Amilenismo Critica PDF

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 304

IGREJA LUTERANA

Revista Semestral de Teologia

1
IGREJA LUTERANA

SEMINRIO
CONCRDIA

Diretor
Gerson Luis Linden

Professores
Acir Raymann, Anselmo Ernesto Graff, Clvis Jair Prunzel, Gerson Luis Linden,
Leopoldo Heimann, Norberto Heine (CAAPP), Paulo Gerhard Pietzsch, Paulo
Proske Weirich, Paulo Wille Buss, Raul Blum, Vilson Scholz

Professores Emritos
Donaldo Schler, Paulo F. Flor

IGREJA LUTERANA
ISSN 0103-779X
Revista semestral de Teologia publicada em junho e novembro pela Faculdade
de Teologia do Seminrio Concrdia, da Igreja Evanglica Luterana do Brasil
(IELB), So Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.

Conselho Editorial
Paulo Wille Buss (Editor), Paulo Proske Weirich (Editor Homiltico)

Assistncia Administrativa
Nara Coelho e Crin Fester

A Revista Igreja Luterana est indexada em Bibliografia Bblica Latino-Ameri-


cana e Old Testament Abstracts.

Os originais dos artigos sero devolvidos quando acompanhados de envelope


com endereo e selado.

Solicita-se permuta
We request exchange
Wir erbitten Austausch

CORRESPONDNCIA
Revista Igreja Luterana
Seminrio Concrdia
Caixa Postal 202
93001-970 So Leopoldo/RS
Telefone: (0xx)51 3592 9035
e-mail: [email protected]
www.seminarioconcordia.com.br

2
NDICE

ARTIGOS
POR QUE LUTERANOS NO SO PS-MILENARISTAS? 7
Gerson L. Linden

OS CATECISMOS DE LUTERO: 33
A ARTE DE ENSINAR A VIVER POR F
Clcio Leocir Schadech e Clvis Jair Prunzel

APROXIME-SE DO ALTAR: UMA REFLEXO SOBRE 61


A TEOLOGIA E PRTICA DA SANTA CEIA
Joel D. Biermann

AUXLIOS HOMILTICOS 75

IGREJA LUTERANA
Volume 67 Junho de 2008 Nmero 1

3
IGREJA LUTERANA

4
NOTA DO LEITOR
com satisfao e gratido a Deus que a congregao de profes-
sores da Faculdade de Teologia do Seminrio Concrdia lana mais um
nmero de Igreja Luterana. Nosso objetivo continua sendo o de ofe-
recer subsdios para a reflexo teolgica e a prtica pastoral. Temos a
convico de que os artigos includos nesta edio identificam-se ple-
namente com este objetivo.
O diretor e professor Gerson Luis Linden examina a histria e os
ensinos do ps-milenarismo e os confronta com a teologia e prtica
luterana. Num artigo que fruto de um trabalho de concluso de curso
de especializao em teologia, Clcio L. Schadech e seu orientador
Prof. Clvis J. Prunzel refletem sobre os Catecismos de Lutero. Embora
tenham sido escritos h quase quinhentos anos, estes catecismos con-
tinuam a ter um importante lugar na teologia e no ensino da igreja
luterana. Os autores convidam o leitor a re-examinar o contedo des-
tes manuais catequticos para perceberem a relao harmoniosa en-
tre suas partes, unidas em torno do tema central da justificao do
pecador pela f em Cristo. Os dois ltimos artigos so tradues de
textos originalmente publicados em revistas teolgicas da Igreja
Luterana Snodo de Missouri (LCMS). Embora seus autores, ao escre-
verem estes artigos, tivessem em mente a realidade norte-americana
e, mais diretamente, a da LCMS, julgamos importante e relevante re-
produzi-los aqui, tendo em vista que os assuntos enfocados neles tam-
bm se constituem em tema de debate e se evidenciam na prtica da
vida congregacional e nacional da Igreja Evanglica Luterana do Bra-
sil. Agradecemos aos editores do Concordia Journal de Saint Louis e
do Concordia Theological Quarterly de Fort Wayne por gentilmente
terem autorizado a traduo e publicao dos artigos de suas revis-
tas. Finalmente, os auxlios homilticos procuram ir ao encontro das
necessidades dos pastores que se afadigam na palavra e no ensino.
Reconhecemos, agradecidos, o esforo de todos os colaboradores
que generosamente ofertaram dons e tempo precioso para viabilizar
mais esta edio. Aos leitores, uma boa e proveitosa leitura!

Paulo Wille Buss


Editor

5
IGREJA LUTERANA

6
POR QUE LUTERANOS NO SO PS-
MILENARISTAS?
Gerson L. Linden1

A Confisso de Augsburgo ... basicamente ps-milenarista. Gru-


pos luteranos tendem a seguir esta posio.2 Esta afirmao causa
surpresa se comparada quela da Comisso de Teologia e Relaes
Eclesiais da Igreja Luterana, Snodo de Missouri, de que a escatologia
apresentada nas Confisses Luteranas claramente amilenarista (CA
XVII).3 A confuso manifestada por Erickson possivelmente se deve
ao fato de que, assim como os ps-milenaristas, telogos luteranos
normalmente interpretam o milnio como um perodo no literal de
mil anos e entendem que a segunda vinda de Cristo acontecer aps
este perodo.
Uma questo a ser feita se realmente importa a diferena entre
as trs diferentes correntes.4 Clouse chama a ateno para o fato de
que no simplesmente uma questo da ordem dos acontecimentos
futuros: muitas atitudes que um cristo tem a respeito da sociedade,
igreja e seu propsito, educao e cultura, e mesmo a respeito dos

1
O Professor Gerson Luis Linden, Mestre e Doutorando em Teologia, Diretor Geral do
Centro Educacional Concrdia de So Leopoldo, RS, e Professor de Exegese Bblica
(Novo Testamento) e Sistemtica no Seminrio Concrdia e na ULBRA.
2
Erickson, Opes Contemporneas na Escatologia, 51. Erickson no o nico autor que
classifica a teologia luterana como sendo ps-milenarista. Judisch argumenta contra uma
tal posio mostrando que a Confisso de Augsburgo explicitamente exclui da Igreja
Luterana todos os que advogam o milenarismo (incluindo o ps-milenarismo), no ape-
nas no artigo especfico sobre o assunto (XVII), mas em outras partes (Postmillennialism
and the Augustana, 159).
3
CTRE LCMS, Os Tempos do Fim, 11. As designaes pr-, ps- e amilenarismo
caracterizam diferentes posies teolgicas quanto relao entre a segunda vinda de
Cristo e o milnio mencionado em Apocalipse 20. Assim, resumidamente, o pr-
milenarismo sustenta que a vinda de Cristo acontecer antes do milnio, ou seja, inaugu-
rar um perodo (normalmente entendido como literal) de mil anos de paz sobre a terra. O
ps-milenarismo sugere que a segunda vinda de Cristo acontecer aps o milnio, enten-
dido este como um perodo no literal de tempo. E o amilenarismo interpreta o milnio
como sendo todo o perodo entre a ascenso de Jesus e sua segunda vinda: algumas
vezes chamado milenarismo realizado porque o perodo referido em Apocalipse 20 est
agora em um processo de realizao. [...] aqueles que adotam esta posio concordam
que os mil anos referidos em Apocalipse 20 uma expresso figurada para o presente
reino de Cristo, que comeou com sua ascenso ao cu e ser manifesto plenamente na
sua seguinda vinda (Ibid., p. 11).
4
importante lembrar que h outras subdivises nestas posies teolgicas. A mais
importante delas diz respeito distino entre o pr-milenarismo histrico e o
dispensacionalismo (pr-milenarismo dispensacional). Para maiores detalhes, ver: CTRE,
Os Tempos do Fim, pp. 7-10.

