Livrotuteladireitos 2019
Livrotuteladireitos 2019
Livrotuteladireitos 2019
1ª Edição
Setembro de 2019
Este livro não pode ser reproduzido total ou parcialmente sem autorização
A663
Araújo Filho, Luiz Paulo da Silva
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas / Luiz Paulo da
Silva Araújo Filho. -- Rio de Janeiro : Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Escola da Magistratura
Regional Federal, 2019.
262p.
Disponível em: <http://emarf.trf2.jus.br/site/documentos/livrotuteladireitos2019.pdf >
ISBN: 978-85-62108-10-5
Bibliografia: p. 245-262
1. Tutela jurisdicional. 2. Direitos fundamentais. 3. Direitos sociais. 4. Políticas públicas. I. Brasil.
Tribunal Regional Federal (2. Região). II. Escola da Magistratura Regional Federal (2. Região). III. Título.
CDU: 347.919.6
CDD: 347.8105
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Diretor de Publicações
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Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
Rio de Janeiro
2019
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AC Apelação Cível
ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade
AG Agravo
AgR Agravo Regimental
AI Agravo Interno
al. alínea
ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária
ARE Recurso Extraordinário com Agravo
arg. Argumento
art(s). artigo(s)
Atual. Atualização
BPC Benefício de Prestação Continuada
c/c. combinado com
CC Código Civil
CDC Código de Defesa do Consumidor
CEBEPEJ Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais
CEDAM Casa Editrice Dott. Antonio Milani
CF Constituição Federal
cf. confira
CFT Comissão de Finanças e Tributação
cit. citado(a)(s)
CNCDO Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de órgãos
CONITEC Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS
Coord. Coordenador
CPC Código de Processo Civil
DJ Diário da Justiça
DJe Diário de Justiça Eletrônico
e. g. exempli gratia (por exemplo)
EC Emenda Constitucional
ED ou EDcl Embargos de Declaração
ed. edição
espec. especialmente
et al. et alii (e outros)
et. seq. et sequens (e seguinte ou seguintes)
i. e. id est (isto é)
Ibid. Ibidem (na mesma obra)
Id. Idem
IEJ Instituto de Estudos Jurídicos
inc(s). inciso(s)
julg. julgamento
LACP Lei da Ação Civil Pública
LC Lei Complementar
LOAS Lei Orgânica da Assistência Social
loc. local
LOMPU Lei Orgânica do Ministério Público da União
LONMP Lei Orgânica Nacional do Ministério Público
Min. Ministro
MP Medida Provisória
MP Ministério Público
MS Mandado de Segurança
n. ou nº número
NHS National Health Service (Serviço Nacional de Saúde)
NICE National Institute for Health and Clinical Excellence (Instituto Nacional de Saúde e
Excelência Clínica)
op. cit. opus citatum (obra citada)
p. página(s)
p. ex. por exemplo
p. m. por maioria
par. ou parág. parágrafo
PFPB Programa Farmácia Popular do Brasil
Prof. Professor
pub. publicado
Rcl Reclamação
RDA Revista de Direito Administrativo
RE Recurso Extraordinário
Reg. Região
Rel. Relator
Remume Relação Municipal de Medicamentos Essenciais
Rename Relação Nacional de Medicamentos Essenciais
REsp Recurso Especial
safE Sergio Antonio Fabris Editor
SNT Sistema Nacional de Transplante
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
SUS Sistema Único de Saúde
t. tomo
tir. tiragem
TRF Tribunal Regional Federal
UBS Unidade Básica de Saúde
UCAM Universidad Nacional Autónoma de México
UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro
v. vide
v. g. verbi gratia (por exemplo)
v. ou vol. Volume(s)
Sumário
Introdução................................................................................................................................. 19
2 Considerações Gerais........................................................................................................... 43
2.1 A classificação dos direitos sociais............................................................................................... 43
2.2 A inafastabilidade do controle jurisdicional............................................................................. 49
2.3 A proteção judicial............................................................................................................................. 49
17
6 Constituição Orçamentária...............................................................................................119
6.1 O sistema constitucional orçamentário....................................................................................119
6.2 A postura do Judiciário...................................................................................................................124
6.3 Despreocupação com o orçamento público e o erário......................................................128
7 A Realidade e a Jurisprudência.........................................................................................133
7.1 A situação real....................................................................................................................................133
7.2 A jurisprudência................................................................................................................................138
7.2.1. Superior Tribunal de Justiça..............................................................................................138
7.2.2. Supremo Tribunal Federal.................................................................................................147
7.3 Considerações conclusivas............................................................................................................166
Conclusão.................................................................................................................................243
Referências..............................................................................................................................245
18
Introdução
20
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
21
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
22
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
que, como não tem direito para todo mundo, alguns têm um privilégio”,10 o que
viola frontalmente a Constituição (v. arts. 1º, II e III, e 3º), que se afirmava efetivar.11
Nossa investigação, entretanto, não abrangerá a inércia na elaboração de
atos normativos, objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e
do mandado de injunção; ao revés: preocupa-nos encontrar parâmetros contra
a inefetiva e a inadequada tutela jurisdicional, considerando a “igualdade como
princípio jurídico fundamental”, em relação às ações individuais e coletivas que são
comumente propostas.
Não cuidaremos igualmente dos “direitos sociais do trabalhador” (arts. 7º a
11 da CF), nem dos direitos subjetivos a benefícios da previdência social (p. ex.: Lei
nº 8.213/91) ou da assistência social (v. g.: Lei nº 8.742/93), mas apenas dos direitos
socias genéricos, basicamente os mencionados no art. 6º da Carta da República.
Embora seja algo natural a ênfase às ações na área de saúde, que inundam
o Judiciário, com graves consequências ao sistema administrativo, nossa pesquisa
não tratará exclusivamente do tema, até porque, em substância, não há discrímen
entre os direitos fundamentais sociais, quando muito – em ambiente de penúria –
somente em nível de prioridade. Mas a questão do indispensável respeito à igualdade
é comum, tanto em ações, e. g., que pretendam tratamento médico, quanto em
ações que reivindiquem acesso ao ensino obrigatório, pois seria da mesma forma
odioso que alguns poucos conseguissem tratamento ou escola, em detrimento dos
demais que se encontram na mesmíssima situação, aguardando a implantação da
política pública possível, conveniente e igualitária.
Por isso, no título atribuído ao trabalho, referimo-nos à tutela jurisdicional
levando também em consideração o sentido destacado por Cândido Dinamarco:
A tutela jurisdicional, assim enquadrada no sistema de proteção aos valores do
homem, não se confunde com o próprio serviço realizado pelos juízes no exercício
da função jurisdicional. Não se confunde com a jurisdição. A tutela é o resultado do
processo em que essa função se exerce. Ela não reside na sentença em si mesma
como ato processual, mas nos efeitos que ela projeta para fora do processo e sobre as
relações entre pessoas.12
23
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
1.1 Introito
Tendo em conta que a interpretação jurídica não pode desconsiderar a
realidade,13 sob pena de caracterizar o que se chamou, espirituosamente, de
“esquizofrenia jurídica”,14 não poderíamos examinar, com cuidado, políticas públicas
e atuação do Poder Judiciário sem verificar, ainda que brevemente, dados básicos
de nosso desenvolvimento social.
Para tanto, utilizamos, precipuamente, elementos coligidos pelo IBGE, tanto
os mencionados nos livros Brasil em Números15 e Síntese de Indicadores Sociais 201716,
que se valeram da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
(PNADC)17 2016, como dos próprios dados da PNADC 2017, sempre buscando
dados oficiais e o mais atualizados possível.
Cabe registrar, todavia, que nos limitamos a mencionar os dados
essenciais, na perspectiva deste trabalho, sem aludir a questões específicas
13
“[...] a interpretação do direito é interpretação dos textos e da realidade.” GRAU, Eros Roberto. Por que
tenho medo dos juízes: a interpretação/aplicação do direito e os princípios. 6. ed. São Paulo: Malheiros,
2013. p. 16.
14
Galdino, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem em árvores. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 333. E explica: “Em vez de amoldarmos nossos conceitos à realidade con-
creta, procuramos fazer o caminho inverso, o que, infelizmente, nem sempre é possível. E a viagem torna-se
cada vez mais difícil à medida que aumenta a distância entre os mundos jurídico e real. Alguns operadores
do Direito não voltam ao mundo real...”
15
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Brasil em números. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. v.
25. Também disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/2/bn_2017_v25.pdf>.
Acesso em: 21 abr. 2018.
16
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais 2017: uma análise
das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. 140 p. (Estudos e pesquisas.
Informação demográfica e socioeconômica, n. 37). O livro também está disponível em versão digital: <ht-
tps://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101459.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2018
17
“A pesquisa é realizada por meio de uma amostra de domicílios, extraída de uma amostra mestra, de
forma a garantir a representatividade dos resultados para os diversos níveis geográficos definidos para sua
divulgação. A cada trimestre, são investigados 211.344 domicílios particulares permanentes, em aproxi-
madamente 16.000 setores censitários, distribuídos em cerca de 3.500 municípios”. Disponível em: <ht-
tps://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/trabalho/17270-pnad-continua.html?=&t=o-que-e>.
Acesso em: 21 abr. 2018.
25
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
(mesmo que interessantes) como distinções por idade, sexo, cor ou raça, que,
embora importantes para estabelecer políticas públicas, aqui soariam demasia.
18
Síntese de indicadores sociais 2017. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. p. 58.
19
Síntese de indicadores sociais 2017. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. p. 59. “O índice de Gini varia de 0 a 1,
sendo ‘1’ o valor de máxima desigualdade e ‘0’ a perfeita igualdade na distribuição de rendimentos (quando
10% da população se apropria de 10% da renda total e assim por diante).” (Loc. cit., nota 34).
20
PNAD Contínua 2017, Rendimento de todas as fontes 2017, p. 7. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.
gov.br/visualizacao/livros/liv101559_informativo.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2018
21
United Nations Development Programme (UNDP).
22
Disponível em: <http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/presscenter/articles/2017/03/21/relat-
-rio-do-pnud-destaca-grupos-sociais-que-n-o-se-beneficiam-do-desenvolvimento-humano.html>. Acesso
em: 19 abr. 2018.
23
Síntese de indicadores sociais 2017. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. p. 62.
26
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27
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
28
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os esgotos são coletados, mas não são tratados; e 27% é desprovida de atendimento,
ou seja, não há coleta nem tratamento de esgotos.35
No outro extremo, apenas 769 cidades (14% do total) apontam índices de remoção
de DBO superiores a 60%, sendo que a Região Sudeste concentra a grande maioria
dessas cidades.38
35
Atlas esgotos: despoluição de bacias hidrográficas. Brasília: ANA, 2017. p. 22. Disponível em: <http://
arquivos.ana.gov.br/imprensa/publicacoes/ATLASeESGOTOSDespoluicaodeBaciasHidrograficas-Resu-
moExecutivo_livro.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2018.
36
Atlas esgotos. Brasília: ANA, 2017. p. 31.
37
Atlas esgotos. Brasília: ANA, 2017. p. 30.
38
Atlas esgotos. Brasília: ANA, 2017. p. 22. Vale a pena registrar que, em relação às taxas de remoção de
DBO dos processos de tratamento, existem “até 60%”, de “60% a 80%”, “superior a 80%” e “superior a
80% com remoção de nutrientes” (p. 33).
29
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
Em termos gerais, destaca ainda o Trata Brasil: “Em 2013, o país teve mais de
14 milhões de casos de afastamento por diarreia ou vômito. A cada afastamento as
pessoas ficaram longe de suas atividades por 3,32 dias em média” (= “49,8 milhões
de dias de afastamento ao longo de um ano”). “Em 2015, o custo com horas não
trabalhadas alcançou R$ 872 milhões”.45
No que concerne ao “abastecimento de água por rede geral de distribuição”
e à “coleta direta ou indireta de lixo”, os números são melhores, com 84,9% e 89,5%
39
Disponível em: <http://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/conteudo_24/2014/07/22/461/V17_Sane-
amentooportunidadeseacoes_web.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2018.
40
Atlas esgotos. Brasília: ANA, 2017. p. 19.
41
Burocracia e Entraves ao Setor de Saneamento. CNI Notícias, 11 jan. 2016. Disponível em: <http://
www.portaldaindustria.com.br/agenciacni/noticias/2016/01/pais-so-atingira-meta-de-universalizacao-dos-
-servicos-de-saneamento-em-2054-diz-estudo-da-cni/>. Acesso em 23 out. 2018.
42
No original e por inteiro: “Economic benefits of investing in water and sanitation are considerable: they
include an overall estimated gain of 1.5% of global GDP and a US$ 4.3 return for every dollar invested
in water and sanitation services, due to reduced health care costs for individuals and society, and greater
productivity and involvement in the workplace through better access to facilities.” Water Sanitation hy-
giene. World Health Organization (WHO). Disponível em: <http://www.who.int/water_sanitation_health/
monitoring/economics/en/>. Acesso em: 21 abr. 2018.
43
O Instituto Trata Brasil é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).
44
Trata Brasil: saneamento é saúde. Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/saneamento/o-que-e-
-saneamento>. Acesso em: 23 abr. 2018.
45
Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/saneamento/principais-estatisticas/no-brasil/saude>.
Acesso em: 21 maio 2018.
30
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
1.4 Saúde
A Constituição de 1988 criou o Sistema Único de Saúde (SUS), constituído pelo
conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas
federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações
mantidas pelo Poder Público (cf. art. 4º da Lei nº 8.080/90), mas a “assistência à saúde
é livre à iniciativa privada” e “as instituições privadas poderão participar de forma
complementar do sistema único de saúde...” (art. 199, caput e § 1º, da CF).
A Lei nº 8.080/90, ao prever a gratuidade das ações e serviços de saúde,
mereceu a doutíssima crítica de que “criou a utopia da gratuidade das prestações
públicas nessa área, desarticulando inteiramente a ação estatal e piorando
consideravelmente o atendimento ao povo” (art. 43).51 Em 1998, entrou em vigor
a Lei nº 9.656, cujo art. 32 criou o ressarcimento ao SUS pelas operadoras de Planos
Privados de Assistência à Saúde, gerando milhares de processos judiciais.
46
Síntese de indicadores sociais 2017. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. p. 70.
47
Op. cit., p. 75-76.
48
Atlas esgotos. Brasília: ANA, 2017. p. 31.
49
Trata Brasil. Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/dia-mundial-da-agua-consciencia-coletiva-e-
-necessaria>. Acesso em: 21 maio 2018.
50
Trata Brasil. Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/saneamento/principais-estatisticas/no-brasil/
agua>. Acesso em: 21 maio 2018.
51
Torres, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de janeiro: Renovar, 2009. p. 245-246
31
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
Pior:
As ações e os serviços do SUS devem estar organizados em redes regionalizadas
e hierarquizadas, medida necessária para a garantia da integralidade da
atenção à saúde. Porém, as três esferas de governo atuam de forma autônoma
administrativamente. Isso impõe uma complexa articulação entre os estados para a
garantia da implementação de políticas de interesse nacional. A cooperação entre os
entes federados é particularmente importante para os processos de regionalização
da oferta.
A coordenação ainda frágil entre os estados implica em vários pontos de
estrangulamento, entre os quais a baixa oferta de serviços de apoio diagnóstico e
terapêutico e as grandes filas para agendamento de consulta com especialistas e para
cirurgias eletivas.53
52
Desafios da nação. Brasília: IPEA, 2018. v. 1. p. 85.
53
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Desafios da nação. Brasília: IPEA, 2018. v. 1. p. 86.
54
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Desafios da nação. Brasília: IPEA, 2018. v. 1. p. 86.
55
Brasil em números. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. p. 111.
32
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
Com a mudança dos alvos das ações de saúde para os fatores que condicionam a
saúde é necessário atuar na construção de ambientes, hábitos e comportamentos
saudáveis junto à população. Fornecer um conhecimento que permita à população
evitar e se antecipar ao aparecimento das doenças, ou seja, ações essencialmente
educativas.56
33
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
34
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
1.5 Educação
Ainda nos valendo dos dados da PNAD Contínua do IBGE, “a taxa de
analfabetismo no país [das pessoas de 15 anos ou mais de idade] foi de 7,2% em
2016 (o que correspondia a 11,8 milhões de analfabetos), variando de 14,8% no
Nordeste a 3,6% no Sul”. Ademais, “cerca de 66,3 milhões de pessoas de 25 anos
ou mais de idade (ou 51% da população adulta) tinham concluído apenas o
ensino fundamental”, já “no Nordeste, 52,6% sequer haviam concluído o ensino
fundamental”. Por outro lado, menos de 20 milhões (ou 15,3% da população)
“haviam concluído o ensino superior”. 75
Em termos gerais:
No país, 11,2% da população de 25 anos ou mais não tinham instrução; 30,6%
tinham o fundamental incompleto; 9,1% tinham fundamental completo; 3,9%
tinham ensino médio incompleto; 26,3% tinham o ensino médio completo e 15,3%
o superior completo. Portanto, mais da metade da população de 25 anos ou mais
no Brasil possuíam apenas até o ensino fundamental completo. As regiões Norte
e Nordeste registaram os maiores percentuais de pessoas sem instrução, 14,5% e
19,9%, respectivamente. As maiores proporções de nível superior completo foram
estimadas para o Centro-Oeste (17,4%) e Sudeste (18,6%), enquanto as regiões Norte
e Nordeste tiveram as menores proporções, 11,1% e 9,9%. No Nordeste 52,6% da
população não alcançou o ensino Fundamental completo. Na região Sudeste, 51,1%
tinha pelo menos o Ensino Médio Completo.76
73
Brasil em números. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. p. 115 e 117.
74
World Health Organization. World Health Statistics 2018: monitoring health for the Sustainable Devel-
opment Goals (SDGs), p. 43.
75
PNAD Contínua 2016: 51% da população com 25 anos ou mais do Brasil possuíam apenas o ensino
fundamental completo. Agência IBGE notícias. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/
agencia-noticias/2013-agencia-de-noticias/releases/18992-pnad-continua-2016-51-da-populacao-com-25-
-anos-ou-mais-do-brasil-possuiam-apenas-o-ensino-fundamental-completo.html>. Acesso em: 21 abr.
2018. O PNAD 2016 considerou a população brasileira em 205.301.000 pessoas.
76
Agência IBGE notícias, loc. cit.
35
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
Não bastasse:
[...] A qualidade do ensino é baixa, particularmente na rede pública, onde estão
90% das matrículas do ensino básico e 75% das do ensino médio. Em 2012, o país
ficou mal classificado no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). No
desempenho em matemática, os estudantes brasileiros se saíram pior que 89% dos
participantes. O desempenho considerado pelo menos adequado (nível 2, ou 482
pontos) foi atribuído a 33% dos brasileiros, bem menos que os 90% de coreanos, os
80% de vinte países e os 70% de outros quarenta países. O Brasil ficou na lista dos
11% com pior desempenho.77
Com base no precitado Pisa 2015, “ficou evidente que os alunos brasileiros
aprendem muito menos que os europeus, canadenses ou coreanos, e estão
atrasados quatro ou cinco anos em relação a colegas de países industrializados”.78
Estudo recente promovido pelo Instituto de Ensino e Pesquisa – Insper,
intitulado Por que o Brasil vai Mal no PISA? Uma Análise dos Determinantes do
Desempenho no Exame, destaca em seu início:
A qualidade da educação no Brasil em comparações internacionais é ruim. Em 2015, o
Brasil ficou na posição 59 a 66, dependendo da disciplina, de 73 regiões e [70] países no
Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Programme for International Student
Assessment - PISA), com médias de notas em matemática (401 pontos), leitura (407
pontos) e ciências (377 pontos) abaixo das médias dos alunos da OCDE [Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico] (de respectivamente 493, 493 e 490
pontos). Essas médias não representaram melhora em relação aos últimos anos. A
média brasileira de ciências tem se mantido estável desde 2006, e a de leitura, desde
2000. A média de matemática apresentou crescimento significativo de 21 pontos
desde 2003, porém diminuiu 11 pontos entre 2012 e 2015 (OCDE, 2016).79
36
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
profissional em 2016”, ou seja, “entre as pessoas de 14 anos ou mais de idade cujo nível
de instrução alcançou, no máximo, o ensino fundamental completo (ou equivalente),
apenas 08% estava frequentando curso de qualificação profissional” (ibidem).
Na verdade, em 2016, “cerca de 25,8% dos jovens de 16 a 29 anos não
estavam ocupados nem estudavam”, os chamados “nem nem”. “A maior incidência
de jovens que não estudavam nem estavam ocupados se encontrava entre jovens
com o fundamental incompleto ou equivalente (38,4%)”.81
Mudando de ângulo, convém ainda analisar o grau de alfabetismo no Brasil,
com exame do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), pesquisa idealizada
pelo Instituto Paulo Montenegro (IPM) e pela ONG Ação Educativa, e realizado com
o apoio do IBOPE Inteligência, com o objetivo de mensurar o nível de alfabetismo
da população brasileira entre 15 e 64 anos, avaliando suas habilidades e práticas de
leitura, de escrita e de matemática aplicadas ao cotidiano.
O INAF apresenta os seguintes cortes dos grupos de alfabetismo, em 2015:
Analfabeto, Rudimentar, Elementar, Intermediário, Proficiente. As habilidades que
caracterizam esses cinco grupos de alfabetismo estão assim descritas:
Analfabeto: Corresponde à condição dos que não conseguem realizar tarefas simples
que envolvem a leitura de palavras e frases ainda que uma parcela destes consiga ler
números familiares (números de telefone, preços, etc.).
Rudimentar: Localiza uma ou mais informações explícitas, expressas de forma
literal, em textos muito simples (calendários, tabelas simples, cartazes informativos)
compostos de sentenças ou palavras que exploram situações familiares do cotidiano
doméstico. Compara, lê e escreve números familiares (horários, preços, cédulas/
moedas, telefone) identificando o maior/menor valor. Resolve problemas simples
do cotidiano envolvendo operações matemáticas elementares (com ou sem uso
da calculadora) ou estabelecendo relações entre grandezas e unidades de medida.
Reconhece sinais de pontuação (vírgula, exclamação, interrogação, etc.) pelo nome
ou função.
Elementar: Seleciona uma ou mais unidades de informação, observando certas
condições, em textos diversos de extensão média realizando pequenas inferências.
Resolve problemas envolvendo operações básicas com números da ordem do milhar,
que exigem certo grau de planejamento e controle (total de uma compra, troco,
valor de prestações sem juros). Compara ou relaciona informações numéricas ou
textuais expressas em gráficos ou tabelas simples, envolvendo situações de contexto
cotidiano doméstico ou social. Reconhece significado de representação gráfica de
direção e/ou sentido de uma grandeza (valores negativos, valores anteriores ou
abaixo daquele tomado como referência).
