Ana Paula Menezes PDF
Ana Paula Menezes PDF
Ana Paula Menezes PDF
DOURADOS - 2012
ANA PAULA MENEZES
DOURADOS – 2012
1
ANA PAULA MENEZES
Aprovada em______de_________________________de________
BANCA EXAMINADORA:
Presidente e orientador:
Paulo Roberto Cimo Queiroz (Dr. UFGD)____________________________________
2º examinador:
Ângelo Aparecido Priori (Dr. UEM)_________________________________________
3º examinador:
Cláudio Alves Vasconcelos (Dr. UFGD) _____________________________________
2
À minha mãe – Maria de Lourdes
Aos colonos, personagens desta história
3
AGRADECIMENTOS
4
“Na medida em que o passado humano é mal conhecido,
mal interpretado, os homens e os grupos de homens tem
uma visão incorreta de seu presente e de seu passado”
(Pierre Villar).
5
RESUMO
O antigo sul de Mato Grosso possuía características históricas bastante peculiares, o que fez
com que a região fosse alvo do projeto de colonização empreendido pelo Estado Novo e
também sofresse o avanço das frentes pioneiras na década de 1940. A implantação da Colônia
Agrícola Nacional de Dourados (CAND) e o grande afluxo demográfico foram reflexos
diretos desse processo. Nesse contexto, o objetivo principal desta pesquisa foi analisar a
subsistência dos colonos, por meio de duas atividades principais: a própria agricultura e a
exploração da madeira. As principais fontes utilizadas no trabalho foram a documentação
escrita da própria CAND e depoimentos de colonos, tendo sido utilizadas também várias obras
memorialistas. O trabalho mostra que, diante da falta de subsídios governamentais para o
início do desenvolvimento agrícola, a exploração madeireira assegurou uma renda imediata a
muitas famílias de colonos, vindo a expandir-se e a consolidar-se dentro da CAND. No tocante
à agricultura, podemos dizer que a falta de auxílios iniciais foi gradativamente superada
mediante o esforço coletivo dos colonos. Devido às dificuldades de escoamento, em um
momento inicial a produção dos colonos se caracterizou, em sua maioria, por gêneros
alimentícios, os quais eram destinados a um consumidor local e regional. Todavia, com a
melhora das condições de escoamento, uma agricultura bastante sólida tomou corpo na
CAND, ultrapassando dessa forma a simples subsistência e incluindo também gêneros
essencialmente comerciais, como foi o caso do algodão e do amendoim.
6
ABSTRACT
The former southern Mato Grosso had historics characteristics so singular resulting in a
colonization project done by Estado Novo and affected by advanced pioneers fronts in the
1940s. The implementation of National Agricultural Dourados Colony ( CAND) and
demographic growth were results of this process. In this context, the main objective of this
research was to analyse the subsistence of the settlers, through two main activities: the
agriculture and wood exploitation. The main sources are CAND documentation, statements of
settlers and memoirists works. The research show that the wood exploitation garanteed a
immediate income to majority family of setllers, been expanding and consolidating within of
CAND. In agriculture, we can say that the lack of initial aid was gradually overcome by the
collective effort of the settlers. Owing of difficulty outflow in a initial stage of production the
products of setllers was characterized to mostly part for foodstuffs, headed for a local and
regional consumers. However, with the improvement of outflow conditions, a strong
agriculture had started in CAND, thus surpassing the mere subsistence and including genres
essentially commercial, like cotton and peanuts.
7
LISTA DE MAPAS
LISTA DE FOTOGRAFIAS
LISTA DE TABELAS
LISTA DE ABREVIATURAS
8
SUMÁRIO
Lista de fotografias................................................................................................ 08
Lista de mapas....................................................................................................... 08
Lista de tabelas........................................................................................................ 08
Lista de abreviaturas................................................................................................ 08
Introdução............................................................................................................... 10
Capítulo 1
A MARCHA PARA OESTE, A CAND E SEUS COLONOS
1.1. A Marcha para Oeste e o antigo sul de Mato Grosso....................................... 17
1.2. A CAND como desdobramento da Marcha para Oeste.................................... 22
1.3. A CAND no movimento da frente pioneira...................................................... 28
1.4. O migrante, seu espaço e sua sociabilidade...................................................... 35
1.5. As divisões internas da Colônia: a 2ª zona....................................................... 48
1.6. A subsistência dos colonos: atividades alternativas na CAND........................ 54
Capítulo 2
A EXPLORAÇÃO DA MADEIRA NAS TERRAS DA CAND
2.1. O cenário encontrado pelos colonos................................................................. 61
2.2. A interrelação dos colonos e demais sujeitos no desmatamento deste espaço. 67
2.3. Queimadas e prejuízos ecológicos.................................................................... 69
2.4. A exploração da madeira na 1ª zona da CAND................................................ 73
2.4.1. A ação oficial................................................................................................. 75
2.4.2. A ação dos colonos e de empresas externas à CAND................................... 78
2.4.3. Análise da política do administrador Ubatuba.............................................. 88
2.5. A exploração da madeira na 2ª zona da CAND................................................ 93
Capítulo 3
O DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA NA CAND: o sonho tornou-se
realidade
3.1. O desenvolvimento da “agricultura de toco” na CAND...................................... 97
3.2. Produção e comercialização: destaque para os gêneros comerciais do café
e do algodão...................................................................................................... 106
3.2.1. Consumo e comercialização: destaque para a “lavoura branca”................... 113
3.3. A agricultura na 2ª zona da CAND.................................................................... 117
3.4. Agricultura de subsistência, agricultura familiar, agricultura do excedente:
algumas considerações teóricas......................................................................... 125
9
INTRODUÇÃO
10
uma História ambiental, decorrente da crise enfrentada pelo meio ambiente, a qual, segundo
Martinez: “é o capítulo mais recente de uma longa história de uso e exploração dos recursos
naturais pelos agrupamentos humanos em distintas partes do planeta” (MARTINEZ, 2006, p.
53). Neste aspecto a CAND também é um espaço bastante rico, visto que uma de suas
consequências imediatas foi a transformação do cenário natural por meio da derrubada da
vegetação. Todavia, devido à exiguidade do tempo disponível, estas questões foram
trabalhadas de forma bastante ligeira/superficial, não entrando necessariamente nos conceitos
da História Ambiental.
O processo de desenvolvimento da CAND tem permeado diversos trabalhos entre a
historiografia regional, pois profundas foram as transformações decorrentes de sua
implantação no antigo sul de Mato Grosso (há, por exemplo, a pesquisa de Benícia Couto
Oliveira: A política de colonização em Mato Grosso, 1937-1945 (1999); de Claudete Soares
de Andrade: Aspectos da colonização contemporânea no antigo Sul de Mato Grosso: Vila
Brasil e o sonho do migrante (2004) e Os colonos e a Igreja católica no contexto da Colônia
Agrícola Nacional de Dourados - 1940-1970 (2007); de Vicência Deusdete Gomes dos
Santos: A contribuição da Colônia Agrícola Nacional de Dourados – CAND no processo de
ocupação e desenvolvimento do Mato Grosso Meridional (2000); e a dissertação de Suzana
Batista Gonçalves Naglis: “Marquei aquele lugar com o suor do meu rosto”: os colonos da
Colônia Agrícola Nacional de Dourados – CAND, 1943-1960 (2007)). Entretanto, ao lidar
com fontes diversas pude perceber que sobre a Colônia ainda há muito que ser abordado.
Dessa forma, vale ressaltar a originalidade desta pesquisa, no intuito de contribuir para o
enriquecimento da História, aprofundando aspectos ainda pouco trabalhados, como é o caso
da exploração madeireira na Colônia.
A pesquisa se pautou na análise de diversas fontes. Dentre elas, cite-se: as fontes orais,
formadas por várias entrevistas, as jornalísticas, memorialísticas, imagéticas e documentais.
Na História, fala-se em fonte e documento, na verdade, a noção de fonte é mais abrangente no
sentido de que engloba tudo que possui valor documental. Por outro lado, a noção de
documento também extrapola a noção do documento oficial como o único e legítimo. Assim,
diferentemente do pressuposto positivista, em outras perspectivas teóricas "os documentos
chegam a abranger a palavra, o gesto. Constituem-se arquivos orais" (LE GOFF, 1996, p. 10).
Nesse sentido, as fontes encontradas e utilizadas nesta pesquisa se dividem em
documentos oficiais e não oficiais. Entende-se por fontes oficiais aqueles documentos
emanados pelo governo, ou oficiais de alguma instituição e preservados em arquivos. São
11
aquelas fontes que durante muito tempo foram consideradas pelo paradigma tradicional da
História como os verdadeiros documentos dignos de análise para a pesquisa histórica (cf.
BURKE, 1992). Neste trabalho fazem parte destas fontes, além dos decretos emanados do
governo federal também as fontes de natureza administrativa – da própria CAND. Estas são
bastante diversas, incluindo: notas fiscais, ofícios, relatórios, fichas cadastrais, declarações,
listas de funcionários, fichas de catalogação (relativas, por exemplo, ao movimento de
madeiras), telegramas, documentos relativos à identificação e exigência dos candidatos a
colonos, como carteiras de vacinação e diversos atestados de pobreza, dente outros.
As fontes não oficiais, por sua vez, são aquelas que não foram produzidas por
nenhuma instituição, mas que englobam todo e qualquer documento que tenha valor
documental. Nesta pesquisa são elas: cartas manuscritas de colonos, abaixo-assinados, textos
jornalísticos, relatos memorialísticos, imagens e entrevistas. Todas estas fontes, independente
de serem oficiais ou não, precisam ser trabalhadas com cautela, uma vez que nem uma, nem
outra, possui maior legitimidade diante da História. As fontes podem falar muito, mas isso vai
depender da forma como o pesquisador as trabalha Etienne François assinala que “elas só
começam a falar a partir do momento em que as interrogamos, e que a qualidade das respostas
que elas podem dar coincide com a qualidade das questões que se formulam” (FRANÇOIS,
1998, p. 158). Nesse sentido estes documentos constituem o conjunto de fontes que deram
vida a este trabalho.
Sobre as fontes orais, vale aqui uma elucidação. Nesta pesquisa não houve elaboração
de entrevistas mediante as técnicas da História Oral. As entrevistas utilizadas foram coletadas
no Centro de Documentação Regional da FCH/UFGD e foram realizadas por outros
pesquisadores que as colocaram a disposição do público. A maioria das entrevistas utilizadas
foi produzida pelo pesquisador Nilton Ponciano. Por serem entrevistas abertas, nelas, os ex-
colonos, entre homens e mulheres, narram a sua trajetória em direção à colônia, citam
aspectos relacionados aos primeiros anos de vivência, bem como suas dificuldades, falam dos
conflitos relacionados à sua fixação na terra e à obtenção de lotes. Citam aspectos
relacionados ao seu trabalho, privilegiando a prática agrícola, como era de se esperar, pois
como colonos todos estavam condicionados a serem agricultores, porém apresentam versões
importantes, na compreensão do universo socioeconômico desenvolvido na CAND. Além
destes fatores, narram aspectos ligados à religiosidade e demais assuntos, sendo válidas,
portanto, para qualquer pesquisa cuja temática envolva a CAND.
12
È importante ressaltar que, mesmo não havendo a realização de entrevistas, não
deixamos de lidar com a História Oral, e que, portanto, foi preservado o mesmo rigor ao lidar
com estas fontes. Janaína Amado chama atenção para a necessidade de se ater às questões
éticas, sobre “a necessidade de o historiador ser fiel não só às palavras dos informantes, mas
ao sentido da entrevista, evitando, por exemplo, citar trechos onde apenas uma parte das
opiniões é revelada” (cf. AMADO, p. 149). Sabemos que muitas vezes é necessário citar
apenas um trecho, o que, aliás, é feito várias vezes neste trabalho, nesse caso deve-se ter o
cuidado para não ocultar o sentido total da fala. Nesse sentido, Alberti também alerta:
Vale lembrar a importância, por parte dos pesquisadores que trabalham com a
produção de fontes orais, da doação, a instituições públicas de suas entrevistas após a
realização de seus trabalhos. Desta forma estarão colaborando duplamente com o
enriquecimento da História, uma vez que estas entrevistas são fontes importantes para
pesquisas futuras.
Sobre os arquivos visitados, nos quais foram coletadas as fontes utilizadas nesta
pesquisa, destaca-se o Arquivo Público de Mato Grosso do Sul, localizado em Campo Grande
– APE/MS, o qual possui um riquíssimo acervo sobre a CAND com milhares de documentos.
As visitas a este arquivo se iniciaram ainda na fase de desenvolvimento da pesquisa de
Iniciação Científica. No Centro de Documentação Regional – CDR/FCH/UFGD, foram
coletadas, sobretudo as entrevistas, além de algumas obras memorialistas, dissertações e teses.
No arquivo do jornal O Progresso e no Museu Histórico Municipal, ambos localizados na
cidade de Dourados, foram encontrados vários exemplares do jornal O Progresso da década
de 1950.
Dentre os referenciais teóricos utilizados nesta pesquisa, alguns são de suma
importância para o entendimento de questões teóricas mais densas. Dentre estes, cite-se José
de Souza Martins (a degradação do outro nos confins do humano, 2009 - e, Tradicionalismo e
Capitalismo, 1975), principal autor que versa sobre o tema da fronteira e sua realidade
13
contraditória. Ao falar de um contexto diretamente relacionado à expansão da fronteira
agrícola e de uma realidade fronteiriça, Martins se torna a base para a discussão do tema, visto
que sua concepção de fronteira vai além da ideia de limite territorial, considerando diversos
aspectos para a partir daí caracterizar e conceituar a fronteira. Vendo a fronteira como um
processo conflitivo e em constante transformação, o autor considera a historicidade complexa,
as alteridades, os desencontros étnicos e de mentalidades que se tem nos espaços fronteiriços,
abrindo assim, o campo das possibilidades para o estudo da fronteira e ajudando a
compreender a complexidade dos sistemas socioeconômicos. A este autor, somam-se
Foweraker (1982) e Queiroz (2004) trazendo contribuições consubstanciais na discussão dos
aspectos da economia fronteiriça. Queiroz contribuiu, sobretudo, no que toca à realidade
própria da CAND.
Maria Yedda Linhares (1979) ajudou a compreender aspectos relacionados ao
processo produtivo agrícola, relacionando: o meio, ou seja, a terra; a força de trabalho, ou
seja, as pessoas; e as técnicas, articulando com a compreensão da organização social
resultante da transformação do meio físico. Pebayle, Koechlin (1981) e Warren Dean (1996)
ajudaram a pensar aspectos relacionados mais aos prejuízos ecológicos decorrentes dos
processos de colonização. Alcir Lenharo (1985) e Oliveira (1999) contribuíram na
compreensão de aspectos referentes aos objetivos da política federal de colonização, a qual
buscou fortalecer o desenvolvimento capitalista por meio da pequena propriedade. Ponciano
(2006) ao fazer várias reflexões acerca do modo de vida camponês, também foi um
importante apoio para a pesquisa. Naglis (2007) ao tratar do mesmo espaço de estudo deste
trabalho, pôde contribuir no sentido de apresentar diversas informações e discussões sobre a
realidade específica da CAND. Os autores citados são os de maior peso na pesquisa, porém
vários outros, por meio de seus respectivos trabalhos – dissertações e monografias – foram
utilizados, contribuindo com informações e discussões de suma importância para o
enriquecimento do trabalho.
A dissertação está estruturada em três capítulos, curtos, mas objetivos. O primeiro
deles, intitulado - A Marcha para Oeste, a CAND e seus colonos – é um pouco mais extenso
que os demais, fato que se justifica pela quantidade de informações necessárias ao restante do
texto. Traz uma abordagem geral, abarcando o contexto histórico de implantação da CAND
no antigo sul de Mato Grosso - SMT1. Além dos aspectos políticos da colonização,
1
Como se sabe, em 1977 o estado de Mato Grosso foi dividido, sendo que sua porção meridional passou a
denominar-se Mato Grosso do Sul. Para simplificar a redação e evitar o anacronismo, neste trabalho, o território
14
abordamos também as relações sociais transformadas e construídas neste espaço, perpassando
rapidamente os diversos sujeitos nele presentes, principalmente os indígenas e paraguaios.
Neste capítulo se levantam também algumas questões teóricas, que necessitam de
pesquisas mais aprofundadas, como é o caso da discussão do “descongestionamento das
grandes cidades”, como um dos supostos objetivos da Marcha para Oeste. A esse respeito as
referências ainda são contraditórias. Além destas questões mais gerais, foram trabalhadas
questões relacionadas à infraestrutura mínima para a instalação das famílias de colonos, sua
fixação, moradia, seus conflitos, anseios, expectativas, frustrações, subsídios, dificuldades e
outros problemas enfrentados, como a falta de assistência médica e educacional.
Identificamos ainda algumas das primeiras formas de trabalhos provisórios aos quais se
dedicaram as famílias de colonos, no sentido de garantirem uma renda.
A exploração da madeira nas terras da CAND é o título do segundo capítulo, o qual
investigará as vicissitudes pelas quais passou a exploração da madeira na CAND, abordando a
maior quantidade possível de aspectos relativos a esta atividade, apontando sua importância
para a renda imediata destes colonos, em um momento em que a lavoura ainda não os podia
subsidiar, bem como para a complementação desta à medida que a agricultura ia se
desenvolvendo.
Para tanto, foram identificadas as formas de aproveitamento das madeiras abundantes
do processo de colonização, as teias de relações, envolvendo os diversos sujeitos presentes
nesta; a rede de comércio constituída por estes sujeitos, as espécies de madeiras
comercializadas, dentre outros. A exploração da madeira, ao lado da agricultura, foi uma
atividade econômica de grande peso na subsistência dos colonos da CAND. Percebemos que
as madeiras decorrentes do desmatamento eram aproveitadas pelos colonos de diversas
formas, desde a construção de suas moradias simples até a garantia de uma renda inicial.
Dessa forma, no tocante à exploração madeireira as análises se concentram na destinação das
madeiras derrubadas, nas formas de apropriação, bem como nas vicissitudes ligadas ao
comércio deste produto. Neste ponto, os colonos passaram a estabelecer relações bem mais
complexas, que envolveram diversos sujeitos ligados ou não à Colônia, extrapolando o
sentido simples de aproveitamento das madeiras derrubadas passando a explorá-las
economicamente, inclusive intensificando as derrubadas. Nesse sentido, a exploração da
madeira assegurou a subsistência imediata de muitos colonos enquanto esperavam o fruto das
que daria origem a esse novo estado é designado como “sul do antigo Mato Grosso”, “antigo sul de Mato
Grosso” ou simplesmente “SMT”.
15
colheitas. Devido às limitações bibliográficas, as fontes primárias foram o principal norte
delineador deste capítulo.
O terceiro e último capítulo, intitulado O desenvolvimento da agricultura na CAND: o
sonho tornou-se realidade, analisa a economia agrícola na CAND, abordando a prática
agrícola em seus mais variados aspectos, desde o plantio até a colheita. Nesse processo são
apresentados ainda a dinâmica dos colonos, bem como sua relação com os escassos recursos
dos quais dispunham; a posição da administração com relação à sua atividade; os principais
produtos cultivados os auxílios oferecidos, estímulos existentes e condições de
desenvolvimento, técnicas de produção. Além das questões que envolvem as dificuldades
iniciais dos colonos, abordamos também a destinação desta produção, analisando tanto o
consumo como a comercialização. Nesse aspecto são focados os baixos preços, a falta de
armazéns, as dificuldades de venda devido às más condições de escoamento, a circulação dos
produtos, bem como seus principais mercados. Assim buscamos abordar as questões
específicas relacionadas à venda dos produtos dos colonos, mostrando que sua economia,
apesar de todas as limitações de ordem estrutural, ao contrário do que é constantemente
mostrado, foi mais que uma simples economia de subsistência.
A agricultura para os colonos da CAND era o grande sonho a ser realizado era a
atividade que lhes garantiria a fixação no seu tão sonhado pedaço de terra e a melhora no seu
modo de vida. Se para o governo federal o desenvolvimento agrícola da pequena propriedade
refletiria, dentre outras coisas, o abastecimento do mercado interno, correspondendo assim à
política de substituição de importações; para os colonos a agricultura significava, de fato, uma
vida mais digna, dignidade esta garantida pelo trabalho. Seu desenvolvimento garantiria a
estes colonos a condição de trabalhadores-proprietários, cultivando a sua própria terra,
garantindo a sua subsistência e vendendo o excedente de sua produção. Os colonos da CAND
eram pessoas pobres, que almejavam apenas uma oportunidade de trabalho; não conheciam o
conforto, por isso se adaptavam rapidamente às técnicas rústicas, para eles, a melhora nos
modos de vida significava a fartura garantida pelo trabalho agrícola na pequena propriedade.
16
CAPÍTULO 1
18
estudo, pois neste caso, os conflitos e disputas de outrora permaneceram nesse contexto com
os novos sujeitos que se uniram a eles. Um exemplo claro dessa situação pode ser visto na
disputa pela terra, apesar de no SMT esta só possuir valor num sentido capitalista, a partir do
século XX - com a grande especulação dada a partir das colonizações particulares -, desde há
muito ela já era alvo de disputas e conflitos territoriais. Situação que ocorria desde a primeira
metade do século XIX, quando a região passa a abrigar novos povoadores, que se inserem
num movimento de conquista e expropriação de comunidades indígenas (cf. QUEIROZ, 2008
p. 21).
Além destes problemas típicos das fronteiras, na esfera econômica esta região se
encontrava numa condição não muito vantajosa em relação ao mercado nacional, isto é, o
extremo sul possuía uma economia com fracos vínculos com o mercado nacional e em
contraposição fortemente ligada ao mercado platino, por meio da economia ervateira. È
sabido que durante o século XVIII a região possuía uma fraca integração com o resto da
América Portuguesa. Queiroz assinala que com a descoberta do ouro em Cuiabá – a partir de
1719 - essa região ficou na condição de “área de passagem” entre São Paulo e as regiões
auríferas (QUEIROZ, 2008, p. 17). Somente no século XIX a região passa a ter algum vínculo
com o Sudeste por meio da pecuária bovina, uma vez que esse era o mercado consumidor do
gado sul-mato-grossense. Segundo Queiroz, “o processo de ocupação [...], centrado na
pecuária bovina, pôde representar para o SMT o início de uma efetiva inserção nos circuitos
econômicos nacionais” (id., p. 22). Tal vinculação propiciada pela pecuária era ainda muito
débil, a ligação com o Sudeste se dava através das estradas boiadeiras e dos caminhos fluviais,
“estes permitiriam que se mantivesse a economia mercantil em plena atividade” (BERTRAN,
1998, p. 63).
Por outro lado o SMT estava fortemente ligado ao mercado platino, a economia
ervateira citada acima foi um grande empreendimento que perpassou a história política,
econômica e cultural da CAND e de todo o SMT. O que justifica, portanto, a sua menção, não
só devido ao destaque e controvérsias que tem na historiografia regional, mas, sobretudo, por
sua relação com o tema em estudo, uma vez que o mundo das frentes pioneiras no qual se
inseriu a CAND e suas famílias de migrantes conviveram por algum tempo neste mesmo
espaço, tendo em vista que a colônia foi implantada em região ervateira.
A economia ervateira, por meio da Cia. Mate formou um complexo universo
socioeconômico que manteve ligado o SMT predominantemente ao mercado platino, o que
por sua vez não compatibilizava com os projetos nacionalistas do governo federal. Porém,
19
embora a Cia Mate Laranjeira detivesse a preponderância na extração dos ervais, “a realidade
socioeconômica dessa região foi extremamente complexa, e não pode, de modo algum, ser
reduzida à presença, ainda que predominante, da referida empresa” (QUEIROZ, 2008 p. 43).
Queiroz assinala ainda a significativa presença de outros exploradores do produto, tratava-se
dos produtores independentes, qualificados pela Cia Mate como os “ladrões de erva” (idem).
A Cia Mate foi uma das maiores arrendatárias de terras do Brasil, no período da
República Velha. O ciclo da erva-mate teve início oficialmente em Mato Grosso com o
decreto nº 8.799 de 9 de Dezembro de 1882, por meio do qual, o governo imperial legalizava
a concessão de exploração da erva-mate em terras devolutas da província de Mato Grosso à
Thomaz Laranjeira. Depois de algumas associações dos donos originais a outros ricos e
influentes políticos, surgiu a Cia Mate Laranjeira (cf.: PONCIANO, 2006 p. 30).
Além de não contribuir com a inserção da região no mercado nacional, outro fator
preocupante ao governo federal era o fato de esta empresa atuante no SMT ter sua mão de
obra em sua maioria composta por paraguaios, o que acarretava um grande número de
estrangeiros fixados na região, como já falado anteriormente. Soma-se aos fatores
supracitados a extensa área de terra que a Cia. Mate possuía em seu poder, o que não
contribuía para a unidade política do país, fazendo com que a empresa se tornasse uma
preocupação e até mesmo um empecilho para a implantação dos projetos estadonovistas no
SMT. Sendo assim, antes mesmo da concretização da CAND já havia tido a tentativa de
incluir trabalhadores nacionais na economia ervateira, o que se deu por meio da lei de
nacionalização:
20
civilização. O que representam, para o estado de Mato Grosso e para o Brasil, as bem-fazejas
iniciativas da Companhia Mate Laranjeira” (o Diário Carioca apud OLIVEIRA, 1999 p. 95).
Já sob a ótica do Estado Novo, se apresentava como um grande empecilho para seu projeto,
como afirma Lenharo: “além de impedir a entrada de posseiros em seus domínios, a Cia.
Mate-Laranjeira atuava como tampão para a subida de migrantes oriundos do sul do país”
(1986, p. 64).
Este tema ainda é pouco estudado na historiografia regional e isso leva a muitos
equívocos e ao mesmo tempo muitas incógnitas; o fato de limitar a economia ervateira à
citada Cia é consequência desta falta de maiores estudos. O sistema de trabalho empregado
pela empresa, sistema análogo à escravidão, os trabalhadores que nela eram empregados, as
relações sociais e de submissão, as quais estavam inseridos, são enfoques que ainda esperam
pesquisas mais aprofundadas. È um universo muito próprio, específico e complexo e que
considerando o espaço de fronteira em que se desenvolveu, se encaixa nas características de
violência e conflito que fala Martins.
A almejada nacionalização se deu efetivamente com a implantação da CAND
mediante a migração em massa de agricultores pobres para o SMT. Todavia é bom lembrar
que a criação dessa colônia inserida na colonização dirigida é resultado de um lento processo
que já vinha ocorrendo no país. A preocupação em se resolver questões referentes à terra em
um país de imensa extensão territorial como é o caso do Brasil, já vinha desde os tempos do
Império, quando foi criada a Lei de Terras em 1850, para solucionar alguns problemas
pertinentes neste sentido. Os anos iniciais da republica também refletem a confusão instaurada
em matéria de terras, com o título de “República dos fazendeiros”, pois o Brasil era um
imenso latifúndio, o que prejudicava seu desenvolvimento industrial.
A pesquisadora Naglis, questionou a localização da CAND, pois segundo a autora: “a
própria criação de uma Colônia Agrícola Nacional em terras sul-mato-grossenses é instigante,
visto que o território brasileiro é grande e outras regiões poderiam ter sido escolhidas” (cf.:
2007 p. 34). Considerando a extensão do território nacional de fato, a questão é instigante,
mas se considerarmos a trajetória histórica do SMT, como já exposto acima, encontramos
vários fatores que justificam a instalação da colônia nessa região. Assim, deduzimos que as já
citadas preocupações decorrentes da realidade da fronteira com o Paraguai e a tentativa de
nacionalizá-la, somadas a fatores de ordem ecológica, favoráveis ao desenvolvimento
21
agrícola, tais como a fertilidade dos solos, o clima, o relevo, podem ter sido relevantes na
decisão de escolha da instalação da CAND na região do SMT.
De acordo com Amaral, de fato houve uma divergência de opiniões no tocante ao local
de instalação. Segundo a autora o interventor federal do estado de Mato Grosso Júlio Muller
desejava que a futura colônia agrícola fosse implantada no norte do estado, por fim a região
foi escolhida por técnicos do Ministério da Agricultura, que dentre outros consideraram os
seguintes aspectos:
“Sonhavam com uma terra dadivosa, uma espécie de Canaã [...] E nesse torrão
abençoado, se instalaram milhares de brasileiros” (LIMA, 1982 p. 11). No trecho acima Lima
- memorialista da atual região de Glória de Dourados - se refere aos milhares de migrantes e
muitos imigrantes que em meados do século passado aportaram no SMT. Estes migrantes por
sua vez vinham concretizar o Decreto-Lei nº 5.941 de 28 de outubro de 1943, assinado pelo
presidente da República Getúlio Dornelles Vargas, o qual trazia em seu artigo 1º:
2
Decreto-Lei nº 5.941 de 28 de outubro de 1943, disponível em:
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=5888&tipoDocumento=DEL&tipoTexto=PU
B
22
A criação da CAND no SMT mudou os rumos da história desta região, como vimos na
transcrição acima, a sua implantação se deu em um território federal, trata-se do Território
Federal de Ponta Porã, criado em 1943, com objetivos estratégicos de consolidar a política
estadonovista no SMT (OLIVEIRA, 1999 p. 217). Com a sua extinção a área que seria
destinada à CAND voltou a pertencer ao Estado de Mato Grosso. Sendo assim, por meio da
Lei estadual nº 87 de 20 de julho de 1948 ficou especificado a localização da CAND no
interior do município de Dourados, bem como seus limites. Entretanto a área de 300.000 ha
citada no decreto sofreu alterações sendo reduzida para 267.000 ha, o que se deve, ao menos
em parte, a direitos adquiridos por terceiros, mediante títulos de domínio expedidos pelo
governo do Estado, uma vez que a mesma lei acima citada garantia o respeito a estes na área a
ser demarcada para a CAND (cf. PONCIANO, 2006 p. 82 – 83, NAGLIS, 2007). Assim se
fixou a demarcação em 267.000 ha.