7
IGREJA LUTERANA

eventos contemporneos esto condicionadas pelo tipo de escatologia


que ele sustenta.5 Davis chama a ateno para as implicaes prti-
cas do posicionamento escatolgico que algum assume, visto que tal
posicionamento pressupe uma filosofia da Histria e um entendimento
do senhorio de Cristo que tm implicaes prticas e amplas para o
envolvimento do crente na expanso missionria, no evangelismo e na
renovao social.6 Rousas John Rushdoony, defendendo a posio ps-
milenarista, caracteriza a diferena prtica (homiltica) entre as trs
principais linhas de interpretao desta forma:

O pregador pr-milenarista quer salvar as almas an-


tes que venha o arrebatamento. O amilenarista pro-
cura salvar almas como se tira ramos de uma fogueira,
como homens resgatados do dilvio do mal para den-
tro da igreja, a arca de Deus. O ps-milenarista v como
sua obrigao trazer todas as reas da vida e pensa-
mento cativas a Cristo, o Redentor-Rei, assim que ele
possa governar sobre todas as coisas e introduzir seu
reino de justia e paz atravs de Seu povo.7

O objetivo do presente trabalho descrever a posio teolgica


conhecida como ps-milenarismo e comparar sua abordagem quela
da teologia luterana. Num primeiro captulo procuraremos caracteri-
zar o ps-milenarismo, incluindo um dos seus ramos contemporneos
(teologia reconstrucionista). Em seguida observaremos os principais
questionamentos a esta posio, a partir do ponto de vista
amilenarista. Ao final, o ps-milenarismo ser avaliado a partir de
aspectos distintivos da teologia luterana.

1. PS-MILENARISMO

1.1. Origens do pensamento ps-milenarista

Davis cita Calvino como sendo algum que, apesar de no articu-


lar idias especificamente ps-milenaristas, prenunciou desenvolvi-
mentos subsequentes.8 Pode-se questionar se isto historicamente
correto. comum observar em estudos ps-milenaristas a tentativa

5
Clouse, Four Views, 209.
6
Davis, Christs Victorious Kingdom, 9.
7
Sandlin, A Postmillennial Primer, 1.
8
Davis, Christs Victorious Kingdom, 17.

8
POR QUE LUTERANOS NO SO PS-MILENARISTAS?

dos autores de demonstrar que Calvino pode ser entendido como


sendo ps-milenarista, ao menos nos princpios bsicos desta posi-
o teolgica. 9 Outros telogos Reformados esto convencidos que
Calvino era amilenarista.10 O que parece mais correto dizer que a
teologia ps-milenarista basicamente de matriz Reformada. Isto
especialmente verdade em se considerando a Teologia da Recons-
truo, a respeito da qual trataremos com mais detalhe abaixo, com
sua forte nfase no uso e importncia da lei para a transformao do
mundo de uma forma agradvel a Deus.
Alguns importantes telogos do sculo XVII tinham uma perspec-
tiva ps-milenarista. Podem ser citados: Daniel Whitby (1638-1726),
Thomas Brightman11, William Gouge12, John Cotton13 e John Owen14.
Um dos principais telogos do sculo XVII, Daniel Whitby, susten-
tou a tese de que haveria uma converso geral no mundo, incluindo
os judeus, que retornariam a sua terra. Os inimigos do cristianismo
(entre os quais Whitby lista o papa e os turcos) seriam derrotados. O
mundo teria ento um perodo de paz universal. Cristo retornaria pes-
soalmente para o julgamento final ao trmino deste perodo.15 A De-

9
Bahnsen, The Prima Facie Acceptability of Postmillennialism, 69-76.
10
Por exemplo, Barker e Godfrey, Theonomy A Reformed Critique.
11
Em 1609, uma exposio otimista de Thomas Brightman sobre o livro de Apocalipse foi
publicada, Apocalypsis Apocalypseos; nela ele tentou criar coragem na igreja em meio a
perseguies, apontando para a promessa da Escritura de uma era de triunfo para a igreja
na terra. Esta era seria caracterizada pela converso dos judeus e da plenitude dos
gentios, pela queda do papado e dos turcos, por tranquilidade e por uma igreja revitalizada,
tendo Cristo governando as naes pela sua palavra (Bahnsen, The Prima Facie
Acceptability of Postmillennialism, 77).
12
Um dos delegados ingleses Assemblia de Westminster: Gouge falava das promes-
sas especficas a respeito de um futuro de glria para a igreja crist, encontradas nas
profecias do Antigo Testamento, nas palavras de Cristo e de seus apstolos, e especial-
mente no livro de Apocalipse; de acordo com ele, elas no se aplicam ao mundo porvir,
mas ao estado glorioso da igreja antes do dia d2o julgamento um estado caracterizado
pelo chamado e converso dos judeus e da plenitude dos gentios para dentro de uma
igreja visvel (Bahnsen, 79,80).
13
De acordo com Bahnsen, o mais famoso telogo dos anos 1630 e 40 o lder puritano
em Boston. Os textos que aparecem na pgina ttulo de seu sermo de despedida para
aqueles que partiam para a Nova Inglaterra no navio Arbella em 1630 (2 Sm 7.10; Sl
22.27,30,31) evidenciam sua crena de que todas as naes do mundo viro para reco-
nhecer o verdadeiro Deus vivo; os colonizadores deveriam guardar na mente que os
propsitos de Deus em relao ao milnio deveriam ser servidos atravs dos seus esfor-
os (especialmente na evangelizao dos ndios) (78).
14
O principal telogo independente na Inglaterra na ltima metade do sculo XVII: Ele
explicou o reino de Deus como o controle espiritual dos cristos, resultando na conformi-
dade obediente palavra de Cristo. Os reinos anticristos sero ento abalados, confor-
me Owen, e sero substitudos com o triunfo do reino de Cristo, sinalizado pela converso
dos judeus (Bahnsen, 84).
15
Clouse, Four Views, 11.

