A Mise en Abyme PDF
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ndice
Introduo.....1
O Dirio de Gide......2
Os Espelhos na Pintura.....3
A Literatura......4
A Herldica e a Primeira Definio.....5
A m ise en abyme Gideana ..........5
A Diviso do Conceito.........7
Concluso.......10
Referncias.....11
Resumo
Apresenta-se o conceito de mise en abyme a partir de Dallenbach. Expe-se a primeira aplicao do
termo por Gide a partir da herldica. Refere-se a importncia do espelho da pintura e da ideia de obra
dentro da obra da literatura. Revela-se uma primeira definio do termo dada por Dallenbach.
Discute-se a importncia do sujeito e da composio estrutural na mise en abyme gideana.
Caracterizam-se as trs reduplicaes simples , infinita e paradoxal. Define-se uma extenso da mise
en abyme como um conceito tripartido.
Introduo
O conceito de mise en abyme que aqui se pretende apresentar e analisar incide
principalmente nas discusses e reflexes de Lucien Dallenbach em torno do termo,
afirmando-se assim como referncia fundamental para o desenvolvimento deste ensaio o livro
do autor: El Relato Especular 1.
Dallenbach iria ento elaborar um longo estudo e investigao acerca da mise en
abyme, remetendo o leitor, numa fase inicial do seu texto, para a origem do termo nos
Journals de Andr Gide e do seu desdobramento na recepo, apropriao e aplicao pela
crtica literria. Numa segunda fase, o autor elabora uma tipologia do conceito. Na terceira e
ltima, Dallenbach oferece um estudo diacrnico do conceito sobre o estilo literrio do
Nouveau Roman e do Nouveau Nouveau Roman. Este ensaio ir focar-se sobretudo na
primeira parte do texto de Dallenbach.
Inicia-se a apresentao com a entrada no dirio de Andr Gide, no qual o termo en
abyme surge pela primeira vez. Indica-se o ponto comum entre os vrios exemplos
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O ttulo original da obra em francs E l Rcit Spculaire (Essai sur la mise en abyme). A traduo em ingls
tem o nome de The Mirror in the Text.
1
mencionados pelo escritor francs, dando origem a uma primeira definio do termo.
Segue-se uma discusso aplicao da mise en abyme gideana, por parte de Dallenbach,
tendo em conta a obra La Tentative amoreuse. Caracterizam-se outras aproximaes ao
conceito por parte de dois tericos (Magny e Lafille) que, juntamente com uma anlise a duas
obras de Gide (Paludes e Les Faux-Monnayeurs) resultam numa ampliao e diviso do
conceito proposto.
O Dirio de Gide
Partindo ento da gnese do termo, em 1893 numa passagem dos seus dirios que
Andr Gide alude pela primeira vez expresso en abyme, e f-lo atravs de vrios exemplos
que remetem para dimenses diferentes, os quais, por sua vez, desdobram algumas questes
que se consideram importantes para a compreenso do mesmo:
(...) In a work of art I rather like to find transposed, on the scale of the characters, the
very subject of that work. Nothing throws clearer light upon it or more surely establishes the
proportions of the whole. Thus, in certain paintings of Memling or Quention Metzys a small
convex and dark mirror reflects the interior of the room in which the scene of the painting is
taking place. Likewise in Velazquezs painting of the Menins (but somewhat differently).
Finally, in literature, in the play scene in Hamlet, and elsewhere in many other plays. In
Wilhelm Meister the scenes of the puppets or the celebration at the castle. In The Fall of the
House of Husher the story that is read to Roderick, etc. None of these examples is altogether
exact. What would be much more so, and would explain much better what I want strove for in
my Cahiers, in my Narcisse, and in the Tentative, is a comparison with the device of heraldry
that consists in setting in the escutcheon a smaller one en abyme, at the heart-point.
(GIDE, 2000, p. 29-30)
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ideia de en abyme destacada por Gide, no seu livro Historie du roman franais depuis 1918, e
que se iria impr aos termos de outros autores como composio ou construo em
abismo de Pierre Lafille (e ainda estrutura em abismo de G. Genette).
Apresentada ento a entrada no dirio de Gide, e continuando a ter como base o texto
de Dallenbach, prope-se agora uma breve observao aos trs exemplos com a finalidade de
apontar aquele que se considera o aspecto comum entre todos.
