Estudos Literarios - Maria Laura Moneta Carignano
Estudos Literarios - Maria Laura Moneta Carignano
Estudos Literarios - Maria Laura Moneta Carignano
Araraquara, SP
2011
Araraquara, SP
2011
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Presidente e Orientadora: Prof. Dra. Sylvia Helena Telarolli de Almeida Leite (UNESP FCL-Ar)
___________________________________________________________________________
Membro Titular: Prof. Dr. Pablo Fernando Gasparini (USP)
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Membro Titular: Prof. Dra. Rejane Cristina Rocha (UFSCar)
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Membro Titular: Prof. Dra. Maria Lcia Outeiro Fernandes (UNESP FCL-Ar)
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Membro Titular: Prof. Dra. Juliana Santini (UNESP FCL-Ar)
Local: Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Cincias e Letras
UNESP Campus de Araraquara
RESUMO
Este trabalho prope-se abordar a obra de dois autores argentinos contemporneos, Copi e
Nstor Perlongher, a partir do arsenal terico do neobarroco enquanto esttica da psmodernidade. Para isso, partir-se- do autor a partir do qual emerge o conceito de neobarroco:
Severo Sarduy, tendo como alvo a anlise da obra dos autores argentinos que, a nosso ver,
reelaboram e vinculam-se a essa esttica. Tanto Omar Calabrese no seu livro A era
neobarroca quanto Irlemar Chiampi em Barroco e Modernidade insistem na relao entre
neobarroco e ps-modernidade enquanto movimentos questionadores das bases da
modernidade. Nossa proposta pensar estas categorias neobarroco e ps-modernidade na
obra dos autores argentinos j referidos. Da que a inteno da pesquisa no fazer uma
anlise exaustiva da obra de cada um dos autores e sim trabalhar a partir de problemticas
prprias da esttica neobarroca, na sua condio ps-moderna, que aparecem como
problemticas especficas na obra tanto de Copi quanto de Perlongher. Embora o corpus com
o qual trabalharemos seja a obra completa de cada um dos autores, privilegiar-se-, na anlise,
os textos que permitam dar conta das problemticas que apresentaremos como prprias de
uma literatura cuja periodizao corresponde ao advento de traos ps-modernos no mbito
do que chamamos ps-ditadura. Nosso objetivo ento estabelecer linhas de leitura na obra
de Copi e Perlongher que permitem falar de um corte, ou, nas palavras de Libertella, de uma
nueva escritura en Latinoamrica.
ABSTRACT
This thesis intends to approach the works of two contemporary Angentinean authors, Copi
and Nstor Perlongher, departing from the Neo-Baroque theorectical basis as aesthetics of the
Postmodernity. To do so, we will depart of the thinkings of the theoretician who invented the
Neo-Baroque concept: Severo Sarduy, having as main focus the analysis of the works of the
Argentinean authors who are related and reworked this aesthetics. Omar Calabrese, in his
book A era neobarroca, and Irlemar Chiampi, in Barroco e Modernidade, insist in the
relation between Neo-Baroque and Postmodernity as movements that put into question the
bases of Modernity. Our proposal aims to think these categories Neo-Baroque and
Postmodernity within the works of the Argentinean authors referred. The intention of this
research is not to do an exhaustive analysis of the works of each author, but to deal with
specific problematics of the Neo-Baroque aesthetics, in its Postmodern condition, that appear
as specificities in the works of Copi and Perlingher. Although the research corpus is the
complete works of each author, we will highlight, in the analysis, the texts that allow us to
cover the problematics that will be introduced as inherents of a literature whose
periodicization corresponds to the emergence os Postmodern aspects in the scope of what we
will call post-dictatorship. Our objective is to establish reading lines in the works of Copi
and Perlongher that may open up the possibility to talk about a break, or, in the words of
Libertella, of a nueva escritura en Latinoamrica.
SUMRIO
INTRODUO .......................................................................................................................... 9
1. NEOBARROCO: UMA ESTTICA PS-MODERNA? SINTOMAS, APROPRIAES
E DESVIOS NA OBRA DE COPI E NSTOR PERLONGHER ........................................... 40
1.1 Situando o neobarroco ..................................................................................................... 43
1.2 Primeiras aproximaes do ps-moderno: desmistificando preconceitos....................... 45
1.3 A ps-modernidade para os filsofos .............................................................................. 50
1.4 A autoironizao: pardia, pastiche e suplemento. Para um dilogo inconcluso com a
tradio .................................................................................................................................. 57
1.5 Alguns aportes da abordagem ps-moderna ................................................................... 59
2. LITERATURA E CULTURA DE MASSA NA PS-MODERNIDADE: RELAES,
APROPRIAES E SINTOMAS ........................................................................................... 63
2.1 Situando o problema: nem um, nem o outro ................................................................... 64
2.2 Breve percurso pelas teorias da cultura de massa ........................................................... 65
2.3 Adorno-Horkheimer: degradao e dominao .............................................................. 67
2.4 As possibilidades e aberturas do sistema: de Benjamim a Edgar Morin. ....................... 70
2.5 Arte e cultura de massa na ps-modernidade .................................................................. 73
2.6 Arte ornamental e hipertlica: apropriaes e desvios da cultura de massa ................... 80
3. RELEITURAS DA TRADIO: ESTTICA CAMP, PASTICHE E SUPLEMENTO.
CONTRACULTURA E MITOS NACIONAIS: A REFORMULAO CAMP DE EVA
PERN, DA GAUCHESCA E DO GROTESCO CRIOLLO.................................................... 83
3.1 O uso irnico do kitsch e a sensibilidade camp entram em cena................................. 83
3.2 Definies e aproximaes ao Kitsch e ao Camp ........................................................... 84
3.3 Vanguarda, camp e ps-vanguarda na literatura argentina ............................................. 98
3.4 Camp em Eva Pern e Cachafaz ................................................................................... 102
3.5 Camp em Perlongher: Evita vive e Por qu seremos tan perversas.............................. 109
3.6 Suplemento e pastiche em Perlongher e Copi ............................................................... 115
3.7 Perlongher e a leitura suplementar da gauchesca e do modernismo ............................. 118
3.8 Anlise de um poema .................................................................................................... 124
3.9 Copi e a leitura suplementar da tradio em Cachafaz e a Sombra de Wenceslao ....... 126
3.10 Suplemento e reciclagem camp ................................................................................... 128
3.11 Anlise das peas: pardia, suplemento e identidade nacional ................................... 132
3.12 La sombra de Wenceslao: gauchesca e criollismo ...................................................... 134
INTRODUO
Definio do problema
O problema geral da tese tentar desenvolver os aspectos da convergncia1 entre a
esttica neobarroca e a ps-modernidade no cenrio da literatura argentina da ps-ditadura2,
tendo como alvo a anlise da obra3 de Copi e de Perlongher na medida em que consideramos
e esta uma de nossas hipteses que ambos os autores representam as linhas mais
importantes do comeo duma literatura que produz um corte e inaugura uma nova potica.
Isto , a obra de ambos os autores ser analisada a fim de dar conta de traos estilsticos,
problemticas culturais e procedimentos textuais que, a meu ver, marcam a emergncia dentro
1
Embora argumentemos longamente sobre esta convergncia no segundo captulo, queremos aqui frisar que
baseamos nossa hiptese na linha em que Irlemar Chiampi trabalhou a mesma: Os dilemas e as contradies
que a introduo do barroco traz ao debate atual sobre as alternativas da cultura ocidental vo muito alm da
divergncia sobre a sua pertena ao moderno ou ao ps-moderno. Quando aludimos sndrome pretendemos
que a metfora se preste para indagar as causas mltipas que podem explicar a sintomatologia de um mal-estar
da cultura moderna com seu desempenho racional, que se manifesta da recusa das totalidades e totalizaes, at a
obsesso epistemolgica pelos fragmentos e fraturas com seu equivalente no terreno poltico, o compromisso
ideolgico com as minorias. A problemtica que invocamos no se limita a preocupao classificatria, de
subsumir o neobarroco nas estruturas de uma esttica in fieri , a do ps-modernismo, mas sim a de
verificar at que ponto seu trabalho de signos converge com o unmaking do ps-moderno (CHIAMPI,
1998, p.26)
2
Tomamos esta periodizao do trabalho de Christian Gundermann quem no seu excelente livro, intitulado
Actos melanclicos. Formas de resistncia en la posdictadura argentina, no qual estuda o perodo que vai da
ditadura posterior implementao de polticas neoliberais dos anos 80 e 90 e pensa este perodo no pela
diferena entre ditadura e democracia, mas como um processo continuo de imposio de um modelo econmico
baseado no mercado. Introduz tambm a idia que fazemos nossa de que a ditadura seria o comeo da psmodernidade na historia argentina inaugurando toda uma srie de transformaes que, impostas pelas polticas
de extermnio e desapario durante a ditadura, se continuam na democracia a travs das polticas scioeconmicas neoliberias, fundamentalmente, durante o governo de Menem: La dictadura, en otras palabras, se
entiende aqu como transicin de un modelo de economa y cultura nacional con nfasis en el bienestar social
() a la hegemona de un mercado dominado por los intereses multinacionales y una economa basada en la
especulacin burstil y la deuda externa que conllevan la desaparicin sistemtica tanto de la cultura crtica
como del trabajo en cuanto base de una existencia digna. A pesar de sus rasgos arcaicos (como por ejemplo el
recurso discursivo a uma moralidad cristiana) e idiosoncrticamente argentinos (pinsese em el Mundial de
ftbol de 1978 com sede em Argentina), el proceso necesita ser redefinido, pues como um fenmeno posmoderno
y global, en cuanto la posmodenidad se caracteriza econmicamente como tercera fase del capitalismo, o sea,
como uma fase dominada por um capital finaciero desanclado de la productividad real de la economia.
(GUNDERMANN, 2007, p.9).
3
A palavra obra resulta ambiciosa de mais para falar dos textos de ambos os autores, pela sua reminiscncia
e conotao a valores que correspondem mais aos ideais estticos da arte moderna. A utilizamos por questes de
comodidade para nos referir a todos os textos produzidos pelos respectivos autores, mas achamos que h neles,
toda uma srie de questes associadas experimentao, improvisao, falta de fechamento e atitude de
desbunde em relao seriedade da literatura que os coloca mais perto da palavra experimento que de obra.
No excelente livro de Reinaldo Ladagga, Espectculos de realidad. Ensayo sobre la narrativa latinoamericana
de las ltimas dos dcadas, o crtico prope a seguinte afirmao para falar de um autor como Aira; achamos
que sua hiptese pode ser pensada tambm no caso dos autores que nos interessam. Segundo ele, as novelitas de
Aira devem ser lidas ....como piezas satricas y destinadas a mostrar lo pattico o absurdo de las proposiciones
de vanguardia. Pero quien haya seguido el trabajo de Aira, sabe bien que desde hace algunos aos ha estado
obsesionado por la posibilidad (por la necesidad incluso) de un arte de vanguardia que fuera fiel a la
particularidad de la Argentina del presente, un arte menos propenso a realizar obras que a disear
experiencias (LADAGGA, 2007, p.9)
da tradio literria argentina de uma literatura que possui traos neobarrocos e psmodernos. Por essa razo, nossa abordagem metodolgica e terica utiliza conceitos
elaborados nos textos tericocrticos de Severo Sarduy sobre o neobarroco em convergncia
com autores que estudam o ps-modernismo e a ps-modernidade, apoiando-nos na leitura j
clssica de I. Chiampi, que l o neobarroco como esttica que atualiza os problemas da psmodernidade na Amrica Latina.
Neste sentido, na primeira parte do trabalho realizamos uma fundamentao terica da
convergncia entre neobarroco e ps-modernidade no cenrio especfico da ps-ditadura
argentina, como uma maneira de estabelecer nossa abordagem terica e metodolgica e
definir assim os conceitos a partir dos quais trabalharemos a obra dos autores. Resulta
especialmente importante, neste sentido, estabelecer o que consideramos por ps-modernismo
e ps-modernidade num campo terico que se caracteriza pela sua pluralidade de abordagens
e antagnicos pontos de vista que supem, por sua vez, debates polticos e ideolgicos.
Parte desta discusso se estender nos captulos seguintes, mas apontando j a tentar
explicar alguns dos aspectos da obra de Copi e de Perlongher, que como j dissemos,
consideramos como os representantes de linhas ou tendncias de uma nova potica dentro da
tradio literria argentina, o que nos permitiria ver na obra destes autores os preldios de
uma nova potica alternativa. Isto , pensamos que esses traos que lemos como
neobarrocos e ps-modernos - da obra de Copi e Perlongher so os que nos permitem
estabelecer a noo de corte4 com respeito literatura anterior da vanguarda ao boom e
literatura engajada dos anos 60 e 70.
Estes aspectos, que consideramos prprios do neobarroco e do ps-modernismo e
relevantes para compreender a obra tanto de Copi quanto de Perlongher, sero trabalhados ao
longo dos diferentes captulos e podem se resumir nas seguintes questes: em primeiro lugar,
a questo da relao entre literatura e cultura de massa e os usos do kitsch e do camp como
traos especficos das poticas de ambos os autores; em segundo lugar, uma discusso em
torno do problema da identidade na ps-modernidade que se desdobrar em duas partes: uma
delas relacionada problemtica de gnero (a questo da temtica gay na obra de ambos) e
a outra relacionada identidade nacional (aqui pensaremos tanto a desconstruo que os
4
A categoria de corte a tomamos de Daniel Link, do livro Leyenda. Literatura argentina: cuatro cortes.
Resulta importante para nossos fins o captulo Tercer corte (1968 - 1983). Crisis de la literatura, no qual
estudando a longa dcada dos 70, fundamentalmente na figura de Walsh, o crtico nomeia a Perlongher e ao
neobarroco em geral (com autores como Gusmn e Carrera) e a Copi (junto a uma outra lista de autores que
formaron parte de la dispora argentina como Gelman, Soriano y Di Benedetto) como os autores que
representam o fim dos 70. Ist , Copi e Perlongher entre outros autores so j os representantes de um
corte da literatura argentina que inaugura a dcada dos 80 a travs de um lema: basta de violencia y tambin
basta de sangre(LINK, 2006, p.121)
10
autores operam da identidade nacional, do mito da ptria e o exlio de ambos quanto seu
pertencimento ao cnone da literatura argentina, especialmente problemtico no caso de
Copi5).
Em terceiro lugar, queremos estabelecer quais so os traos especficos desta nova
escritura ou potica alternativa6 que Copi e Perlongher preludiam, o que se desdobrar em
varias sub-seces: a emergncia de novas representaes de escritor e intelectual, associada
nestes casos, figura do condenadito7 e que se enlaa ao problema da relao da potica
destes autores com a contracultura dos finais dos anos 70 e comeo dos 80; a questo na obra
de Perlongher de uma literatura que reformula o conceito de engajamento e introduz o camp e
o kitsch para produzir uma re-politizao da literatura que quebra as noes que a esquerda
dos anos 60 postulava para uma poesia social; a questo na obra de Copi do narrador psmoderno e de procedimentos textuais que inauguram uma potica do menor (como a chamada
rapidez, vertiginosidade, humor absurdo e delirante, usos especficos da pardia, o exotismo,
certos aspectos meta-literrios com uma funo especfica, a falta de relaes causais e de
linearidade no relato, a reivindicao de uma literatura que se gaba de sua imperfeio, falta
de correo, rapidez, e falta de seriedade, entre outros).
Por ltimo, abordaremos a relao-reformulao na obra de ambos os autores da
tradio argentina, atravs da peculiar leitura e reelaborao que os autores fazem de tpicos
histrico-culturais, de personagens histricos e dos gneros clssicos da literatura argentina,
sob o prisma da irreverncia da contracultura, prprios dos 70 e 80 ao qual se agrega a marca
fundamental, a nosso ver, de suas poticas, isto , o olhar camp, pardico e autopardico.
Neste sentido, o trabalho que tanto Copi quanto Perlongher fazem sobre a figura de Eva Pern
5
Como veremos no captulo dedicado a questo do exlio e da relao com o cnone da literatura argentina, o
caso de Copi problemtico tanto pela questo de que quase a totalidade de sua obra tenha sido escrita em
francs quanto pelo desconhecimento de sua obra na Argentina, situao esta que vem sido modificada nestes
ltimos anos tanto pela publicao e traduo de quase a totalidade de sua obra em espanhol como a especial
ateno que sua obra est tendo tanto nos meios jornalsticos quanto acadmicos onde pode se perceber uma
incipiente serie de artigos acadmicos e teses dedicados ao estudo de sua obra. Parte desta informao ser
detalhada no estado da questo.
6
Tomamos esta denominao da tese de doutorado de Patricio Pron intilulada Aqu me rio de las modas:
procedimientos transgresivos en la narrativa de Copi y su importancia para la constitucin de una nueva
potica en la literatura argentina. Uma das hipteses mais importante de Pron justamente a idia de que Copi
inaugura uma nova potica ou tradio alternativa que se estender a autores como Aira, Laiseca e Washinton
Cucurto. No somente concordamos com a tese de Pron, mas ampliamos a abrangncia desta linha alternativa
incluindo um autor como Perlongher. Como tentaremos argumentar ao longo de nosso trabalho pensamos que
Copi e Perlongher geram por questes que s vezes os aproximam e s vezes os distanciam linhas
fundamentais da literatura que comea nos anos 80 e chega at autores contemporneos.
7
Tomamos esta idia do texto de Mara Alejandra Minelli no artigo De cmo devenir condenatidos. El arte
de producir figuras de escritor (Argentina 1983 -1995). Mas, como trabalharemos no captulo dedicado figura
de escritor em Copi e Perlongher pensamos tambm em outras categorias como ser a de insubmisso para
Perlongher (estabelecida por Adrian Cangi no prlogo a Papeles insumisos) e a de cnico de Sloterdijk para
Copi.
11
Esta categoria corresponde teoria deleuziana, mas para ver como a crtica utiliza esta categoria para pensar
linhas especficas da literatura argentina, so importantes os prprios ensaios crticos de Perlongher, os artigos
que aqui utilizamos de Graciela Montaldo, os artigos de Adrian Cangi, s para nomear alguns dos mais
importantes.
9
O livro de Lebertella pensa a emergncia entre 1965 e 1976 de uma srie de obras latino-americanas que
possuem a seu ver traos que permitem marcar a emergncia de uma nova etapa cuja novidade estaria em retrabalhar a tradio, ou como diz Kohan, como arte de inventar ruinas, de este modo la nocin de novedad
aparece siempre tensada, tironeada por la tradicin (Kohan, p.9). Os autores que Libertella analisa para pensar
esta nova escritura so: Severo Sarduy, Osvaldo Lamborghini, Salvador Elizondo, Manuel Puig, Reinaldo
Arenas e Enrique Lihn.
10
Colocamos esta afirmao com os matizes e salvedades necessrias. A lista dos autores que Libertella coloca
como os inauguradores desta nova escritura latino-americana a nosso ver certssima e nela aparecem dois
autores que devem ser pensados como referencias centrais dentro do campo da literatura argentina: Puig e
Lamborghini. Achamos ento que no somente so Copi e Perlongher os representantes de uma nova potica,
mas que a emergncia desta nova potica na literatura argentina supe tambm a presena iniludvel de Puig e
Lamborghini e tambm de Gusmn e o grupo Literal em geral. Queremos tambm salientar que achamos que a
leitura de Libertella se baseia, e a nossa tambm, em muitos das questes elaboradas por Severo Sarduy para
pensar o neobarroco como esttica da arte latino-america de a partir de meados dos anos 70, na que a relao
com o simulacro, a cultura de massa, o kitsch, o camp, o pop, a pardia e a re-elaborao da tradio dentre
outros so traos caractersticos. Outro crtico que recentemente utiliza tambm noes do neobarroco
sarduniano para explicar a literatura contempornea latino-america Reinaldo Laddaga. Em seu excelente livro
Espectculos de realidad. Ensayo sobre la narrativa latinoamericana de las ltimas dos dcadas, analisa com a
bagagem terico-crtica do neobarroco de Sarduy uma srie de autores que vo do prprio Sarduy a Reinaldo
Arenas, Fernando Vallejo, Joo Gilberto Noll, Osvaldo Lamborghini, Csar Aira y Mario Bellatn. O que
queremos apontar com isto so duas coisas: embora, como pode se ver, nas diferentes listas de autores alguns se
repetem e coincidem, cada crtico estabelece series e centralidades especficas, nas quais claro est, h autores
iniludveis. Na nossa leitura Severo Sarduy um deles, na medida em que consideramos que toda sua teoria
sobre o neobarroco resulta altamente produtiva para pensar a emergncia de novas poticas na literatura do
presente e do passado prximo na Amrica Latina em geral e na literatura argentina especificamente, que nosso
caso. Quando abordemos a questo do neobarroco na literatura argentina especificamente, realizaremos uma
discusso em torno s possveis sries dentro do campo especifico, mas interessa apontar j que em quase todas
as leituras criticas ao respeito, isto , na maioria das tentativas de estabelecer sries que dm conta desta nova
potica alternativa na literatura argentina, Copi e Perlongher aparecem.
12
13
-o neobarroco tal como definido e teorizado por Severo Saurduy d conta de sua
condio ps-moderna e pode ser pensado comparativa e contrastivamente com uma srie de
teorias que trabalham o ps-modernismo. Fazemos nossa, ento, a tese de Irlemar Chiampi de
que o neobarroco a esttica da ps-modernidade latino-americana11.
- esta literatura neobarroca d conta de sua condio ps-moderna num ponto que
fundamental: a relao com a cultura de massa, que se estabelece no pela negao e rejeio
como acontecia na modernidade - mas pela incorporao de elementos dela, a partir duma
distancia crtica que produz efeitos inovadores. A relao da potica de Copi e de
Perlongher com o kitsch e o camp ser lida a partir deste ponto de vista e nossa hiptese que
isto relaciona-se com toda a teoria do simulacro e da simulao de Severo Sarduy; em ltima
instancia com uma valorizao da artificialidade como espao frtil para a experimentao
artstica.
- Copi e Perlongher podem ser pensados sob a figura dos dissidentes. hiptese de
nosso trabalho que na obra de ambos os autores entra em crise o conceito de identidade,
atualizando assim formas ps-modernas de abordar a identidade e que tendem a postular-se
em dissidncia em relao s posturas identitrias ontologizantes. A crtica ao conceito de
identidade elaborada terica e crticamente por Perlogher em seus ensaios diferentemente de
Copi quem no se interessa por explicar sua potica nem a identidade de suas
personagens se expressa na obra de ambos atravs de dois alvos de ataque: a identidade
nacional e a identidade de gnero, homossexual ou gay, neste caso.
- hiptese de nosso trabalho que a temtica homossexual (identidade de gnero)
presente na obra de ambos os autores fundamental para entender suas obras. Porm, nosso
ponto de vista o de que na obra dos autores se d uma tenso que o que faz deles autores
que no poderamos classificar como literatura gay. Essa tenso trabalha entre a visibilidade
e a resistncia; se por uma lado faz entrar em cena (de maneira explcita e por isso mesmo
inaugural na literatura argentina) a problemtica de gnero (com a homossexualidade
masculina fundamentalmente), a literatura de ambos trabalha em contra do conceito de
identidade gay e questiona classificaes como a de literatura gay. Da que nossa
abordagem trabalhe esta problemtica do ponto de vista da teoria queer que, cremos, fornece
11
O livro de Irlemar Chiampi Barroco e Modernidade um fecundo esforo por dar conta desta condio psmoderna do neobarroco e de diferenci-lo das tendncias integradas do ps-modernismo. Via Lyotard a autora
argumenta e diferencia o que entende por ps-modernidade sem perder de vista as especificidades da Amrica
Latina. Para um estudo detalhado desta relao, ver fundamentalmente a primeira parte do livro, Barroco e psmodernidade.
14
possibilidades de pensar o gnero em consonncia com o particular ponto de vista crtico dos
autores, que se afastam das polticas identitrias e integracionistas.
- neste sentido, trabalharemos tambm como hiptese que a condio de exilados e de
escritores bilnges (diferente em cada caso, como detalharemos no captulo dedicado a este
tema) produz uma srie de questes a serem pensadas: uma nova forma do exlio que se
diferencia de suas formas modernas do romantismo gerao 60 e 70 -, um trabalho com a
lngua (estrangeira e materna) que produz um questionamento do prprio conceito de
literatura nacional, uma relao em tenso entre a crtica aos clichs da nacionalidade (da
argentinidade) e um trabalho de inscrio dentro da tradio que opera pela reinveno ou
leitura crtica da tradio dos gneros fundadores da literatura argentina, a gauchesca e o
grotesco criollo. Todos estes aspectos permitem-nos postular que a obra de Copi e de
Perlongher vem a colocar em cena uma discusso em torno argentinidade, ao problema
mesmo da definio da identidade cultural, do ser nacional e, por conseguinte, da literatura
nacional. Da que os chamemos de ex-patriados, denominao esta que nos permitir
trabalhar estas problemticas contrapondo a obra dos autores a outros escritores e momentos
da literatura argentina e que nos permitir ver em que sentido os procedimentos de Copi e
Perlongher aportam um verdadeiro corte dentro do campus especfico do cnone argentino.
- a hiptese central - de que tanto Copi quanto Perlongher introduzem procedimentos
textuais, reelaborao de gneros tradicionais ou marginais da tradio e temticas nas
suas obras que falam da emergncia de uma nova potica, ou linha alternativa, na
literatura contempornea argentina - ser abordada atravs de diferentes aspectos de suas
poticas tentando dar conta, nas anlises dos textos, das questes mais importantes da obra de
ambos, tais como: em qu questes da obra de ambos podemos pensar a noo de uma
literatura menor; a introduo da problemtica de gnero (neste caso, da homossexualidade
masculina) como temtica prpria desta literatura ps-moderna; a mistura de elementos de
diferentes registros culturais (da tradio literria ao kitsch); o uso da pardia num sentido
suplementar ou pastiche; a reivindicao de uma arte m, ps-aurtica, pela sua falta de
seriedade e de pretenses, a emergncia de novas figuras de escritor e a questo do narrador
ps-moderno, como traos em comum entre os dois.
Ao chegar neste ponto foi necessrio ver as especificidades da potica de cada um dos
autores. Embora isto seja trabalhado especificamente nos captulos destinados anlise dos
textos de cada um dos autores, adiantamos j nossa hiptese: tanto Copi quanto Perlongher
possuem traos do neobarroco mas esses traos so diferentes em cada um deles. Com um
trabalho de extrema artificiosidade na lngua em Perlongher (o aspecto fundador de seu
15
Estado da questo
Queremos partir da questo das diferenas com respeito recepo da obra de ambos
os autores porque se trata de um ponto que os distingue mais do que os une. Em primeiro
lugar, temos que lembrar que as condies de produo e publicao de ambos so diferentes:
enquanto Copi escreve e publica na Frana, Perlongher publica desde o comeo na Argentina
16
12
Na bibliografia final consta a lista de toda a obra de Copi com a data e a editora de publicao de seus textos,
que como j dissemos, foram escritos majoritariamente em francs e publicados na Frana. Constam tambm
todas as tradues que encontramos at o momento, algumas em forma de livro e outras digitais, com as
referencias dos respectivos tradutores, e anos de publicao. Observando esta bibliografia se percebe
imediatamente o porqu do desconhecimento da obra de Copi na Argentina que comeou a traduzir seus textos
apenas recentemente.
13
Como veremos, tambm este um tema que os autores tm em comum e a questo de como a doena
elaborada na obra de cada um ser um ponto a trabalhar no captulo dedicado s questes de gnero,
fundamentalmente na relao que estabelece Perlongher entre AIDS e morte da homossexualidade.
14
Ver na tese de Patricio Pron o ponto 1.3.1 Manuales y obras de referencia (pag. 15) do estado da questo,
quem faz um enorme levantamento de manuais de consulta e referencia da literatura contempornea latinoamericana para demonstrar a falta quase completa de registro de Copi neste tipo de obras.
17
que trabalharemos ao final da tese sobre as influncias de Copi na literatura atual argentina.
Outra obra de referncia a longa entrevista ao prprio Copi - e a amigos e colaboradores
dele, como Jorge Lavelli e Maril Marini - feita por Jos Tcherkaski, intitulada Habla Copi.
Homosexualidad y creacin de 1998.
Ser preciso esperar at o ano 2000 para comear a ver trabalhos acadmicos que
abordam a Copi, mas nenhum dedicado totalidade da sua obra, ainda hoje. O livro de Jos
Amcola Camp y Posvanguardia. Manifestaciones culturales de un siglo fenecido em agosto
de 2000 transforma-se numa referncia obrigatria e foi um dos textos que nos sugeriu, por
sua vez, a possibilidade de comparar ambos os autores a partir do captulo intitulado
Campeones Camp: Copi y Perlongher, cuja hiptese central a questo do camp a partir da
centralidade da obra de Puig para pensar as poticas de ambos e a categoria de ps-vanguarda
- que ns no utilizamos e substitumos pela questo do neobarroco como esttica psmoderna. Deste mesmo autor tambm o artigo com o que trabalharemos intitulado
Luruguayen de Copi como espejo del triple estereotipo . Outro dos textos acadmicos que
comearam a estudar a obra de Copi e que tambm resulta numa referncia importante por ser
um livro dedicado completamente ao estudo do autor o livro de Marcos Rosenzvaig Copi:
sexo e teatralidad publicado em 2003 e que aborda com exclusividade a produo teatral e
suas temticas (como a sexualidade, o canibalismo, e os mitos nacionais). Do mesmo ano o
livro de Beatriz Sarlo La pasin o la excepcin onde a autora faz uma leitura do antiperonismo de Copi a partir da pea Eva Pern, no captulo intitulado Busc un vestido, dijo
Eva (Copi, Eva Pern).
No livro de Damin Tabarovsky Literatura de izquierda o captulo La crisis desde
adentro faz uma leitura inteligentssima sobre a questo da relao problemtica de Copi com
o cnone da literatura nacional por ter ele escrito em francs. O crtico arrisca o que ele
considera a operao genial de Copi: a inveno de uma lngua no desde dentro da prpria
lngua (hiptese deleuziana para definir a literatura) mas desde outra lngua, o francs. A
outra hiptese importante que queremos discutir do trabalho de Tabarovsky a de sua
negao a filiar a obra de Copi ao neobarroco e a postular a questo de uma arte abstrata da
qual Copi seria um mestre15.
Retomando a hipteses de Amcola, Sylvia Hopenhayn, em seu artculo Quin no le
teme a Copi?, trabalha a questo do camp e da expanso desta esttica a autores posteriores
15
Nos referiremos mais detalhadamente aos postulados de Tabarovsky j que seu trabalho nos resultou
particularmente interessante e no caso da classificao da obra de Copi como sendo abstrata e no neobarroca
pretendemos realizar uma discusso.
18
como Csar Aira. Outro trabalho importantssimo o de Graciela Montaldo numa srie de
artigos fundamentais para a compreenso da potica de Copi e da relao com autores
posteriores. Em La invencin del artifcio. La aventura de la historia, a autora traa uma srie
que ser retomada como hiptese em outros trabalhos de outros crticos at definir uma
linha alternativa da literatura contempornea entre Copi (La internacional argentina), Aira
(Una novela china) e Laiseca (La hija de Keops), como os representantes de uma literatura
menor e cujas obras proponen una ficcin desgajada de la interpretacin (p.262). A outra
tese que a autora introduz com respeito obra de Copi encontra-se no excelente artigo
intitulado Um argumento contraborgiano en la literatura argentina de los aos 80. Sobre C.
Aira, A. Laiseca y Copi, no qual coloca os projetos destes autores como rompimentos da
hegemonia borgiana, alm de uma discusso em torno ao gnero de aventuras e ao exotismo
como prpios da literatura de Copi.
Daniel Link tambm um dos crticos argentinos que aportou as primeiras hipteses
de leitura da obra de Copi com artigos jornalsticos como, Amor y poltica y Cerca de la
revolucin, hoje recompilados em seu livro Clases. Literatura y disidencia , nos quais lana
as primeiras hipteses sobre a relao da obra de Copi com os gneros fundadores da
literatura argentina, como a gauchesca e o grotesco criollo, sob uma particular incorporao
da problemtica de gnero. do crtico tambm a criao de uma srie ou cnone alternativo
que inclui Onetti, Copi y Walsh, no artigo intitulado Ein Bericht fur eine Akademie:
Violencia, escritura y representacin (1973-1993 en el Ro de la Plata). A tese do crtico
que fazemos nossa tambm que Copi se inclui numa serie da literatura argentina que se
escribe en otra lengua y vuelve traducida para producir efectos sobre el campo literrio,
junto com a de Wiltold Gombrowicz y Sangre de amor correspondido de Manuel Puig.
O importante artigo de Vernica Delgado, tambm realiza filiaes entre Copi e outros
autores contemporneos e aporta interessantssimas linhas de leitura. Cabe mencionar agora
sua tese principal: a potica de Copi tambm a de Aira, Laiseca e Guebel ,
fundamentalmente, anti-representativa, entendendo isto como o questionamento de la
relacin representativa de la literatura con lo real, la historia, la poltica, la vida como
conseqncia do auge na Argentina das teorias ps-modernas y ps-estruturalistas e do
agotamiento y/o fracaso de um campo cultural anterior fundado en princpios politizantes
dcadas del 60 y 70- en el cual se asigna a la literatura una directa y estrecha relacin
funcional con la prxis poltica y con la representacin de la historia social. Voltaremos
sobre este argumento em diferentes momentos porque aparece nele uma questo com a qual
19
Nossa hiptese a mesma no sentido de afirmar como prprio da potica de Copi a estilizao e o artifcio,
embora h crticos que desacordem com isto, como Patricio Pron quem discute esta afirmao de Santos baseado
na questo de que em Copi, se trataria de uma prosa concentrada y utilitaria(p.18). Claro que a linguagem de
Copi no de nenhuma maneira artificial no sentido em que o a de Perlongher, por exemplo; mas achamos,
como tentaremos argumentar isto mais para frente, que seu estilo artificial e estilizante por razes que no tem
a ver com o estilo minimalista e austero de sua prosa.
20
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22
23
17
Outro dos traos que Aira percebe da escrita de Copi a tendncia a miniaturizar, aspecto que retomaremos
em outro captulo. Mas, queremos agora apontar que a questo da miniatura tambm relaciona-se com o barroco,
no que diz respeito a uma das caractersticas fundamentais do barroco: o horror vacui. Diz Aira em relao com
os textos de Copi: o escritor miniaturista est norteado pela seguinte proposio: dentro de una situacin, no
pude haber vaco (Aira, 1991, p.29).
24
Com isto o crtico faz referencia a: la literatura de izquierda no remite a la literatura hecha por escritores
de izquierda, que pasaron por la izquierda o que an dicen ser de izquierda. Buena parte de la literatura hecha
por escritores de izquierda es, en trminos literarios, conservadora, reductora, simplista. De izquierda no tienen
ni siquiera su relacin con el mercado. Desde el boom para ac, la inmensa mayora de los escritores de
izquierda adoptan las posiciones ms meritocrticas, menos cuestionadoras del orden establecido. Al igual que
los escritores conservadores, los de izquierda se vinculan con el mercado de la misma manera que con los
textos: de manera normativa, convencional,, llenos de golpes bajos. En cambio para la literatura de izquierda la
situacin es la inversa. Se relaciona con el mercado y con el texto de una sola manera: de manera
antijrnquica (Tabarovsky, 2004, p. 48)
25
19
No caso de Copi, o detalhe est relacionado miniatura, aspecto este que trabalharemos mais
especificamente.
26
20
Csar Aira chamou a ateno sobre este aspecto da obra de Copi: El reino de la explicacin es el de la
sucesin causal, que crea y garantiza el tiempo. El relato reemplaza esta sucesin por otra, por una intrigante e
inverosmil sucesin no -causal, por una pura sucesin de espectculos inconexos.(Aira, 1991, p. 27)
27
28
prprio do modernismo. A nfase na abolio da idia de original deve ser lida neste sentido,
na medida em que isto o que possibilita fazer do procedimento da reciclagem pardica o
prprio duma arte que trabalha de maneira ativa com a tradio. Mas tambm se vincula com
a problemtica que a cultura de massa veio a colocar em cena, como se aquilo que esta
anunciava a impossibilidade de discernir entre cpia e original servisse, justamente, para
repensar as possibilidades de voltar tradio. Fazemos nossa, neste sentido, as concluses de
I. Chiampi, sobre o valor do simulacro para o neobarroco:
29
primeiros crticos a vislumbrar a emergncia de uma nova potica e um partcipe destas novas
tendncias) e o recente livro de Reinaldo Ladagga, Espectculos de realidad. Ensayo sobre la
narrativa latinoamericana de las ltimas dos dcadas, de 2007. Os autores que analisa Nueva
escritura so: Severo Sarduy, Osvaldo Lamborghini, Salvador Elizondo, Manuel Puig,
Reinaldo Arenas e Enrique Lihn. Trinta anos depois da leitura inaugural de Libertella, o livro
de Ladagga aborda uma srie de escritores mais recentes como Csar Aira, Mario Bellatin,
Joo Gilberto Noll, Fernando Vallejo e permanecem como objeto de anlise Reinaldo Arenas,
Osvaldo Lamborghini e Severo Sarduy, do qual, a partir duma anlise da obra crtica La
simulacin se extraem uma srie de aspectos que sero prolongados na anlises dos outros
autores.