81
Síntese dos Indicadores Sociais: um em cada quatro jovens do país não estava ocupado nem estudava em
2016. 15.12.2017. Agência IBGE notícias. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-
-noticias/2013-agencia-de-noticias/releases/18824-sintese-dos-indicadores-sociais-um-em-cada-quatro-
-jovens-do-pais-nao-estava-ocupado-nem-estudava-em-2016.html>. Acesso em: 22 abr. 2018.
37
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
82
INAF – Indicador de Alfabetismo Funcional, São Paulo, maio 2016. p. 4 e 5. Disponível em: <https://
drive.google.com/file/d/0B5WoZxXFQTCRRWFyakMxOTNyb1k/view>. Acesso em 22 abr. 2018.
83
Ibidem, p. 7.
84
INAF – Indicador de Alfabetismo Funcional, São Paulo, maio 2016. p. 9. Disponível em: <https://drive.
google.com/file/d/0B5WoZxXFQTCRRWFyakMxOTNyb1k/view>. Acesso em 22 abr. 2018. Atente-se,
porém, como destacamos em itálico, que: “O grau de escolaridade indicado na tabela informa sobre o in-
gresso do sujeito na etapa descrita e não a conclusão da mesma.”
85
INAF, p. 8, tabela 2a.
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Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
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A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
Equador (US$ 386.00), Guatemala (US$ 380.00), Paraguai (US$ 368.00), Honduras
(US$ 341.00), Argentina (US$ 340.00), El Salvador e Bolívia (US$ 300.00), e está na 12ª
posição, à frente apenas da República Dominicana (US$ 288.00), Peru (US$ 283.00),
Colômbia (US$ 262.00), México (US$ 141.00), Nicarágua (US$ 115.00), Venezuela
(US$ 37) e Cuba (US$ 29,6).92
É certo, no entanto, que o almejado fim da recessão possibilitará o aumento
do nível de ocupação e o desenvolvimento econômico ensejará a diminuição desse
problema de modo mais rápido do que a necessária correção de nossos graves
problemas sociais. Por isso, o tema não se põe com a mesma importância para o
presente trabalho.
Uma última observação, todavia, afigura-se apropriada, inclusive porque
decorrente dos precitados sérios problemas sociais, e que transcende índices de
ocupação: a produtividade dos trabalhadores. Com efeito: “A composição por
escolaridade da população ocupada [...], mostra que há ainda um longo caminho a
percorrer para atingir patamares que garantam níveis de produtividade satisfatórios,
na medida em que quase um terço dos ocupados não chegou a completar o ensino
fundamental”.93
Aliás, e também pelo pouco investimento em pesquisa e desenvolvimento
(P&D), bem como em ciência e tecnologia (C&T), a “produtividade brasileira não
cresce – ou cresce muito pouco – desde o final dos anos 1970, e o leve movimento
ascendente registrado a partir de 2000 não foi suficiente para superarmos desafios
estruturais, pois decorreu mais de um aumento na mão de obra ocupada que da
expansão de investimento”.94
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2 Considerações Gerais
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A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
Pode até vir à mente, de súbito e com simplicidade, que satisfazer alguém é
melhor do que não satisfazer ninguém, mas a equação se torna intrincada quando
se leva em conta, por respeito à realidade, que a satisfação aleatória de alguns pode
dificultar ou comprometer a satisfação de todos. Lembre-se que no Brasil não há
apenas duas dúzias de pessoas aquém do que representaria o mínimo existencial.
Como se viu no capítulo anterior, nossos indicadores sociais, na área de saúde,
estão, muitas vezes, abaixo dos piores índices da América do Norte, Europa e Ásia
Oriental, não raro à frente apenas dos piores indicadores de alguns países da África.110
Além disso, quase 10% da população tinha rendimentos inferiores a R$ 170,00 por mês,
e 25,4% menos de R$ 387,07 mensais, na linha da extrema pobreza e da pobreza;111
27% da população não tem o esgoto sequer coletado e 45% não tem o esgoto tratado;
apenas um terço das crianças com até 3 anos de idade frequentavam creche, com
taxa de escolarização de 30,4%, cerca de somente 3,1 milhões de estudantes; a taxa
de analfabetismo total no país (das pessoas de 15 anos ou mais de idade) foi de 7,2%
em 2016 (o que correspondia a 11,8 milhões de analfabetos), e a de analfabetismo
funcional de 27% da população; 11,2% da população de 25 anos ou mais não tinha
instrução em 2016, e 30,6% tinham o fundamental incompleto.
Pois bem, diante da dura realidade, como desconsiderar a situação global e
a evidente escassez de recursos; como assegurar, de imediato, por decisão judicial,
cerca de 63 milhões de vagas para a educação fundamental, 112 inclusive para
aqueles que a ela não tiveram acesso na idade própria (art. 208, incisos I e II, e § 1º,
da CF), ou cerca de 6 milhões de vagas em creche (arts. 7º, XXV, e 208, IV, da CF)?
Ao apreciar essas questões, questões de direito social, ainda que básicas, não
cabe ao juiz, como veremos em capítulos futuros, deixar de analisar as políticas públicas
existentes (p. ex.: Bolsa Família, Lei 10.836/04; assistência social, arts. 203 e 204 da CF, Lei
8.742/93; Programa Educação Básica) e, para eventuais correções ou incrementos, ex vi
Constitutionis, deverá examinar competências constitucionais e dotações orçamentárias,
a não ser que se imaginem concessões a esmo e, destarte, arbitrárias.
tivação dos direitos fundamentais sociais, dada a sua inequívoca natureza difusa” (Controle judicial de
políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 173, conclusão 26). Conquanto a ideia do “processo coleti-
vo” nos pareça perfeita, a “inequívoca natureza difusa” será adiante questionada. Fonte, Felipe de Melo
sustenta a “preferência da tutela coletiva sobre tutela individual”, referindo-se à “hierarquização de tutelas”
(Políticas públicas e direitos fundamentais: elementos de fundamentação do controle jurisdicional de polí-
ticas públicas no Estado Democrático de Direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 197).
110
Vejam-se os dados do World Health Statistics 2018, no item 1.4, do Capítulo I, supra.
111
Com cerca de 21% da população beneficiada pelo programa Bolsa Família. Marchesini, Lucas.
Benefícios do Bolsa Família sustentam 21% da população do país. Valor Econômico, Brasília, 5 fev. 2018.
Disponível em: <http://www.valor.com.br/brasil/5306087/beneficios-do-bolsa-familia-sustentam-21-da-
-populacao-do-pais>. Acesso em: 28 maio 2018.
112
Aproximadamente 30,6% da população, perto de 207 milhões de pessoas.
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113
“Os direitos sociais, também chamados direitos de igualdade, correspondem à segunda geração dos
direitos humanos”. BARRETTO, Vicente de Paulo. Reflexões sobre os direitos sociais. Revista Quaestio
Iuris, v. 04, nº 01, p. 488-512, 2011, espec. p. 505. Vide, porém, a crítica de Flávio Galdino à adoção dessa
ordem entre nós, pois, “no que concerne ao Brasil, especificamente, é lícito afirmar – em linhas simplifi-
cadas – que, ao contrário do que ocorreu na prática institucional inglesa, na práxis brasileira vieram em
primeiro lugar os direitos sociais [...]”. Introdução à teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem em
árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 171.
114
Referindo-se ao tema “primeiro a obter liminar, primeiro a ser atendido”, em relação a concursos públi-
cos, observa Gustavo Amaral: “O conflito entre critérios adotados numa ótica de microjustiça e critérios
adotados numa ótica de macrojustiça põe em questão um somatório de escolhas individuais racionais que
produzem um resultado coletivo irracional [...]” Direito, escassez e escolha: critérios jurídicos para lidar
com a escassez de recursos e as decisões trágicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 97)..
115
A significativa frase aspeada é de Luís Roberto Barroso, com sua sensibilidade única. É preciso estabe-
lecer como meta uma razoável duração do processo. Revista Consultor Jurídico, 5 set. 2016, Disponível
em: <https://www.conjur.com.br/2016-set-05/entrevista-luis-roberto-barroso-ministro-supremo>. Acesso
em: 28 maio 2018.
116
BARRETTO, Vicente de Paulo. Reflexões sobre os direitos sociais. Revista Quaestio Iuris, v. 04, nº 01,
p. 488-512, 2011, espec. p. 507-508.
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Na aplicação é preciso ter em consideração o caso concreto. Ele inclui não apenas a
necessidade relativa àqueles indicados ou referidos na demanda, mas também os
resultados que razoavelmente se pode esperar (1) da enunciação como regra de que
todos os casos com as mesmas características devem ser ou não atendidos e (2) da
indisponibilidade dos meios utilizados para atender aos beneficiados pelo pedido
para atender a outros. O órgão que foi para um não vai para outro, o remédio que
um recebeu o outro não toma, construído o centro de referência para queimados, os
tuberculosos não serão ali atendidos.133
A consideração dos custos dos direitos sociais foi destacada por José Joaquim
Gomes Canotilho: “Hoje, como ontem, os direitos sociais, econômicos e culturais
colocam um problema incontrolável: custam dinheiro, custam muito dinheiro”,
aludindo à “reserva das caixas financeiras” e à “reserva do possível”,134 para, depois
de alguns reparos e observações críticas, assentar:
[...] Parece inequívoco que a realização dos direitos económicos, sociais e culturais
se caracteriza: (1) pela gradualidade da realização; (2) pela dependência financeira
relativamente ao orçamento do Estado; (3) pela tendencial liberdade de conformação
do legislador quanto às políticas de realização destes direitos; (4) pela insusceptibilidade
de controlo jurisdicional dos programas político-legislativos, a não ser quando se
manifestam em clara contradição com as normas constitucionais, ou transportem
dimensões manifestamente desrazoáveis. Reconhecer estes aspectos não significa a
aceitação acrítica de alguns ‘dogmas’ contra os direitos sociais.135
51
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende
somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas”.137
O mais interessante é que, em palestra proferida no Brasil, em dezembro de
1998, referindo-se inclusive à nossa Constituição, afirmou Alexy:
A teoria dos princípios é capaz não só de estruturar racionalmente a solução de colisões
de direitos fundamentais. Ela tem ainda uma outra qualidade que, para os problemas
teórico-constitucionais que devem aqui ser considerados, é de grande significado.
Ela possibilita um meio-termo entre vinculação e flexibilidade. A teoria das regras
conhece somente a alternativa: validez ou não-validez. Em uma constituição como
a brasileira, que conhece numerosos direitos fundamentais sociais generosamente
formulados, nasce sobre esta base uma forte pressão de declarar todas as normas
que não se deixam cumprir completamente simplesmente como não-vinculativas,
portanto, como meros princípios programáticos. A teoria dos princípios pode, pelo
contrário, levar a sério a constituição sem exigir o impossível. Ela declara as normas
que não se deixam cumprir de todo como princípios que, contra outros princípios,
devem ser ponderados e, assim, são dependentes de uma “reserva do possível no
sentido daquilo que o particular pode exigir razoavelmente da sociedade”. Com isso,
a teoria dos princípios oferece não só uma solução do problema da colisão, senão
também uma do problema da vinculação.138
52
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
Posto isso, mais uma vez, depois de breve menção a polêmicas dos
estudiosos dos direitos fundamentais, devemos ressaltar que, a rigor, a questão
relativa à estrita definição da natureza jurídica das normas sobre direitos sociais não
é essencial para este trabalho, já que, como ensinou o Mestre, embora ao cuidar
dos interesses ou direitos coletivos, “inexiste princípio a priori segundo o qual toda
situação jurídica subjetiva que se candidate à tutela estatal por meio do processo
deva obrigatoriamente exibir carta de cidadania entre os direitos, no sentido
rigoroso da palavra.”141
Do ponto de vista da tutela jurisdicional, portanto – e aqui ainda com
maior razão –, basta ver que a Constituição Federal alude a “direitos” sociais e,
ipso facto, cumpre verificar o grau e dimensão da proteção que o próprio sistema
constitucional, interpretado realisticamente, a eles assegura, para então examinar,
em perspectiva instrumental, as peculiaridades especiais dos respectivos processos.
141
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela
jurisdicional dos chamados interesses difusos. In: Temas de Direito Processual: primeira série. 2. ed., São
Paulo: Saraiva, 1988, p. 110-123, espec. p. 114 – grifado no original.
53
3 Governabilidade e Constitucionalismo na
América Latina
3.1 Análise
O título deste capítulo provém do livro Gobernabilidad y Constitucionalismo
en América Latina, coordenado pelo professor Diego Valadés, pesquisador do
Instituto de Investigaciones Jurídicas de la Universidad Nacional Autónoma de
México (UNAM) e ex-Ministro da Suprema Corte de Justicia de la Nación, no qual –
depois de ressaltar que “a governabilidade faz parte do contexto constitucional
e político de um país”,142 e que “os aspectos distintivos correspondem ao estágio
de desenvolvimento ou consolidação vivido por cada democracia, de modo
que a análise comparativa apenas nos oferece alguns elementos para contrastar
diferentes realidades”143 – estipula: um dos objetivos da obra é explorar a relação da
“governabilidade com o sistema constitucional”, “para estabelecer em que medida a
governabilidade depende de uma adequada estrutura constitucional”.144
Mais do que isso, no entanto, nos vários estudos que compõem o
supramencionado livro encontramos referências que permitem identificar
problemas semelhantes dos países da América Latina, algumas reivindicações
ou propostas de solução, tudo bastante útil para o desenvolvimento do presente
trabalho. A ideia, decerto, não é compendiar o livro, mas apenas destacar os pontos
de afinidade que nos parecem sensíveis e relevantes para, conhecidos os obstáculos,
melhor fundamentar algumas de nossas futuras considerações.
Antes, porém, cabe assentar que, como ensina José Afonso da Silva, na
142
“La gobernabilidad es parte del contexto constitucional y político de un país.” (VALADÉS, Diego
(Ed.). Consideraciones sobre gobernabilidad y constitucionalismo. Estudio introductorio. In: Gobernabili-
dad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005.
p. IX-XLI, espec. p. IX).
143
“Los aspectos distintivos corresponden a la etapa de desarrollo o de consolidación que viva cada demo-
cracia, de suerte que el análisis comparativo sólo nos ofrece algunos elementos para contrastar realidades
diferentes […]” (Loc. cit.).
144
Na íntegra: “Otro aspecto que resulta relevante es asociar la gobernabilidad con el sistema consti-
tucional. Uno de los objetivos de esta obra es explorar esa relación, para establecer hasta qué punto la
gobernabilidad depende de una adecuada estructura constitucional.” (Ibidem, p. IX-X).
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160
ORTIZ GUTIÉRREZ, Julio César. La búsqueda de la gobernabilidad democrática a partir del cambio
constitucional de 1991. El caso de Colombia como un proceso inconcluso y amenazado. In: VALADÉS,
Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 275-329, espec. p. 279 e 281.
161
Brasil: reflexões sobre governabilidade e democracia. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad...
México: UNAM, 2005. p. 239-250, espec. p. 243. No Brasil, graças a severo processo de investigação,
agora (se não sempre) sob risco, é possível ter ideia objetiva da bilionária dimensão da corrupção ao longo
da última década.
162
“La legitimidad del gobernante es muy importante. Ella puede ser una legitimidad de origen o de ejer-
cicio. Quiero decir con esto que un gobernante legítimo por su origen puede devenir ilegítimo en función
de sus actos en el ejercicio del poder.” (BORJA, Rodrigo. La gobernabilidad: talón de Aquiles de nuestra
América. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 59-72, espec. p. 60).
Também mencionando “legitimidad de origen y de ejercicio”, veja-se o autor argentino Ventura, Adri-
án (Gobernabilidad, legitimidad y opinión pública. VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México:
UNAM, 2005. p. 401-450, espec. p. 401).
163
Consideraciones sobre gobernabilidad y constitucionalismo. Estudio introductorio. In: Gobernabili-
dad… México: UNAM, 2005. p. IX-XLI, espec. p. XVI.
164
Valadés, op. e p. cits.
165
GARCÍA BELAUNDE, Domingo. Gobernabilidad democrática y Constituición (a propósito del caso pe-
ruano). In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 199-220, espec. p. 204.
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A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
É certo que o autor menciona, em seu texto, ejercicio de engaño, mas a fraude
do candidato que se elege mentindo, já consciente de que não fará o que disse,
parece até configurável como ilegitimidade de origem, a despeito do (inverídico e
artificioso) desempenho eleitoral.
Registra Adrián Ventura, ademais, que “o distanciamento entre representantes
e representados é ampliado e aparecem outros elementos que criam a sensação de
que há menos espaço e interesse na democracia”,167 para, em seguida, distinguir: i)
legitimidade do regime, que é o consenso da comunidade em manter as instituições
que regem a luta pelo poder, e legitimidade do governo, segundo a qual um governo
é legítimo quando assumiu o poder de acordo com as normas do regime e o exerce
de acordo com elas; ii) legitimidade formal, relacionada com a realização de eleições
e a competência dos órgãos decisórios, e legitimidade substancial, ligada a valores
constitucionais e à verdadeira pretensão de alcançá-los.168
Legitimidade e eficácia são considerados, nas palavras de Domingo García
Belaunde, aspectos estreitamente ligados à governabilidade e necessários para
torná-la possível,169 enfatizando Antonio Camou:
Deste modo, a eficácia governamental e a legitimidade social se combinariam
positivamente em um “círculo virtuoso” de governabilidade, garantindo a estabilidade
dos sistemas políticos; enquanto a ineficácia governamental para lidar com problemas
sociais e a erosão da legitimidade política gerariam, ao contrário, um “círculo vicioso”
que pode levar a situações instáveis ou de franca ingovernabilidade.170
166
“Ahora bien, la interpretación de que el gobernante tiene un proyecto probablemente es demasiado
optimista en unas condiciones donde los políticos parecen más preparados para ganar una lucha electoral
que para el posterior ejercicio del gobierno. […] También resulta perturbador cuando los gobernantes
toman decisiones que contradicen lo que han sostenido ante el electorado. La política aparece así como
un ejercicio de engaño y la irritación aumenta cuando los dirigentes sobrestiman su poder y permiten
seguir adelante con su designio sin molestarse en explicar a la colectividad las razones que justifican su
brusco giro. Buena parte de las críticas en boga a la llamada democracia representativa tienen su origen
en la recurrencia de este hecho.” (La gobernabilidad en Venezuela: un desastre previsible. In: VALADÉS,
Diego (Ed.). Gobernabilidad... México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005. p. 253-274,
espec. p. 256).
167
Gobernabilidad, legitimidad y opinión pública. VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México:
UNAM, 2005. p. 401-450, espec. p. 406.
168
Ventura, Adrián, Ibid., p. 417 – grifado no original.
169
Gobernabilidad democrática y Constituición (a propósito del caso peruano). In: VALADÉS, Diego
(Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 199-220, espec. p. 202.
170
“De este modo, eficacia gubernamental y legitimidad social se combinarían positivamente en un “cír-
60
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61
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
dan los límites temporales de cada período presidencial o los vaivenes de las administraciones locales. Por
ello, es tarea de la reforma institucional del Estado mexicano garantizar la continuidad en dichos progra-
mas, fijar metas e implementar estrategias de mediano y largo plazo, con resultados y mediciones suscep-
tibles de evaluación y mejoramiento continuo, cuidando la neutralidad política de los mismos para evitar
su uso con fines electorales. Esto es lo que puede denominarse un policía de estado en materia social, es
decir, una estrategia, no de los gobiernos transitorios, sino de la nación políticamente organizada a partir
del consenso de las principales fuerzas políticas y económicas de México.” (La gobernabilidad democrática
y los temas olvidados de una necesaria reforma del Estado. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad…
México: UNAM, 2005. p. 365-377, espec. p. 373 – grifo nosso).
174
“Debe combinar, en prudente dosis, una adecuada comprensión de la realidad y posibilidades actuales,
junto a un conjunto de propuestas que esperan alcanzarse en el mediano o largo plazo. No puede ser una
simple “fotografía” de la realidad social y política, con todas sus carencias y frustraciones actuales. Pero
tampoco una “promesa” tan idealizada que, por lejana e inalcanzable, carezca de viabilidad política y
credibilidad social.” (Diseño constitucional, régimen político y gobernabilidad en el Perú: los problemas
que las normas no bastan para resolver. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad y Constitucionalismo
en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005. p. 167-198, espec. p. 169).
175
A governabilidade num Estado democrático de direito. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad…
México: UNAM, 2005. p. 1-29, espec. p. 8 e 28.
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Interessante notar que não passou despercebido a Alberto Ricardo Dalla Via
que, em “perspectiva sociológica”, a segurança jurídica pode se identificar “com o grau
de acatamento da ordem jurídica que tenha uma determinada sociedade”. E prossegue:
Em um trabalho recente, o doutor Carlos S. Nino sustenta que a tendência à
“anomia”, ou o elevado grau de descumprimento das normas, sejam legais ou
convencionais, é uma das características da sociedade argentina que explica nosso
subdesenvolvimento como uma nação.”194
A citação traz à mente palestra proferida pelo mestre José Carlos Barbosa
Moreira, intitulada “O juiz e a cultura da transgressão”, que aborda – com a elegância
e a perfeição de sempre –, de maneira ampla, a violação constante e corriqueira das
normas jurídicas no Brasil e a sua relação com o processo e o Poder Judiciário.195
Afigura-se conveniente recordar, ademais, em relação à segurança jurídica,
no Brasil, o forte livro do professor e ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal Eros
Roberto Grau, Por que tenho medo dos juízes, no qual, em dado momento, assevera:
“O Poder Judiciário aqui, hoje, converte-se em um produtor de insegurança.”196
Quanto à separação de Poderes, voltando à análise do texto latino-
americano, mesmo deixando de lado situações extremas, como da Venezuela, em
que o Presidente da República pode dissolver a Asamblea Nacional (art. 236-21
da Constitución),197 são comuns as alusões ao predomínio do Poder Executivo. Da
Argentina, por exemplo: Alberto Dalla Via – após escrever que se justifica a localização
do Legislativo em primeiro lugar na Constituição, pelo caráter de mais direto
representante da vontade popular –198 afirma que, no século XX, houve “o declínio do
Poder Legislativo ao tempo em que ocorreu uma hipertrofia do Poder Executivo”,199
194
“Desde una perspectiva sociológica de carácter amplio, la seguridad jurídica puede identificarse con
el grado de acatamiento al ordenamiento jurídico que tenga una determinada sociedad. En un trabajo
reciente, el doctor Carlos S. Nino sostiene que la tendencia a la “anomia”, o el elevado grado de incum-
plimiento de las normas, sean estas jurídicas o convencionales, es una de las características de la sociedad
argentina que explican nuestro subdesarrollo como nación.” (El imperio de la ley y su efectividad (a partir
de la reforma constitucional argentina de 1994). In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad... México:
UNAM, 2005. p. 133-166, espec. p. 137-138).