A Colônia Agrícola Nacional de Dourados, ou colônia federal, no dizer dos ex-
colonos, foi um grande empreendimento estatal para a fronteira do SMT. Foi criada no âmbito
da política estadonovista fazendo parte, portanto, da Campanha da Marcha para Oeste - um
conjunto de ações lançadas pelo Estado Novo, no sentido de alcançar objetivos gerais como o
impulso ao desenvolvimento do capital interno. Para compreender o processo de implantação
e desenvolvimento desta colônia, é necessário, pois recorrermos ao contexto político e
socioeconômico do Brasil na primeira metade do século XX.
Com o lançamento da Marcha para Oeste, o governo visava inverter o processo
econômico brasileiro que até 1930 estava voltado predominantemente para o mercado
externo. As metas do governo nesse momento contemplavam a chamada política de
substituição de importações (cf.: PONCIANO, 2006 p. 71; ESTERCI, 1972, p. 21) que
visava, por meio do desenvolvimento das colônias agrícolas, acelerar o processo do
capitalismo e produzir internamente o que antes se importava. Porém a lógica desse processo
não é tão simples como parece. O processo histórico não é mecânico, portanto, uma série de
fatores influiu nesse contexto. As ações desta política refletem processos de longa data, cite-se
a crise político-sócio-econômica pela qual o Brasil passava na década de 1920, já apontada
por Oliveira (cf.: 1999 p. 37). Em um contexto mais amplo, sabe-se que o Estado Novo
brasileiro espelhava-se no nazi fascismo europeu, o que explica o caráter nacionalista e
ditatorial desse momento.
Dentre os objetivos da política estadonovista, estava o atendimento da demanda
interna por gêneros alimentícios e matérias primas industriais, a expansão da fronteira
23
agrícola e a criação de colônias produtoras daqueles gêneros. Em contrapartida para o alcance
destes, na visão do governo da época alguns fatores-problema precisavam ser vencidos,
priorizou-se então a nacionalização das fronteiras e o povoamento dos espaços considerados
“vazios”. Essa política por sua vez se dava em virtude de ser o Brasil um país com uma
grande extensão territorial com condensações populacionais em algumas áreas contrastando
com regiões pouco povoadas, o que por sua vez acarretava alguns problemas de ordem
interna, que causavam grandes preocupações ao governo federal. Foweraker falando sobre o
processo de ocupação de novas terras, afirma que “o período desse processo corresponde à
fase das mais altas taxas de industrialização e urbanização no Brasil, e começa no momento
em que a economia brasileira, pela primeira vez em sua história, experimenta um grande
excedente de mão de obra” (FOWERAKER, 1986 p. 31).
Nesse contexto, a Marcha para Oeste buscava atender, sobretudo o setor rural, o
desenvolvimento do campo para que em conjunto com as medidas urbanas alcançasse o
desenvolvimento industrial tão almejado para o Brasil. Nesse momento segundo Ponciano, “a
intelectualidade que se aproxima do poder realiza uma produção nacionalista, intentando
tornar-se legítima representante da cultura do país” (2006, p. 27). Sendo assim, também a
Marcha possui muitas variantes resultantes desse nacionalismo. Os autores que abordam o
tema são unânimes em enfatizar o caráter autoritário e a necessidade do controle da sociedade
imposta pelo governo. Esta também foi estendida ao migrante que contracenava na Marcha
para Oeste.
Para a adesão dos brasileiros, o governo estadonovista revestiu-se de um discurso de
cunho ideológico que foi usado como estratégia para trabalhar o imaginário nacional a favor
deste projeto. Para tanto buscou respaldo no lema bandeirante, fazendo analogias ao
bandeirantismo que até aquele momento era visto por um único ângulo, com uma visão
heroica daqueles que trabalharam em favor da conquista e desenvolvimento do território
nacional. Para induzir a adesão dos trabalhadores ao interior a ocupar os espaços com pouca
densidade demográfica, foi lhes dado também esse caráter de desbravadores heróis, aqueles
que coletivamente trabalhariam pela construção da nova nação, e ao mesmo tempo receberiam
seu pedaço de terra própria tornando-se pequenos proprietários.
Para compreender esse caráter simbólico e ideológico adotado pelo governo, é preciso
considerar alguns contextos particulares. Na época, um dos meios de divulgação mais
acessíveis a todas as camadas sociais era o rádio, seria necessário então uma intensa
campanha de divulgação da colonização, não só pelos meios de comunicação oficiais, mas de
24
uma forma que de boca em boca em todos os lugares do país nela se falassem. Em segundo
lugar, além da divulgação da colonização oficial, seria preciso apelar para mecanismos que
incentivassem a adesão ao projeto, pois sobre estas regiões - alvos dos projetos estadonovistas
- foram construídas imagens estereotipadas pelo estigma do sertão e terra do banditismo.
Reconhece-se que eram regiões com população rarefeita, em sua maioria coberta por matas e
que, portanto, tentar a vida nestes locais, para quem vinha de muito longe com sua família
trazendo só sua força de trabalho, de fato não seria um trabalho fácil. O que, portanto,
justifica do ponto de vista estadonovista, a ampla campanha agregada aos apelos ideológicos
aos cidadãos pobres de todo o país.
Conforme Lenharo, deslocando parte da população pobre para o interior do país, se
alcançaria alguns dos objetivos do projeto, como era o caso do desenvolvimento de uma
economia agrícola diversificada, ao mesmo tempo em se teria a “quebra” da ordem
latifundiária vigente até então na região, incompatível com a pequena propriedade conforme,
assinala:
Portanto, o governo visualizava os efeitos de sua política, mas para isto era preciso
antes a mobilização dos brasileiros pobres rumo ao interior, é nesse sentido, que a colonização
aparece como a principal em todas as políticas implantadas pelo Estado Novo. Na concepção
estadonovista toda a transformação almejada para o país teria sua gênese na colonização, pois
só por meio desta se poderia de fato melhor distribuir demograficamente a população no
território nacional. Este uma vez ocupado possibilitaria a exploração de seu potencial no
sentido de contribuir para a produção e desenvolvimento interno. Dessa forma o discurso
oficial teve duas etapas: por um lado fazia-se apologia à construção de uma nova nação - isto
ocorreria por meio do despertar do sentimento patriótico. Esta nova nação se efetivaria através
da conquista do Oeste pela força do trabalhador brasileiro na condição de colono. Por outro
lado, o discurso faria menção às fartas e férteis terras que seriam doadas gratuitamente aos
desafortunados cidadãos que quisessem se tornar pequenos proprietários.
A CAND pertencia à Divisão de Terras e Colonização - órgão do Ministério da
agricultura criado em 1938, passando posteriormente ao INIC - Instituto Nacional de
25
Imigração e Colonização, órgão criado em 1954 e cuja função era traçar e executar direta e
indiretamente o programa nacional de Colonização (cf. NAGLIS, 2007, p. 30;
VASCONCELOS, 1986, p. 10). Nesse contexto, o Estado Novo esteve bastante empenhado
em mudar a estrutura fundiária do país com a criação desta espécie de reforma agrária,
“cercando” o latifúndio.
A implantação desta colônia proporcionou uma efervescência, trazendo de várias
regiões do país milhares de migrantes, impulsionando assim o desenvolvimento demográfico,
econômico e cultural desta região. Na época o jornal O Progresso era um dos principais
divulgadores dos acontecimentos de Dourados e em 1951 trazia como manchete de sua
primeira edição: “Vertiginosa! A marcha de Dourados para o Progresso” (O Progresso 21
abril 1951), seguida de texto no qual se observa como o rápido desenvolvimento demográfico
da região surpreendia e gerava expectativas de um promissor desenvolvimento econômico.
Os 267.000 ha que constituíam a colônia federal ficaram divididos em duas zonas,
separadas pelo rio Dourados, a primeira localizada à esquerda do rio com 68.000 ha e a
segunda à direita daquele com uma área de 199.000 ha. A referida colônia englobava o
território dos atuais municípios de Dourados, Fátima do Sul, Vicentina, Glória de Dourados,
Jateí, Deodápolis e Douradina (PONCIANO, 2006 NAGLIS, 2008).
26
FONTE: elaboração de Bruno moreno
Dentre estas cidades Fátima do Sul foi a primeira a surgir a partir do núcleo
colonizador. A CAND foi uma dentre as seis colônias implantadas no território nacional neste
período. Embora sua criação esteja inserida no âmbito da política de colonização
estadonovista a história desta colônia perpassa um trajeto que extrapola esse governo, sendo
implantada efetivamente durante o governo Dutra, observação já assinalada por Naglis (cf.:
2007, p. 31), mas que frequentemente tem passado despercebida aos olhares de vários
pesquisadores. Fato que por sua vez, se explica pelas propriedades da memória coletiva e
individual. Esta por sua vez, na condição de matéria prima do historiador, é seletiva e falha,
sendo preciso, muita cautela ao trabalhá-la, cabendo ao pesquisador, como afirma Lê Goff
“corrigir as falhas da memória” (cf. LE GOFF, 2003). Na verdade o que é preciso frisar é que
não se deve vincular a existência da colônia ao Estado Novo (que terminou logo em 1945) e
nem ao governo Dutra, que apenas respondeu à pressão dos migrantes acampados às portas da
Colônia.
Com relação à figura de Getúlio Vargas, na memória popular a Colônia é visualizada
como sua grande obra, sendo este presidente aclamado pelos atores deste projeto. As
características populistas deste governo e o contexto de nacionalismo possibilitaram para que
Vargas se tornasse um ídolo na memória popular, afinal, a implantação da CAND, embora
inserida também no governo Dutra, por coincidência acaba se consolidando no início da
década de 1950, durante o segundo governo de Vargas, quando este retorna ao cenário
político nacional eleito por meios democráticos, dando novos impulsos aos trabalhos da
Colônia; há então novamente o empenho estatal para concretizar os projetos iniciados outrora.
Cabe frisar que a morosidade no incentivo aos trabalhos durante o governo Dutra se
deve a vários fatores, dentre eles a própria mudança no cenário político brasileiro, o fim da
Segunda Guerra o fim do Estado Novo etc. Quando Vargas é eleito em 1950, a situação
política já se encontra mais estabilizada. Este acaso da história, ou seja, a volta de Vargas e o
prosseguimento nos trabalhos com a CAND reforçou na memória popular a relação entre esse
governo e o desenvolvimento da colônia. O culto personalista à imagem de Getúlio pode ser
verificado, principalmente nas entrevistas e nos registros memorialistas:
O Getúlio Vargas foi uma pessoa muito boa Getúlio Vargas, pra mim naqueles
tempos o Getúlio Vargas foi o pai da nação, quando Getúlio Vargas morreu, de lá
pra cá, aí foi só assim levando abaixo [...] porque, como eu falei pra você, aqui foi
27
doado por Getúlio Vargas, porque foi o sangue do brasileiro que foi derramado não
é certo? (depoimento de Belmiro de Oliveira, coletado por Ponciano em 1999).
Para D. Diva “o Getúlio Vargas era bom, do meu tempo para cá não existiu um
governo melhor do que o Getúlio Vargas, e o meu pai também, que era velho, disse que era o
melhor governo do Brasil, igual o Getúlio Vargas não entra não” (depoimento de Diva Soares,
coletado por Ponciano em 1999). Mesmo entre a sociedade em geral, encontramos aqueles
que enaltecem a figura de Vargas como o “criador” da CAND, como ilustra a fala de Harrison
de Figueiredo, advogado em Dourados na década de 1950, o qual segundo Oliveira teria
afirmado: “Dourados é o que é graças ao Getúlio que criou a Colônia Agrícola Nacional de
Dourados proporcionando o progresso para a região” (apud OLIVEIRA, 1999, p. 205). Pode-
se considerar que, especialmente entre os colonos da CAND a pessoa de Vargas se tornou um
verdadeiro mito. Estas falas denotam a forte ligação, na memória individual não só dos
colonos, mas da sociedade douradense como um todo, do empreendimento no qual se inseriu
a criação da CAND, não só com o governo getulista, mas com o próprio Vargas
individualmente.
Sendo assim, a CAND foi criada em 1943 e começou a receber migrantes de forma
mais intensa a partir de 1948 (cf. SANTOS, 2007 p. 21), consolidando-se a migração na
década de 1950. As terras onde foi implantada a CAND possuíam imensa capacidade
produtiva, a qual era divulgada em todo o Brasil atraindo cada vez mais migrantes, os quais
cultivaram muitos gêneros agrícolas, que por sua vez foram destinados tanto à subsistência
(como também muitos puderam ser comercializados) e outros podiam ser classificados como
de agricultura comercial.
Embora a criação da CAND tenha sua história particular com toda sua diversidade
histórica e historicidade próprias, criadas a partir das experiências sociais construídas neste
espaço, é preciso abordar a gênese desta colônia sobre um contexto maior. Esterci defende
que na história do Brasil o tema migração-colonização sempre foi discutido mais ou menos
intensamente, aparecendo como o aspecto mais relevante, ora o econômico, ora político ou o
social, dependendo do momento histórico. Mas ressalva que a questão sempre foi e é
resultante de fatores múltiplos e o fator econômico sempre foi o determinante da orientação
espacial das correntes migratórias internas (cf.: ESTERCI, 1972, p. 34).
28
Assim embora a CAND estivesse inserida nos projetos do Estado Novo, que tinham
um caráter essencialmente político, sua criação também é resultado de fenômenos econômicos
– os quais somaram fatores extremamente importantes que possibilitaram este contexto.
Como se sabe o início do século 20 no Brasil foi marcado por uma grande intensificação da
urbanização e das atividades industriais, o que desencadeou processos ligados à expansão da
fronteira pioneira.
Dessa forma, além de estar inserida nos projetos do Estado Novo, a CAND ao lado de
outras colônias agrícolas criadas nesta época, fazia parte de um contexto maior, tratavam-se
das chamadas “frentes pioneiras” - fenômeno diretamente relacionado ao rápido
desenvolvimento industrial que então se verificava na região sudeste do Brasil, especialmente
na cidade de São Paulo. Queiroz nos oferece um panorama deste quadro:
Desse modo, como observa o geógrafo Leo Waibel, a grande demanda por gêneros
alimentícios e matérias-primas, estimulada pelo pólo industrial do sudeste, se fez
sentir sobre uma vasta área, correspondente a ‘um semicírculo de 500 até 1.000
quilômetros de raio’, em torno das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro
(QUEIROZ, 2008 p. 57)
Nesse contexto, foi a partir da CAND que a região também passou a ser alvo de
desenfreada especulação de terras. Segundo Lenharo as terras da própria colônia, que
funcionava como um imã econômico foram bastante cobiçadas e se tornaram objeto de
especulação (cf.:1986 p. 53). O projeto colonizador do Estado Novo foi acompanhado de
diversos empreendimentos de colonização particulares, onde as companhias atuavam
comprando grandes glebas de terras para vendê-la em pequenos lotes aos migrantes que
dispunham de algum recurso financeiro e que não estavam dispostos a enfrentar o processo, às
vezes moroso, da demarcação oficial. Ainda nesse processo de especulação, outro agravante
que interferiu na política oficial foi a colonização estadual, que se tornou um jogo, de acordo
com o momento e com os governadores que estavam no poder, os quais por sua vez,
apoiavam e beneficiavam tais companhias, como nos confirma Naglis: “A iniciativa estadual
de colonizar baseada em políticas e legislação específicas foram uma constante na década de
50, mesmo regida por governadores diferentes”(2007, p. 32).
Sobre o assunto Vasconcelos destaca o governo de Fernando Corrêa da Costa (1951-
1955), “quando o Estado colocou grande parte de seu território à disposição de empresas
colonizadoras, a fim de que estas, mediante um Contrato de Colonização, organizassem
núcleos coloniais e efetuassem a venda de lotes aos interessados” (1986, p. 18). Nesse jogo de
30
interesses que caracterizou a colonização das terras do SMT, Costa considerou que “o
objetivo do governo federal estava mais voltado para a manutenção da segurança nacional, da
redução de tensões sociais e em garantir produção para o mercado consumidor. Enquanto que
o governo estadual, entre outros objetivos, desejava a ampliação de suas receitas” (cf.: 1998,
p. 40).
Mas o que nos interessa nesse contexto, é deixar claro que foi por meio da política
do Estado Novo que a região do SMT “sofre uma nova e poderosa corrente povoadora”,
passando a comportar-se como uma frente pioneira (GRESSLER, SWENSSON, 1988 p. 31).
Além do impulso demográfico, a região saltou como um atrativo aos olhos de magnatas
capitalistas. Sobre o progresso do SMT na década de 1950, registra-se no jornal O Progresso:
De uma terra inexpressiva e esquecida, passa Dourados a ser uma das regiões mais
famosas da pátria. Gente de toda parte se instala no município para explorar suas
magnificas matas, mais de 2.400 pessoas chegadas depois do recenseamento.
Grandes vendas de terra, cinema, luz elétrica, linha de aviões diários, loteamento em
massa, mais e mais casas de comércio, valorização de grandes serrarias; um
instantâneo poliformico de uma esplendida realidade (O Progresso, 21, abr. 1951).
Uma vez fixados na CAND os agricultores estavam mais preocupados com seu
trabalho do que no desenvolvimento industrial do país, ou seja, objetivavam desenvolver a
agricultura comercial, mas estavam mais preocupados com sua subsistência. Sobre estas
questões será falado no terceiro capítulo. A forma de viver dos colonos se aproximava do que
Martins chama de “economia do excedente”, ou seja, onde “os participantes dedicam-se
principalmente à própria subsistência, e secundariamente à troca do produto que pode ser
obtido com os fatores que excedem às suas necessidades” (MARTINS, 1975 p. 45), estas
características por sua vez denotam o modo de vida da chamada frente de expansão. No
32
entanto, diversos fatores devem ser considerados para justificar o fato de a economia da
CAND frequentemente ser caracterizada como de subsistência, o que não quer dizer que os
colonos não almejassem também o mercado.
Portanto a mentalidade do colono, não condizia com aquela construída pelos
idealizadores do Estado Novo, o de criar uma nova nação; eles esperavam muito mais, tinham
a esperança de se tornarem trabalhador-proprietário, buscavam uma oportunidade de uma vida
tranqüila, ou seja, onde pudessem assegurar o fruto de seu trabalho. A posse do lote de terras
representava o início, a base de uma nova vida. Sobre o imaginário dos colonos, relata um
memorialista da região:
Sonhavam com uma terra dadivosa, uma espécie de Canaã, ‘onde correria leite e
mel’ [...], naquele tempo circulava por todo o país a notícia de que aqui se receberia
terras gratuitas, com casas já feitas, estradas, assistência médica, educacional,
técnica e até financeira, como alguns animais para poderem iniciar a vida em seus
lares (LIMA, 1982, p. 11).
A espécie de Canaã citada por Lima denotava a fartura simples do homem do campo,
com a qual sonhavam. A fala da ex-colona Dulce, reforça esta hipótese:
Viemo atrás de melhora, viemo do norte [Nordeste] para São Paulo, de São Paulo
viemo para cá, aqui meu pai adquiriu um lote no Barrerinho, aquele tempo, tudo era
mata virgem aqui, para lá tinha uma quarta de terra derrubada [...] Lá meu pai
trabalhava com lavoura, ele plantava arroz, feijão, plantava um bananal e vendia
uma carrada de banana, tinha cana, tinha porco, tinha galinha, muito porco, tinha
fartura que só vendo (Depoimento de Dulce Fernandes de Oliveira, coletado por
Nilton Ponciano, em 1999)
Caracteriza-se pelo uso privado das terras devolutas, em que estas não assumem a
equivalência de mercadoria. O excedente é, assim, o artigo que adquire valor de
troca porque há condições econômicas para sua comercialização e não porque tenha
entrado nas relações de troca como resultado da divisão do trabalho. Na frente de
expansão, as condições de vida são reguladas pelo grau de fartura e não pelo grau de
riqueza (1975, p. 46).
34
(SOMECO), empreendida em terras onde se situam os atuais municípios de Ivinhema e Glória
de Dourados (SANTOS, 2007 p. 21)
Dessa forma, realizou-se a primeira etapa do projeto - a ocupação - para a
concretização dos objetivos do Estado Novo na região - a nacionalização e segurança das
fronteiras. A inserção na economia de mercado ocorreria como conseqüência dessa ocupação,
que possibilitaria o desenvolvimento da Colônia agrícola, a qual por meio de sua produção
corresponderia à política de substituição de importações.
Estes futuros colonos também se tornaram pioneiros de grande parte da região da
CAND, pois na segunda zona, fundaram povoados e mais tarde pequenas cidades. Estes
pioneiros de modo geral, são vistos pelos memorialistas da região, como os grandes heróis da
colonização, como expressa a fala de Lima acima.
35
migrante ao contrário, veio de longe trazendo consigo o desejo de encontrar uma forma de
garantir sua subsistência, não podia apenas contemplar este cenário, era preciso rapidamente
transformá-lo em prol de sua subsistência. Segundo Gonçalves, “o homem é a natureza que
toma consciência de si própria e esta é uma descoberta verdadeiramente revolucionária numa
sociedade que disso se esqueceu ao se colocar o projeto de dominação da natureza” (cf.: 2010,
p. 9). Sobre os pioneiros das novas áreas colonizadas, Pebayle e Koechlin, considera:
“homens por demais apressados, ao qual a economia do mundo pioneiro impôs uma técnica
agrícola devastadora” (1981, p. 10). Nesse contexto a transformação da vegetação foi uma das
mais visíveis características da CAND.
Embora os migrantes não estivessem sozinhos neste espaço, as transformações mais
intensas, como a derrubada da vegetação se deu com a presença deste na condição de colono
ou pequeno produtor. No processo de implantação da CAND outros sujeitos sociais
emergiram inseridos nas atividades dos colonos. Como já falado acima, sobre a
heterogeneidade da fronteira, cabe aqui mencionar que além dos paraguaios e dos
latifundiários residentes no SMT, havia a presença dos indígenas, sobre cujo território
avançou a frente pioneira. Dessa forma, sendo implantada em terras indígenas, a colonização
empreendida pela política da Marcha não considerou a cultura local e nem os povos existentes
nestes espaços. Em meio à documentação administrativa aparecem constantemente os
indígenas, o que reforça sua participação neste processo, embora não fosse permitida a
concessão de lotes a indígenas, a presença destes era inevitável, conforme registrado em
documento da CAND endereçado ao inspetor do SPI em 1950:
1- Procedi a verificação dos lotes, que estão sendo ocupados por índios caiuás, na
região do Panambi, chegando à conclusão de que não há qualquer concessão de lote
feita à índios nesta colônia, o que aliás se compreende, em virtude de não ser
permitido pelo regulamento. 2 – Quando do loteamento na região entre o Panambi e
o Laranja Doce, alguns índios dispersos da tribo ficaram situados em lotes
demarcados.3
3
Ofício nº 265 de 03/08/1950 de Tácito Pace ao diretor do SPI – I.R.5. Arquivo Público Estadual - MS Acervo:
CAND
36
no ‘baixo Panamby’, mas estes não aceitam por ser uma área de campo, pobre em caça.
Acrescenta que a área é alagadiça e há muitos anos está concedida pelo estado a título
definitivo” (cf. VIETTA, 2007 p. 176 e 177).
Tal situação gerou diversas negociações entre o SPI (Serviço de Proteção ao Índio) e a
CAND para tentar resolver o problema dos indígenas e dos colonos. Todavia, se por um lado
os índios tiveram suas terras invadidas, o que, aliás, é inquestionável, por outro, este jogo de
poder teve consequências históricas também para estes últimos (colonos) que ganharam seus
lotes no Panamby. Os colonos desta região, posteriormente foram transferidos da mesma em
benefício dos indígenas. Seu Zé Baiano foi um dos vários colonos que viveram este drama, ao
ser transferido na década de 1990 do Panamby para a Terra do Boi, no município de Juti. Em
entrevista publicada em um livro memorialista da região de Dourados, comenta:
Retirar os colonos da terra não resolveu o problema dos índios com a colônia do
Panambizinho, como eles a chamam, continuam morando em casa de pau a pique
como foi no início, a diferença hoje do Panamby é muito grande onde se produziu
muitos alimentos, hoje só cresce mato, muito mato. Até entendo que precisem de
terra, mas esta não foi a forma mais acertada pelo FHC nem os índios estão
contente com a posse da terra, pois vivem muito mal. Fomos colocados na Terra do
Boi no município de Juti, a terra é até boa, mas não produz como a que tínhamos [...]
Todo o trabalho que tive para desenvolver essa região escolhida para viver foi em
vão. Foi a maior decepção da minha vida e hoje convivo com a dor de ver
abandonado o meu pedaço do paraíso aqui na terra que foi um dia o Panambi
(depoimento de seu Zé Baiano apud ARAUJO, DANTAS 2009 p. 21).
Dessa forma, nesse processo complexo percebe-se que todos, índios e colonos, foram
vítimas de um processo de expropriação, criados pelos governos, uma vez que os migrantes
que vieram atraídos pela oferta da terra gratuita, não imaginavam que estariam ocupando
terras indígenas. Embora não nos caiba, no momento, analisar tais problemas jurídicos, eles
nos permitiram visualizar a constante presença de indígenas, entremeando no espaço outrora
seu, juntamente com os novos moradores - os colonos. Permite-nos compreender que estes
sujeitos sociais também estiveram envolvidos diretamente nas atividades da colônia,
trabalhando nas derrubadas da mata, na limpeza dos lotes e no início do plantio, sendo seu
pagamento, muitas vezes, representado pelos mais diversos produtos, como ocorre nas
relações não capitalistas das regiões fronteiriças, como relata ainda Zé Baiano: “meus
vizinhos eram índios e trabalhavam comigo; nessa época eu pagava eles com comida e fumo”
(idem).
Mais uma vez percebemos que a chegada do migrante a este espaço fronteiriço,
poderia amenizar as preocupações do governo no tocante à situação da fronteira e ao
37
desenvolvimento interno, mas por outro lado, criava situações conflituosas e complexas
envolvendo os colonos de um lado e moradores locais de outro.
Os milhares de migrantes que fizeram parte da CAND possuíam um perfil e uma
trajetória histórica que merece ser registrada para que possamos compreender sua fixação e
trabalho em terra sul-mato-grossense. Como se sabe, a Marcha para Oeste atraiu migrantes de
todas as partes do país, mas na CAND predominaram os nordestinos: “os ‘sem terra’ vindos
do Nordeste foram os mais numerosos a procurar refúgio nesta região isolada do Sul de Mato
Grosso” (PEBAYLE, KOECHLIN, 1981, p. 11), o que se explica por uma série de fatores. È
importante frisar que os autores citados falam em isolamento a partir de uma visão muito
particular, pois a região era relativamente, mas não totalmente isolada.
Voltando aos migrantes, os nordestinos que na CAND chegaram possuíam uma
história de migração anterior. Muitos deles antes de chegarem a esta colônia já estavam
fixados em outros estados, como São Paulo, trabalhando em fazendas do interior ou atraídos
pela industrialização das cidades, como diz Andrade: “expulsos de sua terra de origem pela
seca ou pela cerca” (2004, p. 29). Todavia esse processo que envolve a saída de nordestinos
de sua região é um pouco mais complexo do que aparenta a primeira vista, não podemos
generalizá-lo e limitar o fato apenas à seca ou outros problemas sociais, como
costumeiramente se faz. Marina Santos, em sua pesquisa sobre a vivência dos nordestinos em
Dourados, diz que são diversos os fatores que motivaram os nordestinos a saírem do
Nordeste. Muitos deles destacam de fato a seca e as privações materiais pelas quais passavam,
mas não se pode generalizar, pois há nordestinos que não habitavam em lugares secos e áridos
e, contudo deixaram o Nordeste (cf.: SANTOS, 2003, p. 52). Dessa forma Santos concluiu
que “os motivos variavam, desde as necessidades básicas, como a falta de alimentação em
seus Estados de origem até o sonho de ter a sua própria propriedade, pode-se inferir que, no
final o que todos buscavam eram melhores condições de vida” (idem, p. 152). O depoimento
da ex-colona Dulce, reforça a ideia da busca por melhora de vida:
Viemo atrás de melhora, viemo do norte [Nordeste] para São Paulo, de São Paulo
viemo para cá, aqui meu pai adquiriu um lote no Barrerinho, aquele tempo, tudo era
mata virgem aqui, para lá tinha uma quarta de terra derrubada, aqui mesmo era mata,
aqui [cidade de Fátima do Sul hoje] não tinha terra derrubada, era mata. Então, tinha
outras pessoas mais primeiro que a gente, que já morava lá na cooperativa.
(depoimento de Dulce de Oliveira, coletado por Nilton Ponciano em 1999).
Por esse discurso, podemos deduzir que a política de colonização do governo Vargas
trazia em seu bojo o projeto de esvaziamento das cidades, na medida que pretendia
retirar do meio urbano trabalhadores desempregados, que superlotavam os grandes
centros, como por exemplo, as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro
(OLIVEIRA, 1999 p. 32)
A autora se baseia também em Lenharo, que por sua vez analisou um dos discursos de
Vargas, onde o mesmo fala da assistência ao trabalhador brasileiro da cidade e do campo. Em
um de seus discursos, Vargas fala sobre o assistencialismo de seu governo ao trabalhador
brasileiro, estendendo-o também ao “operário rural”, como ilustra a transcrição abaixo:
Os benefícios que conquistastes devem ser ampliados aos operários rurais, aos que,
insulados nos sertões, vivem distantes das vantagens da civilização. Mesmo porque
se não o fizermos, corremos o risco de assistir ao êxodo dos campos e
superpovoamento das cidades – desequilíbrio de consequências imprevisíveis, capaz
de enfraquecer ou anular os efeitos da campanha de valorização integral do homem
brasileiro, para dotá-lo de vigor econômico, saúde física e energia produtiva
(discurso de Vargas. O trabalhador brasileiro no Estado novo (1 de maio de 1941,
IN: A nova Política do Brasil, volume VIII, Rio e Janeiro, L. J. Olympio Ed. , 1941,
p. 261, apud LENHARO, p. 19)
Analisando este discurso, Lenharo comenta que a meta era ampliar ao campo as
conquistas urbanas; e explica que a argumentação de Vargas se arma entorno da “ameaça de
êxodo rural e superpovoamento urbano”. Para Lenharo a ideia de “desequilíbrio” colocada por
Vargas é muito bem posta, uma vez que em conformidade com o discurso, explica que de fato
“o êxodo rural em massa deterioraria o valor do trabalho urbano e ameaçaria os níveis de
consumo da população trabalhadora, fundamentais à produção industrial”. (cf.: LENHARO,
1986, p. 20). Não podemos negar que entre as preocupações do Estado Novo inseria-se de
fato a questão do êxodo rural e do superpovoamento dos grandes centros, a exemplo do que
ocorria em São Paulo, quando levas de migrantes nordestinos e outros iam em busca de
39
melhores oportunidades de vida, muitas vezes ficando sem trabalho e sem condições de
retorno. No entanto, ao que tudo indica esvaziar os grandes centros não estava entre os
principais objetivos da Marcha para Oeste. A questão estaria mais em evitar, isto é, prevenir
um possível futuro superpovoamento das grandes cidades. Até porque alguns dos discursos
citados pelos pesquisadores mencionados foram formulados na primeira metade da década de
1930 e não sabemos se ainda eram válidos para a época da criação da CAND, visto que neste
momento a indústria brasileira, em acelerado crescimento, absorvia grandes quantidades de
mão de obra.