9
IGREJA LUTERANA

clarao de Savoy, de 1658, adotada pelas Igrejas Congregacionais


Americanas, adaptou a Confisso de Westminster para as necessida-
des das Igrejas Congregacionais da Inglaterra e incorporou uma de-
clarao ps-milenarista:

De acordo com sua promessa, esperamos que nos l-


timos dias o anticristo ser destrudo, os judeus sero
chamados e os adversrios do Reino de Seu amado
Filho sero derrotados, as Igrejas de Cristo crescero
e sero edificadas atravs de uma livre e abundante
comunicao de luz e graa e desfrutaro neste mun-
do de uma condio mais tranquila, pacfica e gloriosa
do que jamais desfrutaram antes. [26.5] 16

De acordo com Bahnsen,

o ps-milenarismo foi um grande estmulo para as mis-


ses americanas. [...] Se algum quer encontrar evi-
dncias do ps-milenarismo precisa apenas olhar para
os grandes movimentos missionrios da Igreja antes
do sculo XX. O crescimento das misses crists no
pode ser propriamente compreendido parte da
escatologia que o estimulou.17

1.2. O Declnio do Ps-milenarismo no Sculo XX

Este que foi um posicionamento teolgico de muito vigor at o


sculo XIX sofreu um declnio especialmente na primeira metade do
sculo XX. Este fato normalmente explicado como uma
consequncia da Primeira Guerra Mundial e o pessimismo e desilu-
so que resultaram daquele perodo. A perspectiva otimista e es-
peranosa da viso ps-milenarista no mais parecia encaixar no
tempo presente. 18
Greg L. Bahnsen reconhece trs fatores principais que foram res-
ponsveis pelo declnio da defesa pblica do pensamento ps-
milenarista: 1) o liberalismo teolgico, com sua negao do testemu-

16
Davis, Christs Victorious Kingdom, 18.
17
Bahnsen, The Prima Facie, 98, 99. Uma pergunta que se poderia fazer qual o
posicionamento especfico sobre a escatologia est por detrs da viso luterana a respei-
to da misso!
18
Davis, Christs Victorious Kingdom, 21.

10
POR QUE LUTERANOS NO SO PS-MILENARISTAS?

nho bblico sobre a interveno de Deus no mundo. 2) O progressivismo


evolucionista dada a influncia de Kant e Hegel, com a idia que a
humanidade segue um caminho natural de desenvolvimento e liber-
dade. Um dos resultados foi a teoria da evoluo. 3) A aceitao de
tais idias por telogos influentes do sculo XIX e o entendimento da
religio como um assunto de tica promoveram um viso de reforma
social, que produziu a secularizao do ps-milenarismo. Exemplos
prticos disto foram o movimento socialista cristo na Inglaterra e do
evangelho social nos Estados Unidos. 19 Uma das conseqncias, de
acordo com Bahnsen, foi que o ps-milenarismo comeou a ser visto
como um tipo de teologia liberal.20

1.3. Ensinos Bsicos do Ps-milenarismo

Davis 21 lista quatro equvocos comuns a respeito do ps-


milenarismo, dizendo que ele no deveria ser identificado com: 1) o
otimismo evolucionrio do sculo XIX, pois o ps-milenarismo enten-
de que Cristo dar melhores condies ao mundo atravs de Sua
palavra e Esprito, no por uma evoluo natural; 2) liberalismo e
evangelho social. Desde 1815 a viso ps-milenarista tambm pro-
moveu reformas sociais, mas no deve ser confundida com o evange-
lho social (que Davis chama de uma forma secularizada de ps-
milenarismo);22 3) universalismo visto que ps-milenarismo no
sugere que toda a humanidade ser salva, mas que perto do fim o
cristianismo ser a religio dominante do mundo; 4) alguma verso
de destino manifesto, que v os Estados Unidos como a chave para
o plano de Deus para ampliar seu reino no mundo.

19
Walter Rauschenbusch, por exemplo, em seu A Theology for the Social Gospel, falou do
milnio vindo atravs do desenvolvimento natural de uma sociedade ideal que expressa-
ria a irmandade pblica do homem (Bahnsen, The Prima Facie, 50).
20
Bahnsen, The Prima Facie, 48-50.
21
Davis, Christs Victorious Kingdom, 12-16.
22
David Chilton argumenta fortemente contra a identificao do evangelho social com o
ps-milenarismo: Tal identificao completamente absurda, sem qualquer fundamento.
Os lderes do movimento do evangelho social eram humanistas e socialistas evolucionistas
e eram abertamente hostis ao cristianismo bblico. verdade que eles emprestaram
alguns termos e conceitos do cristianismo, a fim de pervert-los para seus prprios usos.
Assim eles falavam a respeito do reino de Deus, mas o que eles queriam dizer com isto
estava muito distante da f crist tradicional (Paradise Restored, 228).
23
Boettner, The Millennium, 4.

11
IGREJA LUTERANA

Um dos principais telogos ps-milenaristas do sculo XX, Loraine


Boettner, define o ps-milenarismo dizendo:

O Ps-milenarismo aquela viso das ltimas coisas


que afirma que o reino de Deus est sendo agora es-
tendido por todo o mundo atravs da proclamao do
evangelho e da obra salvfica do Esprito Santo, de
modo que o mundo ser finalmente cristianizado, e que
o retorno de Cristo ocorrer ao final de um longo per-
odo de justia e paz normalmente chamado de Mil-
nio.23

Em sua definio, Boettner, assim como outros autores, mostra


ser inadequada a abordagem popular que enfatiza o ps na desig-
nao (a vinda de Cristo aps o milnio). O argumento ps-milenarista
no est construdo principalmente sobre a interpretao de Apocalipse
20, como o caso do Dispensacionalismo.24 Telogos ps-milenaristas
enfatizam aquelas passagens que prometem uma era extensa de jus-
tia, paz e prosperidade terrenas. Nesta era ocorre o avano do reino
de Cristo na histria humana e a presena de Deus impulsionando
seu povo para o trabalho.25 A idia de progresso, considerada no sen-
tido amplo, mais importante que uma exegese especfica daquela
que uma passagem bblica central para o pr-milenarismo.
Para o ps-milenarismo, o milnio mostrar um aprimoramento nas
condies de vida da humanidade, nos campos social, econmico, pol-
tico e cultural. A abordagem ps-milenarista se baseia em textos bbli-
cos que apontam para um perodo de tempo de paz e progresso gerais
no mundo, promovidos pela expanso do reino de Deus. De importn-
cia central so aquelas passagens que mostram: 1. As promessas de
Deus a Abrao, de que sua descendncia herdaria a terra (Gn 17.7,8;
22.15-18; Rm 4.13; Gl. 3.29); 2. As promessas de Deus de que o reino
de Cristo iria invadir toda a terra (Dn 2.31s)26; 3. A aplicao feita pelo
Novo Testamento das palavras do Salmo 110.1 entronizao de Cris-

24
Para Boettner, o livro de Apocalipse tem de ser interpretado figurativamente tambm em
referncia aos mil anos. Para ele, aquele perodo se refere a um tempo do futuro sobre a
terra e ao tempo em que as almas esto no estado intermedirio (The Millennium, 66).
Para uma interpretao de Apocalipse 20 do ponto-de-vista amilenarista e luterano, ver:
Paulo F. Flor, O Milenismo Luz de Apocalipse 20.1-10, Vox Concordiana 13/2 (1998),
So Paulo, pp. 41-61.
25
Sandlin, A Postmillennial Primer, 29.
26
Sandlin considera o texto de Daniel como sendo talvez o argumento mais persuasivo a
favor do ps-milenarismo no AT (Ibid, 32).