195
O juiz e a cultura da transgressão. In: Temas de direito processual: sétima série. São Paulo: Saraiva,
2001. p. 251-261, passim.
196
Por que tenho medo dos juízes: a interpretação/aplicação do direito e os princípios. 6. ed. refundida do
Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 16 – grifado
no original.
197
Cf. BREWER-CARÍAS, Allan R. Los problemas de la gobernabilidad democrática en Venezuela: el
autoritarismo constitucional y la concentración y centralización del poder. In: VALADÉS, Diego (Ed.).
Gobernabilidad y Constitucionalismo en América Latina. México: Universidad Nacional Autónoma de
México, 2005. p. 73-96, espec. p. 81. Note-se, porém, que o autor cita, equivocamente, ao artículo 236-22,
quando seria 236-21.
198
El imperio de la ley y su efectividad (a partir de la reforma constitucional argentina de 1994). In: VALA-
DÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM de México, 2005. p. 133-166, espec. 146.
199
“En el siglo XX por su parte, el dato a destacar es la declinación del Poder Legislativo al tiempo en que
se produjo una hipertrofia del Poder Ejecutivo. Vanossi ha referido a este tema sosteniendo que las causas
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América latina, chegando a 53% em 2017. A indiferença pelo tipo de regime alcança
25%. No Brasil registrou-se uma recuperação significativa, após a perda de 22
pontos percentuais entre 2015 e 2016, em 2017 há uma recuperação de 11 pontos
percentuais chegando a 43%; b) avaliação da democracia: apenas 5% dos cidadãos
dizem que existe democracia plena, 27% dizem que há pequenos problemas, 45%
dizem que há grandes problemas e 12% dizem que não há democracia, 11% não
responderam. A soma daqueles que consideram a democracia com problemas
atinge 72% da população da região, que não mudou muito desde 2004, quando foi
medida pela primeira vez (74% em 2004 e 76% em 2013). Num segundo indicador,
em escala de 1 a 10, na qual 1 é antidemocrático e 10 totalmente democrático, a
média para a região é de 5,4 em 2017, e também cai pelo quinto ano de um máximo
de 6,7 em 2010. Uruguai lidera como o país com mais democracia com 6,9, Brasil e
El Salvador com a menor quantidade de democracia, com 4,4; c) satisfação com a
democracia: cai pela quarta vez consecutiva de 34% em 2016 para 30% em 2017.
Em dez países, menos de um terço da população está satisfeita com a democracia.
Apenas em três países: Uruguai (57%), Nicarágua (52%) e Equador (51%) há uma
maioria que está satisfeita com esta forma de governo. O Brasil, destacamos, ocupa
o último lugar, com meros 13% de satisfação com funcionamento da democracia; d)
para quem se governa: coerente com a crítica ao tipo de regime e seu desempenho é
a percepção de que se governa para os interesses de alguns poucos. Este indicador
aumenta pelo segundo ano consecutivo de 73% em 2016 para 75% em 2017 (em
2015 foi de 67%). Os governos são cada vez mais criticados porque não defendem
os interesses da maioria. O Brasil, destacamos outra vez, aparece em primeiro lugar,
com 97% (“grupos poderosos governam em seu próprio benefício?”); e) aprovação
do governo: em vigor desde 2009, quando a aprovação média dos governos
chegou a 60%, tem caído de forma constante, sem pausa. O último declínio ocorre
entre 2016 quando atingiu 38% a 36% em 2017. Lidera a aprovação de governo a
Nicarágua, com 67%, e o Equador, com 66%. Têm a menor aprovação o Brasil, com
6%, e El Salvador, com 17%; f) confiança interpessoal: o resultado de 2017 é o mais
baixo desde que se estabeleceu o indicador, em 1996, apenas 14%. A confiança
interpessoal atingiu o ponto mais baixo dos últimos 20 anos na região da América
Latina. Chile e Equador estão em primeiro lugar, com 23%, seguidos pela Argentina,
com 20%, enquanto o Brasil está em último lugar, com 7%, seguido do Paraguai,
com 8%. Estes países estão próximos da falta de confiança interpessoal; g) confiança
no Poder Judiciário: o auge foi em 2006, com 36%, e o percentual mais baixo em
2003, com 19%. Em 2017, a média foi de 25%, com a Costa Rica em primeiro lugar,
com 43%, seguida pelo Uruguai, com 41%. O Brasil ocupa o quinto lugar, com 27%;
h) confiança no governo: de início, observamos a baixa confiança registrada em 2003
(crise asiática), com 19%, aumentando em 2009 e 2010 para 45%. A partir de 2010,
70
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
71
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
72
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
sivas, que hacen los pueblos, y que terminan sobrecargando el sistema que al final no se da abasto. Esto
se soluciona en mucho con un sistema económico sostenido que procure niveles aceptables de vida, que
la población vea como adecuados, y sobre todo que también se acepten los esfuerzos que se realizan en
esa dirección. Pero esto no lo resuelva el aparato jurídico, por más moderno y perfeccionado que sea.”
(GARCÍA BELAUNDE, Domingo. Gobernabilidad democrática y Constitución (a propósito del caso pe-
ruano). In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 199-220, espec. p. 212
– grifo nosso).
217
Diseño constitucional, régimen político y gobernabilidad en el Perú: los problemas que las normas no
bastan para resolver. In: VALADÉS, Diego (Ed.). Gobernabilidad… México: UNAM, 2005. p. 167-198.
73
4 Lições Jurisprudenciais da África do Sul
4.1 Afinidade
Examinados certos problemas comuns à América Latina, no que tange à (in)
governabilidade, mostra-se proveitoso analisar agora algumas decisões da Suprema
Corte sul-africana, seja pela semelhança de situações sociais e de desnvolvimento
econômico, na medida em que Brasil e África do Sul integram o BRICS, seja porque a
Constituição daquele país também é farta na previsão de direitos sociais.
Conquanto haja muitas alusões, de forma quase sempre geral, aos arestos
mais relevantes aqui entre nós, pretendemos estabelecer uma visão mais específica,
para fundamentar algumas conclusões importantes.
4.2 O caso Grootboom – Government of the Republic of South Africa and Others v.
Irene Grootboom and Others
4.2.1. Resumo
Este caso icônico versa sobre a seção 26 da Constituição sul-africana
(“Habitação 26. (1) Todos têm o direito de ter acesso à moradia adequada. (2) O
Estado deve tomar medidas legislativas e outras medidas razoáveis, dentro de
seus recursos disponíveis, para alcançar a realização progressiva deste direito. (3)
Ninguém pode ser despejado de sua casa, ou ter sua casa demolida, sem uma
ordem judicial, depois de considerar todas as circunstâncias relevantes. Nenhuma
legislação pode permitir despejos arbitrários” 218 ), e a seção 28(1)(c) (“Crianças 28.
(1) Toda criança tem o direito [...] (c) à nutrição básica, abrigo, serviços básicos de
saúde e serviços sociais; [...]”219), bem como sobre exigibilidade (enforceability) dos
direitos sociais e econômicos.
218
Housing 26. (1) Everyone has the right to have access to adequate housing. (2) The state must take
reasonable legislative and other measures, within its available resources, to achieve the progressive reali-
sation of this right. (3) No one may be evicted from their home, or have their home demolished, without an
order of court made after considering all the relevant circumstances. No legislation may permit arbitrary
evictions.
219
Children 28. (1) Every child has the right […] (c) to basic nutrition, shelter, basic health care services
and social services;
75
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
A Sra. Grootboom integrava um grupo com 510 crianças e 390 adultos que
viviam em “circunstâncias terríveis” em um assentamento informal de Wallacedene. 220
Passaram a ocupar ilegalmente terras próximas destinadas a moradias de baixo custo,
mas foram despejados: seus barracos foram demolidos e queimados e suas posses
destruídas. Como seus lugares no assentamento de Wallacedene estavam ocupados,
instalaram-se em um campo de esporte e em um salão comunitário adjacente.
O Tribunal Superior do Cabo da Boa Esperança, mencionando o caso
Soobramoney, concluiu que o governo já havia tomado medidas razoáveis, dentro
dos recursos disponíveis, mas reconheceu que as crianças e seus pais tinham direito
a abrigo com base na seção 28(1)(c) e ordenou aos governos nacional e provincial,
bem como ao Conselho Metropolitano do Cabo (Cape Metropolitan Council) e ao
Município de Oostenberg que lhes fornecessem imediatamente barracas, latrinas
portáteis e suprimento regular de água. A Comissão de Direitos Humanos e o Centro
de Direito Comunitário da Universidade do Cabo Ocidental foram admitidos como
amici curiae no recurso.
Em audiência realizada em 11 de maio de 2000, a comunidade Grootboom
aceitou oferta do Estado para minimizar a crise em que viviam, mas em 21 de setembro
de 2000, o Estado ainda não havia implementado sua oferta, de modo que foi
apresentada petição no Tribunal Constitucional da África do Sul. Por decisão unânime,
da relatoria do Justice Yacoob J, entendeu a Corte que a Constituição obriga o Estado
a agir positivamente para melhorar a situação de milhares de pessoas que vivem em
condições deploráveis em todo o país; que deve fornecer acesso à moradia, cuidados
de saúde, comida e água suficientes, bem como previdência social (social security)
para aqueles que não podem sustentar a si mesmos e seus dependentes.
A Corte destacou que todos os direitos da Declaração de Direitos são
inter-relacionados e se apoiam mutuamente; que a realização de direitos
socioeconômicos permite que as pessoas desfrutem dos outros direitos na Carta de
Direitos e é a chave para o avanço da igualdade racial e de gênero e a evolução de
uma sociedade, em que homens e mulheres são igualmente capazes de atingir seu
pleno potencial. Entenderam que a dignidade humana, a liberdade e a igualdade
são negadas a quem não tem comida, roupa ou abrigo e que o direito de acesso à
moradia adequada não pode, portanto, ser visto isoladamente.
Destacou-se, ainda, que o Estado deve fomentar condições que permitam aos
220
Wallacedene é um assentamento informal nos subúrbios orientais da Cidade do Cabo, na África do Sul.
O assentamento foi estabelecido durante a década de 1980, quando o relaxamento das “leis de passe” [pass
laws: “laws controlling where people can live, work, and travel inside a country, used especially in the past
under the system of apartheid (= racial separation) in South Africa” (Cambridge Dictionary)] permitiu que
as populações rurais migrassem mais rapidamente para os centros urbanos.
76
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
cidadãos obter acesso à terra de forma equitativa. Mas a Constituição reconhece que
esta é uma tarefa extremamente difícil nas condições vigentes e não obriga o Estado
a ir além de seus recursos disponíveis ou a realizar esses direitos imediatamente. No
entanto, o Estado deve concretizar esses direitos e, em circunstâncias apropriadas,
os tribunais podem e devem fazer cumprir essas obrigações.
A questão seria definir se as medidas tomadas pelo Estado para realizar os
direitos conferidos pela seção 26 são razoáveis. Para serem razoáveis, as medidas
não podem deixar de considerar o grau e a extensão da negação do direito que eles
se esforçam para realizar. Aqueles grupos cujas necessidades são mais urgentes não
devem ser negligenciados. Se as medidas, embora estatisticamente bem-sucedidas,
deixam de prever as necessidades dos mais desesperados, elas podem não passar
no teste da razoabilidade.
A Corte enfatizou que as seções 26 e 28(1)(c) não davam a nenhum dos
requerentes o direito de solicitar abrigo imediatamente. No entanto, constatou que
o programa que estava sendo implementado na área pelo Conselho Metropolitano
do Cabo, no momento em que a petição foi formulada, estava aquém das obrigações
impostas ao Estado pela seção 26; que, apesar de o programa geral de habitação
implementado pelo Estado desde 1994 ter resultado na construção de várias casas,
falhou em não fornecer uma alternativa ainda que temporária para aqueles em
situações mais necessitadas, como sem tetos, por exemplo.
Depois de o caso ter sido iniciado na Corte Constitucional, teve início um
Programa de Aceleração do Assentamento introduzido pelo Conselho Metropolitano
do Cabo, buscando atender a demanda social, reconhecida pelo Judiciário, de
melhorar o acesso à moradia, sobretudo aos mais necessitados. A Corte, todavia,
ressaltou que o julgamento não deve ser compreendido como um respaldo judicial
para práticas de invasões ilegais como forma de coagir o Estado a fornecer moradia.
O Tribunal apresentou uma ordem declaratória (declaratory order) que exigia
que o Estado formulasse e implementasse um programa que incluísse medidas
para proporcionar moradia adequada às pessoas que não haviam sido beneficiadas
pelo programa estadual aplicável na área metropolitana do Cabo antes de ter sido
introduzido o Programa de Aceleração do Assentamento.
4.2.2. Destaques
Feito o resumo, cumpre destacar que, não obstante o teor elogiavelmente
garantista, o Tribunal Constitucional da África do Sul cuidou de reconhecer e
declarar alguns pontos que nos parecem essenciais.
77
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
78
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
Many of these would meet the requirement of reasonableness. Once it is shown that the measures do so,
this requirement is met.” – grifos nossos.
224
Na íntegra: “[43] In determining whether a set of measures is reasonable, it will be necessary to consider
housing problems in their social, economic and historical context and to consider the capacity of institu-
tions responsible for implementing the programme. The programme must be balanced and flexible and
make appropriate provision for attention to housing crises and to short, medium and long term needs. A
programme that excludes a significant segment of society cannot be said to be reasonable. Conditions do
not remain static and therefore the programme will require continuous review.
225
“[…] To be reasonable, measures cannot leave out of account the degree and extent of the denial of
the right they endeavour to realise. Those whose needs are the most urgent and whose ability to enjoy all
rights therefore is most in peril, must not be ignored by the measures aimed at achieving realisation of the
right […]”
226
“Progressive realisation of the right [45] The extent and content of the obligation consist in what must
be achieved, that is, “the progressive realisation of this right.” It links subsections (1) and (2) by making
it quite clear that the right referred to is the right of access to adequate housing. The term “progressive
realisation” shows that it was contemplated that the right could not be realised immediately. But the goal
of the Constitution is that the basic needs of all in our society be effectively met and the requirement of
progressive realisation means that the state must take steps to achieve this goal. It means that accessibil-
ity should be progressively facilitated: legal, administrative, operational and financial hurdles should be
examined and, where possible, lowered over time. Housing must be made more accessible not only to a
larger number of people but to a wider range of people as time progresses.[…]”
79
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
80
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
prevê expressamente que o Estado não é obrigado a ir além dos recursos disponíveis
ou a realizar esses direitos imediatamente”,231 conclui a Corte:
[95] Nem a seção 26 nem a seção 28 garantem aos apelados o direito de exigir abrigo
ou habitação imediatamente. A ordem do Tribunal Superior, portanto, não deveria
ter sido dada. No entanto, a seção 26 obriga o Estado a elaborar e implementar um
programa coerente e coordenado destinado a cumprir seus deveres da seção 26.
O programa que foi adotado e estava em vigor na Região Metropolitana do Cabo
no momento da propositura da demanda ficou aquém das obrigações impostas ao
Estado pela seção 26(2), na medida em que não forneceu qualquer forma de amparo
àqueles que precisavam desesperadamente de acesso à moradia.
[96] À luz das conclusões a que cheguei, é necessário e apropriado proferir uma
ordem declaratória. A ordem exige que o Estado aja com o objetivo de cumprir o
dever imposto pela artigo 26(2) da Constituição. Isto inclui a obrigação de criar,
financiar, implementar e supervisionar medidas para proporcionar amparo àqueles
em situação de necessidade desesperada.
[97] A Comissão de Direitos Humanos atua como amicus neste caso. A artigo 184(1)
(c) da Constituição impõe à Comissão o dever de “monitorar e avaliar a observância
dos direitos humanos na República.” As subseções (2)(a) e (b) conferem à Comissão
o poder: “(a) de investigar e informar sobre a observância dos direitos humanos;
(b) tomar providências para assegurar a reparação apropriada quando os direitos
humanos tiverem sido violados.”232
81
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
(a) A seção 26(2) da Constituição obriga o Estado a criar e implementar dentro dos seus
recursos disponíveis um programa abrangente e coordenado para progressivamente
realizar o direito de acesso a uma moradia adequada.
(b) O programa deve incluir medidas razoáveis, tais como, mas não
necessariamente limitadas, àquelas contempladas no Programa de Aceleração
do Assentamento Administrado, para proporcionar amparo para pessoas que
não têm acesso à terra, que não têm teto e que estão vivendo em condições
intoleráveis ou situações de crise.233
82
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
234
Texto original: “[2] The reasons given by the hospital for this are set out in the respondents answering
affidavit deposed to by Doctor Saraladevi Naicker, a specialist physician and nephrologist in the field of
renal medicine who has worked at Addington Hospital for 18 years and who is currently the President of
the South African Renal Society. In her affidavit Dr Naicker says that Addington Hospital does not have
enough resources to provide dialysis treatment for all patients suffering from chronic renal failure. Addi-
tional dialysis machines and more trained nursing staff are required to enable it to do this, but the hospital
budget does not make provision for such expenditure. The hospital would like to have its budget increased
but it has been told by the provincial health department that funds are not available for this purpose.”
235
Nos casos em que a insuficiência renal pode ser curada por diálise, isto é normalmente conseguido dentro
de um período de quatro a seis semanas após o início do tratamento.
236
“[3] Because of the shortage of resources the hospital follows a set policy in regard to the use of the
dialysis resources. Only patients who suffer from acute renal failure, which can be treated and remedied
[nota 1: Where the renal failure can be cured by dialysis this is usually achieved within a period of four to
six weeks from the commencement of the treatment.] by renal dialysis are given automatic access to renal
dialysis at the hospital. Those patients who, like the appellant, suffer from chronic renal failure which is
irreversible are not admitted automatically to the renal programme. A set of guidelines has been drawn
up and adopted to determine which applicants who have chronic renal failure will be given dialysis treat-
ment. According to the guidelines the primary requirement for admission of such persons to the dialysis
programme is that the patient must be eligible for a kidney transplant. […]”.
83
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seção 27(3) (“A ninguém pode ser recusado tratamento médico de emergência.”)237
e da seção 11 (“Todos têm direito à vida.”)238 da Constituição sul-africana de 1996. O
pedido foi indeferido.
Em recurso, relatado pelo justice CHASKALSON P o Tribunal Constitucional,
após mencionar as seções 26 e 27 da Constituição, afirmou:
[11] O que resulta dessas disposições é que as obrigações impostas ao Estado
pelas seções 26 e 27 em relação ao acesso a moradia, saúde, alimentação, água e
segurança social dependem dos recursos disponíveis para tais fins, e que os direitos
correspondentes são limitados por falta de recursos. Tendo em conta essa falta de
recursos e as demandas significativas que já foram mencionadas, uma obrigação
incondicional [unqualified] de atender a essas necessidades não seria atualmente
capaz de ser satisfeita. Este é o contexto no qual a seção 27(3) deve ser interpretada.239
84
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
ment for persons suffering from illnesses or bodily infirmities which are not life threatening….]”
241
“[20] Section 27(3) itself is couched in negative terms - it is a right not to be refused emergency treat-
ment. The purpose of the right seems to be to ensure that treatment be given in an emergency, and is not
frustrated by reason of bureaucratic requirements or other formalities. A person who suffers a sudden
catastrophe which calls for immediate medical attention, […] should not be refused ambulance or other
emergency services which are available and should not be turned away from a hospital which is able to
provide the necessary treatment. What the section requires is that remedial treatment that is necessary and
available be given immediately to avert that harm.”
242
“[21] “The applicant suffers from chronic renal failure. To be kept alive by dialysis he would require
such treatment two to three times a week. This is not an emergency which calls for immediate remedial
treatment. It is an ongoing state of affairs resulting from a deterioration of the applicant’s renal function
which is incurable. In my view section 27(3) does not apply to these facts.”
243
“[22] The appellant’s demand to receive dialysis treatment at a state hospital must be determined in
accordance with the provisions of sections 27(1) and (2) and not section 27(3). These sections entitle every-
one to have access to health care services provided by the state ‘within its available resources’”.
85
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
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Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
87
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
Enfim, antes de encerrar este item, vale a pena salientar que o justice SACHS
J, em seu voto, termina por enfatizar:
[59] O requerente, neste caso, apresentou sua reivindicação de maneira muito
digna e demonstrou manifesto apreço pela situação de muitas outras pessoas nas
mesmas circunstâncias difíceis que ele próprio. Se os recursos fossem coextensivos
access to renal dialysis units or to other health services. There are also those who need access to housing,
food and water, employment opportunities, and social security. These too are aspects of the right to
“. . . human life: the right to live as a human being, to be part of a broader community, to share in the
experience of humanity.”
The state has to manage its limited resources in order to address all these claims. There will be times
when this requires it to adopt a holistic approach to the larger needs of society rather than to focus on the
specific needs of particular individuals within society.”
250
“[42] The Constitution is forward-looking and guarantees to every citizen fundamental rights in such a
manner that the ordinary person-in-the-street, who is aware of these guarantees, immediately claims them
without further ado - and assumes that every right so guaranteed is available to him or her on demand.
Some rights in the Constitution are the ideal and something to be strived for. They amount to a promise,
in some cases, and an indication of what a democratic society aiming to salvage lost dignity, freedom and
equality should embark upon. They are values which the Constitution seeks to provide, nurture and protect
for a future South Africa.
[43] However, the guarantees of the Constitution are not absolute but may be limited in one way or another.
In some instances, the Constitution states in so many words that the state must take reasonable legisla-
tive and other measures, within its available resources “to achieve the progressive realisation of each
of these rights.” In its language, the Constitution accepts that it cannot solve all of our society’s woes
overnight, but must go on trying to resolve these problems. One of the limiting factors to the attainment
of the Constitution’s guarantees is that of limited or scarce resources. In the present case the limited hae-
modialysis facilities, inclusive of haemodialysis machines, beds and trained staff constitute the limited or
scarce facilities.”
88
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
à compaixão, não tenho dúvida sobre qual teria sido a minha decisão. Infelizmente,
os recursos são limitados e não encontro motivo para interferir na alocação feita
por aqueles que estão mais bem equipados do que eu para lidar com as escolhas
angustiantes que precisavam ser feitas.251 (grifos nossos).
