Sindrome de Rett PDF
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Atualização
Síndrome de Rett
Rett syndrome
José Salomão Schwartzman
Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo, SP, Brasil
Resumo A partir do que já se conhece sobre a síndrome de Rett, este artigo focaliza as informações mais recentes da
literatura internacional sobre os aspectos genéticos e etiológicos desta condição, bem como sobre a sua identi-
ficação clínica e laboratorial, neuropatologia, eletrofisiologia, e evolução clínica (epilepsia, distúrbios respira-
tórios, distúrbios autonômicos e aspectos nutricionais), enfatizando, ainda, que, embora até recentemente tida
como condição que afetava apenas o sexo feminino, também pode estar presente no sexo masculino, ainda que
com fenótipo diverso.
Descritores Síndrome de Rett. Deficiência mental. Deficiência múltipla. Epilepsia. Genética clínica.
Abstract This article is focus on the currently knowledge about Rett syndrome, based on the more recent information in
the international literature on genetic and epidemiological aspects of this condition, as well as on its clinical and
laboratory diagnosis, neuropathology, electrophysiology. and clinical outcome (epilepsy, respiratory disorders,
autonomic disturbances and nutritional aspects). Although it has been known as a female condition, nowadays
it is described the possibility of affected males with a different phenotype.
Keywords Rett syndrome. Mental retardation. Multiple handicap. Epilepsy. Clinical genetics.
Introdução rios definidos pelo Rett Syndrome Diagnostic Criteria Work Group8
1
Andreas Rett identificou, em 1966, uma condição caracteri- (1988) ou os propostos pelo DSM-IV-R9 (2002) (Tabela).
zada por deterioração neuromotora em crianças do sexo femi- O diagnóstico da SR, até pouco tempo, era exclusivamente
nino, quadro clínico bastante singular, acompanhado por clínico, existindo ainda critérios para o diagnóstico de quadros
hiperamonemia, tendo-o descrito como uma “Atrofia Cerebral atípicos da SR,10 que somente devem ser firmados após os 10
Associada à Hiperamonemia”. anos de idade. Na atualidade, a descrição de uma alteração
A condição por ele descrita somente passou a ser melhor genética identificável em aproximadamente 80% dos casos (ver
conhecida após a publicação do trabalho de Hagberg et al,2 no a seguir) sugere que esse recurso deva ser utilizado na elabora-
qual foram descritas 35 meninas, e a partir do qual foi sugerido ção final do diagnóstico.
o epônimo de síndrome de Rett (SR). A presença da hipera-
monemia não foi confirmada como um sinal habitual da sín- Quadro clínico
drome. Admite-se, na atualidade, uma prevalência da doença A doença evolui de forma previsível, em estágios, que fo-
estimada entre 1:10.000 e 1:15.000 meninas,2 sendo uma das ram nomeados por Hagberg & Witt-Engerström11 (1986) da
causas mais freqüentes de deficiência mental severa que afeta seguinte forma: o primeiro deles, denominado estagnação
o sexo feminino. precoce, inicia-se entre seis e 18 meses e caracteriza-se por
No Brasil, a SR foi inicialmente identificada por Rosemberg uma parada no desenvolvimento, desaceleração do cresci-
et al3,4 (1986, 1987). mento do perímetro craniano, diminuição da interação soci-
Desde então, vários trabalhos foram publicados no Brasil,5-7 al com conseqüente isolamento. Esse estágio tem a duração
divulgando o quadro clínico e tornando possível a identifica- de alguns meses.
ção de algumas centenas de meninas afetadas. O segundo, rapidamente destrutivo, inicia-se entre um e
Para o diagnóstico clínico da SR podem ser utilizados os crité- três anos de idade e tem a duração de semanas ou meses.
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Uma rápida regressão psicomotora domina o quadro, com a palavras inteligíveis, 55% deixaram de falar após ter adquiri-
presença de choro imotivado e períodos de extrema do fala, 15% retinham algumas palavras e 6% do total conti-
irritabilidade, comportamento tipo autista, perda da fala e nuavam a fazer uso apropriado de frases.