Ainda nesse contexto, sabemos que o assistencialismo é sempre consequência do
processo histórico de lutas e necessidades e não prêmio dos governantes ou de quem
representa o poder. Sendo assim, sabemos que o sentido da Marcha para Oeste não estava
somente em compensar o trabalhador rural diante das ditas conquistas urbanas, e nem de
simplesmente deslocar para o campo a massa de desempregados da cidade, pois o projeto
propunha a migração, no sentido de incorporar novas regiões à economia de mercado. O fato
de nesta terem aderido grande parte de desempregados é apenas consequência do fato, uma
vez que neste contexto esta massa representava “um grande excedente de mão de obra na
economia brasileira” (FOWERAKER, 1982, p. 31). Por trás destes fatores estava a
necessidade, diante do quadro econômico nacional, de ampliar a renda do campo para que o
mercado interno pudesse absorver a produção da indústria brasileira e em contrapartida
fornecer as matérias primas necessárias a esta.
Enfim, o certo é que neste contexto o SMT sofreu um adensamento populacional de
milhares de migrantes atraídos pela CAND. Estes uma vez presentes na colônia tiveram que
se arranjar diante do atendimento deficitário da administração que não estava preparada para
receber tantas pessoas. Teoricamente, as colônias agrícolas estavam aptas a fornecer aos
colonos os incentivos iniciais e também uma infraestrutura mínima de uma colônia agrícola,
como indica Bertran:
Havia não somente o sentimento nacionalista implantado pelo Estado Novo como,
também, a preocupação dos órgãos competentes em montar um sistema de
colonização mais humano e mais planejado, com os aspectos de infraestrutura
econômica e social se fazendo notar através da implantação de centros comunitários,
estradas para escoamento fácil dos produtos e rápida titulação das terras
(BERTRAN, 1980, p. 92)
Todavia, na prática os trabalhos na CAND foram marcados pela morosidade por parte
da administração. O número de migrantes era preocupante aos dirigentes da colônia, uma vez
40
que esta não possuía as condições adequadas para recebê-los. Um telegrama de Lloyd
Ubatuba administrador da colônia em 1952, dirigido ao Ministro do Trabalho (na época João
Goulart), demonstra a situação preocupante, diante da vinda de migrantes:
Para vosso conhecimento transcrevo telegrama hoje expedido diretor DTC VG Dr.
Renato Gonçalves Martins PT levo vosso conhecimento que agricultores
procedentes diversas partes do país invadem colônia em busca de terras para serem
cultivadas PT tratando-se de lavradores em completo estado de miserabilidade e
ainda acompanhados de suas famílias VG esta administração sente-se
impossibilitada de determinar medidas drásticas contra esses bons patriotas que
lutam desesperadamente sentido trabalharem pelo engrandecimento do Brasil PT
solicito vosso pronunciamento a respeito das medidas que deverão ser adotadas em
defesa desses homens de trabalho ‘PT saudações Lloyd Ubatuba administrador
CAND4
De imediato, nos propusemos a fazer o primeiro trecho da estrada que fazia a ligação
Dourados-Rio Brilhante, na distância de 60 Km. Assim começamos nossa obra
pioneira porque, à medida que íamos desmatando a floresta virgem para a passagem
da estrada, fomos loteando as terras em face da grande quantidade de colonos que
nos procuravam (cf.: GRESSLER E SWENSSON, 1988, p. 85).
Mesmo assim os caminhos eram ainda muito precários, como também pode ser
verificado nos depoimentos: “aí passamos nesta estrada, a estrada de vim para cá era essa de
boi de carreta, não existia estrada, era de carreta” (depoimento de Diva Soares, coletado por
Ponciano em 1999). Já na década de 1950 ainda não havia estradas que ligassem diretamente
o interior da colônia com as regiões centrais do país. A ligação mais próxima da primeira zona
da colônia que a ligava diretamente ao estado de São Paulo era a estação ferroviária de
Itahum, por meio da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Por meio dos trilhos da NOB
milhares de migrantes, partindo de São Paulo desembarcaram na estação de Itahum rumo à
CAND.
4
Telegrama de Lloyd Ubatuba a Dr. João Goulart Palácio do Catete Rio – DF. 12/12/1952
41
À medida que iam chegando, os migrantes necessitavam de moradia, de alimentos e de
assistência médico-educacional, o que na maior parte não foi garantido. Na efervescência
demográfica, muitas famílias foram acolhidas por parentes ou mesmo conhecidos até
construírem seu rancho. Nem todos os auxílios projetados aos colonos foram concretizados.
No tocante a estes, o projeto previa alguns subsídios iniciais, de modo a dar condições ao
colono pobre de se fixar e iniciar seu trabalho com a terra. Dentre estes, previa-se uma casa de
madeira, conforme consta no Decreto-Lei de criação das colônias agrícolas nacionais: “em
cada lote será construída pequena casa para residência do colono e sua família, do tipo mais
conveniente à região” 5, bem como alguns instrumentos necessários à derrubada do mato e até
alguns animais que servissem como fonte de alimento, conforme nos diz a fala abaixo
transcrita:
Quando começou entrar esse povo lá na serraria, ali o governo criou hospital, tudo
de graça, ali ele criou a marcenaria, que era para fazer casa de graça para os pobres
morar, ele dava o lote, com dois alqueires de terras pronto, dava semente, dava de
tudo e dava dois anos para comer de graça, montou uma máquina de arroz lá, vinha
cobertor, vinha roupa, vinha tudo do governo federal, o finado Getúlio Vargas, dava
duas vacas de leite, dava o arame para cercar, dava de tudo (depoimento de Diva
Soares, coletado em 1999 por Nilton Ponciano).
Esses relatos são antes de tudo produtos da memória individual desses ex-colonos, e
dessa forma, exigem muita cautela, pois sendo a memória seletiva, esses relatos muitas vezes
privilegiam ações vividas individualmente como se fizessem parte do coletivo, e por outro
lado omitem, inconscientemente, fatos que não foram vividos pela pessoa individualmente,
mas que fizeram parte do grupo.
Dessa forma, se sabe que na prática estes recursos foram muito limitados, se
estendendo apenas às primeiras levas de migrantes. Diante dos milhares de migrantes que
chegavam na CAND, a administração se viu incapaz de providenciar as próprias
demarcações de lotes, diante disso constata-se a impossibilidade de oferecer auxílios ao
colono. Nesse sentido, assim que chegaram os colonos foram se adaptando às condições do
meio, construindo seus ranchos de pau a pique6, que eram construções mais rápidas e menos
custosas do que casas de madeira, pois embora estivessem em meio à abundância diante da
derrubada das matas, não possuíam madeira beneficiada. A fala de outro ex-colono da
5
Decreto-Lei nº 3.059 de 14/02/1941, art. 10. Disponível em:
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=18856&tipoDocumento=DEL&tipoTexto=PU
B
6
É uma técnica de construção que se constitui de barro aplicado sobre ripas ou varas entrecruzadas.
42
segunda zona da CAND, contrastando com a de D. Diva, nos oferece um panorama da
realidade que enfrentaram a maioria dos colonos:
Nós que chegamos aqui depois dos 50, não encontramos mais nada. Esse negócio de
casa, ferramenta para trabalhar, nada disso nós tivemos. Não sei se o governo não
tinha mais dinheiro ou se foi porque não quisemos mais esperar, só sei que por aqui
o governo só mandou o administrador vir arrumar as terras que nós marcamos,
mesmo assim, fez quando ele quis. Por isso é que eu dou valor a cada pedacinho
dessa minha terra, porque eu sei o quanto me custou (depoimento do colono Osvaldo
Nascimento, apud ANDRADE, 2008, p. 39).
Ciente termos vosso radio ET tendo em vista falta absoluta de recursos esta CAND
estou me articulando representante imigrantes japoneses sentido providenciar
passagens, transportes bagagens até Itahum VG conforme procedimento anterior
relação 62 famílias aqui chegadas setembro ano passado PT entre outros estive
pessoalmente com o sr. Kimura fornecendo-lhe relação constante vosso ofício n 69
combinando mesma ocasião alojamento até serem cortados lotes para aqueles
imigrantes PT SDS8
As fontes indicam que muitos destes japoneses vieram diretamente do Japão para o
SMT, o que é intrigante, uma vez que o decreto autorizava excepcionalmente os agricultores
estrangeiros qualificados. A pesquisadora Inagaki, que fez uma excelente pesquisa sobre os
caminhos dos japoneses e nikkeis em Dourados, apresenta uma hipótese plausível para esse
fato. Segundo a autora, que se fundamenta em entrevistas, a presença destes imigrantes estaria
7
Idem
8
Telegrama de Clodomiro de Albuquerque, administrador da CAND a Valdik de Moura, AGRITERRAS, Rio
D.F. 10/02/1954.
43
relacionada diretamente com a aproximação política entre Vargas e Matsubara, este último
uma figura bastante influente na colônia japonesa no Brasil e sendo administrador de fazenda
em São Paulo, havia influenciado a vinda de muitos japonese para o nosso país. De acordo
com Inagaki:
Muitos dessas famílias vieram para as terras da CAND, onde formaram algumas
colônias, dentre elas Kioey, localizada na primeira zona da CAND e a Matsubara (em
homenagem ao incentivador da emigração), localizada na segunda zona (cf. INAGAKI,
2002). Um ano após a entrada das famílias acima relatadas na CAND, outro documento
registra o desejo de famílias japonesas de virem para a colônia: “fui informado do Japão de
que cerca de 20 famílias desejam ansiosamente imigrar nesta colônia 9”. De fato, a grande
maioria dos japoneses presentes na CAND se dedicou à agricultura, principalmente ao cultivo
do café. Além destes houve muitos colonos de outras nacionalidades, como italianos, alemães,
portugueses, além de paraguaios, já fixados anteriormente nesta região.
O projeto de colonização dava “preferência aos elementos locais e dentre estes os de
prole numerosa, assim considerados os chefes de família, que tenham no mínimo cinco filhos
menores que vivam sob sua dependência” 10. Observamos que no quesito da prole as famílias
correspondiam às exigências. A maioria das famílias de colonos possuía mais de cinco filhos.
A participação da família como um todo no trabalho na pequena propriedade é essencial para
seu desenvolvimento, razão pela qual se explica a preferência por famílias numerosas.
No tocante à condição social, os colonos corresponderam aos critérios legais exigidos,
pois praticamente todos eram reconhecidamente pobres, como afirmam Pebayle e Koechlin:
“os habitantes rurais mais desprovidos foram particularmente atingidos pela Colonização
Agrícola de Dourados”. (1981, p. 11). Pois no SMT paralela à colonização oficial havia
outros projetos de colonização particular, como já falado anteriormente. O migrante que
9
carta do representante do concessionário autorizado pelo INIC pela entrada de 4.000 japoneses no Brasil, ao
administrador da CAND. 21/10/1955
10
Decreto-Lei nº 3.059 de 14/02/1941, art. 10. Disponível em:
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=18856&tipoDocumento=DEL&tipoTexto=PU
B
44
possuía algum recurso geralmente comprava sua terra, mesmo porque os colonos da CAND
sofreram a morosidade do processo de expedição de títulos provisórios e definitivos. Embora
na CAND tenha havido venda ilegal de terras, como se falará adiante. Os títulos definitivos
demoraram anos para serem expedidos, muitos colonos o recebendo somente na década de
1980 (cf.: GRESSLER E SWENSSON, 1988).
Legalmente para o migrante se tornar colono, era necessário dar entrada em um
processo, por meio do qual se fazia o requerimento do lote desejado e de acordo com o
enquadramento no texto da lei era aceito na colônia. Para isso tinha que apresentar diversos
documentos. Dentre eles certificado de vacina contra a febre amarela, certificado de
reservista, atestado de sanidade física e mental, atestado de conduta e atestado de pobreza.
Dentre as fontes encontramos o processo completo de Antônio Vicente de Souza, o qual nos
permite visualizar melhor as exigências legais para o migrante. Antônio, natural de Birigui SP
e casado com Anatalina F. de Souza residia no lote 3 da quadra 49 na primeira zona; em seu
processo constam todos os documentos acima citados somados aos certificados de vacina da
esposa e dos filhos. Sob a tutela do casal de colonos estavam os filhos: Luiz Souza, Nivaldo
Souza e Joel Souza e as filhas: Irene Souza e Marlene Souza. Antônio deu entrada em seu
processo no ano de 1951 e recebeu o título provisório de seu lote em 1954 11.
Como se pode ver, teoricamente o colono deveria aguardar a tramitação de seu
processo. Porém na CAND ocorreu o contrário do que ocorre atualmente nos projetos de
assentamentos, ou seja, onde se faz um cadastro para somente depois de selecionado ir para a
terra. Na CAND, percebemos pelas várias fontes que graças à intensa propaganda muitos
migrantes vieram sozinhos ou com a família toda e simplesmente se fixavam na terra,
somente depois dando entrada no processo de requerimento. A própria incapacidade da
colônia de acomodar os migrantes, bem como subsidiar na marcação de lotes, possibilitou
episódios como este. Segundo D. Diva: “o povo chegava lá fazia um ranchinho, acampava
para poder receber o lote” (depoimento da ex-colona Diva Soares, coletado por Ponciano em
1999). Mesmo depois de fixados na colônia e de já ter dado entrada em seu processo, muitos
migrantes ficaram por vários anos aguardando o título do lote requerido. Uma carta de um
colono ao administrador Elpídio, nos mostra a situação de muitos deles:
11
processo – requerimento de lotes – CAND, de Antônio Vicente de Souza, 04/04/1951.
45
Fazem já três anos que me acho aqui na colônia, e ainda me acho fora do lote,
morando no rancho que o sr. Visitou. Este rancho velho, ainda não desabou por que
Deus é bom Pai. Muitas das taboinhas desalojaram e as duas paredes laterais estão
escoradas por armários, os quais, já se acham tão imprensados que não dá para abrir
as portas. Eu, não tenho madeira de construção no lote. Fazem já quase dois anos,
arrumei algumas toras, em lote de outro, porem, mesmo para serrar a meia ainda não
chegou a minha vez12
Nós os colonos invasores14 da linha do Barreirão, vimos por meio desta, pedir um
auxílio para a construção de uma escola, visto que dentre os colonos há uma pessoa
12
Carta de um colono a Elpídio Prado, administrador da CAND. Documento manuscrito com assinatura ilegível.
08/11/1954.
13
Relatório médico e escolar de Camilo Hermelindo, chefe do serviço médico da CAND, relatando as atividades
do ano de 1949. CAND, 11/01/1950.
14
O “Barreirão” localiza-se na segunda zona da CAND, o que explica a expressão utilizada pelo colono, uma
vez que diante da morosidade oficial, a colonização nesta área se deu por iniciativa dos próprios colonos. Este
episódio ficou conhecido na historiografia regional como “a invasão da segunda zona”.
46
capaz de lecionar às crianças existentes neste local, e cuja pessoa é esposa de um dos
colonos. O auxílio ora pedido não é somente a construção da escolinha, como
também uma pequena mensalidade para a professora15.
No mesmo documento, constam os nomes das várias crianças que estavam sem
estudar por falta de escola, somando um total de 33 e ainda uma observação de que haveria
muitas outras não citadas. Não sabemos se estes colonos foram atendidos em sua
reivindicação, mas sabemos que ao lado da saúde a educação foi mais uma necessidade básica
que não pôde ser oferecida, ao menos nos primeiros anos, de forma adequada aos filhos dos
colonos. Os relatórios e resumos gerais de matrículas revelam grande número de crianças
matriculadas, o que nos dá ideia da quantidade de crianças que havia entre os colonos. O
relatório mensal da escola rural mista da quarta linha, localizada no lote 29 da quadra 50,
registra 1.218 comparecimentos, com uma frequência de 93,98%. Estes relatórios mostram
apenas as crianças matriculadas, mas havia ainda muitos adolescentes e jovens não
matriculados16. Por meio da observação e análise das fontes orais e dos documentos escritos,
foi possível deduzir que a maioria dos filhos dos colonos ficavam na escola somente até a pré-
adolescência, aprendiam o básico: ler, escrever e a fazer as 4 operações da matemática, a
partir daí os filhos tinham também, em certa medida responsabilidade com a renda e com a
subsistência da família, os conhecimentos agora eram empíricos, partindo de sua realidade
como agricultor, madeireiro ou comerciante.
As dificuldades aumentavam à medida que a colonização se interiorizava, pois além
do quase isolamento, das habitações inapropriadas, os colonos ainda tinham que conviver e se
defender dos perigos da mata, representados por diversos animais, dentre insetos, mosquitos,
répteis venenosos e as onças pintadas - representantes da fauna sul-mato-grossense - que
assustavam (ao mesmo tempo em que eram assustadas) os colonos no meio do mato: “ali
fizeram moradias trabalharam com afinco em meio às onças” (MORAIS, 2009, p. 36). Estas
eram animais muito comuns nesta região, os quais com a colonização de seu habitat foram
cedendo seu lugar aos novos moradores, à medida que se tornavam extintas. Um dos
caminhos da colônia, localizado na segunda zona, na atual cidade de Vicentina, recebeu o
nome de “Travessão da Onça”, em alusão à frequente presença deste felino. O depoimento de
15
Carta manuscrita do colono Nivaldo Soares de Almeida, reivindicando a construção de uma escola na linha do
Barreirão, 03/08/1953.
16
Relatório mensal de adaptação da Escola Rural Mista da 4 linha, lote 29 da quadra 50. Documento manuscrito,
assinado pela professora Escolástica Moreira Silva, não contém data.
47
Antônio Vicente ilustra bem, como a presença destes animais, especialmente da onça teve
influencia na colonização da segunda zona da CAND:
Chama travessão da onça, porque ali tinha onça brava, ali era um lugar de onça
barbaridade, como tinha onça ali! Inclusive nesse lote que eu ganhei, eu fui e posei
uma noite lá, e já tinha um senhor lá, porque ele morava lá, o lote assim que marcou
ele já morava lá, chamava Sebastião, então eu ganhei esse lote e posei uma noite,
naquele tempo chovia muito sabe? Então a noite o homem acendeu um fogo para
fora e eu falei para ele o senhor para que está acendendo esse fogo de noite aí? A
noite ai fora ele disse: é por causa da gata. Porque a gata sempre vem por aqui, anda
em volta por aqui e com o fogo aceso ela não vem tão fácil. E eu estava para me
deitar e escutei ela miau, miau, e perguntei que bicho é aquele, ele falou aquilo é a
gata, toda noite ela está aí, é ela rondava por ali tudo. Então tinha muita onça ali, por
isso que chama travessão da onça. (depoimento de Antônio Vicente, coletado por
Ponciano em 1999).
Como já citado a CAND ficou dividida em duas zonas, cada uma com uma história
específica de desenvolvimento e dificuldades. Esta divisão se deu em virtude de um obstáculo
natural - o rio Dourados - que a cortava. Esta segunda zona ficava mais ao interior da colônia,
que se estendia ao leste e ao sul. Em virtude de alguns fatores esta parte foi colonizada
tardiamente em relação à primeira zona. Estas duas áreas tiveram características distintas, o
desenvolvimento agrícola, o comércio e demais atividades possuem suas especificidades em
relação à primeira zona.
Os rumos tomados pela colonização na CAND se deveram a vários fatores, mas dentre
eles, cite-se a já assinalada vinda de muitos migrantes e a falta de preparo da administração
para recebê-los. Conforme vinham chegando iam superlotando a primeira zona, que possuía
uma área pequena (68.000ha) em relação ao grande número de pessoas que recebia. Em
contrapartida o restante da área os outros 199.000 ha à margem direita do rio Dourados
permanecia coberto por florestas enquanto muitos colonos se viam sem alternativas esperando
providências administrativas.
Em 1954 a primeira zona já estava toda colonizada, contando com sua infraestrutura
básica, estradas abertas, escolas construídas, e lotes demarcados, porém muitos colonos
48
aguardavam ainda, juntamente com os que chegavam uma solução para si, pois estavam na
colônia e ainda não possuíam seu lote por falta de espaço. Em relatório de 1954, o qual o
administrador da CAND envia ao presidente do INIC, consta um resumo de todas as
benfeitorias oficiais feitas na primeira zona da CAND, dentre as quais se encontram:
È importante frisar que esta estrutura ainda era bastante precária para a colônia, as
estradas, por exemplo, eram precárias e insuficientes, o que refletiu diretamente em
dificuldades no desenvolvimento agrícola, como abordaremos no capítulo 2. O mesmo se
pode dizer das escolas diante do número de crianças presentes entre os colonos. No relatório
acima citado o administrador frisa a necessidade de emancipar a primeira zona e ao mesmo
tempo iniciar a colonização da segunda que até então permanecia inalterada: “sou de parecer
que o Instituto Nacional de Imigração e Colonização promova o quanto antes a emancipação
da citada primeira zona, afim de que possamos atacar os serviços que se fazem necessários e
urgentes na segunda”18.
Com a emancipação desta parte da colônia de certa forma os órgãos competentes
estariam livres dos gastos podendo então investir na segunda zona, porém a emancipação não
veio fragmentada, mas se deu apenas em 1968 (GRESSLER, SWENSSON, 1988, p. 83)
saindo então da tutela do governo federal todo o território que compunha a CAND. Todavia
embora se frisasse a visível necessidade de iniciar os trabalhos na outra parte da CAND, esta
foi colonizada pela iniciativa dos próprios colonos, que “invadindo” a região foram
desbravando o território com instrumentos próprios e fazendo as demarcações. Capilé registra
que foi na “madrugada do dia 09 de Julho de 1954, uma sexta feira, que 450 homens
romperam a barreira que os separava [o rio Dourados] e se alojaram onde hoje é o centro de
Fátima do Sul. Demarcavam terrenos e os ofereciam aos que se dispusesse a construir sua
casa em 90 dias” (cf.: CAPILÈ, 1999 p. 15 e 16). Os colonos ali não só colonizaram como
também, com sua forma improvisada, mediam e cortavam seus próprios lotes:
17
Ofício nº 734 de Clodomiro de Albuquerque, administrador da CAND ao presidente do I.N.I.C. Ministério do
Trabalho. 10 And. Rio. 13/08/1954
18
Idem
49
Ali o povo invadiu para o lado de cá, vinha gente para a terceira linha, Vicentina,
para a banda de São José, terceira linha, Quarta linha, Glória, e foi avançando, eles
iam na frente do agrimensor, não tinha marcação, mediam de cipó mais ou menos e
iam embora, e depois que veio o agrimensor, e deu muita briga, porque ele media de
cipó ele mudava de linha naturalmente, pensa que na mata é fácil de tirar uma linha
reta? (depoimento do Pe. Amadeu Amadori coletado por Ponciano em 1999).
Não encontramos outros registros de que em 1950 já havia colonos fixados nesta área.
No entanto, sabemos que em 1953 muitas famílias se encontravam aglomeradas à beira do rio
Dourados na margem esquerda aguardando a demarcação da zona direita ao rio, o que nos
induz a pensar que deve ter havido um trânsito de colonos entre as duas localidades, pois se
em 1954 um grande grupo de homens se uniram e decidiram entrar e colonizar por inciativa
própria a outra margem é provável que já havia fixação de algumas famílias ali.
Analisando o processo no qual se inseriu a colonização da CAND, pode-se dizer que a
própria administração abriu brechas para a iniciativa dos colonos, uma vez que não atendeu a
milhares deles que aguardavam demarcações oficiais. Segundo Alexandrino de Lima,
memorialista da região, “o administrador ciente do que se passava, e depois de fazer alguns
19
Ofício nº 734 de Clodomiro de Albuquerque, administrador da CAND ao presidente do I.N.I.C. Ministério do
Trabalho. 10 And. Rio. 13/08/1954
50
cálculos sobre a área da colônia, teria dito ‘se quiserem poderão ocupar a margem direita do
rio Dourados, lá também é colônia’” (1982, p. 13), abrindo assim o caminho para a ocupação
ou para a invasão como é registrado na historiografia. De acordo com Oliveira:
A iniciativa dos colonos, em entrar na área e iniciar suas roças, colaborou sem
onerar a União, pois, ao desbravarem a área através da abertura de picadas, estradas
e demarcação dos lotes, independentes das ordens da administração, isentaram o
governo dos gastos para tal tarefa. E, ainda, atenderam aos objetivos dos
governantes locais e, por sua vez, os do governo federal de desbravamento da área
com a introdução de trabalhadores nos espaços “vazios” (OLIVEIRA, 1999, p. 177).
FONTE: http://www.fatimadosul.ms.gov.br/museu.php?Show=museu.php&pagina=43
51
Fotografia 2: abertura de lotes na segunda zona da CAND. Década de 1950
FONTE: http://www.fatimadosul.ms.gov.br/museu.php?Show=museu.php&pagina=43
O certo é que a forma como se deu a colonização na segunda zona da CAND, ou seja,
partindo da iniciativa própria dos colonos, abriu brechas para que uma série de irregularidades
fosse constante, dentre elas, a mais comum foi a venda indevida de lotes e datas 20. Estas
geraram uma série de atritos entre os colonos da segunda zona e a administração - que tentava
reverter o quadro de irregularidades alarmante dentro da colônia. A venda de terras foi ampla
em Vila Brasil, vilarejo e cidade surgida do lado direito do rio. Nos relatórios constam os
nomes de vários colonos que cortavam os lotes e os vendiam em datas, é o caso do colono
Enoque Ferreira de Carvalho, que em seu relatório declarou:
Ter vendido um lote com 1/1/2 alqueire de derrubada por Cr. $ 11.000.00 – ou seja
vendeu terras que não lhe pertence, visto ser do domínio da união. Comprou duas
datas, e vendeu uma. Declara que quase todos na Vila Brasil compram e vendem
datas. Disse que comprou e vendeu porque viu os outros fazerem o mesmo21
A venda de datas era tão frequente nesta localidade, que muitas vezes as negociações
se davam por meio de trocas, como foi o caso do colono Jair Rodrigues, que trocou uma data
20
Para evitar confusões, frisa-se que “datas” são lotes urbanos, isto é, menores que os rurais.
21
Fichas de colonos acusados de venderem datas em Vila Brasil, documento datilografado, 10 folhas, assinado
por Maurício Rabelo Gonçalves, chefe da Seção de Colonização. CAND, 10/01/1956.
52
por uma Mauser (isto é, uma pistola). Este mesmo colono cita os colonos Antônio
Pernambucano e Antônio Fagundes como os maiores vendedores de datas em Vila Brasil. Nos
mesmos documentos consta ainda a declaração de Manuel Pereira de Morais, delegado de
Vila Brasil no ano de 1956, o qual teria declarado de “livre e espontânea vontade”, que cada
um de seus 4 filhos possuía uma data, e que o mesmo as teria comprado de Antônio
Pernambucano22. Os depoimentos de ex-colonos também evidenciam as irregularidades em
matéria de venda de terras na segunda zona, segundo D. Diva:
O povo jogava fora os lotes que ganhava do Presidente Vargas porque vendiam por
qualquer dinheiro, os colonos começaram a vender, a maioria deles começaram a
vender, tinha um aqui que era um ajudador de cortar os lotes, e ele pagava aquelas
pessoas para tirar no nome deles, e depois pagava mixaria e vendiam, se mandavam,
vendia e aí eles iam tirar em outro lugar, aí o administrador descobriu e sumiu com
ele daqui, porque ele trabalhava com o Estado Federal e fazia esse cambalacho
(depoimento de Diva Soares, coletado por Ponciano em 1999)
Estas vendas de datas e demais ilegalidades devem ser analisadas considerando todo
um processo, uma vez que a falta de controle da administração no tocante à colonização da
maior parte da CAND abriu brechas para que os colonos fizessem da forma como achavam
melhor, uma vez que de imediato não havia fiscalizações. Custódio Bento de Souza, colono
da Segunda zona e também comprador e vendedor de datas, em sua declaração acusa a
administração pelas “falcatruas” com relação à terra: “a administração é culpada do que está
acontecendo por não ter cortado as ‘datas’ e entregue aos moradores” 23.
A administração tentou acabar com as irregularidades ocorridas na segunda zona,
como mostrado em “aviso” datado de 1956, o qual registra:
Ficam suspensas, a partir desta data, todas as vendas e marcações de terras (“datas”),
nesta zona. O chefe da seção de Colonização do Núcleo Colonial de Dourados,
autoriza os fiscais a tornar sem efeito a ocupação de “datas” por colonos que
possuem mais de uma, marcada nesta vila, enviando o nome do possuidor ilegal e
localização da “data” à Administração para as providências cabíveis. Serão punidos,
severamente, todos os que não obedecerem rigorosamente, a proibição acima
mencionada24
22
Idem
23
Fichas de colonos acusados de venderem datas em Vila Brasil, documento datilografado, 10 folhas, assinado
por Maurício Rabelo Gonçalves, chefe da Seção de Colonização. CAND, 10/01/1956.
