulas contendo o estupefaciente) é evidentemente indicati-
vo de que seria posteriormente distribuída em outro país e não apenas consumida. 6. Materialidade e
autoria comprovadas pelo conjunto probatório coligido aos autos. 7. Mantido o decreto condenatório
pela prática do delito previsto no art. 33, caput, c/c o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006. 8. Do-
simetria da pena. Pena-base majorada com fundamento nos maus antecedentes. O próprio acusado
confirmou em seu interrogatório ter sido preso e processado em seu país de origem pelo crime de
tráfico de drogas, sendo condenado à pena de dez semanas de prisão, mais dois anos de condicional,
o que corrobora o registro da Interpol. 9. Ademais, ainda há apontamento na mesma informação de
que no ano de 2002 o acusado teria sido apenado por crime de roubo e ‘depredação de propriedade
privada’. 10. Aplica-se ao caso a circunstância atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal.
O fato de o réu ter sido preso em flagrante não é óbice ao reconhecimento da confissão, uma vez que
a espontaneidade exigida pela norma prescinde de motivos. Ademais, a confissão foi usada como
fundamento do decreto condenatório, conforme se verifica da sentença vergastada. Precedentes.
11. Todavia, do exame do caso concreto, não há como sustentar-se, com a devida vênia, a pena-base
fixada na sentença apelada, de 06 anos e 03 meses de reclusão, por conta da aludida circunstância
judicial negativa. 12. Confissão. Incidência. O fato de o réu ter sido preso em flagrante não é óbice ao
reconhecimento da circunstância atenuante da confissão, uma vez que a espontaneidade exigida pela
norma prescinde de motivos. Ademais, a confissão também foi usada como fundamento do decreto
condenatório, conforme se verifica da sentença vergastada, no ponto em que analisou a autoria deliti-
va. Precedentes. 13. Quanto à causa de aumento prevista no art. 40, inciso I da Lei nº 11.343/2006, a
distância a ser percorrida pela droga não é variável a ser cotejada, conforme precedentes desta Corte
Regional. Mantida a causa à razão de 1/6 (um sexto). 14. Causa de diminuição de pena do art. 33,
§ 4º, da Lei nº 11.343/2006 inaplicável ao caso. O réu sujeitou-se a realizar o transporte de 260g de
cocaína, que ingeriu sob a forma de cápsulas, para levá-la até outro continente. 15. Pela quantidade
e espécie de substância entorpecente apreendida (260g de cocaína); a forma como estava oculta em
seu organismo, acondicionada em cápsulas que havia ingerido; a circunstância do increpado ter em-
preendido viagem internacional, com despesas financiadas por narcotraficantes, acrescido pelo fato
do increpado já ter sido preso, processado e condenado pelo crime de tráfico de drogas em seu país
de origem, tudo está a denotar seu enredamento, ainda que não habitual, com organização crimino-
sa voltada para o comércio internacional de cocaína, arredando a incidência da norma do § 4º do
art. 33 da Lei Antidrogas. 16. Releva destacar que a simples circunstância do acusado portar maus
antecedentes, como reconhecido na sentença de primeiro grau, tendo em mira a informação da In-
terpol contida à fl. 25 dos autos em apenso (registro de condenação por crimes de tráfico de drogas
e roubo) e admitida pelo réu em seu interrogatório (mídia de fl. 197), já se afigura suficiente para
servir de empeço à incidência da causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.363/2006, que
reclama a presença concomitante dos requisitos de ausência de maus antecedentes e reincidência,
assim como que o agente não integre organização criminosa ou dedique-se a atividades criminosas.