Os Espelhos na Pintura
No novidade referir que, ao longo da histria das artes, o espelho tem-se afirmado
como um elemento curioso e importante devido a vrias das suas propriedades. Uma delas, a
mais bvia e directa, incide na capacidade do reflexo do espelho para nos apresentar uma
imagem realista do mundo, para nos confrontar com a nossa aparncia, permitindo vermo-nos
da mesma maneira que os outros nos olham. Uma outra, talvez mais interessante, incide,
aponta Dallenbach, no su singular poder de revelacion (DALLENBACH, 1991, p. 17): no
facto do espelho se tornar numa espcie de prtese para o olhar que, atravs da sua
propriedade de extensividade-intrusividade (expresses de Umberto Eco: ECO, 1989, p.
19-20), permite prolongar o alcance da viso, cedendo acesso a pontos de vista que apenas
com o olhar se tornam impossveis de alcanar.
Um dos mestres que se afirma nesta tradio da pintura referida por Gide, ainda que
no mencionado directamente na entrada do seu dirio, mas destacado por Dallenbach no seu
texto, seria claramente o pintor flamengo Jan Van Eyck. O Casal Arnolfini ser talvez das
obras que mais se destaca: o artista tira partido do instrumento para tornar visvel o invisvel,
colocando frente do espectador, no espelho atrs das personagens principais, elementos que
se apresentam ilusoriamente sua retaguarda.
Um outro pintor, este sim agora presente nas palavras de Gide, ser o alemo Hans
Memling. Com a sua obra Dptico de Martin Van Nieuwenhove nota-se um espelho no lado
esquerdo da Virgem que reflecte as duas personagens diante de janelas, sendo que estas
ltimas parecem corresponder ao prprio enquadramento dos dois painis. Numa outra
pintura, O Banqueiro, agora de Quentin Metsys, nota-se a presena de mais um espelho
convexo no qual se reflecte uma personagem perto de uma janela.
No ltimo exemplo, o quadro Las Meninas de Velazquez, um espelho no convexo
mas sim plano inserido no centro da pintura reflectindo a imagem do Rei e da Rainha, estes
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que se encontram fora da tela, criando ento um cruzamento de olhares que parecem
trespassar a bidimensionalidade da pintura. O pintor abandona o seu lugar tradicional (deixa
de olhar de fora para dentro), e introduz-se a si prprio no espao que os seus modelos
ocupam (agora olhando de dentro para fora), transportando, por sua vez, para fora da
superfcie bidimensional, as figuras principais (os reis, que, atravs do espelho, parecem
dirigir o olhar para o prprio pintor que os representa) que so agora colocadas no mesmo
plano do observador, sendo ento, este ltimo, tambm convidado a integrar o espao da
pintura (no s atravs do prolongamento do espao oferecido pelo reflexo do espelho, mas
tambm devido a todas estas interligaes entre olhares que so construdas).
A Literatura
No segundo exemplo, Gide faz referncia a vrias obras literrias. Hamlet, a clebre
obra de Shakespeare, talvez dos exemplos mais considerados nesta ideia da obra dentro da
obra. Hamlet, o personagem principal, prncipe da Dinamarca, descobre atravs de um
encontro com o Fantasma do seu pai, rei recentemente falecido, que ele no morrera devido a
um acidente (mordido por uma cobra no seu jardim), mas sim pelas mos de seu tio Cladio,
que o envenenara. Mais adiante na pea, na Cena II do Acto Terceiro, como parte de um
plano de vingana e com a finalidade de obter a reaco do assassino, um grupo de actores
dirigidos por Hamlet representa para o leitor, mas primeiro para a audincia composta pelos
personagens de Shakespeare, uma tragdia idntica quela que atormenta o prprio prncipe:
a morte do antigo rei, seu pai, pelas mos do seu tio agora casado com a rainha, sua me. Ou
seja, decorre agora uma pea de teatro (a ratoeira como definida por Hamlet) dentro da
prpria pea de teatro que Hamlet, que reflecte um acontecimento semelhante quele que d
origem ao desenrolar de toda a vingana. Essa segunda pea, assim como o espelho na
pintura, reflecte e duplica o crime de Cladio, confrontando-o com o seu acto criminoso,
oferecendo a Hamlet e ao seu amigo Horcio a prova irrefutvel da sua culpa. A prpria
didasclia torna-se curiosa quando refere a presena de um segundo palco dentro do teatro:
Soam trombetas, as cortinas so puxadas para o lado, mostrando um segundo palco, onde
representada uma mmica (SHAKESPEARE, 2015, p. 225)
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A Herldica e a Primeira Definio
O terceiro e ltimo exemplo, aquele que parece ser mais eficaz para Gide,
corresponde ento arte da herldica que, segundo Dallenbach, seria estudada pelo autor em
1891 de acordo com algumas cartas trocadas com Paul Valry que parecem evidenciar a sua
curiosidade pela prtica.