24
“Aviso aos moradores de Vila Brasil” – documento datilografado, assinado por Maurício Rabelo Gonçalves,
chefe da Seção de Colonização. 10/01/1956
53
Vila Brasil desde que foi colonizada estava adquirindo contornos urbanos, vários dos
colonos que marcaram lotes, se dedicaram a outras atividades que não a agricultura, como,
por exemplo, o pequeno comércio, a suinocultura e a pecuária. Sendo assim, para estes foi um
bom negócio a venda de seu lote em datas. Outro fator que talvez tenha contribuído para a
amplitude do negócio foi a própria realidade. Cassemiro Chagas alegou que diante da invasão
de seu lote e do descaso da administração, foi obrigado a vendê-lo em combinação com
Antônio Pernambucano que o “cortou” em datas mediante pagamento 25.
25
Fichas de colonos acusados de venderem datas em Vila Brasil, documento datilografado, 10 folhas, assinado
por Maurício Rabelo Gonçalves, chefe da Seção de Colonização. CAND, 10/01/1956.
54
continuaram sendo exploradas mesmo após o desenvolvimento agrícola, que, aliás, ocorreram
concomitante a este, como foi o caso da madeira e do comércio.
Como será mostrado no capítulo 2, a exploração madeireira foi uma das primeiras
atividades à qual se dedicaram muitos colonos, alguns deles trabalhando no ramo durante toda
a sua vida. Concomitante ao desenvolvimento agrícola e a exploração da madeira, o comércio
foi outra atividade importante que foi se desenvolvendo, possuindo múltiplas faces, como será
analisado adiante.
Antes mesmo destas atividades mais vultosas e de longo prazo, muitas outras
atividades temporárias também foram importantes na subsistência das famílias de colonos.
Dentre elas os diversificados trabalhos temporários oferecidos pela própria administração.
Como falado acima, os trabalhos de infraestrutura da CAND foram se desenvolvendo
paralelamente à recepção dos colonos, sendo assim, havia muitas oportunidades de trabalho,
nas quais os migrantes puderam ser empregados, ainda que temporariamente. Foi o caso, por
exemplo, do colono Modesto Gonçalves, que aparece nas fontes diversas vezes, inclusive no
episódio da fiscalização do comércio da madeira, como se verá no capítulo 2. Modesto, ao
lado de outros colonos, no ano de 1950 prestou vários serviços à CAND, como por exemplo,
abertura de estradas, cavação de buracos para a colocação de postes e esticamento dos fios da
rede elétrica e de telefone 26.
Dentre as fontes existem vários recibos relativos à mão de obra, principalmente no
serviço de abertura de estradas internas, o que mostra que muitos colonos trabalharam
temporariamente como braçais nos serviços de infraestrutura da CAND. Estes trabalhos
parecem ter garantido uma renda regular a vários colonos, conforme registrado nas fontes da
época. Além dos recibos de Modesto, foram encontrados vários outros, como o de Durvalino
Gregório da Silva de 20/06/1950; Joaquim Felix da Rocha, de 20/06/1951; Vicente Gonçalves
Sobrinho, Antônio José Daniel e outros, todos datando de 195127.
Além da abertura havia também os serviços de limpeza de estradas, conforme consta
em ofício de 1951 autorizando o colono Manoel Domingos do Nascimento a efetuar a limpeza
26
Recibo de mão de obra, de Tácito Pace, administrador da CAND ao colono Modesto Gonçalves, no valor de
R$ 1.250.00 pela abertura de 40 buracos de 1 m de profundidade para a cavação de postes. 18/06/1950. Recibo
de mão de obra, de Tácito Pace, ao mesmo colono no valor de R$ 26.600.00 (vinte e seis mil e seiscentos
cruzeiros) pela abertura de 3.800 metros de estradas abertas entre as quadras 15 e 16 da primeira zona.
20/06/1950.
27
Recibos relativos à mão de obra, expedidos por Tácito Pace, todos datando do ano de 1951. Documentos
datilografados.
55
da estrada do Panambi ao preço de 0,80 centavos por metro de estrada limpa 28. Segundo o
mesmo documento, a limpeza de estradas, consistia “na roçada e remoção do material para
dentro das faixas laterais, fora da plataforma de 5 metros, devendo ser arrancados os tocos –
29
que forem encontrados e aplainados os buracos na plataforma” . A limpeza de valetas foi
outros serviços que contou com a mão de obra de colonos, conforme recibo de Manoel
Grinado Silva30.
De acordo com as fontes, a abertura e limpeza de estradas, valetas, abertura de poços,
colocação de postes, serviços de fiação e outros parecem ter empregado vários colonos. As
instalações da colônia foram outros locais que também houve contratação de colonos, a
serraria oficial, por exemplo, foi movimentada com mão de obra dos colonos. Em uma das
listas de relação de funcionários, constam 26 nomes de colonos empregados na serraria, mais
precisamente nos serviços da carpintaria consta o nome de Antônio Vicente Rodrigues31
colono português que se dedicou ao ramo da madeira. Este colono atualmente reside na cidade
de Fátima do Sul, sendo o proprietário do “Restaurante e Cantina a Portuguesa”, em seu
depoimento o mesmo afirmou que ganhou um lote, porém, trabalhou na serraria oficial
durante todo o tempo em que esta funcionou, se tornando o chefe da mesma, sendo este o
primeiro trabalho ao qual se dedicou ao chegar na CAND. Muitos destes trabalhadores ao
mesmo tempo em que prestavam estes serviços se dedicavam também aos trabalhos agrícolas
em seus lotes. Geralmente os colonos que se dedicaram à exploração madeireira e ao
comércio, viram nestas uma atividade a longo prazo se dedicando então somente a estas.
No entanto, com relação ao grande número de migrantes que a CAND recebia, era
mínimo os que encontravam oportunidade de emprego na própria administração. Assim,
foram bastante diversificadas as alternativas de trabalhos aos colonos. Havia até mesmo, no
início da exploração das terras da segunda zona da colônia, espécie de barqueiros que
atravessavam o povo de um lado para o outro do rio Dourados, conforme nos fala o
depoimento de Lauro Andrade:
28
Ofício nº 80, de Tácito Pace. 06/03/1951.
29
Idem
30
Recibo de mão de obra, emitido da CAND a Manoel Grinado Silva, no valor de 1028.000 pela limpeza de 514
metros de valeta de 30 cm de profundidade. 19/06/1950
31
Relação do pessoal da serraria oficial da CAND, documento datilografado 22/12/1954.
56
Quando nós chegamos na beira do rio tinha ali duas taperinha feita de palha cada
uma de um lado do rio e dois homens que ficavam cada um numa tapera daquelas.
Eles ficavam para atravessar o povo. A gente atravessava num cocho de madeira
feito a machado, amarrado por um arame que ia de uma ponta a outra e eles
cobravam a base de... se fosse nos dias de hoje uns dois reais. Esses dois era gente
que já morava ali na região e encontraram esse meio de ganhar um pouco de
dinheiro (depoimento de Lauro Andrade, apud SANTOS, 2007, p. 31)
Apresento-vos o portador desta, sr. Maximo Maciel que foi indicado pela
administração da Cooperativa de Mate desta cidade para fazer um estudo, no
perímetro dessa colônia, para a colocação de uma barbaquá coletivo, para a
elaboração de erva-mate, conforme entendimento que já teve o sr. Francisco Puig a
semana passada nesta administração33
Sabemos que a erva-mate era um produto que possuía mercado acessível, pois fazia,
bem como ainda faz, parte da cultura da fronteira o consumo da erva-mate em suas mais
variadas formas de preparo. A presença e exploração da erva se deu em toda a extensão da
colônia, fontes memorialistas registram a presença e importância do produto, no interior da
CAND ou na segunda zona:
No entretanto (sic), foram as terras que deram dinheiro nos tempos de sertão. È que
ali, havia abundância de Erva-Mate Nativa, a qual para a nascente vila teve grande
importância econômica. Haviam dois compradores de Erva-Mate; O Olimpo Delilo
[...] e também o meu compadre Messias de Almeida. Eles adquiriam e exportavam
32
O barbaquá é a instalação destinada ao beneficiamento inicial da erva mate colhida.
33
Comunicação interna de Walmor Borges para o administrador da CAND documento datilografado.
03/03/1954
57
para Dourados, toda a erva mate aqui produzida, e isto fazia correr algum dinheiro
no comércio local (AZEVEDO, 1994, p.15).
58
propicia uma mudança na forma de abastecimento destas localidades. Assim, o surgimento
destes núcleos, à medida que abriu espaço para novos comerciantes, ofereceu aos colonos
mais uma oportunidade alternativa de trabalho, uma vez que era mais acessível ao consumidor
da segunda zona, comprar em Vila Glória ou Vila Brasil, do que enfrentar caminhos precários
para comprar em Dourados. Esse contexto reflete o processo da expansão da fronteira agrícola
e inclusão de novas áreas à economia de mercado à medida que estas regiões se tornam
abastecedoras do mercado interno elas se tornam consumidoras de artigos industrializados, o
que alimenta o processo capitalista fortalecendo a economia de mercado.
O comércio desenvolvido na CAND foi caracterizado como pequeno comércio de
artigos industrializados sendo representados por pequenos armazéns ou estabelecimentos
conhecidos por “bolichos”, onde se vendiam produtos de diversas naturezas. Estes bolichos se
assemelhavam às atuais “conveniências”, porém com algumas diferenças. Nos bolichos não se
encontravam somente gêneros alimentícios, mas uma infinidade de produtos empilhados uns
sobre outros sem as mínimas condições sanitárias, ofereciam desde os gêneros primários
como a banha, a lamparina, até a cachaça, o café e o açúcar. Sobre os bolichos, Azevedo
oferece uma descrição bastante detalhada:
59
um armazém34. O que mostra que o comércio de pequenos artigos teve grande relevância,
principalmente no interior da colônia.
Segundo Azevedo, somente no território pertencente ao atual município de Glória de
Dourados, antiga Vila Glória, “haviam mais 55 bolichos situados nas esquinas dos travessões”
(1994, p. 32). Na primeira zona, com exceção do povoado que se formou à margem esquerda
do rio Dourados - atual Nossa Senhora dos Navegantes - não encontramos registros da
presença destes bolichos, talvez estes se dessem em menor proporção, uma vez que esta área
estava situada mais próxima da cidade de Dourados, onde já havia um comércio bastante
desenvolvido. Segundo o mesmo autor memorialista, os bolichos possuíam um papel que ia
além do fornecimento de mercadorias, pois acabaram se tornando lugares de encontro social,
no dizer do autor, “o bolicho era um ponto de convergência social”, isto porque era comum a
concentração de pessoas para os jogos de truco, acompanhados das bebedeiras de caipirinha.
O futebol também era outro entretenimento, uma vez que ao lado de vários deles havia
campos de futebol. Os jogos de bocha também faziam parte dos bolichos, em vários deles
havia canchas de bocha (cf.: AZEVEDO, 1994, p. 32).
Vale ressaltar que embora estes bolichos constituíssem também pontos de lazer, a
população feminina ficava excluída destes. Estes estabelecimentos possuíam duas faces - a
primeira - eram fornecedores de artigos industrializados, onde os consumidores eram
representados tanto por mulheres, como por homens, no entanto, nos momentos de
concentração social para os jogos o bolicho constituía um local quase que exclusivo dos
homens, com exceção às vezes dos jogos de futebol, que eram assistidos também pelas
mulheres jovens e solteiras. Esse processo é explicado se considerarmos a visão tradicional e
machista que operava nestas comunidades, restringindo o papel feminino às atividades
domésticas e da propriedade, não sendo bem vistas naquele contexto, as mulheres que
frequentassem os locais onde havia certa concentração de homens, que se reuniam em torno
de jogos e bebidas.
34
Fichas de colonos chamados pela administração da CAND a depor a respeito de venda de datas em Vila
Brasil. Documento datilografado 10 folhas, datadas de 10/01/1956
60
CAPÍTULO 2
Percebemos que os migrantes vinham atraídos pela oferta da terra gratuita e sempre
visualizando o trabalho com a agricultura. Embora a existência de grandes matas, como um
indicador de terra fértil, fosse alvo das propagandas sobre a região, utilizadas para conquistar
a adesão dos brasileiros ao projeto federal, muitos deles se surpreenderam ao ver os terrenos
totalmente cobertos por mata fechada, esse fator foi mais agravante na segunda zona da
colônia.
Como os colonos, em sua maioria não estavam habituados com este tipo de trabalho,
este fator aumentava os riscos de acidentes - comuns nesta tarefa. O caso do italiano Pasquale
Conficone ilustra bem este fato. Segundo ofício de 1948 35, Conficone trabalhava no
desmatamento da roça na companhia de seu tio Giovani e de seus primos, quando foi atingido
fatalmente por uma árvore que lhe partiu o crânio. Embora citamos este caso, deduzimos que
Conficone não era colono, talvez intentasse sê-lo, pois era solteiro e havia vindo diretamente
da Itália para a CAND, conforme consta no referido ofício, pois como vimos possuía parentes
nesta. O lote no qual se encontrava pertencia ao colono Francisco Alpi, primo da vítima.
Todavia seu caso exemplifica como os colonos sem maiores equipamentos de segurança, sem
nem mesmo um motosserra para facilitar o corte, arriscaram suas vidas para colonizar e assim
concretizar o que fora projetado pela política de colonização. Percebemos também a
amplitude das propagandas sobre a CAND, a qual atraía também jovens solteiros que aqui
buscavam casar-se para ter direito ao requerimento de um lote. Os migrantes que chegaram à
CAND eram compostos, em sua maioria, por famílias pobres, as quais muitas vezes chegavam
sem recurso algum, a não ser a sua força de trabalho.
Embora a mão de obra contratada não fosse característica dos trabalhos na CAND, é
preciso considerar as particularidades. Houve casos de contratação desta principalmente no
início da colonização. Não era necessário muito recurso para conseguir trabalhadores da
região para colaborar nas derrubadas da mata, uma vez que as relações de trabalho na
fronteira são sempre marcadas pela exploração, pois a fronteira não pode ser vista apenas do
ponto de vista da expansão da sociedade nacional ou do modo capitalista de produção, mas
deve ser vista também como um espaço que concentra situações conflitivas caracterizadas
35
Ofício de 12/01/1949 expedido por Jorge Coutinho Aguirre, sobre morte acidental na CAND. Arquivo Público
Estadual - MS, Acervo: CAND.
62
pela “combinação de tempos históricos em processos sociais que recriam formas arcaicas de
dominação” (cf. MARTINS, 2009 p. 12).
Como se sabe a colonização se dava como consequência da abertura dos lotes e o
preparo da terra para a atividade agrícola, sendo assim este trabalho ficou praticamente a
cargo dos próprios colonos. Os subsídios do governo federal oferecido a estes não
contemplaram os trabalhos com as derrubadas. No início da colonização, parte dos colonos
até receberam alguns incentivos, como demonstra a fala a seguir:
Aqui era colônia, era Colônia Federal, que quando veio aqui naquela ocasião a
cooperativa que hoje é a Vila São Pedro, o governo dava, quando começou, um
machado, uma foice, uma enxada, e fazia a casa, você pode olha que ainda tem casa
antiga, muito antiga, pregada assim [tábuas na horizontal], pois é, aquela foi dada
pelo governo, que o governo dava, então como o pessoal veio demais, o pessoal já
não feis mais, o pessoal não deu conta, o governo no início ajudava (depoimento do
ex-colono Belmiro, coletado por Nilton Ponciano em 1999 ).
63
O povo chegava lá fazia um ranchinho, acampava para poder receber o lote lá, era
um barrerão, era uma lamera, chuvia, enchia, passa água por aqui, aí meu marido era
empregado federal, trouxe a madeira, o administrador mandou a madeira no
caminhão, mandou ele e mais outro, para fazer a casa ali do doutor Celso “Quiri”
que era o engenheiro (depoimento de Diva Soares coletado por Ponciano em 1999).
Portanto, as típicas casas de madeiras com tábuas na horizontal que eram doadas aos
colonos, de acordo com Ponciano (PONCIANO, 206 p. 106), se limitaram apenas às redondezas
da sede administrativa, onde atualmente ainda é possível encontrar algumas destas.
Fotografia 3: modelo de casa doada ao colono da CAND. A casa da imagem é remanescente da época e
permanece como um patrimônio não tombado na atual Vila São Pedro, distrito de Dourados. Originalmente estas
casas eram cobertas com telhas.
A colonização da segunda zona foi quase que totalmente espontânea, portanto, quase
nula a participação da administração. No tocante à construção de suas casas, não houve
interferência administrativa, os colonos derrubavam as árvores menores para delas
construírem suas moradias. Como não tinham ajuda concreta da administração, no tocante à
construção de suas habitações, construir casas de madeira era algo muito trabalhoso aos
colonos, os quais precisavam se fixar rapidamente na terra, para garantirem sua posse. Dessa
forma, a habitação era uma necessidade urgente.
64
Embora a abertura dos lotes se desse rapidamente, na primeira zona da CAND a
madeira resultante das derrubadas, não foi tão abundante a ponto de obtê-la a preços baixos,
tanto que a devida exploração desse produto foi um negócio que foi sendo aperfeiçoado ao
longo do tempo, e que, contudo exigiu o desmatamento da reserva legal para atender a
demanda dos compradores. Situação oposta à colonização da segunda zona onde a madeira
representou uma abundancia tão grande que chegou a ser empecilho nos lotes, perdendo valor
comercial, como sugere a fala do padre Amadori: “a madeira era de graça, e os colonos
davam graças a Deus quando iam lá e falavam, vai lá no meu lote tira aquela madeira de lá”
(depoimento do padre Amadeu Amadori, coletado por Ponciano em 1999).
Assim, para os colonos que chegavam com suas famílias a opção mais rápida prática e
sem tantos custos para se fixarem na terra, foi fazer os ranchos de pau a pique, mais comuns
no interior da colônia. Pois assim, podiam aproveitar a madeira em seu estado bruto, uma vez
que de imediato estes colonos só possuíam uma alternativa para obter madeira beneficiada: a
serraria oficial. No entanto, conforme aumentava as levas de migrantes recém-chegados
ficava cada vez mais difícil o acesso a esta madeira, ora por fatores como a própria distância
da sede e da serraria oficial ora pela impossibilidade desta serraria em atender a todos. Com a
consolidação da colonização e a fixação dos colonos, estes passam a beneficiá-la em suas
rudes serrarias, como veremos adiante.
Dessa forma, no caso da segunda zona, embora houvesse grande abundância de
madeira, ao mesmo tempo em que era praticamente impossível conseguir madeira
beneficiada, todas as habitações, ao menos em um primeiro momento, eram constituídas por
ranchos, os quais eram construídos com as madeiras do próprio desmatamento. Os colonos
aproveitavam especialmente os troncos mais finos e os galhos, conforme o seguinte relato:
“Antônio Vitorino relatou que seu pai contava que quando chegaram na colônia, demarcaram
suas terras e ali iniciaram a derrubada de pequenas árvores para com elas construírem seus
ranchos de varas, tapados os buracos com barro e cobertos com sapé” (MORAIS et al, 2009 p.
34).
65
Fotografia 4: casa de pau a pique construída pelo próprio colono
Morando em ranchos muitas dificuldades passavam estes colonos, a cada chuva forte
era uma reforma com lonas e sapé, moravam literalmente no meio do mato. Da construção da
casa dependia a fixação destes colonos, daí a pressa em construí-las, pois para garantir a terra
não bastava chegar primeiro e fazer a “marcação” do lote, pois em meio à efervescência de
migrantes que chegavam em busca da terra ela se tornou um objeto muito disputado, era
preciso pois permanecer nela para a defender dos “migrantes invasores”.
Assim, o desmatamento possibilitou o aproveitamento econômico da madeira, como
afirma Foweraker: “em todas as fronteiras, literalmente centenas de serrarias ‘clandestinas’
eliminam durante o processo de ocupação, as árvores que vão sendo cortadas, sob a proteção
da escuridão da noite” (1982, p. 47). De certa forma, este é um processo comum neste
contexto, as madeiras são derrubadas, com a finalidade de abrir lotes, limpar o terreno para o
plantio agrícola, abrir espaços para a construção de casas, dentre outros, assim conforme
Figueiredo: “na fase de abertura da propriedade, a extração da madeira tem papel
significativo, de onde decorre uma maior valorização das terras de matas, aliada à maior
fertilidade que a matéria orgânica oferece nos primeiros anos de cultivo” (1972, p. 229).
66
De fato a existência de grandes matas no extremo sul de Mato Grosso foi um dos
atrativos utilizados nas propagandas oficiais para atrair migrantes para esta região. Entretanto,
neste caso, a valorização das matas se deu como um indicativo de terras férteis – condição
natural imprescindível para o desenvolvimento da agricultura – mas não necessariamente no
intento de extrair madeira para o comércio, o que ocorreu mais como uma consequência do
processo de colonização.
No entanto, com a colonização da CAND, o aproveitamento da madeira pelos colonos
se deu desde o início, fosse na construção de seus ranchos ou na venda para a serraria oficial,
no entanto, com o acúmulo de grande quantidade de madeira em um mesmo espaço, gerou a
necessidade de encontrar um fim também para estas. Nesse sentido, a madeira era um produto
que possuía mercado acessível em qualquer local, o que possibilitou o desenvolvimento do
comércio e na maioria dos casos da venda das madeiras aproveitadas das derrubadas, passou-
se a efetuar derrubadas para fins comerciais. Dessa forma, a apropriação deste produto, como
fonte de renda e lucros, se deu não só pelos colonos, mas também por outros agentes da
região, como abordaremos adiante.
67
A transcrição abaixo demonstra a utilização de mão de obra paraguaia pelos colonos
da CAND:
Aí foi quando nós mudamo para cá, e não tinha nem acabado de fazer a casa nos já
entramo dentro e ai viemo e começamo a trabalhar, num sacrifício danado, meu pai
no machado e não tem aquela época a história do motor serra (sic), era tudo nos
braços, era no machado mesmo, era machado e foice, ai meu pai fretou aqueles
paraguaio também um pouco de mato para eles derrubar, e assim foi para frente, foi
derrubando, queimando (depoimento de Ivo de Araújo, coletado por Ponciano em
1999).
O paraguaio, elemento bastante presente neste espaço, como já foi citado, passa neste
momento, com a chegada das frentes pioneiras, a participar das atividades de abertura de
lotes, tendo constante participação nas atividades dos colonos, pois adaptado ao espaço e aos
trabalhos árduos da extração do mate conhecia este meio hostil, ao menos no primeiro
momento, ao novo migrante. Os paraguaios de fato se destacavam nos trabalhos de derrubada
na fase de abertura de novas áreas no SMT, sendo utilizados também por empreendedores
particulares, conforme afirmam Pebayle e Koechlin: “a mão de obra de origem paraguaia foi
arregimentada por enérgicos chefes de equipe para os duros trabalhos de desmatamento” (cf.:
1981, p. 15). Figueiredo também comenta que o paraguaio - “o todo entendido em assuntos de
mate” - ficou marginalizado com o declínio do comércio exterior da erva, tendo sua influência
arrefecida na fronteira sul-mato-grossense, contudo “no contexto atual do pioneirismo, ele
agora participa como peão de derrubada” (cf.: FIGUEIREDO, 1972, p. 212).
Estes sujeitos sociais tiveram um papel importante nas atividades exercidas pelos
recém-chegados migrantes. No caso específico da exploração madeireira, por exemplo,
muitos paraguaios, por estarem fixados na região há bastante tempo, possuíam familiaridade
com certas técnicas que se tornaram comuns na CAND, como foi o caso da “arte” de serrar
madeira; assim considerada devido à habilidade que exigia diante da infraestrutura rústica que
possuíam. Estes sujeitos possuíam maior familiaridade com a região, e consequentemente
conheciam melhor as espécies de madeiras aqui existentes. Vários dos paraguaios moradores
antigos da região, também se tornaram colonos, ganhando lotes, nos quais se dedicaram
principalmente ao ramo da exploração madeireira, foi o caso, por exemplo, de Modesto
Gonçalves, Natalino Benites e Policarpo Gimenes, sobre os quais se falará adiante.
A possibilidade de serrar madeiras, por meio da montagem de serrarias, significou um
avanço na exploração madeireira exercida pelos colonos. O início e consolidação desta
atividade, contudo pareceu depender da presença dos paraguaios, que já se dedicavam ao
68
negócio e, inseridos agora no processo de colonização veem uma oportunidade de ao lado dos
novos colonos de aperfeiçoar o negócio.
Como citado, o intenso e árduo trabalho de colonização realizado pelos migrantes que
laboriosamente se lançaram nesta empreitada, trouxe grande abundância de madeira nas terras
da CAND, a qual foi parcialmente revertida em benefício dos próprios colonos. Dessa forma a
exploração da madeira foi uma atividade de grande importância na subsistência destes, uma
vez que a tomaram como uma fonte alternativa de renda no início da colonização e
concomitante ao desenvolvimento de outras atividades.
Diante dos obstáculos naturais, a falta de recursos materiais aumentava as dificuldades
dos colonos, pois não haviam instrumentos sofisticados, não possuíam nem mesmo um
motosserra, sendo a abertura da mata feita com a utilização de instrumentos simples como
facões, machados, foices e o fósforo, este muito essencialmente necessário nesse contexto: “o
fósforo e o machado abriam as roças fornecedoras de víveres e os primeiros cafezais”
(PEBAYLE, KOECHLIN, 1981, p. 11).
No processo de limpeza dos lotes os colonos utilizavam a técnica da queimada,
adaptada da coivara praticada pelos indígenas. Após as derrubadas, além da retirada das
árvores inteiras, era preciso retirar as “galhadas” que cobriam o terreno. Após a secagem
destas, ateava-se fogo, o qual rapidamente consumia os restos vegetais. Esta técnica é comum
nestes contextos, predominante na pequena lavoura devido a sua eficácia e baixo custo. A
princípio a queimada era fertilizante para o solo, pois o fogo “reduzia a substancia da planta
não comestível a cinzas, enriquecendo assim temporariamente o solo, se logo viesse a chuva”
(DEAN, 1997 p. 129). Entretanto, em longo prazo, esta técnica se mostra predatória ao meio, à
medida que gradativamente vai causando danos irreversíveis ao solo:
A nova fase pioneira alterou profundamente o quadro natural até então respeitado,
criando um conjunto de paisagens. A eliminação das matas, a fragmentação das
propriedades, a criação de novos núcleos em tempo curto, o crescimento explosivo
da população pela imigração intensificada são tantas marcas que justificam o
desenvolvimento regional (1972, p. 214).
36
Grande buraco em um terreno, tecnicamente é um desmoronamento oriundo de erosão subterrânea causada por
águas pluviais que facilmente se infiltram em terrenos muito permeáveis ao atingirem regiões de menor
permeabilidade.
70
O município de Glória de Dourados deixará em seus anais um dos episódios mais
trágicos enfrentados pro sua população. Uma gigantesca erosão urbana, tida na
época como a maior do país, assola nosso município ameaçando “engolir”, como
divulga o jornal Folha de Londrina, 1973, toda a área urbana. Tornando-se
rapidamente descontrolada, pondo em risco uma grande área urbana, por longos
anos perdurou a erosão. Em 1974, em mutirão, o povo colocou 70.000 sacos de areia
numa tentativa de segurar a voçoroca. O Ministro de Interior, Dr. Rangel Reiz,
acompanhado do deputado João Totó Câmara, visita o município, como é vista na
foto (exposta no museu), recebido pelo então vice-prefeito, Sr. Yasuo Morishita. De
grande importância o fato faz com que a situação passe ao conhecimento Federal,
proporcionado apoio ao combate a erosão urbana. Porém a solução definitiva
somente ocorre, por volta de 1986, na administração de José de Azevedo 37
Assim, a interação dos colonos com este meio, em sua essência se dava como uma
necessidade de garantir a sobrevivência daqueles por meio das atividades econômicas aí
desenvolvidas. Entretanto, esta relação consequentemente ocorria de forma desarmoniosa,
uma vez que para atender às necessidades de abastecimento do mercado interno, era
necessário a destruição de grande parcela da vegetação do SMT, ao mesmo tempo em que
estes colonos ignoravam os desequilíbrios do ecossistema natural que esta devastação poderia
ocasionar.
É preciso considerar que nas décadas de 1940 e 1950, ao menos no Brasil, as
questões ambientais ainda não possuíam visibilidade. Elas somente ganharam destaque
algumas décadas depois. O próprio debruçar dos historiadores a estas questões se dá em
virtude da extensão da crise ambiental que não pôde mais ser ignorada, atraindo assim os
olhares, não só dos ambientalistas, mas de todos os cientistas, no sentido de tentar fazer algo
pelo meio em que se vive, uma vez que, de acordo com Martinez, “a crise ambiental é, assim,
o capítulo mais recente de uma longa história de uso e exploração dos recursos naturais pelos
agrupamentos humanos em distintas partes do planeta” (cf. 2006 p. 53). Portanto, falar em
consequências ambientais decorrentes deste contexto exige muita cautela, pois não nos cabe
neste caso julgar o passado com os olhos do presente e lançar sobre estes agentes sociais - os
colonos – responsabilidades as quais ignoravam completamente.
É preciso considerar que sobre a mentalidade do colono – aliada à ideia de sertão
vazio e inóspito – operava ainda o discurso nacionalista do Estado Novo, que acima de tudo
contemplava o desenvolvimento econômico, que, fazendo analogias entre o migrante inserido
neste contexto e o bandeirante do século XVII criou representações que ficaram incutidas na
memória nacional e que perpassaram e ultrapassaram o período de vigência deste regime.
Estas alimentaram o sonho dos migrantes que vieram para o SMT na década de 1950.
37
Relato digitado, explicando a história da Voçoroca, fato marcante na memória do povo gloriadouradense,
exposto no Museu Municipal Américo Bricatti, acompanhando algumas fotografias da época
71
Assim rapidamente as grandes matas deram origem a um cenário de devastação. Esta
por sua vez ocorreu sem limites, de tamanhas proporções que acabou se estendendo também à
reserva legal da CAND, a qual de acordo com a legislação vigente previa a preservação de
25% da vegetação da área total do lote (SANTOS, 2000 p. 43; PONCIANO, 2006 p. 85).