12
POR QUE LUTERANOS NO SO PS-MILENARISTAS?

to na era presente (At 2.29-36; Ef 1.20-22; 1 Co 15.27; Hb 10.12-14);


4. Textos que apresentam o avano gradual do reino de Cristo (Mt
13.31-33; Hb 2.8); 5) Passagens que prometem a presena de Deus
com seu povo, assim que este povo seria habilitado a cumprir com sua
misso ( Dn 7.27; Ap 2.26, 27; Mt 16.18 e 28.18-20).27
Criticando o amilenarismo, Sandlin enfatiza as promessas na Es-
critura que ele interpreta como sendo promessas que Deus faz para a
realidade terrena:

O Novo Testamento ensina que a igreja da nova alian-


a substituiu o Israel da antiga aliana; ele no ensina
que promessas eternas e celestiais tomaram o lugar
das promessas terrenas, temporais. A principal espe-
rana do povo de Deus a esperana celestial (Tt 2.13).
Isto era to verdadeiro para os crentes do Antigo Tes-
tamento como o para os cristos de hoje (Hb 11.13-
16). Isto no quer dizer que os cristos no tm uma
esperana terrena. 28

1.4. O Otimismo do Ps-milenarismo

Ao discutir as questos envolvidas nas diferenas de interpreta-


o do milnio, Stanley Grenz destaca a viso especfica da histria
do mundo que cada posio esposa: colocado de maneira simples e
sem dvida por demais simplificado, elas expressam trs disposies
teolgicas bsicas: otimismo (ps-milenarismo), pessimismo (pr-
milenarismo) e realismo (amilenarismo).29
Escrevendo do ponto de vista da teologia do domnio, de caracte-
rstica ps-milenarista, Bahnsen tambm reconhece a diferena entre
as trs posies teolgicas na maneira como vem a histria:

O ps-milenarismo se distingue das outras duas esco-


las de pensamento pelo seu otimismo essencial no que
se refere ao reino na era presente. Esta atitude confi-
ante no poder do reino de Cristo, no poder do seu
evangelho, na poderosa presena do Esprito Santo,
no poder da orao e no progresso da grande comis-

27
Sandlin, Ibid., 30-38.
28
Sandlin, Ibid., 27.
29
Grenz, The Millennial Maze, 184.

13
IGREJA LUTERANA

so distingue o ps-milenarismo do pessimismo essen-


cial do amilenarismo e do pr-milenarismo.30

Bahnsen afirma que a marca distintiva do ps-milenarismo

sua crena que a Escritura ensina o sucesso da gran-


de comisso nesta era da igreja. A confiana otimista de
que as naes do mundo se tornaro discpulas de
Cristo, de que a igreja crescer para encher a terra e
que o cristianismo se tornar o princpio dominante e
no a exceo regra distingue o ps-milenarismo dos
outros pontos de vista.31

1.5. O Milnio Tempo de Expanso da F


e Progresso na Vida em Geral

Boettner sustenta que os ps-milenaristas no sugerem que ha-


ver um tempo em que todas as pessoas sero crists; afirmam, sim,
que o pecado ser restringido e que princpios cristos sero a re-
gra, no a exceo, e que Cristo voltar para um mundo verdadeira-
mente cristianizado. 32 A grande comisso realmente inclui a
evangelizao de todas as naes, conforme a viso ps-milenarista.
Como Boettner afirma, no meramente como um anncio formal e
externo do evangelho, pregado como um testemunho s naes,
como pr- e amilenaristas sustentam.33
Fundamentando-se em textos que mostram cenas de uma grande
multido como povo de Deus, Boettner argumenta que os salvos
suplantaro em muito o nmero dos perdidos. Ele argumenta: O
cu uniformemente representado como o novo mundo, um grande
reino, um pas, uma cidade; por outro lado, o inferno uniformemen-
te representado como um lugar comparativamente pequeno, uma pri-
so, um lago (de fogo e enxofre), um poo (talvez fundo, mas estrei-
to). Considerando aquelas passagens que mostram uma viso di-
ferente (Mt 7.14; 22.14), Boettner argumenta que aquelas eram as
condies existentes no tempo de Jesus, quando a maior parte das

30
Bahnsen, The Prima Facie, 66, 67.
31
Ibid., 68.
32
Boettner, The Millennium, 14.
33
O telogo dispensacionalista Herman A. Hoyt concorda que um grande nmero de
pessoas ser salvo. Entretanto, na viso pr-milenarista isto acontecer no perodo da
tribulao e durante o milnio (In Clouse, Four Views, 146).

14
POR QUE LUTERANOS NO SO PS-MILENARISTAS?

pessoas estava caminhando no rumo errado. No entanto, diz Boettner,


aquilo no se refere aos tempos do juzo final.34
O mesmo argumento preterista utilizado para negar que devem
ser esperados tempos de tribulao e no de paz. Chilton argumenta
que as palavras de Jesus no discurso no monte das Oliveiras (Mateus
24 e paralelos) no se referem ao fim do mundo, mas exclusivamente
queda de Jerusalm. Esta mesma viso empregada para negar a
presena do anticristo e da grande apostasia no fim dos tempos.35
Ps-milenaristas insistem que o mundo est se tornando cada vez
melhor. Boettner argumenta que grandes avanos podem ser obser-
vados:
Considere, por exemplo, as terrveis condies morais
e espirituais que existiam na terra antes da vinda de
Cristo o mundo em geral crescendo desamparada-
mente na escurido do paganismo, com escravido,
poligamia e condies opressivas sobre mulheres e
crianas, com a quase completa falta de liberdade po-
ltica e condies de cuidados mdicos extremamente
primitivas, que eram a situao de praticamente todas
as pessoas, com exceo das que pertenciam s clas-
ses dominantes.36

Boettner tenta ento mostrar como tais condies mudaram para


melhor at os dias de hoje. Ele tambm procura demonstrar que as
condies espirituais melhoraram, dando o exemplo da traduo e
distribuio da Bblia hoje, em contraste com o tempo da Reforma, por
exemplo. Ele tambm cita o crescente nmero de escolas teolgicas,
de igrejas e do progresso nas misses estrangeiras. A respeito deste
ltimo ponto, ele conclui: Quando contrastamos a rpida expanso
do cristianismo em anos recentes, com a rpida desintegrao que
est ocorrendo em todas as outras religies mundiais, torna-se muito
claro que o cristianismo a religio mundial do futuro.37
Ps-milenaristas observam a referida prosperidade material j
ocorrendo na agricultura, transporte, comunicao, equipamentos para
o lar, conhecimento, administrao da justia, sade e condies sa-

34
Boettner, The Millennium, 36.
35
Chilton, Paradise Restored, 107-113.
36
Boettner, The Millennium, 38.
37
Boettner, The Millennium, 40-44. Deve-se observar que o livro foi editado em 1958.
Hoje 50 anos depois a situao mudou, tendo em vista, por exemplo, o rpido cresci-
mento do Islamismo.