17. Fixado regime inicial fechado de cumprimento de pena, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal.
18. Incabível, in casu, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, por-
quanto não preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos do art. 44 do Código Penal. 19. Apelo da
defesa parcialmente provido.” (TRF 3ª R. – ACr 000339105.2013.4.03.6105 (2013.61.05.0033914)
– 1ª T. – Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira – J. 05.05.2015)
216 D��������������������������������������������������������������������������� RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA
Comentário Editorial SÍNTESE
O apelante foi denunciado por transportar substância entorpecente (cocaína) em forma de
cápsulas, que haviam sido por ele ingeridas, quando tentava embarcar com destino a Lisboa/
Portugal, com conexão posterior para Amsterdam/Holanda, do Aeroporto de Viracopos, em
Campinas/SP.
O Juízo de primeiro grau condenou-o à pena definitiva de 08 anos e 04 meses de reclusão, no
regime inicial fechado, e pagamento de 725 dias-multa, como incurso no art. 33, caput c/c o
art. 40, inciso I da Lei nº 11.343/2006.
Consta dos autos que o policial federal que trabalhava no aeroporto, durante o check in para o
voo da TAP Portugal, desconfiou do comportamento do acusado, que se aproximava do local.
Resolveu aplicar-lhe uma entrevista pessoal, questionando-o sobre os motivos da viagem.
Diante do nervosismo aparentado pelo réu e das respostas evasivas que deu às perguntas que
lhe foram feitas, o policial solicitou a ele que fornecesse uma amostra de urina para exame. O
exame acusou a presença de cocaína na urina.
O réu foi então foi conduzido ao pronto socorro do Hospital Celso Pierro, onde se identificou
e, por meio de um exame de raio x, foi detectada a presença de corpos estranhos em seu
organismo. Somente nesse momento o denunciado confessou a ingestão de cocaína. Após
expelir as cápsulas, foi realizado o narcoteste cujo resultado deu positivo para cocaína. O réu,
então, foi preso em flagrante.
O conjunto probatório é coeso e uníssono, não restando dúvida sobre a materialidade e a
internacionalidade do delito.
Condenado em primeiro grau, o acusado recorreu ao TRF3 requerendo a absolvição pela
aplicação do princípio da insignificância e, alternativamente, a desclassificação do crime para
o art. 28 da Lei nº 11.343/2006, alegando ser a droga para consumo pessoal.
Ao analisar a apelação do réu, os desembargadores entenderam que o princípio da insignifi-
cância não se aplica ao crime de tráfico de drogas, por se tratar de crime de perigo abstrato,
sendo irrelevante a quantidade de droga apreendida. A decisão destaca que não se pode con-
siderar “insignificante a quantidade de 260 gramas de cocaína, droga de alto poder viciante
e lesiva à saúde pública, ainda mais se comparada à quantidade de droga ordinariamente
comercializada no varejo interno, impedindo o reconhecimento de crime de bagatela”.
O órgão julgador também rejeitou a desclassificação do crime de tráfico de drogas para uso
próprio, conforme prevê o art. 28 da Lei Antidrogas.
Ao ser preso em flagrante delito, o acusado não se declarou dependente de drogas, manifes-
tando apenas fazer uso de vários tipos de entorpecentes. Também a quantidade de drogas
apreendida em seu poder (260 gramas, peso líquido) não seria compatível com a rotineira-
mente utilizada por usuários, segundo a decisão. Além disso, consideraram que a ingestão de
cápsulas é forma de transporte indicativa de tráfico.
O acusado confirmou em seu interrogatório ter sido preso e processado em seu país de origem
pelo crime de tráfico de drogas, tendo sido condenado à pena de dez semanas de prisão,
mais dois anos de condicional, informação confirmada por registro da Interpol constante do
processo, o que caracteriza maus antecedentes.
A Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região confirmou a condenação do
acusado, dando parcial provimento ao recurso da defesa para reduzir a pena-base, aplicando
a atenuante da confissão espontânea e reduzindo o patamar da causa de aumento de pena
relativa à internacionalidade, resultando na pena definitiva de 05 anos e 10 meses de reclu-
são e pagamento de 583 dias-multa.