4.4 O caso TAC – Minister of Health and Others v Treatment Action Campaign and
Others
O recurso à Corte Constitucional visava a reformar decisões do Tribunal
Superior de Pretória contra o governo, por causa de deficiências percebidas em sua
reação a um aspecto da ameaça do HIV/AIDS. O tribunal entendeu que o governo
não havia tratado de forma razoável a necessidade de reduzir o risco de mães HIV-
positivas transmitirem a doença a seus bebês no nascimento. Mais especificamente,
a conclusão foi que o governo não agiu de forma razoável ao (a) recusar-se a
disponibilizar medicamento antirretroviral chamado nevirapina (NVP) no setor
de saúde pública onde o médico assistente o considerou clinicamente indicado
e (b) não estabelecer cronograma para um programa nacional de prevenção da
transmissão do HIV de mãe para filho.
O caso começou como requerimento no Tribunal Superior de Pretória, em
21 de agosto de 2001, tendo como autores associações e membros da sociedade
civil preocupados com o tratamento de pessoas com HIV/AIDS e com a prevenção
de novas infecções. No julgamento eles são referidos coletivamente como “os
requerentes” [“the applicants”]. O principal autor entre eles foi o Treatment Action
Campaign (TAC). Os réus foram o Ministro da Saúde e os respectivos membros dos
conselhos executivos (MECs) responsáveis pela saúde em todas as províncias, exceto
o Cabo Ocidental. Eles são referidos coletivamente como “o governo” ou “governo”.
O governo, como parte de uma série de respostas à pandemia, criou um
programa para lidar com a transmissão do HIV de mãe para filho no nascimento e
identificou a nevirapina como medicamento a ser utilizado, mas o programa impôs
restrições para a disponibilização de nevirapina no setor de saúde pública.
Surge, então, a primeira das duas questões principais no caso. Os requerentes
251
“[59] The applicant in this case presented his claim in a most dignified manner and showed manifest
appreciation for the situation of the many other persons in the same harsh circumstances as himself. If
resources were co-extensive with compassion, I have no doubt as to what my decision would have been. Un-
fortunately, the resources are limited, and I can find no reason to interfere with the allocation undertaken
by those better equipped than I to deal with the agonising choices that had to be made.”
89
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
alegaram que as restrições não seriam razoáveis à luz da Constituição, que obriga o
Estado e todos os seus órgãos a dar eficácia aos direitos garantidos pela Declaração
de Direitos, ao prever nas seções 7(2) e 8(1), respectivamente: 7(2) O Estado deve
respeitar, proteger, promover e cumprir os direitos na Carta de Direitos;252 8(1)
A Declaração de Direitos aplica-se a toda lei e vincula o legislador, o executivo, o
judiciário e todos os órgãos do Estado.253
A questão envolve o direito dado a todos de ter acesso a serviços públicos
de saúde e ao direito de as crianças receberem proteção especial. Estes direitos
estão expressos nos seguintes termos na Carta de Direitos: Seção 27(1) Todos têm
o direito de ter acesso a – (a) serviços de cuidados de saúde, incluindo cuidados
de saúde reprodutiva; [...] (2) O Estado deve tomar medidas legislativas e outras
medidas razoáveis, dentro de seus recursos disponíveis, para alcançar a realização
progressiva de cada um desses direitos [...].254 Seção 28(1) Toda criança tem o direito
– [...] (c) à nutrição básica, abrigo, serviços básicos de saúde e serviços sociais; [...].255
A segunda questão principal também decorre das seções 27 e 28 da
Constituição e consiste em definir se o governo é constitucionalmente obrigado a
planejar e implementar imediatamente um programa eficaz, abrangente e progressivo
para a prevenção da transmissão do HIV de mãe para filho em todo o país.
Ao expor o caso concreto, o Tribunal Constitucional menciona que as duas
questões principais estavam em controvérsia entre os requerentes e o governo por
um tempo considerável antes da propositura da ação. Assim, quando o TAC, em
setembro de 1999, pressionou pela aceleração do programa governamental de
prevenção da transmissão intraparto, de mãe para filho, do HIV, foi informado pelo
Ministro que isso não poderia ser feito porque havia preocupações, entre outras
coisas, com a segurança e eficácia da nevirapina. Quase um ano depois (em agosto
de 2000), após a 13ª Conferência Internacional de Aids em Durban e uma reunião
de acompanhamento com a presença do Ministro e dos MECs, foi anunciado que
a nevirapina ainda não seria disponibilizada de maneira geral. Em vez disso, cada
província selecionaria dois locais para pesquisas futuras e o uso da droga seria
restrito a esses locais.
252
“7. Rights […] (2) The state must respect, protect, promote and fulfil the rights in the Bill of Rights.”
253
“8. Application (1) The Bill of Rights applies to all law, and binds the legislature, the executive, the
judiciary and all organs of state. […].
254
“27. Health care, food, water and social security (1) Everyone has the right to have access to — (a)
health care services, including reproductive health care; […] (2) The state must take reasonable legisla-
tive and other measures, within its available resources, to achieve the progressive realisation of each of
these rights […]”.
255
“28. Children (1) Every child has the right — […] (c) to basic nutrition, shelter, basic health care ser-
vices and social services; […]”.
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E conclui:
[38] Os tribunais são inadequados para julgar questões em que decisões judiciais
podem ter múltiplas consequências sociais e econômicas para a comunidade. A
terms of our Constitution the question is ‘whether the measures taken by the State to realise the right af-
forded by s 26 are reasonable.’”
262
“[34] Although Yacoob J indicated that evidence in a particular case may show that there is a minimum
core of a particular service that should be taken into account in determining whether measures adopted by
the state are reasonable, the socio-economic rights of the Constitution should not be construed as entitling
everyone to demand that the minimum core be provided to them. Minimum core was thus treated as pos-
sibly being relevant to reasonableness under section 26(2), and not as a self-standing right conferred on
everyone under section 26(1).”
263
“[35] A purposive reading of sections 26 and 27 does not lead to any other conclusion. It is impossible to
give everyone access even to a “core” service immediately. All that is possible, and all that can be expected
of the state, is that it act reasonably to provide access to the socio-economic rights identified in sections 26
and 27 on a progressive basis […]”.
264
“[36] The state is obliged to take reasonable measures progressively to eliminate or reduce the large
areas of severe deprivation that afflict our society. The courts will guarantee that the democratic processes
are protected so as to ensure accountability, responsiveness and openness, as the Constitution requires
in section 1. As the Bill of Rights indicates, their function in respect of socio-economic rights is directed
towards ensuring that legislative and other measures taken by the state are reasonable. As this Court said
in Grootboom, “[i]t is necessary to recognise that a wide range of possible measures could be adopted by
the State to meet its obligations”.
265
“[37] It should be borne in mind that in dealing with such matters the courts are not institutionally
equipped to make the wide-ranging factual and political enquiries necessary for determining what the
minimum-core standards called for by the first and second amici should be, nor for deciding how public
revenues should most effectively be spent. There are many pressing demands on the public purse […]”
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284
LEAL, Saul Tourinho. Constitucionalismo sul-africano inspira debate histórico no STF. África do Sul
Connection nº 37, Migalhas. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Africa/103,MI226142,21048-Af
rica+do+Sul+Connection+n+37>. Acesso em: 18 jun. 2018.
285
Cf. item 11 do acórdão.
286
Cf. item 5 do acórdão.
287
Cf. item 3 do acórdão.
101
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
normalmente acontece entre nós, um país pagador288 e gastador, que ainda parece
acreditar que recursos públicos são infinitos, “crença ingênua”289 e temerária.
Transparece ainda dos arestos estudados, especialmente do caso Minister of
Health and Others v. Treatment Action Campaign and Others, o respeito recíproco entre
os poderes governamentais, o que se afigura fundamental à plena governabilidade,
na medida em que, embora o tribunal local tivesse incluído um interdito estrutural
para exigir que o Executivo revisse sua política e submetesse a política revista ao
tribunal, de modo a permitir que se certificasse do cumprimento da decisão, a Corte
Constitucional assentou que: “Não consideramos [...] que as decisões devam ser
feitas nesses termos, a menos que isso seja necessário. O governo sempre respeitou
e executou ordens deste Tribunal. Não há razão para acreditar que não o faça no
presente caso”.
No Brasil, entretanto, por vezes ocorre o descumprimento de ordens judiciais,
com instituições e poderes imaturos e certa tendência despótica, mas sempre sob a
invocação de respeito à democracia.
Por fim, vimos que a Constituição da África do Sul é expressa em suas
referências à realização progressiva de direitos sociais, mediante adoção de
medidas razoáveis, e dentro dos recursos disponíveis. Mas essas didáticas e
salutares referências podem ser consideradas imprescindíveis à correta e adequada
interpretação das normas constitucionais? Não bastaria a irretorquível realidade de
ser impossível a pronta e integral satisfação dos direitos sociais ou, até mesmo, do
mínimo existencial, para se reputar implícita e óbvia a restrição?
288
Maria Paula Dallari Bucci, ao abordar criticamente a jurisprudência brasileira sobre a responsabilidade
civil do Estado, menciona: “O Estado faz tudo, pode tudo e paga tudo. Em contrapartida, o Estado que faz
tudo e paga tudo está cada vez mais distante da sociedade que lhe dá fundamento de existência” (Direito
administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 189).
289
Ao mencionar o “declínio do Estado Social”, Ricardo Lobo Torres alude à “crença ingênua na inesgo-
tabilidade dos recursos públicos” (O direito ao mínimo existencial. Rio de janeiro: Renovar, 2009. p. 163).
102
5 Da class action ao complex litigation
104
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
processo e enumera alguns tipos de ordens que podem ser apropriadas”, esclarece
o Advisory Committee.300
No que tange às ordens para “impor condições às partes representantes ou
aos intervenientes” [23(d)(1)(C)], é certo que o tribunal pode se valer do rol completo
de sanções judiciais disponíveis para o caso de descumprimento dessas ordens,301
sendo amplíssima, como veremos adiante,302 a variedade de sanções que podem
ser aplicadas pelo tribunal.
Embora a Rule 23(d)(1)(D) se refira a “absent persons”, que preferimos traduzir
literalmente como “pessoas ausentes”, na verdade a norma deve ser interpretada
como aludindo a “pessoas excluídas”, porquanto destaca a doutrina que:
Essa subdivisão é frequentemente invocada em conjugação com uma decisão nos
termos da Regra 23(c)(1), que nega a certificação da classe. Quando o tribunal nega
a certificação, pode ordenar que as alegações de classe sejam eliminadas da petição
inicial e permitir o prosseguimento do processo apenas na capacidade individual
do autor. O tribunal também pode determinar que as alegações sejam corrigidas
para reduzir a extensão da classe ou para dividir a classe em subclasses. Além disso,
o tribunal pode ordenar julgamentos separados de questões individuais que não
podem ser tratadas como ampla questão da classe.303
105
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
atos apenas são admissíveis “com a aprovação do tribunal”, e dispor sobre vários
requistos para sua realização e validade.307
As alíneas (g) e (h) da Regra 23 foram acrescentadas pela emenda de 2003,
e cuidam, basicamente, (g) da nomeação de advogados da classe e (h) da fixação
de honorários. Coerente com a própria ideia de o juiz determinar medidas para
prevenir atos indevidos e poder impor condições às partes [23(d)(1)(A) e (C)], dispõe a
subdivisão (g)(1) que o tribunal, na nomeação do advogado da classe, deve considerar:
(1)(A)(i) o trabalho realizado pelo advogado na identificação e investigação de
potenciais pretensões no processo, (1)(A)(ii) a experiência do advogado em manejar
ações coletivas, outros litígios complexos, e os tipos de pretensões afirmadas na ação,
(1)(A)(iii) o conhecimento do advogado do direito aplicável, (1)(A)(iv) os recursos
que o advogado vai dedicar à representação da classe. Além disso, o tribunal (1)(B)
“pode considerar qualquer outra questão pertinente à habilidade do advogado para
representar justa e adequadamente os interesses da classe”.308
A nomeação do advogado, por outro lado, significa também a imposição do
dever legal de “representar de forma justa e adequada os interesses da classe” [Rule
23(g)(4)],309 podendo o tribunal emitir ordens adicionais com relação à nomeação
[Rule 23(g)(1)(E)].310
Interessante notar, ademais, que a Regra 23(g)(2) toma o cuidado de ressaltar,
demonstrando a atenção com a atuação dos advogados nas ações coletivas:
“Quando apenas um candidato busca a nomeação como advogado da classe, o
307
“Rule 23. Class Actions […] (e) Settlement, Voluntary Dismissal, or Compromise. The claims, issues,
or defenses of a certified class may be settled, voluntarily dismissed, or compromised only with the court’s
approval. The following procedures apply to a proposed settlement, voluntary dismissal, or compromise:
(1) The court must direct notice in a reasonable manner to all class members who would be bound by the
proposal. (2) If the proposal would bind class members, the court may approve it only after a hearing and
on finding that it is fair, reasonable, and adequate. (3) The parties seeking approval must file a statement
identifying any agreement made in connection with the proposal. (4) If the class action was previously cer-
tified under Rule 23(b)(3), the court may refuse to approve a settlement unless it affords a new opportunity
to request exclusion to individual class members who had an earlier opportunity to request exclusion but
did not do so. (5) Any class member may object to the proposal if it requires court approval under this
subdivision (e); the objection may be withdrawn only with the court’s approval.”
308
“Rule 23. Class Actions […] (g) Class Counsel. (1) Appointing Class Counsel. Unless a statute provides
otherwise, a court that certifies a class must appoint class counsel. In appointing class counsel, the court:
(A) must consider: (i) the work counsel has done in identifying or investigating potential claims in the ac-
tion; (ii) counsel’s experience in handling class actions, other complex litigation, and the types of claims
asserted in the action; (iii) counsel’s knowledge of the applicable law; and (iv) the resources that counsel
will commit to representing the class; (B) may consider any other matter pertinent to counsel’s ability to
fairly and adequately represent the interests of the class; […]” (grifado no original).
309
“Rule 23. Class Actions […] (g) Class Counsel. […] (4) Duty of Class Counsel. Class counsel must fairly
and adequately represent the interests of the class.”
310
“Rule 23. Class Actions […] (g) Class Counsel. (1) […] In appointing class counsel, the court: may
make further orders in connection with the appointment.”
Antes da nomeação, porém: “The court may designate interim counsel to act on behalf of a putative class
before determining whether to certify the action as a class action” [Rule 23(g)(3)].
106
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
tribunal somente pode nomeá-lo se o candidato for adequado nos termos da Regra
23(g)(1) e (4). Se mais de um candidato adequado buscar a nomeação, o tribunal
deve nomear o candidato mais capaz de representar os interesses da classe”.311
Enfim, como já mencionado, a subdivisão (h) da Regra 23 cuida de honorários
de advogado e custas, a par da Rule 54(d),312 mas nada de particularmente
interessante se afigura merecedor de comentários para o presente estudo.
107
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
108
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
O ciclo é então repetido várias vezes, com cada decisão se tornando mais precisa
em suas exigências.322-323
109
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
Também Abram Chayes, em seu consagrado estudo sobre “O papel do juiz no litígio
de direito público”, aborda o desaparecimento da estrutura bipolar.326
Como veremos no próximo item, sobre complex litigation, nos Estados Unidos
o tribunal pode nomear um special master para supervisionar a reestruturação da
instituição pública ré, nos termos da Federal Rule of Civil Procedure 53.329
326
CHAYES, Abram. El rol del juez en el litigio de interés público. Traducción al español de Olivia Minatta
y Francisco Verbic. Revista de Processo, São Paulo, n. 268, p. 143-280, jun. 2017. espec. p. 154.
327
DOBBS, Dan B. Law of Remedies: damages, equity, restitution. 2nd ed. St. Paul, Minn.: West Group,
1993. p. 643. No original: “But there is a limit somewhere; at some point the remedy is so different that
it does not address the wrong done by the defendant but some wrong that has not been committed at all.
When that point is reached, the remedy that exceeds the defendant’s wrong or the plaintiff’s right becomes
unacceptable, partly because it is too intrusive, partly because it opens up too much discretion, and partly
perhaps because it is unacceptable in principle to force a defendant to do more than rectify his wrong.”
328
Law of Remedies: damages, equity, restitution. 2nd ed. St. Paul, Minn.: West Group, 1993. p. 644. Origi-
nal: “Even so, pragmatic concerns may lead a court to approve some remedies that exceed the plaintiff’s
rights because more modest or less specific remedies are less likely to succeed in the real world.”
329
DOBBS, Dan B. menciona também a possível nomeação de receivers para atos de administração, com
base na Rule 66 (Law of Remedies: damages, equity, restitution. 2nd ed. St. Paul, Minn.: West Group, 1993.
p. 16 e 132-133).
330
JOHNSON, Kevin R.; ROGERS, Catherine A.; WHITE, John Valery. Complex litigation: cases and
materials on litigating for social change. Durham, North Carolina: Carolina Academic Press, 2009. p. 727.
110
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
331
Na Inglaterra fala-se em complex claims, mas em dimensão diferente. Cf. SIME, Stuart. A Practical Ap-
proach to Civil Procedure. 9.th ed. New York: Oxford University, 2006. p. 240.
332
“Jay Tidmarsh has observed that most attempts at defining complex litigation fail miserably”, apud
JOHNSON, Kevin R.; ROGERS, Catherine A.; WHITE, John Valery. Complex Litigation: cases and ma-
terials on litigating for social change. Durham, North Carolina: Carolina Academic Press, 2009. p. 28.
333
“[…] complex litigation “includes one ... or more related cases which present unusual problems and
which require extraordinary treatment, including but not limited to the cases designated as ‘protracted’
and ‘big.’” (Ibidem, p. 29 -grifado no original).
334
“Rule 16. Pretrial Conferences; Scheduling; Management […] (c) Attendance and Matters for Consi-
deration at Pretrial Conference. […] (2) Matters for Consideration. At any pretrial conference, the court
may consider and take appropriate action on the following matters: […] (L) adopting special procedures
for managing potentially difficult or protracted actions that may involve complex issues, multiple parties,
difficult legal questions, or unusual proof problems”.
335
“Federal Rule of Civil Procedure 16(c)(12) specifically addresses complex litigation, authorizing the
judge to adopt ‘special procedures for managing potentially difficult or protracted actions that may involve
complex issues, multiple parties, difficult legal questions, or unusual proof problems.’” HERR, David F.
Annotated Manual for Complex Litigation. 4th ed. S.l.: Thomson Reuters, 2014. p. 19.
336
Literalmente, “litígio de múltipla jurisdição”. “Multiplication of cases within the federal system or
across the federal and state systems is a common characteristic of complex litigation […]” (HERR, David
F. Annotated Manual for Complex Litigation. 4th ed. S.l.: Thomson Reuters, 2014. p. 260). “A multiplica-
ção de casos dentro do sistema federal ou entre os sistemas federal e estadual é uma característica comum
de litígios complexos [...]” (nossa tradução).
337
Danos em massa (coletivos), que abrangem múltiplas pretensões por responsabilidade civil decorrentes
de um único incidente e pedidos de responsabilidade civil por fatos dispersos (cf. HERR, op. cit., p.497).
338
Provas científicas especializadas.
111
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112
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113
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
114
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
eventos do processo. As partes podem preferir que uma decisão seja oportuna, em
vez de perfeita”.356
No que concerne às delegações, cabe ao juiz federal distrital decidir, no
início do processo, se deve encaminhar toda ou alguma parte da direção do pré-
julgamento ou do controle do processo para o magistrate judge. A delegation ao
magistrate judge afigura-se mais importante no que concerne a várias questões
relativas ao pré-julgamento, mas ele só pode conduzir o julgamento “se as partes
consentirem (Em tal caso, as partes renunciam a seu direito a um juiz vitalício [“Article
III judge”], de modo que o julgamento pelo magistrate judge se torna admissível)”.357
Consoante U.S. Code § 636(b)(1), em síntese, “(A) o juiz pode designar um
magistrate judge para conhecer (“hear”) e decidir qualquer questão pré-julgamento
pendente perante o tribunal, exceto requerimento de medida cautelar ou antecipada
(“injunctive relief”), para julgar alegações, para julgamento sumário, [...] para rejeitar
ou permitir a manutenção de uma ação coletiva [...]”, sendo certo, no entanto,
que: “O juiz do tribunal pode reconsiderar qualquer questão pré-julgamento sob
[o] subparágrafo (A), se for demonstrado que a decisão do magistrate judge é
manifestamente errônea ou contrária à lei”.358
Por outro lado, a delegação da condução do pré-julgamento para masters
(e não magistrate judges) não é aconselhável por diversas razões.359 A Federal Rule
of Civil Procedure 53(a)(1)(C) apenas admite que o master trate de questões pré-
julgamento ou pós-julgamento “que não possam ser efetiva e oportunamente
dirigidas a um district judge ou magistrate judge disponível”.360
De qualquer forma, “o tribunal deve decidir de novo [desde o começo] todas as
356
No original: “It is timely. The judge decides disputes promptly, particularly those that may substantially
affect the course or scope of further proceedings. Delayed rulings may be costly and burdensome for liti-
gants and will often delay other litigation events. The parties may prefer that a ruling be timely rather than
perfect” (loc. cit.).
357
Cf. SULLIVAN, E. Thomas et al. Complex Litigation. New Providence/NJ: LexisNexis, 2009. p. 508:
“In addition, under § 636(c), magistrate judges may actually conduct civil trials – but only if the parties
consent. (In such a case, the parties have waived their right to an Article III judge, so having the magistrate
conduct trial is acceptable). For us, the most significant provision is § 636(b)(1), which concerns delega-
tion of various pretrial issues from the district judge.”
358
“28 U.S. Code § 636 - Jurisdiction, powers, and temporary assignment […] (b)(1) Notwithstanding any
provision of law to the contrary – (A) a judge may designate a magistrate judge to hear and determine any
pretrial matter pending before the court, except a motion for injunctive relief, for judgment on the pleadin-
gs, for summary judgment, […] to dismiss or to permit maintenance of a class action, […]. A judge of the
court may reconsider any pretrial matter under this subparagraph (A) where it has been shown that the
magistrate judge’s order is clearly erroneous or contrary to law.”
359
Cf. HERR, David F. Annotated Manual for Complex Litigation. 4th ed. S.l.: Thomson Reuters, 2014. p. 23.
360
“Rule 53. Masters: (a) Appointment. (1) Scope. Unless a statute provides otherwise, a court may ap-
point a master only to: […] (C) address pretrial and posttrial matters that cannot be effectively and timely
addressed by an available district judge or magistrate judge of the district.”