Com isto queremos salientar, simplesmente, que nossa tese geral no sai do nada, mas
que se encontra entre uma constelao (palavra to cara ao neobarroco) de leituras crticas que
possuem pelo menos trinta anos. Ser nosso trabalho definir aspectos especficos ou ainda
pouco trabalhados da obra de Copi e de Perlongher que reafirmam o pertencimento dos
autores a esta nova potica. Permitimo-nos uma longa citao de Libertella porque achamos
que permite ver o que o crtico quer dizer com nova escritura e que, por sua vez, enlaa o
neobarroco cubano ao rioplatense:
Ocurre entonces una segunda lectura: aquel movimiento comn de la lengua
espaola que tiene sus matices en el Caribe (musicalidad, gracia, alambique,
picaresca, que convierten al barroco en una propuesta todo para convencer, dice
Severo Sarduy) y que tiene sus diferentes matices en el Ro de la plata
(racionalismo, ironia, ingenio, nostalgia, escepticismo, psicologismo?) descubre la
tendencia personalista en su rasgo ms primitivo: la Voluntad de estilo. Para la
nueva prctica ac est el antecedente: se vacan los significados histricos de
aquellos residuos culturales y se los recupera en un nivel de intensidad psquica que
puede describirse por un grupo de notas: ingenuidad, violencia, esquizoidea,
rompimiento, voluntad de artificio y de msica frente a toda legalidad de aire
universalista. () Al final de esa cadena, se descubre en relacin con una tradicin
propia (cercana). Sin negarlo, ni reprimirlo, inscribe ese inconsciente (lo incorpora
crticamente) mientras produce (re-inscribe) un nuevo texto donde aquellos
elementos aparecen proyectados, aplastados, des-representados: ahora la
mstica- cierta energa esquizo? slo articula la msica del discurso; el
personalismo ya no es confesin o modo de ser de un autor, ni siquiera las
caractersticas de un estilo dado son imputables exclusivamente al creador, la
imaginacin no imagina hechos anteriores al texto para despus representarlos
en l. Slo al perder su mtico sentido tales elementos se reubican en la genealoga
de Latinoamrica y son un antecedente bien material para la nueva escritura.
(Libertella, 2008, p.19)
Encontram-se aqui uma srie de questes que definem a nova escritura, dentre as quais
queremos destacar a incorporao re-inscrio de estilos fortes (diramos modernos) num
gesto de vontade de artifcio. Esses materiais sero retrabalhados pela nova escritura
30
apagando categorias que pertenciam ao texto moderno, tais como: originalidade, autoria,
estilo pessoal e nico, temtica nova e imaginativa. Parece, pelo contrrio, que a nova
escritura trabalha com os retalhos da tradio e est, precisamente, nesse reciclado artificial
dos discursos anteriores, sua veia experimental e vanguardista. Neste sentido, o artifcio
entanto categoria-eixo para pensar o neobarroco deve entender-se, do nosso ponto de vista,
no somente como uma lngua artificial facilmente identificvel na poesia que cultua o
neobarroco, como o caso de Perlongher (mas tambm de Arturo Carrera e Tamara
Kamenszkain), mas, fundamentalmente, como esse trabalho de pardia e veremos que
podemos falar tambm de pastiche ou suplemento , de estilizao que recicla estilos
anteriores.
No caso especfico de Copi e Perlongher, isto se d pelo trabalho que ambos fazem
com gneros que supem o incio mesmo da literatura argentina, como o caso da gauchesca
e do grotesco criollo (veremos mais adiante que este trabalho com os gneros fundadores da
literatura argentina diferente em cada um dos autores). Nossa hiptese que a artificialidade
trao principal do neobarroco sarduniano e princpio da nova escritura, segundo Libertella
deve-se pensar de maneira abrangente, tanto para dar conta duma lngua preciosista, erudita,
sobrecarregada, musical, enfim, barroca, como a de Perlongher (e outros poetas neobarrocos)
como para se referir a este outro procedimento, que se encontra tanto na obra de Copi quanto
de Perlongher; um trabalho de incorporao pardica, suplementar e de pastiche, que recicla
estilos fortes anteriores, isto , que trabalha ativamente a tradio.
Dizemos isto porque h leituras que rechaam pensar a obra de Copi sob a esttica do
neobarroco, justamente, por no possuir uma prosa que conjugue barroquismo, erudio e
musicalidade. Em Copi a lngua se caracteriza pelo minimalismo, a sntese, a austeridade;
pela falta de ornamento, detalhe e luxo, to prpria do barroco. Contudo, que Copi no seja
barroco em sua lngua (nem no francs, nem nos poucos textos escritos em espanhol) no
significa que no possua uma variedade enorme de questes que o aproximam ao neobarroco.
A recusa de incluir a obra de Copi dentro do neobarroco conta tambm com outro argumento:
o do pertencimento ou no de um autor que escreve em francs, sendo que o neobarroco seria
uma esttica prpria da Amrica Latina. A questo da pertinncia de pensar a obra de Copi
dentro do cnone da literatura argentina um dos pontos que pretendemos abordar no captulo
dedicado identidade nacional, mas adiantamos agora que nossa postura retoma a tese de
Prieto e de Pron, cujo fundamento para a incluso de Copi na literatura argentina o critrio
da produtividade que sua obra exerce na tradio argentina, marcando linhas da literatura
31
atual, com sries j estabelecidas pela crtica nas quais aparecem autores como Aira, Laiseca e
Cucurto.
Resumindo, se em Perlongher o trabalho especfico com a lngua o filia evidentemente
ao neobarroco, este no o nico aspecto que se pode abordar para justificar a filiao,
simplesmente o mais evidente. Por outro lado, a falta duma lngua barroca no impede de
pensar a Copi como um neobarroco, como tampouco a questo do seu exlio e da adoo do
francs. Isto no implica desconhecer a relao da obra de Copi com a literatura francesa,
fundamentalmente o teatro que possui traos que claramente se vinculam ao teatro do absurdo
e outras tendncias da literatura francesa. O que queremos dizer que achamos que esses
aspectos so precisamente os que necessitam ser problematizados, revisitados, porque so eles
os que, a nosso ver, aportam uma leitura que comea a esboar-se na crtica recente e que
supe questes ainda no estudadas da obra de ambos.
Neste sentido, queremos tambm revisitar o neobarroco, ampliar retomando linhas
da teoria de Sarduy pouco exploradas - aspectos que achamos fazer desta esttica uma
abordagem pertinente para nosso objeto de estudo. As questes que mais nos interessam
pensar na obra de ambos como prprias de uma esttica neobarroca-ps-moderna so as que
nomeamos at agora: quebra do sujeito e da temporalidade, a vontade de artifcio, o simulacro
e a simulao, nos sentidos em que tentamos especificar estas noes. Isto , voltar a estas
noes e ampliar a sua abrangncia, faz-las entrar em cena a partir de lugares que permitam
retomar o neobarroco amplamente, fora da inteno meramente classificatria que se usa para
nomear uma poesia especfica.
Seguindo este caminho, queremos agora retomar a questo da simulao, categoria
tambm central do neobarroco e que d nome a um dos ensaios mais importantes de Sarduy.
O livro nomeado com anterioridade, Espectculos de realidad, de Reinaldo Ladagga, parte
precisamente deste ensaio para retomar questes a elaboradas para analisar a narrativa
contempornea. A simulao , segundo Ladagga, um dos procedimentos mais prprios da
arte contempornea, o que lhe permite no somente estabelecer relaes entre os autores ao
que se dedica, mas incluir outros que, embora no sejam analisados detalhadamente,
pertencem mesma constelao; dentre eles aparece Copi. Segundo o crtico, aos autores
que estuda poderia ter-se agregado:
una detallada consideracin de los trabajos de Sergio Pitol o Ral Damonte, Copi.
Podra haberme detenido en los trabajos de otros escritores de la generacin de
Bellatn; pienso en algunos de los trabajos de Sergio Chefjec o de Bernardo
Carvalho (). No debera ser difcil para el lector prolongar las lneas de lectura
32
Todos estes escritores - dentre os que poderia estar Copi segundo Ladagga se
associam com a simulao. Mas o que entende Ladagga por isto? O crtico retoma do livro de
Sarduy a potncia de pensar a simulao como um trao prprio da arte contempornea,
colocando na figura do travesti o exemplo supremo deste excesso de teatralidade que
suspende a imitao desvinculando-a do original. O que produz o travesti no seu ato imitativo
excessivo o que Sarduy chama de arte hipertlico, isto , uma imitao que por seu
excesso transforma-se numa irrealidad infinita e cuja finalidade nula. Diz Ladagga:
Esta idia de Sarduy de que o travesti no copia, mas simula, para o prprio autor a
chave para entender a arte contempornea e a base da esttica neobarroca que ele prope. Se o
argumento de Sarduy per se completamente sugestivo e interessante, o mais ainda a
questo de que um crtico como Ladagga dedique no seu livro - cujo eixo a anlise de
autores da dcada de 90, fundamentalmente um dos captulos inaugurais a Severo Sarduy e,
especificamente, questo da simulao. Este excesso, que se relaciona com a teatralidade,
com o disfarce e com a mscara, o aspecto da simulao que para Ladagga interessante
resgatar para pensar os autores que analisa. Trata-se, no caso dos autores estudados, segundo
o crtico, de uma escritura marcada pela simulao, isto , por uma teatralidad originaria, de
un impulso bsico a la exposicin de s, que desde el comienzo, estara orientada al
volcamiento(Ladagga, 2007, p.65).
Trata-se, dizemos ns para pensar os autores propostos, de uma escrita que abandona
toda inteno imitativa e que excede, que artificializa ao ponto de apagar a possibilidade de
reconhecimento do original, ou melhor, que coloca em questo a relao entre cpia e
original, voltando o olhar para a sua prpria exposio. Importa aqui deter-se na questo da
auto-exposio da escritura para diferenci-la do que a crtica chama de metalinguagem: na
esttica neobarroca, a centralidade da teatralidade direciona o olhar mais para o gesto do que
para o procedimento; est, neste deslizamento, a distncia que vai do modernismo ao psmodernismo. Mais do que se voltar para o fato de sua prpria construo, como faziam os
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34
duma esttica anti-representativa, que pe em evidncia o abandono de uma arte que pensa
ingenuamente a relao entre o referente e o signo, entre a realidade e a literatura, e aposta,
pelo contrrio, no trabalho com os materiais e problemticas prprias da condio psmoderna, isto , o papel da arte numa cultura saturada de linguagens, no qual o que est em
jogo , mais precisamente, no a questo do qu representar e sim a de como fazer que a arte
trabalhe ativamente dentro dessa multiplicao de representaes, ou como fazer literatura
dentro da cultura do simulacro. A questo da potica de Copi como anti-representativa e
fortemente atravesada pela lgica do simulacro e da simulao um aspecto central para
vincul-lo ao neobarroco. A crtica Ana Mara Barrenechea apontava estes aspectos em
relao escrita sarduniana - muitos deles podem-se pensar extensivamente para Copi e
outros autores contemporneos que, num princpio, no foram designados de neobarrocos:
35
Achamos que Pron esquece que, nas prprias teorizaoes de Sarduy, aparece j a
vinculao estreita entre neobarroco e camp e que, portanto, no isto um aspecto que
permita excluir o camp de Copi da esttica neobarroca; ao contrrio, a aderncia ao camp
mais um ponto que permite a filiao ao neobaroco. Cabe lembrar aqui o que Perlongher
consigna em seu ensaio La barroquizacin sobre o que Severo Sarduy aponta em relao com
Paradiso e, por extenso, ao barroco contemporneo, isto , ao neobarroco: Este flujo parece
apestar a perversin. Paradiso sera, por orden de adjetivos, uma novela barroca, cubana y
homosexual, escreve severo Sarduy. Ele mesmo diria em Buenos Aires, maneira de
boutade, que "barroco es el 'kitsch', el 'camp' y el 'gay'. (Perlongher, p.116).
No caso de Perlongher, especificamente, a aderncia ao neobarroco no somente
explcita, seno que conta por sua vez com uma reelaborao do conceito a partir da criao
do termo pardico de neobarroso. Neste sentido, tanto Caribe Transplatino quanto La
barroquizacin (e tambm Ondas en El Fiord. Barroco y corporalidad en Osvaldo
Lamborghini) devem ser lidos como tentativas de justificao da adoo do neobarroco, de
incluso da potica de Perlongher dentro da tradio barroca e neobarroca de origem cubana
e, principalmente, como um esforo intelectual por pensar a emergncia do barroco dentro do
campo especfico da literatura argentina, resistente, em princpio, aos tropicais exageros e
artifcios que o neobarroco resgata e pe em cena novamente. Perlongher tenta assim pensar a
emergncia do neobarroco nas letras argentinas e, para isto, tentando realizar uma espcie de
genealogia, alude tanto ao surrealismo - enquanto esttica que serviu para radicalizar la
empresa de desrealizacin de los estilos oficiales el realismo y sus derivaciones, como la
poesia social(Perlongher, p.98) -, como aos seus contemporneos Lenidas e Osvaldo
Lamborguini, Germn Garca, Tamara Kamenskain e Arturo Carrera. Interessa-nos aqui
36
Las poticas neobarrocas, siguiendo aqui una idea de Roberto Echevarren, toman
mucho de las vanguardias, particularmente su vocacin de experimentacin, pero
no son bien vanguardias. Les falta su sentido de igualizacin militante de los estilos
y su destruccin de la sintaxis (ambos temas presentes en el concretismo): se trata,
antes, de una hipersintaxis, cercana a las maneras de Mallarm. (Perlongher, p.98)
37
38
Interessa-nos consignar aqui que o crtico aponta tambm para a constituio de uma
espcie de srie neobarroca dentro da literatura argentina contempornea que, comeando por
Perlongher, extende-se para escritores dos anos 90 e 2000, que ele chama de neobarrocos
globalizados:
En los 90 es la realidad argentina la que se barroquiza, a la par de la escritura
neobarroca, sin abandonar a poesa, recoloniza la prosa, acompaado el fenmeno
de la latinoamericanizacin de la Argentina que se da de dos maneras: por la
inmigracin de los pases limtrofes y otros como el Per y Repblica Dominicana;
y por la difusin de una cultura latina globalizada por medio de la msica tropical y
la tv por cable. De lo primero de hace eco la obra en poesa y prosa de Washinton
Cucurto, de lo segundo la de Alejandro Lpez. La capital utpica de este nuevo
neobarroco inmigratorio-meditico ya no es la Habana sino Miami. (Gamerro,
2010, p.36)
39
1.
NEOBARROCO:
UMA
ESTTICA
PS-MODERNA?
SINTOMAS,
40
21
A idia de pensar num corte da literatura dos finais dos 70 e comeo dos 80 nos foi sugerida pelo texto de
Daniel Link Leyenda. Literatura argentina: cuatro cortes, quem tambm estabelece um corte no comeo da
democracia, isto , 1983.
41
A obra de Perlongher e tambm a de Copi corresponde a este perodo, finais dos 70,
80 e comeos dos 90, e possvel encontrar neles vrios dos aspectos associados a psmodernidade ou crise da modernidade. Mas o interessante pensar quais so os efeitos que
isso produz no campo especfico da literatura argentina, muitas vezes diferentes ou at
opostos aos assinalados efeitos a-crticos prprios da literatura ps-moderna segundo o ponto
de vista de Jamenson.
Achamos que a relao dos textos de Copi e Perlongher com o kitsch e o camp, a
aproximao com a cultura de massa, a temtica gay e de minorias sexuais, a desmistificao
do conceito de nao e ptria, e de identidade em geral, a adoo de outras lnguas nos seus
textos, vm a trazer - diferentemente da leitura jamesoniana -, um efeito crtico que amplia
a capacidade de questionamento ideolgico da literatura contempornea, atingindo alvos ate
ento inexplorados da cultura argentina. Copi e Perlongher podem ser pensados ento, a partir
dos traos j assinalados, como as vozes insubmissas da literatura ps-moderna argentina,
abrindo o campo do debate sobre a literatura contempornea: seus limites, sua perigosa
relao com a cultura de massa, seu humorismo irreverente, sua relao com o obsceno e suas
temticas politicamente incorretas.
No a inteno deste captulo entrar na anlise de como estes aspectos aparecem na
obras destes autores, sendo isto um passo que realizaremos posteriormente. Por enquanto,
tentaremos estabelecer as relaes gerais entre neobarroco e ps-modernidade para num
momento ulterior trabalhar esta hiptese geral o neobarroco como esttica ps-moderna
latino-americana nos textos dos autores escolhidos.
42
43
44
Tomamos como ponto de partida para a discusso sobre o que a arte ps-moderna o
texto Mapeando o ps-moderno de Andras Huyssen porque, alm de fornecer uma viso
45
assim,
uma
nova
interpretao
que
assume
os
paradoxos
da
nossa
contemporaneidade: nem ruptura total nem repetio alienada, nem arte da negatividade
nem da passividade a-crtica, nem novidade absoluta nem recilagem vaza ou pastiche
nostlgico, nem arte elevada nem cultura de massa. Como tenta demonstrar o crtico ,
justamente, a reavaliao destes pares dicotmicos, o que devemos enfrentar para abordar
mais profundamente a questo do ps-moderno.
Segundo Andras Huyssen, a arte ps-moderna, herdeira da neo-vanguarda dos anos
60, produz uma crtica tanto do modernismo quanto da vanguarda, afastando-se assim, de
vrios dos pressupostos delas. Mas, o interessante na argumentao deste autor que, na
verdade, o ps-moderno no tanto uma crtica do modernismo em si, mas de uma viso
oficializada do alto modernismo e da vanguarda histrica. E isto se deve a que a partir da
Segunda Guerra Mundial, modernismo e vanguarda transformam-se em movimentos datados
historicamente, na medida em que passam a se institucionalizar ou a ser cooptados pelo
mercado, inaugurando o que para muitos autores (entre eles Calinescu) chamam de morte da
vanguarda. Por outro lado, o que o autor tenta demonstrar como vanguarda e modernismo,
a pesar de seu potencial altamente crtico e de oposio, estavam ligados ao processo de
modernizao, seja na sua verso capitalista, seja no vanguardismo comunista. A arte psmoderna supe, deste ponto de vista, uma reviso dessa aliana, embora quase escondida,
entre vanguarda e modernizao.
Tentando fugir do pensamento dicotmico, o autor prope definir o ps-moderno
como uma condio histrica da nossa contemporaneidade (e no como simples estilo) que se
relaciona, continua e descontinuamente, com o paradigma moderno. Isto , a arte psmoderna no completamente uma ruptura, nem completamente uma continuidade em
relao arte moderna e de vanguarda, mas como o prprio termo estabelece, ela se manifesta
um fenmeno relacional que mais do que criar novas tcnicas, recicla estratgias do
46
O que havia de novo nos anos 70 era, de um lado, a emergncia de uma cultura do
ecletismo, um ps-modernismo amplamente afirmativo que abandonara qualquer
reivindicao de crtica, transgresso ou negao; e outro, um ps-modernismo
alternativo em que resistncia, crtica e negao do status quo foram redefinidas
em termos no vanguardistas e no modernistas que se adequavam mais
efetivamente aos avanos polticos da cultura contempornea do que as antigas
teorias do modernismo. (Huyssen, 1991, p. 31).
22
O mesmo argumento sustenta Libertella para falar da nova escritura latino-americana como uma literatura que
resgata e reinsere num novo contexto procedimentos da vanguarda histrica da tradio-, mas agora como
runas. Da que o autor defina esta nova literatura como uma escritura de las cuevas, um cierto adentro
donde, em gesto de picar, (...) um grupo de caverncolas? Aparece decantando la historia linear de
Latinoamrica (LIBERTELLA, 2008, p.34)
47
portar
no
cenrio
contemporneo.
Metalinguagem,
auto-referencia,
pardia,
48
resistncia, mas de uma maneira diferente a como estas noes eram percebidas no
modernismo e na vanguarda. No caso do neobarroco, percebe-se tambm o abandono da
categoria de negatividade, aproximando-se mais do que chamaremos de formas
afirmativas de resistncia. Na teoria sarduyana, isto visvel pela relao do autor com o
pensamento ps-estruturalista, no qual, maneira de Barthes, a negatividade substituda
pela noo de jogo, alegria, jouissance, isto , por uma forma crtica de afirmao
(Huyssen, 1991, p.67). Como veremos mais adiante, esta relao entre neobarroco e psestruturalismo um dos pontos de vinculao deles com o pensamento ps-moderno, o qual
no significa dizer que ps-modernidade, neobarroco e ps-estructuralismo sejam a mesma
coisa.
Finalmente, interessante salientar que a maioria dos crticos que trabalham com psmodernismo, alm de assinalar aspectos como: o esgotamento de vrios dos valores do alto
modernismo e da vanguarda (fundamentalmente a questo do novo e de sua relao, portanto,
com o projeto modernizador), a co-existncia de elementos em tenso (principalmente a
relao entre cultura alta e cultura de massas) constituindo um novo campo no dicotmico
(isto , que tenta abandonar esse tipo de pensamento excludente e cujo maior representante
Derrida), emfatizam o papel que a problemtica da alteridade vai cumprir como uma
crtica ao projeto moderno abrindo, assim, as portas da ps-modernidade. Com este termo se
faz referencia emergncia no campo scio-poltico e cultural das diferenas de
subjetividade, gnero e sexualidade, raa e classe (Huyssen, 1991, p. 77).
A importncia que as chamadas minorias vo adquirir a partir dos 70 um trao dos
tempos ps-modernos que implica uma crtica noo de sujeito euro-logo-cntrico. No caso
do neobarroco, a questo do mundo gay e a figura emblemtica do travesti se apresentam
como parte destas tendncias de crtica noo moderna de sujeito e questo da identidade
introduzindo, assim, as problemticas de gnero. Mas, como veremos, em muitos casos a
visibilidade que adquire a problemtica gay em autores latino-americanos se afasta do
pensamento de reivindicao das minorias tal como foi desenvolvido nos EUA, produzindo
uma crtica que atinge a noo mesma de identidade e aproximando-se, assim, da idia de
morte do sujeito prpria da escola francesa. Contudo, o que queremos sublinhar que seja
na verso francesa de morte do sujeito, seja na norte-americana de reivindicao das minorias,
a problemtica da alteridade vem trazer uma crtica dos pressupostos da modernidade no
que diz respeito viso de unidade e universalidade do sujeito moderno enfatizando o carter
de construto deste sujeito.
49
Sabe-se que o termo ps-moderno saiu do mbito estrito dos Estados Unidos onde foi
acunhado para Europa e da para Amrica Latina, fundamentalmente a travs do pensamento
de Lyotard e do famoso debate travado com Habermas. Foi o filsofo francs uma das vozes
mais importantes de definio do que se entende por ps-modernidade no s no mbito
esttico-cultural, mas tambm scio-filosfico. Queremos por isso resumir brevemente seus
argumentos mais importantes porque essa linha a que retomamos quando dizemos que o
neobarroco se apresenta como arte do ocaso da modernidade, isto , como arte que informa
sua condio ps-moderna.
Partimos do livro O ps-moderno explicado s crianas que re-elaborando as idias j
expostas em A condio ps-moderna assume abertamente o debate com Habermas. Foi o
filsofo alemo quem respondeu mais enfaticamente questo da ps-modernidade e cujo
argumento fundamental pode se resumir na questo de completar e no abandonar o projeto
moderno, contrariando assim a postura de Lyotard para quem: o projeto moderno (da
realizao da universalidade) no foi abandonado e esquecido, mas destrudo e liquidado.
H diversas formas de destruio, diversos nomes que a simbolizam. Auschwitz pode ser
considerado como um nome paradigmtico para o inacabamento trgico da modernidade.
(Lyotard, 1987, p.32)
importante distinguir o uso do conceito de liquidao e inacabamento enquanto
destruio j que elas se afastam da idia moderna de ruptura. A ps-modernidade no o
advento de uma nova idade, nem uma ruptura, com o que este termo implica de
ultrapassamento, progresso e superao do anterior, noes todas prprias da lgica moderna.
Esta idia de liquidao livra-nos do paradoxo que implica pensar o ps-moderno como mais
uma novidade, mais uma ruptura dentro da modernidade. Como coloca a filsofa argentina,
Esther Daz:
50
dos totalitarismos (nazismo, fascismo, stalinismo) e da Segunda Guerra Mundial. O que esses
acontecimentos (resumidos em Lyotard sob o nome do Terror e da atrocidade que
significou Auschwitz) vm a significar a quebra do projeto moderno, na medida em que
baseados nos ideais que a modernidade envolve, eles acabaram resultando em crimes contra a
prpria humanidade.
Para entender o ps- da ps-modernidade e a crtica que ele implica preciso lembrar
o que entende-se por projeto moderno e os valores que ele embandeirou. A Modernidade um
movimento histrico-cultural que surge no Ocidente a partir do sculo XVI e continua at o
sculo XX. Sua filosofia foi o pensamento das Luzes, o Iluminismo, que colocando no centro
a Razo crtica postula-se como um pensamento cujo alvo a emancipao da humanidade.
O projeto moderno supe que entanto a Razo (universalmente vlida) governa as aes
humanas, a humanidade encaminha-se para sua perfeio. Desta idia geral desmembram-se
todas as outras que a caracterizam: a ideologia do progresso, a idia universal e nica de
Sujeito, a concepo linear teleolgica e unificada de Histria, a nfase no futuro como tempo
utpico no qual a humanidade, em seu progresso infinito, alcanaria sua perfeio, dando
assim a coerncia e unidade de um processo cujo alvo seria um mundo regido pelos ideais da
justia e de razo.
Mas, para Lyotar este projeto demonstrou ser falho na mediada que em nome desses
ideais, e com a ajuda do desenvolvimento da razo - e de suas irms gmeas a cincia e a
tecnologia - a humanidade assistiu a seu prprio assassinato: o crime que inaugura a psmodernidade, crime de lesa soberania, j no regicdio, mas populicdio (distinto dos
etnocdios) (Lyotard, 1987, p.33). O argumento enfatiza que no foi o abandono da Razo
o que levou ao Terror, mas justamente o prprio desenvolvimento dela, a vitria da
tecnociencia como instrumento de domnio sobre os sujeitos, que, ao contrario de atingir os
ideais emancipatrios que o projeto moderno prometia, resultou em seu oposto: um mundo
regido pela injustia, a falta de igualdade, de educao, de liberdade. A constatao deste
fracasso o que produz a deslegitimao das metanarrativas que baseavam suas teorias
no termos de: universalidade, verdade, progresso, emancipao, unidade, continuidade,
determinismo, futuro utpico.
Contudo, esta nova etapa de deslegitimao das grandes narrativas pode abrir outras
maneiras de gerar consenso que se afastam do ideal de domnio (Lyotard, 1987, p.34). Isto
significa abandonar no sentido de revisar criticamente e no de se abandonar a um
irracionalismo alienante as duas grandes idias da Modernidade: a de um fim unitrio,
linear, emancipatrio da Histria baseado na ideologia do progresso e a de um Sujeito
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universal que representa humanidade como um todo e cuja capacidade racional conduziria
perfeio.
Rejeitando a concepo da Razo como fundamento transcendental e metafsico
com seu valor de emancipao, a ps-modernidade se apresenta, pelo contrrio, como um
pensamento fraco, que no encontra certezas, verdades nem ideais nos que se fundar.
Enquanto crtica dos conceitos universais, a ps-modernidade aparece como um pensamento
espalhado em pequenas narrativas que em vez de produzir legitimao (no sentido
moderno) s podem produzir consensos locais e parciais.
Mas, opondo-se s vises apocalpticas ou nostlgicas do cenrio ps-moderno,
Lyotard prope assumir nossa condio contempornea como uma chance de crtica e de
resistncia que, claro est, rechaa o pensamento metafsico e transcendental no que se baseou
a Modernidade. Nas palavras dele: fazer o luto da unanimidade e encontrar outro modo de
pensar e de agir, ou de se mergulhar na melancolia incurvel deste objecto perdido (ou
deste sujeito impossvel): a humanidade livre (Lyotard, 1987, p.40). Este trabalho de luto (no
sentido freudiano) relaciona-se com outros dois conceitos que achamos chave na teoria de
Lyotard para pensar a ps-modernidade: perlaborao e anamnese. A ps-modernidade
apresentada deste ponto de vista como uma perlaborao da modernidade e, em este sentido,
envolve a idia de trabalho, de re-laborao psicanaltico dos traumas que a modernidade
carregou. Contra o silencio e a interdio, o trabalho de luto supe a possibilidade de dar uma
resposta que enfrenta esse declnio do projeto moderno enfrentando-o nas suas
possibilidades e no melancolicamente.
No se trataria ento de uma superao do moderno, nem menos ainda de uma volta
a uma suposta pr-modernidade, mas, pelo contrrio, de um processo em ana , um
processo de anlise, de anamnese, de anagogia, e de anamorfose, que elabora um
esquecimento inicial (Lyotard, 1987, p.98). Re-elabora- trabalho de trazer de novo para a
memria aquilo da ordem do reprimido, do recalcado pela modernidade-; a ps-modernidade
pode significar, contra as propostas apocalpticas, uma possibilidade de resistir, que de
maneira alguma se apresenta como um esquecimento irracional da razo crtica, mas que
restringindo seus universais, pensa a resistncia a partir das micrologias. Enfrentando a
queda da metafsica, mas tambm o pragmatismo positivista traa uma linha de
resistncia no micro, longe da frente totalizante do moderno.
O outro conceito que queremos resgatar do pensamento de Lyotard a questo do
acontecimento. Este conceito, que vermos tambm ser trabalhado no ps-estruturalismo e na
teoria de Vttimo que retoma o pensamento de Heidegeer, pode ser pensado como um tipo de
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53
funcin del placer (es hoy) un atentado al buen sentido (...) en que se basa toda la ideologa
del consumo y la acumulacin (SARDUY, 1999, p.1250).
O poder crtico do neobarroco, em tanto esttica da ps-modernidade, se faz evidente
no s na crtica que levanta maneira de Lyotard dos fundamentos da Modernidade e no
poder de desconstruo das sua categorias _ sujeito, tempo, histria , verdade, ideais
transcendentais mas tambm na maneira fraca, irrisria e humorstica com que d conta
dessa crise. Entanto forma de impugnao do presente, o neobarroco, aposta superfcie, aos
gestos mnimos, a irriso e a auto-pardia, a uma arte leve e um pensamento fraco, longe das
frentes totalizantes - da negatividade crtica das vanguardas e do modernismo em geral.
Operando com categoria fracas, com uma esttica do menor, que assume a carncia ltima
de todo fundamento, o neobarroco postula sua crtica do logos moderno, como postura de
resistncia e destronamento dos discursos dominantes:
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moderno, mas tambm como dissoluo da categoria do novo, como experincia de fim de
histria, mais do que como apresentao de uma etapa diferente, mais evoluda ou mais
retrgrada, no importa, da prpria histria (Vttimo, 2002, p. 9). A idia de fim da
histria ao que podemos agregar uma srie de mortes e fins, do sujeito, da metafsica, do
humanismo, da arte no significa que a histria
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fundamentalmente, na questo do que Vttimo chama de auto ironia ( diferente de autoreferencia) e que Sarduy define como pardia.
A extrema artificializao do neobarroco sendo a pardia um dos seus mecanismos
tem como alvo no a auto-referencia (procedimento que se relaciona com a idia de obra de
arte autnoma e fechada em si mesma prpria da modernidade), mas com a auto-ironia que
sublinha, em ltima instncia, o carter artificial de todo cdigo. Para Sarduy, a pardia uma
forma literria superior, diferentemente das acepes pejorativas do gnero nas quais se
destaca o carter escarnecedor e ridiculizador. Seguindo a linha terica de Bakhtin, e as
noes de carnavalizao e intertextualidade, Sarduy afirma que: slo en la medida en que
una obra del barroco latinoamericano sea la desfiguracin de una obra anterior que haya
que leer en filigrana para gustar totalmente de ella, sta pertenecer a un gnero mayor
(SARDUY, 1999, p. 1394).
Como vemos, a noo de pardia de Sarduy se assemelha da de homenagem que
estabelece Linda Hutcheon e tambm da de pastiche como suplemento que postula
Silviano Santiago. O interessante de todas estas definies de pardia-pastiche que nelas a
funo muda completamente com respeito ao uso que modernismo e vanguarda fizeram dela.
Neles, o procedimento pardico era usado como maneira de ridicularizar e escarnecer uma
esttica anterior, isto , ligava-se com o problema do rechao do passado e da tradio.
Na verso ps-moderna-neobarroca a pardia incrementa sentido, um
suplemento que modifica o sentido do texto anterior, ao qual se monta barrocamente,
sem intenes de destru-lo, mas de encontrar-lhe novos sentidos. Trata-se de uma prtica
tautolgica que se diferencia da simples referencia a um texto anterior, isto , dos tpicos
procedimentos (j gastos) de mise en abme, j que o que pardia , na verdade, o cdigo
formal que sustenta a escritura anterior e lhe confere autoridade, sublinhando desse modo
seu carter de letra morta, lugar comum, conveno.
Da que a relao com a tradio no seja como no caso das vanguardas de rechao e
ridicularizao, mas de homenagem e re-contextualizao. A relao com a tradio e o
passado difere nos dois usos da pardia; para o neobarroco os cdigos da tradio tormam-se
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Lia Nietzche e estava muito empolgado com sua teoria sobre a dupla afirmao da
vida o desejo violento de afirmar os sentimentos vitais. E Nietzsche, no livro A
genealogia da moral e posteriormente em OAnticristo, faz uma crtica radical ao
cristianismo, em particular naquilo que ele traz e a que chamamos de a moral do
ressentimento, ou seja, a autoafirmao pela negao, pela morte. (...) Era muito
importante esse sim vida e no ao martrio, dor, ao sofrimento e morte. Tratase da afirmao atravs do prazer e da alegria, e sobretudo esse sentimento de
alegria que sera uma resposta aos regimes autoritrios, violncia da represso
(SANTIAGO, 1991, p.4)
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Por outro lado, a temtica gay que os autores trazem, relaciona-se com o que Santiago
assinala como uma mudana na temtica. Para a literatura ps-moderna, a problemtica maior
a crtica a qualquer forma de autoritarismo e a questo do poder, que ser abordado, agora, a
partir de uma preocupao com as micro-estruturas de represso e no como o problema
das grandes causas, colocando em segundo plano a dramatizao dos grandes temas
universais e utpicos. Neste mesmo sentido, pensamos que a presena forte da corporalidade,
do sensual e do sexual atravs da abordagem da temtica gay na obra de Copi e de
Perlongher, relaciona-se com o que tambm aponta Santiago como prprio da literatura psmoderna: uma tica do corpo que se inscreve dentro dum esprito dionisaco prprio desta
potica do agora:
Tambm pensamos no papel que o artista e intelectual tem neste cenrio psutpico. Tanto Perlongher quanto Copi mantendo um ethos transgressor se afastam da
figura do intelectual revolucionrio prprio das dcadas dos 60 e 70. Com as mudanas que a
ditadura carregou e o comeo da democracia trouxe, achamos que o papel da artista diante da
sociedade tambm mudou, fundamentalmente, em relao a um tipo de olhar marcado pela
ironia e a falta de credulidade nas grandes causas, inclusive como conseqncia, da autocrtica que a prpria esquerda vai realizar. Assim, propomos pensar sob o conceito de ironia,
uma mudana que carregaria a literatura ps-moderna em relao ao papel do artista: de uma
tica revolucionria-utpica passa-se a uma tica cnica23, no sentido em que fala
Sloterdijk. interessante aqui diferenciar Copi de Perlonher, j que neste aspecto eles so
bastante diferentes, sendo que o ltimo assume um papel mais de intelectual e de ativista
23
Segundo Sloterdijk: O cnico moderno um carter a-social integrado, cuja falta de iluses firmemente
estabelecida corresponde de qualquer hippie [pessoa que rejeita a ordem estabelecida]. Ele no v seu prprio
olhar lcido e diablico como um defeito pessoal ou como um desvio amoral que deva ser justificado de modo
particular. Instintivamente, ele jamais enxerga seu modo de vida como algo perverso, mas como parte de uma
viso coletiva, realista, das coisas. ... Parece at haver algo saudvel nessa atitude, como em geral h no desejo
de auto-preservao. Esta a postura de pessoas que constatam terem acabado tempos da inocncia. (The
modern cynic is an integrated asocial character whose deep-seated lack of illusions is a match for that of any
hippy. He does not regard his own clear, evil gaze as a personal defect or as an amoral quirk to be privately
justified. Instinctively, he no longer understands his way of life as someting evil, but as part of a collective,
realistic view of things. ... There even seems to be something healthy in this attitude, as there is generally in the
will to self-preservation. This is the stance of people who realize that the times of navet are gone). (Sloterdijk,
1984, p. 192)
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Tentamos agora pensar as relaes entre literatura (arte culta) e cultura de massa
fundamentalmente na literatura contempornea, isto , nas manifestaes artsticas que
surgem a partir da segunda metade do sculo XX. Isto coloca-nos diante de um tema no
menos problemtico: a ps-modernidade. Tentaremos estabelecer brevemente o que
entendemos por este termo retomando o j trabalhado no capitulo anterior e problematizando
agora alguns aspectos ainda no falados, fundamentalmente, a pertinncia como categoria
descritiva das condies histrico-econmico-culturais da Amrica Latina enquanto
continente perifrico.