15
IGREJA LUTERANA

nitrias. Boettner argumenta que estes progressos vm de naes


parcialmente cristianizadas e no de naes onde as religies pags
esto na maioria. Ele completa: Que maravilhas esto frente, quando
as naes por todo o mundo forem crists quando o milnio se
tornar uma realidade!38
Boettner nega que o ps-milenarismo ensine a existncia de um
mundo perfeito durante o milnio. Nem toda pessoa se tornar crist;
nem ser eliminado todo o pecado, visto que a perfeio sem peca-
do pertence apenas vida celestial. A diferena ser ento de grau
ou de extenso: O milnio , na verdade, simplesmente o desenvol-
vimento pleno do reino da graa, medida em que ele desfrutado
neste mundo. Este reino comea bem pequeno, mas ele cresce e ao
final domina o mundo inteiro.39
Para aqueles que argumentam que as condies do mundo no
esto melhorando, contrariando o que dizem os ps-milenaristas,
estes respondem que o ps-milenarismo oferece uma perspectiva
global e de longo prazo a respeito do futuro da igreja e no predies
locais de curto prazo para igrejas e naes especficas.40 Desta for-
ma, de acordo com eles, podem existir tempos difceis para as naes
e para a igreja de tempos em tempos, mas ainda verdade que olhan-
do para o contexto mais amplo, pode-se reconhecer o progresso. A
era milenar no vem de repente, dizem os ps-milenaristas, mas como
a vinda do vero, apesar de que bem mais vagarosamente e em mui-
to maior escala.41

38
Ibid., 50-53.
39
Ibid., 54,55.
40
Davis, Christs Victorious Kingdom, 16.
41
Boettner, The Millennium, 58.

16
POR QUE LUTERANOS NO SO PS-MILENARISTAS?

1.6. Reconstrucionismo (Teologia do Domnio, Teonomia)42

O reconstrucionismo , talvez, o mais forte ramo do ps-milenarismo


hoje. O impacto do reconstrucionismo (tambm conhecido como
Teonomia) fez-se sentir desde a publicao de dois livros muito in-
fluentes: Institutes of Biblical Law, de Rousas John Rushdoony, publi-
cado em 1973, e Theonomy in Christian Ethics, de Greg L. Bahnsen,
publicado em 1977.43 Nos anos 80, as proposies da teonomia foram
especialmente influentes entre os evangelicais, fundamentalistas e
alguns carismticos. 44 Grenz destaca o carter caracteristicamente
norte-americano do reconstrucionismo, como sendo uma resposta
ao domnio do dispensacionalismo dentro do evangelicalismo ameri-
cano.45

42
Outra subdiviso do ps-milenarismo o Restauracionismo. Conforme Stephen Hunt,
Em contraste com o reconstrucionismo, o restauracionismo formou um grupo sectrio
que propunha uma retirada do mundo social e poltico. [...] Os restauracionistas interpre-
taram seu movimento como precipitando um derramar do Esprito Santo, que assumiria
uma expresso concreta atravs de estruturas eclesisticas sem paralelo. O reino no
seria deste mundo, mas existiria como uma sociedade alternativa, dirigida conforme as
regulamentaes de Deus, por Seu povo (The Rise, Fall and Return of Post-
millennariarism, 57,58). Outros dois movimentos podem ser considerados como repre-
sentando alguma forma de ps-milenarismo. Primeiro, a teologia da libertao, na Amri-
ca Latina. Operando com algumas bases da teologia da esperana, a teologia da liberta-
o criticava a teologia europia por ser tmida em termos de aes prticas que provo-
cariam uma mudana na sociedade. A teologia da libertao mudou a metodologia que era
utilizada pela teologia europia, focalizando sua ateno na atividade correta (ortopraxis)
e no na ortodoxia (a crena correta). Segundo, o movimento neopentecostal, com a
teologia do reino agora. (Grenz, The Millennial Maze, 193,4.). Um exemplo pode ser visto
na Igreja Universal do Reino de Deus. Fundada em 1977 por Edir Macedo, tem mais de
cinco milhes de seguidores e proprietria de diversas estaes de rdio e de um canal
de TV nacional. Uma de suas caractersticas principais a teologia da prosperidade. Em
sua tese de doutoramento, o telogo e socilogo Leonildo Silveira de Campos cita Edir
Macedo: Ns jamais teremos f suficiente nas promessas de Deus para ter o que quere-
mos se nossos lbios continuarem a confessar derrotas [...] Para um cristo no existe
um eu no posso, nem o difcil. No, no . Voc pode fazer qualquer coisa se voc
crer (Teatro, Templo e Mercado, 366,7).
43
Barker, William S. & W. Robert Godfrey. Eds. Theonomy A Reformed Critique, p. 11. Na
opinio destes autores, a Teonomia uma viso distorcida da tradio reformada.
44
Ibid., p. 9.
45
Grenz, The Millennial Maze, 194. Stephen Hunt chama a ateno para o fato que o
Reconstrucionismo tem pouca aceitao fora dos Estados Unidos e pode ser entendido
como parte da nova direita crist que surgiu nos anos 70 (The Rise, fall and Return of
Post-millennarianism, 55).