115
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
116
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
É variadíssima a gama de sanções que pode ser aplicada pelo tribunal, tanto
à parte quanto ao advogado,367 conforme a espécie e gravidade da conduta. Quanto
às sanções menos severas, p. ex., podem ser aplicadas: “(i) repreensão oral, suficiente
para a maioria das violações menores, particularmente uma primeira infração; (ii)
repreensão escrita, pode ser apropriada em casos mais sérios; (iii) transferência de
custos (“cost shifting”), o objetivo da sanção é a dissuasão e não a compensação;
(iv) negação de honorários advocatícios ou despesas, o tribunal pode se recusar a
conceder honorários e despesas ou pode ordenar que o advogado não os cobre de
seus clientes; (v) medidas corretivas (“remedial action”), advogado e partes podem
ser obrigados a remediar um ato negligente ou ilícito às suas próprias custas, como
por meio da restauração de materiais indevidamente destruídos ou eliminados; (vi)
concessão ou recusa de tempo, a demora indevida pode justificar a concessão de
tempo adicional às partes opostas, ou, de outro modo, a negativa de requerimentos
apropriados de prorrogação do prazo.368
117
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
371
Vide In re Snyder, 472 U.S 634, 643-47 (1985).
372
Convém lembrar que além da prisão punitiva, pelo tempo determinado em decisão, no criminal con-
tempt, o encarceramento até que o recalcitrante cumpra a ordem do tribunal é uma forma permitida de
sanção civil, porque fornece o incentivo contínuo para cumprir (cf. DOBBS, Dan B. Law of Remedies:
damages, equity, restitution. 2nd ed. St. Paul, Minn.: West Group, 1993. p. 135).
373
Cf. HERR, David F. Annotated Manual for Complex Litigation. 4th ed. S.l.: Thomson Reuters, 2014.
p. 27-28.
118
6 Constituição Orçamentária
Todas são leis de iniciativa privativa do Presidente da República (art. 84, XXIII, e
art. 165, caput); o processo de emendas ao projeto de lei do plano plurianual não admite
aumento da despesa (art. 63, I); as emendas que se destinem a modificar o projeto de
lei de diretrizes orçamentárias só podem ser aprovadas quando compatíveis com o
plano plurianual, que não admite – repita-se – aumento da despesa (art. 166, § 4º);
as emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem
somente podem ser aprovadas – requisitos cumulativos378 – caso sejam compatíveis
com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias, e indiquem os
recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa,
excluídas as que incidam sobre dotações para pessoal e seus encargos, serviço da
dívida e transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito
Federal (art. 166, § 3º, incisos I e II). No mais, pode a emenda relacionar-se com a
correção de erros ou omissões, ou com os dispositivos do texto do projeto de lei
(art. 166, § 3º, inciso III).
377
Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 715 – grifado
no original.
378
Torres, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário: o orçamento na Cons-
tituição. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. v. V. p. 441.
120
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Grifo nosso.
379
380
MENDONÇA, Eduardo Bastos Furtado de. A Constitucionalização das finanças públicas no Brasil:
devido processo orçamentário e democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 25.
121
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
122
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123
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
Mas não seria, diga-se com enorme reverência, chamar o chaveiro para abrir
porta já arrombada? Se o “consentimento” do Poder Legislativo – afinal – é tido por
do Planejamento, 2.796 obras estão paralisadas no Brasil, sendo que 517 (18,5%) são do setor de infraes-
trutura. A área de saneamento básico lidera o ranking, com 447 empreendimentos interrompidos durante a
fase de execução. Na sequência, aparecem obras de rodovias (30), aeroportos (16), mobilidade urbana (8),
portos (6), ferrovias (5) e hidrovias (5). As obras paradas de infraestruutra já custaram R$ 10,7 bilhões e não
trouxeram nenhum retorno para a sociedade.” Disponível em: <https://noticias.portaldaindustria.com.br/
noticias/infraestrutura/brasil-desperdica-dinheiro-publico-com-517-obras-de-infraestrutura-paralisadas/>.
Acesso em: 15 jul. 2018.
393
A expressão “derrota da regra” advém de textos em inglês, que mencionam, algumas vezes, “defeat the
rule”, mas aqui no Brasil o termo derrota apresenta certo ressaibo de subjugação, que não parece ser a
concepção comum, embora nos pareça adequada.
394
Políticas públicas e direitos fundamentais: elementos de fundamentação do controle jurisdicional de
políticas públicas no Estado Democrático de Direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 320 e 321.
395
Ibidem, p. 321-322.
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129
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constitucional financeiro e tributário: o orçamento na Constituição. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
v. V. p. 33; e O orçamento na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1995. p. 28).
420
Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 189.
421
Referindo-se especificamente à omissão do Poder Público, conclui Maria Paula Dallari Bucci: “Inde-
niza-se pecuniariamente e o potencial gerador do dano permanece tal qual estava” (BUCCI, Maria Paula
Dallari, ibidem, p. 209).
422
“O segundo ponto é o descompasso entre as condenações do Poder Público e a reduzida quantidade de
ações de regresso” (BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo:
Saraiva, 2002. p. 209).
423
Cf. CASTRO, Guilherme Couto de. Direito civil: lições. 6. ed. rev. e atual. Niterói, RJ: Impetus, 2016. p. 247.
424
STF, 2ª Turma, ARE 908.331 AgR/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, unân., julg. 15/03/2016. No mesmo
sentido: “Consoante dispõe o § 6º do artigo 37 da Carta Federal, respondem as pessoas jurídicas de di-
reito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, descabendo concluir pela legitimação passiva concorrente do agente, in-
confundível e incompatível com a previsão constitucional de ressarcimento - direito de regresso contra
o responsável nos casos de dolo ou culpa.” (STF, 1ª Turma, RE 344.133/PE, Rel. Min. Marco Aurélio,
unân., julg. 09.09.2008). Em 2017, foi reconhecida repercussão geral do tema: “Possui repercussão geral
a controvérsia alusiva ao alcance do artigo 37, § 6º, da Carta Federal, no que admitida a possibilidade de
particular, prejudicado pela atuação da Administração Pública, formalizar ação judicial contra o agente
público responsável pelo ato lesivo.” (RE 1.027.633 RG/SP. Tema 940).
425
Veja-se o aresto do STJ, ao nosso ver correto: “1. O art. 37, § 6º, da CF/1988 prevê uma garantia para o
administrado de buscar a recomposição dos danos sofridos diretamente da pessoa jurídica que, em princí-
pio, é mais solvente que o servidor, independentemente de demonstração de culpa do agente público. Vale
dizer, a Constituição, nesse particular, simplesmente impõe ônus maior ao Estado decorrente do risco ad-
ministrativo; não prevê, porém, uma demanda de curso forçado em face da Administração Pública quando
o particular livremente dispõe do bônus contraposto. Tampouco confere ao agente público imunidade de
não ser demandado diretamente por seus atos, o qual, aliás, se ficar comprovado dolo ou culpa, responderá
de outra forma, em regresso, perante a Administração. 2. Assim, há de se franquear ao particular a possibi-
lidade de ajuizar a ação diretamente contra o servidor, suposto causador do dano, contra o Estado ou contra
ambos, se assim desejar [...]” (4ª Turma, REsp 1.325.862/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, unân., DJe
10.12.2013). O voto do eminente relator cita forte orientação doutrinária.
130
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131
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
complementa o julgado: “Assim, mormente porque não há, para o agente público, a opção de descumprir
a ordem judicial, são as medidas penais e administrativas contra tal gestor que devem ser tomadas, caso
desobedecido o comando jurisdicional.”
432
“Nas causas envolvendo o erário público, a coerção somente será eficaz se incidir sobre o agente que
detiver responsabilidade direta pelo cumprimento da ordem, reiterada e imotivadamente desrespeitada.”
(TRF2, 5ª Turma Especializada, AG 2014.00.00.102088-4, Rel. Des. Federal Ricardo Perlingeiro, unân.,
julg. 19.04.2016. No mesmo sentido: 5a Turma Especializada, AG 0002687-40.2009.4.02.0000, Rel. Des.
Federal Ricardo Perlingeiro, DJe 1.10.2012).
433
“Não é possível a responsabilização pessoal do agente público pelo pagamento das astreintes quando ele
não figure como parte na ação, sob pena de infringência ao princípio da ampla defesa. Precedentes.” (STJ,
2ª Turma, REsp 1.633.295/MG, Rel. Min. OG FERNANDES, unân., DJe 23/04/2018).
434
“Em vista das peculiaridades (e deficiências) da estrutura interna administrativa, muitas vezes apenas
a multa contra a própria autoridade atinge concretamente a meta de pressionar ao cumprimento” (Tala-
mini, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003. p. 247 e 449, espec. p. 449).
435
CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públi-
cas e protagonismo judiciário. São Paulo: Almedina, 2016. p. 544 – grifo nosso. No mesmo sentido: “A
imposição de multa diária só tem efeito quando recai no patrimônio particular do administrador público,
pois, do contrário, onerar-se-ia ainda mais o erário” (FERRARESI, Eurico. Modelos de processos cole-
tivos: ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo, tese de doutorado defendida na
USP, apud GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle jurisdicional de políticas públicas. In: GRINOVER,
Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2013. p. 125-150, espec. p. 140-141.
132
7 A Realidade e a Jurisprudência
três anos, que chegou a 1.920%, quando considerado que em 2006, o gasto foi de
R$ 2,5 milhões de reais; os valores gastos pelo Ministério da Saúde para cumprir
decisões judiciais que determinavam o fornecimento de medicamentos de alto
custo aumentaram mais de 5.000% de 2005 a 2010, passando de R$ 2,24 milhões
em 2005 para R$ 132,58 milhões em 2010.439
As informações dos Relatórios de Cumprimento da Resolução nº 107 do CNJ,
aliás, demonstram que o maior número de processos nas chamadas “ações de saúde”
tramitam na Região Sul (170.037), e o menor número no Nordeste (cerca de 17.037),440
numa ingente desproporção, em que a região menos favorecida tem aproximadamente
apenas 10% (dez por cento) das ações da Região Sul, muito mais desenvolvida.
Matéria publicada no Valor Econômico, em 15/4/2014, informa que:
“União, Estados e municípios têm respondido a uma avalanche de ações para o
fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos não listados pelo Sistema
Único de Saúde (SUS), o que tem afetado os cofres públicos. Só para o governo
federal, o impacto de uma derrota em todos os processos seria de R$ 3,93
bilhões – o equivalente a 4% do orçamento deste ano do Ministério da Saúde
(cerca de R$ 106 bilhões). O valor está no anexo ‘Riscos Fiscais’ da Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) – Lei nº 12.919, de dezembro de 2013.”441
Consoante a matéria: “Em 40% dos processos judiciais, a busca é por
medicamentos de última geração, muitos dos quais ainda não registrados pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).” Surgiu, então, a necessidade de
“investigar a possível criação de uma ‘indústria’ das ações judiciais”.442
O Tribunal de Contas da União (TCU), em matéria de 23.08.2017, sobre
estudo que abrangeu União, Estados e Municípios, além de noticiar que “os gastos
439
Judicialização da Saúde: uma reflexão à luz da teoria dos jogos. Revista CEJ, Brasília, Ano XVI, v. 16, n.
57, p. 88-94, maio/ago. 2012, espec. p. 89. Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/
article/viewFile/1592/1569>. Acesso em: 5 out. 2018.
440
Relembre-se, porém, que não constam desse total as informações dos Tribunais de Justiça da Paraíba
e de Pernambuco, nem das Justiças Federais da Bahia, Maranhão e Piauí, que pertencem à 1ª Região, e
não à 5ª Região.
441
ROSA, Arthur. União prevê gasto de R$ 3,9 bi com ações de medicamentos, São Paulo. Disponível em:
http://www.valor.com.br/legislacao/3517192/uniao-preve-gasto-de-r-39-bi-com-acoes-de-medicamentos.
Acesso em: 13 set. 2018.
442
No amplo estudo intitulado “Ações judiciais: estratégia da indústria farmacêutica para introdução de
novos medicamentos”, os autores concluem, p. ex., que, em São Paulo: “Os dados das ações com os medi-
camentos classificados pelo seu fabricante mostram que poucos advogados são responsáveis pela maioria
das demandas judiciais desses medicamentos. A observação de que mais de 70% das ações ajuizadas para
certos medicamentos são de responsabilidade de um advogado pode sugerir uma relação estreita entre o
advogado e o fabricante do medicamento.” (Chieffi, Ana Luiza; Barata, Rita de Cássia Barradas.
Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 44, n. 3, p. 421-9, jun. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.
br/pdf/rsp/v44n3/05.pdf>. Acesso em: 17 set. 2018). A leitura do estudo é assaz sugestiva.
134
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
da União com processos judiciais referentes à saúde, em 2015, foram de R$ 1 bilhão,
um aumento de mais de 1.300% em sete anos”, e que, no período de 2010 a 2015,
“mais de 53% desses gastos se concentraram em três medicamentos que não fazem
parte da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename)”, registrou ainda
que os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina, entre 2013 e 2014,
gastaram mais com a judicialização do que a União, sendo que “os tipos de ações
judiciais versam, predominantemente, sobre mecanismos curativos de saúde, como
medicamentos e tratamentos, e não em mecanismos preventivos”.443
Em meio ao crescente aumento do número de processos e de gastos, o TCU
constatou a inexistência de “mecanismos de detecção de fraudes por cruzamento
de dados para identificação de padrões e inconsistências”, havendo “indícios de
fraudes no âmbito da judicialização da saúde”.444
Segundo levantamento da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa
(Interfarma), “o Ministério da Saúde gastou R$ 1,32 bilhão com judicialização da
saúde em 2016. O gasto é expressivo e prejudica o planejamento orçamentário do
SUS, que já enfrenta limitações e subfinanciamento”.445
Em nível municipal, os gastos podem chegar, com facilidade, a cifras
inadministráveis, como se vê, verbi gratia, em comunicado da Secretaria de Saúde
do Município de Porto Ferreira, em São Paulo: “Os gastos com demandas judiciais
até agora representam [...] 60% da previsão orçamentária anual com o programa
de assistência farmacêutica [o comunicado é de 19.05.2017], que é de R$ 557,7 mil
para aquisição de medicamentos constantes da REMUME [...], para atendimento
da Rede de Atenção Básica”.446 A referência à Relação Municipal de Medicamentos
Essenciais,447 que visa a atender às necessidades de saúde prioritárias da população,
443
O que contraria a diretriz do art. 196 da CF, que dá prioridade “à redução do risco de doença e de outros
agravos”, ou seja, à medicina preventiva.
444
Aumentam os gastos públicos com judicialização da saúde. Notícias, TCU. Disponível em: <https://por-
tal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/aumentam-os-gastos-publicos-com-judicializacao-da-saude.htm>. Acesso
em: 25 jul. 2018. Consta na matéria: “[...] a operação policial ‘Garra Rufa’, no Estado de São Paulo, desco-
briu que aquele Estado foi compelido judicialmente a fornecer medicamentos para pacientes que não eram
portadores da doença ou para aqueles em que o grau da doença não justificava o uso da medicação. Nessa
fraude, a maioria dos pacientes desconheciam que estavam entrando com ação contra o estado e muitos
sequer possuíam a doença. Em ambos os casos, havia ligação entre associação de pacientes e determinados
médicos e advogados.”
445
Cf. Ministério da Saúde gastou mais de R$1 bilhão com ações judiciais em 2016, IBES – Instituto Bra-
sileiro para Excelência em Saúde. Disponível em: <http://www.ibes.med.br/ministerio-da-saude-gastou-
-mais-de-r1-bilhao-com-acoes-judiciais-em-2016/>. Acesso em: 25 jul. 2018.
446
Vide Blog da Comunicação, Governo Municipal de Porto Ferreira. Disponível em: <https://comuni-
cacaoportoferreira.wordpress.com/2017/05/19/saude-gastos-com-ordens-judiciais-em-2017-ja-represen-
tam-60-do-que-o-municipio-investe-no-ano-em-medicamentos/>. Acesso em: 25 jul. 2018.
447
Medicamentos essenciais, aqui, segundo definição da Organização Mundial da Saúde, são “[...] aqueles
que servem para satisfazer às necessidades de atenção à saúde da maioria da população. São selecionados
de acordo com a sua relevância na saúde pública, evidência sobre a eficácia e a segurança e os estudos
135
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
faz lembrar que os gastos com demandas judiciais, no caso, são alheios à política
pública municipal, vinculada, basicamente, ao REMUME.
Nesse contexto, salienta a doutrina: “A insistência do Judiciário brasileiro no
adjudicar bens públicos individualizados (ex. remédios), ao revés de determinar
a implementação da política pública adequada, tem levado à predação da renda
pública pelas elites [...].”448
O quadro caótico, ademais, não se reduz – como se fosse pouco! – aos
dispêndios com aquisição de medicamentos. Vai muito além: veja-se, v. g., a matéria
publicada em O Globo, de 03.03.2018, informando que:
[...] a Defensoria Pública lembrou que há mais de dois anos vem ajuizando cerca
de 150 ações por mês no Plantão Judiciário noturno pedindo vagas em leitos de
terapia intensiva em hospitais municipais e estaduais e que, mesmo com o pedido de
urgência, o índice de mortes por falta de lugar disponível é extremamente elevado.449
Cerca de cento e cinquenta ações por mês, média de cinco ações por dia.
A preferência pelo plantão noturno parece decorrer da facilidade de encontrar
Defensor Público, membro do Ministério Público e Juiz a postos para pleitear,
opinar e decidir, em pouco tempo e com pressa. Quem conhece a Justiça sabe que
realmente são comuns essas ações durante o plantão. Mas a perspectiva da atuação
judicial em ações individuais, nessa monta, é simplesmente pavorosa. Se não há
leitos suficientes – tangenciando o óbvio –, a prioridade das internações somente
pode ser adequada e racionalmente determinada por médicos, pois a admissão ao
leito para um paciente significa a irremediável negativa de leito de terapia intensiva
para outro ou outros pacientes, dependendo do tempo de internação. Destarte,
a internação de paciente terminal pode representar o óbito (ou o agravamento
das condições) de pacientes com chances de sobreviver e recuperar a saúde. O
argumento não é ad terrorem (ainda que a própria situação o seja) e as opções de
escolha de quem será internado exigem conhecimento técnico que o juiz não tem.
O grau de capacidade de recuperação da saúde, o tempo de internação para tanto, e
outras variáveis devem ser levados em conta – e só os médicos podem fazê-lo – para
buscar a mais eficaz e ampla possível utilização dos leitos insuficientes, para salvar
o maior número possível de pessoas. Por isso, a perspectiva de obter internação
aleatoriamente, por ordem de obtenção ou de cumprimento de liminar é pavorosa,
e pode comprometer (ou inviabilizar!) a recuperação de pacientes com (efetivas e/
comparativos de custo efetividade.” (grifos nossos). Cf. <http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/judicial-
izacao/pdfs/514.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2018.
448
Torres, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 128 e 129.
449
JUNQUEIRA, Flávia. Três doentes morrem por dia à espera de UTI: dados da Defensoria Pública mos-
tram somente óbitos de quem recorre a plantão judiciário para obter vaga. O Globo, Rio de Janeiro, 3 mar.
2018. Rio, p. 10.
136
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
137
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
7.2 A jurisprudência
A nossa atenção maior, evidentemente, será concentrada nas decisões do
Supremo Tribunal Federal, já que a Constituição é a sede primeira das normas relativas aos
direitos fundamentais sociais. Não obstante, examinaremos os arestos mais relevantes
do Superior Tribunal de Justiça, que abranjam julgamento de casos repetitivos.
452
Veja-se bem: 8.841 processos, aguardando o julgamento apenas desse recurso especial repetitivo.
138
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
139
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
455
STJ, 1ª Seção, Rel. Min. Benedito Gonçalves, EDcl no REsp 1.657.156/RJ, DJe 21/09/2018.
456
Páginas 21-22 do voto.
457
“Quanto a tal questão, concordo com o Relator, no sentido de que não há exigência de prova de mi-
serabilidade ou pobreza, mas de demonstração de incapacidade financeira do paciente para aquisição do
medicamento, sem comprometimento de sua subsistência ou de sua família” (página 40 do voto-vista).
140
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
141
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
SUS, por meio de seus atos normativos, ou seja, pode estar ou não aprovado pela
ANVISA, pode ser de alto custo ou não.”463 Ao rejeitar os embargos de declaração do
Estado do Rio de Janeiro, por representar mero inconformismo, o eminente relator
menciona que a CONITEC, responsável pela elaboração de relatório sobre a inclusão
de medicamentos no SUS, não se limita a análise das evidências científicas quanto à
eficácia do medicamento, “mas também leva em consideração a avaliação econômica
do custo-benefício da incorporação, nos termos do art. 18 do Decreto n. 7.646/2011”.
Mas – repita-se –, invocando agora afirmação do Ministro Luís Roberto
Barroso: “Não há sistema de saúde que possa resistir a um modelo em que todos
os remédios, independentemente de seu custo e impacto financeiro, devam ser
oferecidos pelo Estado a todas as pessoas. É preciso, tanto quanto possível, reduzir
e racionalizar a judicialização da saúde, bem como prestigiar as decisões dos órgãos
técnicos, conferindo caráter excepcional à dispensação de medicamentos não
incluídos na política pública”.464
Na perspectiva processual, a primeira observação a ser feita é que o único
recurso especial julgado, por si só, não se mostrava inteiramente representativo da
controvérsia, em cotejo com a amplitude da tese consagrada (art. 1.037, inciso III,
do CPC; art. 543-C do CPC/73). Além disso, pela intrínseca necessidade de produção
de provas em cada caso concreto, o precedente não é capaz de amenizar a enorme
reprodução de processos que busquem medicamentos não incorporados ao
Sistema Único de Saúde, exceto com relação àqueles não registrados na ANVISA.
Com efeito, a enfatizada “comprovação, por meio de laudo médico
fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da
imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia,
para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS”, mencionada
no primeiro requisito, não pode ser interpretada como prova plena, ou uma “prova
jurisprudencial”, ad instar de uma prova legal. Tal interpretação seria incompatível
com o nosso sistema processual constitucional (arg. ex arts. 5º, XXXV, LIV e LV, e 93,
IX, da CF e arts. 369, 370 e 371 do CPC). A questão, todavia, foi plena e corretamente
esclarecida pelo douto Ministro Relator, ao apreciar os embargos de declaração do
Estado do Rio de Janeiro, como se vê dos itens 2 e 3 da ementa:
2. Não cabe ao STJ definir os elementos constantes do laudo médico a ser apresentado
pela parte autora. Incumbe ao julgador nas instâncias ordinárias, no caso concreto,
463
Página 9 do voto – grifo nosso.
