O Sistema Impro e A Criacao Teatral

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 13

DOI: 10.11606/issn.2238-3999.

v5i1p47-59
O sistema Impro e a criação teatral

Artigos

O SISTEMA IMPRO E A CRIAÇÃO


TEATRAL

THE IMPRO SYSTEM AND THE THEATRICAL CREATION


EL SISTEMA IMPRO Y LA CREACIÓN TEATRAL
Diogo Horta
Mariana de Lima e Muniz

Diogo Horta
Mestre em Artes e Tecnologia da Imagem
pela EBA/UFMG, ator e professor de
improvisação da UMA Companhia, tendo
sido professor temporário do curso de
Graduação em Teatro da UFSJ.

Mariana de Lima e Muniz


Professora titular e coordenadora do
Programa de Pós-graduação em Artes da
EBA/UFMG.

Revista aSPAs | Vol. 5 | n. 1 | 2015 47


Diogo Horta & Mariana de Lima e Muniz

Resumo
Este texto reflete sobre o sistema Impro, criado pelo professor inglês
Keith Johnstone, que tem como foco a formação do ator por meio da
prática de improvisação teatral. O sistema é composto por jogos e
exercícios fundamentados na cooperação e na benevolência como
base para a criação e para a formação teatral. A partir de uma pes-
quisa comparativa realizada na EBA/UFMG e na UFSJ, entre 2012 e
2014, buscou-se apresentar o sistema.
Palavras-chave: improvisação, formação, dramaturgia.

Abstract
This study discusses the Impro system, created by the English profes-
sor Keith Johnstone, which has as a focus the actors’ training through
theatrical improvisation practice. The system is composed by games
and exercises that are founded in cooperation and benevolence as
base for theatrical creation and training. The goal was to present the
system from a comparative research done at EBA/UFMG and at UFSJ
from 2012 to 2014.
Keywords: improvisation, training, dramaturgy.

Resumen
En este texto se plantea reflexionar sobre el sistema Impro, creado
por el profesor inglés Keith Johnstone con enfoque en la formación
del actor a través de la práctica de la improvisación teatral. El sistema
se compone por juegos y ejercicios que están fundamentados en la
cooperación y en la benevolencia como una base de la creación y
de la formación teatral. Buscamos mostrarlo desde una investigación
comparativa llevada a cabo por la EBA/UFMG y la UFSJ, entre el
2012 e el 2014.
Palabras clave: improvisación, formación, dramaturgia.

Introdução

O sistema Impro foi criado entre os anos 1950 e 1960 pelo professor
e diretor inglês Keith Johnstone, em Londres. Desde então vem sendo apri-

48 Revista aSPAs | Vol. 5 | n. 1 | 2015


O sistema Impro e a criação teatral

morado e desenvolvido por seu criador e outros parceiros no Canadá, onde


Johnstone foi convidado a dar aula, como professor titular de interpretação,
na Universidade de Calgary em 1972, tornando-se professor emérito em
1995.
Ainda na década de 1960, a Impro possibilitou a experimentação da “im-
provisação como espetáculo” (MUNIZ, 2005), ou seja, da improvisação não
apenas como ferramenta de criação de personagens ou de formação do ator,
mas como espetáculo em si mesma.
No entanto, a experiência não foi a única que trabalhou com a improvi-
sação nesses moldes. Aproximadamente na mesma época, duas experiên-
cias, uma no Canadá, em Montreal, e uma nos Estados Unidos, em Chicago,
também iniciaram a prática da Impro (HORTA, 2014). No Canadá, foi realiza-
da no espetáculo Match de improvisação, de Robert Gravel e Yvon Leduc,
enquanto em Chicago a improvisação diante do público foi fruto do trabalho
de Paul Sills e Del Close, a partir das pesquisas da professora norte-ameri-
cana Viola Spolin, de quem Sills é filho.
As três experiências – de Johnstone, Sills e Gravel – podem ser aponta-
das como as precursoras da Impro no mundo (MUNIZ, 2005). Cabe ressaltar
que o movimento cênico criado por tais experiências, da improvisação diante
do público, não apresentou uma origem comum, muito embora tenha caracte-
rísticas próximas. Da mesma forma, o processo de formação de atores-impro-
visadores apresenta diferenças importantes, apesar de também apresentar
pontos similares (DUDECK, 2007).
O nome Impro é uma referência ao título do livro de Johnstone, publi-
cado em 1979, Impro: improvisation and the theatre. A denominação “Impro
System” é recente e foi dada pela pesquisadora Theresa Robbins Dudeck
(2013), para quem o trabalho de Johnstone deve ser considerado um sistema
porque todos os princípios, conceitos e elementos que compõem a prática da
Impro devem trabalhar juntos para seu melhor funcionamento.
Deve-se observar que nos Estados Unidos o termo usado para designar
“improvisação como espetáculo”, praticada pelo grupo Second City, criado por
Paul Sills, e os grupos então decorrentes, é “Improv”. Apesar disso, é difícil
identificar se os norte-americanos utilizam Improv apenas como sinônimo de
Impro ou também como abreviatura de “improvisation”, o que implicaria um