Na herldica, o termo abyme ou corao corresponde ao centro exacto de um braso:
Chama-se centro, abismo ou corao, o ponto central do escudo, considerado o mais
importante dele (MATOS, 1969, p. 66). O que parece fascinar Gide neste processo ento o
facto de alguns escudos conterem, no seu centro, uma reproduo de um outro escudo
semelhante a si mesmos, uma espcie de duplicao interior.
Partindo ento desta observao aos pensamentos de Andr Gide, e discutindo os
vrios exemplos referidos pelo autor francs, Dallenbach iria propor uma definio base para
o conceito: es mise en abyme todo enclave que guarde relacin de similitud con la obra que
lo contiene2 (DALLENBACH, 1991, p. 16).
Deste modo, embora os vrios exemplos sejam de mbitos diferentes, a principal
semelhana entre todos eles (e esta parece ser uma ideia fundamental para todo o conceito)
incide no facto de que a sua propriedade essencial consiste em destacar, em colocar em
evidncia toda a estrutura formal da obra.
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A palavra enclave aqui entendida como incluso, como algo que est contido dentro de algo. Deste
modo, talvez se possa ler a passagem em portugus da seguinte maneira: mise en abyme toda a incluso que
apresenta uma relao de semelhana com a obra que a contm.
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no espelho ela apenas visvel de costas. A representao no espelho no as duplica da
mesma forma que so apresentados pela pintura.
O espelho tem ento esta capacidade (e esta a sua principal atraco) para
transportar para o interior da obra realidades que lhe so ilusoriamente exteriores,
oferecendo-se como um meio para transcender os limites da superfcie bidimensional ao
construir, atravs do jogo ptico do reflexo, um espao imaginrio em torno do observador,
envolvendo-o dentro da prpria obra. Da que Dallenbach refira que los espejos pictoricos
no retuvieran el pensamiento de Gide de modo duradero: la intrusion que efectuan no es sino
aproximacin - bastante deficiente - de la estructura soada. (DALLENBACH, 1991, p. 19).
Apesar da sua capacidade para evidenciar a estrutura que compe a pintura, eles no
duplicam a representao na sua totalidade, mas revelam sim apenas uma outra perspectiva
da obra ou um fragmento que escondido ao olhar.
No caso das obras literrias, tendo como principal exemplo o Hamlet, a aco
dramtica desenrola-se, argumenta Dallenbach, desempenhando um papel instrumental e no
de uma maneira rigorosamente paralela com toda a intriga, pois d-se, como nos espelhos da
pintura, uma espcie de reflexo da pr-histria do drama: h, com a encenao da pea,
uma repetio e/ou actualizao da tragdia revelada pelo Fantasma, que por sua vez um
acontecimento anterior ao incio da prpria pea. Mas Gide, quando escreve, menciona
Dallenbach, torna-se o seu prprio interlocutor, excluindo porm o seu duplo do circuito e
substituindo-o pela personagem principal do romance, impondo ento, a este ser fictcio, a
mesma actividade que desempenha ao cri-lo: o acto de escrever um romance e de narrar uma
histria. Dallenbach iria recorrer s prprias palavras de Gide:
Refere ainda Dallenbach que, curiosamente, o prprio autor francs ia por vezes
escrever com um espelho sua frente, olhando-se a si mesmo entre frases, ouvindo e
inspirando-se nas palavras do seu duplo (DALLENBACH, 1991, p. 22-23). Deste modo, ao
analisar a obra La Tentative amoureuse de Gide, Dallenbach iria esclarecer em que consiste
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estruturalmente a mise en abyme gideana e o que a destaca dos vrios exemplos que so
dados pelo autor no seu dirio, dizendo ento:
Diviso do Conceito
Apresentada a sua definio base, e discutida a aplicao Gideana do conceito,
Dallenbach comea a fazer uma breve leitura aos termos de outros dois tericos, C.E Magny
e P. Lafille, e mais tarde a duas obras principais de Gide, Paludes e Les Faux-Monnayeurs,
que iriam resultar num alargamento da mise en abyme.