464
Excerto do voto proferido no julgamento do RE 566.471/RN, Tema 6: “Dever do Estado de fornecer me-
dicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo.”
Repercussão geral reconhecida em 03/12/2007, julgamento iniciado em 15/09/2016, mas ainda não concluído.
142
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
3. Da mesma forma, cabe ao julgador avaliar, a partir dos elementos de prova juntados
pelas partes, a alegada ineficácia do medicamento fornecido pelo SUS decidindo se,
com a utilização do medicamento pedido, poderá haver ou não uma melhoria na
resposta terapêutica que justifique a concessão do medicamento.
143
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
Cabe lembrar que não existe serviço público (atividade ou prestação estatal)
“gratuito”, porquanto a conta é sempre paga por toda a população, e num país
como o nosso, em que é enorme a carga tributária, com maior concentração em
tributos indiretos471 (inclusive incidentes sobre alimentação e remédios), a situação
se agrava, pela significativa e proporcional oneração dos mais pobres. 472
144
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
e à vedação do art. 19-T, inciso II, da Lei nº 8.080/90, e na medida em que “[o] registro
ou cadastro mostra-se condição para o monitoramento, pela Agência fiscalizadora,
da segurança, eficácia e qualidade terapêutica do produto”.473 Mas não se pode
descartar o exame de situações excepcionais – não tratadas no precedente –, como,
e. g., na hipótese de medicamento cujo requerimento de registro não foi analisado
em tempo exagerado e que já esteja inscrito em instituições de prol, como Food and
Drug Administration (FDA) ou European Medicines Agency (EMA).
Essa orientação, que também foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal,475
e teve repercussão geral reconhecida em 26.08.2010,476 mereceu forte crítica de
respeitada autoridade:
A exacerbação da judicialização das políticas públicas [...] tem levado o Judiciário a
conceder o sequestro de recursos públicos.
[...]
145
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
146
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147
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
148
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
149
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
A) Assistência social
Conquanto não sejam objeto do presente estudo benefícios da assistência
social, merece alusão o RE 567.985/MT, no qual, em 18.04.2013, foi declarada “a
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993”, com a seguinte ementa:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o
art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício
mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos
idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de
constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe
o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção
da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido
pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria
que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do
alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou
a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos
critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios
definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto,
não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda
familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada,
elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela
LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes
idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios
mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei
10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa
Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei
9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou
a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios
objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente
de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas
modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios
de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4.
Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, §
3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.492
150
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
Essa decisão foi analisada e criticada por artigo que recebeu o 1º lugar
no Concurso de Artigos Jurídicos sobre Direito à Assistência Social, o qual, após
salientar a incerteza e imprevisibilidade deixada pela “possibilidade de concessão
do benefício a pessoas com renda familiar per capita acima do critério estabelecido
na Loas”, e porque “a palavra final sobre a condição de miserabilidade de cada
demandante acima desse patamar de renda tornou-se responsabilidade e critério
dos juízes caso a caso”, observa:
Um dos riscos da adjudicação de direitos sociais, contudo, é transformar questões
policêntricas como essa em uma disputa bilateral entre o litigante e o governo. Quando
isso ocorre, a política social e todas as difíceis escolhas que estão necessariamente
por trás dela perdem seu espaço central na lide judicial, que passa a focar-se quase
exclusivamente na necessidade dos litigantes. Essa foi fundamentalmente a forma
como a maioria do stf analisou a constitucionalidade do critério de 1/4 de salário
mínimo per capita para recebimento do bpc no re 567.985.
Em suma, a escolha política de limitar a ampliação de um benefício de assistência
social não significa necessariamente uma violação a um direito causada por
indiferença ou omissão estatal. Essa limitação pode ser, como no caso do bpc e da
assistência social, uma opção governamental que define prioridades e focalização.
Por esse raciocínio, uma decisão judicial que respeita o critério adotado pela política
pública nessas circunstâncias não significa que o Judiciário abdica de sua função na
defesa de direitos, mas demonstra o entendimento de que o direito à assistência
social não é apenas daqueles que conseguem chegar aos tribunais, mas de toda a
população que precisa ser assistida por essa política.493
493
Wang, Daniel Wei L.; Vasconcelos, Natália Pires de. Adjudicação de direitos e escolhas po-
líticas na assistência social: o STF e o critério de renda do BPC. Disponível em: <https://www.acade-
mia.edu/35825264/Adjudica%C3%A7%C3%A3o_de_direitos_e_escolhas_pol%C3%ADticas_na_
assist%C3%AAncia_social>. Acesso em 12 nov. 2018. A leitura do artigo é veementemente recomendada,
para a compreensão de impactos financeiros e, acima de tudo, “como a decisão da maioria dos ministros no
re 567.985 representa de fato uma escolha política com altos custos de oportunidade.”
151
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
B) Educação
B.1) Encontram-se vários arestos relativos à realização de reformas ou
execução de obras em escolas públicas,494 fortes na consideração geral de que: “A
jurisprudência desta Corte entende ser possível ao Poder Judiciário determinar ao
Estado a implementação, em situações excepcionais, de políticas públicas previstas
na Constituição sem que isso acarrete contrariedade ao princípio da separação dos
poderes”;495 ou no fundamento específico de que: “O Poder Judiciário, em situações
excepcionais, pode determinar ao Estado a obrigação de fazer reparação em
escolas, quando estas se encontrarem em condições precárias, por se relacionarem
a direitos ou garantias fundamentais, sem que isso ofenda o princípio da separação
dos poderes”.496
No que concerne a questões orçamentárias, ressalta a Corte: “Quanto aos
limites orçamentários aos quais está vinculado o recorrente, o Poder Público,
ressalvada a ocorrência de motivo objetivamente mensurável, não pode se furtar
à observância de seus encargos constitucionais”,497 demonstrando que não bastam
alegações genéricas do ente público no que tange à limitação de recursos.
Noutro acórdão, embora a situação fosse mais delicada, porquanto a ação
civil pública, proposta pelo Ministério Público em face do Estado de Goiás, buscava
a construção de salas de aula em número suficiente ao adequado atendimento da
população e em cumprimento das normas que regulam o serviço público de ensino,
de modo que este seja prestado com qualidade, restringiu-se a ementa a afirmar:
Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Constitucional. Poder
Judiciário. Determinação para implementação de políticas públicas. Melhoria da
qualidade do ensino público. Possibilidade. Violação do princípio da separação dos
poderes. Não ocorrência. Precedentes.
1. O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a
Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente
reconhecidos como essenciais sem que isso configure violação do princípio da
separação de poderes.
2. Agravo regimental não provido.498
494
P. ex., 1ª Turma: ARE 1.071.070 AgR/DF, Rel. Min. Luiz Fux; ARE 1.041.301 AgR/DF, Rel. Min.
Rosa Weber; ARE 942.573 AgR/PB, Rel. Min. Edson Fachin. 2ª Turma: ARE 928.654 AgR/DF, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski; ARE 958.246/PB, Rel. Min. Celso de Mello; ARE 908.680 AgR/PB, Rel. Min.
Dias Toffoli.
495
2ª Turma, ARE 928.654 AgR/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski.
496
1ª Turma, ARE 942.573 AgR/PB, Rel. Min. Edson Fachin.
497
2ª Turma, ARE 928.654 AgR/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Neste caso, inclusive, o Acórdão
recorrido, do TJDF, ressaltou a existência de previsão na lei orçamentária de verba para a finalidade e a
inércia do DF.
498
1ª Turma, ARE. 635.679 AgR/GO, unân, julg. 06.12.2011.
152
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
153
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
154
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
504
2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, unân. julg. 23.08.2011. Eis a ementa da apelação recorrida: “APE-
LAÇÃO – Reexame Necessário – Ação Civil Pública – Sentença que obriga o Município de São Paulo
a matricular crianças em unidades de ensino infantil próximas de sua residência – Cabimento – Direito
Fundamental, líquido e certo – Aplicação dos artigos 208 da Constituição da República e 54 do Estatuto
da Criança e do Adolescente – Inocorrência de violação aos princípios constitucionais da Separação e
Independência dos Poderes da República – Necessidade de harmonia como o princípio da legalidade e da
inafastabilidade do controle judicial (arts. 5º, XXXV, e 37 da Constituição Federal) – Princípio da Isonomia
que impõe o respeito ao direito de todas as crianças – Normas constitucionais de eficácia plena – Direito
universal a ser assegurado a qualquer criança que dele necessite – Obrigação do Município reconhecida no
artigo 211 da Constituição Federal – Prova suficiente a autorizar o acolhimento do pedido – Multa cabível
e proporcional – Não provimento do recurso e do reexame necessário.” Louvável a correta dimensão em
buscar respeitar o “direito de todas as crianças”.
505
2ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, unân., julg. 28.04.2009.
506
2ª Turma, ARE nº 594.018/RJ, Rel. Min. Eros Grau, julg. 23.06.2009.
155
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
C) Moradia
No que concerne ao “direito à moradia”, observa-se que persiste a tendência
da Suprema Corte em enunciar direitos em termos teóricos, sem efetiva análise
do caso concreto. No Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo
nº 925.712/RJ, foi desprovido o agravo regimental interposto contra a decisão
monocrática que negara provimento ao agravo da decisão de inadmissão do RE,
“nos termos do artigo 932, IV, b, do Código de Processo Civil”. O problema, diga-se
com toda a reverência, é que, para o desprovimento do agravo pelo relator, com
base no art. 932, IV, b, do CPC, foi mencionado o Tema 220,507 relativo à promoção
de medidas ou execução de obras emergenciais em presídios, sem descrição do caso
que ensejou a interposição do RE e sem a indicação de acórdão específico do STF,
para concluir na ementa: “É firme o entendimento deste Tribunal de que o Poder
Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio da separação dos
Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas questões relativas
ao direito constitucional à segurança e moradia”.508
Em outro caso, o TJRJ, em acórdão proferido em agravo de instrumento,
determinou ao Estado do Rio de Janeiro a tomada de medidas de engenharia,
geotecnia e intervenção urbanística no Bairro Cordoeira, no Município de Nova
Friburgo, área classificada como de alto risco de deslizamentos. Interposto
e inadmitido recurso extraordinário no TJ, adveio agravo do Estado, que foi
desprovido, monocraticamente, pelo Ministro Relator, com base no art. 932, III e
IV, b, do CPC, em parte por se tratar de ofensa reflexa à Constituição e, no mais,
invocando, outra vez, o supracitado Tema 220. Interposto agravo regimental, a 2ª
Turma negou-lhe provimento, repetindo na ementa: “É firme o entendimento deste
Tribunal de que o Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao
princípio da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas
públicas em defesa de direitos fundamentais”. Chama a atenção, como se vê do
relatório, que o Estado do Rio de Janeiro arguiu em seu recurso:
[...] que a discussão relativa à separação dos poderes, nestes autos, está relacionada
não à possibilidade de interferência do Poder Judiciário no âmbito das políticas
públicas, mas aos seus limites, asseverando-se que “quando não há omissão estatal,
mas apenas a possibilidade de diversas alternativas para a satisfação de tais direitos, não
podem os magistrados, a tanto instados pelo Parquet, decidir que uma dada alternativa
é a que deve ser eleita, em detrimento da opção eleita pelo Executivo”.
156
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A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
D) Sistema prisional
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Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
admitida no RE 566.471 RG/RN (Tema 6), Rel. Min. Marco Aurélio, o Supremo Tribunal
Federal vem se limitando a determinar que, com base nos arts. 543-B do CPC/1973 e
328 do RI/STF, seja aplicada a sistemática da repercussão geral.528
Num apanhado geral, com fundamento no entendimento firmado na ADPF
45/DF, a Corte negou seguimento a RE contra acórdão relativo à inexistência de rede
municipal de assistência à pessoa portadora de deficiência física, visual, auditiva, com
paralisia cerebral, distúrbios comportamentais, deficiência mental ou com autismo
capaz de atender a demanda do Município de Belo Horizonte.529 Asseverando
que “[o] Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio
da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas
questões relativas ao direito constitucional à saúde”, o STF “negou seguimento ao
recurso contra Tribunal de origem, em que se garantiu o fornecimento de fraldas
descartáveis a menor com enfermidade grave”, mencionando outros julgados
análogos.530 Com base na afirmação de que “o acórdão recorrido está em harmonia
com a jurisprudência deste Supremo Tribunal”, negou-se seguimento ao agravo
nos autos do recurso extraordinário interposto contra acórdão do TJRS relativo à
implementação de ações com o objetivo de dotar o único hospital do Município
de Cachoeirinha/RS de leitos na Unidade de Terapia Intensiva – UTI suficientes
ao atendimento da população local.531 Ainda com fundamento, em essência,
no entendimento firmado na ADPF 45/DF, a Corte deu provimento ao recurso
extraordinário deduzido pelo Ministério Público estadual para à ampliação e
melhoria no atendimento de gestantes em maternidades no estado do Amazonas.532
Em determinado feito, em que o MP estadual pleiteava a condenação da
Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação
Casa) a disponibilizar “tratamento contra a drogadição aos internos das unidades
da Fundação em funcionamento no Município de São José do Rio Preto”, diante
da fundamentação do acórdão recorrido, em suma de que “a causa em apreço
não reclama[va] a prestação de serviços de saúde aos adolescentes desprovidos,
mas verdadeira adoção de política pública, arregimentando recurso de vulto e
transferindo escolhas administrativas da Administração Estadual, eleita em pleito
popular, para o Poder Judiciário por meio de normas jurisdicionais”, o STF entendeu
528
Nesse sentido, p. ex.: 1ª Turma, ARE 947.143 AgR/PR, Rel. Min. Roberto Barroso, sessão virtual, 21
a 28 abr. 2017; 1ª Turma, RE 627411 AgR/SE, Rel. Min. Rosa Weber, julg. 18.09.2012; 1ª Turma, RE
814425 AgR/AL, Rel. Min. Roberto Barroso, julg. 27.10.2015; 2ª Turma, ARE 832985 AgR/RS, Rel. Min.
Dias Toffoli, 04.08.2015; 2ª Turma, RE 827527 AgR-ED/RN, Rel. Min. Cármen Lúcia, Julg. 16.12.2014;
1ª Turma, RE 818572 AgR/CE, Rel. Min. Dias Toffoli, julg. 02.09.2014.
529
2ª Turma, ARE 745745 AgR/MG, Rel. Min. Celso de Mellho, unân., julg. 02.12.2014;
530
“No mesmo sentido e tratando de controvérsia análoga à dos autos, confiram-se os seguintes julgados:
ARE 744.170-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio; ARE 746.378- AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; e
ARE 743.841 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli.” (1ª Turma, AI 810864 AgR/RS, Rel. Min. Roberto Barroso,
julg. 18.11.2014).
531
2ª Turma, ARE 740800 AgR /RS, Rel. Min. Cármen Lúcia, julg. 03/12/2013.
532
2ª Turma, RE 581352 AgR/AM, Rel. Min. Celso de Mello, julg. 29.10.2013.
165
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
que “para se chegar a conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido quanto
à necessidade da implementação das políticas públicas pleiteadas seria necessário
o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos”, e negou provimento
ao agravo regimental.533
Na mesma linha, tendo a decisão recorrida asseverado, em resumo, que
“apesar da necessidade em realizar as obras determinadas e ora questionadas,
[...] a destinação dos recursos não previstos no orçamento pode prejudicar
a implementação de outras eleitas e qualificadas pelo administrador como
prioritárias, porquanto, em tese, a construção de uma estação de tratamento de
água demanda grandes investimentos”, concluiu a Suprema Corte que “o acórdão
recorrido afastou a necessidade da intervenção judicial postulada, diante do
contexto fático-normativo dos autos, de sorte que divergir do julgado na origem
demandaria reexaminar o acervo probatório que permeia a lide, o que não desafia a
abertura do recurso extraordinário, nos termos da Súmula 279 do STF”.534
Neste item, por sua específica área de abrangência, não abordamos as
Suspensões de Liminar (SL), Suspensões de Segurança (SS) ou Suspensões de Tutela
Antecipada (STA), ainda que algumas sejam mencionadas oportunamente, em
virtude das diretrizes já apontadas em algumas decisões.
533
“EMENTA: AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMI-
NISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. TRATAMENTO DE REABILI-
TAÇÃO PARA MENORES INFRATORES DEPENDENTES QUÍMICOS. REEXAME DO CONJUNTO
FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279 DO STF. AGRAVO INTER-
POSTO SOB A ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO
EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NO JUÍZO RECORRIDO. IMPOSSIBILIDADE DE MAJORA-
ÇÃO NESTA SEDE RECURSAL. ARTIGO 85, § 11, DO CPC/2015. AGRAVO INTERNO DESPRO-
VIDO.” (1ª Turma, ARE 964.607 AgR/SP, Rel. Min. Luiz Fux, unân., sessão virtual, 11 a 18 ago. 2017).
534
“Agravo regimental no recurso extraordinário. 2. Poder Judiciário. Implementação de políticas públicas.
Possibilidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Não ocorrência. 3. O Tribunal de origem
afastou a necessidade da intervenção judicial, diante do contexto fático-normativo dos autos. Reexame dos
fatos e provas. Impossibilidade. Súmula 279 do STF. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (2ª
Turma, AgR. RE 706.085/GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, unân., 27.10.2015.
535
Valemo-nos aqui, brevitatis causa, dos termos processos e julgados utilizados nas estatísticas, até mesmo
porque a natureza do feito, se recurso, incidente ou ação originária, não é relevante para nossa abordagem.
166
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
que vem crescendo, pelo menos, nos últimos seis anos.536 Numa simples estimativa,
sem levar em conta que o Presidente, o Vice-Presidente e o Corregedor Nacional
de Justiça integram apenas o Plenário e a Corte Especial,537 e sabendo que 2017
teve 251 (duzentos e cinquenta e um) dias úteis, depreende-se que cada um dos
33 eminentes ministros julgou cerca de 11.907,97 processos no ano de 2017,
aproximadamente 47,45 processos por dia.
O Supremo Tribunal Federal, em 2017, recebeu 103.650 processos, julgou
113.634 por decisão monocrática e 12.897 em colegiado, totalizando 126.531 feitos
julgados naquele ano. Numa estimativa simples, nas mesmas bases da anterior, sem
levar em consideração que o Presidente integra apenas o Plenário, cada um dos
insignes ministros julgou cerca de 45,83 processos por dia... Só em 2018 já foram
recebidos 58.148 processos.538 Isso para o tribunal a que compete, precipuamente,
a guarda da Constituição (art. 102 da CF).
Pois bem, com essa ingente carga de processos, independentemente da
reconhecida capacidade de trabalho e notável inteligência dos ilustres ministros, não é
possível subjugar o tempo. Assim, apesar da perspicácia e dinamismo dos integrantes das
Cortes, que merecem nossa sincera e profunda admiração, percebe-se, concentrando-
nos no Supremo Tribunal Federal, que os acórdãos advieram, na grande maioria, em
agravos regimentais, decorrentes – por óbvio – de decisões monocráticas, sem efetivo
debate em colegiado. Aliás, como se vê dos números acima, pouco mais de dez por
cento das decisões da Suprema Corte são colegiadas, e seria impossível funcionar de
outra forma, pelo absolutamente excessivo número de processos. Repercussões gerais
de relevo – perdoem a redundância – demoram anos, às vezes mais de uma década, para
serem julgadas. As múltiplas decisões monocráticas, e consequentes agravos internos,
valem-se normalmente da menção de precedentes e da jurisprudência da Corte, sem
condições de analisar as questões específicas (mesmo de direito) postas no recurso,
como às vezes se percebe apenas da leitura de excertos transcritos em relatório ou voto.
Questões fáticas são deduzidas de afirmações genéricas dos acórdãos recorridos, que
sequer aludem aos elementos a partir dos quais formaram convicção, ou seja, acórdãos
nulos, por falta de fundamentação (cf. arts. 371 e 489, IV, do CPC e art. 93, IX, da CF). Em
suma, e sem rebuço, verifica-se, muitas vezes, a generalização (ou padronização) das
decisões sobre direitos sociais.
Como registrou a doutrina, “não apenas as da mais alta Corte de Justiça
do país, mas, de resto, quase todas as decisões judiciais não analisam de maneira
536
Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal/site/STJ>. Acesso em: 03 ago. 2018.
537
Art. 3º, § 1º, do RISTJ
538
Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=movimentoPro
cessual>. Acesso em: 03 ago. 2018.
167
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
539
JACOB, Cesar Augusto Alckmin. A “reserva do possível”: obrigação de previsão orçamentária e de apli-
cação da verba. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional
de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 237-283, espec. p. 277.
540
LOPES, José Reinaldo de Lima. Em torno da “reserva do possível”. In: SARLET, Ingo Wolfgang;
TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos Fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed., rev. e
ampl. 2. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 155-173, espec. p. 172.
168
8 A Tutela Jurisdicional dos Direitos Sociais
8.1 Premissa
Os direitos fundamentais “são garantidos pelos serviços públicos”,541 e estes
são implementados mediante políticas públicas, as quais Maria Paula Dallari
Bucci, em obra específica, assim define: “Políticas públicas são programas de ação
governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades
privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente
determinados”.542-543
A própria Constituição da República, embora a rigor desnecessário, mas
didaticamente, no art. 216-A refere-se a “políticas públicas de cultura”, e no art.
227, § 8º, inc. II, alude a plano nacional de juventude, “visando à articulação das
várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas”. Bem assim,
no artigo 196, de capital relevância, foi enfática: “A saúde é direito de todos e dever
do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”544
Pois bem: não há margem no texto deste dispositivo constitucional para ser
afirmado – como fazem, amiúde, doutrina e jurisprudência – que a Carta assegura
direito a prestações de saúde individuais e exclusivas. O artigo 196 é absolutamente
claro ao mencionar “garantido mediante políticas sociais e econômicas”, que visem
“ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção
541
Torres, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de janeiro: Renovar, 2009. p. 242 – gri-
fado no original.
542
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 241.
543
FONTE, Felipe de Melo critica essa definição, inclusive por “identificá-la [política pública] com catego-
rias jurídicas que já possuem definição própria e autônoma, tais como planos e programas”, e sustenta que
“políticas públicas compreendem o conjunto de atos e fatos jurídicos que têm por finalidade a concretiza-
ção de objetivos estatais pela Administração Pública” (Políticas públicas e direitos fundamentais: elemen-
tos de fundamentação do controle jurisdicional de políticas públicas no Estado Democrático de Direito. 2.
ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 51 e p. 57 – grifado no original). Não nos parece haver identificação, apesar
da utilização do termo “programa” em sentido geral, e preferimos citar a definição de Bucci por seus termos
mais amplos, tocando especificamente em pontos caros ao presente estudo.