Revista aSPAs | Vol. 5 | n. 1 | 2015 49


Diogo Horta & Mariana de Lima e Muniz

termo mais genérico. Segundo a definição de Omar Argentino Galván (2013,


p. 25), não haveria distinção entre tais termos; para ele, “a técnica que faz do
próprio ato de improvisar um feito artístico ou de entretenimento é mundial-
mente conhecida como Impro ou Improv”.

Viola Spolin e Del Close são os maiores expoentes para aqueles que fa-
zem Improv; Keith Johnstone e o Match de improvisação foram ou são os
referenciais mais importantes para o mundo Impro. Não se poderia falar de
duas técnicas, mas sim de duas escolas com filosofias semelhantes mas
não idênticas. (GALVÁN, 2013, p. 277)

A denominação “sistema Impro”, portanto, se refere ao trabalho de Keith


Johnstone, o qual nos dedicamos a apresentar neste texto. Em pesquisa de
mestrado concluída em 2014 e realizada no curso de pós-graduação da Es-
cola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (EBA/UFMG),
observou-se, analisando o contexto da Impro no Brasil, que os princípios e
conceitos do sistema são percebidos apenas superficialmente na prática de
muitos grupos de improvisação.
Como houve uma popularização de vários espetáculos de jogos de Im-
pro, vídeos no YouTube e programas de TV a partir da improvisação, a prática
da Impro essencialmente cômica e com a preocupação de agradar o público a
qualquer preço prejudicou a percepção do sistema de Johnstone e seu apro-
fundamento enquanto teoria e prática teatral no Brasil (HORTA, 2014).
Por esse motivo, serão apresentados os pressupostos básicos da Impro,
tendo como referência nossa experiência artística e pedagógica com o sis-
tema, tanto como diretores e atores em espetáculos de Impro, quanto como
professores e pesquisadores que dialogaram com o sistema Impro na prática
docente de formação universitária em Teatro da UFMG e da Universidade
Federal de São João del-Rey (UFSJ).

Notas sobre Keith Johnstone

Keith Johnstone iniciou suas pesquisas como professor de artes em es-


colas públicas da periferia de Londres nos anos 1950. Foi uma experiência
essencial para que começasse a perceber e investigar os processos educa-

50 Revista aSPAs | Vol. 5 | n. 1 | 2015


O sistema Impro e a criação teatral

tivo-criativos a que eram submetidas as crianças inglesas nas escolas de


ensino formal da época.
Johnstone se dedicou amplamente ao estudo dos modos como as crian-
ças se relacionavam com a criação, bem como suas relações com professo-
res e os processos criativos em sala de aula. Quando publicou seu primeiro
livro, Johnstone estava convencido de que o processo educacional inglês da
época destruía e podava a criatividade dos alunos. A partir de então, desen-
volveu seu sistema de trabalho, com o objetivo inicial de promover, potencia-
lizar e instigar o processo criativo de adultos e crianças.