17
IGREJA LUTERANA

Em um livreto escrito com o objetivo de tornar o reconstrucionismo


mais conhecido para no-telogos, Andrew Sandlin d a razo para a
designao Teologia do Domnio. Baseado em Mt 28.18-20, ele afir-
ma:

Temos a ordem de dominar em nome do Rei, Jesus


Cristo. [...] como devemos fazer isto? No pelo poder
militar ou por revoluo sangrenta. [...] Ns exerce-
mos o domnio, como diz Mt 28.18-20, pela pregao
do evangelho aos no-salvos, e obedecendo a lei de
Deus em cada rea de nossas vidas (Dt 5.31-33; 28.7;
Mt 5.5).46

Sandlin deixa claro que um dos princpios fundamentais do ps-


milenarismo se refere ao domnio do mundo. A tentao de Satans a
Ado e Eva foi o comeo da me de todas as conspiraes. O plano
de Deus era que a raa humana tivesse domnio sobre toda a terra,
sob a autoridade de Deus. Satans ofereceu um domnio sem obedi-
ncia. A grande conspirao continua hoje, sustenta Sandlin, com a
noo humana de criar um paraso sem Deus. Ele acusa a Igreja de
ser negligente no que se refere ao domnio responsvel e tambm
por sua nfase na salvao pessoal do homem. Segundo Sandlin, o
propsito de Deus para o homem no primariamente sua salvao,
mas que ele seja restaurado submisso e que ele tenha domnio,
como agente de Deus na terra. Obedincia lei central. A atitude
antinomista considerada como a tentao mais perigosa para a igreja
e para os cristos. Para uma mudana radical na sociedade, teonomia
(a lei de Deus), ou, mais especificamente, biblionomia (a lei da Bblia)
fundamental, pois

Uma renovao que no reoriente o homem no mais


ntimo do seu ser para a totalidade da palavra de Deus
ftil. [...] O homem precisa ser salvo principalmente
no de sua enfermidade pecaminosa, mas do seu que-
brar da aliana. E ele ser salvo deste seu quebrar da
aliana medida que ele for santificado pelo Esprito
Santo a fim de obedecer e aplicar mais fielmente a lei
de Deus.47

46
Sandlin, A Christian Reconstructionist Primer, 36, 37.
47
Ibid., 47.

18
POR QUE LUTERANOS NO SO PS-MILENARISTAS?

Seguindo uma forte nfase na lei do Antigo Testamento, os


reconstrucionistas enfatizam a permanente normatividade no ape-
nas da lei moral, mas tambm da lei judicial do Israel do Antigo Testa-
mento, incluindo suas sanes penais. Tambm crido que tais leis
no so designadas apenas para Israel, mas tambm para as naes
gentlicas contemporneas. Os governos civis de hoje deveriam exe-
cutar aquele sistema legal com suas penalidades.48
Diversos artigos sobre o ps-milenarismo publicados no The Journal
of Christian Reconstructionism vm de autores alinhados ao ramo
reconstrucionista do ps-milenarismo.49 Em um dos artigos, Rushdoony
chama as outras posies escatolgicas (amilenarismo e pr-
milenarismo) de religio impotente. Ele argumenta que a tese ps-
milenarista era forte na prpria descoberta e explorao das Amri-
cas, tendo em vista que Cristvo Colombo tinha a idia de que o
mundo inteiro deveria ser colocado sob o domnio de Cristo. Depois
disto, diz Rushdoony, o pensamento ps-milenarista esteve presente
naqueles que vieram para construir a nao.50
Telogos reconstrucionistas, seguindo o exemplo dos ps-
milenaristas em geral, do uma grande nfase aplicao da gran-
de comisso. Para eles, ela no apenas
uma ordem missionria. Ela bem mais do que isto.
Seu tema O Cristo Soberano. Ela uma declarao
gloriosa de sua soberania. Sua autoridade no ape-
nas est acima de qualquer outra autoridade, mas ela
penetra todas as reas da vida. No apenas na are-
na espiritual (a rea interna da pessoa), mas em to-
das as esferas da vida. Ela serve de forma universal e
compreensiva como a base para uma viso de mundo
verdadeiramente crist.51

Para a teonomia, o conceito de aliana de vital importncia. A


aliana abramica tem um papel chave, pois ela comea a tornar con-
creta a aliana do den, que concluiu com a promessa da vinda de
Cristo. Aquelas alianas do suporte ao otimismo histrico do ps-
milenarismo: As manifestaes histricas da vitria do evangelho tra-

48
Barker & Godfrey, Theonomy A Reformed Critique, 9.
49
Esta revista era publicada pela Chalcedon Foundation, fundada em 1965 por Rousas
John Rushdony. Hoje ela edita artigos atravs de uma pgina eletrnica: www.chalcedon.edu
50
Rushdoony, Postmillennialism versus Impotent Religion, 124.
51
Gentry, Postmillennialism, 44,45.

19
IGREJA LUTERANA

zendo bnos s naes vm por uma converso gradual, no por


uma imposio catastrfica (como no pr-milenarismo) ou por uma
concluso apocalptica (como no amilenarismo).52

2. CRTICA AMILENARISTA AO PS-MILENARISMO53

Richard B. Gaffin Jr. levanta quatro crticas principais ao ps-


milenarismo, do ponto de vista da teologia reformada conservadora.
A primeira que ele de-escatologiza a existncia presente (e pas-
sada) da igreja.54 Para o ps-milenarismo, a era de ouro est sem-
pre no futuro. Isto contrasta com a viso do Novo Testamento, que
afirma que o reinado escatolgico de Cristo inicia j na sua primeira
vinda, culminando em sua ressurreio e ascenso.55 Gaffin reconhe-
ce que alguns ps-milenaristas realmente consideram o milnio j
acontecendo durante todo o perodo entre os dois adventos de Cris-
to. Ele argumenta que a questo principal no se o milnio iniciou
quando Cristo veio pela primeira vez, mas que implicaes so tira-
das deste reconhecimento [...] A vitria do milnio apenas uma ex-
pectativa futura ou tambm uma realidade presente?56
Uma segunda crtica o que Gaffin considera sua reserva mais
substancial. Refere-se negao prtica do aspecto do sofrer com
Cristo, que caracteriza a Igreja durante o perodo entre os dois ad-
ventos. Gaffin usa passagens como 2 Co 4.7-11; Fp 3.10; Rm 8.17ss.
para mostrar que uma viso triunfalista da igreja durante este tempo
vai contra o testemunho do Novo Testamento.57
A terceira reserva que Gaffin tem em relao ao ps-milenarismo
que este priva a igreja da expectativa do retorno iminente de Cristo.
A urgncia e realidade da vigilncia perdem seu valor diante destas

52
Ibid., 29,30.
53
H pontos de contato entre o amilenarismo e o ps-milenarismo. Hoekema, em sua
resposta ao captulo de Boettner (no livro, Four Views), aponta quatro aspectos nos quais
h concordncia: (1) a maneira como o reino de Deus se amplia hoje, i.e., atravs da obra
do Esprito Santo e da pregao do evangelho; (2) o retorno visvel de Cristo e a subsequente
ressurreio dos mortos e o julgamento geral; (3) uso tanto de interpretao literal como
de figurativa da Escritura; (4) uma interpretao no-literal do milnio como um perodo
que dura mais de mil anos. O ponto de discordncia refere-se a como devemos entender
o milnio (Four Views, 149).
54
Gaffin, Theonomy and Eschatology, 202.
55
Ibid., 202.
56
Ibid., 207.
57
Ibid., 210-214.