Em relao a Magny, Dallenbach refere que, apesar de ter em conta a aplicao do
termo en abyme por Gide, a autora afasta-se da origem da sua expresso na herldica, e segue
a expresso de um modo meramente intuitivo; Dallenbach argumenta que, ao longo do texto
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de Magny, a palavra abismo sofre um contgio do seu sentido metafsico e, como
consequncia, comea a evocar ideias equivalentes como:
(...) espejos paralelos, infinitos matemticos, impresin de vrtigo, cmara en que los
motivos se van repitiendo hasta perderse de vista (pg. 271), impresin leibniziana de una
serie de mundos encajados unos dentro dos otros, vertiginosamente reflejados (pg. 273);
pero tambim - en un sentido enteramente distinto - mnada (pg. 270) y
macro-micro-cosmos (pg 272). (DALLENBACH, 1991, p. 33)
No caso de Lafille, Dallenbach indica que a definio se revela bem mais tcnica
quando comparada de Magny. O autor toma em considerao o procedimento herldico e
emprega como equivalente ao braso dentro do braso a metfora especular e
procedimientos de reflejo e inclusin (DALLENBACH, 1991, p. 36). Lafille desenvolve
ainda algumas reflexes em torno da obra Les Faux-Monnayeurs de Gide, dizendo, em
primeiro lugar, que a obra principal se constri dentro de si mesma, e, numa segunda
instncia, que o romance provoca uma espcie de vertigem, obrigando o leitor a questionar-se
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se est no Les Faux-Monnayeurs de Gide ou no Les Faux-Monnayeurs de douard 3. Aqui
Dallenbach argumenta que a leitura de Lafille destaca uma forma simples da mise en abyme
e, ao mesmo tempo, uma forma hiperblica, comeando ento a ir ao encontro das trs
designaes anteriormente referidas.
Com esta anlise aproximao de outros tericos, Dallenbach verifica que a mise en
abyme se revela um conceito bastante complexo, comeando neste momento a desdobrar-se
numa existncia tripartida, que destaca de novo o reflexo do espelho como uma questo
importante. As reflexes distintas entre os autores deve-se ao facto de Dallenbach partir de
uma leitura da entrada no Dirio de Gide e da obra La Tentative amoureuse (ambas de 1893)
enquanto Magny e Lafille se focam mais em obras posteriores, como Les Faux-Monnayeurs
(1925). Aqui o autor questiona-se se a definio inicial do termo que por ele dada levaria
em conta toda esta diversidade do fenmeno, e se o prprio Gide no teria sofrido uma
evoluo nas suas obras aps os seus pensamentos em 1893, atribuindo ento uma maior
amplitude a todo o conceito.
Estas questes fariam com que Dallenbach iniciasse uma anlise cuidadosa s duas
obras mencionas - Paludes (1895) e Les Faux-Monnayeurs (1925) - que resultaria numa
extenso da definio de mise en abyme.
Dallenbach observa ento com estas leituras que, apesar de Gide descartar
inicialmente a ideia do espelho, preferindo o exemplo da herldica na entrada do seu dirio
em 1893, mais tarde o escritor francs inverte as suas preferncias e considera que seja
estabelecida uma equivalncia entre ambas a mise en abyme e a noo especular de reflexo.
Ao mesmo tempo, Dallenbach refere que a noo do termo que inicialmente remetia para a
ideia da obra dentro da obra, no pode agora ser definida exclusivamente como uma
duplicao interior (DALLENBACH, 1991, p. 48), pois o conceito manifesta-se muito
mais profundo.
Dallenbach argumenta assim que a mise en abyme se revela como um conjunto de
diversas realidades que podem ser agrupadas em trs figuras fundamentais: a reduplicacin
simple caracterizada como uma obra/fragmento/sequncia que tem uma relao de
similitude com a obra que o contm (um exemplo seria o Hamlet); a reduplicacin hasta el
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Les Faux-Monnayeurs (Os Moedeiros Falsos em Portugus, The Counterfeits em Ingls) um Romance de
Gide que se destaca pelo facto de haver uma personagem, douard, que escreve um Romance igualmente com o
ttulo Les Faux-Monnayeurs.
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infinito ou reduplicacin ilimitada que consiste numa obra, fragmento ou sequncia que
tem uma relao de semelhana com a obra que a contm, sendo que esta, por sua vez,
produz ou contm uma relao de semelhana com outra obra que a contm, e por a em
diante (o exemplo dAs Mil e Uma Noites); e a reduplicacin apriorstica (aportica) ou
paradjica: obra, fragmento ou sequncia que se supe que inclua (ou encerre) a obra que
realmente a inclui primeiro (DALLENBACH, 1991, p. 48) (Carlos Vidal daria o exemplo de
Lo Fingido Verdadero de Lope de Vaga, e de La Vida es Sueo de Caldern de la Barca:
VIDAL, p. 356).