Por acaso, passei a vida ensinando as técnicas que meus professores


ignoravam. Encorajo pessoas negativas a serem positivas, gente talen-
tosa a ser óbvia e os ansiosos a se esforçarem ao máximo. As pessoas
ficam surpresas quando dedico a mesma atenção a atores “confusos” e
aos “talentosos”. (JOHSNTONE, 1999, p. X)

O desenvolvimento do pensamento de Johnstone, que culminou na cria-


ção do sistema, se deu a partir de suas aulas no estúdio de formação de
atores do Royal Court Theatre, em Londres, onde já trabalhava como drama-
turgo. Quando convidado a dar aulas no studio, decidiu ensinar habilidades
narrativas, e foi nesse momento que formulou suas principais ideias: “Desen-
volvi as alterações de status, jogos de improvisação para se criar histórias
conjuntas e quase todo o trabalho descrito neste livro (Impro)” (JOHNSTONE,
1992, p. 27).
Dessa forma, é importante destacar que todo o processo de pensamen-
to de Johnstone inicia-se com suas reflexões sobre o trabalho do ator e se
fundam primeiramente em sua visão como diretor. Ele dedica grande parte de
seu trabalho ao tema da criatividade, por acreditar que a natureza do homem,
por ser dotado de inteligência, é criar, e essa criação deve ser permitida, de-
senvolvida e potencializada.
Uma influência determinante para a prática pedagógica de Johnstone foi
o encontro com o professor Anthony Stirling, “que acreditava em preparar ex-
periências das quais o estudante pudesse se beneficiar. Sua metodologia era
inspirada na filosofia de Lao-Tsé sobre o líder invisível, um líder que motiva os
outros a sucederem por conta própria” (DUDECK, 2013, p. 27).

Revista aSPAs | Vol. 5 | n. 1 | 2015 51


Diogo Horta & Mariana de Lima e Muniz

É perceptível na obra de Johnstone o valor dado ao professor, a quem


o autor atribui a capacidade de obter resultados qualquer que seja o método.
Por isso, o que importa no sistema é a forma como o professor conduz o pro-
cesso. Segundo Dudeck (2013), as ideias de Johnstone em seu primeiro livro
representam o início de uma luta contínua, que Paulo Freire (2011) chamou de
“educação bancária”: “Vejo Keith como um educador ao estilo de Freire, que
era totalmente a favor de desmantelar a relação ‘professor totalitário’ versus
‘estudante passivo’ e substituí-la por uma parceria” (DUDECK, 2013, p. 7). Ain-
da segundo a autora norte-americana, é crucial para o sistema de Johnstone
que o processo de aprendizagem não seja estático para professores e alunos
e que todos estejam em processo de transformação.
Assim, partindo do desejo de redescobrir e encorajar a espontaneidade
e a criatividade, tendo na improvisação teatral seu meio de trabalho, Keith
Johnstone (1992) criou princípios, conceitos e práticas que deveriam ser exer-
citados coletivamente para que o indivíduo pudesse reencontrar seu poder
criativo e aprender elementos essenciais da linguagem teatral.

O sistema Impro

O sistema Impro é composto por conceitos e princípios relacionados a exer-


cícios e jogos, os quais estão fundamentados em uma base filosófica que tem
como eixo encorajar a espontaneidade, a criação colaborativa, a cooperação
entre os indivíduos e a benevolência, a fim de criar uma atmosfera propícia para
o desenvolvimento do aluno. Assim, o entendimento dos princípios e conceitos
se constrói em uma base sólida sobre a qual se dá a prática improvisacional.
Dessa forma, os conceitos de escuta, primeiras ideias, oferta, aceita-
ção, quebra de rotina, reincorporação, círculo de probabilidade e Status fo-
ram identificados na obra de Johnstone, totalizando oito conceitos operativos
centrais que são trabalhados a partir de jogos e exercícios que conduzem os
alunos no desenvolvimento de cenas teatrais improvisadas.
O jogo no sistema Impro constitui-se como atividade com regras e sem
um objetivo fixo ou conteúdo único a ser aprendido, enquanto o exercício se
dá como uma atividade em que os objetivos são específicos, há um ponto de
chegada e as regras são mais fluidas.