20
POR QUE LUTERANOS NO SO PS-MILENARISTAS?

circunstncias.58 Chilton, em seu Paradise Restored, diz: Este mundo


tem dezenas de milhares, talvez centenas de milhares de anos de
crescentes bnos a sua frente antes da segunda vinda de Cristo.59
Gaffin comenta apropriadamente: Esta predio, ao contrrio das
profecias de Hal Lindsay e outros, pode ser imune ao embarao da
no-confirmao nos eventos do futuro imediato, mas est no mesmo
nvel de clculos quilisticos.60
Uma dificuldade final na abordagem ps-milenarista, para Gaffin,
a negao prtica de uma tenso importante que o Novo Testamento
anuncia para a vida crist neste mundo e em relao ao prprio mun-
do. Conforme 1 Co 7.29-31, 61 h uma tenso na maneira como os
cristos vivem durante este breve tempo, at que este mundo passe.
Para Gaffin,

Parece que o ps-milenarismo reconstrucionista omite


ou ao menos emudece substancialmente este como
se no (hos me) paulino, esta tenso paradoxal do
desinteresse completamente envolvido ou, se prefe-
rir, envolvimento desinteressado nas coisas deste
mundo. [...] Esta tenso [...] reflete uma qualidade
essencial do prprio Evangelho; ela exibe uma dimen-
so daquela ofensa e loucura referidas por Paulo,
que a incredulidade inevitavelmente atribui ao Evan-
gelho (1.23). Certamente o equilbrio que buscamos
aqui difcil de manter; no h frmulas fceis ou sis-
temas bvios. O caminho que a igreja chamada a
seguir at a vinda de Cristo, caminho permanentemen-
te exigente, que frequentemente nos deixa perplexos,
pode ser negociado somente na medida em que vive-
mos por f e no pelo que vemos (2 Co 5.7). [...] a f
permanecer alerta para no ser tirada do equilbrio
seja pelas tendncias pr-milenaristas (ou amilenaris-

58
Ibid., 218. Uma considerao bsica que de acordo com o Novo Testamento, Cristo
poderia ter voltado a qualquer tempo desde o ministrio dos apstolos; tudo o que se
esperava a partir das profecias, exceto o retorno de Cristo e suas consequncias, foram
satisfeitas no decurso da histria da redeno, terminando com o ministrio deles (Ibid.,
219).
59
Chilton, Paradise Restored, 221,2.
60
Gaffin, Theonomy and Eschatology, 220.
61
Especialmente as palavras os casados sejam como se o no fossem; mas tambm os
que choram, como se no chorassem .

21
IGREJA LUTERANA

tas de-escatologizadas) em direo a uma renncia


ou negligncia em relao ao mundo, ou pela disposi-
o, mais pronunciada em alguns ps-milenaristas do
que em outros, em direo a uma absoro ou sedu-
o pelo mundo.62

Outra fraqueza do ps-milenarismo, ao tratar da escatologia futu-


ra, o fato que ele se concentra demais no reino milenar, dando a
impresso que a segunda vinda de Cristo um evento secundrio,
apesar de necessrio.63 Uma considerao mais cuidadosa do Novo
Testamento mostra que a segunda vinda de Cristo o grande evento
escatolgico e o grande alvo da esperana crist. E esta tambm a
posio que luteranos enfatizam, seguindo o artigo especfico da Con-
fisso de Augsburgo (XVII).64 Estas cinco crticas ao ps-milenarismo
mencionadas acima so compartilhadas pelo ponto de vista luterano.
Entretanto, a teologia luterana ressalta outros aspectos que a crtica
reformada no chega a levantar.

3. TEOLOGIA E PRTICA LUTERANA


A PARTIR DO PENSAMENTO AMILENARISTA

Quo escatolgica a teologia luterana? Holsten Fagerberg ar-


gumenta que seria um grande equvoco concluir, a partir das poucas
referncias especficas a temas escatolgicos nas Confisses
Luteranas, que estas questes no so importantes para as Confis-
ses.

A teologia da Reforma foi moldada tendo as coisas eter-


nas em vista e ela tem uma clara direo escatolgica.
Melanchthon escreveu a Apologia com o grande dia do
juzo em vista [Ap Prefcio 10], e nos Artigos de
Esmalcalde Lutero coloca os olhos no retorno de Cris-
to, esperando nele a soluo para as dificuldades para

62
Gaffin, Theonomy and Eschatology, 221, 2.
63
Robert B. Strimple, An Amillennial Response, 65.
64
Isto exemplificado por um breve sumrio da viso escatolgica dos luteranos, confor-
me Walter A. Meier, em seu estudo, Eschatological Events, 19,20. A mesma nfase
sobre a segunda vinda de Cristo pode ser notada no estudo de Jeffrey Gibbs, Regaining
Biblical Hope: Restoring the Prominence of the Parousia, Concordia Journal, Outubro de
2001, 310-322. Traduzido em Igreja Luterana, 65/1 (2006), A Proeminncia da Parousia,
28-43.

22
POR QUE LUTERANOS NO SO PS-MILENARISTAS?

as quais no v fim [AE Prefcio 15; AE II IV 15]. [...]


Os reformadores esto convencidos de estarem viven-
do nos ltimos tempos.65

A teologia luterana tem uma nfase escatolgica bem definida. O


amilenarismo presente na teologia luterana desafia tanto os pontos
de vista pr-milenarista (histrico e dispensacional) como o ps-
milenarista. E esta crtica no est relacionada apenas maneira como
a volta de Cristo e os mil anos esto relacionados.
Telogos luteranos normalmente entendem que estamos j viven-
do nos ltimos dias ou, em outras palavras, no milnio. O que carac-
terstico deste tempo que a igreja j vive na presena graciosa de
Deus, em Seu reino, mas ainda espera a plena manifestao deste
reino com a presena visvel de Cristo, que acontecer em um evento
nico da segunda vinda. O j da equao se refere a dois aspectos
que este trabalho sugere serem caractersticas distintivas da
escatologia luterana.

3.1. A Justificao e a Presena do Reino

digna de considerao a acusao feita por Judisch, de que os


milenaristas tiraram o cetro da justificao por graa atravs da f
em Cristo e entronizaram em seu lugar a realizao do reino de Deus
como o tema predominante da Escritura.66 Visto que o reino de Deus
tambm se tornou um tema central para alguns telogos luteranos,67
poder-se-ia perguntar at que ponto a crtica de Judisch tambm se
aplicaria a estes estudos. A teologia luterana entende o reino de Deus
como Sua ao graciosa de aplicar os mritos de Cristo ao pecador,
para perdo dos pecados. E isto concedido por Deus atravs de
Sua palavra e sacramentos. O milenarismo em suas diversas formas
substituiu aquela nfase por outras: Progresso moral (ps-
milenarismo e liberalismo protestante), ou arrebatamento e fuga (pr-
milenarismo dispensacional e fundamentalismo), ou um reino poltico
deste mundo (marxismo, capitalismo, etc.) todos se tornam as muito
esperadas utopias que se colocam fora da igreja.68

65
Fagerberg, A New Look at the Lutheran Confessions, 297.
66
Judisch, Postmillennialism and the Augustana, 161.
67
Ver: W. Pannenberg, Systematic Theology, vol. III. Traduzido por George W. Bromiley.
Grand Rapids: Eerdmans, 1998; tambm: James W. Voelz, The Kingdom of God and
Biblical Eschatology, What Does This Mean? Principles of Biblical Interpretation in the
Post-Modern World. 2 ed. St. Louis: Concordia, 1997.
68
Nichols, Sectarian Apocalypticism, 328.

