Livrotuteladireitos 2019

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 266

A tutela jurisdicional dos

direitos fundamentais sociais


e as políticas públicas
A tutela jurisdicional dos
direitos fundamentais sociais
e as políticas públicas
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

1ª Edição

Tribunal Regional Federal da 2ª Região

Setembro de 2019
Este livro não pode ser reproduzido total ou parcialmente sem autorização

Catalogação na Fonte: Divisão de Biblioteca. Seção de Tratamento Técnico da Informação

A663
Araújo Filho, Luiz Paulo da Silva
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas / Luiz Paulo da
Silva Araújo Filho. -- Rio de Janeiro : Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Escola da Magistratura
Regional Federal, 2019.
262p.
Disponível em: <http://emarf.trf2.jus.br/site/documentos/livrotuteladireitos2019.pdf >
ISBN: 978-85-62108-10-5
Bibliografia: p. 245-262
1. Tutela jurisdicional. 2. Direitos fundamentais. 3. Direitos sociais. 4. Políticas públicas. I. Brasil.
Tribunal Regional Federal (2. Região). II. Escola da Magistratura Regional Federal (2. Região). III. Título.
CDU: 347.919.6
CDD: 347.8105

Capa: composição sobre foto de Dierk Schaefer/Flickr


licença de uso disponível em <https://creativecommons.org/licenses/by/2.0/deed.pt_BR>

Editado pela Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região - EMARF


Órgão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo)
Rua Acre, 80 - 22º andar - Centro - Rio de Janeiro - RJ
CEP20081-000
( (21) 2282-8530 - 2282-8788
http://emarf.trf2.jus.br/site
[email protected]
Diretoria da EMARF
Diretor-Geral
Desembargador Federal Sergio Schwaitzer

Diretor de Estágio
Desembargador Federal Luiz Antonio Soares

Diretor de Publicações
Desembargador Federal Augusto Guilherme Diefenthaeler

Diretor de Intercâmbio e Difusão


Desembargador Federal Marcus Abraham

Diretor de Cursos e Pesquisas


Desembargador Federal Theophilo Antonio Miguel Filho

EQUIPE DA EMARF
Roque Bonfante de Almeida - Assessor Executivo
Rio de Janeiro
Clarice de Souza Biancovilli
Flávia Dias de Paiva
Flávia Munic Medeiros Pereira
George Geraldo Bernardino da Silva
Juliana Pimentel Duque Estrada Meyer
Leila Andrade de Souza
Luciana de Mello Leitão
Luiz Carlos Lorenzo Peralba
Maria Suely Nunes do Nascimento
Marta Geovana de Oliveira
Mauro Nilson Figueiredo dos Santos
Pedro Mailto de Figueredo Lima
Vilma Ferreira Amado
Espírito Santo
Livia Peres Rangel
Alan Castro de Melo
Tribunal Regional Federal da 2ª Região

Presidente
Desembargador Federal REIS FRIEDE

Vice-Presidente
Desembargador Federal MESSOD AZULAY NETO

Corregedor-Geral
Desembargador Federal LUIZ PAULO DA SILVA ARAÚJO FILHO

Membros
Desembargador Federal PAULO ESPIRITO SANTO
Desembargadora Federal VERA LÚCIA LIMA
Desembargador Federal ANTONIO IVAN ATHIÉ
Desembargador Federal SERGIO SCHWAITZER
Desembargador Federal POUL ERIK DYRLUND
Desembargador Federal ANDRÉ RICARDO CRUZ FONTES
Desembargador Federal ABEL GOMES
Desembargador Federal LUIZ ANTONIO SOARES
Desembargador Federal GUILHERME COUTO DE CASTRO
Desembargador Federal GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA
Desembargador Federal JOSÉ ANTONIO LISBÔA NEIVA
Desembargador Federal JOSÉ FERREIRA NEVES NETO
Desembargadora Federal NIZETE LOBATO RODRIGUES CARMO
Desembargador Federal Aluisio Gonçalves de Castro Mendes
Desembargador Federal AUGUSTO GUILHERME DIEFENTHAELER
Desembargador Federal MARCUS ABRAHAM
Desembargador Federal MARCELO PEREIRA DA SILVA
Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO
Desembargadora Federal CLAUDIA MARIA PEREIRA BASTOS NEIVA
Desembargadora Federal LetIcia DE SANTIS Mello
Desembargadora Federal SIMONE SCHREIBER
Desembargador Federal MARCELLO GRANADO
Desembargador Federal ALCIDES MARTINS RIBEIRO FILHO
Desembargador Federal THEOPHILO ANTONIO MIGUEL FILHO
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Professor de Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade do


Estado do Rio de Janeiro;
Doutor e Mestre em Direito Processual pela UERJ, Especialista em Direito Processual
Civil pela UnB;
Desembargador Federal no Tribunal Regional Federal da 2ª Região;
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual e do Instituto Ibero-Americano
de Direito Processual.
Dedico este trabalho à “Escola do Rio de
Janeiro”, em cujos livros, teses e dissertações
encontrei ânimo para escrever uma monografia
contramajoritária.

Rio de Janeiro
2019
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AC Apelação Cível
ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade
AG Agravo
AgR Agravo Regimental
AI Agravo Interno
al. alínea
ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária
ARE Recurso Extraordinário com Agravo
arg. Argumento
art(s). artigo(s)
Atual. Atualização
BPC Benefício de Prestação Continuada
c/c. combinado com
CC Código Civil
CDC Código de Defesa do Consumidor
CEBEPEJ Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais
CEDAM Casa Editrice Dott. Antonio Milani
CF Constituição Federal
cf. confira
CFT Comissão de Finanças e Tributação
cit. citado(a)(s)
CNCDO Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de órgãos
CONITEC Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS
Coord. Coordenador
CPC Código de Processo Civil
DJ Diário da Justiça
DJe Diário de Justiça Eletrônico
e. g. exempli gratia (por exemplo)
EC Emenda Constitucional
ED ou EDcl Embargos de Declaração
ed. edição
espec. especialmente
et al. et alii (e outros)
et. seq. et sequens (e seguinte ou seguintes)
i. e. id est (isto é)
Ibid. Ibidem (na mesma obra)
Id. Idem
IEJ Instituto de Estudos Jurídicos
inc(s). inciso(s)
julg. julgamento
LACP Lei da Ação Civil Pública
LC Lei Complementar
LOAS Lei Orgânica da Assistência Social
loc. local
LOMPU Lei Orgânica do Ministério Público da União
LONMP Lei Orgânica Nacional do Ministério Público
Min. Ministro
MP Medida Provisória
MP Ministério Público
MS Mandado de Segurança
n. ou nº número
NHS National Health Service (Serviço Nacional de Saúde)
NICE National Institute for Health and Clinical Excellence (Instituto Nacional de Saúde e
Excelência Clínica)
op. cit. opus citatum (obra citada)
p. página(s)
p. ex. por exemplo
p. m. por maioria
par. ou parág. parágrafo
PFPB Programa Farmácia Popular do Brasil
Prof. Professor
pub. publicado
Rcl Reclamação
RDA Revista de Direito Administrativo
RE Recurso Extraordinário
Reg. Região
Rel. Relator
Remume Relação Municipal de Medicamentos Essenciais
Rename Relação Nacional de Medicamentos Essenciais
REsp Recurso Especial
safE Sergio Antonio Fabris Editor
SNT Sistema Nacional de Transplante
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
SUS Sistema Único de Saúde
t. tomo
tir. tiragem
TRF Tribunal Regional Federal
UBS Unidade Básica de Saúde
UCAM Universidad Nacional Autónoma de México
UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro
v. vide
v. g. verbi gratia (por exemplo)
v. ou vol. Volume(s)
Sumário
Introdução................................................................................................................................. 19

1 Breve Análise da Situação Social do Brasil....................................................................... 25


1.1 Introito.................................................................................................................................................... 25
1.2 Desigualdade e Pobreza................................................................................................................... 26
1.3 Saneamento básico........................................................................................................................... 28
1.4 Saúde...................................................................................................................................................... 31
1.5 Educação................................................................................................................................................ 35
1.6 Mercado de trabalho......................................................................................................................... 39
1.7 Breve nota à guisa de conclusão................................................................................................... 40

2 Considerações Gerais........................................................................................................... 43
2.1 A classificação dos direitos sociais............................................................................................... 43
2.2 A inafastabilidade do controle jurisdicional............................................................................. 49
2.3 A proteção judicial............................................................................................................................. 49

3 Governabilidade e Constitucionalismo na América Latina................................... 55


3.1 Análise.................................................................................................................................................... 55
3.2 Considerações conclusivas.............................................................................................................. 72

4 Lições Jurisprudenciais da África do Sul........................................................................... 75


4.1 Afinidade............................................................................................................................................... 75
4.2 O caso Grootboom – Government of the Republic of South Africa and Others v. Irene
Grootboom and Others............................................................................................................................. 75
4.2.1. Resumo....................................................................................................................................... 75
4.2.2. Destaques.................................................................................................................................. 77
4.3 O caso Soobramoney – Soobramoney v. Minister of Health (KwaZulu-Natal).......................... 82
4.4 O caso TAC – Minister of Health and Others v Treatment Action Campaign and
Others............................................................................................................................................................ 89
4.5 Considerações pertinentes...........................................................................................................100

5 Da class action ao complex litigation...................................................................... 103


5.1 As class actions..................................................................................................................................103
5.2 Structural injunctions.......................................................................................................................107
5.3 Complex litigation.............................................................................................................................111

17
6 Constituição Orçamentária...............................................................................................119
6.1 O sistema constitucional orçamentário....................................................................................119
6.2 A postura do Judiciário...................................................................................................................124
6.3 Despreocupação com o orçamento público e o erário......................................................128

7 A Realidade e a Jurisprudência.........................................................................................133
7.1 A situação real....................................................................................................................................133
7.2 A jurisprudência................................................................................................................................138
7.2.1. Superior Tribunal de Justiça..............................................................................................138
7.2.2. Supremo Tribunal Federal.................................................................................................147
7.3 Considerações conclusivas............................................................................................................166

8 A Tutela Jurisdicional dos Direitos Sociais......................................................................169


8.1 Premissa...............................................................................................................................................169
8.2 Ações coletivas, ações individuais ou ações individuais de efeitos coletivos.......................175
8.3 A demanda, o mérito da causa e as questões de mérito...................................................181
8.4 Contestação do réu. Necessidade de concreta informação sobre os parâmetros
administrativos pertinentes........................................................................................................................190
8.5 Um novo processo............................................................................................................................193
8.6 O Projeto de Lei 8.058 de 2014....................................................................................................198
8.7 O esforço pela ação coletiva.........................................................................................................210
8.8 Atuação (extraprocessual) do Ministério Público.................................................................217
8.9 Julgamento.........................................................................................................................................221

Conclusão.................................................................................................................................243

Referências..............................................................................................................................245

18
Introdução

A Constituição Federal de 1988, como se sabe, foi extensa ao prever Direitos e


Garantias Fundamentais (Título II), mencionando muitos Direitos e Deveres Individuais
e Coletivos (Capítulo I, art. 5º), como a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, além de elencar vários Direitos Sociais
(Capítulo II), a começar pelo artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a
alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,
na forma desta Constituição.” Essa lista, aliás, vem sendo consideravelmente
ampliada com o passar dos anos, como se vê das Emendas Constitucionais nº 26,
de 14/02/2000, nº 64, de 04/02/2010, e nº 90, de 15/09/2015, que acrescentaram,
respectivamente, “moradia”, “alimentação” e “transporte”.
Outros dispositivos constitucionais também aludem a direitos, como, p.
ex.: direito à segurança pública (art. 144), incluído o “direito à mobilidade urbana
eficiente” (art. 144, § 10, inc. I); direito à saúde (art. 196); direito à educação (art.
205), sendo caracterizado como “direito público subjetivo” o acesso ao ensino
obrigatório e gratuito (art. 208, § 1º); direitos culturais (arts. 215 e 216-A); direito
ao fomento das práticas desportivas pelo Estado (art. 217); direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225); direito de “absoluta prioridade”,
das crianças, adolescentes e jovens à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além da proteção a toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227); direito dos
idosos à dignidade, ao bem estar e à vida (art. 230).
Parece manifesto, e quase supérfluo seria ressaltar, que tais direitos são
realizados por “políticas públicas”, ou seja, por programas e atividades de governo,
a serem desenvolvidos pelo Estado, como deixam claro, verbi gratia – embora fosse
desnecessária a didática advertência –, os artigos 196, 216-A e 227, § 8º, inc. II, todos
da Constituição da República. Veja-se o art. 196, por sua capital relevância: “A saúde é
19
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas


que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Além disso, não é concebível que todos esses “direitos”, enunciados
na Constituição, pudessem ser imediatamente, ou em curto ou médio prazo,
implementados pelo Estado, nem, ipso facto, garantidos de pronto por meio
da tutela jurisdicional, independentemente de serem adotadas contínuas,
eficientes e corajosas medidas político-econômico-administrativas para enfrentar,
gradativamente, nossos seríssimos problemas estruturais e sociais; para produzir
melhor distribuição de renda; para reduzir o desperdício e o mau uso de verbas
públicas etc. etc. etc.
Ora, os direitos sociais, que ensejam a exigibilidade de prestações do Estado,
encontram limites de cunho econômico e político,1 sendo certo que “os direitos
sociais e a ação governamental vivem sob a reserva do possível, isto é, da arrecadação
dos ingressos previstos nos planos [orçamentários] anuais e plurianuais”.2 Como foi
muito bem colocado: direitos não nascem em árvores.3
A referência aos planos anuais e plurianuais faz relembrar que nossa
Constituição adota sistema de orçamento-programa, estabelecido por leis do plano
plurianual, das diretrizes orçamentárias e dos orçamentos anuais (art. 165). Todas
são leis de iniciativa privativa do Presidente da República (art. 84, XXIII, e 165). O
processo de emendas aos projetos dessas leis tem limitações para assegurar a
compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias (art.
166, §§ 3º e 4º), bem como para prevenir severamente aumentos de despesas sem
especificação das receitas necessárias (v. arts. 63, caput e inc. I, c/c. 166, § 3º, inc. II).
Assim, embora a Constituição tenha aludido a tantos direitos sociais e a
tantos deveres do Estado, ao cuidar do orçamento tratou de estabelecer sistema
rígido, de louvável orçamento-programa,4 de iniciativa privativa do Executivo e
controle do Legislativo.
Nesse contexto, e tendo em mente a independência e harmonia entre os
Poderes (art. 2º da CF), não pode haver dúvida de que a atuação do Poder Judiciário
deve observar os limites impostos pela Lei Maior, sem esquecer dos limites materiais
de sua própria atuação, pois, como ensinou Ana Paula de Barcellos, “pouco
1
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. Rio de Janeiro: Re-
novar, 1990. p. 99-100.
2
Torres, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. 3ª ed. Rio de Janei-
ro: Renovar, 2008. v. V, p. 79 – grifado no original.
3
Galdino, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem em árvores. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005.
4
Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2001. p. 715.

20
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

adiantará, do ponto de vista prático, a previsão normativa ou a refinada técnica


hermenêutica se absolutamente não houver dinheiro para custear a despesa gerada
por determinado direito subjetivo”.5
A questão não assume maior relevância, em princípio, quando se trata de
pleitos visando à simples efetivação de prestações definidas por políticas públicas
já estabelecidas, conquanto possa ocorrer, como realmente ocorreu no Estado do
Rio de Janeiro, de não haver recursos sequer para o cumprimento orçamentário.
No entanto, quando se cuida de ações para obter prestações não oferecidas pelas
políticas públicas existentes, o tema alcança grave, complexa e difícil dimensão.
Passou então a preocupar a doutrina, com múltiplas orientações, a questão
da chamada sindicabilidade judicial, judicialidade ou justiciabilidade dos direitos
fundamentais e dos direitos sociais, havendo, apenas para aludir aos extremos,
corrente que sustenta que todo e qualquer direito social seria plenamente tutelável
pelo Judiciário, às vezes sob a limitação da reserva do possível, e corrente que
reconhece que apenas o direito ao mínimo existencial seria exigível judicialmente,
ao passo que os direitos sociais e econômicos estariam “sujeitos sempre à interpositio
legislatoris, especificamente na via do orçamento público”.6
A questão adquire relevo preocupante e extraordinário quando se percebe
que, de forma crescente, milhares de ações vêm sendo propostas pleiteando direitos
sociais, especialmente com relação a medicamentos e tratamentos de saúde. Na
verdade, consoante o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tramitavam no País, em
junho de 2014, 392.921 processos judiciais na área de saúde,7 e a tendência é que o
número aumente cada vez mais, sem falar em outros direitos sociais. Nesse sentido,
em maio de 2018, nova notícia veiculada pelo CNJ informa que “ao menos 1.346.931
processos com o tema saúde tramitaram no Judiciário em 2016”.8
A doutrina normalmente alude, então, ao controle judicial de políticas
públicas, mas a verdade é que se pretende nesses milhares de processos
individuais, quase sempre, obter tratamento e/ou dispensação de medicamentos
independentemente das políticas públicas existentes (ou seja: em detrimento delas).
A grande multiplicação de ações tem levado à desarrumação do sistema, e
5
A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002. p. 236-237.
6
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. 3ª ed. Rio de Ja-
neiro: Renovar, 2008. v. V, p. 411. Veja-se, também, sobre toda essa questão, do mesmo autor, O direito
ao mínimo existencial. Rio de janeiro: Renovar, 2009. p. 40 e segs. Item 4.2 e seus subitens, bem como p.
106-111.
7
Relatórios de cumprimento da Resolução CNJ n. 107, Ações de saúde, Dados extraídos do sistema de
acompanhamento da Resolução CNJ n. 107, em junho de 2014. Não constam desse total as informações
dos Tribunais de Justiça do Amazonas, da Paraíba e de Pernambuco.
8
Portal de Notícias do CNJ. Judicialização da saúde: iniciativas do CNJ são destacadas em seminário
no STJ, 22 maio 2018. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/86891-judicializacao-da-saude-
-iniciativas-do-cnj-sao-destacadas-em-seminario-no-stj>. Acesso em: 27 nov. 2018.

21
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

surgem críticas veementes à atuação individualizada do Poder Judiciário, em vez


de examinar a necessidade e viabilidade de implementação de política pública
adequada, em prol de todos aqueles que estejam na mesma situação.
Com efeito: o sistema e as políticas públicas não suportam, incólumes, a
convivência com o cumprimento de decisões judiciais proferidas em centenas de
milhares de processos... e a intenção de beneficiar alguns individualmente acaba
por prejudicar o próprio sistema e a grande maioria da população, que está sujeita
– repise-se – às políticas públicas estabelecidas.
Ademais, em situação de escassez de recursos públicos, o próprio
cumprimento de decisões individuais que determinam aquisição de bens (ex.
remédios), à margem das políticas públicas adotadas, representa, quase sempre,
gastos excessivos, porque normalmente realizado em tempo curto e sem observar
estritamente o sistema jurídico instituído (cf. art. 37, XXI, da CF).
Nesse contexto, de irrestritas aspirações imediatas, desarranjo do sistema
e aparente crença num Judiciário milagroso, surge, para o estudioso do direito
processual, desafio único, de buscar mecanismos que compatibilizem a oportuna
realização das normas constitucionais, mas sem desrespeitar a própria Constituição da
República com a geração de privilégios pessoais, em prejuízo da igualdade de acesso a
políticas públicas, com indevida criação de despesas (não autorizadas) e sem atenção
aos limites orçamentários de receitas (art. 167 da CF). Ora, se o processo é “instrumento
para preservação da ordem constitucional”,9 não pode satisfazer ao processualista a
utilização do processo para desarrumar o sistema e causar distorções e regalias. Cabe-
lhe, por ofício, encontrar, com imprescindível atenção às consequências práticas e à
execução das decisões judiciais, os meios de garantir a tutela jurisdicional de forma
a assegurar o respeito integral aos fundamentos da República Federativa do Brasil,
mencionados – não por acaso – nos artigos 1º e 3º da Constituição.
Levanta-se, então, em síntese, a seguinte problemática: Quais os mecanismos
processuais à disposição do juiz brasileiro para bem apreciar ações envolvendo
incremento de políticas públicas? O chamado microssistema de tutela jurisdicional
coletiva, existente entre nós, afigura-se suficiente? As ações individuais seriam
assimiláveis à tutela por políticas públicas? Quais seriam as peculiaridades? O que
pode ser aprimorado – ou construído – interpretativamente?
Busca-se traçar panorama processual específico para a adequada tutela
jurisdicional dos direitos fundamentais sociais, sem que o Poder Judiciário contribua
para a ingovernabilidade ou para o deplorável desvio, “que é típico brasileiro, de
9
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1987. p. 439.

22
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

que, como não tem direito para todo mundo, alguns têm um privilégio”,10 o que
viola frontalmente a Constituição (v. arts. 1º, II e III, e 3º), que se afirmava efetivar.11
Nossa investigação, entretanto, não abrangerá a inércia na elaboração de
atos normativos, objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e
do mandado de injunção; ao revés: preocupa-nos encontrar parâmetros contra
a inefetiva e a inadequada tutela jurisdicional, considerando a “igualdade como
princípio jurídico fundamental”, em relação às ações individuais e coletivas que são
comumente propostas.
Não cuidaremos igualmente dos “direitos sociais do trabalhador” (arts. 7º a
11 da CF), nem dos direitos subjetivos a benefícios da previdência social (p. ex.: Lei
nº 8.213/91) ou da assistência social (v. g.: Lei nº 8.742/93), mas apenas dos direitos
socias genéricos, basicamente os mencionados no art. 6º da Carta da República.
Embora seja algo natural a ênfase às ações na área de saúde, que inundam
o Judiciário, com graves consequências ao sistema administrativo, nossa pesquisa
não tratará exclusivamente do tema, até porque, em substância, não há discrímen
entre os direitos fundamentais sociais, quando muito – em ambiente de penúria –
somente em nível de prioridade. Mas a questão do indispensável respeito à igualdade
é comum, tanto em ações, e.  g., que pretendam tratamento médico, quanto em
ações que reivindiquem acesso ao ensino obrigatório, pois seria da mesma forma
odioso que alguns poucos conseguissem tratamento ou escola, em detrimento dos
demais que se encontram na mesmíssima situação, aguardando a implantação da
política pública possível, conveniente e igualitária.
Por isso, no título atribuído ao trabalho, referimo-nos à tutela jurisdicional
levando também em consideração o sentido destacado por Cândido Dinamarco:
A tutela jurisdicional, assim enquadrada no sistema de proteção aos valores do
homem, não se confunde com o próprio serviço realizado pelos juízes no exercício
da função jurisdicional. Não se confunde com a jurisdição. A tutela é o resultado do
processo em que essa função se exerce. Ela não reside na sentença em si mesma
como ato processual, mas nos efeitos que ela projeta para fora do processo e sobre as
relações entre pessoas.12

No desenvolvimento da obra, o Capítulo I é dedicado à análise básica da


situação social do Brasil, nos temas que nos pareceram mais relevantes – isto é,
10
BARROSO, Luís Roberto, manifestação na Audiência Pública sobre Direito à Saúde no STF. Disponível
em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Luis_Roberto_Barroso.pdf>.
Acesso em: 21/10/2014.
11
Seria a busca, em síntese, de “estabelecer parâmetros para que a atuação do Judiciário possa se pautar por
critérios de racionalidade e de eficiência” (Luís Roberto Barroso, loc. cit.).
12
Tutela Jurisdicional. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. t. II,
p. 797-837, espec. p. 811-812 – grifado no original.

23
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

desigualdade e pobreza, saneamento básico, saúde, educação e mercado de trabalho


–, para permitir a verificação das reais condições em que se estuda a tutela jurisdicional
dos direitos fundamentais sociais, evitando soluções teóricas que, na realidade, pelo
menos agora, são utópicas, e contribuem para aumentar a desigualdade social.
Em seguida, no Capítulo II, são tecidas considerações gerais sobre a classificação
dos direitos sociais, a inafastabilidade do controle jurisdicional e a proteção judicial dos
direitos sociais, a fim de assentar premissas ao exame das questões propostas.
O Capítulo III foi dedicado ao estudo do importante tema da governabilidade
e constitucionalismo na América Latina, objeto de precioso livro coordenado pelo
professor Diego Valadés, do México, que reúne textos de vários autores e se propõe a
explorar a relação da governabilidade com o sistema constitucional, para estabelecer
em que medida a governabilidade depende de uma adequada estrutura constitucional,
o que permite identificar problemas e mazelas comuns, em busca de possíveis soluções.
No Capítulo IV são analisados, em profundidade, três célebres julgados da
Suprema Corte da África do Sul que consideramos paradigmáticos, quais sejam:
o caso Grootboom (Government of the Republic of South Africa and Others v. Irene
Grootboom and Others), o caso Soobramoney (Soobramoney v. Minister of Health) e
o caso TAC (Minister of Health and Others v Treatment Action Campaign and Others).
Uma incursão das class actions ao complex litigation, com exame das structural
injunctions, é feita no Capítulo V, salientando aspectos relevantes do sistema do
common law que devem nos inspirar, seja na conduta em relação ao direito posto,
seja em perspectiva de lege ferenda.
Já no Capítulo VI observamos o sistema constitucional orçamentário, a
postura do Poder Judiciário e a despreocupação com o orçamento público e o erário
que predomina francamente entre nós, para, logo depois, no Capítulo VII, ressaltar
a nossa real situação no que tange à ingente judicialização de direitos sociais, bem
como pesquisar a jurisprudência, em especial recursos especiais repetitivos do
Superior Tribunal de Justiça e arestos do Supremo Tribunal Federal, não apenas em
repercussão geral, a fim de viabilizar algumas concretas avaliações.
Concentra-se a análise da tutela jurisdicional dos direitos sociais no Capítulo
VIII, no qual são versadas, em itens próprios: ações coletivas, ações individuais ou
ações individuais de efeitos coletivos; a demanda, o mérito da causa e as questões
de mérito; a contestação do réu e a necessidade de concreta informação sobre os
parâmetros administrativos pertinentes; o dito novo processo; o Projeto de Lei 8.058
de 2014; o esforço pela ação coletiva; a atuação (extraprocessual) do Ministério
Público; e o julgamento. Por fim, chega-se ao último tópico, voltado à conclusão.
24
1 Breve Análise da Situação Social do Brasil

1.1 Introito
Tendo em conta que a interpretação jurídica não pode desconsiderar a
realidade,13 sob pena de caracterizar o que se chamou, espirituosamente, de
“esquizofrenia jurídica”,14 não poderíamos examinar, com cuidado, políticas públicas
e atuação do Poder Judiciário sem verificar, ainda que brevemente, dados básicos
de nosso desenvolvimento social.
Para tanto, utilizamos, precipuamente, elementos coligidos pelo IBGE, tanto
os mencionados nos livros Brasil em Números15 e Síntese de Indicadores Sociais 201716,
que se valeram da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
(PNADC)17 2016, como dos próprios dados da PNADC 2017, sempre buscando
dados oficiais e o mais atualizados possível.
Cabe registrar, todavia, que nos limitamos a mencionar os dados
essenciais, na perspectiva deste trabalho, sem aludir a questões específicas
13
“[...] a interpretação do direito é interpretação dos textos e da realidade.” GRAU, Eros Roberto. Por que
tenho medo dos juízes: a interpretação/aplicação do direito e os princípios. 6. ed. São Paulo: Malheiros,
2013. p. 16.
14
Galdino, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem em árvores. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 333. E explica: “Em vez de amoldarmos nossos conceitos à realidade con-
creta, procuramos fazer o caminho inverso, o que, infelizmente, nem sempre é possível. E a viagem torna-se
cada vez mais difícil à medida que aumenta a distância entre os mundos jurídico e real. Alguns operadores
do Direito não voltam ao mundo real...”
15
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Brasil em números. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. v.
25. Também disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/2/bn_2017_v25.pdf>.
Acesso em: 21 abr. 2018.
16
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais 2017: uma análise
das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. 140 p. (Estudos e pesquisas.
Informação demográfica e socioeconômica, n. 37). O livro também está disponível em versão digital: <ht-
tps://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101459.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2018
17
“A pesquisa é realizada por meio de uma amostra de domicílios, extraída de uma amostra mestra, de
forma a garantir a representatividade dos resultados para os diversos níveis geográficos definidos para sua
divulgação. A cada trimestre, são investigados 211.344 domicílios particulares permanentes, em aproxi-
madamente 16.000 setores censitários, distribuídos em cerca de 3.500 municípios”. Disponível em: <ht-
tps://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/trabalho/17270-pnad-continua.html?=&t=o-que-e>.
Acesso em: 21 abr. 2018.
25
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

(mesmo que interessantes) como distinções por idade, sexo, cor ou raça, que,
embora importantes para estabelecer políticas públicas, aqui soariam demasia.

1.2 Desigualdade e Pobreza


O Brasil é um país de alta desigualdade de renda, registra o IBGE, “inclusive
quando comparado a outros países da América Latina, região do planeta onde
a desigualdade é mais pronunciada”,18 e a Síntese de Indicadores Sociais busca
“explicitar o acesso (desigual) a recursos econômicos, em particular, valendo-se do
rendimento domiciliar per capita (RDPC)”.
Assim, por exemplo, “o rendimento médio per capita dos 20% dos domicílios
com maiores rendimentos (R$  4.499,15) era 18,3 vezes maior que o rendimento
médio dos 20% com menores rendimentos (R$ 243,60) em 2016”. Destaca-se ainda
que, pelo índice de Gini, “o Brasil chegou a 0,525 em 2016”19 e 0,524 em 2017,20 mas
relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)21 alerta
que: “Em relação ao Coeficiente de Gini (2010-2015) [...] o Brasil é o quarto pior
da América Latina e Caribe, atrás somente do Haiti, Colômbia e Paraguai”. 22
Com relação à pobreza, em sua análise “unidimensional e monetária (pela
renda ou pelo consumo)”, algumas linhas de corte podem ser utilizadas. Para o
Programa Bolsa Família (Lei nº 10.836/2004), e.  g., pelos valores atualizados pelo
Decreto nº 8.794/2016, a situação de pobreza ou extrema pobreza seria caracterizada
“pela renda familiar mensal per capita de até R$ 170,00 (cento e setenta reais) e de
R$ 85,00 (oitenta e cinco reais), respectivamente”; já para a percepção do Benefício
de Prestação Continuada (Lei nº 8.742/1993) considera-se “a família cuja renda
mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo”.
Com dados da PNAD Contínua, em 2016, “a linha de 1/4 de salário mínimo e
a de R$ 85,00 classificavam, respectivamente, 12,1% e 4,2% das pessoas residentes
em domicílios particulares na pobreza”23 (rectius: na pobreza e na pobreza extrema).

18
Síntese de indicadores sociais 2017. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. p. 58.
19
Síntese de indicadores sociais 2017. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. p. 59. “O índice de Gini varia de 0 a 1,
sendo ‘1’ o valor de máxima desigualdade e ‘0’ a perfeita igualdade na distribuição de rendimentos (quando
10% da população se apropria de 10% da renda total e assim por diante).” (Loc. cit., nota 34).
20
PNAD Contínua 2017, Rendimento de todas as fontes 2017, p. 7. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.
gov.br/visualizacao/livros/liv101559_informativo.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2018
21
United Nations Development Programme (UNDP).
22
Disponível em: <http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/presscenter/articles/2017/03/21/relat-
-rio-do-pnud-destaca-grupos-sociais-que-n-o-se-beneficiam-do-desenvolvimento-humano.html>. Acesso
em: 19 abr. 2018.
23
Síntese de indicadores sociais 2017. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. p. 62.

26
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Consoante a Tabela 1 da Síntese de Indicadores Sociais 2017,24 havia no Brasil,


considerando a população, na época, de 205.386.000, 4,2% [8.626.212] de pessoas
com rendimento mensal domiciliar per capita de até R$ 85,00, e 4,3% [8.831.598]
de pessoas com rendimento de R$  85,00 a R$  170,00, totalizando assustadores
17.457.810 pessoas (quase 9% da população) com menos de R$ 170,00 por mês.
Em nível regional, os percentuais são: Norte (população 17.420.000), 6,2% e
9,6%; Nordeste (idem 56.733.000), 7,9% e 8,8%; Sudeste (id. 86.305.000), 2,6% e 1,6%; Sul
(id. 29.393.000), 1,8% e 1,3%; Centro-Oeste (id. 15.534.000), 2,2% e 1,8%. Impressiona
que 16,7% da população do Nordeste e 15,8% da população da Região Norte tenham
rendimento mensal domiciliar per capita de até R$ 170,00, em verdadeira miséria.25
Em perspectiva mundial, aplicando o recorte da linha de pobreza extrema
internacional (Global Poverty Line), calculada pelo Banco Mundial e construída
a partir dos 15 países mais pobres, no valor de 1,90 dólares por dia de renda ou
consumo per capita em paridade de poder de compra (PPC), desde outubro de
2015,26 cerca de 6,5% dos moradores de domicílios permanentes, no Brasil, estavam
na pobreza extrema segundo esse critério, com base em cálculo aproximado com a
PNAD Contínua, em 2016.27
Especificamente para países considerados de nível médio-alto de
desenvolvimento, como os da América Latina, o Banco Mundial usa a linha de 5,5
dólares por dia PPC (revisão 2011). Calculada a partir da PNAD Contínua, a linha
de 5,5 dólares por dia correspondia, em média, a R$  387,07 mensais, em 2016,28
e incluía 25,4% da população brasileira na pobreza, tendo a maior incidência no
Nordeste (43,5%) e a menor no Sul (12,3%).29 Eis os números regionais: Norte: (valor
da linha regional) R$ 391,00, 43,1%; Nordeste: R$ 389,00, 43,5%; Sudeste: R$ 384,00,
24
Op. cit., p. 63.
25
Síntese de indicadores sociais 2017. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. p. 63.
26
A paridade de poder de compra – PPC foi revisada em 2011, mas a nova linha de corte foi atualizada
para US$ 1,90 “a partir de outubro de 2015”. Cf. Global Poverty Line Update, disponível em: <http://www.
worldbank.org/en/topic/poverty/brief/global-poverty-line-faq>. Acesso em: 21 abr. 2018.
27
Veja-se, porém, a advertência: “Os cálculos de indicadores feitos nacionalmente não costumam coincidir
com as estimativas internacionais. Estas, na maior parte das vezes, embutem esforços de harmonização para
permitir a comparação global. Ademais, para cálculos de indicadores monetários, há uma série de decisões
possíveis para ajustar dados de pesquisas domiciliares, por exemplo, com informações de contas nacionais,
imputando aluguéis para proprietários de imóveis, ajustando o nível de vida em domicílios rurais, usando
escalas de equivalência em vez de rendimento per capita, etc. (ATHIAS; OLIVEIRA, 2016; A GUIDE...,
2010 [rectius: 2014]). Optou-se aqui por evitar esses “ajustes” nos cálculos.” Síntese de indicadores sociais
2017. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. p. 64 e nota 42.
28
“O valor para o total Brasil é uma média ponderada e serve para referência unicamente. A linha foi
balizada no nível nacional a partir da conversão em reais do dólar PPC em 2011 e atualizada pelo IPCA
aplicado a 16 recortes geográficos da PNAD Contínua, o que faz com que a linha varie no País.” Síntese...
cit., p. 65, nota 46.
29
Síntese... cit., p. 65.

27
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

15,9%; Sul: R$ 390,00, 12,3%; Centro-Oeste: R$ 384,00, 17,0%.30 O maior percentual


de pobreza foi no Maranhão (52,4%), o menor em Santa Catarina (9,4%).
Tratamos até aqui, como anteriormente mencionado, de dados relativos
à chamada pobreza unidimensional, ou por renda/consumo, mas a pobreza é
fenômeno multidimensional, que abrange, evidentemente, variados aspectos. De
acordo com o livro Síntese de Indicadores Sociais 2017, “com dados da PNAD Contínua
é possível pensar em um recorte de pessoas sem acesso à educação, à proteção
social, à moradia adequada, aos serviços de saneamento básico e à comunicação
(internet).”31 Não analisaremos aqui todos esses cortes, nem seguiremos estritamente
a mesma abordagem, embora nos valendo também dos dados ali coligidos.

1.3 Saneamento básico


Do total da população brasileira, apenas 63,7% tinha acesso a esgotamento
sanitário por rede geral, rede pluvial ou fossa ligada à rede, em 2016, sendo
importante salientar que o dado captado pela PNAD Contínua32 “concerne apenas
ao afastamento do esgoto do domicílio – seja através de uma rede própria de esgoto,
seja através da rede pluvial (de drenagem de águas da chuva) – não significando,
portanto, que o esgoto será adequadamente tratado”.33
Segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria, em 2011, “apenas
37,5% de todo o esgoto gerado no Brasil é tratado. Todos os anos, 5,8 bilhões de metros
cúbicos de esgoto são despejados diretamente na natureza sem qualquer tratamento”.34
Já pelo recente Atlas Esgotos, da Agência Nacional de Águas:
A situação do atendimento da população brasileira com serviços de esgotamento
sanitário pode ser caracterizada da seguinte forma: 43% é atendida por sistema
coletivo (rede coletora e estação de tratamento de esgotos); 12% é atendida por
solução individual (fossa séptica); 18% da população se enquadra na situação em que
30
Cf., inclusive com referência aos Estados, Síntese de indicadores sociais 2017, Tabela 2.16. Dispo-
nível em: <https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/trabalho/9221-sintese-de-indicadores-
-sociais.html?=&t=resultados>. Acesso em: 21 abr. 2018.
31
Síntese de indicadores sociais 2017. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. p. 80.
32
“A PNAD Contínua coleta informações apenas em domicílios particulares permanentes, não incluindo
domicílios coletivos (como penitenciárias, asilos, hospitais, alojamentos, etc.), nem domicílios particulares
improvisados (como tendas, barracas, ou estabelecimentos comerciais utilizados como moradia sem ter ins-
talações para tanto). Ainda assim, como os domicílios particulares permanentes abrigam a ampla maioria da
população brasileira (99,5%, de acordo com o Censo Demográfico de 2010), a pesquisa permite uma boa
visão das condições de moradia da população.” Síntese... op. cit., p. 68.
33
Ibidem, p. 69, 75-76, e nota 51.
34
Saneamento: oportunidades e ações para a universalização. Brasília: CNI, 2014. p. 13. Disponível em:
<http://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/conteudo_24/2014/07/22/461/V17_Saneamentooportunida-
deseacoes_web.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2018.

28
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

os esgotos são coletados, mas não são tratados; e 27% é desprovida de atendimento,
ou seja, não há coleta nem tratamento de esgotos.35

Assim, pode-se concluir que, somando os 18% da população que tem o


esgoto coletado, mas não tratado, aos 27% cujo esgoto nem sequer é coletado, 45%
(quarenta e cinco por cento) da população brasileira não tem o esgoto tratado.
Os dados regionais são marcantes, considerando a parcela da população
atendida e (a) coleta de esgoto, (b) tratamento de esgoto, (c) parcela tratada em
relação à coleta: Norte (a) 16%, (b) 12%, (c) 75%; Nordeste (a) 43%, (b) 32%, (c) 74%;
Sudeste (a) 83%, (b) 54%, (c) 65%; Sul (a) 54%, (b) 40%, (c) 74%; Centro-Oeste (a)
51%, (b) 49%, (c) 97%. Entre os Estados, os melhores índices são de São Paulo (a)
87%, (b) 64%, (c) 74%, mas apenas o Distrito Federal atinge 100% de tratamento do
esgoto coletado (83%), ao passo que os piores índices são do Amapá (a) 7%, (b) 7%,
(c) 92%; Rondônia (a) 9%, (b) 4%, (c) 41%; Pará (a) 9%, (b) 4%, (c) 45%; Piauí (a) 12%,
(b) 10%, (c) 81% e Maranhão (a) 17%, (b) 4%, (c) 23%. O total, no Brasil (a) 61%, (b)
43%, (c) 70%.36
No que tange especificamente à população urbana, a parcela atendida
com coleta e tratamento dos esgotos representa 42,6%, sendo, portanto, que “96,7
milhões de pessoas não dispõem de tratamento coletivo de esgotos”.37

No entanto, examinando o percentual de esgoto “tratado”, a conclusão


também deixa muitíssimo a desejar:
A Resolução CONAMA nº 430/2011, que dispõe sobre as condições e padrões de
lançamento de efluentes, prescreve que o tratamento dos efluentes deve remover
60% de DBO [Demanda Bioquímica de Oxigênio] para o lançamento direto nos
corpos receptores. Entretanto, a grande maioria das cidades brasileiras (4.801
cidades, totalizando 129,5 milhões de habitantes) apresenta níveis de remoção da
carga orgânica inferiores a 60% da carga gerada. Há predominância de cidades com
baixos níveis de remoção de carga orgânica em todas as regiões geográficas, em
especial no Norte e no Nordeste.

No outro extremo, apenas 769 cidades (14% do total) apontam índices de remoção
de DBO superiores a 60%, sendo que a Região Sudeste concentra a grande maioria
dessas cidades.38

35
Atlas esgotos: despoluição de bacias hidrográficas. Brasília: ANA, 2017. p. 22. Disponível em: <http://
arquivos.ana.gov.br/imprensa/publicacoes/ATLASeESGOTOSDespoluicaodeBaciasHidrograficas-Resu-
moExecutivo_livro.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2018.
36
Atlas esgotos. Brasília: ANA, 2017. p. 31.
37
Atlas esgotos. Brasília: ANA, 2017. p. 30.
38
Atlas esgotos. Brasília: ANA, 2017. p. 22. Vale a pena registrar que, em relação às taxas de remoção de
DBO dos processos de tratamento, existem “até 60%”, de “60% a 80%”, “superior a 80%” e “superior a
80% com remoção de nutrientes” (p. 33).

29
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

O Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) trabalhava com


parâmetros para serem atingidos em 2033;39 já o Atlas Esgotos menciona
necessidades apontadas no diagnóstico, “tendo como horizonte o ano de 2035”.40
Estudo da Confederação Nacional da Indústria, de 2016, entretanto, adverte que,
no ritmo atual de investimentos, o “País só atingirá meta de universalização dos
serviços de saneamento em 2054”.41

Não se pode perder de vista, neste ponto, que os benefícios econômicos do


investimento em água e saneamento são extremamente relevantes: “eles incluem
um ganho geral estimado de 1,5% do PIB global e um retorno de US$ 4,3 para cada
dólar investido em água e serviços de saneamento, devido à redução dos custos de
saúde para indivíduos e sociedade”.42

Como ressalta o Instituto Trata Brasil:43


Estudo do BNDES estima que 65% das internações em hospitais de crianças
com menos de 10 anos sejam provocadas por males oriundos da deficiência ou
inexistência de esgoto e água limpa, que também surte efeito no desempenho
escolar, pois crianças que vivem em áreas sem saneamento básico apresentam 18% a
menos no rendimento escolar.44

Em termos gerais, destaca ainda o Trata Brasil: “Em 2013, o país teve mais de
14 milhões de casos de afastamento por diarreia ou vômito. A cada afastamento as
pessoas ficaram longe de suas atividades por 3,32 dias em média” (= “49,8 milhões
de dias de afastamento ao longo de um ano”). “Em 2015, o custo com horas não
trabalhadas alcançou R$ 872 milhões”.45
No que concerne ao “abastecimento de água por rede geral de distribuição”
e à “coleta direta ou indireta de lixo”, os números são melhores, com 84,9% e 89,5%
39
Disponível em: <http://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/conteudo_24/2014/07/22/461/V17_Sane-
amentooportunidadeseacoes_web.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2018.
40
Atlas esgotos. Brasília: ANA, 2017. p. 19.
41
Burocracia e Entraves ao Setor de Saneamento. CNI Notícias, 11 jan. 2016. Disponível em: <http://
www.portaldaindustria.com.br/agenciacni/noticias/2016/01/pais-so-atingira-meta-de-universalizacao-dos-
-servicos-de-saneamento-em-2054-diz-estudo-da-cni/>. Acesso em 23 out. 2018.
42
No original e por inteiro: “Economic benefits of investing in water and sanitation are considerable: they
include an overall estimated gain of 1.5% of global GDP and a US$ 4.3 return for every dollar invested
in water and sanitation services, due to reduced health care costs for individuals and society, and greater
productivity and involvement in the workplace through better access to facilities.” Water Sanitation hy-
giene. World Health Organization (WHO). Disponível em: <http://www.who.int/water_sanitation_health/
monitoring/economics/en/>. Acesso em: 21 abr. 2018.
43
O Instituto Trata Brasil é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).
44
Trata Brasil: saneamento é saúde. Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/saneamento/o-que-e-
-saneamento>. Acesso em: 23 abr. 2018.
45
Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/saneamento/principais-estatisticas/no-brasil/saude>.
Acesso em: 21 maio 2018.

30
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

das pessoas residentes em domicílios particulares atendidas. Mas em relação ao


“acesso simultâneo aos três serviços de saneamento básico”, naturalmente, o
percentual baixa para 62,1%,46 “ou seja, para 37,9% da população (77,9 milhões
de pessoas) faltava acesso a ao menos um dos serviços”,47 sempre lembrando
que esgotamento sanitário não equivale a tratamento do esgoto, este em níveis
significativa e constantemente menores, à exceção, como visto, do Distrito Federal,
onde 83% do esgoto é coletado e tratado, perfazendo a “parcela tratada em relação
à coletada” de 100%.48
Apesar dos avanços, “é importante ressaltar que ainda temos mais de 35
milhões de brasileiros que não têm acesso à rede de abastecimento de água potável,
de acordo com os últimos dados do SNIS, 2016 (Sistema Nacional de Informações
sobre Saneamento)”.49
Além disso, “a soma do volume de água perdida por ano nos sistemas de
distribuição das cidades daria para encher 6 (seis) sistemas Cantareira. Ao distribuir
água para garantir consumo, os sistemas sofrem perdas na distribuição, que na
média nacional alcançam 38,1%, número 3,7% superior ao de 2015”.50

1.4 Saúde
A Constituição de 1988 criou o Sistema Único de Saúde (SUS), constituído pelo
conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas
federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações
mantidas pelo Poder Público (cf. art. 4º da Lei nº 8.080/90), mas a “assistência à saúde
é livre à iniciativa privada” e “as instituições privadas poderão participar de forma
complementar do sistema único de saúde...” (art. 199, caput e § 1º, da CF).
A Lei nº 8.080/90, ao prever a gratuidade das ações e serviços de saúde,
mereceu a doutíssima crítica de que “criou a utopia da gratuidade das prestações
públicas nessa área, desarticulando inteiramente a ação estatal e piorando
consideravelmente o atendimento ao povo” (art. 43).51 Em 1998, entrou em vigor
a Lei nº 9.656, cujo art. 32 criou o ressarcimento ao SUS pelas operadoras de Planos
Privados de Assistência à Saúde, gerando milhares de processos judiciais.
46
Síntese de indicadores sociais 2017. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. p. 70.
47
Op. cit., p. 75-76.
48
Atlas esgotos. Brasília: ANA, 2017. p. 31.
49
Trata Brasil. Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/dia-mundial-da-agua-consciencia-coletiva-e-
-necessaria>. Acesso em: 21 maio 2018.
50
Trata Brasil. Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/saneamento/principais-estatisticas/no-brasil/
agua>. Acesso em: 21 maio 2018.
51
Torres, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de janeiro: Renovar, 2009. p. 245-246

31
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Segundo aponta, por outro lado, estudo do Instituto de Pesquisa Econômica


Aplicada (IPEA), “o mix público-privado não funciona como esperado: o setor
privado deveria ser complementar ao SUS, mas compete com o público por recursos
financeiros e humanos”, e conclui:
A capacidade do governo de centralizar a política de saúde no país é refreada ante
a presença e o peso do setor particular no mercado, cuja interferência é significativa
até na distribuição espacial da oferta de serviços de média e alta complexidade e na
incorporação tecnológica pelo SUS.52

Pior:
As ações e os serviços do SUS devem estar organizados em redes regionalizadas
e hierarquizadas, medida necessária para a garantia da integralidade da
atenção à saúde. Porém, as três esferas de governo atuam de forma autônoma
administrativamente. Isso impõe uma complexa articulação entre os estados para a
garantia da implementação de políticas de interesse nacional. A cooperação entre os
entes federados é particularmente importante para os processos de regionalização
da oferta.
A coordenação ainda frágil entre os estados implica em vários pontos de
estrangulamento, entre os quais a baixa oferta de serviços de apoio diagnóstico e
terapêutico e as grandes filas para agendamento de consulta com especialistas e para
cirurgias eletivas.53

Além disso, a “judicialização da saúde tem sido um empecilho crescente para


o bom funcionamento do sistema”, diante da “dificuldade inerente à definição da
cobertura de saúde financiada pelo setor público – que implica fixar prioridades em
um quadro de escassez de recursos, sob necessidade de incorporação contínua de
novos procedimentos e tecnologias.”54
De outra parte, foi adotada, com base na Constituição de 1988, concepção
ampla de saúde, abrangente do bem-estar físico, social e mental, não somente da
ausência de doença, e as ações de saúde, segundo os técnicos, deixaram de ser
unicamente a luta contra a doença para ser a promoção dos fatores que levam o
indivíduo e o ambiente onde vive a serem saudáveis. Assim, “a abordagem deixa de
ser a individual e passa a ser a coletiva e o objeto da ação em saúde deixa de ser as
causas de doença para ser os fatores que condicionam a saúde”.55
O próprio Sistema Único de Saúde reconheceu, no entanto, “sua ineficácia de
atuar preventivamente sobre as doenças do aparelho circulatório e as neoplasias, as
principais causas de morte do País”:

52
Desafios da nação. Brasília: IPEA, 2018. v. 1. p. 85.
53
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Desafios da nação. Brasília: IPEA, 2018. v. 1. p. 86.
54
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Desafios da nação. Brasília: IPEA, 2018. v. 1. p. 86.
55
Brasil em números. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. p. 111.

32
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Com a mudança dos alvos das ações de saúde para os fatores que condicionam a
saúde é necessário atuar na construção de ambientes, hábitos e comportamentos
saudáveis junto à população. Fornecer um conhecimento que permita à população
evitar e se antecipar ao aparecimento das doenças, ou seja, ações essencialmente
educativas.56

Vale salientar que, em 2015, as doenças do aparelho circulatório


correspondiam a 27,7% das mortes, as neoplasias a 16,0%, as causas externas
(acidentes e violência) a 12,0% e as doenças do aparelho respiratório a 11,8%.57
As causas externas, principalmente acidentes terrestres, que além de óbitos
geram lesões graves e, por vezes, incapacitação, também merecem fortes ações
educativas, pois alguns cuidados elementares são suficientes para prevenir ou
minimizar consequências, como, e. g., o uso do cinto de segurança58 ou o uso de
capacete,59 o que demonstra que o investimento na adoção de políticas educacionais
e de segurança pode reduzir sensivelmente gastos com a saúde.
Com relação à mortalidade infantil, os esforços realizados em sua redução
permitiram atingir o coeficiente de 15,3 óbitos por mil crianças nascidas vivas
em 2011, ultrapassando a meta de 15,7 óbitos/1000 nascidos vivos para 2015,
estabelecida nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da Organização das
Nações Unidas.60 A taxa de mortalidade infantil (menores de um ano de idade), aliás,
já foi reduzida para 14,4/1000 vivas em 2013,61 e 13,8/1000 vivas em 2015.62 Apesar
do avanço, contudo, estamos longe de alcançar os melhores índices, pois a taxa é
inferior a 05/1000 em vários países.
Na verdade, como divulgado pela Fundação Abrinq, com base em dados
do Ministério da Saúde (Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos – SINASC e
Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM), a mortalidade infantil voltou a
crescer no Brasil, alcançando o índice de 14,9 óbitos por mil crianças nascidas vivas
em 2016.63
56
Ibidem. p. 113 e 115 – grifo nosso.
57
Ibid. p. 122 e 123, tabelas 4.1.
58
“No Brasil, 79,4% das pessoas de 18 anos ou mais de idade sempre usavam cinto de segurança no banco
da frente quando andavam de automóvel, van ou táxi”, já no banco de trás o percentual foi “de 50,2%”.
Pesquisa nacional de saúde 2013. Rio de Janeiro: IBGE, 2015. p. 55.
59
83,4% de pessoas de 18 anos ou mais de idade sempre usavam capacete quando dirigiam motocicleta,
e 80,1% usavam capacete como passageiros de motocicleta. Pesquisa nacional de saúde 2013. Rio de
Janeiro: IBGE, 2015. p. 55 e 57.
60
Brasil em números. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. p. 113.
61
Plano Nacional de Saúde: PNS 2016-2019. Brasília, 2016. p. 22
62
Brasil em síntese, IBGE. Disponível em: <https://brasilemsintese.ibge.gov.br/populacao/taxas-de-morta-
lidade-infantil.html>. Acesso em: 25 abr. 2018.
63
Cf. Observatório da Criança e do Adolescente. Disponível em: <https://observatoriocrianca.org.br/cena-
rio-infancia/temas/sobrevivencia-infantil-infancia/619-taxa-de-mortalidade-na-infancia-para-1-000-nasci-
dos-vivos?filters=1,233>. Acesso em: 23 jul. 2018.

33
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Demais, dados recentes do World Health Statistics 2018 indicam, por


exemplo, que: (i) a taxa de mortalidade materna por 100.000 nascidos vivos (2015),
no Brasil foi de 44/100.000, situando nosso país em 11º entre 32 países da região das
Américas, mas em nível pior que o do 49º país da Europa, entre os 50 listados;64 (ii) o
número de pessoas, em milhares, que necessitam de intervenções contra doenças
tropicais negligenciadas (2016), no Brasil foi de 10.461, pior colocação na região das
Américas, entre 35 países;65 (iii) a incidência de tuberculose por 100.000 habitantes
(2016), no Brasil, alcançou 42/100.000, sendo o 25º país entre 35 países da região
das Américas;66 (iv) taxa de mortalidade por 100.000 habitantes devido a lesões
no trânsito (2013), Brasil = 23.4/100.000, 31º país entre 34 países da região das
Américas;67 (v) taxa de mortalidade por homicídios (por 100.000 habitantes) (2016),
no Brasil = 31.3/100.000, caracterizando o 27º lugar entre 33 países das Américas,
um dos piores índices do mundo.68
No mais, os dados da Saúde obtidos são menos recentes, porquanto a
Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) do IBGE data de 2013, mas foram os dados dessa
pesquisa que embasaram o Plano Nacional de Saúde: 2016-2019, do Ministério da
Saúde, justificando sua utilização. Assim, em 2013, 27,9% da população brasileira
tinha algum plano de saúde (médico ou odontológico), mas 5,2% tinham plano
apenas para assistência odontológica.69
Interessante notar que, das pessoas que conseguiram atendimento de saúde
(97,0%), 64,8% tiveram algum medicamento receitado, 82,5% conseguiram obter
todos os medicamentos prescritos, ao passo que 92,4% conseguiram obter pelo
menos um dos medicamentos receitados.70 Mas esses percentuais consideram “a
obtenção por meio de cobertura do plano de saúde, do Programa Farmácia Popular,
de algum serviço público de saúde, ou ainda pelo pagamento direto efetuado pelo
próprio indivíduo”.71
A proporção de pessoas que conseguiram obter pelo menos um dos
medicamentos receitados no serviço público de saúde foi de 33,2% (6,4 milhões de
pessoas), e não houve diferenças significativas nas estimativas por Grandes Regiões
do País.72
64
World Health Organization. World Health Statistics 2018: monitoring health for the Sustainable De-
velopment Goals (SDGs), p. 23. O 49º é o Turcomenistão (Tukmenistan), cuja taxa é de 42 por 100.000.
65
Ibidem, p. 30.
66
Ibid. p. 27.
67
Ibid. p. 34.
68
Ibid. p. 55.
69
Pesquisa nacional de saúde 2013. Rio de Janeiro: IBGE, 2015. p. 29 e 32.
70
Ibidem. p. 44.
71
Ibid., p. 93.
72
Ibid. p. 45.

34
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Dentre as políticas de saúde podem ser destacadas, em síntese, a Estratégia


Saúde da Família (ESF) e a Estratégia Agentes Comunitários de Saúde (EACS), bem
como o Programa Nacional de Imunização (PNI) que visa à vacinação preventiva
para as principais doenças imunopreveníveis, “chegando a atingir em 2015 níveis de
cobertura acima de 90,0%, com exceção da Região Norte”, que atingiu “cobertura de
80,3%”.73 Esses números, todavia, são incompatíveis com os dados do World Health
Statistics 2018, talvez pela época do levantamento, que, no Indicador 3.b.1 (“Proporção
da população-alvo coberta por todas as vacinas incluídas no seu programa nacional”),
aponta o Brasil com 72%, na 24ª colocação entre 30 países das Américas.74

1.5 Educação
Ainda nos valendo dos dados da PNAD Contínua do IBGE, “a taxa de
analfabetismo no país [das pessoas de 15 anos ou mais de idade] foi de 7,2% em
2016 (o que correspondia a 11,8 milhões de analfabetos), variando de 14,8% no
Nordeste a 3,6% no Sul”. Ademais, “cerca de 66,3 milhões de pessoas de 25 anos
ou mais de idade (ou 51% da população adulta) tinham concluído apenas o
ensino fundamental”, já “no Nordeste, 52,6% sequer haviam concluído o ensino
fundamental”. Por outro lado, menos de 20 milhões (ou 15,3% da população)
“haviam concluído o ensino superior”. 75
Em termos gerais:
No país, 11,2% da população de 25 anos ou mais não tinham instrução; 30,6%
tinham o fundamental incompleto; 9,1% tinham fundamental completo; 3,9%
tinham ensino médio incompleto; 26,3% tinham o ensino médio completo e 15,3%
o superior completo. Portanto, mais da metade da população de 25 anos ou mais
no Brasil possuíam apenas até o ensino fundamental completo. As regiões Norte
e Nordeste registaram os maiores percentuais de pessoas sem instrução, 14,5% e
19,9%, respectivamente. As maiores proporções de nível superior completo foram
estimadas para o Centro-Oeste (17,4%) e Sudeste (18,6%), enquanto as regiões Norte
e Nordeste tiveram as menores proporções, 11,1% e 9,9%. No Nordeste 52,6% da
população não alcançou o ensino Fundamental completo. Na região Sudeste, 51,1%
tinha pelo menos o Ensino Médio Completo.76

73
Brasil em números. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. p. 115 e 117.
74
World Health Organization. World Health Statistics 2018: monitoring health for the Sustainable Devel-
opment Goals (SDGs), p. 43.
75
PNAD Contínua 2016: 51% da população com 25 anos ou mais do Brasil possuíam apenas o ensino
fundamental completo. Agência IBGE notícias. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/
agencia-noticias/2013-agencia-de-noticias/releases/18992-pnad-continua-2016-51-da-populacao-com-25-
-anos-ou-mais-do-brasil-possuiam-apenas-o-ensino-fundamental-completo.html>. Acesso em: 21 abr.
2018. O PNAD 2016 considerou a população brasileira em 205.301.000 pessoas.
76
Agência IBGE notícias, loc. cit.

35
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Não bastasse:
[...] A qualidade do ensino é baixa, particularmente na rede pública, onde estão
90% das matrículas do ensino básico e 75% das do ensino médio. Em 2012, o país
ficou mal classificado no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). No
desempenho em matemática, os estudantes brasileiros se saíram pior que 89% dos
participantes. O desempenho considerado pelo menos adequado (nível 2, ou 482
pontos) foi atribuído a 33% dos brasileiros, bem menos que os 90% de coreanos, os
80% de vinte países e os 70% de outros quarenta países. O Brasil ficou na lista dos
11% com pior desempenho.77

Com base no precitado Pisa 2015, “ficou evidente que os alunos brasileiros
aprendem muito menos que os europeus, canadenses ou coreanos, e estão
atrasados quatro ou cinco anos em relação a colegas de países industrializados”.78
Estudo recente promovido pelo Instituto de Ensino e Pesquisa – Insper,
intitulado Por que o Brasil vai Mal no PISA? Uma Análise dos Determinantes do
Desempenho no Exame, destaca em seu início:
A qualidade da educação no Brasil em comparações internacionais é ruim. Em 2015, o
Brasil ficou na posição 59 a 66, dependendo da disciplina, de 73 regiões e [70] países no
Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Programme for International Student
Assessment - PISA), com médias de notas em matemática (401 pontos), leitura (407
pontos) e ciências (377 pontos) abaixo das médias dos alunos da OCDE [Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico] (de respectivamente 493, 493 e 490
pontos). Essas médias não representaram melhora em relação aos últimos anos. A
média brasileira de ciências tem se mantido estável desde 2006, e a de leitura, desde
2000. A média de matemática apresentou crescimento significativo de 21 pontos
desde 2003, porém diminuiu 11 pontos entre 2012 e 2015 (OCDE, 2016).79

Menos de um terço das crianças com até 3 anos de idade frequentavam


creche, com taxa de escolarização de 30,4%, equivalente a 3,1 milhões de estudantes.
Entre “as crianças de 4 e 5 anos, faixa correspondente à pré-escola, a taxa foi 90,2%,
o equivalente a 4,8 milhões de estudantes”. “Na creche ou pré-escola, a maior parte
estudava em um único turno: somente de manhã, 40,9%, ou somente de tarde,
34,8%; 23,4% estudavam de manhã e tarde”.80
Noutro aspecto, somente “718 mil pessoas frequentavam curso de qualificação
77
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Desafios da nação. Brasília: IPEA, 2018. v. 1. p. 62.
Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=32753
&Itemid=433>. Acesso em: 21 maio 2018
78
Ibidem, p. 66.
79
Sassaki, Alex Hayato et al. Por que o Brasil vai Mal no PISA? Uma Análise dos Determinantes do
Desempenho no Exame. Policy Paper nº 31 (Insper), jun. 2018. Disponível em: <https://www.insper.edu.
br/wp-content/uploads/2018/07/Por-que-Brasil-vai-mal-PISA-Analise-Determinantes-Desempenho.pdf>.
Acesso em: 23 jul. 2018.
80
PNAD Contínua 2016... Agência IBGE notícias. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/
agencia-noticias/2013-agencia-de-noticias/releases/18992-pnad-continua-2016-51-da-populacao-com-25-
-anos-ou-mais-do-brasil-possuiam-apenas-o-ensino-fundamental-completo.html>. Acesso em: 21 abr. 2018.

36
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

profissional em 2016”, ou seja, “entre as pessoas de 14 anos ou mais de idade cujo nível
de instrução alcançou, no máximo, o ensino fundamental completo (ou equivalente),
apenas 08% estava frequentando curso de qualificação profissional” (ibidem).
Na verdade, em 2016, “cerca de 25,8% dos jovens de 16 a 29 anos não
estavam ocupados nem estudavam”, os chamados “nem nem”. “A maior incidência
de jovens que não estudavam nem estavam ocupados se encontrava entre jovens
com o fundamental incompleto ou equivalente (38,4%)”.81
Mudando de ângulo, convém ainda analisar o grau de alfabetismo no Brasil,
com exame do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), pesquisa idealizada
pelo Instituto Paulo Montenegro (IPM) e pela ONG Ação Educativa, e realizado com
o apoio do IBOPE Inteligência, com o objetivo de mensurar o nível de alfabetismo
da população brasileira entre 15 e 64 anos, avaliando suas habilidades e práticas de
leitura, de escrita e de matemática aplicadas ao cotidiano.
O INAF apresenta os seguintes cortes dos grupos de alfabetismo, em 2015:
Analfabeto, Rudimentar, Elementar, Intermediário, Proficiente. As habilidades que
caracterizam esses cinco grupos de alfabetismo estão assim descritas:
Analfabeto: Corresponde à condição dos que não conseguem realizar tarefas simples
que envolvem a leitura de palavras e frases ainda que uma parcela destes consiga ler
números familiares (números de telefone, preços, etc.).
Rudimentar: Localiza uma ou mais informações explícitas, expressas de forma
literal, em textos muito simples (calendários, tabelas simples, cartazes informativos)
compostos de sentenças ou palavras que exploram situações familiares do cotidiano
doméstico. Compara, lê e escreve números familiares (horários, preços, cédulas/
moedas, telefone) identificando o maior/menor valor. Resolve problemas simples
do cotidiano envolvendo operações matemáticas elementares (com ou sem uso
da calculadora) ou estabelecendo relações entre grandezas e unidades de medida.
Reconhece sinais de pontuação (vírgula, exclamação, interrogação, etc.) pelo nome
ou função.
Elementar: Seleciona uma ou mais unidades de informação, observando certas
condições, em textos diversos de extensão média realizando pequenas inferências.
Resolve problemas envolvendo operações básicas com números da ordem do milhar,
que exigem certo grau de planejamento e controle (total de uma compra, troco,
valor de prestações sem juros). Compara ou relaciona informações numéricas ou
textuais expressas em gráficos ou tabelas simples, envolvendo situações de contexto
cotidiano doméstico ou social. Reconhece significado de representação gráfica de
direção e/ou sentido de uma grandeza (valores negativos, valores anteriores ou
abaixo daquele tomado como referência).
81
Síntese dos Indicadores Sociais: um em cada quatro jovens do país não estava ocupado nem estudava em
2016. 15.12.2017. Agência IBGE notícias. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-
-noticias/2013-agencia-de-noticias/releases/18824-sintese-dos-indicadores-sociais-um-em-cada-quatro-
-jovens-do-pais-nao-estava-ocupado-nem-estudava-em-2016.html>. Acesso em: 22 abr. 2018.

37
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Intermediário: Localiza informação expressa de forma literal em textos diversos


(jornalístico e/ou científico) realizando pequenas inferências. Resolve problemas
envolvendo operações matemáticas mais complexas (cálculo de porcentagens e
proporções) da ordem dos milhões, que exigem critérios de seleção de informações,
elaboração e controle em situações diversas (valor total de compras, cálculos de juros
simples, medidas de área e escalas). Interpreta e elabora síntese de textos diversos
(narrativos, jornalísticos, científicos), relacionando regras com casos particulares a
partir do reconhecimento de evidências e argumentos e confrontando a moral da
história com sua própria opinião ou senso comum. Reconhece o efeito de sentido
ou estético de escolhas lexicais ou sintáticas, de figuras de linguagem ou sinais de
pontuação.
Proficiente: Elabora textos de maior complexidade (mensagem, descrição, exposição
ou argumentação) com base em elementos de um contexto dado e opina sobre o
posicionamento ou estilo do autor do texto. Interpreta tabelas e gráficos envolvendo
mais de duas variáveis, compreendendo elementos que caracterizam certos modos
de representação de informação quantitativa (escolha do intervalo, escala, sistema
de medidas ou padrões de comparação) reconhecendo efeitos de sentido (ênfases,
distorções, tendências, projeções). Resolve situações-problema relativos a tarefas
de contextos diversos, que envolvem diversas etapas de planejamento, controle e
elaboração, que exigem retomada de resultados parciais e o uso de inferências.82

A longa descrição de habilidades justifica-se para bem compreender


a gravidade das conclusões da pesquisa: Analfabeto, 4%. Rudimentar, 23%.
Elementar, 42%. Intermediário, 23%. Proficiente, 8%. Como analfabeto e rudimentar
caracterizam analfabetos funcionais, chega-se a 27% de analfabetos funcionais.
Entre os classificados como alfabetizados funcionalmente, a maioria é elementar
(42%), e apenas 8% “estão no último grupo de alfabetismo, revelando domínio de
habilidades que praticamente não mais impõem restrições para compreender e
interpretar textos em situações usuais e resolvem problemas envolvendo múltiplas
etapas, operações e informações”.83
Curioso notar, inclusive, que “a grande maioria de quem chegou ou concluiu
a educação superior permanece nos grupos Elementar (32%) e Intermediário (42%),
enquanto apenas 22% situam-se na condição de Proficiente da escala considerada”,84
e 4% estão no grupo Rudimentar, ou seja, são analfabetos funcionais.85

82
INAF – Indicador de Alfabetismo Funcional, São Paulo, maio 2016. p. 4 e 5. Disponível em: <https://
drive.google.com/file/d/0B5WoZxXFQTCRRWFyakMxOTNyb1k/view>. Acesso em 22 abr. 2018.
83
Ibidem, p. 7.
84
INAF – Indicador de Alfabetismo Funcional, São Paulo, maio 2016. p. 9. Disponível em: <https://drive.
google.com/file/d/0B5WoZxXFQTCRRWFyakMxOTNyb1k/view>. Acesso em 22 abr. 2018. Atente-se,
porém, como destacamos em itálico, que: “O grau de escolaridade indicado na tabela informa sobre o in-
gresso do sujeito na etapa descrita e não a conclusão da mesma.”
85
INAF, p. 8, tabela 2a.

38
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

1.6 Mercado de trabalho


Com a recessão econômica, dados de 2016 indicam o desemprego (12%),
o aumento do peso das ocupações de trabalhadores por conta própria (24,7%) e
a parcela de empregados sem carteira de trabalho assinada (18,5% do total das
ocupações).86 Este recorte, de assalariamento sem carteira, ressalte-se, “está associado
não apenas à precariedade do trabalho, mas constitui ilegalidade flagrante. Assim,
um em cada cinco postos de trabalho no Brasil está nessa situação de ilicitude”.87
Noutro giro, a composição do pessoal ocupado de acordo com a
contribuição, ou não, para algum instituto de previdência, demonstra que ainda é
baixa a cobertura previdenciária no País, “ligeiramente acima de 60%”.88 No Norte e
no Nordeste o percentual de não-contribuintes é maior do que o de contribuintes.89
Segundo dados mais recentes, como se vê do Agência IBGE Notícias, de 27
de abril de 2018:
A taxa de desocupação do trimestre encerrado em março de 2018 chegou a 13,1%,
com aumento de 1,3 ponto percentual em relação ao último trimestre do ano passado
(11,8%). O total de pessoas desocupadas também cresceu no período, passando de
12,3 milhões para 13,7 milhões. Houve um aumento de 11,2% nesse contingente, ou
mais 1,4 milhões de desempregados no país.90

A distribuição das pessoas ocupadas segundo classes de rendimento mensal


do trabalho, em 2015, “revela que um quarto dos trabalhadores recebeu no máximo
um salário mínimo, enquanto mais da metade não superou o patamar de dois
salários mínimos”, quadro que se torna ainda mais inquietante “se for levado em
conta que cerca de outros 6% sequer receberam algum rendimento”.91 É a chamada
inserção tangencial no mercado de trabalho, “entendida como a participação
como trabalhador não remunerado, na produção para o próprio consumo ou na
construção para o próprio uso”, que representava “6,1% na esfera nacional em 2015”,
mas chegava na Região Nordeste a “11,2% dos ocupados”.
Por falar em salário mínimo, ou, melhor, no valor do salário mínimo, o Brasil
não está em boa colocação na América Latina, como se vê em valores de 2018,
com salário de cerca de US$  295.00 (R$  954,00), é ultrapassado pelo Panamá
(US$  721.00), Costa Rica (US$  512.00), Uruguai (US$  431.00), Chile (US$  413.00),
86
Síntese de indicadores sociais 2017. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. p. 14-15.
87
Brasil em números. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. p. 179.
88
Ibidem. p. 181.
89
Ibid. p. 190, gráfico 7.4.
90
Desemprego volta a crescer no primeiro trimestre de 2018. Disponível em: <https://agenciadenoticias.
ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20995-desemprego-volta-a-crescer-no-
-primeiro-trimestre-de-2018>. Acesso em: 18 jul. 2018.
91
Brasil em números. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. p. 181.

39
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Equador (US$  386.00), Guatemala (US$  380.00), Paraguai (US$  368.00), Honduras
(US$ 341.00), Argentina (US$ 340.00), El Salvador e Bolívia (US$ 300.00), e está na 12ª
posição, à frente apenas da República Dominicana (US$ 288.00), Peru (US$ 283.00),
Colômbia (US$  262.00), México (US$  141.00), Nicarágua (US$  115.00), Venezuela
(US$ 37) e Cuba (US$ 29,6).92
É certo, no entanto, que o almejado fim da recessão possibilitará o aumento
do nível de ocupação e o desenvolvimento econômico ensejará a diminuição desse
problema de modo mais rápido do que a necessária correção de nossos graves
problemas sociais. Por isso, o tema não se põe com a mesma importância para o
presente trabalho.
Uma última observação, todavia, afigura-se apropriada, inclusive porque
decorrente dos precitados sérios problemas sociais, e que transcende índices de
ocupação: a produtividade dos trabalhadores. Com efeito: “A composição por
escolaridade da população ocupada [...], mostra que há ainda um longo caminho a
percorrer para atingir patamares que garantam níveis de produtividade satisfatórios,
na medida em que quase um terço dos ocupados não chegou a completar o ensino
fundamental”.93
Aliás, e também pelo pouco investimento em pesquisa e desenvolvimento
(P&D), bem como em ciência e tecnologia (C&T), a “produtividade brasileira não
cresce – ou cresce muito pouco – desde o final dos anos 1970, e o leve movimento
ascendente registrado a partir de 2000 não foi suficiente para superarmos desafios
estruturais, pois decorreu mais de um aumento na mão de obra ocupada que da
expansão de investimento”.94

1.7 Breve nota à guisa de conclusão


Nossos problemas sociais são imensos. A projeção de universalização
do saneamento básico é para, no mínimo, cerca de duas décadas, com estudos
no sentido de que, pela redução de investimentos, pode demorar quase quatro
décadas. A situação da educação é lastimável, com taxa de analfabetismo de 7,2%;
de analfabetismo funcional 27%; ensino fundamental incompleto 30,6% e por aí vai
até chegar a 4% de analfabetos funcionais entre aqueles que alcançam ou concluem
o ensino superior. O serviço de saúde pública é precário, com taxa de mortalidade
92
Salario Mínimo en Latinoamérica. Disponível em: <http://salariominimo.com.mx/comparativa-salario-
-minimo-latinoamerica/>. Acesso em: 10 dez. 2018.
93
Brasil em números. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. p. 177-179.
94
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Desafios da nação. Brasília: IPEA, 2018. v. 1. p. 110.

40
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

infantil e mortalidade materna elevadas, considerável nível de óbitos por doenças


associadas à pobreza e altíssimo índice de mortes e incapacitação por acidentes de
veículos ou violência decorrente da severa falta de segurança pública.
A solução de tão graves e tão amplos problemas, que exigem sérias e
múltiplas escolhas eminentemente políticas, dentre miríades de possibilidades e
termos de alternativa, a reclamar dados técnicos especializados e conhecimento
global dos recursos disponíveis para cada uma das alvitradas destinações, não se
amolda nem se reduz ao processo e à prestação jurisdicional, e alguma coisa vai
muito mal quando se espera que o Poder Judiciário resolva esses problemas.

41
2 Considerações Gerais

2.1 A classificação dos direitos sociais


Convém destacar, desde logo, que as expressões direitos sociais, direitos
fundamentais, mínimo existencial não são definidas pela doutrina com clareza
e, sob a perspectiva da “sindicabilidade judicial”, as conclusões muitas vezes se
misturam, sem permitir precisa delimitação.
Em sentido mais amplo, com inexcedível autoridade, assevera Canotilho:
[...] A nosso ver, paira sobre a dogmática e sobre a teoria jurídica dos direitos
económicos, sociais e culturais a carga metodológica da “vagueza”, “indeterminação”
e “impressionismo” que a teoria da ciência vem apelidando, em termos caricaturais,
sob a designação de “fuzzysmo” ou “metodologia fuzzy”. Em abono da verdade, este
peso retórico é hoje comum a quase todas as ciências sociais.95

Nesse contexto, a menção a “direitos fundamentais sociais” no título deste


trabalho não representa acolhimento conceptual da teoria sobre a redução da
jusfundamentalidade dos direitos sociais ao mínimo existencial, que teria eficácia
plena e justiciabilidade. Nem perfilhamos qualquer corrente relativa ao primado dos
direitos sociais ou à indivisibilidade dos direitos humanos, “que compreenderiam
os direitos fundamentais e os sociais”, como exposto com a mestria habitual pelo
eminente professor Ricardo Lobo Torres.96
Além de ser flagrantemente reconhecido que “não há fronteira nítida” entre
“direitos fundamentais e direitos sociais”, e que “o mínimo existencial aparece, não
raro, emburilhado com os direitos sociais, sendo missão deveras difícil detectar-
lhes a jusfundamentalidade”,97 o critério se afigura tênue, com significativa área de
penumbra e transição.
Como ensina Gustavo Amaral: “Haveria, portanto, uma ampla zona de transição
95
“Metodologia fuzzy” e “camaleões normativos” na problemática actual dos direitos económicos, sociais
e culturais. In: Estudos sobre direitos fundamentais. 2. ed. Coimbra: Coimbra Ed.; São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008. p. 97-113, espec. p. 99 – grifado no original.
96
TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de janeiro: Renovar, 2009. p. 9, 40 et seq.
97
Ibidem, p. 17 e 13, respectivamente.
43
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

entre o mínimo existencial e o ‘não mínimo’”, e “como associar um resultado binário,


exigível x não exigível a um gradualismo? O resultado desse confronto nos parece ser
a abertura de um enorme campo para o subjetivismo, ou mesmo para o ‘achismo’”.98
Felipe de Melo Fonte, ao adotar e aprofundar o discrímen “mínimo x não-
mínimo” para embasar a justiciabilidade, e afirmar que do gradualismo “não decorre
a impossibilidade real de se buscar uma linha que separe o que é mínimo existencial
e os direitos cuja concessão está sujeita à deliberação democrática (em abstrato
ou diante de um caso particular)”, admite que “não está excluída a redução do
mínimo a patamares inferiores aos apresentados neste [naquele] capítulo”,99 mas se
há possibilidade de reduzir o mínimo a patamares inferiores, na verdade o mínimo
não é mínimo, ou é um mínimo meramente relativo,100 abrindo realmente espaço
para o subjetivismo.
Ressalte-se, no particular, o cuidadoso trabalho realizado por Ana Paula
de Barcellos na busca da determinação do conteúdo do mínimo existencial, que
seria composto “de quatro elementos, três materiais e um instrumental, a saber: a
educação fundamental, a saúde básica, a assistência aos desamparados e o acesso
à Justiça”, os quais correspondem ao “núcleo da dignidade da pessoa humana a
que se reconhece eficácia jurídica positiva e, a fortiori, o status de direito subjetivo
exigível diante do Poder Judiciário”.101 É certo que a dileta professora traz vários
elementos concretos de possível delimitação,102 mas cogita que sua proposta do
mínimo existencial pode ser superada.103
Assim, a construção de um mínimo existencial visa a fixar pontos que poderiam
ser imediatamente exigidos judicialmente, independente de interpositio legislatoris,
mas o conceito é substancialmente relativo e representa uma limitação, ao nosso ver,
artificial. O mínimo de São Paulo ou Santa Catarina não é genericamente o mesmo do
Maranhão ou do Piauí;104 o mínimo de hoje não será, provavelmente, o mínimo de
98
Direito, escassez e escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas.
2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 118.
99
Políticas públicas e direitos fundamentais: elementos de fundamentação do controle jurisdicional de
políticas públicas no Estado Democrático de Direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 226-227 – grifado
no original.
100
Gustavo Amaral salienta: “Não empregamos a expressão ‘mínimo existencial’ porque nos parece um
tanto contraditório estabelecer gradação do superlativo absoluto sintético de pequeno”. Direito, escassez
e escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. 2. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 120.
101
A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002. p. 258.
102
Ibidem, p. 148 et seq. e 260 et seq.
103
Ibid., p. 258.
104
Na crítica de Gustavo Amaral: “O mínimo existencial é o mesmo em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo
e interior de Alagoas e de Piauí? Se a resposta for positiva, então a escassez de recursos não estará sendo
considerada. Se a resposta for negativa, então parecerá que foi incluída uma ‘condição’ que afasta a exi-
gibilidade ‘incondicional’”. Direito, escassez e escolha. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 102.

44
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

amanhã. A Constituição se refere a “direitos”, sem referências a mínimos, e por que


pretender limitar sua eficácia positiva ao que seria absolutamente elementar?
Como procuramos demonstrar no capítulo anterior, ainda que de forma
breve e sucinta, não seria materialmente possível realizar hoje, no Brasil, nem
sequer a proteção do mínimo existencial para toda a população, mesmo que seja
ele considerado como “renda mínima, saúde básica e educação fundamental”,105 e,
portanto, do ponto de vista da tutela jurisdicional as questões que se põem são
inexoravelmente as mesmas dos direitos sociais.
Quando a doutrina se esforça para definir um núcleo básico ou um mínimo
prontamente exigível, uma norma-regra de imediata subsunção, aludindo a direito
subjetivo público que pode ser vindicado individualmente, decerto não almeja – ou não
deveria almejar – satisfazer um único indivíduo. Vejamos o caso do ensino fundamental,
que o art. 208, § 1º, da Constituição Federal reconhece como “direito público subjetivo”,
pelo que “o indivíduo poderá exigir judicialmente uma vaga em alguma escola
pública”.106 Nessa linha, não havendo vaga, o particular poderia, por exemplo, pedir
ao Judiciário a condenação do “Estado a custear o estudo do menor em escola privada
existente na área”,107 em uma “instituição de ensino privada de padrão e custo similares
ao da pública até que a Administração esteja em condições de prestar o serviço”.108
Deixando de lado, por ora, questões específicas, será que a obtenção da
vaga exclusivamente por Tício, filho de Mévio, atenderia à mens Constitutionis?
A probabilidade de faltar apenas uma vaga é ínfima e, naturalmente, a questão
abrangeria a falta de vagas para diversas (ou muitas) crianças, e a pretensão à
vaga, inclusive, se necessário, em escola privada, mencionada individualmente,
certamente quer significar a aspiração de exercício da pretensão por todas aquelas
crianças, pois só assim seriam efetivamente respeitados os fundamentos e os
objetivos essenciais da República Federativa do Brasil (artigos 1º, III, e 3º, I a IV, da CF).
Vale dizer: mesmo aludindo à tutela individual, o que se quer, em conformidade com
a Constituição, é a satisfação de todos na mesma situação, nos limites do possível.
Não é à toa, por conseguinte, que se costuma exigir ou enaltecer a tutela coletiva
dos direitos sociais.109
105
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro.
Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, n. 225, p. 5-37, jul./set. 2001. p. 31.
106
Barcellos, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade
da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 261.
107
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. Rio de Janeiro:
Renovar, 1990. p. 144.
108
Barcellos, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade
da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 264.
109
Canela Junior, Osvaldo, p. ex., assevera: “O processo coletivo é o instrumento adequado à efe-

45
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Pode até vir à mente, de súbito e com simplicidade, que satisfazer alguém é
melhor do que não satisfazer ninguém, mas a equação se torna intrincada quando
se leva em conta, por respeito à realidade, que a satisfação aleatória de alguns pode
dificultar ou comprometer a satisfação de todos. Lembre-se que no Brasil não há
apenas duas dúzias de pessoas aquém do que representaria o mínimo existencial.
Como se viu no capítulo anterior, nossos indicadores sociais, na área de saúde,
estão, muitas vezes, abaixo dos piores índices da América do Norte, Europa e Ásia
Oriental, não raro à frente apenas dos piores indicadores de alguns países da África.110
Além disso, quase 10% da população tinha rendimentos inferiores a R$ 170,00 por mês,
e 25,4% menos de R$ 387,07 mensais, na linha da extrema pobreza e da pobreza;111
27% da população não tem o esgoto sequer coletado e 45% não tem o esgoto tratado;
apenas um terço das crianças com até 3 anos de idade frequentavam creche, com
taxa de escolarização de 30,4%, cerca de somente 3,1 milhões de estudantes; a taxa
de analfabetismo total no país (das pessoas de 15 anos ou mais de idade) foi de 7,2%
em 2016 (o que correspondia a 11,8 milhões de analfabetos), e a de analfabetismo
funcional de 27% da população; 11,2% da população de 25 anos ou mais não tinha
instrução em 2016, e 30,6% tinham o fundamental incompleto.
Pois bem, diante da dura realidade, como desconsiderar a situação global e
a evidente escassez de recursos; como assegurar, de imediato, por decisão judicial,
cerca de 63 milhões de vagas para a educação fundamental, 112 inclusive para
aqueles que a ela não tiveram acesso na idade própria (art. 208, incisos I e II, e § 1º,
da CF), ou cerca de 6 milhões de vagas em creche (arts. 7º, XXV, e 208, IV, da CF)?
Ao apreciar essas questões, questões de direito social, ainda que básicas, não
cabe ao juiz, como veremos em capítulos futuros, deixar de analisar as políticas públicas
existentes (p. ex.: Bolsa Família, Lei 10.836/04; assistência social, arts. 203 e 204 da CF, Lei
8.742/93; Programa Educação Básica) e, para eventuais correções ou incrementos, ex vi
Constitutionis, deverá examinar competências constitucionais e dotações orçamentárias,
a não ser que se imaginem concessões a esmo e, destarte, arbitrárias.
tivação dos direitos fundamentais sociais, dada a sua inequívoca natureza difusa” (Controle judicial de
políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 173, conclusão 26). Conquanto a ideia do “processo coleti-
vo” nos pareça perfeita, a “inequívoca natureza difusa” será adiante questionada. Fonte, Felipe de Melo
sustenta a “preferência da tutela coletiva sobre tutela individual”, referindo-se à “hierarquização de tutelas”
(Políticas públicas e direitos fundamentais: elementos de fundamentação do controle jurisdicional de polí-
ticas públicas no Estado Democrático de Direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 197).
110
Vejam-se os dados do World Health Statistics 2018, no item 1.4, do Capítulo I, supra.
111
Com cerca de 21% da população beneficiada pelo programa Bolsa Família. Marchesini, Lucas.
Benefícios do Bolsa Família sustentam 21% da população do país. Valor Econômico, Brasília, 5 fev. 2018.
Disponível em: <http://www.valor.com.br/brasil/5306087/beneficios-do-bolsa-familia-sustentam-21-da-
-populacao-do-pais>. Acesso em: 28 maio 2018.
112
Aproximadamente 30,6% da população, perto de 207 milhões de pessoas.

46
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

De outro modo, aliás, a concepção de decisões judiciais em quantidade,


com relação a direitos sociais, que encerram o valor igualdade,113 em nível individual,
para satisfação de alguns, cria nítidas distorções e transforma o Poder Judiciário em
instrumento para contornar ou burlar imprescindíveis políticas públicas, estabelecendo
funesta competição de quem conseguir primeiro a decisão (liminar ou definitiva)
obtém primeiro o direito, com relação a direitos que, a rigor, são da sociedade.114
Dessa competição, todavia, normalmente não participam as “pessoas invisíveis de tão
pobres”,115 e o Judiciário pode, em vez de “remover as injustiças [sociais] encontradas
na sociedade”,116 contribuir para agravá-las, até mesmo porque, de ordinário, quanto
mais houver decisões individuais, mais difícil será estabelecer, com eficiência e
economicidade, a política pública universal, isonômica – et pour cause –, adequada.
Essa preocupação é muito bem destacada pela culta e brilhante professora
Ana Paula de Barcellos, na perspectiva além do mínimo existencial:
Muitas vezes, o magistrado imagina, que negar o pedido de um autor, sob o
fundamento de que não fará qualquer diferença prática, se trata de uma prestação
de saúde básica, pois duvida que os recursos em questão serão aplicados pelo
Poder Público no setor, portanto, garantir a saúde ao menos desse indivíduo real,
já que ele [o magistrado] não tem controle sobre o restante. Ainda que isso possa
ser eventualmente verdadeiro, o certo é que, ao determinar o fornecimento de
outras prestações de saúde além do mínimo existencial, sem fundamentar-se em
uma decisão política pública, o Judiciário também não está contribuindo para a
generalização da saúde básica.
Muito ao revés, tais decisões judiciais acabam por se transformar, involuntariamente,
em veículos de uma tradicional ação de distribuição de renda no âmbito da sociedade
brasileira: todos custeiam, sem que tenham decidido fazê-lo, determinadas
necessidades de alguns, que tiveram condições de ir ao Judiciário e obtiveram uma

113
“Os direitos sociais, também chamados direitos de igualdade, correspondem à segunda geração dos
direitos humanos”. BARRETTO, Vicente de Paulo. Reflexões sobre os direitos sociais. Revista Quaestio
Iuris, v. 04, nº 01, p. 488-512, 2011, espec. p. 505. Vide, porém, a crítica de Flávio Galdino à adoção dessa
ordem entre nós, pois, “no que concerne ao Brasil, especificamente, é lícito afirmar – em linhas simplifi-
cadas – que, ao contrário do que ocorreu na prática institucional inglesa, na práxis brasileira vieram em
primeiro lugar os direitos sociais [...]”. Introdução à teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem em
árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 171.
114
Referindo-se ao tema “primeiro a obter liminar, primeiro a ser atendido”, em relação a concursos públi-
cos, observa Gustavo Amaral: “O conflito entre critérios adotados numa ótica de microjustiça e critérios
adotados numa ótica de macrojustiça põe em questão um somatório de escolhas individuais racionais que
produzem um resultado coletivo irracional [...]” Direito, escassez e escolha: critérios jurídicos para lidar
com a escassez de recursos e as decisões trágicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 97)..
115
A significativa frase aspeada é de Luís Roberto Barroso, com sua sensibilidade única. É preciso estabe-
lecer como meta uma razoável duração do processo. Revista Consultor Jurídico, 5 set. 2016, Disponível
em: <https://www.conjur.com.br/2016-set-05/entrevista-luis-roberto-barroso-ministro-supremo>. Acesso
em: 28 maio 2018.
116
BARRETTO, Vicente de Paulo. Reflexões sobre os direitos sociais. Revista Quaestio Iuris, v. 04, nº 01,
p. 488-512, 2011, espec. p. 507-508.

47
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

decisão favorável. Note-se que no caso do mínimo existencial, diferentemente, há sim


uma decisão política fundamental – constitucional –, pela qual toda a sociedade se
comprometeu a custeá-la para assegurar a dignidade de todos os homens.117

Em substância, entretanto, a nosso ver, com a máxima vênia, mesmo em se


tratando de mínimo existencial (escasso!), as decisões judiciais em benefício individual
acabam por se transformar em veículos para atender as necessidades de alguns, que
tiveram condições de ir ao Judiciário e obtiveram decisões favoráveis, sem que a
decisão individual sequer contribua “para a generalização da saúde básica”.118
Voltando ao exemplo do ensino fundamental: o autor do processo obtém
vaga na escola particular, várias outras crianças – que não buscaram ou não tiveram
acesso ao Judiciário – continuarão sem escola, havendo discriminação indevida.
A solução constitucionalmente mais adequada não seria buscar o juiz – em
diálogo com as autoridades públicas –, valendo-se da ação proposta, decisões
capazes de desenvolver a política pública que atenda, quanto antes, ao autor e ao
maior número possível de crianças na mesmíssima penúria?
É certo, no entanto, convém deixar claro, que a concessão judicial de
prestações que extrapolem o mínimo existencial, diante de nossa triste situação,
representa, sem dúvida, mal maior, mas nem por isso pode o Judiciário desconsiderar
o sistema jurídico constitucional (como um todo) e as políticas públicas, ou seja, a
perspectiva social, quando apreciar demandas abrangendo renda mínima, saúde
básica, educação fundamental.
Assim sendo, as referências a direitos fundamentais sociais no título e no texto
deste trabalho, em primeiro lugar, seguem a linha dos autores que a eles fazem
menção por estarem previstos na Constituição da República,119 e, em segundo
lugar, visam, precipuamente, a fixar a questão das políticas públicas e da tutela
jurisdicional a partir de seu elemento mais grave, já que, seguindo a lição de
Gustavo Amaral, quanto mais essencial for a prestação, mais excepcional deverá ser a
razão para que ela não seja atendida.120
Em poucas palavras: o intrinsecamente relativo mínimo existencial pode
constituir valor a ser considerado, mas não parâmetro para a incondicional
concessão jurisdicional de prestações individuais positivas. Na verdade, nada que
exija dispêndio de recursos públicos, pode ser absoluto e incondicional.
117
A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002. p. 276.
118
Grifo nosso.
119
Cf., p. ex., MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 831.
120
AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos
e as decisões trágicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 120.