52 Revista aSPAs | Vol. 5 | n. 1 | 2015


O sistema Impro e a criação teatral

As atividades relacionadas aos conceitos de escuta, primeiras ideias e


oferta estariam mais próximas do polo do jogo, enquanto os demais conceitos
fariam parte da dimensão do exercício. Johnstone (1999) afirma que é impor-
tante que o jogo (ou exercício – o autor usa as duas terminologias indistinta-
mente) seja uma expressão da teoria.

Caso acreditemos que improvisadores matam sua espontaneidade


quando tentam fazer previsões, e que esse pensamento é verbalizado,
poderíamos confundir tal “planejamento” dizendo “Inventem uma história
em conjunto, cada um adicionando uma palavra”, ou “Cada frase precisa
ser uma pergunta”. Se assumirmos que a arte dramática resume-se a
uma pessoa alterando outra, poder-se-ia chegar a jogos de “ele disse/
ela disse”, em que os participantes recebem orientações cênicas de seus
parceiros. (JOHNSTONE, 1999, p. 130)

Com isso, Johnstone identificou e ampliou sua percepção do aluno-a-


tor em cena para trabalhar os problemas ou dificuldades enfrentados na
prática. Um dos aspectos que tornam o sistema Impro único é o conjunto
de jogos de offer/block/accept a partir dos quais o autor inglês desenvolve
os conceitos de aceitação e bloqueio, que são chave para sua percepção
da criação.
Johnstone entende que nossas ideias são bloqueadas pelo eu social
e que é necessário um trabalho de desbloqueio para que a criatividade e
a espontaneidade possam acontecer. O objetivo dos jogos de offer/block/
accept é acelerar a percepção e a atitude do aluno com relação ao desblo-
queio, definindo a aceitação como premissa básica de toda reação realiza-
da em cena.
É nesses jogos de aceitação e bloqueio que reside uma das diferenças
entre o trabalho de Johnstone e o de Viola Spolin. Dudeck (2007), em pesqui-
sa que comparava as propostas dos dois autores em relação a improvisação,
aponta que Spolin (2005) não permite regras ou jogos nesse sentido, pois
busca que os próprios atores façam suas descobertas no que diz respeito a
aceitação e bloqueio.

Johnstone também quer que seus atores descubram, por conta própria,
a diversão em entrar no desconhecido, mas ele acelera o processo da
descoberta com seus jogos de “oferta/bloqueio/aceitação”. […] Esses jo-

Revista aSPAs | Vol. 5 | n. 1 | 2015 53


Diogo Horta & Mariana de Lima e Muniz

gos permitem que o ator falhe, e, como se trata apenas de um jogo,


falhar é divertido. (DUDECK, 2007, p. 35)

Nesse sentido, o professor que trabalha a partir do sistema Impro deve


adotar postura que busque alterar a percepção de erro pelo estudante (DU-
DECK, 2013), permitindo, por exemplo, que o indivíduo aceite o erro como
algo positivo e se divirta com ele. A pesquisadora norte-americana Patricia
Ryan Madson (2005) afirma que os erros não devem ser considerados como
algo a ser evitado, uma que vez que são necessários e fazem parte de nosso
sistema operacional em qualquer processo criativo ou de aprendizagem.
Nesta pesquisa, observou-se que o erro geralmente se apresenta quan-
do um grupo deseja muito acertar em determinado jogo de regras ou em
cenas improvisadas. A partir do momento em que o grupo aceita o risco e a
possibilidade do fracasso como algo inerente a qualquer jogo ou cena impro-
visada, suas expectativas diminuem e os alunos se sentem mais relaxados e
livres para criar.
Um conceito importante do sistema Impro é denominado Status e diz res-
peito às relações que os atores estabelecem em uma cena improvisada. São
relações correspondentes à dominação e à submissão que se dão em diversos
níveis entre os personagens e destes com objetos e espaços. Como na vida, as
relações são fluidas e se alteram a todo o momento, de forma mais ou menos
consciente. Sempre estamos subindo ou abaixando nossos status, dominando
ou sendo dominados, em uma dinâmica próxima à de uma gangorra. É impor-
tante ressaltar que o conceito de Status aqui apresentado não se refere ao sta-
tus social, ou seja, à posição que um sujeito ocupa na sociedade, e sim à rela-
ção de um personagem com outro, independentemente de sua posição social.