Interessa-nos esta questo j que o neobarroco considerado por alguns crticos como
uma crtica epistemolgica e esttica dos fundamentos da modernidade (esta a postura de
seu maior representante e terico Severo Sarduy e tambm da crtica Irlemar Chiampi), e, por
outros, como um equivalente, em vrios aspectos, do ps-modernismo (esta a postura do
crtico italiano Omar Calabrezze).
Alm da questo do neobarroco e sua possvel relao com a ps-modernidade, nossa
pesquisa visa estudar as relaes da arte contempornea com o Kitsch e o Camp, estilos
claramente associados aos efeitos produzidos pela cultura de massa. Deste modo, achamos
pertinente fazer um percurso pelas teorias da cultura de massas mais significativas que nos
permitam aprofundar este uso do Kitsch e do Camp nos escritores sobre
os quais
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Partiremos, ento, de um percurso por teorias estudadas que nos permita, em primeiro
lugar, definir o que entendemos por cultura de massa, para depois pensar como ela se
relaciona com a arte na ps-modernidade, tentando estabelecer e problematizar tambm este
termo.
No interior deste debate cujo horizonte maior poltico e no somente esttico que
pensamos que o problema do papel da cultura de massa na sociedade contempornea deve ser
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discutido. Mas tambm poltico o problema quando o colocamos em relao com a arte e a
literatura, na medida em que a alta cultura o ponto de contraste e referencia em funo do
qual se ignora ou rejeita por banal e degradada , ou se elogia e supervaloriza por
popular e democrtica, a cultura de massas.
Desemaranhar as relaes entre alta cultura e cultura de massa resulta assim um ponto
iniludvel ao pensar a contemporaneidade. Porm, a nosso ver, preciso sair da viso
maniquesta do problema e enfrentar as contradies e paradoxos do cenrio atual. Nem
apocalpticos, nem integrados, nem neoliberais nem neopopulistas; a questo precisa ser
redefinida de maneira crtica e com a maior amplido de viso. Isto , de alguma maneira, o
que prope Jamenson no seu texto intitulado: Reificao e utopia na cultura de massa e que
tomamos como ponto de partida. O autor tambm tenta sair das posies extremas nas quais
costuma-se reduzir o debate: a postura populista que da prioridade a cultura de massa
baseando-se no argumento do elitismo da alta cultura, e, a outra, a linha que baseada no
pensamento crtico da Escola de Frankfurt, valoriza somente a arte modernista tradicional
estigmatizando os produtos da indstria cultural. Como veremos a inteno do autor, neste
texto, re-colocar o problema sob uma nova luz que, partindo da teoria crtica frankfurtiana,
redimensiona a questo do valor e da funo de ambas alta cultura e cultura de massas
nas sociedades contemporneas. Tanto quanto ele, achamos que o ponto de partida para a
discusso do problema deve ser a Escola de Frankfurt.
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com o texto de Adorno e Horkheimer que se estabelece, contra o senso comum que
atribui ao cenrio da cultura moderna a forma do caos, a idia de um sistema altamente
articulado no qual a produo simblica de bens passou a ser regida pela lgica da
mercadoria, no sentido marxista do termo, isto , em funo de seu valor de troca e no no seu
valor de uso. A arte e os bens simblicos sempre tiveram um valor, mas um valor de uso; na
era do capitalismo esse valor se fetichiza, sendo isto o que transforma a produo de bens
culturais no que os autores vo designar, pela primeira vez, como indstria cultural. No
estaria no valor em si destes produtos o problema, mas na funo para a qual eles so
produzidos e cuja finalidade somente gerar lucro e, assim, se dirigir a re-afirmao do
estatus quo.
No mbito destas premissas, a questo da tcnica tambm resulta chave para
compreender no s o texto de Adorno e Horkheimer, mas tambm para contrap-lo ao
pensamento benjaminiano, mais positivo neste sentido. A tcnica, na viso adorniana,
pensada nos seus efeitos negativos, no na sua essncia em si, mas por como ela usada nas
sociedades capitalistas, impondo sobre os produtos da indstria cultural a padronizao, a
produo em srie que atrofia a imaginao, a uniformizao, o esquematismo, o
empobrecimento dos materiais estticos. Todas estas caractersticas da indstria cultural so o
resultado do uso que se faz da tcnica nas condies de produo do capitalismo cujo fim o
controle da conscincia individual para reproduzir o prprio sistema, isto , a dominao: O
que no se diz que o terreno no qual a tcnica conquista seu poder sobre a sociedade o
poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A racionalidade tcnica
hoje a racionalidade da dominao (Adorno-Horkheimer, 1985, p. 114).
Como vemos, o argumento que percorre e fundamenta o texto a questo da
instrumentalizao da razo tecnolgica para uma finalidade que contradiz os ideais de
emancipao do projeto da modernidade, da razo e da cincia: gravar a onipotncia do
capital, da seu carter dominante e alienante. A idia de instrumentalizao est intimamente
ligada a de mercadoria na qual j no importa o uso da coisa, mas somente seu consumo. a
lgica do lucro e do consumo o nico fim da indstria cultural, na qual os bens simblicos
tornam-se simples meio para seu prprio consumo.
Resumindo, estas so as diretrizes do trabalho de Adorno e Horkheimer, mas como
propusemos no comeo queremos salientar a relao arte - cultura de massa, pelo qual vamos
nos centrar nos momentos em que o texto aborda mais especificamente este problema,
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sabendo que deixamos muitas coisas de lado. Na verdade, para pensar a indstria cultural
Adorno e Horkheimer, e a escola de Frankfurt em geral, vo compar-la sempre com o outro
plo da questo: a Arte, entendendo ela como a grande arte burguesa. Na concepo deles, a
valorizao da arte oposta ao carter instrumental da indstria cultural, baseia-se em trs
traos pelos que estabelecer suas diferenas, mas tambm seus valores. Essas trs questes
so: a negatividade, a autonomia, e o fracasso da obra de arte, que supe sua autenticidade.
a partir do valor positivo destas funes da arte que a escola de Frankfurt diferencia e ope
arte a indstria cultural delimitando-os como espaos antagnicos. Tentaremos ento pensar
estas trs categorias, ver o que elas significam porque nelas que se acham os pontos chave
da Teoria Crtica. Permitimo-nos uma grande citao para comear a discusso:
O novo no o carter mercantil da obra de arte, mas o fato de que, hoje, ele se
declara deliberadamente como tal, e o fato de que arte renega sua prpria
autonomia, incluindo-se orgulhosamente entre os bens de consumo, que lhe confere
o encanto da novidade. A arte como um domnio separado s foi possvel em todos
os tempos, como arte burguesa. At mesmo sua liberdade, entendida como negao
da finalidade social, tal como esta se impe atravs do mercado, permanece
essencialmente ligada ao pressuposto da economia do mercado. As puras obras de
arte que negam o carter mercantil da sociedade pelo simples fato de seguirem sua
prpria lei, sempre foram ao mesmo tempo mercadorias (...) A falta de finalidade da
grande obra de arte moderna vive do anonimato do mercado. (ADORNOHORKHEIMER, 1985, p. 147)
Fiel ao pensamento dialtico, neste pargrafo podemos ler a sntese do que estamos
tratando. Se foi a partir do comeo da modernidade que a arte se liberou de suas ligaes com
patronos nobres e com a igreja adquirindo assim sua autonomia, ao mesmo tempo e
paradoxalmente, ela passou a depender do mercado, o que a torna dependente novamente,
mas agora de uma maneira mais absoluta e determinante. Para entender o conceito de
autonomia preciso se lembrar da definio kantiana de arte: a de uma finalidade sem fim.
esta idia a que persegue a arte moderna: a sua autonomia, a sua falta de finalidade, sua
existncia intil, seu domnio separado de qualquer outra finalidade que no seja ela mesma.
Mas se foi s a arte burguesa quem consegui esse grau de liberdade, pela lgica do prprio
sistema capitalista que ela ficar submetida pior das finalidades: a do lucro, a da lei do
mercado, da oferta e da procura: Assimilando-se totalmente a necessidade, a obra de arte
defrauda de antemo os homens justamente da liberao do principio da utilidade, liberao
essa que a ela incumbia realizar (ADORNO-HORKHEIMER, 1985, p. 148).
Por negao da finalidade social entende-se no que a arte no tenha funo social,
mas que a sua funo a de negar o principio pelo qual a sociedade capitalista rege-se: que
tudo deve ter uma finalidade, uma utilidade. A grande arte burguesa vinha nos lembrar que
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esse principio, sob o qual a sociedade capitalista se estrutura, um principio ao qual podemos
resistir, elevando a vida alm de seu carter instrumental e pragmtico. A dialtica negativa
da Escola de Frankfurt, entendida como este poder crtico, significa isto e tambm a idia de
negar a separao, prpria da sociedade capitalista, da diviso em duas esferas: cultura e
civilizao, mundo da arte e mundo do trabalho, mundo do espiritual e inteletual, e mundo do
manual e material. A grande obra de arte nega a separao das duas esferas como uma
promessa. Perguntamo-nos: promessa de qu? De uma sociedade na qual essa diviso j
no exista.
Aqui que entra o conceito de fracasso como sendo necessrio a grande obra de
arte. Nela, o fracasso aponta em direo superao da diviso das esferas, mas tambm
prpria autoconscincia de pertencer a essa diviso. Ao fracassar ela vence, assumindo no
seio dela mesma a contradio entre autonomia e mercado, da qual ela depende: Os que
sucumbem ideologia so exatamente os que ocultam a contradio, em vez de acolh-la na
conscincia de sua prpria produo (ADORNO-HORKHEIMER, 1985, p.147). A questo
do fracasso da obra de arte relaciona-se com o carter autentico ou falso do estilo. A
autenticidade outro dos maiores valores da grande arte. O que se entende aqui por estilo
justamente a marca individual e nica da obra, a sua fora de contra-corrente da arte moderna
em relao tradio, sendo ele o que proporciona sua verdade negativa. Neste sentido, o
grande artista desconfia do estilo (entendido como tradio) e sua obra o confronta criando
seu prprio estilo; a indstria cultural, ao contrrio, imita e ao faz-lo se apresenta como a
prpria negao do estilo.
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Desta maneira, arte e indstria cultural seriam os plos opostos em que a cultura se expressa
dentro das sociedades capitalistas. Mas, no que o prprio Adorno chama de capitalismo tardio
pensemos que o texto foi escrito nos EUA durante o exilo aps a Segunda Guerra Mundial
a arte parece cada vez mais se submeter lgica da indstria cultural, degradando-se em
mercadoria e perdendo assim a fora de resistncia e de pensamento crtico que a
caracterizou.
Finalmente, queremos fazer referencia a outro aspecto que o texto levanta, e que
achamos pertinente j que ser retomado como ponto de discusso em teorias e autores
posteriores. Trata-se da suposta aresta democrtica da indstria cultural na medida em que
se dirige a um pblico que agora massivo, o que a transformaria numa superao do carter
elitista da grande arte, dirigida historicamente a minorias.
O interessante que na
argumentao dos autores fica clara a crtica a este pensamento - que veremos surgir com
posterioridade, os neopopulistas - que defende a cultura de massa baseando-se na idia da
democratizao do acesso das massas cultura. Para a Adorno- Horkheimer esse argumento
uma falcia que esconde que a degradao esttica da cultura de massa o resultado da
verdadeira finalidade: a manipulao e dominao das massas para resultarem eficazes ao
sistema, para integr-los, como reprodutores das condies existentes, da o carter reificante:
A eliminao do privilgio da cultura pela venda em liquidao dos bens culturais
no introduz as massas nas reas de que eram antes excludas, mas serve, ao
contrrio, nas condies sociais existentes, justamente para a decadncia da cultura
e para o progresso da incoerncia brbara (Adorno-Horkheimer, 1985, p.150).
Como sabemos, o texto de Adorno-Horkheimer pode ser lido como uma resposta ao
famoso texto de Benjamim A obra de arte na era de sua reprodutibilidade tcnica cujo
sentido e novidade encontra-se, ainda hoje, na capacidade do filsofo para estabelecer o
carter histrico da produo e da percepo das obras de arte. Essa a grande descoberta de
Benjamin e que lhe permitir realizar uma valorizao da arte que j no possui o valor de
autenticidade e autonomia e cuja existncia depende das condies tecnolgicas alcanadas
pela sociedade. Entramos, ento, no conceito de aura, entendida esta como: ...o aqui e agora
da obra de arte, sua existncia nica, no lugar em que ela se encontra (...) O aqui e agora do
original constitui o contedo de sua autenticidade, e nela se enraza uma tradio que
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identifica esse objeto at nossos dias, como sendo aquele objeto, sempre igual e idntico a si
mesmo (BENJAMIN, 1985, p. 169).
Segundo Benjamim, a partir da evoluo da tcnica nas sociedades capitalistas, as
obras passaram a ser de um estatuto outro, diferente das obras tradicionais, caracterizadas
pela destruio da aura. importante compreender que o conceito de reprodutibilidade
tcnica no significa a mesma coisa que tcnica de reproduo; as obras que nascem na era da
reprodutibilidade no se reproduzem a partir de um mecanismo externo, mas, pelo contrrio, a
tcnica encontra-se dentro das suas prprias condies, a tcnica intrnseca a obra de arte.
Da que para Benjamim o cinema e a fotografia sejam arte, mas uma arte que, historicamente
determinada, se diferencia do que tradicionalmente se entendia por arte.
A arte contempornea, a arte da reprodutibilidade tcnica, traz consigo duas
destruies: a atrofia da aura e, conseguintemente, a liquidao do valor tradicional do
patrimnio da cultura. Mas, ao mesmo tempo, inicia uma outra funo da arte, que se
afastando da teologia negativa da arte (arte pura que rejeita toda funo social), sai do ritual
para fundar uma prxis poltica: com a reprodutibilidade tcnica a obra de arte se emancipa,
pela primeira vez na histria, de sua existncia parasitria, destacando-se do ritual
(BENJAMIN, 1985, p.171). A postura de Benjamim a oposta a de Adorno; para o primeiro
a tcnica, em vez de um papel alienante, pode trazer emancipao para as massas, destruindo
dois dos grandes valores da arte burguesa: autenticidade e ritual. Isto abriria o comeo de um
novo tipo de arte cujas potencialidades so, para Benjamim, positivas.
Assim, na viso do autor, a cultura de massa abordada nas suas potencialidades
emancipatrias. importante destacar neste sentido, que a destruio da aura na arte
contempornea no pensada por Benjamim melancolicamente, como o ocaso ou degradao
final da evoluo da arte, mas e a est a chave de seu pensamento como uma arte
diferente, historicamente determinada, pelas condies de produo da sociedade que
pertence. Sua forma cuja marca agora a da reprodutibilidade no em si uma forma
degradada, mas uma forma outra, e o papel que ela pode passar a cumprir para a sociedade
para Benjamim alentador em seu carter formador para as massas.
O texto do Benjamim consta de vrios tpicos nos que poderamos deter-nos, mas no
essa nossa inteno. Interessa-nos sublinhar os aspectos mencionados que sero, por sua
vez, retomados em outros momentos e confront-lo com o pensamento adorniano. Lido hoje,
o texto de Benjamim parece-nos o que teramos gostado que acontecesse, sua viso resultanos mais utpica que descritiva. Lamentavelmente, temos assistido ao longo de todo este
tempo a realizao de vrios dos prognsticos da postura desiludida de Adorno em relao s
71
Estamos aqui diante de uma postura que assume a contradio: no nega o carter de
sistema extremamente articulado em funo do lucro , mas ao mesmo tempo reconhece
nele zonas marginais nas que possvel fugir da racionalizao-padronizao que o
caracteriza. Haveria ento a possibilidade de resistir dentro do prprio sistema, de quebrar sua
rigidez. A posio do autor neste sentido positiva, mas no ingnua e se baseia na idia de
um duplo impulso: por um lado, um impulso conformista ao produto padro e, por outro, um
impulso criao artstica e a livre inveno, embora esta corrente seja sempre perifrica:
, portanto, um sistema bem menos rgido que se apresenta primeira vista: est
em certo sentido, fundamentalmente dependente da inveno e da criao que esto,
72
Mas, embora este seja o argumento mais forte do autor e que nos interessa resgatar-,
por outro lado, importante tambm enfatizar os aspectos negativos que o autor vai estudar
em relao cultura de massa. Se na conflituosa relao alta cultura cultura de massa,
Morin reconhece a possibilidade de a primeira ainda existir e ser necessria ao sistema, por
outro lado, tambm estabelece os mecanismos pelos quais a cultura de massa integra a alta
cultura a seu sistema banalizando-a. Segundo ele, esses procedimentos so a democratizao
e a vulgarizao ( simplificao, modernizao, maniqueizao, atualizao) a travs dos
quais a indstria cultural consegue aclimatar a alta cultura transformando-a em produtos
facilmente digerveis que se tornam verdadeiros hbridos culturais:
Interessa-nos este ltimo postulado do Morin porque , justamente, aqui que tentamos
pensar algumas questes da arte contempornea. A idia de hbridos culturais pareceria ser
um trao da ps-modernidade, sendo isto um dos pontos que nos interessa problematizar. Para
uma postura politicamente progressista o problema da cultura de massa no estaria no seu
carter democratizador, mas nos procedimentos aos quais ela se submete para oferecer
produtos de fcil consumo que banalizam o contedo e o poder crtico e de reflexo dos bens
culturais.
73
74
75
Esta postura que nega que toda a literatura ps-moderna seja acrtica bastante forte
quando falamos de contextos que no sejam o dos EUA. A meno quase exclusiva de
exemplos da cultura norteamericana no texto de Jamenson produz essa desconfiana. Do
nosso ponto de vista, achamos pertinente abordar a ps-modernidade como um perodo
histrico marcado pelas caractersticas desta fase do capitalismo tardio. Mas, achamos
importante pensar que tanto a modernidade quanto a ps-modernidade possuem traos
diferentes em pases perifricos que recebem o modelo cultural dominante, mas o re-adaptam
a suas prprias condies. Por outro lado, achamos que muitas das manifestaes da arte
contempornea e ps-moderna podem ainda produzir efeitos crticos que resistem as foras
integradoras do mercado.
No contexto das sociedades latino-americanas, os intelectuais que tem abordado este
problema (Barbero, Canclini, Sarlo), parecem concordar com o argumento de Jamenson de
que estaramos diante de um novo cenrio global, de um estgio especial do capitalismo,
que no caso de nossos pases se inauguraria a partir das ditaduras com a imposio por parte
dos EUA de um novo modelo, o modelo neoliberal. Isto o que permite a Christian
Gunderman entre outros crticos que abordam o perodo- falar de ps-ditadura, em vez de
ps-modernidade.
Mas, as condies que assume esse modelo possuem caractersticas particulares em
pases perifricos como os nossos e cuja marca mais notria seja tal vez a fragmentao cada
vez maior e o aumento do empobrecimento, gerando distancias cada vez maiores entre as
diferentes classes e abolindo os projetos cujos ideais se baseavam nas concepes de
igualdade e cidadania. a fora do mercado intervindo os campos do poltico e do esttico o
que nos coloca diante desta nova condio inaugurando a era das democracias audiovisuais.
Segundo Canclini:
76
Embora o autor citado represente as tentativas de, justamente, repensar o papel dos
mdios e do consumo como espaos no somente de dominao e alienao, mas tambm em
suas funes positivas, o que queremos agora salientar a descrio das condies
econmicas, sociais e culturais da ps-modernidade no contexto da Amrica Latina, as quais
como vemos esto longe dos ideais de igualdade, cidadania e justia social nos que se
baseavam os modelos emancipatrios da modernidade.
a partir desta concepo de ps-modernidade que queremos abordar agora a questo
especfica da relao, no mbito das condies anteriormente descritas, da arte com a cultura
de massa. Pensar esta relao nas sociedades ps-modernas nas que o mercado da indstria
cultural parece ter abarcado a totalidade da existncia transformando-nos no que Debord
chamou de sociedade do espetculo implica levantar uma pergunta no simples de
responder: tem a arte contempornea capacidade de continuar produzindo pensamento crtico,
de resistir e se apresentar como contracorrentes das foras sociais, ou pelo contrrio, ela est
completamente submetida lgica do capitalismo tardio? Para tentar responder a esta
pergunta necessrio rever o que colocvamos como valor na arte moderna. A reviso dos
valores da arte moderna pode nos permitir sair do beco sem sada de uma viso melanclica
sobre o passado e abrir as possibilidades para um pensamento que olhe a arte ps-moderna
sem mitificao, mas tambm sem concesses.
Nesta direo aponta o texto de Jamenson intitulado Reificao e utopia na cultura
de massa que parece aportar uma viso diferente da colocada no texto sobre ps-modernismo
e sociedade de consumo. Interessa-nos particularmente este texto porque achamos que aborda
o problema de uma maneira diferente afastando-se das solues simplistas que,
maquineistamente, ou elogiam ou condenam as condies da cultura na contemporaneidade.
Trata-se aqui de repensar a oposio que desde a Escola de Frankfurt se colocou entre alta
cultura e cultura de massa. Fundamentalmente, o texto de Jamenson assume como um trao
da ps-modernidade a interpenetrao de alta cultura e cultura de massa(JAMENSON,
1995, p.6) apontando para o fato de que esta situao deve ser olhada do ponto de vista de
uma abordagem genuinamente histrica e dialtica desses fenmenos (JAMENSON, 1995,
p.6). Pensar a arte ps-moderna e sua irreversvel26 relao com a cultura de massa, histrica e
dialeticamente, supe abandonar o sistema de valores pelo qual se regia a obra de arte
26
Esta questo da irreversibilidade da situao contempornea em que se encontra a literatura sua relao
com a cultura de massa analisada no contexto especfico da Amrica Latina no texto do escritor e crtico
argentino Juan Jos Saer, La Literatura y los nuevos lenguajes, no qual analisando a obra de escritores latinoamericanos (Borges, Gelman, Carlos Drumond de Andrade) estabelece os efeitos positivos e negativos desta
penetrao.
77
A valorizao positiva da arte modernista como ponto imutvel e fixo com o qual
medir a qualidade esttica das obras contemporneas contradiz o que de mais interessante
tinha o pensamento frankfurtiano: a descoberta da historicidade das formas e por tanto o
irreversvel processo de envelhecimento das maiores formas modernistas(JAMENSON,
1995, p.6). O que preciso pensar, segundo Jamenson que no terceiro estgio ou fase
multinacional do capitalismo, o dilema do duplo padro da cultura alta e de massa permanece,
tornou-se no o problema subjetivo de nossos prprios padres de julgamento, e sim uma
contradio objetiva, com seu prprio fundamento social (JAMENSON, 1995, p.7). Na
verdade, modernismo e cultura de massa compartilham e enfrentam uma mesma realidade
social, mas a resolvem de maneiras opostas: essa realidade a lgica da mercadoria qual a
cultura de massa vai se adaptar e o modernismo vai resistir. Mas, o inovador desta leitura a
vinculao estrita entre modernismo e mercadoria que faz pensar nele, segundo o mesmo
autor, como um sintoma, mais do que como uma soluo definitiva.
78
Pero incluso cuando parece ms prximo a los objetos que adopta de todos modos
el pop ejerce sobre ellos algn grado de violencia simblica. () El pop es
imposible sin esta doble distancia: la que, por un lado, critica el arte consagrado
que se origina en una lnea de las vanguardias de este siglo; y la que, por el otro,
cambia los usos de una lata de sopa o de un cuadro de historieta, para decir esto
se puede hacer con aquello. Consumista y celebratorio, el pop fue una gigantesca
mquina de reciclaje y de mezcla, pero conserv la distancia que hizo posible,
precisamente, la operacin pop.() Para decirlo rpidamente: despus del pop
nadie puede escandalizarse ni asombrarse por ningn reciclaje. (Sarlo, p. 103)
esta distancia que, a nosso ver sempre irnica, um ponto que nos permite
estabelecer diferenas entre arte e cultura de massa; na primeira a violncia simblica
opera sempre num sentido crtico em relao aos matrias dos que se serve, muitos deles
pertencentes ao que tem de pior da indstria cultural. Estas tendncias contra-culturais da arte
ps-moderna mesclam, adotam, reciclam formas, materiais ou procedimentos cuja origem a
indstria cultural ou cultura de massa, mas os ressaltam a partir de uma distancia que em vez
27
79
do mero consumo gera algum tipo de reflexo e resistncia, diferente da maneira de resistir da
obra modernista cujo principio era justamente se propor como um modelo oposto e sem
nenhum tipo de relao com a cultura de massa.
Achamos, seguindo o postulado por Sarlo, que essa violncia simblica, essa
distancia irnica, o que permite na literatura contempornea se servir de procedimentos,
estilos, formas e contedos prprios da cultura de massa, mas com uma finalidade oposta s
forca integradoras e banalizantes da indstria cultural. Muitas das obras da literatura psmoderna vo reciclar materiais provenientes da cultura de massas com uma inteno crtica
que subverte o sentido alienante e produz novos efeitos crticos, trabalhando agora com as
condies irreversveis dos produtos culturais das nossas sociedades.
O neobarroco, enquanto esttica que trabalha com o kitsch e o camp, estabelece uma
relao de no negao da cultura de massa, de incorporao e desvio, de duplicao e
deslocamento, afastando-se, assim, das definies fortes de arte, cuja caracterstica principal
era adjudicar um sentido transcendental arte e separ-la das formas degradadas da indstria
cultural. Este trabalho particular que o neobarroco faz com o Kitsch e o Camp tem a ver com
assumir a condio atual e inevitvel da relao da arte com a cultura de massa. Segundo
Vttimo, a arte das ltimas dcadas impensvel se no for posta em relao com o mundo
das imagens da mdia ou com a linguagem desse mundo. Aqui tambm resulta necessrio
pensar a arte ps-moderna alm da categoria de negatividade para perceber como essa relao
(arte-cultura de massa) esta operando uma nova funo, diferente da que tinha na vanguarda e
no alto modernismo. Do ponto de vista do autor, trata-se, negando a idia de repetio acrtica, de relaes irnico-icnicas, que duplicam e, ao mesmo tempo, destroam as
imagens e as palavras da cultura massificada, no apenas, em todo caso, no sentido de uma
negao dessa cultura (Vttimo, 2002, p.48)
Isto o que o conceito de ornamento-monumento de Vttimo e de arte hipertlica
de Sarduy vem trazer como uma nova maneira de definir a arte, agora, no seu sentido fraco.
Ambas as categorias vem dar conta de um novo estatuto da arte contempornea e cuja marca
seria a queda do sentido metafsico. Vttimo explica como para a arte, na sua definio forte,
o ornamento e a decorao se apresentam como fatores secundrios e desvalorizados em prol
da essncia ou sentido autntico da obra. Ao mesmo tempo, na arte contempornea
pareceria que o decorativo-ornamental, o lateral , na verdade, o que se valoriza. Deste
80
ponto de vista, esta inverso entre centro e periferia (colocando a nfase na segunda) para
muitos autores um trao da arte ps-moderna.
Mas, retomando o pensamento heideggeriano, Vttimo postula que esse carter
ornamental, perifrico, lateral, de pano de fundo a essncia fraca da arte, e no somente
um trao da atualidade. A esse sentido ornamental (perifrico-decorativo) que nega o carter
fundante e transcendental da arte, Vttimo acrescenta a noo de monumento (num sentido
at oposto do de arte monumental), salientando o que ele tem de resduo, isto , de
resto no perene, de forma morta, de recordao e de presena no plena. Para a concepo
ornamental-monumental da arte no h nenhuma emerso e reconhecimento de uma verdade
profunda, pelo contrrio, ela acontecimento de uma forma que no desvela nem encobre
nenhum ncleo, mas que constitui, na sua sobreposio a outros ornamentos a espessura
ontolgica da verdade-evento (Vttimo, 1987, p.83). Trata-se ento de pensar a arte fora do
pensamento transcendental e metafsico, optando, contrariamente, por uma definio fraca na
que a obra no se legitima por possuir um fundo autntico, um prprio, uma essncia, um
alm que a funda. , contrariamente, por sua fraqueza no sentido de no possuir uma
verdade, nem uma essncia, nem uma profundidade que podemos definir a arte desta
perspectiva.
Na mesma direo anti-esencialista, anti-metafsica, e des-fundante encontra-se a
definio sarduyana de arte hipertlica, isto , de arte que vai alm dos seus fins.
Relacionado com a idia de simulacro e de operao barroca do excesso, a arte hipertlica
gasta para nada, excede sem finalidade, impugnando assim qualquer sentido teleolgico e
forte da arte, revelando-se, em ltima instncia, contra a noo mesma de Sentido. O uso e
abuso dos procedimentos de artificializao que o neobarroco faz convergem nesta direo: a
valorizao da superfcie (que nega que haja uma essncia ou profundidade por traz), a
simulao (como possibilidade simblica que no precisa de um referente ltimo e que,
portanto, nega a lgica representacional), o travesti (como figura emblemtica da inessensiabilidade, da rebelio da cpia contra o modelo). Em todos estes casos, s para nomear
alguns, o neobarroco se apresenta como esttica no transcendental, que encontra no seu
excesso gasto, despilfarro, derroche uma maneira de impugnar os tpicos do iluminismo
entanto filosofia da modernidade, isto , de um sentido forte e fundante de arte,
desautorizando conceitos como essncia, verdade, real, autenticidade, profundidade:
81
82
3.
RELEITURAS
DA
TRADIO:
ESTTICA
CAMP,
PASTICHE
83
A apropriao que a arte ps-moderna faz da cultura de massa relaciona-se com esta
diferente condio de seu estatuto na contemporaneidade, isto , com a aceitao do carter
no aurtico. Contudo, importante sublinhar que esta apropriao de materiais da indstria
cultural se produz a partir de um desvio em relao funo que cumpriam no contexto
original e cuja marca seria o uso ciente e propositado desses materiais a partir de uma
distancia irnica em relao a eles.
No caso do neobarroco, isto se manifesta a partir da assuno do kitsch e do camp, a
partir deste procedimento de distanciamento. Consideramos que esta particular apropriao
do kitsch que faz a esttica Camp o que aparece como marca especfica da obra tanto de Copi
quanto de Perlongher. Como veremos posteriormente nas anlises dos textos literrios, a obra
de ambos os autores um exemplo de como o kitsch pode ser usado de maneira crtica
devolvendo assim outro significado. Neste sentido, a obra deles tambm exemplo de como
as tendncias da literatura contempornea vo nesta direo: a de um dilogo entre alta
cultura e cultura de massa, sem que isto signifique abdicar das possibilidades contestatrias,
do senso crtico e da resistncia, mas assumindo-as dum ponto de vista que, longe das
posturas melanclicas, trabalha a partir do simulacro.
3.2 Definies e aproximaes ao Kitsch e ao Camp
El estilo no es solo la produccin de lo que aparece - el dandy, el roquero, o quien
fuera sino que se relaciona con modos de vida, y afecta a alguien que
discierne.(...) Estos procesos no son solo individuales, sino que comprometen a
grupos, especies o an tribus urbasnas.Hablamos de sensibilidad camp, kitsch,
retro, por un lado; y hippie, punk, glam, por otro. Esas cosas estn en el ojo del que
mira. Si no tuvieramos ese ojo y ese discernimiento (...) no podramos en rigor
hablar de estilo. Habr que considerar las maneras de ver, sin olvidarnos nunca del
contexto y de los aspectos concretos que se van hilando. (ECHAVARREN, 1998,
p.10)
Partimos dessa afirmao do crtico uruguaio porque achamos que a partir dessa
conscincia do papel do olhar, no estabelecimento do estilo, que podemos aproximar-nos
destas duas sensibilidades: o kitsch e o camp. Enquanto categorias de estilo, elas s so
perceptveis por quem fixa um olhar particular sobre objetos ou pessoas. Por outro lado,
necessrio pensar a apario destes dois estilos em relao ao seu contexto, com o que
entendemos tanto os aspectos histricos quanto sociais. Nosso propsito demarcar os traos
mais fortes de ambas as categorias tentando estabelecer, na confuso do que compartilham, a
especificidade de cada uma. Nossa hiptese aponta para a distino delas em funo da
relao diferencial que cada uma tem com a Arte (no sentido forte), isto , com a arte tal
84
como foi definida a partir da Modernidade e tambm com o sistema de produo e recepo
da arte na sociedade capitalista, portanto, com o valor que a arte tem no mercado. As relaes
entre a arte e o consumo aparecem como um ponto crucial na tentativa de diferenciar esses
dois estilos. Mas tambm as noes de gosto, de arte elevada e de cultura de massa.
Como ambas as formas parecem ter certas questes relacionadas ao mau gosto e
cultura de massa, tentaremos partir dessa similitude na procura do que as distingue. Por outro
lado, tentaremos relacion-las com os principais momentos da arte moderna (Baudelaire e as
vanguardas) para pensar em que medida elas aportam ao serem recicladas pela literatura
contempornea um trao caracterstico e especfico da literatura ps-moderna.
O primeiro problema que devemos enfrentar a prpria definio de cultura de
massa, na medida em que ambas as categorias que tentamos analisar kitsch e camp
aparecem associadas a esse particular fenmeno. O que chamamos de cultura de massa um
tipo de produo e recepo da cultura, prprio das sociedades modernas, e que se caracteriza
pela industrializao dos produtos culturais e pela sua conseqente circulao enquanto bens
regidos pela lei da oferta e da demanda, isto , pela transformao da cultura em produto de
consumo. No estudo que Umberto Eco dedica ao tema em seu livro, Apocalpticos e
integrados, o autor define a cultura de massa como:
A indstria da cultura que se dirige a uma massa de consumidores genrica, em
grande parte estranha complexidade da vida cultural especializada, levada a
vender efeitos j confeccionados, a prescrever com o produto as condies de uso,
com a mensagem a reao que deve provocar. (ECO, 1993, p.76).
O fim da cultura de massa um fim claramente comercial e, em funo disso, ela est
completamente afastada das pretenses estticas da arte. Mas o problema reside em que esse
tipo de cultura massiva faz uso e abuso de tcnicas e estilemas provenientes da arte, como
forma de construir mensagens chamativas destinadas a provocar o consumo por parte do
pblico ao qual elas vo dirigidas. Contudo, como aclara Eco, a cultura de massa no deve se
confundir com o kitsch, na medida em que sua inteno, contexto e funo se afastam
claramente da cultura elevada e de suas funes estritamente estticas. A cultura de massa
no se vende como arte; ela tem outros propsitos e no levanta o problema de uma
referncia cultura superior nem para si nem para a massa dos consumidores (ECO, 1993,
p.82) Esse ponto crucial, na definio de Eco, para diferenciar cultura de massa, de kitsch,
que, como veremos, no necessariamente podem ser identificados como a mesma coisa.
85
A cultura de massa nem sempre est associada ao mau gosto e, s vezes, pode
estabelecer uma mensagem de bom gosto; o kitsch, pelo contrrio, est completamente
associado ao mau gosto. Na verdade, o que h de diferente entre ambas uma questo de
inteno: a inteno da cultura de massa nada tem a ver com as ambies artsticas e elevadas
da Arte; sua irrefletida funcionalidade s se dirige a um fim comercial cujo objetivo
provocar o consumo. O kitsch, por sua vez, possui uma intencionalidade artstica
caracterizada pela falsidade, pela ostentosa forma como se vende como arte.