48
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

2.2 A inafastabilidade do controle jurisdicional


Mais do que isso, porém, a problemática teórica exposta no item anterior,
tão debatida por constitucionalistas e internacionalistas, gravita, na realidade,
em torno da chamada justiciabilidade,121 a qual, a rigor, mesmo que seja negada a
jusfundamentalidade, nesta ou naquela hipótese, jamais poderia ser interpretada
como eventual vedação de acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF),
sendo, por conseguinte, premissa irrelevante para este estudo, já que, proposta a
ação e alegada a violação à Constituição, ao juiz caberá julgar o(s) pedido(s) ou,
excepcionalmente, extinguir o processo sem resolução do mérito, e é exatamente a
atuação da Justiça que nos interessa.
Referindo-se à justiciabilidade das políticas públicas, ressalta Maria Paula
Dallari Bucci, “[q]ue essa justiciabilidade existe, ninguém há de negar, em face do
artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal. Os modos de exercê-la, no entanto, são
vários, alguns mais ‘compreensíveis’ pela ordem jurídica em vigor – é o caso da ação
civil pública, por exemplo – e outros menos”.122

2.3 A proteção judicial


Como parece possível depreender do subitem 2.1, supra, a distinção entre
princípios, regras e direitos subjetivos, consoante vêm debatendo, com grande
intensidade, os publicistas, ainda está relacionada, ao menos em parte, à chamada
justiciabilidade, direta e imediata, dos direitos sociais.
Noutro enfoque, para nós fundamental, com inspiração em estudo de Stephen
Holmes e Cass R. Sunstein,123 que demonstraram que também os denominados
“direitos negativos” ou direitos da liberdade – e não apenas os “direitos positivos” ou
direitos a prestações do Estado – têm elevado custo, foi incorporada à discussão sobre
a exigibilidade dos direitos sociais a noção indispensável do custo dos direitos.124
Assim, adveio excelente obra de Flávio Galdino, na qual foi extensa e
121
Neologismo equívoco e estranho ao nosso sistema jurídico.
122
Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 257-258.
123
The cost of rights: why liberty depends on taxes. New York: W. W. Norton & Company, 1999.
124
Curioso notar que Luís Fernando Sgarbossa lançou livro intitulado Crítica à teoria dos custos dos di-
reitos: reserva do possível. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2010. v. 1. Todavia, no primeiro volume, o único
publicado, apenas cuidou do subtítulo, a reserva do possível, com exceção do subitem 2.2.4 (p. 198-214),
onde, após tentar resumir, em tom crítico, as obras de Flávio Galdino e Gustavo Amaral, que serão mencio-
nadas a seguir no texto, promete: “Crítica substancial à Análise Econômica do Direito será feita no segundo
volume desta obra, para a qual se remete o leitor.” Mas, apesar da remissão e dos anos decorridos, ao que
se sabe, o segundo volume ainda não foi lançado.

49
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

profundamente sustentada a necessidade de que “o direito, em especial o direito


público, leve a sério – pragmaticamente – a escassez de recursos”.125 E adverte:
Antes de ser uma inimiga ou um mero artifício ideológico para denegação de direitos,
a compreensão da escassez de recursos – ao lado da correta compreensão dos custos
dos direitos – através de análises de custo-benefício, significa um meio de converter
o Direito em um poderoso instrumento de transformação social, representando
também, até mesmo, uma justificativa para o próprio direito.126

Dessa forma, na lição do autor, “não se admite mais a afirmação de um


direito fundamental sem a necessária inclusão e séria consideração acerca dos seus
custos”, e, assim, “incluindo os custos no conceito de direito fundamental, podemos
falar em um conceito pragmático de direito fundamental”.127 Não obstante, pouco
antes, os direitos fundamentais foram reconhecidos “como direitos subjetivos,
representando situações valoradas positivamente pelo ordenamento jurídico – aí
entendido também e principalmente o momento de aplicação do Direito [...]”.128
Desenvolvendo a ideia, em seguida, assevera Galdino: “Como se pode observar,
a própria justiciabilidade de um invocado direito fundamental depende da aferição
das possibilidades reais – entenda-se orçamentárias. Mais do que isso, depende da
demonstração de que os benefícios justificam tais custos (em vez de outros)”.129
Gustavo Amaral, num primeiro momento, refere-se à “pré-compreensão
quanto à dimensão positiva dos direitos fundamentais”, para afirmar: “Para a
correta compreensão dessas pretensões positivas, deve o intérprete pressupor a
limitação de recursos para atender a todos e, assim, deve pressupor a existência e
a legitimidade de decisões alocativas pelo Estado, [...] com vistas à concretização
dessas normas”.130
Em post scriptum para a segunda edição de seu livro, além de conservar a
ideia de que “[é] necessário ter, como elemento de pré-compreensão, que a escassez
é limite ao conteúdo das pretensões positivas”, e que “[a] interpretação deve ter isto
em consideração”,131 Amaral destaca que “[a] decisão do caso é ato de aplicação do
direito, que detém relevância própria em relação à interpretação”,132 e conclui:
125
Introdução à teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2005. p. 252.
126
Introdução à teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2005. p. 252.
127
Ibidem, p. 339 – negrito no original.
128
Ibid., p. 336.
129
Ibid., p. 342.
130
Direito, escassez e escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trági-
cas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 109.
131
Op. cit., p. 182.
132
Op. cit., p. 183. Convém transcrever, para melhor compreensão, trecho anterior do autor: “Agora – e aqui
reside o ponto central da evolução entre o que exposto na versão originária e na atual – nos parece que é

50
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Na aplicação é preciso ter em consideração o caso concreto. Ele inclui não apenas a
necessidade relativa àqueles indicados ou referidos na demanda, mas também os
resultados que razoavelmente se pode esperar (1) da enunciação como regra de que
todos os casos com as mesmas características devem ser ou não atendidos e (2) da
indisponibilidade dos meios utilizados para atender aos beneficiados pelo pedido
para atender a outros. O órgão que foi para um não vai para outro, o remédio que
um recebeu o outro não toma, construído o centro de referência para queimados, os
tuberculosos não serão ali atendidos.133

A consideração dos custos dos direitos sociais foi destacada por José Joaquim
Gomes Canotilho: “Hoje, como ontem, os direitos sociais, econômicos e culturais
colocam um problema incontrolável: custam dinheiro, custam muito dinheiro”,
aludindo à “reserva das caixas financeiras” e à “reserva do possível”,134 para, depois
de alguns reparos e observações críticas, assentar:
[...] Parece inequívoco que a realização dos direitos económicos, sociais e culturais
se caracteriza: (1) pela gradualidade da realização; (2) pela dependência financeira
relativamente ao orçamento do Estado; (3) pela tendencial liberdade de conformação
do legislador quanto às políticas de realização destes direitos; (4) pela insusceptibilidade
de controlo jurisdicional dos programas político-legislativos, a não ser quando se
manifestam em clara contradição com as normas constitucionais, ou transportem
dimensões manifestamente desrazoáveis. Reconhecer estes aspectos não significa a
aceitação acrítica de alguns ‘dogmas’ contra os direitos sociais.135

Além da irrefragável relevância do custo dos direitos sociais, convém


salientar o caráter essencialmente principiológico desses direitos,136 em razão da
intrínseca gradualidade. Na respeitada lição de Robert Alexy, assaz difundida entre
nós, “[o] ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são
normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro
das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”. Desta forma: “Princípios são [...]
mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em
preciso separar a interpretação da aplicação do Direito. A questão da escassez tem papel mais relevante na
aplicação do direito do que na especificação de seu conteúdo sem ser em vista de um caso concreto” (op.
cit., p. 151 – grifado no original).
133
Direito, escassez e escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trági-
cas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 183 – grifado no original.
134
“Metodologia fuzzy” e “camaleões normativos” na problemática actual dos direitos económicos, sociais
e culturais. In: Estudos sobre direitos fundamentais. 2. ed. Coimbra: Coimbra Ed.; São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008. p. 97-113, espec. p. 106-107.
135
Ibidem, p. 107 – grifado no original.
136
“No plano normativo (operacional), considerando que as normas jurídicas são estabelecidas e com-
preendidas fundamentalmente em sentido principiológico e atentando também para que o aplicador do
Direito deve ponderá-las no momento da respectiva aplicação – a chamada ponderação ad hoc –, convém
considerar também nessa operação as possibilidades fáticas ou reais e, mais do que isso, analisar os custos
e benefícios de determinada medida” (Galdino, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos:
direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 341).

51
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende
somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas”.137
O mais interessante é que, em palestra proferida no Brasil, em dezembro de
1998, referindo-se inclusive à nossa Constituição, afirmou Alexy:
A teoria dos princípios é capaz não só de estruturar racionalmente a solução de colisões
de direitos fundamentais. Ela tem ainda uma outra qualidade que, para os problemas
teórico-constitucionais que devem aqui ser considerados, é de grande significado.
Ela possibilita um meio-termo entre vinculação e flexibilidade. A teoria das regras
conhece somente a alternativa: validez ou não-validez. Em uma constituição como
a brasileira, que conhece numerosos direitos fundamentais sociais generosamente
formulados, nasce sobre esta base uma forte pressão de declarar todas as normas
que não se deixam cumprir completamente simplesmente como não-vinculativas,
portanto, como meros princípios programáticos. A teoria dos princípios pode, pelo
contrário, levar a sério a constituição sem exigir o impossível. Ela declara as normas
que não se deixam cumprir de todo como princípios que, contra outros princípios,
devem ser ponderados e, assim, são dependentes de uma “reserva do possível no
sentido daquilo que o particular pode exigir razoavelmente da sociedade”. Com isso,
a teoria dos princípios oferece não só uma solução do problema da colisão, senão
também uma do problema da vinculação.138

O substancial, em resumo, a nosso ver, é que não há como simplesmente


reconhecer direitos subjetivos incondicionalmente exigíveis do Estado, ad instar de
meros direitos de crédito,139 com relação a direitos econômicos, sociais e culturais,
porquanto nada que abranja dinheiro, precipuamente escassos recursos públicos,
pode ser absoluto.
Veja-se a lição de Holmes e Sunstein, sob a rubrica Retórica e Realidade:
Direitos são comumente descritos como invioláveis, peremptórios e decisivos. Mas
estes são floreios claramente retóricos. Nada que custa dinheiro pode ser absoluto.
Nenhum direito cuja efetivação pressupõe um gasto seletivo de valores pagos pelos
contribuintes pode, afinal de contas, ser protegido unilateralmente pelo Judiciário,
sem levar em conta as consequências orçamentárias pelas quais os outros poderes
são os responsáveis finais.140
137
Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.
p. 90 – grifado no original.
138
Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no estado de direito democrático.
Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, n. 217, p. 67-79, jul./set. 1999, espec. p. 78-79.
139
SILVA, Virgílio Afonso da. O Judiciário e as políticas públicas: entre transformação social e obstáculo
à realização dos direitos sociais. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Coord.).
Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008. p. 587-599, passim.
140
The cost of rights: why liberty depends on taxes. New York: W. W. Norton & Company, 1999. p. 97. No
original: “Rhetoric and Reality. Rights are familiarly described as inviolable, peremptory, and conclusive.
But these are plainly rhetorical flourishes. Nothing that costs money can be an absolute. No right whose
enforcement presupposes a selective expenditure of taxpayer contributions can, at the end of the day, be
protected unilaterally by the judiciary without regard to budgetary consequences for which other branches
of government bear the ultimate responsibility.”

52
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Posto isso, mais uma vez, depois de breve menção a polêmicas dos
estudiosos dos direitos fundamentais, devemos ressaltar que, a rigor, a questão
relativa à estrita definição da natureza jurídica das normas sobre direitos sociais não
é essencial para este trabalho, já que, como ensinou o Mestre, embora ao cuidar
dos interesses ou direitos coletivos, “inexiste princípio a priori segundo o qual toda
situação jurídica subjetiva que se candidate à tutela estatal por meio do processo
deva obrigatoriamente exibir carta de cidadania entre os direitos, no sentido
rigoroso da palavra.”141
Do ponto de vista da tutela jurisdicional, portanto – e aqui ainda com
maior razão –, basta ver que a Constituição Federal alude a “direitos” sociais e,
ipso facto, cumpre verificar o grau e dimensão da proteção que o próprio sistema
constitucional, interpretado realisticamente, a eles assegura, para então examinar,
em perspectiva instrumental, as peculiaridades especiais dos respectivos processos.

141
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela
jurisdicional dos chamados interesses difusos. In: Temas de Direito Processual: primeira série. 2. ed., São
Paulo: Saraiva, 1988, p. 110-123, espec. p. 114 – grifado no original.

53
3 Governabilidade e Constitucionalismo na
América Latina

3.1 Análise
O título deste capítulo provém do livro Gobernabilidad y Constitucionalismo
en América Latina, coordenado pelo professor Diego Valadés, pesquisador do
Instituto de Investigaciones Jurídicas de la Universidad Nacional Autónoma de
México (UNAM) e ex-Ministro da Suprema Corte de Justicia de la Nación, no qual –
depois de ressaltar que “a governabilidade faz parte do contexto constitucional
e político de um país”,142 e que “os aspectos distintivos correspondem ao estágio
de desenvolvimento ou consolidação vivido por cada democracia, de modo
que a análise comparativa apenas nos oferece alguns elementos para contrastar
diferentes realidades”143 – estipula: um dos objetivos da obra é explorar a relação da
“governabilidade com o sistema constitucional”, “para estabelecer em que medida a
governabilidade depende de uma adequada estrutura constitucional”.144
Mais do que isso, no entanto, nos vários estudos que compõem o
supramencionado livro encontramos referências que permitem identificar
problemas semelhantes dos países da América Latina, algumas reivindicações
ou propostas de solução, tudo bastante útil para o desenvolvimento do presente
trabalho. A ideia, decerto, não é compendiar o livro, mas apenas destacar os pontos
de afinidade que nos parecem sensíveis e relevantes para, conhecidos os obstáculos,
melhor fundamentar algumas de nossas futuras considerações.
Antes, porém, cabe assentar que, como ensina José Afonso da Silva, na
142
“La gobernabilidad es parte del contexto constitucional y político de un país.” (VALADÉS, Diego
(Ed.). Consideraciones sobre gobernabilidad y constitucionalismo. Estudio introductorio. In: Gobernabili-
dad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005.
p. IX-XLI, espec. p. IX).
143
“Los aspectos distintivos corresponden a la etapa de desarrollo o de consolidación que viva cada demo-
cracia, de suerte que el análisis comparativo sólo nos ofrece algunos elementos para contrastar realidades
diferentes […]” (Loc. cit.).
144
Na íntegra: “Otro aspecto que resulta relevante es asociar la gobernabilidad con el sistema consti-
tucional. Uno de los objetivos de esta obra es explorar esa relación, para establecer hasta qué punto la
gobernabilidad depende de una adecuada estructura constitucional.” (Ibidem, p. IX-X).
55
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

doutrina brasileira, em geral, “os termos governabilidade e governança se referem


a fenômenos diferentes. Governabilidade tem conotação política; governança tem
sentido institucional”. Na doutrina estrangeira nem sempre encontramos essa
diferenciação, utilizando-se o termo governança (‘gouvernance’, ‘gobernanza’, às
vezes ‘gobernación’, ‘governação’), para abranger aspectos da governabilidade.145 O
próprio autor cita, entretanto, entre nós, Maria Helena de Castro Santos, que afirma:
“Com a ampliação do conceito de governance fica cada vez mais imprecisa sua
distinção daquele de governabilidade”.146
Sem desconhecer que “el concepto de gobernabilidad es uno de los que más
polémicas ha generado”,147 valemo-nos aqui, dentre os diversos mencionados no
livro, daqueles conceitos que nos parecem refletir a melhor perspectiva para a nossa
pesquisa. Assim, Rodrigo Borja, citando Antonio Camou, define gobernabilidad
como “un estado de equilibrio dinâmico entre las demandas sociales y la capacidade
de respuesta gubernamental”.148
Na mesma linha, Bolívar Lamounier refere-se “ao sempre precário equilíbrio
entre, de um lado, as capacidades do governo (capacidade decisória, capacidade
de implementação, capacidade de angariar apoio social) e, do outro lado, [...] as
aspirações, necessidades, demandas e pressões da sociedade”.149
Convém ainda salientar, de antemão, como adverte Diego Valadés, que
é importante enfatizar que, ao falar de governabilidade, se está incluindo a
responsabilidade que concerne a todos os órgãos de poder. Deve tomar-se cuidado
em não fazer recair a responsabilidade somente no órgão tradicionalmente conhecido
como executivo ou de governo (stricto sensu). Em um Estado constitucional, a tarefa
de governar, e o desempenho que consideramos característico da governabilidade,
corresponde a todos os órgãos investidos de competência para exercer atos
145
SILVA, José Afonso da. A governabilidade num Estado democrático de direito. In: VALADÉS, Diego
(Ed.). Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma
de México, 2005. p. 1-29, espec. p. 2 – grifado no original.
146
Governabilidade, governança e democracia: Criação de Capacidade Governativa e Relações Executivo-
-Legislativo no Brasil Pós-Constituinte. Dados, Rio de Janeiro, v. 40, nº 3, 1997. Disponível em: <http://
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52581997000300003>. Acesso em: 30 mar. 2018.
147
ORTIZ GUTIÉRREZ, Julio César. La búsqueda de la gobernabilidad democrática a partir del cambio
constitucional de 1991. El caso de Colombia como um processo inconcluso y amenazado. In: VALADÉS,
Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 275-329, espec. p. 275-276.
148
“[…] um estado de equilíbrio dinâmico entre as demandas sociais e a capacidade de resposta governa-
mental.” (BORJA, Rodrigo. La gobernabilidad: talón de Aquiles de nuestra América. In: VALADÉS, Die-
go (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 59-72, espec. p. 60). Também adotando o conceito
de Camou, veja-se Salazar Ugarte, Pedro, Desde la gobernabilidad ideal hasta la (in)gobernabilidad
posible. Una reflexión sobre la realidad política de América Latina. VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabili-
dad… México: UNAM, 2005. p. 379-399, espec. p. 380.
149
Brasil: reflexões sobre governabilidade e democracia. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad…
México: UNAM, 2005. p. 239-250, espec. p. 239.

56
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

de autoridade.150 No mesmo sentido, Valentin Paniagua Corazao afirma que


a governabilidade está relacionada “com todas as áreas em que funciona ou é
exercido o poder”.151
Em verdade, no entanto, além dos organismos oficiais, a governabilidade
é dever de todos. Como registrou Héctor Gros Espiell, transcrevendo trecho de
discurso de Wilson Ferreira Aldunate: “Nosso primeiro dever, o dever de todos, é
garantir a governabilidade do país”.152 É certo que Aldunate, naquele momento,
aludia à consolidação das instituições democráticas no Uruguai, mas a ideia básica
– o dever de todos – deve ser amplamente aplicada à governabilidade, num estado
democrático de direito.
Dito isso, cumpre agora indicar, para posterior análise, com base nos artigos
coligidos no supracitado livro, as questões afins de (in)governabilidade que,
conquanto em proporções diferentes, afligem a América Latina. São elas, em suma:
pobreza e desigualdade, com expressiva carência nas áreas de saúde, alimentação,
educação e habitação; violência; clientelismo, corrupção e impunidade; legitimidade;
representatividade; eficiência; segurança jurídica; separação de poderes, predomínio
do Poder Executivo; indiferença ou insatisfação pela democracia.
As referências à pobreza e à desigualdade social são constantes, mencionando
Rodrigo Borja que “o flagelo multidimensional da pobreza, que é a consequência de
um longo processo de acumulação de renda, é o primeiro obstáculo que encontra a
governabilidade nos países em desenvolvimento”.153
Do México, Gilberto Rincón Gallardo assevera que “a pobreza é o maior
problema do país”,154 ao passo que Pedro Salazar Ugarte, de forma geral, exclama:
150
No original: “Llegados a este punto conviene enfatizar que, al hablar de gobernabilidad, se está invo-
lucrando la responsabilidad que concierne a todos los órganos del poder. Debe ternerse cuidado en no
hacer recaer la responsabilidad sólo en el órgano tradicionalmente conocido como ejecutivo o de gobierno
(stricto sensu). En un Estado constitucional la tarea de gobernar, y el desempeño que estimamos carac-
terístico de la gobernabilidad, corresponde a todos los órganos investidos de competencia para ejercer
actos de autoridad”. (Consideraciones sobre gobernabilidad y constitucionalismo. Estudio introductorio.
In: Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de
México, 2005. p. IX-XLI. espec. p. XIII).
151
Gobernabilidad y constitucionalismo en América Latina: el presidencialismo peruano. Retos y propues-
tas. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 331-363, espec. p. 331.
152
La lucha por la libertad. Obras de Wilson Ferreira Aldunate. Montevideo: Cámara de Representantes,
1992. p. 283, apud GROS ESPIELL, Héctor. La gobernabilidad y la Constituición uruguaya. In: VALA-
DÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 221-238, espec. p. 223.
153
“El flagelo multidimensional de la pobreza, que es la consecuencia de un dilatado proceso de acumu-
lación del ingreso, es el primer obstáculo que encuentra la gobernabilidad en los países en desarrollo”.
(La gobernabilidad: talón de Aquiles de nuestra América. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad…
México: UNAM, 2005. p. 59-72, espec. p. 64 – grifado no original).
154
“La pobreza es el mayor problema del país. Está a la base de los demás problemas que entorpecen el
desarrollo institucional, el aumento de la calidad de vida y la seguridad y certidumbre de la vida ciuda-

57
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

“o principal problema dos países latino-americanos é o atraso social. Pobreza


e desigualdade atravessam a região como cavaleiros de um Apocalipse que não
terminou, mas que sempre esteve presente”.155
Sob outro enfoque, a pobreza é mencionada, por vezes, com relação
à democracia, seja para destacar que “ela põe à prova não apenas a opção de
governo, mas a própria democracia”,156 ou que representa “a principal ameaça
às novas democracias”,157 seja para, (também) em razão dela, revelar nossa
fragilidade democrática, já que, como observou Lorenzo Córdova Vianello, “as
condições de desequilíbrio econômico, de pobreza e de desigualdade social que
prevalecem em praticamente todos os países latino-americanos são, junto com a
demanda de governabilidade, o principal desafio que enfrentam nossas incipientes
democracias“.158
Além da pobreza e da desigualdade social, surgem alusões à corrupção,
“outra ameaça à estabilidade política, porque deslegitima os governantes que nela
incorrem e destrói os valores éticos da sociedade”,159 sendo certo, portanto, que “a
dana…” (La gobernabilidad democrática y los temas olvidados de una necesaria reforma del Estado. In:
VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad... México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005.
p. 365-377, espec. p. 371).
155
“[…] el principal problema de los países Latinoamericanos es el rezago social. Pobreza y desigualdad
atraviesan la región como jinetes de un Apocalipsis que no ha terminado de llegar pero que siempre ha
Estado presente. […] el problema de fondo: la desigualdad social. El abismo económico y educativo (que
no cultural) que separa a unas personas de otras…” (Desde la gobernabilidad ideal hasta la (in)gober-
nabilidad posible. Una reflexión sobre la realidad política de América Latina. VALADÉS, Diego (Ed.).
Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 379-399, espec. p. 397).
156
BORJA, Rodrigo. La gobernabilidad: talón de Aquiles de nuestra América. In: VALADÉS, Diego (Ed.).
Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 59-72, espec. p. 64 – grifado no original.
157
“[…] la principal amenaza para las nuevas democracias tiene nombre y apellido: se llama pobreza y
se apellida desigualdad…” (SALAZAR UGARTE, Pedro. Desde la gobernabilidad ideal hasta la (in)go-
bernabilidad posible. Una reflexión sobre la realidad política de América Latina. VALADÉS, Diego (Ed.).
Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 379-399, espec. p. 395).
158
“Las condiciones de desequilibrio económico, de pobreza y de desigualdad social que privan en prác-
ticamente todos los países latinoamericanos son, junto con la demanda de gobernabilidad, el principal
reto que enfrentan nuestras incipientes democracias” (Repensar la gobernabilidad de las democracias.” In:
VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 97-119, espec. p. 116 – grifo nosso).
Pouco antes, mencionou: “La idea de dignidad humana que subyace a los derechos sociales implica la
satisfacción de ciertas condiciones mínimas de igualdad que acaban siendo determinantes para el efectivo
ejercicio de los derechos de libertad política en los que se funda la democracia; aquéllos constituyen, para
decirlo de otra forma, la precondición misma de la democracia.” (p. 103 – grifo nosso).
159
“Qué decir de la corrupción. Es otra amenaza contra la estabilidad política porque ilegitima a los go-
bernantes que incurren en ella y destruye los valores éticos de la sociedad…” E conclui: “La corrupción
ha llevado a un profundo malestar social cuyos principales síntomas son la suspicacia frente al gobier-
no, la desconfianza en las instituciones democráticas, el descrédito de los partidos y de otros sistemas
de intermediación, la abstención electoral, la apatía cívica, el derrumbe de los valores ético-sociales y
otras manifestaciones de desencanto colectivo que tornan cada vez más difícil el gobierno de los Estados”
(BORJA, Rodrigo. La gobernabilidad: talón de Aquiles de nuestra América. In: VALADÉS, Diego (Ed.).
Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de
México, 2005. p. 59-72, espec. p. 67 e 68).

58
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

cidadania, para assegurar bons níveis de governabilidade democrática, exige hoje


castigo à corrupção e à impunidade”, “a luta aberta e pública contra a corrupção em
todos os níveis e esferas”.160
Bolívar Lamounier menciona “o problema do clientelismo e da corrupção”,
para concluir:
Como em outros países latino-americanos, no Brasil o clientelismo e a corrupção não
se deixam delimitar de maneira precisa, como fenômenos objetivos. Têm uma aura
assaz elástica: um anel ou expectativa de corrupção adicional, anel que tende a se
dilatar na mesma proporção em que se dissemina socialmente a sensação de crise
econômica ou política, erodindo ainda mais a governabilidade.161

Nesse ponto, vêm à baila as referências à legitimidade, representatividade,


eficiência. Os estudos são incansáveis ao salientar a importância da legitimidade,
bem como ao distinguir a legitimidade de origem e a legitimidade de exercício,
asseverando que “um governante legítimo por sua origem pode se tornar ilegítimo
em função de seus atos no exercício do poder”.162 Diego Valadés, por seu turno,
fala em “autoridades legítimas (por el origen y por el desempeño)”.163 A legitimidade
de origem, em tese, advém do “princípio eletivo, único válido nas Repúblicas
democráticas”,164 quer dizer: “la legitimidad democrática nacida del voto”.165
Destaque-se a utilização, proposital, da locução “em tese”, que nos parece
proveitosa em razão de significativa referência do ex-professor da Universidad
Central de Venezuela Humberto Njaim:
Agora, a interpretação de que o governante tem um projeto é provavelmente
otimista demais em condições nas quais os políticos parecem mais preparados para
vencer uma disputa eleitoral do que para o posterior exercício do governo. [...]

160
ORTIZ GUTIÉRREZ, Julio César. La búsqueda de la gobernabilidad democrática a partir del cambio
constitucional de 1991. El caso de Colombia como un proceso inconcluso y amenazado. In: VALADÉS,
Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 275-329, espec. p. 279 e 281.
161
Brasil: reflexões sobre governabilidade e democracia. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad...
México: UNAM, 2005. p. 239-250, espec. p. 243. No Brasil, graças a severo processo de investigação,
agora (se não sempre) sob risco, é possível ter ideia objetiva da bilionária dimensão da corrupção ao longo
da última década.
162
“La legitimidad del gobernante es muy importante. Ella puede ser una legitimidad de origen o de ejer-
cicio. Quiero decir con esto que un gobernante legítimo por su origen puede devenir ilegítimo en función
de sus actos en el ejercicio del poder.” (BORJA, Rodrigo. La gobernabilidad: talón de Aquiles de nuestra
América. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 59-72, espec. p. 60).
Também mencionando “legitimidad de origen y de ejercicio”, veja-se o autor argentino Ventura, Adri-
án (Gobernabilidad, legitimidad y opinión pública. VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México:
UNAM, 2005. p. 401-450, espec. p. 401).
163
Consideraciones sobre gobernabilidad y constitucionalismo. Estudio introductorio. In: Gobernabili-
dad… México: UNAM, 2005. p. IX-XLI, espec. p. XVI.
164
Valadés, op. e p. cits.
165
GARCÍA BELAUNDE, Domingo. Gobernabilidad democrática y Constituición (a propósito del caso pe-
ruano). In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 199-220, espec. p. 204.

59
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Também é preocupante quando os governantes tomam decisões que contradizem


o que sustentaram perante o eleitorado. A política aparece como um exercício
enganoso e a irritação aumenta quando os líderes superestimam seu poder e
prosseguem com seu desígnio sem se dar ao trabalho de explicar à comunidade
as razões que justificam sua repentina mudança. Boa parte das críticas em voga à
chamada democracia representativa tem sua origem na recorrência desse fato.166

É certo que o autor menciona, em seu texto, ejercicio de engaño, mas a fraude
do candidato que se elege mentindo, já consciente de que não fará o que disse,
parece até configurável como ilegitimidade de origem, a despeito do (inverídico e
artificioso) desempenho eleitoral.
Registra Adrián Ventura, ademais, que “o distanciamento entre representantes
e representados é ampliado e aparecem outros elementos que criam a sensação de
que há menos espaço e interesse na democracia”,167 para, em seguida, distinguir: i)
legitimidade do regime, que é o consenso da comunidade em manter as instituições
que regem a luta pelo poder, e legitimidade do governo, segundo a qual um governo
é legítimo quando assumiu o poder de acordo com as normas do regime e o exerce
de acordo com elas; ii) legitimidade formal, relacionada com a realização de eleições
e a competência dos órgãos decisórios, e legitimidade substancial, ligada a valores
constitucionais e à verdadeira pretensão de alcançá-los.168
Legitimidade e eficácia são considerados, nas palavras de Domingo García
Belaunde, aspectos estreitamente ligados à governabilidade e necessários para
torná-la possível,169 enfatizando Antonio Camou:
Deste modo, a eficácia governamental e a legitimidade social se combinariam
positivamente em um “círculo virtuoso” de governabilidade, garantindo a estabilidade
dos sistemas políticos; enquanto a ineficácia governamental para lidar com problemas
sociais e a erosão da legitimidade política gerariam, ao contrário, um “círculo vicioso”
que pode levar a situações instáveis ou de franca ingovernabilidade.170
166
“Ahora bien, la interpretación de que el gobernante tiene un proyecto probablemente es demasiado
optimista en unas condiciones donde los políticos parecen más preparados para ganar una lucha electoral
que para el posterior ejercicio del gobierno. […] También resulta perturbador cuando los gobernantes
toman decisiones que contradicen lo que han sostenido ante el electorado. La política aparece así como
un ejercicio de engaño y la irritación aumenta cuando los dirigentes sobrestiman su poder y permiten
seguir adelante con su designio sin molestarse en explicar a la colectividad las razones que justifican su
brusco giro. Buena parte de las críticas en boga a la llamada democracia representativa tienen su origen
en la recurrencia de este hecho.” (La gobernabilidad en Venezuela: un desastre previsible. In: VALADÉS,
Diego (Ed.). Gobernabilidad... México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005. p. 253-274,
espec. p. 256).
167
Gobernabilidad, legitimidad y opinión pública. VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México:
UNAM, 2005. p. 401-450, espec. p. 406.
168
Ventura, Adrián, Ibid., p. 417 – grifado no original.
169
Gobernabilidad democrática y Constituición (a propósito del caso peruano). In: VALADÉS, Diego
(Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 199-220, espec. p. 202.
170
“De este modo, eficacia gubernamental y legitimidad social se combinarían positivamente en un “cír-

60
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

A eficácia [efetividade ou eficiência], na profunda síntese de Diego Valadés,


pode ser entendida como o uso razoável e satisfatório dos recursos do Estado (neste
caso, em sentido amplo). É razoável o que permite alcançar o máximo de resultados
para atender as necessidades coletivas, com o menor sacrifício (esforço) social
possível. É satisfatório o que permite atender as demandas coletivas mediante a
utilização transparente dos recursos disponíveis.”171
Cabe ressaltar que, apesar das dificulades (ou, quiçá, em respeito a elas),
não são apontadas, nem sugeridas, soluções prontas e imediatas; ao contrário, é
reconhecido nos estudos em exame que os direitos econômicos e sociais exigem, para
sua realização, a existência de condições materiais e, por isso, que eles têm aplicação
e exigibilidade progressivas, sem embargo do dever do Estado contribuir para suas
respectivas efetivações e para que sua política promova o avanço neste campo.172
Gilberto Rincón Gallardo sustenta que as políticas para superar a pobreza
devem transcender os limites temporais de cada período presidencial ou os vaivéns
das administrações locais, cumprindo garantir a continuidade desses programas,
estabelecer metas e implementar estratégias de médio e longo prazo, com resultados
e medidas suscetíveis de avaliação e melhoramento contínuos.173
culo virtuoso” de gobernabilidad, garantizando la estabilidad de los sistemas políticos; mientras que la
ineficacia gubernamental para el tratamiento de los problemas sociales y la erosión de la legitimidad po-
lítica generarían, por el contrario, un “círculo vicioso” que puede desembocar en situaciones inestables o
de franca ingobernabilidad”. Gobernabilidad y Democracia. 6. reimp. México: Instituto Federal Electoral,
2013. p. 23. Disponível em: <http://portalanterior.ine.mx/archivos3/portal/historico/recursos/IFE-v2/DE-
CEYEC/DECEYEC-CuadernosDivulgacion/2015/cuad_6.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2018. O excerto tam-
bém é citado, embora de outra fonte, por Salazar Ugarte, Pedro (Desde la gobernabilidad ideal hasta
la (in)gobernabilidad posible. Una reflexión sobre la realidad política de América Latina. In: VALADÉS,
Diego (Ed.). Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Au-
tónoma de México, 2005. p. 379-399, espec. p. 382).
171
“Por eficacia puede entenderse la utilización razonable y satisfactoria de los recursos del Estado (en
este caso, en sentido amplio). Es razonable aquello que permite alcanzar los máximos resultados para
atender las necesidades colectivas, con el menor sacrificio (esfuerzo) social posible. Es satisfactorio
aquello que permite la atención de las demandas colectivas mediante la utilización transparente de los
recursos disponibles.” (Consideraciones sobre gobernabilidad y constitucionalismo. Estudio introductorio.
In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. IX-XLI, espec. p. XIII).
172
Na íntegra: “Ciertamente, la mayoría de derechos económicos y sociales [rectius: todos] requieren para
su realización efectiva de la existencia de ciertas condiciones materiales, que tienen que ver con el grado
de desarrollo y bienestar alcanzados en una sociedad; por ello, se admite que tienen una aplicación y
exigibilidad progresivas. Sin embargo, existe la obligación estatal de contribuir a su efectivización y a que
su política impulse un avance en este campo.” (EGUIGUREN PRAELI, Francisco José. Diseño constitu-
cional, régimen político y gobernabilidad en el Perú: los problemas que las normas no bastan para resolver.
In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 167-198, espec. p. 174 – grifo
nosso). García Belaunde, Domingo alude, ao nosso ver com exagero, aos “derechos económicos,
sociales y culturales, […] para el otorgamiento de estos derechos, […] debe contarse con la existencia
de un Estado que sea rico o por lo menos bien dotado […]” (Gobernabilidad democrática y Constituición
(a propósito del caso peruano). In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p.
199-220, espec. p. 203).
173
Na íntegra: “De igual manera es necesario hacer que las políticas de superación de la pobreza trascien-

61
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Referindo-se à Constituição, Francisco José Eguiguren Praeli adverte que ela:


Deve combinar, em prudentes doses, uma adequada compreensão da realidade e
das possibilidades atuais, juntamente com um conjunto de propostas que se espera
alcançar a médio ou longo prazo. Não pode ser uma simples “fotografia” da realidade
social e política, com todas suas carências e frustrações atuais. Mas tampouco uma
“promessa” tão idealizada que, por longínqua e inalcançável, não tenha viabilidade
política nem credibilidade social”.174

Na verdade, abra-se aqui um parêntese, apesar da manifesta relevância da


observação, o mais importante não parece ser apenas o conteúdo da constituição,
pelo menos em uma perspectiva brasileira, mas a sua efetiva interpretação, pois
a realização dos direitos sociais depende inexoravelmente de recursos materiais
(lato sensu), e ad impossibilia nemo tenetur... Ao ponto voltaremos mais adiante.
Fecha-se o parêntese.

José Afonso da Silva afirma que a nossa Constituição optou pela


governabilidade como um processo de liberação da pessoa humana das formas de
opressão que não dependem apenas do reconhecimento formal de certos direitos
individuais, políticos e sociais, “mas especialmente da vigência de condições
econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício”, para depois concluir: “A
democracia política parece consolidada, embora a promessa de democracia social
ainda não tenha sido cumprida. É que esta não sai diretamente da Constituição. Esta
oferece o instrumental à sua realização por via de políticas públicas”.175

A insuficiência da Constituição para resolver crises e problemas sociais é


destacada, bem como o subterfúgio de serem invocadas novas Constituições. Não

dan los límites temporales de cada período presidencial o los vaivenes de las administraciones locales. Por
ello, es tarea de la reforma institucional del Estado mexicano garantizar la continuidad en dichos progra-
mas, fijar metas e implementar estrategias de mediano y largo plazo, con resultados y mediciones suscep-
tibles de evaluación y mejoramiento continuo, cuidando la neutralidad política de los mismos para evitar
su uso con fines electorales. Esto es lo que puede denominarse un policía de estado en materia social, es
decir, una estrategia, no de los gobiernos transitorios, sino de la nación políticamente organizada a partir
del consenso de las principales fuerzas políticas y económicas de México.” (La gobernabilidad democrática
y los temas olvidados de una necesaria reforma del Estado. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad…
México: UNAM, 2005. p. 365-377, espec. p. 373 – grifo nosso).
174
“Debe combinar, en prudente dosis, una adecuada comprensión de la realidad y posibilidades actuales,
junto a un conjunto de propuestas que esperan alcanzarse en el mediano o largo plazo. No puede ser una
simple “fotografía” de la realidad social y política, con todas sus carencias y frustraciones actuales. Pero
tampoco una “promesa” tan idealizada que, por lejana e inalcanzable, carezca de viabilidad política y
credibilidad social.” (Diseño constitucional, régimen político y gobernabilidad en el Perú: los problemas
que las normas no bastan para resolver. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad y Constitucionalismo
en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005. p. 167-198, espec. p. 169).
175
A governabilidade num Estado democrático de direito. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad…
México: UNAM, 2005. p. 1-29, espec. p. 8 e 28.

62
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

“é sensato pretender que os principais problemas econômicos ou sociais do país se


solucionarão pela reforma ou por uma nova Constituição”.176
Assim, como observa Domingo García Belaunde, hoje em dia se pensa que
cada crise deve ser resolvida com uma nova Constituição, da qual se esperam
efeitos taumatúrgicos. Lamentavelmente, a realidade não se compadece com essa
aspiração. As Constituições, em última análise, podem não servir para nada, já que
elas, em si mesmas, não dão nada, nem concedem nem melhoram nada.177
As Constituições servem pouco se não existe por detrás delas uma férrea
vontade política para torná-las efetivas,178 assim como um contexto sócio-econômico
propício.179 Não obstante, reconhece expressamente o autor: “A Constituição é,
portanto, um instrumento necessário, mas não suficiente”.180
Como salientou o consagrado historiador Niall Ferguson, significativamente:
Nada melhor exemplifica o contraste entre as duas revoluções americanas [Norte
e Sul] do que esta: a única constituição dos Estados Unidos, modificável mas
inviolável, e as vinte e seis constituições da Venezuela, todas mais ou menos
descartáveis. Apenas a República Dominicana teve mais constituições desde a
independência (trinta e dois); Haiti e Equador ocupam o terceiro e quarto lugares,
respectivamente, com vinte e quatro e vinte. Ao contrário dos Estados Unidos, onde
a constituição foi concebida para sustentar “um governo de leis não de homens”,
na América Latina constituições são usadas como instrumentos para subverter o
próprio Estado de direito.181
176
“Tampoco resulta sensato pretender que los principales problemas económicos o sociales del país se so-
lucionarán reformando o dando una nueva Constitución.” (EGUIGUREN PRAELI, Francisco José. Diseño
constitucional, régimen político y gobernabilidad en el Perú: los problemas que las normas no bastan para
resolver. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 167-198, espec. p. 170).
177
“[…] hoy en día se piensa que cada crisis debe arreglarse con la dación de una nueva Constitución,
de la cual se esperan efectos taumatúrgicos. Lamentablemente, la realidad no se compadece con estas
aspiraciones. Pues es lo mismo que poner la carreta delante de los bueyes. Las Constituciones, a la larga,
pueden no servir para nada, ya que ellas en sí mismas, no dan nada ni otorgan ni mejoran nada […]”
(Gobernabilidad democrática y Constitución (a propósito del caso peruano). In: VALADÉS, Diego (Ed.).
Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de
México, 2005. p. 199-220, espec. p. 210).
178
“De lo expuesto se desprende que, en realidad, las Constituciones sirven de poco si no existe detrás de
ellas una férrea voluntad política para hacerlas efectivas.” (García Belaunde, ibid., p. 211).
179
“Pero para ello hace falta no sólo una voluntad política o si quiere, una clase política decidida a ello,
sino un entorno socio-económico que la haga posible. Esto en vista de las demandas, muchas veces ex-
cesivas, que hacen los pueblos, y que terminan sobrecargando el sistema que al final no se da abasto.”
(García Belaunde, ibid. p. 212).
180
García Belaunde. Gobernabilidad democrática y Constitución (a propósito del caso peruano). In:
VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad
Nacional Autónoma de México, 2005. p. 199-220, espec. p. 211.
181
“Nothing better exemplifies the contrast between the two American revolutions than this: the one con-
stitution of the United States, amendable but inviolable, and the twenty-six constitutions of Venezuela, all
more or less disposable. Only the Dominican Republic has had more constitutions since independence
(thirty-two); Haiti and Ecuador are in third and fourth positions with, respectively, twenty-four and twenty.
Unlike in the United States, where the constitution was designed to underpin ‘a government of laws not of

63
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

A preocupação com as condições econômicas, ou com a “transferência e


distribuição de recursos viáveis”,182 de par com o cumprimento efetivo da Constituição,
assumem relevância no que concerne a outro fenômeno encontradiço na América
Latina, o populismo. A questão se põe nas hipóteses em que o Estado, mesmo tendo
boa disponibilidade financeira, oferece tanto que, no final, fica sem recursos,183
como nas vezes em que se busca apoio popular nas “massas empobrecidas que
recebem dádivas, mas sem geração de riqueza nem de emprego”.184
A política social não pode ser tratada como simples instrumento de
compensação das desigualdades. “É necessário que a política social do governo não
se perca nem se afogue em medidas de caráter assistencial: toda ação de política
social deve ter o objetivo final de romper o ciclo de reprodução da pobreza e
começar a gerar maior igualdade de oportunidades”.185
No Brasil, em livro próprio, Ricardo Lobo Torres adverte que, nos últimos
tempos, se agravou “o caráter assistencialista, eleitoreiro e reprodutivo da pobreza
dos programas governamentais”.186
Ressalta-se, outrossim, a (in)segurança jurídica, tão reclamada por alguns
autores. Como escreve Alberto Ricardo Dalla Via, o sistema legal é um aspecto
da ordem social global que, quando funciona corretamente, confere definição,
especificidade, clareza e, portanto, previsibilidade às relações humanas.187
men’, in Latin America constitutions are used as instruments to subvert the rule of law itself.” (Civilization:
the west and the rest. London: Allen Lane-Penguin Books, 2011. p. 128).
182
Trecho do discurso proferido por Ulysses Guimarães, como Presidente da Constituinte 1997-1988, na
sessão de 27.07.1988 da Câmara dos Deputados, apud BONAVIDES. Governança e legitimidade (alguns
aspectos da conjuntura brasileira). In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad... México: Universidad
Nacional Autónoma de México, 2005. p. 31-58, espec. p. 39. Discurso disponível em: <http://www2.cama-
ra.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/discursos-em-destaque/serie-brasilei-
ra/decada-1980-89/pdf/Ulysses%20Guimaraes_270788.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2018.
183
“El problema se presenta cuando siendo rico el Estado, o teniendo una buena disponibilidad de dinero,
ofrece tanto, que al final el propio Estado se queda sin recursos, como ha sucedido con algunas experiencias
latinoamericanas, a través del fenómeno conocido como populismo (visible, por ejemplo, con el peronis-
mo).” (GARCÍA BELAUNDE, Domingo. Gobernabilidad democrática y Constitución (a propósito del caso
peruano). In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 199-220, espec. p. 204).
184
BREWER-CARÍAS, Allan R. Los problemas de la gobernabilidad democrática en Venezuela: el autori-
tarismo constitucional y la concentración y centralización del poder. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gober-
nabilidad… México: UNAM, 2005. p. 73-96, espec. p. 85.
185
“Es necesario que la política social del gobierno no se pierda ni se ahogue en medidas de carácter asisten-
cial: toda acción de política social debe tener el fin último de romper el ciclo de reproducción de la pobreza
y comenzar a generar una mayor igualdad de oportunidades entre todos los mexicanos […]” (RINCÓN
GALLARDO, Gilberto. La gobernabilidad democrática y los temas olvidados de una necesaria reforma del
Estado. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 365-377, espec. p. 371).
186
O direito ao mínimo existencial. Rio de janeiro: Renovar, 2009. p. 16.
187
“También debe señalarse que el sistema legal o el estado legal es un aspecto del orden social global que,
cuando funciona correctamente confiere definición, especificidad, claridad y, por lo tanto predictibilidad
a las relaciones humanas. Este aspecto se relaciona directamente con la seguridad jurídica, concepto que
a su vez se relaciona con la idea de certeza o previsibilidad por la que tanto abogaron autores como Hans
Kelsen desde la filosofía del derecho o Max Weber desde la sociología.” (El imperio de la ley y su efectivi-

64
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Consoante célebre lição, “o direito não nasceu na vida humana em virtude


do desejo de render culto ou homenagem à ideia de justiça, mas para suprir uma
ineludível urgência de segurança e de certeza na vida social”.188
A Constituição, menciona ainda Dalla Via, não foi feita apenas para dar
liberdade aos povos; também foi feita para dar-lhes segurança, porque se entendeu
que sem segurança não pode haver liberdade.189 Além disso, por óbvio, “tendo a
segurança jurídica caráter instrumental, sua realização como valor se dá com o
cumprimento do direito e não com sua violação para determinados fins”.190
Ao tratar dos meios para alcançar a governabilidade democrática, esclarece,
com absoluta precisão, Héctor Gros Espiell: Os meios para obtê-la podem ser,
além de políticos, jurídicos. O meio e o pressuposto jurídico, inevitáveis e sempre
necessários, são o respeito e cumprimento estrito da Constituição.191
Acrescente-se, inclusive, na lição de Paulo Bonavides, “que a matéria
constitucional para efeito de controle pode ser política, e o exame de sua
constitucionalidade rigorosamente adequado às funções de um tribunal que tem a
guarda da Constituição”; mas conclui, com sua imensa autoridade: “A matéria pode
ser política, sim; nunca porém a decisão, que há de ser sempre jurídica”.192
A “ausencia de una verdadera jurisprudencia, dotada de calidad y previsibilidad”,
e a ineficiência do sistema jurisdicional, além disso, têm “como outro efeito
pernicioso a elevação do custo das transações econômicas e sociais, como resultado
da insegurança jurídica”.193
dad (a partir de la reforma constitucional argentina de 1994). In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad
y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005. p.
133-166, espec. p. 134).
188
“[...] el derecho no ha nacido en la vida humana por virtud del deseo de rendir culto u homenaje a la
idea de justicia, sino para colmar una ineludible urgencia de seguridad y de certeza en la vida social.”
(SICHES, Luis Recasens. Tratado general de filosofia del derecho. 11. ed. México: Porrúa, 1995. p. 220).
Dalla Via também cita o trecho, v. p. 135.
189
“La Constitución no se ha hecho únicamente para dar libertad a los pueblos; se ha hecho también para
darles seguridad, porque se ha comprendido que sin seguridad no puede haber libertad.” (El imperio de la
ley y su efectividad (a partir de la reforma constitucional argentina de 1994). In: VALADÉS, Diego (Ed.).
Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 133-166, espec. p. 139).
190
De ahí también que, teniendo la seguridad jurídica carácter instrumental, su realización como valor se
dé con el cumplimiento del derecho y no con su vulneración en aras de otros fines.” (Ibid., p. 142).
191
“Los medios para obtenerla pueden ser, además de políticos, jurídicos. El medio y el presupuesto jurídi-
co, por lo demás ineludible y necesario siempre, es el respecto y cumplimiento estricto de la Constitución.”
(La gobernabilidad y la Constitución uruguaya. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México:
UNAM, 2005. p. 221-238, espec. p. 226).
192
Governança e legitimidade (alguns aspectos da conjuntura brasileira). In: VALADÉS, Diego (Ed.).
Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de
México, 2005. p. 31-58, espec. p. 54.
193
EGUIGUREN PRAELI, Francisco José. Diseño constitucional, régimen político y gobernabilidad en el
Perú: los problemas que las normas no bastan para resolver. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad…
México: UNAM, 2005. p. 167-198, espec. p. 173.

65
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Interessante notar que não passou despercebido a Alberto Ricardo Dalla Via
que, em “perspectiva sociológica”, a segurança jurídica pode se identificar “com o grau
de acatamento da ordem jurídica que tenha uma determinada sociedade”. E prossegue:
Em um trabalho recente, o doutor Carlos S. Nino sustenta que a tendência à
“anomia”, ou o elevado grau de descumprimento das normas, sejam legais ou
convencionais, é uma das características da sociedade argentina que explica nosso
subdesenvolvimento como uma nação.”194

A citação traz à mente palestra proferida pelo mestre José Carlos Barbosa
Moreira, intitulada “O juiz e a cultura da transgressão”, que aborda – com a elegância
e a perfeição de sempre –, de maneira ampla, a violação constante e corriqueira das
normas jurídicas no Brasil e a sua relação com o processo e o Poder Judiciário.195
Afigura-se conveniente recordar, ademais, em relação à segurança jurídica,
no Brasil, o forte livro do professor e ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal Eros
Roberto Grau, Por que tenho medo dos juízes, no qual, em dado momento, assevera:
“O Poder Judiciário aqui, hoje, converte-se em um produtor de insegurança.”196
Quanto à separação de Poderes, voltando à análise do texto latino-
americano, mesmo deixando de lado situações extremas, como da Venezuela, em
que o Presidente da República pode dissolver a Asamblea Nacional (art. 236-21
da Constitución),197 são comuns as alusões ao predomínio do Poder Executivo. Da
Argentina, por exemplo: Alberto Dalla Via – após escrever que se justifica a localização
do Legislativo em primeiro lugar na Constituição, pelo caráter de mais direto
representante da vontade popular –198 afirma que, no século XX, houve “o declínio do
Poder Legislativo ao tempo em que ocorreu uma hipertrofia do Poder Executivo”,199
194
“Desde una perspectiva sociológica de carácter amplio, la seguridad jurídica puede identificarse con
el grado de acatamiento al ordenamiento jurídico que tenga una determinada sociedad. En un trabajo
reciente, el doctor Carlos S. Nino sostiene que la tendencia a la “anomia”, o el elevado grado de incum-
plimiento de las normas, sean estas jurídicas o convencionales, es una de las características de la sociedad
argentina que explican nuestro subdesarrollo como nación.” (El imperio de la ley y su efectividad (a partir
de la reforma constitucional argentina de 1994). In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad... México:
UNAM, 2005. p. 133-166, espec. p. 137-138).
195
O juiz e a cultura da transgressão. In: Temas de direito processual: sétima série. São Paulo: Saraiva,
2001. p. 251-261, passim.
196
Por que tenho medo dos juízes: a interpretação/aplicação do direito e os princípios. 6. ed. refundida do
Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 16 – grifado
no original.
197
Cf. BREWER-CARÍAS, Allan R. Los problemas de la gobernabilidad democrática en Venezuela: el
autoritarismo constitucional y la concentración y centralización del poder. In: VALADÉS, Diego (Ed.).
Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de
México, 2005. p. 73-96, espec. p. 81. Note-se, porém, que o autor cita, equivocamente, ao artículo 236-22,
quando seria 236-21.
198
El imperio de la ley y su efectividad (a partir de la reforma constitucional argentina de 1994). In: VALA-
DÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM de México, 2005. p. 133-166, espec. 146.
199
“En el siglo XX por su parte, el dato a destacar es la declinación del Poder Legislativo al tiempo en que
se produjo una hipertrofia del Poder Ejecutivo. Vanossi ha referido a este tema sosteniendo que las causas

66
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

descrevendo a ampliação da iniciativa legislativa do Executivo e o incremento dos


poderes presidenciais com as delegações legislativas e, precipuamente, com “los
decretos de necesidad y urgencia”,200 da mesma forma que Adrián Ventura menciona
que, nos sistemas presidencialistas, o poder tende a se concentrar “eminentemente
nos presidentes, cada vez mais propensos a governar com medidas de emergência,
sejam decretos de necessidade e urgência (decretos-leis) ou mediante delegações
legislativas, com clara tendência de ignorar a divisão de poderes”.201
Paulo Bonavides, por sua vez, observa: “O desígnio perpetuísta, inerente, de
último, ao presidencialismo desta parte do continente, faz desse sistema o mais
aparentado às ditaduras”.202
Nesse enfoque, menciona-se também a necessidade de exercício do controle
e a atuação parlamentares, como faz Francisco José Eguiguren Praeli, ao lembrar
que “a função primordial do Parlamento (e da oposição parlamentar) é fiscalizar e
controlar”, concluindo:
É por isso que resultam igualmente contraproducentes tanto uma maioria
parlamentar obsequiosa oficial, que renuncia a toda fiscalização do governo,
quanto uma oposição (ainda pior se detiver a maioria parlamentar) que pretende
“governar” ou que assume que seu papel é bloquear sistematicamente as propostas
do Executivo.203

Ainda abordando a importância do controle institucional, Adrián Ventura


destaca:
O controle deve submeter o poder ao cumprimento das regras. Quando isso não
acontece, ou quando o controle direto não existe ou seu exercício é posto de
de la crisis del Congreso exceden el nivel de la clase política porque responde a un fenómeno de toda la
sociedad, destacando entre otros aspectos el achicamiento del rol de la clase política, el vaciamiento de
las estructuras partidarias, la invasión de los contrapoderes, la falta de información y de asesoramiento
eficaz del Congreso, etcétera.” (Ibid. p. 149).
200
Ibidem, p. 155 e 163.
201
“En las democracias [...] el poder está distribuido en órganos estatales y, en particular, en los sistemas
presidencialistas, tiende a estar concentrado eminentemente en los presidentes, cada vez más proclives a
gobernar con medidas de emergencia, sean decretos de necesidad y urgencia (decretos leyes) o mediante
delegaciones legislativas, con clara tendencia a pasar por alto la división de poderes.” (Gobernabilidad,
legitimidad y opinión pública. VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 401-
450, espec. p. 402.
202
Governança e legitimidade (alguns aspectos da conjuntura brasileira). In: VALADÉS, Diego (Ed.).
Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 31-58, espec. p. 45).
203
“Sabemos que la misión principal del órgano ejecutivo es gobernar y dirigir, mientras que la función
primordial del Parlamento (y de la oposición parlamentaria) es fiscalizar y controlar. De allí que resulten
igualmente contraproducentes tanto una mayoría parlamentaria oficialista obsecuente, que renuncia a
toda fiscalización del gobierno, como una oposición (peor aún si ostenta la mayoría parlamentaria) que
pretende “gobernar” o que asume que su papel es bloquear sistemáticamente las propuestas del Ejecu-
tivo.” (Diseño constitucional, régimen político y gobernabilidad en el Perú: los problemas que las normas
no bastan para resolver. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad y Constitucionalismo en América
Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005. p. 167-198, espec. p. 171).

67
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

lado por algum acordo de partidos (vício da democracia consensual), semeamos


o germe de um Estado mais totalitário. Os controles são uma “expressão da
racionalidade do poder”.204

Do Uruguai, sobre a atuação político-partidária, Rubén Correa Freitas alude


a que a “oposição seja exercida de forma responsável, dentro de um quadro de
convivência, respeito e tolerância”,205 ao passo que Héctor Gros Espiell menciona
“a existência de uma oposição séria, crítica e responsável, que atue com base
no exercício da boa fé em função do bem comum”, como forma de “alcançar a
governabilidade democrática”.206

Mas as críticas à atuação dos partidos políticos são veementes, sendo


salientado que “perderam representatividade. As pessoas desconfiam deles. O mau
comportamento de seus dirigentes diminuiu seu prestígio e, em alguns casos, sua
legitimidade. Com frequência aprofundam-se as discrepâncias entre as aspirações
populares e os objetivos partidários”. Pior: “Nos países que carecem de um regime
jurídico que regule sua existência, chega-se frequentemente à impostura dos
minipartidos, sem qualquer representatividade [...]”.207

Apesar do contexto, assustam-se alguns autores, como Lorenzo Córdova


Vianello, com pesquisas que demonstram certa indiferença com a democracia,
como a realizada pelo Latinobarómetro, em 2004, segundo a qual, 53% dos
cidadãos latino-americanos consideram que a democracia é preferível a qualquer
outra forma de governo, enquanto 15% preferem um governo autoritário e 21%
são indiferentes (somados esses dois últimos percentuais, significativos 36% não
se objetariam a um governo autoritário). Além disso, 55% não se importariam de
ter um governo não democrático se isso resolvesse os problemas econômicos. Por
fim, as duas instituições sobre as quais se funda por excelência a democracia, os
204
“[…] El control debe someter al poder al cumplimiento de las reglas. Cuando no lo hace, o cuando el
control directamente no existe o su ejercicio es dejado de lado por algún acuerdo de partidos (vicio de la
democracia consensual), sembramos el germen de un Estado más totalitario. Los controles son una ‘ex-
presión de la racionalidad del poder’.” (Gobernabilidad, legitimidad y opinión pública. VALADÉS, Diego
(Ed.). Gobernabilidad. México: UNAM, 2005. p. 401-450, espec. p. 417-418).
205
La gobernabilidad en el Sistema político uruguayo. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad…
México: UNAM, 2005. p. 121-132, espec. p. 122.
206
La gobernabilidad y la Constituición uruguaya. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México:
UNAM, 2005. p. 221-238, espec. p. 225.
207
“Los partidos han perdido representatividad. Los pueblos desconfían de ellos. El mal comportamiento
de sus dirigentes ha mermado su prestigio y, en algunos casos, su legitimidad. Con frecuencia se ahon-
dan las discrepancias entre las aspiraciones populares y los objetivos de los partidos. En los países que
carecen de un régimen jurídico que regule su existencia se ha llegado frecuentemente a la impostura de
los minipartidos, carentes de toda representatividad […]” (BORJA, Rodrigo. La gobernabilidad: talón de
Aquiles de nuestra América. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p.
59-72, espec. p. 68).

68
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

parlamentares e os partidos políticos, são aquelas em que os cidadãos têm menos


confiança, com 27% e 20% respectivamente.208

O Informe 2017 da Corporación Latinobarómetro não traz boas notícias; pelo


contrário, começa registrando, com veemência:
O ano de 2017 mostra dois extremos, por um lado, o declínio da democracia é
acentuado, ao mesmo tempo que os avanços económicos na região indicam menor
quantidade de famílias com dificuldades para fazer face às despesas, desde 1995. O
crescimento económico e a democracia não vão para o mesmo lado.
O declínio da democracia acentua-se em 2017, com quedas sistemáticas do apoio
e da satisfação com a democracia, assim como a percepção de que se governa para
alguns poucos. O relatório mostra vários indicadores que também confirmam a baixa.
Os governos sofrem o mesmo destino, cada ano os latino-americanos os aprovam
menos. O que hoje é a média antes era o mínimo. O normal agora é o mínimo de antes.
É uma democracia diabética que não alarma, com um declínio lento e gradual de
múltiplos indicadores, diferentes segundo o país, e o momento, que permite de
alguma forma ignorá-los como um fenômeno social. No entanto, vistos em conjunto,
esses indicadores revelam a deterioração sistemática e crescente das democracias da
região. Não se observam indicadores de consolidação, mas, ao contrário, indicadores
de inconsolidação.
Os avanços são vistos nos indicadores econômicos, não nos políticos e sociais. É
como uma dissociação entre dois mundos, o mundo da economia, e o mundo do
poder político.209

Vejamos os números de alguns itens do Relatório 2017:210 a) apoio à


democracia: pelo quinto ano consecutivo o apoio à democracia não melhora na
208
Repensar la gobernabilidad de las democracias. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad y Cons-
titucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005. p. 97-119,
espec. p. 117.
209
“El año 2017 muestra dos extremos, por una parte se acentúa el declive de la democracia, al mismo
tiempo que los avances económicos de la región indican la menor cantidad de hogares con dificultades
para llegar a fin de mes, desde 1995. El crecimiento económico y la democracia no van para el mismo
lado. El declive de la democracia se acentúa en 2017, con bajas sistemáticas del apoyo y la satisfacción
de la democracia, así como de la percepción de que se gobierna para unos pocos. El informe da cuenta de
múltiples indicadores que también confirman la baja. Los gobiernos sufren la misma suerte, cada año los
latinoamericanos los aprueban menos. Lo que hoy es el promedio antes era el mínimo. Lo normal ahora
es el mínimo de antes. Es una democracia diabética que no alarma, con un lento y paulatino declive de
múltiples indicadores, distintos según el país, y el momento, que permite de alguna manera ignorarlos
como fenómeno social. Sin embargo, vistos en conjunto, esos indicadores revelan el deterioro sistemático
y creciente de las democracias de la región. No se observan indicadores de consolidación, sino, acaso,
indicadores de desconsolidación. Los avances se ven en los indicadores económicos, no en los políticos
y sociales. Es como una disociación entre dos mundos, el mundo de la economía, y el mundo del poder
político.” (Relatório 2017. Santiago, Chile, 2017. p. 1).
210
Consoante o Relatório: “FICHA TÉCNICA 2017. Se aplicaron 20.200 entrevistas cara a cara en 18
países entre el 22 de junio y el 28 de agosto 2017, con muestras representativas del 100%, de la población
nacional de cada país, de 1.000 y 1.200 casos, con un margen de error de alrededor del 3%, por país
(véase ficha técnica por país)”.

69
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

América latina, chegando a 53% em 2017. A indiferença pelo tipo de regime alcança
25%. No Brasil registrou-se uma recuperação significativa, após a perda de 22
pontos percentuais entre 2015 e 2016, em 2017 há uma recuperação de 11 pontos
percentuais chegando a 43%; b) avaliação da democracia: apenas 5% dos cidadãos
dizem que existe democracia plena, 27% dizem que há pequenos problemas, 45%
dizem que há grandes problemas e 12% dizem que não há democracia, 11% não
responderam. A soma daqueles que consideram a democracia com problemas
atinge 72% da população da região, que não mudou muito desde 2004, quando foi
medida pela primeira vez (74% em 2004 e 76% em 2013). Num segundo indicador,
em escala de 1 a 10, na qual 1 é antidemocrático e 10 totalmente democrático, a
média para a região é de 5,4 em 2017, e também cai pelo quinto ano de um máximo
de 6,7 em 2010. Uruguai lidera como o país com mais democracia com 6,9, Brasil e
El Salvador com a menor quantidade de democracia, com 4,4; c) satisfação com a
democracia: cai pela quarta vez consecutiva de 34% em 2016 para 30% em 2017.
Em dez países, menos de um terço da população está satisfeita com a democracia.
Apenas em três países: Uruguai (57%), Nicarágua (52%) e Equador (51%) há uma
maioria que está satisfeita com esta forma de governo. O Brasil, destacamos, ocupa
o último lugar, com meros 13% de satisfação com funcionamento da democracia; d)
para quem se governa: coerente com a crítica ao tipo de regime e seu desempenho é
a percepção de que se governa para os interesses de alguns poucos. Este indicador
aumenta pelo segundo ano consecutivo de 73% em 2016 para 75% em 2017 (em
2015 foi de 67%). Os governos são cada vez mais criticados porque não defendem
os interesses da maioria. O Brasil, destacamos outra vez, aparece em primeiro lugar,
com 97% (“grupos poderosos governam em seu próprio benefício?”); e) aprovação
do governo: em vigor desde 2009, quando a aprovação média dos governos
chegou a 60%, tem caído de forma constante, sem pausa. O último declínio ocorre
entre 2016 quando atingiu 38% a 36% em 2017. Lidera a aprovação de governo a
Nicarágua, com 67%, e o Equador, com 66%. Têm a menor aprovação o Brasil, com
6%, e El Salvador, com 17%; f) confiança interpessoal: o resultado de 2017 é o mais
baixo desde que se estabeleceu o indicador, em 1996, apenas 14%. A confiança
interpessoal atingiu o ponto mais baixo dos últimos 20 anos na região da América
Latina. Chile e Equador estão em primeiro lugar, com 23%, seguidos pela Argentina,
com 20%, enquanto o Brasil está em último lugar, com 7%, seguido do Paraguai,
com 8%. Estes países estão próximos da falta de confiança interpessoal; g) confiança
no Poder Judiciário: o auge foi em 2006, com 36%, e o percentual mais baixo em
2003, com 19%. Em 2017, a média foi de 25%, com a Costa Rica em primeiro lugar,
com 43%, seguida pelo Uruguai, com 41%. O Brasil ocupa o quinto lugar, com 27%;
h) confiança no governo: de início, observamos a baixa confiança registrada em 2003
(crise asiática), com 19%, aumentando em 2009 e 2010 para 45%. A partir de 2010,

70
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

a confiança nos governos começa a diminuir gradualmente até os 25% registrados


em 2017. A confiança no governo varia de 42% na Nicarágua a 8% no Brasil;
i) confiança no Parlamento: oscila do máximo de 36% no ano de 1997, ao mínimo de
17% no ano de 2003, para aumentar novamente para 34% nos anos de 2009 e 2010,
e diminuir desde então para 22% em 2017. O Brasil está em penúltimo lugar, com
11%, seguido pelo Paraguai, com 10%; j) confiança nos partidos políticos: em 2017
somente 15% dos latino-americanos confiavam nos partidos políticos. O mínimo foi
de 11% em 2003, o máximo de 28% em 1997. O país que mais confia nos partidos
políticos é o Uruguai, com 25%, e o que menos confia o Brasil, com 7%; k) temor de
delito: a região vive assustada pelo crime, 43% quase o tempo todo. A percentagem
permaneceu nessas proporções desde aproximadamente 2011. Aqueles que nunca
temem são poucos, apenas 15%, de 27% na Nicarágua a 7% no Brasil; l) corrupção:
aparece como o quarto problema mais importante do país, com 10% das menções
dos 18 países. Considerando cada país, vemos que no Brasil é o primeiro problema
com 31% e na Colômbia com 20%, no Peru é o segundo com 19%. No México, a
corrupção está em terceiro lugar, com 13%. Por último o Urugaui, com 1%.211
No que tange especificamente à democracia, cabe lembrar a sensata
ponderação de Vianello: “parece-me que na América Latina a ideia de democracia
foi sobrecarregada de expectativas e panaceia que resolveria não só o problema
do autoritarismo e da consequente falta de liberdade política [...], senão também
como a via para melhorar as condições econômicas e resolver definitivamente a
abominável pobreza e a profunda desigualdade social”.212
Antes de encerrar este item, convém um último esclarecimento: conquanto
a governabilidade democrática tenha sido a tônica do livro, havento até mesmo
menção de que em “sentido semelhante ao de governabilidade e de bom governo,
se utiliza também a expressão ‘qualidade da democracia’”,213 restou consignado,
com certo realismo, que “em princípio, a governabilidade é um atributo compatível
com sistemas da mais variada natureza. Seu oposto, ingovernabilidade, também
ameaça a todos os sistemas”.214
211
Latinobarómetro. Informe 2017. Corporación Latinobarómetro: Santiago, Chile, 2017, passim. Disponí-
vel em: <http://www.latinobarometro.org/latNewsShow.jsp>. Acesso em 15 abr. 2018.
212
“[...] me parece que en América Latina la idea de democracia fue sobrecargada de expectativas y de
panacea que resolvería no sólo el problema del autoritarismo y de la consecuente falta de libertad política
[…], sino también como la vía para mejorar las condiciones económicas y zanjar la ominosa pobreza y la
profunda desigualdad social.” (CÓRDOVA VIANELLO, Lorenzo. Repensar la gobernabilidad de las de-
mocracias. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2005. p. 97-119, espec. p. 116).
213
“Con un sentido semejante al de gobernabilidad y de buen gobierno, se utiliza también la expresión
“calidad de la democracia.” (VALADÉS, Diego (Ed.). Consideraciones sobre gobernabilidad y constitu-
cionalismo. Estudio introductorio. In: Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. IX-XLI, espec. p. XVI).
214
“Tenemos otra premisa teórica relevante: en principio, la gobernabilidad es un atributo compatible con
sistemas de la más variada naturaleza. Su opuesto, la ingobernabilidad, también amenaza a todos los sis-

71
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

3.2 Considerações conclusivas

A análise dos vários textos de autores latino-americanos, naquilo que nos


pareceu mais relevante para o presente estudo, permite concluir, em substância,
que a desigualdade social e a pobreza afligem gravemente a América Latina,
havendo baixas avaliações dos governos, predomínio do Poder Executivo, declínio
do Poder Legislativo, com descrédito do parlamento e dos partidos políticos, assim
como desconfiança do Poder Judiciário, além de acentuada insegurança jurídica,
tudo a provocar o desprestígio da própria democracia.
Pobreza e desigualdade social são considerados os problemas básicos,215
inclusive porque, como já foi dito, a existência de condições mínimas de igualdade
é determinante para o efetivo exercício dos direitos políticos. Não obstante, é
plenamente reconhecido que a solução desses problemas exige políticas públicas
de médio e longo prazo, verdadeiras políticas de Estado, que visem a romper com
o ciclo da reprodução da pobreza e a gerar maior igualdade de oportunidades, e
não apenas a estabelecer compensações assistencialistas ou a angariar apoio dos
menos favorecidos.
Clama-se pela vontade política para realmente fazer efetivas as Constituições,
mas não se concebe nem se defende que o Poder Judiciário, com primazia,
possa resolver os (sérios) problemas sociais e realizar integral e imediatamente
a Constituição, da qual muitas vezes são esperados efeitos taumatúrgicos, por
conveniência ou ingenuidade.
Restou reconhecido, até mesmo, que a governabilidade democrática
requer não apenas vontade política ou uma classe política determinada, mas um
contexto sócio-econômico que a torne possível, em vista das demandas, muitas
vezes excessivas, das sociedades, e que sobrecarregam o sistema que no final não é
suficiente. Isso é resolvido em grande parte com um sistema econômico sustentável
que busque níveis aceitáveis de vida, que a população considere adequados e, acima
de tudo, que os esforços feitos nessa direção também sejam aceitos. “Mas isso não é
resolvido pelo aparato jurídico, por mais moderno e aperfeiçoado que seja”.216
temas.” (SALAZAR UGARTE, Pedro. Desde la gobernabilidad ideal hasta la (in)gobernabilidad posible.
Una reflexión sobre la realidad política de América Latina. VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad…
México: UNAM, 2005. p. 379-399, espec. p. 383).
215
Cf. “La pobreza es el mayor problema del país. Está a la base de los demás problemas que entorpe-
cen el desarrollo institucional, el aumento de la calidad de vida y la seguridad y certidumbre de la vida
ciudadana.” (RINCÓN GALLARDO, Gilberto. La gobernabilidad democrática y los temas olvidados de
una necesaria reforma del Estado. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad y Constitucionalismo en
América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005. p. 365-377, espec. p. 371).
216
“Pero para ello hace falta no sólo una voluntad política o si quiere, una clase política decidida a ello,
sino un entorno socio-económico que la haga posible. Esto en vista de las demandas, muchas veces exce-

72
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Francisco José Eguiguren Praeli, emérito professor de Direito Constitucional,


já no título de seu estudo, refere-se, significativamente, a “problemas que as normas
não bastam para resolver”.217

sivas, que hacen los pueblos, y que terminan sobrecargando el sistema que al final no se da abasto. Esto
se soluciona en mucho con un sistema económico sostenido que procure niveles aceptables de vida, que
la población vea como adecuados, y sobre todo que también se acepten los esfuerzos que se realizan en
esa dirección. Pero esto no lo resuelva el aparato jurídico, por más moderno y perfeccionado que sea.”
(GARCÍA BELAUNDE, Domingo. Gobernabilidad democrática y Constitución (a propósito del caso pe-
ruano). In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 199-220, espec. p. 212
– grifo nosso).
217
Diseño constitucional, régimen político y gobernabilidad en el Perú: los problemas que las normas no
bastan para resolver. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 167-198.

73
4 Lições Jurisprudenciais da África do Sul

4.1 Afinidade
Examinados certos problemas comuns à América Latina, no que tange à (in)
governabilidade, mostra-se proveitoso analisar agora algumas decisões da Suprema
Corte sul-africana, seja pela semelhança de situações sociais e de desnvolvimento
econômico, na medida em que Brasil e África do Sul integram o BRICS, seja porque a
Constituição daquele país também é farta na previsão de direitos sociais.
Conquanto haja muitas alusões, de forma quase sempre geral, aos arestos
mais relevantes aqui entre nós, pretendemos estabelecer uma visão mais específica,
para fundamentar algumas conclusões importantes.

4.2 O caso Grootboom – Government of the Republic of South Africa and Others v.
Irene Grootboom and Others
4.2.1. Resumo
Este caso icônico versa sobre a seção 26 da Constituição sul-africana
(“Habitação 26. (1) Todos têm o direito de ter acesso à moradia adequada. (2) O
Estado deve tomar medidas legislativas e outras medidas razoáveis, dentro de
seus recursos disponíveis, para alcançar a realização progressiva deste direito. (3)
Ninguém pode ser despejado de sua casa, ou ter sua casa demolida, sem uma
ordem judicial, depois de considerar todas as circunstâncias relevantes. Nenhuma
legislação pode permitir despejos arbitrários” 218 ), e a seção 28(1)(c) (“Crianças 28.
(1) Toda criança tem o direito [...] (c) à nutrição básica, abrigo, serviços básicos de
saúde e serviços sociais; [...]”219), bem como sobre exigibilidade (enforceability) dos
direitos sociais e econômicos.
218
Housing 26. (1) Everyone has the right to have access to adequate housing. (2) The state must take
reasonable legislative and other measures, within its available resources, to achieve the progressive reali-
sation of this right. (3) No one may be evicted from their home, or have their home demolished, without an
order of court made after considering all the relevant circumstances. No legislation may permit arbitrary
evictions.
219
Children 28. (1) Every child has the right […] (c) to basic nutrition, shelter, basic health care services
and social services;
75
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

A Sra. Grootboom integrava um grupo com 510 crianças e 390 adultos que
viviam em “circunstâncias terríveis” em um assentamento informal de Wallacedene. 220
Passaram a ocupar ilegalmente terras próximas destinadas a moradias de baixo custo,
mas foram despejados: seus barracos foram demolidos e queimados e suas posses
destruídas. Como seus lugares no assentamento de Wallacedene estavam ocupados,
instalaram-se em um campo de esporte e em um salão comunitário adjacente.
O Tribunal Superior do Cabo da Boa Esperança, mencionando o caso
Soobramoney, concluiu que o governo já havia tomado medidas razoáveis, dentro
dos recursos disponíveis, mas reconheceu que as crianças e seus pais tinham direito
a abrigo com base na seção 28(1)(c) e ordenou aos governos nacional e provincial,
bem como ao Conselho Metropolitano do Cabo (Cape Metropolitan Council) e ao
Município de Oostenberg que lhes fornecessem imediatamente barracas, latrinas
portáteis e suprimento regular de água. A Comissão de Direitos Humanos e o Centro
de Direito Comunitário da Universidade do Cabo Ocidental foram admitidos como
amici curiae no recurso.
Em audiência realizada em 11 de maio de 2000, a comunidade Grootboom
aceitou oferta do Estado para minimizar a crise em que viviam, mas em 21 de setembro
de 2000, o Estado ainda não havia implementado sua oferta, de modo que foi
apresentada petição no Tribunal Constitucional da África do Sul. Por decisão unânime,
da relatoria do Justice Yacoob J, entendeu a Corte que a Constituição obriga o Estado
a agir positivamente para melhorar a situação de milhares de pessoas que vivem em
condições deploráveis em todo o país; que deve fornecer acesso à moradia, cuidados
de saúde, comida e água suficientes, bem como previdência social (social security)
para aqueles que não podem sustentar a si mesmos e seus dependentes.
A Corte destacou que todos os direitos da Declaração de Direitos são
inter-relacionados e se apoiam mutuamente; que a realização de direitos
socioeconômicos permite que as pessoas desfrutem dos outros direitos na Carta de
Direitos e é a chave para o avanço da igualdade racial e de gênero e a evolução de
uma sociedade, em que homens e mulheres são igualmente capazes de atingir seu
pleno potencial. Entenderam que a dignidade humana, a liberdade e a igualdade
são negadas a quem não tem comida, roupa ou abrigo e que o direito de acesso à
moradia adequada não pode, portanto, ser visto isoladamente.
Destacou-se, ainda, que o Estado deve fomentar condições que permitam aos
220
Wallacedene é um assentamento informal nos subúrbios orientais da Cidade do Cabo, na África do Sul.
O assentamento foi estabelecido durante a década de 1980, quando o relaxamento das “leis de passe” [pass
laws: “laws controlling where people can live, work, and travel inside a country, used especially in the past
under the system of apartheid (= racial separation) in South Africa” (Cambridge Dictionary)] permitiu que
as populações rurais migrassem mais rapidamente para os centros urbanos.

76
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

cidadãos obter acesso à terra de forma equitativa. Mas a Constituição reconhece que
esta é uma tarefa extremamente difícil nas condições vigentes e não obriga o Estado
a ir além de seus recursos disponíveis ou a realizar esses direitos imediatamente. No
entanto, o Estado deve concretizar esses direitos e, em circunstâncias apropriadas,
os tribunais podem e devem fazer cumprir essas obrigações.
A questão seria definir se as medidas tomadas pelo Estado para realizar os
direitos conferidos pela seção 26 são razoáveis. Para serem razoáveis, as medidas
não podem deixar de considerar o grau e a extensão da negação do direito que eles
se esforçam para realizar. Aqueles grupos cujas necessidades são mais urgentes não
devem ser negligenciados. Se as medidas, embora estatisticamente bem-sucedidas,
deixam de prever as necessidades dos mais desesperados, elas podem não passar
no teste da razoabilidade.
A Corte enfatizou que as seções 26 e 28(1)(c) não davam a nenhum dos
requerentes o direito de solicitar abrigo imediatamente. No entanto, constatou que
o programa que estava sendo implementado na área pelo Conselho Metropolitano
do Cabo, no momento em que a petição foi formulada, estava aquém das obrigações
impostas ao Estado pela seção 26; que, apesar de o programa geral de habitação
implementado pelo Estado desde 1994 ter resultado na construção de várias casas,
falhou em não fornecer uma alternativa ainda que temporária para aqueles em
situações mais necessitadas, como sem tetos, por exemplo.
Depois de o caso ter sido iniciado na Corte Constitucional, teve início um
Programa de Aceleração do Assentamento introduzido pelo Conselho Metropolitano
do Cabo, buscando atender a demanda social, reconhecida pelo Judiciário, de
melhorar o acesso à moradia, sobretudo aos mais necessitados. A Corte, todavia,
ressaltou que o julgamento não deve ser compreendido como um respaldo judicial
para práticas de invasões ilegais como forma de coagir o Estado a fornecer moradia.
O Tribunal apresentou uma ordem declaratória (declaratory order) que exigia
que o Estado formulasse e implementasse um programa que incluísse medidas
para proporcionar moradia adequada às pessoas que não haviam sido beneficiadas
pelo programa estadual aplicável na área metropolitana do Cabo antes de ter sido
introduzido o Programa de Aceleração do Assentamento.

4.2.2. Destaques
Feito o resumo, cumpre destacar que, não obstante o teor elogiavelmente
garantista, o Tribunal Constitucional da África do Sul cuidou de reconhecer e
declarar alguns pontos que nos parecem essenciais.
77
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Assim, no item “D. As disposições constitucionais relevantes e sua


justiciabilidade”, afirma:
[20] Os direitos socioeconômicos estão expressamente incluídos na Carta de Direitos,
e não se pode dizer que existem apenas no papel. A Seção 7(2) da Constituição exige
que o Estado “respeite, proteja, promova e cumpra os direitos da Declaração de
Direitos” e os tribunais estão obrigados constitucionalmente a garantir que sejam
protegidos e cumpridos. A questão, portanto, não é se os direitos socioeconômicos
são judicialmente exigíveis sob nossa Constituição, mas como assegurá-los em um
determinado caso.221 Esta é uma questão muito difícil, que deve ser cuidadosamente
explorada caso a caso...222

Com relação à “legislação razoável e outras medidas”, a Corte


Constitucional assenta:
[41] As medidas devem estabelecer um programa habitacional público coerente e
direcionado para a realização progressiva do direito de acesso a moradia adequada
dentro dos meios disponíveis do Estado. O programa deve ser capaz de facilitar a
realização do direito. Os contornos e o conteúdo exatos das medidas a serem adotadas
são principalmente de competência do legislativo e do executivo. Eles devem, no
entanto, garantir que as medidas adotadas sejam razoáveis. Em qualquer questão
baseada na seção 26, na qual se argumenta que o Estado não cumpriu as obrigações
positivas impostas pela seção 26(2), a questão será se as medidas legislativas e outras
tomadas pelo Estado são razoáveis. Um tribunal que considera a razoabilidade não
indagará se outras medidas mais desejáveis ou favoráveis poderiam ter sido adotadas,
ou se o dinheiro público poderia ter sido mais bem gasto. A questão seria se as medidas
que foram adotadas são razoáveis. É necessário reconhecer que uma ampla gama de
medidas possíveis poderia ser adotada pelo Estado para cumprir suas obrigações. Muitas
delas atenderiam ao requisito da razoabilidade. Uma vez demonstrado que as medidas
o fazem, esse requisito é atendido.223
221
Section 38 of the Constitution empowers the Court to grant appropriate relief for the infringement of any
right entrenched in the Bill of Rights.
222
“D. The relevant constitutional provisions and their justiciability. […] [20] Socio-economic rights are
expressly included in the Bill of Rights; they cannot be said to exist on paper only. Section 7(2) of the Con-
stitution requires the state “to respect, protect, promote and fulfil the rights in the Bill of Rights” and the
courts are constitutionally bound to ensure that they are protected and fulfilled. The question is therefore
not whether socio-economic rights are justiciable under our Constitution, but how to enforce them in a
given case. This is a very difficult issue which must be carefully explored on a case-by-case basis. […]”
223
“Reasonable legislative and other measures [41] The measures must establish a coherent public housing
programme directed towards the progressive realisation of the right of access to adequate housing within
the state’s available means. The programme must be capable of facilitating the realisation of the right.
The precise contours and content of the measures to be adopted are primarily a matter for the legislature
and the executive. They must, however, ensure that the measures they adopt are reasonable. In any chal-
lenge based on section 26 in which it is argued that the state has failed to meet the positive obligations
imposed upon it by section 26(2), the question will be whether the legislative and other measures taken by
the state are reasonable. A court considering reasonableness will not enquire whether other more desir-
able or favourable measures could have been adopted, or whether public money could have been better
spent. The question would be whether the measures that have been adopted are reasonable. It is necessary
to recognise that a wide range of possible measures could be adopted by the state to meet its obligations.

78
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Em seguida, salienta que “[a]o determinar se um conjunto de medidas é


razoável, será necessário considerar os problemas de moradia em seu contexto
social, econômico e histórico e considerar a capacidade das instituições responsáveis
pela implementação do programa”,224 para depois concluir: “Para serem razoáveis, as
medidas não podem deixar de considerar o grau e a extensão da negação do direito
que elas se esforçam para realizar. Aqueles cujas necessidades são as mais urgentes e
cuja capacidade de desfrutar de todos os direitos, portanto, está mais em perigo, não
devem ser ignorados pelas medidas destinadas a alcançar a realização do direito”.225
Ao tratar da realização progressiva do direito, registra:
[45] A extensão e o conteúdo da obrigação consistem no que deve ser alcançado, isto
é, “a realização progressiva deste direito”. Ele vincula as subseções (1) e (2), deixando
bem claro que o direito referido é o direito de acesso a moradia adequada. O termo
“realização progressiva” mostra que a Constituição também contemplou que o direito
poderia não ser imediatamente realizado. Mas o objetivo da Constituição é que as
necessidades básicas de todos em nossa sociedade sejam efetivamente atendidas e a
exigência de realização progressiva significa que o Estado deve tomar medidas para
alcançar esse objetivo. Isso significa que a acessibilidade deve ser progressivamente
facilitada: barreiras legais, administrativas, operacionais e financeiras devem ser
examinadas e, quando possível, reduzidas com o tempo. A moradia deve ser mais
acessível não apenas a um número maior de pessoas, mas para uma gama maior de
pessoas à medida que o tempo avança...226

E arremata quanto aos recursos disponíveis:


O terceiro aspecto definidor da obrigação de tomar as medidas necessárias é o de
que não se pode exigir que o Estado faça mais do que seus recursos disponíveis
permitem. Isso significa que tanto o conteúdo da obrigação a que progressivamente

Many of these would meet the requirement of reasonableness. Once it is shown that the measures do so,
this requirement is met.” – grifos nossos.
224
Na íntegra: “[43] In determining whether a set of measures is reasonable, it will be necessary to consider
housing problems in their social, economic and historical context and to consider the capacity of institu-
tions responsible for implementing the programme. The programme must be balanced and flexible and
make appropriate provision for attention to housing crises and to short, medium and long term needs. A
programme that excludes a significant segment of society cannot be said to be reasonable. Conditions do
not remain static and therefore the programme will require continuous review.
225
“[…] To be reasonable, measures cannot leave out of account the degree and extent of the denial of
the right they endeavour to realise. Those whose needs are the most urgent and whose ability to enjoy all
rights therefore is most in peril, must not be ignored by the measures aimed at achieving realisation of the
right […]”
226
“Progressive realisation of the right [45] The extent and content of the obligation consist in what must
be achieved, that is, “the progressive realisation of this right.” It links subsections (1) and (2) by making
it quite clear that the right referred to is the right of access to adequate housing. The term “progressive
realisation” shows that it was contemplated that the right could not be realised immediately. But the goal
of the Constitution is that the basic needs of all in our society be effectively met and the requirement of
progressive realisation means that the state must take steps to achieve this goal. It means that accessibil-
ity should be progressively facilitated: legal, administrative, operational and financial hurdles should be
examined and, where possible, lowered over time. Housing must be made more accessible not only to a
larger number of people but to a wider range of people as time progresses.[…]”

79
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

se busca alcançar quanto a razoabilidade das medidas empregadas para alcançar o


resultado almejado são regidos pela disponibilidade de recursos. A seção 26 não espera
mais do Estado do que é possível dentro de seus recursos disponíveis.227

Digno de nota é que o Tribunal Constitucional, no item “H. Avaliação da


conduta dos apelantes em relação aos apelados”, teve a sensibilidade de salientar:
“Mas devemos lembrar também que os apelados não estão sozinhos em seu
desespero; centenas de milhares (possivelmente milhões) de sul-africanos vivem
em condições terríveis em todo o país”,228 para enfatizar:
[81] Embora as condições em que os apelados viviam em Wallacedene fossem
reconhecidamente intoleráveis e embora seja incabível realizar qualquer crítica
contra eles por deixarem seus barracos de Wallacedene, não se pode afirmar que
estavam em circunstâncias piores que a de milhares de pessoas, inclusive crianças
pequenas, que permaneceram em Wallacedene. Não se pode afirmar, com base
nas provas apresentadas, que os autores saíram do assentamento Wallacedene e
ocuparam a terra destinada ao desenvolvimento habitacional de baixo custo como
uma estratégia deliberada para ter preferência na alocação de recursos habitacionais
sobre outras pessoas que permaneceram em condições intoleráveis e que também
necessitavam urgentemente da proteção habitacional. Deve-se ter em mente, no
entanto, que o efeito de qualquer ordem que constitua um tratamento especial para
os apelados em razão de suas circunstâncias extraordinárias é conceder-lhes essa
preferência.229

Sempre ressaltando que “[e]ste caso mostra o desespero de centenas de


milhares de pessoas que vivem em condições deploráveis em todo o país”,230 bem
como ser “tarefa extremamente árdua para o Estado cumprir estas obrigações nas
condições que prevalecem no país”, o que é reconhecido “pela Constituição, que
227
“Within available resources [46] The third defining aspect of the obligation to take the requisite mea-
sures is that the obligation does not require the state to do more than its available resources permit.
This means that both the content of the obligation in relation to the rate at which it is achieved as well
as the reasonableness of the measures employed to achieve the result are governed by the availability of
resources. Section 26 does not expect more of the state than is achievable within its available resources
[…].” – grifos nossos.
228
“[80] ... But we must also remember that the respondents are not alone in their desperation; hundreds
of thousands (possibly millions) of South Africans live in appalling conditions throughout our country.”
229
“[81] Although the conditions in which the respondents lived in Wallacedene were admittedly intolerable
and although it is difficult to level any criticism against them for leaving the Wallacedene shack settlement,
it is a painful reality that their circumstances were no worse than those of thousands of other people, includ-
ing young children, who remained at Wallacedene. It cannot be said, on the evidence before us, that the
respondents moved out of the Wallacedene settlement and occupied the land earmarked for low-cost housing
development as a deliberate strategy to gain preference in the allocation of housing resources over thousands
of other people who remained in intolerable conditions and who were also in urgent need of housing relief.
It must be borne in mind however, that the effect of any order that constitutes a special dispensation for the
respondents on account of their extraordinary circumstances is to accord that preference.”
230
“I. Summary and conclusion [93] This case shows the desperation of hundreds of thousands of people
living in deplorable conditions throughout the country. […]” – grifos nossos.