Na verdade, deveria falar de dominação e submissão, mas isso produzi-


ria resistência. Estudantes que concordassem prontamente em aumentar
ou rebaixar seu status poderiam criar objeções caso lhes fosse solicitado
“dominar” ou “submeter-se”. “Status” me parece um termo útil, permitindo
que seja entendida a diferença entre o status que se tem e o status que
se interpreta. (JOHNSTONE, 1992, p. 36)

Dessa forma, a utilização do termo “status”, no lugar de dominação e


submissão, permitiria uma abertura nas formas de relação e no tipo de com-

54 Revista aSPAs | Vol. 5 | n. 1 | 2015


O sistema Impro e a criação teatral

portamento em cena. Além disso, o princípio da gangorra – quando um per-


sonagem sobe seu status e o outro abaixa – é muito importante para desviar
os atores da preocupação com a história, ou com o passo seguinte da impro-
visação, e conectá-los sempre ao momento presente das relações em cena.
Enquanto o conceito de status se distancia da busca por uma narra-
tiva, outros conceitos aproximam-se dela. Os conceitos de reincorporação
e círculo de probabilidade, por exemplo, têm como objetivo trabalhar uma
noção de história e conduzir para a criação dela na cena improvisada a partir
de uma concepção específica que é desenvolvida em muitos exercícios de
Impro. “Além de teorizar sobre os mecanismos para aprender a improvisar de
uma forma livre, espontânea e real, Keith Johnstone iniciou uma busca pela
construção de uma dramaturgia improvisada, com a existência de um conflito
e de uma possível unidade de ação (ÁNGEL, 2012, p. 44).
Essa busca é determinada pelo contexto no qual Johnstone elaborou
seu trabalho, refletindo o estado do teatro e da dramaturgia na época. En-
tretanto, ele não utiliza o termo “dramaturgia”, e sim “narrativa”, assim como
outros pesquisadores de Impro; por isso, é cabível aqui uma breve reflexão
sobre o termo “dramaturgia”, sobre o que designa e sobre o que poderia con-
tribuir para a percepção do sistema Impro.
Joseph Danan (2010) afirma que o conceito de dramaturgia teria pelo
menos dois sentidos: o primeiro (1) diz respeito à composição de peças de
teatro; e o segundo (2) seria a passagem de peças de teatro para a cena.
Esse é o ponto de partida que o autor utiliza para definir a dramaturgia atual,
sabendo que os dois sentidos não comportam todas as variações que o ter-
mo pode ter.
Na Impro, o termo “dramaturgia” é usado com a ressalva de que o con-
ceito evoluiu ao longo da história do teatro (VIEIRA, 2011) e de que existe uma
pluralidade de concepções de dramaturgia na cena contemporânea (MUNIZ,
2010), mas, grosso modo, permanece-se com um entendimento próximo do
sentido 1 apresentado por Danan.
Gustavo Miranda Ángel (2012) utiliza o termo “dramaturgia improvisada”,
afirmando que a Impro despertou o desejo de investigar formas dramatúrgi-
cas de criação direta em cena. Apesar disso, segundo o autor, “o texto dramá-
tico requer um sentido próprio, uma postura de autor, precisa falar de algo que

Revista aSPAs | Vol. 5 | n. 1 | 2015 55


Diogo Horta & Mariana de Lima e Muniz

não foi dito ou que se quer expressar de uma maneira particular” (ÁNGEL,
2012, p. 50). Na Impro, no entanto, nem sempre o texto dramático improvisado
consegue alcançar os parâmetros apontados pelo colombiano, o que pode
levar a questionamentos com relação à utilização do termo “dramaturgia” em
espetáculos improvisados.
Por outro lado, o termo é utilizado, inclusive entre os improvisadores,
para designar um tipo de estrutura de dramaturgia (no sentido 1) que facilita a
criação de uma história diante do público. Segundo Muniz (2010)

[…] vê-se com curiosidade como a radicalização de uma proposta de


criação efêmera frente ao público baseia-se numa concepção de drama-
turgia centrada na noção de conflito, unidade de ação, início, meio e fim,
ainda que a cena e a imagem sejam fatores determinantes. (p. 93)