Essa distino elaborada por Eco a partir da diferenciao entre masscult e midcult,
que o autor toma do crtico norte-americano MacDonald. Ambas as formas derivam da
cultura de massa, mas h entre elas uma diferena de inteno que estabelece uma relao
completamente distinta com a arte ou a cultura elevada. Esse ponto permite distinguir as
manifestaes culturais como pertencentes a diferentes setores ou nveis culturais e prope
uma anlise da cultura contempornea que contempla a diversidade de manifestaes de
nossas sociedades. Para Eco, no h nada de errado na cultura de massa ou masscult em si
mesma, na medida em que ela se prope a atingir determinados interesses que nada tm a ver
com as exigncias que pressupem qualquer contato ou experincia artstica. Pelo contrrio, a
intencionalidade do midcult se caracteriza por se expor ostensivamente como verdadeira arte
quando, na verdade, trata-se de uma forma corrupta da Alta Cultura, sendo essa diferena que
permite pens-la como clara manifestao kitsch. Segundo Eco:
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88
chatarra (CALINESCU, 1991, p. 230). Por essa razo, a utilizao do termo designa
diretamente algo como carente de gosto. Na verdade, o mau gosto do kitsch est baseado em
um princpio que coloca a inteno e o resultado numa relao desproporcional e que
Calinescu chama de inadecuacin esttica. Tal inadecuacin se encuentra a menudo en
objetos cuyas cualidades formales son inapropiadas en relacin a su contenido cultural o a
su intencin (CALINESCU, 1991, p.231).
Segundo o mesmo autor, podemos encontrar duas abordagens principais na tentativa
de definio do kitsch: uma aponta para a explicao histrico-social definindo-o como um
fenmeno tipicamente moderno e, portanto, completamente vinculado industrializao
cultural. A outra centra-se na questo esttico-moral e apela para a idia de falsidade, de
mentira esttica para defini-lo: Un arte para agradar a la multitud, a menudo ideado para
el consumo de masas, el kitsch est ah para ofrecer satisfaccin instantnea de las
necesidade estticas ms superficiales, o antojos de um amplio pblico(CALINESCU, 1991,
p.255). Ambas as explicaes so vlidas permitindo uma viso que leva em conta tanto os
aspectos formais quanto histrico-sociais do fenmeno. A definio esttica de Calinescu
baseia-se, fundamentalmente, na definio que d Umberto Eco:
As, resultaron kitschig (forma adjetiva) desde los enanitos de jardn, que
empezaron a exportarse a todo el mundo, hasta las flores artificiales cada vez ms
perfectas en su imitacin de las originales. Capacidad de imitacin y auge
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consumista de una capa social fueron los que hicieron el terreno propicio
(AMICOLA, 2000, p.102).
Segundo o mesmo autor, o comeo do sculo XX marca uma segunda etapa do kitsch,
fundamentalmente, com o auge do cinema hollywoodiano que inclui grandes setores de
consumo e possibilita a identificao com padres de vida elevados, produzindo a fuga do
cotidiano para um mundo idealizado pela fantasia de uma vida associada com o nvel das
supostas classes elevadas. Todo o cinema da poca de ouro de Hollywood cumpriu esse
papel no imaginrio das classes mdias e baixas. At aqui, esses subprodutos culturais eram
consumidos pelo seu pblico dada a ingenuidade e a falta de conscincia dessa classe
como se se tratasse, realmente, de cultura elevada.
Como veremos, preciso distinguir este tipo de relao entre o pblico e os produtos
kitsch (marcada pela ingenuidade), da apropriao consciente (ou at irnica) que se far do
kitsch a partir dos anos 60. Amcola adverte como esta relao pblico-cultura-kischt mudou
completamente a partir dos anos 60 como conseqncia da conscientizao e, portanto,
capacidade crtica que vai caracterizar a utilizao destes materiais por parte da arte na
contemporaneidade:
Esta conscientizao crtica, tanto do mau gosto quanto da funo de pretensa posio
social que ostentam os objetos kitsch, vai permitir uma releitura e reapropriao do kitsch que
inclusive pode produzir uma nova forma de questionamento do que entendemos por arte. Isto
o que tambm sublinha Haroldo de Campos em seu artigo sobre o tema:
Essa talvez a funo que o camp vai cumprir como re-atualizao do kitsch, da
cultura de massa e do mau gosto. Podemos resumir os traos mais importantes do kitsch
como: mau gosto, pretenso bom gosto, acessibilidade anti-elitista, pseudo-arte ou arte
barata, arte massiva ou midcult, inadequao artstica, mentira artstica, arte de consolo
tranquilizador, mas tambm podemos defini-lo pela sua previsibilidade na medida em que ele
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sto conduce a la paradoja de que las viejas formas de kitsch (como expresiones del
mal gusto) puedan todava disfrutarlas, pelo solo los sofisticados: lo que
originalmente quiso ser popular se convierte en diversin de los pocos. El viejo
kitsch puede estimular la conciencia irnica del refinado o de quienes pretenden
serlo. sta posiblemente es la explicacin del intento de redimir el atrozmente
afectado y artificial kitsch de la belle poque en lo que se llama camp en la Amrica
actual. (CALINESCU, 1991, p. 246)
91
gosto. A relao que fizemos com Baudelaire tem mais um ponto para se estabelecer. O
gesto crtico baudelairiano tem a ver com a recusa tanto do gosto burgus quanto da arte
produzida para as massas, para o grande pblico. A postura de Baudelaire no famoso texto O
pintor e a vida Moderna aristocrtica e, nesse sentido, tenta distinguir e estabelecer o
espao da grande arte em oposio ao que, prprio da sociedade capitalista, se conduz pela
lgica do consumo e, no plano especificamente esttico, pela banalidade, previsibilidade e
superficialidade. O melhor exemplo desta postura frente sociedade moderna a figura do
dndi, herdeiro do aristocrata, ao qual Baudelaire se refere como uma figura entranhvel que
foge tolice da vida moderna refugiado em seus gostos refinados que o distinguem da
cursileria e vulgaridade burguesa.
A esttica camp tambm aristocrtica (Amicola chama o camp de cultura de gueto),
mas de um modo diferente. Ela no rejeita a banalidade do massivo; pelo contrrio, refugia-se
nela e funda um espao de valorizao esttica de materiais provenientes da cultura de massa.
Sua paradoxal postura trabalha com o vulgar, mas no a partir de fora, seno a partir de
dentro dos espaos da pseudo-arte ou cultura de massa. Da que, como aponta Sontag no
texto inaugural da crtica sobre o Camp intitulado Notas sobre Camp podemos pensar o
camp como uma espcie de dandismo moderno, uma espcie de aristocracia dentro da poca
da cultura de massas, mas que se diferencia por apreciar aquilo que o outro rejeitava: El
`camp, el dandismo de la era de la cultura de masas, no distingue entre el objeto nico y el
objeto de produccin de masas. El gusto `camp trasciende la nusea de la rplica
(SONTAG, 1969, p. 339). Da tambm a relao do camp com o snob.
O problema que fica na base do gosto camp tem a ver com as caractersticas duma
sociedade capitalista hipersaciada tanto de objetos, informao, e cultura quanto da arte.
nessas sociedades, que Sontag qualifica de opulentas, em que todo j foi visto e consumido,
que pode surgir esta particular sensibilidade que se compraz e se orgulha do gosto pelo mais
hediondo da cultura de massas. No casual, segundo esta explicao, que o gosto camp
tenha surgido entre grupos de intelectuais nova-iorquinos que, fartos de ter acesso a tudo,
criam esta sensibilidade como uma forma de raridade. O raro um trao fundador da
esttica camp (como tambm o era para Baudelaire), mas no qualquer forma de raridade,
seno coisas relacionadas a campos especficos, como veremos a seguir.
Em relao s vanguardas, as categorias do feio, do massivo e do mau gosto tornam-se
complexas como conseqncia da crescente industrializao cultural que o sculo XX traz
consigo. Como j dissemos, a vanguarda serviu-se do kitsch como uma das formas de seu
esprito destrutivo, insolente e irnico. Mas este ltimo trao que aporta a ironia que permite
92
93
relao que tanto as vanguardas quanto o camp enquanto categoria ps-moderna ou de psvanguarda (segundo Amcola) mantm com o compromisso com uma esttica que busca o
novo como forma de questionamento e antinomia do social. O novo se o entendemos
como essa busca particularmente questionadora e crtica da arte moderna continua sendo
um objetivo da arte de ps-vanguarda, mas redefinido em funo de uma relao oposta que
tinha a vanguarda com respeito ao passado e tradio. Se a vanguarda se caracterizou por
sua fora destrutiva tanto do passado quanto da tradio, no camp pelo contrrio
assistimos a uma revalorizao nostlgica do passado e a uma releitura da tradio, cuja
forma mais especfica a pardia em sua forma suplementar ou de pastiche. Contudo, h um
ponto que une vanguarda e ps-vanguarda: o sentido crtico expresso atravs do humor, da
ironia e, fundamentalmente, da autopardia que continua se expressando como uma forma
mais de dessacralizao da arte.
A categoria de pardia permite-nos diferenciar kitsch de camp. Podemos pensar o
kitsch como uma pardia que tenta esconder a sua relao com outro texto outra tradio
anterior da qual, na verdade, est extraindo os estilemas com os quais produz sua forma. O
kitsch se torna, assim, uma cpia que nega s-lo, apagando as marcas que o relacionam com o
texto anterior. A insero de estilemas provenientes da Alta Cultura propositadamente
escondida enquanto insero ou referncia a um outro texto, apresentando-se, pelo contrrio,
como verdadeira inveno. Pode-se dizer que o kitsch uma espcie de pardia que nega sua
prpria condio de pardia enquanto texto que reinsere estilemas de outros textos. O kitsch
constri sua mensagem a partir da reapropriao banalizada de estilemas provenientes da Alta
Cultura, negando, justamente, que se trate de algo tomado de um texto anterior.
O
camp,
pelo
contrrio,
evidencia
seu
carter
pardico
sublinhando
94
exagerao. A natureza no tem lugar nem significado para o camp. A definio que Sontag
estabelece do camp relaciona-se, fundamentalmente, a uma noo de estilo: Es uma manera
de mirar al mundo como fenmeno esttico. Esta manera, la manera camp, no utiliza
categoras de belleza, sino del grado de artificio, de estilizacin (SONTAG, 1969, p. 323).
Justamente porque no se serve da idia de beleza ou de alguma forma a nega, o camp
valoriza o feio, o horrvel, o passado de moda, o vulgar, o brega, o pertencente a gneros
menores e cultura de massa. Mas com uma condio: esses objetos artsticos devem
responder lei do exagerado, do artificial, do excessivamente estilizado, importando mais o
estilo que o contedo: Camp es una concepcin del mundo desde categorias de estilo; pero
un modo particular de estilo. Es el amor a lo exagerado, lo off, el ser imprpio de las
cosas (SONTAG, 1969, p.327).
Esse princpio explica o gosto camp pelos filmes musicais da Warner Brothers e o
cinema dos primeiros anos 30, pelas divas cone da poca de ouro de Hollywood (o culto
beleza andrgina de Greta Garbo mas, tambm baseado no princpio do exagero tanto
corporal quanto da fora do carter , Jane Mansfield, Gina Lollobrigida, Bette Davis, Mae
West e a gestualidade exagerada de Marlene Dietrich); e ainda o gosto pela arte decorativa,
pela moda antiga, pelos vestidos, mobilirio e, neles, as texturas e as superfcies sensuais. O
tipicamente camp o gosto pelo pouco srio, a arte m (pela sua falta de ambies estticas),
o horrvel (pelo excesso de vulgaridade em relao arte culta), o raro, mas associado ao
extravagante (pelo grau de estilizao). Esta sobredimenso do estilo em detrimento do
contedo no nega este ltimo; precisa dele para gerar o contraste. O contedo do camp
srio, mas essa seriedade deve fracassar para que o camp triunfe: Camp es un arte que se
propone serio pero que sin embargo no puede ser considerado seriamente porque es
`demasiado (SONTAG, 1969, p.333).
O outro trao caracterstico do camp o que relaciona a vida ao teatro: a teatralizao
da experincia, seu trao performativo. Da o gosto pela duplicidade, a representao, o
travestismo, a gestualidade exagerada e a noo de carter como algo instantneo, acabado
e passionalmente marcado (oposto a qualquer desenvolvimento psicolgico). A intensidade
dramtica, teatral e seu consequente exagero devem cobrir o objeto ou a personalidade para
que possa ser experimentvel como camp. Geralmente, o que pode ser experimentvel como
camp pertence ao passado: o gosto pelos filmes, atrizes, msicas e roupas do passado
(especialmente da belle poque). a distncia entre esse passado e o presente o que permite
cobrir de um ar fantstico algo que pode ter resultado insuportavelmente banal e vulgar no
seu prprio tempo. Como aponta Sontag, a relao com o passado caracteriza-se pela sua
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de la cultura dominante, pero lo singular del fenmeno es que lo har en los mismos
trminos de esa cultura. El camp es, entonces, una forma ideolgica llevada a sus
extremos que contiene contradicciones en su mayor estado de productibilidad.
(AMICOLA, 2000, p.52).
A renovao, verdadeiro sentido de novidade que o camp carrega, pode ser lida no
dualismo, no duplo movimento artstico e poltico que ela implica: por um lado, de criao de
uma esttica especfica que recupera o questionamento ideolgico a partir da renovao
formal baseada no princpio da reciclagem; por outro, da deliberada ostentao de seu
pertencimento a um setor marginalizado da sociedade.
Homossexualidade e esttica camp como as duas faces de um movimento de
autolegitimao e reviso de valores e concepes de um mundo regido pelos padres
patriarcais. O interessante que essa reviso que tem por finalidade a visualizao de um
setor marginalizado da sociedade consegue manifestar-se e criticar a reduo heterossexual
atravs da encenao pardica e autopardica da sensibilidade gay. O humor da esttica
camp, sua conscincia irnica, desarma a seriedade da moral sexual e descompe os
preconceitos abrindo o espao para a legitimidade do diferente, a partir do gesto prprio do
humor que se compraz na autopardia. O camp uma sensibilidade gay que ri de si mesma
descongestionando os tabus sobre as identidades sexuais. A autopardia a marca definitiva
do camp que se expressa atravs da ironia com a que enunciada a discursividade camp. Essa
ironia coloca nfase tanto no autor que emite o texto quanto no contexto a partir do qual se
fala. Assim, a enunciao no camp comporta um sentido poltico que sublinha a origem e
pertencimento da mensagem a um determinado setor social, neste caso, ao homossexual
masculino, produzindo uma crtica social: La capacidad del camp para expandirse radica,
justamente, em que utiliza la pardia del discurso gay para hacer de l un cuestionamiento
social y, por lo tanto, catapultarlo a stira de toda la sociedad (AMICOLA, 2000, p.55).
Segundo Amcola, este um ponto que foi descuidado por Sontag na medida em que o
camp se apresenta como um tipo de sensibilidade gay mas estritamente masculina: neste
mundo a mulher no produz camp; pelo contrrio, ela o objeto obligado de la
representacin a travs de um espejo distorcionante de la supuesta esencia de lo femenino
(AMICOLA, 2000, p.52). O camp corresponde a um olhar completamente masculino e
homossexual que ri de seus prprios clichs e esteretipos, provocando um questionamento
ldico da identidade sexual. Amcola refere-se a isso como uma mirada socarronamante
falocntrica sobre los problemas de gender. (AMCOLA, 2000, p. 52)
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98
compartilham, como tambm a forte recusa da esttica romntica e realista. Amcola aponta
que h, entre a escrita de Copi e Perlongher enquanto representantes de ps-vanguarda e a
vanguarda histrica, uma forte liaison no que diz respeito a esse ponto em particular.
(AMICOLA, 2000, p.75)
Com respeito s diferenas entre ambos os momentos, vemos que um dos traos mais
fortes que permitem distingui-las a particular relao que cada uma vai estabelecer com a
cultura oficial, a cultura alta e a cultura de massa. No caso da ps-vanguarda, assistimos a um
tipo particular de reciclagem de materiais provenientes da cultura de massa que se afasta
das propostas da vanguarda histrica pelo grau de questionamento esttico e ideolgico e por
uma particular adeso a uma marginalidade liberada para mostrar o imprprio da cultura.
Neste sentido, podemos dizer que a literatura de ps-vanguarda ou ps- modernista
caracterizou-se por uma radicalizao de vrios aspectos das vanguardas, fundamentalmente
no que diz respeito dimenso ideolgica. O escndalo vanguardista no vai alm da
polmica literria, enquanto grande parte da literatura produzida nas dcadas de 70 e 80
atinge, com seu poder escandalizador, o eixo da cultura em seu conjunto e visa ao
questionamento no s esttico, mas tambm poltico, sexual, nacional, trazendo uma
dimenso ideolgica que a moderada vanguarda jamais chegou a atingir.
A vanguarda argentina caracterizou-se por esta reticncia ideolgica que a distancia
completamente das ousadias europias e que podemos perceber na ostentosa preocupao que
seus membros tinham por ocupar espaos oficiais e por dar, ao movimento em geral, uma
legitimidade claramente enquadrada na cultura dominante e nos espaos de consagrao da
cultura dominante. Beatriz Sarlo refere-se a este aspecto claramente quando escreve a respeito
de Martn Fierro:
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literatura dos anos 60, 70 e 80 como uma literatura que, na busca de uma esttica prpria e
diferente de seus antecedentes vanguardistas, amplia a dimenso ideolgica provocando um
questionamento crtico que excede o estritamente literrio e envolve uma reviso poltica da
prxis cultural. Isso assim ao ponto de que tambm o papel do artista muda drasticamente
nessas dcadas em direo a uma crescente postura marginal e contraoficial que questiona a
ideologia dominante, completamente oposta ao tradicional envolvimento da vanguarda com a
cultura oficial.
Como aponta Sarlo, os limites ideolgicos da vanguarda restringiam e estabeleciam
claramente os espaos que podiam ser questionados atravs do humor escarnecedor e do riso.
A crtica ainda no atinge as bases da sociedade nem questiona a ideologia dominante, pelo
contrrio, tenta enquadrar-se nela.
Em oposio, a literatura de ps-vanguarda de um Copi e de um Perlogher e cremos
que, como clara postura de oposio tambm ao ethos do escritor militante e da literatura
engajada do cenrio poltico dos anos 60 e 70 tm um poder de oposio ideologia
dominante que se manifesta a partir da crtica corrosiva da sociedade em aspectos ainda
pouco explorados (que chamamos de micro, como a problemtica de gnero, a crtica ao
nacionalismo, a instituio familiar, etc.) produzindo uma leitura ideolgica que tem por alvo
a desestabilizao da estrutura profunda do social.
A dimenso ideolgica da literatura produzida ento no s na Argentina mas na
Amrica Latina toda um dos aspectos cruciais para uma compreenso profunda desta. No
caso especfico de Copi e Perlongher isto evidente: eles atingem, em oposio ao
moderatismo vanguardista, com seu humor corrosivo, todos os aspectos da sociedade,
gerando uma crtica radical na qual j nada est proibido. Sexo, identidade, famlia, poltica,
figuras oficiais tanto da poltica quanto da literatura, tradio, religio, ptria: tudo vai ser
escandalosamente atingido por seu humor escarnecedor e dessacralizador que ri da sociedade
como uma forma de se opor a ela.
Alm da dimenso ideolgica, h outro aspecto que permite pensar diferenas e
especificidades entre a vanguarda e a ps-vanguarda: a especial relao que cada uma vai
estabelecer com a tradio, com o mercado e a indstria cultural.
A releitura da tradio e a conseqente seleo, apropriao e negao que ela
implica um trao que ambos os momentos compartilham. A vanguarda argentina no
rechaou completamente a tradio como no caso europeu; ela produz uma releitura da
tradio na qual se rejeitavam determinados momentos e se enobreciam outros (a famosa
crtica ao modernismo lugoniano e a valorizao da gauchesca e de autores menores por
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Perlongher, o camp realiza esta reapropriao que se expressa a partir do jogo incessante e
das tenses que sua obra apresenta entre literatura culta e materiais pertencentes cultura de
massa ou indstria cultural. Copi e Perlongher trabalham a partir de materiais que provm da
cultura de massa misturando-os com uma reapropriao pardica da tradio.
Neste sentido, importante tambm a produo multifacetada de Copi, na qual as
histrias em quadrinhos se juntam com seu trabalho de ator e com a escrita de romances,
contos e teatro. Para Copi e tambm para Perlongher, no h limites entre o culto e o
massivo, tudo entra na obra deles a partir de um trabalho de ressignificao que prope um
problema maior: repensar os limites entre o alto e o baixo, entre o culto e o popular, entre a
arte e os produtos da indstria cultural. A diferenciao pejorativa que a vanguarda postula
entre a literatura e a cultura de massa questionada na obra de Copi e de Perlongher a partir
da utilizao de ambas atravs de tcnicas de reciclagem que postulam uma mais sria
avaliao do que entendemos por arte na contemporaneidade.
A crtica j tem apontado para a relao da obra de Copi e Perlongher com a esttica
camp (AMICOLA, 2000). Vrios so os traos que permitem agrup-los como associados a
esta esttica: exposio da temtica gay relacionada sensibilidade camp, estilo inapropriado
e escandalizador, adoo de temas ligados tradio histrica, cultural e literria argentina (e
latino-americana) atravs de um tratamento inslito, ousado, irreverente,
pardico e
102
Alm disso, preciso pensar como a imagem de Eva se presta para um tratamento
camp, por se tratar de um cone de feminilidade, objeto predileto de representao desta
esttica. Neste sentido, a escolha de escrever sobre Eva responde a essa necessidade
transfigurante, prpria do camp, de representar a essncia do feminino enquanto exagerao
de determinados traos. Por outro lado, o carter oficial e mtico da figura de Eva se presta a
ser utilizada pelo tratamento ldico prprio do camp, que tenta, por meio de seu particular
humor, produzir um questionamento dos valores conservadores e que se expressa na stira
que esta pea implica da sociedade argentina.
A Eva de Copi, oposta seriedade da imagem oficial (tanto na verso oficial do
peronismo da dcada de 40 e 50 quanto na sessentista dos Montoneros), uma representao
ridcula, cmica e caricaturesca. A seriedade que supe o trabalho com uma figura da Histria
aparece negada atravs da ridicularizao, que no s cobre a imagem de Eva, mas que
apresenta o momento histrico (o peronismo) e o governo (Pern e Eva) como uma grande
farsa, na qual sua figura principal Eva caracteriza-se pela frivolidade e desopilante
vulgaridade de sua personalidade.
A Eva de Copi, a partir da explorao do mito em todas suas verses, leva a
personagem ao domnio do exclusivamente espetacular (como artifcio e estilizao). O
momento poltico-histrico mostrado como uma teatralizao dele, como uma escandalosa
representao farsesca da funo governativa. As personagens so conscientes o tempo todo
de estar cumprindo um papel. Mas, em vez de tentar ocultar esta situao, elas referem-se a
isso continuamente e buscam que a atuao seja o mais espetacular possvel. Evita: Ibiza?
No aguanto ms, mi viejo. Est todo listo? No digo los funerales, sino el clima est
preparado el clima? (COPI, 2000, p.80).
Os detalhes da grande farsa so pensados como em uma pea teatral: cenografia,
vesturio, movimentos a serem representados.
Evita: Y los faroles? Qu hay de mi idea de ponerle tul negro a las lmparas?
[]
Evita: Y con mis vestidos alrededor. Y todo lo que hay en las valijas lo quiero
puesto en vitrinas, rodendome tambin. Y todas mis joyas! Y cada ao para mi
cumpleaos van a agregar otras [] (COPI, 2000, p. 52 53)
103
Evita: Pero que cagada carajo! Qu lstima que no estoy ah! Si estuviera ah hara
un discurso desde el balcn. Qu lstima! Sera grandioso: mi mejor discurso.
Mierda, que fiesta me perdi! Hubieran salido todos a la calle, estaran en la plaza,
millares aclamando, gritando como locos [] (COPI, 2000, p.50)
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certa ingenuidade, proveniente de suas origens num estrato social baixo e certo sadismo
produto do lugar ao qual ela chega: o de Primeira Dama do Governo de Pern.
Sua cenografia e vesturio ocupam grande parte da temtica da obra, associando
sua imagem tanto frivolidade quanto ao teatral. A obra comea com uma cena na qual Eva
briga com sua me porque no encontra seu vestido presidencial, ao que a me responde
que todos seus vestidos so presidenciais. A cena introduz explicitamente a questo do luxo
e do glamour como traos prprios da sua personalidade. A importncia da aparncia est em
vrios momentos; a preocupao pela prpria imagem quase uma obsesso da personagem.
Cada situao sria da cena poltica nomeada no por seu contedo, mas em funo da
roupa que ela levava ou pensa levar, frivolizando toda referncia poltica e levando-a para o
mbito da moda e do glam. Evita: Es el ms lindo de todos. Es el mismo que me puse para
cenar con Franco, e incluso para ver al Papa. Siempre lo usaba con el visn blanco. Lo ves?
LLevalo, llevate tambin el visn. Te los doy [...] (COPI, 2000, p. 73).
No s o vesturio importante para a construo da sua imagem, tambm a
maquiagem. A cena em que a enfermeira pinta suas unhas e a referncia explcita da marca de
cosmticos Revlon abrem o universo desta feminilidade exagerada e marcadamente
fabricada a partir do vestir-se de mulher e de mulher-poder, mulher-diva.
Seu histrionismo e capacidade de atuao so outros dos aspectos enfatizados da Eva
de Copi. Como j mencionamos, ela est atuando sua prpria morte, armando uma farsa e,
em certos momentos, to forte a atuao que a personagem parece esquecer-se de que est
atuando: vida e teatro desfiguram suas margens; torna-se impossvel discernir a qu pertence
cada coisa. Alm disso, na obra ela comenta momentos de sua atuao poltica como
verdadeiras performances e avalia a teatralidade (em termos de vesturio, cenografia e
dramaticidade) para verificar sua eficcia.
A duplicidade da personagem de Copi pode-se ler em todos esses aspectos
teatralizantes que acabamos de nomear. Mas tambm, na travestizao da personagem. A
primeira encenao da pea em Paris foi realizada por um homem travestido. Mas
concordamos com o crtico Csar Aira quando diz que no somente esta referncia o que
nos permite pensar a Eva de Copi como um travesti, mas a construo mesma da personagem
no nvel textual.
A imagem da Eva de Copi expressada atravs desta construo superficial, frvola
e vulgar da Primeira Dama Argentina contrape-se e contradiz a seriedade do contedo
histrico da pea. uma imagem que prope o cmico, o ridculo e jocoso no tratamento de
um tema srio, mas impede, ao mesmo tempo, que a pea seja tomada a srio. Se toda
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106
A insero que Copi faz deles e a importncia que eles tm para as personagens no
so casuais. Podemos pensar a referncia a eles como procedimento de reinsero crtica da
cultura de massa que visa parodiar a funo dela na sociedade contempornea. As
personagens da pea de Copi vivem suas vidas em funo desses meios de comunicao e das
imagens e valores que eles projetam. Para eles, importa mais tornar-se imagem do que
qualquer outra coisa. Copi parece estar atento ao lugar que a mdia comea a ter na sociedade
contempornea e a faz aparecer, justamente, para produzir uma crtica sobredimenso que
ela adquire no mundo contemporneo.
Por outro lado, impossvel esquecer o papel que os meios de comunicao
cumpriram no governo peronista. A utilizao deles como forma de propaganda poltica foi
uma das caractersticas principais desse governo. Aqui a crtica parece tambm se estender a
uma crtica poltica estrita, mas que se dilui na banalidade com que as personagens fazem uso
deles.
Na pea de Copi, a banalidade, a vulgaridade e a falsidade que suspeitamos de
qualquer discurso que provm dos meios massivos de comunicao ultrapassaram as barreiras
da tela do televisor e parecem ser o estilo de vida dos governantes. Como em uma telenovela,
a pea de Copi estrutura-se a partir de intrigas e desmascaramentos vulgares e excessivamente
dramticos que respondem lgica do melodrama. Copi faz uma crtica satrica da
sociedade a partir dos valores dessa mesma sociedade. Apropriando-se da esttica da cultura
de massa, ele produz uma imagem crtica da cultura dominante, mas a partir de seus prprios
padres. A vida e a vida no poder so mesmo como uma novela televisiva.
107
No s Eva Pern um texto que podemos pensar em relao esttica camp, mas
tambm Cachafaz. Ambos os textos fazem uso deste particular humor, de seus procedimentos
pardicos, de sua viso jocosamente gay e falocntrica. Neles percebemos o uso deliberado e
consciente do kitsch e do mau gosto, expressado tanto na linguagem grosseira que se afasta
propositalmente da norma culta quanto da utilizao de estilemas provenientes da cultura de
massa, e dos gneros da cultura popular, como o tango. Tudo atravessado pela ironia que
possibilita o distanciamento crtico e que faz destas pardias tambm auto-pardias.
Em Cachafaz, vemos aparecer o humor prprio do camp. Esta pea estrutura-se,
fundamentalmente a partir da pardia no sentido suplementar, sendo este procedimento um
dos que mais usa a esttica camp. Alm de parodiar gneros cannicos da literatura argentina,
a pea parodia a figura do macho (prottipo da gauchesca e do criollismo) nas figuras deste
casal gay. H outra pardia no texto que serve aos fins prprios do camp, de travestizar as
relaes. Trata-se da verso do famoso poema de Lorca La casada infiel, agora recontextualizado para este casal de machos- travestis:
Este casal representa a festa camp total, o riso que transforma o srio, a tradio e a
sexualidade heterossexual em uma espcie de mundo s avessas. Cachafaz e Raulito so
umas espcies de monstros transgenricos, prprios do camp, o novo outro que Copi cria
para a literatura argentina. Conscientes de sua monstruosidade e dos seus disfarces, eles
gritam, jocosos, a diferena que representam:
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fogosos, gigantescos
Por qu seremos tan sirenas, tan reinas
abroqueladas por los infinitos marasmos del romanticismo
tan lnguidas, tan magras
Por qu tan quebradizas las ojeras, tan pajiza la ojeada
tan de reaparecer en los estanques donde hubimos de hundirnos
salpicarnos, chorreando la felona de la vida
tan nauseabunda, tan errtica
Este tal vez o poema mais decididamente camp de Perlongher. O poema est escrito
em primeira pessoa do plural fazendo assim aluso a um grupo especfico de pessoas. Alm
disso, essa primeira pessoa do plural feminina. Mas, ao ler o poema, percebemos que essa
voz potica est performativamente travestizada, isto , trata-se, na verdade, de um gay
referindo-se a eles mesmos (aos gays homens) com o gnero gramatical feminino. Este um
procedimento tipicamente camp, brincar com o gnero e o gnero gramatical produzindo
assim um efeito humorstico de auto-pardia e confundindo ludicamente os dois gneros (o
sexual e o gramatical). A questo de mascarar-se, de trasvestir-se, de adotar uma pose
artificial, de simular uma identidade, so todos aspectos que, como j dissemos, so camp e
neobarrocos e este poema responde a esse fervor.
O poema estrutura-se a partir de uma srie de qualidades de adjetivos que
descrevem como somos, sendo esse somos feminino uma mscara da comunidade gay.
Mas esses adjetivos se apresentam como contraditrios e nesse choque de opostos est o
efeito humorstico e grotesco do poema. Elas so obesas e magras, rainhas e mostruosas,
engenhosas e superficiais, fofoqueiras e divertidas, masoquistas e perversas, mesquinhas e
dadivosas. O poema consegue, a partir dessa adjetivao to rica, contraditria e precisa o
mesmo tempo, pintar o mundo gay de uma s vez.
Por outro lado, introduz um tema que assunto de debate nos textos crticos e tericos
de Perlongher que a relao entre desejo e morte, a relao no mundo gay entre sexo e
violncia (o monstro que mora na esquina), aludindo tambm prtica de girar (sair procura
de sexo) da qual Perlongher tambm se encarrega de refletir sobretudo no seu texto O negcio
do mich.
Ao uso desta adjetivao rica, soma-se a aluso, em cdigo humorstico, do ato sexual,
o que refora trazendo esse aspecto vulgar e baixo o tom engraado e auto-pardico do
poema. Mas se o n do poema alude a certa representao de gueto, a pergunta que se repete
ao longo do poema por que seremos to...? desvia essa interpretao mais rgida ao somar a
incerteza. Somos assim, mas no sabemos por qu. O quantificador to, que se repete
sempre nas perguntas, d o sentido do exagero, do que um plus, marcando esse aspecto
110
prprio do camp que encontra nessa exagerao um valor agregado, assim como valoriza
copia ao original, o travesti mulher, a pose da atuao a qualquer naturalidade. Neste
sentido, a verso do que ser gay, no poema, se pensa como performatividade pura, como
superficialidade (a palavra aparece no poema) dando conta duma viso queer do gnero,
como explicaremos no captulo dedicado a literatura e homoerotismo.
Assim como Copi, Perlongher tambm vai se servir da figura de Eva Pern para uma
verso camp da mesma. H vrios textos nos quais aborda esta figura, mas queremos aqui
trazer as duas histrias do conto intitulado Evita vive, escrito em 1975, e que possui trs
partes. Se a Eva de Copi escandaliza, a de Perlongher ainda pior. Na verso dele, agrega-se
uma idia que a de pensar o corpo podre, o cadver, de brincar com uma morta-viva; da a
aluso ao mundo zumbi haitiano nos poemas dedicados a este tema, mas tambm, como no
caso do conto que analisamos, de brincar com a frase poltica e metafrica de montoneros
Evita vive!!! que Perlongher leva ao literal. No conto, Evita uma morta que est viva.
Permitimo-nos uma longa citao:
Cmo, no me conocs? Soy Evita. Evita? dije, yo no lo poda creer-.
Evita, vos? y le prend la lmpara en la cara. Y era ella noms, inconfundible,
con esa piel brillosa, brillosa, y las manchitas del cncer por abajo, que la verdadno le quedaban nada mal. Yo me qued como muda, pero claro, no era cosa de
aparecer como una bruta que se desconcierta ante cualquier visita inesperada.
Evita, querida ay, pensaba yo- no quers un poco de cointreau? (porque yo
saba que a ella le encantaban las bebidas finas). No te molestes, querida, ahora
tenemos otras cosas que hacer, no te parece? Ay, pero esper, le dije yo,
contme de dnde se conocen, por lo menos. De hace mucho, preciosa, de hace
mucho, casi como del frica (despus Jimmy me cont que se haban conocido
haca una hora, pero son matices que no hacen a la personalidad de ella. Era tan
hermosa!) Quers que te cuente cmo fue? Yo ansiosa, total igual tena el
encame asegurado. S, s, ay Evita no quers un cigarrillo?, pero me qued con
las ganas para siempre de enterarme de esa mentira (o me habr mentido el negro,
nunca lo supe) porque Jimmy se pudri de tanta charla y dijo Bueno, basta, le
agarr la cabeza ese rodete todo deshecho que tena- y se la puso entre las
piernas. la verdad es que no s si me acuerdo ms de ella o de l, bueno, yo soy tan
puta, pero de l no voy a hablar hoy, lo nico ese da estaba tan gozoso que me hizo
gritar como una puerca, me llen de chupones, en fin. Despus al otro da ella se
qued a desayunar y mientras Jimmy sali a comprar facturas, ella me dijo que era
muy feliz, y si no quera acompaarla al cielo, que estaba lleno de negros y rubios y
muchachos as. Yo mucho no se lo cre, porque si fuera cierto, para qu iba a venir
a buscarlos nada menos que a la calle Reconquista, no les parece pero no le dije
nada, para qu; le dije que no, que por el momento estaba bien, as, con Jimmy (hoy
hubiera dicho agotar la experiencia, pero en esa poca no se usaba), y que,
cualquier cosa, me llamara por telfono, porque con los marineros, viste, nunca se
sabe. con los generales tampoco, me acuerdo que dijo ella, y estaba un poco triste.
despus tomamos la leche y se fue. De recuerdo me dej un pauelito, que guard
algunos aos: estaba bordado en hilo de oro, pero despus alguien, no supe nunca
quin, se lo llev (han pasado tantos, tantos). El pauelito deca Evita y tena
dibujado un barco. El recuerdo ms vivo? Bueno, ella, tena las uas largas muy
pintadas de verde que en ese tiempo era un color muy raro para las uas- y se las
cort, se las cort para que el pedazo inmenso que tena el marinero me entrara
111
ms y ms, y ella le morda las tetillas y gozaba, as de esa manera era como ms
gozaba. (Perlongher, 1997, p.191)
O conto est escrito em primeira pessoa feminina, mas nas primeiras linhas
percebemos que se trata de uma bicha pobre que trabalha num bar de marinheiros numa
zona marginal de Buenos Aires. O interessante a criao da lngua ficcional desta bicha
pobre, cheia de tons e rica em aluses que nos permitem imaginar e configurar a personagem
rapidamente. O conto simula um dilogo em que a bicha conta como conheceu Evita, mas ns
leitores s a escutamos a ela e no a seu interlocutor. Chama a ateno esta tcnica que
aproxima o texto do teatro, j que na verdade o conto todo uma personagem fazendo um
monlogo (com inclusive o tpico recurso teatral in off) o que, por um lado, remete claramente
ao gosto camp pelo teatral; mas tambm se enlaa com a tradio camp j inaugurada na
literatura argentina por Manuel Puig. A tcnica semelhante a que utiliza Puig em La traicin
de Rita Hayworth (1968). Tambm retoma de Puig os motivos cursis (bregas) e kitsch da fala
da personagem, partindo do comentrio sobre o que bebe Eva at a aluso cor das unhas.