7530 – Pena – expulsão de estrangeira – crime de furto – habeas corpus – concessão – impossibi-
lidade
“Penal. Processual penal. Internacional. Habeas corpus. Expulsão de estrangeira que cumpriu pena
por crime de furto no Brasil. Ingresso da União. Impossibilidade de intervenção de terceiros em
habeas corpus. Precedentes da Corte. Paciente com quatro filhos nascidos no país, um deles antes do
decreto expulsório. Presunção da dependência econômica e afetiva em relação à mãe, por se tratar de
filhos entre 4 e 14 anos. Direito constitucional da criança ao convívio familiar e à proteção integral.
Convenção da ONU sobre os direitos da criança, entre os quais o de manter relações pessoais com
genitores. Reconhecimento pela autoridade impetrada de não ser caso de expulsão em razão da exis-
tência de prole. 1. Não cabe intervenção de terceiros, no caso a União, no processo de habeas corpus,
por se tratar de rito célere, sumaríssimo e de proteção urgente ao direito de ir e vir. Precedentes do
STJ. 2. Preenche um dos requisitos da não expulsão a existência de filhos, mesmo que o parto tenha
ocorrido depois do decreto expulsório. No presente caso, porém, a primeira filha da paciente nasceu
antes do decreto de expulsão. 3. Os princípios da proteção integral e da manutenção do convívio
familiar a que se referem o art. 227 da Constituição Federal e o princípio da preservação das relações
pessoais familiares a que se refere a Convenção da ONU sobre os direitos da criança correm o risco
de violação se concretizada a expulsão da mãe de quatro crianças nascidas no Brasil, atualmente com
idade entre 4 e 14 anos. 4. Reconhecimento pela autoridade impetrada, com base em posição do
Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça, de que, independentemente da averiguação
quanto à dependência econômica, não se promove a expulsão, quando se tratar de estrangeira com
prole no Brasil. 5. O Parecer do Ministério Público Federal, da lavra do eminente Subprocurador-
-Geral da República, Brasilino Pereira dos Santos, é pela concessão da ordem. 6. Habeas corpus con-
cedido para anular o Decreto de expulsão.” (STJ – HC 304.112 – DF – (2014/0233413-0) – 1ª S. – Rel.
Min. Napoleão Nunes Maia Filho – DJe 22.10.2015)
7531 – Pena – saídas temporárias – falta grave – concessão de benefícios – livramento condicional
– impossibilidade
“Agravo regimental no habeas corpus. Negativa de saídas temporárias. Marco inicial de contagem
do requisito temporal. Falta grave no curso da execução. Interrupção do prazo para a concessão de
benefícios, exceto o livramento condicional, o indulto e a comutação de pena. Agravo regimental não
provido. 1. A Terceira Seção desta Corte, no EREsp 1.176.486/SP, passou a decidir que o cometimento
de falta grave no curso da execução enseja a interrupção do prazo para a concessão de benefícios,
exceto o livramento condicional, o indulto e a comutação de pena. 2. O paciente – que cumpre pena
de nove anos e dois meses de reclusão por um roubo e um furto – foi preso em 22.08.2008, tendo sua
prisão relaxada em 09.12.2008. Em 26.10.2010, foi novamente recolhido, quando em 13.05.2013,
aproveitando-se da saída ‘especial do Dia das Mães’, não retornou para pernoite no CPP, sendo
recapturado em 17.05.2013. Em razão da fuga, teve seu regime regredido e revogados os demais
benefícios externos. Cumprido um sexto da pena após o novo marco interruptivo, foi-lhe concedida
progressão ao regime semiaberto e autorização para trabalho externo, mas indeferidas as saídas tem-
porárias, pois o prazo de um quarto, exigido pelo art. 123, inciso II, da Lei de Execução Penal, não
estaria preenchido. Correta a decisão das instância ordinárias, visto que a falta grave apurada implica
o reinicio da contagem do prazo para concessão de benefícios relacionados ao cumprimento da pena.
3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-HC 317.174 – (2015/0038605-9) – 6ª T. – Rel. Min.