Existe na Impro, portanto, uma concepção específica de dramaturgia,


relacionada ao desejo de contar uma história e aos aspectos narrativos de-
senvolvidos por Keith Johnstone nas bases de criação do sistema. No entanto,
essa concepção vem sendo questionada por grupos e espetáculos que têm
como objetivo explorar outros tipos de dramaturgia (sentidos 1 e 2) na Impro.
Por isso, a proposta de uma dramaturgia improvisada pode variar de
acordo com os estilos de cada espetáculo e com as propostas estéticas e
conceituais feitas por artistas e companhias. Entretanto, alguns aspectos,
como o trabalho com o óbvio, o desbloqueio criativo e a aceitação das primei-
ras ideias, apontam para a necessidade de uma base que oriente o ator-im-
provisador na construção de narrativas em cena, ao menos no período inicial
de treinamento.
Essa base é construída, portanto, treinando-se uma concepção drama-
túrgica fundada na mímese, com as noções de início, meio e fim. Na Impro,
trabalha-se essa estrutura com os conceitos de plataforma, o início da cena,
conflito e desenvolvimento, o meio e resolução do conflito, o fim (GALVÁN,
2013). Isso contribui para sustentar uma cena improvisada e liberar os atores
para criar a partir de uma estrutura de narrativa pré-definida.
Utiliza-se essa estrutura, portanto, no início do treinamento, com o ob-
jetivo de trabalhar o desbloqueio e o processo de criação. O entendimento
do sistema Impro é de que, depois que o processo criativo é liberado e po-

56 Revista aSPAs | Vol. 5 | n. 1 | 2015


O sistema Impro e a criação teatral

tencializado, outras formas de construção de narrativa podem ser desenvol-


vidas. Existe aí a inserção das possibilidades de flashbacks, flashfowards e/
ou elipses, assim como a ruptura das unidades de ação, espaço e tempo. E,
posteriormente, os atores-improvisadores estariam preparados para investi-
gar outras formas de dramaturgia improvisada.
Dessa forma, a Impro tem como eixo central o ator, embora seja essen-
cial que ele assuma, ainda na condição de ator, as funções de encenador e
dramaturgo de sua própria cena no momento em que a está criando diante do
público. Por esse motivo, a Impro tornou-se um sistema amplo que trabalha
com dramaturgia, encenação e atuação, tendo como base a potencialização
do processo criativo centrado na figura do ator.
O fato de a improvisação ser realizada diante do público, que é o diferen-
cial na estrutura da Impro, também instaura na sala de aula a proposta de que
os próprios alunos se alterem nas posições de plateia e atuantes. Geralmente,
no início do processo, os exercícios e os jogos não incluem a presença de um
observador externo, e, com o passar das aulas, a presença do público vai apa-
recendo e se tornando inclusive central para a realização de alguns exercícios.
A partir do momento em que se instaura, a plateia interna tem função
importante no processo, uma vez que possibilita relação similar com o que
acontece na prática do teatro. Além disso, devido à observação e aos comen-
tários compartilhados ao final da experiência cênica, a plateia que observa
costuma trabalhar tanto quanto aqueles que fazem.
Nesse processo dinâmico, mantém-se, sobretudo, a filosofia da Impro
de encorajar a espontaneidade, a criação colaborativa e a cooperação entre
os indivíduos (DUDECK, 2013), fazendo que a palavra “benevolência” resu-
ma e defina o sistema Impro. Essa filosofia permite que o entendimento dos
conceitos constitua uma base sólida sobre a qual se constrói a prática impro-
visacional.
Dessa forma, a prática da improvisação neste sistema deve ter como
eixo central, em todas as suas ações, a cooperação e a benevolência, instau-
rando confiança, parceria, compromisso e afeto, para que a experiência do
aluno o leve a aprender com outros. Isso será importante tanto para a prática
teatral quanto para o aprendizado do aluno, quando for o caso, levando-o a
valorizar em sua formação aspectos mais humanos e menos competitivos.