80
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

prevê expressamente que o Estado não é obrigado a ir além dos recursos disponíveis
ou a realizar esses direitos imediatamente”,231 conclui a Corte:
[95] Nem a seção 26 nem a seção 28 garantem aos apelados o direito de exigir abrigo
ou habitação imediatamente. A ordem do Tribunal Superior, portanto, não deveria
ter sido dada. No entanto, a seção 26 obriga o Estado a elaborar e implementar um
programa coerente e coordenado destinado a cumprir seus deveres da seção 26.
O programa que foi adotado e estava em vigor na Região Metropolitana do Cabo
no momento da propositura da demanda ficou aquém das obrigações impostas ao
Estado pela seção 26(2), na medida em que não forneceu qualquer forma de amparo
àqueles que precisavam desesperadamente de acesso à moradia.
[96] À luz das conclusões a que cheguei, é necessário e apropriado proferir uma
ordem declaratória. A ordem exige que o Estado aja com o objetivo de cumprir o
dever imposto pela artigo 26(2) da Constituição. Isto inclui a obrigação de criar,
financiar, implementar e supervisionar medidas para proporcionar amparo àqueles
em situação de necessidade desesperada.
[97] A Comissão de Direitos Humanos atua como amicus neste caso. A artigo 184(1)
(c) da Constituição impõe à Comissão o dever de “monitorar e avaliar a observância
dos direitos humanos na República.” As subseções (2)(a) e (b) conferem à Comissão
o poder: “(a) de investigar e informar sobre a observância dos direitos humanos;
(b) tomar providências para assegurar a reparação apropriada quando os direitos
humanos tiverem sido violados.”232

Enfim, eis o trecho fundamental da decisão:


J. Decisão
[99] Determina-se:
1. O recurso é provido em parte.
2. A decisão do Tribunal Superior do Cabo da Boa Esperança é reformada e substituida
no seguinte:
É declarado que:
231
“[94] I am conscious that it is an extremely difficult task for the state to meet these obligations in the
conditions that prevail in our country. This is recognised by the Constitution which expressly provides
that the state is not obliged to go beyond available resources or to realise these rights immediately. […]”
232
[95] Neither section 26 nor section 28 entitles the respondents to claim shelter or housing immediately
upon demand. The High Court order ought therefore not to have been made. However, section 26 does
oblige the state to devise and implement a coherent, co-ordinated programme designed to meet its section
26 obligations. The programme that has been adopted and was in force in the Cape Metro at the time that
this application was brought, fell short of the obligations imposed upon the state by section 26(2) in that it
failed to provide for any form of relief to those desperately in need of access to housing.
[96] In the light of the conclusions I have reached, it is necessary and appropriate to make a declaratory
order. The order requires the state to act to meet the obligation imposed upon it by section 26(2) of the
Constitution. This includes the obligation to devise, fund, implement and supervise measures to provide
relief to those in desperate need.
[97] The Human Rights Commission is an amicus in this case. Section 184 (1) (c) of the Constitution places
a duty on the Commission to “monitor and assess the observance of human rights in the Republic.” Sub-
sections (2)(a) and (b) give the Commission the power: “(a) to investigate and to report on the observance
of human rights; (b) to take steps to secure appropriate redress where human right have been violated.”

81
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

(a) A seção 26(2) da Constituição obriga o Estado a criar e implementar dentro dos seus
recursos disponíveis um programa abrangente e coordenado para progressivamente
realizar o direito de acesso a uma moradia adequada.
(b) O programa deve incluir medidas razoáveis, tais como, mas não
necessariamente limitadas, àquelas contempladas no Programa de Aceleração
do Assentamento Administrado, para proporcionar amparo para pessoas que
não têm acesso à terra, que não têm teto e que estão vivendo em condições
intoleráveis ou situações de crise.233

Chaskalson P, Langa DP, Goldstone J, Kriegler J, Madala J, Mokgoro J, Ngcobo


J, O’Regan J, Sachs J e Cameron AJ concordaram com o julgamento de Yacoob J.

4.3 O caso Soobramoney – Soobramoney v. Minister of Health (KwaZulu-Natal)


O autor da ação, Thiagraj Soobramoney, desempregado de 41 anos, era
diabético que padecia ainda de doença cardíaca isquêmica e doença cérebro-
vascular, tendo sofrido derrame cerebral em 1996, quando, também em 1996,
apareceu seu problema de rins e sua condição foi diagnosticada como irreversível,
embora sua vida pudesse ser prolongada por meio de hemodiálise regular. Pediu,
em consequência, para ser admitido no programa de diálise do hospital estadual de
Addington, em Durban, mas foi informado de que não se qualificava para admissão.
O hospital fornecia apenas tratamento de diálise para número limitado
de pacientes. A unidade renal possuía 20 máquinas de hemodiálise disponíveis,
e algumas dessas máquinas estavam em más condições. Cada tratamento levava
quatro horas, em média, sendo que mais duas horas deviam ser consideradas para
a limpeza da máquina, antes de poder ser usada novamente para outro tratamento.
Por causa dos limitados recursos disponíveis para a diálise renal, o hospital não era
capaz de fornecer ao recorrente o tratamento solicitado.
As razões apresentadas pelo hospital para isso foram expostas no depoimento
do Dr. Saraladevi Naicker, médico nefrologista que trabalhou no Hospital de
233
Na íntegra: “J. The Order [99] The following order is made: 1. The appeal is allowed in part. 2. The
order of the Cape of Good Hope High Court is set aside and the following is substituted for it: It is declared
that: (a) Section 26(2) of the Constitution requires the state to devise and implement within its available
resources a comprehensive and coordinated programme progressively to realise the right of access to
adequate housing. (b) The programme must include reasonable measures such as, but not necessarily lim-
ited to, those contemplated in the Accelerated Managed Land Settlement Programme, to provide relief for
people who have no access to land, no roof over their heads, and who are living in intolerable conditions or
crisis situations. (c) As at the date of the launch of this application, the state housing programme in the area
of the Cape Metropolitan Council fell short of compliance with the requirements in paragraph (b), in that
it failed to make reasonable provision within its available resources for people in the Cape Metropolitan
area with no access to land, no roof over their heads, and who were living in intolerable conditions or crisis
situations. 3. There is no order as to costs.” – grifado no original.

82
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Addington por 18 anos e que é atualmente o presidente da Sociedade Renal da


África do Sul. Em seu depoimento, o Dr. Naicker diz que o Addington Hospital
não possui recursos bastantes para fornecer tratamento de diálise para todos os
pacientes que sofrem de insuficiência renal crônica. São necessárias máquinas de
diálise adicionais e uma equipe de enfermagem mais treinada para permitir que
isso aconteça, mas o orçamento hospitalar não prevê esse gasto. O hospital gostaria
de ter seu orçamento aumentado, mas foi informado pelo departamento provincial
de saúde que os fundos não estão disponíveis para esse fim.234
Devido aos recursos limitados, o hospital adotou política de admissão
apenas daqueles pacientes que poderiam ser curados e daqueles com insuficiência
renal crônica elegíveis para transplante renal, como se vê do item 3 do julgamento:
[3] Devido à escassez de recursos, o hospital segue uma política definida em
relação ao uso dos recursos de diálise. Apenas os pacientes que sofrem de
insuficiência renal aguda, que podem ser tratados e curados235 por diálise renal,
recebem acesso automático à diálise no hospital. Aqueles pacientes que, como o
recorrente, sofrem de insuficiência renal crônica irreversível, não são internados
automaticamente no programa renal. Um conjunto de diretrizes foi elaborado e
adotado para determinar quais requerentes [applicants] com insuficiência renal
crônica receberão tratamento dialítico. De acordo com as diretrizes, o principal
requisito para a admissão dessas pessoas no programa de diálise é que o paciente
seja elegível para um transplante renal...236

Soobramoney era inelegível para transplante, em razão de suas doenças


cardíaca e cérebro-vascular significativas. Então pleiteou o tratamento judicialmente,
alegando que tinha o direito de receber a hemodiálise do hospital, nos termos da

234
Texto original: “[2] The reasons given by the hospital for this are set out in the respondents answering
affidavit deposed to by Doctor Saraladevi Naicker, a specialist physician and nephrologist in the field of
renal medicine who has worked at Addington Hospital for 18 years and who is currently the President of
the South African Renal Society. In her affidavit Dr Naicker says that Addington Hospital does not have
enough resources to provide dialysis treatment for all patients suffering from chronic renal failure. Addi-
tional dialysis machines and more trained nursing staff are required to enable it to do this, but the hospital
budget does not make provision for such expenditure. The hospital would like to have its budget increased
but it has been told by the provincial health department that funds are not available for this purpose.”
235
Nos casos em que a insuficiência renal pode ser curada por diálise, isto é normalmente conseguido dentro
de um período de quatro a seis semanas após o início do tratamento.
236
“[3] Because of the shortage of resources the hospital follows a set policy in regard to the use of the
dialysis resources. Only patients who suffer from acute renal failure, which can be treated and remedied
[nota 1: Where the renal failure can be cured by dialysis this is usually achieved within a period of four to
six weeks from the commencement of the treatment.] by renal dialysis are given automatic access to renal
dialysis at the hospital. Those patients who, like the appellant, suffer from chronic renal failure which is
irreversible are not admitted automatically to the renal programme. A set of guidelines has been drawn
up and adopted to determine which applicants who have chronic renal failure will be given dialysis treat-
ment. According to the guidelines the primary requirement for admission of such persons to the dialysis
programme is that the patient must be eligible for a kidney transplant. […]”.

83
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

seção 27(3) (“A ninguém pode ser recusado tratamento médico de emergência.”)237
e da seção 11 (“Todos têm direito à vida.”)238 da Constituição sul-africana de 1996. O
pedido foi indeferido.
Em recurso, relatado pelo justice CHASKALSON P o Tribunal Constitucional,
após mencionar as seções 26 e 27 da Constituição, afirmou:
[11] O que resulta dessas disposições é que as obrigações impostas ao Estado
pelas seções 26 e 27 em relação ao acesso a moradia, saúde, alimentação, água e
segurança social dependem dos recursos disponíveis para tais fins, e que os direitos
correspondentes são limitados por falta de recursos. Tendo em conta essa falta de
recursos e as demandas significativas que já foram mencionadas, uma obrigação
incondicional [unqualified] de atender a essas necessidades não seria atualmente
capaz de ser satisfeita. Este é o contexto no qual a seção 27(3) deve ser interpretada.239

Bem assim, esclarece a Corte:


[19] Na nossa Constituição, o direito ao tratamento médico não deve ser inferido
da natureza da Constituição ou do direito à vida que ela garante. Ele é tratado
diretamente na seção 27. Se a seção 27(3) fosse interpretada de acordo com a
alegação do apelante, tornaria substancialmente mais difícil para o Estado cumprir
suas obrigações primárias sob as seções 27(1) e ( 2), quais sejam, fornecer serviços de
assistência médica para “todos” dentro de seus recursos disponíveis. Teria também a
consequência de dar prioridade ao tratamento de doenças terminais sobre outras
formas de assistência médica e reduziria os recursos disponíveis do Estado para fins
como cuidados de saúde preventivos e tratamento médico para pessoas que sofrem
de doenças ou debilidades físicas que não ameaçam a vida...240
237
Na íntegra: “27. Health care, food, water and social security (1) Everyone has the right to have access to
– (a) health care services, including reproductive health care; (b) sufficient food and water; and (c) social
security, including, if they are unable to support themselves and their dependants, appropriate social as-
sistance. (2) The state must take reasonable legislative and other measures, within its available resources,
to achieve the progressive realisation of each of these rights. (3) No one may be refused emergency medical
treatment.” [Nossa tradução: “27. Cuidados de saúde, alimentação, água e segurança social (1) Todos têm
o direito de ter acesso a – (a) serviços de saúde, incluindo cuidados de saúde reprodutiva; (b) comida e água
suficientes; e c) segurança social, incluindo, se não puderem sustentar a si próprios e aos seus dependentes,
assistência social adequada. (2) O Estado deve tomar medidas legislativas e outras medidas razoáveis,
dentro de seus recursos disponíveis, para alcançar a realização progressiva de cada um desses direitos. (3)
A ninguém pode ser recusado tratamento médico de emergência.”].
238
“11. Life. Everyone has the right to life.”
239
“[11] What is apparent from these provisions is that the obligations imposed on the state by sections 26
and 27 in regard to access to housing, health care, food, water and social security are dependent upon the
resources available for such purposes, and that the corresponding rights themselves are limited by reason
of the lack of resources. Given this lack of resources and the significant demands on them that have already
been referred to, an unqualified obligation to meet these needs would not presently be capable of being
fulfilled. This is the context within which section 27(3) must be construed.”
240
“[19] In our Constitution the right to medical treatment does not have to be inferred from the nature of
the state established by the Constitution or from the right to life which it guarantees. It is dealt with directly
in section 27. If section 27(3) were to be construed in accordance with the appellant=s contention it would
make it substantially more difficult for the state to fulfill its primary obligations under sections 27(1) and
(2) to provide health care services to “everyone” within its available resources. It would also have the
consequence of prioritising the treatment of terminal illnesses over other forms of medical care and would
reduce the resources available to the state for purposes such as preventative health care and medical treat-

84
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Para concluir que o objetivo do direito assegurado na seção 27(3) parece


ser garantir que o tratamento seja prestado em caso de emergências, não sendo
frustrado por exigências burocráticas ou outras formalidades:
A uma pessoa que sofra uma catástrofe repentina e que precise de cuidados médicos
imediatos [...], não devem ser recusados ambulância e outros serviços de emergência
disponíveis, nem hospital capaz de fornecer o tratamento necessário. O que a seção
exige é que o tratamento corretivo necessário e disponível seja dado imediatamente
para evitar dano.241

Soobramoney sofria de insuficiência renal crônica e necessitava de tratamento


de hemodiálise duas a três vezes por semana para sobreviver. O tribunal decidiu que
não se tratava de uma emergência que exigisse tratamento curativo imediato, por ser
condição contínua resultante de uma deterioração da função renal incurável.242

“A demanda para receber tratamento de diálise em hospital estadual”,


prossegue o Tribunal, “deve ser determinada de acordo com as disposições das seções
27(1) e (2) e não da seção 27(3). Essas seções permitem que todos tenham acesso aos
serviços de saúde fornecidos pelo Estado ‘dentro de seus recursos disponíveis’”.243

Verificou-se que o Departamento de Saúde de KwaZulu-Natal não tinha


recursos suficientes para cobrir o custo dos serviços prestados ao público; que o
orçamento foi excedido em R152 milhões e previa-se que os gastos excedentes
aumentassem para 700 milhões de rands no ano então em curso, a menos que fosse
feita uma redução séria nos serviços que ele oferece.
A unidade renal do Hospital Addington tem de atender a toda a província de KwaZulu-
Natal e também recebe pacientes de partes do Cabo Oriental. Há muito mais pacientes
que sofrem de insuficiência renal crônica do que máquinas de diálise para tratar esses
pacientes. Este é um problema de âmbito nacional e os recursos são estendidos a
todas as clínicas renais do país. Portanto, foram estabelecidas diretrizes para ajudar as

ment for persons suffering from illnesses or bodily infirmities which are not life threatening….]”
241
“[20] Section 27(3) itself is couched in negative terms - it is a right not to be refused emergency treat-
ment. The purpose of the right seems to be to ensure that treatment be given in an emergency, and is not
frustrated by reason of bureaucratic requirements or other formalities. A person who suffers a sudden
catastrophe which calls for immediate medical attention, […] should not be refused ambulance or other
emergency services which are available and should not be turned away from a hospital which is able to
provide the necessary treatment. What the section requires is that remedial treatment that is necessary and
available be given immediately to avert that harm.”
242
“[21] “The applicant suffers from chronic renal failure. To be kept alive by dialysis he would require
such treatment two to three times a week. This is not an emergency which calls for immediate remedial
treatment. It is an ongoing state of affairs resulting from a deterioration of the applicant’s renal function
which is incurable. In my view section 27(3) does not apply to these facts.”
243
“[22] The appellant’s demand to receive dialysis treatment at a state hospital must be determined in
accordance with the provisions of sections 27(1) and (2) and not section 27(3). These sections entitle every-
one to have access to health care services provided by the state ‘within its available resources’”.

85
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

pessoas que trabalham nessas clínicas a fazerem as escolhas angustiantes (agonising


choices) que precisam ser feitas para decidir quem deve receber tratamento e quem
não deve. Essas diretrizes foram aplicadas no presente caso.244
[25] Ao usar as máquinas de diálise disponíveis, de acordo com as diretrizes, mais
pacientes são beneficiados do que seria o caso se fossem usados para manter
pessoas vivas com insuficiência renal crônica, e o resultado do tratamento também
é mais benéfico porque ele é direcionado para curar pacientes, e não simplesmente
para mantê-los em uma condição cronicamente doente. Não foi sugerido que essas
diretrizes não sejam razoáveis ou que não tenham sido aplicadas de forma justa e
racional quando a decisão foi tomada pelo Hospital Addington de que o recorrente
não se qualificou para diálise.245

Ao enfrentar alegações do apelante, de que “melhor uso poderia ser feito


das máquinas de diálise no Hospital Addington, mantendo a clínica aberta por mais
horas”, a Corte Constitucional sul-africana arremata:
[28] O caso do apelante deve ser visto no contexto das necessidades que os serviços
de saúde têm que cumprir, pois se o tratamento tiver que ser fornecido ao apelante,
ele também teria que ser fornecido a todas as outras pessoas na mesma situação. Embora
a clínica renal pudesse ser mantida aberta por mais horas, isso envolveria despesas
suplementares em ter que pagar ao pessoal da clínica horas extras, ou em ter que
empregar pessoal adicional trabalhando em turnos. Isso também ensejaria a sobrecarga
das máquinas de diálise existentes, que já apresentam sinais de desgaste. Estima-se que
o custo para o Estado de tratar um doente crônico por meio de diálise renal, prestado
duas vezes por semana em um hospital estadual, é de aproximadamente R60.000 por
ano. Se todas as pessoas na África do Sul que sofrem de insuficiência renal crônica
receberem tratamento de diálise – e muitas delas, como o recorrente, necessitarem de
tratamento três vezes por semana –, o custo para tanto provocaria intrusões [inroads]
substanciais no orçamento da saúde. E se esse princípio fosse aplicado a todos os
pacientes que reivindicam acesso a tratamento médico dispendioso ou a medicamentos
caros, o orçamento da saúde teria que ser aumentado drasticamente em detrimento de
outras necessidades que o Estado tem que cumprir.246 (grifos nossos).
244
“[24] At present the Department of Health in KwaZulu-Natal does not have sufficient funds to cover the
cost of the services which are being provided to the public. In 1996-1997 it overspent its budget by R152
million, and in the current year it is anticipated that the overspending will be R700 million rand unless a
serious cutback is made in the services which it provides. The renal unit at the Addington Hospital has to
serve the whole of KwaZulu-Natal and also takes patients from parts of the Eastern Cape. There are many
more patients suffering from chronic renal failure than there are dialysis machines to treat such patients.
This is a nation-wide problem and resources are stretched in all renal clinics throughout the land. Guide-
lines have therefore been established to assist the persons working in these clinics to make the agonising
choices which have to be made in deciding who should receive treatment, and who not. These guidelines
were applied in the present case.”
245
“[25] By using the available dialysis machines in accordance with the guidelines more patients are
benefited than would be the case if they were used to keep alive persons with chronic renal failure, and the
outcome of the treatment is also likely to be more beneficial because it is directed to curing patients, and
not simply to maintaining them in a chronically ill condition. It has not been suggested that these guidelines
are unreasonable or that they were not applied fairly and rationally when the decision was taken by the
Addington Hospital that the appellant did not qualify for dialysis.”
246
“[28] The appellant’s case must be seen in the context of the needs which the health services have to
meet, for if treatment has to be provided to the appellant it would also have to be provided to all other

86
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

O julgado menciona e analisa decisões dos tribunais ingleses nas quais se


considerou indesejável que um tribunal determinasse como devem ser aplicados os
escassos recursos de sáude, apontando para o perigo de decisões que direcionam a
aplicação de recursos a apenas um paciente, o que pode ter o efeito de negar esses
recursos a outros pacientes a quem eles poderiam ser mais vantajosamente dedicados.247
Em seguida, o Tribunal faz marcante e verdadeira manifestação:
[31] Não se pode deixar de ter simpatia pelo apelante e sua família, que enfrentam
o dilema cruel de ter que empobrecer-se a fim de garantir o tratamento que o
recorrente procura, a fim de prolongar a sua vida. O fato difícil e desagradável é que
se o apelante fosse um homem rico ele seria capaz de obter tal tratamento de fontes
privadas; mas como não é tem de pedir para o Estado fornecer-lhe o tratamento.
Contudo, os recursos estatais são limitados e o recorrente não atende aos critérios de
admissão no programa de diálise renal. Infelizmente, essa é a realidade não apenas
do recorrente, mas de muitos outros que precisam ter acesso às unidades de diálise
renal ou a outros serviços de saúde. Há também aqueles que precisam ter acesso
a moradia, comida e água, oportunidades de emprego e segurança social. Esses
também são aspectos do direito à
“... vida humana: o direito de viver como ser humano, de fazer parte de uma
comunidade mais ampla, de compartilhar a experiência da humanidade”.248
O Estado tem que administrar seus recursos limitados para tratar de todas essas
pretensões. Haverá momentos em que isso exigirá que ele adote uma abordagem
holística às necessidades maiores da sociedade, em vez de se concentrar nas
necessidades específicas de determinados indivíduos dentro da sociedade.249
persons similarly placed. Although the renal clinic could be kept open for longer hours, it would involve
additional expense in having to pay the clinic personnel at overtime rates, or in having to employ additional
personnel working on a shift basis. It would also put a great strain on the existing dialysis machines which
are already showing signs of wear. It is estimated that the cost to the state of treating one chronically ill
patient by means of renal dialysis provided twice a week at a state hospital is approximately R60 000 per
annum. If all the persons in South Africa who suffer from chronic renal failure were to be provided with
dialysis treatment - and many of them, as the appellant does, would require treatment three times a week -
the cost of doing so would make substantial inroads into the health budget. And if this principle were to be
applied to all patients claiming access to expensive medical treatment or expensive drugs, the health budget
would have to be dramatically increased to the prejudice of other needs which the state has to meet.”
247
In his judgment in this case Combrinck J refers to decisions of the English courts in which it has been
held to be undesirable for a court to make an order as to how scarce medical resources should be applied,
and to the danger of making any order that the resources be used for a particular patient, which might
have the effect of denying those resources to other patients to whom they might more advantageously be
devoted. [Re J (a minor) [1992] 4 All ER 614 (CA) at 625g; Airedale NHS Trust v Bland [1993] 1 All ER
821 (CA) at 857b.].
248
Per O’Regan J in S v Makwanyane above n 5 at para 326.
249
“[31] One cannot but have sympathy for the appellant and his family, who face the cruel dilemma of hav-
ing to impoverish themselves in order to secure the treatment that the appellant seeks in order to prolong
his life. The hard and unpalatable fact is that if the appellant were a wealthy man he would be able to pro-
cure such treatment from private sources; he is not and has to look to the state to provide him with the treat-
ment. But the state’s resources are limited and the appellant does not meet the criteria for admission to the
renal dialysis programme. Unfortunately, this is true not only of the appellant but of many others who need

87
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

O Tribunal Constitucional negou provimento ao recurso.


Colhe-se do voto do justice MADALA J essa corretíssima lição:
[42] A Constituição é voltada para o futuro e garante a todos os cidadãos direitos
fundamentais, de tal maneira que a pessoa comum, que está ciente dessas garantias,
as reivindica imediatamente sem mais delongas – e assume que todo direito assim
garantido está disponível para ele ou ela sob demanda. Alguns direitos na Constituição
são o ideal e algo pelo qual se deve lutar. Eles equivalem a uma promessa, em alguns
casos, uma indicação do que uma sociedade democrática com o objetivo de salvar
a dignidade perdida, a liberdade e a igualdade deve empreender. São valores que a
Constituição procura fornecer, nutrir e proteger para uma futura África do Sul.
[43] Entretanto, as garantias da Constituição não são absolutas, mas podem ser
limitadas de uma forma ou de outra. Em alguns casos, a Constituição estabelece
expressamente que o Estado deve tomar medidas legislativas e outras medidas
razoáveis, dentro de seus recursos disponíveis “para alcançar a realização progressiva
de cada um desses direitos”. Em sua linguagem, a Constituição aceita que não
pode resolver todos os problemas de nossa sociedade da noite para o dia, mas
deve continuar tentando resolver esses problemas. Um dos fatores limitantes para
a obtenção das garantias da Constituição é o de recursos limitados ou escassos.
No presente caso, as instalações limitadas de hemodiálise, incluindo máquinas de
hemodiálise, leitos e pessoal treinado constituem os limitados ou escassos recursos.250

Enfim, antes de encerrar este item, vale a pena salientar que o justice SACHS
J, em seu voto, termina por enfatizar:
[59] O requerente, neste caso, apresentou sua reivindicação de maneira muito
digna e demonstrou manifesto apreço pela situação de muitas outras pessoas nas
mesmas circunstâncias difíceis que ele próprio. Se os recursos fossem coextensivos

access to renal dialysis units or to other health services. There are also those who need access to housing,
food and water, employment opportunities, and social security. These too are aspects of the right to
“. . . human life: the right to live as a human being, to be part of a broader community, to share in the
experience of humanity.”
The state has to manage its limited resources in order to address all these claims. There will be times
when this requires it to adopt a holistic approach to the larger needs of society rather than to focus on the
specific needs of particular individuals within society.”
250
“[42] The Constitution is forward-looking and guarantees to every citizen fundamental rights in such a
manner that the ordinary person-in-the-street, who is aware of these guarantees, immediately claims them
without further ado - and assumes that every right so guaranteed is available to him or her on demand.
Some rights in the Constitution are the ideal and something to be strived for. They amount to a promise,
in some cases, and an indication of what a democratic society aiming to salvage lost dignity, freedom and
equality should embark upon. They are values which the Constitution seeks to provide, nurture and protect
for a future South Africa.
[43] However, the guarantees of the Constitution are not absolute but may be limited in one way or another.
In some instances, the Constitution states in so many words that the state must take reasonable legisla-
tive and other measures, within its available resources “to achieve the progressive realisation of each
of these rights.” In its language, the Constitution accepts that it cannot solve all of our society’s woes
overnight, but must go on trying to resolve these problems. One of the limiting factors to the attainment
of the Constitution’s guarantees is that of limited or scarce resources. In the present case the limited hae-
modialysis facilities, inclusive of haemodialysis machines, beds and trained staff constitute the limited or
scarce facilities.”

88
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

à compaixão, não tenho dúvida sobre qual teria sido a minha decisão. Infelizmente,
os recursos são limitados e não encontro motivo para interferir na alocação feita
por aqueles que estão mais bem equipados do que eu para lidar com as escolhas
angustiantes que precisavam ser feitas.251 (grifos nossos).

Langa DP, Ackermann J, Didcott J, Goldstone J, Kriegler J, Mokgoro J, O’Regan


J and Sachs J concordaram com o julgamento de Chaskalson P [unânime].

4.4 O caso TAC – Minister of Health and Others v Treatment Action Campaign and
Others
O recurso à Corte Constitucional visava a reformar decisões do Tribunal
Superior de Pretória contra o governo, por causa de deficiências percebidas em sua
reação a um aspecto da ameaça do HIV/AIDS. O tribunal entendeu que o governo
não havia tratado de forma razoável a necessidade de reduzir o risco de mães HIV-
positivas transmitirem a doença a seus bebês no nascimento. Mais especificamente,
a conclusão foi que o governo não agiu de forma razoável ao (a) recusar-se a
disponibilizar medicamento antirretroviral chamado nevirapina (NVP) no setor
de saúde pública onde o médico assistente o considerou clinicamente indicado
e (b) não estabelecer cronograma para um programa nacional de prevenção da
transmissão do HIV de mãe para filho.
O caso começou como requerimento no Tribunal Superior de Pretória, em
21 de agosto de 2001, tendo como autores associações e membros da sociedade
civil preocupados com o tratamento de pessoas com HIV/AIDS e com a prevenção
de novas infecções. No julgamento eles são referidos coletivamente como “os
requerentes” [“the applicants”]. O principal autor entre eles foi o Treatment Action
Campaign (TAC). Os réus foram o Ministro da Saúde e os respectivos membros dos
conselhos executivos (MECs) responsáveis pela saúde em todas as províncias, exceto
o Cabo Ocidental. Eles são referidos coletivamente como “o governo” ou “governo”.
O governo, como parte de uma série de respostas à pandemia, criou um
programa para lidar com a transmissão do HIV de mãe para filho no nascimento e
identificou a nevirapina como medicamento a ser utilizado, mas o programa impôs
restrições para a disponibilização de nevirapina no setor de saúde pública.
Surge, então, a primeira das duas questões principais no caso. Os requerentes
251
“[59] The applicant in this case presented his claim in a most dignified manner and showed manifest
appreciation for the situation of the many other persons in the same harsh circumstances as himself. If
resources were co-extensive with compassion, I have no doubt as to what my decision would have been. Un-
fortunately, the resources are limited, and I can find no reason to interfere with the allocation undertaken
by those better equipped than I to deal with the agonising choices that had to be made.”

89
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

alegaram que as restrições não seriam razoáveis à luz da Constituição, que obriga o
Estado e todos os seus órgãos a dar eficácia aos direitos garantidos pela Declaração
de Direitos, ao prever nas seções 7(2) e 8(1), respectivamente: 7(2) O Estado deve
respeitar, proteger, promover e cumprir os direitos na Carta de Direitos;252 8(1)
A Declaração de Direitos aplica-se a toda lei e vincula o legislador, o executivo, o
judiciário e todos os órgãos do Estado.253
A questão envolve o direito dado a todos de ter acesso a serviços públicos
de saúde e ao direito de as crianças receberem proteção especial. Estes direitos
estão expressos nos seguintes termos na Carta de Direitos: Seção 27(1) Todos têm
o direito de ter acesso a – (a) serviços de cuidados de saúde, incluindo cuidados
de saúde reprodutiva; [...] (2) O Estado deve tomar medidas legislativas e outras
medidas razoáveis, dentro de seus recursos disponíveis, para alcançar a realização
progressiva de cada um desses direitos [...].254 Seção 28(1) Toda criança tem o direito
– [...] (c) à nutrição básica, abrigo, serviços básicos de saúde e serviços sociais; [...].255
A segunda questão principal também decorre das seções 27 e 28 da
Constituição e consiste em definir se o governo é constitucionalmente obrigado a
planejar e implementar imediatamente um programa eficaz, abrangente e progressivo
para a prevenção da transmissão do HIV de mãe para filho em todo o país.
Ao expor o caso concreto, o Tribunal Constitucional menciona que as duas
questões principais estavam em controvérsia entre os requerentes e o governo por
um tempo considerável antes da propositura da ação. Assim, quando o TAC, em
setembro de 1999, pressionou pela aceleração do programa governamental de
prevenção da transmissão intraparto, de mãe para filho, do HIV, foi informado pelo
Ministro que isso não poderia ser feito porque havia preocupações, entre outras
coisas, com a segurança e eficácia da nevirapina. Quase um ano depois (em agosto
de 2000), após a 13ª Conferência Internacional de Aids em Durban e uma reunião
de acompanhamento com a presença do Ministro e dos MECs, foi anunciado que
a nevirapina ainda não seria disponibilizada de maneira geral. Em vez disso, cada
província selecionaria dois locais para pesquisas futuras e o uso da droga seria
restrito a esses locais.
252
“7. Rights […] (2) The state must respect, protect, promote and fulfil the rights in the Bill of Rights.”
253
“8. Application (1) The Bill of Rights applies to all law, and binds the legislature, the executive, the
judiciary and all organs of state. […].
254
“27. Health care, food, water and social security (1) Everyone has the right to have access to — (a)
health care services, including reproductive health care; […] (2) The state must take reasonable legisla-
tive and other measures, within its available resources, to achieve the progressive realisation of each of
these rights […]”.
255
“28. Children (1) Every child has the right — […] (c) to basic nutrition, shelter, basic health care ser-
vices and social services; […]”.

90
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Cerca de um ano depois, em 6 de agosto de 2001, respondendo a uma carta


enviada pelos requerentes, o Ministro da Saúde não negou a restrição imposta pelo
governo à disponibilidade de nevirapina, esclarecendo uma série de preocupações
governamentais com relação à segurança e eficácia da NVP. Pode-se mencionar
que uma importante razão para essa decisão foi que o governo queria desenvolver
e monitorar seus recursos humanos e materiais em todo o país para a entrega de
um pacote abrangente de testes e aconselhamento, dispensação de nevirapina e
serviços de acompanhamento para gestantes. Os locais de pesquisa e treinamento
poderiam fornecer informações vitais, permitindo que, com o tempo, o programa
de prevenção fosse desenvolvido e ampliado.
Ajuizada a demanda,256 o governo, em sua defesa, levantou questões relativas
à separação de poderes, sob dois aspectos: (i) na deferência que os tribunais devem
mostrar às decisões tomadas pelo Executivo em relação à formulação de suas
políticas; e (ii) na ordem a ser feita quando um tribunal considerar que o Executivo
não cumpriu com suas obrigações constitucionais.257
Sob a rubrica “Aplicação de direitos socioeconômicos”, após alusão ao
decidido nos casos Soobramoney e Grootboom, afirmou o Tribunal Constitucional:
[25] A questão no presente caso, portanto, não é se os direitos socioeconômicos são
justiciáveis. É claro que são. A questão é se os requerentes demonstraram que as
medidas adotadas pelo governo para fornecer acesso a serviços de saúde para mães
HIV-positivas e seus recém-nascidos ficam aquém das suas obrigações previstas na
Constituição. 258

Em seguida, a Corte retomou a questão do minimum core, também invocada


em Grootboom, mas aqui analisada de forma mais clara e objetiva. Assim, depois
de mencionar a alegação dos amici curiae no sentido de que “a seção 27(1) da
Constituição estabelece um direito individual garantido a todos”, caracterizando
“um núcleo mínimo ao qual todas as pessoas necessitadas têm direito”, esclarece:
O conceito de “núcleo mínimo” foi desenvolvido pelo Comitê de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais das Nações Unidas, encarregado de monitorar as obrigações
256
Deixaremos de lado as discussões médicas sobre a nevirapina, para nos concentrar nas questões jurídicas
mais relevantes, postas no julgamento.
257
“[22] In their argument counsel for the government raised issues pertaining to the separation of powers.
This may be relevant in two respects – (i) in the deference that courts should show to decisions taken by the
executive concerning the formulation of its policies; and (ii) in the order to be made where a court finds
that the executive has failed to comply with its constitutional obligations. These considerations are relevant
to the manner in which a court should exercise the powers vested in it under the Constitution. It was not
contended, nor could it have been, that they are relevant to the question of justiciability.”
258
“Enforcement of socio-economic rights … [25] The question in the present case, therefore, is not wheth-
er socio-economic rights are justiciable. Clearly they are. The question is whether the applicants have
shown that the measures adopted by the government to provide access to health care services for HIV-
positive mothers and their newborn babies fall short of its obligations under the Constitution.”

91
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

assumidas pelos Estados Partes no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,


Sociais e Culturais. Segundo o Comitê:
“Um Estado-parte em que um número significativo de indivíduos é privado de
alimentos essenciais, de cuidados primários de saúde essenciais, de abrigos e
moradias básicos ou das formas mais básicas de educação está, prima facie, deixando
de cumprir suas obrigações sob o Pacto. Se o Pacto fosse lido de tal maneira que
não estabelecesse uma obrigação central mínima, seria em grande parte privado
de sua razão de ser. Do mesmo modo, deve-se notar que qualquer avaliação sobre
se um Estado cumpriu suas obrigações básicas mínimas também deve levar em
conta as limitações de recursos aplicáveis no país em questão. O Artigo 2(1)259 obriga
cada Estado-Parte a tomar as medidas necessárias “ao máximo de seus recursos
disponíveis”. Para que um Estado Parte consiga atribuir sua falha em cumprir pelo
menos suas obrigações básicas mínimas com a falta de recursos disponíveis, ele
deve demonstrar que todo esforço foi feito para usar todos os recursos que estão
à sua disposição na tentativa de satisfazer, como uma questão de prioridade, essas
obrigações mínimas.” (grifos nossos) [CESCR General Comment 3 “The nature of
States parties obligations (Art. 2, par.1)” 14/12/90 para 10].260

Em Grootboom, enfatiza a Corte, “também foram alegados preceitos do


Pacto. Yacoob J afirmou que, em termos de nossa Constituição, a questão é ‘se as
medidas tomadas pelo Estado para realizar o direito proporcionado pela s 26 são
razoáveis’”,261 asseverando:
259
“International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights, […] Article 2, 1. Each State Party
to the present Covenant undertakes to take steps, individually and through international assistance and
co-operation, especially economic and technical, to the maximum of its available resources, with a view
to achieving progressively the full realization of the rights recognized in the present Covenant by all ap-
propriate means, including particularly the adoption of legislative measures.” [Artigo 2, 1. Cada Estado
Parte no presente Pacto compromete-se a tomar as medidas, individualmente e por meio de assistência
internacional e cooperação, especialmente econômica e técnica, ao máximo de seus recursos disponíveis,
com vistas a alcançar progressivamente a plena realização dos direitos reconhecidos no presente Pacto por
todos os meios apropriados, incluindo particularmente a adopção de medidas legislativas.”].
260
“[26] Before outlining the applicants’ legal submissions, it is necessary to consider a line of argument
presented on behalf of the first and second amici. It was contended that section 27(1) of the Constitution
establishes an individual right vested in everyone. This right, so the contention went, has a minimum core
to which every person in need is entitled. The concept of “minimum core” was developed by the United
Nations Committee on Economic, Social and Cultural Rights which is charged with monitoring the obliga-
tions undertaken by state parties to the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights.
According to the Committee ‘a State party in which any significant number of individuals is deprived of es-
sential foodstuffs, of essential primary health care, of basic shelter and housing, or of the most basic forms
of education is, prima facie, failing to discharge its obligations under the Covenant. If the Covenant were
to be read in such a way as not to establish such a minimum core obligation, it would be largely deprived
of its raison d’être. By the same token, it must be noted that any assessment as to whether a State has
discharged its minimum core obligations must also take account of resource constraints applying within
the country concerned. Article 2(1) obligates each State party to take the necessary steps ‘to the maximum
of its available resources’. In order for a State party to be able to attribute its failure to meet at least its
minimum core obligations to a lack of available resources it must demonstrate that every effort has been
made to use all resources that are at its disposition in an effort to satisfy, as a matter of priority, those
minimum obligations.’”
261
“[33] In Grootboom reliance was also placed on the provisions of the Covenant. Yacoob J held that in

92
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Embora Yacoob J tenha mencionado que as evidências em um caso particular podem


mostrar que há um núcleo mínimo de um serviço específico que deve ser levado em
conta para determinar se as medidas adotadas pelo Estado são razoáveis, os direitos
socioeconômicos da Constituição não devem ser interpretados como conferindo
direito a todos de exigir que o núcleo mínimo seja fornecido a eles.262

“Uma leitura teleológica das seções 26 e 27 não leva a nenhuma outra


conclusão”, prossegue a Corte. “É impossível dar acesso a todos até mesmo a um
serviço ‘essencial’ imediatamente. Tudo o que é possível, e tudo o que se pode
esperar do Estado, é que ele atue razoavelmente para assegurar acesso aos direitos
socioeconômicos identificados nas seções 26 e 27 de forma progressiva”.263
“O Estado é obrigado a tomar medidas razoáveis progressivamente
para eliminar ou reduzir as grandes áreas de privação severa que afligem nossa
sociedade”,264 advertindo:
[37] Deve-se ter em mente que, ao lidar com tais questões, os tribunais não estão
institucionalmente preparados para fazer as amplas investigações factuais e políticas
necessárias para determinar quais devem ser os padrões dos núcleos-mínimos
requeridos pelo primeiro e pelo segundo amici, nem para decidir como as receitas
públicas devem ser efetivamente gastas. Há muitas demandas urgentes nos cofres
públicos...265

E conclui:
[38] Os tribunais são inadequados para julgar questões em que decisões judiciais
podem ter múltiplas consequências sociais e econômicas para a comunidade. A
terms of our Constitution the question is ‘whether the measures taken by the State to realise the right af-
forded by s 26 are reasonable.’”
262
“[34] Although Yacoob J indicated that evidence in a particular case may show that there is a minimum
core of a particular service that should be taken into account in determining whether measures adopted by
the state are reasonable, the socio-economic rights of the Constitution should not be construed as entitling
everyone to demand that the minimum core be provided to them. Minimum core was thus treated as pos-
sibly being relevant to reasonableness under section 26(2), and not as a self-standing right conferred on
everyone under section 26(1).”
263
“[35] A purposive reading of sections 26 and 27 does not lead to any other conclusion. It is impossible to
give everyone access even to a “core” service immediately. All that is possible, and all that can be expected
of the state, is that it act reasonably to provide access to the socio-economic rights identified in sections 26
and 27 on a progressive basis […]”.
264
“[36] The state is obliged to take reasonable measures progressively to eliminate or reduce the large
areas of severe deprivation that afflict our society. The courts will guarantee that the democratic processes
are protected so as to ensure accountability, responsiveness and openness, as the Constitution requires
in section 1. As the Bill of Rights indicates, their function in respect of socio-economic rights is directed
towards ensuring that legislative and other measures taken by the state are reasonable. As this Court said
in Grootboom, “[i]t is necessary to recognise that a wide range of possible measures could be adopted by
the State to meet its obligations”.
265
“[37] It should be borne in mind that in dealing with such matters the courts are not institutionally
equipped to make the wide-ranging factual and political enquiries necessary for determining what the
minimum-core standards called for by the first and second amici should be, nor for deciding how public
revenues should most effectively be spent. There are many pressing demands on the public purse […]”

93
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Constituição contempla antes um papel restrito e focado para os tribunais, ou seja,


exigir que o Estado tome medidas para cumprir suas obrigações constitucionais
e sujeitar a razoabilidade dessas medidas à avaliação. Tais determinações de
razoabilidade podem, de fato, ter implicações orçamentárias, mas não são, em si
mesmas, direcionadas a reorganizar orçamentos. Desta forma, as funções judiciais,
legislativas e executivas alcançam um equilíbrio constitucional adequado.266

Ultrapassada a questão do mínimo essencial, ao tratar da “Política do governo


sobre a prevenção da transmissão mãe-filho do HIV”, o Tribunal Constitucional sul-
africano destacou que após a 13ª Conferência Internacional sobre HIV/AIDS realizada
em Durban, em julho de 2000, o governo tomou a decisão de implementar um
programa para a prevenção da transmissão do HIV/AIDS de mãe para filho, e que o
programa envolveria a prestação de aconselhamento e testes voluntários do HIV às
mulheres grávidas, a prescrição de nevirapina e a oferta de leite artificial (“formula
feed”) para as mães HIV-positivas que escolhessem esta opção alimentar.267
A implementação do programa deveria limitar-se a locais selecionados em
cada província por um período de dois anos [locais de pesquisa e treinamento],
e esses locais-piloto deveriam ser usados principalmente para avaliar o uso de
nevirapina, monitorar e avaliar seu impacto sobre o estado de saúde das crianças
afetadas, bem como a viabilidade de tal intervenção em todo o país. As informações
coletadas desses locais deveriam ser usadas no desenvolvimento de uma política
nacional para a extensão do programa a outros estabelecimentos públicos fora dos
locais-piloto. A nevirapina não deveria ser disponibilizada para instalações públicas
fora dos locais-piloto.
Esse programa deveria ser implementado de acordo com o “Protocolo para
fornecer um pacote abrangente de cuidados para a prevenção da transmissão
de mãe para filho do HIV na África do Sul”, que reconheceu que uma equipe
adequadamente treinada é um pré-requisito para a implementação bem-sucedida
de qualquer programa. Para este fim, foi previsto no protocolo o desenvolvimento
de materiais para a necessária formação de pessoal, incluindo treinamento em
aconselhamento, testes para o HIV, as intervenções médicas e obstétricas necessárias
266
“[38] Courts are ill-suited to adjudicate upon issues where court orders could have multiple social and
economic consequences for the community. The Constitution contemplates rather a restrained and focused
role for the courts, namely, to require the state to take measures to meet its constitutional obligations and
to subject the reasonableness of these measures to evaluation. Such determinations of reasonableness may
in fact have budgetary implications, but are not in themselves directed at rearranging budgets. In this way
the judicial, legislative and executive functions achieve appropriate constitutional balance.”
267
O acórdão menciona, no item 51, a “objeção cultural à alimentação com mamadeira, que tem que ser
superada, e [que] nas áreas rurais também há riscos na alimentação com mamadeira pelas mães que não têm
acesso à água limpa. [No original: “There is a cultural objection to bottle-feeding that has to be overcome,
and in rural areas there are also hazards in bottle-feeding by mothers who do not have access to clean
water.”].

94
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

para reduzir a transmissão de mãe para filho no momento do nascimento e outros


assuntos relacionados.
O protocolo contemplava que o programa seria introduzido em dois locais,
um rural e outro urbano, em cada uma das províncias. Um pacote completo de
cuidados estaria disponível nesses locais e o progresso feito pelos bebês que
receberiam o tratamento seria cuidadosamente monitorado por um período de
dois anos. 268
Segundo afirmações dos recorrentes, no entanto, as medidas adotadas pelo
governo para fornecer acesso a serviços de saúde a mulheres grávidas soropositivas
eram deficientes em dois aspectos relevantes: primeiro, porque proibiram a
administração de nevirapina em hospitais públicos e clínicas fora dos locais de
pesquisa e treinamento; e segundo, porque não implementaram um programa
geral para a prevenção da transmissão do HIV de mãe para filho.269
O custo do medicamento não foi fator determinante para limitar sua
utilização apenas nos locais de pesquisa e treinamento, como deixou claro o
depoimento do Diretor-Geral do Departamento Nacional de Saúde, Dr. Ayanda
Ntsaluba, que esclareceu que o medicamento foi oferecido gratuitamente por um
período de cinco anos pelo fabricante.
Os gastos que preocupavam o governo eram os custos de fornecer a
infraestrutura para exames e aconselhamento, prover fórmulas alimentares que
substituiriam a amamentação, vitaminas e antibióticos, bem como o monitoramento,
durante o período de amamentação, das mães e crianças que receberam nevirapina.
Esses custos seriam relevantes para o programa abrangente a ser estabelecido nos
locais de pesquisa e treinamento. 270
Depois, sob a rubrica “Avaliação da política para limitar a nevirapina a locais
de pesquisa e treinamento”, o Tribunal Constitucional admite que a política do
governo era inflexível, ao negar às mães e seus filhos nascidos em hospitais públicos,
fora dos locais de pesquisa e treinamento, a oportunidade de receber uma dose
única de nevirapina no momento do nascimento da criança, estando de acordo
com a conclusão da Corte local de que a política do governo violava as obrigações
do Estado nos termos da seção 27( 2) e da seção 27(1)(a), ambas da Constituição.271
268
Cf. itens 41 a 43 do acórdão.
269
Vide Item 44 do acórdão.
270
Cf. itens 48 e 49 do acórdão.
271
Na íntegra: “Evaluation of the policy to limit nevirapine to research and training sites [80] A política do
governo era inflexível, negando às mães e seus filhos recém-nascidos em hospitais públicos e clínicas fora
dos locais de pesquisa e treinamento a oportunidade de receber uma dose única de nevirapina no momento
do nascimento da criança. Um medicamento que poderia salvar vidas era oferecido e onde as instalações

95
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Em seguida, após examinar com cuidado e in concreto as alegações do


governo, afirma o Tribunal:
[95] A inflexibilidade [“rigidity”] da abordagem do governo afetou sua política como
um todo. Se, como afirmamos, não era razoável restringir o uso da nevirapina nos
locais de pesquisa e treinamento, a política como um todo teria que ser revista.
Hospitais e clínicas que dispõem de instalações para efetuar teste e orientação
devem ser capazes de prescrever a nevirapina nas situações em que isso for
clinicamente indicado. O treinamento deve agora incluir o aconselhamento sobre o
uso de nevirapina. Como indicado anteriormente, esta não é uma tarefa complexa e
não deve ser difícil preparar os consultores existentes com o conhecimento adicional
necessário. Além disso, o governo precisará tomar medidas razoáveis para estender
as instalações de teste e orientação a hospitais e clínicas em todo o setor de saúde
pública, além dos locais de teste para facilitar e agilizar o uso de nevirapina com a
finalidade de reduzir o risco de transmissão do HIV de mãe para filho.272

Cumpre salientar que o Tribunal, após rejeitar as alegações do governo,


destacou que, durante o processo judicial, a política do Estado evoluiu e deixou
de ser tão rígida, tendo sido adicionados, por exemplo, seis hospitais e três centros
comunitários de saúde em Gauteng, com a previsão de que, no ano de 2002, a
nevirapina estaria disponível em toda a província para o tratamento da transmissão
de mãe para filho, bem como, em KwaZulu-Natal, houve mudança de política em
relação ao fornecimento de nevirapina em instituições de saúde pública fora dos
locais de teste.273
Bem assim, fez questão de registrar o Tribunal:
[120] Mas, acima de tudo, fomos informados [...] de que o governo disponibilizou
significativos recursos adicionais para o tratamento do HIV, incluindo o programa
de redução da transmissão de mãe para filho. O orçamento total a ser gasto
principalmente por meio dos departamentos de Saúde, Desenvolvimento Social e
Educação foi de R350 milhões em 2001/2. Ele foi aumentado para R1 bilhão no ano
financeiro corrente e subirá para R1,8 bilhão em 2004/5. Isso significa que as restrições
de teste e aconselhamento estavam disponíveis, ele poderia ter sido administrado dentro dos recursos dis-
poníveis do estado sem qualquer dano conhecido à mãe ou à criança. Nestas circunstâncias, concordamos
com a conclusão da Corte Superior de que a política do governo, na medida em que limita a utilização da
nevirapina em hospitais e clínicas que constituem locais de pesquisa e treinamento, constitui uma violação
das obrigações do Estado nos termos da secção 27( 2) combinada com a seção 27(1)(a) da Constituição.”
272
“[95] The rigidity of government’s approach when these proceedings commenced affected its policy
as a whole. If, as we have held, it was not reasonable to restrict the use of nevirapine to the research and
training sites, the policy as a whole will have to be reviewed. Hospitals and clinics that have testing and
counselling facilities should be able to prescribe nevirapine where that is medically indicated. The train-
ing of counsellors ought now to include training for counselling on the use of nevirapine. As previously
indicated, this is not a complex task and it should not be difficult to equip existing counsellors with the
necessary additional knowledge. In addition, government will need to take reasonable measures to extend
the testing and counselling facilities to hospitals and clinics throughout the public health sector beyond the
test sites to facilitate and expedite the use of nevirapine for the purpose of reducing the risk of mother-to-
child transmission of HIV.”
273
Cf, item 118.

96
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

orçamentárias mencionadas nas declarações não são mais um empecilho. Com os


fundos adicionais que estão agora disponíveis, deve ser possível resolver quaisquer
problemas de incapacidade financeira que possam ter existido anteriormente.274

Na linha que é peculiar ao Tribunal Constitucional da África do Sul, restou


ressaltado no acórdão que, identificados aspectos da política do governo que são
inconsistentes com a Constituição, pela não disponibilização da nevirapina em
hospitais e clínicas além dos locais de pesquisa e treinamento, uma vez removida
essa restrição, “o governo será capaz de elaborar e implementar uma política mais
abrangente que dará acesso a serviços de saúde para mães soropositivas e seus filhos
recém-nascidos, e incluirá a administração de nevirapina onde isso for apropriado.
A política reformulada deve atender à exigência constitucional de fornecer medidas
razoáveis dentro dos recursos disponíveis para a realização progressiva dos direitos
dessas mulheres e recém-nascidos”.275
Logo depois, enfatiza ainda mais:
[125] É essencial que haja um esforço nacional conjunto para combater a pandemia
do HIV/AIDS. O governo se comprometeu com tal esforço. Consideramos que
sua política não atende aos padrões constitucionais porque exclui aqueles que
poderiam razoavelmente ser incluídos onde tal tratamento é clinicamente indicado
para combater a transmissão do HIV de mãe para filho. Isso não significa que todos
possam exigir acesso imediato a esse tratamento, embora o ideal, como diz o Dr.
Ntsaluba, seja atingir esse objetivo. Todo esforço deve, no entanto, ser feito para fazê-
lo assim que razoavelmente possível. Os aumentos no orçamento a que nos referimos
facilitarão isso.276
274
“[120] But more importantly, we were informed at the hearing of the appeal that the government has
made substantial additional funds available for the treatment of HIV, including the reduction of mother-to-
child transmission. The total budget to be spent mainly through the departments of Health, Social Develop-
ment and Education was R350 million in 2001/2. It has been increased to R1 billion in the current financial
year and will go up to R1,8 billion in 2004/5. This means that the budgetary constraints referred to in the
affidavits are no longer an impediment. With the additional funds that are now to be available, it should be
possible to address any problems of financial incapacity that might previously have existed.”
275
“[122] In the present case we have identified aspects of government policy that are inconsistent with the
Constitution. The decision not to make nevirapine available at hospitals and clinics other than the research
and training sites is central to the entire policy. Once that restriction is removed, government will be able
to devise and implement a more comprehensive policy that will give access to health care services to HIV-
positive mothers and their newborn children, and will include the administration of nevirapine where that
is appropriate. The policy as reformulated must meet the constitutional requirement of providing reason-
able measures within available resources for the progressive realisation of the rights of such women and
newborn children […].”
276
“[125] It is essential that there be a concerted national effort to combat the HIV/AIDS pandemic. The
government has committed itself to such an effort. We have held that its policy fails to meet constitutional
standards because it excludes those who could reasonably be included where such treatment is medically
indicated to combat mother-to-child transmission of HIV. That does not mean that everyone can immedi-
ately claim access to such treatment, although the ideal, as Dr Ntsaluba says, is to achieve that goal. Every
effort must, however, be made to do so as soon as reasonably possible. The increases in the budget to which
we have referred will facilitate this.”

97
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Curioso, que a decisão do tribunal local incluía um interdito estrutural que


exigia que o governo revisse sua política e submetesse a política revista ao tribunal,
de modo a permitir-lhe certificar-se de que a política estava em conformidade com
a Constituição, mas a Corte Constitucional reformou esta parte da decisão recorrida,
porquanto: “Não consideramos, no entanto, que as decisões devam ser feitas nesses
termos, a menos que isso seja necessário. O governo sempre respeitou e executou
ordens deste Tribunal. Não há razão para acreditar que não o faça no presente caso”.277
Por fim, eis o dispositivo do acórdão:
Decisão
[135] De acordo, proferimos a seguinte decisão:
1. As decisões do Tribunal Superor são reformadas e substituídas pelas seguintes;
2. É declarado que:
a) As Seções 27(1) e (2) da Constituição exigem que o governo planeje e implemente
dentro de seus recursos disponíveis um programa amplo e coordenado para realizar
progressivamente o direito de mulheres grávidas e seus recém-nascidos terem
acesso aos serviços de saúde para combater a transmissão do HIV de mãe para filho.
b) O programa a ser realizado progressivamente dentro dos recursos disponíveis
deve incluir medidas razoáveis para aconselhar e permitir testes de HIV para mulheres
grávidas, orientando as mulheres grávidas soropositivas sobre as opções disponíveis
para reduzir o risco de transmissão do HIV de mãe para filho, e disponibilizar
tratamento adequado para esses fins.
c) A política para reduzir o risco de transmissão do HIV de mãe para filho, formulada e
implementada pelo governo ficou aquém do cumprimento dos requisitos das alíneas
(a) e (b), na medida em que:
i) Médicos de hospitais públicos e clínicas que não são centros de pesquisa e
treinamento não foram autorizados a prescrever nevirapina para reduzir o risco de
transmissão do HIV de mãe para filho, mesmo quando era clinicamente indicado
e existiam instalações adequadas para o teste e aconselhamento das mulheres
grávidas em questão.
ii) A política não conseguiu prever que os conselheiros em hospitais e clínicas que
não os centros de pesquisa e treinamento sejam treinados em aconselhamento para
o uso da nevirapina como um meio de reduzir o risco de transmissão do HIV de mãe
para filho.
3. Determina-se ao governo sem demora:
277
“[129] The order made by the High Court included a structural interdict requiring the appellants to
revise their policy and to submit the revised policy to the court to enable it to satisfy itself that the policy
was consistent with the Constitution. […] We do not consider, however, that orders should be made in those
terms unless this is necessary. The government has always respected and executed orders of this Court.
There is no reason to believe that it will not do so in the present case.”

98
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

a) Remova as restrições que impedem que a nevirapina seja disponibilizada, com o


objetivo de reduzir o risco de transmissão do HIV de mãe para filho, em hospitais
públicos e clínicas que não são locais de pesquisa e treinamento.
b) Permita e facilite o uso da nevirapina com o objetivo de reduzir o risco de
transmissão do HIV de mãe para filho e disponibillize o medicamento, para essa
finalidade, em hospitais e clínicas, quando, no entendimento do médico assistente,
agindo em consulta com o médico superintendente da instituição em causa, a
neverapina for clinicamente indicada, o que incluirá, se necessário, que a mãe
interessada tenha sido adequadamente examinada e aconselhada.
c) Providencie que, se necessário, conselheiros que não estejam nos locais de
pesquisa e treinamento sejam preparados para a orientação necessária ao uso de
nevirapina para reduzir o risco de transmissão do HIV de mãe para filho.
d) Tome medidas razoáveis para estender as instalações de teste e aconselhamento
a hospitais e clínicas em todo o setor de saúde pública, para facilitar e agilizar o uso
de nevirapina com a finalidade de reduzir o risco de transmissão do HIV de mãe
para filho.
4. As ordens proferidas no parágrafo terceiro não impedem que o governo adapte
sua política de maneira consistente com a Constituição, se métodos igualmente
apropriados ou melhores estiverem disponíveis para a prevenção da transmissão do
HIV de mãe para filho.
5. O governo deve pagar os custos dos requerentes, incluindo os custos de dois
advogados.
6. A petição do governo para produzir mais provas é rejeitada.
Chaskalson CJ, Langa DCJ, Ackermann J, Du Plessis AJ, Goldstone J, Kriegler J, Madala
J, Ngcobo J, O’Regan J, Sachs J, Skweyiya AJ [unânime].278
278
“Orders [135] We accordingly make the following orders: 1. The orders made by the High Court are set
aside and the following orders are substituted. 2. It is declared that: a) Sections 27(1) and (2) of the Consti-
tution require the government to devise and implement within its available resources a comprehensive and
co-ordinated programme to realise progressively the rights of pregnant women and their newborn children
to have access to health services to combat mother-to-child transmission of HIV. b) The programme to be
realised progressively within available resources must include reasonable measures for counselling and
testing pregnant women for HIV, counselling HIV-positive pregnant women on the options open to them
to reduce the risk of mother-to-child transmission of HIV, and making appropriate treatment available to
them for such purposes. c) The policy for reducing the risk of mother-to-child transmission of HIV as for-
mulated and implemented by government fell short of compliance with the requirements in subparagraphs
(a) and (b) in that: i) Doctors at public hospitals and clinics other than the research and training sites were
not enabled to prescribe nevirapine to reduce the risk of mother-to-child transmission of HIV even where
it was medically indicated and adequate facilities existed for the testing and counselling of the pregnant
women concerned. ii) The policy failed to make provision for counsellors at hospitals and clinics other than
at research and training sites to be trained in counselling for the use of nevirapine as a means of reducing
the risk of mother-to-child transmission of HIV. 3. Government is ordered without delay to: a) Remove
the restrictions that prevent nevirapine from being made available for the purpose of reducing the risk
of mother-to-child transmission of HIV at public hospitals and clinics that are not research and training
sites. b) Permit and facilitate the use of nevirapine for the purpose of reducing the risk of mother-to-child
transmission of HIV and to make it available for this purpose at hospitals and clinics when in the judgment

99
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Ricardo Lobo Torres anotou, fazendo referência a Mark Tushnet,279 ao


mencionar o Nevirapine case, que “a Corte determinou o fornecimento da droga,
apesar do seu caráter experimental, o que depois veio a se comprovar ter sido um
erro, pois o medicamento era inócuo”.280 O asserto, todavia, não parece preciso, já
que ainda há vários registros de utilização da droga, inclusive no Brasil, como se
vê, por exemplo, no “Farmanguinhos Nevirapina”, que afirma: “A nevirapina reduziu
praticamente à metade o risco de transmissão do HIV-1 durante as primeiras 14 a 16
semanas de vida na população sob aleitamento materno”.281

4.5 Considerações pertinentes


Nesse exame de acórdãos da Corte Constitucional da África do Sul,
procuramos descrever os pontos mais relevantes dos arestos, para permitir a
identificação da estrutura comum a todos eles, sem reduzi-los ao simplório juízo
binário assegurou/não-assegurou proteção ao direito social, que às vezes norteia
algumas avaliações desses julgados.
O que se depreende do estudo dos casos, e nos parece absolutamente
essencial, em primeiro lugar, é a contínua e inquebrantável atenção à isonomia,
naquela perspectiva traçada pelo justice Albie Sachs: “Se, para os Estados Unidos, a
liberdade é fundamental, para nós o essencial é a igualdade”.282 Apesar da ênfase
retórica, por certo derivada da opressão do apartheid, é manifesto que “[o]s direitos
fundamentais não podem ser estudados à margem da ideia de igualdade”.283 Não
of the attending medical practitioner acting in consultation with the medical superintendent of the facility
concerned this is medically indicated, which shall if necessary include that the mother concerned has been
appropriately tested and counselled. c) Make provision if necessary for counsellors based at public hospi-
tals and clinics other than the research and training sites to be trained for the counselling necessary for the
use of nevirapine to reduce the risk of mother-to-child transmission of HIV. d) Take reasonable measures
to extend the testing and counselling facilities at hospitals and clinics throughout the public health sector
to facilitate and expedite the use of nevirapine for the purpose of reducing the risk of mother-to-child trans-
mission of HIV. 4. The orders made in paragraph 3 do not preclude government from adapting its policy
in a manner consistent with the Constitution if equally appropriate or better methods become available to
it for the prevention of mother-to-childtransmission of HIV. 5. The government must pay the applicants
costs, including the costs of two counsel. 6. The application by government to adduce further evidence is
refused.” (grifado no original).
279
Social welfare rights and the forms of judicial review. Texas Law Review 82(7), p. 1.985-1.919, 2004,
espec. p. 1.906.
280
O direito ao mínimo existencial. Rio de janeiro: Renovar, 2009. p. 69 e nota 105.
281
Fundação Oswaldo Cruz / Instituto de Tecnologia em Fármacos, Farmanguinhos Nevirapina, 2017, p.
3, sob a rubrica “Avaliação da eficácia clínica na prevenção de transmissão materno-infantil”. Disponível
em: <http://www.far.fiocruz.br/wp-content/uploads/2017/05/Nevirapina_Bula_Profissional.pdf>. Acesso
em: 17 jun. 2018.
282
Apud LEAL, Saul Tourinho. Constitucionalismo sul-africano inspira debate histórico no STF. África do
Sul Connection nº 37, Migalhas. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Africa/103,MI226142,21048-
-Africa+do+Sul+Connection+n+37>. Acesso em: 18 jun. 2018.
283
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 2ª ed. Coimbra: Coimbra Ed., 1998. t. IV. p. 201.

100
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

há respeito à dignidade humana sem efetiva e genuína reverência à igualdade,


formal e material.
Para tanto, a Corte Constitucional cuida de examinar políticas públicas, base
e legitimação da atuação governamental, não de reconhecer direitos individuais.
Pelo contrário: em Grootboom, como visto, foi expressamente destacado que “os
apelados não est[avam] sozinhos em seu desespero” e que não cabia qualquer ordem
que representasse um “tratamento especial”; em Soobramoney foi mencionado
que o caso do apelante deveria ser visto no contexto das necessidades que os
serviços de saúde têm que cumprir, pois se o tratamento tivesse que ser fornecido
a ele, também teria que ser fornecido a todas as outras pessoas na mesma situação;
em TAC ponderou a Corte que, em razão da decisão proferida, “o governo será
capaz de elaborar e implementar uma política mais abrangente que dará acesso a
serviços de saúde para mães soropositivas e seus filhos recém-nascidos, e incluirá a
administração de nevirapina onde isso for apropriado”.
Como observou Saul Tourinho Leal:
Fica clara a diferença com o que se vê no Brasil. Aqui, preferiu-se outro rumo. O
Judiciário decide no varejo, a depender da disposição do magistrado e da persistência
da parte em chegar ao STF, uma persistência que envolve, como sabemos, a
capacidade econômica de suportar uma demanda tão longa, nada obstante
tenhamos as defensorias públicas e as organizações não-governamentais.284

Por falar em diferença, no caso Grootboom, foi formulado pedido urgente no


Superior Tribunal do Cabo da Boa Esperança em 31 de maio de 1999,285 e a decisão
da Corte Constitucional foi proferida em 4 de outubro de 2000; em Soobramoney
o requerimento urgente inicial foi apresentado em julho de 1997,286 advindo a
decisão da Corte Constitucional em 27 de novembro de 1997; o caso TAC, enfim,
começou com petição ao Tribunal Superior em Pretória em 21 de agosto de 2001,287
e a decisão da Corte Constitucional proferida em 5 de julho de 2002. Lá, na África
do Sul, por conseguinte, as questões sociais mereceram rápida e definitiva decisão,
sem prejuízo da ampla verificação das circunstâncias do caso.
Na verdade, os acórdãos analisaram minuciosamente os casos concretos, e
não derivaram para versões idealizadas e teórico-doutrinais, nem, muito menos,
trataram a escassez de recursos públicos como questão menor ou secundária, como

284
LEAL, Saul Tourinho. Constitucionalismo sul-africano inspira debate histórico no STF. África do Sul
Connection nº 37, Migalhas. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Africa/103,MI226142,21048-Af
rica+do+Sul+Connection+n+37>. Acesso em: 18 jun. 2018.
285
Cf. item 11 do acórdão.
286
Cf. item 5 do acórdão.
287
Cf. item 3 do acórdão.

101
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

normalmente acontece entre nós, um país pagador288 e gastador, que ainda parece
acreditar que recursos públicos são infinitos, “crença ingênua”289 e temerária.
Transparece ainda dos arestos estudados, especialmente do caso Minister of
Health and Others v. Treatment Action Campaign and Others, o respeito recíproco entre
os poderes governamentais, o que se afigura fundamental à plena governabilidade,
na medida em que, embora o tribunal local tivesse incluído um interdito estrutural
para exigir que o Executivo revisse sua política e submetesse a política revista ao
tribunal, de modo a permitir que se certificasse do cumprimento da decisão, a Corte
Constitucional assentou que: “Não consideramos [...] que as decisões devam ser
feitas nesses termos, a menos que isso seja necessário. O governo sempre respeitou
e executou ordens deste Tribunal. Não há razão para acreditar que não o faça no
presente caso”.
No Brasil, entretanto, por vezes ocorre o descumprimento de ordens judiciais,
com instituições e poderes imaturos e certa tendência despótica, mas sempre sob a
invocação de respeito à democracia.
Por fim, vimos que a Constituição da África do Sul é expressa em suas
referências à realização progressiva de direitos sociais, mediante adoção de
medidas razoáveis, e dentro dos recursos disponíveis. Mas essas didáticas e
salutares referências podem ser consideradas imprescindíveis à correta e adequada
interpretação das normas constitucionais? Não bastaria a irretorquível realidade de
ser impossível a pronta e integral satisfação dos direitos sociais ou, até mesmo, do
mínimo existencial, para se reputar implícita e óbvia a restrição?

288
Maria Paula Dallari Bucci, ao abordar criticamente a jurisprudência brasileira sobre a responsabilidade
civil do Estado, menciona: “O Estado faz tudo, pode tudo e paga tudo. Em contrapartida, o Estado que faz
tudo e paga tudo está cada vez mais distante da sociedade que lhe dá fundamento de existência” (Direito
administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 189).
289
Ao mencionar o “declínio do Estado Social”, Ricardo Lobo Torres alude à “crença ingênua na inesgo-
tabilidade dos recursos públicos” (O direito ao mínimo existencial. Rio de janeiro: Renovar, 2009. p. 163).

102
5 Da class action ao complex litigation

5.1 As class actions


As class actions ou class suits, literalmente “ações de classe”, mas normalmente
traduzidas por “ações coletivas”, num sentido atual, são reguladas, como se sabe,
pela Rule 23 das Federal Rules of Civil Procedure (FRCP) norte-americanas e, após a
grande reforma de 1966, sofreu modificações e acréscimos em 1987, 1998, 2003,
2007290 e 2009,291 adotando, agora, a seguinte estrutura: (a) Prerequisites. (b) Types
of Class Actions. (c) Certification Order; Notice to Class Members; Judgment; Issues
Classes; Subclasses. (d) Conducting the Action. (e) Settlement, Voluntary Dismissal, or
Compromise. (f) Appeals. (g) Class Counsel. (h) Attorney’s Fees and Nontaxable Costs.
Resumindo ao extremo, e deixando de examinar os pré-requisitos das class
actions, para nos concentrarmos nos pontos que interessam mais de perto aos
litígios complexos (complex litigation), cumpre salientar que, analisando a Regra
23(b), que prevê as hipóteses de admissibilidade das class actions, a doutrina
americana costuma falar em dois tipos básicos de ações coletivas: umas, embasadas
nas subdivisões (b)(1) e (b)(2), que têm precípua aplicação em ações concernentes
a civil rights,292 denominadas civil rights class actions, ou que encerram pedidos
de condenação a fazer ou não fazer,293 e, por isso, são chamadas injunctions class
actions;294 outras, fundamentadas na subdivisão (b)(3), habitualmente chamadas
de damages class suits295 ou class actions for damages, exatamente porque, quase
sempre, buscam o ressarcimento de danos.
290
Cf. Mendes, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos
no direito comparado e nacional. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 71 et seq.
291
Vide ROQUE, Andre Vasconcelos. Class actions: ações coletivas nos Estados Unidos: o que podemos
aprender com eles? Salvador: JusPodivm, 2013. p. 61 et seq.
292
Homburger, Private suits in the public interest in the United States of America. In: Klagen Privater
im öffentlichen Interesse. Frankfurt: Alfred Metzner Verlag GMBH, 1975. n. 68. p. 9/68, espec. p. 22.
293
VIGORITI, Vincenzo. Interessi collettivi e processo: la legittimazione ad agire. Milano: Giuffrè, 1979.
p. 277.
294
Vide HAZARD JR., Geoffrey C.; TARUFFO, Michele. American civil procedure: an introduction. New
Haven and London: Yale University Press, 1993. p. 160, que se referem à injunction compreendendo or-
dens positivas ou negativas.
295
JAMES JR., Fleming, HAZARD JR., Geoffrey C.; LEUBSDORF, John. Civil Procedure. 4th ed. Bos-
ton, Toronto and London: Little, Brown and Company, 1992. p. 564.
103
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

O mais relevante, para nós, são os poderes do juiz na condução do processo,


previstos na subdivisão (d) da Regra 23, por relacionarem-se especificamente com
a dimensão de complex litigation, que passou a atrair a atenção dos doutrinadores
norte-americanos ao analisar a class action e outros remédios processuais, por suas
dificuldades peculiares, quando a corte deva adotar procedimentos especiais para
a condução de ações potencialmente difíceis ou demoradas, que possam envolver
questões complexas, múltiplas partes, questões jurídicas difíceis ou problemas
incomuns com relação à prova,296 como se depreende da Rule 16(c)(2)(L).297
Conforme a Regra 23(d), (1) Em geral, na condução da ação sob a Regra
23, o tribunal pode proferir decisões para: (A) determinar o curso do processo
ou prescrever medidas para prevenir indevida repetição ou complicação na
apresentação de provas ou argumentos; (B) exigir – para proteger os membros
da classe e a justa condução do processo – seja dada notificação adequada a
alguns ou a todos os membros da classe de: (i) qualquer fase do processo; (ii) a
extensão proposta do julgamento; ou (iii) a oportunidade de os membros do grupo
expressarem se consideram a representação justa e adequada, para intervirem e
apresentarem alegações ou defesas, ou, de outro modo, participarem do processo;
(C) impor condições às partes representantes ou aos intervenientes; (D) exigir que
a petição inicial seja emendada para eliminar alegações sobre a representação de
pessoas ausentes, e que a ação prossiga de acordo com essa determinação; ou (E)
lidar com questões processuais semelhantes.298
Como ensina a doutrina, essa lista não é exaustiva, e a corte tem considerável
flexibilidade para adequar as ordens emitidas àquilo que a ação coletiva exige em
particular,299 pois a “subdivisão (d) é concernente à condução justa e eficiente do
296
HERR, David F. Annotated Manual for Complex Litigation. 4th ed. S.l.: Thomson Reuters, 2014. p. 19.
297
“Rule 16. Pretrial Conferences; Scheduling; Management […] (c) Attendance and Matters for Consi-
deration at Pretrial Conference. […] (2) Matters for Consideration. At any pretrial conference, the court
may consider and take appropriate action on the following matters: […] (L) adopting special procedures
for managing potentially difficult or protracted actions that may involve complex issues, multiple parties,
difficult legal questions, or unusual proof problems; […].” (grifado no original).
298
“Rule 23. Class Actions […] (d) Conducting the Action. (1) In General. In conducting an action under
this rule, the court may issue orders that: (A) determine the course of proceedings or prescribe measures
to prevent undue repetition or complication in presenting evidence or argument; (B) require – to protect
class members and fairly conduct the action – giving appropriate notice to some or all class members
of: (i) any step in the action; (ii) the proposed extent of the judgment; or (iii) the members’ opportunity
to signify whether they consider the representation fair and adequate, to intervene and present claims or
defenses, or to otherwise come into the action; (C) impose conditions on the representative parties or on
intervenors; (D) require that the pleadings be amended to eliminate allegations about representation of
absent persons and that the action proceed accordingly; or (E) deal with similar procedural matters. […]”
(grifado no original).
299
Rosenthal, Lee H.; Levi, David F.; Rabiej, John K. Federal Civil Procedure Manual. New York:
Juris Publishing Inc., 2014. p. 364.

104
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

processo e enumera alguns tipos de ordens que podem ser apropriadas”, esclarece
o Advisory Committee.300
No que tange às ordens para “impor condições às partes representantes ou
aos intervenientes” [23(d)(1)(C)], é certo que o tribunal pode se valer do rol completo
de sanções judiciais disponíveis para o caso de descumprimento dessas ordens,301
sendo amplíssima, como veremos adiante,302 a variedade de sanções que podem
ser aplicadas pelo tribunal.
Embora a Rule 23(d)(1)(D) se refira a “absent persons”, que preferimos traduzir
literalmente como “pessoas ausentes”, na verdade a norma deve ser interpretada
como aludindo a “pessoas excluídas”, porquanto destaca a doutrina que:
Essa subdivisão é frequentemente invocada em conjugação com uma decisão nos
termos da Regra 23(c)(1), que nega a certificação da classe. Quando o tribunal nega
a certificação, pode ordenar que as alegações de classe sejam eliminadas da petição
inicial e permitir o prosseguimento do processo apenas na capacidade individual
do autor. O tribunal também pode determinar que as alegações sejam corrigidas
para reduzir a extensão da classe ou para dividir a classe em subclasses. Além disso,
o tribunal pode ordenar julgamentos separados de questões individuais que não
podem ser tratadas como ampla questão da classe.303

Não bastasse a enumeração exemplificativa realizada pela subdivisão (d)


(1), de tantas ordens que podem ser pronunciadas pelo tribunal, a Rule 23(d)(2)
complementa: “Combinando e alterando ordens. Uma decisão proferida de acordo
com a Regra 23(d)(1) pode ser alterada ou corrigida, quando necessário, e pode ser
combinada com uma ordem nos termos da Regra 16”.304
A Rule 23(e) trata de “settlement, voluntary dismissal,305 or compromise”,306
para estabelecer, em síntese absoluta, que, após a certificação da classe, esses
300
No original: “Subdivision (d) is concerned with the fair and efficient conduct of the action and lists some
types of orders which may be appropriate.”
301
KLONOFF, Robert H. Class actions and other multi-party litigation in a nutshell. 4th ed. St. Paul/MN:
Thomson/West, 2012. p. 184.
302
Item 5.3, infra.
303
KLONOFF, Robert H. op. cit. p. 185: “This subdivision is often invoked in conjunction with a decision
under Rule 23(c)(1) denying class certification. When the court denies certification, it may order the class
allegations stricken from the complaint and permit the action to proceed only in the plaintiff’s individual
capacity. The court may also order that the class allegations be amended to reduce the size of the class or
to divide the class into subclasses. Additionally, the court may order separate trials of individual issues that
are not capable handled on a classwide basis”.
304
“Rule 23. Class Actions […] (d) Conducting the Action. […] (2) Combining and Amending Orders. An
order under Rule 23(d)(1) may be altered or amended from time to time and may be combined with an order
under Rule 16” (grifado no original). Rule 16. Pretrial Conferences; Scheduling; Management.
305
A Rule 41 das FRCP dispõe sobre “Dismissal of Actions”, e a subdivision (a) sobre “Voluntary Dismissal”.
306
Em tradução livre: “acordo, extinção voluntária do processo ou compromisso”.

105
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

atos apenas são admissíveis “com a aprovação do tribunal”, e dispor sobre vários
requistos para sua realização e validade.307
As alíneas (g) e (h) da Regra 23 foram acrescentadas pela emenda de 2003,
e cuidam, basicamente, (g) da nomeação de advogados da classe e (h) da fixação
de honorários. Coerente com a própria ideia de o juiz determinar medidas para
prevenir atos indevidos e poder impor condições às partes [23(d)(1)(A) e (C)], dispõe a
subdivisão (g)(1) que o tribunal, na nomeação do advogado da classe, deve considerar:
(1)(A)(i) o trabalho realizado pelo advogado na identificação e investigação de
potenciais pretensões no processo, (1)(A)(ii) a experiência do advogado em manejar
ações coletivas, outros litígios complexos, e os tipos de pretensões afirmadas na ação,
(1)(A)(iii) o conhecimento do advogado do direito aplicável, (1)(A)(iv) os recursos
que o advogado vai dedicar à representação da classe. Além disso, o tribunal (1)(B)
“pode considerar qualquer outra questão pertinente à habilidade do advogado para
representar justa e adequadamente os interesses da classe”.308
A nomeação do advogado, por outro lado, significa também a imposição do
dever legal de “representar de forma justa e adequada os interesses da classe” [Rule
23(g)(4)],309 podendo o tribunal emitir ordens adicionais com relação à nomeação
[Rule 23(g)(1)(E)].310
Interessante notar, ademais, que a Regra 23(g)(2) toma o cuidado de ressaltar,
demonstrando a atenção com a atuação dos advogados nas ações coletivas:
“Quando apenas um candidato busca a nomeação como advogado da classe, o
307
“Rule 23. Class Actions […] (e) Settlement, Voluntary Dismissal, or Compromise. The claims, issues,
or defenses of a certified class may be settled, voluntarily dismissed, or compromised only with the court’s
approval. The following procedures apply to a proposed settlement, voluntary dismissal, or compromise:
(1) The court must direct notice in a reasonable manner to all class members who would be bound by the
proposal. (2) If the proposal would bind class members, the court may approve it only after a hearing and
on finding that it is fair, reasonable, and adequate. (3) The parties seeking approval must file a statement
identifying any agreement made in connection with the proposal. (4) If the class action was previously cer-
tified under Rule 23(b)(3), the court may refuse to approve a settlement unless it affords a new opportunity
to request exclusion to individual class members who had an earlier opportunity to request exclusion but
did not do so. (5) Any class member may object to the proposal if it requires court approval under this
subdivision (e); the objection may be withdrawn only with the court’s approval.”
308
“Rule 23. Class Actions […] (g) Class Counsel. (1) Appointing Class Counsel. Unless a statute provides
otherwise, a court that certifies a class must appoint class counsel. In appointing class counsel, the court:
(A) must consider: (i) the work counsel has done in identifying or investigating potential claims in the ac-
tion; (ii) counsel’s experience in handling class actions, other complex litigation, and the types of claims
asserted in the action; (iii) counsel’s knowledge of the applicable law; and (iv) the resources that counsel
will commit to representing the class; (B) may consider any other matter pertinent to counsel’s ability to
fairly and adequately represent the interests of the class; […]” (grifado no original).
309
“Rule 23. Class Actions […] (g) Class Counsel. […] (4) Duty of Class Counsel. Class counsel must fairly
and adequately represent the interests of the class.”
310
“Rule 23. Class Actions […] (g) Class Counsel. (1) […] In appointing class counsel, the court: may
make further orders in connection with the appointment.”
Antes da nomeação, porém: “The court may designate interim counsel to act on behalf of a putative class
before determining whether to certify the action as a class action” [Rule 23(g)(3)].

106
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

tribunal somente pode nomeá-lo se o candidato for adequado nos termos da Regra
23(g)(1) e (4). Se mais de um candidato adequado buscar a nomeação, o tribunal
deve nomear o candidato mais capaz de representar os interesses da classe”.311
Enfim, como já mencionado, a subdivisão (h) da Regra 23 cuida de honorários
de advogado e custas, a par da Rule 54(d),312 mas nada de particularmente
interessante se afigura merecedor de comentários para o presente estudo.

5.2 Structural injunctions


Além das injunctions class actions, aplicam-se nos Estados Unidos as structural
injunctions,313 que “são decisões exigindo que as entidades governamentais se
reorganizem para que seu futuro funcionamento seja compatível com os padrões
determinados nas respectivas decisões judiciais”,314 e abrangem, portanto,
normalmente, o controle judicial de práticas inconstitucionais ou ilegais da
burocracia governamental (federal ou estadual),315 visando não apenas a cessar uma
única prática ilícita, mas a deter um conjunto de práticas ilícitas, reestruturando a
instituição social, como um hospital psiquiátrico, uma escola ou uma prisão.316
As injunções estruturais, entretanto, não se limitam a casos de direitos civis,
sendo possível reestruturar uma corporação privada em um esforço para tornar
mais provável o cumprimento das regras legais, mas é com relação aos direitos civis
que as structural injunctions assumem especial proeminência.317
311
Como veremos no item 5.3, é grande a preocupação com os deveres e responsabilidades dos advogados
em se tratando de complex litigation, e várias as sanções, de diversas gravidades, que podem ser aplicadas
aos próprios advogados e às partes. Texto original do dispositivo: “(2) Standard for Appointing Class
Counsel. When one applicant seeks appointment as class counsel, the court may appoint that applicant
only if the applicant is adequate under Rule 23(g)(1) and (4). If more than one adequate applicant seeks
appointment, the court must appoint the applicant best able to represent the interests of the class.”
312
“Rule 54. Judgment; Costs […] (d) Costs; Attorney’s Fees […];”
313
Também chamadas “restructuring injunctions” e “institutional injunctions” (cf. DOBBS, Dan B. Law
of Remedies: damages, equity, restitution. 2nd ed. St. Paul, Minn: West Group, 1993. p. 164 e 641); “insti-
tutional reform decrees” (JOHNSON, Kevin R.; ROGERS, Catherine A.; WHITE, John Valery. Complex
litigation: cases and materials on litigating for social change. Durham, North Carolina: Carolina Academic
Press, 2009. p. 727).
314
JOHNSON, Kevin R.; ROGERS, Catherine A.; WHITE, John Valery. Complex litigation: cases and
materials on litigating for social change. Durham, North Carolina: Carolina Academic Press, 2009. p. 727.
315
“In the late 1960s and 1970s, the courts transferred their school-desegregation experience to prisons
and jails, public housing, residential institutions, and police departments” (Rendleman, Doug. Com-
plex litigation: injunctions, structural remedies, and contempt. New York, NY: Foundation Press, 2010.
p. 498). Tradução nossa: “No final dos anos 60 e 70, os tribunais transferiram sua experiência de desse-
gregação escolar para prisões, abrigos públicos, instituições residenciais [abrigam e cuidam, p. ex., dos
pobres, dos doentes mentais e dos enfermos, bem como mulheres, jovens e condenados desabrigados] e
departamentos de polícia.”
316
DOBBS, Dan B. Law of Remedies: damages, equity, restitution. 2nd ed. St. Paul, Minn: West Group,
1993. p. 641.
317
“Structural injunctions are not limited to civil rights cases; one might restructure a private corporation

107
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

De modo ainda mais específico, existem as affirmative injunctions, como


“uma forma jurídica para se superar o isolamento ou a diminuição social a que se
acham sujeitas as minorias”.318
Na structural injunction, que apresenta grande relevância,319 no entanto, não
há concessões individuais. Ao contrário, como ensina Doug Rendleman:
Um juiz concederá aos demandantes uma injunção estrutural para coibir a
burocracia governamental imprópria. O juiz procura proteger os direitos legais
ou constitucionais das ameaças representadas pela organização burocrática do
réu. Conceder aos autores uma medida estrutural é pressuposto, na conclusão do
tribunal, de que uma proibição não eliminará as ameaças do réu aos direitos dos
demandantes, mas que um programa positivo de reestruturação da organização
é necessário. O tribunal utiliza a injunção para dirigir ou administrar a reforma em
conformidade com a Constituição. 320

E arremata: “Dada a magnitude da tarefa e as limitações de nosso


conhecimento, a structural injunction geralmente cria uma relação de longo prazo
entre o juiz, os autores e a organização ré”.321
Na lição de Dobbs, referindo-se à administração contínua, nas injunções
tradicionais o remédio é concedido e o caso é encerrado. Ocasionalmente,
uma sanção de desobediência é necessária, nada mais. Remédios na injunção
estrutural ou de “direito público” podem ser bem diferentes, abrangendo decisões
que mudem com o tempo, sejam flexíveis e envolvam uma medida de negociação
e mediação. O professor Fiss descreveu a decisão estrutural usual, que é seguida
por desobediência ou cumprimento insatisfatório, seguida por novas audiências,
e uma decisão suplementar indicando com mais detalhes o que é exigido do réu.
in an effort make its compliance with legal rules more likely. But structural injunctions have a special
prominence in civil rights cases.” (DOBBS, Dan B. loc. cit.). Veja-se também, Rendleman: “The struc-
tural injunction as we know it achieved its first prominence in the civil rights era” (loc. cit.).
318
Rocha, Carmen Lúcia Antunes da. Ação afirmativa: o conteúdo democrático do princípio da igualdade
jurídica. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 15, p. 85-99, espec. p. 88, 1996.
319
“During the 1970s, the structural injunction emerged as the most prominent and controversial exercise
of modern equity, a status still enjoys” (Rendleman, Doug. Complex Litigation: injunctions, structural
remedies, and contempt. New York, NY: Foundation Press, 2010. p. 498). “Durante a década de 1970, a
injunção estrutural surgiu como o exercício mais proeminente e controverso da equidade moderna, um
status que ainda desfruta.” (tradução nossa).
320
“A judge will grant plaintiffs a structural injunction to tame a government bureaucracy gone awry. The
judge seeks to safeguard plaintiffs’ constitutional or statutory rights in danger from the threats posed by
the defendant’s bureaucratic organization. Granting plaintiffs a structural injunction is premised on the
court’s conclusion that a prohibition will not eliminate defendant’s menaces to plaintiffs’ rights, but that
a positive program of restructuring the organization is necessary. The court uses an injunction to direct
or manage reconstruction into constitutional conformity.” (Rendleman, Doug. Complex Litigation:
injunctions, structural remedies, and contempt. New York, NY: Foundation Press, 2010. p. 498).
321
“Given the magnitude of the task and the limitations of our knowledge, the structural injunction usu-
ally creates a long-term relationship between the judge, the plaintiffs, and the defendant organization.”
(Ibidem, p. 499).

108
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

O ciclo é então repetido várias vezes, com cada decisão se tornando mais precisa
em suas exigências.322-323

Entre nós, Sérgio Arenhart, aludindo também ao ensinamento de Fiss, afirma


ser “muito frequente no emprego de medidas estruturais a necessidade de se
recorrer a provimentos em cascata, de modo que os problemas devam ser resolvidos
à medida que apareçam”.324

Nessa linha, destaca a doutrina que os casos de injunção estrutural diferem


dos tradicionais de outras maneiras, além de seu propósito de reestruturar
instituições. Uma diferença é que o caso de injunção tradicional, como o caso de
danos tradicionais, é “bipolar”, focando os direitos de duas partes vis-à-vis. Casos de
injunção estruturais tendem a envolver interesses mais amplos da sociedade, não
apenas no sentido de que o juiz pode considerar esses interesses na elaboração
da decisão, mas também no sentido de que terceiros serão certamente afetados
de maneira substancial pela decisão judicial. A este respeito, o trabalho do juiz
na elaboração de uma nova estrutura assemelha-se ao trabalho do legislador.325
322
DOBBS, Dan B. Law of Remedies: damages, equity, restitution. 2nd ed. St. Paul, Minn.: West Group,
1993. p. 642. Na íntegra: “Terminal remedies vs. ongoing administration. Relatedly, the injunctive rem-
edies in the traditional case are discrete and particular; typically the remedy is granted and the case is
terminated. Occasionally a contempt sanction is required, but no more. Remedies in the structural or
“public law” injunction can be quite different. Jurists expect remedies in such litigation to change over
time, to be flexible, and to involve a measure of negotiation and mediation. Professor Fiss described the
usual structural decree, which is followed by disobedience or unsatisfactory compliance, which is followed
by further hearings, and a supplemental decree stating in more detail what is required of the defendant. The
cycle is then repeat several times, with each decree becoming more precise in its demands. This description
is borne out, with variations, in the reported cases.”
323
Eis a lição de FISS, Owen M.: “With the structural injunction the analogy to the deterrence system of the
criminal law is even less successful. For structural injunctions the sanctioning system primarily consists of
supplemental decrees, not contempt, either civil or criminal. The usual scenario in the structural context is
for the judge to issue a decree (perhaps embodying a plan formulated by the defendant), to be confronted
with disobedience, and then not to inflict contempt but to grant a motion for supplemental relief. Then
the cycle repeats itself. In each cycle of the supplemental relief process the remedial obligation is defined
with greater and greater specificity. Ultimately, after many cycles of supplemental decrees, the ordinary
contempt sanctions may become realistically available, but the point to emphasize is that it is only then
– only at the end of a series – that the threat of contempt becomes credible.” (The civil rights injunction.
Bloomington: Indiana University Press, 1978. p. 36).
324
Decisões estruturais no direito processual civil brasileiro. Disponível em: <https://www.academia.
edu/9132570/Decisões_estruturais_no_direito_processual_civil_brasileiro>. Acesso em: 21 abr. 2018.
325
DOBBS, Dan B. Law of Remedies: damages, equity, restitution. 2nd ed. St. Paul, Minn.: West Group,
1993. p. 641-642. Original: “Bi-polar vs. Representative or “legislative” litigation. Structural injunction
cases differ from the traditional ones in other ways besides their purpose to restructure institutions. One
difference is that the traditional injunction case, like the traditional damages case, is “bipolar”, focusing
on the rights of two parties vis-à-vis each other. Structural injunction cases tend to involve wider interests
of society, not only in the sense that the judge may consider those interests in fashioning remedies, but also
in the sense that they are represented in the litigation itself as intervenors or amici, and in the additional
sense that third parties will surely be affected in substantial ways by affirmative injunctive relief. In this
respect the judge’s work in fashioning a new structure resembles the work of the legislator.”