Rogerio Schietti Cruz – DJe 05.10.2015)
7537 – Quadrilha – bando – atipicidade da conduta – habeas corpus – meio inábil; operação
Durkheim – ação penal – trancamento – ausência de justa causa
“Processual penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Quadrilha. Operação Durkheim. Pleito de
trancamento da ação penal em virtude de ausência de justa causa. Alegada atipicidade da conduta
imputada. Impropriedade da via eleita. Recurso desprovido. I – A jurisprudência do excelso Supremo
Tribunal Federal, bem como desta eg. Corte, há muito já se firmou no sentido de que o trancamento
da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quan-
do houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção
da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, o
que não ocorre no caso. II – Em sede de habeas corpus não se discute a ausência de justa causa para
a propositura da ação penal quando necessário um minucioso exame do conjunto fático-probatório
em que sucedeu a infração. (Precedentes do STF e do STJ). III – In casu, verifica-se que a proemial acu-
satória descreve satisfatoriamente a conduta imputada ao paciente, permitindo a compreensão dos
RDP Nº 95 – Dez-Jan/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA................................................................................. 223
fatos tidos por ilícitos e possibilitando o exercício do direito de defesa. Por outro vértice, as condutas
a ele imputadas, alicerçadas pelos elementos primários de provas colhidos no curso das investigações
e mediante autorização judicial, justificam e respaldam a abertura e o prosseguimento da persecutio
criminis, sendo por demais prematura a pretensão do trancamento da ação penal por ausência de
justa causa. Recurso desprovido.” (STJ – RHC 56.428 – SP – (2015/0026978-4) – 5ª T. – Rel. Min. Felix
Fischer – DJe 24.09.2015)
7541 – Roubo majorado – concurso de agentes – emprego de arma de fogo – prisão preventiva –
necessidade
“Processual penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Roubo majorado. Concurso de agentes.
Emprego de arma de fogo. Circunstâncias do delito. Prisão preventiva. Necessidade de garantia da
ordem pública. Constrangimento ilegal não evidenciado. Recurso não provido. 1. A jurisprudência
deste Superior Tribunal firmou-se no sentido de que não ocorre ilegalidade ou abuso de poder na
decisão que, fundamentadamente, descreve a gravidade dos fatos delituosos imputados ao recorren-
te – roubo em concurso de agentes, com emprego de arma de fogo e acentuada violência contra a
vítima, porquanto esta foi trancada no porta malas de seu próprio veículo – e indica a necessidade
da sua custódia cautelar. 2. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.” (STJ –
Rec-HC 61.300 – (2015/0160195-2) – 5ª T. – Rel. Min. Ribeiro Dantas – DJe 13.11.2015)
7543 – Roubo majorado – tentativa – ameaça – arma branca – desclassificação para furto – im-
procedência
“Apelação criminal defensiva. Tentativa de roubo majorado impróprio. Conjunto probatório. Seguro
sobre a ameaça. Idoneidade da promessa de mal injusto e grave. Ameaça exercida com arma branca.
Pedido de desclassificação para furto. Improcedência. Atenuantes. Redução ínfima na sentença. Re-
forma. Causas de aumento e de diminuição. Impossibilidade de compensação. Aplicação sucessiva.
Regime abrandado. Recurso parcialmente provido. Comprovada a grave ameaça, bem como ido-
neidade da promessa de mal injusto e grave, na tentativa de assegurar a impunidade do crime ou a
detenção da coisa para si ou para terceiro, deve ser mantida a condenação pelo crime de tentativa de
roubo majorado impróprio, sendo improcedente o pedido de desclassificação para furto. Ainda que
a Lei não estabeleça um critério fixo para sua aplicação, deixando ao prudente arbítrio do julgador,
o entendimento majoritário é de que o quantum referente às agravantes e atenuantes não deve ir
além dos limites mínimos relativos às majorantes e minorantes (1/6). É vedada a compensação entre
causas de aumento e de diminuição de pena na terceira fase dosimétrica, devendo essas moduladoras
serem aplicadas sucessivamente, não importando a ordem de sua incidência. Impõe-se abrandar o
regime prisional para o legalmente previsto à pena concreta se as circunstâncias judiciais do art. 59 do
Código Penal não indicarem claramente a necessidade de regime mais grave. Recurso parcialmente
provido, em parte com o parecer.” (TJMS – Ap 0003209-53.2013.8.12.0020 – 2ª C.Crim. – Rel. Des.