Revista aSPAs | Vol. 5 | n. 1 | 2015 57


Diogo Horta & Mariana de Lima e Muniz

Considerações finais

A improvisação é constantemente relacionada àquilo que não está prepa-


rado ou que não está pronto. No entanto, o sistema Impro permite uma prepara-
ção para a improvisação, sem fazer que ela perca sua condição primeira de cria-
ção instantânea. Nesse sentido, é relevante a percepção de que se está diante
de uma prática pedagógica que possui filosofia própria, que tem na cooperação
e na benevolência as chaves para preparar o aluno para lidar com o inesperado.
Em nossas experiências como professores trabalhando a partir dos
pressupostos filosóficos do sistema Impro, observamos que a experiência de
improvisar, criar e estar em cena levou os alunos a elaborar e aprimorar suas
formas de lidar com o trabalho de criação e interpretação no teatro. De modo
geral, esse processo gerou maior conforto de estar em cena, o que levou a
uma fluência na criação, suscitando mais expressividade e domínio dos ele-
mentos que compõem o teatro.
Embora o sistema Impro apresente conceitos e princípios que, às ve-
zes, parecem regras fechadas do que fazer ou não em uma improvisação,
percebe-se que é por meio dessas regras que o educando é provocado e
convocado a experimentar sua liberdade. Nesse sentido, constata-se que o
aprendizado foi diferente para cada aluno, uma vez que foi pela experiência
que ele pôde se conhecer melhor e iniciar seu processo individual de busca e
elaboração de conhecimentos.
Da mesma forma, entende-se o sistema Impro como um campo aberto a
experimentações, e, na prática, criam-se e recriam-se exercícios e jogos que,
apesar de ancorados nas propostas de Johnstone, se constituíram em uma
poética pedagógica própria. Por isso, optamos por não descrever exercícios
neste artigo, e sim apresentar os principais conceitos teórico-metodológicos
da prática pedagógica a professores e artistas como mais uma das possibili-
dades de trabalho com a improvisação teatral.

Referências bibliográficas
ÁNGEL, G. M. Una obra de teatro: dramaturgia compartida. 2012. Dissertação (Mes-
trado em Direção e Dramaturgia) – Facultad de Artes, Universidad de Antioquia,
Medellín, Colômbia.

58 Revista aSPAs | Vol. 5 | n. 1 | 2015


O sistema Impro e a criação teatral

DANAN, J. Qu’est-ce que la dramaturgie?. Arles: Actes Sud, 2010.


DUDECK, T. R. Improvisational theatre games of Viola Spolin and Keith Johns-
tone: can they play nice together for the actor, director, and writer?. 2007. Disser-
tação (Mestrado em Arts in Theatre) – California State University, Northridge.
______. Keith Johnstone: a critical biography. Londres: Bloomsbury Methuen Dra-
ma, 2013.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2011.
GALVÁN, O. A. Del salto ao vuelo: manual de impro. Madri: 1MPROTOUR, 2013.
HORTA, D. O sistema Impro na formação universitária em teatro: experiências
nos cursos de graduação em teatro da EBA/UFMG e da UFSJ. 2014. Dissertação
(Mestrado em Artes) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas
Gerais.
JOHNSTONE, K. Impro: improvisation and the theatre. Nova York: Routledge, 1992.
______. Impro for storytellers. Nova York: Routledge, 1999.
MADSON, P. R. Improv wisdom: don’t prepare, just show up. Nova York: Bell Tower,
2005.
MUNIZ, M. L. La improvisación como espectáculo: principales experiências y téc-
nicas de formación del actor-improvisador. 2005. Tese (Doutorado em Artes Cêni-
cas) – Faculdad de Filología y Letras, Universidad de Alcalá, Alcalá de Henares.
______. Dramaturgia da improvisação: construção efêmera da cena teatral. Morin-
ga, João Pessoa, v. 1, p. 89/2-96, 2010.
SPOLIN, V. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 2005.
VIEIRA, D. O. Arlequim, servidor de dois amos e humor mierda: a improvisação
teatral na escrita dramatúrgica. 2011. Dissertação (Mestrado em Letras) – Facul-
dade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais.

Recebido em 13/03/2015
Aprovado em 08/04/2015
Publicado em 30/06/2015

Revista aSPAs | Vol. 5 | n. 1 | 2015 59

Você também pode gostar