109
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Também Abram Chayes, em seu consagrado estudo sobre “O papel do juiz no litígio
de direito público”, aborda o desaparecimento da estrutura bipolar.326

As structural injunctions, ademais, às vezes vão além da tradicional correlação


direito-remédio, que visa a assegurar uma decisão que se correlacione com o direito
afirmado pelo autor da ação, nem mais, nem menos. Mas há limite; em algum ponto,
o remédio é tão diferente que não trata do malfeito do réu, mas de algum mal que
não foi cometido. Quando esse ponto é alcançado, o remédio que excede o erro
do réu ou o direito do demandante se torna inaceitável, em parte porque é muito
intrusivo, em parte porque abre discrição demasiada, e em parte talvez porque é
inaceitável, em princípio, forçar um réu a fazer mais do que corrigir o seu erro.327

Não obstante, adverte Dan Dobbs: “Mesmo assim, preocupações pragmáticas


podem levar um tribunal a aprovar algumas medidas que excedam os direitos do
demandante, porque remédios mais modestos ou menos específicos têm menor
probabilidade de sucesso no mundo real”.328

Como veremos no próximo item, sobre complex litigation, nos Estados Unidos
o tribunal pode nomear um special master para supervisionar a reestruturação da
instituição pública ré, nos termos da Federal Rule of Civil Procedure 53.329

Registra ainda a doutrina que “as injunções estruturais [...] são


frequentemente descritas como legislativas em sua função porque ‘envolvem
alterações fundamentais na orientação política e… frequentemente requerem
aumento de recursos financeiros’” e, por isso, “[e]ssa nova função para os tribunais
provocou comentários críticos”.330

326
CHAYES, Abram. El rol del juez en el litigio de interés público. Traducción al español de Olivia Minatta
y Francisco Verbic. Revista de Processo, São Paulo, n. 268, p. 143-280, jun. 2017. espec. p. 154.
327
DOBBS, Dan B. Law of Remedies: damages, equity, restitution. 2nd ed. St. Paul, Minn.: West Group,
1993. p. 643. No original: “But there is a limit somewhere; at some point the remedy is so different that
it does not address the wrong done by the defendant but some wrong that has not been committed at all.
When that point is reached, the remedy that exceeds the defendant’s wrong or the plaintiff’s right becomes
unacceptable, partly because it is too intrusive, partly because it opens up too much discretion, and partly
perhaps because it is unacceptable in principle to force a defendant to do more than rectify his wrong.”
328
Law of Remedies: damages, equity, restitution. 2nd ed. St. Paul, Minn.: West Group, 1993. p. 644. Origi-
nal: “Even so, pragmatic concerns may lead a court to approve some remedies that exceed the plaintiff’s
rights because more modest or less specific remedies are less likely to succeed in the real world.”
329
DOBBS, Dan B. menciona também a possível nomeação de receivers para atos de administração, com
base na Rule 66 (Law of Remedies: damages, equity, restitution. 2nd ed. St. Paul, Minn.: West Group, 1993.
p. 16 e 132-133).
330
JOHNSON, Kevin R.; ROGERS, Catherine A.; WHITE, John Valery. Complex litigation: cases and
materials on litigating for social change. Durham, North Carolina: Carolina Academic Press, 2009. p. 727.

110
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

5.3 Complex litigation


Class actions e structural injunctions, no entanto, passaram a ser estudadas
também como espécies do gênero que se denominou complex litigation.331 No que
se refere, porém, ao seu conceito específico, observa a doutrina “que a maioria das
tentativas de definir complex litigation falhou miseravelmente”.332 A ideia central, todavia,
é que litígios complexos “inclu[em] um ... ou mais casos relacionados que apresentam
problemas incomuns e que requerem tratamento extraordinário, abrangendo, mas não
se limitando, aos casos designados como ‘prolongados’ e ‘importantes’”.333
No sentido geral, encontra-se proveitosa e sugestiva referência à Federal
Rule of Civil Procedure 16(c)(2)(L),334 que “trata especificamente de litígios
complexos, autorizando o juiz a adotar ‘procedimentos especiais na condução de
processos potencialmente difíceis ou demorados, que podem envolver questões
complexas, múltiplas partes, questões jurídicas difíceis ou problemas incomuns
com relação à prova.’”335
Como se depreende do Manual for Complex Litigation, um genuíno roteiro
elaborado pelo Federal Judicial Center, os litígios complexos envolvem, as mais das
vezes, problemas especiais com multiple jurisdiction litigation,336 class actions, mass
torts,337 expert scientific evidence,338 e abrangem, em particular, os seguintes tipos de

331
Na Inglaterra fala-se em complex claims, mas em dimensão diferente. Cf. SIME, Stuart. A Practical Ap-
proach to Civil Procedure. 9.th ed. New York: Oxford University, 2006. p. 240.
332
“Jay Tidmarsh has observed that most attempts at defining complex litigation fail miserably”, apud
JOHNSON, Kevin R.; ROGERS, Catherine A.; WHITE, John Valery. Complex Litigation: cases and ma-
terials on litigating for social change. Durham, North Carolina: Carolina Academic Press, 2009. p. 28.
333
“[…] complex litigation “includes one ... or more related cases which present unusual problems and
which require extraordinary treatment, including but not limited to the cases designated as ‘protracted’
and ‘big.’” (Ibidem, p. 29 -grifado no original).
334
“Rule 16. Pretrial Conferences; Scheduling; Management […] (c) Attendance and Matters for Consi-
deration at Pretrial Conference. […] (2) Matters for Consideration. At any pretrial conference, the court
may consider and take appropriate action on the following matters: […] (L) adopting special procedures
for managing potentially difficult or protracted actions that may involve complex issues, multiple parties,
difficult legal questions, or unusual proof problems”.
335
“Federal Rule of Civil Procedure 16(c)(12) specifically addresses complex litigation, authorizing the
judge to adopt ‘special procedures for managing potentially difficult or protracted actions that may involve
complex issues, multiple parties, difficult legal questions, or unusual proof problems.’” HERR, David F.
Annotated Manual for Complex Litigation. 4th ed. S.l.: Thomson Reuters, 2014. p. 19.
336
Literalmente, “litígio de múltipla jurisdição”. “Multiplication of cases within the federal system or
across the federal and state systems is a common characteristic of complex litigation […]” (HERR, David
F. Annotated Manual for Complex Litigation. 4th ed. S.l.: Thomson Reuters, 2014. p. 260). “A multiplica-
ção de casos dentro do sistema federal ou entre os sistemas federal e estadual é uma característica comum
de litígios complexos [...]” (nossa tradução).
337
Danos em massa (coletivos), que abrangem múltiplas pretensões por responsabilidade civil decorrentes
de um único incidente e pedidos de responsabilidade civil por fatos dispersos (cf. HERR, op. cit., p.497).
338
Provas científicas especializadas.

111
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

litigios: antitrust,339 securities,340 employment discrimination,341 intellectual property,342


cercla (Comprehensive Environmental Response, Compensation, and Liability Act de
1980 ou Superfund)343 e civil RICO (Racketeer Influenced and Corrupt Organizations Act).344
Com relação específica ao tema deste trabalho, especialistas já afirmaram que
as exigências e restrições impostas aos litígios complexos assumem aspecto mais
grave quando o processo concerne à mudança social, em parte porque o complex
litigation surgiu para este tipo de processo e porque a forma complexa era vista
como um meio particularmente apropriado de alcançar objetivos de transformação
social. 345 Aliás, “litígios complexos para mudança social assemelham-se a outros
litígios complexos, mas sua dimensão de evolução social os deixa de fora de muitas
das inovações recentes e preserva seu caráter controverso”,346 e asseveram:
Litígio complexo para mudança social apresenta desafios únicos além daqueles
encontrados em outros tipos de casos complexos. Embora muitas das primeiras
inovações na área estivessem enraizadas em litígios de transformação social,
objeções à imposição de mudança social por meio de processos, limitaram o âmbito
dos remédios de evolução social, assim como litígios complexos estavam se tornando
um outro tipo popular de litígios normais. Litígios complexos para mudança social,
339
Antitruste.
340
Valores mobiliários.
341
Discriminação no emprego.
342
Propriedade intelectual.
343
Lei Geral de Intervenção Ambiental, Compensação e Responsabilidade Civil (tradução livre). “Esta lei
trata de estabelecer responsabilidades concernentes às contaminações do solo e à utilização de verbas pú-
blicas provenientes de um fundo denominado Superfund, para a realização da limpeza (cleanup) de locais
contaminados” (SERIGNOLLI, Pedro Paulo Grizzo et al. Considerações sobre a responsabilidade civil na
lei do Superfund. Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, Porto Alegre, v. 11, n. 64, p. 5-31,
fev./mar. 2016. espec. p. 5.
344
A Lei Federal das Organizações Corruptas e Influenciadas pelo Crime Organizado, Lei Antimáfia, Lei An-
tifraude, ou Lei RICO, foi promulgada em 1920, como resposta à “penetração do crime organizado e extorsão
em organizações legítimas que opera[vam] no comércio interestadual”, prevendo “severas penalidades crimi-
nais, multas, aprisionamento, confisco de bens e ações civis em um esforço para debilitar o poder econômico
das organizações criminosas”. Atualmente, porém, os tribunais americanos têm interpretado amplamente as
cláusulas da Lei RICO, para abranger, p. ex., ações incluindo disputas de seguros e negócios, litígios de
serviços financeiros ao consumidor etc. (Cf. HERR, David F. Annotated Manual for Complex Litigation. 4th
ed. S.l.: Thomson Reuters, 2014. p. 689 et seq.). Em suma: hoje a lei é empregada para impedir atividades
de cartéis e de máfias (v. TOGNOLLI, Claudio Julio. Microsoft é enquadrada na Lei Anti-Máfia dos Estados
Unidos, Consultor Jurídico, São Paulo, 16 out. 2007). Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2007-
-out-16/microsoft_enquadrada_lei_anti-mafia_eua#author>. Acesso em: 22 jun. 2018.
345
“The requirements placed on and restrictions to the use of complex litigation take on a more acute aspect
when that litigation concern social change. This is partly because complex litigation grew out for social
change litigation and because the complex form was seen as a particularly appropriate means of achieving
social change goals […]” (JOHNSON, Kevin R.; ROGERS, Catherine A.; WHITE, John Valery. Complex
Litigation: cases and materials on litigating for social change. Durham, North Carolina: Carolina Academic
Press, 2009. p. 4).
346
“[...] Complex litigation for social change resembles other complex litigation, but its social change
dimension leaves it outside many of the recent innovations and preserves its controversial character.”
(Ibidem, p. 30).

112
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

portanto, apresentam duas áreas de litígios que se sobrepõem: o universo em


expansão e controvertido de litígios complexos e o altamente condicionado universo
de litígios de evolução social, que ajudaram a desenvolver e dependem de estratégias
de processos complexos.347

O supramencionado Manual para Litígios Complexos, verdadeira referência


básica para a doutrina norte-americana, indica como “princípios gerais” em complex
litigation a supervisão judicial (judicial supervision) e a função do advogado (role
of counsel), pontos essenciais para o bom desenvolvimento e a efetividade do
processo, e ressalta:
A resolução justa e eficiente de litígios complexos exige, pelo menos, que (1) o
tribunal exerça uma antecedente e eficaz supervisão (e, caso necessário, controle);
(2) o advogado atue cooperativa e profissionalmente; e (3) o juiz e o advogado
colaborem para desenvolver e executar um plano abrangente para a condução dos
procedimentos pré-julgamento e de julgamento. 348

Na “supervisão judicial” são incluídos a “identificação e controle


antecipados”,349 o “plano de atribuições”,350 a “gestão (controle) eficaz”,351 as
“delegações para magistrate judges e special master”352 e as “sanções”.
Essas considerações iniciais já demonstram a amplitude das peculiaridades
dos complex litigations, que se diferem muito do padrão do adversary system, no
347
“Complex litigation for social change present unique challenges beyond those encountered in other
types of complex cases. Though many of the early innovations in the area were rooted on social change
litigation, objections to enforcing social change through litigation have limited the scope of social change
remedies just as complex litigation was becoming a popular type of otherwise normal litigation. Complex
litigation for social change thus presents two overlapping areas of litigation: the expanding and contro-
versial universe of complex litigation and the highly conditioned universe of social change litigation which
helped develop and depends upon complex litigation strategies […].” (Ibid., p. 30-31).
348
“Fair and efficient resolution of complex litigation requires at least that (1) the court exercise early and
effective supervision (and, where necessary, control); (2) counsel act cooperatively and professionally; and
(3) the judge and counsel collaborate to develop and carry out a comprehensive plan for the conduct of
pretrial and trial proceedings. […].” (HERR, David F. Annotated Manual for Complex Litigation. 4th ed.
S.l.: Thomson Reuters, 2014. p. 18).
349
“Early Identification and Control”.
350
“Assignment Plan”.
351
“Effective Management”.
352
“Supervisory Referrals to Magistrate Judges and Special Masters [judicial adjuncts]”. Magistrate jud-
ges são judicial officers, nomeados pelos district judges, para atuar como funcionários por alguns anos [v.
28 U.S. Code § 631(a) e (e)], que têm muitos, mas não todos, os poderes de um juiz, e não possuem as
garantias do artigo III da Constituição americana (vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos). Special
masters são experts nomeados pelo juiz para um caso particular ou uma série de casos relacionados. Histo-
ricamente, district courts mantinham uma lista de masters “gerais” (general) ou “permanentes” (standing),
da qual o juiz podia selecionar algum para a delegação de tarefas. Um mestre nomeado não da lista, mas
para um caso particular, era chamado de “mestre especial”. Com a criação de magistrate judges em 1968,
não havia mais necessidade de mestres “permanentes”, então a Rule 53 foi emendada em 1983 para excluir
a referência a “standing” masters. Tecnicamente, portanto, todos os mestres de hoje são “special” masters,
e parece sem sentido usar o adjetivo em seu título. (cf. SULLIVAN, E. Thomas et al. Complex Litigation.
New Providence/NJ: LexisNexis, 2009. p. 508 e 514).

113
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

qual, geralmente, o juiz e júri permanecem neutros e passivos durante o processo.


Destarte, menciona a doutrina que os “casos complexos são caracterizados pela
redução do adversarialism e aumento do poder judicial”. 353

Em um litígio complexo, para começar, o juiz deve adequar a condução


do processo às necessidades do litígio em particular e aos recursos disponíveis
das partes e do sistema judicial, tendo em mente que: “Judicial time is the scarcest
resource of all: Judges should use their time wisely and efficiently and make use of all
available help”.354

Assumem ingente importância, nessa perspectiva, o plano de atribuições,


a gestão eficaz e as delegações supervisionadas, como instrumentos para a
efetiva condução do processo. Neste particular, registra-se que a gestão judicial
eficaz do processo, em geral, tem as seguintes características: é ativa, devendo o
juiz prever os problemas, antes que eles surjam, em vez de esperar passivamente
para o advogado apresentá-los; é substantiva, no sentido de o juiz familiarizar-
se, numa fase inicial, com as questões substanciais, a fim de tomar decisões bem
informadas sobre a definição e limitação dos assuntos relacionados; é contínua, pois
o juiz precisa monitorar periodicamente o andamento do processo, para ver se o
cronograma está sendo observado e para considerar modificações necessárias do
plano de litígio; é firme, mas justa, já que prazos, controles e exigências não são
impostos arbitrariamente, ou sem considerar as opiniões dos advogados, e podem
ser revistos quando necessário, mas uma vez estabelecidos, têm de ser cumpridos,
sob pena de aplicação das sanções apropriadas; é cuidadosa, porquanto uma
demonstração inicial de cautelosa preparação dá o tom apropriado e aumenta a
credibilidade e eficiência do tribunal com os advogados; é tempestiva (“timely”),
porque o juiz deve decidir as questões prontamente, sobretudo aquelas que podem
afetar substancialmente o curso ou âmbito de acontecimentos posteriores.355
Ainda sobre a tempestividade, com a visão pragmática própria da doutrina
norte-americana, assevera David Herr:“Decisões demoradas podem ser dispendiosas
e causar dificuldades e ônus para os litigantes, e, frequentemente, retardarão outros
353
“[…] complex cases are characterized by lessening of adversarialism and increased judicial power
[…]” (JOHNSON, Kevin R.; ROGERS, Catherine A.; WHITE, John Valery. Complex Litigation: cases
and materials on litigating for social change. Durham, North Carolina: Carolina Academic Press, 2009. p.
29). No mesmo sentido, referindo-se às ações coletivas, Rendleman: “The class action is not based on
the traditional model of adversary advocacy, but focuses on the judge” (Complex Litigation: injunctions,
structural remedies, and contempt. New York, NY: Foundation Press, 2010. p. 498).
354
Nossa tradução: “O tempo judicial é o recurso mais escasso de todos: Juízes devem usar seu tempo com
sabedoria e eficiência, bem como fazer uso de toda a ajuda disponível” (HERR, David F. Annotated Manual
for Complex Litigation. 4th ed. S.l.: Thomson Reuters, 2014. p. 19).
355
Vide HERR, David F. Annotated Manual for Complex Litigation. 4th ed. S.l.: Thomson Reuters, 2014. p. 22.

114
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

eventos do processo. As partes podem preferir que uma decisão seja oportuna, em
vez de perfeita”.356
No que concerne às delegações, cabe ao juiz federal distrital decidir, no
início do processo, se deve encaminhar toda ou alguma parte da direção do pré-
julgamento ou do controle do processo para o magistrate judge. A delegation ao
magistrate judge afigura-se mais importante no que concerne a várias questões
relativas ao pré-julgamento, mas ele só pode conduzir o julgamento “se as partes
consentirem (Em tal caso, as partes renunciam a seu direito a um juiz vitalício [“Article
III judge”], de modo que o julgamento pelo magistrate judge se torna admissível)”.357
Consoante U.S. Code §  636(b)(1), em síntese, “(A) o juiz pode designar um
magistrate judge para conhecer (“hear”) e decidir qualquer questão pré-julgamento
pendente perante o tribunal, exceto requerimento de medida cautelar ou antecipada
(“injunctive relief”), para julgar alegações, para julgamento sumário, [...] para rejeitar
ou permitir a manutenção de uma ação coletiva [...]”, sendo certo, no entanto,
que: “O juiz do tribunal pode reconsiderar qualquer questão pré-julgamento sob
[o] subparágrafo (A), se for demonstrado que a decisão do magistrate judge é
manifestamente errônea ou contrária à lei”.358
Por outro lado, a delegação da condução do pré-julgamento para masters
(e não magistrate judges) não é aconselhável por diversas razões.359 A Federal Rule
of Civil Procedure 53(a)(1)(C) apenas admite que o master trate de questões pré-
julgamento ou pós-julgamento “que não possam ser efetiva e oportunamente
dirigidas a um district judge ou magistrate judge disponível”.360
De qualquer forma, “o tribunal deve decidir de novo [desde o começo] todas as
356
No original: “It is timely. The judge decides disputes promptly, particularly those that may substantially
affect the course or scope of further proceedings. Delayed rulings may be costly and burdensome for liti-
gants and will often delay other litigation events. The parties may prefer that a ruling be timely rather than
perfect” (loc. cit.).
357
Cf. SULLIVAN, E. Thomas et al. Complex Litigation. New Providence/NJ: LexisNexis, 2009. p. 508:
“In addition, under § 636(c), magistrate judges may actually conduct civil trials – but only if the parties
consent. (In such a case, the parties have waived their right to an Article III judge, so having the magistrate
conduct trial is acceptable). For us, the most significant provision is § 636(b)(1), which concerns delega-
tion of various pretrial issues from the district judge.”
358
“28 U.S. Code § 636 - Jurisdiction, powers, and temporary assignment […] (b)(1) Notwithstanding any
provision of law to the contrary – (A) a judge may designate a magistrate judge to hear and determine any
pretrial matter pending before the court, except a motion for injunctive relief, for judgment on the pleadin-
gs, for summary judgment, […] to dismiss or to permit maintenance of a class action, […]. A judge of the
court may reconsider any pretrial matter under this subparagraph (A) where it has been shown that the
magistrate judge’s order is clearly erroneous or contrary to law.”
359
Cf. HERR, David F. Annotated Manual for Complex Litigation. 4th ed. S.l.: Thomson Reuters, 2014. p. 23.
360
“Rule 53. Masters: (a) Appointment. (1) Scope. Unless a statute provides otherwise, a court may ap-
point a master only to: […] (C) address pretrial and posttrial matters that cannot be effectively and timely
addressed by an available district judge or magistrate judge of the district.”

115
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

objeções às conclusões de direito feitas ou recomendadas por um master”. Todavia,


“a menos que a decisão de nomeação estabeleça um padrão diferente de revisão,
o tribunal somente pode rejeitar a decisão do master em questão processual por
abuso de poder”, como estabelece a Rule 53(f)(4) e (5).361

Não obstante, é assaz importante, em variadas hipóteses, a nomeação do


master, que é um expert em determinado assunto, para ajudar o district judge em
questões técnicas específicas,362 sem falar na relevantíssima nomeação do master
para monitorar a execução e cumprimento de decisões judiciais complexas. Nessa
função, o master é um importante auxiliar na execução do julgado.363

Cumpre ainda salientar, em relação ao complex litigation, a relevância atribuída


à atuação dos advogados. Como adverte, ainda mais uma vez, o Manual for Complex
Litigation: “Os advogados – que estarão mais familiarizados do que o juiz com os fatos
e questões do caso – devem desempenhar um papel significativo no desenvolvimento
do litigation plan e são os principais responsáveis por sua execução”, arrematando
que a corte, na supervisão e controle, “deve reconhecer os encargos impostos aos
advogados pelo litígio complexo e deve promover o respeito mútuo e a cooperação
entre o tribunal e os advogados e entre os próprios advogados”.364

Assim, a intensa atividade judicial na condução de litígios complexos não


reduz os deveres e responsabilidades dos advogados. Ao revés, tais litígios geram
maiores exigências para o advogado, em sua dupla função como defensor e
oficial da corte. A complexidade das questões de direito e de fato torna os juízes
especialmente dependentes da colaboração dos advogados, 365 sem a qual nenhum
case-management plan pode ser eficaz.
361
“Rule 53. Masters […] (f) Action on the Master’s Order, Report, or Recommendations. […] (4) Re-
viewing Legal Conclusions. The court must decide de novo all objections to conclusions of law made or
recommended by a master. (5) Reviewing Procedural Matters. Unless the appointing order establishes a
different standard of review, the court may set aside a master’s ruling on a procedural matter only for an
abuse of discretion.”
362
Cf. SULLIVAN, E. Thomas et al. Complex Litigation. New Providence/NJ: LexisNexis, 2009. p. 514.
363
DOBBS, Dan B. Law of Remedies: damages, equity, restitution. 2nd ed. St. Paul, Minn.: West Group,
1993. p. 16.
364
“The attorneys – who will be more familiar than the judge with the facts and issues in the case – should
play a significant part in developing the litigation plan and should have primary responsibility for its ex-
ecution. Court supervision and control should recognize the burdens placed on counsel by complex litiga-
tion and should foster mutual respect and cooperation between the court and the attorneys and among the
attorneys.” (HERR, David F. Annotated Manual for Complex Litigation. 4th ed. S.l.: Thomson Reuters,
2014. p. 23).
365
“Judicial involvement in managing complex litigation does not lessen the duties and responsibilities of
the attorneys. To the contrary, complex litigation places greater demands on counsel in their dual roles
as advocates and officers of the court. The complexity of legal and factual issues makes judges especially
dependent on the assistance of counsel.” (HERR, David F. Annotated Manual for Complex Litigation. 4th
ed. S.l.: Thomson Reuters, 2014. p. 36).

116
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Ressaltada a responsabilidade primordial dos advogados, “obviamente, o


tribunal deve ter autoridade para impor suas ordens”, seja coagindo ao cumprimento,
seja punindo o descumprimento. As sanções podem ser distinguidas em sanções
sobre o mérito, aquelas que afetam a controvérsia – por exemplo, ao atingir uma
reivindicação ou uma defesa, e sanções pecuniárias, que podem ser devidas à parte
adversa ou à Corte.366

É variadíssima a gama de sanções que pode ser aplicada pelo tribunal, tanto
à parte quanto ao advogado,367 conforme a espécie e gravidade da conduta. Quanto
às sanções menos severas, p. ex., podem ser aplicadas: “(i) repreensão oral, suficiente
para a maioria das violações menores, particularmente uma primeira infração; (ii)
repreensão escrita, pode ser apropriada em casos mais sérios; (iii) transferência de
custos (“cost shifting”), o objetivo da sanção é a dissuasão e não a compensação;
(iv) negação de honorários advocatícios ou despesas, o tribunal pode se recusar a
conceder honorários e despesas ou pode ordenar que o advogado não os cobre de
seus clientes; (v) medidas corretivas (“remedial action”), advogado e partes podem
ser obrigados a remediar um ato negligente ou ilícito às suas próprias custas, como
por meio da restauração de materiais indevidamente destruídos ou eliminados; (vi)
concessão ou recusa de tempo, a demora indevida pode justificar a concessão de
tempo adicional às partes opostas, ou, de outro modo, a negativa de requerimentos
apropriados de prorrogação do prazo.368

Com relação às sanções mais graves, reservadas a circunstâncias sérias,


cabem, também exemplificativamente, as seguintes medidas: “(i) destituição da
posição de advogado líder ou, em caso extremo, completa proibição de continuar
a participar do caso (“Demotion/removal of counsel”); (ii) remoção da parte como
representante da classe;369 (iii) proibição de a parte iniciar outro processo, até cumprir
todas as ordens na ação atual, ou de propor, sem aprovação do tribunal, outras
ações envolvendo os mesmos ou similares fatos ou pretensões;370 (iv) extinção do
processo sem julgamento do mérito; (v) revogação do julgamento, o tribunal pode
anular uma sentença se obtida por fraude; (vi) suspensão ou privação da advocacia
366
SULLIVAN, E. Thomas et al. Complex Litigation. New Providence/NJ: LexisNexis, 2009. p. 542.
367
Vide, por exemplo, a Federal Rule of Civil Procedure 11(c)(1).
368
Cf. HERR, David F. Annotated Manual for Complex Litigation. 4th ed. S.l.: Thomson Reuters, 2014. p. 27.
369
Antes de impor essa sanção, no entanto, o tribunal deve levar em consideração ordenar que uma notifica-
ção seja dada à classe, sob a Regra 23(d)(2), para permitir que os membros da classe expressem seus pontos
de vista sobre sua representação ou para intervir no processo.
370
Veja-se, porém, a advertência: “Enjoining party from commencing other litigation. While there is a
strong policy against denying access to the courts, a party may be enjoined from commencing other actions
until it has complied with all orders in the current action, or from bringing, without court approval, other
actions involving the same or similar facts or claims” (HERR, David F. Annotated Manual for Complex
Litigation. 4th ed. S.l.: Thomson Reuters, 2014. p. 27).

117
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

(“disbarment”), o tribunal tem poderes inerentes para suspender ou expulsar o


advogado, 371 mas deve seguir as regras locais aplicáveis; (vii) multa, mesmo sem uma
decisão de desacato (“contempt”), o tribunal pode avaliar as sanções monetárias
independentemete ou em adição da transferência de custos. O montante deve ser
o mínimo necessário para atingir o objetivo dissuasivo ou punitivo, considerando
os recursos da pessoa ou entidade multada; (viii) desacato (“contempt”), o tribunal
pode emitir uma ordem de desacato, e deve indicar claramente se é civil ou
criminal;372 (ix) encaminhamento para possível processo criminal, nos casos em que
o mau comportamento se eleva ao nível de uma infração penal (p. ex. obstrução de
justiça), a questão pode ser encaminhada ao U.S. Attorney’s Office.373

No direito norte-americano, portanto, como se afigura natural e


absolutamente necessário, as sanções (inclusive as processuais) podem ser
aplicadas ao advogado ou à parte, bem como a ambos, sem restrições corporativas
semelhantes à do antigo art. 14, parág. único, do revogado Código de Processo Civil
de 1973, que estabelecia um canhestro bill de indenidade para os advogados, ideia
que persiste no § 6º do art. 77 do CPC em vigor, conquanto agora estendida para
advogados públicos, aos defensores públicos e aos membros do Ministério Público.

371
Vide In re Snyder, 472 U.S 634, 643-47 (1985).
372
Convém lembrar que além da prisão punitiva, pelo tempo determinado em decisão, no criminal con-
tempt, o encarceramento até que o recalcitrante cumpra a ordem do tribunal é uma forma permitida de
sanção civil, porque fornece o incentivo contínuo para cumprir (cf. DOBBS, Dan B. Law of Remedies:
damages, equity, restitution. 2nd ed. St. Paul, Minn.: West Group, 1993. p. 135).
373
Cf. HERR, David F. Annotated Manual for Complex Litigation. 4th ed. S.l.: Thomson Reuters, 2014.
p. 27-28.

118
6 Constituição Orçamentária

6.1 O sistema constitucional orçamentário


Como ensina Ricardo Lobo Torres, a Constituição Orçamentária é um dos
subsistemas da Constituição Financeira, ao lado da Constituição Tributária e da
Monetária, sendo uma das Subconstituições que compõem o quadro maior da
Constituição do Estado de Direito, em equilíbrio e harmonia com outros subsistemas,
especialmente a Constituição Econômica e a Política.374
A expressão orçamento-programa é encontrada há muito tempo em nossa
legislação, como se vê do Decreto-Lei nº 200/67, que se refere a “orçamento-
programa anual” (p. ex., artigos 7º, letra c, e 16 a 18), bem como a “plano geral
de govêrno; programas gerais, setoriais e regionais, de duração plurianual; [e]
programação financeira de desembolso” (art. 7º, letras a, b e d). A Lei nº 4.320/64
menciona “programa de trabalho anual do Govêrno” e “Previsões Plurienais” (p. ex.,
art. 2º, § 2º, III, e Título II, Capítulo II, Seção Primeira),375 e a Emenda Constitucional nº
1/69, aludia a “orçamentos plurianuais de investimento” (art. 60, parág. único), mas
a prática orçamentária não aplicava devidamente essas normas, como demonstrou
José Afonso da Silva.376
Foi a Constituição Federal de 1988 que estabeleceu plenamente o orçamento-
programa, ao prever o sistema rígido de plano plurianual, diretrizes orçamentárias e
orçamentos anuais, como ensina o próprio José Afonso da Silva:
A Constituição institui um sistema orçamentário efetivamente moderno. Abre
amplas possibilidades à implantação de um sistema integrado de planejamento
374
O orçamento na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1995. p. 1; Tratado de direito constitucional
financeiro e tributário: o orçamento na Constituição. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. v. V. p. 1.
375
Por isso, afirma Marcus Abraham: “A partir da edição da Lei Geral dos Orçamentos (a Lei nº 4.320/1964),
destaca-se como característica essencial a adoção, pelo Brasil, do modelo orçamentário de orçamento-pro-
grama [...]” (Orçamento público no Brasil. In: ABRAHAM, Marcus; PEREIRA, Vitor Pimentel (Coords.).
Orçamento público no direito comparado. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 87-117, espec. p. 93).
376
O ilustre autor, embora admitindo que “o direito orçamentário brasileiro sufraga[va] a técnica do orça-
mento-programa”, advertiu que “a prática orçamentária, contudo, não vem[vinha] aplicando devidamente
aquelas normas [normas constitucionais sobre orçamento, Ato Complementar n. 43/69 e Decreto-lei n. 200]”
(Orçamento-programa no Brasil. São Paulo: Revista dos tribunais, 1973. p. 379 e 380 (conclusões XI e XII).
119
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

do orçamento-programa, de sorte que o orçamento fiscal, os orçamentos de


investimento das empresas e o orçamento da seguridade social passam a constituir
etapas do planejamento de desenvolvimento econômico e social, ou, se se quiser,
conteúdo dos planos e programas nacionais, regionais e setoriais, na medida em
que estes têm que compatibilizar-se com o plano plurianual que é o instrumento
que estabelece as diretrizes, objetivos e metas da Administração Pública federal
para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos
programas de duração continuada, que integrarão o orçamento anual, em cada
ano, e por ela executadas anualmente.377

Assim, cabe à lei que instituir o plano plurianual estabelecer, de forma


regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal,
inclusive para as despesas relativas aos programas de duração continuada (art. 165,
§ 1º). A lei de diretrizes orçamentárias, por sua vez, deve compreender as metas e
prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para
o exercício financeiro subsequente, orientar a elaboração da lei orçamentária anual,
dispor sobre as alterações na legislação tributária e estabelecer a política de aplicação
das agências financeiras oficiais de fomento (artigo 165, § 2º). À lei orçamentária
anual – que compreende o orçamento fiscal, o orçamento de investimento das
empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital
social com direito a voto e o orçamento da seguridade social – cabe, enfim, dispor
sobre a previsão da receita e a fixação da despesa (art. 165, §§ 5º e 8º).

Todas são leis de iniciativa privativa do Presidente da República (art. 84, XXIII, e
art. 165, caput); o processo de emendas ao projeto de lei do plano plurianual não admite
aumento da despesa (art. 63, I); as emendas que se destinem a modificar o projeto de
lei de diretrizes orçamentárias só podem ser aprovadas quando compatíveis com o
plano plurianual, que não admite – repita-se – aumento da despesa (art. 166, § 4º);
as emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem
somente podem ser aprovadas – requisitos cumulativos378 – caso sejam compatíveis
com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias, e indiquem os
recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa,
excluídas as que incidam sobre dotações para pessoal e seus encargos, serviço da
dívida e transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito
Federal (art. 166, § 3º, incisos I e II). No mais, pode a emenda relacionar-se com a
correção de erros ou omissões, ou com os dispositivos do texto do projeto de lei
(art. 166, § 3º, inciso III).

377
Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 715 – grifado
no original.
378
Torres, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário: o orçamento na Cons-
tituição. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. v. V. p. 441.

120
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

São vedados o início de programas ou projetos não incluídos na lei


orçamentária anual; a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas
que excedam os créditos orçamentários ou adicionais; a abertura de crédito
suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos
recursos correspondentes; a transposição, o remanejamento ou a transferência de
recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro,
sem prévia autorização legislativa; a concessão ou utilização de créditos ilimitados
(art. 167, I, II, V, VI e VII).
A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a
despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna
ou calamidade pública, excepcionalmente admitida a adoção de medida provisória
(art. 167, § 3º c/c. art. 62).
Restam, assim, os outros “créditos adicionais”, ou seja, “as autorizações de
despesa não computadas ou insuficientemente dotadas na Lei de Orçamento” (art. 40
da Lei nº 4.320/64), que se classificam em “suplementares, os destinados a reforço de
dotação orçamentária” (art. 41, I, Lei 4.320/64), e “especiais, os destinados a despesas
para as quais não haja dotação orçamentária específica” (art. 41, II, Lei 4.320/64), mas
“a abertura dos créditos suplementares e especiais depende da existência de recursos
disponíveis para ocorrer a despesa [...]” (art. 43 da Lei 4.320/64).
Além disso, “[o]s projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes
orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas
Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum” (art. 166, caput, da CF).379
A iniciativa privativa do Poder Executivo para apresentar as leis orçamentárias
é natural, devido ao “seu maior domínio das informações e estimativas técnicas”,
em atividade que “envolve um gigantesco esforço de sistematização de dados” e o
“conhecimento atualizado e detalhado sobre cada uma das atividades já desempenhadas
pelo Poder Público ou em fase de planejamento, uma vez que uma omissão aqui terá
como consequência a impossibilidade de se realizar qualquer gasto”.380
Além disso, em termos gerais, ensina José Afonso da Silva que:
A razão por que se atribui ao Chefe do Executivo o poder de iniciativa decorre do
fato de a ele caber a missão de aplicar uma política determinada em favor das
necessidades do país; mais bem informado do que ninguém dessas necessidades e
dada a complexidade cada vez maior dos problemas a resolver, estão os órgãos do
Executivo tecnicamente mais bem aparelhados que os parlamentares, para preparar

Grifo nosso.
379

380
MENDONÇA, Eduardo Bastos Furtado de. A Constitucionalização das finanças públicas no Brasil:
devido processo orçamentário e democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 25.

121
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

os projetos de leis; demais, sendo o chefe também da administração geral do país


e possuindo meios para aquilatar as necessidades públicas, só o Executivo poderá
desenvolver uma política legislativa capaz de dotar a nação de uma legislação
adequada, servindo-se da iniciativa legislativa.381

A Constituição da República, no entanto, a par de estabelecer a iniciativa


privativa do Chefe do Poder Executivo, estendeu o controle político do Poder
Legislativo, que pode apresentar emendas, embora com as supramencionadas
restrições dos §§ 3º e 4º do art. 166,382 e a quem compete aprovar ou rejeitar as leis
orçamentárias,383 com exceção da lei de diretrizes orçamentárias, que não pode ser
rejeitada, “pois a Constituição determina que o Legislativo não entrará em recesso
enquanto não aprovar a lei de diretrizes (art. 57, § 2 º)”.384
Na verdade, como esclarece Adilson Abreu Dallari:
Atualmente, cabe ao Chefe do Executivo apresentar o projeto da lei orçamentária
(iniciativa exclusiva), mas ele não pode elaborar tal projeto exclusivamente de
acordo com sua vontade, mas, sim, com observância do disposto na Lei de Diretrizes
Orçamentárias, aprovada pelo Legislativo, a qual fixa as prioridades e condiciona a
elaboração da proposta orçamentária.385

Trata-se, por conseguinte, e isso é extremamente relevante, conquanto


muitas vezes desprezado, de leis propostas pelo Executivo e aprovadas pelo
Legislativo, e “cada dotação orçamentária representa uma decisão em si mesma ou,
quando menos, a concretização de uma decisão política anterior”.386
Fernando Weiss, ao cuidar do princípio democrático, enfatiza: “As leis
orçamentárias detalham em valores pecuniários as decisões tomadas pela maioria
quanto às prioridades do Estado. Mais [do que] quaisquer outras, representam a
consolidação escrita do desejo social predominante”.387
O orçamento público, portanto, “[m]uito mais do que um instrumento
381
Processo constitucional de formação das leis. 2. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 141.
382
Com referência a restrições indevidas postas pela Resolução nº 1/2006 do Congresso Nacional, que
indica inconstitucionais, veja-se MENDONÇA, Eduardo Bastos Furtado de. MENDONÇA, Eduardo Bas-
tos Furtado de. A Constitucionalização das finanças públicas no Brasil: devido processo orçamentário e
democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 57-63.
383
Para o presente trabalho não importa examinar se pode haver rejeição total do projeto de lei orçamentária
anual, a despeito da regra do § 8º do art. 166 da CF, ou apenas rejeição parcial, como sustenta DALLARI,
Adilson Abreu. Lei orçamentária: processo legislativo, peculiaridades e decorrências. Revista de Informa-
ção Legislativa, v. 33, n. 129, p. 157-162, jan./mar. 1996, passim.
384
Ibidem, p. 159. No mesmo sentido, SILVA, José Afonso da. Processo constitucional de formação das
leis. 2. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 326.
385
Lei orçamentária: processo legislativo, peculiaridades e decorrências. Revista de Informação Legislati-
va, v. 33, n. 129, p. 157-162, jan./mar. 1996, espec. p. 158.
386
MENDONÇA, Eduardo Bastos Furtado de. A Constitucionalização das finanças públicas no Brasil:
devido processo orçamentário e democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 20.
387
WEISS, Fernando Lemme. Princípios tributários e financeiros. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 240.

122
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

financeiro, trata-se de uma ferramenta de mudança social, de expressão democrática


e missão republicana”,388 parecendo correto, até mesmo, afirmar “que o orçamento,
depois da própria Constituição, apresenta-se como o ato mais importante na vida de
uma nação”.389
Não é sem razão, portanto, que a Constituição Federal menciona como
crime de responsabilidade o ato do Presidente da República que atente contra a
Constituição Federal e, especialmente, contra a lei orçamentária (art. 85, inciso VI),
ao passo que a Lei n° 1.059/50 caracteriza como crimes, por exemplo, “exceder ou
transportar, sem autorização legal, as verbas do orçamento” (art. 10, 2), “infringir,
patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária” (art. 10,
4), “ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites
estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na
de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal” (art. 10, 6), “abrir
crédito sem fundamento em lei ou sem as formalidades legais” (art. 11, 2), condutas
violadoras, em tese, do artigo 167 da Constituição Federal.
O sistema assim estabelecido, decerto, parece visar à consagração de
autênticas políticas de Estado, em vez de transitórias políticas de governo, o que
se mostra tão necessário para vencer nossos graves problemas sociais, garantindo
que “políticas de superación de la pobreza trasciendan los límites temporales de cada
período presidencial o los vaivenes de las administraciones locales” e “la continuidad en
dichos programas, fijar metas e implementar estrategias de mediano y largo plazo, con
resultados y mediciones susceptibles de evaluación y mejoramiento continuo, cuidando
la neutralidad política de los mismos para evitar su uso con fines electorales”,390 como
já mencionamos em nível de América Latina,391 principalmente em país, como o
nosso, onde projetos e obras, com frequência, são paralisados, desperdiçados e
inacabados, sem a menor responsabilidade.392
388
ABRAHAM, Marcus. Orçamento público no Brasil. In: ABRAHAM, Marcus; PEREIRA, Vitor Pi-
mentel (Coords.). Orçamento público no direito comparado. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 87-117,
espec. p. 88.
389
MATIAS-PEREIRA, José. Finanças públicas: a política orçamentária no Brasil. 4. ed. rev. e atual. São
Paulo: Atlas, 2009. p. 271 – grifado no original. Fosse o orçamento tratado com a atenção e dignidade que
merece, pelos Poderes da República, o asserto não correria o risco de parecer algo exagerado.
390
RINCÓN GALLARDO, Gilberto. La gobernabilidad democrática y los temas olvidados de una nece-
saria reforma del Estado. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad y Constitucionalismo en América
Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005. p. 365-377, espec. p. 373.
391
Cf. Capítulo III, item 3.1, p. 39-40 e nota 168, supra.
392
“Os dados preliminares divulgados pelo TCU, em 2005, indicam um desperdício de R$ 15,0 bilhões em
obras paradas e inacabadas no país, ou seja, duas vezes mais do que o governo investe em infraestrutura
por ano, representando mais de 3 mil empreendimentos parados no Brasil”. MATIAS-PEREIRA, José.
Finanças públicas: a política orçamentária no Brasil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2009. p. 333.
Dados recentes, do estudo “Grandes obras paradas: como enfrentar o problema?”, divulgados pela Agência
de Notícias CNI, em 12/07/2018, apontam: “De acordo com números obtidos pela CNI junto ao Ministério

123
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

6.2 A postura do Judiciário


Diante desse quadro, e sem pretender esgotar aqui o tema, que será
concretizado em momento oportuno, seria legítimo supor ou alvitrar que o
Judiciário pode desconsiderar ou menoscabar a Constituição Orçamentária? Ou
que poderia simplesmente deixar de aplicar suas regras para realizar princípios?
Várias podem ser as abordagens do amplíssimo tema, que mereceria, por
si só, constituir obra específica, mas vamos começar, sumariamente, pela doutrina.
Felipe de Melo Fonte, em seu substancioso livro, refere-se à “derrota da regra393
orçamentária no caso concreto” e alude, após citar estudo de Eros Grau, à suspensão
da “eficácia dos comandos contidos nas regras do art. 167, II, V e VII, art. 85, VI, art. 166
e art. 169 em relação à Administração Pública”, ao cumprir uma decisão judicial.394
Na verdade, porém, outras normas, em teoria, também poderiam ser derrotadas,
como, por exemplo, para nos limitarmos ao básico, os incisos I e VI do artigo 167 da
Constituição Federal.
O próprio autor, no entanto, faz a seguinte advertência:
Agindo desta forma o magistrado afasta o argumento da reserva orçamentária na
sua feição jurídica, especificamente a regra do art. 167, II, da Constituição Federal de
1988. O problema consiste em equacionar, a posteriori, a despesa que foi realizada
sem que houvesse a devida previsão orçamentária. Em primeiro lugar compete ao
Poder Legislativo sanar esta situação mediante a abertura de créditos suplementares
[rectius: especiais], modalidade de crédito adicional constitucionalmente disciplinada,
os quais se destinam precisamente a cobrir despesas não previstas inicialmente, e
não submetidas ao regime do precatório. Se, contudo, este se negar a oferecer seu
consentimento, não resta alternativa a não ser concluir pela impossibilidade jurídica
de se impingir qualquer responsabilidade aos agentes públicos envolvidos, os quais
agiram em estrito cumprimento do dever legal.395

Mas não seria, diga-se com enorme reverência, chamar o chaveiro para abrir
porta já arrombada? Se o “consentimento” do Poder Legislativo – afinal – é tido por

do Planejamento, 2.796 obras estão paralisadas no Brasil, sendo que 517 (18,5%) são do setor de infraes-
trutura. A área de saneamento básico lidera o ranking, com 447 empreendimentos interrompidos durante a
fase de execução. Na sequência, aparecem obras de rodovias (30), aeroportos (16), mobilidade urbana (8),
portos (6), ferrovias (5) e hidrovias (5). As obras paradas de infraestruutra já custaram R$ 10,7 bilhões e não
trouxeram nenhum retorno para a sociedade.” Disponível em: <https://noticias.portaldaindustria.com.br/
noticias/infraestrutura/brasil-desperdica-dinheiro-publico-com-517-obras-de-infraestrutura-paralisadas/>.
Acesso em: 15 jul. 2018.
393
A expressão “derrota da regra” advém de textos em inglês, que mencionam, algumas vezes, “defeat the
rule”, mas aqui no Brasil o termo derrota apresenta certo ressaibo de subjugação, que não parece ser a
concepção comum, embora nos pareça adequada.
394
Políticas públicas e direitos fundamentais: elementos de fundamentação do controle jurisdicional de
políticas públicas no Estado Democrático de Direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 320 e 321.
395
Ibidem, p. 321-322.

124
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

superável, a solicitação simplesmente pro forma, como ultrapassado e cortês aceno


à legalidade, atende ao artigo 2º da Constituição da República?
A lição nos parece perfeita, dessa forma, se a exigência constitucional (art.
167, V) fosse cumprida antes de realizada a despesa, ou, quando menos, se houvesse
concreta e específica análise da questão orçamentária no caso julgado, de modo
a restar fundamentadamente justificada, na hipótese, a imposição da despesa
imprevista ou insuficientemente prevista.
Registre-se, contudo, que o ilustre autor salienta, v. g., que a generalização
de decisões judiciais gerando “o afastamento de regras constitucionais como as do
precatório, do dever de licitação e da reserva de orçamento para despesas públicas”,
acarreta uma situação que “tem levado a quadros caóticos nas Administrações
Públicas nos três níveis da federação, causando a falência dos planejamentos públicos,
especialmente aqueles que cuidam dos setores mais sensíveis da população, tais
como educação e saúde [...]”,396 que a derrota de regras [constitucionais] pode
redundar “em situações de flagrante injustiça”,397 além de frisar “a gravidade do ato
que é afastar as regras constitucionais relativas ao orçamento público”.398
Voltando à mencionada necessidade de que a decisão judicial aprecie
concreta e especificamente a questão orçamentária (e, consequentemente, as
dotações para as políticas públicas pertinentes) em cada caso concreto, vale lembrar
que muitas vezes é genericamente citado parecer de Eros Roberto Grau no sentido
da prevalência do princípio da sujeição da Administração às decisões judiciais, em
relação ao princípio da legalidade da despesa pública, mas o parecer analisa duas
situações distintas.
A primeira versa sobre a execução das decisões judiciais e os comandos
constitucionais atinentes à execução orçamentária, quando, embora havendo
“disponibilidade de caixa”, há “inexistência de recursos suficientes para o
cumprimento de decisões do poder Judiciário nos termos da normatividade
constitucional”, ou seja, “embora pudesse a Administração adquirir recursos
suficientes para efetuar os pagamentos a que foi judicialmente condenada, não
obtém do Poder Legislativo autorização para isso”.399 Neste caso, vislumbra um
conflito entre “o princípio da legalidade da despesa pública [que reconhece emanar
396
Políticas públicas e direitos fundamentais: elementos de fundamentação do controle jurisdicional de
políticas públicas no Estado Democrático de Direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 23-24.
397
Ibid. p. 148.
398
Ibid. p. 321.
399
GRAU, Eros Roberto. Despesa pública. Conflito entre princípios e eficácia das regras jurídicas. O prin-
cípio da sujeição da Administração às decisões do Poder Judiciário e o princípio da legalidade da despesa
pública. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 61, p. 194-214, abr./jun. 2015. espec. p. 198
– grifado no original. Veja-se que aqui se cogita da autorização Legislativa a priori.

125
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

de regras jurídicas mas, como tal, simples concreção do princípio]400 e o princípio da


sujeição da Administração às decisões do Poder Judiciário”,401 e conclui:
Daí a conclusão que firmo: cumpre, no âmbito da situação de que estamos a cogitar
– inexistência de recursos suficientes para o cumprimento de decisões do Poder
Judiciário nos termos da normatividade constitucional – atribuirmos peso mais
elevado ao princípio da sujeição da Administração àquelas decisões, do que decorre,
pois, não se aplicarem no caso as regras veiculadas pelo art. 167, II, pelo art. 85, VI, pelo
art. 166, pelo art. 167, V, pelo art. 167, VI e pelo art. 169 da Constituição de 1988 e pelo
art. 38 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; a eficácia dessas regras, em
relação àquela situação, é afastada.402

Mas essa ponderação abstrata não pode ser considerada absoluta e


automática, aplicando-se a toda e qualquer decisão judicial, ou ao conjunto de
decisões judiciais, ainda que o prover-se a Administração “de créditos orçamentários
sem observar as regras acima indicadas, cuja eficácia é afastada”, comprometesse ou
inviabilizasse a execução global do orçamento, sendo necessário verificar a questão
no caso concreto, com apreciação séria e cuidadosa das razões que levaram à não-
autorização do crédito adicional pelo Legislativo e as dificuldades da Administração
em prover-se. A rigor, como veremos em breve, toda essa avaliação deve ser feita
antes da prolação da sentença, quando envolver políticas públicas, mas, surgindo
em relação ao cumprimento do julgado, não pode ser desconsiderada ou reduzida
à questão exclusivamente teórica.
A segunda situação analisada no parecer de Eros Grau versa sobre a
“completa ‘exaustão da capacidade orçamentária’”, no sentido de “inexistirem
recursos suficientes para que a Administração possa cumprir determinada ou
determinadas decisões judiciais. Não há, no caso, disponibilidade de caixa que lhe
permita cumpri-las”.403 Nesta hipótese, não importaria a prevalência do princípio
da sujeição às decisões judiciais em relação ao princípio da legalidade da despesa
pública, pois “[a]inda que afastadas as regras que a este último conferem concreção,
ainda assim não terá condições, a Administração, de dar cumprimento às decisões
judiciais”. Assim, não haveria conflito entre princípios, “porém [...] confronto entre
decisões judiciais e a realidade, vale dizer, entre a realidade e o direito”, e afirma:
400
Eis a colocação: “Logo, como observei em outra oportunidade, não se manifesta jamais antinomia jurí-
dica entre princípios e regras jurídicas. Estas operam a concreção daqueles. Em conseqüência, quando em
confronto dois princípios, um prevalecendo sobre o outro, as regras que dão concreção ao que foi despre-
zado são afastadas: não se dá a sua aplicação a determinada hipótese, ainda que permaneçam integradas,
validamente, no ordenamento jurídico.” Ibidem p. 207.
401
Ibid. p. 198 e 206-207.
402
GRAU, Eros Roberto. Despesa pública. Conflito entre princípios e eficácia das regras jurídicas. O prin-
cípio da sujeição da Administração às decisões do Poder Judiciário e o princípio da legalidade da despesa
pública. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 61, p. 209, item 18, abr./jun. 2015 – grifado
no original.
403
GRAU, Eros Roberto. Despesa pública. Conflito entre princípios e eficácia das regras jurídicas. O prin-
cípio da sujeição da Administração às decisões do Poder Judiciário e o princípio da legalidade da despesa
pública. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 61, p. 194-214, abr./jun. 2015. espec. p. 209.

126
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

“[...] neste caso deverá a Administração, demonstrada e comprovada essa exaustão


[da capacidade orçamentária] perante o Supremo Tribunal Federal,404 não cumprir as
decisões do poder Judiciário”.405
A ilimitada concentração da ideia, desse modo concebida, abrangendo
decisões judiciais (múltiplo), apesar de substancialmente correta, e além de sua
intrínseca problemática, ensejaria controvérsias com relação, por exemplo, ao
cumprimento, então, de algumas das decisões, quais decisões a cumprir, a quem
competiria a escolha... Problemas que, em princípio, não existiriam se a legalidade
da despesa pública, vale dizer, a Constituição Orçamentária, fosse observada.
Voltando às normas orçamentárias, verifica-se que, “[e]mbora sem atentar
para a gravidade do ato que é afastar as regras constitucionais relativas ao
orçamento público, o próprio Supremo Tribunal Federal já rechaçou limitações
orçamentárias”,406 ao impor ao Estado do Mato Grosso do Sul (que nem sequer era
parte no processo individual), em acepção genérica, “o custeio do exame pericial de
DNA para os beneficiários da assistência judiciária gratuita”.407 Com relação, v. g., ao
alegado “direito à saúde”,408 de forma eloquente, a Suprema Corte reduz a questão,
por vezes, à “escassez de recursos”, ditos interesses secundários do Estado (p. ex.: “O
Supremo Tribunal Federal entende que, na colisão entre o direito à vida e à saúde
e interesses secundários do Estado, o juízo de ponderação impõe que a solução do
conflito seja no sentido da preservação do direito à vida.”).409
Não se deve deslembrar, todavia, primeiro, que o orçamento é instrumental, e
“serve de veículo para alcançar a justiça política, social e econômica”,410 com forte feição
404
É curioso que GRAU assevera, anteriormente: “Essa demonstração e comprovação [...] deverá ser feita,
face à excepcionalidade dos fatos, perante o Supremo Tribunal Federal” (ibid. p. 210 – grifo nosso), mas
não explica como seria possível assegurar, constitucionalmente, essa apreciação fática pelo STF...
405
Ibidem, p. 213 – grifado no original.
406
FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais: elementos de fundamentação do controle
jurisdicional de políticas públicas no Estado Democrático de Direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 321.
407
“EMENTA: - Recurso extraordinário. Investigação de paternidade. 2. Acórdão que assentou caber ao
Estado o custeio do exame pericial de DNA para os beneficiários da assistência judiciária gratuita. Auto-
-executoriedade do art. 5º, LXXIV, da CF/88. 3. Alegação de ofensa aos arts. 5º, II, LIV e LV; 24; 25 a 28;
100 e 165, da CF. 4. Acórdão que decidiu, de forma adequada, em termos a emprestar ampla eficácia à regra
fundamental em foco. Inexistência de conflito com o art. 100 e parágrafos da Constituição. Inexiste ofensa
direta aos dispositivos apontados no apelo extremo. 5. Recurso extraordinário não conhecido.” (STF, 2ª
Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, RE 224.775/MS, unân., DJ 24.05.2002, p. 69). Ressalte-se que, mesmo
suscitado, inclusive pela PGR, que a Fazenda Pública está sujeita a dotações orçamentárias e jungida ao
princípio da legalidade, o V. Acórdão não apreciou real e especificamente o assunto.
408
Como adverte de Luís Roberto Barroso, é equivocada a formulação constitucional “a saúde é direito
de todos”, “que sugere como sujeito passivo a biologia e as forças da natureza humana”, sendo linguagem
mais adequado “direito à proteção da saúde ou à assistência médica” (O direito constitucional e a efetivi-
dade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1990. p.
55 – grifado no original).
409
STF, 1ª Turma, ARE 801676 AgR/PE, Rel. Min. Roberto Barroso, unân., julg. 19.08.2014.
410
Torres, Ricardo Lobo. O orçamento na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1995. p.. 145 – grifado
no original.

127
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

de planejamento em nossa Constituição, visando assim a assegurar, também, como


já dissemos, a consagração de políticas de Estado, imprescindíveis para a superação
de nossos graves problemas sociais; segundo, que a inobservância da legalidade da
despesa pública pelo Judiciário desarticula as finanças públicas e pode comprometer
a administração pública. Dessa forma, sob pena de minar o instrumento criado pela
Constituição e, deste modo, embaraçar a realização de suas finalidades, a pretexto de
realizá-las por conta própria, deve o Poder Judiciário rejeitar a desconsideração das
regras orçamentárias, seguindo lição de um verdadeiro jurista:
“A superação da omissão do legislador ou da lacuna orçamentária se realiza por
instrumentos orçamentários, e jamais à margem das regras constitucionais que
regulam o orçamento. Se, por absurdo, não houver dotação orçamentária, a abertura
dos créditos adicionais cabe aos poderes políticos (Administração e Legislativo), e
não ao Judiciário [...]. Na insuficiência de verba, o Executivo, desde que autorizado
pelo Legislativo (art. 167, V, da CF), deve suplementá-la pressionado pelo Judiciário;
não havendo a dotação necessária à garantia do direito, o Legislativo deve abrir o
crédito especial, providenciando a anulação das despesas correspondentes aos
recursos necessários (art. 166, § 3º, II e 167, V, da CF)”.411

6.3 Despreocupação com o orçamento público e o erário


Mesmo antes de analisar a orientação predominante do Supremo Tribunal
Federal e alguns casos de maior relevância do Superior Tribunal de Justiça, quando
se perceberá a desatenção com recursos públicos, inclusive (e não apenas!)
quando invocados direitos sociais, estendidos a direitos fundamentais com ampla
generosidade, cabem aqui algumas rápidas considerações.
Ricardo Lobo Torres, ao referir-se à “cultura orçamentária brasileira”, após
aludir aos “tristes episódios da imoralidade orçamentária e de dilapidação do
dinheiro público”, decorrentes, em 1993, “do que se chamou de ‘máfia do orçamento’,
composta pelos ‘anões do orçamento’”, e ao recrudescimento, em 2006, da “predação
do orçamento, nomeadamente na área da saúde, com os ‘vampiros’ (verbas para a
aquisição de sangue) e os ‘sanguessugas’ (majoração das verbas dos parlamentares
para a compra superfaturada de ambulâncias)”, e ao “patrimonialismo”,412 com
a elegância de hábito, menciona a dificuldade em discorrer sobre dinheiro: “Essa
dificuldade em discursar sobre o dinheiro e refletir a respeito das finanças públicas,
aliás, está em íntimo contacto com a mentalidade cavalheiresca presente na cultura
luso-brasileira: não é de bom-tom falar sobre o vil metal”.413
411
Torres, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de janeiro: Renovar, 2009. p. 95-96.
412
Tratado de direito constitucional financeiro e tributário: o orçamento na Constituição. 3. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2008. v. V. p. 31-32.
413
Torres, Ricardo Lobo, ibidem, p. 32.

128
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Mas a percepção desdenhosa do dinheiro, no entanto, como vil, em nossa


tradição, parece restringir-se às finanças públicas, tratadas com o devaneio de que
não têm dono e são férteis, inesgotáveis,414 caracterizando algumas das inúmeras
particularidades que muitas vezes afastam a cultura orçamentária brasileira dos
modelos dos países desenvolvidos do Ocidente.415
Por falar em países desenvolvidos, convém lembrar a perfeita, realista e
pragmática advertência de Alexander Hamilton, num d’Os Artigos Federalistas (nº
30), escritos em prol da Constituição dos Estados Unidos da América: “O dinheiro é,
acertadamente [with propriety], considerado como elemento vital do organismo político,
uma vez que o mantém vivo e em atividade, habilitando-o a cumprir suas funções
mais essenciais [...]”.416 Mas também na África do Sul, país ainda em desenvolvimento,
o Tribunal Constitucional, como vimos, demonstra enorme e especial atenção com o
emprego e disponibilidade de recursos públicos em seus julgados.
No Brasil, todavia, comumente e de forma geral, não se tem os devidos
cuidados com o dinheiro público, seja na perspectiva do Poder Executivo, do
Legislativo ou do Judiciário. Convive-se quase naturalmente com o desperdício,
a desmedida oneração do erário, o histórico patrimonialismo,417 a mentalidade
orçamentívora418 e o burocracismo orçamentívoro.419
414
Como afirmou o Senador Cristovam Buarque: “Ficar fora da realidade é fácil: é inflação, dívida, juros altos e
recessão.” O Globo, Rio de Janeiro, 31 maio 2018. p. 2. Entrevista concedida a Lydia Medeiros (Poder em jogo).
415
Valemo-nos, no trecho em itálico, de lição geral de Ricardo Lobo Torres, não especificamente identifi-
cada com nossa concepção. Cf. O orçamento na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1995. p. 26; e Tra-
tado de direito constitucional financeiro e tributário: o orçamento na Constituição. 3. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008. v. V. p. 31.
416
HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O Federalista. Tradução de Ricardo Ro-
drigues Gama. 2. ed. Campinas/SP: Russel, 2005. nº 30, p. 193. No original: “Money is, with propriety,
considered as the vital principle ofthe body politic; as that which sustains its life and motion, and enables
it to perform its most essential functions…”
417
Luís Roberto Barroso, referindo-se à herança maldita do patrimonialismo, ensina: “O colonialismo por-
tuguês, que, como o espanhol, foi produto de uma monarquia absolutista, assentou as bases do patrimonia-
lismo, arquétipo de relações políticas, econômicas e sociais que predispõem à burocracia, ao paternalismo,
à ineficiência e à corrupção. Os administradores designados ligavam-se ao Monarca por laços de lealdade
pessoal e por objetivos comuns de lucro, antes que por princípios de legitimidade e dever funcional. Daí a
gestão da coisa pública em obediência a pressupostos privatistas e estamentais, de modo a traduzir fielmen-
te, na Administração Pública, as aspirações imediatas da classe que lhe compõe o quadro burocrático. O
agente público, assim, moralmente descomprometido com o serviço público e sua eficiência, age em função
da retribuição material e do prestígio social.” (O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limi-
tes e possibilidades da Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1990. p. 9 e nota 9).
418
“[...] a mentalidade orçamentívora: quem garante a riqueza da nação não é o trabalho produtivo dos indi-
víduos, como acreditava Adam Smith, mas o Estado, tornado empresário segundo a mentalidade pombali-
na. A questão seria não como se apropriar o cidadão da riqueza através do trabalho, mas como se encontrar
no Estado, produtor da riqueza, para se enriquecer à custa dele” (RODRIGUEZ, Ricardo Vélez. Aspectos
Estruturais da Sociedade Brasileira. Convivium 31 (2): 150, 1988 apud Torres, Ricardo Lobo. Tratado
de direito constitucional financeiro e tributário: o orçamento na Constituição. 3. ed. Rio de Janeiro: Reno-
var, 2008. v. V. p. 33; e O orçamento na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1995. p. 28).
419
“O sociólogo Oliveira Vianna cunhou a expressão ‘burocracismo orçamentívoro’, para retratar a atitude
deletéria de indevida privatização dos recursos públicos” (Torres, Ricardo Lobo. Tratado de direito

129
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Maria Paula Dallari Bucci, em Capítulo (III) intitulado “Cinco Contradições do


Direito Administrativo ou os Marcos Jurídicos da Ineficácia da Administração Pública
no Brasil”, questiona, como quarta contradição, “se a aplicação da teoria do risco, tal
como vem sendo feita pela jurisprudência brasileira, tem, de fato, correspondido [ao]
ideal de solidariedade social”, para aludir ao Estado que “faz tudo, pode tudo e paga
tudo”,420 mas não busca adotar medidas efetivas para reverter a situação e prevenir
novos danos,421 e se utiliza muito pouco das ações de regresso contra o agente
responsável, nos casos de dolo ou culpa (art. 37, § 6º, da CF).422 Pior, em dissenso com
a doutrina francamente predominante:423 “A jurisprudência da Corte [STF] firmou-se
no sentido de não reconhecer a legitimidade passiva do agente público em ações de
responsabilidade civil fundadas no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, devendo o
ente público demandado, em ação de regresso, ressarcir-se perante o servidor quando
esse houver atuado com dolo ou culpa”,424 o que acaba por conferir ao “agente público
imunidade de não ser demandado diretamente por seus atos”.425
Colhem-se na jurisprudência, outrossim, julgados condenando pessoas

constitucional financeiro e tributário: o orçamento na Constituição. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
v. V. p. 33; e O orçamento na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1995. p. 28).
420
Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 189.
421
Referindo-se especificamente à omissão do Poder Público, conclui Maria Paula Dallari Bucci: “Inde-
niza-se pecuniariamente e o potencial gerador do dano permanece tal qual estava” (BUCCI, Maria Paula
Dallari, ibidem, p. 209).
422
“O segundo ponto é o descompasso entre as condenações do Poder Público e a reduzida quantidade de
ações de regresso” (BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo:
Saraiva, 2002. p. 209).
423
Cf. CASTRO, Guilherme Couto de. Direito civil: lições. 6. ed. rev. e atual. Niterói, RJ: Impetus, 2016. p. 247.
424
STF, 2ª Turma, ARE 908.331 AgR/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, unân., julg. 15/03/2016. No mesmo
sentido: “Consoante dispõe o § 6º do artigo 37 da Carta Federal, respondem as pessoas jurídicas de di-
reito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, descabendo concluir pela legitimação passiva concorrente do agente, in-
confundível e incompatível com a previsão constitucional de ressarcimento - direito de regresso contra
o responsável nos casos de dolo ou culpa.” (STF, 1ª Turma, RE 344.133/PE, Rel. Min. Marco Aurélio,
unân., julg. 09.09.2008). Em 2017, foi reconhecida repercussão geral do tema: “Possui repercussão geral
a controvérsia alusiva ao alcance do artigo 37, § 6º, da Carta Federal, no que admitida a possibilidade de
particular, prejudicado pela atuação da Administração Pública, formalizar ação judicial contra o agente
público responsável pelo ato lesivo.” (RE 1.027.633 RG/SP. Tema 940).
425
Veja-se o aresto do STJ, ao nosso ver correto: “1. O art. 37, § 6º, da CF/1988 prevê uma garantia para o
administrado de buscar a recomposição dos danos sofridos diretamente da pessoa jurídica que, em princí-
pio, é mais solvente que o servidor, independentemente de demonstração de culpa do agente público. Vale
dizer, a Constituição, nesse particular, simplesmente impõe ônus maior ao Estado decorrente do risco ad-
ministrativo; não prevê, porém, uma demanda de curso forçado em face da Administração Pública quando
o particular livremente dispõe do bônus contraposto. Tampouco confere ao agente público imunidade de
não ser demandado diretamente por seus atos, o qual, aliás, se ficar comprovado dolo ou culpa, responderá
de outra forma, em regresso, perante a Administração. 2. Assim, há de se franquear ao particular a possibi-
lidade de ajuizar a ação diretamente contra o servidor, suposto causador do dano, contra o Estado ou contra
ambos, se assim desejar [...]” (4ª Turma, REsp 1.325.862/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, unân., DJe
10.12.2013). O voto do eminente relator cita forte orientação doutrinária.

130
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

jurídicas de direito público ao pagamento de danos morais punitivos,426 sem qualquer


consideração ou ressalva, sem ter em conta que o valor acrescido é incapaz de
exercer a função dissuasória da repetição da conduta (já que não é o agente quem
paga),427 e parecendo que a sociedade brasileira, sobrecarregada por elevada carga
tributária (inclusive alta incidência de tributos indiretos), e desprovida de serviços
públicos de qualidade, merecesse pagar mais, punitivamente, a alguns indivíduos,
pelos maus serviços que a todos atormenta.428
Falta a compreensão de que a sobrecompensação punitiva em prol de alguns
particularmente, com verbas públicas, acaba por diminuir a capacidade de o ente
público melhorar os serviços públicos e o atendimento de todos,429 e tanto mais são
prejudicados os mais carentes, que dependem primordialmente dos serviços e da
assistência do Estado.
Ademais, fixam juízes e tribunais apriorística e generalizadamente multa
cominatória contra os entes públicos, a despeito da diminuta (se não nenhuma)
eficácia coativa,430 sem comedimento, para toda e qualquer decisão, por hipótese,
antes mesmo de haver resistência da autoridade administrativa, quando – ainda
que em tese admissível – não deveria jamais ser banalizada: “A cominação de
multa diária contra pessoas jurídicas de direito público, com o fim de compeli-las a
cumprir decisões judiciais, é medida altamente excepcional, já que quem arca com
o pagamento é a população e as futuras gestões”.431
426
“PROCESSUAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ACIDENTE
DE TRÂNSITO. DANO MORAL. [...] 1. O Tribunal a quo considerou o dano moral decorrente do evento
que ocasionou a perda do pai e esposo das ora agravadas, o caráter punitivo da medida, a condição social
e econômica das vítimas, a repercussão do dano e entendeu que o valor fixado na sentença a título de re-
paração atende a imperativos de legalidade, justiça e razoabilidade [...]” (STJ, 2ª Turma, AgRg no AREsp
178255/SE, Rel. Min. Castro Meira, unân., DJe 24/04/2013).
427
Como se vê da leitura do voto do eminente Ministro Relator, o Acórdão recorrido mencionou “a finali-
dade da indenização compensar o ofendido pelo constrangimento indevido e desestimular o agressor, no
futuro, praticar atos semelhantes”, além do consignado no excerto da ementa supratranscrito. Em suma: a
fundamentação também serviria para uma empresa privada, que visasse ao lucro...
428
“[...] como a Fazenda Pública em última análise representa a coletividade, o dano moral deve ser arbitra-
do apenas atento ao seu caráter compensatório. Há que se abstrair, em princípio, da sua face punitiva, sob
pena de, assim não procedido, ser socializada a punição” (CASTRO, Guilherme Couto de. A responsabili-
dade civil objetiva no direito brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 69).
429
“Em relação à condenação por danos morais, cabe lembrar que, por se tratar a União de pessoa jurídica
de direito público, o critério utilizado para determinação do quantum indenizatório não tem caráter puniti-
vo, mas meramente retributivo.” (TRF2, 5ª Turma, AP-RN 2001.51.01.013133-6, Rel. Des. Federal Castro
Aguiar, julg. 12.08.2009).
430
Por isso, sempre sustentou GRECO FILHO, Vicente: “Entendemos, também, serem inviáveis a comina-
ção e a imposição de multa contra pessoa jurídica de direito público. Os meios executivos contra a Fazenda
Pública são outros. Contra esta a multa não tem nenhum efeito cominatório, porque não é o administrador
renitente que irá pagá-la, mas os cofres públicos, ou seja, o povo. Não tendo efeito cominatório, não tem
sentido sua utilização como meio executivo.” (Direito processual civil brasileiro. 18. ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2006. v. 3. p. 73).
431
TRF2, 5ª Turma, AP-RN 627.928, Rel. Des. Federal Guilherme Couto de Castro, julg. 21.01.2015. E

131
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

O caminho real, direta e imediatamente proveitoso, qual seja, a imposição


da astreinte ao agente público recalcitrante, detentor de competência para dar
cumprimento ao comando judicial,432 lamentavelmente encontra fortes resistências
na jurisprudência,433 apesar do convicto apoio doutrinário.434
Na lição de Eduardo Cambi:
[...] Pode [o Poder Judiciário] fixar prazos razoáveis para o cumprimento de decisão
judicial, sob pena de multa diária a ser paga pelo próprio Administrador Público
responsável pelo ordenamento das despesas (arts. 536, § 1º, e 77, III, todos do NCPC).
Atente-se que a multa fixada não deve ser aplicada em face do ente federativo, mas
contra o administrador público responsável por ordenar as despesas. Caso contrário,
estar-se-ia punindo duplamente a coletividade, que deixaria de ter aplicado os
recursos públicos de forma constitucionalmente adequada e, ainda, teria que pagar,
com outros recursos públicos, pela má gestão do governante.435

Como se vê, a nossa cultura orçamentária e de dispêndio de verbas públicas,


em termos gerais, precisa de urgente e elevada recuperação, com o abandono das
práticas equivocadas que impedem o desenvolvimento e bem-estar de grande
parte da população brasileira.

complementa o julgado: “Assim, mormente porque não há, para o agente público, a opção de descumprir
a ordem judicial, são as medidas penais e administrativas contra tal gestor que devem ser tomadas, caso
desobedecido o comando jurisdicional.”
432
“Nas causas envolvendo o erário público, a coerção somente será eficaz se incidir sobre o agente que
detiver responsabilidade direta pelo cumprimento da ordem, reiterada e imotivadamente desrespeitada.”
(TRF2, 5ª Turma Especializada, AG 2014.00.00.102088-4, Rel. Des. Federal Ricardo Perlingeiro, unân.,
julg. 19.04.2016. No mesmo sentido: 5a Turma Especializada, AG 0002687-40.2009.4.02.0000, Rel. Des.
Federal Ricardo Perlingeiro, DJe 1.10.2012).
433
“Não é possível a responsabilização pessoal do agente público pelo pagamento das astreintes quando ele
não figure como parte na ação, sob pena de infringência ao princípio da ampla defesa. Precedentes.” (STJ,
2ª Turma, REsp 1.633.295/MG, Rel. Min. OG FERNANDES, unân., DJe 23/04/2018).
434
“Em vista das peculiaridades (e deficiências) da estrutura interna administrativa, muitas vezes apenas
a multa contra a própria autoridade atinge concretamente a meta de pressionar ao cumprimento” (Tala-
mini, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003. p. 247 e 449, espec. p. 449).
435
CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públi-
cas e protagonismo judiciário. São Paulo: Almedina, 2016. p. 544 – grifo nosso. No mesmo sentido: “A
imposição de multa diária só tem efeito quando recai no patrimônio particular do administrador público,
pois, do contrário, onerar-se-ia ainda mais o erário” (FERRARESI, Eurico. Modelos de processos cole-
tivos: ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo, tese de doutorado defendida na
USP, apud GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle jurisdicional de políticas públicas. In: GRINOVER,
Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2013. p. 125-150, espec. p. 140-141.

132
7 A Realidade e a Jurisprudência

7.1 A situação real


A leitura de artigos e livros sobre a sindicabilidade de direitos sociais e sobre o
controle jurisdicional de políticas públicas dá conta, quase sempre, da possibilidade
de haver determinação judicial para inserção de dotações em orçamentos futuros e,
ainda com maior naturalidade, de haver a realocação de verbas orçamentárias pelo
juiz (ou tribunal), como se fossem casos raros e excepcionais, dando a impressão de
que eventual ingerência do Judiciário seria reduzida e tolerável...
Mas não é esta a nossa conturbada realidade. A questão assume relevo
extraordinário quando se percebe que, de forma manifestamente crescente,
milhares de ações vêm sendo propostas pleiteando direitos sociais, especialmente
com relação a medicamentos e tratamentos de saúde. Na verdade, consoante
notícia divulgada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tramitavam no País, em
abril de 2011, 240.980 processos judiciais na área de saúde,436 já em junho de 2014,
o número chega a 392.921 processos,437 e a tendência é que o número aumente
cada vez mais,438 sem falar em outros direitos sociais.
Em estudo sobre a judicialização da saúde, a juíza federal Gisele Chaves
Sampaio Alcântara indica, por exemplo, que no Rio Grande do Sul metade de todo o
orçamento destinado à saúde foi consumido no cumprimento de decisões judiciais,
cujo montante saltou de R$ 9 milhões em 2005 para R$ 22 milhões em 2006. No
âmbito federal, de janeiro a julho de 2008, o Governo gastou diretamente R$ 48
milhões com ações judiciais para aquisição de medicamentos, num aumento, em
436
Cavalcanti, Hylda. Brasil tem mais de 240 mil processos na área de Saúde. Agência CNJ de No-
tícias. 25/04/2011. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/14096-brasil-tem-mais-de-240-mil-
-processos-na-area-de-saude>. Acesso em: 13 set. 2018. Não constam desse total as informações dos Tri-
bunais de Justiça da Paraíba, Pernambuco e Amazonas.
437
Relatórios de cumprimento da Resolução CNJ n. 107, Ações de saúde, Dados extraídos do sistema de
acompanhamento da Resolução CNJ n. 107, em junho de 2014. Não constam também desse total as infor-
mações dos Tribunais de Justiça do Amazonas, da Paraíba e de Pernambuco.
438
Os últimos dados do CNJ, ao que conseguimos apurar, são os supramencionados, relativos a 2011 e
2014, como se pode ver no site: <http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/forum-da-saude/quantidade-de-
-demandas-nos-tribunais>. Acesso em: 13 jul. 2018.
133
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

três anos, que chegou a 1.920%, quando considerado que em 2006, o gasto foi de
R$ 2,5 milhões de reais; os valores gastos pelo Ministério da Saúde para cumprir
decisões judiciais que determinavam o fornecimento de medicamentos de alto
custo aumentaram mais de 5.000% de 2005 a 2010, passando de R$ 2,24 milhões
em 2005 para R$ 132,58 milhões em 2010.439
As informações dos Relatórios de Cumprimento da Resolução nº 107 do CNJ,
aliás, demonstram que o maior número de processos nas chamadas “ações de saúde”
tramitam na Região Sul (170.037), e o menor número no Nordeste (cerca de 17.037),440
numa ingente desproporção, em que a região menos favorecida tem aproximadamente
apenas 10% (dez por cento) das ações da Região Sul, muito mais desenvolvida.
Matéria publicada no Valor Econômico, em 15/4/2014, informa que:
“União, Estados e municípios têm respondido a uma avalanche de ações para o
fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos não listados pelo Sistema
Único de Saúde (SUS), o que tem afetado os cofres públicos. Só para o governo
federal, o impacto de uma derrota em todos os processos seria de R$  3,93
bilhões – o equivalente a 4% do orçamento deste ano do Ministério da Saúde
(cerca de R$ 106 bilhões). O valor está no anexo ‘Riscos Fiscais’ da Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) – Lei nº 12.919, de dezembro de 2013.”441
Consoante a matéria: “Em 40% dos processos judiciais, a busca é por
medicamentos de última geração, muitos dos quais ainda não registrados pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).” Surgiu, então, a necessidade de
“investigar a possível criação de uma ‘indústria’ das ações judiciais”.442
O Tribunal de Contas da União (TCU), em matéria de 23.08.2017, sobre
estudo que abrangeu União, Estados e Municípios, além de noticiar que “os gastos
439
Judicialização da Saúde: uma reflexão à luz da teoria dos jogos. Revista CEJ, Brasília, Ano XVI, v. 16, n.
57, p. 88-94, maio/ago. 2012, espec. p. 89. Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/
article/viewFile/1592/1569>. Acesso em: 5 out. 2018.
440
Relembre-se, porém, que não constam desse total as informações dos Tribunais de Justiça da Paraíba
e de Pernambuco, nem das Justiças Federais da Bahia, Maranhão e Piauí, que pertencem à 1ª Região, e
não à 5ª Região.
441
ROSA, Arthur. União prevê gasto de R$ 3,9 bi com ações de medicamentos, São Paulo. Disponível em:
http://www.valor.com.br/legislacao/3517192/uniao-preve-gasto-de-r-39-bi-com-acoes-de-medicamentos.
Acesso em: 13 set. 2018.
442
No amplo estudo intitulado “Ações judiciais: estratégia da indústria farmacêutica para introdução de
novos medicamentos”, os autores concluem, p. ex., que, em São Paulo: “Os dados das ações com os medi-
camentos classificados pelo seu fabricante mostram que poucos advogados são responsáveis pela maioria
das demandas judiciais desses medicamentos. A observação de que mais de 70% das ações ajuizadas para
certos medicamentos são de responsabilidade de um advogado pode sugerir uma relação estreita entre o
advogado e o fabricante do medicamento.” (Chieffi, Ana Luiza; Barata, Rita de Cássia Barradas.
Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 44, n. 3, p. 421-9, jun. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.
br/pdf/rsp/v44n3/05.pdf>. Acesso em: 17 set. 2018). A leitura do estudo é assaz sugestiva.

134
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

da União com processos judiciais referentes à saúde, em 2015, foram de R$ 1 bilhão,
um aumento de mais de 1.300% em sete anos”, e que, no período de 2010 a 2015,
“mais de 53% desses gastos se concentraram em três medicamentos que não fazem
parte da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename)”, registrou ainda
que os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina, entre 2013 e 2014,
gastaram mais com a judicialização do que a União, sendo que “os tipos de ações
judiciais versam, predominantemente, sobre mecanismos curativos de saúde, como
medicamentos e tratamentos, e não em mecanismos preventivos”.443
Em meio ao crescente aumento do número de processos e de gastos, o TCU
constatou a inexistência de “mecanismos de detecção de fraudes por cruzamento
de dados para identificação de padrões e inconsistências”, havendo “indícios de
fraudes no âmbito da judicialização da saúde”.444
Segundo levantamento da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa
(Interfarma), “o Ministério da Saúde gastou R$  1,32 bilhão com judicialização da
saúde em 2016. O gasto é expressivo e prejudica o planejamento orçamentário do
SUS, que já enfrenta limitações e subfinanciamento”.445
Em nível municipal, os gastos podem chegar, com facilidade, a cifras
inadministráveis, como se vê, verbi gratia, em comunicado da Secretaria de Saúde
do Município de Porto Ferreira, em São Paulo: “Os gastos com demandas judiciais
até agora representam [...] 60% da previsão orçamentária anual com o programa
de assistência farmacêutica [o comunicado é de 19.05.2017], que é de R$ 557,7 mil
para aquisição de medicamentos constantes da REMUME [...], para atendimento
da Rede de Atenção Básica”.446 A referência à Relação Municipal de Medicamentos
Essenciais,447 que visa a atender às necessidades de saúde prioritárias da população,
443
O que contraria a diretriz do art. 196 da CF, que dá prioridade “à redução do risco de doença e de outros
agravos”, ou seja, à medicina preventiva.
444
Aumentam os gastos públicos com judicialização da saúde. Notícias, TCU. Disponível em: <https://por-
tal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/aumentam-os-gastos-publicos-com-judicializacao-da-saude.htm>. Acesso
em: 25 jul. 2018. Consta na matéria: “[...] a operação policial ‘Garra Rufa’, no Estado de São Paulo, desco-
briu que aquele Estado foi compelido judicialmente a fornecer medicamentos para pacientes que não eram
portadores da doença ou para aqueles em que o grau da doença não justificava o uso da medicação. Nessa
fraude, a maioria dos pacientes desconheciam que estavam entrando com ação contra o estado e muitos
sequer possuíam a doença. Em ambos os casos, havia ligação entre associação de pacientes e determinados
médicos e advogados.”
445
Cf. Ministério da Saúde gastou mais de R$1 bilhão com ações judiciais em 2016, IBES – Instituto Bra-
sileiro para Excelência em Saúde. Disponível em: <http://www.ibes.med.br/ministerio-da-saude-gastou-
-mais-de-r1-bilhao-com-acoes-judiciais-em-2016/>. Acesso em: 25 jul. 2018.
446
Vide Blog da Comunicação, Governo Municipal de Porto Ferreira. Disponível em: <https://comuni-
cacaoportoferreira.wordpress.com/2017/05/19/saude-gastos-com-ordens-judiciais-em-2017-ja-represen-
tam-60-do-que-o-municipio-investe-no-ano-em-medicamentos/>. Acesso em: 25 jul. 2018.
447
Medicamentos essenciais, aqui, segundo definição da Organização Mundial da Saúde, são “[...] aqueles
que servem para satisfazer às necessidades de atenção à saúde da maioria da população. São selecionados
de acordo com a sua relevância na saúde pública, evidência sobre a eficácia e a segurança e os estudos

135
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

faz lembrar que os gastos com demandas judiciais, no caso, são alheios à política
pública municipal, vinculada, basicamente, ao REMUME.
Nesse contexto, salienta a doutrina: “A insistência do Judiciário brasileiro no
adjudicar bens públicos individualizados (ex. remédios), ao revés de determinar
a implementação da política pública adequada, tem levado à predação da renda
pública pelas elites [...].”448
O quadro caótico, ademais, não se reduz – como se fosse pouco! – aos
dispêndios com aquisição de medicamentos. Vai muito além: veja-se, v. g., a matéria
publicada em O Globo, de 03.03.2018, informando que:
[...] a Defensoria Pública lembrou que há mais de dois anos vem ajuizando cerca
de 150 ações por mês no Plantão Judiciário noturno pedindo vagas em leitos de
terapia intensiva em hospitais municipais e estaduais e que, mesmo com o pedido de
urgência, o índice de mortes por falta de lugar disponível é extremamente elevado.449

Cerca de cento e cinquenta ações por mês, média de cinco ações por dia.
A preferência pelo plantão noturno parece decorrer da facilidade de encontrar
Defensor Público, membro do Ministério Público e Juiz a postos para pleitear,
opinar e decidir, em pouco tempo e com pressa. Quem conhece a Justiça sabe que
realmente são comuns essas ações durante o plantão. Mas a perspectiva da atuação
judicial em ações individuais, nessa monta, é simplesmente pavorosa. Se não há
leitos suficientes – tangenciando o óbvio –, a prioridade das internações somente
pode ser adequada e racionalmente determinada por médicos, pois a admissão ao
leito para um paciente significa a irremediável negativa de leito de terapia intensiva
para outro ou outros pacientes, dependendo do tempo de internação. Destarte,
a internação de paciente terminal pode representar o óbito (ou o agravamento
das condições) de pacientes com chances de sobreviver e recuperar a saúde. O
argumento não é ad terrorem (ainda que a própria situação o seja) e as opções de
escolha de quem será internado exigem conhecimento técnico que o juiz não tem.
O grau de capacidade de recuperação da saúde, o tempo de internação para tanto, e
outras variáveis devem ser levados em conta – e só os médicos podem fazê-lo – para
buscar a mais eficaz e ampla possível utilização dos leitos insuficientes, para salvar
o maior número possível de pessoas. Por isso, a perspectiva de obter internação
aleatoriamente, por ordem de obtenção ou de cumprimento de liminar é pavorosa,
e pode comprometer (ou inviabilizar!) a recuperação de pacientes com (efetivas e/
comparativos de custo efetividade.” (grifos nossos). Cf. <http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/judicial-
izacao/pdfs/514.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2018.
448
Torres, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 128 e 129.
449
JUNQUEIRA, Flávia. Três doentes morrem por dia à espera de UTI: dados da Defensoria Pública mos-
tram somente óbitos de quem recorre a plantão judiciário para obter vaga. O Globo, Rio de Janeiro, 3 mar.
2018. Rio, p. 10.

136
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

ou melhores) condições de cura ou sobrevivência. Em suma: repudiam-se critérios


médico-administrativos pela concessão judicial aleatória, mercê da invocação do
direito (de todos) à saúde.
A atuação do Poder Judiciário, nessas tristes circunstâncias, deveria perscrutar
as irregularidades existentes para ser possível tomar medidas que melhorassem ou
aprimorassem, dentro do possível e o quanto antes, a prestação do serviço público
para a população em geral, sem desprezar as prioridades estabelecidas pelos
médicos dos hospitais públicos, a não ser, é claro, que sejam demonstrados vícios
nas ordens ou listas de atendimento.
Em bela lição, mencionando recursos financeiros, mas aqui inteiramente
aplicável, destaca Eduardo Bastos Furtado de Mendonça:
Invocar considerações financeiras diante da necessidade de determinada
prestação para a manutenção de uma vida humana pode parecer imoral. Contudo,
desconsiderar as limitações de recursos é a verdadeira conduta imoral, já que essa
postura não resolve a escassez, apenas renuncia antecipadamente ao esforço que
seria exigido para lidar com ela da melhor forma possível. O compromisso com os
direitos fundamentais impõe a busca pelo melhor resultado alcançável, não pelo
resultado mais confortável para as pessoas encarregadas de tomar decisões.450

A supramencionada reportagem, aliás, enfatiza a propositura de cento e


cinquenta ações individuais, por mês, há mais de dois anos, pela Defensoria Pública,
mas apenas uma “recomendação à Prefeitura do Rio para que sejam imediatamente
reativados 35 leitos de UTI que estão fechados”, recomendação “entregue à
administração municipal no último dia 22 [mar. 2018]”, dando a perceber certa
inversão individual em relação ao coletivo (comum em nossa cultura). A Defensoria
Pública, no entanto, é legitimada para propor ações coletivas, como se vê do art. 5º,
inciso II, da Lei nº 7.347/85, todavia não busca a tutela geral, insistindo em ações
estritamente individuais, talvez na perspectiva da mais fácil vitória ou obtenção de
liminar, mas sem resolver o problema social; ao revés, contribuindo, de certo modo,
para agravá-lo.451
450
A Constitucionalização das finanças públicas no Brasil: devido processo orçamentário e democracia.
Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p.182, nota 298.
451
“[...] soluções simples, como a distribuição de remédios de forma desordenada, irracional e individua-
lista não irá contribuir para a real implementação dos direitos sociais no país” (SILVA, Virgílio Afonso da.
O Judiciário e as políticas públicas: entre transformação social e obstáculo à realização dos direitos sociais.
In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Coord.). Direitos sociais: fundamentos, ju-
dicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 587-599, espec. p. 598). No
mesmo sentido: “A judicialização exacerbada é consequência de um sistema público de saúde insuficiente,
mas, paradoxalmente, tem contribuído para o aumento dessa deficiência, ao alimentar uma crescente desi-
gualdade entre demandantes judiciais e não demandantes” (PERLINGEIRO, Ricardo. Novas perspectivas
para a judicialização da saúde no Brasil. Scientia Iuridica, Braga, t. LXII, v. 62, n. 333, p. 519-539, set./
dez. 2013. espec. p. 539).

137
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

7.2 A jurisprudência
A nossa atenção maior, evidentemente, será concentrada nas decisões do
Supremo Tribunal Federal, já que a Constituição é a sede primeira das normas relativas aos
direitos fundamentais sociais. Não obstante, examinaremos os arestos mais relevantes
do Superior Tribunal de Justiça, que abranjam julgamento de casos repetitivos.