Deste modo, o autor acredita que o procedimento no deve ser restringido, que
nenhum destes trs tipos de reduplicao se afirma como a nica verso de mise en abyme; h
ento que aceitar e distinguir nelas trs as diferentes espcies que se podem incluir no termo
geral de mise en abyme:
(...) vamos a aceptar las tres, distinguiendo en ellas las tres especies que pueden
incluirse en el trmino genrico de mise en abyme. Rehuyendo toda idea de simplicidad, este
triple reconocimiento da lugar, per se, a un definicin pluralista, que nos arriesgamos a
formular del modo siguiente: es mise en abyme todo espejo interno en que se refleja el
conjunto del relato por reduplicacin simples, repetida o especiosa. (DALLENBACH, 1991,
p. 49)
Concluso
A finalidade deste ensaio portanto apresentar a noo de mise en abyme assim como
definida por Lucien Dallenbach, permitindo compreender (ou pelo menos elucidar o leitor
para) o significado da palavra, assim como algumas das vrias questes que ela desdobra,
tendo em conta toda a complexidade que sofreu desde a sua primeira aplicao.
Numa fase inicial esclarece-se que o termo en abyme tem origem em Gide, que, por
sua vez, o transporta da herldica, no qual tem a funo de indicar o centro de um escudo.
Aqui nota-se que a expresso mise en abyme, tal e qual como apresentada, no criada por
Gide, mas sim por Magny, uma terica que, assim como vrios outros, estudaria este
interesse de Gide em criar uma histria na qual o tema principal , precisamente, a escrita de
uma outra histria. O termo mise en abyme comea ento a afirmar-se entre outros como
composio, construo ou estrutura em abismo.
De seguida, a partir do dirio de Gide, elaborou-se uma breve discusso aos vrios
exemplos referidos pelo escritor, considerando-os como importantes para a compreenso do
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conceito. Tanto a imagem especular do espelho, como a pea de teatro dentro de Hamlet,
como o escudo dentro do escudo na herldica tm a funo de manifestar e evidenciar a
estrutura que as compe, e esta seria uma das propriedades fundamentais da mise en abyme.
Porm, a entrada de 1893 no dirio de Gide no bastaria para englobar toda a complexidade
do conceito que se desenvolvera nos anos seguintes.
Dallenbach comea ento a verificar que a ideia base da mise en abyme como toda a
incluso que apresenta uma relao de semelhana com a obra que a contm demasiado
superficial. O mtodo gideano, ao contrrio da mera repetio que se encontra nos espelhos
da pintura, da segunda pea de teatro em Hamlet, e da duplicao interior da herldica, parece
focar-se na problemtica do sujeito: na construo simultnea de um escritor, narrador e
personagem. Deste modo, atravs de uma anlise aos romances escritos por Gide aps a data
da entrada no seu dirio, assim como aos estudos de outros tericos s suas obras, Dallenbach
elabora um prolongamento da expresso, colocando-a assim como uma noo composta por
trs dimenses fundamentais: a reduplicao simples constituda por uma obra idntica
obra onde se insere; a reduplicao infinita constituda por uma obra semelhante obra que a
envolve, e por a em diante; e a reduplicao aportica ou paradoxal, onde se d uma
mistura entre as vrias obras que se inserem umas dentro das outras, confundindo o leitor,
fazendo-o perder-se no abismo que se constri.
A mise en abyme afirma-se ento como um conceito tripartido onde cada uma das
suas trs dimenses se revela fundamental para o todo.
Referncias
DALLENBACH, Lucien (1991) El Relato Especular. Madrid: Visor. ISBN: 84-7774-708-3
ECO, Umberto (1989) Sobre os Espelhos e Outros Ensaios. Lisboa: Difel.
GIDE, Andr, (2000) Journals. Volume 1: 1889-1939. Urbana: Universidade de Illinois Press.
Traduo de Justin OBrien. ISBN 0-252-06929-3
MATOS, Gasto de Melo de (1969) Herldica. Lisboa: Verbo.
SHAKESPEARE, William (2015) Hamlet. Porto: Assrio & Alvim. Traduo de Sophia de Mello
Breyner Andresen. ISBN: 978-972-37-1862-1
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