Mas o que agrega Perlongher uma nfase maior na marginalidade, na subalternidade
que supe ser bicha e pobre (dupla condena; pelos padres patriarcais de gnero e pela
condio de classe). A figura de Evita recuperada ento por Perlongher com este ponto de
vista: como uma marginal a mais, como uma a mais desse lumpenaje (como ele mesmo o
chama) que habita seus textos. No h, nos textos de Perlongher, o que seria um simples
rebaixamento da figura de Eva Pern, embora ela seja representada como uma puta, como
uma amoral, como uma lumpem, como uma repartidora de maconha.
No um simples rebaixamento porque Perlongher resgata pelo vis de certo
populismo (repensamos este conceito por fora de sua interpretao pejorativa, maneira em
que o pensa Ernesto Laclau) a figura de Eva como representante da pobreza e da
marginalidade, fazendo-a solidria do mundo que ele escolhe representar em seus textos. Se a
Eva de Perlongher uma puta que transa com marinheiros, bbada e est drogada, isso no a
transforma em algum condenvel, pelo contrrio, h uma certa ternura e nada de preconceito
na maneira em que Perlongher escolhe sempre representar o marginal. A Eva de Perlongher
uma Eva associada a todos os aspectos da marginalidade e da subalternidade com os quais o
autor trabalha: gnero, classe, raa (no um dado menor que ela transe com um negro).
Neste sentido, a representao perlonghiana de Eva carrega uma leitura fortemente
poltica que resgata o poder subversor da figura do mito (inclusive e enfatizando que se trata
duma mulher) na poltica argentina, mas afastando-se das representaes da esquerda
peronista (montoneros) pelo grau de rebaixamente moral que se opera sobre a representao.
112
Por outro lado, comparada com a Eva do peronismo mais oficial e de direita, esta Eva uma
clara blasfmia ao carter sacro, de santa e de me dos pobres que esse discurso estruturou.
A crtica Ldia Santos chama a estes escritores que trabalham a figura de Eva de um
ponto de vista camp e pop (isto , de um ponto de vista da cultura de massa) e que, portanto,
se afastam das representaes oficiais dos anos 50 quanto, da representao montonera dos
anos 60 e 70, os chama de os filhos bastardos de Eva Pern28: Puig, Copi, Lamborghini,
Aira e agregamos ns Perlongher. Todos estes escritores perceberam a relao entre
peronismo e cultura de massa e se serviram disto para a abordagem e incluso do kitsch e do
camp na suas poticas. Da tambm a escolha de Eva Pern como smbolo que j continha
aspectos altamente valiosos para o olhar camp, que todos estes escritores vo explorar e
exagerar (como o passado de atriz de Eva e a relao com gneros menores como o radioteatro e o folhetim, o gosto pelo luxo e pelas jias que ela tinha e que faz contraste com sua
origem pobre; a produo to espetacular e cuidada do seu visual que acabou gerando um
estilo como nas atrizes de Holliwood como o cabelo loiro e o rodete, as unhas perfeitas e
as roupas clssicas e modernas29).
O kitsch no pode deixar de ser visto na representao da Eva de Perlongher como
uma marca cultural de uma origem de classe, como a marca cultural que revela a origem
pobre e vulgar, de quem no distingue bem o bom do mau gosto. Mas diferentemente de
Copi que se serve disto com um gesto mais escarnecedor que revela s vezes seu antiperonismo em Perlongher isto une a Eva Pern s bichas bregas que povoam seus poemas.
Na parte dois e trs do conto (so como minicontinhos) agregam-se outros aspectos
representao da figura de Eva que tambm queremos comentar:
A fines de los aos 60, el mito de Eva Pern se incluye en el creciente debate sobre la cultura de masa. La
expansin del consumo, estimulado, adems de por la radio, por la televisin, provocaba la citacin de estos
medios en diferentes manifestaciones artsticas. La presencia de la cultura de masas en la vida de Eva Pern pasa
a ser entonces aprovechada para construirla como personaje o referencia omnipresente en algunas narrativas.
Sin embargo esta mirada no otorg un espacio priviliegiado a sus autores () Copi, Lamborghini y Csar Aira,
son incluso hoy tratados como representantes de uan cultura alternativa. () Los hijos bastardos se rehsaron a
aceptar el lado meramente visible de su madre, el papel constrdo para consumo de una historiografa oficial.
Profundizando su mirada, buscaron captar sus recnditos deseos y su seduccin, reclamando otra parte de la
herencia el artificio (SANTOS, p.4)
29
Para isto, ver La pasin y la exepcin de Beatriz Sarlo.
113
Neste terceiro miniconto tambm o narrador est em primeira pessoa e fala de maneira
direta como se estivesse contando uma histria para algum, isto , uma espcie de dilogo
teatral cujo interlocutor est in off. Mas a persoangem aqui diferente. No uma bicha, um
mich que transa com bichas e mulheres (termina transando com Eva e com a bicha que a
acompanha), que vive da prostituio e de roubar pequenas coisas. O conto coloca em cena
outra marginalidade mais contempornea, o mundo da curtio o do desbunde, isto , da
contracultura. Isto percebe-se na fala da personagem, cheia de grias tpicas dos anos 80,
trazendo para o ambiente do conto o mundo da marginalidade dessa poca, o mundo da noite
e das drogas. No conto, a voz do mich nos diz que, enquanto transava com Eva, o quarto
cheirava a morto. Nos trs contos, Eva uma morta viva que anda pelos espaos da
marginalidade fazendo as mesmas coisas que seus grasitas.
No miniconto anterior a este, Eva acaba numa festa numa casa com um grupo de
muleques drogando-se; chega a polcia, ela se apresenta como Eva e a polcia vai embora
rendendo as honras que a figura merece. Logo depois, Eva se despede de todos no bairro as
mulheres velhas choram e ela promete para os muleques que vai voltar para repartir, em vez
de brinquedos e mquinas de costura, nada menos do que maconha. Nestes dois ltimos
continhos, agrega-se marginalidade da bicha marginalidade de gnero e classe outro
mundo que remete a uma marginalidade mais contempornea, incluindo fundamentalmente, o
mundo das drogas.
114
Claro, la gente no nos entenda, pero como no estbamos haciendo laburo de base,
sino slo public relations para tener un lugar no plido donde tripear, no nos
importaba. Estbamos re-locos y las viejas dle coparse con el llanto, nosotros les
pedimos que ese bajn de anfeta lo cortaran, s total, Evita iba a volver: haba ido a
hacer un rescate y ya vena, ella quera repartirle un lote de mariguana a cada
pobre para que todos los humildes andaran superbin, y nadie se comiera una
plida ms, loco, ni un bife. (Perlongher, 1997, p.194)
115
Eles (os modernistas) tinham que se afirmar pelo escrnio, pelo deprecio, ou seja
pela negao da tradio. (...)A pardia era o que eles tinham para trabalhar a
nossa memria. Mas esse no o caso da minha gerao: ela trata da tradio
modernista, e com o maior prazer(...). Nesse sentido, a reao tradio no pode
ser mais a pardia, mas tambm ela no pode ser s de reverncia, seno no
existo, ns no existimos. Era preciso buscar uma maneira de trabalhar as brechas
do modernismo. Suas lacunas. Certos tabus. E de trabalhar os medos, at mesmo, as
insuficincias modernistas. Uma das maneiras de entrar nessas brechas sem causar
maior escndalo, sem querer destruir ou ser iconoclasta, atravs do pastiche. (...)
ao mesmo tempo uma reverencia e um gesto suplementar (SANTIAGO, 1991, p.5)
116
117
118
Na literatura Hispano-americana chama-se Modernismo corrente literria anterior s vanguardas, cujo maior
referente para todo o continente Rubn Daro. Na literatura argentina, o escritor que representou este
movimento foi Leopoldo Lugones. Fazemos esta aclarao porque, para a literatura latino-mericana, o
Modernismo est mais prximo do simbolismo do que se entende por Modernismo no Brasil, movimento este
ltimo que remete na crtica hispano-falante aos ismos da vanguarda latino-americana histrica dos anos 20.
31
Chama-se assim o aniversrio dos 100 anos da independncia da Argentina, isto , do comeo da nao
argentina enquanto pas independente da Espanha.
32
Este o texto mais importante do gnero gauchesco e foi escrito por Jos Hernndez. O poema consta de duas
partes El gaucho Martn Fierro escrita em 1872 e La vuelta de Martn Fierro, escrita em 1879.
119
120
Esta recupero do modernismo tambm j foi apontada por Echavarren no prlogo ao livro de Poemas
Completos: Ridculo, kitsch, transgresor: este poeta supera la adustez de la vanguardia y recupera el mal gusto
del modernismo. Slo que los moldes modernistas (...) se contaminan y flotan como los desechos de uma
inundacin, en el barro y las viscosidades de una carne vista a travs de muchos lentes y encuadres
(PERLONGHER, 2003, p. 6)
121
entrecruzando-se para dar conta desse espao que aposta ao marginal. Exemplo disto a
citao da lngua perversa, violenta e baixa do gaucho34 (na epgrafe de Saldias), como a
aluso dos dois machos que se beijam (na epgrafe de Moreira). Tambm a copla annima
que leva a pensar: quem so os que no se vencem? Os michs que o poema descreve em
cdigo? Na epgrafe de Echeverria, conjuga-se a figura do derrotado junto a certa posio
propicia sodomia. Em todos os casos, personagens, situaes e lnguas ostentam sua
condio subalterna e marginal, baixa e excluda, inculta e perifrica.
34
Garramuo tambm aponta a questo de que a volta gauchesca est enlaada histria de violncia e
subalternidade que o gnero representa. Fazendo referncia a como aparece a gauchesca dentro do poema
Cadveres, a crtica aponta: No slo se retoma all el lenguaje de la gauchesca y la voz del gaucho, sino ciertos
fragmentos de posibles situaciones de aquella. En este caso, remanido funciona como conexin con el registro
lingstico de la gauchesca y, a su vez, como ligazn con un pasado; como algo que no es nuevo, que viene del
pasado y se contina, tanto en la lengua (el uso d ela lengua gauchesca) como en la accin. Confluyen as dos
niveles: el lingstico y literario, y el de la histria: la historia de violencia de la gauchesca y su
lenguaje(Garramuo, 2009, p.224)
122
Esta literatura prope, ento, uma relao diferente com o real, cuja marca mais
importante como tambm aponta Florencia Garamuo que se postule como
indiferenciada de lo real, o que implica o abandono de um dos conceitos chave da arte
moderna: o de sua autonomia; e da tambm que, como ela explica, possamos observar em
123
Hasta qu punto todas estas experimentaciones nos proponen una idea de obra
diferente donde a la autonoma artstica se opone una cierta nocin de
heteronoma que desarma o complejiza las oposiciones entre obra y exterior?
Hasta qu punto esas prcticas sealan un cambio en la cultura en la que esa idea
de arte como redencin de lo social que se sostiene sobre la autonoma artstica
se encuentra absolutamente interrumpida?() No se tratara slo de una
transformacin en la sensibilidad, sino de una transformacin de los sentidos
posibles del arte en la sociedad contempornea. Al abandonar la utopa de la
autonoma, esta clase de literatura se propone como reflexin sobre las lgicas
diferentes y heterogneas que rigen el espacio social. Objetiva y subjetiva, se trata
de una literatura que slo piensa en la forma en tanto manifestacin heternoma de
esas lgicas heterogneas sobre las que reflexiona. (GARRAMUO, 2009, p.46)
Este conceito de Angel Rama e remete a uma classificao clssica da crtica latino-americana.
124
Este poema pertence ao livro Alambres que o que trabalha mais fortemente a questo
da histria do sculo XIX, mas na dimenso na qual falvamos anteriormente, uma histria
estilhaada, como resto e detritos. Tambm comentamos que uma marca dos poemas deste
livro a questo da derrota, dos vencidos; este poema faz aluso precisamente a um heri da
historia nacional uruguaia do sculo XIX que foi derrotado e sitiado. O poema leva o nome do
primeiro Presidente do Uruguai, um caudillo do partido Blanco, a quem chamavam de
pardejn. Da que o poema comece com uma citao (pastiche) de um historiador clssico
que explica o que um pardejn no mundo animal. As referncias comeam a se cruzar desde
o incio do poema, misturando o mundo animal (do gado, prprio da economia riopratense do
sculo XIX) com a personagem histrica, fazendo aluso a sua fora, virilidade, bravura e
reticncia a ser domesticado. No corpo do poema, a voz ficcional de Rivera separa-se do
prprio partido que representa e dos unitrios (a verso do partido Blanco na Argentina)
autodenominando-se gaucho bruto. Essa mesma voz ficcional, que Rivera, d conta ao
longo do poema de sua condio de vencido, de derrotado e at se lamenta de que seu
oponente Oribe no tenha tomado a cidade de Montevidu antes de ele ter que se sitiar para
resistir e ficar, assim, longe da sua mulher Bernardina. Se o poema j introduz a questo da
derrota, tambm opta pelo menor no que diz respeito a este ponto em particular. O poema
contm dentro dele uma carta de amor de Rivera a sua mulher. Isto , o poema convoca um
gnero menor, intimista, como a correspondncia pessoal para falar da Histria, para contar
um dado menor da viso de Histria como uma carta amorosa do heri a sua mulher, na
qual, por sua vez, este se mostra vulnervel e nada herico. A carta dirigida a Bernardina fala
de coisas cotidianas (como que perdeu suas calas ao cruzar o rio), tambm demonstra temor
e cimes pela situao da mulher fora do lugar onde ele est sitiado, tambm tristeza e
desiluso.
Perlongher retoma, desta maneira, a histria do sculo XX, mas o tom e os semas que
recupera dela se afastam completamente da axiologia heroicizante e grandiloqente das
histrias tradicionais e oficiais. Pelo contrrio, o poeta procura detalhes, situaes, ou
possveis verses (que ele ficcionaliza) que do uma dimenso do menor dessa histria,
125
tirando dela todo lustre estaturio e aproximando-a do cotidiano. Ao mesmo tempo, resgata
histrias de vencidos (neste poema, ms tambm no dedicado a Camila OGorman, para dar
outro exemplo), histrias dos que foram derrotados.
O outro trabalho particular que o poema faz com a tradio encontra-se no nvel da
lngua, na recuperao da fala prpria da gauchesca, em palavras como pardejn, gaucho
bruto, manso, corcovos, rodeos, chirip, rastras e na linguagem que faz referncia ao mundo
do cotidiano e da linguagem informal dessa poca, como nas palavras cogollos encopetados.
A epgrafe que inaugura o poema interessante no s pelo contedo do qual j
falamos, mas tambm por se apresentar como um verdadeiro pastiche. Perlongher busca no
discurso histrico e encontra a este historiador em particular. Recorta e re-contextualiza um
texto que pertence a um tipo de discurso historiogrfico particular, o revisionismo histrico.
Isto significa que Perlongher trabalha a histria como texto, como discurso, e no como
matria do real. Ao comear o poema com uma citao de uma histria em particular, a de
Saldas, faz referncia ao carter discursivo da histria e desnaturaliza as pretenses de
verdade, fidelidade e objetivismo do discurso histrico. Da que ele se permita, dentro do
corpo do poema, imaginar ficcionalizar como poderia ter sido uma carta de Rivera a sua
mulher Benardina no momento em que ele estava sitiado em Montevidu. Desta maneira,
Perlongher trabalha com a histria poetizando-a e devolvendo sua dimenso vinculada ao
menor, ao cotidiano. Trabalhando com semas e palavras da gauchesca, o poeta produz uma
leitura suplementar desta, re-contextualizando-a na literatura contempornea.
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deixada e pelo confronto com uma realidade oposta ao que tinham imaginado ao vir para a
Amrica: o sonho do enriquecimento.
O circuito popular, proveniente da imigrao, forma outro paradigma e uma outra
definio da identidade nacional. Seu campo de expresso o teatro e os gneros que o
fundaram foram o sainete criollo e a forma mais acabada (formal e tematicamente) do
grotesco criollo, que considerado o momento de modernizao e nacionalizao do teatro
argentino.
A obra de Copi trabalha com ambos os paradigmas, o culto e o popular, porque foram
ambos os criadores do que ser identificado como o propriamente argentino. Suas peas
parodiam suplementarmente ambos os sistemas num gesto que aponta para a desmistificao
crtica daquilo que o discurso oficial postula como a tradio cultural-literria argentina, mas
tambm como uma forma de reverenciar uma tradio, de reciclar atravs do pastiche
personagens, gneros, fragmentos de textos.
Seus textos retomam todos os temas estereotipados de ambos os sistemas, fazendo-os
eclodir atravs da inverso, da ridicularizao, da pardia e de um particular humor negro
corrosivo que convoca a esttica do absurdo. Em Copi, a fora do clich, do esteretipo,
altamente valorizada para produzir, a partir disso, uma verso camp da literatura e da cultura
argentina que prpria desta esttica no teme ao exagero, nem auto-pardia, nem ao
lugar comum e cujo horizonte sempre o riso dum humor escarnecedor, mas tambm irnico
e auto-irnico, at de reverncia e homenagem.
Cada circuito de definio da identidade nacional o culto e o popular est
representado por diferentes setores da sociedade argentina dos comeos do sculo XX. O
culto corresponde s elites intelectuais e os gneros caractersticos desta vertente so: a
gauchesca tradicional e, posteriormente, a poesia do vanguardismo criollista cujo maior
expoente foi J.L. Borges. O circuito que temos chamado de popular representa a classe dos
imigrantes ou filhos de imigrantes e apresenta uma srie de gneros vinculados ao teatro que
tambm resultaram chaves na definio da identidade argentina: o drama gauchesco, o
sainete e o grotesco criollo.
necessrio revisar como ambas tradies contriburam na criao daquilo que
entendemos por argentinidade. A obra de Copi trabalha a partir duma leitura suplementar
dos textos, dos gneros e de seus prottipos, da tradio literria argentina em suas duas
verses (a culta e a popular) produzindo uma crtica bufona da identidade nacional, em que
ambos os circuitos e suas verses do que ser argentino resultam igualmente questionados.
130
131
Neste sentido, as letras de tango que aparecem citadas nas peas de Copi devem ser
lidas como um gesto camp por excelncia: Copi volta ao tango enquanto cultura de massa
como o camp norte-americano volta poca de ouro de Hollywood. O que Copi faz
magistralmente perceber que na prpria histria cultural argentina j h materiais ligados
cultura de massa e ao mercado que se tornaram exageradamente clichs e esteretipos da
identidade e que possuem, por sua vez, certos tintes brega, cursis, pelo quais podem ser
altamente aproveitveis do ponto de vista do camp.
Por outro lado, os gneros sainete e grotesco criollo, por suas prprias origens
marginais em relao norma culta, seu esprito carnavalesco e sua relao com a classe
imigrante e a cultura popular em geral, tampouco podem ser simplesmente colocados como
cannicos maneira de como pensamos cannicos os gneros da gauchesca e do criollismo
de vanguarda, aproximando-se, assim, ao que acontece com o mundo do tango nos textos de
Copi: trata-se de materiais que estavam na cultura argentina e que Copi soube recuperar
percebendo o que eles j continham de aproveitvel do ponto de vista tanto do camp quanto
do humor, do carnavalesco e do grotesco.
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que o identificam com o tpico gaucho da tradio: ele viril, corajoso, fala marcadamente
acriollada, um solitrio (que deixa tudo para ir embora), tem uma famlia (mas com traos
que respondem a costumes prprios de seu universo no h lei neste mundo seno certas
estruturas consuetudinrias baseadas em cdigos particulares de relacionamento). Levando
em conta os padres cannicos do modelo de gaucho (Martn Fierro, mas tambm Juan
Moreira), Wenceslao aparece j como uma raa posterior, invadida pela modernidade com a
qual convive e faz contraste: ele no , como nas histrias cannicas, um transgressor e
fugitivo da lei, embora no responda a ela completamente. Ele aparece um pouco
ridicularizado, como a imagem de algo em extino, ao ponto tal que a pea termina com sua
ida para os confins do pas e com sua morte. Algo assim como a representao de um mito
que chega a suas prprias fronteiras, a seus prprios limites e se perde.
A histria que conta a pea em relao a Wenceslao se afasta dos cdigos estritos da
gauchesca original e expe a vida de um gaucho mais atual que retoma contraditoriamente o
cdigo tradicional, mas incluindo diferenas: sua vida no a fuga, mas termina indo-se para
Iguaz; ele no perdeu sua famlia por ter que fugir da lei, mas termina perdendo-a porque
eles vo para a cidade; ele no aparece completamente desamparado e marginalizado, mas
parece estar fora do sistema ao compar-lo, por exemplo, com o gringo Largui, comerciante
bem sucedido.
Como j dissemos, todos os traos da figura de Wenceslao remetem ao grande mito
fundador do Ser Nacional: o gaucho. Mas a obra expe a desintegrao desse mito, como algo
que est se perdendo ou, pelo menos, que est deixando de ser vivido, como o prprio
passado, e deixando de cumprir a funo da memria que necessita toda identidade.
O mito do gaucho, como origem e centralidade da concepo de uma identidade
argentina, tem-se transformado na mais colossal exposio de museu; oficializado e repetido
at o cansao, ele parece uma figura to afastada do presente quanto irreal. Copi traz essa
figura lendria e a ressignifica produzindo a quebra do esteretipo, do qual terminamos rindonos.
A pea de Copi uma crtica aos procedimentos de canonizao e oficializao de
uma literatura cuja origem foi poltica e de denncia enquanto tentativa de representao deste
setor marginalizado e popular. Esses procedimentos fizeram que a memria se petrificasse na
representao de temas que se transformam em mitos intocveis e mumificados. Desta
maneira, perde-se a idia de transmisso, de dilogo entre geraes, que o que possibilitaria
a verdadeira construo de uma identidade.
135
O que questiona a pea , em ltima instncia, o processo pelo qual se cria uma identidade
que esvazia o contedo ideolgico da gauchesca para servir-se dela na construo de um mito
da identidade, que apaga as diferenas, as ms interpretaes e o sentido poltico, fazendo
da gauchesca e do gaucho um simples modelo da cor local e do costumbrismo.
136
Essas peas de Copi podem ser pensadas como pardia, mas tambm como teatro
dentro do teatro, em vrios sentidos: a pea inclui e retoma o teatro do sainete e a forma e
temtica da gauchesca, mas tambm prope um mundo completamente teatral (que representa
o mundo) regido por suas prprias regras e convenes que, como veremos, fogem da
legalidade do mundo que habitamos. No mundo de Copi, no h outra realidade que no seja
a da exagerao, da simulao, dos mascaramentos. Isto , a referncia no mundo de Copi
pertence ao espao do verossmil, da fico e das convenes teatrais e literrias. Porm, isso
no impede que a pea termine representando uma crtica que excede o estritamente literrio
para atingir, na maioria dos casos, o eixo da cultura rioplatense e seus mitos.
A pea transcorre dentro dum conventillo no Uruguai, no qual moram Cachafaz e seu
namorado, um travesti chamado Raulito. A pardia aqui escandalizadora: o prottipo do
macho suburbano, o compadrito, est apaixonado por outro homem. A inverso consegue
caricaturizar os traos do macho em uma histria de amor entre homens que escandaliza
pela desvergonha com a que reconhecem a prpria homossexualidade e os clichs em relao
a assumir ou no a condio de puto (bicha):
A pardia inverte a figura do compadrito com a clara inteno de ridiculariz-lo ao
mesmo tempo em que supe uma crtica direta ao machismo caracterstico da cultura
rioplatense, que se mantm at hoje. Diz Rosenzvaig:
Copi se sirve de aquello que los argentinos exportamos a Europa desde 1920 y ms
an en la actualidad; lo toma para ponerlo al desnudo y en ridculo: el tango y el
compadrito. Reviste a un compadrito de la mujer que lleva adentro sin abandonar la
masculinidad. De manera que logra en Cachafaz y la Raulito pintar a dos
machos homosexuales profundamente argentinos. (ROSENZVAIG, 2003, p. 131).
137
convico de que o artificial prevalece sobre o natural, o gnero como pura performatividade
(esta uma viso queer da questo de gnero como se explicar no captulo dedicado a este
tema). A questo do travestismo um dos pontos cruciais da esttica de Copi, que se serve
deste procedimento como parte de sua particular sensibilidade camp e neobarroca.
A pea conta a histria de Cachafaz, que um compadrito delinquente que acaba
assassinando policiais. O corpo do delito ser escondido de uma maneira muito especial: o
conventillo inteiro com-lo- num festim canibalista de carne humana. O tema do canibalismo
e da antropofagia um tema que aparece tambm em outras obras de Copi, mas o tratamento
deles cru e despojado de qualquer sentimentalidade ou moralidade. O mundo de Copi parece
estar antes ou depois? da lei que implica o comeo da cultura e da civilizao. O
conventillo de Copi se assemelha com a horda primitiva de que fala Freud para explicar a
necessidade da introduo da lei na origem da cultura.
No mundo de Copi, as personagens transgridem os tabus mais fortes da cultura
ocidental (a heterossexualidade, o incesto, a antropofagia) sem remorso e com a eficcia das
personagens das histrias em quadrinhos (comic). Como j apontara Csar Aira em seu
trabalho sobre Copi (1991), as personagens desse mundo parecem desenhos que respondem a
uma lgica na qual tudo possvel. A lgica deles no responde a nenhuma moralidade
nem, portanto, a nenhum realismo ; eles s atuam e todas suas atuaes so eficazes para o
mundo teatral que eles habitam. No h outra lgica que no seja a lgica do artifcio e do
teatral.
Como j apontamos, a pea convoca um particular universo da cultura argentina a
partir da parodizao do gnero sainete. Todos os tpicos dele aparecem na pea de Copi: o
conventillo, a pobreza, a mistura, o registro lingstico do lunfardo e do tango, a
marginalidade social e econmica, e o ambiente festivo e carnavalesco; entretanto aqui a festa
no respeita nenhum limite ao ponto de converter em churrasco a vrios policiais
assassinados. A carne e a sexualidade aparecem como dois grandes temas da pea, mas ambos
sob o signo da inverso e da falta de lei. Um mundo com regras prprias que contradiz a
legalidade do mundo de fora.
Pensada como pardia do sainete, a pea de Copi introduz duas questes que
produzem o distanciamento crtico em relao ao gnero tradicional. Se, no sainete, o motor
da ao s o destino sentimental do heri, aqui a questo se complica na medida em que os
malvados so justamente os representantes da ordem social, los custodios de la
homofobia y de las instituciones (ROSENZVAIG, 2003, p.79): a polcia vai ser literalmente
comida pelos famintos moradores do conventillo, o que introduz a questo social e poltico-
138
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sexo,
travestismo,
hipocrisia
social,
violncia,
falsa
moralidade,
140
O mundo das bichas o universo que criam, embora com algumas diferenas, tanto
Copi quanto Perlongher. A maneira explcita com que este universo vai se apresentar na obra
deles permite pensar estes dois autores como os pioneiros em introduzir dentro da tradio
literria argentina, a temtica homossexual e, portanto, a questo da identidade sexual, a
problemtica de gnero, o debate sobre as minorias sexuais e as micro-polticas. Mas no
somente isto o interessante ou o inovador das suas poticas, mas, fundamentalmente, a viso
crtica e propositadamente transgressora com que ambos os autores vo trabalhar, modelar e
maquiar a entrada em cena deste bando desopilante de bichas, michs, locas e travestis
exuberantes e marginais, glamorosos e decadentes.
Partindo da constatao desta obviedade a tematizao da homossexualidade na obra
deles - foi necessrio nos introduzir na problemtica de gnero. Para isto foi preciso realizar
um levantamento das teorias relacionadas identidade sexual, minorias, gnero. O resultado
das leituras permitiu conscientizarmos sobre a enorme complexidade deste campo de estudo,
no qual as diferentes teorias entram em choque, lutando por espaos de legitimao que
implicam posicionamentos polticos diversos e polmicos. Comprovamos, em primeiro lugar
que s prprias denominaes para falar de identidades sexuais e de abordagens voltadas ao
estudo delas, como: homossexualidade, gay, homoerotismo, homossociabilidade, Gays
Studies, Teoria Queer, Camp, pertenciam a marcos tericos e posicionamentos polticos no
s diferentes, mas em luta. Foi necessrio, ento, escolher entre esta pluralidade metodolgica
os conceitos operacionais que se adequassem especificidade dos textos dos autores
estudados porque precisamente este olhar diverso sobre o que se entende por
141
homossexualidade e sobre uma possvel literatura gay o que, a nosso ver, estava implcita e
explicitamente problematizado na obra de Copi e Perlongher.
A primeira questo que achamos pertinente para abordar nosso objeto de estudo foi a
de distinguir a abordagem dos Gay Studies da Teoria Queer. Esta ltima aportava uma srie
de crticas ao conceito de identidade sexual defendido pelo discurso das minorias Estudos
gays e lsbicos que servia, metodologicamente falando, para pensar como a temtica
homossexual era construda na obra dos autores. Da que tenhamos nos baseado na tenso
existente entre estas duas abordagens sociologia das minorias e teoria queer para trabalhar
a questo de gnero na obra de Copi e de Perlongher.
A introduo explcita da temtica homossexual dentro da obra deles apresenta certas
caractersticas que a colocam em tenso com o conceito de literatura gay. Como
tentaremos explicar, tanto o universo de Copi quanto o de Perlongher efetuam, de uma s vs,
um duplo movimento: se, por um lado, produzem a visualizao desta minoria
homossexual, por outro, desestabilizam e at resistem s categorias classificatrias tanto de
identidade gay quanto de literatura gay. Para poder dar conta do movimento
extremamente avanado e subversor que suas obras realizam em relao s problemticas de
gnero necessrio contextualizar quais eram os debates, as teorias, as posturas polticas em
relao s at ento chamadas minorias sexuais ao longo do mundo durante as dcadas em
que ambos dois escrevem, isto , finais dos 70, os 80, e comeo dos 90. Dcadas estas,
fundamentalmente os anos 80 e 90, em que os debates sobre gnero ganham uma importncia
indiscutvel tanto dentro dos mbitos acadmicos, isto , no campo da teoria, quanto nos
movimentos polticos de reivindicao e luta pelos direitos destas minorias, isto , no campo
da prxis social.
Percebemos, ento, que, em relao s linhas mais importantes do debate sobre
minorias sexuais que marcou os anos 80, a voz destes autores levanta a dissidncia.
Insubmissos
por
vocao,
eles
negaram-se
classificaes,
integrao
e,
142
identidade, como ser os Estudos Queer e os Estudos Culturais, no que tem se chamado de
Teorias Subalternas36.
Outra distino foi necessria fazer: a que diz respeito especificidade literria com
respeito s abordagens tericas pertencentes ao campo da cultura. Esta distino nos foi
sugerida por um excelente artigo de Jos Carlos Barcellos intitulado Literatura e
homoerotismo masculino: perspectivas terico-metodolgicas e prticas crticas no qual o
autor apresenta um leque amplssimo de possveis abordagens tericas sobre o tema e alerta
sobre a necessidade de pensar como a literatura entanto discurso especfico trabalha com
os discursos sobre identidade sexual homossexual, discursos que pertencem ao campo do
social. Segundo o autor, e concordamos com ele, preciso levar em conta a diferena entre
literatura e no literatura, critrio este, que em oposio a algumas tendncias do
multiculturalismo, defende a unidade dos textos literrios, sua especificidade e seu valor
intrnseco. Isto significou pensar num dialogo entre a teoria e a crtica literria e os aportes
dos estudos culturais e das teorias de gnero sem perder de vista as diferenas, alcances e
objetos de cada uma.
Levando em conta tanto a necessidade de perceber a multiplicidade de abordagens
metodolgicas, tericas e polticas e de escolher entre elas em funo da coerncia
epistemolgica e da adequao s problemticas que os textos estudados apresentam isto ,
partir do texto e no da teoria , quanto a especificidade do discurso literrio na hora de
estudar s relaes entre literatura e homossexualidade, escolhemos realizar o seguinte
percurso.
Em primeiro lugar, trabalharemos a questo de como pensada e construda a
identidade homossexual
36
Para uma historizao do surgimento, bases tericas, desenvolvimento e diferenas entre estas teorias, ver:
Miscolci, Richard. A teoria Queer e a Sociologia: o desafia de uma analtica da normalizao. In: Sociologias,
Porto Alegre, ano 11, n 21, jan/jun.2009, p.150-182
143
144
com os Estudos Sociolgicos sobre minorias sexuais (Gays Studies, Lesbian Studies, mas
tambm o Feminismo liberal), a Teoria Queer define seu objeto de estudo a partir da noo de
quebra do sujeito, posicionado-se, ento, dentro de abordagens que chamaremos dsidentificatrias, sem por isso desvalorizar ou desentender-se das lutas polticas que esses
movimentos tinham colocado em cena pela primeira vez. Trata-se, pelo contrrio, de repensar
a questo da identidade para fugir das armadilhas de um pensamento cartesiano:
Propondo uma mudana no foco em que estas problemticas devem ser pensadas, a
Teoria Queer se afasta dos estudos das minorias, na medida em que no coloca a nfase na
construo social da identidade, mas nas estratgias sociais normalizadoras que estabelecem
sujeitos sexuais estveis dando lugar, assim, a uma srie de classificaes cuja finalidade
tanto o reconhecimento quanto (e aqui est o perigo dessas posturas) a normalizao e a
integrao. Este novo enfoque da Teoria Queer se baseia nos aportes das correntes psestruturalistas: Foucault, Derrida e Deleuze. A concepo da sexualidade como dispositivo de
poder, de regulao do social, do primeiro, e o mtodo desconstrutivista, que coloca em xeque
as coerncias e estabilidades, do segundo, e a aposta pela marginalidade e a idia de devir
de Deleuze, definindo assim seu objeto como:
no mais estudar apenas aos que rompem as normas (o que redundaria nos
limitados estudos de minorias) nem apenas os processos sociais que os criam como
desviantes (o que a teoria da rotulao j fez com sucesso), antes focar nos
processos normalizadores marcados pela produo simultnea do hegemnico e
do subalterno. (Miscolci, Richard. A teoria Queer e a Sociologia: o desafia de uma
analtica da normalizao. In: Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 21,
jan/jun.2009, p. 171).
Neste sentido que se fala da Teoria Queer no como mais uma teoria da sexualidade,
antes como uma analtica da normalizao que estuda os processos normalizadores que
criam identidades e sujeitos subordinados. Isto implica desnaturalizar a idia de identidade o
que, supe, na verdade, repensar a idia de Sujeito. Apropriando-se do arcabouo da teoria
145
Segundo Butler: A matriz cultural por intermdio da qual a identidade de gnero se torna inteligvel exige
que certos tipos de identidade no possam existir isto , aquelas em que o gnero no decorre do sexo e
aquelas em que as prticas do desejo no decorrem nem do sexo nem do gnero. Nesse contexto,
decorrer seria uma relao poltica de direito institudo pelas leis culturais que estabelecem e regulam a forma
e o significado da sexualidade. Ora, do ponto de vista desse campo, certos tipos de identidade de gnero
parecem ser meras falhas do desenvolvimento ou impossibilidades lgicas (...) Entretanto, sua persistncia e
proliferao criam oportunidades de disseminar (...) matrizes rivais e subversivas de desordem do gnero(p.39)
146
A obra teatral de Copi (1939-1987) comea em 1962 com a pea intitulada Um Angel
para La Seora Lisca e vai at sua ltima pea em 1985 Una visita inoportuna. Com
respeito a sua narrativa, que inclui romances e contos, ela comea com El uruguayo de 1973
e acaba em La internacional argentina que foi publicada aps sua morte em 1987. Podemos
dizer que sua obra teatral abarca em importncia e quantidade de produo a dcada de 70 e
80 eqitativamente, enquanto sua narrativa prolifera nos fins da dcada de 70 e ao longo da
dcada de 80.