7.2.1. Superior Tribunal de Justiça


A) Voltando aos medicamentos, o Acórdão mais importante do Tribunal da
Cidadania, pelo menos até agora, que informou a “existência de 8.841 processos
suspensos nos Tribunais locais e regionais, aguardando o [...] julgamento”,452 foi
objeto do Recurso Especial Repetitivo nº  1.657.156/RJ (Tema 106), ainda não
transitado em julgado, que assentou:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA
106. JULGAMENTO SOB O RITO DO ART. 1.036 DO CPC/2015. FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES DOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE.
CARÁTER EXCEPCIONAL. REQUISITOS CUMULATIVOS PARA O FORNECIMENTO.
1. Caso dos autos: A ora recorrida, conforme consta do receituário e do laudo médico
(fls. 14-15, e-STJ), é portadora de glaucoma crônico bilateral (CID 440.1), necessitando
fazer uso contínuo de medicamentos (colírios: azorga 5 ml, glaub 5 ml e optive 15 ml),
na forma prescrita por médico em atendimento pelo Sistema Único de Saúde - SUS.
A Corte de origem entendeu que foi devidamente demonstrada a necessidade da
ora recorrida em receber a medicação pleiteada, bem como a ausência de condições
financeiras para aquisição dos medicamentos.
2. Alegações da recorrente: Destacou-se que a assistência farmacêutica estatal
apenas pode ser prestada por intermédio da entrega de medicamentos prescritos
em conformidade com os Protocolos Clínicos incorporados ao SUS ou, na hipótese
de inexistência de protocolo, com o fornecimento de medicamentos constantes em
listas editadas pelos entes públicos. Subsidiariamente, pede que seja reconhecida a
possibilidade de substituição do medicamento pleiteado por outros já padronizados
e disponibilizados.
3. Tese afetada: Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos
não incorporados em atos normativos do SUS (Tema 106). Trata-se, portanto,
exclusivamente do fornecimento de medicamento, previsto no inciso I do art. 19-M
da Lei n. 8.080/1990, não se analisando os casos de outras alternativas terapêuticas.
4. TESE PARA FINS DO ART. 1.036 DO CPC/2015
A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige
a presença cumulativa dos seguintes requisitos:

452
Veja-se bem: 8.841 processos, aguardando o julgamento apenas desse recurso especial repetitivo.

138
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

(i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado


expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade
do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos
fármacos fornecidos pelo SUS;
(ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
(iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.
5. Recurso especial do Estado do Rio de Janeiro não provido. Acórdão submetido à
sistemática do art. 1.036 do CPC/2015.453

O precedente, diga-se com o devido respeito aos eminentes e cultos


ministros da Corte Superior, merece algumas críticas, a começar pela que nos
parece fundamental: o Superior Tribunal de Justiça instituiu amplíssima meta para
políticas públicas, de gastos ilimitados, em si mesma irrealizável integralmente,
e sem considerar algumas questões constitucionais relevantes invocadas pelo
recorrente, Estado do Rio de Janeiro, relativas ao cenário real de limitação de
recursos, à necessária eleição de prioridades e realização de escolhas (artigos 5º,
194, parág. único, III, e 196 da CF).
O exame do tema não é vedado ao Superior Tribunal de Justiça. Pelo
contrário: como assentou o Supremo Tribunal Federal, com tranquilidade: “Todo
e qualquer órgão investido do ofício judicante tem competência para proceder
ao controle difuso de constitucionalidade. Por isso, cumpre ao Superior Tribunal
de Justiça, ultrapassada a barreira de conhecimento do especial, apreciar a causa
e, surgindo articulação de inconstitucionalidade de ato normativo envolvido na
espécie, exercer, provocado ou não, o controle difuso de constitucionalidade”.454 Ora,
se o STJ pode e deve exercer o controle difuso de constitucionalidade, a fortiori deve
analisar as questões constitucionais postas pela parte em relação à interpretação
da legislação infraconstitucional, no caso, a Lei nº 8.080/90. Tanto é que o aresto
mencionou os arts. 196 e 198, II, em sua fundamentação.
No mais, em razão da interposição de embargos de declaração e de correção
ex officio de inexatidão material do Acórdão (art. 494, I, do CPC), o Superior Tribunal
de Justiça estabeleceu:
TESE FIXADA: A tese fixada no julgamento repetitivo passa a ser: A concessão dos
medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença
cumulativa dos seguintes requisitos:
i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado
expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade
453
STJ, 1ª Seção, Rel. Min. Benedito Gonçalves, unân., DJe 04.05.2018 – grifado no original.
454
STF, 1ª Turma, AI 666.523 AgR/BA, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 02.12.2010. No mesmo sentido,
do Tribunal Pleno, Rcl 8163 AgR/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 25.11.2011. Para o estudo
pormenorizado da questão, vide BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Recurso Especial. Exame de questão
de inconstitucionalidade de lei pelo Superior Tribunal de Justiça. Recurso Extraordinário interposto sob
condição. In: Direito aplicado II: pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 249-272, espec. p. 255 et seq.

139
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos


fármacos fornecidos pelo SUS;
ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados
pela agência.

Modula-se os efeitos do presente repetitivo de forma que os requisitos acima


elencados sejam exigidos de forma cumulativa somente quanto aos processos
distribuídos a partir da data da publicação do acórdão embargado, ou seja, 4/5/2018.455
As alterações foram, portanto, no item iii da tese e no “termo inicial da
modulação dos efeitos”, embora tenham sido feitos importantes esclarecimentos
em outros pontos do julgado. No que concerne aos temas decididos, como se vê
dos votos dos ilustres ministros relator, Benedito Gonçalves, e Assusete Magalhães,
a “incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito” não se
restringe aos necessitados que busquem medicamentos básicos; pelo contrário:
conquanto o voto do insigne relator mencione, ao fundamentar o segundo requisito,
a “hipossuficiência daquele que requer o medicamento, ou seja, que a sua aquisição
implique o comprometimento da sua própria subsistência e/ou de seu grupo
familiar”, em seguida complementa: “Não se exige, pois, comprovação de pobreza
ou miserabilidade, mas, tão somente, a demonstração da incapacidade de arcar
com os custos referentes à aquisição do medicamento prescrito”,456 entendimento
expressamente corroborado pelo voto da douta Ministra Assusete Magalhães.457
Pois bem, nessa dimensão, o Poder Público estaria obrigado a fornecer todo e
qualquer medicamento, dês que o paciente não possa adquiri-lo sem comprometer
sua subsistência e/ou de seu grupo familiar, incluindo, assim, sem qualquer
consideração específica ou preocupação com receita e despesa, medicamentos
de altíssimo custo, quiçá os medicamentos mais caros do mundo... mesmo que a
mortalidade infantil tenha voltado a crescer, mesmo que haja mortes por desnutrição,
e mesmo que praticamente metade dos brasileiros não tenha saneamento básico.
Mas nenhum país é capaz, por mais desenvolvido que seja, de assegurar à
população tratamento com todos os medicamentos existentes. Custos sempre são
considerados, e nações desenvolvidas perseguem redução de preços e impõem
condições e limites a tratamentos.

455
STJ, 1ª Seção, Rel. Min. Benedito Gonçalves, EDcl no REsp 1.657.156/RJ, DJe 21/09/2018.
456
Páginas 21-22 do voto.
457
“Quanto a tal questão, concordo com o Relator, no sentido de que não há exigência de prova de mi-
serabilidade ou pobreza, mas de demonstração de incapacidade financeira do paciente para aquisição do
medicamento, sem comprometimento de sua subsistência ou de sua família” (página 40 do voto-vista).

140
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Veja-se, v. g., em breve menção, o medicamento Soliris no Canadá, ao custo


médio, por paciente, de $ 750,000 anuais, onde províncias lutam para reduzir o preço
do medicamento,458 e limitam o fornecimento, como em British Columbia e Ottawa,
case-by-case basis,459 mediante exame de um comitê de médicos especialistas.460
A dimensão irrestrita, não passou despercebida ao STJ, tanto que o relator, ao
justificar a admissibilidade do repetitivo, apesar da repercussão geral já reconhecida
pelo STF, nos RE 566.471/RN461 e RE 657.718/MG462, asseverou que o tema afetado “é
mais abrangente”, pois “[d]iscute-se a possibilidade de impor aos entes federados
o fornecimento de medicamento não incorporado ao Sistema Único de Saúde –
458
Stat News, 18.02.2016, Canadian provinces close the door on Alexion over price of rare disease drug:
“A simmering battle in Canada over the cost of a rare disease drug took a new twist as a government
entity ended talks with the manufacturer because it failed to agree on evidence for justifying the price.
The pan-Canadian Pharmaceutical Alliance, which negotiates drug prices on behalf of provinces and ter-
ritories, was holding coverage talks with Alexion Pharmaceuticals over its Soliris treatment for six months
before reaching a dead end. […] ‘Patients and physicians want to try anything that may work to help them
cope with their disease. We understand that and we can empathize with patients,’ said Suzanne McGurn,
the alliance’s executive director, in a statement. ‘However, public drug plans cannot provide coverage
for all individuals who may wish to try Soliris or any drug – regardless of its cost – where the clinical
evidence does not demonstrate improved health outcomes.’ ‘… In the face of rising drug costs, provinces
and territories have a responsibility to review drug funding requests and to consider clinical effectiveness,
safety, cost effectiveness and affordability, and the impact on other health services,’ she continued. ‘This
diligence is necessary to continue to provide adequate care while sustaining a publicly funded drug sys-
tem for generations to come.’ […]”. Disponível em: <https://www.statnews.com/pharmalot/2016/02/18/
canada-rare-disease-drug-price-alexion-soliris/>. Acesso em: 26 jul. 2018. Tradução nossa: “Uma batalha
fervilhante no Canadá sobre o custo de uma droga para doença rara deu uma reviravolta quando uma
entidade governamental acabou com as negociações com o fabricante, porque não conseguiu chegar a um
acordo sobre as evidências para justificar o preço. A Aliança Farmacêutica Pan-Canadense, que negocia
preços de medicamentos em nome de províncias e territórios, manteve conversações de cobertura com a
Alexion Pharmaceuticals sobre o Soliris por seis meses antes de encerrar as negociações. [...] ‘Pacientes e
médicos querem tentar qualquer coisa que funcione para ajudá-los a lidar com a doença. Entendemos isso
e podemos ter empatia com os pacientes’, disse Suzanne McGurn, diretora executiva da Aliança, em um
comunicado. ‘No entanto, os planos públicos de medicamentos não podem fornecer cobertura para todos
os indivíduos que desejem experimentar o Soliris ou qualquer outro medicamento – apesar de seu custo –
quando a evidência clínica não demonstre melhores resultados de saúde’. ‘... Em face dos custos cada vez
maiores dos medicamentos, as províncias e territórios têm a responsabilidade de revisar as solicitações de
financiamento de medicamentos e considerar a eficácia clínica, a segurança, a relação custo/benefício e o
impacto em outros serviços de saúde’, continuou ela. ‘Essa diligência é necessária para continuar a fornecer
cuidados adequados enquanto mantém um sistema de medicamentos financiado por fundos públicos para
as gerações vindouras.’”
459
Vide matéria do Global News, de 20.11.2017, relativa à British Columbia (Disponível em: <https://glo-
balnews.ca/news/3871461/b-c-government-approves-coverage-of-expensive-drug-soliris-on-case-by-case-
-basis/>) e matéria da CBC, de 11.06.2017, referente a Ottawa (Disponível em: <https://www.cbc.ca/news/
canada/ottawa/marie-eve-chainey-kidney-high-jumper-soliris-1.4155848>). Acessos em: 26 jul. 2018.
460
Global News, 22.11.2017. Disponível em: <https://globalnews.ca/news/3873332/coverage-approved-
-for-expensive-drug-soliris/>. Acesso em: 25 jul. 2018.
461
Tema 6: “Dever do Estado de fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não
possui condições financeiras para comprá-lo.” Repercussão geral reconhecida em 03/12/2007, julgamento
iniciado em 15/09/2016, mas ainda não concluído.
462
Tema 500: “Dever do Estado de fornecer medicamento não registrado pela ANVISA.” Repercussão
geral reconhecida em 18/11/2011, julgamento iniciado em 15/09/2016, mas ainda não concluído.

141
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

SUS, por meio de seus atos normativos, ou seja, pode estar ou não aprovado pela
ANVISA, pode ser de alto custo ou não.”463 Ao rejeitar os embargos de declaração do
Estado do Rio de Janeiro, por representar mero inconformismo, o eminente relator
menciona que a CONITEC, responsável pela elaboração de relatório sobre a inclusão
de medicamentos no SUS, não se limita a análise das evidências científicas quanto à
eficácia do medicamento, “mas também leva em consideração a avaliação econômica
do custo-benefício da incorporação, nos termos do art. 18 do Decreto n. 7.646/2011”.
Mas – repita-se –, invocando agora afirmação do Ministro Luís Roberto
Barroso: “Não há sistema de saúde que possa resistir a um modelo em que todos
os remédios, independentemente de seu custo e impacto financeiro, devam ser
oferecidos pelo Estado a todas as pessoas. É preciso, tanto quanto possível, reduzir
e racionalizar a judicialização da saúde, bem como prestigiar as decisões dos órgãos
técnicos, conferindo caráter excepcional à dispensação de medicamentos não
incluídos na política pública”.464
Na perspectiva processual, a primeira observação a ser feita é que o único
recurso especial julgado, por si só, não se mostrava inteiramente representativo da
controvérsia, em cotejo com a amplitude da tese consagrada (art. 1.037, inciso III,
do CPC; art. 543-C do CPC/73). Além disso, pela intrínseca necessidade de produção
de provas em cada caso concreto, o precedente não é capaz de amenizar a enorme
reprodução de processos que busquem medicamentos não incorporados ao
Sistema Único de Saúde, exceto com relação àqueles não registrados na ANVISA.
Com efeito, a enfatizada “comprovação, por meio de laudo médico
fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da
imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia,
para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS”, mencionada
no primeiro requisito, não pode ser interpretada como prova plena, ou uma “prova
jurisprudencial”, ad instar de uma prova legal. Tal interpretação seria incompatível
com o nosso sistema processual constitucional (arg. ex arts. 5º, XXXV, LIV e LV, e 93,
IX, da CF e arts. 369, 370 e 371 do CPC). A questão, todavia, foi plena e corretamente
esclarecida pelo douto Ministro Relator, ao apreciar os embargos de declaração do
Estado do Rio de Janeiro, como se vê dos itens 2 e 3 da ementa:
2. Não cabe ao STJ definir os elementos constantes do laudo médico a ser apresentado
pela parte autora. Incumbe ao julgador nas instâncias ordinárias, no caso concreto,
463
Página 9 do voto – grifo nosso.
464
Excerto do voto proferido no julgamento do RE 566.471/RN, Tema 6: “Dever do Estado de fornecer me-
dicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo.”
Repercussão geral reconhecida em 03/12/2007, julgamento iniciado em 15/09/2016, mas ainda não concluído.

142
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

verificar se as informações constantes do laudo médico são suficientes à formação de


seu convencimento.

3. Da mesma forma, cabe ao julgador avaliar, a partir dos elementos de prova juntados
pelas partes, a alegada ineficácia do medicamento fornecido pelo SUS decidindo se,
com a utilização do medicamento pedido, poderá haver ou não uma melhoria na
resposta terapêutica que justifique a concessão do medicamento.

Assim, se o ente público refutar o conteúdo do laudo médico, requerendo


produção de provas (ou, ainda com maior razão, apresentando desde logo alguma
contraprova), deverá o juiz assegurar o amplo contraditório, com a produção de
provas pertinentes e relevantes, inclusive para poder, verdadeiramente, indicar na
sentença “as razões da formação de seu convencimento” (art. 371 do CPC).

O argumento mostra-se ainda mais importante (embora seja pleno, por si


só!) quando se tem em conta que o precedente – superada que foi a tese originária
do douto relator, em razão dos debates havidos no julgamento, rompendo com a
própria ideia de um sistema único e contrariando decisões do STF465 – admite que
o laudo seja expedido pelo médico, público ou privado, que assiste ao paciente,
“porquanto é o profissional que melhor tem condições de aquilatar quanto às
necessidades de seu tratamento”. Ora, a doutrina especializada cuida de destacar a
conduta própria dos médicos de sistemas públicos de saúde, ligados que estão às
dimensões dos planos públicos (que não visam ao lucro) e jungidos, em princípio,
aos medicamentos e tratamentos fornecidos pelo ente governamental. Médicos
particulares, ao revés, têm como missão sugerir ao paciente todo e qualquer
medicamento/tratamento, por mais cara e difícil que seja a aquisição, em outros
países ou até mesmo experimental, a ser custeado em âmbito privado, por ele ou
por segurador, e independentemente da situação dos demais cidadãos sujeitos ao
plano público.466

Veja-se a consideração de Aaron e Schwartz:


[...] pode a liberdade médica sobreviver em um ambiente de limite orçamentário? Os
médicos defendem zelosamente a liberdade médica, o direito de prescrever o que
pensam seja o melhor para cada caso. Essa liberdade inclui o direito de cada médico
prescrever remédios, de cada especialista aceitar ou rejeitar pacientes, prescrever
exames, realizar ou prescrever procedimentos cirúrgicos que pensa possam ser
benéficos. Como pode uma liberdade como essa ser preservada quando o número
de leitos e de salas de cirurgia é restrito, a capacidade de realizar exames é limitada
465
Veja-se, p. ex., “Necessidade de prescrição por médico do SUS” (Tribunal Pleno, STA 334 AgR/SC,
Rel. Min. Cezar Peluso, unân., DJe 13.08.2010).
466
É óbvio que o ideal seria inexistir diferenças entre as chamadas “saúde pública” e “saúde privada”, mas
isto não condiz com a realidade, pelo menos atual.

143
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

pelo acúmulo de serviço, resultado da diminuição nas compras de equipamentos, e


o orçamento para remédios tem que competir com outras grandes prioridades em
gastos hospitalares?467

Com relação à “incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento


prescrito”, da mesma forma, a sua comprovação suscita sérias questões, que podem
ser levantadas nos demais processos. É certo que aqui não basta a simples afirmação
de insuficiência de recursos (art. 99, § 3º, do CPC), pois de gratuidade de justiça não
se trata. A incapacidade financeira, por conseguinte, deve ser provada pela parte. O
precedente refere-se, no entanto, ao “comprometimento da sua própria subsistência
e/ou de seu grupo familiar”, permitindo concluir que pode ser invocada, em tese, por
derivação do princípio da subsidiariedade,468 a “‘primazia da autorresponsabilidade’,
que implica, para o indivíduo, um dever de zelar pelo seu próprio sustento e o de sua
família”,469 sendo possível “ponderar [...] não apenas a essencialidade da prestação,
mas a capacidade de obtê-la diretamente ou daqueles que compõem sua família”,470
devendo assim ser provado que não apenas o autor, mas seu grupo familiar, não
dispõem de condições para financiar o(s) medicamento(s).

Cabe lembrar que não existe serviço público (atividade ou prestação estatal)
“gratuito”, porquanto a conta é sempre paga por toda a população, e num país
como o nosso, em que é enorme a carga tributária, com maior concentração em
tributos indiretos471 (inclusive incidentes sobre alimentação e remédios), a situação
se agrava, pela significativa e proporcional oneração dos mais pobres. 472

Por fim, a imprescindibilidade da “existência de registro do medicamento


na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência”, estabelecida no terceiro
requisito, em princípio, merece louvor, em cumprimento ao art. 10 da Lei nº 6.360/76
467
AARON, Henry J.; SCHWARTZ, Willian B. The Painful Prescription: rationing hospital care. Wa-
shington: The Bookings Institution, 1984. p. 10, apud AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha:
critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010. p. 76.
468
“O princípio da subsidiariedade sinaliza no sentido de que a ação do Estado deve ser complementar e
auxiliar da do indivíduo e da sociedade [...]” (Torres, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional
financeiro e tributário: o orçamento na Constituição. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. v. V. p. 189-190
469
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamen-
tais na perspectiva constitucional. 13. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018. p. 379.
470
AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos
e as decisões trágicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 138.
471
Cf. Carga tributária sobe e atinge 33,6% do PIB. Valor Econômico, 12/03/2018. Disponível em: <https://
www.valor.com.br/brasil/5377687/carga-tributaria-sobe-e-atinge-336-do-pib>. Acesso em: 28.07.2018.
472
“Fruir sem pagar, sem sequer ter consciência do custo, estimula a irresponsabilidade no exercício dos
direitos e o egoísmo. [...] é possível afirmar que toda a sociedade paga para um indivíduo ‘gratuitamente’
fruir um ‘direito’.” (Galdino, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem
em árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 326 – grifado no original)

144
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

e à vedação do art. 19-T, inciso II, da Lei nº 8.080/90, e na medida em que “[o] registro
ou cadastro mostra-se condição para o monitoramento, pela Agência fiscalizadora,
da segurança, eficácia e qualidade terapêutica do produto”.473 Mas não se pode
descartar o exame de situações excepcionais – não tratadas no precedente –, como,
e. g., na hipótese de medicamento cujo requerimento de registro não foi analisado
em tempo exagerado e que já esteja inscrito em instituições de prol, como Food and
Drug Administration (FDA) ou European Medicines Agency (EMA).

B) Em outro Recurso Especial Repetitivo (nº 1.069.810/RS, Tema 84), apreciou


o STJ a questão referente “ao fornecimento de medicamento necessário ao
tratamento de saúde, sob pena de bloqueio ou sequestro de verbas do Estado a
serem depositadas em conta-corrente”, para assentar:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO DE MEDIDA
NECESSÁRIA À EFETIVAÇÃO DA TUTELA ESPECÍFICA OU À OBTENÇÃO DO RESULTADO
PRÁTICO EQUIVALENTE. ART. 461, § 5º DO CPC. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS.
POSSIBILIDADE CONFERIDA AO JULGADOR, DE OFÍCIO OU A REQUERIMENTO DA
PARTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ACÓRDÃO SUBMETIDO AO RITO DO ART. 543-C
DO CPC E DA RESOLUÇÃO 08/2008 DO STJ.

1. Tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao Juiz adotar medidas


eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se necessário, determinar até
mesmo, o sequestro de valores do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente
arbítrio, e sempre com adequada fundamentação.

2. Recurso Especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da


Resolução 08/2008 do STJ.474

Essa orientação, que também foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal,475
e teve repercussão geral reconhecida em 26.08.2010,476 mereceu forte crítica de
respeitada autoridade:
A exacerbação da judicialização das políticas públicas [...] tem levado o Judiciário a
conceder o sequestro de recursos públicos.

[...]

Quer dizer: a partir de hipótese especialíssima prevista na CF (art. 100, §  2 [hoje


6º]: preterimento do direito de precedência no julgamento de precatório [ou
473
Excerto do voto do Min. Marco Aurélio ADI 5501 MC/DF. STF, Tribunal Pleno, julg. 19.05.2016.
474
STJ, 1ª Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, unân., DJe 06/11/2013.
475
Cf. 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, ARE 949341 AgR/SP, DJe 01.07.2016; 2ª Turma, AI 597182/
RS, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 06.11.2006, p. 01384; 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, AI
553712 AgR/RS, DJe 04.06.2009.
476
Tema 289: Bloqueio de verbas públicas para garantia de fornecimento de medicamentos.

145
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

de não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito]),


o Judiciário passa a fazer uso do sequestro de recursos do Estado em casos não
previstos na Constituição, na lei ordinária nem no direito comparado, desarticulando
perigosamente as finanças públicas...477

A advertência, precisa do ponto de vista técnico, que, à primeira vista,


parece referir severa reação do Judiciário ao Executivo usualmente recalcitrante, em
verdade espelha grave, e múltipla, distorção. Como vimos acima,478 são milhares
(quase quatrocentas mil, em 2014) de ações só na área da saúde, originando,
cotidianamente, várias decisões, não raro liminares, inaudita altera parte, e
determinando aquisição de medicamentos (inclusive órfãos), em prazos às vezes
mínimos ou insuficientes, sem levar em consideração as ínsitas complexidades de
empenho de despesa pública.479
Luís Roberto Barroso, em sua exposição na Audiência Pública sobre Direito
à Saúde, já faz alguns anos, afirmou: “A pior coisa que existe para o sistema é a
sua desarrumação; a pior coisa que existe para o sistema é que as pessoas não
queiram ser, por exemplo, secretários de saúde por medo de estarem sujeitos à
prisão arbitrária ou sujeitos à ação de improbidade,” para, logo após, mencionar a
“judicialização no Brasil”.480 A menção da improbidade, decerto, decorre dos deveres
legais dos administradores em relação à despesa pública. Portanto, prossegue
o estimado professor (hoje Ministro do STF), “eu acho que é preciso olhar para o
sistema de modo a procurar equilibrar as demandas legítimas e as circunstâncias
dos gestores públicos de uma maneira geral”.
Das ordens de prisão, portanto, passou o Judiciário – de par com as astreintes –
ao sequestro e bloqueio de recursos públicos, caminho mais fácil, sem habeas corpus,
com alguma frequência, desarticulando perigosamente as finanças públicas...
A distorção, todavia, não é representada apenas por eventuais arroubos do
Poder Judiciário, mas também, várias vezes, pela própria atuação de administradores
públicos, em certa disfunção institucional, descuidando do cumprimento das
decisões judiciais.
Assim, diga-se com lamento, o certo é que a intensa generalização de
ações judiciais, em inumeráveis processos, acaba por obstruir o necessário diálogo
institucional e a imperiosa cooperação entre os sujeitos processuais, o que se
477
Torres, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário: o orçamento na Cons-
tituição. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. v. V. p. 353 e 354.
478
Item 7.1.
479
Ao ponto voltaremos, oportunamente.
480
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=hrL7hiSu9fY>, bem como em <http://www.stf.
jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Luis_Roberto_Barroso.pdf>. Acesso em:
28/07/2018.

146
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

mostra absolutamente valioso em ações concernentes a políticas públicas, como


veremos em breve.
C) Na mesma linha, assentou o Superior Tribunal de Justiça, a “[p]ossibilidade
de imposição de multa diária (astreintes) a ente público, para compeli-lo a fornecer
medicamento à pessoa desprovida de recursos financeiros.” (Tema 98, 1ª Seção, Rel.
Min. Benedito Gonçalves, REsp 1.474.665/RS, DJe: 22/06/2017), seguindo orientação
corrente já criticada por nós, em geral.481

7.2.2. Supremo Tribunal Federal


A Suprema Corte, embora tenha reconhecido, há muitos anos, repercussão
geral em relação ao (Tema 6) “Dever do Estado de fornecer medicamento de alto
custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para
comprá-lo”,482 ao (Tema 500) “Dever do Estado de fornecer medicamento não
registrado pela ANVISA”,483 e ao (Tema 698) “Limites do Poder Judiciário para
determinar obrigações de fazer ao Estado, consistentes na realização de concursos
públicos, contratação de servidores e execução de obras que atendam o direito
social da saúde, ao qual a Constituição da República garante especial proteção”,484
ainda não concluiu os relevantíssimos julgamentos.
Todavia, foi julgado o RE 855.178 RG/SE, Tema 793, sendo estabelecida
a seguinte tese: “O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no
rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados,
podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente”.485
A douta decisão, forte no art. 23, II, da CF, certamente facilita a veiculação
de ações relativas a prestações de saúde, ao permitir a ampla escolha do(s) réu(s),
em virtude da afirmada solidariedade entre os entes federados, mas uma das
críticas feitas à Constituição, no que se refere à governabilidade, é precisamente
que ela “estabelece que os três níveis têm responsabilidade ou jurisdição comuns,
em áreas como saúde, educação e habitação”, todavia, enquanto “é bastante clara
com respeito às transferências intergovernamentais, é pouco clara ou ambígua
na definição das regras que delimitam as atribuições específicas de cada uma das
esferas de governo”.486
481
Vide item 6.3, supra.
482
RE 566.471 RG/RN. Repercussão geral reconhecida em 03/12/2007, julgamento iniciado em 15/09/2016,
mas ainda não concluído.
483
RE 657.718 RG/MG. Repercussão geral reconhecida em 18/11/2011, julgamento iniciado em
15/09/2016, mas ainda não concluído.
484
RE 684.612 RG/RJ. Repercussão geral reconhecida em 07.02.2014, julgamento ainda não iniciado.
485
Plenário virtual, Rel. Min. Luiz Fux, unân., DJe 16.03.2015.
486
KINZO, Maria D’Alva Gil. Governabilidade, estrutura institucional e processo decisório no Brasil. Dis-

147
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Dessa forma, tendo em vista que, para exercer as atribuições constitucionais,


os entes federados estabeleceram suas atribuições específicas em muitas áreas,
deixando claros os encargos, vários julgados passaram a definir assim a legitimação,
ou, como recomendava o enunciado nº 8 da I Jornada de Direito da Saúde do
Conselho Nacional de Justiça, a observar, nas condenações, quando possível, as
regras administrativas de repartição de competência entre os gestores,487 o que evita
graves males, como, por exemplo, a duplicidade de ações e, às vezes, de condenações
ao fornecimento de um mesmo medicamento por entes diversos etc.488
Hoje, não obstante a tese firmada, prevê o enunciado nº 60 da II Jornada
de Direito da Saúde: “Saúde Pública - A responsabilidade solidária dos entes da
Federação não impede que o Juízo, ao deferir medida liminar ou definitiva, direcione
inicialmente o seu cumprimento a um determinado ente, conforme as regras
administrativas de repartição de competências, sem prejuízo do redirecionamento
em caso de descumprimento.”
No mais, muitos acórdãos vêm sendo proferidos sobre direitos sociais, como
veremos, ainda que sumariamente, por assunto, a seguir, deixando “prestações de
saúde” para o final do item. Antes, porém, merece alguns comentários a ADPF 45/
DF, diversas vezes citada nos arestos da Suprema Corte e comumente invocada em
estudos doutrinários, dando a impressão de que se trata de leading case.489
A decisão monocrática do douto Min. Celso de Mello, entretanto, limitou-se a
julgar prejudicada a arguição de descumprimento de preceito fundamental, em virtude
da perda superveniente de seu objeto. Ou seja, nada decidiu quanto ao mérito, porque
nada mais havia a decidir. 490 Não obstante, o eminente ministro expôs opiniões sobre
“a concretização de políticas públicas, quando, previstas no texto da Carta Política, [...]
ponível em: <http://ppbr.com/Id/govpoart.asp>. Acesso em: 12 set. 2018. No mesmo sentido, SILVA, José
Afonso da. A governabilidade num Estado democrático de direito. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gober-
nabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de México,
2005. p. 1-29, espec. p. 21.
487
Enunciado nº 8: “Nas condenações judiciais sobre ações e serviços de saúde devem ser observadas,
quando possível, as regras administrativas de repartição de competência entre os gestores.”
488
Vale ressaltar que os Ministros Teori Zavascki, Roberto Barroso e Marco Aurélio ficaram vencidos, mas
os respectivos votos, se foram lançados, não estão disponíveis nem no Núcleo de Precedentes do stf, o
que impede que se tenha conhecimento de suas razões.
489
Na verdade, a ADPF 45 chegou a ser citada como leading case em Relatório Geral apresentado, pela
dileta professora Ada Pellegrini Grinover, na Conferência de Seoul 2014, Constituição e processo – O
Judiciário como órgão de controle político (Revista de Processo, São Paulo, n. 249, p. 19-29, nov. 2015.
espe. p. 23).
490
CARDOSO, Henrique Ribeiro chega a afirmar equivocadamente: “Neste sentido, o Supremo Tribunal
Federal pacificou, com efeito vinculante, a possibilidade de judicialização relativa ao direito fundamental
à saúde com o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 45, ainda
no decorrer do ano de 2004.” (O paradoxo da judicialização das políticas públicas de saúde no Brasil: um
ponto cego do direito? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 132).

148
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

venham a ser descumpridas, total ou parcialmente, pelas instâncias governamentais


destinatárias do comando inscrito na própria Constituição da República”, e recebeu
severa crítica pelo teor da manifestação “de cunho doutrinário”.491
O texto erudito, conquanto realmente às vezes não muito claro, inclusive
porque baldo de um tema a decidir e, portanto, generalizado, traz concepções
importantes que, a nosso ver, deveriam ser seguidas pela jurisprudência, mas
parecem relegadas. Em primeiro lugar, é possível perceber uma opção, ao menos
preferencial, pela proteção do “núcleo intangível consubstanciador de um conjunto
irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à
própria sobrevivência do indivíduo”, como se observa até mesmo da transcrição de
trecho do livro de Ana Paula de Barcellos, ainda que ladeada a menções aos direitos
sociais, econômicos e culturais.
Além disso, são veementes os comentários feitos (i) ao Poder Público fraudar
“justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima,
o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade
governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado”; ou (ii) aos
“Poderes de Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de
neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais,
afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um
abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador
de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna
e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo [...]”.
Ora, a adjetivação, com referência a elemento volitivo, só se justificaria para
deixar claro que não é a simples omissão dos Poderes Públicos que legitima a
excepcional intervenção do Poder Judiciário, mas apenas a omissão injustificável,
irrazoável, frustrando justas expectativas.
Por fim, são preciosas as menções a que os direitos econômicos, sociais e
culturais se caracterizam pela gradualidade de seu processo de concretização, bem
como à “possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a
todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado”.
Voltando aos muitos acórdãos que vêm sendo proferidos sobre direitos
sociais, começamos pelo relativo ao benefício de prestação continuada (BPC), por
sua relevância:
491
“[...] decisão maximalista, de cunho doutrinário (sem eficácia jurisdicional), [...]proclamando a ‘intangibi-
lidade do núcleo consubstanciador do mínimo existencial’, mas confundindo os direitos fundamentais com os
sociais e econômicos, emburilhando a reserva do possível com a disponibilidade financeira do Estado [...]”
(Torres, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de janeiro: Renovar, 2009. p. 72-73).

149
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

A) Assistência social
Conquanto não sejam objeto do presente estudo benefícios da assistência
social, merece alusão o RE 567.985/MT, no qual, em 18.04.2013, foi declarada “a
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993”, com a seguinte ementa:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o
art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício
mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos
idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de
constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe
o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção
da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido
pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria
que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do
alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou
a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos
critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios
definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto,
não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda
familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada,
elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela
LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes
idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios
mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei
10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa
Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei
9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou
a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios
objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente
de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas
modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios
de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4.
Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, §
3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.492

Apesar da declaração de inconstitucionalidade, sem pronúncia de nulidade,


à falta de outro critério, o INSS continua utilizando o parâmetro de “1/4 (um quarto)
do salário-mínimo”.
492
Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/Acórdão Min. Gilmar Mendes, p. m., DJe 03.10.2013.

150
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Cabe destacar que o Ministro Ricardo Lewandowski, em seu voto vencido,


mencionou “a afronta ao princípio da fonte de custeio, que está abrigado no artigo
195, § 5º, da Constituição Federal”, e asseverou: “Se nós aumentarmos ou deixarmos
ao magistrado local criar, ao seu talante, um benefício previdenciário sem observar
o que dispõe o artigo 195, § 5º, da Constituição, sem indicar recursos, o Brasil irá à
falência, irá à bancarrota rapidamente”.
O Ministro Marco Aurélio ainda ressaltou:
Não temos, diante das discussões, como deixar de prover esse recurso do Instituto.
Por quê? Repito: está na decisão da Turma Recursal que o cônjuge varão já recebe
da Previdência Social um salário mínimo a título de proventos decorrentes da
aposentadoria. Mas, mesmo assim, esse núcleo de duas pessoas terá direito a mais
um salário mínimo, considerada a assistência prevista no inciso V do artigo 203. É
uma demasia. Por isso e por outras situações, é que o sistema vai por água abaixo.

Essa decisão foi analisada e criticada por artigo que recebeu o 1º lugar
no Concurso de Artigos Jurídicos sobre Direito à Assistência Social, o qual, após
salientar a incerteza e imprevisibilidade deixada pela “possibilidade de concessão
do benefício a pessoas com renda familiar per capita acima do critério estabelecido
na Loas”, e porque “a palavra final sobre a condição de miserabilidade de cada
demandante acima desse patamar de renda tornou-se responsabilidade e critério
dos juízes caso a caso”, observa:
Um dos riscos da adjudicação de direitos sociais, contudo, é transformar questões
policêntricas como essa em uma disputa bilateral entre o litigante e o governo. Quando
isso ocorre, a política social e todas as difíceis escolhas que estão necessariamente
por trás dela perdem seu espaço central na lide judicial, que passa a focar-se quase
exclusivamente na necessidade dos litigantes. Essa foi fundamentalmente a forma
como a maioria do stf analisou a constitucionalidade do critério de 1/4 de salário
mínimo per capita para recebimento do bpc no re 567.985.
Em suma, a escolha política de limitar a ampliação de um benefício de assistência
social não significa necessariamente uma violação a um direito causada por
indiferença ou omissão estatal. Essa limitação pode ser, como no caso do bpc e da
assistência social, uma opção governamental que define prioridades e focalização.
Por esse raciocínio, uma decisão judicial que respeita o critério adotado pela política
pública nessas circunstâncias não significa que o Judiciário abdica de sua função na
defesa de direitos, mas demonstra o entendimento de que o direito à assistência
social não é apenas daqueles que conseguem chegar aos tribunais, mas de toda a
população que precisa ser assistida por essa política.493

493
Wang, Daniel Wei L.; Vasconcelos, Natália Pires de. Adjudicação de direitos e escolhas po-
líticas na assistência social: o STF e o critério de renda do BPC. Disponível em: <https://www.acade-
mia.edu/35825264/Adjudica%C3%A7%C3%A3o_de_direitos_e_escolhas_pol%C3%ADticas_na_
assist%C3%AAncia_social>. Acesso em 12 nov. 2018. A leitura do artigo é veementemente recomendada,
para a compreensão de impactos financeiros e, acima de tudo, “como a decisão da maioria dos ministros no
re 567.985 representa de fato uma escolha política com altos custos de oportunidade.”

151
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

B) Educação
B.1) Encontram-se vários arestos relativos à realização de reformas ou
execução de obras em escolas públicas,494 fortes na consideração geral de que: “A
jurisprudência desta Corte entende ser possível ao Poder Judiciário determinar ao
Estado a implementação, em situações excepcionais, de políticas públicas previstas
na Constituição sem que isso acarrete contrariedade ao princípio da separação dos
poderes”;495 ou no fundamento específico de que: “O Poder Judiciário, em situações
excepcionais, pode determinar ao Estado a obrigação de fazer reparação em
escolas, quando estas se encontrarem em condições precárias, por se relacionarem
a direitos ou garantias fundamentais, sem que isso ofenda o princípio da separação
dos poderes”.496
No que concerne a questões orçamentárias, ressalta a Corte: “Quanto aos
limites orçamentários aos quais está vinculado o recorrente, o Poder Público,
ressalvada a ocorrência de motivo objetivamente mensurável, não pode se furtar
à observância de seus encargos constitucionais”,497 demonstrando que não bastam
alegações genéricas do ente público no que tange à limitação de recursos.
Noutro acórdão, embora a situação fosse mais delicada, porquanto a ação
civil pública, proposta pelo Ministério Público em face do Estado de Goiás, buscava
a construção de salas de aula em número suficiente ao adequado atendimento da
população e em cumprimento das normas que regulam o serviço público de ensino,
de modo que este seja prestado com qualidade, restringiu-se a ementa a afirmar:
Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Constitucional. Poder
Judiciário. Determinação para implementação de políticas públicas. Melhoria da
qualidade do ensino público. Possibilidade. Violação do princípio da separação dos
poderes. Não ocorrência. Precedentes.
1. O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a
Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente
reconhecidos como essenciais sem que isso configure violação do princípio da
separação de poderes.
2. Agravo regimental não provido.498

494
P. ex., 1ª Turma: ARE 1.071.070 AgR/DF, Rel. Min. Luiz Fux; ARE 1.041.301 AgR/DF, Rel. Min.
Rosa Weber; ARE 942.573 AgR/PB, Rel. Min. Edson Fachin. 2ª Turma: ARE 928.654 AgR/DF, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski; ARE 958.246/PB, Rel. Min. Celso de Mello; ARE 908.680 AgR/PB, Rel. Min.
Dias Toffoli.
495
2ª Turma, ARE 928.654 AgR/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski.
496
1ª Turma, ARE 942.573 AgR/PB, Rel. Min. Edson Fachin.
497
2ª Turma, ARE 928.654 AgR/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Neste caso, inclusive, o Acórdão
recorrido, do TJDF, ressaltou a existência de previsão na lei orçamentária de verba para a finalidade e a
inércia do DF.
498
1ª Turma, ARE. 635.679 AgR/GO, unân, julg. 06.12.2011.

152
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Na leitura do julgado, além da menção de que “[i]nsiste o agravante que teria


sido violado o art. 2º da Constituição Federal”, e do argumento comum e repetido,
em essência, em quase todos os arestos examinados,
pacificou-se nesta Corte o entendimento de que o Poder Judiciário, em situações
excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas
assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais,
como é o caso da educação, sem que isso configure violação do princípio da
separação de poderes, uma vez que não se trata de ingerência ilegítima de um
Poder na esfera de outro,

nada se encontra com relação à situação concreta examinada, i. e., ao caso


concreto.
No Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 877.607/MG, em ampla
ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público estadual em face do Estado de
Minas Gerais, objetivando a condenação do ente público à obrigação de fazer,
consistente em reformas nas escolas públicas, possibilitando o acesso e integração
dos deficientes físicos ao ambiente escolar, decidiu a Corte:
DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. POLÍTICAS PÚBLICAS. ACESSIBILIDADE DE DEFICIENTES
FÍSICOS EM AMBIENTE ESCOLAR. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS
PODERES. NÃO CARACTERIZAÇÃO. PRECEDENTES.
1. O Supremo Tribunal Federal já assentou a possibilidade, em casos emergenciais,
de implementação de políticas públicas pelo Poder Judiciário, ante a inércia ou
morosidade da Administração, como medida assecuratória de direitos fundamentais.
Precedentes.
2. Agravo interno a que se nega provimento.499

A leitura do V. Acórdão demonstra que, apesar da extensão e seriedade


do thema decidendum, no âmbito da realização de obras em escolas do enorme
Estado de Minas Gerais: “A parte agravante reafirma as teses defendidas no recurso
extraordinário, argumentando que ‘os artigos 244, caput, e o §  2º, do artigo 277
[rectius: 227], da Constituição Federal restaram diretamente violados pelo acórdão
recorrido, data vênia, em razão de este haver obrigado o Estado de Minas Gerais a
implementar a acessibilidade a prédio escolar sem que exista lei determinando prazo
para tais implementações’.” Ou seja, a tormentosa matéria foi reduzida, pelo próprio
Estado-recorrente, a uma única e restrita questão...
B.2) Em outro feito, foi inadmitido recurso extraordinário em ação civil
pública, proposta pelo Ministério Público em face do Estado do Rio Grande do Sul,
visando a garantir o acompanhamento, por monitor, dos alunos da rede pública
499
1ª Turma, RE 877.607 AgR/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, unân., sessão virtual, 10 a 16 fev. 2017.

153
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

portadores de necessidades especiais.500 Da leitura do voto do douto Relator


percebe-se que o Estado arguiu que, embora o voto condutor do acórdão recorrido
tenha fundamentado suas conclusões no disposto nos artigos 205, 208, inciso III,
e 227 da CF, a pretensão veiculada na ação civil pública, ao fim e ao cabo, é de que
o Poder Judiciário invada seara destinada às políticas públicas, elegendo prioridades
em substituição ao Poder Executivo, sem estudos prévios, decidindo, ademais, sobre
a realização de despesas públicas, de valor elevadíssimo, sem qualquer previsão
orçamentária, quando, em verdade, estudos e programas educacionais/pedagógicos já
vêm sendo empreendidos para a criação de toda uma rede de proteção aos portadores
de necessidades especiais, mas o recurso não era admissível.
Ainda em relação ao direito à educação dos portadores de necessidades especiais,
na ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público em face do Distrito Federal,
pleiteando a condenação do ente à disponibilização, na rede pública de educação, de
professores especializados em Libras, o STF negou provimento ao recurso extraordinário:
Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito Constitucional.
Educação de deficientes auditivos. Professores especializados em Libras. 3.
Inadimplemento estatal de políticas públicas com previsão constitucional.
Intervenção excepcional do Judiciário. Possibilidade. Precedentes. 4. Cláusula
da reserva do possível. Inoponibilidade. Núcleo de intangibilidade dos direitos
fundamentais. 5. Constitucionalidade e convencionalidade das políticas públicas
de inserção dos portadores de necessidades especiais na sociedade. Precedentes.
6. Ausência de argumentos suficientes a infirmar a decisão recorrida. 7. Agravo
regimental a que se nega provimento.501

Ao que se depreende do relatório, o Distrito Federal se limitou a alegar que


a decisão agravada violava “a separação dos poderes, uma vez que ‘as escolhas
políticas sobre alocação de recursos públicos e definição de políticas públicas
prioritárias devem ser realizadas pelos representantes eleitos pelo povo’”.
B.3) Com relação ao “transporte escolar”, colhe-se: “A jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a possibilidade de o Poder Judiciário
determinar, excepcionalmente, em casos de omissão estatal, a implementação de
políticas públicas que visem à concretização do direito à educação, assegurado
expressamente pela Constituição. Precedentes específicos referentes a transporte
escolar”.502 Bem como:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO
ADMINISTRATIVO. TRANSPORTE ESCOLAR DE ALUNOS MATRICULADOS NOS ENSINOS
FUNDAMENTAL E MÉDIO DA REDE PÚBLICA ESTADUAL. LIMITES ORÇAMENTÁRIOS.
AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. DIREITO FUNDAMENTAL INDISPONÍVEL. DEVER DO
ESTADO. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO”.503
500
1ª Turma, ARE. 843.423 AgR/RS, Rel. Min. Luiz Fux, unân., julg. 10.05.2016.
501
2ª Turma, ARE. 860.979 AgR/DF. Rel. Min. Gilmar Mendes, unân., 14.04.2015.
502
2ª Turma, ARE 990.934 AgR/PB, Rel. Min. Ricardo Lewandowski.
503
1ª Turma, ARE 896.076 AgR/SC, Rel. Min. Luiz Fux.

154
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Neste último julgado, vê-se também a ressalva de que: “[...] quanto à


questão orçamentária, conforme anotado na decisão agravada, o recorrente não
se desincumbiu, na origem, de comprovar efetivamente a ausência de recursos
orçamentários que inviabilizasse o cumprimento da decisão judicial.”
B.4) No que se refere ao atendimento em creche e pré-escola, no Agravo
Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 639.337/SP, em ação civil
pública ajuizada pelo Ministério Público em face do Município de São Paulo,
pretendendo garantir que as crianças menores de 5 (cinco) anos de idade sejam
matriculadas em unidade de ensino infantil próximas de sua residência ou do
endereço de trabalho de seus responsáveis legais, por acórdão doutrinal, cuja
extensão da ementa desaconselha transcrição, o STF, ao negar provimento ao
agravo regimental, assegurou a procedência do pedido. Nada obstante o brilho e
erudição do aresto, com alusão às teorias doutrinárias mais em voga, sua leitura não
permite conhecer, in concreto, quais foram os argumentos efetivamente invocados
pelo Município de São Paulo para se defender.504
Noutro julgamento, Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº
595.595/SC, em que o Ministério Público pleiteava a disponibilização de vagas em
ensino fundamental e educação infantil para as crianças carentes residentes no
Município de Criciúma/SC, ainda que o recorrente, como se lê no relatório, tenha
alegado violação (também) do “artigo 167, inciso I,” da Constituição da República,
“que veda o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária
anual”, nada foi mencionado a respeito.505
Por fim, invocando o Acórdão da ADPF 45 e enaltecendo que “a educação
é um direito fundamental e indispensável dos indivíduos”, a 2ª Turma negou
provimento ao agravo regimental interposto contra a decisão monocrática que
dera provimento ao recurso extraordinário para julgar procedente o pedido que, em
ação civil pública ajuizada pelo MP estadual, visava a compelir o Município de São
Gonçalo/RJ a suprimir a carência de professores nas unidades de ensino público.506

504
2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, unân. julg. 23.08.2011. Eis a ementa da apelação recorrida: “APE-
LAÇÃO – Reexame Necessário – Ação Civil Pública – Sentença que obriga o Município de São Paulo
a matricular crianças em unidades de ensino infantil próximas de sua residência – Cabimento – Direito
Fundamental, líquido e certo – Aplicação dos artigos 208 da Constituição da República e 54 do Estatuto
da Criança e do Adolescente – Inocorrência de violação aos princípios constitucionais da Separação e
Independência dos Poderes da República – Necessidade de harmonia como o princípio da legalidade e da
inafastabilidade do controle judicial (arts. 5º, XXXV, e 37 da Constituição Federal) – Princípio da Isonomia
que impõe o respeito ao direito de todas as crianças – Normas constitucionais de eficácia plena – Direito
universal a ser assegurado a qualquer criança que dele necessite – Obrigação do Município reconhecida no
artigo 211 da Constituição Federal – Prova suficiente a autorizar o acolhimento do pedido – Multa cabível
e proporcional – Não provimento do recurso e do reexame necessário.” Louvável a correta dimensão em
buscar respeitar o “direito de todas as crianças”.
505
2ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, unân., julg. 28.04.2009.
506
2ª Turma, ARE nº 594.018/RJ, Rel. Min. Eros Grau, julg. 23.06.2009.

155
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

C) Moradia
No que concerne ao “direito à moradia”, observa-se que persiste a tendência
da Suprema Corte em enunciar direitos em termos teóricos, sem efetiva análise
do caso concreto. No Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo
nº 925.712/RJ, foi desprovido o agravo regimental interposto contra a decisão
monocrática que negara provimento ao agravo da decisão de inadmissão do RE,
“nos termos do artigo 932, IV, b, do Código de Processo Civil”. O problema, diga-se
com toda a reverência, é que, para o desprovimento do agravo pelo relator, com
base no art. 932, IV, b, do CPC, foi mencionado o Tema 220,507 relativo à promoção
de medidas ou execução de obras emergenciais em presídios, sem descrição do caso
que ensejou a interposição do RE e sem a indicação de acórdão específico do STF,
para concluir na ementa: “É firme o entendimento deste Tribunal de que o Poder
Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio da separação dos
Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas questões relativas
ao direito constitucional à segurança e moradia”.508
Em outro caso, o TJRJ, em acórdão proferido em agravo de instrumento,
determinou ao Estado do Rio de Janeiro a tomada de medidas de engenharia,
geotecnia e intervenção urbanística no Bairro Cordoeira, no Município de Nova
Friburgo, área classificada como de alto risco de deslizamentos. Interposto
e inadmitido recurso extraordinário no TJ, adveio agravo do Estado, que foi
desprovido, monocraticamente, pelo Ministro Relator, com base no art. 932, III e
IV, b, do CPC, em parte por se tratar de ofensa reflexa à Constituição e, no mais,
invocando, outra vez, o supracitado Tema 220. Interposto agravo regimental, a 2ª
Turma negou-lhe provimento, repetindo na ementa: “É firme o entendimento deste
Tribunal de que o Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao
princípio da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas
públicas em defesa de direitos fundamentais”. Chama a atenção, como se vê do
relatório, que o Estado do Rio de Janeiro arguiu em seu recurso:
[...] que a discussão relativa à separação dos poderes, nestes autos, está relacionada
não à possibilidade de interferência do Poder Judiciário no âmbito das políticas
públicas, mas aos seus limites, asseverando-se que “quando não há omissão estatal,
mas apenas a possibilidade de diversas alternativas para a satisfação de tais direitos, não
podem os magistrados, a tanto instados pelo Parquet, decidir que uma dada alternativa
é a que deve ser eleita, em detrimento da opção eleita pelo Executivo”.

Entretanto, mercê de afirmação genérica do acórdão recorrido (“os elementos


507
“É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de
medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao
postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e
moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão
o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes”.
508
2ª Turma, Rel. Min. Edson Fachin, unân., sessão virtual, 15 a 21 set. 2017.

156
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

coligidos no Inquérito Civil demonstram inequivocamente que a desídia e omissão


do agravante põem em risco a população da comentada área do Município de
Nova Friburgo, especialmente na estação chuvosa do inverno, em que os riscos de
desabamento aumentam vertiginosamente.”), o voto considerou que o “Tribunal de
origem [...] concluiu haver omissão” e que, “para se proceder a exame do princípio da
separação dos poderes nos termos propostos pelo agravante, que suscita discussão a
respeito de seus limites em situações nas quais não se encontra configurada omissão
do Poder Público, faz-se necessário reexaminar fatos e provas, o que é vedado nesta
seara, como evidencia a redação do enunciado sumular 279 do STF”. Destarte,
conquanto correta, em tese, a conclusão, é preocupante que, em causas dessa
relevância, simples afirmações gerais sobre fatos no acórdão (e não a análise efetiva
dos elementos de provas constantes dos autos, a balizar e permitir o conhecimento
de iure da Corte) impeçam o exame da matéria pelo Supremo Tribunal Federal.509
Noutra ação civil pública, em que o MP estadual pedia a condenação do
Município de Gravataí e do Estado do Rio Grande do Sul a concluir as obras necessárias
para a completa infraestrutura do Loteamento Xará, mesmo tendo sido também
alegada ofensa às regras constitucionais orçamentárias, o fundamento essencial
do julgado foi: “[...] o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência
desta Corte, no sentido de que o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode
determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos
constitucionalmente reconhecidos como essenciais, como é o caso do direito à
integridade física e à moradia digna dos administrados, sem que isso configure
violação do princípio da separação de poderes”, somente.510
No Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 909.943/SE, em mais uma
ação civil pública proposta pelo MP estadual, foi pedida a condenação do Município
de Aracaju e da Empresa Municipal de Obras e Urbanização à obrigação de fazer
consistente na realização de serviços de contenção das encostas e retirada das
famílias que se encontram em localização de risco iminente à saúde e à integridade
física. Conquanto o V. Acórdão do TJSE tenha afirmado que o cumprimento das
medidas implica providências de alto custo e que necessitam de profundos estudos
técnicos para implantação, bem como que se tratava de construções irregulares e
a oneração do erário desrespeitava a ordem do programa municipal de moradia,
a decisão do STF valeu-se do habitual: “É firme o entendimento deste Tribunal de
que o Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio da
509
Voltaremos ao ponto, oportunamente.
510
Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. 2. Direito Constitucional e Administrativo.
3. Implementação de políticas públicas. Direito à moradia e à integridade física. Possibilidade. 4. Inexis-
tência de violação ao princípio da separação dos poderes. Precedentes. 5. Ausência de argumentos capazes
de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental a que se nega provimento. 2ª Turma. ARE AgR. nº
1.023.906/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, sessão virtual, 23 a 29 jun. 2017.

157
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas


questões relativas ao direito constitucional à segurança e moradia”.511

Sempre na linha de que “a jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que


o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração
pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos
como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação dos poderes,
inserto no art. 2º da Constituição Federal”, a Suprema Corte negou provimento a Agravo
Regimental que visava à reforma da decisão que condenou o Município de Aracaju
a contratar imóveis para abrigar famílias que perderam suas casas na comunidade
Arrozal, Bairro Jabotiana, e que estavam abrigadas em galpões, como ainda a conceder
auxílio-moradia, até o implemento de política pública habitacional para as pessoas,512
assim como negou provimento a AgR, contra decisão que negara seguimento ao RE, em
ação civil pública que visava à condenação do Município do Rio de Janeiro à criação de
vagas em abrigos para moradores de rua.513

D) Sistema prisional

Como já foi comentado, no RE 592.581 RG/RS, Tema 220, o Supremo


Tribunal Federal assentou: “É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública
obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras
emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da
dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade
física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da Constituição Federal,
não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio
da separação dos poderes.”514
511
2ª Turma, Rel. Min. Edson Fachin, sessão virtual, 26 maio a 1º jun. 2017.
512
“Agravo Interno no Recurso Extraordinário com Agravo. Administrativo. Ação civil pública. Calami-
dade. Famílias desabrigadas. Comunidade do Arrozal – Aracajú/SE. Direito à moradia. Implementação de
políticas públicas. Possibilidade. Violação ao princípio da separação de poderes. Inocorrência. Reexame do
conjunto fático probatório dos autos. Incidência da Súmula 279 do stf. Reiterada rejeição dos argumentos
expendidos pela parte nas sedes recursais anteriores. Manifesto intuito protelatório. Multa do artigo 1.021,
§ 4 º, do cpc/2015. Aplicabilidade. Recurso interposto sob a égide do novo Código de Processo Civil. Au-
sência de condenação em honorários advocatícios no juízo recorrido. Impossibilidade de majoração nesta
sede recursal. Artigo 85, § 11, do cpc/2015. Agravo interno desprovido.” (1ª Turma, ARE AgR. 948.601/
SE, Rel. Min. Luiz Fux, unân., sessão virtual, 3 a 9 fev. 2017/2017).
513
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ABRIGOS PARA MORADORES DE
RUA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 279 DO STF. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SE-
PARAÇÃO DOS PODERES. INEXISTÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. Incabível o
recurso extraordinário quando as alegações de violação a dispositivos constitucionais exigem o reexame
de fatos e provas (Súmula 279/STF). Esta Corte já firmou entendimento no sentido de que não ofende o
princípio da separação de poderes a determinação, pelo Poder Judiciário, em situações excepcionais, de
realização de políticas públicas indispensáveis para a garantia de relevantes direitos constitucionais. Pre-
cedentes. Agravo regimental desprovido.” 2ª Turma, ARE 634.643/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, unân.,
julg. 26.06.2012.
514
Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, unân., julg. 13.08.2015.

158
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Merece registro, em relação à tese firmada, o longo debate dos Ministros


sobre à manutenção ou não do trecho final, no sentido de não ser oponível à decisão
o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes. O
Ministro Edson Fachin chegou a sugerir a sua substituição pelos seguintes termos
afirmativos: “... sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível
somente em decorrência de justo motivo, objetivamente aferido, colocaria um
ponto e não me referiria ao afastamento do princípio da reserva dos Poderes.”515
Também a Ministra Rosa Weber, citando o Ministro Luiz Edson Fachin, afirmou “que,
pelo menos da ótica da reserva do possível, poderia comportar alguma atenuação.”
O próprio relator, Ministro Ricardo Lewandowski, logo após o voto do Min.
Fachin, asseverou que não teria nada a opor a àquela formulação, já que seria “mais
adequada realmente”, e acrescenta: “Eu imaginei que, quando estava no início da
formulação da tese, referindo-me apenas a medidas emergenciais, essa minha
parte final poderia eventualmente ser tolerada dentro do contexto do voto. Mas eu
acredito que a formulação de Vossa Excelência, no que diz respeito à parte final da
tese, é perfeitamente compatível com aquilo que eu penso.”
O próprio relator, aliás, em seu voto, fez séria análise da “pretensa falta de
verbas”, citando dados do Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN e do Departamento
Penitenciário Nacional – DEPEN/MJ, sobre investimentos em 2013 e 2015, e sobre o
decepcionante emprego das verbas em virtude de contingenciamento ou “em face
da inconsistência, mora ou falha na execução dos projetos concebidos pelos entes
federados”. Vale dizer: cogitou da existência de verbas.
O Min. Luiz Fux mencionou que, “numa ponderação entre a reserva do
possível e obras emergenciais, que vão atentar para o centro de gravidade da
Constituição Federal, que é a dignidade da pessoa humana, há de preponderar
efetivamente essa proteção à dignidade com realização de obras emergenciais que
não possam ser obstadas por uma vã alegação de reserva do possível”516.
A Min. Cármen Lúcia, expressamente concordou com o Ministro Relator e
com os votos antecedentes “no sentido de que aqui não há que se falar em ausência
de recurso, porque foi criado o Fundo Penitenciário exatamente para se fazer face
a essa demanda que, há algumas décadas, é acentuada, pontuada, denunciada e,
nem por isso, faz-se alguma coisa para prover”.
515
Ressalte-se que depois, sob a rubrica “A impossibilidade de se invocar a Reserva do Possível como
argumento retórico e escusa indevida”, o Min. Edson Fachin complementou: “A reserva do possível não
pode servir de argumento para escusar o Estado de cumprir os comandos constitucionais, sobretudo aqueles
expressamente nomeados e caracterizados como direitos fundamentais. Eventual objeção orçamentária de-
veria ser acompanhada de prova expressa, documental, que justifique adequadamente e demonstre a impos-
sibilidade financeira do Estado, bem como porque as escolhas político-governamentais deixaram de atender
demanda tão fundamental. A invocação da reserva do possível não pode consistir em mera alegação que
isenta, por si só, o Estado de suas obrigações. Somente justo motivo, objetivamente aferido, tem tal valia.”
516
Grifo nosso.

159
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

O Min. Gilmar Mendes, em relação ao princípio da reserva do possível,


salientou: “E não se faz nenhum esforço para demonstrar que se envidaram
esforços, engendraram-se medidas para atenuar a situação. Não! Simplesmente,
usa-se essa expressão como uma fórmula de imunidade. E esse ponto, acho que é
extremamente importante”, mencionando o Min. Marco Aurélio “válvula de escape”
e “Contingenciamento que pressupõe frustração da receita”.
Antes mesmo de citar o admirável voto do Min. Roberto Barroso, já se pode
concluir que o asserto “não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do
possível” deve ser interpretado como não sendo oponíveis alegações vãs, não
objetivamente comprovadas, inclusive porque o próprio precedente analisou a
“pretensa falta de verbas”.
O precitado voto do Min. Luís Roberto Barroso, que não é apenas
elucidativo como fixa precioso parâmetro de atuação do Judiciário, merece ser
parcialmente transcrito:
E aqui eu chego à terceira e última fração do meu voto, que é a que considero
mais importante, porque traz um componente para reflexão, embora não destoe
da conclusão, nem da tese de Vossa Excelência. E aqui eu gostaria de dizer isso de
uma forma bem explícita: eu não acho – e penso que nenhum de nós ache – que
o Poder Judiciário tem melhores capacidades institucionais para reformar o sistema
penitenciário do que o Poder Executivo, porque nós não temos, o Judiciário não tem
a visão sistêmica das demandas e o Judiciário normalmente é preparado para fazer
microjustiça, a justiça do caso concreto, com muita dificuldade de avaliar impactos
sistêmicos das suas decisões pontuais. Em um modelo ideal, quem tem que tomar
essas decisões e implementá-las é o Poder Executivo. Portanto, gostaria de deixar
claro que a decisão do Ministro Lewandowski, à qual estou aderindo, não significa
uma pretensão do Judiciário de governar o mundo, nem de ser ele próprio o
elaborador de políticas públicas, não só porque seria problemático do ponto de vista
da legitimidade democrática, como também porque nós não somos melhores do que
os técnicos do Executivo para lidar, por exemplo, com questões penitenciárias.
Presidente, diante dessa premissa, que considero relevante, e que diz respeito à
separação dos Poderes e às capacidades institucionais de cada Poder, o Judiciário
pode atuar quando haja inércia inconstitucional, quando haja omissão inconstitucional
do Executivo, mas eu penso que, como regra geral – que excepciono neste caso para
acompanhar Vossa Excelência –, a melhor intervenção do Judiciário, em situações
como esta, é a seguinte: o Judiciário pode impor ao Poder Executivo que realize o
diagnóstico da situação e que apresente um plano adequado para sanar aquela
omissão sob monitoramento do Poder Judiciário – isso como regra geral e não no caso
concreto, porque o caso concreto tem uma situação específica. Acho que essa é a forma
adequada de convivência entre os Poderes e de um certo diálogo institucional, em que
o Judiciário diz: “há uma inércia prolongada, a competência é sua, apresente um plano,
e eu vou monitorar este plano”; porque a ideia de, como regra geral, determinar-se a
apresentação de um plano, permite, naturalmente, a realização de um cronograma,
a estimativa de custos e um exame de como se vai custear aquela demanda social,
inclusive com recursos estaduais ou com recursos federais.

160
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Portanto, eu gostaria de dizer, Presidente, que a minha visão, em situações como


esta, é que a regra geral – que não aplico neste caso pela razão que direi na minha
conclusão – é que a decisão do Judiciário não deve ser a de ele se sobrepor ao
Executivo e determinar como deve ser feito. O Executivo é que tem que apresentar o
seu plano para reforma ou do presídio, ou do sistema estadual, fazer um diagnóstico,
um plano, um cronograma, uma estimativa de custos, como ele pretende obter o
dinheiro, e aí o Judiciário monitora. Acho que em situações-limite o Judiciário pode
até determinar a inclusão de verba em orçamento, mas o Judiciário não pode ele
próprio dizer como é que deve ser a obra do presídio, porque acho que nós não
somos capacitados para isso. Esta fórmula que eu proponho – diagnóstico, projeto
e monitoramento da execução –, no entanto, a meu ver, pode e deve ceder diante
de situações excepcionais, que reputo ser este caso, porque, neste caso, Presidente,
já havia sido feito o diagnóstico, já havia sido apresentada a proposta adequada para a
superação do problema, e, ainda assim, o Executivo não atuou. Dessa forma, aqui não
faltava propriamente uma política pública, porque o Executivo já tinha definido o que
que era preciso fazer, qual obra era preciso fazer. Eles apenas não executaram o que já
estava pré-traçado.
[...]
Então, eu pediria vênia ao eminente Ministro Luiz Edson Fachin, para, na linha do
que já verbalizaram o Ministro Marco Aurélio e o Ministro Luiz Fux, também me
apegar ao teor da proposta original de Vossa Excelência. O que Vossa Excelência faz
é dizer que, nesta situação concreta, que exigia uma obra emergencial, não é legítima
a invocação da reserva do possível, nem da separação dos poderes. Portanto, não é um
afastamento genérico em todo e qualquer caso, mas pontual, e Vossa Excelência se
refere expressamente à execução de obras emergenciais. De modo que, diante da
formulação limitada da tese, eu acho que é legítima a exclusão da reserva do possível
e da separação dos Poderes.
Com base na supracitada tese assentada no tema 220, a Corte Suprema
negou seguimento a agravo em relação a acórdão do TJMT que impôs ao Estado
o dever de, além de proceder à reforma do Centro de Ressocialização de Cuiabá
- CRC, construir e instalar duas unidades prisionais em Cuiabá que atendam
reeducandos que cumpram pena em regime semiaberto, bem como de inserir na
próxima proposta orçamentária verbas suficientes para a construção de mais quatro
unidades prisionais semelhantes à colônia penal do CRC, para cumprimento de
pena no regime semiaberto, nas Comarcas de Rondonópolis, Cáceres, Sinop e Água
Boa, rejeitando a alegação da agravante de distinção entre o caso e o precedente.517
Bem assim, no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 687.758/RR,
também suscitado o distinguishing porque “a sentença combatida não determina
obras ou medidas emergenciais em prisões, mas a construção de um novo presídio, no
local escolhido pelo autor da ação”, e alegado que “outras matérias também são objeto
de análise no Recurso Extraordinário: obrigação de realizar concurso público para
contratação de servidores para o sistema carcerário; construção de alas distintas para
condenados em regime fechado e condenados em regime disciplinar diferenciado
517
1ª Turma, ARE 1.001.496 AgR/MT, Rel. Min. Roberto Barroso, sessão virtual, 10 a 16 nov. 2017.

161
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

e a fixação do número de vagas a critério do juiz da vara de execuções; aquisição de


veículos; astreintes exorbitantes; período curto de tempo para implementação das
políticas públicas”, decidiu o STF tão somente que “a matéria em discussão nos autos
identifica-se com a matéria objeto do RE nº 592.581/RS-RG”.518
E) Segurança pública
Ainda com apoio em orientação geral (“O Poder Judiciário, em situações
excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas
assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais sem
que isso configure violação do princípio da separação dos poderes.”), o STF negou
provimento a agravo contra decisão que inadmitiu o RE que impugnava a condenação
do Estado de Goiás a “manter efetivo policial em unidade de abrigo para adolescentes
infratores”;519 negou provimento a agravo contra decisão que inadmitiu o RE que
impugnava a condenação do Estado de Minas Gerais à “implementação das medidas
pleiteadas para fins de guarda de objetos de crime apreendidos em inquérito policial
na comarca de Uberlândia”;520 idem quanto à determinação, ao que parece, de
provimento e exercício do cargo de Delegados de Polícia ao Estado do Amazonas;521
negou seguimento a RE contra decisão que condenou o Estado de Santa Catarina
a assegurar o funcionamento ininterrupto de Delegacia de Polícia da Comarca de
Videira, de acordo com as vagas ali existentes, bem como à manutenção da referida
Delegacia em funcionamento em regime de plantão.522
Antes de examinar alguns julgados sobre o chamado “direito à saúde”, cabe
registrar que muitos outros acórdãos do Supremo Tribunal Federal poderiam ser ainda
examinados, com relação, por exemplo, à proteção da criança e do adolescente, obras
estruturais, urbanização, acessibilidade, acesso à Justiça, mas o que verificamos até aqui
– já correndo o risco de cansar, em demasia, o leitor – se mostra suficiente para embasar
concretamente algumas conclusões, que serão expostas ao final do capítulo.
F) Prestações de saúde
No Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.049.831/
PE, lê-se na ementa:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. INTERPOSIÇÃO
518
2ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, unân., sessão virtual de 19 a 25 maio 2017. Vejam-se ainda: 2ª Turma,
ARE 1.026.698 AgR/MT, Rel. Min. Celso de Mello, unân., sessão virtual, 23 a 29 jun. 2017 (concernente à
reforma de cadeia pública municipal); 2ª Turma, ARE 917.171 AgR/PR, Rel. Min. Celso de Mello, unân.,
sessão virtual, 9 a 15 dez. 2016 (relativo à desativação gradativa da unidade de internação provisória de
Cascavel (CENSE1) e a construção de novo centro de atendimento socioeducativo destinado à internação
provisória de adolescentes); ARE 930.454/MT, Rel. Min. Roberto Barroso, sessão virtual, 19 a 25 ago.
2016 (pertinente à reforma de Delegacia de Polícia).
519
1ª Turma, AI 810.410 AgR/GO, Rel. Min. Dias Toffoli, unân., julg. 28 maio 2013.
520
1ª Turma, ARE 851.097 AgR/MG, Rel. Min. Luiz Fux, unân., sessão virtual, 6 a 13out. 2017.
521
1ª Turma, ARE 878.411 AgR/AM, Rel. Min. Gilmar Mendes, unân., sessão virtual, 18 a 24 ago. 2017.
522
2ª Turma, ARE 669.635/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, unân., julg. 17.03.2015.

162
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

EM 29.8.2017. FORNECIMENTO DE ALIMENTO ESPECIAL A CRIANÇA PORTADORA


DE ALERGIA ALIMENTAR. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS.
REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA SOB A SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL.
RE 855.178-RG. NECESSIDADE DE FORNECIMENTO DO ALIMENTO PLEITEADO.
INEXISTÊNCIA NA LISTA DO SUS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 279 DO STF.
1. É firme o entendimento deste Tribunal de que o Poder Judiciário pode, sem que
fique configurada violação ao princípio da separação dos Poderes, determinar
a implementação de políticas públicas nas questões relativas ao direito
constitucional à saúde.
2. O acórdão recorrido está alinhado à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
reafirmada no julgamento do RE 855.178-RG, Rel. Min. Luiz Fux, no sentido de que
constitui obrigação solidária dos entes federativos o dever de fornecimento gratuito
de tratamentos e de medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes.
3. Para se chegar a conclusão diversa daquela a que chegou a Turma Recursal de
origem, quanto à necessidade de fornecimento do alimento especial pleiteado, seria
necessário o reexame de fatos e provas. Incidência da Súmula 279 do STF.
3. Agravo regimental a que se nega provimento, com previsão de aplicação da
multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC. Inaplicável o disposto no art. 85, § 11, CPC,
porquanto não houve fixação de verba honorária nas instâncias de origem.523

Como se depreende do relatório do julgado, o recorrente, Estado de


Pernambuco, alegou que a “aquisição de insumo pelo Poder Público pressupõe
a submissão a regras de direito financeiro e de direito administrativo, além de
observância do postulado inserto no inciso XXI, do art. 37, da Constituição Federal,
segundo o qual as compras efetuadas dependem de licitação prévia a garantir,
consoante art. 3º da Lei 8.666/93, a observância dos princípios constitucionais da
isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, separação de poderes,
dentre outros”, mas os temas não foram especificamente enfrentados.
No que tange ao fornecimento de medicamentos não padronizados a
pessoas hipossuficientes, portadores de enfermidade grave, aresto do STF aceitou
essa orientação, com base no fundamento geral de que “[é] firme o entendimento
deste Tribunal de que o Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação
ao princípio da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas
públicas nas questões relativas ao direito constitucional à saúde” e que “[a]
controvérsia relativa à hipossuficiência da parte [...] demandaria a reapreciação
do conjunto fático-probatório dos autos, o que não é viável em sede de recurso
extraordinário, nos termos da Súmula 279/STF”.524
Em termos gerais, aludindo apenas ao fornecimento de medicamentos não
incluídos na lista do SUS, tem sido afirmado que “a lista do SUS não é o parâmetro
523
2ª Turma, Rel. Min. Edson Fachin, sessão virtual, 20 a 26 out. 2017.
524
1ª Turma, ARE 894.085 AgR/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, unân., julg. 15.12.2015.

163
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

único a ser considerado na avaliação da necessidade do fornecimento de um


medicamento de um caso concreto, que depende da avaliação médica”, e “para
se chegar a conclusão contrária à adotada pelo Juízo de origem, necessário seria
o reexame do conjunto fático-probatório, o que inviabiliza o extraordinário”,525 ou
simplesmente que “[o] Supremo Tribunal Federal tem se orientado no sentido de
ser possível ao Judiciário a determinação de fornecimento de medicamento não
incluído na lista padronizada fornecida pelo SUS, desde que reste comprovação de
que não haja nela opção de tratamento eficaz para a enfermidade”.526
No Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 696.077/RS, ação
individual que visava ao fornecimento de moradia adequada a menor, pelo
período indicado pela equipe médica que realizou o transplante de medula-óssea,
sob alegação de fazer parte do tratamento médico pós-transplante, embora o
recorrente, Estado do Rio Grande do Sul, tenha argumentado que a questão sub
judice diferia em muito daquelas nas quais a parte usuária do SUS busca o Poder
Judiciário para obtenção de determinado medicamento ou procedimento que
tenha sido negado pela Administração, para os quais se aplicariam, de forma geral,
os precedentes colacionados na decisão [...] agravada, de incidência das regras dos
arts. 196 e 198 da Constituição Federal, e que era “indevida a responsabilização
do Estado pela ausência de moradia adequada para acolher a agravada durante o
período pós-operatório”, vê-se apenas da ementa:
DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES.
CONSONÂNCIA DA DECISÃO RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA CRISTALIZADA
NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO MERECE
TRÂNSITO. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA
INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 31.01.2012.
1. O entendimento adotado pela Corte de origem, nos moldes do assinalado na
decisão agravada, não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo
Tribunal Federal. Entender de modo diverso demandaria a reelaboração da moldura
fática delineada no acórdão de origem, o que torna oblíqua e reflexa eventual ofensa,
insuscetível, como tal, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário.
2. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos
que lastrearam a decisão agravada.
3. Agravo regimental conhecido e não provido.527

Quanto a medicamentos de alto-custo, em razão da repercussão geral


525
2ª Turma, ARE 977190 AgR/MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, unân., julg. 09/11/2016. Nessa
linha, 1ª Turma, ARE 935824 AgR/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, unân., julg. 09.08.2016
526
1ª Turma, ARE 926469 AgR/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, unân., julg. 07/06/2016.
527
1ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, unân., julg. 02.06.2015. Ocioso dizer que o voto também não apreciou
os argumentos do recorrente.

164
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

admitida no RE 566.471 RG/RN (Tema 6), Rel. Min. Marco Aurélio, o Supremo Tribunal
Federal vem se limitando a determinar que, com base nos arts. 543-B do CPC/1973 e
328 do RI/STF, seja aplicada a sistemática da repercussão geral.528
Num apanhado geral, com fundamento no entendimento firmado na ADPF
45/DF, a Corte negou seguimento a RE contra acórdão relativo à inexistência de rede
municipal de assistência à pessoa portadora de deficiência física, visual, auditiva, com
paralisia cerebral, distúrbios comportamentais, deficiência mental ou com autismo
capaz de atender a demanda do Município de Belo Horizonte.529 Asseverando
que “[o] Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio
da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas
questões relativas ao direito constitucional à saúde”, o STF “negou seguimento ao
recurso contra Tribunal de origem, em que se garantiu o fornecimento de fraldas
descartáveis a menor com enfermidade grave”, mencionando outros julgados
análogos.530 Com base na afirmação de que “o acórdão recorrido está em harmonia
com a jurisprudência deste Supremo Tribunal”, negou-se seguimento ao agravo
nos autos do recurso extraordinário interposto contra acórdão do TJRS relativo à
implementação de ações com o objetivo de dotar o único hospital do Município
de Cachoeirinha/RS de leitos na Unidade de Terapia Intensiva – UTI suficientes
ao atendimento da população local.531 Ainda com fundamento, em essência,
no entendimento firmado na ADPF 45/DF, a Corte deu provimento ao recurso
extraordinário deduzido pelo Ministério Público estadual para à ampliação e
melhoria no atendimento de gestantes em maternidades no estado do Amazonas.532
Em determinado feito, em que o MP estadual pleiteava a condenação da
Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação
Casa) a disponibilizar “tratamento contra a drogadição aos internos das unidades
da Fundação em funcionamento no Município de São José do Rio Preto”, diante
da fundamentação do acórdão recorrido, em suma de que “a causa em apreço
não reclama[va] a prestação de serviços de saúde aos adolescentes desprovidos,
mas verdadeira adoção de política pública, arregimentando recurso de vulto e
transferindo escolhas administrativas da Administração Estadual, eleita em pleito
popular, para o Poder Judiciário por meio de normas jurisdicionais”, o STF entendeu
528
Nesse sentido, p. ex.: 1ª Turma, ARE 947.143 AgR/PR, Rel. Min. Roberto Barroso, sessão virtual, 21
a 28 abr. 2017; 1ª Turma, RE 627411 AgR/SE, Rel. Min. Rosa Weber, julg. 18.09.2012; 1ª Turma, RE
814425 AgR/AL, Rel. Min. Roberto Barroso, julg. 27.10.2015; 2ª Turma, ARE 832985 AgR/RS, Rel. Min.
Dias Toffoli, 04.08.2015; 2ª Turma, RE 827527 AgR-ED/RN, Rel. Min. Cármen Lúcia, Julg. 16.12.2014;
1ª Turma, RE 818572 AgR/CE, Rel. Min. Dias Toffoli, julg. 02.09.2014.
529
2ª Turma, ARE 745745 AgR/MG, Rel. Min. Celso de Mellho, unân., julg. 02.12.2014;
530
“No mesmo sentido e tratando de controvérsia análoga à dos autos, confiram-se os seguintes julgados:
ARE 744.170-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio; ARE 746.378- AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; e
ARE 743.841 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli.” (1ª Turma, AI 810864 AgR/RS, Rel. Min. Roberto Barroso,
julg. 18.11.2014).
531
2ª Turma, ARE 740800 AgR /RS, Rel. Min. Cármen Lúcia, julg. 03/12/2013.
532
2ª Turma, RE 581352 AgR/AM, Rel. Min. Celso de Mello, julg. 29.10.2013.

165
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

que “para se chegar a conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido quanto
à necessidade da implementação das políticas públicas pleiteadas seria necessário
o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos”, e negou provimento
ao agravo regimental.533
Na mesma linha, tendo a decisão recorrida asseverado, em resumo, que
“apesar da necessidade em realizar as obras determinadas e ora questionadas,
[...] a destinação dos recursos não previstos no orçamento pode prejudicar
a implementação de outras eleitas e qualificadas pelo administrador como
prioritárias, porquanto, em tese, a construção de uma estação de tratamento de
água demanda grandes investimentos”, concluiu a Suprema Corte que “o acórdão
recorrido afastou a necessidade da intervenção judicial postulada, diante do
contexto fático-normativo dos autos, de sorte que divergir do julgado na origem
demandaria reexaminar o acervo probatório que permeia a lide, o que não desafia a
abertura do recurso extraordinário, nos termos da Súmula 279 do STF”.534
Neste item, por sua específica área de abrangência, não abordamos as
Suspensões de Liminar (SL), Suspensões de Segurança (SS) ou Suspensões de Tutela
Antecipada (STA), ainda que algumas sejam mencionadas oportunamente, em
virtude das diretrizes já apontadas em algumas decisões.

7.3 Considerações conclusivas


Esse panorama, talvez por demais extenso, mas ainda assim superficial,
buscou demonstrar dados relevantes, mesmo que mínimos, suficientemente
concretos para alicerçar algumas conclusões, que não saibam a mero achismo.
Antes de qualquer consideração, no entanto, é preciso lembrar que no
Superior Tribunal de Justiça, como se vê em sua home page, em 2017, foram
distribuídos 327.129 processos, e julgados 392.963,535 num índice de distribuição

533
“EMENTA: AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMI-
NISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. TRATAMENTO DE REABILI-
TAÇÃO PARA MENORES INFRATORES DEPENDENTES QUÍMICOS. REEXAME DO CONJUNTO
FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279 DO STF. AGRAVO INTER-
POSTO SOB A ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO
EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NO JUÍZO RECORRIDO. IMPOSSIBILIDADE DE MAJORA-
ÇÃO NESTA SEDE RECURSAL. ARTIGO 85, § 11, DO CPC/2015. AGRAVO INTERNO DESPRO-
VIDO.” (1ª Turma, ARE 964.607 AgR/SP, Rel. Min. Luiz Fux, unân., sessão virtual, 11 a 18 ago. 2017).
534
“Agravo regimental no recurso extraordinário. 2. Poder Judiciário. Implementação de políticas públicas.
Possibilidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Não ocorrência. 3. O Tribunal de origem
afastou a necessidade da intervenção judicial, diante do contexto fático-normativo dos autos. Reexame dos
fatos e provas. Impossibilidade. Súmula 279 do STF. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (2ª
Turma, AgR. RE 706.085/GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, unân., 27.10.2015.
535
Valemo-nos aqui, brevitatis causa, dos termos processos e julgados utilizados nas estatísticas, até mesmo
porque a natureza do feito, se recurso, incidente ou ação originária, não é relevante para nossa abordagem.

166
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

que vem crescendo, pelo menos, nos últimos seis anos.536 Numa simples estimativa,
sem levar em conta que o Presidente, o Vice-Presidente e o Corregedor Nacional
de Justiça integram apenas o Plenário e a Corte Especial,537 e sabendo que 2017
teve 251 (duzentos e cinquenta e um) dias úteis, depreende-se que cada um dos
33 eminentes ministros julgou cerca de 11.907,97 processos no ano de 2017,
aproximadamente 47,45 processos por dia.
O Supremo Tribunal Federal, em 2017, recebeu 103.650 processos, julgou
113.634 por decisão monocrática e 12.897 em colegiado, totalizando 126.531 feitos
julgados naquele ano. Numa estimativa simples, nas mesmas bases da anterior, sem
levar em consideração que o Presidente integra apenas o Plenário, cada um dos
insignes ministros julgou cerca de 45,83 processos por dia... Só em 2018 já foram
recebidos 58.148 processos.538 Isso para o tribunal a que compete, precipuamente,
a guarda da Constituição (art. 102 da CF).
Pois bem, com essa ingente carga de processos, independentemente da
reconhecida capacidade de trabalho e notável inteligência dos ilustres ministros, não é
possível subjugar o tempo. Assim, apesar da perspicácia e dinamismo dos integrantes das
Cortes, que merecem nossa sincera e profunda admiração, percebe-se, concentrando-
nos no Supremo Tribunal Federal, que os acórdãos advieram, na grande maioria, em
agravos regimentais, decorrentes – por óbvio – de decisões monocráticas, sem efetivo
debate em colegiado. Aliás, como se vê dos números acima, pouco mais de dez por
cento das decisões da Suprema Corte são colegiadas, e seria impossível funcionar de
outra forma, pelo absolutamente excessivo número de processos. Repercussões gerais
de relevo – perdoem a redundância – demoram anos, às vezes mais de uma década, para
serem julgadas. As múltiplas decisões monocráticas, e consequentes agravos internos,
valem-se normalmente da menção de precedentes e da jurisprudência da Corte, sem
condições de analisar as questões específicas (mesmo de direito) postas no recurso,
como às vezes se percebe apenas da leitura de excertos transcritos em relatório ou voto.
Questões fáticas são deduzidas de afirmações genéricas dos acórdãos recorridos, que
sequer aludem aos elementos a partir dos quais formaram convicção, ou seja, acórdãos
nulos, por falta de fundamentação (cf. arts. 371 e 489, IV, do CPC e art. 93, IX, da CF). Em
suma, e sem rebuço, verifica-se, muitas vezes, a generalização (ou padronização) das
decisões sobre direitos sociais.
Como registrou a doutrina, “não apenas as da mais alta Corte de Justiça
do país, mas, de resto, quase todas as decisões judiciais não analisam de maneira
536
Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal/site/STJ>. Acesso em: 03 ago. 2018.
537
Art. 3º, § 1º, do RISTJ
538
Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=movimentoPro
cessual>. Acesso em: 03 ago. 2018.

167
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

adequada a questão do custo dos direitos e a ‘reserva do possível’ à luz do respeito


aos orçamentos. Quase sempre, os argumentos são postos de forma singela e
genérica, sem a preocupação com os dados da realidade influentes na espécie”.539
Além disso, e já insinuando o que passaremos a tratar no próximo capítulo,
o quadro geral formulado pela maioria da doutrina publicista, e que parece
acolhido pelo Supremo Tribunal Federal, pelos arestos pesquisados, ainda sem
repercussão geral, cria uma situação incompossível, tendente, em si mesma, a
prodigalizar a jurisdicionalização.
Veja-se: o administrador, inclusive o Presidente da República, está submetido
à Constituição – em especial, de certo modo, à Constituição Financeira e à Constituição
Orçamentária –, à Responsabilidade Fiscal e, em síntese, à legalidade, sob pena de
responder por improbidade administrativa e, até mesmo, perder o cargo (art. 85,
VI). O juiz, por sua vez, poderia derrotar regras orçamentárias pela ponderação com
princípios, sem qualquer risco e merecendo encômios... Vale dizer: o Judiciário se
torna via única de obtenção de prestações que o Executivo não poderia, em princípio,
ex vi legis, realizar, cabendo somente ao juiz criar novas metas para políticas públicas
e determinar a realização de despesas públicas alheias ao orçamento (sem precisar
se preocupar com os recursos correspondentes), comprometendo a governabilidade,
ainda que a Constituição não preveja esse salvo-conduto.
Como veremos no próximo capítulo, e destaca a melhor doutrina, “[e]ngana-
se quem acha que o Judiciário deve dar a um cidadão aquilo que este não conseguiu
da Administração porque ela não teria como dar a mesma coisa a todos”, porquanto
o “Judiciário não estaria aplicando a regra, não estaria tratando a todos igualmente,
não estaria valorizando igualmente a vida de cada cidadão, mas apostando [...] que
alguns não chegariam à justiça e que esses não lhe importam, que esses não devem
ser levados em consideração”.540

539
JACOB, Cesar Augusto Alckmin. A “reserva do possível”: obrigação de previsão orçamentária e de apli-
cação da verba. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional
de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 237-283, espec. p. 277.
540
LOPES, José Reinaldo de Lima. Em torno da “reserva do possível”. In: SARLET, Ingo Wolfgang;
TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos Fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed., rev. e
ampl. 2. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 155-173, espec. p. 172.