Entretanto, como a maioria da colônia foi colonizada a partir da iniciativa dos colonos, como
já vimos, e também pelo fato de a administração ter perdido o controle da situação, em
decorrência do grande número de migrantes que se fixavam nestas terras, não foi possível
uma fiscalização no tocante às derrubadas.
Dessa forma, os lotes em sua maioria tiveram 100% de desmatamento, conforme
relato do ex-colono Zé Baiano, registrado em um livro de memórias da região: “meu lote era
pequeno com 12 alqueires, a administração da colônia pedia pra deixar uma reserva de mata,
mas ninguém fiscaliza e derrubei tudo hoje me arrependo de ter feito isso” (ARAÚJO,
DANTAS, 2009, p. 20). Seu Zé Baiano, ex-colono da CAND, afirma que tinha ciência da
reserva que deveria deixar, porém o que se infere dos depoimentos é que os colonos em sua
maioria não soubessem dessa exigência legal, e mesmo que a conhecessem, não tinham
percepção da devastação que podiam provocar e nem tão pouco das consequências posteriores
deste desmatamento. Dessa forma, ao tratar de devastação ambiental na CAND, como
consequência de sua colonização, é necessário algumas cautelas, pois este desmatamento
estava inserido de modo muito forte nas necessidades dos colonos (cf. CASALI, p. 31). Sendo
assim, para o colono, desmatar era sinônimo de progresso, nesse processo era considerado
valoroso aquele que fazia jus ao seu trabalho desmatando mais rapidamente o seu lote. Sobre
o assunto fala Santos:
Os colonos adquiriam seus lotes e iam desmatando aos poucos, até desmatar tudo, e
há fortes indícios de omissão da administração. Alguns colonos afirmaram nunca ter
recebido a visita do administrador [...]. Havia ainda a falta de conscientização e
orientação ambiental, pois a mentalidade dominante era a de quanto mais se
desmatasse, mais terra haveria para se plantar (SANTOS, 2000 p. 47)
Ignorando então os possíveis danos que suas ações poderiam acarretar ao ecossistema
regional, os colonos visualizavam o desenvolvimento de suas práticas agrícolas e outras
atividades que assegurassem sua subsistência imediata. Assim foi diante da abundância de
madeira, decorrente deste desmatamento, que os colonos viram neste produto uma das
primeiras possibilidades de exploração econômica que pudesse de imediato garantir uma
renda que a agricultura demandaria algum tempo para lhes oferecer. O relato das memórias do
72
colono Rofeleu (apelidado de “seu Roque”) registrado em um livro memorialista da região,
ilustra esta realidade:
38
Decreto-Lei nº 3.059 de 14/02/1941, art. 10. Disponível em:
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=18856&tipoDocumento=DEL&tipoTexto=PU
B
73
qualidade para a indústria naval portuguesa, começaram a ser editadas ordens reais, no sentido
de proteger a madeira de valor naval, que a partir de então só poderia ser derrubada mediante
permissão por lei, surgindo daí a denominação madeira de lei Na época também eram
chamadas de “pau real” (cf. DEAN, 1997 p. 151).
A partir de então o termo continuou sendo usado para designar madeiras resistentes e
de alto valor comercial, dessa forma, assim se classifica a peroba, o cedro, o ipê, o angelim,
dentre outras. No SMT reuniam-se, além destas, várias outras espécies de árvores, dentre elas
a aroeira, o angico, o marinheiro, a canafístula, o amendoim, o jacarandá. Todas estas
espécies possuíam valor econômico.
Os valores da madeira variavam de acordo com a dinâmica das negociações. De
acordo com documento, a serraria oficial possuía os preços oficiais, para o m³ das diversas
espécies, nesta ordem para o ano de 1956:
Estas são algumas das espécies que aparecem comercializadas pela serraria oficial,
percebemos que dentre elas, o cedro e o angelim possuíam maior valor econômico. Nas fontes
documentais tais espécies aparecem tabeladas, entretanto, a análise das várias fontes nos
mostra que os valores reais das madeiras negociadas entre colonos e outras pessoas, em
virtude da grande oferta, eram muitas vezes menores do que estes, uma vez que os colonos
tinham pressa em vender, assim, muitos agentes envolvidos neste comércio viram na madeira
uma fonte de lucros. Todavia, neste contexto, mesmo que houvesse certa exploração dos
colonos por parte dos compradores, ainda assim foi possível àqueles obter uma renda da
venda destas, uma vez que era uma atividade extrativa que não requeria muitos investimentos.
74
2.4.1- A ação oficial
39
Máquina a vapor destinada a movimentar pequenas indústrias, como por exemplo, serrarias de desdobro de
toras, que se instalam por determinado período de tempo em um lugar,
40
Ofício de 1951 de Lloyd Ubatuba à Divisão de Terras e Colonização.
75
milhares, e iam se acomodando nas casas de parentes ou amigos até construírem seus ranchos
como foi colocado acima. Na colônia encontrava-se dificuldade para tudo, a sua localização e
a falta de estradas e transportes que permitissem um contato mais rápido com outras regiões
dificultava até mesmo os trabalhos administrativos. No caso da serraria percebemos que
sempre havia falta de equipamentos para que esta pudesse ter um bom funcionamento. Em
ofício de 1952 da firma Irmãos Spengler de Campo Grande, a Ubatuba registra-se o despacho
de São Paulo para a CAND de um motor elétrico pedido pela administração da colônia, onde o
mesmo seria para o acionamento das máquinas da serraria. Todavia os meios de transporte até
a colônia atrasavam a chegada deste:
41
Ofício de 04/02/1952 de Irmãos Spengler a Lloyd Ubatuba.
42
Lista manuscrita constando relação de empregados da serraria no ano de 1955.
76
Então eu cheguei aqui na colônia e falei com o administrador da colônia, era o Dr.
Elpídio, um baiano bravo, ai eu falei com ele, tinha a serraria parada, tudo quebrado.
Serraria quebrada, carpintaria, serralheira, mecânica, tudo parado, por falta de ter
quem arrumasse, e eu manjava um pouco daquilo, ai ele me mostrou todo aquele
maquinário quebrado e eu falei eu arrumo doutor, eu arrumo tudo isso aí [...] Ai eu
fui e me empreguei aí, ganhando muito bem (depoimento de Antônio Vicente
Rodrigues, coletado por Nilton Ponciano em 1999).
43
Carta de Clodomiro Albuquerque ao encarregado da serraria. 09/12/1954.
77
2.4.2- A ação dos colonos e de empresas externas à CAND
44
Estas discussões são feitas com base na observação e análise de vários documentos referentes ao tema.
78
também podiam beneficiá-las vendendo as tábuas, o que por sua vez aumentava o mercado
destes colonos, uma vez que beneficiando a madeira, isso possibilitaria vendê-las também a
seus vizinhos, bem como a outras pessoas da região.
Como vimos por meio das fontes, a montagem e o bom funcionamento da serraria
oficial era um trabalho que exigia grandes esforços por parte da administração. Para que esta
continuasse em funcionamento era necessário um conjunto de recursos humanos e técnicos.
Dessa forma, é muito pertinente o questionamento da pesquisadora Naglis, que versou sobre
os colonos da CAND, a qual questiona: “como estes colonos que mal conseguiam fazer suas
roças [...] conseguiram montar serrarias, com ferramentas adequadas, e com uma
infraestrutura básica para serrar madeira?” (2007, p. 90).
Observando nos documentos os volumes de madeira beneficiada que os colonos se
comprometiam a entregar, percebemos que era bastante para a estrutura destas serrarias, o que
torna este questionamento ainda mais pertinente. Todavia, a leitura das fontes indicou que a
montagem destas não exigia grandes investimentos, como se pôde ver, todo o trabalho era
manual, o único equipamento que os colonos necessitavam era uma serra grande. Quanto à
infraestrutura esta não passava de um buraco cavado ao chão e a força de dois homens. Até o
momento, podemos afirmar que foi com esta técnica manual que os colonos serraram
regulares volumes de madeiras.
Mas a autora apresenta hipóteses para sua pergunta, deixando assim brechas ou pontos
de partidas para outros pesquisadores. Uma delas aponta: “uma hipótese seria a de que
empresas como a citada Indústria Douradense de Madeiras Ltda., poderiam de alguma forma
financiar a montagem das serrarias dos colonos” (idem). Sobre a empresa citada se comentará
adiante. Quanto a esta hipótese, ainda não foi encontrada nenhuma evidência que nos permita
afirmar que os colonos tiveram financiamento direto para montar suas serrarias. O que
podemos falar, é que eles tiveram incentivos para rumarem nesta direção, entretanto, a própria
Naglis, aponta um caminho mais conciso quando afirma que “por outro lado, a venda de
madeira que estava no lote foi uma alternativa de renda que abriu um precedente para que
serrarias clandestinas começassem a atuar indiretamente na CAND” (idem).
Em conformidade com esta última consideração da autora, de fato, o que inferimos das
fontes foi que a renda gerada pela comercialização das toras de madeiras, impulsionou a
montagem destas rústicas serrarias, uma vez que elas representavam um aperfeiçoamento
deste negócio, tornando-o mais rentável, permitindo aos colonos, a venda de madeiras
também para seus próprios vizinhos e não somente para outros exploradores da região. Isto
79
porque a maioria, senão todos os colonos possuíam madeira em árvore, isto é, em toras -
madeira bruta - mas a madeira beneficiada era exclusividade de quem possuísse condições
para transformá-la, e quem a possuía se sobressaía no negócio, uma vez que todos os colonos
necessitavam de tábuas, pois como se sabe o atendimento da serraria oficial foi deficitário
nesse sentido.
Como citado acima, as serrarias dos colonos eram muito diferentes da oficial, esta era
montada com equipamentos próprios para uma serraria de um porte pelo menos médio, como
os que já apareceram citados acima - o locomóvel, motores elétricos dentre outros. Mas as
rudes serrarias dos colonos tiveram grande importância na economia destes, pois
representaram um aperfeiçoamento na exploração madeireira garantindo, ao contrário da
lavoura, renda imediata.
Encontramos registros escritos de serrarias em sete quadras da primeira zona da
CAND, a saber, as quadras 5, 8, 13, 28, 30, 50 e 51. Os dois lotes vizinhos – 88 e 89 da quadra
8 possuíam serrarias manuais, o colono dono do primeiro comercializava suas madeiras com a
indústria Nocera & Irmão 45.
Uma vez desenvolvida a técnica de beneficiamento da madeira, os colonos tiveram
uma ampliação nos negócios, pois agora além da utilização da madeira em seu próprio lote e
da venda das toras, podiam vendê-la já beneficiada em forma de tábuas, o que aumentava sua
rede de clientes que agora passava a englobar também os seus vizinhos. Pois para estes não
bastava ter madeira, tornava-se necessário a existência do produto beneficiado. Antes da
montagem destas serrarias, estes colonos tinham na serraria oficial, a única alternativa de
encontrar madeira beneficiada; mas como já dito, esta não possuía condições suficientes de
atender a todos. Sendo assim, como já foi mostrado, as casas destes colonos eram constituídas
por ranchos. À medida que esta madeira beneficiada foi se tornando acessível, ela foi sendo
utilizada na substituição destes ranchos por moradias mais adequadas. Assim, diante das
necessidades, os colonos que montaram serrarias encontraram um mercado amplo em âmbito
local, ao entorno da colônia, bem como em outras partes da região.
Nesse processo, se destacaram também a ação de pessoas, bem como de empresas
externas à CAND que se envolveram na exploração da madeira praticada pelos colonos. Nesse
sentido se destacou também a venda da madeira em seu estado bruto, isto é, em árvores
45
Informações obtidas com base na observação de declarações dos colonos a respeito das atividades envolvendo
a exploração da madeira na CAND.
80
inteiras; o que implicou inclusive, em derrubadas voltadas para fins comerciais, como será
abordado adiante.
Dentre as fontes analisadas, encontram-se várias declarações de colonos que foram
intimados pela administração da CAND a depor a respeito de suas atividades. Estas
declarações são decorrentes de uma fiscalização administrativa imposta por Lloyd Ubatuba, o
terceiro administrador da colônia, no sentido de verificar possíveis irregularidades, no tocante
à exploração da madeira, praticada por colonos e também agentes externos. A análise destes
documentos em conjunto com outros, nos mostram as peculiaridades e complexidades a
respeito da comercialização da madeira na CAND, mostram as relações sociais e econômicas
que compunham este comércio e permite visualizar as atuações distintas nas quais se
envolveram os colonos.
Vendo na montagem de serrarias, uma oportunidade de aumentar suas vendas, muitos
colonos se dedicaram a este trabalho. Quando não era possível instalá-las em seus próprios
lotes, as montavam em lotes de terceiros. Um caso interessante é o de André, um rapaz
solteiro não colono, mas que trabalhava em uma serraria montada em um lote da colônia. Em
seu depoimento, declarou que:
Está dirigindo os serviços de uma serraria no lote nº oitenta e nove da quadra oito
pertencente a viúva Laudelina Maria de Jesus; que esta funciona há três meses, que o
responsável e dono da serraria é o sr. Heitor Fernandes; que quem autorizou a
instalação da referida serraria foi Faustino Pereira da Silva, companheiro de
Laudelina; que serra mais ou menos tres metros cubicos de madeira (peroba) por
semana; que não sabe quanto Heitor pagou a Faustino; que o declarante ganha dois
cruzeiros e cinquenta centavos por metro de tabuas serradas46.
46
Termo de declaração de André Barrios, 26/07/1951.
81
colono. Modesto Gonçalves foi outro colono que possuía uma serraria manual em seu lote,
razão pela qual também foi intimado pela administração. Em sua declaração alegou que:
Mantêm no lote do seu pai uma serraria manual; que só serra as toras aproveitadas
das derrubadas; que as tabuas serradas são para serem empregadas no lote de seu
pai, não sendo absolutamente para comércio, mas que no entanto se comprometeu a
fornecer ao colono Horácio Diniz tabuas para construção de uma casa ao preço de
quatro cruzeiros o metro linear; e que tem na serraria mais ou menos quatrocentos
metros de tabuas que pertencem ao sr. Horácio; que ainda falta serrar mais duzentos
47
metros para completar a encomenda do mesmo, a qual foi de oitocentos metros .
Este mesmo colono, no ano anterior (1950), havia prestado serviços nos trabalhos
básicos de infraestrutura da administração da colônia, recebendo salário por empreitada,
conforme consta na lista de pagamento, de R$ 2,670,00 pela tiragem de poste e cavação 48. O
conteúdo de sua declaração mostra claramente um argumento, no sentido de se defender
diante da situação da fiscalização. O colono Modesto tenta justificar a existência da serraria
somente para benfeitorias no próprio lote, bem como de seus familiares, sendo o negócio com
o outro colono - Horácio - um caso eventual/esporádico, embora saibamos que a montagem
destas serrarias se dava no sentido de ampliar o comércio da madeira.
As relações mercantis nas quais se inseriam os colonos possuem situações muito
peculiares, pois a exploração madeireira perpassou por situações que envolvia diversas formas
de negociação entre colonos e não colonos. O processo de colonização e a relativa abundância
de madeira na primeira zona da CAND, nos leva a pensar, em um primeiro momento, que os
colonos donos de serrarias, tiravam a madeira a ser beneficiada exclusivamente de seu próprio
lote. Mas as fontes nos mostram que esta madeira, em muitos casos também poderia ser
negociada entre colonos, para depois de beneficiada retornar a estes, num círculo que ia
alimentando o processo. Foi o caso de Paulo Gonçalves, colono que mantinha no lote 33 da
quadra 28 uma serraria manual, na qual se dedicou a beneficiar madeira de angelim. Em sua
declaração, consta que no tocante às atividades nesta serraria:
Não utilizou as madeiras existentes no lote que recebeu; que a madeira serrada na
serraria que dirige era adquirida dos outros colonos; que pagava cem cruzeiros por
cada árvore de Angelim derrubada; que vende essas madeiras depois de beneficiada
a 4, 00 (quatro Cruzeiros o metro linear); que tem em estoque mais ou menos
duzentos metros lineares de tabuas de Angelim49.
47
Termo de declaração de Modesto Gonçalves, 30/07/1951
48
Documento datilografado, folha de pagamento de pessoal, 1950
82
Percebemos então que eram bastante diversificadas as formas de negociações que
estes colonos desenvolveram. Com base nas fontes, percebemos que o angelim e a peroba
estavam entre as madeiras mais serradas. Os preços para as tábuas de angelim variavam entre
Cr$ 3,50 e Cr$ 4,50 o metro linear. Esta madeira parecia estar na preferência dos colonos,
pois após o beneficiamento grande parte desta poderia ser vendida no interior da própria
colônia, uma vez que, por razões já expostas anteriormente, os colonos tinham grande
necessidade de madeira beneficiada.
Policarpo Gimenes, possuidor de duas serrarias na CAND e cuja madeira para estas
também eram adquiridas de outros colonos, afirma que “as tabuas de Angelim são vendidas
exclusivamente nesta Colônia a razão de Cr$ 3,50 (três cruzeiros e cinquenta centavos) o
metro linear50”. Natalino Benites, também afirmou que em sua serraria: “serra mais ou menos
dois metros cubicos por semana; que essa madeira é vendida não somente para os colonos,
mas também para Dourados; que o declarante só serra Angelim e que vende as tabuas ao
preço de Cr$ 4,50 (quatro cruzeiros e cinquenta centavos) 51.
Se a madeira beneficiada era comercializada em sua maioria entre os próprios colonos,
a venda da madeira em seu estado bruto, isto é em toras, caracterizou a ação de outros agentes
externos à CAND, estes por sua vez agiam por meio de acordos e negociações com os
colonos. Nesse caso algumas empresas externas à CAND se destacaram. Duas delas que
aparecem constantemente nas fontes são a Indústria Douradense de Madeiras e a Nocera &
Irmão. Estas eram firmas locais, de Dourados, que talvez tivessem encontrado na colônia
vantagens no tocante ao acesso à madeira. Miguel Ferreira de Carvalho possuía contrato com
a empresa Nocera & Irmão, para a qual vendia grandes volumes de madeira provenientes de
seu próprio lote, conforme consta em sua declaração:
49
Termo de declaração de Paulo Gonçalves, 27/07/1951.
50
Termo de declaração de Policarpo Gimenes, 30/07/1951.
51
Termo de declaração de Natalino Benites, 27/07/1951.
52
termo de declaração de Miguel Ferreira de Carvalho, 26/07/1950
83
Dessa forma, enquanto vendiam tábuas e outras madeiras para seus vizinhos e outras
pessoas, os colonos vendiam também grandes volumes de madeira para estas firmas. Estes
volumes eram formados por árvores inteiras e toras de variadas espécies de madeira
provenientes da colônia. Porém parece que a peroba era a madeira preferida da empresa
Nocera & Irmão, ou talvez esta só adquirisse toras desta espécie, pois não foi encontrado
nenhum registro de outras espécies dentre as compras desta firma, mas ao contrário, todas as
madeiras compradas por esta, eram árvores de peroba. Basílio Nocera, sócio desta empresa,
declarou que:
Comprou madeiras do colono Benjamim Nunes, que este possuía autorização para
vender 100 árvores de peroba e que a firma da qual faz parte possui vários contratos
com diversos colonos para aquisição de toras de peroba, sendo que todos esses
colonos, foram autorizados pelo ex-administrador Tácito Pace e pelo Assistente sr.
Luiz César, conforme ordem de serviço em poder da referida firma 53.
53
Termo de declaração de Basílio Nocera, 26/07/1951
84
Para simplificar a redação, com base nos documentos, montamos uma tabela que
demonstra a discriminação de autorizações em poder da firma Nocera & Irmão, onde
podemos visualizar, além das ordens de serviço, os nomes de colonos e volumes de madeira
da espécie peroba comercializados com esta empresa:
Por outro lado, se entre as compras de madeira da Nocera & Irmão, só encontramos
registros de toras de peroba, com relação à Indústria Douradense de Madeiras, eram diversas
as espécies comercializadas com esta empresa. O colono João Cordeiro, dono do lote 67 da
quadra 5 afirmou que foi autorizado a vender para esta firma “cinquenta metros cúbicos de
toras de aroeira54”. Felipe de Mattos sócio desta declarou que:
Adquiriu inúmeras toras de madeiras diversas dos colonos desta Colônia; que esses
colonos traziam autorizações verbais e por escrito; que o declarante pagava toras
(arvores) de Angelim a razão de Cr$ 50, 00 a Cr$ 100,00, conforme o porte da
árvore; que pagava toras (arvores) de peroba a razão e Cr$ 20,00 a Cr$ 50,00 a
arvore; que as toras de aroeira e ipê eram compradas ao mesmo preço que as de
peroba55 .
54
Termo de declaração de João Cordeiro. 26/07/1951.
55
Termo de declaração de Felipe de Mattos, 04/08/1951
85
Nestas era estipulado o volume de madeira que fora autorizado a cada colono comercializar,
conforme mostra a tabela 2. Os dados desta tabela mostram apenas algumas ordens de
serviço autorizando a comercialização com a Firma Nocera & Irmão, mas muitas outras
poderiam ter existido.
Contudo, analisando a exploração madeireira de uma forma mais ampla, os colonos
comercializavam suas madeiras, além destas empresas, com seus vizinhos, por encomenda,
com ou sem ordem de serviço, como sugere trecho da declaração do colono Paulo Gonçalves
que afirma não ter sido “autorizado por ninguém a dirigir essa serraria, que acha que está
certo no desenvolvimento de sua atividade porque vê todos os seus vizinhos trabalharem no
mesmo ramo de negócio” 56. Ainda Lourival Muniz, também comercializava por conta
própria, sendo que as toras de madeira apreendidas em seu lote haviam sido “vendidas a João
Batista Matarezio por sessenta Cruzeiros cada árvore57”.
A ação destas empresas ajudou a desenvolver e consolidar a exploração madeireira na
colônia, a qual se alastrou rapidamente, pois as fontes mostram diversas relações de compra
entre colonos e estas firmas e também entre outras pessoas externas à CAND. As transações
realizadas pelos colonos com estas empresas também eram marcadas por distintas situações.
Não descartamos a hipótese de estas firmas de alguma forma terem encontrado certas
vantagens, com relação às negociações com os colonos. Por outro lado, foram diversificadas
as relações entre colonos e estas. Consta na declaração de João Cordeiro que o mesmo não
efetuou negócio com a Indústria Douradense de Madeiras, por “não ter chegado num acordo
com o comprador quanto ao preço pois o mesmo só queria pagar oito Cruzeiros por metro
cubico e o declarante queria receber quinze Cruzeiros por metro cubico 58”
Outra situação peculiar era o adiantamento de dinheiro aos colonos madeireiros. Na
primeira zona da CAND a exploração da madeira se iniciou em decorrência da colonização,
porém, muitas vezes as derrubadas se davam também com vistas ao comércio. Pois muitos
colonos receberam incentivos financeiros destas empresas para investirem em derrubadas. Na
declaração de Felipe de Mattos, sócio da Nocera, registra-se: “o declarante já adiantou a
diversos colonos Cr$ 44.244,60 conforme relação anexa; que o declarante em boa fé, já
56
Termo de declaração de Paulo Gonçalves, 27/07/1951
57
Termo de declaração do colono Lourival Muniz, 31/07/1951
58
Termo de declaração de João Cordeiro, 26/07/1951
86
dispendeu essa quantia, mas que, no entanto, só recebeu uma pequena parte das madeiras
correspondente a esta importância em dinheiro já paga59”.
Ao mesmo tempo em que os sócios afirmam os adiantamentos em dinheiro aos
colonos para que estes pudessem investir em derrubadas, alegam mediante a fiscalização
imposta por Ubatuba que receberam apenas parte da madeira encomendada, e que, portanto
ainda não receberam aquelas que ainda deveriam ser derrubadas, mas somente aquelas já
derrubadas em decorrência da abertura de lotes:
59
Termo de declaração de Felipe de Mattos, 04/08/1951
60
idem
61
Termo de declaração de Victor Geraldo Thronicke, 06/08/1951
87
Como já foi possível perceber, o comércio da madeira constituído pelos colonos em
conjunto com outros agentes da região, foi complexo e muito peculiar. Este comércio se
constituiu em uma das atividades que tiveram peso na fixação dos colonos e no
desenvolvimento da economia local. Possuía amplitude ultrapassando os limites da colônia,
englobando parte do estado de São Paulo, como veremos adiante. Contudo, devido a diversos
fatores, os caminhos e descaminhos deste comércio, em sua maior parte se limitaram ao nível
local e regional.
No momento da colonização da CAND, Dourados era uma cidade em
desenvolvimento, com pouco mais de 20 anos de emancipação sendo a madeira um produto
muito demandado no comércio local. Algumas madeireiras locais, já citadas, encontraram na
CAND e seus colonos um meio hábil de ter acesso as mais diversas madeiras, o que fez destas
empresas grandes compradoras do produto extraído da colônia. Foi dessa forma, que de
acordo com as fontes, a Indústria Douradense de Madeiras e a Nocera & Irmão, parecem ter
sido em âmbito local, as maiores compradoras de madeira dos colonos, pois diante do
contexto de colonização, estas firmas, devem ter visto nestes grandes fornecedores de madeira
a um preço vantajoso. Dessa forma, no tocante a exploração madeireira, os colonos
encontraram em âmbito local grande estímulo ao seu desenvolvimento, visto que possuíam
um significativo mercado local para suas madeiras.
88
aperfeiçoando mais, os colonos negociavam com grandes madeireiras da região, com seus
vizinhos, bem como com outras pessoas do entorno da colônia. Todavia com o mandato de
Ubatuba ocorre uma situação muito particular que se configura numa espécie de tentativa de
proibir a comercialização da madeira pelos colonos. Ubatuba empreendeu uma investigação,
de onde decorreram várias apreensões de carregamentos de toras da CAND, bem como a
intimação de vários colonos que possuíam serrarias manuais ou comercializavam madeira.
Os caminhos pelos quais giraram esta situação, em um primeiro momento geraram
uma incógnita: se diante da abundância de madeira decorrente de um processo de colonização
era visível a apropriação mercantil deste produto, sendo, neste momento, inclusive uma
atividade já institucionalizada, qual seria o motivo de tal proibição? O que levara Ubatuba a
impor proibições aos colonos madeireiros, fazendo apreensões de toras e intimando-os a
declararem suas atividades?
Alguns documentos registram a apreensão de carregamentos de toras, declarações de
colonos intimados a deporem sobre a venda de madeiras e manutenção de serrarias manuais
em seus lotes, solicitação às empresas compradoras destas madeiras a comparecerem na
administração, dentre outros. Esta fiscalização se limita ao início do mandato de Ubatuba,
datando, portanto ao ano de 1951 com meses e dias muito próximos, mostrando que de fato
foi instituída uma vigilância no tocante aos caminhos da madeira. Desta resultaram vários
flagrantes de carregamentos de madeira da colônia, bem como a verificação institucional dos
lotes em que havia serrarias. No caso destes lotes, foram intimados os colonos ou funcionários
que nestas trabalhavam, a comparecerem à administração para declararem suas atividades.
Se compreender o motivo da proibição da venda da madeira foi uma incógnita, por
outro lado, estas fontes nos permitiram identificar e compreender muitos aspectos das
complexas relações do desenvolvimento deste comércio na CAND, como foi mostrado no item
anterior. Dessa forma, talvez nunca saibamos as respostas corretas sobre a proibição, porém
das fontes que registram estes fatos podemos absorver muito sobre a exploração da madeira
nesta colônia.
Percebemos que os colonos, quando intimados, estavam munidos de argumentos para
legitimar seus atos. Uma das mais comuns justificativas que aparece em seus depoimentos é a
de que possuíam ordem verbal do administrador anterior - Tácito Pace - para que as
comercializassem. A existência de serrarias manuais em seus lotes também foi motivo das
intimações. Sobre estas usavam várias estratégias, alegavam que as possuíam, mas que,
entretanto, não as utilizavam para a venda de madeira, mas sim para o beneficiamento destas
89
para seu próprio uso e também dos parentes e vizinhos. As fontes mostram que todas as
madeiras beneficiadas em lotes de colonos eram comercializadas, nesse caso, não sabendo das
consequências que seus atos podem acarretar diante destas fiscalizações, os colonos tentam
criar formas de se esquivar da venda e de justificar a existência das serrarias.
Dessa forma, o monitoramento feito por Ubatuba se mostrou inconsistente diante da
própria realidade que possibilitava a exploração madeireira, e continuava possibilitando,
mesmo que de fato houvesse quaisquer exigências. E mais ainda porque os colonos estavam
munidos de fatores a seu favor, que lhes davam respaldo para continuar com suas atividades.
Embora com todas as dificuldades de infraestrutura o comércio foi amplo, a
exploração ocorreu sem limites. Na verdade, com exceção da legislação sobre a colonização
que exigia a preservação dos 25% da reserva legal de cada lote, não foi encontrado qualquer
outro dispositivo legal que impusesse critérios, exigências ou punições à derrubada ou
comercialização desenfreada da madeira na CAND.
Uma hipótese seria de que este episódio estivesse ligado a contendas políticas entre os
vários sujeitos que compunham a administração da colônia. Uma vez que estas proibições se
deram no momento em que um novo administrador assumiu o controle da CAND. As fontes
mostram que a administração de Ubatuba por sua vez foi caracterizada por insatisfações por
parte dos colonos, sendo marcada por vários momentos conturbados. Várias situações
conflitivas ocorreram durante os primeiros anos do mandato deste administrador, houve
grande movimentação e reações por parte dos colonos no sentido de pressionar o novo
administrador a deixar o cargo.
Tais episódios eram divulgados pelo jornal O Progresso: “queremos relatar os
acontecimentos ocorridos nesta cidade, com respeito ao movimento dos colonos pela retirada
do Sr. Lloyd Ubatuba da administração da Colônia Federal” (O Progresso, 08 jun. 1952).