Por sua vez, Nstor Perlongher (1949-1992) produz sua obra majoritariamente na
dcada de 80, inaugurando a dcada com a publicao de ustria-Hungra, seu primeiro
livro de poemas e seu ltimo, El chorreo de las iluminaciones em 1992. Outra data
importante dentro da sua produo a publicao da tese de mestrado na que formula sua
apropriao da teoria deleuziana em relao questo da homossexualidade, intitulada O
negocio do mich: a prostituio masculina em So Paulo.
Colocamos estas datas porque resulta interessante contrastar como os posicionamentos
de Copi e de Perlongher em relao com a homossexualidade e a problemtica de gnero em
geral, diferem, contestam e se afastam dos discursos das minorias sexuais que ocupam o
38
necessrio dizer que embora achamos a teoria queer uma teoria que informa uma condio ps-moderna
crtica no desconhecemos as crticas que ela suscitou. Segundo Barcellos, as crticas se centram na
despolitizao que o projeto de dissoluo da identidade gay acarreta- como se a opresso homofbica no fosse
uma realidade brutal extremamente bem articulada na des(homo)ssexualizao implicada na amplitude do
conceito, que pretende abarcar quaisquer prticas erticas excntricas ou desviantes em relao aos regimes de
normalidades (Barcellos, pag 39)
147
cenrio dos anos 80. Embora esses discursos pertenam cultura estadunidense, e em esse
momento Copi encontra-se na Frana e Perlongher no Brasil, os movimentos minoritrios
esto se espalhando pelo mundo todo naquela poca.
Ambos os autores, a partir de posicionamentos diferentes, conhecem os movimentos
de reivindicao e liberao dos homossexuais. Mas, cabe aqui distinguir o papel de pensador
terico-crtico e de militante underground - nas palavras de Baigorria, de insubmisso de
Perlongher - do papel mais cnico, descompromissado e no terico do Copi. A importncia
do pensamento crtico-terico de Perlongher indiscutvel na hora de estudar sua obra e vale
por si mesmo. Sua ensastica abrange tanto reflexes de ndole esttica e de definio de sua
potica como trabalhos ligados a antropologia urbana, nos que destacamos a subversiva, a
nosso ver, maneira em que vai ser trabalhada a questo das minorias sexuais homossexuais.
O papel de Perlongher sempre se encontra atravessado por uma espcie de militncia
do marginal que comea na sua participao no trozkismo e no porteo Frente de Liberacin
Homosexual nos anos 70 e vai at sua aproximao de grupos homossexuais brasileiros e da
religio do Santo Daime. Contudo, h sempre nele certa distancia e irreverncia crtica, um
esprito anrquico que rechaa a solidificao do pensamento na que podem cair as lutas das
minorias e, ao mesmo tempo, uma aposta pelo marginal em geral, no somente relacionado ao
especificamente sexual. Numa entrevista ele expressa isto em relao a sua militncia, na que
expe, inclusive, sua distancia em relao idia de militncia como pensada pela esquerda:
148
se ao senso comum da doxa e sua moral, atravs do puro escndalo, do shock teatral, da
ostentao do politicamente incorreto.
Gestual por excelncia, Copi rechaa o argumento, a explicao dissertativa, e prefere
o sorriso irnico ou a gargalhada grotesca que coloca em xeque as maneiras do bom dizer. De
alguma maneira, e em consonncia com sua teatralidade, Copi se mascara, disfara de desdm
qualquer posicionamento poltico-sexual-esttico, levando a discusso para o lado da
insignificncia ou da subestimao. Questionado sobre a relao de sua potica com a obra de
Artaud, responde fingindo ignorncia: No lei nada de Artaud(...) Ayer me hizo la misma
reflexin otra persona. No conozco nada de teoria Del teatro...literatura (...) No. No leo, no
voy al cine, no voy al teatro (se re) ( Tcherkaskip.31). A maneira como Copi constri sua
rebeldia e sua defesa utiliza-se da ironia, do cinismo e do escndalo, o que faz ridculo e
contraditrio qualquer passagem por algum tipo de militncia ou de adoo das bandeiras
gays. Marilu Marini expe assim a relao de Copi com a condio homossexual:
Pienso que Copi no era una persona que tena un problema ni reivindicatorio ni
moral, ni de defender a los gay; al contrario todas esas cosas que guetificaban de
alguna forma las rechazaba. El asuma naturalmente su deseo y ah se acababa la
cosa, no haba ninguna explicacin de por qu su placer era homosexual, por qu
su sexualidad era una sexualidad homosexual. Copi no se lo planteaba. Por
supuesto que cuando haba que validar una protesta o una situacin por una
injusticia, El estaba ah, se saba, pero no que El se enrolara para defenderla como
una cosa ms sistemtica o formara parte de cualquier organizacin homosexual
para defender los derechos de los homosexuales. Copi estara revolcndose de risa
por el piso; no entraba en su ideologa. (Tcherkaski p.103)
149
Tentando
O problema que posteriormente, nos anos 90, vai ser o problema da Teoria Queer
tambm, que o conceito de identidade supe um Sujeito estvel, nico, completo, idntico
a si mesmo e passvel de ser definido de uma vez para sempre. Contra esta concepo de
identidade e de Sujeito se levanta a apropriao perlonghiana da teoria de Deleuze
adiantando-se, assim, mesma crtica que vai levantar a Teoria Queer nos anos 90. Os riscos
de pensar a partir do conceito sociolgico de identidade que Perlongher assinala e que sero
anos depois assinalados pelas Teorias Subalternas, que ele pode se emprestar a cumprir um
papel logo-ego-cntrico que passa por reforar minha identidade em detrimento da
identidade do outro, como sendo no s diferente, mas fundamentalmente, inferior. Este
debate que tem atravessado a sociologia e a antropologia, no que diz ao estudo das sociedades
no-ocidentais, tambm pode ser pensado, para as minorias sexuais. Pensar em identidades
sexuais reduz a multiplicidade e a diferena a categorias estveis que tentam ter validade
universal e catalogar (portanto, regular) as prticas sexuais dos sujeitos. Segundo o autor:
150
Ante esta fuga todava incierta, dos grandes alternativas se presentan: una, ella
pasa a configurar un punto de pasaje para la mutacin global del orden; dos, corre
el peligro de cristalizarse en una mera afirmacin de identidad. En este ltimo caso,
lo que fuera un principio de ruptura del orden va a transformarse en una demanda
de conocimiento por y en este mismo orden (Perlongher, 1997, p.69)
151
Queremos sublinhar a agudeza com que Perlongher aborda a questo das minorias e se
adianta ao que efetivamente vai acontecer: sua absoro pelo discurso normalizador e,
fundamentalmente, pelo mercado por um lado, e por outro, sua despolitizao e neutralizao
dentro do discurso acadmico. Para Perlongher o grande problema do discurso das minorias e
se tornarem guetos isolados que em vs de propiciar a expanso das diferenas acabam
dissociando essas lutas minoritrias em compartimentos artificiais que esquecem o
entrecruzamento, na constituio dos sujeitos, de questes de raa, de gnero e tambm de
classe o que produz um congelamento do seu poder questionador.
No caso de Copi, a questo de uma suposta identidade homossexual tambm vai ser
rejeitada, s que sem o arcabouo terico com que Perlongher constri sua postura. Copi ri da
idia de uma condio homossexual, da possibilidade de algum ser definido a partir da
orientao sexual.
homossexual, como parece ser ciente y alertar sobre os efeitos que este tipo de definies
acarreta nos movimentos de reivindicao gay, ou seja, no discurso das minorias. Fica claro a
distancia dele em relao a este tipo de posicionamentos:
152
O interessante da concepo de Butler que para ela o gnero deve ser pensado mais
como devir ou atividade em constante processo de formao e transformao do que como
essncia ou substancia. Isto resulta de outra premissa da Teoria Queer que desnaturalizar a
39
Baseada na teoria foucultiana, Butler levanta uma crtica idia da subjetividade como interioridade
demonstrando que a idia de um eu interior, de uma alma escondida no interior do corpo, uma das formas
discursivas criadas para produzir a internalizao da lei, isto , mais uma fico reguladora.
153
relao entre sexo, gnero e prtica sexual. A incoerncia entre estes trs termos coloca o
problema
da
possibilidade
(ou
impossibilidade)
de
sair
da
lgica
binria
do
154
tentativa classificatria, mais ainda, se mofa delas, na medida em que sublinha, na construo
das personagens, o carter de efeito teatral no momento de assumir uma identidade, alm do
carter efmero e provisrio e portanto, incoerente em relao a si mesmo.
Esta concepo performativa em relao identidade sexual desconstri, tanto em
Perlongher quanto em Copi, a abordagem sociolgica classificatria e estandarizante (baseada
no concepto de identidade como substancia) incorporando-se dentro das linhas dsidentificatrias que a partir da teoria deleuziana chegam at a atual Teoria queer. Deste ponto
de vista, as categorias s servem para serem explodidas, negadas, pela encenao barroca de
mltiplas identidades, enfatizando a proliferao, a diferencia, a teatralidade e
provisoriedade. Em concordncia com a teoria queer, o gnero pensado mais como efeito
de uma performance que como essncia estvel. Por trs da maquiagem, do vestir-se de,
no h nada. como representao teatral do um papel, e quanto mais artificial melhor, que
Copi e Perlongher, pensam a problemtica de gnero. Tudo conta na festa barroca sempre que
gere a iluso de. Ou como diz Copi em relao a ser mulher: Pero vestirse de
mujer...es...porque ser mujer es solamente eso, es vestirse de mujer (Tcherkaski, 1998, pag.
50).
155
culturais,
raciais, e no de separar
156
157
158
Representar a
homossexualidade pela sua aresta abjeta e marginal muito diferente das representaes do
gay e sua cultura. No s diferente o tipo de homossexualidade que se escolhe representar
como tambm a finalidade que isso alcana. Enquanto a literatura gay tem se tornado um
objeto de mercado, com um pblico especfico e diferenciado, a obra de Copi e Perlongher
ultrapassa o interesse da minoria na medida, justamente, em que a representao da
homossexualidade est atravessada pela questo da marginalidade.
Para a Teoria Queer, esta espcie de reivindicao do abjeto no procura a
visualizao do outro em busca do reconhecimento de sua identidade; pelo contrrio, se
enquadra dentro dos horizontes duma genealogia da normalidade cujo objetivo a
desnaturalizao da ordem existente de regulao do social (a matriz heterossexual), mas
tambm qualquer tentativa de construo alternativa de identidade o que em definitiva se
apresenta como mais uma armadilha. A proposta, pelo contrario, pensar os mecanismos
pelos quais se constri o normal para assim desmont-los.
Neste sentido, achamos que o trabalho com a temtica homossexual, em tanto
sujeitos abjetos tanto em Copi quanto em Perlongher - mais do que procurar um pblico
de entendidos que se identifiquem com a temtica e as personagens a partir da questo de
gnero (sendo este um dos objetivos da literatura gay), ela provoca outro efeito: colabora na
desconstruo e desnaturalizao das concepes sobre gnero, na medida em que as
representaes destes sujeitos abjetos evidenciam pelo carter incoerente e deslocado da sua
159
identidade de gnero e entanto exceo da norma - o carter ficcional da lei tomada como
natural.
Este o efeito que, a nosso ver, gera o trabalho com a temtica homossexual na
obra deles e no uma reivindicao da minoria. Da a escolha pelo marginal e anormal ao
abordar o tema e a recusa s representaes bem comportadas que teriam por alvo desde a
inteno pedaggica (ensinar o que um gay), ao engajamento poltico (certa literatura de
tese sobre a problemtica gay), e que podem se resumir numa representao estetizante e
psicologizante do homossexual, cujo horizonte a identificao do leitor com a personagem a
fim de produzir uma reflexo em relao a preconceito, tolerncia e incluso social. Nada
mais longe deste tipo de representaes que os lmpens e monstros, verdadeiros anormais,
que fazem parte do mundo de Copi e de Perlongher.
Perlongher aborda a questo homossexual como mais uma tribo marginal e em
estreita relao com outras formas de marginalidade, todas elas variantes do que ele mesmo
chama de lumpesinado. O interesse nelas , justamente, que se trata de formas dissidentes
de subjetivao que questionam a ordem de regulao do social. Da o interesse dele nestas
populaes marginais e no no modelo de gay bem comportado, de classe media. Para
Perlongher o que interessa so estas margens do corpo social, na medida em que elas se
apresentam como ndices de desestructuracin de lo social, conatos que no alcanzan a
articular su potencia en una maquina de guerra eficaz, pero que continuan, en la penunbra,
su accin de minar los mecanismos de normalizacin institucional (Perlongher, 1997, p.55)
Em Copi isto evidente na construo de suas personagens que nunca so gays bem
comportados de classe media. Pelo contrrio, nas suas peas, contos e romances, assistimos
sempre a uma proliferao louca de personagens relacionados a diferentes tipos de
marginalidades. Alm das personagens sempre estar envolvidas em situaes de
marginalidade social, elas so, muitas vezes, provocadoras de verdadeiros desastres,
catstrofes, de destruio da ordem social. Um dos exemplos mais interessantes, neste
sentido, a pea Cachafaz, na qual o casal homossexual produz uma espcie de revoluo
popular dentro do conventillo e comanda uma sublevao anrquica que acaba numa festa
canibal e antropofgica na qual a vizinhana toda come os cadveres dos policiais.
interessante chamar a ateno sobre como na obra de Copi est sempre presente a policia e o
crime, e maneira de um quadrinho, mas tambm do gnero policial, estas forcas entram em
choque. Mas, oposta s regras do policial clssico, a resoluo no nunca a restituio da
ordem e sim a sua exploso anrquica. Em Copi, e poderamos pensar que isto sua veia
dadasta, a destruio uma fora poderosa e positiva.
160
econmica
somente
(com
subseqente
verso
negativa
do
161
de La guerra de los putos, ao ser questionado sobre sua relao com a travesti sdica que
matou seu ex-manorado:
lo que desparece no es tanto la prctica de las uniones de los cuerpos del mismo
sexo genital(...), sino la fiesta del apogeo, el interminable festejo, de la emergencia
a la luz del da, en lo que fue considerado como el mayor acontecimiento del siglo
XX: la salida de la homosexualidad a la luz resplandeciente de la escena pblica
(Perlongher, 1997, pag. 86)
Vrias so as causas que o autor assinala para tentar explicar o porqu desta
transformao na maneira em que a homossexualidade vivida e percebida enquanto prtica
social. Em primeiro lugar, o controle do corpo e do sexo particularmente, que vai acontecer
como conseqncia do surgimento do AIDS. A participao do discurso mdico e a
subseqente estigmatizao da doena, que acabo produzindo um clima de parania
generalizada, transformaram para sempre as prticas sexuais e, na dcada de 80,
fundamentalmente, as prticas dos homossexuais que foram o primeiro alvo de controle.
Mas h outros fatores que Perlongher percebe que so resultado tanto da apario do
AIDS quanto do processo de integrao da homossexualidade ordem social. Sua
marginalidade vai sumindo e dando lugar a outro tipo de homossexual cujas prticas sexuais
passam a serem reguladas e administradas no mais como sendo anormais. Trata-se do
modelo que ele j distinguia nos guetos gays dos EUA e que respondem a uma representao
moderna e classe media da homossexualidade. Para Perlongher esse modelo perdeu a fora
contestatria e, pelo contrrio, passou a se encaixar e, muitas vezes, a reproduzir formas da
matriz hetero-patriarcal. Trata-se do que ele chama de banalizao da homossexualidade:
162
163
164
Partimos da anterior citao porque achamos que se encontra nela o eixo da discusso
e o nosso prprio olhar sobre o tema. Foi necessrio para compreender as problemticas de
gnero envolvidas nas obras dos autores estudados, fazer um percurso por teorias como o
queer e os estudos culturais, mas isto no significa esquecer a especificidade do discurso
literrio e a necessidade de trabalhar com categorias da crtica literria o que supe aderir a
uma distino entre literatura e produtos culturais. Com Barcellos defendemos a idia de que
a literatura em si mesma uma prtica crtica aos padres ideolgicos e aos vetores
axiolgicos de uma dada cultura, no outro, temos textos que simplesmente (re)produzem essas
mesmas ideologias e axiologias (Barcellos, p.45).
Se como vimos, a homossexualidade um conceito criado e acunhado ao longo dos
ltimos 100 anos, isto , possui uma histria, necessrio situar quais so os discursos sobre a
homossexualidade na dcada de 70 e 80, nas que Copi e Perlongher produzem suas obras.
165
166
partir dos finais dos anos 60, comeos dos 7040 e significou uma serie de transformaes na
maneira em que era representada e vivida a homossexualidade. Segundo Barcellos:
Duas questes se delineiam a partir desta distino: imersos nesse contexto (dcada de
70 e 80) a obra de ambos d conta desta transformao e se apresenta como auto-afirmativa,
da que tenhamos afirmado que so eles os primeiros em introduzir a temtica gay
explcitamente pela primeira vez na literatura argentina. Mas, ao mesmo tempo, essa autoafirmao em relao homossexualidade se distancia, entra em conflito e tenso, com o
modelo propiciado pelos movimentos identitrios Gay dos EUA e com a cultura e a literatura
gay, questionando vrios de seus pressupostos. Da que falemos deles como dissidentes em
relao cultura gay.
Estritamente falando, s pode se falar de uma literatura gay, na medida em que
emergiu uma identidade gay. Isto , embora exista ao longo da historia da tradio literria
ocidental textos que tenham tematizado a homossexualidade, esses textos no podem ser
pensados como literatura Gay. Esta denominao um dos resultados da emergncia de uma
cultura especfica associada emergncia da identidade Gay. Por outro lado, preciso ter em
mente que, como j dissemos, a literatura, entanto discurso especfico, vai trabalhar com essas
textualizaes de maneira distanciada e crtica. Ou seja, ser preciso pensar como os textos
literrios de Copi e de Perlongher trabalham com as textualizaes da emergente cultura gay.
No referido texto de Barcellos, o autor faz um longo levantamento de autores que tem
se esforado em distinguir entre uma literatura homossexual (que tematiza a
homossexualidade) de uma literatura gay (surgida como conseqncia da emergncia da
cultura gay ps-Stonwell), sendo que para alguns crticos esta ltima , mais do que uma
manifestao artstica, um produto cultural por se tratar de uma literatura de gueto que
responde lgica de segmentao do mercado. Contrastando distintos autores que
abordaram a questo, o crtico conclui que vrios so os aspectos que devem ser levados em
conta na hora de analisar textos que trabalhem com homossexualidade; mas que em eles, em
ltima instancia, onde devemos procurar como estes aspectos se colocam e relacionam, e no
40
167
Pero no es un mundo homosexual, vos habrs ledo, conocers de m; son las cosas
que tienen ms o menos sexualidad, pero si vos lees La vida es un tango, es la
historia de un heterosexual mas macho que no se puede hablar arriba de la tierra.
Yo no me ocupo slo de los homosexuale, y una novelade antes, que escrib, no es
ms que de animales; no es de homosexuales ni de heterosexuales; para m son
como personajes de Arlequin () No existe un mundo homosexual, nadie tiene un
mundo homosexual. (Tcherkaski, 1998, p.52)
168
Por outro lado, assim como achamos que a literatura de ambos se constri de maneira
dissidente em relao com a emergncia de uma cultura gay e, portanto, no poderamos falar
de literatura gay sendo isto o que, a nosso ver, aporta uma aresta crtica na obra deles por
outro lado, necessrio no se esquecer do efeito que as obras deles produziram no
contexto em que foram produzidas. Para Silvano Santiago, e fazemos nossa sua observao, a
emergncia de temticas micro, neste caso da problemtica de gnero associada
homossexualidade um dos traos da literatura ps-moderna que a distingue das
preocupaes com causas fortes da literatura moderna em geral e em particular da literatura
engajada da dcada de 60 e 70. Para a literatura ps-moderna, a problemtica maior a
crtica a qualquer forma de autoritarismo e a questo do poder ser abordado, agora, a partir
de uma preocupao com as micro-estruturas de represso e no como o problema das
grandes causas, colocando em segundo plano a dramatizao dos grandes temas universais
e utpicos. Da que achemos importante levar em conta esta tenso como sendo um dos
aspectos que conforma a literatura de ambos e que est implicada no contexto de produo
dos textos: o efeito de visibilizao da temtica homossexual, mas contramo das
tendncias integracionistas e mercantilizadas da cultura gay. Est neste aspecto que
conjura modernidade e ps-modernidade - a fora crtica de suas obras que informam sua
condio resistente, de resistncia afirmativa, prpria das contradies neobarrocas e que os
afastam dos efeitos acrticos que Jamenson assinala para a literatura ps-moderna de
reproduo da lgica do capitalismo tardio.
Na mesma linha de pensamento que propomos aqui aborda a questo da literatura gay
o crtico - tambm poeta neobarroco Roberto Echevarren, num capitulo do livro Arte
andrgico intitulado Identificacin versus vapor: la narrativa llamada gay. Echevaren
analisa a obra (fundamentalmente dois romances) dos escritores Severo Sarduy e Manuel Puig
para propor uma distino entre vaporizar ou identificar como duas posturas opostas em
relao ao tratamento do gnero, sendo o primeiro uma metfora que tenta sair da lgica
essencialista. Neste sentido, j no comeo do texto o crtico expe sua postura:
Trato de salir del rtulo literatura gay. En esa salida afecto una constelacin de
obras. Jorge Panesi escribe: por la cada policaca en los polos identificatorios, en
las identidades y en las identificaciones (tareas todas de tradicin policial), tal
literatura o tal crtica no slo corren el riesgo de acentuar la exclusin o el gueto
legalizados con el pretexto de formar o rescatar un canon o contra-canon, sino
169
neste sentido precisamente que pensamos que nem Copi nem Perlongher podem se
classificar como literatura gay; eles efetuam, pelo contrrio, uma literatura que reverencia a
potencia perturbadora de los n-sexos. Da tambm que tenhamos nos servido da teoria
queer para abordar o tratamento da questo gay na obra de ambos. Da tambm que
queiramos agora abordar uma pequena discusso com a postura de Cristian Gundermannn
com quem compartilhamos certa hiptese e discordamos em outra. Referimo-nos com isto a
que o autor chama de teoria homosexual de izquierda postura de Perlongher sobre a
homossexualidade, contrapondo-o s polticas queer que considera de neoliberais. Permitimonos uma longa citao para explicitar a leitura do crtico:
A partir de los textos de Perlongher, realizar una crtica de las polticas Del deseo,
reivindicadas por la mayora de los tericos queer en EUA, y pretendo demostrar
que el xito de estas polticas (canonizadas en la academia norteamericana durante
la dcada del noventa como uno de sus productos ms innovadores de su
maquinaria terica) se debe a su coincidencia con el paradigma econmico
dominante de los noventa. Dicho de otra forma, en vez de ser marginales o
desafiadoras, estas polticas queer se fundan con la dinmica hegemnica de a
cultura neoliberal de los noventa (y con su arraigo en la academia donde los
estudios queer son puro capital, subiendo la cotizacin de las estrellas del
sistema de la academia de excelencia) e incluso participan de su avance
falsamente globalizador, es decir, imperialista, al presentarse como modelo
liberador universal (Gundermann, 2007, p.172)
170
Perlongher faz da questo gay ultrapassa muitas das posturas mais avanadas da poca
enfatizando a relao entre desejo- corporalidade e desejo-marginalidade, o que o coloca nas
antpodas da cultura gay norte-americana, classe media e bem comportada que j nos 90
tinha sido completamente absorvida pelos setores liberais e, fundamentalmente, pelo mercado.
Gundermann e fazemos nossa neste ponto sua afirmao, explicita em relao a isto:
Se trata, pues, de rescatar algo de la mano del orfebre riplatense de las teoras del
devenir deseoso(); rescatar, eso es, un concepto del deseo que no haya sufrido, o
que al menos haya sobrevivido, el impacto de la neoliberalizacin de la
(homo)sexualidad; un deseo corporal que se resista contra su integracin con el
pensamiento nico y las dinmicas del mercado globalizado y su cultura de las
sustituciones mercantiles. (Gundermann, 2007, p.177).
Este
aspecto
completamente
transgressor
contramo
das
tendncias
Por un lado, la loca condensa las tensiones alrededor del gnero y de la sexualidad:
las locas (junto a sus chongos) traen el teatro de la hiperfemeneidad, de la
artificialidad del gnero como pacto y como performance: el cuerpo de la loca es
un cuerpo contra natura, que falla la naturalizacin del gnero y por ello ilumina,
desde el lmite exterior, las operaciones de la normalidad. Por otro lado, las
locas se constituyen en relacin al lumpenaje, a la marginalidad, ellas mismas
lmpenes o comprando los servicios de sus lmpenes chongos, michs, o taxi boys
(). Por el lado sexual y por el lado social, entonces, en el punto en que ambas
lneas se cruzan y se entrelazan, la loca encarna una transgresin sobre la cual
siempre pende una amenaza. (Giorgi, 2004, p. 67)
171
como a condio de classe e a marginalidade, que se rebela, assim, das formas integradas da
cultura gay.
Partindo, ento destas consideraes queremos agora abordar um dos textos de Copi
por ach-lo particularmente importante aos fins da anlise deste aspecto da obra de ambos: a
temtica homoertica. Para isto partimos de idia de que possvel fazer uma anlise em
diferentes nveis: o nvel temtico, o nvel estilstico e o nvel das personagens. Analisaremos
La guerra de los putos de Copi para poder pensar como este texto produz representaes da
homossexualidade que tem por alvo levantar uma crtica de algumas delas.
Este romance foi publicado originalmente como folhetim na revista satrica francesa Hara- Kiri que se publico
durante a dcada de 60. A relaao da obra de Copi com os gneros da cultura de massa pode se perceber tanto
como incorporao dos procedimentos formais e temticos tpicos dela quanto no soporte mesmo, isto , ele
escreve folhetins.
172
torno do gay (sem falar dos contos e peas teatrais). Em primeiro lugar, queremos dizer que
escolhemos La guerra de los putos para abordar a problemtica de gnero na obra dele por
estar to explicitamente tematizada neste texto, embora e diferentemente de El baile de las
locas no se caracterizar pela sua complexidade construtiva; trata-se pelo contrrio de um
texto extremamente simples em relao a seus aspectos formais. Diferentemente de El baile
de las locas, este romance possui um s plano narrativo, no qual o narrador conta-nos de
maneira linear uma histria da qual ele ao mesmo tempo protagonista. Isto , trata-se de um
romance linear sem experimentaes no plano temporal e causal nem fragmentaes de
nenhum tipo e cujo narrador extradiegtico-homodiegtico.
O que tem de pouco interessante no plano formal o compensa no plano temtico; La
guerra de los putos uma disparatada histria na qual seu protagonista um homossexual
escritor de quadrinhos cmicos chamado Ren Pico e que assina com o anagrama de Copi42
e seu grupo de amigos gays participam de uma srie de aventuras e acontecimentos em
relao ao advento duma nova era comandada pela Interespacial homosexual, espcie de
movimento interplanetrio que apaga a heterossexualidade e cria uma nova forma de
sociedade. Alm deste vis que convoca o mundo dos planetas e das galxias, o romance faz
participar desta espcie de revoluo a seres fabulosos e mticos como as Amazonas
hermafroditas que acabam dominando o universo e os rituais da macumba brasileira que
praticam os travestis que comeam a revolta. Podemos dizer ento que se trata de um romance
que conjuga aspectos de gneros como a fico cientfica e a literatura fantstica, mas tambm
aspectos que remetem stira mais clssica. A transposio a outros mundos, veremos, possui
uma finalidade crtica ou de espelho que mostra as prprias misrias que o emparenta s
viagens de Gulliver e seus fantsticos mundos. O trao satrico aponta, fundamentalmente,
prpria questo da homossexualidade, das lutas gay, do gueto, e de certas utopias que,
paradoxalmente, se transformam em pesadelos totalitrios.
Tentaremos resumir o enredo, embora pela quantidade de fatos descomunais que
acontecem resulta muito difcil; este precisamente um dos traos mais caractersticos da
42
A personagem se define a si mesmo num momento do texto da seguinte maneira: Sent nacer em mi interior
al hroe cuya existncia todos sospechamos a fuerza de verlo representado por actores varios em las pelculas,
ao tras ao, pero cuya posibilidad siempre nos pareci imaginaria. En ese momento preciso era yo esse ser
nico AL que El destino haba hecho creer que er um semi-dios, yo Ren Pico, dibujante humorstico que usaba
el anagrma de Copi, hijo maricn de uma berrinesa algo exntrica, me encontraba em El centro de uma querra
mundial. interessante que no momento em que o narrador se define e se nomeia a si mesmo, a existncia
aparece como cpia dos filmes, isto , como simulacro e como inverso barroca, a vida imita a arte. Tambm
cabe ressaltar que, como em quase todos os textos de Copi, o narrador ou personagen protagnica leva o mesmo
nome (ou alguma brincadeira verbal que remete) que o prprio autor. Como veremos num outro captulo, isto
responde a criar um simulacro do prprio autor e responde assim s caractersticas do que chamaremos o
narrador ps-moderno.
173
potica de Copi e que contribui ou se enlaa a esse outro aspecto chave de sua escrita: a
velocidade. Acumulao excessiva de acontecimentos e vertiginosidade do ritmo narrativo
so como as duas caras da mesma moeda, ou dito de outra forma, o primeiro colabora
fortemente a criar o efeito do segundo.
La guerra de los putos um exemplo paradigmtico destes procedimentos, da a
dificuldade de fazer um resumo de tudo o que acontece. Esta dificuldade relaciona-se tambm
com outra caracterstica da potica de Copi: pela quantidade e acumulao de acontecimentos
e pelo exagero dramtico e at catastrfico destes acontecimentos resulta tambm impossvel
marcar alguns ns de maior relevncia dentro dessa sucesso ininterrupta e desenfreada. A
impossiblidade de estabelecer clmax e anti-clmax, conflitos e resolues, desenvolvimento
causal de aes outro dos aspectos que contribuem a deslindar esta narrativa de toda
inteno mimtica e realista. Diante da catstrofe com a que comea o romance o leitor
pergunta-se: e agora, que mais? E o pior (ou o melhor) que h muito mais, de fato no
param de acontecer coisas, uma mais incrvel e louca que a anterior, o que produz tambm
esse efeito vertigem da velocidade da qual falvamos antes.
La guerra de los putos est dividida nos seguintes captulos: Las escaleras de La Rue
Andr-Antoine, El rosedal de mi madre, Los maleficios de la luna, Conceio do Mundo.
O romance comea com a personagem principal, Ren Pico, e seu namorado Pogo
Bedroom numa cena de sexo sadomasoquista na qual Conceio do Mundo, uma travesti
brasileira, sodomiza a Pogo e acaba ferindo-o gravemente. Ao tentar defender seu namorado
de Conceio, entra em cena Vinicia da Luna, me da travesti. Aps uma internao no
hospital e uma tentativa de suicdio, Pogo volta ao lar com Ren Pico e comea uma srie de
acontecimentos a partir duma revolta, que est acontecendo no bairro, dumas travestis
brasileiras que se apresentam como parte duma escola de samba chamada As mulatas do
fogo. Copi convida seu grupo de amigos da militncia gay a reunir-se na sua casa para falar
do que est acontecendo e, enquanto socorrem de outra tentativa de suicdio a Pogo, recebem
uma bomba molotov que queima a casa e a bilblioteca; Pogo acaba suicidando-se finalmente
com a cabea no fogo. Isto leva a Copi a partir para a casa da sua me em Berry para se
repor. Logo volta, acolhido pelo grupo de seus amigos gays que o esperam com a casa
reformada, mas ele padece de uma srie de delrios que o deixam paranico dentro da sua casa
por quatro dias.
174
Quando acorda, na sua casa encontra-se a travesti Conceio do Mundo com quem
tem sexo e se apaixona ao descobrir que se trata de uma hermafrodita. Entra em cena a me de
Conceio que acaba sendo um pai de santo amaznico, que depois duma breve conversa
deixa na casa de Copi um diamante de presente. Copi liga para seu amigo gay policial JeanJaques e ao mesmo tempo tentam, sem consegui-lo, sequestrar a Conceio. Na manh
seguinte, todos os amigos gays reunem-se na casa de Copi a tomar o caf da manh e dirimir
como ajud-lo dentro desta intriga na qual se encontra por conta do diamante (que,
descobrem, carssimo) j que ele decide ficar com Conceio, estando completamente
apaixonado por ela. Antes da chegada do grupo de homossexuais, Conceio tenta matar a
Copi. Em seguida, encontram a cabea dum negro que resultou ser a personagem que havia
tentado sequestrar a Conceio e que era tambm sua prpria me. Por meio de uma chamada
telefnica, Vinicio da Luna revela suas intenes de tomar Paris; os amigos gays militantes
fumam maconha deixada de presente por ele e terminam envenenados. Vinicio chama
novamente fazendo ameaas e, ante o temor de perder a Conceio, Copi a disfara de homem
e a manda para a casa de sua me em Berry. Aps ter-se desvanecido Copi, acorda amarrado
na sua cama e no quarto encontra-se Vinicio, que o ajuda a soltar-se e, logo depois, mata com
uma metralhadora aos militantes gays, que se encontravam na sala. Copi e Vinicio vo para a
casa da me de Copi. Ao chegar, Vinicio se faz passar pelo motorista e seduz a dona da casa,
que assiste pela televiso que Paris est no meio duma revolta encabeada por amazonas de
esquerda que colocaram uma bomba atmica no Jardim das Tuileries. Aps uma briga entre
Copi e Vinicio na tentativa de defender a Conceio de ser sacrificada pelo ltimo, ambos
fogem para Paris. No caminho, Copi estuprado por Conceio e chocam o carro. Ambos so
conduzidos para um disco voador e Copi estuprado por Vinicio da Luna. Chegam sua me e
Conceio e um esquim lhes relata os acontecimentos que passaram enquanto ele estava
inconsciente: se produz uma guerra entre a URSS e os EUA por causa da ocupao das
amazonas em Paris que destruiu muitas cidades do mundo.
Depois, eles entram num quarto no qual um grupo de amazonas est realizando um
julgamento pela responsabilidade da destruio da Terra. Copi e Vinicio da Luna consumem
cocana e este ltimo lhe relata que a Floresta Amaznica havia sido trasladada Lua e que
agora ele era o chefo das amazonas. Comea uma cena canibalesca na qual as amazonas se
comem entre si e comem a me de Copi. Sente-se um forte vento e Copi resgatado por um
homem. Acorda numa clinica junto a ele, Louis de Bois, depois de quatro dias adormecido.
Ouve o que este lhe conta: encontram-se na lua, Conceio est bem e em liberdade, mas seu
pai, Vinicio, est na cadeia esperando a ser julgado pela Interspacial Homosexual da qual faz
175
parte e que agora domina o universo. Encontram-se num lugar que reproduz a Piazza So
Marcos de Veneza, no qual moram homossexuais masculinos, femininos e amazonas
hermafroditas. Logo, seguem para outro lugar chamado Interspacial Homosexual Circus onde
Luis conta-lhe que a Terra est em erupo. Enquanto isso, Conceio mata a Vinicio da Luna
e chega ao lugar onde abraa a Copi e fogem para uma ilha com um cortejo de amazonas.
Aps fazerem sexo, observam como os homossexuais vo embora da Lua e adormecem.
Como fica claro, o romance possui vrios dos tpicos da potica de Copi: a sucesso
ininterrupta de acontecimentos que o assemelha ao gnero de aventuras, o exagero e a
dramaticidade expressada tambm no gosto pelas catstrofes, a estrutura acumulativa de
acontecimentos exageradamente trgicos e surpreendentes, maneira do folhetim dentre
os quais se destacam a converso de personagens em outros, o descobrimento de que algum
personagem era na verdade outro ou outra, j que em Copi temos que contar sempre com as
mudanas de gnero, isto , personagens que de homens passam a ser mulheres e vice-versa.