168
8 A Tutela Jurisdicional dos Direitos Sociais

8.1 Premissa
Os direitos fundamentais “são garantidos pelos serviços públicos”,541 e estes
são implementados mediante políticas públicas, as quais Maria Paula Dallari
Bucci, em obra específica, assim define: “Políticas públicas são programas de ação
governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades
privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente
determinados”.542-543
A própria Constituição da República, embora a rigor desnecessário, mas
didaticamente, no art. 216-A refere-se a “políticas públicas de cultura”, e no art.
227, §  8º, inc. II, alude a plano nacional de juventude, “visando à articulação das
várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas”. Bem assim,
no artigo 196, de capital relevância, foi enfática: “A saúde é direito de todos e dever
do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”544
Pois bem: não há margem no texto deste dispositivo constitucional para ser
afirmado – como fazem, amiúde, doutrina e jurisprudência – que a Carta assegura
direito a prestações de saúde individuais e exclusivas. O artigo 196 é absolutamente
claro ao mencionar “garantido mediante políticas sociais e econômicas”, que visem
“ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção
541
Torres, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de janeiro: Renovar, 2009. p. 242 – gri-
fado no original.
542
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 241.
543
FONTE, Felipe de Melo critica essa definição, inclusive por “identificá-la [política pública] com catego-
rias jurídicas que já possuem definição própria e autônoma, tais como planos e programas”, e sustenta que
“políticas públicas compreendem o conjunto de atos e fatos jurídicos que têm por finalidade a concretiza-
ção de objetivos estatais pela Administração Pública” (Políticas públicas e direitos fundamentais: elemen-
tos de fundamentação do controle jurisdicional de políticas públicas no Estado Democrático de Direito. 2.
ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 51 e p. 57 – grifado no original). Não nos parece haver identificação, apesar
da utilização do termo “programa” em sentido geral, e preferimos citar a definição de Bucci por seus termos
mais amplos, tocando especificamente em pontos caros ao presente estudo.
544
Sem grifo no original.
169
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

e recuperação”. É inequívoco, por conseguinte, ex vi Constitutionis, que o “direito de


todos e dever do Estado” é garantido não apenas por políticas sociais, mas também
por políticas econômicas, e que essas políticas públicas devem ter por finalidade
o acesso universal das pessoas – todas as pessoas! – em situações semelhantes545
(“acesso universal e igualitário”).546
Na concisa e perfeita lição de José Reinaldo de Lima Lopes, “quanto à
saúde o Estado ficou obrigado a garanti-la, mas, claro, mediante políticas sociais e
econômicas, não mediante concessões individuais”.547
Ora – pedindo escusa por insistir no óbvio –, se o direito é garantido por
políticas sociais e econômicas, o indivíduo tem “direito” apenas, questionando
as respectivas políticas públicas existentes, a fim de tentar demonstrar alguma
inconstitucionalidade ou ilegalidade, de pleitear a correção da política pública
para o fornecimento pretendido, assegurando, assim, em princípio, a prestação
(também) aos interessados.
A concessão de medicamento ou tratamento exclusivo e individual pelo
Poder Judiciário (o que seria manifestamente vedado à Administração) configura
desrespeito à letra548 e à mens Constitutionis, talvez decorrente de nosso hábito
cultural de interpretar direito de todos como direito de cada um, numa perspectiva
que permita a obtenção particular por via judicial, por quem – prioritariamente!
– tenha melhores condições de superar “os custos” do processo,549 por ordem de
decisão e em detrimento dos demais necessitados.550 Conforme respeitabilíssima
545
Na bela exposição de Marcello Caetano: “O serviço público propõe-se satisfazer uma necessidade co-
lectiva individualmente sentida” (Princípios fundamentais do direito administrativo. Coimbra: Almedina,
1996. p. 216.
546
Com relação ao princípio da generalidade [também chamado da universalidade] do serviço público, José
dos Santos Carvalho Filho destaca sua dupla faceta: “Significa [...] que os serviços públicos devem ser pres-
tados com a maior amplitude possível, vale dizer, deve beneficiar o maior número possível de indivíduos”,
sendo “eles prestados sem discriminação entre os beneficiários, quando tenham estes as mesmas condições
técnicas e jurídicas para a fruição. Cuida-se de aplicação do princípio da isonomia ou, mais especificamen-
te, da impessoalidade (art. 37, CF)” (Manual de direito administrativo. 12. ed. rev. ampl. e atual. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 308).
547
LOPES, José Reinaldo de Lima. Em torno da “reserva do possível”. In: SARLET, Ingo Wolfgang;
TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos Fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed., rev. e
ampl. 2. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 155-173, espec. p. 158-159.
548
Recorde-se que “o sentido literal [...] serve à interpretação, antes de mais, como uma primeira orientação,
assinalando, por outro lado, enquanto sentido literal possível [...] o limite da interpretação propriamente dita.
Delimita, de certo modo, o campo em que se leva a cabo a ulterior atividade do intérprete” (LARENZ, Karl.
Metodologia da Ciência do Direito. Tradução de José Lamego. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1989. p.
390). Também citando Larenz e referindo-se ao “sentido possível das palavras, servindo esse sentido como
limite da própria interpretação”, BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fun-
damentos de uma dogmática constitucional transformadora. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 119.
549
Nem se fale (ou imagine) que a Defensoria Pública seria bastante para assegurar o acesso de todos ao
Judiciário, ideia ingênua incompatível com a realidade, pois os mais carentes não têm acesso sequer à De-
fensoria Pública, ela própria muitas vezes às voltas com insuficiência de pessoal e de recursos.
550
“A vinculação do administrador público à lei não lhe permite atender a uma necessidade específica de
um de seus cidadãos, sem que exista uma previsão específica em lei ou uma política social já implementada

170
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

opinião, “a judicialização das políticas orçamentárias”, “se, cooptada pelas elites”,


passar “a distribuir casuisticamente bens públicos em favor de quem tem cultura
e agilidade para requerer aos órgãos judiciários, então contribuirá para a perdição
dos direitos humanos no Brasil”.551
Lembre-se da advertência de Luís Roberto Barroso: “Por que é importante
transformar essa disputa [sobre direito à saúde] de individual em coletiva? Porque aí se
acaba com um universo, que é típico brasileiro, de que, como não tem direito para todo
mundo, alguns têm um privilégio – o que é extremamente negativo”,552 precipuamente
porque as “pessoas invisíveis de tão pobres”553 continuam ainda mais invisíveis e alheias
à sociedade e aos direitos sociais, agora com a chancela do Poder Judiciário.
O thema decidendum, em substância, é constituído pela (alegada) antijuridicidade
da política pública, que se pretende retificar para permitir a fruição (constitucionalmente
universal) do serviço público,554 o que abrange, naturalmente, o orçamento.555 É nesse
sentido que, quando possível, deve ser interpretada a petição inicial, ainda que o autor
peça a concessão do tratamento ou medicamento apenas para si.
Parece-nos curioso, abra-se parêntesis, que apesar da forte repercussão
entre nós das ideias de preeminência normativa da Constituição e de filtragem
pelo Estado. Da mesma forma o juiz não poderá atender a uma necessidade individual (como a determi-
nação da compra de um medicamento especial não previsto em qualquer programa social, por exemplo),
com base no dever de proteção dos direitos fundamentais individuais – como direito à vida, por exemplo
– sem que exista um programa prévio de proteção social já implementado. [...] A decisão judicial deve
servir como instrumento de proteção da isonomia entre os cidadãos e não como fator de desequilíbrio das
prestações sociais, impondo à Administração Pública a criação de um programa específico e exclusivo que
venha a atender a uma situação individual”. (APPIO, Eduardo. Controle judicial das políticas públicas no
Brasil. 1. ed. 6. reimp. Curitiba: Juruá, 2009. P. 173).
551
Torres, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de janeiro: Renovar, 2009. p. 134-135.
552
BARROSO, Luís Roberto, manifestação na Audiência Pública sobre Direito à Saúde no STF. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Luis_Roberto_Barroso.pdf>.
Acesso em: 11 out. 2018.
553
BARROSO, Luís Roberto. É preciso estabelecer como meta uma razoável duração do processo. Revista
Consultor Jurídico, 5 set. 2016, Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-set-05/entrevista-luis-
-roberto-barroso-ministro-supremo>. Acesso em: 28 maio 2018.
554
Canela Junior, Osvaldo afirma que: “O controle de políticas públicas não é [...] o objeto do proces-
so coletivo. As políticas públicas desenvolvidas pelo Executivo e pelo Legislativo serão alvo da cognição
do juízo, na medida em que representarem violação aos direitos fundamentais sociais, estes sim verdadeiro
objeto do processo coletivo.” (Controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 131).
Com a devida vênia, da própria construção do eminente autor não parece que os “direitos fundamentais
sociais” sejam o “verdadeiro objeto do processo”, mas sim a sua (alegada) violação e o pedido consequente.
555
“Creio que objeto da discussão é o próprio orçamento. Não se trata de discutir se qualquer um tem direito
abstratamente, pois isto já se sabe que pelos termos constitucionais ‘todos’ têm. O que se discute é a dis-
tribuição desses benefícios, evitando-se o ‘não igualitarismo’.” (LOPES, José Reinaldo de Lima. Em torno
da “reserva do possível”. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos Funda-
mentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed., rev. e ampl. 2. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2013. p. 155-173, espec. p. 168, nota 10). Evitar o não igualitarismo permite, acrescente-se, que os valores
correspondentes sejam destinados a outro(s) programa(s) universal(ais) e isonômico(s), contribuindo, as-
sim, o Poder Judiciário para reduzir (e não aumentar!) as desigualdades sociais (art. 3º, III, da DF).

171
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

constitucional, pelo que, em síntese, “toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida
sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados”,556 pouca
atenção desperta a imperiosa necessidade de as demandas557 (e, consequentemente,
as decisões judiciais) também serem, parafraseando Canotilho e Vital Moreira, lidas
à luz da Constituição e passadas pelo seu crivo.558 Com efeito: não raro são propostas,
para nos limitarmos a somente um exemplo, ações alegando a nulidade de questões
de provas de concurso público e pedindo a atribuição dos respectivos pontos para
o autor da ação, pedidos estes que várias vezes são julgados procedentes, muito
embora o artigo 37, inciso II, da Constituição exija a aprovação prévia em concurso
público de provas ou de provas e títulos, para investidura em cargo ou emprego
público, exatamente para assegurar princípios constitucionais como a igualdade
de acesso (isonomia e impessoalidade) e a prevalência do mérito (moralidade
e eficiência).559 Tais decisões põem a pique o desiderato constitucional. Mas a
questão não passou despercebida a um verdadeiro jurista, como se vê da decisão
do Supremo Tribunal Federal, relatada pelo douto Min. Luiz Fux, que assentou: “A
anulação, por via judicial, de questões de prova objetiva de concurso público, com
vistas à habilitação para participação em fase posterior do certame, pressupõe
a demonstração de que o Impetrante estaria habilitado à etapa seguinte caso
essa anulação fosse estendida à totalidade dos candidatos, mercê dos princípios
constitucionais da isonomia, da impessoalidade e da eficiência”.560
Encerrada a digressão, parece-nos que a tutela jurisdicional relativa a
prestações na área de saúde pública, por força da Constituição – que, além da regra
manifesta do artigo 196, estabelece como objetivos fundamentais da República
construir uma sociedade livre, justa e solidária, bem como erradicar a pobreza e a
556
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro:
pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n.
225, p. 5-37, jul./set. 2001, p. 31. Veja-se ainda a obra precursora de SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem
constitucional: construindo uma nova dogmática jurídica. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1999.
557
“Chama-se demanda ao ato pelo qual alguém pede ao Estado a prestação de atividade jurisdicional”
(BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro. 29. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:
Forense, 2012. p. 11 – grifado no original).
558
“A principal manifestação da preeminência normativa da Constituição consiste em que toda a ordem
jurídica deve ser lida à luz dela e passada pelo seu crivo” (CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital.
Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Ed., 1991. p. 45).
559
“O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade,
eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos
os interessados que atendam aos requisitos da lei, consoante determina o art. 37, II, da CF” (MEIRELLES,
Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 375).
560
STF, 1ª Turma, MS 30.859/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julg. 28/08/2012. No que se refere à extensão da
anulação à totalidade dos candidatos, afigura-se possível sustentar que, reconhecida a nulidade da questão
(que, a rigor, deve constituir pedido – principaliter tantum –, em cumulação sucessiva), a mesma questão
(do concurso único) não pode ser considerada válida para alguns candidatos e inválida para outros, sendo
consequente, acaso procedente o pedido, a atribuição dos pontos a todos os candidatos.

172
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, I e III) –, deve


buscar compreender todos os interessados.
Como destacou José Reinaldo de Lima Lopes: “Não se pode pedir e não se
deve dar a uma pessoa em particular algo que se sabe de antemão que não pode
ser dado a todos os que se encontram na mesma situação”.561 A veemente lição
merece ser em parte transcrita:
É compreensível e aceitável que diante de um pedido particular, os tribunais se
neguem à concessão do benefício pretendido. Essa concessão violaria o pressuposto
básico de qualquer ação segundo a lei que exige o tratamento igual de todos os
casos iguais. A distribuição igualitária é fundamental. Não se pode pedir e não se
pode dar a uma pessoa em particular algo que se sabe de antemão que não pode ser
dado a todos os que se encontram na mesma situação. Se for dado, trata-se de uma
concessão segundo a caridade, não segundo a justiça e nossos tribunais são tribunais
de justiça e direito, não tribunais de caridade. Dizer que o valor da vida e da saúde de
cada um não cede diante da reserva do possível em princípio oculta um problema
muito mais grave do que parece. Tal raciocínio parece imaginar que o Estado está
obrigado a dar a cada um essas condições de maneira isolada. Ora, tal raciocínio é
insustentável. O Estado – seja por qualquer de seus órgãos – está obrigado a tratar
de maneira igual a todos os cidadãos. Assim, não tem o dever de dar a um o que não
pode dar a todos. É gravíssimo erro de compreensão dos direitos fundamentais: estes
são devidos a todos e devidos simultaneamente. Se a maneira de distribuir é tal que
já se sabe de antemão que não haverá para todos, não se pode aceitar o pedido. E os
tribunais estão obrigados a considerar esse problema, pois trata-se de matéria que
determina os fatos do julgamento. Os tribunais não são instâncias de proclamação
abstrata de direitos, mas lugares onde se faz o juízo particular, concedendo ou
negando a cada um (ou a cada grupo) o que lhe é devido na forma da regra universal.
Seria fácil se a decisão fosse simplesmente declarar o direito de forma abstrata: mas
isto não se dá em nenhum caso. [...].
Engana-se quem acha que o Judiciário deve dar a um cidadão aquilo que este não
conseguiu da Administração porque ela não teria como dar a mesma coisa a todos. Se
o Judiciário concedesse a um em particular, estaria certamente violando o direito de
todos os outros pois atenderia com recursos públicos apenas os que conseguissem
chegar a ele. Com o tempo, transferir-se-ia para os tribunais a fila de atendimento. E
ao fim do dia ele seria, da mesma forma que a Administração, obrigado a fechar as
portas. Isto porque essa maneira ingênua de pensar levaria aos tribunais a multidão
dos famintos e necessitados que seriam servidos por vez de chegada, mas sem um
critério de distribuição universal e simultânea. O Judiciário não estaria aplicando a
regra, não estaria tratando a todos igualmente, não estaria valorizando igualmente
561
Em torno da “reserva do possível”. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direi-
tos Fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed., rev. e ampl. 2. tir. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013. p. 155-173, p. 171. Mostra-se evidente, quase supérfluo parece salientar, que a afirmação
de que “não se pode pedir” foi utilizada para reforçar enfaticamente a conclusão de que “não se deve dar”,
mas é patente que, em princípio, pedir é sempre possível (art. 5º, XXXV, da CF), e, por isso, é que a juris-
prudência caridosa fomenta a enorme multiplicação de ações.

173
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

a vida de cada cidadão, mas apostando (de forma lotérica, portanto) que alguns não
chegariam à justiça e que esses não lhe importam, que esses não devem ser levados
em consideração.562

O “protagonismo do Judiciário pode também ser a origem do declínio de


seu prestígio social”, porquanto, “sem os instrumentos adequados, é difícil imaginar
que o Poder Judiciário seja capaz de solucionar os conflitos sociais coletivos ainda
não resolvidos pelo Poder Executivo e pelo Poder Legislativo em uma democracia”.563
Como salienta Ricardo Perlingeiro:
Não tenho dúvida de que será meramente paliativa qualquer proposta que busque
no Judiciário ou nas leis processuais soluções para a diminuição dos conflitos judiciais
em matéria de saúde pública. Não está ao alcance do Judiciário nem é seu papel
suprir deficiências estruturais das políticas públicas de saúde.564

Por outro lado, é impossível solucionar conflitos sociais coletivos por


intermédio de decisões individuais que menosprezem a macrojustiça e as efetivas
condições financeiras do Estado.
É surpreendente, aliás, que essa linha de abordagem da tutela jurisdicional
de direitos fundamentais sociais, que foi tratada como natural e elementar pela
Supreme Court of South Africa, verdadeira essência da atuação jurisdicional (que
sequer precisou ser assim expressamente declarada), desperta alguma antipatia
entre nós, como se representasse postura “politicamente incorreta”, e leva à adoção
de tom mais forte e à crítica de quem acredita (ou parece acreditar) em efeitos
taumatúrgicos da Constituição.
Na verdade, porém, a estrita preocupação com a universalidade da prestação
pública e a isonomia visa a permitir que os escassos recursos do erário sejam
aplicados em consonância com políticas públicas gerais e igualitárias, assegurando
a redução (e não a ampliação!) das desigualdades sociais (art. 3º, III, da DF). Vale
dizer: busca atender – dentro do possível – ao bem comum, e não ao desequilíbrio
das prestações sociais.
O raciocínio se aplica, convém observar, com base nos fundamentos e nos
objetivos fundamentais da República, estabelecidos pela Constituição (arts. 1º e 3º), aos
direitos sociais, em geral, previstos no art. 6º da Carta e àqueles essenciais, mas não,
normalmente, aos direitos subjetivos stricto sensu, em sua concepção clássica de fruição
562
Ibidem, p. 171-172.
563
ARELLANO, Luis Felipe Vidal. Para além da reserva do possível: cognição conglobante e dialética
pública no controle jurisdicional de políticas públicas. Revista de Processo, São Paulo, n. 266, p. 393-417,
abr. 2017, espec. p. 399.
564
PERLINGEIRO, Ricardo. Demandas judiciais sobre internação hospitalar e medicamentos e escassez de
recursos públicos: a justiça faz bem à saúde? Revista de Direito Administrativo Contemporâneo. Ano 3, v.
17, p. 115-132, São Paulo: Revista dos Tribunais, mar./abr. 2015. espec. p. 129.

174
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

particular por natureza, como ocorre em relação aos direitos subjetivos do trabalhador
(art. 7º),565 direitos a benefícios previdenciários ou a benefícios assistenciais.
Assim, por exemplo, apesar do teor do art. 208, e seu § 1º, da Constituição
da República, prevendo que “o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito
público subjetivo”, trata-se, como se depreende do inciso I do dispositivo, de direito
de todos (dos quatro aos dezessete anos de idade e daqueles que não tiveram
acesso à oferta gratuita na idade própria), não bastando à Constituição a concessão
de vagas e matrículas individuais, para algum ou alguns interessados (art. 3º, III),
que na verdade gera desequilíbrio das prestações sociais; pelo contrário, também
neste caso, como já questionamos anteriormente, a solução constitucionalmente
legítima seria buscar o Judiciário – em diálogo com as autoridades públicas –
proferir decisão capaz de atender, dentro do possível e o quanto antes, a todas as
crianças e adolescentes na mesmíssima situação.

8.2 Ações coletivas, ações individuais ou ações individuais de efeitos coletivos


A tormentosa questão da tutela jurisdicional ampla e igualitária de direitos
fundamentais sociais resta superada, ao menos em linha de princípio, quando, na
ação proposta, o pedido envolve interesses ou direitos cujo objeto tem natureza
indivisível,566 no sentido perfeitamente delimitado por José Carlos Barbosa Moreira,
“de que a satisfação de um só [interessado] implica por força a satisfação de todos,
assim como a lesão de um só constitui, ipso facto, lesão da inteira coletividade,”567 e
na linha das definições postas pelos incisos I e II do parágrafo único do artigo 81 do
Código de Defesa do Consumidor.
565
Ao cuidar de “alguns exemplos de direitos sociais expressos na Constituição Federal de 1988”, José
Reinaldo de Lima Lopes destaca: “Deixamos de mencionar aqui os direitos inscritos no artigo 7º, visto que
sendo direitos dos trabalhadores, aplicam-se, em princípio a situações em que vigoram contratos de traba-
lho, havendo assim, pela relação determinada entre agentes determinados, maior facilidade de se aplicar a
categoria de direito subjetivo no seu sentido técnico estrito.” (Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema
do Judiciário no Estado Social de Direito. In: FARIAS, José Eduardo (Org.). Direitos humanos, direitos
sociais e justiça. 1. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 113-143, espec. p. 126). Mas a questão se põe,
a rigor, quando se tem direitos previstos estrita e individualmente, bastando verificar se estão presentes os
requisitos legais, como ocorre para o deferimento de benefícios previdenciários (p. ex., Lei nº 8.213/90) ou
benefícios assistenciais (Lei nº 8.742/93).
566
O CDC alude a “interesses ou direitos [...] de natureza indivisível” (art. 81, I e II), mas, como já sa-
lientamos em outra obra, o interesse é sempre individual, pois constitui “uma relação (un rapporto) entre
uma necessidade do homem e um quid apto a satisfazê-lo (Carnelutti, Francesco. Lezioni di Diritto
Processuale Civile. Padova: CEDAM, 1986. v. 1, p. 3)”, sendo realmente indivisível o bem (latissimo sen-
so) objeto do interesse. (ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo da Silva. Ações coletivas: a tutela jurisdicional dos
direitos individuais homogêneos. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 7, 11 e 51).
567
A legitimação para a defesa dos “interesses difusos” no direito brasileiro. In: Temas de Direito Proces-
sual: terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 183/192, espec. 184. Substancialmente no mesmo sentido:
A proteção jurídica dos interesses coletivos. In: Temas de direito processual: terceira série. São Paulo:
Saraiva, 1984. p. 173-181, espec. p. 174.

175
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Pense-se, e. g., em ação proposta pleiteando a reforma (ou construção) de


creche, escola, ou hospital público. De duas, uma: ou se realiza a construção e
todos os interessados são satisfeitos; ou não se realiza a construção e a inteira
coletividade é frustrada.
Com relação à transindividualidade, igualmente prevista nos incisos I e II
do parág. único do art. 81, já tivemos oportunidade de salientar, em comentários
ao CDC, que os direitos difusos e coletivos em sentido estrito são transindividuais
porque transcendem a esfera individual, não pertencem de modo singularizado a
quaisquer pessoas, não admitem disposição exclusiva, e se referem, por isso, a uma
coletividade (difusos), ou a um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre
si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base (coletivos).568
No caso de creches, escolas e hospitais, aliás, a transindividualidade decorre
da própria universalidade do serviço público a que se destinam, em especial quando
se cuida de estabelecimentos públicos ou conveniados com a Administração,
pois a assistência à saúde e o ensino são livres à iniciativa privada (arts. 199 e
209 da CF),569 sendo “vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou
subvenções às instituições privadas [de assistência à saúde] com fins lucrativos” (art.
199, § 2º, da CF), bem como recursos públicos apenas serão destinados às escolas
públicas ou escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas que “comprovem
finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação” e
“assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica
ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades”
(cf. art. 213 da CF), condições que especificam o regime de escolas ou hospitais
estritamente privados.570
Nessa conjuntura, a tutela coletiva manifesta-se naturalmente, mas cabe
examinar a concepção de ações coletivas. Com efeito: levando em consideração que,
568
ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo da Silva. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito
processual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 49-50 e 50-51. Exemplos: interesses difusos: “o interesse na pre-
servação de um patrimônio histórico, na conservação do meio ambiente, na eliminação de uma publicidade
enganosa, na manutenção de um serviço público, na preservação de uma paisagem, e assim por diante”;
interesses coletivos: o interesse de advogados na anulação de ato administrativo que cerceou prerrogativa
profissional, ou de alunos das faculdades da área médica de uma Universidade, interessados em evitar a
extinção do hospital universitário.
569
O art. 206, III, in fine, da CF prevê o princípio da “coexistência de instituições públicas e privadas de
ensino”.
570
Como salientou José Afonso da Silva, citando Anísio Teixeira sobre a educação, mas de forma que, em
essência, mutatis mutandis, poderia alcançar a saúde: “Obrigatória, gratuita e universal, a educação só po-
deria ser ministrada pelo Estado” (Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2001. p. 814), não por instituições particulares que visam ao lucro, com garantias constitucio-
nais para tanto. De mais a mais, seria francamente despropositada a propositura de ação coletiva pleiteando
a construção de escola ou hospital particular.

176
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

no alvorecer dos estudos a respeito da tutela jurisdicional dos interesses coletivos


(lato sensu), mereceram especial atenção as questões relativas à legitimação para
agir, à natureza dos interesses em jogo e à extensão da coisa julgada,571 soa natural
que se estabelecesse, com grande sucesso, a definição de ação coletiva como “ação
proposta por um legitimado autônomo (legitimidade), em defesa de um direito
coletivamente considerado (objeto), cuja imutabilidade do comando da sentença
atingirá uma comunidade ou coletividade (coisa julgada)”.572
Hoje desponta conceito que se baseia principalmente na natureza coletiva
da relação jurídica litigiosa, porque de titularidade de grupo de pessoas:
O processo é coletivo se a relação jurídica litigiosa (a que é objeto do processo) é
coletiva. Uma relação jurídica é coletiva se em um de seus termos, como sujeito ativo
ou passivo, encontra-se um grupo (comunidade, categoria, classe etc.; designa-se
qualquer um deles pelo gênero grupo) e, se no outro termo, a relação jurídica litigiosa
envolver direito (situação jurídica ativa) ou dever ou estado de sujeição (situações
jurídicas passivas) de um determinado grupo. Assim, presentes o grupo e a situação
jurídica coletiva, está-se diante de um processo coletivo.573

Desde o início, todavia, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes defendeu a


legitimação individual para ações coletivas, definindo:
A ação coletiva pode [...] ser definida, sob o prisma do direito brasileiro, como o direito
apto a ser legítima e autonomamente exercido por pessoas naturais, jurídicas ou
formais, conforme previsão legal, de modo extraordinário, a fim de exigir a prestação
jurisdicional, com o objetivo de tutelar interesses coletivos, assim entendidos os
difusos, os coletivos em sentido estrito e os individuais homogêneos.574
571
Cf., p. ex., WATANABE, Kazuo. Demandas coletivas e os problemas emergentes da práxis forense. In:
As Garantias do Cidadão na Justiça (Coord.) Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 1993. p.
185-196, espec. p. 195; BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Tutela jurisdicional dos interesses coletivos
ou difusos. In: Temas de direito processual: terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 193-221, passim.
572
Gidi Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 16. Veja-
-se, no entanto, que embora se refira a legitimado autônomo em sua definição, Gidi admite a legitimatio das
pessoas físicas para propor ação coletiva, “nos estritos casos de ação popular (CF, art. 5º, LXXIII) em que
somente pessoa física no gozo dos seus direitos políticos tem legitimidade” (ibid. p. 38).
573
DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. 12. ed. rev. atual. e ampl.
Salvador: JusPodivm, 2018. v. 4, p. 31 – grifado no original. Adiante, complementam: “Assim, processo
coletivo é aquele em que se postula um direito coletivo lato sensu (situação jurídica coletiva ativa) ou
que se afirme a existência de uma situação jurídica coletiva passiva (deveres individuais homogêneos, p.
ex.) de titularidade de um grupo de pessoas”, para concluir: “[...] coletivo é o processo que tem por objeto
litigioso uma situação jurídica coletiva ativa ou passiva de titularidade de um grupo de pessoas” (ibid., p.
32 – grifado no original).’ Note-se, porém, que registraram os autores que seguiram “substancialmente,
com pequena diferença, o conceito de GIDI até a 8ª ed.” do volume 4 do Curso (p. 32, nota 4). No mesmo
sentido, Ações coletivas e o incidente de julgamento de casos repetitivos – espécies de processo coletivo
no direito brasileiro. Revista Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 26, p. 15-25, 2º sem. 2016, espec.
p. 17; e Ações coletivas e o incidente de julgamento de casos repetitivos – espécies de processo coletivo
no direito brasileiro: aproximações e distinções. Revista de Processo, São Paulo, n. 256, p. 209-218, jun.
2016, espec. p. 210-211
574
Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.
26. Essa definição se mantém, como se vê de trabalho mais recente, Ações coletivas e meios de resolução

177
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

E, a seguir, sustentou:
Não é difícil de se imaginar, e.  g., uma determinada atividade ou obra, de
responsabilidade do Município, provocando a poluição sonora junto a uma
pequena comunidade, desprovida de associação de moradores ou de defesa do
meio ambiente, cuja promotoria esteja com o cargo de Promotor vago. Estariam
os moradores fadados a suportar o barulho, aguardando a designação de um novo
Promotor ou teriam de formar uma associação para serem admitidos em juízo? Da
mesma forma, não estaria o morador de bairro residencial legitimado para ajuizar
uma ação pleiteando a cessação ou limitação do barulho, em face de determinada
instituição religiosa que celebre cultos, durante os finais de semana, a partir das 6
horas da manhã, impedindo a tranquilidade e o descanso de toda a família? [...].
Os interesses acima ventilados seriam coletivos, mais precisamente difusos. Por
conseguinte, a limitação infraconstitucional da legitimação, com fulcro no art. 5º
da Lei 7.347/85 ou no art. 82 da Lei 8.078/90, estaria apta para excluir os indivíduos
ameaçados ou lesados do direito de ação? A resposta parece ser negativa, diante do
comando constitucional, inscrito principalmente nos princípios da inafastabilidade
da prestação jurisdicional e do devido processo legal.575

Ainda que se entenda não se tratar de ações genuinamente coletivas, por


ausentes suas peculiaridades típicas em nosso sistema jurídico,576 o que agora nos
importa é que a decisão definitiva proferida nessas ações, propostas individualmente
ou em litisconsórcio, efetivamente é capaz de favorecer todos aqueles que estejam
na mesma situação, pois julgado procedente o pedido para cessar a poluição sonora
ou ambiental, toda a vizinhança ou comunidade será beneficiada.
Ada Pellegrini Grinover, em hipóteses que tais, referindo-se, por exemplo, a
uma ação individual na qual o autor peça “a interdição de um local noturno, vizinho
à sua residência, que infringe o direito ao silêncio”, afirma tratar-se “de uma demanda
individual, mas de efeitos coletivos”,577 e transcreve lição de Kazuo Watanabe, no
sentido de que uma ação individual pleiteando, verbi gratia, a cessação da poluição
ambiental praticada por uma indústria, teria escopo coincidente com uma ação
coletiva (interesse difuso), sendo portanto “uma ação de alcance coletivo”, ao
contrário de uma ação que pleiteasse “indenização pelos danos individualmente
sofridos em virtude da mesma poluição” ambiental.578
coletiva de conflitos no direito comparado e nacional. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 30.
575
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no
direito comparado e nacional. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 254
576
Que seriam (a) legitimação, porque o legitimado age em prol da coletividade; (b) objeto, porque é de-
fendido um direito coletivamente considerado; e (c) coisa julgada, porque a res iudicata é concebida para
vincular, dentro de certas condições, a coletividade de interessados, in utilibus, como já mencionamos no
passado.
577
O controle jurisdicional de políticas públicas. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo
(Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 125-150,
espec. p. 145 – grifado no original.
578
Ibidem p. 145-146. O excerto transcrito por Ada está, originalmente, em GRINOVER, Ada Pellegrini et

178
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Mas Kazuo Watanabe, um pouco adiante, ao analisar ações que visavam (a) “à
adequação das mensalidades cobradas por escola particular às normas de reajuste
fixadas pelo Conselho Estadual de Educação” (STF, RE nº 163.231-3/SP), (b) a atacar
“cobrança indevida de taxa de iluminação pública” (STJ, REsp nº 49.272-6/RS) e (c) a
obter a decretação da “invalidade de reajustes das mensalidades exigidas de filiados
a planos de assistência médica e hospitalar” (TJ-SP, AC nº 205.533-1/10), sustentou
que se trata, em todos os casos, de interesses coletivos, porque, em resumo, pelo
objeto litigioso (causa de pedir e pedido) deduzido, o que se tem é o pedido de
tutela de um bem indivisível de todo o grupo, ou da coletividade,579 conquanto
esta mencionada indivisibilidade, a rigor, seja questionável, como defendemos em
ensaio anterior, na medida em que “o objeto do interesse [é], em essência, divisível,
porque de mensalidades e cobranças individuais se trata, cada uma decorrente
de uma relação jurídica autônoma e independente, havida entre cada qual dos
interessados e o ente supostamente violador, sendo perfeitamente possível, do
ponto de vista prático, imaginar a satisfação de alguns interessados e o insucesso
de outros, com a efetivação de reajustes para alguns e não para outros”.580
Seja como for, de lege lata, a caracterização dos interesses ou direitos como
difusos, coletivos ou individuais homogêneos está adstrita às definições dos
incisos do parágrafo único do artigo 81 do CDC, que estabelecem regimes jurídicos
diferenciados,581 e, por conseguinte, a transindividualidade e a natureza indivisível
são imprescindíveis para o reconhecimento dos interesses difusos ou coletivos
stricto sensu.582
O próprio incidente de conversão da ação individual em ação coletiva, que
era objeto do artigo 333 do CPC de 2015 e foi vetado pela Presidente da República,
distinguia a “tutela de bem jurídico difuso ou coletivo, assim entendidos aqueles
al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9. ed. rev. atual.
e ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 799-800 – grifado no original.
579
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 831-832.
580
Sobre a distinção entre interesses coletivos e interesses individuais homogêneos. In: FUX, Luiz; NERY
JR., Nelson; ALVIM, Teresa Arruda. (Coord.). Processos e Constituição: estudos em homenagem ao Pro-
fessor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 78-85, espec. p. 82.
581
Sobre a imperatividade e o caráter vinculativo dos elementos das definições do parágrafo único do art.
81, veja-se nossos comentários ao mencionado dispositivo (Comentários ao Código de Defesa do Consu-
midor: direito processual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 48.
582
Ada Pellegrini Grinover chega a afirmar: “Aliás, temos sustentado, em nossas aulas de pós-graduação,
que a conceituação de interesses difusos e coletivos do art. 81, I, II e III, do CDC é uma conceituação de
direito material, pois, antes mesmo que surja o processo, e independentemente dele, pode nascer o con-
flito sociológico. E a norma de direito material define quais são os direitos tutelados” (GRINOVER, Ada
Pellegrini. O controle jurisdicional de políticas públicas. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE,
Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p.
125-150, p. 146-147.

179
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

definidos pelo art. 81, parágrafo único, incisos I e II, da Lei nº 8.078, de 11 de
setembro de 1990”, para sua admissão (art. 333, I), da “tutela de direitos individuais
homogêneos”, quando o incidente não seria cabível (art. 333, § 2º).
Exatamente por isso, ao nosso ver, não se pode considerar direitos sociais
com prestações divisíveis como direitos difusos ou coletivos em sentido estrito.583
Assim, ou o interesse é transindividual e seu objeto indivisível e a tutela coletiva se
impõe ex vi dos incisos I ou II do parágrafo único do art. 81 do Código de Defesa do
Consumidor; ou se configura o interesse numa prestação naturalmente individual e
divisível, mas, por se tratar de direito fundamental social, em respeito à Constituição,
“deverá o magistrado adaptar o provimento jurisdicional para que o direito seja
estendido a toda a coletividade”.584
É nesse último caso específico que nos parece oportuno mencionar ações
individuais de efeitos coletivos ou, para evitar a reutilização da designação de Ada
Pellegrini Grinover, ações particulares de efeitos sociais coletivos. Já nas hipóteses em
que o objeto do interesse é indivisível, como, p. ex., ações de vizinhança visando ao
sossego (cessação ou limitação do barulho), a ação individual tem naturalmente
alcance coletivo.
A busca pela extensão, generalização ou universalização da tutela
jurisdicional nas ações individuais relativas a direitos fundamentais sociais,
entretanto, em nossa concepção, decorre da própria preeminência normativa
da Constituição, ou seja, do efetivo respeito à Carta Magna e da consequente
preocupação com a prestação jurisdicional que assegure verdadeira proteção
aos direitos fundamentais, dentro dos limites fática e juridicamente possíveis,
impedindo decisões judiciais que estabeleçam privilégios,585 quebrem a isonomia586
583
Assim, p. ex., Osvaldo Canela Junior defende que “a positivação dos direitos fundamentais sociais nas
Constituições, a partir de 1919, deu origem a interesses e a direitos difusos, porque de titularidade dos
componentes de toda a sociedade, não sendo possível a sua determinação” (Controle judicial de políticas
públicas. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 128), mas a “natureza indivisível” do interesse não advém somente
da indeterminabilidade dos titulares.
584
CANELA JUNIOR, Osvaldo. Controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 146
– grifo nosso. Note-se que se de interesse difuso se tratasse haveria a satisfação conjunta dos interessados,
e não a extensão da satisfação.
585
Menciona-se “privilégio” em sentido despido que qualquer conotação pejorativa, mas na acepção verná-
cula de “Vantagem que se concede a alguém com exclusão de outrem e contra o direito comum” (Aurélio).
586
“Não é lógico que uma atuação administrativa originariamente destinada à coletividade, uma vez ju-
dicializada, seja oponível tão somente aos demandantes ou aos que se dispuserem a demandar. Além de
fragmentar ou mesmo desestruturar o sistema de saúde, esse mecanismo também evidencia um modelo
excludente das minorias, daqueles que não têm acesso à justiça, rompendo com a ideia de um sistema de
saúde universal e igualitário” (PERLINGEIRO, Ricardo. A tutela judicial do direito público à saúde no
Brasil. Direito, Estado e Sociedade, Rio de Janeiro, n. 41 p. 184-203, jul./dez. 2012. espec. p. 196. Disponí-
vel em: <http://direitoestadosociedade.jur.puc-rio.br/media/9artigo41.pdf>. Acesso em: 20 set. 2018). Mas
o ilustre autor ressalva, logo adiante: “Entretanto, realmente não há como subtrair do cidadão o direito de
invocar do Estado a prestação jurisdicional para satisfazer um direito subjetivo público [...]” (Ibid. p. 197).

180
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

e comprometam a governabilidade, tornando ainda mais difícil a necessariamente


gradativa erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais.587

8.3 A demanda, o mérito da causa e as questões de mérito


“Chama-se demanda”, como já foi mencionado, na lição de José Carlos
Barbosa Moreira, “ao ato pelo qual alguém pede ao Estado a prestação de atividade
jurisdicional”, e o instrumento da demanda “é a petição inicial”.588
A parte que pretender, portanto, pleitear para si a concessão de medicamento
específico, de tratamento próprio ou, v. g., a obtenção de matrícula em escola,
para justificar o pedido deverá narrar os fatos em razão dos quais alega fazer jus
ao pretendido, ou seja, a causa petendi (art. 319, III, do CPC). Não bastará afirmar
que não conseguiu o medicamento, porquanto, como ensina Cândido Rangel
Dinamarco, a demanda deve necessariamente descrever “os fatos caracterizadores
da crise jurídica lamentada”.589
Nosso sistema, como se depreende do inciso III do artigo 319 do CPC, que
se refere expressamente a fato e fundamentos jurídicos do pedido, adota a teoria da
substanciação590 ou, no dizer da Araken de Assis, da substancialização,591 e, desse
modo, constitui a causa de pedir o fato ou o conjunto de fatos “a que o autor atribui
a produção do efeito jurídico por ele visado”.592
A teoria da substanciação, aliás, é a única compatível com a nossa Constituição,
que “consagrou, com a necessária largueza, o direito fundamental ao contraditório
e à ampla defesa” (art. 5º, LV), e “um dos aspectos relevantes do contraditório,
amparando o direito de ação e o direito de defesa, consiste na possibilidade de o
réu se opor aos fatos”.593
587
Relembre-se que a ideia de filtragem constitucional, “é uma consequência necessária do reconhecimento
de força normativa e supremacia às normas constitucionais, que devem funcionar como padrão de valida-
de e vetor interpretativo de todo e qualquer ato jurídico” (MENDONÇA, Eduardo Bastos Furtado de. A
Constitucionalização das finanças públicas no Brasil: devido processo orçamentário e democracia. Rio de
Janeiro: Renovar, 2010. p. 123-124).
588
O novo processo civil brasileiro. 29. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 11 – grifado
no original.
589
Instituições de direito processual civil. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2017. v. II, p. 151-152
– grifado no original.
590
Vide, por todos, ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 11. ed. rev. ampl. e atual. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 2, p. 217; e PASSOS, J. J. Calmon de. Comentários ao Código de
Processo Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. III, p. 160, item 111.4
591
ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
v. I, p. 715.
592
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro. 29. ed. rev. e atual. Rio de Janei-
ro: Forense, 2012. p. 17.
593
ASSIS, Araken de. op. cit. p. 717. Humberto Dalla Bernadina de Pinho, no mesmo sentido, refere-se à

181
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

“Não integram a causa petendi”, no entanto, “a qualificação jurídica dada pelo


autor ao fato em que apoia sua pretensão [...], a norma jurídica aplicável à espécie”594
e a designação da demanda.595
Na hipótese de que estamos tratando, portanto, de petição inicial que vise à
concessão de medicamento, tratamento ou matrícula (p. ex.), deverá o autor narrar,
no mínimo, de forma suficientemente clara, como causa de pedir, grosso modo, suas
condições pessoais, a embasar logicamente a concessão pretendida, os motivos
pelos quais não conseguiu obter o bem (lato sensu) ou serviço público pleiteado (os
tais fatos caracterizadores da crise jurídica lamentada), compreendendo o suposto
“fato lesivo do direito alegado”.596
Não basta ao autor, evidentemente, embora isto ocorra às vezes na prática,
e sequer seria necessário, invocar teses jurídicas, discorrendo sobre a dignidade “da
pessoa” humana e a exigibilidade de direitos fundamentais...
Assim, pode alegar o autor – em síntese argumentativa –, ad exemplum,
reduzindo ao ponto que agora nos interessa ressaltar, (i) que não obteve o
medicamento porque foi informado de que não havia para pronto fornecimento
em estoque; ou (ii) que não obteve o medicamento porque não está incluído nas
listas de medicamentos disponibilizados pelo SUS.
A despeito de possíveis inflexões teóricas ou narrativas, de uma petição
inicial apta será possível depreender – ao menos quantum satis – (i) se, para decidir
a lide, se põe basicamente a questão do cumprimento de prestação já existente;
ou (ii) se o julgamento do pedido exige a verificação e o exame das políticas
públicas pertinentes, bem como, para mencionar apenas um dos limites sugeridos
para a intervenção judicial, a razoabilidade (ou proporcionalidade) da pretensão
individual/social deduzida.597
A segunda hipótese, como se vê, que corresponde ao tema do presente
estudo, é a que normalmente desperta maiores problemas e discussões, mas
também no primeiro caso, de prestação já implantada, quando, segundo a communis
“necessidade de descrever fatos e fundamentos, sob pena de se violar a dimensão participativa do contradi-
tório” (Direito processual civil contemporâneo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. v. 2, p. 66).
594
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro. 29. ed. rev. e atual. Rio de Janei-
ro: Forense, 2012. p. 17.
595
Referindo-se aos três elementos, p. ex., ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. 2. ed. rev. e atual.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. v. II, t. II, p. 648; LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Relação
entre demandas. 2. ed. rev. atual. e ampl. Brasília: Gazeta Jurídica, 2018.
596
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. loc. cit. – grifado no original. O aspecto passivo da causa petendi.
597
Sobre os limites à intervenção do Judiciário nas políticas públicas, veja-se o breve e substancioso ensaio
de Ada Pellegrini Grinover, que se tornou clássico: O controle jurisdicional de políticas públicas. In: GRI-
NOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 125-150, espec. p. 132 et seq.

182
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

opinio, haveria indiscutível direito subjetivo de exigi-la, pode, eventualmente, ser


necessário considerar os limites para a intervenção judicial. De fato, lembre-se que,
em razão da grave crise financeira que abalou o Estado do Rio de Janeiro, e levou à
decretação de estado de calamidade pública em 2016 e ao plano de recuperação
fiscal em 2017, ações foram propostas ora porque o fornecimento de alguns
medicamentos foi interrompido, por falta de verba para aquisição, ora porque o
fornecimento foi limitado a pacientes já cadastrados, a fim de não interromper o
tratamento, até que fosse possível aquisição de maiores quantidades... e, mais uma
vez, teve o Judiciário de analisar se, à falta (no caso manifesta) de recursos, era
exigível, de imediato, a prestação,598 ou se é legítimo ao juiz afastar decisão razoável
da Administração etc., assuntos comuns ao tema do presente estudo.
Vale a menção de Ricardo Lobo Torres à advertência de J. Isensee, no
sentido de que “a proteção dos direitos sociais depende da conjuntura econômica
(Wirtschaftskonjunktur) e que as ‘normas constitucionais não afastam as crises
econômicas’ (Verfassungsnormen banen nicht Wirtschaftskrisen)”.599
Voltando ao tema, quando a pretensão do autor individual envolver
obtenção de prestações sociais não compreendidas nas políticas públicas
estabelecidas, o julgamento do mérito deverá abranger, forçosamente, o exame da
eventual injuridicidade das políticas existentes (até mesmo por suposta restrição
injustificada)600 e as questões orçamentárias, pois “[q]ualquer destinação que se
dê ao dinheiro público representa uma decisão orçamentária”.601 Bem assim, o
pedido deverá ser apreciado com relação à política social porventura corrigida
(ou estendida).
No que concerne à interpretação da demanda, vale recordar que o Código
598
AMARAL, Gustavo, após afirmar “ser inaceitável a ‘profissão de fé’ na suficiência de recursos para
atender a todos”, conclui: “Também não nos parecem razoáveis máximas como ‘se está na lei é para ser
cumprido’, pois a lei, não importa seu nível hierárquico ou a devoção que lhes emprestem os governantes,
não consegue remover a escassez e, existindo ela, alguém deixará de ser atendido...” (Direito, escassez e
escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. 2. ed. Rio de Janei-
ro: Lumen Juris, 2010. p. 102).
599
Isensee, Joseph. Verfassung ohne soziale Grundrechte: der Staat 19(3): 367-384, espec. p. 372 e 381,
1980, apud Torres, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de janeiro: Renovar, 2009. p. 105.
600
Veja-se o caso Minister of Health and Others v Treatment Action Campaign and Others, no Capítulo 4,
item 4.4, supra. CANOTILHO, J. J. Gomes, em nova perspectiva, afirma: “Parece inequívoco que a reali-
zação dos direitos económicos, sociais e culturais se caracteriza: [...] (4) pela insusceptibilidade de controlo
jurisdicional dos programas políticos-legislativos, a não ser quando se manifestam em clara contradição
com as normas constitucionais, ou transportem dimensões manifestamente desrazoáveis” (“Metodologia
fuzzy” e “camaleões normativos” na problemática actual dos direitos económicos, sociais e culturais. In:
Estudos sobre direitos fundamentais. 2. ed. Coimbra: Coimbra Ed.; São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
p. 97-113, espec. p. 107).
601
MENDONÇA, Eduardo Bastos Furtado de. A Constitucionalização das finanças públicas no Brasil:
devido processo orçamentário e democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 106

183
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

de Processo Civil em vigor não repetiu a regra do art. 293, principio, do revogado
CPC de 1973, no sentido de que “[o]s pedidos são interpretados restritivamente”.
O novo Código, ao contrário, dispõe que: “A interpretação do pedido considerará o
conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé” (art. 322, § 2º).
Ainda que a distinção não seja assim tão grande, uma vez que o preceito
anterior não significava que o juiz pudesse “restringir o que o autor pediu”, mas
apenas afastava de consideração “o que não foi pedido”,602 nem o dispositivo vigente
permite “que o juiz considere incluído no pedido o que lhe aprouver”,603 certo é que
agora o CPC deixou estreme de dúvida o dever de o juiz interpretar o conjunto da
postulação e observar o princípio da boa-fé, incidindo o artigo 112 do Código Civil604
(“Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada
do que ao sentido literal da linguagem.”), porquanto a petição inicial, ato da parte e
postulatório, constitui declaração de vontade.605
Mesmo à luz do Código anterior, todavia, a correta interpretação “do pedido”
(rectius: da demanda), em boa técnica, deveria observar essas orientações, como
consagrou o Superior Tribunal de Justiça.606
Mas a interpretação da petição inicial não é livre. O próprio § 2º do art. 322 é
expresso ao mencionar que será considerado “o conjunto da postulação” e observado
“o princípio da boa-fé”. A interpretação considerada pelo juiz não pode surpreender
602
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: procedimento comum:
ordinário e sumário. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 2, t. I, p. 97 – grifado no original.
603
GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,
2015. v. II, p. 14.
604
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p. 191. No
mesmo sentido, o enunciado 285 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): “(art. 322, § 2º)
A interpretação do pedido e dos atos postulatórios em geral deve levar em consideração a vontade da parte,
aplicando-se o art. 112 do Código Civil.”
605
Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria geral do processo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 372; GUIMARÃES, Luiz Machado. Ato
processual. In: Estudos de direito processual civil. Rio de Janeiro: Jurídica e Universitária, 1969. p. 76-92,
espec. p. 88. Na jurisprudência: STJ, 1ª Turma, REsp. 1.107.219/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 23/09/2010.
606
Veja-se, por ex.: “Quanto à questão processual trazida neste Agravo Regimental, não procede a alegada
ofensa aos arts. 128, 293 e 460 do CPC. Na forma da jurisprudência, “A interpretação do pedido deve se
guiar por duas balizas: de um lado, a contextualização do pedido, integrando-o ao inteiro teor da petição
inicial, de modo a extrair a pretensão integral da parte; e, de outro lado, a adstrição do pedido, atendendo-
-se ao que foi efetivamente pleiteado, sem ilações ou conjecturas que ampliem o seu objeto” (STJ, REsp
1.155.274/PE, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe de 15/05/2012) e “A interpretação lógico-sistemática
do pedido impõe o conhecimento pelo julgador do pedido deduzido de forma lógica a partir da causa de
pedir declinada. Entretanto, não se admite interpretação ampliativa para alcançar pedidos não formulados
tampouco deduzidos dos fatos declinados” (STJ, REsp 1.331.115/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe
de 22/04/2014). (2ª Turma, AgRg nos EDcl no REsp 1.221.399/PR, Rel. Min. Assusete Magalhães, unân.,
DJe 23/10/2014). Nem sempre, porém, o STJ segue a adstrição ao que foi efetivamente pedido, como se
vê, v. g., do REsp 68.668/SP e do AgRg no AG 1.532.744/RS, julgados criticados por ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. v. I, p. 749.

184
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

as partes nem comprometer o contraditório e a ampla defesa. Destarte, se houver


margens de interpretação da inicial, e quase sempre haverá em ações envolvendo
políticas públicas, deve o juiz assegurar às partes a oportunidade de se manifestar
sobre a interpretação que, em princípio, lhe parece consentânea ao instrumento da
demanda607 (art. 10 do CPC), bem como, fixada a questão, assegurar o contraditório
e a ampla defesa (art. 5º, LV, da CF).608
Para a adequada interpretação da demanda, no entanto, convém ressaltar
que “a causa de pedir [...] é determinante para a correta fixação do objeto litigioso,
sendo insuficiente a análise que recai apenas sobre o pedido”.609 Vale dizer, não
se deve vislumbrar a causa petendi como elemento coadjuvante do conjunto da
postulação. Tal ideia, em verdade, é incompatível com o § 2º do art. 322 do CPC,
tolhendo arbitrariamente a sua efetividade.
Mas a alusão a objeto litigioso, nesse contexto, merece esclarecimento, pois
é comumente destacada a restrição do objeto litigioso ao pedido610 ou pretensão.611
Por outra, também o conceito prevalecente de mérito da causa é restritivo, para
abranger apenas a pretensão,612 consubstanciada no pedido, distinguindo-se das
questões de mérito, que são – passe o truísmo – as questões relativas ao mérito.613 Na
lição de Cândido Dinamarco: “Questões de mérito não se confundem com o próprio
mérito: são questões relativas a ele”, solucionadas “nos motivos e constituirão os
fundamentos da conclusão que virá a seguir”.614
607
O ponto é delicado, pois deve o juiz tomar o cuidado de externar tão somente o que lhe parece, a priori,
abranger a petição inicial, mas sem, à evidência, manifestar (ou deixar escapar) qualquer juízo de valor
sobre o “conjunto da postulação”, para não insinuar prejulgamento.
608
Cf., em sentido geral, COSTA, Susana Henriques da. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ro-
naldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro:
Forense, 2016. p. 510.
609
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Relação entre demandas. 2. ed. rev. atual. e ampl. Brasília: Ga-
zeta Jurídica, 2018. p. 51 – grifo nosso. No mesmo sentido: “São, pois, o pedido e a causa de pedir que
delimitam, objetivamente, o alcance da tutela reclamada (objeto litigioso) e de alguma forma delimitam o
objeto de cognição do juiz” (RODRIGUES, Marcelo Abelha. Processo civil ambiental. 3. ed. rev. e atual.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 112).
610
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro. 29. ed. rev. e atual. Rio de Janei-
ro: Forense, 2012. p. 11.
611
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria geral do processo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p.320.
612
DINAMARCO, Cândido Rangel. O conceito de mérito em processo civil. In: Fundamentos do processo
civil moderno. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. t. I. p. 232-277, espec. p. 255.
613
Numa concepção ampla, no entanto, como a adotada por Liebman, o meritum causae abrangeria as ques-
tões de mérito. Cf.: “O conhecimento do juiz é conduzido com o objetivo de decidir se o pedido formulado
no processo é procedente ou improcedente e, em consequência, se deve ser acolhido ou rejeitado. Todas
as questões cuja resolução possa direta ou indiretamente influir em tal decisão, formam, em seu complexo,
o mérito da causa” (LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Tradução e notas de
Cândido Rangel Dinamarco. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985. v. I, p. 170-171 – grifado no original).
614
O conceito de mérito em processo civil. In: Fundamentos do processo civil moderno. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2000. t. I. p. 232-277, espec. p. 258-259 – grifado no original.

185
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Dessa forma, como resumiu Kazuo Watanabe, salientando o que nos


interessa, “o juiz deve conhecer de todas as questões suscitadas pelas partes e
também daquelas que por ofício lhe caiba conhecer, cumprindo assim, por inteiro,
a atividade cognitiva que deverá servir de fundamento à decisão a ser proferida”.615
Posto isso, e aproveitando a ideia de “contextualização do pedido”,
mencionada pelo Superior Tribunal de Justiça,616 não parece difícil – hoje, aliás, seria
necessário, ex vi legis –, quando se trata de pretensão, mesmo individual, relativa à
prestação social não disponibilizada pela Administração, agregar no contexto da
demanda e das questões de mérito as noções de universalidade e igualitarismo,
de percepção ampla de macrojustiça ainda que em nível da microjustiça,617 de
orçamento, despesas e recursos, todas encontradiças em textos doutrinários
relativos a direitos fundamentais e direitos sociais.
Essas questões são genuínas quaestiones iuris, que devem ser analisadas ex
officio pelo juiz, tal qual acontece, às escâncaras, com as questões concernentes
ao Direito Financeiro (orçamento, receita e despesa pública)618, todas questões de
direito que, mesmo não integrando a causa de pedir, são pertinentes ao julgamento
do meritum causae e, por isso, devem ser analisadas, a par das questões sobre os
limites de intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas.
Atualmente, na realidade, com a vigência da Lei nº 13.655, de 25 de abril de
2018, que acrescentou os artigos 20 a 30 à Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (LINDB, Decreto-Lei nº 4.657/1942), impõe-se, sem dúvida, o exame das
supramencionadas questões pelo juiz. Com efeito, prescreve o novel artigo 20:
Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base
em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas
da decisão.
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida
615
Da cognição no processo civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000. p. 110.
616
STJ, 3ª Turma, REsp. 1.155.274/PE, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 15/05/2012.
617
OSNA, Gustavo, p. ex., critica que “as consequências macro da decisão são deixadas em segundo pla-
no, conferindo-se importância reduzida a esse valor” (Nem “tudo”, nem “nada” – decisões estruturais e
efeitos jurisdicionais complexos. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix. (Org.). Processos
estruturais. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 177-202, espec. p. 192; ALCÂNTARA, Gisele Chaves Sam-
paio sustenta: “A concretização dos direitos sociais [...] exige do julgador uma ampliação dos horizontes,
uma capacidade de estimar também a macrojustiça” (Judicialização da Saúde: uma reflexão à luz da teoria
dos jogos. Revista CEJ, Brasília, Ano XVI, n. 57, p. 88-94, espec. p. 91, maio/ago. 2012). Disponível em:
<http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/1592/1569>. Acesso em: 5 out. 2018.
618
O asserto, de tão elementar, dispensaria citações, mas vale a oportunidade para citar um clássico e saudar
um grande jurista: “O Direito Financeiro é compreensivo do conjunto de normas sobre todas as instituições
financeiras – receitas, despesas, orçamento, crédito e processo fiscal [...]” (BALEEIRO, Aliomar. Uma
introdução à ciência das finanças. 16. ed. rev. e atual. por Dejalma de Campos. Rio de janeiro: Forense,
2003. p. 36-37

186
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa,


inclusive em face das possíveis alternativas.

Legem habemus! É nula, em princípio, dessa forma, a decisão judicial que


não analisar as suas consequências práticas (até mesmo econômicas), sejam as
consequências naturalmente previsíveis, sejam as consequências arguidas pela(s)
parte(s); não demonstrar, em sua fundamentação, a necessidade e a adequação
da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma
administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas (rectius: dos possíveis
termos de alternativa).
A Lei nº 13.655/2018 adveio do PL n° 7.448/2017, que recebeu críticas
da Consultoria Jurídica do Tribunal de Contas da União (TCU), em documento
intitulado “Análise Preliminar do PL 7.448/2017”. Em consequência, vários juristas
divulgaram a “Resposta aos Comentários tecidos pela Consultoria Jurídica do TCU
ao PL n° 7.448/2017”,619 sustentando, com relação ao artigo 20, que o dispositivo
veda “motivações decisórias vazias, apenas retóricas ou principiológicas, sem
análise prévia de fatos e de impactos. Obriga o julgador a avaliar, na motivação, a
partir de elementos idôneos coligidos no processo administrativo, judicial ou de
controle, as consequências práticas de sua decisão”. E conclui:
Quem decide não pode ser voluntarista, usar meras intuições, improvisar ou se limitar
a invocar fórmulas gerais como ‘interesse público’, ‘princípio da moralidade’ e outras.
É preciso, com base em dados trazidos ao processo decisório, analisar problemas,
opções e consequências reais. Afinal, as decisões estatais de qualquer seara produzem
efeitos práticos no mundo e não apenas no plano das ideias.620

O parágrafo único do artigo 20, como bem salientam os doutos juristas,


abrange o princípio da proporcionalidade, “que exige ao tomador de decisão a
comprovação de que a medida a ser adotada é adequada, necessária e proporcional
em sentido estrito”.621
Por sua vez, complementa o artigo 22:
Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os
obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a
seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

619
Dentre outros: Floriano de Azevedo Marques Neto, Carlos Ari Sundfeld, Adilson de Abreu Dallari,
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Odete Medauar, Marçal Justen Filho, Roque Carrazza, Gustavo Binenbojm,
Fernando Menezes de Almeida, Alexandre Santos de Aragão, Jacintho Arruda Câmara, Egon Bockmann
Moreira, José Vicente Santos de Mendonça, Marcos Augusto Perez, Flavia Piovesan, André Janjácomo
Rosilho, Eduardo Ferreira Jordão.
620
Resposta aos Comentários tecidos pela Consultoria Jurídica do TCU ao PL n° 7.448/2017, p. 4. Dispo-
nível em: <https://www.conjur.com.br/dl/parecer-juristas-rebatem-criticas.pdf>. Acesso em: 27 out. 2018.
621
Resposta..., loc. cit.

187
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste,


processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que
houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.
§ 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da
infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as
circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.
§ 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais
sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.

Interessam mais ao presente trabalho, certamente, o caput e o § 1º do art. 22,


que deixam claro que o Poder Judiciário não pode mais decidir sem levar em séria
e concreta consideração os obstáculos e a realidade fática do gestor, bem como as
políticas públicas existentes. É certo que o caput se refere, in fine, a “sem prejuízo dos
direitos dos administrados”, mas, para não restar esvaziado e despiciendo o dispositivo,
a interpretação deve ser no sentido de compreender (sem prejuízo) “os direitos dos
administrados” reconhecidos inclusive à vista dos obstáculos e das dificuldades reais
do gestor e, ainda com maior razão, das exigências das políticas públicas.
Na verdade, prescindir do exame de todas essas questões de mérito e, em
especial, das questões relativas à própria política pública e ao orçamento, receita e
despesa pública, desprezando a razoabilidade da prestação social pleiteada, data
maxima venia, corresponde a conceder sem decidir.
A extrema judicialização de questões sociais, com ênfase em prestações
relativas à saúde, em milhões de processos judiciais, cotidianamente propostos,
para internação em hospitais e UTIs, submissão a cirurgias, realização de exames
e dos mais variados tratamentos, fornecimento de medicamentos, por vezes
medicamentos órfãos caríssimos etc., não raro havendo risco de o autor perder
a vida, não pode ser considerada normal. Juízes não são formados para gerir
sistemas de saúde e prestar – por decisões – assistência médica. Juízes, nessas
trágicas situações, em enorme maioria, simplesmente deferem liminares e julgam
procedentes os pedidos, sem preocupação (ou, pelo menos, sem levá-la igualmente
a sério) com os demais necessitados ou com aquele que, mercê de sua decisão, vai
ficar sem ser internado no hospital ou no CTI, sem fazer cirurgia etc. Médicos de
hospitais públicos brasileiros, ou conveniados ao SUS, sofrem com a necessidade
de optar por quem vai ser internado ou pela ordem em que serão realizados
tratamentos e intervenções cirúrgicas... O juiz defere a quem pede (ainda que a
concessão seja, do ponto de vista de prioridade médica, catastrófica).
Não é diferente, por exemplo, em relação à educação. Edilson Vitorelli,
após se referir a inúmeras ações individuais propostas, pela Defensoria Pública
188
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

de São Paulo, pleiteando vagas para crianças em creches, salienta que o equívoco
do “tratamento não estrutural do litígio é que ele acarreta apenas uma ilusão de
solução, mas não produz resultados sociais significativos, eis que as causas do
problema permanecem”.622 Pior, como conclui o autor: “Fica claro que as milhares de
ações individuais estão servindo apenas para substituir as crianças que ingressariam
nas creches pelo critério administrativo regular, por outras, que não obedecem a
critério algum”.623
Gustavo Amaral, em seu excelente livro, ao cuidar da “escassez e saúde”,
com relação a “pretensões fundadas em direitos fundamentais cuja satisfação
demanda a disponibilização de meios materiais”, e depois de examinar longamente
o problema das restrições materiais e financeiras, assim como a necessidade de
escolhas trágicas, conclui:
Diante de um quadro como esse, a tendência natural é fugir do problema, negá-
lo. Esse processo é bastante fácil nos meios judiciais. Basta observar apenas o caso
concreto posto nos autos. Tomada individualmente, não há situação para a qual não
haja recursos.624

Em seguida, arremata:
Ante a escassez, torna-se imperiosa a adoção de mecanismos alocativos. A alocação,
notadamente no que tange à saúde, tem natureza ética dupla: é a escolha de quem
salvar, mas também a escolha de quem danar. Há uma natural tentação a ‘decidir não
decidir, a não tornar clara a adoção de qualquer forma de alocação, tal como se a
escolha não existisse.625

Em termos gerais, Humberto Theodoro Júnior, Dierle Nunes e Alexandre


Melo Franco Bahia lecionam, em estudo específico:
Para além das dificuldades no que tange ao orçamento ou às opções de políticas
públicas (já que as demandas serão sempre maiores do que as possibilidades do
Poder Público), a questão se torna ainda mais complexa quando o Judiciário decide
sem tomar em consideração os argumentos de ambas as partes, como se o direito
de um fosse algo absoluto e, por isso, fizesse com que qualquer outra questão não
merecesse acolhida (ainda que para ser rebatida).626

E asseveram:
622
VITORELLI, Edilson. Levando os conceitos a sério: processo estrutural, processo coletivo, processo
estratégico e suas diferenças. Revista de Processo, São Paulo, n. 284, p. 334-369, out. 2018. espec. p. 349.
623
Ibidem, p. 350.
624
AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos
e as decisões trágicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 80.
625
AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos
e as decisões trágicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 100.
626
Litigância de interesse público e execução comparticipada de políticas públicas. Revista de Processo,
São Paulo, n. 224, p. 121-153, out. 2013. espec. p. 140.

189
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

É certo que não se olvida que todos temos direito à saúde. No entanto, mais do que
nunca, há que se construir entre nós, com clareza, uma doutrina que estabeleça uma
diferença entre ser detentor de um direito e as obrigações que dele advêm, pois,
como mostra Canotilho, quando se trata de direitos prestacionais, da afirmação de
um direito não decorre necessária e diretamente um dever do Estado. Quando se trata
de direitos econômicos, sociais e culturais há que se atentar para a particularidade de
sua constituição a fim de se evitar o que Canotilho percebe como uma confusão entre
“direitos sociais e políticos” e “políticas públicas de direitos sociais”. Quando o Judiciário
tente tornar “reais” os direitos sociais promovendo políticas públicas, mergulha em
“nebulosas normativas”, já que, como dito, estes direitos, diferentemente dos direitos
individuais, nem sempre implicam uma prestação correlata pelo Estado.627-628

O Poder Judiciário, entretanto, inclusive por seu tribunal de vértice, o Supremo


Tribunal Federal, como vimos acima, não analisa as questões postas pelo Estado,
mesmo quando específica e concretamente suscitadas, reduzindo, grosso modo, toda
e qualquer argumentação sobre razoabilidade e legitimidade das escolhas alocativas
da Administração ou sobre carência de recursos (materiais e/ou financeiros) a
questões menores, interesses secundários que não merecem sequer ser analisados.
É interessante notar, a latere, que, pela segunda vez, mencionamos referências
a direito abstratamente que pelos termos constitucionais “todos” têm629 e a todos temos
direito à saúde630, lembrando a alusão doutrinária de que, nesses casos, “o conflito
‘quase’ que não é jurídico. Não se nega o direito de todos, apenas não se tem como
atender”,631 o que faz remontar ao conceito pragmático de direito fundamental.632

8.4 Contestação do réu. Necessidade de concreta informação sobre os parâmetros


administrativos pertinentes.
Como veremos no próximo item, nas ações relativas a direitos fundamentais
sociais e políticas públicas, deve o juiz conduzir o processo de forma a assegurar uma
627
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. 2. ed. Coimbra: Coimbra
Ed.; São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 97 et. seq.
628
THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco. Litigância de
interesse público e execução comparticipada de políticas públicas. Revista de Processo, São Paulo, n. 224,
p. 121-153, out. 2013. espec. p. 141.
629
Veja-se a citação de LOPES, José Reinaldo de Lima. Em torno da “reserva do possível”. In: SARLET,
Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos Fundamentais: orçamento e “reserva do possí-
vel”. 2. ed., rev. e ampl. 2. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 155-173, espec. p. 168, nota
10; em a nota 539, supra.
630
Vide a transcrição de THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo
Franco. Litigância de interesse público e execução comparticipada de políticas públicas. Revista de Pro-
cesso, São Paulo, n. 224, p. 121-153, out. 2013. espec. p. 141, supra.
631
AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos
e as decisões trágicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 68.
632
Vide Capítulo 2, item 2.3, supra.
190
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

feição eminentemente dialógica, com efetiva cooperação dos sujeitos processuais


e interlocução interinstitucional, sem desconsiderar o interesse público imanente,
que recomenda o pleno exercício dos poderes judiciais, como o poder de instrução
e o poder de coerção.633
A audiência de conciliação e mediação, prevista no art. 334 do CPC, em
princípio, não tem lugar. Ainda que, em tese, direitos indisponíveis possam admitir
autocomposição (cf. art. 3º da Lei 13.140/2015), não incidindo, assim, de forma
absoluta, o inciso II do § 4º do art. 334, além das dificuldades inerentes à realização
de acordos pelos entes públicos,634 nas hipóteses de que estamos tratando parece
inconcebível a possibilidade da conciliação para beneficiar somente o autor da
ação. Não obstante, considerada a intervenção do Ministério Público nessas ações
individuais (art. 178, I ou II, do CPC), a audiência de conciliação e mediação poderia
ensejar, posto que excepcionalmente, a realização de compromisso de ajustamento
de conduta (art. 5º, § 6º, da Lei 7.347/85),635 mecanismo de autocomposição,636 já
adequando a política social e permitindo, imediata ou brevemente, a prestação de
modo universal e igualitário. Mas o nosso foco agora é outro.
Feito o registro, cabe ressaltar, como se deduz da farta jurisprudência
analisada,637 que defesas simplesmente doutrinais, sustentando a separação dos
poderes, discricionariedade administrativa e coisas que tais, são insuficientes.
Os entes públicos deverão demonstrar concretamente por que não foram
disponibilizadas vagas para a educação infantil e ensino fundamental a todos os
633
Na verdade, é contraditório invocar o pleno exercício do poder de coerção do juiz logo após ressaltar o
processo cooperativo, mas, infelizmente, não há entre nós uma cultura arraigada de respeito institucional e
cumprimento de decisões judiciais.
634
“Isto porque, em nome da autonomia federativa, cada ente possui suas próprias regras relativas à au-
tocomposição, sendo imprescindível que haja lei ou ato da Chefia do Poder Executivo” (RODRIGUES,
Marco Antonio. A fazenda pública no processo civil. São Paulo: Atlas, 2016. p. 384). Mas se a autorização
for genérica (ex. Lei 10.529/01, art. 10, par. ún.; Lei 12.153/90, art. 8º; Lei 9.469/97, arts. 1º e 2º), exige
ato normativo “público e com critérios para a realização da autocomposição [...] imprescindível para que
se obedeça aos princípios da publicidade e, especialmente, da impessoalidade”, pois “[é] preciso que exis-
tam elementos de controle para a análise dos acordos realizados”, e menciona os seguintes elementos: “a)
agente competente; b) finalidade legítima; c) motivos razoáveis e d) formas transparentes e controláveis
– accountability.” (PEIXOTO, Ravi. A nova sistemática de resolução consensual de conflitos pelo Poder
Público: uma análise a partir do CPC/2015 e da Lei 13.140/2015. Revista de Processo, São Paulo, n. 261,
p. 467-497, nov. 2016. p. 473 et seq., com várias referências doutrinárias).
635
O art. 174, inc. III, do CPC alude à celebração de termo de ajustamento de conduta, em âmbito adminis-
trativo, pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
636
Apesar da dissensão doutrinária sobre a natureza jurídica do TAC, não parece haver dúvida de que de
autocomposição se trata. Para o exame detido sobre a natureza jurídica, vejam-se RODRIGUES, Geisa de
Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. 3. ed. rev. atual. e ampl. Rio
de Janeiro: Forense, 2011. p. 122 et seq; e PINHO. Humberto Dalla Bernadina de. Jurisdição e pacifica-
ção: limites e possibilidades do uso dos meios consensuais de resolução de conflitos na tutela dos direitos
transindividuais e pluri-individuais. Curitiba: CRV, 2017. p. 175 et seq.
637
Vide item 7.2, supra.

191
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

estudantes da região e as providências cabíveis para solucionar o problema; ou por


que dito tratamento ou medicamento não é fornecido, se o não fornecimento decorre
de decisão administrativa expressa, se há estimativa de cointeressados naquele
tratamento ou medicamento e estudos sobre viabilidade/conveniência (impacto
financeiro etc.) para sua implantação... Em suma: o porquê da indisponibilidade de
vagas ou da não concessão do tratamento-medicamento.
Nessa perspectiva, alegação concreta de que o fornecimento do medicamento
de alto custo Y, que deveria atender a X pacientes, representando uma despesa Z,
comprometeria a execução ou ampliação da provisão de medicamentos básicos
para grande contingente de pessoas ou outro(s) medicamento(s) de alto custo com
melhor custo-efetividade, por exemplo, exigiria do magistrado a fundamentação do
motivo pelo qual essa alocação de recursos é injustificada e antijurídica. O exemplo
é simplório, já que as escolhas trágicas são extremamente complexas, envolvendo
inúmeras variantes, mas busca apenas mostrar que, expostas as efetivas razões da
atuação administrativa, no contexto da reivindicação realizada, a decisão concessiva
não poderá simplesmente mencionar que se trata de interesses secundários do
Estado. Não haverá alegação de ofensa em abstrato à separação de poderes (art.
2º da CF), mas debate específico se os motivos invocados pelo magistrado são
suficientes para embasar a atuação corretiva do Judiciário.
Acaso não prestadas informações bastantes, deve o juiz, consoante o
princípio da cooperação (art. 6º do CPC), especificamente da “cooperação do
tribunal com as partes”, ensejar “o suprimento de insuficiências ou imprecisões
na exposição da matéria de fato alegada por qualquer das partes”.638 Em lição
consagrada, a “progressiva afirmação do princípio da cooperação, considerado
uma trave mestra do processo civil moderno, tem levado a falar duma comunidade
de trabalho (Arbeitsgemeinschaft) entre as partes e o tribunal para a realização da
função processual”.639
Lembre-se, ademais, como vimos no item anterior, o interesse público
imanente nesses processos, cujas questões de mérito, mesmo em ação individual,
638
Cf. CUNHA, Leonardo Carneiro da. O princípio do contraditório e a cooperação no processo. Revista
Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, v. 20, n. 79, p. 147-160, jul./set. 2012. espec. p. 156;
THEODORO JÚNIOR, Humberto. As normas fundamentais do processo civil. In: THEODORO JÚNIOR,
Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim Ribeiro de; REZENDE, Ester Camila Gomes Norato (Coord.).
Primeiras lições sobre o novo direito processual civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 3-23,
espec. p. 17.
639
FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceito e princípios gerais à luz do novo có-
digo. 3. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 2013. p.190. O CPC português, no art. 7º, dispõe sobre o “princípio da
cooperação”, e prevê: “O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou
mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito
que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência” (art. 7º, 2).

192
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

abrangem a juridicidade da política pública existente,640 as consequências práticas,


inclusive econômicas, da decisão, a necessidade e a adequação da medida imposta,
a universalidade e igualitarismo na concessão da prestação social.
Esse largo âmbito de cognição pode parecer assustador, mas se o Poder
Judiciário está agindo como coautor das políticas públicas641 e coadministrador,
deve enfrentar os problemas correlatos, e não apenas deferir o pedido, com
abstração da real escassez e necessidade de alocação de recursos públicos.642

8.5 Um novo processo


Como já mencionamos, em ações relativas a direitos fundamentais sociais
e políticas públicas, o juiz deve conduzir o processo de forma a assegurar uma
feição dialógica, com efetiva cooperação dos sujeitos processuais, interlocução
interinstitucional, amplo contraditório e profícua instrução. A ideia, por vezes
mencionada pelos estudiosos dos processos estruturais,643 foi precisamente
enunciada, no âmbito geral do controle jurisdicional de políticas públicas e da
implementação de uma nova política, por Ada Pellegrini Grinover: “O juiz deverá
utilizar um novo processo, com cognição mais profunda e ampliada e contraditório
estimulado, colhendo informações da administração para poder chegar a uma
decisão mais justa, equilibrada e exequível”.644
Antes da perfeita conclusão, desenvolveu a estimada professora da USP em
seu célebre estudo:
Nessa visão do papel do juiz, o processo deverá obedecer a um novo modelo, com
640
“[...] juízes não podem ignorar as políticas públicas já existentes nessas áreas, concedendo, de forma irra-
cional e individualista, medicamentos, tratamentos de saúde ou vagas em sala de aula a todo aquele que re-
correr ao Judiciário” (SILVA, Virgílio Afonso da. O Judiciário e as políticas públicas: entre transformação
social e obstáculo à realização dos direitos sociais. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO,
Daniel (Coord.). Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008. p. 587-599, espec. p. 588).
641
Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle jurisdicional de políticas públicas. In: GRINOVER, Ada
Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2013. p. 125-150, espec. p. 129.
642
O tema será desenvolvido quando cuidarmos do julgamento do mérito.
643
Cf., v. g., LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Fundamentos do processo estrutural. In: JAYME, Fer-
nando Gonzaga et al. (Org.). Inovações e modificações do Código de Processo Civil: avanços, desafios e
perspectivas. Belo Horizonte: Del Rey, 2017. p. 2-11, passim. VITORELLI, Edilson. Litígios estruturais:
decisão e implementação de mudanças socialmente relevantes pela via processual. In: ARENHART, Sérgio
Cruz; JOBIM, Marco Félix. (Org.). Processos estruturais. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 369-422, espec.
p. 395 et seq. ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões estruturais no direito processual civil brasileiro. Revista
de Processo, São Paulo, n. 225, p. 389-410, nov. 2013. espec. p. 402.
644
O controle jurisdicional de políticas públicas. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo
(Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 125-150,
espec. p. 149, conclusão e.

193
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

cognição ampliada, que permita ao magistrado dialogar com o administrador


para obter todas as informações necessárias a uma sentença justa e equilibrada,
que inclua o exame do orçamento e a compreensão do planejamento necessário
à implementação da nova política. A sociedade deverá ser ouvida em audiências
públicas, admitindo-se a intervenção de amici curiae. Caberá também ao juiz atentar
para outras despesas que possam comprometer o mesmo orçamento, o que poderá
ser feito pela reunião de processos em primeira ou segunda instância.645

Essa noção, em essência, deve ser observada em qualquer ação que vise a
obter prestação social não contemplada nas políticas públicas estabelecidas ou
que abranja políticas públicas, ainda que deva sofrer, em tese, certas atenuações
em processos ditos individuais. É que as características admitidas para os processos
estruturais, a nosso ver, inclusive a dimensão prospectiva, devem ser normalmente
estendidas às ações envolvendo políticas públicas.
Sergio Arenhart, após se referir à insuficiência da estrutura do processo civil
tradicional (bipolar), especialmente na dimensão do direito público ou em certas
situações complexas reguladas pelo direito privado, alude a “uma demanda em que
certa pessoa pretende uma cirurgia de emergência junto ao sistema público de
saúde”, e ensina:
Ao contrário do que se pode imaginar, este (aparentemente) inocente litígio não é
apenas entre o seu direito à saúde (ou à vida) e o interesse à tutela do patrimônio
público do Estado. Ele embute em seu seio graves questões de política pública, de
alocação de recursos públicos e, ultima ratio, de determinação do próprio interesse
público. Com efeito, o juiz, ao decidir essa demanda, poderia estar, por exemplo,
desalojando da prioridade de cirurgia do Poder Público outro paciente quiçá em
estado ainda mais grave do que o autor. Poderá também estar retirando recursos –
dinheiro, pessoal, tempo etc. – de outra finalidade pública essencial. E sem dúvida,
estará, sempre, interferindo na gestão da política de saúde local, talvez sem sequer
saber a dimensão de sua decisão.646

Desse eloquente exemplo é possível verificar que “a tentativa de superação


de déficits de operação de políticas públicas deve necessariamente considerar o
caráter público e o alcance coletivo de sua compreensão”,647 ainda que não se trate
de processo coletivo estrutural.
O Código de Processo Civil agora em vigor, permite ao juiz atuar nesse sentido,
a começar pela cooperação entre sujeitos processuais, prevista expressamente na
645
Ibidem, p. 139.
646
ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões estruturais no direito processual civil brasileiro. Revista de Proces-
so, São Paulo, n. 225, p. 389-410, nov. 2013. espec. p. 392-393.
647
RODRIGUES, Luís Henrique Vieira; VARELLA, Luiz Henrique Borges. In: ARENHART, Sérgio
Cruz; JOBIM, Marco Félix. (Org.). Processos estruturais. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 513-539, espec.
p. 516. Mas os autores – para deixar claro – analisavam “medidas estruturantes”.

194
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

“norma fundamental” do artigo 6º: “Todos os sujeitos do processo devem cooperar


entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
Trata-se de um desdobramento do princípio moderno do contraditório,
assegurado constitucionalmente, e um consectário do princípio da boa-fé
objetiva.648 Dessa forma, em verdade, antes mesmo do Código de Processo Civil
de 2015, a doutrina nacional “já reconhecia a presença do princípio da cooperação
no devido processo legal assegurado por nossa Constituição, à base de um
contraditório amplo e efetivo”.649
“O regime democrático”, salienta Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, “exige a
participação em cooperação de todos aqueles que possam ser afetados pelo exercício
de determinado poder do Estado, que só assim poderá ser considerado legítimo”.650
O próprio contraditório, portanto, previsto no inciso LV do art. 5º da CF
e no art. 7º, in fine, do CPC, é “corolário do princípio político da participação
democrática”, constituindo um megaprincípio que deve ser efetivo instrumento “de
participação eficaz das partes no processo de formação intelectual das decisões
e de cooperação entre todos os sujeitos do processo (Código de 2015, art. 6º)”,651
sendo absolutamente tranquilo, destarte, invocar o contraditório amplo, efetivo e
estimulado, especialmente em casos de litigância de interesse público.
Além disso, tratando-se de litigância de interesse público avulta a importância
de o tribunal exercer plenamente os seus poderes na direção do processo (art. 139
do CPC), de modo particular, à luz dos princípios do contraditório e da cooperação,
assegurar às partes igualdade de tratamento (inc. I) e dilatar os prazos processuais
e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades
do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito (inc. VI), sendo
certo que esta dilação de prazos somente pode ser determinada antes de encerrado
o prazo regular (art. 139, parág. único). É claro que, se o juiz pode dilatar o prazo ex
officio, nada impede a dilatação a requerimento da parte, desde que a solicitação
seja deferida antes do encerramento do prazo (arg. ex art. 139, parág. único).652
648
THEODORO JÚNIOR, Humberto. As normas fundamentais do processo civil. In: THEODORO JÚ-
NIOR, Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim Ribeiro de; REZENDE, Ester Camila Gomes Norato (Co-
ord.). Primeiras lições sobre o novo direito processual civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p.
3-23, espec. p. 15.
649
THEODORO JÚNIOR, Humberto, loc. cit. No mesmo sentido, com várias citações doutrinárias, DI-
DIER JR., Fredie. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo
Código de Processo Civil. 2. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 18.
650
In: ALVIM, Teresa Arruda et al. (Coord.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 70.
651
GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. 5. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,
2015. v. I. p. 513 e 514
652
Com razão, GAJARDONI, Fernando da Fonseca sustenta que o requerimento da parte não tem o condão

195
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Ainda com relação à chamada flexibilização do procedimento, além de


hipóteses de flexibilização legal, como a prevista no inciso VI do artigo 139,653 não se
afigura impossível cogitar, ainda mais excepcionalmente, na flexibilização judicial.
Com efeito, mesmo sem previsão legal expressa, por força do princípio constitucional
do devido processo legal (art. 5º, LIV), entende a melhor doutrina que, se alguma
peculiaridade considerável do caso exigir determinada adequação procedimental,
para viabilizar a “justa solução do caso concreto”654 ou garantir direito fundamental
à efetividade, à prova (art. 5º, XXXV), ao contraditório ou à ampla defesa (art. 5º, LV),
por exemplo, caberá ao juiz realizá-la.655
É evidente, entretanto, que, para haver a flexibilização procedimental nessas
hipóteses, as partes precisam ser previamente intimadas para se manifestar sobre
a adequação cogitada (art. 10 do CPC), assegurado o contraditório (arts. 5º, LV, da
CF e 7º do CPC), e a decisão que porventura implantar a modificação deverá ser
fundamentada, ainda com maior profundidade quando se tratar de flexibilização
judicial. Vale dizer: adequações do procedimento sempre são excepcionais;656
adequações judiciais são excepcionalíssimas, mas em controle jurisdicional de
políticas públicas podem encontrar melhor justificação.
Com relação ao poder de instrução, mais do que simplesmente determinar,
a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para inquiri-las sobre
os fatos da causa, como disposto no inciso VIII do art. 139, caberá ao juiz (ou
tribunal)657, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias
ao julgamento do mérito, ex vi do art. 370 do Código de Processo Civil.
de suspender o prazo em curso, em vista dos princípios da celeridade e da boa-fé (arts. 4º e 5º do CPC), e a
fim de evitar fraudes (com a parte postulando ampliação, apenas, para ter mais prazo até que o magistrado
aprecie o pedido de ampliação). In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comen-
tários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 255,
item 13.
653
Outros exemplos são encontrados, v. g., nos artigos 355 e 373, § 1º, do CPC.
654
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil: teoria geral do
processo civil e parte geral do direito processual civil. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2012. v. I. p. 75.
655
Cf. DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 17. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodi-
vm, 2015. v. 1. p. 118; GAJARDONI, Fernando da Fonseca. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER,
Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro:
Forense, 2016. p. 252 e 253.
656
GAJARDONI enumera, em síntese, os seguintes critérios para aplicação do art. 139, VI: 1º) Caráter
subsidiário; 2º) Finalidade para a flexibilização, que pode ser (a) ligada ao direito material, (b) relacionada
com a higidez e utilidade do procedimento ou (c) relacionada com a condição da parte; 3º) Observância
do contraditório; 4º) Fundamentação (In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Co-
mentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p.
254-255, item 11).
657
Não há preclusão: “o próprio Tribunal poderá determinar a baixa do feito em diligência, para colheita de
prova que repute indispensável para a solução do litígio” (ALVIM, Teresa Arruda et al. Primeiros comen-
tários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 643). Ademais: “O
poder de ordenar de ofício a realização de provas subsiste íntegro mesmo que o juiz tenha anteriormente
indeferido o requerimento da parte; não ocorre, para ele, preclusão” (O novo processo civil brasileiro: ex-
posição sistemática do procedimento. 29. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 56).

196
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

É preciso ter sempre em mente, como estamos nos esforçando em


demonstrar, o interesse público potencializado imanente às ações relativas a direitos
fundamentais sociais, ainda que de feição (aparentemente) individual, pois não se
reduz o julgamento do mérito, com perfeição, ao simples acolher ou rejeitar, no
todo ou em parte, o pedido. Ao revés: deve o juiz considerar a situação geral para
apreciar o pedido, e buscar satisfazer o próprio direito social porventura violado,
sob pena de incrementar o desequilíbrio social e apostar em concessões lotéricas.
Desprezadas as consequências práticas e sociais da decisão, quer seja julgado
procedente ou improcedente o pedido, a solução será socialmente injusta, pois
alheia ao bem comum, quer dizer, à realização mesma do direito social.
A distribuição dinâmica do ônus da prova, nos termos dos §§ 1º e 2º do art.
373 do Código de Processo Civil, nesse contexto, mostra-se de enorme utilidade,
na medida em que permite “adequar a distribuição ao caso concreto, atribuindo
o ônus da prova à parte que estiver em melhor condição de fazê-lo”.658 De fato,
o §  1º é claro ao prever, genericamente, que, “diante de peculiaridades da causa
relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo
nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário,
poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão
fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir
do ônus que lhe foi atribuído”.
Desse modo, afigura-se importantíssimo o correto exercício do poder
instrutório pelo magistrado, sendo certo, porém, “que a mais larga atribuição de
poderes exercitáveis de ofício, na instrução do feito, de modo algum dispensa o
órgão judicial de respeitar [...] a garantia do contraditório” e “do dever de motivar a
sentença, mediante a análise dos elementos probatórios colhidos e a justificação do
valor atribuído a cada qual”.659
Assumem relevo, por conseguinte, o saneamento e a organização do
processo, em especial o saneamento cooperativo, previsto no § 3º do art. 357 do
CPC, na linha do já citado art. 6º, para a hipótese de a causa apresentar complexidade
em matéria de fato ou de direito, viabilizando “uma mais adequada e mais correta
percepção das questões fáticas e jurídicas pelo magistrado”,660 bem como da
complexidade da prova, sua eficiência, e a precisa delimitação das questões técnicas
sobre as quais recairá a atividade probatória.
658
PINHO. Humberto Dalla Bernadina de. Direito processual civil contemporâneo. 5. ed. São Paulo: Sa-
raiva, 2018. v. 2, p. 199-200.
659
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Os poderes do juiz na direção e na instrução do processo. In: Te-
mas de direito processual: quarta série. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 45-51, p. 49.
660
BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 4. ed. ampl. Atual. e rev. São Paulo:
Saraiva, 2.018. p. 394.

197
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

No mais, conquanto seja evidentemente relevante a precisa observância


de todos os incisos do artigo 139 do Código de processo Civil, merecem exame
específico as hipóteses dos incisos V e X.

8.6 O Projeto de Lei 8.058 de 2014


O PL 8.058, de 2014, da Câmara dos Deputados, como esclarece sua
Justificação, é fruto de anteprojeto de lei elaborado, originalmente, pelos
eminentes professores Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe, a partir das
pesquisas desenvolvidas pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais
(CEBEPEJ), e das conclusões de seminário conjunto realizado com o Departamento
de Direito Processual da Faculdade de Direito da USP, em 14 e 15 de abril de 2010.
Posteriormente, o anteprojeto foi apresentado e debatido em cursos de pós-
graduação e diversos seminários, nacionais e internacionais, até chegar ao projeto
proposto pelo Deputado Paulo Teixeira, em 04/11/2014, que: “Institui processo
especial para o controle e intervenção em políticas públicas pelo Poder Judiciário e
dá outras providências”.661
Ainda em trâmite no Congresso, o projeto foi submetido a audiência pública
em 01/09/2015 e, há pouco, em 11/04/2018, houve novo requerimento para “a
realização de audiência pública para discutir o PL 8.058, de 2014,” em tramitação na
Comissão de Finanças e Tributação (CFT).
Entrementes, os doutos professores Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe
e Paulo Henrique dos Santos Lucon, após análise do Projeto 8.058, artigo por artigo,
apresentaram “Considerações finais e proposta de substitutivo”.662
Vamos apenas mencionar alguns aspectos que nos parecem mais relevantes,
com base no texto oficial publicado no Diário de Câmara dos Deputados de 8
de novembro de 2014.663 O Projeto enumera, no artigo 2º, os princípios que, sem
prejuízo de outros que assegurem o gozo de direitos fundamentais sociais, regem o
controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário, quais sejam: proporcionalidade,
razoabilidade, garantia do mínimo existencial, justiça social, atendimento ao bem
comum, universalidade das políticas públicas, equilíbrio orçamentário (incisos I a VII).
661
O Projeto e sua Justificação, com detalhado histórico do seu desenvolvimento, estão disponíveis em:
<https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=DF6C6AB67A7A88A331
2BF19E43C57CF3.proposicoesWebExterno1?codteor=1283918&filename=PL+8058/2014>. Acesso em:
23 nov. 2018.
662
Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/pls/portal/!PORTAL.wwpob_page.show?_docna-
me=257678 9.PDF>. Acesso em: 23 nov. 2018.
663
Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD0020141108001680000.
PDF#page=40>. Acesso em: 24 nov. 2014. Este texto não coincide com o examinado nas referidas “Consi-
derações finais e proposta de substitutivo”.

198
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Os quatro últimos princípios destacados são constantemente exaltados no


presente trabalho, e não apenas como princípios, mas como metas e limites ao
julgamento do mérito. O equilíbrio orçamentário, em particular, é essencial para
o desenvolvimento do País e, consequentemente, para viabilizar a consecução
gradual dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º da
CF). Sua inserção no inciso VII do rol exemplificativo do art. 2º, aliás, não significa,
a nosso ver, uma hierarquização, até porque de princípios constitucionais se trata.
O parágrafo único do artigo 2º, ao especificar as características do processo
especial para controle jurisdicional de políticas públicas, deixa claro sua maior
atenção com os processos estruturais, como se vê de seus onze incisos:
I – estruturais, a fim de facilitar o diálogo institucional entre os Poderes [“com o
objetivo de solucionar por completo o conflito”]664;
II – policêntricas, indicando a intervenção no contraditório do Poder Público e da
sociedade;
III – dialogais, pela abertura ao diálogo entre o juiz, as partes, os representantes dos
demais Poderes e a sociedade;
IV – de cognição ampla e profunda, de modo a propiciar ao juiz o assessoramento
necessário ao pleno conhecimento da realidade fática e jurídica;
V – colaborativas e participativas, envolvendo a responsabilidade do Poder Público;
VI – flexíveis quanto ao procedimento, a ser consensualmente adaptado ao caso
concreto;
VII – sujeitas à informação, ao debate e ao controle social, por qualquer meio
adequado, processual ou extraprocessual;
VIII – tendentes às soluções consensuais, construídas e executadas de comum acordo
com o Poder Público;
IX – que adotem, quando necessário, comandos judiciais abertos, flexíveis e
progressivos, de modo a consentir soluções justas, equilibradas e exequíveis;
X – que flexibilizem o cumprimento das decisões;
XI – que prevejam o adequado acompanhamento do cumprimento das decisões por
pessoas físicas ou jurídicas, órgãos ou instituições que atuem sob a supervisão do juiz
e em estreito contato com este.

Antes de passar ao exame de alguns pontos do Projeto, em cotejo com


as características assim estabelecidas, convém ressaltar a perspectiva crucial
consignada em sua Justificação, de que se busca “a construção do consenso ou
a formulação de comandos flexíveis e exequíveis, que permitam o controle da
664
Acréscimo sugerido pelo Substitutivo.