Ruy Celso Barbosa Florence – DJe 05.10.2015)
QUEIXA-CRIME
em face de Ticio, brasileiro, viúvo, agricultor, inscrito no CPF sob o
nº 000000000-00 e no RG 00000000-SSP/XX, residente e domiciliado na Fa-
zenda Nosso Senhor, zona rural, Distrito XXX, XXXX/XX, e Caio, advogado de-
vidamente inscrito na OAB/XX sob o nº 0000, com endereço profissional sito na
Avenida XXXXXX, nº 0000, XXXXX, XXXX/XX, pelos motivos de fato e de direito
a seguir aduzidos.
PRELIMINARMENTE
DOS FATOS
No dia 14 de maio do corrente ano, o primeiro querelado, na quali-
dade de réu na Ação de Reintegração de Posse, que tramita no Juízo de Vara
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Única da Comarca de XXXXX/XX, em concurso de pessoas com o segundo
querelado, advogado da parte ré na referida ação cível, juntou aos Autos de
nº 0000000000000 cópia de uma notitia criminis oferecida por eles mesmos ao
Ministério Público, com afirmações caluniosas proferidas pelo segundo quere-
lado e divulgadas por ambos os querelados contra os cinco querelantes (cópia
do documento em anexo).
Assim, nos autos supracitados, os querelados imputaram aos querelantes
falsamente a prática das seguintes condutas criminosas: associar-se em quadri-
lha ou bando, usurpar propriedade imóvel alheia (grilagem) e falsificar docu-
mentos públicos, conforme documento anexado.
Ressalta-se que, no dia 4 de junho de 2013, data da audiência de instru-
ção e julgamento, o segundo querelado disse verbalmente que “iria até o fim do
processo para provar a formação de quadrilha dos autores e a grilagem de terra,
que envolvia também o tabelião da cidade de XXXXXXX”. Tomaram conheci-
mento dessas ofensas proferidas em juízo todas as partes envolvidas no proces-
so supracitado, autor da ação cível, advogados, magistrado e dois funcionários
da justiça que auxiliavam a audiência.
No parágrafo 10 do referido documento, à fl. 168 dos autos supracitados,
o segundo querelado afirmou expressamente: “Quando se juntam várias pes-
soas, para praticarem um crime, estamos diante de uma formação de quadrilha,
no caso, temos um dos sócios da Fazenda XXXXXXX, temos 3 advogados dis-
postos a criarem uma engenharia meliante, temos um Tabelião Público para dar
o crescimento necessário a uma terra, com o aval de um arquiteto”. No caso,
os 3 advogados são os três primeiros querelantes, o sócio da XXXXX é o quarto
querelante e o arquiteto é o quinto querelante. A título de informação, essa fa-
zenda é o objeto da ação de Reintegração de Posse.
À fl. 167, o segundo querelado cita nominalmente cada um dos supos-
tos criminosos, em particular, os nomes destes querelantes, Cicero, Cassius,
Otavio, Julio e Plinio.
Importante aqui destacar que os supostos crimes estariam relaciona-
dos ao objeto da referida ação de reintegração de posse, por isso a juntada de
notitia criminis, pelos querelados, contra os querelantes e outros, protocolada
pelo segundo querelado perante o Ministério Público da Comarca de XXXXXX.
À fl. 169, o segundo querelado conclui dizendo que “é preciso insistir
que existe a formação de quadrilha, a grilagem de terras, e a falsificação de
documento público”.