Mas interessa-nos, agora, deter-nos nas representaes que o texto coloca em relao
ao homoerotismo. Como j dissemos, a personagem principal Ren Pico (ou Copi)
homossexual, mora com seu namorado e tem um grupo de amigos gays militantes.
interessante ver como a homossexualidade representada por Copi em primeiro lugar de
forma assumida, isto , o texto representa uma cultura gay j estabelecida e visibilizada na
sociedade, o que o diferenciaria de textos nos quais a homossexualidade vivida
reprimidamente pelas personagens ou se narra a vitimizaao sofrida pela personagem por
uma sociedade que a estigmatiza. Neste sentido, o romance de Copi pode inscrever-se numa
literatura que pertence j cultura gay no seguinte sentido:
176
La guerra de los putos , neste sentido, um texto que pertence cultura gay e que d
conta de um estilo de vida gay. Mas, ao mesmo tempo, o romance, neste caso, fala sim da
homossexualidade, problematizando particularmente a questo da militncia, do gueto e da
utopia duma sociedade homossexual. Ren Pico um velho militante da FHAR43 desde os
anos 70. Foi neste movimento onde conheceu o seu namorado Pogo um tpico gay norteamericano que carrega todos os clichs deste esteretipo na descrio que se faz dele e ao
grupo de amigos que so apresentados no texto como militantes gays. O cmico e interessante
que a representao que o texto faz destes gays est atravessada por um vis ridicularizador
e por um olhar auto-pardico em relao prpria condio de homossexual e de,
fundamentalmente, militantes da causa gay. Quando os amigos de Copi se renem na casa
dele, comea uma discusso na qual o papel do militante gay ridicularizado pelo seu
dogmatismo e igualado ao dogmatismo tanto de marxistas como de fascistas, e Copi no
duvida em cham-los de putos nazis enquanto eles se defendem na moral da militncia. O
dilogo entre os militantes gays e o protagonista mostra um confronto carnavalesco de
discursos gays, marxistas e msticos:
Front Homosexuel dAction Revolutionnaire. Trata-se dum movimento parisienses gestado nos anos 70 de fins
ativistas polticos. Dois de seus lderes foram Gay Hocquenghem (amigo de Copi na vida real) e Franoise
dEaubonne.
177
178
ponto de vista da identidade cultural, isto , do pertencimento a uma nao, a uma cultura
em particular e a uma tradio literria especfica, a um determinado cnone.
Neste sentido, queremos partir de certas reflexes em torno questo da identidade na
ps-modernidade porque consideramos que a obra de ambos os autores apresenta problemas
(no nvel lingstico e temtico, mas tambm por serem escritores que escrevem no exlio)
que do conta das transformaes que o conceito de identidade comea sofrer na literatura
argentina (e da qual estes textos seriam exemplo) a partir de finais da dcada de 70, perodo
este que coincide com a emergncia da condio ps-moderna e, na histria argentina em
particular, com o que temos chamado de ps-ditadura. Da que a nossa leitura aponta a
desvendar os aspectos pelos quais consideramos que, tanto em Copi quanto em Perlongher,
estamos diante de uma escrita que, por primeira vez, comea a questionar a idia moderna de
identidade, como essncia ontolgica y substancial.
A condio de escritores exilados de ambos colabora para que esta questo sea to
particularmente trabalhada na obra de ambos, mas no a determina. Na verdade, sempre
houve na histria da literatura argentina, obras escritas no exlio e isso no fez com que se
questionasse a identidade cultural; pelo contrrio, muitas vezes serviu para refletir e afirmar, a
partir do exterior, a idia de uma identidade nacional completamente discernvel e
identificvel como nica, completa, linear, substancial: a argentinidade. O que autores
como Copi e Perlongher vm a questionar , precisamente, a maneira ontologizante e
essencialista de pensar a identidade e, neste sentido, eles representam a crise do conceito
moderno de identidade e a emergncia de novas formas (diremos ps-modernas) de abordar a
questo.
interessante trazer colao uma srie de autores e teorias que tem refletido em
torno crise do conceito de identidade na ps-modernidade e que podem ajudar a definir a
maneira com que esta problemtica se apresenta na obra dos autores escolhidos. Partir-se- de
certas formulaes de Stuart Hall em dois de seus livros mais importantes A identidade
cultural na ps-modernidade e Da dispora. Identidade e mediaes culturais. Tambm
pensamos em certas categorias e abordagens tericas como as de Homi K. Bhabha e Benedict
Anderson, especialmente para refletir sobre o conceito de nao.
Todos estes autores tm refletido sobre as noes de nao, identidade cultural e
dispora e tm sublinhado a idia duma crise do conceito de identidade tal como foi pensado
na modernidade. Neste sentido, eles tm centrado suas reflexes nas transformaes que o
conceito de identidade tem sofrido na contemporaneidade (ou ps-modernidade), enfatizando
a questo de que aquilo que pensvamos como algo naturalmente essencial, nico e estvel,
179
isto , a idia duma identidade cultural baseada numa idia de nao igualmente nica,
estvel e essencial, foi, na verdade, uma das invenes da modernidade. Benedict Anderson
resume esta hiptese ao categorizar a nao como comunidade imaginada, o que supe
perceber o carter ficcional de todo discurso em torno nao, tanto como historizar sua
origem tendo em conta a condio ambivalente44 em que a nao moderna se funda. A partir
do questionamento da idia de nao45, estes autores apresentam uma viso no nostlgica e
positiva com respeito ao surgimento de novas identidades no mundo ps-moderno e
globalizado, questionando as identidades que se definiam a si mesmas como puras e nicas46.
Para autores como estes, a experincia da dispora, to prpria do mundo global
contemporneo, possibilita a criao de identidades hbridas, misturadas e impuras sem, por
isso, deixar de serem identidades. Isto , a identidade cultural no uma coisa que o mundo
globalizado apagou sob a formatao de identidades globais standarizadas e marcadas
nicamente pela lgica do mercado, embora no possa se negar este aspecto globalizante da
cultura contempornea. Porm, aquilo que da ordem do local continua ecoando, mas de
maneiras novas e diferentes e atravs de procedimentos marcados, fundamentalmente, pela
hibridizao.
interessante, neste sentido, salientar a opo poltica que implica esta leitura, que
adverte sobre as tendncias neoconservadoras e neofascistas que implicam pensar a identidade
de maneira fixa, pura e imutvel. Para autores como Stuart Hall, abraar a emergncia de
44
Esta idia de uma origem ambivalente proposta por Benedict Andersen para explicar as foras contrrias
sobre as quais ou a partir das quais, a nao moderna criada: El siglo de la Ilustracin, del secularismo
racionalista, trajo consigo su propia oscuridad moderna. Pocas cosas estaban mejor preparadas para este fin que
la Idea de la nacin. Si los Estados nacionales son ampliamente considerados nuevos e histricos, los
Estados nacionales a los que dan expresin poltica siempre provienen de un pasado inmemorial () y se
deslizan hacia un futuro ilimitado. Lo que estoy proponiendo es que el nacionalismo debe ser entendido no
agrupndolo con ideologas polticas conscientemente adoptadas sino con los grandes sistemas culturales
que lo precedieron, de los cuales as como contra los cuales el nacionalismo emergi a la existencia
45
Stuart Hall, retomando as idias de Andersem, tambm conclui que o carter unificado da identidade nacional
mais um mito que uma realidade histrica e prope desmistificar vrios dos presupostos nos quais esta se
baseia. Segundo ele: Em vez de pensar as culturas nacionais como unificadas, deveramos pens-las como
constituindo um dispositivo discursivo que representa a diferena como unidade ou identidade. Elas so
atravessadas por profundas divises e diferenas internas, sendo unificadas apenas atravs do exerccio de
diferentes formas de poder cultural. Entre tanto - como nas fantasias do eu inteiro de que fala a psicanlise
lacaniana as identidades nacionais continuam a ser representadas como unificadas. Uma forma de unific-las
tem sido a de represent-las como a expresso da cultura de um nico povo (...) Mas essa crena acaba, no
mundo moderno, por ser um mito. A Europa ocidental no tem qualquer nao que seja composta de apenas um
nico povo, uma nica cultura ou etnia. As naes modernas so, todas, hbridos culturais (HALL, 2005,
p.62)
46
Para isto Stuart Hall presenta toda uma histria do sujeito moderno, do seu nascimento ao seu descentramento
ou morte. Segundo o autor a idia de identidade baseia-se na de sujeito, da que essa histria comece com o
sujeito do iluminismo visto como tendo uma identidade fixa e estvel, foi descentrado, resultando nas
identidades abertas, contraditrias, inacabadas, fragmantadas do sujeito ps-moderno. (HALL, 2005, p.46). Hall
nomeia cinco descentramentos do sujeito moderno: o marxismo, a psicanlise, a linguistica estrutural de
Saussure, o pensamento de Foucault, e por ltimo, o feminismo.
180
Segundo Daniel Link, Copi pertence a uma das disporas argentinas junto com autores como: Juan Gelman,
Osvaldo Soriano y Antonio Di Benedetto, entre otros, tambin formaron parte de la dispora argentina, que um
escritor completamente desconocido por entonces puso magistralmente por escrito em La internacional
argentina. (LINK, 2006, p.120). Contudo, preciso distinguir as disporas argentinas de ordem poltico do
sentido mtico mesinico em que Stuart Hall pensa a dispora judea e africana.
181
preciso salientar aqui que embora o exilio de Copi a Paris o emparenta a toda uma srie de exilios da
inteletualidade argentina - e que por isso o chamamos de elite-, h em Copi uma diferena chave com esses
tipos de exlio, e essa diferena encontra-se na valorao e no prprio processo de apropriao que Copi faz em
relao cultura e a lngua francesa. Neste sentido, o uso no acadmico que ele faz do francs em sua obra,
fundamentalmente no romance El uruguayo, serve de prova para sustentar a idia de que Copi no teria uma
relao de venerao (respeito e admirao) com respeito cultura francesa, maneira com que histricamente a
inteletualidade latino-americana ter percebido simblicamente a Frana e sua cultura como epicentro da
civilizao e como espao diante do qual a condio de latino-americano de inferioridade. Esta postura
dessacralizante de Copi em relao Frana e ao francs um dos pontos que permite distingu-lo de um escritor
como Bianchiotti quem tambm se exilia em Pars e passa a escrever em francs. Para um detalhado estudo do
francs em Copi e das diferenas com Bianchiotti se recomenda o texto de Pablo Gasparini Exil et dplacements
linguistiques : sur le dbut franais de Copi et de Bianciotti. Nele, o crtico demonstra a relao nunca
resolvida entre Copi e o francs, e a escolha do escritor de no resolver esse entre lugar ; apesar de e
diferentemente de Bianchiotti que aprende o francs pelo livros Copi ter apreendido o francs de maneira mais
natural no proprio encadeamento do social devido a seu exilio ainda criana e a ter terminado a escola na
prpria Frana. Esta relao pouco sacra com a carga simblica do que representa a Frana e a lingua
francesa para qualquer inteletual latino-americano, permite dislocar a Copi do exilio mais tradicionalmente
pensado para as elites inteletuais. Como aponta Gasparini h em Copi uma escololha pelo entre que o
aproxima tambm a Perlongher : La naturalit de la langue franaise de Copi ( diffrence de Bianciotti
qui affirme lapprendre dans et des livres 48) semble porter ainsi au discours une sorte dinsouciance qui
serait inhrente une langue apprise hors des circuits sociaux. Lapparente indiffrence entre langue trangre
et langue dorigine esquisse dans un rcit comme LUruguayen (dont la trame disqualifie, comme nous lavons
vu, linfluence unilatrale de la langue dorigine sur la langue trangre pour reprsenter, en outre, les
influences de celle-ci sur la premire) met plus laccent sur l entre de deux langues que sur une langue
dtermine (un fait qui nous renvoie la notion d entre-deux labore par Maite Celada propos des
relations symboliques entre le portugais et lespagnol). Cest le fait dtre entre deux langues (plus que dans le
choix dlibr dune langue, comme cest le cas de Bianciotti) ce qui mne le texte comme cest curieusement
le cas galement du pote argentin Nstor Perlongher, dont lesthtique permet lhyperbole de l entredeux 48) une attention et une drision dlibre de sa propre matrialit phonique ; car lemploi
dplac de certaines langues (le franais dplac par lespagnol, au-del des conditions fortuites
d appartenance ou tranget qui deviendraient, dans Copi, un simple effet de perspective) suppose moins
lentre dans une intimit (relie, comme nous lavons vu, la prtention de contrler et dassurer le sens et
la transparence), que linusuelle attention porte son extriorit et aux possibilits de construire un sens,
moins par la possession de signifis donns que par le jeu des signifiants eux-mmes comme cest le cas dans
le calembour, les jeux des anaphores et les allitrations signales. (Gasparini, p.15)
49
Tomamos a denominao do texto de Silviano Santiago O cosmopolitismo do pobre. Neste sentido
interessante a distino que o autor faz entre dois tipos de multiculturalismo, um do princpio do sculo XX, e
outro contemporneo, em que as migraes e o contato entre as culturas tm mudado, dando lugar a que a cultura
do pobre possa se tornar, ou se inserir, no cosmopolita. No caso especfico do traslado de Perlongher ao Brasil
podemos dizer tambm que se trata de uns dos fenmenos tpicos da dcada dos 90 em que comeam a se dar
182
183
identidades traduzidas na literatura argentina e que sejam o incio desse processo atravs
duma crtica feroz argentinidade e ptria enquanto idia que enlaa morte, sacrifcio,
fanatismo irracional e conservadorismo cultural e poltico. Eles so os que quebram o
paradigma da identidade moderna e abrem as portas a novas formas de identidades mais
frouxas, menos estveis, mais permeveis mistura e hibridao, o que acabar sendo um
dos pontos fortes da literatura dos finais dos anos 90 e 2000, com escritores como Washinton
Cucurto e o que tem se chamado de neobarroco globalizado51.
Da que o alvo de ataque tanto em Copi quanto em Perlongher seja a argentinidade e
seus mitos, e a Nao e sua tradio mtica. Trata-se nesse momento, os anos 80
fundamentalmente, de quebrar preconceitos ainda muito arraigados em relao identidade e
de abrir as portas a novas formas de identificao, mais do que de dar conta dum mundo
globalizado. No poderamos dizer que Copi e Perlongher apresentam concepes de
identidades cuja marca seja o global (isto ser mais caracterstico da literatura dos anos 902000), mas sim podemos localiz-los neste momento de corte em que as certezas comeam
a se desvanecer ou que precisam ser atacadas em vistas a concepes menos totalizantes e
autoritrias. Copi e Perlongher definem o momento em que a identidade cultural enquanto
argentinidade como conceito mtico, essencialista e substancial - passa a ser percebida
como uma noo conservadora e artificial, plausvel de ser pardiada e ridicularizada, como
uma noo que precisa ser questionada para permitir a reflexo em torno a novas formas de
identidade menos estereotipadas culturalmente e menos conservadoras politicamente. Copi e
Perlongher so, neste sentido, os pioneiros daquilo que vai-se esboar como definitivo nas
dcadas seguintes: a questo duma literatura que apresenta a identidade como um processo de
irrevogvel e contnua traduo52.
51
Esta periodizao e categorizao pertence a Carlos Gamerro, para quem: En los noventa es la realidad
argentina la que se barroquiza () de dos maneras: por la inmigracin de los pases limtrofes, y otros como el
Per y Repblica Dominicana y por la difusin de una cultura latina globalizada por medio de la msica tropical
y la TV por cable. De lo primero se hace eco la obra en poesa y prosa de Washinton Cucurto, de lo segundo la
de Alejandro Lpez. La capital utpica de este nuevo neobarroco inmigratorio-meditico de los noventa ya no es
La Habana sino Miami. Los neobarrocos globalizados se inspiraron en parte en la literatura, como los
neobarrocos de los 80, pero mucho ms en los medios masivos(Gamerro, 2010, p.36)
52
Como j dissemos com anterioridade, este termo retomado por S. Hall da teoria do filsofo Derrida.
Queremos tambm trazer a colao que este proceso de questionamento da cultura nacional e de insero no
global tambm aconteceu na contracultura brasileira e que os estudos de Silviano Santiago sobre isto inspiram
tambm nossa argumentao. Num ensaio intitulado Os abutres: a literatura do lixo, o crtico apontava o
seguinte em relao s manifestaes da emergente contracultura brasileira dos 70: a curtio deslocou o eixo
da criao da terra-das-palmeras para London, London, descentrando uma cultura cuja maior validez e
originalidade fora o delimitar cultural, artstica e literariamente determinada area geogrfica que por
coincidencia se chamava Brasil. Deslocou o eixo lingstico luso-brasileiro para uma espcie de esperanto nova
gerao, cristalizado em poucas palavras que se tornavam senhas entre os iniciados. Finalmente deslocou o eixo
musical samba (ou bossa-nova) para uma certa latinoamericaneidade. A apario e repetio das palavras
deslocar e descentrar do conta da percepo que o crtico tinha j naquele momento do processo que
184
Y cmo no va a estar presente si nac ah. Tena cinco aos y tengo una conciencia
viva del 17 de octubre. Allanaron mi casa (...). Nos fuimos al Uruguay. Cmo no me
voy a acordar de la Argentina! Cualquiera se acuerda del infierno, es de lo que uno
ms se acuerda. Eso no dice nada en honor de la Argentina ni del mo.
(TCHERKASKI, 1998, p.66)
comea a se dar na cultura e cuja marca seria essa submisso da categoria do nacional no contexto do global. A
idia de traduo derridiana, aparece tambm em Santiago, quem est vislumbrando este processo que se
inscreve pouco dentro das categorias de nacionalidade em que estamos acostumados a pensar e trabalhar. Nos
casos de Perlongher e de Copi este precesso de deslocamento do nacional no global tambm aparece associado
contracultura, da qual eles mesmos so protagonistas como explicaremos num captulo especfico sobre esta
questo.
53
Referimo-nos com isto reelaborao que fazem ambos os autores dos gneros clssicos da literatura
argentina como a gauchesca e o grotesco criollo. Tambm a referncia a personagens e momentos histricos da
poltica e da cultura argentina, dentre as que se destaca Eva Pern.
185
Esta categorizao pertence a Adrin Cangi, que distingue o tipo de militncia de Perlongher da militncia de
esquerda tradicional, criando esta designao de insubmisso.
186
congrega argentinos exilados no mundo que tenham um perfil artstico e cujo diretor um
snob e ricao negro da aristocracia latifundiria argentina que acaba tendo intenes polticas
para recuperar o pas, e cuja plataforma prope sempre solues para os problemas deste
completamente ridculas e absurdas. A personagem de Daro Copi se define a si mesmo como
um aptrida e no como um exilado; desta maneira diferencia o exlio poltico prprio da
militncia de esquerda antes e durante a ditadura, do seu exlio, que abrange questes por fora
daquele pardigma militante do qual a personagem se afasta j que no centra sua crtica
somente na ditadura:
Se pusieron a hablar sobre las bellezas de las islas griegas. Yo concentr mi
atencin en Hortensia Gusapo. Cantaba en ese momento Volver, un viejo tango que
cuenta la historia de un exiliado que vuelve a su pas tras veinte aos de ausencia, y
no encuentra ya nada de sus recuerdos de infancia. Adnde haban ido a parar mis
recuerdos de infancia? Ciertamente existan, pero dispersos por el mundo, como
trozos de un rompecabezas cados por el suelo. Mis padres vivan en Pars, Mara
Abelarda en Nueva York, mis hermanas en Mxico, de mis amigos de juventud, unos
estaban en California, otros en Italia, dos de ellos incluso en Japn No paraban
de moverse. Los que se haban quedado en Buenos Aires, en cambio, me resultaban
menos familiares. Los vea de tanto en tanto durante sus breves estancias en Pars,
casados con mujeres dominantes, gordos, calvos, eternos perritos falderos de sus
seoras por las escaleras mecnicas de los aeropuertos y los grandes almacenes,
hablando con voz aflautada de la cotizacin del dlar, y pretendiendo ignorarlo
todo del rgimen militar y de las atrocidades que ensangrentaron el pas. Y en el
extranjero, formando parte de las tropas que Nicanor Sigampa designaba con el
nombre de Internacional Argentina, estbamos nosotros, que habamos huido, no
de la dictadura militar, sino de todo lo que haca posible su existencia en la
sociedad argentina: la hipocresa catlica, la corrupcin administrativa, el
machismo, la fobia homosexual, la omnipresente censura hacia todo Pero
supongo que esas categoras pertenecen al pasado; ya no quedan ms que, por un
lado, las ratas que abandonaron el barco, y por otro, los borregos que sufrieron la
clera del capitn, todos somos por primera vez un poco iguales. Volver con la
frente marchita, incluso aquellos que literalmente haban velado nuestra juventud.
ramos todos como nios viejos que intentaran reinventar Argentina (Copi, 1989,
p.72).
Trata-se ento dum contedo novo ou, pelo menos, diferente das figuras mais clssicas
em relao ao exlio (tanto a romntica quanto a engajada dos anos 70, que envolvem a noo
de saudade) no qual no se trata da figura dum militante stricto sensu que parte perseguido do
seu pas pela sua participao ativa no cenrio poltico. Por outro lado, a ptria aparece
representada sempre como espao do qual se renega, e no como lcus associado saudade,
maneira romntica. Na citao anterior, a personagem sugere no se emocionar com o tango
Volver (tpico por excelncia dos semas do exlio) e, alm disso, remete s lembranas da sua
infncia a aos afetos da famlia para constatar que tampouco a encontra-se uma suposta
argentinidade. Na Internacional Argentina, Daro Copi explcito em relao a como
187
define para ele mesmo a condio de morar fora do seu pas, diferenciando-se claramente da
representao clssica do exilado, geralmente associado a questes polticas:
188
189
desejo. O eixo do ensaio a questo da crtica ao valor da morte como sacrifcio pela ptria,
pela nao j seja na axiologia prpria do discurso nacionalista da ditadura como no
discurso heroicizante e solene que justifica a morte em prol da causa prprio da esquerda.
Mas, se este tpico era j suficientemente transgressor e crtico do discurso nacionalista (em
ambas as verses, de esquerda e de direita), Perlongher coloca uma questo que ser
completamente escandalosa para a moral argentina: a anlise da Guerra de Malvinas a partir
da relao entre morte e desejo, entre o exrcito e a homossexualidade (do ponto de vista
freudiano), entre as instituies masculinas e as polticas de gnero, levantando assim uma
crtica feroz a esta guerra e aos militares (fazendo-os passar por um bando de bichas
mascaradas), mas fundamentalmente, ao discurso nacionalista em geral e a sua solenidade.
Permitimo-nos uma longa citao para poder expr claramente os argumentos de Perlongher:
Pero los muchachitos que se arrastran a travs del ocano (la expedicin de los
ingleses fue un verdadero crucero, un paseo, se jactaba un comandante) para
estrecharse sangrientamente en el barro de las trincheras, no deben ser tan
inocentes en cuanto a sus deseos. el mismo Freud sealaba el contenido
homosexual de la libido (del amor) que cohesiona las instituciones masculinas
como el Ejrcito y la Iglesia (de la papisa ya hablaremos), en cuyo seno las
pasiones perversas llegaban a aflorar (el caso SA del nazismo).
Habra que pensar qu los lleva a recluirse en esa camaradera masculina de los
vestuarios y las canchas, ciertamente sospechosa, que se resuelve en la violencia (el
ftbol o la guerra): en esos fros islotes. Puede suponerse tambin la hiptesis del
deseo de muerte que es, casualmente, lo mismo que se dice de un marica que se
empecina en yirar en la periferia- aunque es claro sealar las diferencias: uno
morira por la patria, la otra por el culo.()Entretenimiento de marica, se dir. Tal
vez. Habra tambin que preguntarse por el tono de solemnidad que impregna
algunos discursos liberasionistas, vstagos de la retrica izquierdista, tan
diferente de nuestros barrocos y manierismos cotidianos. Tal vez la razn de su
suceso haya que relacionarla con el deseo de unas islas, a que aludimos en el ttulo:
ya que si el soldado se sacrifica en nombre de la identidad nacional, de la
territorialidad de los estados, en medio de unas islas fantasmticas, hasta qu punto
la identidad homosexual no tendera a delirar otras islas, otros territorios
semejantes, lanzando su grito de guerra: viva la homosexualidad, seguido de un
discurso pertinente.(Perlongher, 1997, p. 188)
Tanto para Copi quanto para Perlonguer, a palavra ptria, longe de qualquer
sentimento de pertencimento, aparece definida como banal patriotismo, carregada de
contedos negativos que a associam s polticas e aos governos mais reacionrios da histria
argentina. Alm do contedo de reviravolta contra essa noo de ptria, aparece neste tipo de
exlio anti-romntico de Copi e Perlongher uma idia ainda mais ousada e que se levanta
contra o conceito mesmo de identidade: a de uma ptria insubstancial, carente de essncia,
como mito que perdeu sua fora de convico e crena. No haveria ento nada propriamente
argentino, nada essencial e natural que garanta per se a suposta argentinidade. O que
190
Queremos dizer com isto que a nao sentida pelos autores intensamente como uma criao imposta pelo
Estado, como uma fico, no sentido em que Benedict Anderson fala de comunidades imaginrias que criam
seus discursos ficccionais.
191
madre y mi amante. Pero sea cual sea la lengua elegida, la imaginacin me viene de
esa parte de la memoria que es blanda y particularmente sensible a las flechas
escondidas en las frases annimas. Viajero y mirn, mi expresin toma la forma de
escenas fugaces como el amo bajo un farol o la muerte fatal; nutrido en la
sensibilidad del Ro de la Plata, conozco la fugacidad de los decorados; los viajes
me han enseado que poco equipaje bien surtido es el seguro y el crdito del
exiliado. Exiliado? Esa palabra sali sola de mi pluma, seguida de un smbolo de
interrogacin. Si alguna vez debiera decir algo sobre el exilio me cuidara bien de
hacerlo en primera persona. Aunque es verdad que tuve miedo de volver a pisar
Argentina a partir de 1969, no se trata de eso. Estamos en agosto de 1984, el doctor
Alfonsn es el presidente constitucional de la actual repblica, puedo ir a Buenos
Aires cuando quiera. Pero, aparte de mi madre, que me visita con frecuencia en
Pars, me quedan all pocos amigos. He vivido en Buenos Aires entre 1955 y 1962,
entre los quince y los veintids aos; para m el recuerdo de esa ciudad est
estrechamente ligado al de mi padre, muerto hace tres aos. Temo sentir una
nostalgia demasiado aguda, demasiado argentina, que me arruinara la estancia.
(COPI, 2010, p.344)
Tanto Copi como Perlongher podem ser pensados como desconstrutores do conceito
de identidade nacional tambm sexual, a suposta identidade gay, da qual j falamos no
captulo anterior. E se a origem entendida como lugar de nascimento um dos critrios
que poderia afirmar seu pertencimento ao cnone da literatura argentina, justamente contra
este conceito que suas obras trabalham; contra a noo mesma de origem. O pertencimento
tradio argentina ao cnone da literatura argentina se d quase de maneira tardia, por seus
efeitos sobre a literatura nacional (e tambm sobre a literatura do pas que os acolhe) e no
pela sua origem biogrfica ou idiomtica.
Argumento similar o de Martn Prieto56 que, baseado no artigo de Giordano e
Podlubne, projeta as premisas de incluso-excluso da primeira histria da literatura argentina
- a de Ricardo Rojas no sculo XX e conclui que o critrio que definiria um texto como
nacional, segundo esse razonamento, no seria a lngua nem o tema representado, mas a
56
Prieto retoma as premisas de Rojas e coloca a obra de Copi como uma atualizao do problema da definio
da literatura nacional: Hasta dnde el idioma de la Nacin se pregunta Rojas define la argentinidad de su
literatura, y hasta dnde se la define por la cuna de sus autores o la ndole de sus obras? A lo largo del siglo
XX, la obra argentina de Copi, escrita casi toda em francs, o la de Juan Rodolfo Wilcock, ms de la mitad
escrita en italiano, actualizan las seeras preguntas de Rojas y promueven respuestas diferentes en cada caso,
pero contenidas ya en la pregunta original. (Prieto, 2006, p.182). Seguindo o critrio de Rojas, Prieto afirma:
Proyectado al siglo XX, el mapa de Rojas excluira la obra del argentino Hctor Bianciotti escrita en Francia y
en francs () Bianciotti, ms bien, siguen Podlubne y Giordano, se construye como un escritor francs
extico, ms que como uno argentino. Pero incluira El omb, The purple land y Far away and Long Ago, del
quilmeo William Hudson que, pese a estar escritas en ingls y en Inglaterra, evocan el ambiente pampeano. La
obra de Hudson no forma parte de la literatura nacional slo por el tema tratado, sino por la productividad que
tuvo en la literatura argentina de la primera mitad del siglo XX, segn se desprende del entusiasmo con que la
leyeron, entre muchos otros, Horacio Quiroga, Jorge Luis Borges () y Ezequiel Martnez Estrada (Prieto,
2006, p.184)
192
produtividade que ele tenha na literatura nacional posterior. No se trata do idioma usado pelo
escritor, nem do lugar de nascimento para incluir uma obra dentro do cnone da literatura
nacional e sim do efeito que ela produz na srie.
Esta desnaturalizao da idia de identidade se opera pelas deslocaes de fronteiras e
lnguas (a dispora) e tambm pelo espelho cncavo com que refletem a cultura nacional e
estrangeira como alheia. Comportamento de estrangeiro que faz imiscuir-se no prprio como
se fosse alheio e no alheio como se fosse prprio. At aqui nada novo em relao a outras
literaturas de exilados. Mas h neles um paradoxo que vai ser a chave que permite distinguilos: a lngua estrangeira como o espao privilegiado para ultrapassar as fronteiras da origem,
da identidade, do nacional e, ao mesmo tempo, para fazer com essa estrangeridade extrema,
que supe a adoo duma outra lngua, uma literatura completamente nacional, no pela
temtica de suas representaes e sim pela fora de negar a naturalidade do lao entre
origem biogrfico lngua materna e literatura e, assim, mexer no eixo mesmo da
definio de literatura nacional.
A literatura de Copi e de Perlongher literatura nacional no somente por vrias de
suas temticas mas, fundamentalmente, porque apontam como grande problema o da
definio mesma do que pertencer a uma identidade cultural; direciona sua potncia
questionadora a um dos problemas fundamentais da modernidade tardia: a definio da nao
num mundo cada vez mais transnacional, a definio do prrio e do alheio, das fronteiras e
os espaos entre as naes, do local e do global.
Duplo exotismo: no somente em relao lngua adotada mas, e fundamentalmente,
lngua materna. A histria da literatura argentina se forja nas mltiplas tentativas de
naturalizar este vnculo problemtico, conflituoso e nada natural; da que os problemas da
origem biogrfica, da lngua em que se escreve, da residncia dentro do territrio aspectos
todos que formam parte das conflitivas caractersticas da obra tanto de Copi quanto de
Perlongher- sejam, tal vez, o grande problema que enfrenta, desde seu comeo, a definio de
literatura nacional, num pas (e num continente) que se caracteriza pela mistura de culturas,
lnguas, implantao de literaturas, etc. A literatura de Copi e de Perlongher por assumir cada um a sua maneira- este problema como eixo de suas poticas, completamente nacional,
mas da perspectiva de uma realidade trans-nacional. Suas poticas atualizam aquilo que se
encontra na base da construo do que entendemos por literatura nacional e o atualizam sob a
forma dos paradoxos, das perguntas, de uma espcie de genealogia que questiona e
desnaturaliza as fronteiras do conceito, seus alcances, seu territrio. Como j foi assinalado
por Echevarrem para falar da potica de Perlongher, desterritorializa.
193
Mas a soluo que cada um deles vai tomar para fazer prpria esta problemtica
diferente. Pelo enchastre do portunhol em Perlongher, pela quase completa, e desde o
comeo, adoo do francs (e de um francs no acadmico, que inclui tambm o argot) em
Copi. O que sublinham ambas as opes a recusa a qualquer purismo, a negativa a manter
intacta a suposta naturalidade que liga lngua e literatura, territrio e nacionalidade. Se a
questo de escrever em argentino era para Sarmiento e para a gerao romntica do 37
em geral uma reivindicao da prpria identidade e uma maneira de distinguir a literatura
nacional da literatura espanhola num gesto parricida com a metrpole, em Copi e Perlongher a
lngua estrangeira opera como 57cone do nacional, o aponta como problema, o instiga a falar
desde sua ausncia, frisa de maneira oblqua o grande problema da literatura argentina (o
grande problema da definio das culturas nacionais modernas): o da necessidade de uma
relao natural entre lngua, literatura, territrio, povo, isto , a sua unificao.
Desnaturalizando este vnculo que era j desde o comeo o grande dilema da
literatura argentina - declaram, em ltima instncia, a absoluta artificiosidade da lngua
literria e escrevem, com o mesmo grau de conscincia, sobre o carter de cdigo artificial na
lngua estrangeira ou na gauchesca e o lunfardo tanguero do grotesco criollo. De to
artificiais princpio por excelncia do neobarroco a obra de Copi e Perlongher prescinde
da lngua materna, acolhe a inveno extrema, a menos natural: escrever numa outra lngua
e continuar sendo literatura nacional (nomadismo de la fijeza, diria Perlongher) e escrever em
argentino e distanci-lo at o exotismo, apont-lo como cdigo do clich (tanto como lngua
literria j estereotipada quanto como lngua esvaziada de sentido do lugar comum); ambos
estabelecendo-se longe tanto da lngua materna quanto da alheia, procedimento de
distanciamento e estranhamento que cria a verdadeira literatura, a que cria sua prpria lngua.
Neste sentido, h algumas leituras da crtica que achamos fundamentais para pensar
esta particular relao de Copi e de Perlongher com a identidade cultural nacional, com a
lngua materna e adotada e com este novo tipo de exlio anti-romntico. Em primeiro lugar
queremos fazer referncia leitura de Pablo Gasparini que relaciona a Copi e Perlongher com
Gombrowitz e cria a categoria de filitridas para falar deles, enfatizando a condio diferente
destes exlios cuja marca seria:
194
claro que nossa leitura retoma as idias apresentadas pelo crtico em relao a pensar
numa espcie de anti-exlio que recusa a idia de ptria pela sua associao com a morte e o
sacrifcio tanto como a questo de que ambos os autores possuem representaes dum espao
que podemos chamar de transnacional. Nossa leitura agrega a isto a abordagem de Hall que
enfatiza o carter ps-moderno deste novo espao transnacional e a aposta traduo e
hibridao como procedimentos chave para pensar as novas formas de identidades culturais
no mundo contemporneo.
Da que, na nossa leitura, distinguimos a figura do exilado (que vai do romantismo aos
anos 70 e seu exlio poltico) do que chamamos de ex-patriado, como um tipo particular de
dispora que d conta das condies do mundo ps-moderno e que, por isso mesmo, prope
novas formas de negociao entre o prprio e o alheio. Dentre essas negociaes encontra-se,
a nosso ver, uma valorizao do espao do interstcio, da fronteira, do entre, da traduo no
sentido em que Hall retoma este conceito de origem derridiana. Tambm seguindo a Hall,
consideramos que h uma aposta pela impureza como valor que se ope resistencialmente s
configuraes modernas da identidade cultural. Neste sentido, o portunhol de Perlongher e o
francs pouco acadmico e cruzado de argot de Copi podem constatar-se como uma potica
conscientemente escolhida por ambos os autores como tentativa de valorizar a mistura e rever
criticamente concepes unificantes, puras e essencialistas da identidade.
Em Copi, preciso lembrar algumas coisas: que seu primeiro romance El uruguayo foi
escrito em francs, que seu teatro tambm comeou em francs, com peas dentre as quais se
destaca Eva Pern de 1969 e que, no final de sua carreira, h uma volta ao espanhol com dois
textos que retomam to significativamente a lngua e a tradio literria e cultural argentina
como o so Cachafaz e La sombra de Wenceslao. Mas isto no deve ser lido como uma
espcie de volta para as origens; pelo contrrio, como aparece na dedicatria falsamente
autobiogrfica de El uruguayo, Copi parece escrever em francs desde o comeo, mas
pensando em uruguaio58. E nos textos dos finais, como La Sombra de Wenceslao, Cachafaz
58
A dedicatria do livro : Al Uruguay, pas donde pas los aos capitales de mi vida, el humilde homenaje de
este libro, escrito em francs, pero pensado em Uruguayo. A dedicatria que brinca com o biogrfico do autor,
contrasta com a personagem que um francs perdido em Montevideo, pas ao que olha com um total
desconhecimento como espao do extico por exelncia, pardiando os livros de viagens europeus da poca da
195
colonizao e que resulta no absurdo: Sin dudas le sorprender recibir noticias mias desde Montevideo. La
razn por la que me encuentro aqui, confesmoslo de entrada, se me escapa e mais para frente faz aluo a certa
contaminao lingstica que a personagem est sofrendo: Escribiendo me doy cuenta de que ciertas frases
me quedan extraas, como esta ltima (dejo esta decisin, etc.) sin duda porque, em los ltimos tiempos, he
paracticado mucho ms la lengua que se habla em este lugar que el francs y probablemente volver a um
lenguaje normal me es ms difcil de lo que crea. Le ruego pues, que excuse algunos de mis giros. El pas se
llama Repblica Orintal del Uruguay. Y el Uruguay, siendo naturalmente um rio que est AL occidente de la
Repblica, es un nombre que, en indio, podra traducirse por la Repblica (URU) est en Oriente (GUAY). Aqu
tienen la primera cosa rara. La segunda es sta: la ciudad se llama Montevideo y ellos te explican tranquilamente
que esto en portugus quiere decir: he visto el monte (Copi, 1989, p.90). A inteno irnica clara tanto quanto
a parodizao do olhar eurocntrico. interessante perceber a inverso de papeis entre o ficcional autor da
dedicatria (um uruguayo que escreve em francs) e a personagem (um francs que se encontra na extica
Montevideo e que escreve num francs uruguayizado e que, portanto, tem dificuldade de voltar
normalidade do francs).