aparecimento dos movimentos estereotipados das mãos, com Crises epilépticas são de ocorrência comum. Podem assu-
subseqüente perda da sua função práxica; disfunções respira- mir várias formas e, eventualmente, demonstrar grande resis-
tórias (apnéias em vigília, episódios de hiperventilação e ou- tência à medicação antiepiléptica habitual. Afirmar a real pre-
tras) e crises convulsivas começam a se manifestar. Em algu- valência de epilepsia nessas pacientes é difícil, porque elas
mas crianças há perda da fala que já estava eventualmente podem apresentar outras manifestações paroxísticas que são,
presente. Distúrbios do sono são comuns. muito freqüentemente, confundidas com epilepsia. Hagberg
Entre os dois e dez anos de idade instala-se o terceiro está- et al,15 por exemplo, afirmam que nas séries por eles acompa-
gio: o pseudo-estacionário, no qual ocorre certa melhora de nhadas, a ocorrência de epilepsia pôde ser comprovada em
alguns dos sinais e sintomas, inclusive do contato social. Os 94% dos casos. A média de idade da população era de 20
distúrbios motores são evidentes, com presença de ataxia e anos, variando entre quatro e 58 anos. Freqüentemente crises
apraxia, espasticidade, escoliose e bruxismo. Os trabalhos es- de perda de fôlego, crises hipoxêmicas seguindo episódios
trangeiros referem que nessa fase é muito comum ocorrer per- de apnéia são diagnosticadas erroneamente como epilepsia, o
da de peso, apesar de ingesta normal. Todavia, em pesquisa que pode contribuir para prevalências superestimadas de epi-
conduzida no Brasil, Schwartzman12 não encontrou desnutri- lepsia nessas crianças.5
ção entre as crianças examinadas. Ao contrário do que se po- O eletroencefalograma é, em geral, grosseiramente anormal,
deria esperar, várias das pacientes apresentavam sobrepeso. exceção feita, eventualmente, às primeiras fases da doença. À
Crises de perda de fôlego, aerofagia e expulsão forçada de ar e medida que a condição evolui do estágio I para o III, observa-
saliva ocorrem com freqüência. remos lentificação progressiva do ritmo de base com surgimento
O quarto estágio, que se inicia por volta dos dez anos de de ondas pontiagudas projetando-se, em geral, nas regiões cen-
idade, é o da deterioração motora tardia, ocorrendo lenta pro- tro-parietais. No estágio III podem surgir descargas com o pa-
gressão dos déficits motores, com presença de escoliose e se- drão espícula-onda lenta, mais facilmente observada durante o
vera deficiência mental. Epilepsia pode se tornar menos im- sono. No estágio IV pode haver uma certa melhora no traçado
portante, e as poucas pacientes que ainda retêm a deambulação com diminuição dos elementos epileptiformes. As espículas
gradualmente terão prejuízos crescentes, acabando por ter que centrais tendem a diminuir após os dez anos de idade e podem
utilizar cadeiras de rodas. Observa-se, nesse período, a ser bloqueadas pela movimentação passiva dos dedos da mão
superposição de sinais e sintomas decorrentes de lesão do contralateral.16
neurônio motor periférico aos prejuízos já presentes. Presença A sobrevida na SR pode ser limitada, sobrevindo a morte,
de coreo-atetose é comum nessa fase. em geral, em decorrência de um quadro infeccioso ou durante
Apesar de ser habitual afirmar-se que as meninas com SR o sono (morte súbita). Outro fator que pode limitar tanto a qua-
são normais ao nascimento e demonstram um desenvolvimen- lidade de vida como o tempo de sobrevida, consiste nos pro-
to normal até os seis ou dezoito meses de idade, sabe-se hoje blemas respiratórios crônicos decorrentes de problemas secun-
que em grande parte dos casos, senão em todos, há na verdade dários à escoliose, que pode chegar a comprometer seriamente
um atraso no desenvolvimento motor com hipotonia muscular a expansão pulmonar.
e prejuízo no engatinhar, que são os sinais iniciais.13 No quadro clínico da SR podemos observar algumas alte-
A fala está sempre muito comprometida e, muitas vezes, rações que permitem supor algum tipo de disfunção
totalmente ausente. Algumas crianças chegam a falar, dei- autonômica. Julu et al17 estudaram, sob este ponto de vista,
xando de fazê-lo à medida que a deterioração avança. Algu- 17 meninas com a SR. Demonstraram que o tono vagal cardí-
mas poucas adquirem alguns vocábulos isolados. Apenas um aco era 65% inferior ao de meninas controles. Esses valores
trabalho refere a presença de “frases apropriadas” em casos são similares aos observados em recém-nascidos normais.
de SR.14 Estudo que se baseou no exame de uma amostra com- Cada uma das meninas Rett apresentou, pelo menos, seis al-
posta por 265 pacientes com quadros clássicos e atípicos de terações no ritmo respiratório. O tono vagal cardíaco era su-
SR e pôde comprovar que, 30% delas nunca desenvolveram primido no ápice da atividade simpática, tanto durante os
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