Segundo registros, um grande grupo de colonos chegou a invadir a residência de Ubatuba e
dar-lhe voz de prisão:
Imediatamente, saltando alguns deles deram voz de prisão ao sr. Ubatuba, dizendo:
esteja preso em nome da lei...[...] Assim, com os dois prisioneiros vieram os
colonos, na mais completa ordem a esta cidade, entregando-os na Delegacia de
Polícia e informando que exigiam a demissão do Administrador em virtude de
perseguições que estaria fazendo, não atendendo as reclamações dos colonos e sendo
62
um homem intratável e imoral perante as famílias
62
idem
90
Fontes escritas da época também registram esse episódio, dando uma melhor
visualização dos interesses e conflitos que perpassaram esta administração. No trecho
transcrito temos a versão do próprio Lloyd Ubatuba sobre as situações desfavoráveis que
marcaram sua administração:
Fica claro assim, que estes conflitos envolviam questões políticas e interesses
pessoais, podendo até mesmo os colonos terem sido influenciados por terceiros a se rebelarem
contra administração. Dessa forma, as fiscalizações no tocante à exploração madeireira
poderiam estar relacionadas a estes interesses.
Impor barreiras ao comércio livre de madeira implicaria em prejuízos ao comércio
local no geral e não somente aos colonos, pois nesse momento (1951), somente a primeira
zona da CAND estava sendo colonizada, sendo, portanto, esta primeira zona da colônia uma
grande fornecedora de madeira para a região de Dourados. Esta ideia tentavam defender os
sócios destas empresas, no sentido de garantirem suas compras. Felipe de Mattos, sócio da
Indústria Douradense de Madeiras, quando intimado, dá o seu parecer sobre a atitude da
administração: “essa proibição de saída de madeiras da Colônia, virá afetar grandemente o
município de Dourados, pois, sem essa fonte produtora de madeiras, que é a colônia,
Dourados ficará praticamente sem tábuas de madeiras diversas para suas construções” 64.
Até o momento, Ubatuba parece não ter tido amparo legal em suas decisões de impor
barreiras à exploração madeireira, o que por um lado reforça a hipótese de que a mesma talvez
tenha sido motivada por contendas políticas. Por outro lado uma situação contraditória
aparece em um telegrama enviado por este administrador à Agriterras 65, onde o mesmo fala
em contravenção e ao mesmo tempo não sabe que destino dar às madeiras apreendidas:
63
Telegrama de Ubatuba para Dr. Arquimedes Manhães palácio Catete Rio D. Federal. 02/06/1952
64
Termo de declaração de Felipe de Mattos, 04/8/1951
65
Não foi possível descobrir a instituição. Talvez se tratasse de algum endereço telegráfico de algum órgão do
governo federal.
91
Comunico-vos acabo de receber telegrama oficial gabinete ministro recomendando
atender entrega madeiras apreendidas Industria Douradense Ltda PT face vosso
numero 40 cujos termos refletem defesa patrimônio nacional esta administração
pede vossa urgente interferência junto senhor ministro sentido seja esclarecida
situação caótica importaria sérios gravames impedindo medidas moralisadoras para
futuro PT tendo já apresentado relatório ilustrado presidente República serei forçado
tornar sem efeito exposição feita naquele documento PT peço portanto confirmação
sobre se devo ou não liberar todas madeiras apreendidas contravenção Lei PT66
Embora não encontramos ainda, dispositivos legais que aplicasse exigências sobre a
exploração madeireira na CAND, Ubatuba menciona, que estaria havendo infração de alguma
lei, quando fala em “contravenção lei”, mas não a cita. Para, além disso, percebemos também
a preocupação em fazer valer sua decisão em aplicar medidas moralizadoras. Pois mesmo,
diante da sugestão do ministro, de liberar as madeiras aos exploradores, Ubatuba não cede,
reforçando sua posição e preocupação em manter a ordem. Assim faz com que as madeiras
provenientes das apreensões fiquem na serraria oficial, para serem serradas em benefício dos
próprios colonos, segundo consta em telegrama à Agriterras:
Levo vosso conhecimento que esta administração resolveu serrar todas as toras
apreendidas aos colonos e exploradores que comerciavam com madeiras
pertencentes união PT muitos colonos desta CAND estão necessitados de residências
e esta resolução atende perfeitamente reclamos de milhares de brasileiros sem uma
habitação condigna67
66
Telegrama de 15/08/1951 de Ubatuba a AGRITERRAS Rio D. Federal.
67
Telegrama de 23/02/1952 de Ubatuba a AGRITERRAS
92
Dentre dúvidas e incertezas, o que se pode afirmar com certeza é que a tentativa de
monitoramento de Ubatuba no tocante à exploração da madeira dentro da colônia se mostrou
inaplicável diante da realidade. Pois com a colonização da segunda zona o volume de madeira
disponível foi muito maior diante das intensivas derrubadas da maior parte da CAND. Com
tamanha abundância, a retirada da madeira dos lotes era uma condição necessária ao colono
agricultor e a abundancia do produto exigia um destino rápido.
93
no início da colonização os colonos desta parte ficaram sem alternativas sobre o que fazer
com esta madeira, pois as dificuldades de escoamento dificultavam o comércio:
No inicio do ano de 1958, também ele montou a primeira serraria, [...] Na sequência,
aí por volta de 1960, montaram também, uma grande serraria, o Paulo Nakamura, ali
na saída da 5ª linha, e os sócios Diogo Ayala e José Moretti, que também montaram
uma grande serraria, as margens do córrego 2 de Junho, na divisa do perímetro
urbano com o 1ª lote. Depois disto, chegaram ainda o “Sebastião Gravata”, que
montou uma bela serraria (AZEVEDO, 1994, p.14).
Então o pessoal tem que trabalha! E como vai trabalhá? Não tem serviço, aquela
época tinha muito trabalho braçal, roça mato, derruba, carpi, tira madeira, aroeira,
tirei muita aroeira aqui, poste de aroeira, tudo tirava aqui. Antonces o pessoal dava
serviço, outro pessoal empreiteiro chegava, aqui tinha 5 ou 6 caminhão carregando
aroeira (depoimento de Belmiro Oliveira coletado por Ponciano em 1999)
Dessa forma, no interior da CAND, de uma região que não possuía destino para suas
madeiras que eram empecilhos nos lotes, rapidamente, a exploração deste produto se
configurou num duradouro comércio, com o surgimento posteriormente de muitas
madeireiras, como fala a autora Capilé:
68
De Clodomiro de Albuquerque aos colonos da segunda zona. 21/01/1955.
69
Idem
96
CAPÍTULO 3
Em face do novo momento que vivia a economia brasileira, a disciplina, como foi
mostrado, seria o elo necessário para fazer do cidadão pobre, que aderiu à Campanha da
Marcha, um bom trabalhador, aquele que pudesse com sua própria força fazer de sua pequena
propriedade uma grande produtora de gêneros de primeira necessidade, mas principalmente
daqueles, que serviriam como matéria prima na indústria nacional.
“A agricultura, segundo Michel Augé-Laribé, designa acima de tudo as técnicas, o
trabalho agrícola recompensado pelas colheitas e os agricultores com suas maneiras próprias
de viver, o que a distingue da vida urbana e industrial” (Linhares, 1997 p. 167). No SMT, logo
após a construção da NOB a agricultura teve um bom desenvolvimento, no entanto este não se
deu em todas as localidades, abrangendo, sobretudo o município de Campo Grande, que na
década de 1920 já cultivava lavouras comerciais de café (cf.: QUEIROZ, 2004, p. 423). Dessa
forma, no extremo sul de Mato Grosso no SMT a agricultura passa a ser intensificada somente
a partir da CAND, momento em que a região consolida sua inserção no mercado nacional. Na
verdade durante o século XVIII essa região já possuía uma fraca integração com o resto da
América Portuguesa, uma vez que, com a descoberta do ouro em Cuiabá, a mesma ficou na
condição de “área de passagem” entre as regiões auríferas (QUEIROZ, 2008 p. 17). No entanto
o vínculo econômico com as regiões centrais do país viria no século XIX com o
desenvolvimento da pecuária bovina, visto que o mercado consumidor do gado sul-mato-
grossense era o Sudeste brasileiro. Ao contrário da economia ervateira (que como já foi dito
vinculava-se, em sua maior parte à economia platina), para o SMT a pecuária foi uma
atividade econômica que grandemente contribuiu para o início “de uma efetiva inserção,
consistente e duradoura, nos circuitos econômicos nacionais” (idem, p. 22). Por outro lado, tal
vinculação propiciada pela pecuária era ainda muito fraca, pois o transporte de semoventes
não exigia um sistema viário que representasse uma via de escoamento efetiva, mas apenas
70
A expressão foi utilizada por Alzira Salete Menegat, porém segundo a mesma, originalmente foi usada por
Santos (1991) para explicar a tecnologia rudimentar empregada durante a colonização de novas áreas agrícolas
nas regiões de cerrados e Mata Atlântica. (cf.: MENEGAT, 2002, p. 269)
97
precários caminhos. Assim, até a implantação da CAND a ligação da região em questão com o
Sudeste se dava por meio das estradas boiadeiras. Ainda de acordo com Queiroz, apesar de
neste momento a pecuária constituir a principal atividade econômica da região, havia certa
“diversificação produtiva”. Existia, por exemplo, a extração do sal e a cultura canavieira, isto
mesmo sendo uma produção efetuada “mediante os processos mais primitivos de agricultura e
fabricação” (2008, p. 26).
Sobre a agricultura, antes do século XX, tudo leva a crer que havia apenas uma fraca
economia agrícola de subsistência, pois de acordo com Salsa Corrêa “no sul mato-grossense,
todavia, foram precárias e insuficientes as culturas de abastecimento interno, inexistindo, na
prática, a pequena lavoura” (1997, p. 108). O estudo da autora abarca a segunda metade do
século XIX e as duas primeiras décadas do XX, dessa forma, diante da falta de registros somos
levados a supor que uma agricultura com vistas ao comércio fosse quase inexistente no
extremo sul de MT vindo a se desenvolver somente a partir da CAND. Pois ainda de acordo
com a mesma autora, o perfil econômico do SMT era caracterizado pela criação extensiva de
gado, bem como pela exploração de erva-mate nativa, a partir de um modelo extensivo, de
baixo nível técnico e, por isso mesmo, predatório no uso dos recursos do solo (cf. 1997, p.
108). A implantação da CAND, no entanto, em meados do século XX, contribuiu grandemente
para que a realidade econômica (e não só a econômica, como foi mostrado nos capítulos
anteriores) do SMT começasse a mudar, mudanças estas que formariam a base econômica do
futuro estado de Mato Grosso do Sul. Segundo Figueiredo, “de uma fase de indústria extrativa
ervateira e pecuária dominantes, onde a própria agricultura de subsistência era insuficiente, o
Extremo Sul de Mato Grosso passou a área de grande participação na produção agrícola
estadual ao lado de uma pecuária renovada” (1972, p. 255).
Dessa forma, em pouco tempo e também por relativamente pouco tempo os colonos
fizeram das terras da CAND o maior celeiro de uma produção diversificada, com capacidade
para abastecer o mercado paulista, como notou Campos: “Mato Grosso cumpre sua
capacidade de autossuficiência no domínio da alimentação” (1955, p. 45), bem como também
Carmello: “a CAND constitui hoje a viga mestra da nossa economia” ( CARMELLO, [s.d.], p.
19) e ainda Pompeu: “a CAND foi a porta que se abriu para o desenvolvimento e grandeza de
Dourados. O progresso chegou com os milhares de colonos que estão tirando da terra a
transformação que hoje constitui o slogan: Dourados cidade que mais cresce em Mato
Grosso” (Ercília Pompeu, apud NAGLIS, 2008, p. 37).
98
Sendo assim, a agricultura na CAND organizou-se também no quadro e nas condições
oferecidas pela natureza, assim o ecossistema no qual se inseriu a Colônia era bastante
propício para o desenvolvimento agrícola tão almejado pelos idealizadores do projeto. A
região era privilegiada por diversos fatores, dentre eles, o relevo caracterizado em sua grande
parte por terrenos planos e pelo tipo de solo: terra vermelha ou roxa, o que configurava fatores
favoráveis ao desenvolvimento de uma lavoura de baixo custo, pois não era preciso correção
dos solos e outras benfeitorias necessárias em áreas de cerrado. Em carta apresentando
informações sobre a CAND, um de seus administradores destacou estas qualidades,
afirmando: “a Colônia Federal de Dourados compõe-se de matas virgens, de terras planas,
resistentes a erosão. São solos de rara fertilidade, que, pelo seu clima e altitude superior a 400
metros, se prestam a culturas variadas desde frutas europeias até o café 71. A riqueza e
fertilidade das terras são destacadas por vários autores. Mais uma vez Campos as destaca,
considerando-as entre as melhores do mundo: “uma das maiores reservas de terras virgens de
alto padrão, existentes atualmente no mundo” (CAMPOS, 1955, p. 24). Portanto, com um alto
padrão de qualidade, estas terras eram “apropriadas especialmente para o café, algodão e
cereais” (O Progresso, 21 ab. 1951 apud GRESSLER e SWENSSON, p. 96). De fato, como
veremos adiante, foi significativa a lavoura de algodão e café, porém a lavoura de alimentos
como milho, arroz e feijão predominou entre a cultura dos colonos.
Após o processo de preparação da terra, que consistiu, como vimos anteriormente, na
retirada da vegetação e limpeza do terreno, a maioria dos colonos da CAND, mesmo aqueles
que haviam buscado outras formas de subsistência, como já foi mostrado, iniciaram então os
trabalhos agrícolas em terras que outrora sustentavam a mata virgem. Solos estes que
ofereciam, como indicado pelas grandes matas, os nutrientes necessários para o crescimento
da lavoura. Segundo Linhares a agricultura, como processo produtivo, engloba três fatores: a
terra (meio ambiente natural), os homens (a população, peso da demografia) e as técnicas (as
forças produtivas, no sentido restrito) (1997, p.168). Na CAND, apesar de os colonos terem
desenvolvido técnicas simples, a harmonia entre estes fatores garantiu o sucesso no
desenvolvimento agrícola, representado pela diversificada e abundante produção. Com
técnicas rudimentares, os instrumentos utilizados pelos colonos são bastante destacados na
historiografia, dentre eles os mais comuns eram a enxada, o arado manual e a matraca
(informação verbal do antigo colono Cassemiro Ferro). Esta última é uma plantadeira manual,
por meio da qual o colono lançava, sobre o solo já preparado, as sementes. A sua utilização
71
Carta do administrador da CAND ao Sr. N.T.C. Chin, contendo informações sobre a colônia. 26/10/1951.
Arquivo Público Estadual - Campo Grande, MS. Acervo: CAND
99
era um grande auxílio, uma vez que por meio dela se podia controlar a quantidade de semente
a ser semeada.
Quanto aos auxílios oferecidos pela administração, assim como se deu no tocante à
fixação e habitação, estes se limitaram às primeiras levas de agricultores, portanto os da
primeira zona da Colônia, e aos primeiros anos de plantio. As condições naturais propícias
somadas às técnicas rudimentares adotadas pelos colonos, tal como a coivara, foram fatores
responsáveis pelo surgimento das primeiras lavouras. Entre os auxílios oferecidos, podem-se
enumerar alguns dos instrumentos extremamente necessários na agricultura de baixo nível,
como era o caso da foice, do machado e da enxada, como consta em telegrama de 1951: “peço
informar urgente preço de enxada vg foice vg machado pt pretendo fazer encomenda de 200
de cada mês fevereiro para distribuição aos colonos pt Saudações Tácito pace vg
administrador da C.A.N.D.”72. As entrevistas também mostram a doação destes instrumentos
no início da Colônia: “aqui era colônia, era Colônia Federal, que quando veio aqui naquela
ocasião a cooperativa que hoje é a Vila São Pedro, o governo dava, quando começou, um
machado, uma foice, uma enxada” (depoimento de Belmiro de Oliveira, coletado por
Ponciano em 1999).
A foice e o machado eram muito utilizados na fase de abertura dos lotes, derrubada da
vegetação, como mostrado em capítulo anterior. Mas a enxada, dentre estes instrumentos,
talvez fosse o principal, pois era o mais utilizado na agricultura para revolver a terra, portanto
indispensável nesse processo. Embora se referindo à Colônia Municipal de Dourados,
existente na mesma época, Carli efetua considerações que se aplicam também ao caso da
CAND:
72
Telegrama de Tácito Pace, administrador da CAND a Sadalla, Campo Grande – MT. 19/01/1951
100
80 kg de trigo para serem distribuídas aos colonos73. Estas variedades de sementes mostram
que na CAND se desenvolveu uma economia policultora, desde os primeiros anos de seu
desenvolvimento.
Várias requisições de passagens de agrônomos e assistentes da CAND em viagem para
a compra de sementes mostram os esforços da administração para impulsionar o
desenvolvimento das primeiras lavouras. Um exemplo destas é a passagem requisitada ao
agente da NOB – Estrada de Ferro Noroeste do Brasil – para o sr. Luiz Egydio de Cerqueira
Cesar, assistente da Colônia, o qual viajaria de Maracaju a Araçatuba com o objetivo de
adquirir sementes para distribuição aos colonos 74. Em outro documento, Jorge Coutinho
Aguirre, administrador da CAND, pedia o transporte, por meio da mesma ferrovia, de 20 sacos
de sementes de trigo de Campo Grande até Maracaju75.
Os depoimentos dos ex-colonos também mostraram os esforços da administração, ao
menos de início, no sentido de atender aos colonos em suas necessidades iniciais. Dona Diva
afirmou: “quando começou entrar esse povo lá na serraria, ali o governo [...] dava semente,
dava de tudo e dava dois anos para comer de graça”. (depoimento de Diva soares, coletado
por Ponciano em 1999). Embora já comentado em capítulo anterior, vale lembrar aqui, que
“serraria” é o lugar onde se iniciou o desenvolvimento da Colônia, tendo recebido essa
denominação na memória dos colonos, devido à instalação da serraria oficial. Atualmente
trata-se do distrito de Indápolis.
Analisando as fontes, inferimos que a doação de sementes era o mínimo que a
administração podia fazer para impulsionar o desenvolvimento da agricultura na Colônia, uma
vez que os colonos, de imediato, não contavam com recursos para comprá-las. Por outro lado,
percebemos que a administração não contava com recursos suficientes para atender a todos os
colonos e nem para atendê-los por muito tempo. Vários são os documentos que demonstram
uma situação financeira desfavorável à aquisição de sementes e implementos necessários,
com uma verba insuficiente, além de várias dívidas para com os fornecedores: “comunico-vos
que, até o dia 15 do corrente mês, esta administração terá saldado todas as suas dívidas, com a
73
Ofício nº 63 “Pedido de material”. Do administrador da CAND ao Diretor da D.T.C. 11/06/1949
74
De Jorge Coutinho Aguirre, administrador da CAND, ao Agente da NOB. Requisição de uma passagem de ida
em primeira classe de Maracaju a Araçatuba. 01/09/1949
75
Aguirre ao agente da NOB. Requisição de transporte de sementes de trigo de Campo Grande a Maracaju.
16/03/1949
101
verba do primeiro semestre, havendo assim, normalizado a sua situação financeira perante os
fornecedores da Colônia” 76.
Pelas fontes consultadas, sabe-se que, de fato, a maioria dos colonos se dedicou à
agricultura. No entanto, muitos não tinham, na verdade, prática no trabalho agrícola,
conforme a fala do ex-colono: “eu não trabalhava na terra, eu era carpinteiro, mas eu sempre
admirei a agricultura, então eu vim parar aqui” (depoimento de Antônio Vicente Rodrigues,
coletado por Ponciano em 1999). Além disso, a maioria não tinha conhecimento das
peculiaridades da região, no tocante, por exemplo, às características climáticas, tipos de
pragas etc. Por outro lado, supõe-se que para a pequena lavoura, como era o caso da CAND,
não fosse necessário grandes experiências, pois não se utilizavam técnicas avançadas, com
métodos mecanizados e outros, mas o contrário, o processo utilizado para o cultivo era
simples. Por outro lado, o cultivo de qualquer produto requer do agricultor um mínimo de
experiência.
A falta de maiores recursos, somada à falta de experiência do agricultor, implicava em
certa queda da produção, como publicado em matéria do jornal O Progresso, onde a mesma
apontava como um dos fatores negativos, “a falta de prática do agricultor de Dourados, que
não usava os venenos adequados e acabava perdendo terreno, por não deixar a distância
correta entre as plantas” (cf.: O Progresso 10 jun. 1951). Na agricultura mecanizada, as
máquinas fazem muito daquilo que os agricultores teriam de fazer, como é o caso de medir a
distância entre as plantas e também a distância entre as ruas, ou a quantidade de semente a
semear, mas no caso da região em estudo, a agricultura só alcançou tal estágio na década de
1970, visto que tal método é utilizável na agricultura em grande escala (sendo justificável,
neste novo período, pois nele tivemos a parcial substituição da policultura pela monocultura).
No caso da CAND, a agricultura contava com baixo nível técnico, o que exigiria mais
experiência por parte do agricultor.
Com uma técnica de preparação do solo de baixo nível e uma ajuda imediata por parte
da administração, se desenvolveram as primeiras lavouras dos colonos. Mas na agricultura
não são só os aspectos relacionados à fertilidade da terra e a plantação que são considerados;
mas uma série de fatores se fazem necessários até a colheita e para uma boa safra. Pois o
trabalho maior se tem quando as sementes germinam fazendo nascer assim as pequenas
plantas que mesmo em terras férteis dependem de cuidados específicos para crescerem.
Dentre estes, destaca-se a prevenção e tratamento com defensivos agrícolas, que incluem os
76
Ofício s/n de Lloyd Ubatuba, administrador da CAND a D.T.C. 06/11/1951
102
agrotóxicos: inseticidas, fungicidas, formicidas e outros. No tocante a estes defensivos a
CAND parece ter vivido um grande problema, muitas vezes ficando as lavouras sem os
cuidados necessários, pois o colono pobre não contava com recurso para investir em sua
própria lavoura, necessitando que esta fosse financiada para reembolso na colheita. No
entanto, devido aos problemas já citados a administração não tinha condições para financiar a
produção dos colonos, e nem contava com sistemas de créditos para este fim.
Se por um lado a terra era fértil e “dava de tudo”77, por outro lado, inúmeras foram as
dificuldades destes colonos para manter suas roças. Diante desse quadro de insuficiência de
recursos, alguns fatores específicos foram cruciais para aumentar as dificuldades dos colonos
e os prejuízos às suas lavouras. Dentre estes fatores, as diversas pragas que atacavam as
lavouras e a impossibilidade de adquirir os agrotóxicos corretos e em quantidades suficientes
foram alguns dentre os grandes problemas enfrentados pelos colonos. Vários são os
telegramas que registram pedidos de inseticidas, formicidas e fungicidas extremamente
necessários à prevenção e ao combate às pragas das culturas dos colonos. No tocante a
infestações, a cultura do algodão parece ter sido a mais prejudicada como mostram as diversas
fontes: “dentro em breve prazo, será iniciado o combate às pragas dos algodoais que estão
sendo plantados em grande escala nesta CAND”78. O jornal O Progresso, um dos grandes
divulgadores da CAND e que sempre fazia a cobertura de seus acontecimentos, registrou a
grande safra de algodão no ano de 1951, chamando-o de “ouro branco”, destacando certo
prejuízo na lavoura devido à falta de combate às pragas: “fomos informados de que a colheita
poderia ter sido maior, se os lavradores tivessem dado combate ao percevejo rajado e a lagarta
rosada” (jornal O Progresso 10 jun. 1951).
Entre os documentos da época, foram encontradas várias notas e pedidos de inseticidas
para combaterem as pragas dos algodoais, o que mostra a ampla dimensão do problema. Ao
lado dos percevejos e lagartas que atacavam as plantações de algodão, vinha também o ataque
das formigas, que também comprometiam a lavoura, conforme registrado em ofício da época:
“acrescento, com este ofício, outro pedido de veneno para o combate às formigas, sem o qual
talvez fosse inútil o emprego de pulverizações contra lagartas. Isto porque se não
77
Assim se referiu Ubatuba a respeito da CAND em carta a E.T.C. Chin, Cx. Postal 50, Sta. Cruz do Sul, Rio
Grande do Sul. 26/10/1951.
78
Ofício nº 239 “Combate às pragas dos algodoais”. Do administrador da CAND ao diretor do D.T.C.
19/10/1951
103
combatermos imediatamente o ataque de formigas às plantas novas, não encontraremos o que
pulverizar”79.
Somado a este quadro preocupante, no ano de 1953 os colonos enfrentaram uma
situação específica e bastante desfavorável à lavoura do algodão, trata-se da infestação de
gafanhotos sofrida pela região. Várias fontes registram a constante presença destes insetos,
conforme telegrama da época: “nuvem gafanhotos devastam culturas colonos, já prejudicados
recente geada PT não dispondo recursos técnicos e materiais necessários combate praga VG
solicitamos providências urgentes PT”80. Com relação às pragas, a infestação de gafanhotos
parece ter sido a mais preocupante, cujo combate tornou necessária verdadeiras mobilizações
e campanhas para que juntos os colonos salvassem as suas lavouras. As fontes mostram uma
situação bastante alarmante, bem como a preocupação de todos – administração e colonos –
no tocante ao combate aos insetos. Chamam atenção as quantidades de venenos registradas
nas fontes, as quais chegavam a toneladas e eram aplicados com a cooperação voluntária dos
próprios colonos81.
Não se sabe ao certo os fatores de tão grande infestação, todavia, segundo Pebayle e
Koechlin, a intensificação do desmatamento pode “manifestar graves desequilíbrios também
na fauna, com possíveis repercussões econômicas consideráveis” (1981, p. 30-31). Os autores
prosseguem explicando: “com efeito, a destruição das formações vegetais que abrigam
numerosas espécies de predadores (aves de rapina, carnívoros, insetos) pode provocar a
multiplicação, sem possibilidade de controle natural, de espécies danosas à agricultura
(roedores, pássaros granívoros, insetos fitófagos)” (idem, p. 31). Além desse desequilíbrio que
pode ocorrer em consequência da alteração da flora, na colonização das terras da CAND
tivemos exemplos diretos de destruição de algumas espécies, fato que pode ser observado
pelas frequentes matanças de onças pintadas, conforme mostrado no capítulo primeiro.
Esta situação caótica, que englobava as constantes ameaças de perdas da lavoura e a
falta de recursos suficientes para a prevenção, somada à falta de experiência do agricultor,
acabava favorecendo a prática de rituais ligados à religiosidade popular, que, aliás, era
bastante forte na região. Assim, era comum os colonos recorrerem ao benzimento – muito
difundido nas regiões interioranas do Brasil – na esperança de salvarem suas roças. Sobre o
79
Ofício nº 247. Do administrador da CAND ao diretor do D.T.C. 23/10/1951
80
Telegrama da CAND à AGRITERRAS – Rio. 29/09/1953
81
Telegramas de Clodomiro de Albuquerque, administrador da CAND à AGRITERRAS – Rio. 27/10/1953;
03/11/1953; 04/11/1953
104
fato, em matéria intitulada: algodão e Superstição, registrou O Progresso: “mandam benzer a
lavoura para livrá-la das pragas. O benzedor apresenta-se como um salvador. Lança os olhos
sobre a lavoura e pronuncia palavras cabalísticas. Mas o resultado não aparece” (cf.: O
Progresso, 17 fev. 1952).
Além destes fatores que exigem prevenção por parte do agricultor, a lavoura depende
em parte da própria natureza, em nada podendo aquele interferir, quando se trata de secas,
chuvas e de geadas. Na região da grande Dourados, a julgar pelas fontes, pelo menos na
década de 1950 eram constantes e intensas as geadas, somando mais um agravante ao lado
dos fatores que prejudicaram a lavoura dos colonos. As geadas prejudicavam, sobretudo a
cultura do café, como se verá adiante. No entanto, mesmo com todos estes problemas que
acarretavam perdas sensíveis, os índices de produção eram elevados e havia estímulos
comerciais, como se falará adiante, o que gerava boas expectativas aos agricultores iniciantes.
Embora com informações limitadas, as fontes indicam a existência de uma cooperativa
na Colônia, tratava-se da Cooperativa Mixta da CAND. No entanto, pela limitação de fontes,
não conhecemos a dinâmica dessa cooperativa. De acordo com notícia de O Progresso a
mesma destinava-se a “abrigar os colonos da Colônia Federal, vendendo seus produtos e
oferecendo-lhes os gêneros de primeira necessidade a preços mais baixos” (O Progresso, 09
março 1952). De fato o Sr. Abdias Lima da Silva, gerente da cooperativa, em entrevista ao
mesmo jornal em 1952 afirmou: “já foram vendidos 9.800 sacos de feijão e esperamos uma
grande produção de arroz e feijão na safra da seca” (idem). No entanto, as informações são
insuficientes e não sabemos ao certo em que medida esta cooperativa auxiliou os colonos no
tocante ao armazenamento e venda de sua produção. Sabemos que a mesma era responsável
pela distribuição de instrumentos agrícolas e ferramentas necessárias à pequena propriedade,
como era o caso de foices, machados, arames farpados e enxadas, como já citados acima.
A análise das fontes, especialmente das entrevistas, nos induzem a pensar que no
tocante ao armazenamento os colonos não puderam contar com a ajuda da administração, pois
constantemente afirmam que a falta de armazéns também acarretava perda na safra: “ali eu
via descarregar diversos caminhões de feijão, desamarrava o saco, carregavam na sacaria e
despejava na beira da rua, na beira da estrada, lá o feijão ficava, jogavam porque o feijão não
tinha preço” (depoimento de Antônio Vicente Rodrigues, coletado por Ponciano em 1999).
Não tinha preço devido à grande oferta e nem armazéns nos quais os grãos pudessem ser
estocados, dessa forma, os colonos muitas vezes perdiam boa parte das safras de gêneros
alimentícios. Portanto percebemos que a ação da cooperativa no tocante à venda da produção
105
dos colonos foi bastante limitada, se restringindo aos primeiros anos de desenvolvimento da
CAND. No início da década de 1950 a mesma cooperativa contava com apenas 700 membros,
os quais receberiam ainda suas cadernetas de associados, no entanto diversos documentos da
época registram relação nominal de colonos requerendo a inclusão de seus nomes na lista de
associados desta cooperativa 82, o que reflete a necessidade destes em poder contar com um
auxílio nos negócios da lavoura.