196
Outro crtico que nos interessa resgatar e que retoma tanto quanto os anteriormente
referidos uma leitura deleuziana para pensar esta literatura transnacional o j clssico
prlogo
de
Echevarrem
poesia
de
Perlogher,
cuja
categoria-eixo
ser
197
Tomamos isto de Florencia Garramuo para quem, baseada no pensamento de Andreass Huyssen, esta
desiluso com o moderno deve entenderse como: Desencanto sugiere no necesariamente muerte o inaccin,
sino desconfianza, desilusin, desengao y hasta desesperanza o desaliento. No aboga por ningn nuevo
paradigma ni celebra la llegada de una utopa eufrica: simplemente constata que, ante la modernizacin que
contina su ritmo irrefenable, la cultura parece encontrar en aquella ya no un motivo de celebracin sino una
profunda desilusin y desengao (Garramuo, 2009, p.56)
198
Seus maiores representantes, pelo menos nesse primeiro momento, so: o prprio
Perlongher, Hctor Picolli, Arturo Carrera, aos que, posteriormente, vo se somar outros. A
contradio e a surpresa diante desta nova poesia que provocou leituras completamente
opostas se encaixa dentro de um contexto no qual as expectativas que se tinham sobre o que
deveria ser a poesia, e a arte em geral, na conjuntura poltico-histrica que o pais estava
vivendo, so determinantes para compreender como a esttica neobarroca foi lida e os seus
efeitos entanto esttica nova nas letras argentinas. Nesse clima de suposta efervescncia
poltica, o papel da arte deveria ser, para muitos, o de engajamento e compromisso com a
denncia, com o qual os virtuosismos cultistas e anti-referenciais do neobarroco pareciam no
se encaixar.
Esperava-se, pelo contrrio, uma poesia de tipo social que, maneira da poesia
engajada, testemunhasse o horror pelo que se tinha passado e retomasse, assim, as linhas
fundamentais da poesia social da tradio argentina representada, primeiramente, por Ral
Gonzles Tun, continuando com o realismo coloquial e militante de Juan Gelman e a
literatura de denncia prpria dos 70, com nomes como Paco Urondo e Rodolfo Wlash.
claro que, no quadro destas expectativas, o neobarroco se apresentava para muitos como uma
monstruosidade60 elitista e artificial desvinculada da realidade, extremadamente chave que
o pas estava atravessando.
Nesse contexto deve ser lido um dos primeiros textos crticos sobre a poesia
neobarroca em Argentina, escrito por Garca Helder em 1987 e que se apresenta como um
verdadeiro manifesto contra o neobarroco, instaurando abertamente a polmica e dividindo
guas entre poticas e polticas. O crtico ataca o neobarroco nesse ponto que lhe to
prprio: sua artificiosidade abertamente escolhida que retoma, alm da tradio barroca
espanhola e americana Gngora, Lezama Lima e Severo Sarduy -, a tradio modernista, a
torre de marfim de Rubn Daro.
Na crtica do autor, importncia do sonoro e do visual, do significante, da superfcie
em detrimento do significado e do referencial, somam-se, como aspecto negativo nesta leitura,
os outros traos caractersticos do neobarroco. Diz Garca Helder:
Em leituras posteriores esse carter monstruoso da poesia de Perlongher que ser valorizado. Roberto
Echevarren alude a esta recepo conflituosa da poesia do autor: En la poesia de Perlongher, y hemos de vivir
un tiempo hasta digerirla, la seduccin de lo monstruoso (crossdressing, mezcla de modas, motivo vergonzante
o fuera de la ley) despliega un fondo pretendidamente inconfesable que no es sino la excusa para una
investigacin desenfrenada de las posibilidades de gozar con las palabras(ECHEVARREN, 2003, p.5)
199
citas y alusiones culteranas, etc., son rasgos neobarrocos que esbozan la reapertura
de algo que pareca definitivamente extinguido: el modernismo, la tradicin
rubendariana de Azul y Prosas Profanas, no la que se inicia con Cantos de Vida y
Esperanza (GARCA HELDER, 1987, p.24)
61
Gundermann inclui no seu livro um estudo sobre Perlongher junto anlise de filmes e textos que ele tenta ler
como manifestaes de resistncia na ps-ditadura argentina. Com respeito a Perlongher, a inteno do crtico
resgatar sua obra pela sua insurgncia contra os modelos e polticas sexuais impostas pelo sistema capitalista
tardio, fundamentalmente, em relao aos estudos queer prprios da academia estadunidense. Segundo o crtico,
a obra de Perlongher resiste ao modelo norte-americano e se apresenta como uma teoria homosexual de
izquierda (GUNDERMANN, 2007, p.173)
200
...haba que combatir a Juan Gelman em su prprio terreno (...) haba que mostrar
que el barroco, el neobarroco, no era uma mera eternidad que quedaba em um
plano completamente separado de lo que pasaba, sino que tnia la fuerza suficiente
como para meterse em otras zonas, como para invadir otros territrios tambin
(Perlongher, 2004, p.293)
Voltar tradio para ler os deslizes e as mudanas que a poesia de Perlongher vai
trazer em relao a um paradigma que contava j com grandes nomes e uma srie de
pressupostos que prefiguravam ou conformavam o que se entendia por uma poesia cuja
preocupao ltima de ndole social e engajada. Achamos que do que se trata de uma
interveno da poesia social que redefine os campos semnticos do poltico e do potico (e
das posibilidades de esta relao) produzindo o que o crtico brasileiro Jos G. Merquior
chamou uma nova retrica da denncia
62
Merquior estabelece uma distino em relao a um tipo de poesia surgida no Brasil a partir dos anos 70 que,
segundo ele, reelabora o poema longo produzindo uma poesia que embora possa ser classificada como literatura
engajada se afasta, efetivamente, por sua potica suja, da literatura de ndole poltica anterior. Achamos
pertinente pensar o que o crtico assinala para esta poesia ps-modernista em relao potica de Perlongher:
capacidade de liricizar sem nunca estetizar, o chulo e o banal, que lhe permite evitar a erva daninha da
literatura engajada o clich ideolgico (MERQUIOR, 1983, p.229)
201
abarcam o contexto histrico que vai dos finais da ditadura, o comeo da democracia com o
governo de Ral Alfonsn, at o governo de Sal Menem, isto , abarcam o que podemos
chamar de ps-ditadura. Tomamos esta denominao e periodizao do j citado texto de C.
Gundermann. interessante que a periodizao marcada pelo autor, e que fazemos nossa
tambm, no coloca como ponto de transformao o fim da ditadura, mas a insero durante a
ditadura de um modelo econmico que ser aprofundado durante a democracia:
Pensando o contexto de produo destes livros sob este ponto de vista, tentaremos
abordar quais as diferenas que eles contm em relao com a poesia social ou engajada
anterior na tradio argentina e como essas diferenas estariam dando conta de novas
maneiras de resistncia ou denncia no contexto de afirmao das polticas neoliberais no s
em Argentina, mas na Amrica Latina toda, havendo elas sido introduzidas pelas ditaduras.
Dentro deste novo contexto ps-ditatorial, a capacidade da poesia de resistir, denunciar e dar
conta do poltico assume por um lado, o desgaste das j frmulas da poesia social que recai
no clich ideolgico, e por outro, o papel de continuar produzindo pensamento crtico que
restabelea a fora poltica do campo potico.
Se a poesia de Perlongher poltica e social, ela o de uma maneira particular que, a
nosso ver, estabelece no precisamente rupturas63 com a tradio anterior, mas sim
enchastres 64prprios de uma potica suja, impura, que representa novas formas de pensar o
poltico e o social nos finais de um sculo marcado pela derrota das propostas revolucionrias,
o advento de uma ps-modernidade confusa e contraditria, o esgotamento de vrias das
propostas fundamentais das vanguardas histricas, mas tambm com o questionamento do
clich ideolgico no qual cai grande parte da arte chamada engajada.
63
Resulta difcil falar de ruptura no sentido em que este termo foi usado para se referir s vanguardas
histricas, maneira de como o estabeleceu Octavio Paz. A literatura contempornea, ps-moderna, estabelece
mudanas (reciclagens e re-emergncias), mas no estritamente rupturas. Este um ponto polmico em relao
literatura chamada ps-moderna e que supe problematizar o que se entende por novo. Achamos que a poesia
de Perlongher significa uma mudana em relao aos modelos anteriores, mas isso no supe se servir da
categoria de ruptura no seu sentido clssico.
64
Tomamos esta categoria da leitura que faz Roberto Echevarren no Prlogo Poesia Completa de Perlongher,
Un fervor neobarroco.
202
Para Jamenson o pastiche uma caracterstica da arte ps-moderna prpria do capitalismo tardio, caracterizada
pela sua falta de capacidade crtica. Interessa-nos resgatar da teoria do crtico a periodizao que prope: a psmodernidade como a emergncia de uma nova ordem econmica que ele chamar de capitalismo tardio.
Contudo, no concordamos com a idia de que o pastiche seja sempre uma forma a - crtica nem de que a
literatura produzida na ps-modernidade no possua capacidade de resistir. Achamos importante pensar qu
correntes vo se integrar ao novo perodo e que outras produzem um questionamento que, logicamente,
apresentar novas problemticas.
66
Condio dupla e contraditria entre modernidade e ps-modernidade um trao do neobarroco que j Irlemar
Chiampi assinalou: A diferena entre as reapropiaes anteriores do barroco com as que caracterizam o
neobarroco nos anos 70 e 90 que nestas reconhecvel uma inflexo fortemente revisionista dos valores
ideolgicos da modernidade. Moderno e contramoderno ao mesmo tempo, o neobarroco informa sua condio
ps-moderna (...) como um trabalho arqueolgico que s inscreve o arcaico do barroco para alegorizar a
dissonncia esttica e cultural da Amrica Latina enquanto periferia de Ocidente (CHIAMPI, 1998, p.13)
203
204
CADVERES
a Flores
Bajo las matas
En los pajonales
Sobre los puentes
En los canales
Hay Cadveres
En la trilla de un tren que nunca se detiene
En la estela de un barco que naufraga
En una olilla, que se desvanece
En los muelles que los apeaderos los trampolines los malecones
Hay Cadveres
En las redes de los pescadores
En el tropiezo de los cangrejales
En la del pelo que se toma
Con un prendedorcito descolgado
Hay Cadveres
En lo preciso de esta ausencia
En lo que raya esa palabra
En su divina presencia
Comandante, en su raya
Hay Cadveres
En las mangas acaloradas de la mujer del pasaporte que se arroja
por la ventana del barquillo con un bebito a cuestas
En el barquillero que se obliga a hacer garrapiada
En el garrapiero que se empana
En la pana, en la paja, ah
Hay Cadveres
Precisamente ah, y en esa richa
de la que deshilacha, y
en ese soslayo de la que no conviene que se diga, y
en el desdn de la que no se diga que no piensa, acaso
en la que no se dice que se sepa
Hay Cadveres
Empero, en la lingita de ese zapato que se la, disimuladamente, al
espejuelo, en la
correta de esa hebilla que se corre, sin querer, en el techo, patas
arriba de ese monedero que se deshincha, como un buhn, y, sin
embargo, en esa c que, cmo se escriba? c de qu?, mas, Con
Todo
Sobretodo
Hay Cadveres
205
206
207
que deja mi caballo al fumar por los campos (campos, hum), o por
los haras, eh, hars de cuenta de que no
Hay Cadveres
Cuando el caballo pisa
los embonachados plderes,
empenachado se hunde
en los forrajes;
cuando la golondrina, tera tera,
vola en circuitos, como un gallo, o cuando la bondiola
como una sierpe leche de cobra se
disipa,
los miradores llegan todos a la siguiente
conclusin:
Hay Cadveres
Cuando los extranjeros, como crpulas, (se les ha volado la
papisa, y la manotean a dos cuerpos), cmplices,
arrodillndose (de) bajo la estatua de una muerta
y ella es devaluada!
Hay Cadveres
Cuando el cansancio de una pistola, la flacidez de un ano,
ya no pueden, el peso de un carajo, el pis de un
palo borracho, la estirpe real de una azalea que ha florecido
roja, como un seibo, o un servio, cuando un paje
la troncha, calmamente, a dentelladas, cuando la va embutiendo
contra una parecita, y a horcajadas, chorrea, y
Hay Cadveres
Cuando la entierra levemente, y entusiasmado por el suceso de su pica, ms
atornilla esa clava, cuando mecha
en el pistilo de esa carroa el peristilo de una carroza
chueca, cuando la va dndola vuelta
para que rase todos los lunares, o
Sitios,
Hay Cadveres
Verrufas, alforranas (de tefln), macarios muermos: cuando sin
acribilla, acrisola, ngeles miriados de peces espadas, mirtas
acneicas, o slo adolescentes, doloridas del
dedo de un puntapi en las vrices, torreja
de ubre, percal crispado, romo clt
Hay Cadveres
En el pas donde se yuga al molinero
En el estado donde el carnicero vende sus lomos, al contado,
y donde todas las Ocupaciones tienen nombre
en las regiones donde una piruja voltea su zorrito de banlon,
la huelen desde lejos, desde antao
Hay Cadveres
En la provincia donde no se dice la verdad
En los locales donde se cuenta una mentira
- Esto no sale de ac
En los meaderos de borrachos donde aparece una pstula roja en
la bragueta del que orina esto no va a parar aqu -, contra los
azulejos, en el vano, de la 14 o de la 15, Corrientes y
Esmeraldas,
208
Hay Cadveres
Y se convierte inmediatamente en La Cautiva,
los caciques le hacen un enema,
le abren el c para sacarle el chico,
el marido se queda con la nena,
pero ella consigue conservar un escapulario con una foto borroneada,
de un camarn donde
Hay Cadveres
Donde l lo traicion, donde la quiso convencer que ella
era una oveja hecha rabona, donde la perra
lo cag, donde la puerca
dej caer por la puntilla de boquilla almibarada unos pelillos
almizclados, lo sedujo,
Hay Cadveres
Donde ella eyacul, la bombachita toda blanda, como sobre
un bombachn de muequera, como en
un cliz borboteante los retazos
de argolla flotaban en la Solucin Humectante (mtodo agua por
agua),
ella se lo tena que contar:
Hay Cadveres
El feto, crindose en un arroyuelo ratonil,
La abuela, afeitndose en un bols de lavandina,
La suegra, jalndose unas pepitas de sarmiento,
La ta, volvindose loca por unos peines encurvados:
Hay Cadveres
La familia, hurgndolo en los repliegues de las sbanas
La amiga, cosiendo sin parar el desgarrn de una calada
El gil, chupndose una yuta por unos papelitos desledos
Un chongo, cuando intentaba introducirla por el cao de escape de
una Kombi,
Hay Cadveres
La despeinada, cuyo rodete se a rado
por la culpa de tanto rayito de sol, tanto clarito;
La martinera, cuyo corazn prefiri no saberlo;
La desposeda, que se enganch los dientes al intentar huir de un taxi;
La que dese, detrs de una mantilla untuosa, desdentarse
para no ver lo que vea:
Hay Cadveres
La matrona casada, que lo hizo el favor a la muchacho pasndole un
buen punto;
la tejedora que no cnsase, que se cans buscando el punto bien
discreto que no mostraba nada
- y al mismo tiempo diera a entender lo que pasase -;
la duea de la fbrica, que vio las venas de sus obreras urdirse
tctilmente en los telares y daba esa textura acompasada
lila
La lianera, que procur enroscarse en los hilambres, las pas
Hay Cadveres
La que hace aos que no ve una pija
La que se imagina, como aterciopelada, en una cuna (o cua)
209
210
Saliste Sola
Con el Fresquito de la Noche
Cuando te Sorprendieron los Relmpagos
No Llevaste un Saquito
Y
Hay Cadveres
211
Se entiende?
Estaba claro?
No era un poco dems para la poca?
Las uas azuladas?
Hay Cadveres
Yo soy aqul que ayer noms
Ella es la que
Vease el arpa
En alfombrada sala
Villegas o
Hay Cadveres
..
..
..
No hay nadie?, pregunta la mujer del Paraguay.
Respuesta: No hay cadveres
212
Pablo Gasparini trabalha esta questo do anti-monumento como um trao prprio da potica de Perlongher
cuja inteno questionar o carter sacro do discurso poltico.
213
214
Assim como em outros captulos temos falados de uma espcie de corte na literatura
argentina a partir de finais da dcada de 70 e comeo de 80, nesse sentido que queremos
abordar agora a questo da representao da figura do escritor para esta literatura porque
achamos que ela tambm muda. J esboamos em relao a isto que se trataria duma nova
figura diferente do escritor prprio da literatura engajada dos anos 60 e 70 e, por isso mesmo,
se props a figura do cnico para Copi e de insubmisso para Perlongher. Mas queremos
salientar aqui a questo de que esta mudana na representao da figura do escritor est na
verdade includa dentro de outras transformaes que sofre o campo cultural dessa poca e,
nesse sentido, importantssimo perceber o papel que a contracultura e seu universo passam a
ter.
Copi e Perlongher so escritores que se relacionam fortemente com o que chamamos o
desbunde e a contracultura e por esta particular relao de ambos com manifestaes desse
universo, que a representao da figura do escritor neles muito diferente das representaes
mais clssicas. Mara Alejandra Minelli esuda este processo de emergncia de novas imagens
de escritor que abrem linhas alternativas na literatura argentina contempornea, chamando a
estes escritores de condenaditos. Estes escritores seriam: Puig, Lamborghini, Copi, Aira e
Perlongher. O interessante como a autora enlaa a emergncia desta nova figura de escritor
com o ambiente da contracultura e do desbunde:
215
Os traos que Minelli marca desta nova figura de escritor e que esto relacionados
emergncia do que desde a teoria deleuziana se chama do menor so: uma figura do
escritor que trasgrede a ciudad letrada e as identidades sexuais normalizadas,
representaes de escritores (nos prprios textos literrios destes autores) hiperblicas e
ridculas que acabam tirando valor da figura do escritor, atitude de ocultao da prpria
formao literria e nfase no forte vnculo com a cultura de massa e ruptura tambm com a
figura do escritor maldito.
No caso particular de Copi, isto to forte que poderamos dizer que se presenta como
um precursor de muitos deles, como uma espcie de pai desta linha alternativa e menor da
literatura argentina. Em todas as entrevistas que ele ofereceu, sempre que questionado sobre
a relao de sua obra com tendncias ou escritores consagrados, Copi simula
desconhecimento, como se no fosse um leitor ou conhecedor da tradio literria. H nas
suas respostas um tom pouco srio que tende a desprestigiar, por um lado, a seriedade e o
prestigio do mundo das letras e, por outro, tende a criao de uma imagem de artista
fortemente vinculada com a contracultura e a cultura de massa (no caso dele com as histrias
em quadrinhos e o teatro under).
Alm disto, como j temos mostrado nos textos analisados, Copi realiza um
procedimento tpico da literatura ps-moderna: suas personagens principais sempre tm o
mesmo nome que ele (ou uma verso em anangrama como Ren Pico) e sempre so escritores
ou desenhistas de quadrinhos, o que de fato ele na vida real. Mas interessa-nos mostar como
Copi escolhe representar aos escritores, esteja brincando com o nome prprio ou no. H trs
exemplos muito paradigmticos: a personagem principal de La Internacional argentina, a
personagem principal de La vida es un tango e a personagem principal de um conto que
pertence ao livro Virginia Woolf ataca de nuevo e que se intitula Cmo !Zis! !Zas! !Amor!
A personagem de La internacional Argentina um escritor argentino que mora em
Paris e que se chama Daro Copi cuja imagem aparece totalmente ridicularizada ao longo do
livro. Trata-se de um escritor cuja glria vem de um poema que ele escreveu na adolescncia
cheio de chichs nacionalistas sobre a paisagem argentina e ele, completamente ciente disto,
at se faz uma autocrtica na qual comenta que continua (com quarenta e sete anos)
escrevendo a mesma poesia que aos dessesete. Na verdade, no s ele ridicularizado, mas os
artistas argentinos em geral:
216
Por outro lado, alm destas figuras de escritor ridicularizadas, Copi apresenta tambm
figuras de artistas relacionados aos gneros menores, isto a cultura de massa. Seus
personagens so muitas vezes, e ao mesmo tempo, escritores y desenhistas, escritores e atores
(tanto quanto Copi o na vida real). No conto que nomeamos com anterioridade a
personagem principal um rotulista de tiras cmicas (escritor de histrias em quadrinhos)
chamado Ninu-Nip que aprendeu seo ofcio no Japo e que trabalha para a Revista francesa
Hara-Kiri (para quem Copi trabalhou na sua vida real). interessante como Copi d em
especial tratamento a estas artes menores e aos artistas delas. Ninu Nip descrito como
217
um grande poeta, como um artista virtuoso desta arte especial o que d prestgio e amplia as
margens do que se considera arte. Ao mesmo tempo, Ninu mostrado como algum srio e
muito dedicado ao seu trabalho em oposio ao resto da equipe de trabalho da redao da
revista que so completamente ridicularizados. Trazendo para o conto parte dos chichs do
cuidado e a poeticidade caracterstica da arte oriental, Ninu faz constraste por seu maravilhoso
trabalho com o resto da turma ocidental. Mistura de samurai e travesti do teatro japons (Ninu
se trasviste como a costume no teatro oriental que no permite mulheres), Ninu e sua arte
menor esto mostradas irnicamente como grande arte. Desta maneira, achamos pertinente
pensar que no somente se d uma crtica ao modelo mais tradicional de escritor (como
explica Minelli), mas tambn se prope uma ampliao da figura do escritor para outros
aspetos criativos da cultura contempornea que inclui as artes menores vinculadas cultura
de massa.
A questo de que as personagems principais sejam muitas veces tambm escritores e
artistas e que muitos deles chamem-se tambm Copi, no um dado menor; pelo contrrio,
trata-se de um trao caracterstico da literatura ps-moderna. Este aspecto relaciona-se com a
questo do simulacro de si mesmo, da escrita em primeira pessoa e as falsas autobiografias
to prrias desta literatura. Isto o que a crtica contempornea argentina vem chamado de
escrituras de si (assim as chama o crtico que est trabalhando este aspecto da literatura
contempornea argentina, Alberto Giordano) ou narracin de la experincia segundo
Florencia Garramuo e cujo objetivo :
Queremos agregar leitura deste trao tpico da literatrua ps-moderna que faz
Garramuo a questo de que esse interesse pelo autobiogrfico esvaziado de autoridade
relaciona-se com a questo do simulacro no que diz respeito concincia que estes escritores
tm de estar atravessados inclusive na prpria auto-concincia, isto , no auto-relato que
cada um se faz de si mesmo para poder se pensar como um eu por outros discursos, e pelos
discursos que provem da cultura de massa. Para os ps-modernos todo relato um trabalho
218
com discursos, tudo cdigo artificial, at mesmo o relato que algum faz da sua prpria
vida. Da que brinquem com esta idia fazendo estas falsas autobiografias da qual Rio de la
Plata um exemplo paradigmtico, mas tambm todos os textos nos que Copi cria um
ficcional Copi que compartilha com ele muitos traos (como ser escritor, desenhista de
quadrinhos, argentino que mora em Paris, gay), fazendo eclodir as fronteiras entre literatura e
realidade, ou melhor, pensando esta relao de outro ponto de vista, como o explica Florencia
Garramuo.
A outra referncia crtica importante para pensar este aspecto to caracterstico da obra
de Copi e dos autores ps-modernistas em geral a tese de doutorado de Mara Lcia
Outeiro Fernandes (intitulada Narciso na sala de espelhos: Roberto Drummond e as
perspectivas ps-modernas da fico) quem na anlise dos traos ps-modernos da obra de
Roberto Drummond chama a ateno sobre estas novas subjetividades das fices
contemporneas, o que se relaciona, por sua vez, com a questo do sujeito descentrado.
Segundo a crtica:
219
220
O escritor argentino Csar Aira, num artigo intitulado La innovacin faz um rastreio
pelo mito do novo e prope a provocativa designao de literatura mala para aquela
literatura que no obedece a los cnones establecidos de lo bueno, es decir a los cnones a
secas; porque no hay um cnon de lo fallido (AIRA, 1993, p.30). A literatura mala uma
aposta esttica que pretende legitimar o espao de uma literatura que se pensa marginal em
relao a determinados valores e que continua a paixo e no a busca - que segundo o mesmo
autor, na verdade impossvel - do novo: A lo nuevo no se lo busca: se lo h encontrado.
Buscamos lo malo y encontramos lo nuevo (AIRA, 1993, p.30)
Buscando o mau, Aira encontrou sua esttica e seus precursores: Copi, o novo de
uma esttica que se opunha s linhas tradicionais da literatura argentina, um maldito que
fazia do repugnante, do feio, do monstruoso e grotesco uma literatura. O excelente livro
escrito por Aira sobre Copi define o gesto de apertura e reconhecimento daquilo que acontece
do lado de fora, que trai a tradio e eclode como o novo.Aira descobriu Copi para os
argentinos, redefiniu o novo como o mau, la mala literatura; e como Baudelaire ao fundo
do desconhecido, ele quer se precipitar al fondo de la literatura mala, para encontrar la
buena, o la buena nueva (AIRA, 1993, p.29).
Felizmente a literatura continua resistindo no somente Academia, mas tambm
quele grande deglutidor, que o mercado. Mas dentre as diferentes maneiras de continuar
fazendo literatura na ps-modernidade h uma linha dentro da tradio argentina que a crtica
vem chamando de linha alternativa.
O objetivo desta tese foi precisamente demosntrar em qu aspetos escritores como
Copi e Perlongher do conta de seu pertencimento a esta linha alternativa. Os aspectos que
fomos trabalhando nos diferentes captulos so problemticas que servem para pensar quais
so as caractersticas que fazem que estes autores faam parte de uma linha alternativa da
literatura prpria de finais de 70 e da dcada de 80 e que pode se rastrear at nossos dias em
escritores como Csar Aira e Washinton Cucurto, dentre outros. Como mostramos no estado
da questo h j vrios crticos que vem trabalhando esta distino dentro da narrativa e a
221
poesia prpria dos anos 80, entre uma literatura mais cannica e esta linha alternativa.
Tambm existem j trabalhos que pensam como essa linha se estende at autores dos anos
2000. Gostamos de pensar como Csar Aira de uma literatura m para falar sobre o que
escrevem estes autores.
Num livro clssico sobre a literatura do perodo que temos chamado de ps-ditadura,
intitulado La novela argentina dos anos 80, Roland Spiller faz uma distino entre as linhas
mais importantes desse perodo (que se superpem e complementam entre si) e inclui entre
elas a que pertence segundo ele mesmo ao menor e a corrente ps-moderna, dentre os que
se encontra Copi. Segundo Spiller, h cinco correntes: a vertente no ficcional (Rodolfo
Walsh, David Vias, Carlos Domnguez), a que acolhe a vertente ps-moderna (Copi, Aira,
Guebel, Gusmn, Laiseca, Libertella, Pauls), a picaresca urbana (Jorge Ass, Bernardo
Kodn), a de Puig e, finalmente, a de Saer y Piglia (como uma literatura que se canoniza
rpidamente e que se caracteriza pela mistura de discursos: ensaio e fico, histria, filosofia
e poltica). Fica claro no texto de Spiller a diferena entre a linha que representam Saer e
Piglia, a mais importante e cannica da literatura deste perodo, do tom menor, isto , do
carter de alternativo da linha na qual se inclui Copi, o que no possui um sentido pejorativo,
seno simplesmente de marcar diferenas.
Os textos de Graciela Montaldo, de Sandra Contreras, de Alejandra Minelli, de
Patricio Pron, de Jos de Amcola e de Reinaldo Ladagga dentre outros do conta da
coincidncia na crtica contempornea em relao a chamar a esta srie de escritores como
uma linha alternativa da literatura contempornea produzindo sries do tipo: Copi Aira
Laiseca Pauls Guebel, sries que falam mais especificamente da narrativa e nas quais Copi
tem um papel central e de precursor. Com respeito poesia, o livro de Garramuo, de
Gamerro y de Kamenszain La boca del testimonio ( tambm a idia de Josefina Ludmer de
literaturas ps autonomas) falam de possveis sries da poesia contempornea (e Washinton
Cucurto um exemplo dos escritores contemporneos desta linha) que podem se enquadrar no
neobarroco e das quais Perlongher sempre uma referncia ineludvel ocupando tambm um
espao inaugural. Escritores como Aira, Cucurto, Pablo Perez, Pauls, Laiseca, Guebel
dentre outros podem se pensar ento como os epgonos de linhas abertas e iniciadas por
Copi e Perlongher.
Achamos que os diferentes aspetos que trabalhamos da obra de ambos os autores
demosntra em qu questes estes escritores produziram mudanas e cortes dissonantes em
relao aos paradigams, gostos e concepes do que ou deve ser a literatura (mas tambm
sobre a identidade sexual e cultural, o papel da tradio e da cultura de massa, assim como a
222
figura do escritor) que permitem dar conta de nossa proposio central: que estes dois
escritores representam exemplos paradigmticos das tendncias ps-modernas e neobarrocas
da literatura contempornea argentina, sendo por sua vez, aqueles que de alguma maneira
inauguram esta linha bizarra da literatura atual.
223
EN ESPANHOL
COPI. Cachafaz/La sombra de Wenceslao. Buenos Aires: Adriana Hidalgo Editora, 2002.
COPI. La vida es un tango. Barcelona: Anagrama, 1981.
EN FRANCES
lbunes de dibujos
Humour
secret,
(Humor
secreto)
Juliard,
1965
Les poulets n'ont pas de chaise, (Los pollos no tienen sillas) Denol, 1966
Le dernier salon o l'on cause, Srie bte et mchante, (El ltimo saln donde se habla) 22,
Square,
1973
Et moi, pourquoi j'ai pas une banane ? (Y yo, porque no tengo un pltano) Srie bte et
mchante,
55,
Square,
1975
Les Vieilles Putes, Srie bte et mchante, (Las Viejas Putas)55, Square, 1977
Du ct des viols, Srie bte et mchante, (Del lado de los violados) Square 1979
La
Femme
assise,
(Mujer
Kang,
sentada)
Square/Albin
Michel,
Dargaud,
1981
1984
Sale crise pour les putes, (Crisis sucia para las putas) l'Echo des Savanes/Albin Michel, 1984
Le Monde fantastique des gays, (El Mundo fantstico de los gays) Glnat, 1986
Obras de teatro
La Journe d'une rveuse, (La Jornada de una soadora) Christian Bourgois, 1968
Eva
Peron,
Christian
Bourgois,
1969
Quatre
Bourgois
Jumelles
Strong,
(Las
Cuatro
gemelas),
Christian
1971
Christian
Bourgois,
Bourgois,
1973
1973
224
La
La
Pyramide
Tour
de
(La
la
Pirmide),
Dfense,
(La
Torre
Christian
de
Defensa)
Bourgois,
Christian
1975
Bourgois,
1978
Le Frigo (El Refri) (prefacio de Michel Cressole), Persona, 1983, illustrado con fotos de Jorge
Damonte
La Nuit de Madame Lucienne (La Noche de Madame Lucienne) (Copi/Thtre complet),
Christian
Bourgois,
1986
Bourgois,
1986
Une visite inopportune,(Una Visita inoportuna), Christian Bourgois, 1988, seguido de textos
de Cavana, Michel Cournot, Guy Hocquenghem, Jorge Lavelli y Jacques Sternberg
Novelas
L'Uruguayen,
(El
des
Le
Bal
La
Cit
des
rats,
(La
La
Guerre
des
pds,
(La
L'Internationale
folles,
Uruguayo)
(El
argentine,
Baile
Ch.
de
Ciudad
Guerra
(La
las
locas)
de
de
Bourgois,
los
las
Ch.
Bourgois,
1977
ratones)
Belfond,
1979
maricas)
Internacional
1973
Albin
argentina)
Michel,
Belfond,
1982
1988
Novelas cortas
Une langouste pour deux, (Una langosta para dos) Ch. Bourgois, 1978, 120p
Virginia Woolf a encore frapp, (Virginia Woolf golpe otra vez) Persona, 1983
Cuento ilustrado
Un
libro
bianco,
Milano
Libri
Edizioni,
1970,
illustrado
por
el
autor
de
Jorge
Lavelli.
225
Jrme
Savary.
1968 : La Journe d'une rveuse (La Jornada de una soadora)- Teatro de Lutce. Direccin
de
Jorge
Lavelli.
1970 : Eva Peron - Teatro de l'Epe de Bois. Direccin de Alfredo Arias con le groupe TSE.
1971 : L'Homosexuel ou la Difficult de s'exprimer. (El Homosexual o la dificultad de
expresarse)
Teatro
de
la
Cit
Universitaire
Direccin
de
Jorge
Lavelli.
1973 : Les Quatre Jumelles (Las Cuatro gemelas) - Le Palace (Festival d'Automne). Direccin
de
Jorge
Lavelli.
1974 : Loretta Strong - Teatro de la Gait Montparnasse. Direccin de Javier Botana, con
Copi.
1975
La
Pyramide
(La
Pirmide)-
Le
Palace.
Direccin
de
Copi.
1978 : La Coupe du monde (La Copa del mundo)- Teatro Le Slnite. Direccin de Copi.
1978 : L'Ombre de Venceslao (La Sombra de Venceslao)- Festival de La Rochelle. Direccin
de
Jrme
Savary.
1981 : La Tour de la Dfense (La Torre de Defensa)- Teatro Fontaine. Direccin de Claude
Confortes.
1983
Le
Frigo
(El
Refri)-
Festival
d'Automne.
Direccin
de
Copi.
1984 : La Femme assise (Mujer sentada)- Teatro des Mathurins Direccin Alfredo Arias
1985 : La Nuit de Madame Lucienne (La Noche de Madame Lucienne)- Festival d'Avignon.
Direccin
de
Jorge
Lavelli.
1988 : Une visite inopportune (Una visita inoportuna)- Teatro de la Colline. Direccin de
Jorge
Lavelli.
1990 : Les Escaliers du Sacr-Cur (Las Escaleras del Sacr-Cur)- Teatro d'Aubervilliers.
Alfredo
Arias.
1990
1993
1993
Loretta
Strong
Cachafaz
Eva
Peron
Teatro
Teatro
Teatro
de
d'Aubervilliers.
la
Nacional
Colline.
de
Chaillot.
Direccin
Direccin
Direccin
Alfredo
Arias.
Alfredo
Arias.
Laurent
Pelly.
Philippe
Adrien
2001 : Une visite inopportune (Una visita inoportuna)- Studio Teatro de la comdie franaise.
Direccin de Lukas Hemleb.
226
dificultad de expresarse. Mxico: Ediciones El milagro. Consejo Nacional para la cultura y las
artes, 2004.
COPI.
expresarse. Mxico: Ediciones El milagro. Consejo Nacional para la cultura y las artes, 2004.
COPI. (trad. Luis Zapata) El refri. In: Copi. El homosexual o la dificultad de expresarse.
Mxico: Ediciones El milagro. Consejo Nacional para la cultura y las artes, 2004.
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COPI. Autorretrato de Goya. In: Las viejas travestis y otras infamias. (Trad. Alberto Cardn
y Enrique vila Matas) Barcelona: Editorial Anagrama, 1989.
COPI. Los chismorreos de la mujer sentada. In: Las viejas travestis y otras infamias. (Trad.
Alberto Cardn y Enrique vila Matas) Barcelona: Editorial Anagrama, 1989.
COPI. Madame Pignou. In: Las viejas travestis y otras infamias. (Trad. Alberto Cardn y
Enrique vila Matas) Barcelona: Editorial Anagrama, 1989.
COPI. La criada. In: Las viejas travestis y otras infamias. (Trad. Alberto Cardn y Enrique
vila Matas) Barcelona: Editorial Anagrama, 1989.
COPI. Una langosta para dos. In: Las viejas travestis y otras infamias. (Trad. Alberto
Cardn y Enrique vila Matas) Barcelona: Editorial Anagrama, 1989.
COPI. Las viejas travestis. In: Las viejas travestis y otras infamias. (Trad. Alberto Cardn y
Enrique vila Matas) Barcelona: Editorial Anagrama, 1989.
COPI. El escritor. In: Las viejas travestis y otras infamias. (Trad. Alberto Cardn y Enrique
vila Matas) Barcelona: Editorial Anagrama, 1989.
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