Coro Corpo Colectivo e Espaço Poético
Coro Corpo Colectivo e Espaço Poético
Coro Corpo Colectivo e Espaço Poético
CORPO COLETIVO
E ESPAÇO POÉTICO
INTERSEÇÕES ENTRE
O TEATRO GREGO ANTIGO
E O TEATRO COMUNITÁRIO
CLÁUDIA ANDRADE
IMPRENSA DA
UNIVERSIDADE
DE COIMBRA
COIMBRA
UNIVERSITY
PRESS
1
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EDIÇÃO
Imprensa da Universidade de Coimbra
Email: [email protected]
URL: http://www.uc.pt/imprensa_uc
Vendas online: http://livrariadaimprensa.com
CONCEPÇÃO GRÁFICA
António Barros
IMAGEM DA CAPA
O Homem do Milénio, La Fura Dels Baus, Barcelona, 2000.
INFOGRAFIA DA CAPA
Carlos Costa
INFOGRAFIA
Mickael Silva
REVISÃO
Nuno Almeida
EXECUÇÃO GRÁFICA
Simões & Linhares
ISBN
978-989-26-0521-0
ISBN Digital
978-989-26-0761-0
DOI
http://dx.doi.org/10.14195/978-989-26-0761-0
DEPÓSITO LEGAL
359479/13
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CORO: CORPO
COLECTIVO E
ESPAÇO POÉTICO
INTERSEÇÕES ENTRE
O TEATRO GREGO ANTIGO
E O TEATRO COMUNITÁRIO
CLÁUDIA ANDRADE
IMPRENSA DA
UNIVERSIDADE
DE COIMBRA
COIMBRA
UNIVERSITY
PRESS
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À Ana Laura, Alfredo e Agustina que me deram a conhecer o teatro
comunitário argentino.
À população do Jarmelo por ter sido parceira e cúmplice de um
encontro teatral feliz.
À família e amigos pelo incondicional afeto, ao meu pai pelos
olhos e vírgulas.
Ao Fernando pelo apoio, paciência e cuidado.
E ao Tiago, porque mesmo antes de nascer já era o princípio de
todas as coisas.
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Índice
I ntrodução ........................................................................................................... 9
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4. C oro : C orpo C oletivo e E spaço P oético . .................................................... 69
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Introdução
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A partir do século VIII a.C, começam a surgir por todo o território
grego pequenas cidades‑estado que, através de um modo de vida e de
um particular sistema de organização social, transformam‑se no embrião
do modelo sociopolítico grego.
A criação da polis e a sucessão de regimes políticos (entre os quais
a tirania) irá desempenhar um papel muito relevante na revitalização
e institucionalização das festas dionisíacas em Atenas. A política de pres-
tígio levada a cabo por Pisístrato irá possibilitar a ascensão do culto a
Dioniso, que verá crescer a sua importância e influência na polis. Os fato-
res religiosos serão igualmente relevantes e irão providenciar um espaço
e um tempo específicos para a realização dos espetáculos teatrais.
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coletivo se equilibram. A ágora é o símbolo da polis, é o espaço público
por excelência e centro da atividade política.
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Através de uma linguagem poética e metafórica, as peças falavam
sobre problemáticas da polis e do mundo grego, representando uma
forma particularmente eficaz de “apresentar problemas relativos ao ho-
mem e às suas relações com os deuses ou às relações dos homens entre
si.” (BOWRA, 1967:174‑5).
Os festivais dramáticos eram organizados pela cidade, constituindo
uma ocasião em que a cidade se juntava e se reunia para prestar culto
aos deuses. O teatro era assunto da polis, o que justificava o grau de
envolvimento da cidade e o esforço de financiar esse dispendioso acon-
tecimento cívico.
Os avultados custos para a realização dos festivais eram assegurados
pelos cidadãos mais ricos, sob a forma de imposto extraordinário. A cho‑
regia era o órgão cívico que organizava os festivais dramáticos da cidade
e todos os anos era designado o chorego responsável pelo recrutamento,
formação, manutenção dos membros do coro e dos respetivos figurinos.
A choregia podia ser recusada mas dava prestígio social e a sua im-
plantação teria fortes relações com a implantação do regime democrático
em Atenas.17 Dez arcontes eram escolhidos anualmente por sorteio, ca-
bendo ao arconte‑epónimo designar o chorego daquele ano e escolher os
três poetas trágicos a concurso, cerca de oito meses antes da realização
das Grandes Dionisíacas.