199
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

constitucionalidade e a intervenção em políticas públicas, evitando que o juiz se


substitua ao administrador.”665
Posto isso, verifica-se que os incisos I, II, VII, IX, X e XI são voltados aos
processos estruturais. Bem assim, os incisos III, IV e V são normalmente invocados
pela doutrina no estudo dos processos estruturais,666 mas a feição dialogal e a
cognição ampla e profunda também são relevantes, ainda que em proporção
variável, em todas as ações que envolvam controle de políticas públicas,667 como
salientamos no item anterior.
Interessante notar, por falar em ações que envolvam controle de políticas
públicas, que o Projeto se refere, no art. 24, ao tratar “Das Relações entre Magistrados”
(Capítulo VII), a “ações que visem, direta ou indiretamente, ao controle jurisdicional
de políticas públicas”, para determinar que os tribunais promovam encontros
periódicos, presenciais ou por videoconferência, com os juízes competentes para o
processamento e julgamento dessas ações, destinados ao conhecimento e possível
harmonização de entendimentos sobre a matéria.668 Da mesma forma, prevê o art.
31: “No prazo de 120 (cento e vinte) dias, contado a partir da entrada em vigor desta
lei, os tribunais federais criarão, e os estaduais poderão criar varas especializadas669
para o processamento e julgamento de ações que visem, direta ou indiretamente,
ao controle jurisdicional de políticas públicas.”670 Logo, o Projeto enfatiza que
qualquer ação que aborde, mesmo indiretamente, políticas públicas deve seguir
suas disposições, como completa o art. 22: “Quando o controle da política pública
não for objeto específico da ação, mas questão individual ou coletiva suscitada no
processo, o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, poderá instaurar incidente
que obedecerá ao disposto nos artigos 18 a 22.”
Além disso, a partir da referência do inciso VIII “às soluções consensuais,
construídas e executadas de comum acordo com o Poder Público”, é possível
665
Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD0020141108001680000.PDF#page=40>.
Acesso em: 24 nov. 2014. Grifo nosso.
666
Cf., por todos, ARENHART, Sérgio Cruz. Processo multipolar, participação e representação de inte-
resses concorrentes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix. (Org.). Processos estruturais.
Salvador: JusPodivm, 2017. p. 423-448, passim.
667
Veja-se, por todos, GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle jurisdicional de políticas públicas. In: GRI-
NOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 125-150, passim.
668
E complementa: “Parágrafo único. Sem prejuízo da providência mencionada no caput, os tribunais fo-
mentarão reuniões regionais com o mesmo objetivo, com periodicidade adequada.”
669
PERLINGEIRO, Ricardo, em termos gerais, questiona “se não seria oportuno pensarmos não apenas
em um tribunal especializado, mas em um tribunal que também fosse dotado de uma composição mul-
tidisciplinar” (A tutela judicial do direito público à saúde no Brasil. Direito, Estado e Sociedade, Rio de
Janeiro, n. 41 p. 184 a 203, jul./dez. 2012. Disponível em: <http://direitoestadosociedade.jur.puc-rio.br/
media/9artigo41.pdf>. Acesso em: 20 set. 2018. espec. p. 194).
670
Grifo nosso.

200
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

observar a importância atribuída pelo Projeto aos “Meios Alternativos de Solução


de Controvérsias”, título do Capítulo V (arts. 11 a 13), havendo alusão ao juízo
arbitral, à mediação e à conciliação (art. 11, caput). O § 2º do art. 11 é expresso ao
prever que “[a] audiência de mediação ou conciliação será obrigatória quando se
tratar de direito passível de transação”, mas seria melhor mencionar, à semelhança
do Código de Processo Civil (art. 334, § 4º, II, a contrario sensu), “direito passível de
autocomposição”, termo mais amplo que abrange as três alíneas do inciso III do
artigo 487. O Projeto, em verdade, prende-se exageradamente ao termo transação,
repetido em todos os artigos do Capítulo V, e chega a tomar posição, no parágrafo
único do artigo 13, ao afirmar que “[o] termo de ajustamento de conduta terá
natureza jurídica de transação”, tema assaz controvertido em doutrina,671 sendo
certo, a despeito da regra legal, que genuínas políticas públicas não se sujeitam
livremente a concessões mútuas, típicas do contrato de transação (art. 840 do CC).
O inciso VI indica que os processos especiais para controle jurisdicional de
políticas públicas são “flexíveis quanto ao procedimento, a ser consensualmente
adaptado ao caso concreto”. No mesmo sentido, após estabelecer o prazo de
30 (trinta) dias para contestação, sem outros benefícios de prazo para a Fazenda
Pública, reza o art. 17 que o processo deve observar, “no que couber, o rito ordinário
previsto no Código de Processo Civil, com as modificações com que o juiz e as partes
concordarem, para melhor adequação ao objeto da demanda”. Nesse contexto,
poderia parecer que o Projeto rejeita a flexibilização judicial do procedimento,
apenas admitindo a modificação consensual ou negocial, o que seria, a nosso
ver, uma demasia, porquanto, embora excepcional, como mencionado no item
anterior,672 a flexibilização judicial pode ser necessária.
Na proposta de Substitutivo apresentada por Ada Pellegrini Grinover, Kazuo
Watanabe e Paulo Henrique dos Santos Lucon,673 foi sugerido o acréscimo de
parágrafo único ao art. 16 (art. 17 do Projeto), que atenua o problema:
Parágrafo único. As partes, de comum acordo, e o Juiz, de ofício, poderão dilatar os
prazos previstos nesta lei e introduzir outras alterações no procedimento, para
adequá-lo ao caso concreto, bem como modificar o pedido e a causa de pedir, até a
prolação da sentença, observado o contraditório.674

Em relação à competência, dispõe o art. 3º, de modo restritivo, que “[é]


competente para o controle judicial de políticas públicas a justiça ordinária,
estadual ou federal”, mas não se pode desconsiderar o controle jurisdicional de
671
Vide o item 8.4, supra.
672
8.5, supra.
673
Referido, daqui por diante, simplesmente como Substitutivo.
674
Grifo nosso. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/pls/portal/!PORTAL.wwpob_page.
show?_docname=2576789.PDF>. Acesso em: 23 nov. 2018.

201
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

políticas públicas trabalhistas ou eleitorais. Ainda no art. 3º, o Projeto alude ao


controle judicial de políticas públicas “por intermédio de ação coletiva proposta
por legitimado estabelecido pela legislação pertinente, ressalvadas as hipóteses
de cabimento de ações constitucionais”, salientando assim que, em princípio, a via
adequada para o controle de políticas públicas é a dos processos coletivos.
Mas o Projeto não descarta ações individuais, às quais dedicou o Capítulo X,
artigos 28 a 30. O Substitutivo, além de se referir a “Demandas Individuais”, e não a
“Ações Individuais”, como o Projeto, sugere a seguinte redação para o art. 27 (art.
28 do Projeto): “Art. 27 – A via processual adequada para o controle jurisdicional
de políticas públicas é a coletiva, sendo que o processamento e julgamento dos
processos coletivos terão prioridade sobre os das demandas individuais, ressalvadas
as preferências já previstas em lei.”
O Projeto adota, como se vê desde o inciso III do artigo 2º, a tese da “garantia
do mínimo existencial”, o qual define no parágrafo único do artigo 7º: “Considera-
se mínimo existencial, para efeito desta lei, o núcleo duro, essencial, dos direitos
fundamentais sociais garantidos pela Constituição Federal, em relação ao específico
direito fundamental invocado, destinado a assegurar a dignidade humana.” Já
estudamos, no presente trabalho, a fluidez do conceito de mínimo existencial, que,
portanto, ao nosso ver, embora constitua um valor a ser observado, não é proveitoso
como parâmetro ou limite de atuação.675
A questão não se resolve, nem se reduz, por simples definição legal.
Substanciosas monografias, como, por exemplo, o clássico O Direito ao Mínimo
Existencial, de Ricardo Lobo Torres,676 enfrentaram longamente o tema e não
conseguiram delimitar suficientemente o mínimo, que se reconhece flexível e
elástico.677 Enfim, a primeira parte da definição do parág. único do art. 7º, apesar da
sempre censurável ressalva “para efeito desta lei”, em si obsoleta, segue orientação
frequente da doutrina. A segunda parte do dispositivo, por sua vez, se não for
salientado que a oração em relação ao específico direito fundamental invocado se refere
à demanda e ao pedido formulado, dá a impressão de ser redundante a definição.
Na linha do mínimo existencial, todavia, o Projeto faz restrições. Com efeito,
vejam-se os artigos 7º e 28:
Art. 7º. Se o pedido envolver o mínimo existencial ou bem da vida assegurado em
norma constitucional de maneira completa e acabada, o juiz poderá antecipar a
tutela, nos termos do art. 273 do Código de Processo Civil, estando nessa hipótese
dispensadas as informações a respeito dos incisos II, III e IV do artigo 6º.
675
Cf. Capítulo II, item 2.1, supra.
676
Torres, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de janeiro: Renovar, 2009.
677
Cf., ainda, o item 2.1 supra, com remissões e críticas a outros livros sobre a matéria.

202
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Art. 28. Na hipótese de ações que objetivem a tutela de direitos subjetivos individuais
cuja solução possa interferir nas políticas públicas de determinado setor, o juiz
somente poderá conceder a tutela na hipótese de se tratar do mínimo existencial ou
bem da vida assegurado em norma constitucional de forma completa e acabada, nos
termos do disposto no parágrafo 1° do art. 7°, e se houver razoabilidade do pedido e
irrazoabilidade da conduta da Administração.

O Substitutivo, com relação ao art. 6° (art. 7º do Projeto), se limita a retirar


a indicação “do art. 273”,678 mas em relação ao art. 27 (art. 28 do Projeto), além de
sugerir, como vimos acima, nova redação para o caput, converte o caput original em
§ 1º, com o seguinte teor:
Par. 1 º – Nas demandas que objetivem a tutela de direitos subjetivos individuais,
que possam interferir nas políticas públicas de determinado setor, a parte, para
obter a tutela, deverá comprovar que o bem pretendido integra, no caso concreto, o
mínimo existencial ou bem da vida assegurado em norma constitucional de maneira
completa e acabada, nos termos do disposto no parágrafo 1° do art. 6° [7º do Projeto]
e que existe razoabilidade do pedido e irrazoabilidade da conduta da Administração.

Assim sendo, como advertem os próprios autores do Substitutivo, ao analisarem


os artigos 7º e 28 do Projeto (art. 6º e § 1º do art. 27 do Substitutivo), respectivamente:
[...] A antecipação só é possível em caso de mínimo existencial ou de norma de
eficácia plena e completa da Constituição. Quando disto se tratar, acolhe-se a
posição do STF no sentido de que o atendimento do mínimo existencial ou de norma
Constitucional de eficácia plena e completa não há que se indagar da existência da
reserva do possível.

[...]

Sugere-se a redação acima, em substituição à apresentada no projeto, que


determinava a negação da tutela individual quando não se tratasse de mínimo
existencial ou de bem assegurado em norma constitucional de eficácia plena a
imediata. O dispositivo, da forma em que era redigido, poderia ser acoimado de
inconstitucional, por coibir o acesso à justiça para a defesa de direitos subjetivos
individuais. Sugere-se, assim, que a obtenção da tutela individual seja condicionada
à comprovação da presença dos dois requisitos, acrescidos do pré-requisito da
razoabilidade. Afinal, a garantia de acesso à justiça (inc. XXXV do art. 5º CF) deve fazer-
se pela via mais adequada, coletiva ou individual, conforme o caso. Só assim o acesso
à Justiça pode efetivamente transformar-se em acesso à ordem jurídica justa, na feliz
expressão de Kazuo Watanabe.679
678
“Art. 6º. Se o pedido envolver o mínimo existencial ou bem da vida assegurado em norma constitucional
de maneira completa e acabada, o juiz poderá antecipar a tutela, nos termos do disposto no Código de Pro-
cesso Civil, ficando nesses casos dispensadas as informações a respeito dos incisos II, III e IV do artigo 5º.”
679
Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/pls/portal/!PORTAL.wwpob_page.show?_docna-
me=2576789.PDF>. Acesso em 25 nov. 2018. Grifado no original.

203
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Essas condicionantes à antecipação (tutela provisória) e à tutela individual,


que nos parecem salutares e recomendáveis, e deveriam ser imediatamente
observadas, por força da correta interpretação da Constituição, significam,
no entanto, considerável restrição à jurisprudência, que vem concedendo –
equivocadamente – medicamentos e tratamentos como se o direito à saúde fosse
absoluto, sem levar mais nada em conta. Medicamentos de alto custo, aliás, não
estão compreendidos no mínimo existencial, conforme as definições doutrinárias
prevalecentes e lições de maior autoridade.680
O Substitutivo sugere, ainda, a inserção de §  2º ao art. 27, determinando
que: “Na hipótese de demandas individuais repetitivas, que possam interferir
nas políticas públicas de determinado setor, o juiz, de ofício, ou a requerimento
de qualquer das partes, determinará a reunião dos processos e suscitará, como
incidente, o procedimento previsto para a fase preliminar”, o que se mostra
importantíssimo para a governabilidade, mas de delicada composição com os
incidentes de julgamento de casos repetitivos previstos no Código de Processo
Civil. De nossa parte, contudo, como o julgamento de casos repetitivos (art. 928)
se afigura insuficiente para ações que abranjam o controle de políticas públicas,681
a alternativa do § 2º, sob exame, seria mais eficiente, por ensejar a concentração
de julgados e a consequente ampliação do contraditório, realmente vantajosa
nesse tipo de processos. Destarte, conquanto sejam mais trabalhosas a reunião
de processos e a suscitação do incidente, consoante o §  2º, a solução mostra-se
consentânea com o controle jurisdicional de políticas públicas e atende melhor ao
nosso modelo constitucional de processo.
Para complementar, o Substitutivo sugere, igualmente, o acréscimo de
§ 3º ao art. 27, prevendo que “[o] disposto no parágrafo 2º aplica-se às demandas
individuais repetitivas em curso perante os Juizados Especiais Cíveis, devendo estes
remetê-las para o juízo comum, para os mesmos fins previstos acima.”
Também sugere o Substitutivo a inserção de norma dispondo sobre a
suspensão de processos individuais: “Art. 29 – Na pendência de processos coletivos
e individuais, estes ficarão suspensos até a sentença final coletiva, ressalvados os
680
Torres, Ricardo Lobo, com relação a medicamentos caros e importados, fala em “predação da renda
pública pela classe média e pelos ricos” (O direito ao mínimo existencial. Rio de janeiro: Renovar, 2009.
p. 132 e 256, esta correspondente ao trecho aspeado). Bem assim, lembre-se a definição de Barcellos,
Ana Paula de: “Na linha do que identificou no exame sistemático da própria Carta de 1988, o mínimo
existencial que ora se concebe é composto de quatro elementos, três materiais e um instrumental, a saber: a
educação fundamental, a saúde básica, a assistência aos desamparados e o acesso à Justiça” (A eficácia ju-
rídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar,
2002. p. 258 – grifado no original).
681
Vide o item 8.7, infra.

204
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

casos em que já tiver se encerrado a instrução, retomando seu curso na hipótese


de extinção ou improcedência da demanda coletiva, com suspensão da prescrição.”
Ainda no que concerne a ações individuais, o art. 30 do Projeto disciplina a
conversão da ação individual em ação coletiva, tendo sido sugerida pelo Substitutivo
“redação melhorada da constante do art. 333 do novo CPC, que acabou vetado pela
Presidência da República”. A nova redação, aprimorada, além de compreender “a
ação individual que tenha efeitos coletivos, em razão da tutela de bem jurídico
coletivo e indivisível, cuja ofensa afete a um tempo as esferas jurídicas do indivíduo e
da coletividade” e “a ação individual que tenha por escopo a solução de conflitos de
interesses relativos a uma mesma relação jurídica plurilateral, cuja solução, pela sua
natureza ou por disposição de lei, deva ser uniforme, assegurando-se tratamento
isonômico para todos os membros do grupo e padrão de conduta consistente e
unitária para a parte contrária” (art. 30, I e II), como faziam, em substância, os incisos
I e II do artigo 333 do CPC, acrescentou o utilíssimo inciso III ao artigo 30, para incluir
“as ações individuais repetitivas descritas nos par. 2º e 3º do artigo 27”, ou seja,
correspondentes a interesses individuais homogêneos.682
Depreende-se outrossim do Projeto, a conveniente atenção com a reunião
de processos, estabelecendo o artigo 23 (Capítulo VI) a reunião em primeiro
grau: “Quando vários processos versando sobre pedidos, diretos ou indiretos, de
implementação ou correção de políticas públicas relativas ao mesmo ente político
tramitarem em diversos juízos, as causas serão reunidas, independentemente de
conexão, para julgamento conjunto, a fim de o juiz dispor de todos os elementos
necessários para uma decisão equitativa e exequível”; e o artigo 25 (Capítulo VIII)
a reunião em grau de recurso: “Quando o tribunal receber diversos recursos em
processos que objetivem o controle judicial de políticas públicas relativamente
ao mesmo ente político, e que poderão comprometer o mesmo orçamento, os
processos de competência do tribunal pleno ou do respectivo órgão especial serão
reunidos para julgamento conjunto, objetivando-se a prolação de uma decisão
equânime e exequível.” A redação do art. 25, todavia, está truncada, devendo ser
interpretado, conforme modificação sugerida pelo Substitutivo, no sentido de
que “os processos serão reunidos para julgamento conjunto, de competência do
tribunal pleno ou do respectivo órgão especial, com vistas a uma decisão equânime
e exequível [...]”. Aplica-se à reunião de processos a regra de prevenção do Código
de Processo Civil (art. 23, parág. único).
A grande inovação do Projeto, em especial, foi instituir, em Capítulo próprio
(III), a Fase Preliminar (arts. 6º a 10), na qual se inicia “o diálogo entre a Administração,
682
O texto do Substitutivo, para permitir sua consulta integral, está inserido em apêndice.

205
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

o juiz e as partes”683 e serão notificados (art. 6º) o Ministério Público e a autoridade


responsável pela efetivação da política pública, para que esta preste, pessoalmente
e no prazo de sessenta dias, prorrogável por igual período, informações detalhadas
que deverão contemplar os seguintes dados da política pública objeto do pedido,
os quais constarão do mandado: “I – o planejamento e a execução existentes; II
– os recursos financeiros previstos no orçamento para sua implementação; III – a
previsão de recursos necessários a sua implementação ou correção; IV– em caso de
insuficiência de recursos, a possibilidade de transposição de verbas; IV [rectius, V] –
o cronograma necessário ao eventual atendimento do pedido.”
É marcante a preocupação do Projeto com as informações da autoridade,
mencionando a aplicação das “sanções previstas no Código de Processo Civil”, se não
forem prestadas, e a possibilidade de o juiz “convocá-la pessoalmente para comparecer
a juízo” (art. 8º, caput), a possibilidade de utilização de técnicos especializados para
assessorar o juiz na análise das informações (art. 8º, § 2º), como ainda:
Art. 9º. Se considerar as informações insuficientes, o juiz, de ofício ou a requerimento
do autor ou do Ministério Público, quando este não for autor, poderá solicitar
esclarecimentos e informações suplementares, a serem prestadas em prazo razoável,
fixado pelo juiz, bem como designar audiências, em contraditório pleno, inclusive
com a presença dos técnicos envolvidos, para os mesmos fins.

O art. 10 prevê, caso tenha por esclarecidas as questões suscitadas na


fase preliminar, que “o juiz poderá designar audiências públicas, convocando
representantes da sociedade civil e de instituições e órgãos especializados”, sendo
admitida, tanto na fase preliminar e como no processo judicial, “a intervenção de
amicus curiae, pessoa física ou jurídica, que poderá manifestar-se por escrito ou
oralmente” (art. 10, parág. único).
O projeto tomou o cuidado, na fase preliminar, de se referir à notificação do
Ministério Público e da autoridade responsável, aludindo à “citação do representante
judicial da autoridade competente para apresentar resposta” (art. 14) ou, segundo
o Substitutivo, à “citação da pessoa jurídica de direito público a que pertence a
autoridade responsável e de seu representante judicial, para responder” (art. 13),
apenas no Capítulo V, Do Processo Judicial, visando a configurar, como se expressam
os próprios autores do projeto original, uma fase “pré-processual”.684 O artigo 6º
do Projeto (art. 5º do Substitutivo), que inaugura a Fase Preliminar, no entanto, é
expresso ao afirmar que: “Estando em ordem a petição inicial, o juiz a receberá [...]”,
683
A observação é dos autores do Substitutivo.
684
Vejam-se as referências dos autores do Substitutivo à “fase preliminar, pré-processual”, ao analisarem
os arts. 3º e 5º do Projeto. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/pls/portal/!PORTAL.wwpob_
page.show?_docname=2576789.PDF>. Acesso em: 25 nov. 2018.

206
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

sendo certo, de qualquer maneira, que a partir da propositura da ação há processo,


embora incompleto, entre autor e juiz, o qual pode ser extinto, antes mesmo da
citação do réu, mercê do indeferimento da petição inicial (art. 487, I, do CPC).
Na verdade, o Projeto vai mais longe, ao dispor:
Art. 14. Não havendo acordo, o juiz examinará, em juízo de admissibilidade, a
razoabilidade do pedido e da atuação da Administração, podendo extinguir o
processo com resolução do mérito ou determinar a citação do representante judicial
da autoridade competente para apresentar resposta.
Parágrafo único. Extinto o processo, serão intimados da sentença o autor, a autoridade
responsável e a pessoa jurídica de direito público a que esta pertence.685

Assim, apesar do teor pouco claro do dispositivo (tal qual do art. 13 do


Substitutivo), como ainda não houve a citação da pessoa jurídica de direito público
a que pertence a autoridade responsável, que nem sequer teve, por conseguinte,
oportunidade de oferecer defesa, a alternativa, nesse “juízo de admissibilidade”,
podendo extinguir o processo com resolução do mérito ou determinar a citação, cuida,
na primeira opção, de nova hipótese de julgamento de improcedência liminar do
pedido, sendo intimados da sentença, conforme o parágrafo único, o autor (para
poder recorrer), a autoridade responsável e a pessoa jurídica de direito público
(esta, decerto, nos termos do art. 241 do CPC).
Estabelece o Projeto, portanto, de forma algo obscura, mormente pela
importância da matéria, que o juiz só deve determinar a citação da pessoa jurídica
de direito público e dar prosseguimento ao processo se concluir, diante dos
elementos e informações colhidos na fase preliminar, pela razoabilidade do pedido
e irrazoabilidade da atuação da Administração; do contrário, se restar convencido
da razoabilidade da atuação da Administração e da correlata irrazoabilidade do
pedido, deverá julgar, de pronto, improcedente o pedido.
Coerentemente, como se vê, o art. 4º do Projeto dispôs que “[a] petição inicial
obedecerá aos requisitos previstos no Código de Processo Civil e deverá indicar com
precisão a medida necessária para implementação ou correção da política pública,
bem como a autoridade responsável por sua efetivação.”
O parágrafo único do artigo 4º do Projeto, sob outro enfoque, prescreve
que: “A petição inicial indicará a pessoa jurídica de direito público à qual pertence
685
Eis o artigo do Substitutivo: “Art. 13 - Não havendo acordo, o juiz examinará, no juízo de admissibilida-
de, a razoabilidade do pedido e a irrazoabilidade da atuação da Administração, podendo extinguir o proces-
so, com resolução do mérito, ou determinar a citação da pessoa jurídica de direito público a que pertence a
autoridade responsável e de seu representante judicial, para responder.
Parágrafo único – Extinto o processo, serão intimados da sentença o autor, a autoridade responsável e a
pessoa jurídica de direito público a que esta pertence.”

207
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

a autoridade responsável pela efetivação da política pública, e em razão desta será


determinada a competência.” Logo, à semelhança do que ocorre no mandado de
segurança, é a autoridade responsável pela efetivação da política pública (e sua
sede) que fixa a competência.
Dispõe também o Projeto, com proficuidade: “Art. 15. Determinada a citação,
a autoridade responsável pela política pública continuará vinculada ao processo,
inclusive para os fins do disposto no artigo 21.”
Art. 21. Se a autoridade responsável não cumprir as obrigações determinadas na
sentença ou na decisão de antecipação de tutela, o juiz poderá aplicar as medidas
coercitivas previstas no Código de Processo Civil, inclusive multa periódica
de responsabilidade solidária do ente público descumpridor e da autoridade
responsável, devida a partir da intimação pessoal para o cumprimento da decisão,
sem prejuízo da responsabilização por ato de improbidade administrativa ou das
sanções cominadas aos crimes de responsabilidade ou de desobediência, bem como
da intervenção da União no Estado ou do Estado no Município.

Por força do art. 15, consequentemente, a autoridade responsável pela


política pública é, e continua sendo, parte do processo, como acontece, aliás, nas
structural injunctions norte-americanas,686 aludindo expressamente o art. 21 a
sanções a que, em tese, fica sujeita a autoridade. Infelizmente, porém, este último
dispositivo menciona “responsabilidade solidária do ente público descumpridor
e da autoridade responsável”, esvaziando, em larga medida, a providência que
normalmente constituiria o meio mais eficaz de coerção da autoridade, ou seja, a
aplicação de multa direta e exclusiva ao agente público.
Determinada que seja a citação, o julgamento antecipado da lide é estimulado
pelo Projeto, como se depreende do art. 16: “Todos os elementos probatórios colhidos
na fase preliminar, em contraditório, serão aproveitados no processo judicial, devendo
o juiz privilegiar o julgamento antecipado da lide sempre que possível.”
Deve ser ressaltada, igualmente, a liberdade concedida ao juiz (e o
correspondente dever), pelo art. 18 do Projeto, de, se for o caso, determinar na
decisão, independentemente de pedido do autor, o cumprimento de obrigações
de fazer sucessivas, abertas e flexíveis, que poderão consistir, exemplificativamente,
em determinar ao ente público responsável pelo cumprimento da sentença ou da
decisão antecipatória a apresentação do planejamento necessário à implementação
ou correção da política pública objeto da demanda, instruído com o respectivo
cronograma, que será objeto de debate entre o juiz, o ente público, o autor e, quando
686
Cf. FISS, Owen M. Fazendo da Constituição uma verdade viva: quatro conferências sobre a structural
injunction. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix. (Org.). Processos estruturais. Salvador:
JusPodivm, 2017. p. 25-51, espec. p. 27 e 42.

208
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

possível e adequado, representantes da sociedade civil (I); determinar ao Poder


Público que inclua créditos adicionais especiais no orçamento do ano em curso ou
determinada verba no orçamento futuro, com a obrigação de aplicar efetivamente
as verbas na implementação ou correção da política pública requerida (II). Segundo
o §  3º, “[h]omologada a proposta de planejamento, a execução do projeto será
periodicamente avaliada pelo juiz, com a participação das partes e do Ministério
Público e, caso se revelar inadequada, deverá ser revista nos moldes definidos no
parágrafo 2º”, isto é, mediante “debate entre o juiz, o ente público, o autor, o Ministério
Público e, quando possível e adequado, representantes da sociedade civil.”
Para o efetivo cumprimento da sentença ou da decisão de antecipação da tutela,
além disso, consoante o art. 19 do Projeto, poderá o juiz“nomear comissário, pertencente
ou não ao Poder Público, que também poderá ser instituição ou pessoa jurídica,
para a implementação e acompanhamento das medidas necessárias à satisfação das
obrigações, informando ao juiz, que poderá lhe solicitar quaisquer providências”.687
O Projeto, no parágrafo único do art. 19, prevê que “[o]s honorários do
comissário serão fixados pelo juiz e custeados pelo ente público responsável pelo
cumprimento da sentença ou da decisão de antecipação da tutela”. O Substitutivo,
por seu turno, sugere a seguinte modificação: “A função poderá ser exercida pelo
Ministérios Público, pela Defensoria Pública, por Câmara Especial de juízes e pela
sociedade civil organizada, em conjunto ou separadamente”, justificando: “Sugere-
se a substituição da previsão do custeio dos honorários do Comissário pelo Poder
Público pela exemplificação de órgãos públicos ou instituições privadas que podem
desempenhar a função, como tem sido feito em outros países”.
Não obstante o mérito da ideia, que deve realmente ser aperfeiçoada,
a nomeação do Ministério Público para exercer a função de comissário soa de
duvidosa constitucionalidade, pois as outras funções, a que se refere o inciso IX
do art. 129 da Carta, são para atuar como autor ou fiscal da ordem jurídica.688 Bem
assim, a Defensoria Pública, além de também exercer notáveis atribuições dispostas
na própria Constituição da República (art. 134), está assoberbada. Câmara Especial
de juízes é uma incógnita. Resta a sociedade civil organizada, a que se deveria
acrescentar, para encerrar o parágrafo único, instituições públicas ou privadas, com
reconhecidas credibilidade e expertise.
687
Como esclarecem os autores do Substitutivo, “[a] figura do comissário, assim denominado no processo
jurisdicional administrativo italiano (Codicedel processo amministrativo italiano: arts .7.1; 20, 21, 27, 28,
112, 113 e 114)também encontra equivalente no sistema norte-americano”, i. e., os masters (ou special
masters) referidos no Capítulo V, itens 5.2 e 5.3, supra.
688
Cf. Sampaio, José Adércio Leite. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et al. (Coord.). Comentários à Cons-
tituição do Brasil. 1. ed. 5. tir. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2014. p. 1.532.

209
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Por fim, em razão da intrínseca natureza rebus sic stantibus da coisa julgada em
ações que envolvem o controle judicial de políticas públicas, reza o art. 20 do Projeto:
“O juiz, de ofício ou a requerimento das partes, poderá alterar a decisão na fase de
execução, ajustando-a às peculiaridades do caso concreto, inclusive na hipótese
de o ente público promover políticas públicas que se afigurem mais adequadas do
que as determinadas na decisão, ou se esta se revelar inadequada ou ineficaz para o
atendimento do direito que constitui o núcleo da política pública deficiente.”
O douto Projeto é, sem dúvida, alvissareiro, mas cria um certo paradoxo, ao
estabelecer sistema dispendioso, inclusive com a organização e manutenção, em
cada circunscrição judiciária, de comissão de especialistas destinada a assessorar
o magistrado nos diversos setores de políticas públicas, fornecendo dados e
informações que o auxiliem em sua decisão (art. 28, parág. único), como se admitisse
a perpetuação da função de coadministrador do Poder Judiciário, e renegando
a constantemente declarada excepcionalidade de sua intervenção em políticas
públicas. Nosso maior problema continua sendo a escassez de recursos, e projeta-
se gastar ainda mais com a instrumentalização da função, em essência, de controle...

8.7 O esforço pela ação coletiva


Segundo o art. 139 e seu inciso X: O juiz dirigirá o processo conforme as
disposições deste Código, incumbindo-lhe [...] “quando se deparar com diversas
demandas individuais repetitivas, oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública
e, na medida do possível, outros legitimados a que se referem o art. 5º da Lei nº
7.347, de 24 de julho de 1985, e o art. 82 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990,
para, se for o caso, promover a propositura da ação coletiva respectiva”.689
Essa incumbência dada pelo CPC ao juiz é crucial. Por mais que seja necessária
a ampla cognição judicial para o julgamento de ações que visem a prestações
sociais não implementadas por políticas públicas, por mais que se empenhem juiz e
partes, incluindo o Ministério Público,690 para a comprovação e compreensão geral
das questões pertinentes, buscando a efetiva realização do alegado direito social,
não se disporá da dimensão de uma genuína ação coletiva.

689
Antes havia o art. 7º da Lei nº 7.347/85: “Art. 7º Se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais
tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão peças ao Minis-
tério Público para as providências cabíveis.”
690
O Ministério Público é parte no processo, seja parte parcial ou custos legis. “Ser fiscal da ordem jurídica
não significa não ser parte [...]. A qualidade de parte [...] consiste em ser titular das posições jurídicas ativas
e passivas inerentes à relação processual e com isso poder participar ativamente do contraditório instituído
perante o juiz (Liebman)” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 7. ed.
rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2017. v. II. p. 496 e 497, item 721 – grifado no original).

210
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

O instrumental do chamado microssistema de processos coletivos é sem


dúvida maior, a começar pela possibilidade de instauração do inquérito civil público
e de requisição de exames ou perícias pelo Ministério Público (art. 8º, § 1º, da Lei nº
7.347/85); pela possibilidade de assunção da titularidade ativa da ação civil pública
pelo Ministério Público ou outro legitimado, no caso de desistência infundada ou
abandono da ação pela associação legitimada (art. 5º, § 3º); pela inexistência de efeito
suspensivo ex lege aos recursos (art. 14);691 pelo dever do Ministério Público, facultada
igual iniciativa aos demais legitimados, promover a execução da sentença (ou
acórdão) transitada em julgado, se a associação autora não a promover em sessenta
dias (art. 15); pela dispensa do adiantamento de custas, emolumentos, honorários
periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo
comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais
(art. 18); pelo duplo grau obrigatório de jurisdição, quando a sentença concluir pela
carência da ação ou pela improcedência do pedido (art. 19 da Lei nº 4.717/65);692 pelo
regime especial da coisa julgada (art. 16 da Lei 7.347 e art. 103 da Lei nº 8.078/90).
É certo que o Ministério Público, mesmo intervindo como fiscal da ordem
jurídica (art. 178 do CPC), em ação individual, “poderá produzir provas, requerer as
medidas processuais pertinentes e recorrer” (art. 179, II, do CPC), mas a amplitude
e a profundidade da atuação são naturalmente menores do que numa autêntica
ação coletiva.
Na ação individual, deve o juiz, com a cooperação das partes (inclusive
Ministério Público), em suma, examinar a juridicidade da política pública adotada e
a razoabilidade da pretensão, até mesmo sob o enfoque das consequências práticas
da decisão e da necessidade e da adequação da medida imposta, inclusive “em face
das possíveis alternativas” (art. 20 da LINDB), o que exige a verificação da situação
geral, mas na perspectiva da (possibilidade) de concessão daquela prestação
social aos cointeressados, de forma universal e igualitária, sem embaraçar outras
prestações, como é imanente aos serviços públicos essenciais. Já na ação coletiva,
cabe a própria revisão da política pública, até em âmbito nacional,693 num contexto
691
Como se vê do dispositivo, o juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irre-
parável à parte, tratando-se, por conseguinte, de concessão ope iudicis.
692
O STJ consagrou entendimento de que, além da aplicação analógica do art. 19 da Lei 4.717/65, no caso
de improcedência do pedido aplica-se também, subsidiariamente, o CPC, hoje artigo 496, inciso I (2ª Tur-
ma, REsp 1.605.572/MG, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 22/11/2017).
693
Basta pensar numa ação proposta pelo Ministério Público Federal ou outro legitimado de abrangência
nacional. “No julgamento do recurso especial repetitivo (representativo de controvérsia) n.º 1.243.887/PR,
Rel. Min. Luís Felipe Salomão, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a regra previs-
ta no art. 16 da Lei n.º 7.347/85, primeira parte, consignou ser indevido limitar, aprioristicamente, a eficácia
de decisões proferidas em ações civis públicas coletivas ao território da competência do órgão judicante.”
(STJ, Corte Especial, EREsp 1134957/SP, DJe 30/11/2016).

211
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

amplo, após irrestrita produção de provas, com intervenção de amicus ou amici


curiae e realização de audiências públicas, acaso comprovada a sua antijuridicidade.
Na ação individual podem, em tese, ocorrer audiência pública694 e intervenção de
amicus curiae, mas a dinâmica será restrita e, pois, diferente.
A utilização da regra do inciso X do art. 139 do CPC, todavia, não se mostra
habitual. Poucas vezes, aliás, têm os juízes oficiado ao Ministério Público ou à
Defensoria Pública para promover, se for o caso, a propositura da ação coletiva. Na
verdade, o que se observa é a infindável propositura de demandas individuais pela
Defensoria Pública, como já aludido, sob a mirada da facilidade de vitória,695 mas
sem contribuir, efetivamente, para a solução do problema social.
Aliás, sobre a generosidade do Judiciário em ações individuais, salientou
muito bem Daniel Sarmento que “o Poder Judiciário brasileiro tem se mostrado, de
um modo geral, muito mais generoso nas ações individuais do que nas coletivas, o
que, na minha opinião, gera uma grave distorção, em prejuízo da tutela dos direitos
dos mais necessitados e da racionalidade do sistema”, e esclarece o porquê: “na
tutela coletiva, os magistrados não têm como escapar de uma reflexão que deveria
ser realizada sempre que estivessem em jogo pretensões sobre recursos escassos: o
potencial de universalização do que foi pedido”.696
O Ministério Público, que tem a árdua e honrosa atribuição constitucional
de “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
694
“Já a possibilidade de convocação de audiências públicas está expressamente prevista no incidente de
resolução de demandas repetitivas (art. 983, § 1º), no julgamento dos recursos extraordinários e especiais
repetitivos (art. 1.038, II) e também na eventual necessidade de modificação tese jurídica de enunciado
de súmula ou julgamentos de casos repetitivos (art. 927, § 2º). Nada impede, todavia, que a depender da
natureza da matéria em debate, o magistrado convoque audiência pública para auxiliá-lo no deslinde da
controvérsia – esse é o verdadeiro cerne da cooperação, calcado no Estado Democrático de Direito.”
(CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. In: ALVIM, Teresa Arruda et al. (Coord.). Breves comentários ao
novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 71-72 – grifo nosso).
695
Cf. VITORELLI, Edilson. Levando os conceitos a sério: processo estrutural, processo coletivo, processo
estratégico e suas diferenças. Revista de Processo, São Paulo, n. 284, p. 334-369, out. 2018. espec. p. 349-
350 e nota 35.
696
sarmento, Daniel. A proteção judicial dos direitos sociais: alguns parâmetros ético-jurídicos. In:
SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de (Coord.). Direitos sociais: fundamentos, judi-
cialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 553-586, espec. p. 583. O
Relatório de Pesquisa da Avaliação da Prestação Jurisdicional Coletiva e Individual a partir da Judiciali-
zação da Saúde, do CEBEPEJ, constatou “uma esmagadora preponderância das ações individuais: 90,28%
das ações encontradas no TJ/SP eram tipicamente individuais, no TRF3 tais ações compuseram 92,3% das
ações analisadas e no TJ/MG 89 %”, bem como que as ações individuais “ostentam uma grande probabili-
dade de êxito – mais de 93% das ações individuais ajuizadas no TJ/SP com base no direito à saúde foram
julgadas procedentes em primeira instância, e o índice de reforma pelo Tribunal revelou-se baixíssimo. O
mesmo cenário foi constatado no TRF3, em que 91,6% das ações tipicamente individuais foram julgadas
total ou parcialmente a favor do autor, sendo que em nenhuma delas houve reforma em segunda instância.
No TJ/MG esse percentual atingiu 86,4%”. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br/admin/arquivos/
e9797e31b063aad81b88c1d5ea360d0f.pdf>. Acesso em: 9 nov. 2018.

212
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

individuais indisponíveis” (art. 127), por sua vez, também vem se aventurando em
propor ações estritamente individuais, ou seja, em benefício de apenas uma pessoa.
O Superior Tribunal de Justiça tem legitimado essa atuação: “Legitimidade ativa do
Ministério Público para propor ação civil pública em defesa de direito indisponível,
como é o direito à saúde, em benefício de pessoa pobre”.697
A orientação, com a devida vênia, não entusiasma. Como assevera Eduardo
Talamini: “Obviamente, a ação coletiva não se destina à tutela do direito de um único
indivíduo”.698 Em termos gerais, ao analisar “a configuração do interesse-adequação”
para as ações coletivas, Cândido Dinamarco afirma que só se admite “as ações
públicas quando se tratar de direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais
homogêneos (CDC, art. 81, par., incs. I-III)”, e conclui:
O processo de uma ação civil pública proposta sem esse requisito é fadado à extinção
sem julgamento do mérito, sendo o autor carecedor de ação por falta de interesse
de agir (interesse-adequação) – como é o caso de ações civis públicas movidas pelo
Ministério Público ou algum outro legitimado em benefício de um reduzidíssimo
número de possíveis beneficiados.699

Também nos parece, diga-se com a máxima reverência, que a atuação do


Ministério Público em prol de um ou pouquíssimos indivíduos desnatura a sua
função institucional, na medida em que “[a] relevância jurídico-constitucional
do bem discutido não justifica, por si só, o emprego da ação civil pública”.700 A
própria Constituição Federal, demais disso, elegeu a Defensoria Pública, instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, para a orientação jurídica e
defesa individual dos direitos dos hipossuficientes (art. 134).701
Seja como for, ao menos em ordem de prioridade, é inegável que a propositura
de ação coletiva é muito mais significativa, do ponto de vista social, do que a
propositura de ações individuais, porquanto “se destina a produzir efeitos muito mais
amplos e socialmente úteis que o microprocesso de conotação individualista”.702
697
1ª Turma, REsp 948.579/RS, Rel. Min. José Delgado, DJ 13/09/2007 p. 178.
698
A dimensão coletiva dos direitos individuais homogêneos: ações coletivas e os mecanismos previstos
no Código de processo Civil de 2015. In: ZANETI JR., Hermes (Coord.). Processo coletivo. Salvador:
JusPodivm, 2016. (Coleção repercussões do novo CPC, v. 8). p. 109-131, espec. p. 121.
699
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 8. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2016. v. I. p. 279 – grifado no original.
700
Talamini, Eduardo. A dimensão coletiva dos direitos individuais homogêneos: ações coletivas e os
mecanismos previstos no Código de processo Civil de 2015. In: ZANETI JR., Hermes (Coord.). Processo
coletivo. Salvador: JusPodivm, 2016. (Coleção repercussões do novo CPC, v. 8). p. 109-131, espec. p. 121,
nota 25.
701
A par, é evidente, da atribuição para a defesa de direitos coletivos (arts. 134 da CF e 5º, inc. II, da Lei
7.347/85.
702
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 8. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2016. v. I. p. 278 – grifado no original.

213
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

As ações coletivas, em verdade, são essenciais para a íntegra tutela


jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e o controle jurisdicional de políticas
públicas, sendo insuficientes os mecanismos de julgamento de casos repetitivos
(art. 928 do CPC). Com efeito: talvez o aspecto mais importante daqueles processos,
como estamos vendo, seja a imperiosa necessidade da ampla cognição judicial, o
exame de uma conjuntura vária e multifacetada, a análise de recursos (materiais,
humanos e financeiros), e consequências práticas, em meio a múltiplos termos de
alternativa, tudo imprescindível para a real e concreta verificação da legitimidade
da política pública e da razoabilidade da pretensão social.
No incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), no entanto, por
opção de política legislativa, apenas se cuida de questões unicamente de direito, ou,
na dicção legal, é cabível o incidente quando houver “efetiva repetição de processos
que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito” (art.
976, I, do CPC). Já nos recursos especial e extraordinário, o efeito devolutivo, como
se sabe, restringe-se às questões de direito,703 e o próprio artigo 1.036 do CPC deixa
absolutamente claro em relação aos repetitivos: “Sempre que houver multiplicidade
de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão
de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta
Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.” (grifo nosso).
Ora, a tese jurídica vinculativa é estabelecida sem o efetivo exame das
questões de fato, sem análise imediata da prova produzida e sem possibilidade de ser
determinada – no incidente ou no recurso – a produção de provas complementares
ex officio. Ainda que o Código de Processo Civil preveja que “o conteúdo do acórdão
abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à tese
jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários” (art. 984, § 2º),704 a preocupação
legislativa é com os temas jurídicos envolvidos.705
703
“Nem o recurso extraordinário, nem o especial investe o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribu-
nal de Justiça de cognição quanto à matéria de fato, no sentido de que – conforme rezam os nos 279 e 7 da
Súmula da Jurisprudência Predominante daquele e deste, respectivamente – nenhum dos dois abre ensejo
ao reexame de provas (e menos ainda à colheita de outras), para apurar-se a exatidão daquilo que, em tal
plano, assentou a decisão impugnada” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de
Processo Civil: Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. 16. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,
2011. v. V. p. 597). Já na vigência do CPC/2015: “O efeito devolutivo do recurso [especial e extraordinário]
é limitado, permitindo apenas a apreciação das questões de direito enfrentadas pelo órgão a quo” (Direito
processual civil contemporâneo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. v. 2. p. 1.014).
704
Embora o § 3º do art. 1.038, de redação semelhante à do § 2º do art. 984, tenha sido modificado pela Lei
nº 13.256/2016, para substituir a expressão “todos os fundamentos” por “fundamentos relevantes” e excluir
a menção a “favoráveis ou contrários”, pode-se concluir que, a despeito das modificações, tratando-se de
microssistema, também no julgamento de recursos repetitivos deverá o conteúdo do acórdão abranger a
análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou
contrários, interpretação que apenas complementa o teor atual do § 3º do art. 1.038.
705
“[...] devem ser analisados todos os fundamentos suscitados, que digam respeito à questão de direito

214
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

No que tange ao IRDR, em especial, basicamente três correntes se formaram


quanto ao requisito de admissibilidade haver “efetiva repetição de processos que
contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito”, prevista no
inciso I do artigo 976: (a) fatos incontroversos; (b) situação fática pressuposta ou fato-
tipo; (c) análise posterior e individualizada das questões fáticas e produção de provas.
Antes de examiná-las, porém, cumpre fazer um esclarecimento: o IRDR,
na verdade, pode abranger duas hipóteses distintas, resolução de demandas
repetitivas ou resolução de questões repetitivas706 (cf. art. 928, parág. único, do CPC),
que merecem, por isso, ao menos em alguns pontos, exames diferenciados. Assim,
p. ex., o julgamento de demandas repetitivas não pode prescindir, por completo, da
consideração de questões fáticas (natural ou, até mesmo, em tese, funcionalmente
fáticas, 707 embora estas se afigurem difíceis em nível de “efetiva repetição de
processos”), ainda que não se admita a discussão sobre quaestio facti no incidente.
Destaca, então, a doutrina que “questões ditas de direito [...] são predominantemente
de direito”,708 ou que “[o] objetivo do legislador foi ressaltar que apenas as questões
de direito poderão ser definidas no incidente”.709 Mas em relação a simples questões
processuais, é possível imaginar a apreciação de questão (comum) estritamente de
direito, como, v. g., a competência da Justiça Federal, tão somente em razão de o
Ministério Público Federal ser parte no processo.
Cuidamos aqui de demandas de direito social e controle de políticas públicas,
nas quais a cognição jurisdicional, principalmente das questões de fato, deve ser
ampla, se bem que, a rigor, a simples constatação da multiplicação desse tipo de
processo, em grande escala, seja, por si só, um sério sinal de precaução.
Pois bem, no que concerne à “questão unicamente de direito”, pode-se
pensar (i) em fatos incontroversos710 (art. 374, III, do CPC) e fatos que “não são objeto
de questionamento algum”;711 (ii) ou que no incidente, não sendo apurados fatos, o
sobre a qual se discute” (ALVIM, Teresa Arruda et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo
Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 1.409).
706
Tanto que MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro se refere a “Incidente de Resolução de Demandas Re-
petitivas (rectius de Questão Comum) (IRDR ou IRQC)” (Incidente de resolução de demandas repetitivas:
sistematização, análise e interpretação do novo instituto processual. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 1).
707
Sobre quaestio iuris com função de quaestio facti, vide BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Conside-
rações sobre a causa de pedir na ação rescisória. In: Temas de direito processual: quarta série. São Paulo:
Saraiva, 1989. p. 205-213, passim.
708
ALVIM, Teresa Arruda et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015. p. 1.397 – grifado no original.
709
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Incidente de resolução de demandas repetitivas: sistematiza-
ção, análise e interpretação do novo instituto processual. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 111.
710
Talamini, Eduardo menciona “aspectos fáticos incontroversos”. Incidente de resolução de demandas re-
petitivas (IRDR): pressupostos. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI236580,31047-
-Incidente+de+resolucao+de+demandas+repetitivas+IRDR+pressupostos>. Acesso em: 31 out. 2018.
711
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 47. ed. rev. atual. e ampl. Rio de
Janeiro: Forense, 2016. v. III, p. 913-914.

215
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

tribunal consideraria “uma categoria fática pressuposta”, identificaria “um fato-tipo


(ou um conjunto de fatos-tipo)”;712 (iii) ou que a produção e aferição de prova, bem
como a análise de questões fáticas deve “ser feita em momento posterior e de modo
individualizado em cada processo”.713
Nenhuma das hipóteses se mostra consentânea, em princípio, com o
julgamento de casos que exijam a investigação de políticas públicas. É certo que as
técnicas de julgamento de casos repetitivos podem evitar decisões contraditórias,
prestigiando a isonomia e a segurança jurídica, mas a fixação de tese jurídica
vinculativa nos casos de que estamos tratando, sem efetiva e irrestrita análise das
amplas e variadas questões de fato, ou seja, superficialmente, pode representar mal
muito maior, prejudicando a eficiência administrativa, promovendo o desequilíbrio
social e comprometendo a governabilidade.
Como advertiu um douto, “o IRDR (tal como o julgamento por amostragem
de recursos especiais e extraordinários) presta-se à busca de isonomia, segurança
jurídica, previsibilidade e economia processual. Não é – e jamais pode ser
interpretado como – um instrumento de redução da carga de trabalho, a qualquer
custo, dos tribunais”.714
Assim, nas hipóteses de que estamos cuidando, a prevalência deve ser das
ações coletivas, com a irrestrita cognição judicial, tanto em extensão quanto em
profundidade, e não de ações individuais ou mecanismos de julgamento de casos
repetitivos, sendo de se lamentar, neste ponto, que o Código de Processo Civil em
vigor tenha estabelecido certa hegemonia para o julgamento de casos repetitivos,
ao prever a suspensão dos processos pendentes, individuais ou coletivos, quando
admitido o IRDR (arts. 313, IV, e 982, I, do CPC) ou reconhecida a multiplicidade de
recursos extraordinários ou especiais (art. 1.036, § 1º, do CPC), eventualmente em
todo território nacional (arts. 982, § 3º, e 1.037, II, do CPC).715
Em doutrina, todavia, além de manifestações no sentido da suspensão parcial

712
Cf. TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. 3. ed. rev. ampl. e atual. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 73 e 75 – grifado no original.
713
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Incidente de resolução de demandas repetitivas: sistematiza-
ção, análise e interpretação do novo instituto processual. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 112.
714
Talamini, Eduardo. Incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR): pressupostos. Disponível
em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI236580,31047-Incidente+de+resolucao+de+demandas+r
epetitivas+IRDR+pressupostos>. Acesso em: 31 out. 2018.
715
Para uma crítica certeira ao predomínio das Técnicas Individuais de Repercussão Coletiva (TIRC) sobre
as Técnicas Coletivas de Repercussão Individual (TCRI), veja-se RODRIGUES, Marcelo Abelha. Técnicas
individuais de repercussão coletiva x técnicas coletivas de repercussão individual. Por que estão extin-
guindo a ação civil pública para a defesa de direitos individuais homogêneos? In: ZANETI JR., Hermes
(Coord.). Processo coletivo. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 623-640, passim.

216
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

dos processos pendentes, exclusivamente no que concernir à questão afetada,716


opinião autorizada defende a possibilidade de não haver a suspensão de alguns
processos, afirmando que: “Razões podem existir, contudo, para a não adoção da
suspensão para a situação concreta”.717
Restaria o argumento de que o microssistema do incidente de resolução
de demandas repetitivas e dos recursos especial e extraordinário repetitivos prevê
ampla participação e publicidade (cf. arts. 979, 983, caput e § 1º, e 1.038, I e II, todos
do CPC), mas se, conforme precisa lição, “[n]ada impede [...] que a depender da
natureza da matéria em debate, o magistrado convoque audiência pública para
auxiliá-lo no deslinde da controvérsia”,718 em qualquer processo, em ações coletivas
a possibilidade ressumbra obviedade. Quanto à publicidade, além da aplicação do
artigo 94 do CDC (arts. 90 do CDC e 21 da Lei nº 7.347/85), como já salientamos
em outro trabalho, pode o juiz determinar qualquer medida razoável para dar
ampla publicidade ao processo coletivo,719 consoante os artigos 5º, LX, e 93, IX, da
Constituição da República e artigo 8º do Código de Processo Civil.

8.8 Atuação (extraprocessual) do Ministério Público


Para a efetiva proteção dos direitos fundamentais sociais, a atuação
extrajudicial do Ministério Público assume absoluta importância, em muitos
aspectos bem superior à atuação processual. De fato: em país com imenso
desequilíbrio social e serviços públicos medíocres e deficitários, inclusive em relação
ao essencial, são preciosas as funções institucionais de “zelar pelo efetivo respeito
dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados
[na] Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia” e “promover
o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (art. 129, II e III,
da CF), bem como dos “interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127, fine).
A própria Constituição cuidou de assegurar instrumentos eficazes para o
desempenho dessas funções, ao permitir ao Ministério Público “expedir notificações
716
Cf. TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. 3. ed. rev. ampl. e atual. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 137 et seq.; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Incidente de resolução de de-
mandas repetitivas: sistematização, análise e interpretação do novo instituto processual. Rio de Janeiro:
Forense, 2017. p. 185 et seq.
717
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Incidente de resolução de demandas repetitivas: sistematiza-
ção, análise e interpretação do novo instituto processual. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 185.
718
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. In: ALVIM, Teresa Arruda et al. (Coord.). Breves comentários ao
novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 71-72.
719
Cf. ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo da Silva. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito
processual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 126.

217
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações


e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva” (art. 129,
VI), prevendo, por sua vez, o art. 8º da Lei Complementar nº 75/93, Lei Orgânica
do Ministério Público da União (LOMPU), amplas atribuições, como, e. g., “requisitar
informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração
Pública direta ou indireta” (inc. II), da mesma forma que o faz o art. 26 da Lei nº
8.625/93, Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (LONMP), sem falar no art. 8º,
§ 1º, da Lei nº 7.347/85.
Esses deveres institucionais têm larguíssimo âmbito de exercício no Brasil,
e podem significar positiva proteção aos direitos sociais, por atuação própria,
sem jurisdicionalização ou, quando menos, viabilizar a propositura de ações civis
públicas bem embasadas, após concreta verificação das circunstâncias do caso,
talvez exames e perícias técnicas realizadas.
Milhares de ações, por exemplo, são propostas individualmente pleiteando
imediata internação hospitalar ou submissão à cirurgia, com consequente quebra
da ordem fixada por critérios técnicos-administrativos (a “fila” de atendimento),
mas por que existe a fila? Como melhorar, com os meios disponíveis (a partir de
cuidadosa verificação), a situação dos pacientes?
O inquérito civil é mecanismo genuíno e propício para a investigação, como
seria para muitas outras investigações semelhantes, e um trabalho minucioso
poderia render a devida recomendação (arts. 6º, XX, LOMPU, e 27, par. ún., IV,
LONMP), um compromisso de ajustamento de conduta ou, na pior hipótese, que
já seria excelente, ação civil pública fundamentadamente proposta, contribuindo
para a precisa prestação jurisdicional.
No inquérito civil, na realidade, o Ministério Público tem melhores condições
e maior liberdade para perquirir as circunstâncias e limites de atuação da
Administração Pública, em virtude da natureza inquisitiva do procedimento,720 sem
necessidade de observância do contraditório e da ampla defesa.721
É certo que, nos casos de interesses sociais, em princípio, parece até
720
“O inquérito civil público tem natureza inquisitorial, por ser peça informativa” (STJ, 5ª Turma, HC
175.596/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 05/12/2012). Em doutrina, um especialista: MAZZILLI, Hugo
Nigro. O inquérito civil e o poder investigatório do Ministério Público. In: MILARÉ, Édis (Coord.). Ação
civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 221-245,
espec. p. 223.
721
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONVERSÃO EM AGRA-
VO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA NO INQUÉ-
RITO CIVIL DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. PRECEDENTES.
AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (STF, 1ª Turma, RE 481.955 ED/PR,
Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 26/05/2011).

218
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

recomendável uma perspectiva cooperativa mesmo no inquérito civil, permitindo-


se e incentivando-se a participação das autoridades públicas envolvidas, que,
segundo o que se deve supor,722 também são interessadas em fornecer bem o serviço
público, mas há liberdade para o Ministério Público seguir linha mais inquisitiva se,
e quando, a hipótese o exigir.723
Vale lembrar, no que tange à autocomposição, que Paulo Cezar Pinheiro
Carneiro, na tese que o sagrou Professor Titular de Teoria Geral do Processo da
Faculdade de Direito da UERJ, indicou quatro princípios norteadores do acesso à justiça:
acessibilidade, operosidade, utilidade e proporcionalidade, e exatamente com relação
ao princípio da operosidade724 afirmou que ele “somente será assegurado tanto nos
Juizados como nas ações civis públicas a partir da priorização de meios alternativos
para a resolução de conflitos, especialmente a mediação, seguida de transação, no
primeiro caso, e de compromisso de ajustamento de conduta no segundo”, para
depois concluir, no sentido que hoje nos parece ainda mais fundamental:
a) O Ministério Público deverá, sempre que for possível e conveniente para a defesa
dos interesses em jogo, instaurar inquérito civil, não só para instruir de forma mais
proveitosa a futura ação, como também para possibilitar uma solução extrajudicial,
através da celebração de compromisso de ajustamento de conduta.
b) A solução do conflito através da celebração de compromisso de ajustamento de
condutas deverá ser priorizada pelos órgãos públicos legitimados, especialmente
o Ministério Público, seja na fase pré-processual (extrajudicial), seja na processual
(judicial). Para possibilitar tal desiderato na fase processual, seria conveniente que o
juiz designasse audiência de conciliação para tal fim.725

Esse perfeito e precursor raciocínio, hoje se pode considerar encampado


pelo Código de Processo Civil, que, ao tratar das normas fundamentais do processo
722
“A ponderação entre interesses conflitantes é bastante delicada, assim como a própria titularidade dos
direitos é polêmica, uma vez que tanto o Ministério Público-autor da ação, como o Poder Executivo-réu
ou o Poder Judiciário que decide são todos integrantes do Poder Público e agem igualmente em defesa
do interesse público [...]” (BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São
Paulo: Saraiva, 2002. p. 276).
723
MAZZILLI, Hugo Nigro salienta, sobre a possibilidade de haver contraditório no inquérito civil: “[...] o
Ministério Público não está bem instruído se é ou não caso de propor a ação civil pública, se houve ou não
o dano, se a argumentação do autor do requerimento é ou não correta (nesses casos, como em outros, ouvir
todos os interessados, produzir provas requeridas pelo indiciado, facultar-lhe apresentação de documentos
e elementos instrutórios – tudo isso pode ser mais que útil, até mesmo necessário).” (Pontos controvertidos
sobre o inquérito civil. In: MILARÉ, Édis (Coord.). Ação civil pública: Lei 7.347/1985: 15 anos. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001. p. 267-303, espec. p. 282).
724
“Esse princípio significa que as pessoas, quaisquer que sejam elas, que participam direta ou indireta-
mente da atividade judicial ou extrajudicial, devem atuar da forma mais produtiva e laborativa possível
para assegurar o efetivo acesso à justiça.” (CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: juizados
especiais cíveis e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro:
Forense, 1999. p. 63).
725
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública:
uma nova sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 227-228 e 233-234.

219
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

civil, no mesmo dispositivo que menciona o direito de ação (art. 3º), estabelece que
“[o] Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”
(§  2º), assim como determina que juízes, advogados,726 defensores públicos e
membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial, deverão
estimular a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de
conflitos (§ 3º), além de dedicar uma Seção (V), no Capítulo (III) dos Auxiliares da
Justiça, aos Conciliadores e Mediadores Judiciais (arts. 165 a 175), e de instituir
Audiência de Conciliação ou de Mediação (art. 334) antes mesmo da oportunidade
para oferecimento de contestação, apenas para aludir ao básico. Bem assim, a Lei
nº 13.140/2015, conhecida como Lei da Mediação, desenvolvendo o tema do art.
174 do CPC, que se refere, inclusive, a “termo de ajustamento de conduta” (inc. III),
cuidou da autocomposição de conflitos em que seja parte pessoa jurídica de direito
público (arts. 32 a 34).
No atual contexto, portanto, a mediação assume grande destaque também
em relação a ações coletivas, como salienta uma monografista:
Dada a maior complexidade que envolve os conflitos coletivos, quais sejam, aqueles
trazidos a juízo em ações populares, ações civis públicas ou outras ações coletivas,
seja pelo fato de que atingem uma pluralidade de titulares de direitos no polo ativo e,
normalmente, no polo passivo, podem envolver mais de um órgão público que tenha
competência na proteção destes direitos (algumas vezes de mais de uma esfera
da Federação), seja pelo fato de que muitos destes conflitos são multifacetados,
envolvendo direitos fundamentais que estão em conflito com outros direitos também
de natureza fundamental, coloca-se como absolutamente desafiadora para o Poder
Judiciário a perspectiva de realizar a sua adequada ponderação obtendo uma solução
que seja ao mesmo tempo viável e juridicamente aceitável. Em razão de seu potencial
para gerar um diálogo que propicie o esclarecimento de interesses convergentes e
divergentes, bem assim para permitir a exploração de soluções que atendam a todos
os interesses legítimos, a mediação se afigura, assim, como o instrumento apropriado
para a busca de uma solução que, além de preencher os requisitos jurídicos cabíveis,
seja efetivamente construída e aceita por todos os envolvidos, gerando assim seu
comprometimento com a implementação.727
726
Os advogados públicos, por óbvio, se inserem na categoria (v. RODRIGUES, Marco Antonio. A fazenda
pública no processo civil. São Paulo: Atlas, 2016. p. 376).
727
SOUZA, Luciane Moessa de. Mediação de conflitos coletivos: a aplicação dos meios consensuais à
solução de controvérsias que envolvem políticas públicas de concretização de direitos fundamentais. Belo
Horizonte: Fórum, 2012. p. 99. É interessante que, para a autora, “em processos nos quais se discutem
problemas relacionados ao conteúdo e execução de políticas públicas, parece fundamental incluir na media-
ção: a) o Ministério Público; b) a Defensoria Pública; c) todos os entes, na esfera do Poder Executivo, que
detenham competência para atuar na matéria, incluindo-se notadamente agentes públicos com competência
técnica na matéria; d) representantes do Poder Legislativo, tendo em vista possíveis repercussões orçamen-
tárias; e) entidades representativas de setores afetados pelas políticas públicas; f) representantes de titulares
de direitos individuais homogêneos envolvidos no conflito; g) entes privados que tenham responsabilidades
relacionadas ao conflito; h) instituições acadêmicas e de pesquisa que detenham notórios conhecimentos
sobre a matéria (p. 123)”. Vale dizer: uma amostra representativa da sociedade.

220
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Essa compreensão, associada à larga participação de interessados na


mediação, como sugere a própria autora, tem um significado especial no que se
refere a certa interação jurídico-política. Com efeito: como ressalta Maria Paula
Dallari Bucci, “[a]dotar a concepção das políticas públicas em direito consiste em
aceitar um grau maior de interpenetração entre as esferas jurídica e política ou, em
outras palavras, assumir a comunicação que há entre os dois subsistemas”.728 Nada
mais adequado, por conseguinte, do que o mecanismo da mediação para, a partir
do amplo debate entre autoridades públicas e interessados, democraticamente,
embasar a solução jurídico-política da questão social.

8.9 Julgamento
Nos capítulos anteriores já vínhamos desenvolvendo temas que, de alguma
forma, permitem vislumbrar algumas de nossas ideias sobre a postura que, no
julgamento do caso, em nossa opinião, deve assumir o juiz, mas agora cabe
especificar e concretizar. Em relação a ações coletivas, é relativamente tranquila a
percepção teórica de que devem ser analisadas, em suma, as questões referentes à
escassez de recursos e à universalização do pedido. O problema maior concentra-se
nas ações individuais, quando a desconsideração do todo, de par com a interpretação
in abstrato da Constituição, não raro ensejam injustiças e desequilíbrio social.
Relembrem-se alguns exemplos: são comuns (na verdade, assustadoramente
comuns) ações pedindo pronta internação hospitalar ou que o paciente seja
imediatamente submetido à cirurgia. As petições iniciais mencionam a carência de
vaga e, muitas vezes, a existência de lista de espera, mas não indicam nenhuma
irregularidade na lista em si, nos critérios adotados, no eventual desrespeito à
impessoalidade ou coisas que tal. Apenas que o autor tem direito à saúde, que deve
ser honrada a dignidade humana etc. Os demais seres humanos que aguardam na
fila, às vezes há longo tempo e, talvez, em piores condições, não teriam o mesmíssimo
ou ainda mais direito? Mas liminares são concedidas e pedidos julgados procedentes
apesar dos demais. Alija-se o critério técnico-administrativo pela aposta lotérica de
que quem pedir e obtiver primeiro... (não se pode nem afirmar isso) “ganha”, porque
por vezes todos perdem, como na hipótese de paciente terminal, para quem a
internação é infrutífera, em detrimento de outro paciente que poderia se recuperar.
O risco é seríssimo quando se trata, por exemplo, de fila para transplante.729
728
Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 241.
729
Antes, o critério de destinação dos tecidos, órgãos e partes era, em princípio, a “estrita observância à
ordem de receptores inscritos, com compatibilidade para recebê-los”, salvo “se deles necessitar quem se
encontre em iminência de óbito, segundo avaliação da CNCDO, observados os critérios estabelecidos pelo
órgão central do SNT” (art. 24, §§ 4º e 5º, do Decreto nº 2.268/97), e liminares eram concedidas invocando

221
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

O autor pleiteia medicamento de altíssimo custo, Soliris (Eculizumabe), v. g.,


cujo valor do tratamento pode chegar a mais de quinhentos mil dólares americanos
por ano, por paciente, e o impacto orçamentário, somados os fornecimentos,
abala até Estados mais ricos, como São Paulo,730 o medicamento não é incorporado
pelo SUS, havendo Nota de Departamentos Técnicos do Ministério da Saúde pela
não incorporação, por sérios motivos,731 como a fraca evidência científica e a não
abordagem das consequências clínicas diretamente relacionadas à saúde e à
qualidade de vida dos pacientes, bem como riscos do tratamento, com notificações
de “casos graves ou fatais de infecção meningocócica em doentes tratados com
Soliris”,732 mas liminares são quase sempre concedidas inaudita altera parte.733

Muitas ações são propostas pedindo vagas em creches num grande


a gravidade da doença, que, dizia-se (a despeito do “iminência de óbito”), não era prevista como critério.
Até artigo doutrinário foi escrito: LIMA, Lucas Rister de Souza. O direito à burla na fila para transplante
de órgãos (https://jus.com.br/artigos/8892). O critério foi alterado, e certo paciente, com “o novo sistema
da fila de transplante de fígado, que determina o lugar pela gravidade da doença - e não mais pela ordem
de chegada”, passou, consequentemente, da 42ª para a 75ª posição, e liminar foi concedida pela 6ª Câmara
de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, garantindo “o mesmo lugar que ele ocupava [no]
dia da implantação do novo critério” (Disponível em: <https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,liminar-
-muda-fila-de-transplante-de-figado-em-sao-paulo,20061215 p69985>. Acesso em: 27 out. 2018). É quase
caricato. Hoje, o art. 35 do Decreto nº 9.175/2017 prevê: “A alocação de órgãos, tecidos, células e partes
do corpo humano prevista no § 4º do art. 34 observará os critérios de gravidade, compatibilidade, ordem de
inscrição, distância, condições de transporte, tempo estimado de deslocamento das equipes de retirada e do
receptor selecionado e as situações de urgência máxima”.
730
Várias reportagens foram publicadas, desde 2010, sobre o caríssimo tratamento, e podem ser facilmente
encontradas na internet.
731
Foi aberta consulta pública na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec),
até 5 nov. 2018, mas o parecer hoje vigorante é o seguinte: “A HPN não tem cura. No entanto, o tratamento
pode ser feito por meio de transfusões sanguíneas, anticoagulantes, suplementação com ácido fólico/ferro
e transplante de células-tronco hematopoiéticas. Após análise dos estudos, a Comissão Nacional de Incor-
poração de Tecnologias no SUS (Conitec) concluiu que a qualidade da evidência científica é fraca, além de
não abordar as consequências clínicas diretamente relacionadas à saúde e à qualidade de vida dos pacientes.
Além disso, foi observado que nem todos os pacientes podem se beneficiar do uso do medicamento. Em
alguns casos, seu uso pode induzir à ruptura de hemólise intravascular (quebra de hemácias no sangue), o
que pode gerar uma série de complicações, especialmente em cenários de infecção, cirurgia ou gestação.”
Disponível em: <http://conitec.gov.br/eculizumabe-aberta-consulta-publica>. Acesso em 31 out. 2018.
732
Vide o Parecer Referencial n. 00014/2017/CONJURMS/CGU/AGU (Disponível em: <http://portalarqui-
vos2.saude.gov.br/images/pdf/2017/maio/02/Parecer%20Referencial%2000014-2017_SOLIRIS%20ECU-
LIZUMABE.pdf>. Acesso em: 5 nov. 2018). Na Inglaterra, p. ex., o Soliris é fornecido case-by-case basis e
apenas por Centros Especializados, com sistemas rígidos de monitoramento” (Disponível em: <https://setor-
saude.com.br/droga-mais-cara-do-mundo-e-aprovada-no-reino-unido/>. Acesso em: 5 nov. 2018).
733
Conforme certa reportagem: “A estratégia é insistir no argumento da urgência e sustentar que, sem o
remédio, a morte do paciente é iminente. ‘Sou uma advogada que sai da cadeira. Marco audiências com
juízes e desembargadores e explico o caso do paciente pessoalmente.’ Alguns magistrados se sensibilizam.
Outros, não. São minoria. No ano passado, o governo estadual foi obrigado a fornecer o Soliris a 34 pa-
cientes. [Fulana] foi a advogada de 28 deles” (ÉPOCA, O paciente de R$ 800 mil, mar. 2012). Disponível
em: <http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2012/03/o-paciente-de-r-800-mil.html>. Acesso em: 5
nov. 2018.

222
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

município, crianças que aguardavam a vez para matrícula são preteridas, as próprias
creches aconselham que todos os interessados procurem o Judiciário.734

Valendo-nos das fortes e significativas palavras de Henrique Ribeiro Cardoso,


sempre entre aspas, é o que se poderia chamar “justiça do pânico”, “[a] morte e o caos
administrativo que não estão nos autos, também não estão no mundo”, caracterizando
“a injustiça que pode ser produzida pela vontade alucinada de fazer justiça”.735
Ada Pellegrini Grinover, no relatório geral da Conferência de Seoul 2014 –
Constituição e processo: o Judiciário como órgão de controle político, menciona
a “chamada Justiça de misericórdia, que privilegia a desigualdade e contraria o
princípio da universalidade da saúde pública”.736
Ações individuais são priorizadas, por entes públicos legitimados à
propositura de ações coletivas, na perspectiva da facilidade de “vitória”, mesmo
que seja em detrimento da isonomia e, pois, da sociedade. “O centro medular do
Estado social e de todos os direitos de sua ordem jurídica é indubitavelmente o
princípio da igualdade. Com efeito, materializa ele a liberdade da herança clássica.
Com esta compõe um eixo ao redor do qual gira toda a concepção estrutural do
Estado democrático contemporâneo”, e, por isso, Paulo Bonavides o designa como
“o direito-chave, o direito-guardião do Estado social”.737
Mesmo que não se tenha uma cognição tão ampla como em ações coletivas,
portanto, o juiz não pode desconsiderar a política pública adotada (e, ipso facto, o
porquê da não prestação do bem, latissimo senso, pretendido), as condições reais
para o fornecimento pleiteado e as consequências práticas da decisão (art. 20 da
LINDB), além do dever de, na motivação, demonstrar a necessidade e a adequação
da medida imposta, inclusive em face “das possíveis alternativas” (art. 20, parágrafo
único, da LINDB). Vale dizer: a compreensão de que – por se tratar de recursos
limitados – a concessão para alguém, normalmente envolve a negação para outrem.
Além disso, a preocupação com a possibilidade de universalização da
prestação é imperiosa (art. 3º, III e IV, da CF). Como ensina Luciano Benetti Timm:
[...] Justamente o que caracterizaria um direito como social é sua não apropriação
por um indivíduo, mas estar à disposição de toda a sociedade. De modo que o direito
social à saúde é um direito de todos terem um hospital funcionando com um nível x
734
Veja-se, mais uma vez, VITORELLI, Edilson. Levando os conceitos a sério: processo estrutural, pro-
cesso coletivo, processo estratégico e suas diferenças. Revista de Processo, São Paulo, n. 284, p. 334-369,
out. 2018. p. 350.
735
CARDOSO, Henrique Ribeiro. O paradoxo da judicialização das políticas públicas de saúde no Brasil:
um ponto cego do direito? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 133 et seq.
736
Revista de Processo, São Paulo, n. 249, p. 19-29, nov. 2015. espec. p. 24 – grifado no original.
737
Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 340 e 341.

223
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

de atendimento, ainda que limitado (por exemplo, urgências). Não significa o direito
de um indivíduo contra todos da sociedade obter um medicamento que poderá
provocar o fechamento do ponto de saúde”.738

Não pode o juiz deixar de considerar as demais pessoas que estão na mesma
situação, nem os critérios objetivos e impessoais estabelecidos administrativa
e tecnicamente, para beneficiar o autor, sem apontar ilegitimidade nos critérios
administrativos, com fundamentação retórica sobre direito fundamental, ponderação
de princípios, dignidade humana, o que nem sequer pode ser considerado motivação
(art. 489, § 1º, II e III, do CPC), seja porque está realmente em jogo o direito à vida e à
saúde de uns versus o direito à vida e à saúde de outros,739 seja porque a concessão
individual não objetiva e rigorosamente justificada viola o sentido da impessoalidade
que delimita a atuação da própria Administração Pública (art. 37 da CF).
Para rechaçar a alocação administrativa e impor legitimamente a sua, o
Poder Judiciário precisa fundamentar concretamente o porquê da inadequação da
proposta da Administração e a razão objetiva por que a sua satisfaz ao direito. A
excepcional intervenção do Poder Judiciário, como acreditamos, apenas tem lugar
diante de ação ou omissão injustificável dos demais Poderes.
Os direitos fundamentais sociais são mencionados em normas
principiológicas, cuja concretização, além da intrínseca gradualidade, admite
diversos meios e várias opções políticas. Cuida-se, segundo sábia lição, “de
escolher entre diferentes condutas possíveis a partir de distintas posições políticas,
ideológicas e valorativas”.740 Não há, consequentemente, melhor opção e o Judiciário,
por óbvio, não poderia exigi-la, ao contrário do que às vezes se supõe.741 Num
contexto de simplificação, mais correto seria dizer que “a inconstitucionalidade da
política pública adotada deve ser aberrante, a fim de que seja, então, afastada, sob
risco de ingerência de poderes”.742
738
Qual a maneira mais eficiente de prover direitos fundamentais: uma perspectiva de direito e economia.
In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais: orçamento e “reserva
do possível”. 2. ed., rev. e ampl. 2. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 51-62, espec. p. 61.
739
Da falta de efetividade à judicialização excessiva: Direito à saúde, fornecimento gratuito de me-
dicamentos e parâmetros para a atuação judicial, p. 4. <Disponível em: http://www.conjur.com.br/dl/
estudobarroso.pdf>. Acesso em: 5 out. 2018.
740
Barcellos, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005. p. 174. Continua a douta professora: “Se há um caminho que liga o efeito às condutas no
caso das regras, há uma variedade de caminhos que podem ligar o efeito do princípio a diferentes condutas,
sendo que o critério que vai definir qual dos caminhos escolher não é exclusivamente jurídico ou lógico.”
741
Veja-se, p. ex. “O que se busca é que a escolha do agente estatal no exercício de sua competência seja
válida e legítima, sendo a melhor escolha possível (e não ‘a’ única escolha possível) dentre as várias opções
legítimas que lhe são disponibilizadas” (DANIEL, Juliana Maia. Discricionariedade administrativa em
matéria de políticas públicas. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle
jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 93-124, espec. p. 122). Na
verdade, a nosso ver, como há várias opções legítimas, o agente estatal pode escolher qualquer uma delas.
742
ONODERA, Marcus Vinícius Kiyoshi. O controle judicial das políticas públicas por meio do mandado

224
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

À parte a adjetivação, o certo é que o magistrado (lato sensu) não pode


substituir uma opção dos poderes políticos, que têm a função primária e democrática
de estabelecer as políticas públicas, por outra que lhe pareça melhor ou mais
adequada;743 ao revés, somente poderá impor a correção se puder fundamentar
objetiva e concretamente por que a política pública é injuridicamente omissa,
insuficiente ou anti-isonômica, o que pressupõe haver condições de realiza-la, com
o incremento, de modo geral, e sem prejuízo de outras prestações já instituídas.
A autocontenção do Poder Judiciário, frequentemente referida em simples
confronto com o ativismo judicial, e mencionada como “uma concepção modesta
do papel do Judiciário que impede intervenções em matérias politicamente
controvertidas”,744 assume feição original e de inexcedível relevância quando se
tem em mente que ao Judiciário cabe controlar os lídimos lindes de atuação dos
demais poderes e autolimitar sua própria atuação,745 e para bem guardar o artigo
2º da Constituição Federal, mostra-se indispensável, em equivalência com a função
recebida, o absoluto cuidado na autolimitação.
Mas é exatamente o contrário que costuma ocorrer. As decisões judiciais tratam
as alegações de direitos fundamentais, principalmente direito a prestações na área de
saúde, como se fossem absolutos, que dispensam qualquer outra consideração, e em
termos exageradamente gerais, sem atenção sequer ao mínimo existencial.
Num país em que 45% (quarenta e cinco por cento) da população não têm o
esgoto tratado, com taxa de mortalidade infantil e mortalidade materna elevados, e
considerável nível de óbitos por doenças associadas à pobreza, afigura-se justa, do
ponto de vista social, a expectativa de receber do Estado medicamentos de altíssimo
custo, sem cogitar da chamada primazia da autorresponsabilidade, abrangente das
condições financeiras de toda a família?
Medicamentos órfãos e doenças raras envolvem frequentemente riscos do
próprio tratamento, e exigem cuidados específicos em centros especializados, na
de injunção, ação direta de inconstitucionalidade por omissão e arguição de descumprimento de preceito
fundamental: contornos e perspectivas. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O
controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 417-450, espec. p. 439.
743
À falta de toda a infraestrutura e assessoria técnicas de que dispõem os Poderes Executivo e Legislativo,
se não for uma inconsistência nos próprios termos dos atos normativos que implementaram a política públi-
ca, o juiz deve tomar extremo cuidado com suas avaliações, para não prevalecer o achismo.
744
Dimoulis, Dimitri; Lunardi, Soraya Gasparetto. Ativismo e autocontenção judicial no controle da
constitucionalidade. p. 459-473, espec. p. 469 – grifado no original. Disponível em: <https://www.acade-
mia.edu/1618915/Ativismo_e_autoconte%C3%A7%C3%A3o_judicial>. Acesso em: 5 nov. 2018.
745
Essa constatação não significa qualquer opinião sobre a complexa questão da chamada “supremacia
judicial” ou “poder da última palavra em temas constitucionais”, que envolve outras considerações. Para
um substancioso resumo, veja-se Dimoulis, Dimitri; Lunardi, Soraya Gasparetto. Ativismo e auto-
contenção judicial no controle da constitucionalidade. p. 459-473, p. 466 et seq.

225
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

medida em que compreendem estudos e pesquisas em andamento, a busca de


novas descobertas, e não são de conhecimento apropriado de todos os médicos,
nem da maioria deles, mas de especialistas. O monitoramento é fundamental, não
apenas para acompanhar o paciente como para determinar, se ou quando for o
caso, a descontinuação.
Nessa conjuntura, mostra-se lógico e natural deferir o medicamento, à
vista do atestado de qualquer médico,746 para que o paciente se vire com ele, sem
qualquer controle ou monitoração do Estado quanto ao proveito do tratamento? A
questão não é tão somente o Estado fornecer o medicamento, mas criar a estrutura
que permita o monitoramento, o tratamento adequado e a eficiência dos gastos.
Encontram-se na doutrina, algumas vezes, referências a critérios adotados
em outros países, como, exempli gratia, no preciso resumo de Maria Tereza Sadek:
Veja-se, por exemplo, a resposta encontrada por alguns países: na França
medicamentos só são concedidos após uma comissão avaliar o perfil do paciente
e a eficácia da terapia; na Alemanha há a definição de antemão de tratamentos e
remédios reembolsáveis; no Reino Unido os medicamentos são aprovados pelo
Instituto Nacional de Saúde e Excelência Clínica, que também define quais pacientes
terão acesso.747

O nosso problema, entretanto, não é haver critérios. Critérios existem


no Brasil, basicamente da prévia definição de protocolos clínicos e diretrizes
terapêuticas, com dispensação, em princípio, de medicamentos e produtos cuja
prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas (cf. arts.
19-M, 19-O e 19-P da Lei nº 8.080/90), e definidas por comissão especializada, a
Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Mas o que há no Brasil,
e não se encontram registros em países citados, são milhares de decisões judiciais,
746
“É lastimável que o SUS, que padece de subfinanciamento, de problemas em sua gestão, de profusão
de inovações, de ataques de todas as ordens, de intensa judicialização, tenha que incorporar tecnologia, ao
largo das normas da lei, louvando-se tão-somente na informação do médico do paciente, sem se cercar das
cautelas necessárias para a incorporação, conforme determina a Lei 12.401, de 2011. Cada médico tem
suas preferências, correntes técnico-científicas sobre a eficácia de medicamento nesse imenso mercado
farmacológico. [...] Determinar o Poder Judiciário que todos os medicamentos de alto custo não incorpora-
dos devem ser concedidos ao usuário do SUS sem condições financeiras de custeá-los, fundado em laudo
médico, causará sem dúvida sérios problemas ao SUS, ainda mais quando se sabe como atua esse imenso
mercado de farmacológico [...]” (SANTOS, Lenir. Decisão do stj sobre medicamento de alto custo de-
forma conceito do direito à saúde. Revista Consultor Jurídico, 5 de maio de 2018. Disponível em: <https://
www.conjur.com.br/2018-mai-05/lenir-santos-decisao-stj-medicamento-alto-custo#top>. Acesso em: 12
nov. 2018). Depois de mencionar “como atua esse imenso mercado de farmacológico”, a autora apôs, em
nota de rodapé, “Consultar a obra de Peter Gotzsche, Medicamentos Mortais e Crime Organizado, Editora
Bookman, 2014.
747
SADEK, Maria Tereza. Judiciário e arena pública: um olhar a partir da Ciência Política. In: GRINO-
VER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 1-32, espec. p. 25, nota 35.

226
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

atingindo bilhões,748 cotidianamente proferidas e fazendo tábula rasa dos critérios


administrativos e dos pareceres técnicos, em absoluto desprezo pelos atos do Poder
que tem a função primária de implementar as políticas públicas... e considerando
secundária e menor a questão da escassez de recursos públicos.
No Reino Unido, por exemplo, o custo-efetividade é levado muito a sério,
e as tensões são consideradas, todavia prevalece a natural ideia de que o National
Institute for Health and Clinical Excellence (NICE) “tem uma responsabilidade para
todos os pacientes que procuram atendimento do NHS [National Health Service].
É preciso lembrar que a recomendação de um tratamento ineficaz para um grupo
de pacientes privará muitos outros de um tratamento efetivo. Para organizações de
pacientes dedicadas a doenças únicas, isso pode ser difícil de aceitar; mas é algo
que o NICE nunca deve esquecer”.749
País que se preocupa com o gasto de recursos públicos, e tem presente a
noção de que estes, em rigor, pertencem aos contribuintes (todos os contribuintes),
ao estabelecer os “sete princípios-chave que orientam o NHS em tudo o que faz”,
em The NHS Constitution, fixou: “6. O NHS está empenhado em fornecer o melhor
valor para o dinheiro dos contribuintes e o uso mais eficaz, justo e sustentável dos
recursos finitos”.750
A Lei nº 8.080/90, como não poderia deixar de ser, e é preocupação no
mundo inteiro, adota como elementos para definição de protocolos clínicos e
diretrizes terapêuticas o custo-efetividade e a avaliação econômica comparativa
dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas,751 como se
vê dos seguintes dispositivos:
748
Notícia publicada no site do Ministério da Saúde, em 02 mar. 2018, informa: “Do total gasto, 11 medi-
camentos correspondem a 92% do valor (R$ 965,2 milhões). [...] Somando estados e municípios, o valor
chega a R$ 7 bi/ano”. Disponível em: <http://portalms.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/42669-liminar-
-aponta-afronta-a-concorrencia-em-compra-para-doencas-raras>. Acesso em: 5 nov. 2018.
749
Tradução nossa. No original e integral: “The involvement of expert clinicians and patients in developing
NICE guidance may create tensions, particularly over judgements about cost effectiveness. The Institute
(see below) has a responsibility to all patients seeking care from the NHS. It has to remember that recom-
mending a cost-ineffective treatment for one group of patients will deprive many others of cost-effective
care. For patient organizations devoted to single diseases this can be difficult to accept; but it is one that
NICE must never forget.” (Michael D. Rawlins, NICE and the public health, British Journal of Clinical
Pharmacology, 27 out. 2004). Disponível em:<https://bpspubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111
/j.1365-2125.2004.02195.x>. Acesso em: 9 nov. 2018.
750
“Seven key principles guide the NHS in all it does […] 6. The NHS is committed to providing best
value for taxpayers’ money and the most effective, fair and sustainable use of finite resources”. Dispo-
nível em: <https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/
file/480482/NHS_Constitution_WEB.pdf>. Acesso em: 9 nov. 2018.
751
À semelhança do sistema inglês: “NICE’s approach to economic evaluation depends on whether one
treatment, or clinical management strategy, is equivalent or superior to another.” (Michael D. Rawlins,
loc. cit.).

227
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Art. 19-O. Os protocolos clínicos e as diretrizes terapêuticas deverão estabelecer os


medicamentos ou produtos necessários nas diferentes fases evolutivas da doença ou
do agravo à saúde de que tratam, bem como aqueles indicados em casos de perda
de eficácia e de surgimento de intolerância ou reação adversa relevante, provocadas
pelo medicamento, produto ou procedimento de primeira escolha.
Parágrafo único. Em qualquer caso, os medicamentos ou produtos de que trata
o caput deste artigo serão aqueles avaliados quanto à sua eficácia, segurança,
efetividade e custo-efetividade para as diferentes fases evolutivas da doença ou do
agravo à saúde de que trata o protocolo.
[...]
Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos,
produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo
clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado
pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS.
§ 1º A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, cuja composição
e regimento são definidos em regulamento, contará com a participação de 1 (um)
representante indicado pelo Conselho Nacional de Saúde e de 1 (um) representante,
especialista na área, indicado pelo Conselho Federal de Medicina.
§ 2º O relatório da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS levará
em consideração, necessariamente:
I - as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do
medicamento, produto ou procedimento objeto do processo, acatadas pelo órgão
competente para o registro ou a autorização de uso;
II - a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às
tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar,
ambulatorial ou hospitalar, quando cabível.

A questão do custo-efetividade ou custos em relação às tecnologias


incorporadas, no entanto, vem sendo também desprezada pela Justiça. A própria
decisão do Superior Tribunal de Justiça, no Tema 106, em embargos de declaração,
deixa claro que foi descartada a questão do artigo 19-Q, como se percebe do
seguinte trecho:
Pretende, também, o embargante que conste da tese a impossibilidade de
fornecimento de medicamentos que tenham tido sua incorporação ao SUS
expressamente rejeitada pelo órgão competente. Esta questão desvela-se como
mero inconformismo da parte, que busca agregar requisito estranho àqueles fixados
no acórdão embargado, o que importa em rejulgamento da matéria. Ademais, a
Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde -
CONITEC, que atualmente é responsável pela elaboração de relatório sobre a inclusão
de medicamentos no SUS, não se limita a análise das evidências científicas quanto à
eficácia do medicamento, mas também leva em consideração a avaliação econômica
do custo-benefício da incorporação, nos termos do art. 18 do Decreto n. 7.646/2011.

228
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Mas não foi reconhecida nem declarada a inconstitucionalidade dessas regras da


Lei nº 8.080/90, elas simplesmente não são efetiva e concretamente analisadas, fazendo
lembrar, mais uma vez, a lição de que a questão do direito à saúde “se torna ainda mais
complexa quando o Judiciário decide sem tomar em consideração os argumentos de
ambas as partes, como se o direito de um fosse algo absoluto e, por isso, fizesse com
que qualquer outra questão não merecesse acolhida (ainda que para ser rebatida)”.752
Ora, não há administração (muito menos boa administração) sem planejamento
e controle de receitas e despesas. Pelo contrário: “A escassez de recursos sempre
demandou que, no trato de distribuição dos bens sociais, o Estado realizasse um
ferrenho planejamento, consumindo tempo, dinheiro e estrutura na definição de como
alocar suas limitadas reservas”.753 Os recursos públicos (o dinheiro) para implementar
e operacionalizar políticas sociais são o mais importante, verdadeira conditio sine
qua non para a realização dos direitos fundamentais; e para a ampla (ou mais ampla
possível) efetividade dos direitos fundamentais é necessário seguir o planejamento e
não desperdiçar recursos. A forma como vem agindo o Poder Judiciário atualmente
compromete seriamente ambos os requisitos, prejudicando a governabilidade.
A Constituição de 1988, apesar de sua imensa generosidade em mencionar
direitos sociais, “pôs em especial destaque o papel dos orçamentos no planejamento
dos programas e políticas públicas”. Todo o “esforço institucional voltado à
estabilidade e à responsabilidade visou – e visa –, sem dúvida, ao escopo maior do
Estado, que é o desenvolvimento sustentável, capaz de tornar viáveis os objetivos
fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal”. Não pode haver
dúvida de “que cumprir os orçamentos também é uma exigência constitucional”.754
Como ensina precisamente Luciano Benetti Timm, depois de salientar que a
eficiência é “uma imposição jurídica e econômica ao gasto público”:
[...] Não é a essencialidade da necessidade (e do direito social positivado) que deve
ser o ponto de partida para o problema, ela deve sim ser o ponto de chegada. Por
isso os direitos sociais são consagrados em normas programáticas, que estabelecem
justamente metas, resultados a serem obtidos pela sociedade e pelo seu governo em
um determinado espaço de tempo.

752
THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco. Litigância de
interesse público e execução comparticipada de políticas públicas. Revista de Processo, São Paulo, n. 224,
p. 121-153, out. 2013. espec. p. 140.
753
SABINO, Marco Antonio da Costa. Quando o Judiciário ultrapassa seus limites constitucionais e insti-
tucionais. O caso da saúde. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle
jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 353-386, espec. p. 356.
754
JACOB, Cesar Augusto Alckmin. A “reserva do possível”: obrigação de previsão orçamentária e de apli-
cação da verba. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional
de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p.255, 256 e 260.