O início da agricultura para os colonos da CAND, como vimos, foi marcado por
grandes dificuldades que incluíram a falta de armazéns para estocagem dos grãos, a falta de
recurso financeiro para manutenção da lavoura, a falta de implementos agrícolas para o
plantio e colheita, sendo estes, feitos por um processo manual. Contudo, tais dificuldades não
impediram o pequeno produtor rural de concretizar o seu sonho, pois o principal estímulo para
estes colonos desprovidos de qualquer recurso era a terra, tão almejada e pela qual
enfrentaram a epopeia da migração; uma vez nela fixados, o restante se ajeitava. E assim, se
“ajeitando”, contando com a pouca ajuda inicial por parte da administração, ganhando a
semente ou comprando-a com a renda de outras atividades temporárias, as lavouras iam
tomando corpo, se desenvolvendo de forma rápida tomando o lugar outrora coberto por mata.
82
Diversos requerimentos manuscritos de colonos à Cooperativa Mixta da CAND – Colônia Agrícola Nacional
de Dourados, Dourados – MT. 1951.
106
Todavia, a maior parte da produção dos colonos era de gêneros alimentícios básicos ou
lavoura de cereais, dentre eles os tais produtos de subsistência citados acima, como bem relata
Lima, um memorialista da região de Glória de Dourados, município surgido da segunda zona
da CAND: “dentro de poucos anos, a produção agrícola aumentou de maneira espetacular,
principalmente em milho, arroz e feijão, em quantidade tamanha, que se tornou o maior
celeiro deste e de outros estados, como São Paulo” (LIMA, 1982 p. 11).
Por outro lado, apesar da produção em menor quantidade, alguns produtos típicos de
uma agricultura comercial tiveram presença significativa entre a produção dos colonos.
Tratava-se, principalmente do algodão, do café e do amendoim, este último mais frequente na
segunda zona. De imediato, a produção destes gêneros cultivados exclusivamente para o
comércio se fizeram presentes em quantidade maior na primeira zona, o que se explica pelas
condições de escoamento, precária em toda a Colônia, mas mais grave em seu interior.
Desta forma, o café, apesar de ter sido um dos produtos mais prejudicados com as
geadas da década de 1950, foi um dos primeiros produtos com vistas ao comércio cultivado
pelos colonos, conforme fala de D. Lair, ex-colona: “aí então meu pai plantou café até uma
época, quando ele perdeu todo o dinheirinho que ele trouxe, plantando esse café e a geada
queimando, aí ele resolveu passar para outro plantio, deixou um pouquinho de café e ficou
plantando milho e feijão” (depoimento de Lair Nunes, coletado por Ponciano em 1999).
Como já pôde ser observado, a existência desta Colônia, que era um projeto
governamental, foi um estímulo para o surgimento de empreendimentos particulares voltados
à agricultura. Dentre estes empreendimentos se destaca um que muito investiu na cultura do
café, trata-se do empreendedor Geremias Lunardelli, conhecido como o “rei do café”.
Estudando a região do SMT, Campos afirma: “grandes blocos dessas matas são de terras
apropriadas para a cultura do café. Vimos cafezais em produção no município de Dourados.
Plantas com idade de três anos, mais ou menos, apresentam aspecto impressionante” (1955, p.
23). Dessa forma, estamos de acordo com os memorialistas, quando afirmam que a CAND
veio despertar a riqueza adormecida de Dourados, atraindo diversos empreendimentos
particulares que ajudavam a desenvolver economicamente a região.
Ainda no tocante ao café, as fontes mostraram grandes quantidades de sementes do
produto plantadas no início da década de 1950. Ainda no ano de 1949, quando a Colônia
passava a receber migrantes de forma mais intensa, o agrônomo Rafael Lino Souto Maior foi
107
designado a orientar a plantação de café sombreado na CAND83. É importante também frisar
que a esta cultura se dedicaram especialmente os japoneses, conforme se constata na fala de
“seu” Antônio:
Então aí veio aqueles japoneses que vieram para a terceira linha, que vieram
diretamente do Japão para a terceira linha cuidar de umas terras e transformar em
terras de café ali e aí formaram café. Aí na terceira linha, aquela japonezada que
hoje ainda tem muitos lá, eles vieram do Japão, direto do Japão para cultivar o café
(depoimento de seu Antônio Vicente Rodrigues, coletado por Ponciano em 1999).
83
Ofício nº 97 “dispensa de função”, do administrador da CAND - Jorge Coutinho Aguirre - ao diretor da
Divisão de Terras e Colonização, 25/11/ 1949.
108
matéria: “indiscutivelmente a mais poderosa compradora da praça, que espera comprar mais
80.000 arrobas da presente safra” (idem).
A existência destas firmas, bem como a divulgação positiva mediante as propagandas
jornalísticas, geravam um clima de otimismo no tocante à lavoura do algodão. Este quadro
aparentemente favorável ao comércio estimulou o fomento desta cultura entre os colonos,
impulso este que se deu por meio da distribuição de sementes do produto por parte da
administração da Colônia. Dessa forma, mesmo sob a falta de estradas e de transportes foi
intenso o cultivo de algodão na CAND. Em outubro do ano de 1951 o plantio já chegava a mil
sacos de sementes84, dois meses após, esta quantidade havia dobrado, conforme registrado em
telegrama da época: “aproveito comunicarmos-vos já foram plantados 2.200 sacos sementes
algodão campineiro PT esta administração assim procedendo atende patrióticos objetivos
dessa chefia a quem pede todo apoio para garantir desenvolvimento trabalho salvando
promissoras colheitas PT”85.
As ligações entre o SMT e a região de Presidente Prudente, destino do algodão
produzido na CAND, eram bastante dificultosas, pois ainda não havia estradas em boas
condições. Sobre a precariedade das estradas, Inagaki observa que “no Estado de São Paulo
elas eram razoavelmente conservadas, porém, após atravessar o Porto XV, no Estado de Mato
Grosso, eram precárias ou, como se dizia na época, estavam sendo ‘abertas no peito’. Eram
estradas chamadas de carreteiras ou boiadeiras, sem qualquer sinalização ou avisos” (2002, p.
116). Mesmo com estas dificuldades o algodão foi cultivado em grande escala na CAND,
principalmente no início da década de 1950. Na década seguinte, com todo o interior da
Colônia praticando a agricultura, os colonos passaram a investir mais nesta cultura em
decorrência da melhoria das vias de escoamento, como veremos adiante.
Em meio à insuficiência de auxílio por parte da administração, os colonos iam
encontrando formas de desenvolver e negociar suas lavouras, mesmo que para isto fosse
necessário se sujeitar aos intermediários. Assim fizeram grande parte dos colonos,
principalmente no que toca à lavoura do algodão. Sem condições de escoar o produto, os
colonos se envolveram em transações com agentes externos à Colônia, os quais compravam
as suas safras.
84
Ofício nº 238. “Máscaras contra tóxicos”. Do administrador da CAND Lloyd Ubatuba ao Ministro da
Agricultura 19/10/1951
85
Telegrama de Lloyd Ubatuba a AGRITERRAS, Rio. 15/12/1951
109
As empresas da região citadas acima, principalmente a Anderson Clayton, não só
compravam a produção dos colonos, como também chegaram a financiar alguns deles,
oferecendo os implementos necessários à garantia de uma boa produção. Tais transações,
todavia, não contavam com o apoio da administração da CAND, a qual sempre reagia à ação
destes, conforme mostra a transcrição abaixo:
Gerente firma Anderson Clayton desta praça sem consentimento desta administração
financiando alguns colonos possuidores de plantações de algodoais PT tal
procedimento revela interesse garantir aquisição produção envolvendo colono
simples vg trabalhador vg honesto e inexperiente sobretudo em transações com as
quais esta administração vg vigilante contra os tubarões vg não concorda por um
princípio de decência e responsabilidade86.
Ubatuba, administrador da Colônia, reage à ação dos intermediários que buscam lucrar
com o trabalho dos colonos. Por outro lado, a Colônia não possuía recursos suficientes para
garantir uma boa produção, bem como o seu escoamento. Embora frequentemente os colonos
tivessem sucesso em suas colheitas, as lavouras exigiam investimentos, o plantio de algodão,
como vimos, exigiu muitos cuidados e recursos, principalmente na aquisição de agrotóxicos
contra os pulgões, lagartas, gafanhotos etc. Portanto, a fertilidade das terras e o bom tempo
eram suficientes para garantir a germinação e o crescimento da lavoura, mas nem sempre era
o bastante para garantir uma boa colheita, exigindo investimentos que por sua vez
demandavam recursos financeiros que os colonos não possuíam. Dessa forma, ainda que
houvesse especulação por parte destas empresas, aceitar o financiamento era uma alternativa
para que muitos colonos pudessem obter sucesso em sua produção garantindo a venda de suas
safras.
Por ser o algodão um produto exclusivamente comercial, o escoamento era um fator
crucial nesse contexto, sendo seu destino unicamente as áreas industriais do Sudeste,
conforme assinalou Aguirre: “o sucesso da Colônia estava em sua ligação com a região oeste
do Estado de São Paulo”87. Esta ligação se tornava mais urgente em se tratando de matérias
primas industriais, as quais não possuíam comércio local. Dessa forma, ter uma boa colheita
nada significava se não houvesse condições de escoá-la. Como se sabe, com exceção das
“estradas boiadeiras”, a estação de Itahum era até então a única via de escoamento para a
produção da CAND. Todavia, mesmo o caminho entre as duas localidades não se fazia sem
86
Telegrama de Ubatuba a AGRITERRAS, Rio, D. Federal. 18/03/1951
87
Relatório do primeiro administrador da CAND – Jorge Coutinho Aguirre – apud GRESSLER E SWENSSON,
1988, p. 85)
110
grandes dificuldades. A estrada que ligava Dourados a Itahum não possuía boas condições,
eram 60 km que se prolongavam por sua precariedade, tornando o transporte mais difícil e
custoso.
Em telegrama de 1951, Ubatuba informa ao governador do estado de Mato Grosso,
Fernando Correa da Costa, o início e término dos trabalhos de “raspagem” nessa estrada 88. A
melhoria desta era fator crucial para possibilitar o tráfego dos caminhões que, à época das
colheitas, principalmente do algodão, “viajam initerruptamente levando o produto até a
estação de Itahum, a cerca de dez léguas” (cf. O Progresso 10 jun. 1951). Apesar de todas
estas dificuldades, ao menos no início da década de 1950 a citada estação foi importante para
o escoamento de grandes safras da produção da CAND, sendo necessário, somente no ano de
1951, “5.000 viagens só para o escoamento da safra de algodão” (O Progresso, 21 de abr.
1951 apud GRESSLER e SWENSSON p. 96).
A Colônia não possuía condições de atender a todos os colonos, restando-lhes como
alternativa os intermediários. Ao que tudo indica, a CAND atendia apenas os colonos
associados na Cooperativa Mixta, é o que podemos apreender da fala de Abdias Lima, gerente
da mesma, publicada em O Progresso no ano de 1952:
88
Telegrama de Lloyd Ubatuba administrador da CAND a Fernando Corrêa da Costa. 12/06/1951.
111
contava com pouco mais de 700 membros (cf. O Progresso, 9 marc. 1952). A falta de maior
assistência ao colono abriu espaço para o investimento especulativo de outros agentes. As
fontes mostraram que, mesmo sob a reação administrativa, a rede de comércio formada pelos
colonos e os atravessadores foi uma alternativa para que os agricultores pobres sem recursos
pudessem, além de garantir boas colheitas, também vender a sua produção. Nesse sentido,
diante da falta de opção e sob “iminente perda” das colheitas, parece ter havido certa
cooperação entre a própria CAND e as firmas compradoras das lavouras comerciais dos
colonos, conforme sugere telegrama de 1952:
A transcrição mostra ainda outros problemas enfrentados pelos colonos, como a falta
de armazéns para estocagem dos produtos, tornando urgente a comercialização. Esta urgência
implicava na desvalorização e no aumento da especulação.
Muitas vezes a própria administração, que tentou combater a ação dos intermediários,
acabava por se submeter à sua atuação quando lhe era conveniente. Algumas vezes a
administração aceitava o fornecimento de implementos das firmas locais, por um preço
supostamente vantajoso. Foi o caso da compra de inseticida da firma Anderson Clayton, a um
preço mais vantajoso que a D.T.C., como foi o caso do inseticida Fenatox 40%, oferecido pelo
D.T.C. a Cr$ 20.00 e pela Anderson a Cr$ 18,7490.
Embora os colonos não estivessem inseridos nos moldes predominantemente
capitalistas de produção, o capitalismo não fica de fora nesse processo, mas faz-se presente
ainda que de longe, extraindo o lucro do produto do camponês. Ele se faz presente, sobretudo,
pela presença e atuação dos intermediários, os quais oferecem os produtos industrializados
aos colonos, certamente a preços elevados, na mesma medida que compram a sua produção
agrícola a preços desfavoráveis. Martins comenta que, no mundo do camponês da fronteira,
89
Rádio AGRITERRAS, Dourados a AGRITERRAS, Rio D. Federal. 26/07/1952
90
Ofício nº 257 “Aquisição de sementes”. Do administrador da CAND a D.T.C. 06/11/1951.
112
produtos, sobretudo industrializados, que chegam ao camponês por preços várias
vezes multiplicados em relação aos grandes centros urbanos (2009, p. 161).
Como podemos ver, o fator escoamento foi responsável por grande parte dos prejuízos
no tocante à exportação dos produtos cultivados na CAND. Além destas culturas aqui
consideradas comerciais, os colonos cultivaram em grande quantidade as culturas tipicamente
conhecidas como de subsistência, também chamadas pelos colonos de “lavouras brancas”:
milho, arroz, feijão, mandioca e outros, conforme diz D. Lair: “milho e feijão, a lavoura
branca como o povo fala, milho, feijão, essas coisas assim” (depoimento de Lair Nunes,
coletado por Ponciano em 1999). Apesar da produção significativa do algodão e do café nos
primeiros anos da década de 1950, foram os gêneros alimentícios que predominaram na
produção da Colônia. Diante das dificuldades enfrentadas pelos colonos, aqueles gêneros se
destacam por serem destinados tanto ao consumo como à venda, por meio do excedente. A
grande colheita de feijão no ano de 1952 foi manchete de O Progresso: “calculada em 6.000
sacas a safra de feijão” (cf. O Progresso, 4 maio 1952); na safra de arroz e milho de 1953
registra-se em telegrama da época a colheita de noventa e seis mil sacos de arroz com casca e
cento e cinquenta mil sacos de milho 91.
Estes gêneros alimentícios, ao contrário dos produtos essencialmente comerciais,
foram cultivados em grandes quantidades em toda a Colônia, ao passo que o algodão e o café,
a princípio, eram cultivados em maiores proporções apenas na primeira zona, vindo a serem
cultivados na segunda zona, juntamente com o amendoim, somente na década de 1960, como
se verá adiante. Todos esses gêneros, tanto as matérias primas industriais quanto os alimentos,
eram cultivados concomitantemente pelos colonos da CAND. Em matéria intitulada: Otimista
a lavoura douradense neste ano, foram expostas as boas expectativas para o ano de 1953, no
tocante à produção dos colonos: “Dourados terá uma ótima colheita, quer seja do arroz, do
milho, do feijão, quer seja do algodão e já do prometedor Rei Café” (O Progresso, 3 mar.
1953).
Os gêneros agrícolas alimentícios, ao contrário das matérias primas industriais,
possuíam duas destinações: a própria subsistência das famílias de colonos, como também a
colocação no mercado, o que tornou vantajoso o investimento nestes produtos, os quais,
91
Telegrama Rádio Lloyd Ubatuba para AGRITERRAS, Rio. 11/02/1953
113
diante da impossibilidade ou dificuldade de escoamento, poderiam ser comercializados na
região, conforme fala do Sr. Abdias Lima da Silva, gerente da cooperativa da colônia,
publicada em jornal no ano de 1952: “acabo de regressar de Campo Grande, onde fui vender
produtos da colônia tendo conseguido vender o feijão a Cr$ 210.00 a saca e o milho a razão
de 95,00 a saca” (cf.: O Progresso, 09 mar. 1952).
Todavia, devido à grande oferta, bem como a outros fatores já citados, como era o
caso da falta de estradas e de transportes e consequentemente a dependência dos
intermediários, os colonos enfrentaram maiores dificuldades na venda destes gêneros. Havia
constantemente uma superprodução que se perdia devido à impossibilidade de estoque. Na
época de chuvas era o momento mais crítico, pois causava grandes prejuízos aos agricultores,
pois o comércio ficava impossibilitado pelas estradas intransitáveis; os intermediários com
seus caminhões não conseguiam chegar até a produção, que estragava devido à umidade e
outros fatores, como afirma o ex-colono Ivo: “precisavam jogar fora, estragava tudo, milho,
você via aquele tanto de milho na roça, sem ninguém querer aquilo, ninguém comprava não,
era uma fartura terrível, perdia demais, e aqui todo mundo tinha aquilo, ninguém queria, e
também não tinha estrada para vim para cá buscar nada”. (depoimento de Ivo de Araújo,
coletado por Ponciano em 1999). “Seu” Ivo se refere ao interior da Colônia, onde estes
problemas se agravavam, conforme também relata Azevedo: “as lavouras que colhiam tinham
pouco valor, principalmente pelas longas distâncias e dificuldades de escoamento, pois não
havia estradas” (cf.: 1994, p. 32).
Diante desse quadro de instabilidade quanto à comercialização da produção de
alimentos da colônia, bem como das iminentes ameaças de perdas, a venda na própria região
mais próxima era uma alternativa, conforme mostra documento da época, onde um dos
administradores propôs à D.T.C. um entrelaçamento da CAND com a 9ª Região Militar a fim
de que esta pudesse adquirir os gêneros alimentícios dos colonos; ao mesmo tempo frisava a
vantagem no negócio, uma vez que estavam dispensados os serviços dos intermediários: “não
será necessário aqui expor os benefícios para ambas as partes, visto que está implícita a
grande vantagem do desaparecimento dos intermediários” 92.
Embora os colonos possuíssem mercado local para seus alimentos, este não conseguia
absorver toda a farta produção. No caso das matérias primas industriais, a forte demanda do
Sudeste compensava as grandes dificuldades no tocante às vias de escoamento para exportá-
las, como vimos acima. Porém o mesmo não se dava no tocante aos alimentos, uma vez que,
92
Carta de um dos administradores à D.T.C. sem data.
114
segundo os depoimentos, o Estado de São Paulo poderia adquirir estes produtos de outros
estados mais próximos e que possuíam melhores sistemas viários: “daqui para São Paulo o
frete ficava muito mais caro; São Paulo comprava feijão que vinha do Paraná, que ficava mais
perto, estradas melhor, daqui para chegar no Porto XV93 era um absurdo” (depoimento de
Antônio Vicente Rodrigues, coletado por Ponciano em 1999). Assim como Inagaki e tantos
outros autores, os relatos de memorialistas e os depoimentos, também destacam a
precariedade das estradas da região de Dourados até o Porto XV. Estas dificuldades foram
sentidas em maior proporção à medida que a CAND se desenvolvia ao interior e se distanciava
da estação de Itahum.
Além dos produtos já apontados aqui, na CAND foram cultivados, em menor
quantidade, vários outros que também se destinavam tanto ao consumo quanto ao comércio.
Tratava-se da mandioca, (da qual se fazia a farinha) do alho, da alfafa e da cana de açúcar.
Sobre a alfafa, as fontes mostraram uma pequena frequência do produto nos lotes da primeira
zona e nenhum registro do mesmo nos lotes da segunda zona, (cf. MENEZES, 2008) o que nos
leva a supor que, por ser um gênero pouco demandado no comércio regional, os colonos do
interior da CAND não a tenham cultivado, ao menos em valores significativos. Já na primeira
zona encontramos alguns registros da produção comercial de alfafa, todavia a análise das
fontes nos leva a crer que este gênero tenha sido cultivado em poucas quantidades,
insignificante se comparado à de outros produtos destinados exclusivamente ao comércio,
como o café e o algodão. Pelo que entendemos, a cultura da alfafa foi cogitada a partir do
interesse em atender a uma demanda específica da 9ª Região Militar, que também era
compradora da produção dos colonos, como sugere documento da época:
Ainda uma cultura de real interesse para as autoridades militares, é a da alfafa, que
neste local dá em média 8 (oito) cortes anuais, produzindo abundantemente, mas que
não temos nos interessado em seu fomento, dado a falta de mercado aqui, porém a
região militar, consome anualmente quantidades enormes e que vêm de outros
estados por preços mais elevados. Poderíamos fomentá-la caso haja interesse, de
modo que ficassem os regimentos abastecidos e com vantagem econômica94
93
O Porto XV de Novembro foi fundado às margens dos rios Paraná e Pardo, ainda no início do século XX,
quando se buscava uma ligação entre o antigo sul de Mato Grosso e o estado de São Paulo. Teria sido fundado
por Manuel da Costa Lima e seus companheiros, os quais no dia 15 de Novembro encontraram o local
apropriado para o porto pluvial. Com a fundação (1941) e emancipação (1953) de Bataguassu, a localidade se
torna distrito deste município.
94
Carta do administrador da CAND ao Ministério da Agricultura. Sem data.
115
Embora com frequência muito limitada, há indícios da presença do produto desde os
anos iniciais do desenvolvimento agrícola da Colônia. Em meio a outros pedidos de materiais
agrícolas e sementes à D.T.C. registra-se em ofício de 1949 o pedido de 80 kg de sementes de
alfafa95. Em pesquisa anterior o produto aparece com uma frequência de fato insignificante
com relação aos demais gêneros, sendo cultivado em apenas 13% dos lotes, de um total de
774 lotes recenseados (MENEZES, 2008).
Outro produto que teve uma presença significativa na CAND foi a mandioca, da qual
os colonos fabricavam a farinha. Embora considerada um produto tipicamente para a
subsistência, na Colônia a sua destinação contemplou de forma significativa tanto o consumo
como a venda. Ao mesmo tempo em que a farinha de mandioca foi bastante consumida pelos
colonos também foi comercializada, juntamente com outros derivados. O grande consumo de
farinha explica o significativo cultivo da mandioca em toda a colônia. Na mesma pesquisa
citada acima, ao contrário da alfafa a mandioca era cultivada em mais 60% no mesmo total de
lotes (idem). Segundo Azevedo, no interior da Colônia, durante os primeiros anos agrícolas
“dentre outras culturas a da mandioca para o fabrico de farinha foi uma das que mais se
destacaram com elevado número de produtores. Em todas as linhas havia grande número de
farinheiras”96 (1994, p. 32).
A análise das fontes sugere que além do consumo a farinha de mandioca possuía
mercado garantido: “as farinheiras naquele tempo não davam grande lucro, mas era uma das
poucas opções econômicas para o pequeno produtor” (idem, p. 33). Azevedo fala
especificamente do interior da CAND, o que sugere que o mercado para esta farinha girava
internamente e no entorno da própria colônia. Pois se comparado ao café, ao amendoim e ao
algodão, o cultivo de mandioca nos lotes apresenta uma baixa freqüência para um gênero
comercial em grande escala. Por outro lado, esse mesmo cultivo se torna elevado se destinado
apenas à subsistência. Portanto essas observações acrescentadas ao grande número de
farinheiras espalhadas pelo interior da CAND sugerem um comércio local bastante
significativo. A própria origem da maioria dos colonos talvez seja um dos fatores que
95
Ofício nº 63 “Pedido de material”. Administrador da CAND ao Diretor da D.T.C. 11/061949
96
Farinheiras eram os lugares onde se fabricavam produtos derivados da mandioca, dentre eles a farinha e a
fécula, ou polvilho. Eram fábricas rudes, movidas a braços ou animais cavalares. Segundo Azevedo eram
montadas em um grande galpão onde havia uma roda de grande circunferência, presa a um eixo vertical enorme,
tudo em madeira. Os animais trabalhavam em circunferência, fazendo girar este eixo, que por sua vez, através de
uma correia de couro cru torcido, movia o “bolinete” que era provido de serrilhas que ralavam as raízes de
mandioca (cf.: Azevedo, 2004, p. 32-33).
116
explicam o grande consumo da farinha, uma vez que esta era bastante consumida pelos
nordestinos em geral.
Com base nas fontes já trabalhadas anteriormente (MENEZES, 2008) é interessante
notar que nem todos os lotes da CAND produziam gêneros que pudessem também ser
destinados à subsistência. Em muitos lotes, por exemplo, aparecia o milho, mas não havia o
arroz ou o feijão. Estes dados, somados a outros indícios, como o grande número de
farinheiras no interior da CAND, a dificuldade de escoamento, nos permitem supor que
houvesse entre os próprios colonos um comércio local representado por trocas de produtos
agrícolas. Pois chama a atenção o fato de uma boa quantidade de lotes não apresentar
produção de gêneros de subsistência. No entanto, ainda não encontramos fontes que nos
permitam maiores aferições.
Como já vimos no início deste trabalho, a CAND, por ter ficado dividida em duas
zonas, apresentou desenvolvimento desigual e específico em cada uma delas. Assim como as
demais atividades, a agricultura também apresenta suas particularidades com relação a estas
duas áreas. Tendo sido colonizada a partir de 1954, quando a primeira zona já estava em
avançado estágio de desenvolvimento, esta segunda zona sofreu em maiores proporções a
falta de auxílios por parte da administração. Estendendo-se à margem direita do rio Dourados,
esta área apresentou problemas bem mais graves de estradas e transportes, não havendo vias
de escoamento diretas, isto é sem precisar retornar a Dourados e desta encaminhar a produção
à estação de Itahum. Como citado anteriormente, é nesta área que se encontra a maior parte da
colônia, ou seja, os 199.000 ha de terras localizados à margem direita do rio Dourados.
Os colonos da primeira zona, de imediato, receberam muitos estímulos para que se
dedicassem às culturas tipicamente comerciais, o que não ocorreu no caso da segunda zona,
onde as maiores dificuldades de escoamento nos primeiros anos de desenvolvimento agrícola
fizeram com que a produção dos colonos fosse caracterizada, em sua maior parte, pelos
gêneros alimentícios já citados, os quais, além do comércio, supriam também as necessidades
de consumo das famílias de colonos.
No tocante às vias de escoamento, a NOB (Estrada de Ferro Noroeste do Brasil), por
meio da estação de Itahum, ainda era a melhor alternativa no que toca ao escoamento da
produção de Dourados. De fato, da mesma forma que desembarcaram na CAND muitos
117
migrantes, a estação, por relativamente pouco tempo, acabou servindo como uma via de
escoamento da volumosa produção da colônia.
No entanto, se a NOB favoreceu o transporte da produção dos colonos da primeira
zona, não podemos dizer o mesmo com relação à segunda, cujas distâncias inviabilizavam
esse transporte, pois a citada estação ficou muito distante dessa área. É nesse sentido que
Queiroz assinala a “situação relativamente desfavorável desse ramal, um tanto excêntrico em
relação ao núcleo agrícola constituído pela CAND”. O autor explica: “essa colônia, de fato,
estendeu-se a leste da cidade de Dourados, enquanto a estação de Itahum foi estabelecida
cerca de 60 km a oeste da cidade” (2004, p. 453). Dessa forma, quanto mais ao interior mais
distante da principal via de escoamento mais próxima de Dourados. A própria ligação entre
estas duas áreas, isto é, a primeira e a segunda zona, apresentava grandes dificuldades, sendo
em parte caracterizada por várzea, comumente chamado pelos colonos de varjão. Enfim, no
tocante a estradas, transportes e escoamento, os colonos da segunda zona enfrentaram uma
situação muito mais grave como registram os memorialistas: “a única e precaríssima ligação
que tínhamos era com Dourados, através de caminho aberto a braços humanos onde havia
terríveis atoleiros, dentre os quais, os famosos travessão da Onça, o do Guassu e o varjão de
Vila Brasil” (AZEVEDO, 1994, p. 59).
No entanto, quando havia bom tempo, isto é, com chuvas regulares, era possível, ainda
que sob muitos obstáculos, o transporte de produtos até Dourados de onde eram
encaminhados para os compradores. Muitos desses colonos negociaram a produção entre
pessoas de Dourados e também na região como, por exemplo, em Campo Grande a um preço
relativamente baixo com relação aos preços oficiais. O baixo custo de investimento, as boas
colheitas e a falta de armazéns para estocagem possibilitaram a estes colonos oferecer o
produto a um preço baixo, fator que garantia alguma venda no comércio local evitando que
perdessem boa parte da safra.
As fontes indicam que, ao contrário dos colonos da primeira zona, estes não puderam
contar com a ajuda da administração, no tocante a sementes e defensivos agrícolas
necessários, até porque o processo se deu tardiamente em relação à implantação da CAND e
sabemos que a ajuda oficial, fosse ela de qualquer natureza, se limitou às primeiras levas de
migrantes. Os colonos da segunda zona fazem parte das últimas levas de migrantes
(PONCIANO, 2006, p. 89).
Mesmo diante desse quadro de insuficiência de recursos, os colonos puderam
desenvolver uma grande produção de alimentos, da qual acabavam perdendo grande parte
118
devido aos problemas já citados e que agora se agravavam com as maiores distâncias. Diante
da dificuldade de escoamento, a estocagem dos grãos seria uma alternativa de manter os
produtos por mais tempo, até que houvesse condições de comercializá-los, todavia a falta de
armazéns ou de qualquer condição de armazenamento comprometia as colheitas, que expostas
à umidade e até mesmo às chuvas pereciam mais rapidamente.