17 Wilson refere que não existe consenso no que diz respeito ao momento exato da
criação da choregia em Atenas, mas que existe uma grande probabilidade da introdução
desse sistema estar relacionada com as reformas políticas de Clístenes, já que a nova
estrutura dos ditirambos e a sua constituição como coros representativos das dez tribos
atenienses estaria relacionada com uma nova organização social ateniense. No seu livro
Athenian Institution Of The Khoregia ‑The Chorus, The City And The Stage (2000), Wilson
realiza uma vasta e aprofundada reflexão sobre a choregia como instituição paradigmática
da democracia ateniense e da sua absoluta centralidade na vida cívica grega.
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Quando as cidades passaram a ter os seus próprios cultos religiosos,
escolheram também as suas divindades protetoras, o que se traduziu
na criação de novos lugares de culto. A construção de templos, ao mes-
mo tempo que fortalecia o sentido da polis, fomentava um espírito
identitário.
O quotidiano estava imbuído de religiosidade e quase todas as maté-
rias políticas eram objeto de consulta ao oráculo, sendo que Delfos era
o mais conhecido e prestigiado.
De acordo com o calendário de cada cidade‑estado, eram diversas
as festividades que variavam de acordo com a estação do ano ou com
a natureza do deus em questão. Através de uma forma festiva, o culto
religioso era coletivo e, diferentemente do que acontecia na prática in-
dividual, eram utilizadas várias formas de expressão como ações, gestos,
símbolos, palavras, sacrifícios e oferendas.
O culto religioso estava também intimamente associado com determi-
nados espaços nos quais decorriam as celebrações rituais. Delfos, Delos,
Olímpia, Elêusis, Icária ou Troia eram lugares sagrados que estavam re-
lacionados com a vida e história dos deuses, profundamente enraizados
no imaginário grego.
Politeísta e antropomórfica, a religião grega resultava no convívio de
dois tipos de culto: o culto dos deuses do Olimpo (que representava um
culto mais restrito e que tinha como base a proteção de um clã, tribo ou
família) e um outro culto, mais antigo e de carácter popular, relacionado
com a natureza e com os misteriosos poderes que ela exercia na vida dos
homens, entre os quais se inclui o culto a Dioniso ou Démeter.18
Apesar de Homero não reconhecer Dioniso como um dos deuses
olímpicos, ele seria um deus muito antigo, provavelmente da época mi-
cénica (BRANDÃO, 2002).
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Assim como os demais deuses da vegetação, acreditava‑se que Dioniso
teria tido uma morte violenta, mas que tinha sido trazido novamente à vida,
sendo a sua morte, ressurreição e sofrimentos representados em ritos sagrados.19
Os rituais dionisíacos, embora diferentemente do que acontecia em
outras liturgias oficiais marcadas por uma certa distância (física) entre o
ser humano e o deus adorado, eram caracterizados por um fenómeno
de incorporação do deus.20 O vinho e a embriaguez eram utilizados como
meio de contacto direto com o deus e colocavam os adoradores sob êxtase
divino e em comunhão com Dioniso.
Num arrebatamento de inspiração divina, o indivíduo dissolvido no co-
letivo era transportado para outro mundo, assumindo múltiplas identidades.
19 Fruto da união entre Perséfone e Zeus, nasceria Zagreu (ou o primeiro Dioniso) que
teria sido devorado pelos Titãs a mando de Hera, esposa de Zeus. Atena consegue resgatar
o coração de Zagreu e entrega‑o a Zeus, este faz com que a princesa Semele o engula. Hera, ao
ter conhecimento da existência de Semele, toma a forma de sua ama e convence‑a a persuadir
Zeus para que este lhe dê provas do seu amor. Apesar de prever as consequências do pedido
da princesa, Zeus cumpre a sua promessa e junta os ventos, relâmpagos, raios e trovões, que
fazem com que o palácio de Semele seja incendiado, morrendo queimada a princesa. Zeus re-
colhe do ventre de Semele o feto ainda em gestação e coloca‑o na sua coxa. Passado um tempo
dá à luz e entrega o segundo Dioniso às ninfas e aos sátiros do Monte Nisa para que o criem.
20 A palavra grega enthousiasmos significava “ter deus dentro de si” e seria esse contacto
físico com o divino que provocava a purificação, a catharsis.
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dos santuários dionisíacos” (CSAPO e MILLER, 2007:5). A sua presença
era central, não apenas de forma simbólica mas física, porque a sua es-
tátua ocupava o centro da orchêstra, sendo espectador privilegiado nas
representações dramáticas.