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DO DIREITO
O segundo querelado fez essas imputações criminosas sabendo serem
todas falsas, caracterizando assim o crime de calúnia previsto no art. 138 do
Código Penal.
Calúnia é a falsa atribuição a outrem de fato tipificado como crime. Atin-
ge a honra objetiva, ou seja, a reputação, o conceito que cada um goza perante
a sociedade. A sua consumação se dá no momento em que a mentira chega ao
conhecimento de terceira pessoa.
Ambos os querelados propalaram e divulgaram as calúnias nos autos do
processo supracitado, sabendo serem falsas as imputações aos querelantes, na
forma do § 1º do art. 138.
Mister se faz ressaltar que advogados não têm imunidade para fins de
calúnia, mas apenas para difamação e injúria, nos moldes do art. 7º, § 2º do
EOAB:
2º O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação
ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua
atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante
a OAB, pelos excessos que cometer. (Vide ADIn 1.127-8)
DOS PEDIDOS
Isto posto, considerando-se que no presente mosaico factual os fatos nar-
rados constituem, em tese, crimes de calúnia contra vítimas diferentes (nesta
ação cinco ofendidos); consumado no momento em que terceiros tomaram co-
nhecimento das imputações, entre as quais as pessoas ao final enumeradas; que
a postulação se apresenta com suporte probatório da ocorrência do alegado;
que preenche os necessários requisitos a autorizar o pleno exercício do direito
de ação penal; que é tempestiva; o juízo competente e os querelantes partes le-
gítimas; afora-se a presente queixa-crime contra os Senhores Ticio e Caio, sendo
o primeiro querelado, em tese, violador do mandamento inserto no art. 138,
§ 1º, combinado com os arts. 61, II, a (agravante), 141, III (causa de aumento de
pena) e 70, caput, parte final (somatória das penas), todos do Código Penal, e
o segundo querelado, em tese, violador do art. 138, caput, combinado com os
arts. 61, II, a, e 62, I (agravantes), 141, III (aumento de pena) e 70, caput, parte
final (somatória das penas), todos do Código Penal, requerendo-se
a) Seja recebida a presente queixa-crime, determinando-se a respecti-
va citação de ambos os querelados, para o fim de responderem aos
termos do presente pleito;
b) A ouvida do ilustre representante do Órgão Ministerial;
c) Seja julgada procedente, condenando o primeiro querelado, Ticio,
nas penas dos ilícitos tipificados no art. 138, § 1º, agravadas pelo
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art. 61, II, a, com a somatória do art. 70, caput, parte final e com o
aumento do art. 141, III, todos dispositivos do Código Penal; e con-
denando também o segundo querelado, Caio, nas penas dos ilícitos
tipificados no art. 138, caput, agravadas pelo art. 61, II, a, e 62, I,
com a somatória das penas de acordo com o art. 70, caput, parte
final e com o aumento do art. 141, III, todos do mesmo diploma
legal (CP).