Em meio a este quadro de dificuldades, nesta segunda zona uma das instâncias que
chama atenção e que constitui uma especificidade desta área está relacionada à sociabilidade
dos colonos, os quais, relativamente isolados e sem alternativas, puderam desenvolver sua
lavoura contando com uma cooperação mútua. Dessa forma, a reciprocidade era característica
marcante entre esses colonos. Esta característica foi importante para a sobrevivência do grupo
enquanto pequenos produtores rurais. Talvez a cooperação no trabalho dos colonos se desse
em virtude do baixo nível técnico adotado por esses agricultores, que, desde o plantio até a
colheita, contavam com um processo manual, possibilitando assim a interdependência entre
eles. Essa característica pôde ser apreendida, principalmente, da observação e análise das
fontes orais, as quais permitem visualizar certas subjetividades com relação ao modo de vida
destes colonos. Essas qualidades do agricultor simples da pequena propriedade podem ser
melhor visualizadas por meio da fala da ex-colona Lair Nunes, que relata qual era a estratégia
dos colonos, nos momentos de necessidade, como por exemplo, na época da colheita do milho
e do feijão:
Aí plantamos milho e feijão, o milho nós mesmo que batia ele, não é igual hoje com
batedeira, o milho a gente quebrava todo o milho, na hora de bater tinha feito de
madeira, chamava cabrita, feito de madeira, era duas forquilha, fechado de tábua de
um lado e de outro, botava o milho ali dentro, descascado o milho, e ali batia de lá e
de cá, batendo com um pau, e o milho descia para baixo, e o sabugo ficava dentro, e
era assim. Nós fazia mutirão, reunia a vizinhança, cada um ajudava o outro sabe, na
época da bateção do milho [...] Feijão também naquela época não tinha máquina de
bater feijão (depoimento de Lair Nunes, coletado por Ponciano em 1999).
119
No início da preparação do terreno, como vimos em capítulos anteriores, o trabalho
era feito exclusivamente pelos homens, por se tratar de um trabalho mais pesado: queimada da
vegetação, a destoca (retirada dos tocos das árvores derrubadas) e etc. No entanto, a partir da
roça já formada, entrava o trabalho conjunto da força familiar, onde esposa e filhos se uniam
em torno da lavoura que representava a continuidade da fartura da vida no campo. Azevedo
comenta que, na fabricação da farinha para ser comercializada, “um grande número de
mulheres, moças e crianças, trabalhavam nos serviços de raspar mandioca; prensar a massa,
extrair o polvilho” (1994, p. 33). Os filhos de colonos, ao entrar na pré-adolescência já eram
contados como força de trabalho na roça. Era na época da colheita que essa força de trabalho
era mais requisitada.
Outra característica desses pequenos agricultores foi a criação de pequenos animais
que ajudavam na alimentação da casa. Era comum a criação de suínos e aves, dentre elas as
galinhas. A criação destes pequenos animais é chamada de “miunça”97 e ajudava muito na
providência da casa. Assim como em toda economia camponesa, foi constante em toda a
extensão da CAND, porém talvez tenha sido mais significativa na segunda zona, em virtude da
maior dificuldade no acesso a produtos industrializados. Dessa forma, com a criação desses
animais, os colonos tinham a carne para a “mistura” da refeição, a banha de porco que, além
de substituir o óleo, era utilizada para fazer sabão e que também poderia ser comercializada
entre os vizinhos. A própria venda de galinhas e porcos era uma alternativa para suprir
algumas pequenas necessidades da casa nos momentos de urgência. Sobre a criação desses
pequenos animais e a “fartura” que eles representavam comenta o ex-colono Ivo:
Tinha muita fartura, minha mãe mesmo na época que eu era criança, nessa época
que nós viemos para cá, que eu tinha 8 anos, minha mãe teve tempo de ter 400
cabeças de galinha no terreno, aquilo era ovo dentro de casa, que a gente não ligava
para aquilo não, as galinhas chocava para lá e chegava com os pintos, não tinha
doença, esse negócio de ficar pondo remedinho para pintinho, as galinhas chegava
com tonelada de pintinho e criava tudo, porco? Meu pai tinha uma porcada que não
tinha essa história de remédio não, era uma água lá no cocho de madeira, era feito de
madeira o cocho, de cedro (depoimento de Ivo de Araújo, coletado por Ponciano em
1999)
Começou Glória também, e Jatei, e aí veio e começou a se interessar a ligar com São
Paulo por aqui, em vez de ir por lá, que era tudo terra, buraco e natureza, vamos por
aqui que era mais fácil, a gente mesmo abria passagem, tinha uma pequena
passagem no lombo de burro, depois veio a terra, mais ainda, cascalhada
(depoimento do padre Amadeu Amadori, coletado por Ponciano).
O Pe. Amadeu diz “por aqui” se referindo a um caminho direto dessas localidades com
o estado São Paulo, ao invés de “ir por lá”, ou seja, retornar a Dourados e utilizar a estação de
Itahum. A abertura de um caminho com condições relativamente boas era a única solução
para o escoamento da produção destes colonos, mesmo que ainda tivessem que se sujeitar ao
trabalho dos intermediários. De acordo com as fontes, a abertura desta estrada era um sonho
para os colonos e uma necessidade não só para estes, mas para todos os envolvidos nas
121
colonizações particulares da região. A atual cidade de Nova Andradina, na época, estava em
plena colonização pela Cia. Moura Andrade, dessa forma as fontes indicam que uma estrada
foi aberta, depois de muita mobilização e reuniões, por parte de todos os interessados. Esta
mesma estrada corresponde atualmente à rodovia 376, sobre a mesma, comenta mais uma vez
o Pe. Amadori: “essa estrada aqui (linha do Barreirão) foi aberta para poder comercializar
com o estado de São Paulo, em vez de ir lá, pela cooperativa, vila São Pedro, pela estrada
ruim, então vamos abrir aqui” (depoimento de Pe. Amadeu Amadori, coletado por Ponciano
em 1999).
A tão sonhada estrada, por sua vez, teria sido aberta com a ajuda da companhia Moura
Andrade, bem como também dos colonos da CAND, conforme relata Azevedo, memorialista
da região de Glória de Dourados, e que, segundo suas memórias, teria participado ativamente
na abertura da estrada, conforme relata:
Na ponta de lá, o Moura Andrade comandou, com seus homens e máquinas, pois ele
era muito poderoso. Na margem direita do Rio Ivinhema, o Ruy de Toledo Pizza, a
que veio logo se juntar o grande Reynaldo Massí dono da SOMECO. Na ponta de cá,
nós, com 1.500 colonos, armados de enxadões, foices e machados, ajudados pelo
prefeito Vivaldi de Oliveira, com 1 trator e 1 motoniveladora (1994, p. 60).
Dessa forma esta estrada, ainda que bastante precária inicialmente, representou para os
colonos da CAND um grande progresso em seu desenvolvimento agrícola, conforme registra o
mesmo autor memorialista: “na colheita de algodão de 1962, isto é no mês de março,
iniciamos o transporte de algodão para São Paulo, por esta estrada, apesar das dificuldades de
uma rudimentar balsa de madeira, para transpor o Rio Ivinhema” (idem, p. 61).
Complementando a fala de Azevedo, o Pe. Amadeu relata: “primeiro eles plantavam feijão,
milho, depois começou a plantar algodão, era muito algodão, que ia para São Paulo”
(depoimento do padre Amadeu Amadori, coletado por Ponciano em 1999).
A partir de então, os colonos passam a produzir em maior quantidade, o algodão.
Sobre a produção da colônia, D. Diva diz que inicialmente “plantar algodão eles não
plantavam, eles plantavam arroz, feijão, milho, café, começaram a plantar café, depois é que
começaram a plantar o algodão” (depoimento de Diva Soares, coletado por Nilton Ponciano
em 1999). Segundo Belmiro, “antigamente aqui o negócio que trabalhava mais aqui era arroz,
era gado, muito pouquinho algodão, muito pouquinho, depois o algodão plantou bastante,
plantou até agora quando veio a soja, aquela soja grande primeiro, cortava de facão, aí depois
122
que veio a máquina”. (depoimento de Belmiro, coletado por Nilton Ponciano em 1999). O
fato de os colonos apontarem os gêneros alimentícios, como os primeiros produtos cultivados
e só depois se dedicarem a outras culturas, de fato se explica pelas condições precárias de
escoamento. No entanto, com a melhora destas, por meio da abertura de novas estradas, os
colonos passaram a investir em culturas essencialmente comerciais, além do algodão teve
grande impulso a cultura do amendoim.
Não encontramos registros da produção de amendoim na primeira zona da colônia, por
outro lado, sabemos do cultivo em proporções significativas desse produto na segunda zona,
conforme relata seu Antônio: “naquela época era plantado muito amendoim, naquela época
ninguém sabia o que era soja, plantava muito amendoim” (depoimento de Antonio Vicente
Rodrigues, coletado por Ponciano em 1999). De acordo com o jornal O Candango, publicado
em Glória de Dourados, o amendoim poderia ser plantado duas vezes ao ano, em setembro e
fevereiro – época mais crítica: “na primeira época, denominada ‘das águas’ o plantio é feito
em setembro. O plantio da seca, realizado na primeira quinzena de fevereiro, oferece grandes
riscos, quando as chuvas se tornam escassas, por conseguinte, com reflexos negativos na
produção” (O Candango, 18 jul. 1970).
123
FOTOGRAFIA 5: Colheita de amendoim, interior da CAND, década de 1960.
124
FOTOGRAFIA 6: Colonos colhendo amendoim, década de 1960, interior da CAND
Embora a expressão “agricultura familiar” seja usada para um contexto mais recente,
mais especificamente a partir dos anos 1990, com a implantação do Pronaf (cf.: GARCIA Jr;
HEREDIA, 2009 p. 215), a sua prática é antiga, à medida que pode ser usada como sinônimo de
agricultura camponesa, no sentido de que tanto uma como outra designam pequenos
produtores agrícolas que usam a força de trabalho da família, produzindo para um mercado
local e regional, além de retirar da produção a sua própria subsistência. Para Castro et al: “por
pequena produção, campesinato, produção de subsistência, produção familiar, etc. (termos
usados muitas vezes na literatura como conceitos similares), entende-se o seguinte fenômeno
social: unidades de produção organizadas com base no trabalho familiar”. (2002, p. 20).
125
Estas e outras expressões são usadas constantemente para caracterizar a agricultura da
CAND, uma vez que a mesma exigiu o trabalho de toda a unidade familiar. Todavia, são
comuns alguns equívocos e generalizações com relação às economias camponesas. Com
relação à agricultura desenvolvida na CAND ela frequentemente tem sido classificada como
de subsistência, isto porque, como dito anteriormente, a maioria de sua produção era de
produtos tipicamente destinados à subsistência. Embora seja apenas uma questão conceitual,
não raro faz-se uma visão equivocada da prática, vendo-a como uma agricultura na qual os
colonos produziam somente para sua subsistência, vendendo esporadicamente aquilo que
sobrasse da produção. Desta forma, ela pode ser confundida com produção para o
autoconsumo, embora Grisa e Schneider afirmem que as duas concepções não são termos
sinônimos, como costumeiramente são utilizados: “produção para a subsistência é mais ampla
que autoconsumo. Enquanto este pressupõe somente o que é consumido pela família, aquela
envolve ainda a produção destinada à circulação mercantil, a partir da qual são adquiridos
recursos igualmente importantes para a reprodução social” (2008).
Nesse sentido, as economias camponesas nos mais diversos contextos históricos
possuem suas especificidades e diversificações, dessa forma, o termo subsistência é um tanto
problemático, uma vez que dá margem a equívocos e generalizações. Garcia Jr. e Heredia, em
seu estudo sobre campesinato, família e diversidade de explorações agrícolas no Brasil,
denominaram de “lavouras com alternatividade autoconsumo/venda” (cf.: GARCIA JÚNIOR;
HEREDIA, 2009 p. 234) as culturas que em seus mais variados aspectos são produzidas para a
subsistência e também para o comércio. A “alternatividade” seria a preferência por culturas
que sejam destinadas tanto ao consumo quanto ao comércio. Grisa e Schneider dizem que “faz
parte das estratégias dos camponeses aproveitarem esta característica em situações de preços
favoráveis ou tratando-se de alimentos perecíveis” (2008).
Martins, por sua vez, denomina de “economia do excedente” as economias
camponesas de área de fronteira que não estão totalmente inseridas na economia de mercado,
mas que também não são destinados somente e exclusivamente à subsistência. Na prática a
agricultura do excedente seria o que costumeiramente chamam de agricultura de subsistência.
Este tipo de agricultura é comum na frente de expansão; como já dito no capítulo 1 a CAND
possuía muitos aspectos típicos dessa frente, um destes relaciona-se às relações de produção,
constituídas sob as dificuldades decorrentes das vias de escoamento, pois de acordo com
Martins:
126
Onde a distância do mercado não viabiliza a extração da renda capitalista da terra, o
camponês terá que organizar sua economia em outras bases. Ele terá que produzir e
assegurar seus próprios meios de vida. Com isso, poderá vender seus produtos como
excedentes, e não como produtos cujo preço de venda pelo produtor esteja
eventualmente baseado numa contabilidade de custos, como ocorre na atividade
organizada em bases empresariais (2009, p. 158).
O excedente não é o resto ou a sobra. Não se trata de que o agricultor assegure para
si e sua casa a subsistência e só depois venda o que sobrou, embora isso possa
ocorrer. Trata-se de uma economia de excedentes porque o raciocínio que preside a
organização da produção, isto é, o que plantar e, sobretudo, quanto plantar e até
onde plantar, está organizado a partir da idéia de que, do que planta, uma parte
deveria destinar-se primeiramente à subsistência da família do produtor e um
excedente deveria ser produzido para troca ou comércio (2009, p. 159-160;
destaques meus).
Dessa forma, por meio de uma agricultura que possuía vultosos excedentes
comercializáveis, a CAND obteve sucesso no tocante à concretização dos ideais do projeto
que a criou, no sentido de desenvolver a pequena propriedade. A colônia e seus colonos de
fato intensificaram a agricultura na região e mesmo que ainda não estivessem inseridos em
uma economia de mercado, pois a comercialização das matérias primas industriais foram
prejudicadas pela falta de escoamento, sem dúvida lançaram as bases para esta.
Por outro lado, a menor presença de gêneros comerciais na CAND não significa que
não tenha havido, em certa medida, uma agricultura comercial, tendo em vista que, embora
houvesse dificuldade de encaminhar produtos para a região de São Paulo, os satisfatórios
excedentes foram comercializados também na região. As fontes comprovam que os gêneros
alimentícios foram produzidos em grande escala, isto é, muito além das necessidades dos
colonos e suas famílias, conforme relatam os colonos e memorialistas: “produzia-se em
grande quantidade milho, feijão, arroz, mamona e principalmente farinha de mandioca”
(AZEVEDO, p. 59). “Lá meu pai trabalhava com lavoura, ele plantava arroz, feijão, plantava
um bananal e vendia uma carrada de banana, tinha cana, tinha fartura que só vendo, plantava
feijão, não tinha preço, era jogado na estrada, tinha muito alimento, tinha fartura, hoje não
tem mais” (depoimento de Dulce Fernandes de Oliveira, coletado em 1999 por Ponciano).
127
Nesse sentido é revelador também um documento da época registrando estatística em
que consta índice de produção vendida na primeira zona da CAND, no início da década de
1950: “milho: 4.440.000 kg; feijão: 690.000 kg; arroz: 750.000 kg e farinha de mandioca:
840.000 kg”98. Observando que estes valores excluem a produção consumida no local.
Gressler e Swensson também afirmam: “a queda dos preços do café em 1962 e a
grande geada de 1965 forçam a erradicação de grande parte dos cafezais, proporcionando o
desenvolvimento intensivo de uma agricultura comercial, representada principalmente pelo
cultivo de arroz, milho, amendoim, feijão, algodão e mandioca, tendo em vista o
abastecimento do mercado da região sudeste” (1988, p. 97). A geada de 1965 de fato
parece ter sido decisiva para o comprometimento da cultura do café no SMT. Todavia, outros
fatores parecem ter colaborado para o quadro. Pebayle e Koechlin destacam uma queda nos
preços do café já “a partir de 1952, bem como uma série de adversidades climáticas que
culminaram na forte geada de 1965” (cf. 1981, p. 15). Desta forma a agricultura comercial na
CAND não foi formada somente pela produção dos gêneros tipicamente considerados
comerciais, mas por todos os que eram cultivados e vendidos na região. Mesmo sabendo das
difíceis ligações da Colônia com o seu principal mercado (o Sudeste), com base nas
informações referentes à produção pode-se afirmar que a CAND produzia excedentes que
poderiam, em princípio, ser encaminhados para atender à demanda do mercado do Sudeste.
Mesmo em meio às grandes dificuldades de transportes no início da década de 1950
volumosas sacas de algodão foram encaminhadas à região de Presidente Prudente. No
entanto, os problemas de escoamento, a dependência dos intermediários, estão entre os
principais fatores que impediram que a agricultura na CAND se inserisse de forma mais
intensa em uma economia de mercado.
98
Carta de um dos administradores da CAND ao D.T.C. sem data.
128
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante o Estado Novo brasileiro a colonização dirigida parecia ser a solução para
resolver vários problemas e também para se alcançar o desenvolvimento capitalista, típico dos
governos nacionalistas. Assim, iniciou-se a Campanha da Marcha para Oeste, projeto de
colonização que conjugava fatores políticos, como as preocupações com o território nacional,
e fatores econômicos, como o movimento das frentes pioneiras, decorrentes do
desenvolvimento industrial acelerado na região Sudeste. A CAND no SMT foi reflexo desse
processo, o grande fluxo migratório para a região, ocorrido durante a Marcha para Oeste,
garantiu de fato a implantação da Colônia, em fins da década de 1940 e início da seguinte.
Nesse contexto, este trabalho abordou a vivência dos colonos, sobretudo os aspectos ligados à
sua subsistência, às atividades econômicas que lhes garantiram uma renda evitando que
houvesse evasão dos lotes.
Embora o Estado projetasse as Colônias Agrícolas visando ao abastecimento do
mercado interno - passo importante para o desenvolvimento industrial - vimos que na CAND
não foi possível a montagem de uma infraestrutura básica que possibilitasse o seu
desenvolvimento da forma como se tinha visualizado pelo Estado. Considerando a
insuficiência de recursos por parte do governo federal, a precária infraestrutura, e
consequentemente a iniciativa por conta própria dos migrantes (no caso da segunda zona),
vimos que a Colônia teve um bom desenvolvimento, alcançado quase que unicamente pelo
esforço dos colonos.
Outros autores, como Naglis, já haviam destacado o fato de o governo Vargas não ser
o único responsável pela implantação da Colônia (cf.:2007, p. 36). Pois mesmo a intervenção
governamental, em dimensão mais ampla, não seria capaz de garantir o sucesso dos projetos
criados. A implantação da CAND se fez pela adesão dos migrantes, não fosse estes, o
Decreto-lei nada teria em seus efeitos; uma vez que a história vivida e sua dinâmica são
construídas por sujeitos históricos reais em movimento dentro da conjuntura nacional, pois a
história não é fruto de vontades individuais, mas de processos históricos que reúnem fatores
de longa data. Isto nos permite evidenciar parte da história distorcida pela memória popular
local e regional, ao incorporar na personagem de Getúlio Vargas a responsabilidade por este
processo de desenvolvimento do SMT. Diversos fatores da realidade nacional, na qual se
inseriam milhares de cidadãos, possibilitaram que os projetos estadonovistas tivessem grande
adesão por parte dos brasileiros, porque ao se projetar tais políticas já se visualizavam as
possibilidades de aceitação, em face dos problemas sociais e políticos que possibilitavam
129
mudanças. Nesse processo, destaca-se a propaganda governamental, somada à não oficial,
como um aliado à adesão de milhares de pessoas à Marcha.
Nesse contexto, ao término deste trabalho percebe-se que, ao contrário de outras
colônias implantadas com a Marcha para Oeste, (cf.: ESTERCI, 1972, p. 97) a CAND obteve
êxito em seu desenvolvimento. Apesar das dificuldades iniciais, como as matas e a
necessidade de derrubá-las, os migrantes não tiveram grandes problemas de adaptação, uma
vez que a realidade natural era favorável no que toca ao desenvolvimento da lavoura, o que
possibilitou a estes colonos o desenvolvimento de técnicas simples de exploração da terra.
O desenvolvimento na CAND foi muito particular. Embora emancipada em 1968, esta
década marcou também o momento em que a agricultura na segunda zona tomou corpo, com
a possibilidade de escoamento ao Sudeste. Neste momento, houve então um impulso à
agricultura comercial, tão prejudicada até então pela falta de estradas. É nesse sentido que,
mesmo após a emancipação, a Colônia não perdeu de imediato as suas características, mas
manteve-se por algum tempo, principalmente na segunda zona, onde a pequena lavoura era
calcada em gêneros alimentícios, como o arroz, o milho, o feijão e a mandioca, bem como em
matérias primas industriais, como o algodão e o amendoim. O beneficiamento de madeira
também continuava nas serrarias que se aperfeiçoavam cada vez mais. Estes produtos, tanto
os gêneros agrícolas como a madeira beneficiada, continuaram sendo comercializados com a
região de Presidente Prudente e também com os consumidores regionais.
A realidade começou a mudar de fato, em toda a extensão da Colônia, a partir da
década de 1980, com a presença de agricultores do sul do país, principalmente os sul-rio-
grandenses e paranaenses, investindo capital e introduzindo novas técnicas, estas só acessíveis
aos que possuíam maiores recursos financeiros. Com o aumento da produtividade das terras
em decorrência desse processo, os colonos, proprietários de pequenos lotes, se viram
pressionados a vendê-los, o que acarretou certa concentração fundiária na região e, em
conseqüência, a parcial substituição da policultura pela monocultura, pouco tempo depois
representada pela grande lavoura do milho e da soja.
Verificamos que na CAND o colono superou as dificuldades iniciais, encontrou
formas alternativas de sobrevivência e, a partir do esforço coletivo, formou uma nova
sociedade. A exploração da madeira, como vimos, foi uma atividade crucial na obtenção da
renda de muitas famílias. O desenvolvimento desta atividade esbarrou em diversos entraves
burocráticos, que envolviam proibições por parte da administração, bem como também em
aspirações especulativas, como a ação de pequenos empresários da região, os quais buscavam
130
lucrar mediante exploração dos colonos. Nesse contexto, verificamos ainda que as questões
burocráticas, com relação à exploração da madeira, no entanto, tiveram a ver mais com
questões políticas e interesses pessoais, do que de fato, com questões ambientais, tendo em
vista a ausência de consciência ambiental dos moradores da fronteira, naquele momento. A
exploração da madeira foi uma das atividades que não terminaram com a emancipação da
colônia, mas ao contrário foi se expandindo cada vez mais, multiplicando serrarias pelo
interior da Colônia. Muitos colonos, ao aperfeiçoar suas serrarias manuais, se tornaram
verdadeiros empresários do ramo madeireiro.
O desenvolvimento agrícola, principal objetivo dos colonos, por sua vez foi garantido
por meio da soma de fatores favoráveis e da união dos migrantes. Na segunda zona, onde as
dificuldades eram mais acentuadas, o esforço coletivo foi fundamental para a constituição e
desenvolvimento da pequena propriedade, isso pode ser percebido nas relações de
reciprocidade, mostradas no capítulo 3.
De fato, o trabalho com a terra foi predominante, a agricultura tomou corpo e uma
produção em larga medida foi verificada nos lotes da CAND. As lavouras de gêneros
alimentícios predominaram, embora se tenha verificado grande produção também de gêneros
comerciais, como o café, o algodão e o amendoim. O comércio esteve presente desde o início
da década de 1950, embora se enfrentasse neste momento inúmeras dificuldades, devido às
más condições de escoamento; todavia, a partir da década de 1960, com a melhora das
estradas, a agricultura, bem como a atividade madeireira no interior da Colônia, se
intensificou devido à possibilidade de comércio com a região de Presidente Prudente.
Enfim, este trabalho não esgotou as possibilidades de estudo e muitos outros aspectos
ainda estão por serem abordadas, no entanto, espero que a presente pesquisa possa ter
efetivamente trazido novas contribuições para o conhecimento desse processo histórico tão
rico e que envolveu, durante tanto tempo, tantas pessoas.
131
FONTES PRIMÁRIAS
ALBERTI, Verena. Histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.) Fontes
históricas. São Paulo: Contexto, 2005
AMADO, Janaína. A culpa nossa de cada dia. Revista do Programa de Estudos Pós-
Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo, 1981.
AMARAL, Inez Maria Bitencourt do. Entre rupturas e permanências: a igreja Católica na
região de Dourados (1943-1971). 2005. 125 f. Dissertação (mestrado em História).
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Dourados.
ARRUDA, Gilmar. Frutos da terra: os trabalhadores da Mate Laranjeira. Londrina, Ed. UEL,
1997
AZEVEDO, José de. Histórias que vivi. Associação de Novos Escritores de MS, 1994
ARAÙJO, Vilma Maria de. DANTAS, Ronaldo. “Zé Baiano”: memórias de um assentado. In:
AMARILHA, Carlos Mieres. SERAFIN, Luciano (org.) Mato Grosso do Sul - poder,
memórias e identidades. Dourados: Ed. Nicanor Coelho, 2009. p. 19 - 21.
CAMPOS, Fausto Vieira de. Retrato de mato Grosso. São Paulo, 1955.
132
CAPILÉ, Cláudia Coutinho. História de Fátima do Sul. [S.l]: Graf. Caiuás, 1999.
CASTRO, Sueli Pereira...[et all]. A colonização oficial em Mato Grosso: a nata e a borra da
sociedade. Cuiabá. Ed. UFMT, 2002.
COOPERATIVA mixta da CAND - uma instituição para bem servir aos colonos - O
Progresso 09 mar. 1952
COSTA, Damarci Olivi da. Colonização, especulação fundiária e terra de índio: a Colônia
Agrícola Nacional de Dourados e a aldeia Panambi. 1998. 45 f. Monografia (Especialização
em História do Brasil). Centro Universitário de Dourados, Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, Dourados.
CORRÊA, Lúcia Salsa. A fronteira na História Regional: o Sul de Mato Grosso (1870-1920),
1997. 327 f. Tese (Doutorado em História econômica). FFLC/USP, São Paulo.
DIAS, Guilherme Leite da Silva; CASTRO, Manoel Cabral de. A Colonização Oficial no
Brasil: Erros e Acertos na Fronteira Agrícola. São Paulo, IPE/USP (Instituto de Pesquisas
Econômicas da Universidade de São Paulo), 1986.
ESTERCI, Neide. O mito da democracia no país das bandeiras: análise simbólica dos
discursos sobre migração e colonização do Estado Novo. 1972. 118 p. Dissertação (mestrado
em Antropologia). Museu Nacional, Rio de Janeiro.
133
FIGUEIREDO, Alvanir. O extremo sul de Mato Grosso. Guia de excursões. Org. A.G.B.
Presidente Prudente. Julho, 1972
FOWERAKER, Joe. A luta pela terra: a economia política da fronteira pioneira no Brasil.
Rio de Janeiro: Zahar, 1982
FRANÇOIS, Etienne. Os tesouros da Stasi ou a miragem dos arquivos. In: BOUTIER, Jean,
JULIA Dominique (orgs). Passados recompostos: campos e canteiros da história. Rio de
Janeiro, Ed.: UFRJ: FGV, 1998.
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os (des) caminhos do meio ambiente. 14 ed. São Paulo:
Contexto, 2010.
INAGAKI, Edna Mtsue. Dourádossu: caminhos e cotidiano dos nikkeis em Dourados (1940 a
1960) 2002. 165 f. Dissertação (mestrado em História) Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul. Dourados.
JESUS, Laércio Cardoso de. Erva-mate – o outro lado: a presença dos produtores
Independentes no antigo sul de Mato Grosso (1870-1970). 2004. F’. Dissertação (Mestrado
em História) Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Dourados.
LENHARO, Alcir. A terra para quem nela não trabalha: a especulação com a terra no oeste
brasileiro nos anos 50. Revista Brasileira de História, São Paulo: ANPUH, v. 6, n. 12, p. 47-
64, mar/ago.1986.
LINHARES, Maria Yedda. História agrária. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS,
Ronaldo (orgs.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro:
Campus, 1997.
LIMA, Alexandrino Ferreira de. Glória de Dourados: datas e fatos. [Glória de Dourados]:
[s.n], [1982].
134
MARTINS, José de Souza. Tradicionalismo e Capitalismo: estudos sobre as contradições da
sociedade agrária no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1975.
MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São
Paulo: Contexto, 2009.
MARTINEZ, Paulo Henrique. História ambiental no Brasil: pesquisa e ensino. São Paulo:
Cortez, 2006.
MENEZES, Ana Paula. A Colônia Agrícola Nacional de Dourados - CAND - nas décadas de
1950 e 1960. 2008. Relatório (Iniciação científica). Universidade Federal da Grande
Dourados. Dourados.
MORAIS, Edileuza Lima dos Santos...[et al]. Relatos da fundação de Deodápolis. In:
AMARILHA, Carlos Mieres. SERAFIN, Luciano (org.) Mato grosso do Sul - poder,
memórias e identidades. Dourados: Ed. Nicanor Coelho. 2009. p. 34 - 46.
NAGLIS, Suzana Gonçalves Batista. “Marquei aquele lugar com o suor do meu rosto”: os
colonos da Colônia Agrícola Nacional de Dourados - CAND (1943-1960). 2007. 118 f.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Grande Dourado. Dourados.
O MOVIMENTO dos colonos pela demissão do Snr. Lloyd Ubatuba. O Progresso, 8 de jun.
de 1952.
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5,
n. 10, 1992, p. 200-212.
QUEIROZ, Paulo Roberto Cimo. Uma ferrovia entre dois mundos: a E. F. Noroeste do Brasil
na primeira metade do século 20, Bauru, SP: EDUSC; Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2004.
135
SALOMÂO, Dioclécia Souza...[et all]. Jateí: memórias e homenagens In: AMARILHA,
Carlos Mieres. SERAFIN, Luciano (org.) Mato Grosso do Sul – poder, memórias e
identidades. Dourados, Ed. Nicanor Coelho. 2009
VIETTA, Kátia. Histórias sobre terras e xamãs Kaiowa: territorialidade e organização social
na perspectiva dos Kaiwa de Panambizinho (Dourados, MS) após 170 anos de exploração e
povoamento não-indígena da faixa de fronteira entre o Brasil e o Paraguai. 2007. 512 f. Tese
(Doutorado em Antropologia Social). FFCL/USP, São Paulo.
136
Autorizo a reprodução deste trabalho.
__________________________________________
Ana Paula Menezes
137