229
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

E arremata, “mas sempre dentro da realidade de que existirão necessidades


sociais que não poderão ser atingidas em sua totalidade pelos governos”.755
O magistrado não está acima da Constituição e das leis e, ao julgar, não pode
abstrair do direito posto a fim de determinar aos administradores que façam aquilo
que, ex vi legis, eles estão proibidos de fazer. Será que o juiz só precisa se preocupar
com a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 04/05/2000), i. e.,
o equilíbrio fiscal, como eventual administrador? Parece-nos que não: “a normativa
federal impõe ao administrador público (ou mesmo a quem atue substitutivamente,
como sejam especificamente os juízes) a prévia análise econômica de suas medidas,
sob pena de responsabilização”.756
Supor que o juiz não precisa se preocupar com as questões orçamentárias
e fiscais, o que, por si só, já seria infundado, é absolutamente insustentável à
vista da realidade brasileira, na qual juízes e tribunais se tornaram efetivamente
coadministradores do Estado,757 impondo gastos bilionários à União, Estados e
Municípios,758 por vezes comprometendo a execução de políticas socais relativas
às necessidades prioritárias de saúde da população, vinculadas, basicamente, ao
Remume, como no supracitado caso do Município de Porto Ferreira, em São Paulo.
É dizer que o Poder Judiciário pode derrotar também o art. 195, § 5º, da CF e o art.
24 da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Assim, deve o magistrado ter em mente não apenas que “os instrumentos
orçamentários dispostos na Constituição Federal, plano plurianual (PPA), Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO) e lei orçamentária podem ser consideradas as
expressões jurídicas de políticas públicas, por excelência”,759 como ainda que o
princípio da reserva do orçamento deve ser observado.
755
Qual a maneira mais eficiente de prover direitos fundamentais: uma perspectiva de direito e economia.
In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais: orçamento e “reserva
do possível”. 2. ed., rev. e ampl. 2. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 51-62, espec. 54.
756
Galdino, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem em árvores. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 266.
757
Como mencionado em livro conservador (com ideias que, em substância, não apoiamos), mas aqui
pertinente: “[...] hundreds of [...] judges who are locked into their positions with life tenure” (Schlafly,
Phyllis, It’s a judge issue. In: SUTHERLAND, Mark I. Judicial Tyranny: the new kings of America. St.
Louis, MO: Amerisearch, 2005. p. 105-114, espec. p. 111).
758
“Para 2016, a previsão de gastos com medicamentos via ação judicial chegou a R$ 1,6 bilhão somente do
governo federal. Somado aos gastos dos estados e municípios, o impacto no orçamento pode chegar a R$
7 bilhões”, sendo estranho que “[e]ntre os itens solicitados estão loção hidratante, álcool em gel, protetor
solar, fita crepe e xampu anticaspa” (Judicialização na saúde: panorama aponta aumento de 727% nos gas-
tos da União. Observatório de Análise Política em Saúde). Disponível em: <https://analisepoliticaemsaude.
org/oaps/noticias/aefce52bac4b5a12668347eb6626c67f/1/>. Acesso em 5 nov. 2018.
759
BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: BUCCI, Maria Paula Dallari
(org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 15 apud JACOB,
Cesar Augusto Alckmin. A “reserva do possível”: obrigação de previsão orçamentária e de aplicação da
verba. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de políti-
cas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 237-283, espec. p. 244.

230
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Neste ponto, veja-se a lição de Ricardo Lobo Torres:


Se não prevalece o princípio da reserva do possível sobre o direito fundamental ao
mínimo existencial, nem por isso se pode fazer a ilação de que não deve ser observado
o princípio da reserva do orçamento. A superação da omissão do legislador ou da
lacuna orçamentária deve ser realizada por instrumentos orçamentários, e jamais à
margem das regras constitucionais que regulam a lei de meios. Se, por absurdo, não
houver dotação orçamentária, a abertura dos créditos adicionais cabe aos poderes
políticos (Administração e Legislativo), e não ao Judiciário, que apenas reconhece a
intangibilidade do mínimo existencial e determina aos demais poderes a prática dos
atos orçamentários cabíveis.760

Como já dissemos anteriormente, diante do atual estágio de desenvolvimento


social no Brasil, a distância à consecução do mínimo existencial para todos ainda
é tão grande que não se pode sustentar, a nosso ver, que seria viável a tutela
jurisdicional do mínimo existencial sem observância da reserva do possível, pois
não há, com atenção à realidade, como assegurar a educação fundamental, a saúde
básica, a assistência aos desamparados imediatamente a todos.
Como salienta Daniel Sarmento, “não parece viável também excluir, nesta
questão [mínimo existencial], qualquer consideração sobre a reserva do possível
fática, que diz respeito à efetiva existência dos recursos necessários à universalização
do direito reivindicado. Infelizmente, a importância moral de um direito não tem
o poder de revogar a lei econômica da escassez”.761 Todavia, no que concerne à
necessidade de observância da Constituição não temos nenhuma ressalva.
Dessa forma, se não houver dotação orçamentária ou se a correção da
política pública, para o fornecimento do bem pretendido, exceder a dotação
orçamentária, restam os créditos adicionais suplementares ou especiais (art. 41, I e
II, da Lei nº 4.320/64), ou, excepcionalmente, a transposição, o remanejamento ou
a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um
órgão para outro (art. 167, VI, da CF), mas sempre mediante autorização legislativa
(art. 167, V e VI, in fine).
Como salientou Calmon de Passos, com a coragem e lucidez habituais,
[...] nossa Constituição cidadã foi generosa no enunciar direitos fundamentais, mas
demasiadamente mesquinha, cautelosa e astuta no ‘assegurar’ esses direitos. E isso
porque o exercício do poder político, no Brasil, é algo que escapa a todo e qualquer
controle social pelos governados. [...]

760
O mínimo existencial, os direitos sociais e os desafios de natureza orçamentária. In: SARLET, Ingo
Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.) Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed.
rev. e ampl. 2. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 63-78, espec. p. 75-76.
761
Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetória e metodologia. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
p. 331.

231
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

[...]
[...] forçando o Judiciário a ser o que não pode ser, e isso com prejuízo para a Nação e
grave risco para o próprio Poder Judiciário, ameaçado de desacreditar-se ou tornar-se
um fator de ingovernabilidade. Impotentes para efetivar decisões políticas eficazes,
pretendemos superar nossos problemas transmudando-os em pleitos judiciais,
numa inversão que só contribui para deixar os problemas insolúveis e agravados.762

A pródiga enunciação de direitos sociais, a edição de leis demagógicas,763 sem o


cuidado de o Poder Judiciário não se aliar à panaceia, como se pudesse realizar normas
irrealizáveis, porque além das condições reais do Estado, tal qual um superpoder ou
super-herói, traz absoluto desvio de perspectiva político-social. A sociedade civil, já
pouco participativa em nossa incipiente democracia e sem níveis sequer razoáveis de
educação, passa a acreditar que pode obter no Judiciário, por ações precipuamente
individuais, padrões nórdicos de desenvolvimento e qualidade de vida. Ao invés de
clamar dos poderes políticos a melhoria do sistema de saúde e de educação; ao invés
de buscar participar do debate público sobre a elaboração do orçamento e, assim,
acompanhar as escolhas públicas realizadas;764 ao invés de exercer efetivamente
o seu supremo poder (art. 1º, parág. único, da CF), espera a sociedade, ou melhor,
esperam os indivíduos que o magistrado resolva os seus problemas sociais, a partir
das necessidades particulares de cada um dos milhões de autores-postulantes, e não
segundo as possibilidades igualitárias da sociedade...765
762
A Constitucionalização dos Direitos Sociais. Revista Eletrônica sobre Reforma do Estado, nº 10, jun./
ago. 2007, p. 9 e 14-15. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/codrevista.asp?cod=201>.
Acesso em: 18/08/2014.
763
Ao abordar a Insinceridade Normativa, salienta Luís Roberto Barroso: “Igualmente irrealizável é o pre-
ceptivo constitucional que padeça de excesso de ambição, colidindo com as possibilidades reais do Estado
e da sociedade, ainda que aferidas por critério generoso” (O direito constitucional e a efetividade de suas
normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1990. p. 55).
764
Como bem ressaltou Luís Roberto Barroso em sua exposição na Audiência Pública sobre Direito à Saúde
no STF: “Há no Brasil um vazio, que é o debate público sobre a elaboração do orçamento. Há um momento
na vida democrática de todos os Estados no qual se tomam as decisões e se fazem as escolhas – as boas e as
trágicas – e esta discussão é negligenciada no Brasil. E, portanto, em um momento do segundo semestre de
cada ano, médicos, ONGs, pacientes, as pessoas envolvidas no sistema têm que participar de um debate que
tem que ser público e transparente, que é a definição de quais políticas públicas de saúde serão prestigiadas
e quais os recursos serão alocados àquelas políticas públicas. Portanto, nós temos judicializado e tornado
este debate na ponta final mais importante do que o debate prévio, que é estabelecer quanto, onde e para que
serão investidos os recursos. Todas as sociedades democráticas debatem: quanto vai para educação, quanto
vai para a construção de estradas, quanto vai para a publicidade institucional. E nós temos que estabelecer
o quanto vai para a saúde e procurar determinar qual é o justo em saúde naquele momento e naquele deter-
minado lugar. Portanto, eu chamaria a atenção para um debate que, paralelamente à judicialização, precisa
ser feito no Brasil, o debate no momento da elaboração do orçamento. Ali, sim, é o espaço do grande debate
público sobre as políticas de saúde no país.” Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processo-
AudienciaPublicaSaude/anexo/Luis_Roberto_Barroso.pdf>. Acesso em: 21/10/2018.
765
“[...] a cidadania plena, efetiva, jamais pode ser dada ou outorgada, mas só é alcançável pela luta e pelo
empenho dos próprios indivíduos interessados, todo esse ‘paternalismo’ institucional desmobiliza, enfra-
quece a efetiva construção, entre nós, de uma democracia a partir das bases, vale dizer, uma democracia
real.” (PASSOS, José Joaquim Calmon de. Cidadania tutelada. In: TUBENCHLAK, James; BUSTAMAN-

232
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Como destacado em trecho da ementa de um julgado da 6ª Turma


Especializada do TRF da 2ª Região, com propriedade e a marcante capacidade do
doutíssimo relator de ser claro, didático e induzir à séria reflexão:
No passado (e talvez ainda hoje), o pobre cidadão brasileiro, com dificuldade de
atendimento médico, recorria ao político ou coronel, que então arrumava vaga em
hospital público. Hoje, o político poderoso, ou coronel, é substituído pela decisão
judicial, que apenas atende casuisticamente ao pedido, e não comanda providências
punitivas, ou de adequação. Qual é a diferença entre o casuísmo do coronel, que em
tese ajudava a salvar a vida, e o casuísmo jurisdicional, que em tese ajuda a salvar
vida? Na verdade, se e quando bagunçam a correta atuação administrativa, e ao não
se direcionarem à isonomia e à punição de culpados, ambos pioram a situação.766
O casuísmo judicial paternalista, portanto, em vez de significar a progressista
realização dos direitos sociais, mascara a retrógrada atuação do Poder Judiciário como
garantidor do statu quo, na medida em que assegura privilégios767 a quem tem acesso
à Corte, e as pessoas mais bem instruídas ou com melhores condições têm, por assim
dizer, maiores chances de acesso, fazendo recordar não só a precitada advertência de
Niall Ferguson, de constituições, na América Latina, serem “usadas como instrumentos
para subverter o próprio Estado de direito”,768 como ainda as denúncias doutrinárias
que vêm sendo infrutiferamente feitas sobre “a predação da renda pública pelas elites”,
sobre o risco de a distribuição casuística de “bens públicos em favor de quem tem
cultura e agilidade para requerer aos órgãos judiciários, [contribuir] para a perdição
dos direitos humanos no Brasil”,769 sobre decisões judiciais acabarem “provocando
uma grave e elitista distorção social”,770 ou sobre:
[...] Os segmentos mais excluídos da sociedade brasileira dificilmente [irem] à Justiça
reclamar seus direitos, até porque, pela hipossuficiência cultural, no mais das vezes
nem conhecem estes direitos. Neste contexto, se levarmos em consideração o fato
de que, diante da escassez, as decisões explicitamente alocativas de recursos são
implicitamente desalocativas, o foco centrado nas ações individuais pode acabar
funcionando como uma espécie de “Robin Wood às avessas”, ao sugar recursos de
políticas públicas que atingiriam os mais pobres para transferi-los para a classe média.
Enquanto isso, graves violações de direitos perpetradas contra os mais carentes ficam
sem resposta judicial.771
TE, Ricardo Silva de (Coord.). Livro de Estudos Jurídicos. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos,
1993. n. 7. p. 90-119, espec. p. 117.
766
AI no AG 0012400-97.2013.4.02.0000, Rel. Des. Federal Guilherme Couto de Castro, unânime, julg.
21/10/2013.
767
Reitera-se, aqui, a observação feita em a nota 577, supra.
768
“Unlike in the United States, where the constitution was designed to underpin ‘a government of laws not
of men’, in Latin America constitutions are used as instruments to subvert the rule of law itself.” (Civiliza-
tion: the west and the rest. London: Allen Lane-Penguin Books, 2011. p. 128).
769
Torres, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 129 e 134-135.
770
Barcellos, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade
da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 307.
771
SARMENTO, Daniel. A proteção judicial dos direitos sociais: alguns parâmetros ético-jurídicos. In:
SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de (Coord.). Direitos sociais: fundamentos, ju-
dicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 553-586, espec. p. 583.
233
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Diante desse quadro obscuro, brada a doutrina pela prevalência de ações


coletivas772 e pelo cuidado com a universalização da tutela individual, por vezes
falando na indivisibilidade dos bens sociais.773 Osvaldo Canela Junior toca o
ponto que nos parece essencial, ao afirmar que, “não obstante a ação escolhida
tenha cunho individual, deverá o magistrado adaptar o provimento jurisdicional
para que o direito seja estendido a toda a coletividade”,774 mas o ilustre professor
menciona que seriam necessárias modificações legislativas, ao asseverar, em nota
de rodapé: “Esta proposição já antevê a necessidade de adaptação legislativa, no
processo de índole coletiva, relativamente aos provimentos decorrentes de direitos
fundamentais sociais e de outras gerações”.775
Éder Ferreira, por outro lado, dá a impressão de sustentar que bastaria, em
tese, a “ação estritamente individual” para obrigar a Administração ao fornecimento
generalizado, “já que a obtenção do provimento jurisdicional favorável implica
a necessidade de concessão igualitária de referido direito aos demais cidadãos
em igual situação”.776 O aresto anteriormente citado pelo autor, a partir do qual
772
Cf., v.  g., Canela Junior, Osvaldo. Controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Saraiva,
2011. p. 173. PERLINGEIRO, Ricardo. Demandas judiciais sobre internação hospitalar e medicamentos
e escassez de recursos públicos: a justiça faz bem à saúde? Revista de Direito Administrativo Contempo-
râneo. Ano 3, v. 17, p. 115-132, São Paulo: Revista dos Tribunais, mar./abr. 2015. espec. p. 121. Fonte,
Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais: elementos de fundamentação do controle juris-
dicional de políticas públicas no Estado Democrático de Direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 197.
SARLET, Ingo Wolfgang, enaltece as decisões judiciais estruturantes “para inibir uma litigância errática
e individualizada” (Direitos fundamentais sociais e mínimo existencial: notas sobre um possível papel
das assim chamadas decisões estruturantes na perspectiva da jurisdição constitucional. In: ARENHART,
Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix. (Org.). Processos estruturais. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 203-232,
espec. p. 232), e reconhece o “efeito colateral questionável, no sentido de assegurar o direito apenas àqueles
que possuem meios de acesso ao Judiciário”, mas afirma que a tutela pessoal e individual jamais poderá ser
abandonada (In: CANOTILHO, J. J. Gomes et al. (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. 1. ed. 5.
tir. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2014. p. 1.935).
773
Vide, p. ex., SABINO, Marco Antonio da Costa. Quando o Judiciário ultrapassa seus limites constitu-
cionais e institucionais. O caso da saúde. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.).
O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 353-386, espec. p.
354-355.
774
E prossegue: “Se a parte postula a concessão de determinado bem da vida, fundamentando-o no art. 6º
da Constituição Federal, caso o magistrado constate violação da igualdade substancial, o provimento de-
verá ter alcance coletivo, não importando a modalidade de ação manejada”. Controle judicial de políticas
públicas. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 146.
775
CANELA JUNIOR, Osvaldo. Controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 146,
nota 365.
776
Na verdade, como ensina Ricardo Perlingeiro, “a tendência natural seria o SUS não apenas entregar o
medicamento ao demandante, mas, principalmente, promover (voluntariamente) a modificação da lista e
disponibilizar o medicamento a todos que se encontrassem na mesma situação [...] Para isso, contudo, o
impacto socioeconômico e o interesse público dessa medida necessitariam ser prévia e exaustivamente
discutidos no processo judicial, não sendo possível que o juiz, quando do julgamento, ignorasse tais efeitos
indiretos da sua decisão” [touché!] (A tutela judicial do direito público à saúde no Brasil. Direito, Estado e
Sociedade, Rio de Janeiro, n. 41 p. 184 a 203, jul./dez. 2012. Disponível em: <http://direitoestadosocieda-
de.jur.puc-rio.br/media/9artigo41.pdf>. Acesso em: 20 set. 2018. espec. p. 197). E complementa em outro
trabalho: “Essa medida seria uma consequência indireta da decisão judicial, já que o SUS não deve agir

234
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

desenvolve seu raciocínio, no entanto, mencionava que “nada impede que a


Administração os forneça [medicamentos], também, a outros necessitados”.777
Mas como buscar ou efetivar essa adaptação ou extensão a todos os
interessados que estejam na mesma situação? Já salientamos que a cognição judicial,
mesmo em ações individuais, deve necessariamente abranger a juridicidade da
política pública estabelecida, o que envolve a justificativa para o não fornecimento
do bem pretendido. Salientamos, outrossim, que o juiz deve, inclusive, determinar
às partes os esclarecimentos adequados (art. 6º do CPC), determinar, quando
necessário, a produção de provas ex officio (art. 370 do CPC) e deixar claro que será
apreciada a possibilidade de concessão geral do bem pleiteado.
Nessa dimensão, com a cooperação imprescindível do Ministério Público,
interveniente no processo (art. 178, I, do CPC), cria-se o ambiente necessário para
permitir que se inicie um diálogo sobre a possibilidade e viabilidade de incrementar
a política pública, de encontrar maneiras de fornecer vagas no ensino fundamental
às crianças na mesma situação, de estender a dispensação para incorporar certo
medicamento, mas sempre visando à correção da política pública e à garantia da
isonomia substancial, imanente à garantia dos direitos fundamentais sociais.
Considerando, entretanto, a multiplicação de ações pleiteando direitos
sociais, impende tentar racionalizar a tramitação dos processos que visem, pelo
menos, ao mesmo bem. Em termos bem mais amplos, o Centro Brasileiro de
Estudos e Pesquisas Judiciais (CEBEPEJ), em uma das conclusões consagradas
no Seminário “O controle jurisdicional de políticas públicas”, com o apoio de Kazuo
Watanabe e Ada Pellegrini Grinover, assentou que “[...] é necessário pensar num
novo modelo de processo e num novo modelo de gestão do Judiciário, que permita
inclusive a reunião de processos, em primeira e segunda instâncias, sempre que
possam onerar o mesmo orçamento” (Conclusão 10).778
Apesar da relevância do alvitre, que realmente permitiria avaliar o impacto
econômico das ações propostas que possam onerar o mesmo orçamento, e
representaria enorme contribuição à governabilidade, nossa preocupação aqui
se restringe à convivência de ações pleiteando, em essência, um mesmo bem ou
diferentemente em face dos cidadãos” (PERLINGEIRO, Ricardo. O princípio da isonomia na tutela judicial
individual e coletiva, e em outros meios de solução de conflitos, junto ao SUS e aos planos privados de saú-
de. In: NOBRE, Milton Augusto de Brito; SILVA, Ricardo Augusto Dias da. (Coord.). O CNJ e os desafios
da efetivação do direito à saúde. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 429-441, espec. p. 434).
777
FERREIRA, Éder. As ações individuais no controle judicial de políticas públicas. In: GRINOVER, Ada
Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2013. p. 333-351, espec. p. 349.
778
As conclusões do Seminário foram publicadas no Apêndice de GRINOVER, Ada Pellegrini; WATA-
NABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2013. p. 505-506.

235
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

um mesmo tratamento-medicamento. Pense-se, por exemplo, em ações visando à


obtenção de vagas em creches ou ações pleiteando o fornecimento de insulinas de
última geração, não dispensadas pelo Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB)
nem distribuídas nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs).
O Código de Processo Civil em vigor dispõe sobre a reunião de processos por
conexidade no art. 55, cujo caput manteve, em substância, a regra do art. 103 do CPC
revogado, apenas substituindo “objeto” por “pedido”. Duas alterações significativas,
porém, advieram do § 1º e do § 3º do mencionado dispositivo.
Reza agora o §  1º do art. 55 que “[o]s processos de ações conexas serão
reunidos para decisão conjunta, salvo se um deles já houver sido sentenciado”, ao
passo que o art. 105 do Código de 1973 dizia que o juiz “pode ordenar a reunião de
ações propostas em separado”, permitindo concluir que, de lege lata, a reunião dos
feitos, ao menos em princípio, seria impositiva.779 Mas a questão não é tranquila,
havendo opiniões de que continua facultativa,780 ou de que seria obrigatória na
hipótese do caput e facultativa na do § 3º.781 Em qualquer caso, todavia, mencionam-
se, muitas vezes, ressalvas à reunião quando, p. ex., provocar excessiva delonga ou
algum dos feitos já estiver com a instrução concluída e em via de julgamento.
O §  3º, por sua vez, previu, na lição de Araken de Assis, a conexão em
sentido amplo, enquanto o caput do artigo 55 estabelece a conexão em sentido
estrito, porque “[n]ão há outro sítio adequado para situar o liame entre os objetos
litigiosos”.782 Na realidade, “o risco de decisões conflitantes ou contraditórias é um
fator que caracteriza a própria conexidade”.783
Cumpre examinar, então, a incidência do dispositivo na hipótese de que
estamos tratando, mas sem perder de vista que a “investigação dos vínculos idôneos
a promover a reunião de processos autônomos [é] um dos temas mais complexos
do processo civil”,784 não tendo cabida, destarte, seu amplo exame no presente
trabalho, até porque poderia compreender, por si só, outra tese.
779
“O art. 54 do Código de Processo Civil não faculta a prorrogação nos casos que prevê, mas manda que
ela se efetive mediante a reunião das causas (arts. 55, § 1º, e 58)” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Ins-
tituições de direito processual civil. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2016. v. I. p. 781 – grifado
no original). Também no sentido da obrigatoriedade da reunião: PINHO. Humberto Dalla Bernadina de.
Direito processual civil contemporâneo. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. v. 1. p. 265; DIDIER JR., Fredie.
Curso de direito processual civil. 17. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 1. p. 231 e 232.
780
GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. 5. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,
2015. v. I. p. 170.
781
ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
v. I. p. 841 et seq.; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito processual civil. 6. ed. rev., atual. e
ampl., 2016. p. 185 et seq.
782
ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
v. I, p. 836.
783
DINAMARCO, Cândido Rangel, op. cit., p. 780.
784
ASSIS, Araken de, op. cit., p. 833.

236
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

Segundo o artigo 55: “Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando


lhes for comum o pedido ou a causa de pedir.” Subsiste íntegra a crítica que era
feita, pela melhor doutrina, ao art. 103 do Código de 1973: “a definição não abrange
todo o definido”.785 Com efeito: basta a comunhão parcial do pedido ou da causa de
pedir, sendo suficiente, assim, “a identidade do objeto mediato [do pedido], isto é,
do bem a cuja obtenção se visa”,786 ou a existência de aspecto comum nas causae
petendi, como o contrato de locação nas ações de despejo por falta de pagamento
de aluguéis e de consignação destes, propostas pelo locador e pelo locatário,
imputando, um ao outro, inadimplemento.787
O Código de Processo Civil, no artigo 55, não alude à identidade de partes (ou
de alguma delas), pelo que deve ser levada em conta “somente a conexidade objetiva”.788
A doutrina costuma referir-se (ou deixa transparecer a ideia) à mesma relação
jurídica para justificar a conexidade: “O que releva, para a correta compreensão
da conexão, é que as ações (a causa de pedir ou seu pedido) digam respeito
à mesma relação jurídica, exigindo o julgamento unificado destas demandas
dotadas de origem comum”.789 Da mesma forma, depreende-se do exemplo usual,
supramencionado, das ações de despejo por falta de pagamento e consignação,
relativas à mesma relação ex locato.790
Não é simples, contudo, assimilar as concepções do artigo 55 do CPC às ações
que visem a obter direitos fundamentais sociais, pelo menos em relação ao direito à
proteção da saúde e ao direito à educação, que são especialmente importantes e vêm
merecendo nossa atenção. De fato, à luz da Constituição e da natureza estritamente
social dos alegados direitos, que se realizam por serviços públicos e não admitem
apropriação individual,791 seria impossível cogitar de pedido comum em ações
785
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A conexão de causas como pressuposto da reconvenção. São
Paulo: Saraiva, 1979. p. 126.
786
Ibidem, p. 124, nota 28.
787
Evidente que a causa petendi não é comum. Trata-se de causas de pedir diversas, pois cada qual tem em
particular o inadimplemento atribuído ao outro contratante, que são – por óbvio – diferentes. Variam, para
voltar à lição do Mestre, os aspectos passivos das causae petendi (cf. BARBOSA MOREIRA, José Carlos.
O novo processo civil brasileiro. 29. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 17).
788
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 8. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2016. v. I. p. 779 – grifado no original. No mesmo sentido: PINHO. Humberto Dalla Bernardina
de. Direito processual civil contemporâneo. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. v. 1. p. 265; ASSIS, Araken
de. Processo civil brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. v. I, p. 834.
789
ALVIM, Teresa Arruda et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015. p. 122 – grifado no original. Também referindo-se à mesma relação jurídica,
veja-se DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 17. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPo-
divm, 2015. v. 1. p. 233.
790
Cf. GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. 5. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,
2015. v. I. p. 168.
791
Qual a maneira mais eficiente de prover direitos fundamentais: uma perspectiva de direito e economia.
In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais: orçamento e “reserva

237
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

individuais que peçam um mesmo medicamento de alto custo, certa insulina de


última geração ou vaga para a pré-escola em determinado distrito ou município? Seria
distorção enxergar uma mesma relação jurídica base para esses pedidos? A resposta
negativa, que legitimaria a aplicação do art. 55, caput, do Código de Processo Civil,
embora ousada, enseja o tratamento isonômico das pretensões sociais afins, valor
que se alevanta pela dignidade dos supostos direitos em jogo.792
Seja como for, a incidência do § 3º do art. 55 desperta menos perplexidade.
Realmente, a regra do § 3º, ao estender as hipóteses de reunião de processos, para
evitar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias, buscou, sem
dúvida, superar a insuficiência da definição repetida, em substância, no caput do
art. 55. Mas não se deve entender que a inserção do mencionado parágrafo teve
a finalidade exclusiva de autenticar a orientação ampliativa que vigorava em
doutrina e jurisprudência, isto é, de permitir que tudo continuasse como dantes.
Ao contrário, a preocupação do novo Código em evitar decisões contraditórias e
preservar a isonomia e a segurança jurídica é manifesta.
Consagrada e precursora obra doutrinária, lançada antes mesmo da entrada
em vigor do CPC, fez questão de salientar que:
[...] Processualistas tradicionais costumam afirmar que o sistema tolera contradições
lógicas, mas não práticas. [...] Todavia, esta afirmação está em desarmonia com a
mentalidade quer dos processualistas, quer dos operadores do direito contemporâneo:
contradições, sejam quais forem, não são bem vindas. Este dispositivo [§ 3º do art. 55]
contém uma das muitas tentativas do NCPC de acabar com elas.793

Logo, se contradições entre julgados não são mais bem-vindas e o Código de


Processo Civil cuidou de estabelecer norma para flexibilizar a reunião de processos,
em prol da isonomia e da segurança jurídica, não pode haver dúvida de que essa
reunião assume cardinal importância quando se trata de ações visando à mesma
prestação social. A quebra da isonomia, neste caso, seria odiosa.
Assim, afastada a exigência da possibilidade de contradição prática entre as
decisões judiciais para fundamentar a reunião de causas,794 admite a doutrina a larga
concentração de feitos para julgamento, como leciona Cassio Scarpinella Bueno: “O
do possível”. 2. ed., rev. e ampl. 2. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 51-62, espec. p. 61.
792
Lembre-se que a alocação de recursos, decorrente da decisão judicial, produz a realocação de recursos
destinados a outros fins, sendo salutar que o juiz aprecie os pedidos concentradamente, para poder efetiva-
mente avaliar os impactos econômicos de sua decisão.
793
ALVIM, Teresa Arruda et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015. p. 123.
794
É certo, todavia, que ainda há fortes opiniões mencionando a inconciliabilidade prática entre as decisões,
como, e. g., Galdino, Flávio. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comen-
tários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. P. 105.

238
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

dispositivo [§ 3º do art. 55] certamente terá [...] intensa aplicação aos casos que têm
como ponto de partida uma mesma lesão ou ameaça a direito envolvendo diversos
interessados e que, não obstante, precisam ser homogeneamente resolvidos”.795
Nessa perspectiva, rompendo com noção algo difundida no sistema
anterior, abre-se a oportunidade da reunião de um número maior de processos
para decisão conjunta, em proteção à isonomia, ainda que haja algum, mas
justificável, comprometimento da rapidez na solução do processo. No caso de ações
pleiteando direitos sociais, ou, mais especificamente, um mesmo bem ou serviço,
além da ingente conveniência de resguardar a igualdade, a própria concentração
de processos é benfazeja, porquanto vai ensejar, desde logo e concretamente, a
apreciação irrestrita de vários pedidos, em dimensão recomendavelmente mais
próxima da macrojustiça, com a qual não pode deixar o magistrado de se preocupar.
Ademais, eventual queda na rapidez do processamento dos feitos reunidos
pode ser combatida eficazmente com algumas medidas, como, até mesmo, se for
necessário, a compensação na distribuição de processos, a suspensão da distribuição
de processos diversos, por ato do Corregedor, ou a designação de juiz em auxílio.
Na opinião de Fredie Didier Jr., em casos de competência absoluta ou
diversidade de procedimentos, por exemplo, “[s]e não for possível a reunião, a
conexão pode gerar a suspensão de um dos processos”,796 o que também seria útil
para o presente estudo. Com a devida vênia, contudo, acreditamos que a suspensão
exigiria, exatamente em razão do invocado art. 313, V, “a”, do CPC, a prejudicialidade.797
Além da reunião de processos para simultâneo julgamento, poder-se-
ia pensar na cooperação nacional, especialmente consoante o art. 69 do CPC,
conquanto seja prudente lembrar que a cooperação jurisdicional e as suas
ferramentas desempenham “um papel essencial, porém acessório, na evolução da
marcha processual”.798
De qualquer forma, seria possível imaginar, verbi gratia, a produção
em conjunto de determinada prova, em amplo contraditório (art. 69, IV, §  2º,
II); a designação de audiência especial única, abrangente de todos os feitos,
com participação do Ministério Público e, talvez, da Defensoria Pública, para
esclarecimentos ou para buscar futura autocomposição (arts. 3º, § 3º, 139, V, c/c.

795
Manual de direito processual civil. 4. ed. ampl. Atual. e rev. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 149.
796
Curso de direito processual civil. 17. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 1. p. 231-232.
797
Assim, com razão, RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito processual civil. 6. ed. rev., atual.
e ampl., 2016. p. 185.
798
SCHENK, Leonardo Faria. In: ALVIM, Teresa Arruda et al. (Coord.). Breves comentários ao novo
Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 245-246

239
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

69, II);799 e prestação de informações recíprocas (art. 69, III). Tudo sem prejuízo,
evidentemente, da utilização de qualquer prova produzida em outro processo
símile, nos termos do art. 372 do Código de Processo Civil.
A concentração do julgamento das causas que visem ao mesmo bem social,
quando envolvida a correção ou incrementação da política pública a fim de realizar
norma programática constitucional, ou, ao menos, a prática conjunta de atos
relevantes para a convicção judicial, propiciando pronunciamentos homogêneos,
constituem os primeiros passos para a consecução de decisões jurisdicionais de
índole efetivamente social, porque tendem à universalização.
Mas isso, a rigor, ainda não basta para a satisfação integral do plano proposto
pela Constituição da República, nem para que o Judiciário deixe de funcionar como
um “Robin Wood às avessas”.800 Com efeito, clama a communis opinio doctorum pela
atenção com a universalização da medida decorrente da ação individual, parte da
doutrina coíbe a tutela individual dos direitos sociais, em prol da isonomia efetiva,801 a
maioria defende a prevalência das ações coletivas, inclusive, como ressaltou um douto,
para acabar “com um universo, que é típico brasileiro, de que, como não tem direito
para todo mundo, alguns têm um privilégio – o que é extremamente negativo”.802
Assim, quando assevera a doutrina:
Desta forma, não obstante a ação escolhida tenha cunho individual, deverá o
magistrado adaptar o provimento jurisdicional para que o direito seja estendido a
toda a coletividade. Se a parte postula a concessão de determinado bem da vida,
fundamentando-o no art. 6º da Constituição Federal, caso o magistrado constate
violação da igualdade substancial, o provimento deverá ter alcance coletivo, não
importando a modalidade de ação manejada –,803

é simplesmente porque, em nosso entender, esta é a interpretação do pedido


799
Parece-nos correto o entendimento de que o art. 69, II, do CPC não trata dos casos típicos de reunião de
processos, ou seja, conexão ou continência, “porque, para tanto, não é preciso qualquer pedido de coopera-
ção ou ato concertado entre os juízes. [...] estes atos devem ser executados independentemente de qualquer
pedido de cooperação a que se refere[m] os arts. 67 a 69 do CPC” (MEIRELES, Edilton. Cooperação judi-
ciária nacional. Revista de Processo, São Paulo, n. 249, p. 59-79, nov. 2015. espec. p. 65-66).
800
Lembre-se que a menção é de SARMENTO, Daniel. A proteção judicial dos direitos sociais: alguns pa-
râmetros ético-jurídicos. In: SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de (Coord.). Direitos
sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.
553-586, espec. p. 583.
801
Cf. LAGE, Lívia Regina Savergnini Bissoli. Políticas públicas como programas e ações para o atingi-
mento dos objetivos fundamentais do Estado. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Co-
ord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 151-182, espec.
p. 157. A autora apenas menciona essa orientação, com citações doutrinárias na nota 21, sem sustentá-la.
802
BARROSO, Luís Roberto, manifestação na Audiência Pública sobre Direito à Saúde no STF. Disponível
em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Luis_Roberto_Barroso.
pdf>. Acesso em: 11 out. 2018.
803
CANELA JUNIOR, Osvaldo. Controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 146.

240
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

que impõe a Constituição. Ora, se o bem (latissimo sensu) não está compreendido
nas políticas públicas estabelecidas, ainda que sob a veste da concessão individual,
o que se pretende, em substância, é a extensão (ou criação) de serviço público, cuja
disponibilização é intrinsecamente genérica e impessoal.804
Dessa forma, deixado isso claro pelo juiz, desenvolvida a defesa e o
contraditório nessa dimensão, produzida a prova necessária, com ampla cognição
judicial, não haveria, a nosso ver, óbice intransponível à determinação do
implemento geral da prestação pública, até mesmo porque, como já destacado
várias vezes, não poderia o Poder Judiciário conceder benefício exclusivo, inviável
de ser universalizado o quanto antes. Nesse contexto, pode-se pensar na concessão
imediata ao autor da ação, mas com oportuna generalização, conforme plano
apresentado em juízo.
Aliás, a existência de recursos (materiais e financeiros), as questões
orçamentárias e a viabilidade de universalização, devem ser examinadas
previamente pelo magistrado, a par da observância do art. 498, § 1º, do CPC e do
art. 20 da LINDB, ao proferir sentença.
Ser coprotagonista de políticas públicas,805 alocar (e, consequentemente,
realocar) recursos, sem a necessidade de submeter suas escolhas ao escrutínio
político, exige densa fundamentação para ser legítima.

804
Ainda que uti singuli, é a fruição do serviço que se faz individual, mas o acesso à sua prestação deve ser
geral. Mello, Celso Antônio Bandeira de, ao cuidar do substrato material do serviço público, refere-se
a: “c) destinar-se à satisfação da coletividade em geral [...]. Deveras, se não fora para prover, indistinta-
mente, a satisfação de interesses da generalidade social, faltaria ao serviço a característica de ser destinado
ao público como um todo”. Para depois conceituar: “Serviço público é a atividade consistente na oferta de
utilidade ou comodidade material fruível singularmente pelos administrados que o Estado assume como
pertinente a seus deveres em face da coletividade e cujo desempenho entende que deva se efetuar sob regi-
me jurídico de direito público [...]” (Serviço público: conceito e características. Actualidad de los servicios
públicos en Iberoamérica. Cienfuegos Salgado, David; Rodríguez Lozano, Luis Gerardo
(Coord.). México: Universidad Nacional Autónoma de México (UCAM), 2008. p. 39-53, espec. p. 43,
47 e 50. (Serie Doctrina jurídica, n. 429). Disponível em: <https://archivos.juridicas.unam.mx/www/bjv/
libros/6/2544/5.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2018.
805
“Nesse papel de co-protagonista de políticas públicas...”, escreveram Ada Pellegrini Grinover, Kazuo
Watanabe e Paulo Lucon nas Considerações finais e proposta de substitutivo ao Projeto de Lei 8.058/2014.
Disponível em: <http://www.direitoprocessual.org.br/aid=37.html?shop_cat=33&shop_detail=111>.
Acesso em: 17 nov. 2018.

241
Conclusão

É hora de terminar. Não, evidentemente, porque o assunto tenha se esgotado.


Na verdade, o amplo tema escolhido admitiria muitas outras colocações e, até
mesmo, várias teses em relação a temas específicos. Mas ferimos o ponto que nos
parecia primordial: o mínimo para que o processo sirva efetivamente aos anseios
sociais da Constituição da República, em relação à correção ou implementação de
políticas públicas, promovendo o bem comum (art. 8º do CPC) e não o agravamento
do desequilíbrio social.
As soluções propostas, como, p. ex., a reunião de processos e a prolação de
decisões que assegurem a universalização da prestação do bem (latissimo sensu)
pleiteado, por se cuidar de direitos sociais em sentido estrito (art. 6º da CF), ainda
que se trate de ação (aparentemente) individual, decerto se mostram de difícil
aplicação imediata, mas, atualmente, com a banal multiplicação de milhões de
ações visando à obtenção de direitos fundamentais sociais,806 nenhuma solução
unificadora assume tranquila realização.
Hoje, como esperamos haver demonstrado, vive-se o caos com a extrema
judicialização das questões sociais e a atuação do Poder Judiciário, tratando
alegados direitos à saúde e à educação como se fossem absolutos, sem levar
sequer em concreta consideração as relevantes defesas postas pela Administração,
especialmente no que concerne à escassez de recursos e à primazia (inclusive
técnica) na alocação desses recursos, o que compromete a própria governabilidade,
não apenas de municípios, mas também dos estados e até da União.
É preciso, como ressaltou o Ministro Luís Roberto Barroso, “tanto quanto
possível, reduzir e racionalizar a judicialização da saúde, bem como prestigiar as
decisões dos órgãos técnicos, conferindo caráter excepcional à dispensação de

806
Conforme se vê no Portal de Notícias do CNJ, “ao menos 1.346.931 processos com o tema saúde tra-
mitaram no Judiciário em 2016”. Judicialização da saúde: iniciativas do CNJ são destacadas em seminário
no STJ, 22 maio 2018. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/86891-judicializacao-da-saude-
-iniciativas-do-cnj-sao-destacadas-em-seminario-no-stj>. Acesso em: 27 nov. 2018.
243
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

medicamentos não incluídos na política pública”,807 raciocínio que pode (e deve) ser
estendido, em geral, ao controle jurisdicional de políticas públicas.
Cabe ao Poder Judiciário corrigir ilegalidades na implementação e execução
de políticas públicas, mas sua atuação se transformou em via de concessão e obtenção
de benefícios particulares que não poderiam ser concedidos pela Administração
Pública, como um superpoder capaz de derrotar regras constitucionais, sem que
isso contribua definitivamente para a consecução dos objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil (art. 3º da CF); pelo contrário: agravando o nosso
dramático desnível social.
O Ministério Público, por suas relevantíssimas atribuições constitucionais,
pode exercer papel fundamental no controle das políticas públicas, inclusive,
ou precipuamente, em atividade extrajudicial, buscando, por meio do inquérito
civil público, reunir elementos e estabelecer diálogo interinstitucional, com a
participação da sociedade, que permitam, quem sabe, a solução consensual do
litígio ou, quando menos, a robusta propositura da ação civil pública.
A Defensoria Pública, com função marcantemente social (v. artigo 134 da CF),
e legitimação para ajuizar ações coletivas, se vale da propositura de inúmeras ações
individuais para facilitar a chance de vitória estritamente individual.
É preciso abandonar o “universo, que é típico brasileiro, de que, como não
tem direito para todo mundo, alguns têm um privilégio – o que é extremamente
negativo”.808 Assim, relembre-se, deixando isso claro o juiz, facultada a defesa e o
contraditório na dimensão pertinente, produzida a prova necessária, com ampla
cognição judicial, não há óbice insuperável à determinação do implemento geral da
prestação pública pleiteada, mesmo em ações individuais.

807
Voto no julgamento, ainda não concluído, do RE 566.471 RG/RN, Tema 6: “Dever do Estado de for-
necer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para
comprá-lo.”
808
BARROSO, Luís Roberto, manifestação na Audiência Pública sobre Direito à Saúde no STF. Disponível
em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Luis_Roberto_Barroso.
pdf>. Acesso em: 11 out. 2018.

244
Referências
A GUIDE to the Sedlac: socio-economic database for Latin America and the Caribbean. Buenos Aires:
Universidad Nacional de La Plata (UNLP), Centro de Estudios Distributivos, Laborales y Sociales
(Cedlas); Washington, DC: World Bank, abr. 2014. 63 p. Disponível em: <http://sedlac.econo.unlp.
edu.ar/wp/wp-content/uploads/Methodological_Guide_v201404.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2018.
ABRAHAM, Marcus. Curso de direito financeiro brasileiro. 4. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,
2017. 438 p.
_______. Orçamento público no Brasil. In: ABRAHAM, Marcus; PEREIRA, Vitor Pimentel (Coord.).
Orçamento público no direito comparado. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 87-117.
ALCÂNTARA, Gisele Chaves Sampaio. Judicialização da Saúde: uma reflexão à luz da teoria dos jogos.
Revista CEJ, Brasília, Ano XVI, n. 57, p. 88-94, maio/ago. 2012. Disponível em: <http://www2.cjf.
jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/1592/1569>. Acesso em: 5 out. 2014.
ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no estado de
direito democrático. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 217, p. 67-79, jul./set. 1999.
_______. Direitos fundamentais no estado constitucional democrático. Revista de Direito Administrativo,
Rio de Janeiro, n. 217, p. 55-66, jul./set. 1999.
_______. Teoria da argumentação jurídica. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy,
2001. 355 p.
_______. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,
2008. 669 p.
ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 11. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007. v. 2. 704 p.
AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e
as decisões trágicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. 200 p.
_______. Interpretação dos direitos fundamentais e o conflito entre poderes. In: TORRES, Ricardo Lobo
(Org.). Teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 95-116.
AMARAL, Gustavo; MELO, Daniela. Há direitos acima dos orçamentos? In: SARLET, Ingo Wolfgang;
TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed. rev. e
ampl. 2. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 79-99.
ANA – Agência Nacional de Águas. Atlas esgotos: despoluição de bacias hidrográficas. Brasília: ANA,
2017. 88 p. Disponível em: <http://arquivos.ana.gov.br/imprensa/publicacoes/ATLASeESGOTOSD
espoluicaodeBaciasHidrograficas-ResumoExecutivo_livro.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2018.
ANTONIO, Nilva M. Leonardi. O controle jurisdicional de políticas públicas como controle de
constitucionalidade e seus limites. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O
controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 183-212.
APPIO, Eduardo. Controle judicial das políticas públicas no Brasil. 1. ed. 6. reimp. Curitiba: Juruá, 2009. 304 p.
ARANGO, Rodolfo. Direitos fundamentais sociais, justiça constitucional e democracia. Revista do
Ministério Público do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, n. 56, p. 89-103, set./dez. 2005.
ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo da Silva. Ações coletivas: a tutela jurisdicional dos direitos individuais
homogêneos. Rio de Janeiro: Forense, 2000. 267 p.
245
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

_______. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito processual. São Paulo: Saraiva, 2002. 269 p.
_______. Sobre a distinção entre interesses coletivos e interesses individuais homogêneos. In: FUX, Luiz;
NERY JR., Nelson; ALVIM, Teresa Arruda. (Coord.). Processos e Constituição: estudos em homenagem
ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 78-85.
ARELLANO, Luis Felipe Vidal. Para além da reserva do possível: cognição conglobante e dialética
pública no controle jurisdicional de políticas públicas. Revista de Processo, São Paulo, n. 266, p.
393-417, abr. 2017.
ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões estruturais no direito processual civil brasileiro. Revista de Processo,
São Paulo, n. 225, p. 389-410, nov. 2013.
_______. Processo multipolar, participação e representação de interesses concorrentes. In: ARENHART,
Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix. (Org.). Processos estruturais. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 423-448.
_______. Reflexões sobre o princípio da demanda. In: FUX, Luiz; NERY JR., Nelson; ALVIM, Teresa Arruda.
(Coord.). Processos e Constituição: estudos em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa
Moreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 587-603.
ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. v. I. 1.535 p.
_______. Processo civil brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. v. II, t. II. 1.422 p.
ATHIAS, Leonardo; OLIVEIRA, Leonardo. Indicadores de padrão de vida e distribuição de renda. In:
SIMÕES, André; FRESNEDA, Betina (Org.). Panorama nacional e internacional da produção de
indicadores sociais. Rio de Janeiro: IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais, 2016.
p. 110- 157. (Estudos e análises. Informação demográfica e socieconômica, n. 5). Disponível em:
<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/ liv98624.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2018.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8. ed. São
Paulo: Malheiros, 2008. 190 p.
BADIN, Arthur Sanchez. Controle judicial das políticas públicas: contribuição ao estudo do tema da
judicialização da política pela abordagem da análise institucional comparada de Neil K. Komesar.
São Paulo: Malheiros, 2013. 182 p.
BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 16. ed. rev. e atual. por Dejalma de Campos.
Rio de janeiro: Forense, 2003. 548 p.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ação civil pública. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 3,
p. 187-203, 3. trim. 1993.
_______. A ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela jurisdicional dos chamados
interesses difusos. In: Temas de Direito Processual: primeira série. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1988, p.
110-123.
_______. Comentários ao Código de Processo Civil: Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. 16. ed. rev.
atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2011. v. V. 763 p.
_______. A conexão de causas como pressuposto da reconvenção. São Paulo: Saraiva, 1979. 213 p.
_______. Considerações sobre a causa de pedir na ação rescisória. In: Temas de direito processual:
quarta série. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 205-213.
_______. Efetividade do processo e técnica processual. Revista de Processo, São Paulo, n. 77, p. 168-176,
jan./mar. 1995.
_______. O juiz e a cultura da transgressão. In: Temas de direito processual: sétima série. São Paulo:
Saraiva, 2001. p. 251-261.

246
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

_______. A legitimação para a defesa dos “interesses difusos” no direito brasileiro. In: Temas de direito
processual: terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 183/192.
_______. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao Estado de Direito. In: Temas de
direito processual: segunda série. São Paulo: Saraiva, 1980. 270 p. p. 83-95.
_______. Notas sobre o problema da “efetividade” do processo. In: Temas de Direito Processual: terceira
série. São Paulo: Saraiva, 1984. 235 p. p. 27-42.
_______. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 29. ed. rev. e atual. Rio
de Janeiro: Forense, 2012. 327 p.
_______. Os poderes do juiz na direção e na instrução do processo. In: Temas de direito processual:
quarta série. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 45-51.
_______. Proceso y cultura latinoamericana. In: Temas de direito processual: nona série. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 125-128.
_______. A proteção jurídica dos interesses coletivos. In: Temas de direito processual: terceira série. São
Paulo: Saraiva, 1984. p. 173-181.
_______. Recurso Especial. Exame de questão de inconstitucionalidade de lei pelo Superior Tribunal
de Justiça. Recurso Extraordinário interposto sob condição. In: Direito aplicado II: pareceres. Rio de
Janeiro: Forense, 2005. p. 249-272.
_______. Súmula, jurisprudência, precedente: uma escalada e seus riscos. In: Temas de direito processual:
nona série. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 299-313.
_______. Tutela jurisdicional dos interesses coletivos ou difusos. In: Temas de direito processual: terceira
série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 193-221.
Barcellos, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos
fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. In: SARLET,
Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do
possível”. 2. ed. rev. e ampl. 2. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 101-132.
_______. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana.
Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 327 p.
_______. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 240, p. 83-103, abr./jun. 2005.
_______. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. 356 p.
BARRETTO, Vicente de Paulo. Reflexões sobre os direitos sociais. Revista Quaestio Iuris, v. 04, nº 01,
p. 488-512, 2011.
BARROS, Ricardo Paes de; HENRIQUES, Ricardo; MENDONÇA, Rosane. A estabilidade inaceitável:
desigualdade e pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 2000. 24 p.
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da
doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 452 p.
_______. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do
novo modelo. 2. ed. São paulo: Saraiva, 2010. 453 p.
_______. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição
brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1990. 231 p.

247
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

_______. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro: pós-


modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n.
225, p. 5-37, jul./set. 2001.
_______. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional
transformadora. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. 300 p.
_______. Princípios constitucionais brasileiros ou de como o papel aceita tudo. Revista da Faculdade de
Direito da UERJ, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 206-242, 1993.
_______. Promoção de magistrado por merecimento e recusa de promoção por antiguidade.
Instituição de voto aberto e motivado. Legitimidade de emenda à Constituição do Estado. Revista
de Ciência Jurídica, Belo Horizonte, n. 116, p. 343-369, mar./abr. 2004.
BAUERMANN, Desirê. Structural injunctions no Direito norte-americano. In: ARENHART, Sérgio Cruz;
JOBIM, Marco Félix. (Org.). Processos estruturais. Salvador: JusPodivm, 2017. P. 279-301.
BENJAMIN, Antônio Herman V. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico:
apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do
consumidor. In: MILARÉ, Édis (Coord.). Ação civil pública: Lei 7.347/85: reminiscências e reflexões
após dez anos de aplicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 70-151.
BINENBOJM, Gustavo; CYRINO, André Rodrigues. Parâmetros para a revisão judicial de diagnósticos
e prognósticos regulatórios em matéria econômica”. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de;
SARMENTO, Daniel; BINENBOJM, Gustavo (Org.). Vinte anos da Constituição Federal de 1988. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 2009, pp. 739-760.
Black’s Law Dictionary. 6th ed. 10th reprint. St. Paul, Minnesota: West Publishing Co., 1996.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2000. 793 p.
_______. Governança e legitimidade (alguns aspectos da conjuntura brasileira). In: VALADÉS, Diego
(Ed.). Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional
Autónoma de México, 2005. p. 31-58.
BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. (Coord.) ALVIM,
Teresa Arruda et. al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
BORJA, Rodrigo. La gobernabilidad: talón de Aquiles de nuestra América. In: VALADÉS, Diego (Ed.).
Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma
de México, 2005. p. 59-72.
BRASIL, Ministério da Saúde. Plano Nacional de Saúde: PNS 2016-2019. Brasília, 2016. 91 p.
Brasil. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental – SNSA. Sistema
Nacional de Informações sobre Saneamento. Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos – 2016.
Brasília: SNSA/MCIDADES, 2018. 220 p.
BREWER-CARÍAS, Allan R. Los problemas de la gobernabilidad democrática en Venezuela: el
autoritarismo constitucional y la concentración y centralización del poder. In: VALADÉS, Diego
(Ed.). Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional
Autónoma de México, 2005. p. 73-96.
BREYER, Stephen. The court and the world: American law and the new global realities. New York, USA:
Vintage, 2016. 382 p.
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002. 298 p.

248
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

_______. Fundamentos para uma teoria jurídica das políticas públicas. 1. ed. 2. tir. São Paulo: Saraiva,
2013. 319 p.
BUCCI, Maria Paula Dallari; DUARTE, Clarice Seixas. Judicialização da saúde: a visão do Poder Executivo.
São Paulo: Saraiva, 2017. 552 p.
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: procedimento comum:
ordinário e sumário. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 2, t. I. 562 p.
_______. Manual de direito processual civil. 4. ed. ampl. Atual. e rev. São Paulo: Saraiva, 2.018. 912 p.
CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2.
ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. 1.691 p.
CAETANO, Marcello. Princípios fundamentais do direito administrativo. Coimbra: Almedina, 1996. 465 p.
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. 559 p.
CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas
e protagonismo judiciário. São Paulo: Almedina, 2016. 725 p.
Camou, Antonio. Gobernabilidad y Democracia. 6. reimp. México: Instituto Federal Electoral, 2013.
CANELA JUNIOR, Osvaldo. Controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2011. 193 p.
_______. O orçamento e a “reserva do possível”: dimensionamento no controle judicial de políticas
públicas. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de
políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 225-236.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Almedina, 1993. 1.228 p.
_______. “Metodologia fuzzy” e “camaleões normativos” na problemática actual dos direitos
económicos, sociais e culturais. In: Estudos sobre direitos fundamentais. 2. ed. Coimbra: Coimbra
Ed.; São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 97-113.
CANOTILHO, J. J. Gomes et al. (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. 1. ed. 5. tir. São Paulo:
Saraiva/Almedina, 2014. 2.380 p.
CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Ed., 1991. 310 p.
CAPPELLETTI, Mauro. Constitucionalismo moderno e o papel do Poder Judiciário na sociedade
contemporânea. Revista de Processo, São Paulo, n. 60, p. 110-117, out./dez. 1990.
_______. Proceso, ideologias, sociedad. Traducción de Santiago Sentís Melendo y Tomás A. Banzhaf.
Buenos Aires, ARG: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1974. 638 p.
CARDOSO, Henrique Ribeiro. O paradoxo da judicialização das políticas públicas de saúde no Brasil: um
ponto cego do direito? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. 170 p.
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma
nova sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 1999. 252 p.
_______. A ética e os personagens do processo. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos et al. (Org.).
Processo civil contemporâneo: homenagem aos 80 anos do professor Humberto Theodoro Júnior.
Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 215-221.
_______. A proteção dos direitos difusos através do compromisso de ajustamento de conduta: Lei
da Ação Civil Pública. In: TUBENCHLAK, James; BUSTAMANTE, Ricardo Silva de (Coord.). Livro de
Estudos Jurídicos. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1993, n. 6, p. 234-240.

249
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

Carnelutti, Francesco. Lezioni di Diritto Processuale Civile. Padova: CEDAM, 1986. v. 1. 813 p. (I Classici
della CEDAM).
CARPENA, Márcio Louzada. Os poderes do juiz no common law. Revista de Processo, São Paulo, n. 180,
p. 195-220, fev. 2010.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 12. ed. rev. ampl. e atual. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005. 1.086 p.
CASTRO, Guilherme Couto de. Direito civil: lições. 6. ed. rev. e atual. Niterói, RJ: Impetus, 2016. 468 p.
_______. A responsabilidade civil objetiva no direito brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. 137 p.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2008. 577 p.
CHAYES, Abram. El rol del juez en el litigio de interés público. Traducción al español de Olivia Minatta y
Francisco Verbic. Revista de Processo, São Paulo, n. 268, p. 143-280, jun. 2017.
Chieffi, Ana Luiza; Barata, Rita de Cássia Barradas. Ações judiciais: estratégia da indústria
farmacêutica para introdução de novos medicamentos. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 44,
n. 3, p. 421-429, jun. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsp/v44n3/05.pdf>.
Acesso em: 17 set. 2014.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
geral do processo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. 398 p.
CNI – Confederação Nacional da Indústria. Saneamento: oportunidades e ações para a
universalização. Brasília: CNI, 2014. 107 p. (Propostas da indústria eleições 2014. v. 17). Disponível
em: <http://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/conteudo_24/2014/07/22/461/V17_
Saneamentooportunidadeseacoes_web.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2018.
CÓRDOVA VIANELLO, Lorenzo. Repensar la gobernabilidad de las democracias. In: VALADÉS, Diego
(Ed.). Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional
Autónoma de México, 2005. p. 97-119.
CORREA FREITAS, Rúben. La gobernabilidad en el sistema político uruguayo. In: VALADÉS, Diego (Ed.).
Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma
de México, 2005. p. 121-132.
CORTEZ, Luís Francisco Aguilar. Outros limites ao controle jurisdicional de políticas públicas. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas.
2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 286-307.
COSTA, Susana Henriques da. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários
ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. 1.691 p.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. O princípio do contraditório e a cooperação no processo. Revista
Brasileira de Direito Processual, v. 20, n. 79, p. 147-160, jul./set. 2012.
DALLA VIA, Alberto Ricardo. El imperio de la ley y su efectividad (a partir de la reforma constitucional
argentina de 1994). In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad y Constitucionalismo en América
Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005. p. 133-166.
DALLARI, Adilson Abreu. Lei orçamentária: processo legislativo, peculiaridades e decorrências. Revista
de Informação Legislativa, v. 33, n. 129, p. 157-162, jan./mar. 1996.

250
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

DANIEL, Juliana Maia. Discricionariedade administrativa em matéria de políticas públicas. In: GRINOVER,
Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2013. p. 93-124.
DANTAS, Bruno. Jurisdição coletiva, ideologia coletivizante e direitos fundamentais. Revista de Processo,
São Paulo, n. 251, p. 341-358, jan. 2016.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e
processo de conhecimento. 17. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 1. 786 p.
DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Ações coletivas e o incidente de julgamento de casos repetitivos
– espécies de processo coletivo no direito brasileiro. Revista Direito em Movimento, Rio de Janeiro,
v. 26, p. 15-25, 2º sem. 2016.
_______. Ações coletivas e o incidente de julgamento de casos repetitivos – espécies de processo
coletivo no direito brasileiro: aproximações e distinções. Revista de Processo, São Paulo, n. 256, p.
209-218, jun. 2016.
_______. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 12. ed. rev. atual. e ampl. Salvador:
JusPodivm, 2018. v. 4. 576 p.
DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Notas sobre as decisões
estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix. (Org.). Processos estruturais. Salvador:
JusPodivm, 2017. p. 353-368.
Dimoulis, Dimitri; Lunardi, Soraya Gasparetto. Ativismo e autocontenção judicial no controle
da constitucionalidade. Disponível em: <https://www.academia.edu/1618915/Ativismo_e_
autoconte%C3%A7%C3%A3o_judicial>. Acesso em: 5 nov. 2018.
DINAMARCO, Cândido Rangel. O conceito de mérito em processo civil. In: Fundamentos do processo
civil moderno. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. t. I. p. 232-277.
_______. Execução de liminar em mandado de segurança. Desobediência. Meios de efetivação da
liminar. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 200, p. 309-325, abr./jun. 1995
_______. Instituições de direito processual civil. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2016. v. I. 910 p.
_______. Instituições de direito processual civil. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2017. v. II. 808 p.
_______. A Instrumentalidade do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. 471 p.
_______. Tutela jurisdicional. In: Fundamentos do processo civil moderno. 3. ed. São Paulo: Malheiros,
2000. t. II. p. 797-837.
DOBBS, Dan B. Law of Remedies: damages, equity, restitution. 2nd ed. St. Paul, Minn.: West Group, 1993. 972 p.
DOUGHERTY, J. Hampdem. Power of Federal Judiciary over Legislation: its origin; the power to set aside
laws; boundaries of the power; judicial independence; existing evils and remedies. Clark, NJ:
Lawbook Exchange, 2004. 129 p.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. 5. ed. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2017. 568 p.
EGUIGUREN PRAELI, Francisco José. Diseño constitucional, régimen político y gobernabilidad en el Perú:
los problemas que las normas no bastan para resolver. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad y
Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005.
p. 167-198.

251
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. Atual. por Gustavo
Binenbojm. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. 537 p.
FERGUSON, Niall. Civilization: the west and the rest. London: Allen Lane-Penguin Books, 2011. 402p.
FERRARO, Marcella Pereira. Litígios estruturais: algumas implicações da publicidade do processo. In:
ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix. (Org.). Processos estruturais. Salvador: JusPodivm,
2017. p. 541-562.
FERREIRA, Éder. As ações individuais no controle judicial de políticas públicas. In: GRINOVER, Ada
Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2013. p. 333-351.
Ferreira ALDUNATE, Wilson. La lucha por la libertad. Obras de Wilson Ferreira Aldunate. Montevideo:
Cámara de Representantes, 1992. p. 283.
FISS, Owen M. Fazendo da Constituição uma verdade viva: quatro conferências sobre a structural
injunction. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix. (Org.). Processos estruturais. Salvador:
JusPodivm, 2017. p. 25-51.
_______. The civil rights injunction. Bloomington: Indiana University Press, 1978. 117 p.
_______. The forms of justice. Harvard law review, Cambridge, v. 93, n. 1, p. 1-58, nov. 1979.
FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais: elementos de fundamentação do
controle jurisdicional de políticas públicas no Estado Democrático de Direito. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2015. 368 p.
FREER, Richard D. Introduction to civil procedure. 2. ed. New York: Aspen, 2009. 118 p.
FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceito e princípios gerais à luz do novo código.
3. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 2013. 246 p.
Galdino, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem em árvores. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005. 380 p.
GARCÍA BELAUNDE, Domingo. Gobernabilidad democrática y Constitución (a propósito del caso
peruano). In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2005. p. 199-220.
GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma
perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 525 p.
_______. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas: mandado de segurança coletivo, ação
coletiva de consumo, ação coletiva ambiental, ação civil pública, ação popular. São Paulo: Saraiva,
1995. 267 p.
GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: o Direito como
instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. 444 p.
GRAU, Eros Roberto. Despesa pública. Conflito entre princípios e eficácia das regras jurídicas. O
princípio da sujeição da Administração às decisões do Poder Judiciário e o princípio da legalidade
da despesa pública. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 61, p. 194-214, abr./jun. 2015.
_______. Por que tenho medo dos juízes: a interpretação/aplicação do direito e os princípios. 6. ed.
refundida do Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros,
2013. 176 p.

252
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil: introdução ao direito processual civil. 5. ed. rev. atual. e
ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. I. 549 p.
_______. Instituições de processo civil: processo de conhecimento. 3. ed. rev. atual. e ampl. Rio de
Janeiro: Forense, 2015. v. II. 436 p.
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. v.
3. 392 p.
GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle jurisdicional de políticas públicas. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;
WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2013. p. 125-150.
_______. Relatório geral. In: Conferência de Seoul 2014 – Constituição e processo: o Judiciário como
órgão de controle político. Revista de Processo, São Paulo, n. 249, p. 19-29, nov. 2015.
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. 9. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. 1.217 p.
GROS ESPIELL, Héctor. La gobernabilidad y la Constituición uruguaya. In: VALADÉS, Diego (Ed.).
Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma
de México, 2005. p. 221-238.
GUIMARÃES, Luiz Machado. Ato processual. In: Estudos de direito processual civil. Rio de Janeiro: Jurídica
e Universitária, 1969. p. 76-92. (Biblioteca Jurídica).
GUIMARÃES, Ulysses. Discurso proferido na sessão de 27.07.1988 da Câmara dos Deputados.
Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/
escrevendohistoria/discursos-em-destaque/serie-brasileira/decada-1980-89/pdf/
Ulysses%20Guimaraes_270788.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2018.
HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O Federalista. Tradução de Ricardo Rodrigues
Gama. 2. ed. Campinas/SP: Russel, 2005. 538 p.
HAZARD JR., Geoffrey C.; TARUFFO, Michele. American civil procedure: an introduction. New Haven and
London: Yale University Press, 1993. 230 p.
HENSLER, Deborah R. et al. Class action dilemmas: pursuing public goals for private gain. Santa Monica,
CA: RAND Corporation, 2000. 610 p.
HERR, David F. Annotated manual for complex litigation. 4th ed. S.l.: Thomson Reuters, 2014. 1239 p.
HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass R. The cost of rights: why liberty depends on taxes. New York: W. W.
Norton & Company, 1999. 255 p.
HOMBURGER, Adolf. Private suits in the public interest in the United States of America. In: Klagen
Privater im öffentlichen Interesse. Frankfurt: Alfred Metzner Verlag GMBH, 1975. n. 68. p. 9-68.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Brasil em números. Rio de Janeiro:
IBGE, 2017. v. 25. 480 p.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional de saúde 2013: acesso e utilização
dos serviços de saúde, acidentes e violências. Rio de Janeiro: IBGE, 2015. 106 p. Disponível em:
<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv94074.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2018.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais 2017: uma análise das
condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. 140 p. (Estudos e pesquisas.
Informação demográfica e socioeconômica, n. 37).
253
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

INAF – Indicador de Alfabetismo Funcional: estudo especial sobre alfabetismo e mundo do


trabalho, São Paulo, maio 2016. 26 p. Disponível em: <https://drive.google.com/file/
d/0B5WoZxXFQTCRRWFyakMxOTNyb1k/view>. Acesso em 22 abr. 2018.
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Desafios da nação. Brasília: IPEA, 2018. v. 1. 162 p.
Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&i
d=32753&Itemid=433>. Acesso em: 21 maio 2018.
JACOB, Cesar Augusto Alckmin. A “reserva do possível”: obrigação de previsão orçamentária e
de aplicação da verba. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle
jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 237-283.
JAMES JR., Fleming; HAZARD JR., Geoffrey C. Civil Procedure. 2nd ed. Toronto: Little, Brown and
Company, 1977. 711 p.
JAMES JR., Fleming, HAZARD JR., Geoffrey C.; LEUBSDORF, John. Civil Procedure. 4th ed. Boston, Toronto
and London: Little, Brown and Company, 1992. 726 p.
JOBIM, Marco Félix. Reflexões sobre a necessidade de uma teoria dos litígios estruturais: bases de uma
possível construção. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix. (Org.). Processos estruturais.
Salvador: JusPodivm, 2017. p. 449-466.
JOHNSON, Kevin R.; ROGERS, Catherine A.; WHITE, John Valery. Complex litigation: cases and materials
on litigating for social change. Durham, North Carolina: Carolina Academic Press, 2009. 920 p.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei 8.666/1993. 17.
ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. 1.519 p.
KINZO, Maria D’Alva Gil. Governabilidade, estrutura institucional e processo decisório no Brasil.
Disponível em: <http://ppbr.com/Id/govpoart.asp>. Acesso em: 12 set. 2018.
KLONOFF, Robert H. Class actions and other multi-party litigation in a nutshell. 4th ed. St. Paul/MN:
Thomson/West, 2012. p. 184.
LAGE, Lívia Regina Savergnini Bissoli. Políticas públicas como programas e ações para o atingimento
dos objetivos fundamentais do Estado. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O
controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 151-182.
LAMOUNIER, Bolívar. Brasil: reflexões sobre governabilidade e democracia. In: VALADÉS, Diego (Ed.).
Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma
de México, 2005. p. 239-250.
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução de José Lamego. 2. ed. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 1989. 620 p.
Latinobarómetro. Informe 2017. Santiago, CHL: Corporación Latinobarómetro, 2017. 66 p. Disponível
em: <http://www.latinobarometro.org/latNewsShow.jsp>. Acesso em: 15 abr. 2018.
LEAL, Saul Tourinho. Constitucionalismo sul-africano inspira debate histórico no STF.
África do Sul Connection nº 37, Migalhas. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/
Africa/103,MI226142,21048-Africa+do+Sul+Connection+n+37>. Acesso em: 18 jun. 2018.
_______. Controle de constitucionalidade moderno. 2. ed. rev. atual. e ampl. Niterói: Impetus, 2012. 566 p.
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Tradução e notas de Cândido Rangel
Dinamarco. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985. v. I. 319 p.

254
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

_______. Manuale di diritto processuale civile: principi. 5. ed. Milano: Giuffrè, 1992. v. I. 420 p.
LIMA, Thadeu Augimeri de Goes. O novo processo coletivo para o controle jurisdicional de políticas
públicas: breves apontamentos sobre o Projeto de Lei 8.058/2014. Revista de Processo, São Paulo,
n. 252, p. 275-300, fev. 2016.
LOPES, José Reinaldo de Lima. Em torno da “reserva do possível”. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM,
Luciano Benetti (Org.). Direitos Fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed., rev. e ampl.
2. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 155-173.
_______. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do Judiciário no Estado Social de Direito. In:
FARIAS, José Eduardo (Org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. 1. ed. 2. tir. São Paulo:
Malheiros, 1998, p. 113-143.
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Fundamentos do processo estrutural. In: JAYME, Fernando
Gonzaga et al. (Org.). Inovações e modificações do Código de Processo Civil: avanços, desafios e
perspectivas. Belo Horizonte: Del Rey, 2017. p. 2-11.
_______. Relação entre demandas. 2. ed. rev. atual. e ampl. Brasília: Gazeta Jurídica, 2018. 331 p.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio
cultural e dos consumidores: Lei 7.347/1985 e legislação complementar. 12. ed. rev. atual. e ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. 507 p.
_______. A ação civil pública como instrumento de controle judicial das chamadas políticas públicas.
In: MILARÉ, Édis (Cood.). Ação civil pública: Lei 7.347/1985: 15 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001. p. 707-751.
_______. Ação popular: proteção do erário, do patrimônio público, da moralidade administrativa e do
meio ambiente. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. 396 p.
MARCUS, L. Richard, REDISH, Martin H.; SHERMAN, Edward F. Civil procedure: a modern approach. 2. ed.
St. Paul, Minnesota: West Publishing Co., 1995. 1.183 p.
MASTRODI, Josué; ALVES, Abner Duarte. Sobre a teoria dos custos dos direitos. Quaestio Iuris. v. 09,
n. 02, Rio de Janeiro, 2016. pp. 695-722. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.
php/quaestioiuris/article/view/19270/16219>. Acesso em: 04 mar. 2018.
MATIAS-PEREIRA, José. Finanças públicas: a política orçamentária no Brasil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo:
Atlas, 2009. 388 p.
MAUET, Thomas A. Pretrial. 8. ed. New York: Aspen, 2005. 512 p.
MAZZILLI, Hugo Nigro. O inquérito civil e o poder investigatório do Ministério Público. In: MILARÉ, Édis
(Coord.). Ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2005. p. 221-245.
_______. Pontos controvertidos sobre o inquérito civil. In: MILARÉ, Édis (Coord.). Ação civil pública: Lei
7.347/1985: 15 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 267-303.
MEDAUAR, Odete. Controle da administração pública. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012. 237 p.
MEIRELES, Edilton. Cooperação judiciária nacional. Revista de Processo, São Paulo, n. 249, p. 59-79, nov. 2015.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. 701 p.

255
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Serviço público: conceito e características. Actualidad de los
servicios públicos en Iberoamérica. Cienfuegos Salgado, David; Rodríguez Lozano, Luis
Gerardo (Coord.). México: Universidad Nacional Autónoma de México (UCAM), 2008. p. 39-53.
(Serie Doctrina jurídica, n. 429). Disponível em: <https://archivos.juridicas.unam.mx/www/bjv/
libros/6/2544/5.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2018.
MELLO, Maria Chaves de. Dicionário Jurídico Português-Inglês-Português. 6. ed. mel. e ampl. Lisboa:
Pergaminho, 1994.
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Incidente de resolução de demandas repetitivas: sistematização,
análise e interpretação do novo instituto processual. Rio de Janeiro: Forense, 2017. 290 p.
_______. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e nacional. 3. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. 412 p.
_______. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. 293 p.
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; SILVA, Larissa Clare Pochmann da. Ações coletivas e incidente de
resolução de demandas repetitivas: algumas considerações sobre a solução coletiva de conflitos.
Revista Jurídica Direito & Paz, Lorena, SP, Ano XVIII, nº 35, p. 256-281, 2. sem. 2016.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito
constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 1.616 p.
MENDONÇA, Eduardo Bastos Furtado de. A Constitucionalização das finanças públicas no Brasil: devido
processo orçamentário e democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. 434 p.
MIRANDA, Jorge. Direitos fundamentais. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2017. 562 p.
_______. Manual de direito constitucional. 3. ed. Coimbra: Coimbra Ed. 1996. t. IV. 546 p.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao código de processo civil: novo CPC
– Lei 13.105/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. 2.845 p.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo código de processo civil: Lei 13.105/2015. Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: Método, 2015. 607 p.
NICTOLIS, Rosanna de. Codice del Processo Amministrativo Commentato. III ed. Milano: Wolters Kluwer,
2015. 2.635 p.
NJAIM, Humberto. La gobernabilidad en Venezuela: un desastre previsible. In: VALADÉS, Diego (Ed.).
Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma
de México, 2005. p. 253-274.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil: teoria geral do processo
civil e parte geral do direito processual civil. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2012. v. I. 399 p.
ONODERA, Marcus Vinícius Kiyoshi. O controle judicial das políticas públicas por meio do mandado
de injunção, ação direta de inconstitucionalidade por omissão e arguição de descumprimento de
preceito fundamental: contornos e perspectivas. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo
(Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 417-450.
ORTIZ GUTIÉRREZ, Julio César. La búsqueda de la gobernabilidad democrática a partir del cambio
constitucional de 1991. El caso de Colombia como un processo inconcluso y amenazado. In:
VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad
Nacional Autónoma de México, 2005. p. 275-329.

256
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

OSNA, Gustavo. Nem “tudo”, nem “nada” – decisões estruturais e efeitos jurisdicionais complexos. In:
ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix. (Org.). Processos estruturais. Salvador: JusPodivm,
2017. p. 177-202.
PANIAGUA CORAZAO, Valentín. Gobernabilidad y constitucionalismo en América Latina: el
presidencialismo peruano. Retos y propuestas. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad y
Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005.
p. 331-363.
PASSOS, José Joaquim Calmon de. Cidadania tutelada. In: TUBENCHLAK, James; BUSTAMANTE, Ricardo
Silva de (Coord.). Livro de Estudos Jurídicos. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1993. n.
7. p. 90-119.
_______. Comentários ao Código de Processo Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. III. 496 p.
_______. A constitucionalização dos direitos sociais. Revista Eletrônica sobre Reforma do Estado, n. 10,
p. 1-16, jun./ago. 2007. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/codrevista.
asp?cod=201>. Acesso em: 18 ago. 2018.
_______. Dimensão política do processo: direito, poder e justiça. In: TUBENCHLAK, James; BUSTAMANTE,
Ricardo Silva de (Coord.). Livro de Estudos Jurídicos. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos,
1992. n. 5. p. 321-338.
PEIXOTO, Ravi. A nova sistemática de resolução consensual de conflitos pelo Poder Público: uma
análise a partir do CPC/2015 e da Lei 13.140/2015. Revista de Processo, São Paulo, n. 261, p. 467-
497, nov. 2016.
PERLINGEIRO, Ricardo. A tutela judicial do direito público à saúde no Brasil. Direito, Estado e Sociedade,
Rio de Janeiro, n. 41 p. 184 a 203, jul./dez. 2012. Disponível em: <http://direitoestadosociedade.jur.
puc-rio.br/media/9artigo41.pdf>. Acesso em: 20 set. 2018.
_______. Demandas judiciais sobre internação hospitalar e medicamentos e escassez de recursos
públicos: a justiça faz bem à saúde? Revista de Direito Administrativo Contemporâneo. Ano 3, v. 17,
p. 115-132, São Paulo: Revista dos Tribunais, mar./abr. 2015.
_______. Desjudicializando as políticas de saúde. Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife,
Recife, v. 86, n. 2, p. 3-11, jul./dez. 2014.
_______. É a reserva do possível um limite à intervenção jurisdicional nas políticas públicas sociais?
Revista de Direito Administrativo Contemporâneo. Ano 1, v. 2, p. 164-185, São Paulo: Revista dos
Tribunais, set./out. 2013.
_______. Novas perspectivas para a judicialização da saúde no Brasil. Scientia Iuridica, Braga, t. LXII, v.
62, n. 333, p. 519-539, set./dez. 2013.
_______. O princípio da isonomia na tutela judicial individual e coletiva, e em outros meios de solução
de conflitos, junto ao SUS e aos planos privados de saúde. In: NOBRE, Milton Augusto de Brito;
SILVA, Ricardo Augusto Dias da. (Coord.). O CNJ e os desafios da efetivação do direito à saúde. Belo
Horizonte: Fórum, 2011. p. 429-441.
PINHO. Humberto Dalla Bernadina de. Ações de classe. Direito comparado e aspectos processuais
relevantes. Revista da EMERJ, v. 5, n. 18, 2002, p. 141-155.
_______. Direito processual civil contemporâneo: teoria geral do processo. 8. ed. São Paulo: Saraiva,
2018. v. 1. 1.072 p.
_______. Direito processual civil contemporâneo: processo de conhecimento, cautelar, execução e
procedimentos especiais. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. v. 2. 1.127 p.
257
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

_______. Jurisdição e pacificação: limites e possibilidades do uso dos meios consensuais de resolução
de conflitos na tutela dos direitos transindividuais e pluri-individuais. Curitiba: CRV, 2017. 396 p.
_______. Reflexões sobre o procedimento da ação coletiva stricto sensu no direito processual civil
brasileiro. Revista do Ministério Público, Rio de Janeiro, n. 17, jan./jun., 2003, p. 163–170.
_______. Teoria geral do processo civil contemporâneo. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. 548 p.
PINHO. Humberto Dalla Bernadina de; CÔRTES, Victor Augusto Passos Villani. As medidas estruturantes
e a efetividade das decisões judiciais no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Eletrônica de
Direito Processual – REDP, Rio de Janeiro, Ano 8, v. XIII, jan./jun. 2014, p. 229-258.
PINHO. Humberto Dalla Bernadina de; HILL, Flávia Pereira. Medidas estruturantes nas ferramentas de
cooperação jurídica internacional. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix. (Org.). Processos
estruturais. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 233-277.
PRADO, Mariana Mota. Provision of Health Care Services and the Right to Health in Brazil: the long,
winding, and uncertain road to equality. In: FLOOD, Collen M.; GROSS, Aeyal (Eds.). The right to
health at the public/private divide: a global comparative Study. New York, NY: Cambridge University
Press, 2014. 492 p. p. 319-344.
Rendleman, Doug. Complex litigation: injunctions, structural remedies, and contempt. New York, NY:
Foundation Press, 2010. 1.239 p.
RINCÓN GALLARDO, Gilberto. La gobernabilidad democrática y los temas olvidados de una necesaria
reforma del Estado. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad y Constitucionalismo en América
Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005. p. 365-377.
Rocha, Carmen Lúcia Antunes da. Ação afirmativa – o conteúdo democrático do princípio da
igualdade jurídica. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 15, p. 85-99, 1996.
RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. 3. ed.
rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2011. 319 p.
RODRIGUES, Luís Henrique Vieira; VARELLA, Luiz Henrique Borges. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM,
Marco Félix. (Org.). Processos estruturais. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 513-539.
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito processual civil. 6. ed. rev., atual. e ampl., 2016. 1.515 p.
_______. Processo civil ambiental. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. 272 p.
_______. Técnicas individuais de repercussão coletiva x técnicas coletivas de repercussão individual.
Por que estão extinguindo a ação civil pública para a defesa de direitos individuais homogêneos?
In: ZANETI JR., Hermes (Coord.). Processo coletivo. Salvador: JusPodivm, 2016. (Coleção repercussões
do novo CPC, v. 8). p. 623-640.
RODRIGUES, Marco Antonio. A fazenda pública no processo civil. São Paulo: Atlas, 2016. 403 p.
RODRIGUES, Marco Antonio; GISMONDI, Rodrigo. Negócios jurídicos processuais como mecanismos
de auxílio à efetivação de políticas públicas. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix. (Org.).
Processos estruturais. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 141-176.
ROQUE, Andre Vasconcelos. Class actions: ações coletivas nos Estados Unidos: o que podemos aprender
com eles? Salvador: JusPodivm, 2013. 707 p.
Rosenthal, Lee H.; Levi, David F.; Rabiej, John K. Federal Civil Procedure Manual. New York:
Juris Publishing Inc., 2014. 1.112 p.

258
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

ROUQUETTE, Rémi. Petit traité du procès administratif. 6. ed. Paris: Dalloz, 2014. 1.516 p.
SABINO, Marco Antonio da Costa. Quando o Judiciário ultrapassa seus limites constitucionais e
institucionais. O caso da saúde. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O
controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 353-386.
SADEK, Maria Tereza. Judiciário e arena pública: um olhar a partir da Ciência Política. In: GRINOVER,
Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2013. p. 1-32.
SALAZAR UGARTE, Pedro. Desde la gobernabilidad ideal hasta la (in)gobernabilidad posible. Una
reflexión sobre la realidad política de América Latina. VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad y
Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005.
p. 379-399.
SAMPAIO, Jorge Silva. O controlo jurisdicional das políticas públicas de direitos sociais. Coimbra: Coimbra
Ed., 2014. 734 p.
SANTOS, Lenir. Decisão do stj sobre medicamento de alto custo deforma conceito do direito à saúde.
Revista Consultor Jurídico, 5 de maio de 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-
mai-05/lenir-santos-decisao-stj-medicamento-alto-custo#top>. Acesso em: 12 nov. 2018.
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais e mínimo existencial: notas sobre um possível
papel das assim chamadas decisões estruturantes na perspectiva da jurisdição constitucional.
In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix. (Org.). Processos estruturais. Salvador: JusPodivm,
2017. p. 203-232.
_______. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva
constitucional. 13. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018. 515 p.
SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e
direito à saúde: algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.).
Direitos Fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed., rev. e ampl. 2. tir. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2013. p. 13-50.
SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do
possível”. 2. ed., rev. e ampl. 2. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetória e metodologia. 2. ed. Belo
Horizonte: Fórum, 2016. 375 p.
_______. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. 219 p.
_______. Os princípios constitucionais e a ponderação de bens. In: TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Teoria
dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 35-93.
_______. A proteção judicial dos direitos sociais: alguns parâmetros ético-jurídicos. In: SOUZA NETO,
Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Coord.). Direitos sociais: fundamentos, judicialização e
direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 553-586.
_______. Ubiquidade constitucional: os dois lados da moeda. In: Livres e iguais: estudos de direito
constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 167-205.
Sassaki, Alex Hayato et al. Por que o Brasil vai Mal no PISA? Uma Análise dos Determinantes do
Desempenho no Exame. Policy Paper (Insper) nº 31, jun. 2018. Disponível em: <https://www.
insper.edu.br/wp-content/uploads/2018/07/Por-que-Brasil-vai-mal-PISA-Analise-Determinantes-
Desempenho.pdf>. Acesso em: 23 jul. 2018.

259
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional: construindo uma nova dogmática jurídica. Porto
Alegre: S. A. Fabris, 1999. 160 p.
SCOCA, Franco Gaetano (a cura di). Giustizia Amministrativa. 6. ediz. Torino: G. Giappichelli, 2014. 709 p.
SERIGNOLLI, Pedro Paulo Grizzo et al. Considerações sobre a responsabilidade civil na lei do Superfund.
Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, Porto Alegre, v. 11, n. 64, p. 5-31, fev./mar. 2016.
SGARBOSSA, Luís Fernando. Crítica à teoria dos custos dos direitos: reserva do possível. Porto Alegre: S.
A. Fabris, 2010. v. 1. 358 p.
SICHES, Luis Recasens. Tratado general de filosofia del derecho. 11. ed. México: Porrúa, 1995. 717 p.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros,
2001. 878 p.
_______. A governabilidade num Estado democrático de direito. In: VALADÉS, Diego (Ed.).
Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma
de México, 2005. p. 1-29.
_______. Orçamento-programa no Brasil. São Paulo: Revista dos tribunais, 1973. 388 p.
_______. Processo constitucional de formação das leis. 2. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2007. 373 p.
SILVA, Virgílio Afonso da. O Judiciário e as políticas públicas: entre transformação social e obstáculo à
realização dos direitos sociais. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Coord.).
Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008. p. 587-599.
SIME, Stuart. A practical approach to civil procedure. 9.th ed. New York: Oxford University, 2006. 553 p.
SOUZA, Luciane Moessa de. Mediação de conflitos coletivos: a aplicação dos meios consensuais à solução
de controvérsias que envolvem políticas públicas de concretização de direitos fundamentais. Belo
Horizonte: Fórum, 2012. 258 p.
SULLIVAN, E. Thomas et al. Complex Litigation. New Providence/NJ: LexisNexis, 2009. 975 p.
SUTHERLAND, Mark I (Ed.). Judicial tyranny: the new kings of America. St. Louis, MO: Amerisearch, 2005. 287 p.
Talamini, Eduardo. A dimensão coletiva dos direitos individuais homogêneos: ações coletivas e
os mecanismos previstos no Código de processo Civil de 2015. In: ZANETI JR., Hermes (Coord.).
Processo coletivo. Salvador: JusPodivm, 2016. (Coleção repercussões do novo CPC, v. 8). p. 109-131.
_______. Incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR): pressupostos. Disponível em: <http://
www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI236580,31047-Incidente+de+resolucao+de+demandas+re
petitivas+IRDR+pressupostos>. Acesso em: 31 out. 2018.
_______. A (in)disponibilidade do interesse público: consequências processuais (composições em
juízo, prerrogativas processuais, arbitragem, negócios processuais e ação monitória: versão
atualizada para o CPC/2015. Revista de Processo, São Paulo, n. 264, p. 83-107, fev. 2017.
_______. Poder geral de adoção de medidas coercitivas e sub-rogatórias nas diferentes espécies de
execução. Revista de Processo, São Paulo, n. 284, p. 139-184, out. 2018.
_______. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer: e sua extensão aos deveres de entrega de
coisa (CPC, arts. 461 e 461-A; CDC, art. 84). 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003. 508 p.

260
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho

TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. 3. ed. rev. ampl. e atual. Salvador:
JusPodivm, 2018. 320 p.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. As normas fundamentais do processo civil. In: THEODORO JÚNIOR,
Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim Ribeiro de; REZENDE, Ester Camila Gomes Norato (Coord.).
Primeiras lições sobre o novo direito processual civil brasileiro: de acordo com o novo Código de
Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 3-23.
_______. Curso de direito processual civil. 47. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. III. 1.232 p.
THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco. Litigância de interesse
público e execução comparticipada de políticas públicas. Revista de Processo, São Paulo, n. 224, p.
121-153, out. 2013.
TIMM, Luciano Benetti. Qual a maneira mais eficiente de prover direitos fundamentais: uma
perspectiva de direito e economia. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.).
Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed., rev. e ampl. 2. tir. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2013. p. 51-62.
TOGNOLLI, Claudio Julio. Microsoft é enquadrada na Lei Anti-Máfia dos Estados Unidos, Consultor
Jurídico, São Paulo, 16 out. 2007. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2007-out-16/
microsoft_enquadrada_lei_anti-mafia_eua#author>. Acesso em: 22 jun. 2018.
Torres, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de janeiro: Renovar, 2009. 352 p.
_______. O mínimo existencial, os direitos sociais e os desafios de natureza orçamentária. In: SARLET,
Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.) Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do
possível”. 2. ed. rev. e ampl. 2. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 63-78.
_______. O orçamento na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1995. 395 p.
_______. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário: os direitos humanos e a tributação:
imunidades e isonomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. v. III. 598 p.
_______. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário: o orçamento na Constituição. 3. ed. Rio
de Janeiro: Renovar, 2008. v. V. 631 p.
TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Legitimação dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 562 p.
_______. (Org.). Teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. 448 p.
TRAVI, Aldo. Lezioni di giustizia amminiitrativa. 11. ediz. Torino: G. Giappichelli, 2014. 393 p.
TUSHNET, Mark. Social welfare rights and the forms of judicial review. Texas Law Review 82(7), p. 1.985-
1.919, 2004, apud Torres, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar,
2009. 352 p.
VALADÉS, Diego (Ed.). Consideraciones sobre gobernabilidad y constitucionalismo. Estudio
introductorio. In: Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad
Nacional Autónoma de México, 2005. p. IX-XLI. 452 p.
VENTURA, Adrián. Gobernabilidad, legitimidad y opinión pública. VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad
y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005.
p. 401-450.
VENTURI, Elton. Transação de direitos indisponíveis? Revista de Processo, São Paulo, n. 251, p. 391-426,
jan. 2016.

261
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas

VIGORITI, Vincenzo. Interessi collettivi e processo: la legittimazione ad agire. Milano: Giuffrè, 1979. 332 p.
VIOLIN, Jordão. Holt v. Sarver e a reforma do sistema prisional no Arkansas. In: ARENHART, Sérgio Cruz;
JOBIM, Marco Félix. (Org.). Processos estruturais. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 303-352.
VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2016. 637 p.
_______. Levando os conceitos a sério: processo estrutural, processo coletivo, processo estratégico e
suas diferenças. Revista de Processo, São Paulo, n. 284, p. 334-369, out. 2018.
_______. Litígios estruturais: decisão e implementação de mudanças socialmente relevantes pela via
processual. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix. (Org.). Processos estruturais. Salvador:
JusPodivm, 2017. p. 369-422.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por
artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. 1.566 p.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (Coord.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. 2.422 p.
Wang, Daniel Wei L.; Vasconcelos, Natália Pires de. Adjudicação de direitos e escolhas políticas na
assistência social: o STF e o critério de renda do BPC. Disponível em: <https://www.academia.
edu/35825264/Adjudica%C3%A7%C3%A3o_de_direitos_e_escolhas_pol%C3%ADticas_na_
assist%C3%AAncia_social>. Acesso em 12 nov. 2018.
WATANABE, Kazuo. Apontamentos sobre: “tutela jurisdicional dos interesses difusos - (necessidade de
processo dotado de efetividade e de aperfeiçoamento permanente dos juízes e apoio dos órgãos
superiores da Justiça em termos da infra-estrutura material e pessoal)”. In: Ação Civil Pública - Lei
7.347/85: reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1995. 511 p. p. 326-328.
_______. Controle jurisdicional das políticas públicas: “mínimo existencial” e demais direitos fundamentais
imediatamente judicializáveis. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle
jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 213-224.
_______. Da cognição no processo civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000. 190 p.
_______. Demandas coletivas e os problemas emergentes da práxis forense. In: As Garantias do Cidadão
na Justiça (Coord.) Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 185-196.
WEISS, Fernando Lemme. Princípios tributários e financeiros. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. 314 p.
WISE, Charles R.; Christensen, Robert K. Sorting Out Federal and State Judicial Roles in State
Institutional Reform: Abstention’s Potential Role. Fordham Urban Law Journal, New York, v.
29, p. 387-426, 2001. Disponível em: <http://ir.lawnet.fordham.edu/cgi/viewcontent.
cgi?article=2071&context=ulj>. Acesso em: 05 set. 2014.
ZANETI JR., Hermes. A teoria da separação de poderes e o estado democrático constitucional: funções
de governo e funções de garantia. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O
controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 33-72.
ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas.
2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 309-331.

262

Você também pode gostar