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
_______________________________________
CICERO
OAB/XX 0000
____________________________________
CASSIUS
OAB/XX 0000
____________________________________
OTAVIO
OAB/XX 0000
Clipping Jurídico
Aceita denúncia contra Deputado Nilson Leitão por superfaturamento em obras
públicas
Por unanimidade, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu de-
núncia contra o Deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), por crime de responsabilida-
de. Segundo a peça acusatória formulada pelo Ministério Público Federal, ele teria
efetuado procedimentos que possibilitaram o desvio de recursos públicos, por meio
de superfaturamento na execução de obras de pavimentação e drenagem em trecho
urbano da BR-163. A conduta delituosa teria ocorrido entre 2001 e 2006, quando era
prefeito de Sinop (MT). O relator do Inquérito (Inq) nº 3331, Ministro Edson Fachin,
verificou que o Ministério Público elencou elementos suficientes para embasarem a
aceitação da denúncia, com base no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei 201/1967. O
Ministro salientou que nesta fase não se faz juízo aprofundado de mérito, mas ape-
nas a análise preliminar da denúncia e do substrato probatório mínimo de autoria e
materialidade delitiva e da não incidência das hipóteses de rejeição. De acordo com
os autos, comparação feita pela Controladoria-Geral da União (CGU) entre os custos
da pavimentação realizada na BR-163 e de obras semelhantes em outros municí-
pios do Estado apontaram sobrepreço de até 287%. Os recursos foram obtidos por
meio de convênio firmado com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Trans-
portes (DNIT). Segundo a denúncia, na qualidade de prefeito, Nilson Leitão possuía
inteira disponibilidade dos bens públicos e conduzia todos os processos relativos à
utilização de recursos federais. O Ministério Público também denunciou o parlamen-
tar por aplicação indevida de recursos públicos (art. 1º, inciso IV, do Decreto-Lei
nº 201/1967) e dispensa irregular de licitação para execução de obras públicas
(arts. 89 e 92 da Lei nº 8.666/1990), mas a Turma declarou extinta a punibilidade em
decorrência da prescrição da pretensão punitiva. Quanto à acusação referente à frau-
de em licitação (art. 96 da Lei nº 8.666/1990), os ministros rejeitaram a denúncia por
falta de tipicidade delituosa. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)
Assunto Doutrinas
Sistema Penitenciário
Assunto
• Análise do Sistema Prisional Brasileiro (Aladio
Anastacio Dullius e Jackson André Müller Audiência de custódia
Hartmann)...........................................................33 • Audiências de Custódia como Garantia dos
• O Método Apac e a Humanização do Siste- Direitos Fundamentais do Acusado e Concreti-
ma Penitenciário Brasileiro (Caroline Trevisol zação de Política Pública Eficiente na Área de
D’Agostini e Roque Soares Reckziegel)..................9 Segurança (Rafael Niebuhr Maia de Oliveira e
Welligton Jacó Messias).....................................114
Autor
Hermenêutica jurídica
Aladio Anastacio Dullius • Interpretação Judicial Criativa em Direito Pe-
• Análise do Sistema Prisional Brasileiro................ 33 nal: da Teoria à Prática (Chiavelli Facenda
Falavigno)..........................................................104
Caroline Trevisol D’Agostini
• O Método Apac e a Humanização do Sistema Princípio
Penitenciário Brasileiro..........................................9 • O Princípio da Confiança na Teoria da Im-
putação Objetiva: Análise de Casos Julga-
Jackson André Müller Hartmann dos pelos Tribunais Superiores Brasileiros
• Análise do Sistema Prisional Brasileiro................ 33 (Marcelo Marcante, Ruiz Ritter e Raul Marques
Linhares)..............................................................67
Roque Soares Reckziegel
Sentença
• O Método Apac e a Humanização do Sistema
Penitenciário Brasileiro..........................................9 • Absolvição do Réu ou Cassação da Sentença: a
Ordem de Apreciação e de Exposição das Ma-
térias em Sede de Apelação no Processo Penal
Acórdãos na Íntegra (William Akerman Gomes)..................................82
Assunto Autor
Tráfico e associação
Prisão preventiva
• Tráfico e associação – prisão preventiva –
• Prisão preventiva – estupro de vulnerável
apreensão de droga – motivação – constrangi-
– garantia da ordem pública – periculosi-
mento ilegal – ausência.......................... 7550, 230
dade evidenciada .................................. 7535, 221
Tráfico internacional de adolescente
Prisão temporária
• Tráfico internacional de adolescente – pri-
• Prisão temporária – operação “Atenas” – repre- são preventiva – custódia – periculosidade
sentação – acolhimento ......................... 7536, 222 do réu – necessidade.............................. 7551, 230
Violência doméstica
Roubo circunstanciado
• Violência doméstica – medidas cautelares alterna-
• Roubo circunstanciado – dosimetria – causas
tivas – lesão corporal – aplicação........... 7554, 233
de aumento de pena – fundamentação con-
creta....................................................... 7539, 224