544
Sem grifo no original.
169
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
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Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
171
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
constitucional, pelo que, em síntese, “toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida
sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados”,556 pouca
atenção desperta a imperiosa necessidade de as demandas557 (e, consequentemente,
as decisões judiciais) também serem, parafraseando Canotilho e Vital Moreira, lidas
à luz da Constituição e passadas pelo seu crivo.558 Com efeito: não raro são propostas,
para nos limitarmos a somente um exemplo, ações alegando a nulidade de questões
de provas de concurso público e pedindo a atribuição dos respectivos pontos para
o autor da ação, pedidos estes que várias vezes são julgados procedentes, muito
embora o artigo 37, inciso II, da Constituição exija a aprovação prévia em concurso
público de provas ou de provas e títulos, para investidura em cargo ou emprego
público, exatamente para assegurar princípios constitucionais como a igualdade
de acesso (isonomia e impessoalidade) e a prevalência do mérito (moralidade
e eficiência).559 Tais decisões põem a pique o desiderato constitucional. Mas a
questão não passou despercebida a um verdadeiro jurista, como se vê da decisão
do Supremo Tribunal Federal, relatada pelo douto Min. Luiz Fux, que assentou: “A
anulação, por via judicial, de questões de prova objetiva de concurso público, com
vistas à habilitação para participação em fase posterior do certame, pressupõe
a demonstração de que o Impetrante estaria habilitado à etapa seguinte caso
essa anulação fosse estendida à totalidade dos candidatos, mercê dos princípios
constitucionais da isonomia, da impessoalidade e da eficiência”.560
Encerrada a digressão, parece-nos que a tutela jurisdicional relativa a
prestações na área de saúde pública, por força da Constituição – que, além da regra
manifesta do artigo 196, estabelece como objetivos fundamentais da República
construir uma sociedade livre, justa e solidária, bem como erradicar a pobreza e a
556
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro:
pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n.
225, p. 5-37, jul./set. 2001, p. 31. Veja-se ainda a obra precursora de SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem
constitucional: construindo uma nova dogmática jurídica. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1999.
557
“Chama-se demanda ao ato pelo qual alguém pede ao Estado a prestação de atividade jurisdicional”
(BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro. 29. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:
Forense, 2012. p. 11 – grifado no original).
558
“A principal manifestação da preeminência normativa da Constituição consiste em que toda a ordem
jurídica deve ser lida à luz dela e passada pelo seu crivo” (CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital.
Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Ed., 1991. p. 45).
559
“O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade,
eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos
os interessados que atendam aos requisitos da lei, consoante determina o art. 37, II, da CF” (MEIRELLES,
Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 375).
560
STF, 1ª Turma, MS 30.859/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julg. 28/08/2012. No que se refere à extensão da
anulação à totalidade dos candidatos, afigura-se possível sustentar que, reconhecida a nulidade da questão
(que, a rigor, deve constituir pedido – principaliter tantum –, em cumulação sucessiva), a mesma questão
(do concurso único) não pode ser considerada válida para alguns candidatos e inválida para outros, sendo
consequente, acaso procedente o pedido, a atribuição dos pontos a todos os candidatos.
172
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A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
a vida de cada cidadão, mas apostando (de forma lotérica, portanto) que alguns não
chegariam à justiça e que esses não lhe importam, que esses não devem ser levados
em consideração.562
174
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
particular por natureza, como ocorre em relação aos direitos subjetivos do trabalhador
(art. 7º),565 direitos a benefícios previdenciários ou a benefícios assistenciais.
Assim, por exemplo, apesar do teor do art. 208, e seu § 1º, da Constituição
da República, prevendo que “o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito
público subjetivo”, trata-se, como se depreende do inciso I do dispositivo, de direito
de todos (dos quatro aos dezessete anos de idade e daqueles que não tiveram
acesso à oferta gratuita na idade própria), não bastando à Constituição a concessão
de vagas e matrículas individuais, para algum ou alguns interessados (art. 3º, III),
que na verdade gera desequilíbrio das prestações sociais; pelo contrário, também
neste caso, como já questionamos anteriormente, a solução constitucionalmente
legítima seria buscar o Judiciário – em diálogo com as autoridades públicas –
proferir decisão capaz de atender, dentro do possível e o quanto antes, a todas as
crianças e adolescentes na mesmíssima situação.
175
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
176
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
177
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
E, a seguir, sustentou:
Não é difícil de se imaginar, e. g., uma determinada atividade ou obra, de
responsabilidade do Município, provocando a poluição sonora junto a uma
pequena comunidade, desprovida de associação de moradores ou de defesa do
meio ambiente, cuja promotoria esteja com o cargo de Promotor vago. Estariam
os moradores fadados a suportar o barulho, aguardando a designação de um novo
Promotor ou teriam de formar uma associação para serem admitidos em juízo? Da
mesma forma, não estaria o morador de bairro residencial legitimado para ajuizar
uma ação pleiteando a cessação ou limitação do barulho, em face de determinada
instituição religiosa que celebre cultos, durante os finais de semana, a partir das 6
horas da manhã, impedindo a tranquilidade e o descanso de toda a família? [...].
Os interesses acima ventilados seriam coletivos, mais precisamente difusos. Por
conseguinte, a limitação infraconstitucional da legitimação, com fulcro no art. 5º
da Lei 7.347/85 ou no art. 82 da Lei 8.078/90, estaria apta para excluir os indivíduos
ameaçados ou lesados do direito de ação? A resposta parece ser negativa, diante do
comando constitucional, inscrito principalmente nos princípios da inafastabilidade
da prestação jurisdicional e do devido processo legal.575
178
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
Mas Kazuo Watanabe, um pouco adiante, ao analisar ações que visavam (a) “à
adequação das mensalidades cobradas por escola particular às normas de reajuste
fixadas pelo Conselho Estadual de Educação” (STF, RE nº 163.231-3/SP), (b) a atacar
“cobrança indevida de taxa de iluminação pública” (STJ, REsp nº 49.272-6/RS) e (c) a
obter a decretação da “invalidade de reajustes das mensalidades exigidas de filiados
a planos de assistência médica e hospitalar” (TJ-SP, AC nº 205.533-1/10), sustentou
que se trata, em todos os casos, de interesses coletivos, porque, em resumo, pelo
objeto litigioso (causa de pedir e pedido) deduzido, o que se tem é o pedido de
tutela de um bem indivisível de todo o grupo, ou da coletividade,579 conquanto
esta mencionada indivisibilidade, a rigor, seja questionável, como defendemos em
ensaio anterior, na medida em que “o objeto do interesse [é], em essência, divisível,
porque de mensalidades e cobranças individuais se trata, cada uma decorrente
de uma relação jurídica autônoma e independente, havida entre cada qual dos
interessados e o ente supostamente violador, sendo perfeitamente possível, do
ponto de vista prático, imaginar a satisfação de alguns interessados e o insucesso
de outros, com a efetivação de reajustes para alguns e não para outros”.580
Seja como for, de lege lata, a caracterização dos interesses ou direitos como
difusos, coletivos ou individuais homogêneos está adstrita às definições dos
incisos do parágrafo único do artigo 81 do CDC, que estabelecem regimes jurídicos
diferenciados,581 e, por conseguinte, a transindividualidade e a natureza indivisível
são imprescindíveis para o reconhecimento dos interesses difusos ou coletivos
stricto sensu.582
O próprio incidente de conversão da ação individual em ação coletiva, que
era objeto do artigo 333 do CPC de 2015 e foi vetado pela Presidente da República,
distinguia a “tutela de bem jurídico difuso ou coletivo, assim entendidos aqueles
al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9. ed. rev. atual.
e ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 799-800 – grifado no original.
579
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 831-832.
580
Sobre a distinção entre interesses coletivos e interesses individuais homogêneos. In: FUX, Luiz; NERY
JR., Nelson; ALVIM, Teresa Arruda. (Coord.). Processos e Constituição: estudos em homenagem ao Pro-
fessor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 78-85, espec. p. 82.
581
Sobre a imperatividade e o caráter vinculativo dos elementos das definições do parágrafo único do art.
81, veja-se nossos comentários ao mencionado dispositivo (Comentários ao Código de Defesa do Consu-
midor: direito processual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 48.
582
Ada Pellegrini Grinover chega a afirmar: “Aliás, temos sustentado, em nossas aulas de pós-graduação,
que a conceituação de interesses difusos e coletivos do art. 81, I, II e III, do CDC é uma conceituação de
direito material, pois, antes mesmo que surja o processo, e independentemente dele, pode nascer o con-
flito sociológico. E a norma de direito material define quais são os direitos tutelados” (GRINOVER, Ada
Pellegrini. O controle jurisdicional de políticas públicas. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE,
Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p.
125-150, p. 146-147.
179
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
definidos pelo art. 81, parágrafo único, incisos I e II, da Lei nº 8.078, de 11 de
setembro de 1990”, para sua admissão (art. 333, I), da “tutela de direitos individuais
homogêneos”, quando o incidente não seria cabível (art. 333, § 2º).
Exatamente por isso, ao nosso ver, não se pode considerar direitos sociais
com prestações divisíveis como direitos difusos ou coletivos em sentido estrito.583
Assim, ou o interesse é transindividual e seu objeto indivisível e a tutela coletiva se
impõe ex vi dos incisos I ou II do parágrafo único do art. 81 do Código de Defesa do
Consumidor; ou se configura o interesse numa prestação naturalmente individual e
divisível, mas, por se tratar de direito fundamental social, em respeito à Constituição,
“deverá o magistrado adaptar o provimento jurisdicional para que o direito seja
estendido a toda a coletividade”.584
É nesse último caso específico que nos parece oportuno mencionar ações
individuais de efeitos coletivos ou, para evitar a reutilização da designação de Ada
Pellegrini Grinover, ações particulares de efeitos sociais coletivos. Já nas hipóteses em
que o objeto do interesse é indivisível, como, p. ex., ações de vizinhança visando ao
sossego (cessação ou limitação do barulho), a ação individual tem naturalmente
alcance coletivo.
A busca pela extensão, generalização ou universalização da tutela
jurisdicional nas ações individuais relativas a direitos fundamentais sociais,
entretanto, em nossa concepção, decorre da própria preeminência normativa
da Constituição, ou seja, do efetivo respeito à Carta Magna e da consequente
preocupação com a prestação jurisdicional que assegure verdadeira proteção
aos direitos fundamentais, dentro dos limites fática e juridicamente possíveis,
impedindo decisões judiciais que estabeleçam privilégios,585 quebrem a isonomia586
583
Assim, p. ex., Osvaldo Canela Junior defende que “a positivação dos direitos fundamentais sociais nas
Constituições, a partir de 1919, deu origem a interesses e a direitos difusos, porque de titularidade dos
componentes de toda a sociedade, não sendo possível a sua determinação” (Controle judicial de políticas
públicas. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 128), mas a “natureza indivisível” do interesse não advém somente
da indeterminabilidade dos titulares.
584
CANELA JUNIOR, Osvaldo. Controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 146
– grifo nosso. Note-se que se de interesse difuso se tratasse haveria a satisfação conjunta dos interessados,
e não a extensão da satisfação.
585
Menciona-se “privilégio” em sentido despido que qualquer conotação pejorativa, mas na acepção verná-
cula de “Vantagem que se concede a alguém com exclusão de outrem e contra o direito comum” (Aurélio).
586
“Não é lógico que uma atuação administrativa originariamente destinada à coletividade, uma vez ju-
dicializada, seja oponível tão somente aos demandantes ou aos que se dispuserem a demandar. Além de
fragmentar ou mesmo desestruturar o sistema de saúde, esse mecanismo também evidencia um modelo
excludente das minorias, daqueles que não têm acesso à justiça, rompendo com a ideia de um sistema de
saúde universal e igualitário” (PERLINGEIRO, Ricardo. A tutela judicial do direito público à saúde no
Brasil. Direito, Estado e Sociedade, Rio de Janeiro, n. 41 p. 184-203, jul./dez. 2012. espec. p. 196. Disponí-
vel em: <http://direitoestadosociedade.jur.puc-rio.br/media/9artigo41.pdf>. Acesso em: 20 set. 2018). Mas
o ilustre autor ressalva, logo adiante: “Entretanto, realmente não há como subtrair do cidadão o direito de
invocar do Estado a prestação jurisdicional para satisfazer um direito subjetivo público [...]” (Ibid. p. 197).
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de Processo Civil em vigor não repetiu a regra do art. 293, principio, do revogado
CPC de 1973, no sentido de que “[o]s pedidos são interpretados restritivamente”.
O novo Código, ao contrário, dispõe que: “A interpretação do pedido considerará o
conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé” (art. 322, § 2º).
Ainda que a distinção não seja assim tão grande, uma vez que o preceito
anterior não significava que o juiz pudesse “restringir o que o autor pediu”, mas
apenas afastava de consideração “o que não foi pedido”,602 nem o dispositivo vigente
permite “que o juiz considere incluído no pedido o que lhe aprouver”,603 certo é que
agora o CPC deixou estreme de dúvida o dever de o juiz interpretar o conjunto da
postulação e observar o princípio da boa-fé, incidindo o artigo 112 do Código Civil604
(“Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada
do que ao sentido literal da linguagem.”), porquanto a petição inicial, ato da parte e
postulatório, constitui declaração de vontade.605
Mesmo à luz do Código anterior, todavia, a correta interpretação “do pedido”
(rectius: da demanda), em boa técnica, deveria observar essas orientações, como
consagrou o Superior Tribunal de Justiça.606
Mas a interpretação da petição inicial não é livre. O próprio § 2º do art. 322 é
expresso ao mencionar que será considerado “o conjunto da postulação” e observado
“o princípio da boa-fé”. A interpretação considerada pelo juiz não pode surpreender
602
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: procedimento comum:
ordinário e sumário. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 2, t. I, p. 97 – grifado no original.
603
GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,
2015. v. II, p. 14.
604
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p. 191. No
mesmo sentido, o enunciado 285 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): “(art. 322, § 2º)
A interpretação do pedido e dos atos postulatórios em geral deve levar em consideração a vontade da parte,
aplicando-se o art. 112 do Código Civil.”
605
Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria geral do processo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 372; GUIMARÃES, Luiz Machado. Ato
processual. In: Estudos de direito processual civil. Rio de Janeiro: Jurídica e Universitária, 1969. p. 76-92,
espec. p. 88. Na jurisprudência: STJ, 1ª Turma, REsp. 1.107.219/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 23/09/2010.
606
Veja-se, por ex.: “Quanto à questão processual trazida neste Agravo Regimental, não procede a alegada
ofensa aos arts. 128, 293 e 460 do CPC. Na forma da jurisprudência, “A interpretação do pedido deve se
guiar por duas balizas: de um lado, a contextualização do pedido, integrando-o ao inteiro teor da petição
inicial, de modo a extrair a pretensão integral da parte; e, de outro lado, a adstrição do pedido, atendendo-
-se ao que foi efetivamente pleiteado, sem ilações ou conjecturas que ampliem o seu objeto” (STJ, REsp
1.155.274/PE, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe de 15/05/2012) e “A interpretação lógico-sistemática
do pedido impõe o conhecimento pelo julgador do pedido deduzido de forma lógica a partir da causa de
pedir declinada. Entretanto, não se admite interpretação ampliativa para alcançar pedidos não formulados
tampouco deduzidos dos fatos declinados” (STJ, REsp 1.331.115/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe
de 22/04/2014). (2ª Turma, AgRg nos EDcl no REsp 1.221.399/PR, Rel. Min. Assusete Magalhães, unân.,
DJe 23/10/2014). Nem sempre, porém, o STJ segue a adstrição ao que foi efetivamente pedido, como se
vê, v. g., do REsp 68.668/SP e do AgRg no AG 1.532.744/RS, julgados criticados por ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. v. I, p. 749.
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619
Dentre outros: Floriano de Azevedo Marques Neto, Carlos Ari Sundfeld, Adilson de Abreu Dallari,
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Odete Medauar, Marçal Justen Filho, Roque Carrazza, Gustavo Binenbojm,
Fernando Menezes de Almeida, Alexandre Santos de Aragão, Jacintho Arruda Câmara, Egon Bockmann
Moreira, José Vicente Santos de Mendonça, Marcos Augusto Perez, Flavia Piovesan, André Janjácomo
Rosilho, Eduardo Ferreira Jordão.
620
Resposta aos Comentários tecidos pela Consultoria Jurídica do TCU ao PL n° 7.448/2017, p. 4. Dispo-
nível em: <https://www.conjur.com.br/dl/parecer-juristas-rebatem-criticas.pdf>. Acesso em: 27 out. 2018.
621
Resposta..., loc. cit.
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de São Paulo, pleiteando vagas para crianças em creches, salienta que o equívoco
do “tratamento não estrutural do litígio é que ele acarreta apenas uma ilusão de
solução, mas não produz resultados sociais significativos, eis que as causas do
problema permanecem”.622 Pior, como conclui o autor: “Fica claro que as milhares de
ações individuais estão servindo apenas para substituir as crianças que ingressariam
nas creches pelo critério administrativo regular, por outras, que não obedecem a
critério algum”.623
Gustavo Amaral, em seu excelente livro, ao cuidar da “escassez e saúde”,
com relação a “pretensões fundadas em direitos fundamentais cuja satisfação
demanda a disponibilização de meios materiais”, e depois de examinar longamente
o problema das restrições materiais e financeiras, assim como a necessidade de
escolhas trágicas, conclui:
Diante de um quadro como esse, a tendência natural é fugir do problema, negá-
lo. Esse processo é bastante fácil nos meios judiciais. Basta observar apenas o caso
concreto posto nos autos. Tomada individualmente, não há situação para a qual não
haja recursos.624
Em seguida, arremata:
Ante a escassez, torna-se imperiosa a adoção de mecanismos alocativos. A alocação,
notadamente no que tange à saúde, tem natureza ética dupla: é a escolha de quem
salvar, mas também a escolha de quem danar. Há uma natural tentação a ‘decidir não
decidir, a não tornar clara a adoção de qualquer forma de alocação, tal como se a
escolha não existisse.625
E asseveram:
622
VITORELLI, Edilson. Levando os conceitos a sério: processo estrutural, processo coletivo, processo
estratégico e suas diferenças. Revista de Processo, São Paulo, n. 284, p. 334-369, out. 2018. espec. p. 349.
623
Ibidem, p. 350.
624
AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos
e as decisões trágicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 80.
625
AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos
e as decisões trágicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 100.
626
Litigância de interesse público e execução comparticipada de políticas públicas. Revista de Processo,
São Paulo, n. 224, p. 121-153, out. 2013. espec. p. 140.
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É certo que não se olvida que todos temos direito à saúde. No entanto, mais do que
nunca, há que se construir entre nós, com clareza, uma doutrina que estabeleça uma
diferença entre ser detentor de um direito e as obrigações que dele advêm, pois,
como mostra Canotilho, quando se trata de direitos prestacionais, da afirmação de
um direito não decorre necessária e diretamente um dever do Estado. Quando se trata
de direitos econômicos, sociais e culturais há que se atentar para a particularidade de
sua constituição a fim de se evitar o que Canotilho percebe como uma confusão entre
“direitos sociais e políticos” e “políticas públicas de direitos sociais”. Quando o Judiciário
tente tornar “reais” os direitos sociais promovendo políticas públicas, mergulha em
“nebulosas normativas”, já que, como dito, estes direitos, diferentemente dos direitos
individuais, nem sempre implicam uma prestação correlata pelo Estado.627-628
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Essa noção, em essência, deve ser observada em qualquer ação que vise a
obter prestação social não contemplada nas políticas públicas estabelecidas ou
que abranja políticas públicas, ainda que deva sofrer, em tese, certas atenuações
em processos ditos individuais. É que as características admitidas para os processos
estruturais, a nosso ver, inclusive a dimensão prospectiva, devem ser normalmente
estendidas às ações envolvendo políticas públicas.
Sergio Arenhart, após se referir à insuficiência da estrutura do processo civil
tradicional (bipolar), especialmente na dimensão do direito público ou em certas
situações complexas reguladas pelo direito privado, alude a “uma demanda em que
certa pessoa pretende uma cirurgia de emergência junto ao sistema público de
saúde”, e ensina:
Ao contrário do que se pode imaginar, este (aparentemente) inocente litígio não é
apenas entre o seu direito à saúde (ou à vida) e o interesse à tutela do patrimônio
público do Estado. Ele embute em seu seio graves questões de política pública, de
alocação de recursos públicos e, ultima ratio, de determinação do próprio interesse
público. Com efeito, o juiz, ao decidir essa demanda, poderia estar, por exemplo,
desalojando da prioridade de cirurgia do Poder Público outro paciente quiçá em
estado ainda mais grave do que o autor. Poderá também estar retirando recursos –
dinheiro, pessoal, tempo etc. – de outra finalidade pública essencial. E sem dúvida,
estará, sempre, interferindo na gestão da política de saúde local, talvez sem sequer
saber a dimensão de sua decisão.646
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Art. 28. Na hipótese de ações que objetivem a tutela de direitos subjetivos individuais
cuja solução possa interferir nas políticas públicas de determinado setor, o juiz
somente poderá conceder a tutela na hipótese de se tratar do mínimo existencial ou
bem da vida assegurado em norma constitucional de forma completa e acabada, nos
termos do disposto no parágrafo 1° do art. 7°, e se houver razoabilidade do pedido e
irrazoabilidade da conduta da Administração.
[...]
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Por fim, em razão da intrínseca natureza rebus sic stantibus da coisa julgada em
ações que envolvem o controle judicial de políticas públicas, reza o art. 20 do Projeto:
“O juiz, de ofício ou a requerimento das partes, poderá alterar a decisão na fase de
execução, ajustando-a às peculiaridades do caso concreto, inclusive na hipótese
de o ente público promover políticas públicas que se afigurem mais adequadas do
que as determinadas na decisão, ou se esta se revelar inadequada ou ineficaz para o
atendimento do direito que constitui o núcleo da política pública deficiente.”
O douto Projeto é, sem dúvida, alvissareiro, mas cria um certo paradoxo, ao
estabelecer sistema dispendioso, inclusive com a organização e manutenção, em
cada circunscrição judiciária, de comissão de especialistas destinada a assessorar
o magistrado nos diversos setores de políticas públicas, fornecendo dados e
informações que o auxiliem em sua decisão (art. 28, parág. único), como se admitisse
a perpetuação da função de coadministrador do Poder Judiciário, e renegando
a constantemente declarada excepcionalidade de sua intervenção em políticas
públicas. Nosso maior problema continua sendo a escassez de recursos, e projeta-
se gastar ainda mais com a instrumentalização da função, em essência, de controle...