Adorado por pessoas que pertenciam a classes baixas, como estran-
geiros, escravos e especialmente mulheres 21 , foi de forma gradual que
o culto dionisíaco foi incorporado na Ática. As transformações políticas,
a mudança de regimes e o facto de ser um deus popular teriam facilita-
do a ascensão de Dioniso, que vê crescer o seu prestígio e importância
no seio da polis, conquistando assim o estatuto de divindade cívica.
21 O culto das divindades da natureza (entre as quais Dioniso e Deméter) seria mais
frequente junto do setor feminino (WILES, 2000). As danças frenéticas e extáticas seriam
conduzidas sobretudo por mulheres que, imitando as ménades, fugiam para as montanhas
onde eram “possuídas pela mania, loucura sagrada” (BOURCIER, 1987:25).
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longo de gerações, os poemas homéricos contribuíram, em larga medida,
para a fixação e organização do inventivo mundo mitológico grego.
No início do período arcaico, a epopeia é progressivamente substi-
tuída pela poesia lírica. 22 Sem a solenidade épica dos feitos de um
passado heroico, os sentimentos pessoais e a vida quotidiana substituem
a exaltação dos valores homéricos, assistindo‑se a uma estreita ligação
entre a poesia e a comunidade, presente em todos os momentos que
marcam a vida do homem.
Tal como a poesia épica, a poesia lírica foi criada para ser recitada.
Encomendada para ocasiões específicas e para celebrações festivas, a
poesia lírica adquiriu modalidades diversas que incluíam desde hinos
a odes, péanes (cantos em honra de Apolo), hiporquemas (canto mimado
coral), cantos solenes para os vencedores dos jogos ou cantos de la-
mento ou louvor. A produção poética lírica foi muito diversificada e
Arquíloco, Simónides, Baquílides ou Píndaro são alguns dos mais co-
nhecidos poetas líricos.
A lírica coral foi um género que conheceu um grande desenvolvimen-
to durante todo o período arcaico e início do período clássico em que
o coro era o principal elemento. Geralmente acompanhado pela cítara
ou pelo aulos (ou por ambos os instrumentos), o evento poético era
dirigido por um mestre de coro, sendo a sua execução realizada por
coros de crianças, homens ou mulheres. 23
Cantos de casamento, de lamento, cantos fúnebres, hinos religiosos
dedicados a uma divindade, rituais guerreiros, epitáfios, elegias, canções
festivas, canções de trabalho, cantos de glória a desportistas vencedores,
rituais de fertilidade, procissões – foram inúmeras as manifestações corais
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que, através de uma expressão coletiva, marcavam os diferentes momen-
tos da vida do homem, tantas que “a ocasião faz a poesia” bem poderia
ser uma epígrafe grega.
A cultura grega era, por excelência, uma cultura performativa (GOLDHILL,
1999) e os atos públicos da polis eram cerimónias solenes acompanhadas
de danças, gestos, música e representações poéticas.
Para Finley, a transição da poesia lírica para a tragédia seria um ca-
minho lógico e natural já que “tais combinações estavam tão difundidas
que não é de admirar que, na Grécia do século VI a.C, se registassem
tentativas de conduzir a poesia lírica, que sofrera uma larga evolução em
sofisticação e formalidade, para uma relação orgânica com antigos rituais”
(FINLEY,1963:86).
As modalidades líricas serão engenhosamente adaptadas pelos drama-
turgos gregos e incluídas nos seus coros, conjugando modos processionais,
modos evocativos, pedidos de proteção aos deuses ou modos de disputa
(sobretudo na comédia).
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do espaço público através do desenvolvimento de um sentido poético
relativamente ao espaço da comunidade.
O coro representa desde logo uma força visual que garante uma cer-
ta unidade estética. As cores e materiais deverão ser utilizados numa
lógica de síntese e eficácia, bem como os figurinos ou adereços que
deverão ser funcionais e estar ao serviço do espetáculo e não apenas
decorativos.
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Em tempos de crise, individualismo e desapego, juntar‑se é por si só
um feito. O teatro comunitário promove esta ideia e provoca a reunião
das pessoas numa sociedade segmentada onde a necessidade de criar
laços e de reinventar rituais é urgente. O teatro põe em evidência a ideia
de que a realidade não está construída, que o teatro é ponto de encontro
e que a criação é também uma partilha. E nesse contexto, o coro é a
exaltação do coletivo, é corpo‑comum, corpo‑festa, corpo‑reivindicativo,
corpo‑social. Corpo‑utopia?
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