689
Antes havia o art. 7º da Lei nº 7.347/85: “Art. 7º Se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais
tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão peças ao Minis-
tério Público para as providências cabíveis.”
690
O Ministério Público é parte no processo, seja parte parcial ou custos legis. “Ser fiscal da ordem jurídica
não significa não ser parte [...]. A qualidade de parte [...] consiste em ser titular das posições jurídicas ativas
e passivas inerentes à relação processual e com isso poder participar ativamente do contraditório instituído
perante o juiz (Liebman)” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 7. ed.
rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2017. v. II. p. 496 e 497, item 721 – grifado no original).
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individuais indisponíveis” (art. 127), por sua vez, também vem se aventurando em
propor ações estritamente individuais, ou seja, em benefício de apenas uma pessoa.
O Superior Tribunal de Justiça tem legitimado essa atuação: “Legitimidade ativa do
Ministério Público para propor ação civil pública em defesa de direito indisponível,
como é o direito à saúde, em benefício de pessoa pobre”.697
A orientação, com a devida vênia, não entusiasma. Como assevera Eduardo
Talamini: “Obviamente, a ação coletiva não se destina à tutela do direito de um único
indivíduo”.698 Em termos gerais, ao analisar “a configuração do interesse-adequação”
para as ações coletivas, Cândido Dinamarco afirma que só se admite “as ações
públicas quando se tratar de direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais
homogêneos (CDC, art. 81, par., incs. I-III)”, e conclui:
O processo de uma ação civil pública proposta sem esse requisito é fadado à extinção
sem julgamento do mérito, sendo o autor carecedor de ação por falta de interesse
de agir (interesse-adequação) – como é o caso de ações civis públicas movidas pelo
Ministério Público ou algum outro legitimado em benefício de um reduzidíssimo
número de possíveis beneficiados.699
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712
Cf. TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. 3. ed. rev. ampl. e atual. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 73 e 75 – grifado no original.
713
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Incidente de resolução de demandas repetitivas: sistematiza-
ção, análise e interpretação do novo instituto processual. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 112.
714
Talamini, Eduardo. Incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR): pressupostos. Disponível
em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI236580,31047-Incidente+de+resolucao+de+demandas+r
epetitivas+IRDR+pressupostos>. Acesso em: 31 out. 2018.
715
Para uma crítica certeira ao predomínio das Técnicas Individuais de Repercussão Coletiva (TIRC) sobre
as Técnicas Coletivas de Repercussão Individual (TCRI), veja-se RODRIGUES, Marcelo Abelha. Técnicas
individuais de repercussão coletiva x técnicas coletivas de repercussão individual. Por que estão extin-
guindo a ação civil pública para a defesa de direitos individuais homogêneos? In: ZANETI JR., Hermes
(Coord.). Processo coletivo. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 623-640, passim.
216
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civil, no mesmo dispositivo que menciona o direito de ação (art. 3º), estabelece que
“[o] Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”
(§ 2º), assim como determina que juízes, advogados,726 defensores públicos e
membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial, deverão
estimular a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de
conflitos (§ 3º), além de dedicar uma Seção (V), no Capítulo (III) dos Auxiliares da
Justiça, aos Conciliadores e Mediadores Judiciais (arts. 165 a 175), e de instituir
Audiência de Conciliação ou de Mediação (art. 334) antes mesmo da oportunidade
para oferecimento de contestação, apenas para aludir ao básico. Bem assim, a Lei
nº 13.140/2015, conhecida como Lei da Mediação, desenvolvendo o tema do art.
174 do CPC, que se refere, inclusive, a “termo de ajustamento de conduta” (inc. III),
cuidou da autocomposição de conflitos em que seja parte pessoa jurídica de direito
público (arts. 32 a 34).
No atual contexto, portanto, a mediação assume grande destaque também
em relação a ações coletivas, como salienta uma monografista:
Dada a maior complexidade que envolve os conflitos coletivos, quais sejam, aqueles
trazidos a juízo em ações populares, ações civis públicas ou outras ações coletivas,
seja pelo fato de que atingem uma pluralidade de titulares de direitos no polo ativo e,
normalmente, no polo passivo, podem envolver mais de um órgão público que tenha
competência na proteção destes direitos (algumas vezes de mais de uma esfera
da Federação), seja pelo fato de que muitos destes conflitos são multifacetados,
envolvendo direitos fundamentais que estão em conflito com outros direitos também
de natureza fundamental, coloca-se como absolutamente desafiadora para o Poder
Judiciário a perspectiva de realizar a sua adequada ponderação obtendo uma solução
que seja ao mesmo tempo viável e juridicamente aceitável. Em razão de seu potencial
para gerar um diálogo que propicie o esclarecimento de interesses convergentes e
divergentes, bem assim para permitir a exploração de soluções que atendam a todos
os interesses legítimos, a mediação se afigura, assim, como o instrumento apropriado
para a busca de uma solução que, além de preencher os requisitos jurídicos cabíveis,
seja efetivamente construída e aceita por todos os envolvidos, gerando assim seu
comprometimento com a implementação.727
726
Os advogados públicos, por óbvio, se inserem na categoria (v. RODRIGUES, Marco Antonio. A fazenda
pública no processo civil. São Paulo: Atlas, 2016. p. 376).
727
SOUZA, Luciane Moessa de. Mediação de conflitos coletivos: a aplicação dos meios consensuais à
solução de controvérsias que envolvem políticas públicas de concretização de direitos fundamentais. Belo
Horizonte: Fórum, 2012. p. 99. É interessante que, para a autora, “em processos nos quais se discutem
problemas relacionados ao conteúdo e execução de políticas públicas, parece fundamental incluir na media-
ção: a) o Ministério Público; b) a Defensoria Pública; c) todos os entes, na esfera do Poder Executivo, que
detenham competência para atuar na matéria, incluindo-se notadamente agentes públicos com competência
técnica na matéria; d) representantes do Poder Legislativo, tendo em vista possíveis repercussões orçamen-
tárias; e) entidades representativas de setores afetados pelas políticas públicas; f) representantes de titulares
de direitos individuais homogêneos envolvidos no conflito; g) entes privados que tenham responsabilidades
relacionadas ao conflito; h) instituições acadêmicas e de pesquisa que detenham notórios conhecimentos
sobre a matéria (p. 123)”. Vale dizer: uma amostra representativa da sociedade.
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8.9 Julgamento
Nos capítulos anteriores já vínhamos desenvolvendo temas que, de alguma
forma, permitem vislumbrar algumas de nossas ideias sobre a postura que, no
julgamento do caso, em nossa opinião, deve assumir o juiz, mas agora cabe
especificar e concretizar. Em relação a ações coletivas, é relativamente tranquila a
percepção teórica de que devem ser analisadas, em suma, as questões referentes à
escassez de recursos e à universalização do pedido. O problema maior concentra-se
nas ações individuais, quando a desconsideração do todo, de par com a interpretação
in abstrato da Constituição, não raro ensejam injustiças e desequilíbrio social.
Relembrem-se alguns exemplos: são comuns (na verdade, assustadoramente
comuns) ações pedindo pronta internação hospitalar ou que o paciente seja
imediatamente submetido à cirurgia. As petições iniciais mencionam a carência de
vaga e, muitas vezes, a existência de lista de espera, mas não indicam nenhuma
irregularidade na lista em si, nos critérios adotados, no eventual desrespeito à
impessoalidade ou coisas que tal. Apenas que o autor tem direito à saúde, que deve
ser honrada a dignidade humana etc. Os demais seres humanos que aguardam na
fila, às vezes há longo tempo e, talvez, em piores condições, não teriam o mesmíssimo
ou ainda mais direito? Mas liminares são concedidas e pedidos julgados procedentes
apesar dos demais. Alija-se o critério técnico-administrativo pela aposta lotérica de
que quem pedir e obtiver primeiro... (não se pode nem afirmar isso) “ganha”, porque
por vezes todos perdem, como na hipótese de paciente terminal, para quem a
internação é infrutífera, em detrimento de outro paciente que poderia se recuperar.
O risco é seríssimo quando se trata, por exemplo, de fila para transplante.729
728
Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 241.
729
Antes, o critério de destinação dos tecidos, órgãos e partes era, em princípio, a “estrita observância à
ordem de receptores inscritos, com compatibilidade para recebê-los”, salvo “se deles necessitar quem se
encontre em iminência de óbito, segundo avaliação da CNCDO, observados os critérios estabelecidos pelo
órgão central do SNT” (art. 24, §§ 4º e 5º, do Decreto nº 2.268/97), e liminares eram concedidas invocando
221
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222
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município, crianças que aguardavam a vez para matrícula são preteridas, as próprias
creches aconselham que todos os interessados procurem o Judiciário.734
223
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
de atendimento, ainda que limitado (por exemplo, urgências). Não significa o direito
de um indivíduo contra todos da sociedade obter um medicamento que poderá
provocar o fechamento do ponto de saúde”.738
Não pode o juiz deixar de considerar as demais pessoas que estão na mesma
situação, nem os critérios objetivos e impessoais estabelecidos administrativa
e tecnicamente, para beneficiar o autor, sem apontar ilegitimidade nos critérios
administrativos, com fundamentação retórica sobre direito fundamental, ponderação
de princípios, dignidade humana, o que nem sequer pode ser considerado motivação
(art. 489, § 1º, II e III, do CPC), seja porque está realmente em jogo o direito à vida e à
saúde de uns versus o direito à vida e à saúde de outros,739 seja porque a concessão
individual não objetiva e rigorosamente justificada viola o sentido da impessoalidade
que delimita a atuação da própria Administração Pública (art. 37 da CF).
Para rechaçar a alocação administrativa e impor legitimamente a sua, o
Poder Judiciário precisa fundamentar concretamente o porquê da inadequação da
proposta da Administração e a razão objetiva por que a sua satisfaz ao direito. A
excepcional intervenção do Poder Judiciário, como acreditamos, apenas tem lugar
diante de ação ou omissão injustificável dos demais Poderes.
Os direitos fundamentais sociais são mencionados em normas
principiológicas, cuja concretização, além da intrínseca gradualidade, admite
diversos meios e várias opções políticas. Cuida-se, segundo sábia lição, “de
escolher entre diferentes condutas possíveis a partir de distintas posições políticas,
ideológicas e valorativas”.740 Não há, consequentemente, melhor opção e o Judiciário,
por óbvio, não poderia exigi-la, ao contrário do que às vezes se supõe.741 Num
contexto de simplificação, mais correto seria dizer que “a inconstitucionalidade da
política pública adotada deve ser aberrante, a fim de que seja, então, afastada, sob
risco de ingerência de poderes”.742
738
Qual a maneira mais eficiente de prover direitos fundamentais: uma perspectiva de direito e economia.
In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais: orçamento e “reserva
do possível”. 2. ed., rev. e ampl. 2. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 51-62, espec. p. 61.
739
Da falta de efetividade à judicialização excessiva: Direito à saúde, fornecimento gratuito de me-
dicamentos e parâmetros para a atuação judicial, p. 4. <Disponível em: http://www.conjur.com.br/dl/
estudobarroso.pdf>. Acesso em: 5 out. 2018.
740
Barcellos, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005. p. 174. Continua a douta professora: “Se há um caminho que liga o efeito às condutas no
caso das regras, há uma variedade de caminhos que podem ligar o efeito do princípio a diferentes condutas,
sendo que o critério que vai definir qual dos caminhos escolher não é exclusivamente jurídico ou lógico.”
741
Veja-se, p. ex. “O que se busca é que a escolha do agente estatal no exercício de sua competência seja
válida e legítima, sendo a melhor escolha possível (e não ‘a’ única escolha possível) dentre as várias opções
legítimas que lhe são disponibilizadas” (DANIEL, Juliana Maia. Discricionariedade administrativa em
matéria de políticas públicas. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle
jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 93-124, espec. p. 122). Na
verdade, a nosso ver, como há várias opções legítimas, o agente estatal pode escolher qualquer uma delas.
742
ONODERA, Marcus Vinícius Kiyoshi. O controle judicial das políticas públicas por meio do mandado
224
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752
THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco. Litigância de
interesse público e execução comparticipada de políticas públicas. Revista de Processo, São Paulo, n. 224,
p. 121-153, out. 2013. espec. p. 140.
753
SABINO, Marco Antonio da Costa. Quando o Judiciário ultrapassa seus limites constitucionais e insti-
tucionais. O caso da saúde. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle
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229
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
230
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
760
O mínimo existencial, os direitos sociais e os desafios de natureza orçamentária. In: SARLET, Ingo
Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.) Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed.
rev. e ampl. 2. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 63-78, espec. p. 75-76.
761
Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetória e metodologia. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
p. 331.
231
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
[...]
[...] forçando o Judiciário a ser o que não pode ser, e isso com prejuízo para a Nação e
grave risco para o próprio Poder Judiciário, ameaçado de desacreditar-se ou tornar-se
um fator de ingovernabilidade. Impotentes para efetivar decisões políticas eficazes,
pretendemos superar nossos problemas transmudando-os em pleitos judiciais,
numa inversão que só contribui para deixar os problemas insolúveis e agravados.762
232
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
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237
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238
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
dispositivo [§ 3º do art. 55] certamente terá [...] intensa aplicação aos casos que têm
como ponto de partida uma mesma lesão ou ameaça a direito envolvendo diversos
interessados e que, não obstante, precisam ser homogeneamente resolvidos”.795
Nessa perspectiva, rompendo com noção algo difundida no sistema
anterior, abre-se a oportunidade da reunião de um número maior de processos
para decisão conjunta, em proteção à isonomia, ainda que haja algum, mas
justificável, comprometimento da rapidez na solução do processo. No caso de ações
pleiteando direitos sociais, ou, mais especificamente, um mesmo bem ou serviço,
além da ingente conveniência de resguardar a igualdade, a própria concentração
de processos é benfazeja, porquanto vai ensejar, desde logo e concretamente, a
apreciação irrestrita de vários pedidos, em dimensão recomendavelmente mais
próxima da macrojustiça, com a qual não pode deixar o magistrado de se preocupar.
Ademais, eventual queda na rapidez do processamento dos feitos reunidos
pode ser combatida eficazmente com algumas medidas, como, até mesmo, se for
necessário, a compensação na distribuição de processos, a suspensão da distribuição
de processos diversos, por ato do Corregedor, ou a designação de juiz em auxílio.
Na opinião de Fredie Didier Jr., em casos de competência absoluta ou
diversidade de procedimentos, por exemplo, “[s]e não for possível a reunião, a
conexão pode gerar a suspensão de um dos processos”,796 o que também seria útil
para o presente estudo. Com a devida vênia, contudo, acreditamos que a suspensão
exigiria, exatamente em razão do invocado art. 313, V, “a”, do CPC, a prejudicialidade.797
Além da reunião de processos para simultâneo julgamento, poder-se-
ia pensar na cooperação nacional, especialmente consoante o art. 69 do CPC,
conquanto seja prudente lembrar que a cooperação jurisdicional e as suas
ferramentas desempenham “um papel essencial, porém acessório, na evolução da
marcha processual”.798
De qualquer forma, seria possível imaginar, verbi gratia, a produção
em conjunto de determinada prova, em amplo contraditório (art. 69, IV, § 2º,
II); a designação de audiência especial única, abrangente de todos os feitos,
com participação do Ministério Público e, talvez, da Defensoria Pública, para
esclarecimentos ou para buscar futura autocomposição (arts. 3º, § 3º, 139, V, c/c.
795
Manual de direito processual civil. 4. ed. ampl. Atual. e rev. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 149.
796
Curso de direito processual civil. 17. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 1. p. 231-232.
797
Assim, com razão, RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito processual civil. 6. ed. rev., atual.
e ampl., 2016. p. 185.
798
SCHENK, Leonardo Faria. In: ALVIM, Teresa Arruda et al. (Coord.). Breves comentários ao novo
Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 245-246
239
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
69, II);799 e prestação de informações recíprocas (art. 69, III). Tudo sem prejuízo,
evidentemente, da utilização de qualquer prova produzida em outro processo
símile, nos termos do art. 372 do Código de Processo Civil.
A concentração do julgamento das causas que visem ao mesmo bem social,
quando envolvida a correção ou incrementação da política pública a fim de realizar
norma programática constitucional, ou, ao menos, a prática conjunta de atos
relevantes para a convicção judicial, propiciando pronunciamentos homogêneos,
constituem os primeiros passos para a consecução de decisões jurisdicionais de
índole efetivamente social, porque tendem à universalização.
Mas isso, a rigor, ainda não basta para a satisfação integral do plano proposto
pela Constituição da República, nem para que o Judiciário deixe de funcionar como
um “Robin Wood às avessas”.800 Com efeito, clama a communis opinio doctorum pela
atenção com a universalização da medida decorrente da ação individual, parte da
doutrina coíbe a tutela individual dos direitos sociais, em prol da isonomia efetiva,801 a
maioria defende a prevalência das ações coletivas, inclusive, como ressaltou um douto,
para acabar “com um universo, que é típico brasileiro, de que, como não tem direito
para todo mundo, alguns têm um privilégio – o que é extremamente negativo”.802
Assim, quando assevera a doutrina:
Desta forma, não obstante a ação escolhida tenha cunho individual, deverá o
magistrado adaptar o provimento jurisdicional para que o direito seja estendido a
toda a coletividade. Se a parte postula a concessão de determinado bem da vida,
fundamentando-o no art. 6º da Constituição Federal, caso o magistrado constate
violação da igualdade substancial, o provimento deverá ter alcance coletivo, não
importando a modalidade de ação manejada –,803
240
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
que impõe a Constituição. Ora, se o bem (latissimo sensu) não está compreendido
nas políticas públicas estabelecidas, ainda que sob a veste da concessão individual,
o que se pretende, em substância, é a extensão (ou criação) de serviço público, cuja
disponibilização é intrinsecamente genérica e impessoal.804
Dessa forma, deixado isso claro pelo juiz, desenvolvida a defesa e o
contraditório nessa dimensão, produzida a prova necessária, com ampla cognição
judicial, não haveria, a nosso ver, óbice intransponível à determinação do
implemento geral da prestação pública, até mesmo porque, como já destacado
várias vezes, não poderia o Poder Judiciário conceder benefício exclusivo, inviável
de ser universalizado o quanto antes. Nesse contexto, pode-se pensar na concessão
imediata ao autor da ação, mas com oportuna generalização, conforme plano
apresentado em juízo.
Aliás, a existência de recursos (materiais e financeiros), as questões
orçamentárias e a viabilidade de universalização, devem ser examinadas
previamente pelo magistrado, a par da observância do art. 498, § 1º, do CPC e do
art. 20 da LINDB, ao proferir sentença.
Ser coprotagonista de políticas públicas,805 alocar (e, consequentemente,
realocar) recursos, sem a necessidade de submeter suas escolhas ao escrutínio
político, exige densa fundamentação para ser legítima.
804
Ainda que uti singuli, é a fruição do serviço que se faz individual, mas o acesso à sua prestação deve ser
geral. Mello, Celso Antônio Bandeira de, ao cuidar do substrato material do serviço público, refere-se
a: “c) destinar-se à satisfação da coletividade em geral [...]. Deveras, se não fora para prover, indistinta-
mente, a satisfação de interesses da generalidade social, faltaria ao serviço a característica de ser destinado
ao público como um todo”. Para depois conceituar: “Serviço público é a atividade consistente na oferta de
utilidade ou comodidade material fruível singularmente pelos administrados que o Estado assume como
pertinente a seus deveres em face da coletividade e cujo desempenho entende que deva se efetuar sob regi-
me jurídico de direito público [...]” (Serviço público: conceito e características. Actualidad de los servicios
públicos en Iberoamérica. Cienfuegos Salgado, David; Rodríguez Lozano, Luis Gerardo
(Coord.). México: Universidad Nacional Autónoma de México (UCAM), 2008. p. 39-53, espec. p. 43,
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libros/6/2544/5.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2018.
805
“Nesse papel de co-protagonista de políticas públicas...”, escreveram Ada Pellegrini Grinover, Kazuo
Watanabe e Paulo Lucon nas Considerações finais e proposta de substitutivo ao Projeto de Lei 8.058/2014.
Disponível em: <http://www.direitoprocessual.org.br/aid=37.html?shop_cat=33&shop_detail=111>.
Acesso em: 17 nov. 2018.
241
Conclusão
806
Conforme se vê no Portal de Notícias do CNJ, “ao menos 1.346.931 processos com o tema saúde tra-
mitaram no Judiciário em 2016”. Judicialização da saúde: iniciativas do CNJ são destacadas em seminário
no STJ, 22 maio 2018. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/86891-judicializacao-da-saude-
-iniciativas-do-cnj-sao-destacadas-em-seminario-no-stj>. Acesso em: 27 nov. 2018.
243
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais e as políticas públicas
medicamentos não incluídos na política pública”,807 raciocínio que pode (e deve) ser
estendido, em geral, ao controle jurisdicional de políticas públicas.
Cabe ao Poder Judiciário corrigir ilegalidades na implementação e execução
de políticas públicas, mas sua atuação se transformou em via de concessão e obtenção
de benefícios particulares que não poderiam ser concedidos pela Administração
Pública, como um superpoder capaz de derrotar regras constitucionais, sem que
isso contribua definitivamente para a consecução dos objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil (art. 3º da CF); pelo contrário: agravando o nosso
dramático desnível social.
O Ministério Público, por suas relevantíssimas atribuições constitucionais,
pode exercer papel fundamental no controle das políticas públicas, inclusive,
ou precipuamente, em atividade extrajudicial, buscando, por meio do inquérito
civil público, reunir elementos e estabelecer diálogo interinstitucional, com a
participação da sociedade, que permitam, quem sabe, a solução consensual do
litígio ou, quando menos, a robusta propositura da ação civil pública.
A Defensoria Pública, com função marcantemente social (v. artigo 134 da CF),
e legitimação para ajuizar ações coletivas, se vale da propositura de inúmeras ações
individuais para facilitar a chance de vitória estritamente individual.
É preciso abandonar o “universo, que é típico brasileiro, de que, como não
tem direito para todo mundo, alguns têm um privilégio – o que é extremamente
negativo”.808 Assim, relembre-se, deixando isso claro o juiz, facultada a defesa e o
contraditório na dimensão pertinente, produzida a prova necessária, com ampla
cognição judicial, não há óbice insuperável à determinação do implemento geral da
prestação pública pleiteada, mesmo em ações individuais.
807
Voto no julgamento, ainda não concluído, do RE 566.471 RG/RN, Tema 6: “Dever do Estado de for-
necer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para
comprá-lo.”
808
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