23
IGREJA LUTERANA

Na perspectiva luterana, justificao e escatologia andam juntas.


George Forell o afirma desta forma:

Lutero nos ensina que a justificao pela f sem esta


dimenso escatolgica uma auto-hipnose subjetivista
e individualista. Contra todos os esforos teolgicos
de nosso tempo de reduzir a justificao a uma expe-
rincia essencialmente psicolgica, Lutero insiste em
um evento objetivo no final da histria. [...] A escato-
logia sem a justificao pela f mera utopia. Para
Lutero, no a histria que redentora, mas o Cristo
que veio na histria. por causa da ao justificadora
de Cristo que podemos ter esperana.69

A transio de Lutero, do desespero para uma confiana jubilante,


atravs da compreenso da doutrina da justificao, pode ser consi-
derada um movimento escatolgico: A grande mudana em sua teo-
logia, a assim chamada experincia da torre, ocorreu precisamente
em relao ao julgamento final. Sua descoberta do evangelho mudou
fundamentalmente sua viso a respeito do retorno de Cristo e do
juzo final.70
Se isto pode ser dito de Lutero, no menos verdade referindo-
se s Confisses Luteranas. Fagerberg mostrou que as Confisses
operam com o pressuposto que a justificao, que atravs do evan-
gelho regenera o homem, , por assim dizer, o incio da vida eterna71:
O evangelho no traz a sombra de coisas eternas, seno as prpri-
as coisas eternas, o Esprito Santo e a justia, pela qual somos justos
diante de Deus (Ap VII 15); Esta regenerao , por assim dizer, o
comeo da vida eterna (Ap IV 352); A vida eterna realizada nos
coraes por coisas eternas, isto , pela palavra de Deus e pelo Esp-
rito Santo (Ap XXVIII 10).

3.2. O ponto de vista Escatolgico: Palavra e Sacramentos

Telogos amilenaristas, incluindo luteranos, tm utilizado a distin-


o entre escatologia inaugurada e escatologia futura para descre-

69
George Forell, Justification and Eschatology in Luthers Thought, citado em Lindberg,
Eschatology and Fanaticism in the Reformation Era, 276,7.
70
Lindberg, Eschatology and Fanaticism in the Reformation Era, 265, 6.
71
A New Look at the Lutheran Confessions, 298.

24
POR QUE LUTERANOS NO SO PS-MILENARISTAS?

ver a viso escatolgica da Escritura.72 Um atalho perigoso que pode


ser observado no pensamento milenarista (especialmente no
dispensacionalismo, mas tambm no ps-milenarismo) sua concen-
trao na escatologia futura, dando pouca nfase vida crist sob a
cruz, vivida a partir da palavra do evangelho e dos sacramentos.
As palavras de Lutero na explicao do sacramento do altar so
escatolgicas: ... por essas palavras nos so dadas no sacramento
remisso dos pecados, vida e salvao. Pois onde h remisso dos
pecados, h tambm vida e salvao (Cm VI 6). Era evidente para
Lutero e para as Confisses Luteranas que a escatologia no deveria
ser vista simplesmente como algo futuro. Ela tem um aspecto presen-
te, como Lutero mostra na explicao da segunda petio do Pai Nos-
so: O reino de Deus vem, na verdade, por si mesmo, sem a nossa
prece; mas suplicamos nesta petio que venha tambm a ns. Como
sucede isto? Quando o Pai celeste nos d o seu Esprito Santo, para
crermos, por sua graa, em sua santa palavra e vivermos vida piedo-
sa, neste mundo e na eternidade (Cm III 7,8); A vinda do reino de
Deus a ns ocorre de duas maneiras: primeiro aqui, no tempo, medi-
ante a palavra e a f; em seguida, na eternidade, pela revelao
(CM III 53).
Ps-milenaristas afirmam a chegada do reino de forma gradual e
crescente, atravs da ao de Deus assim o dizem atravs do
Esprito Santo. Mas como foi visto acima, o objetivo em ltima anlise
uma vida de obedincia e de transformao da sociedade. Uma for-
te nfase colocada nas atividades dos redimidos. A teologia luterana
testemunha a presena do reino na presena do Senhor atravs de
palavra e sacramentos, que no tm como objetivo a transformao
da sociedade, mas a salvao de cada indivduo, trazendo cada um
para a comunho do Corpo. E isto no acontece de maneira gradual e
crescente, mas sempre dependente da proclamao do evangelho
e administrao dos sacramentos, levando em conta o ubi et quando
visum est Deo (CA V).
A teologia luterana distingue-se do ps-milenarismo (e o mesmo
verdade considerando a teologia reformada amilenarista) por enfatizar
a presena do reino vinculada proclamao do evangelho (2 Co 6.2

72
Por exemplo, o telogo reformado Anthony Hoekema, em seu livro A Bblia e o Futuro,
usa esta distino como critrio para a principal diviso do livro. Entre os luteranos,
podem ser citados, por exemplo, John R. Stephenson, Eschatology. Confessional Lutheran
Dogmatics. Vol. XIII. Fort Wayne: Luther Academy, 1993; Comisso de Teologia e Rela-
es Eclesiais Lutheran Church-Missouri Synod. Os Tempos do Fim - Um Estudo sobre
Escatologia e Milenarismo. Traduo de Gerson Luis Linden. Porto Alegre: Concrdia,
2003.

25
IGREJA LUTERANA

hoje; Lc 10.16) e a administrao dos sacramentos (Tt 3.5; Rm


6.4; Mt 26.28; 1 Co 10.16,17). O foco na vida sacramental da igreja
algo que realmente identifica a teologia luterana, quando comparada
a outras posies teolgicas. Ela no proclamao pessimista como
sinal para o mundo, nem um ativismo otimista, que espera mudar o
mundo para algo muito melhor; , sim, uma vida diria dependente
unicamente da graciosa presena e ao de Deus atravs de sua
palavra e sacramentos. Desta maneira, palavra e sacramentos no
so apenas sinais para o mundo. E tambm no so simplesmente
uma fonte de fora para produzir determinada ao. Eles constituem
o jeito de viver escatolgico do povo de Deus. Cristo mesmo se mani-
festa por estes meios, reunindo pessoas ao seu corpo e preservando
aqueles que j so membros deste corpo.

3.3. Conseqncias do Ponto de vista Escatolgico Luterano

A posio teolgica luterana sobre escatologia tem consequncias


para as atividades dirias da igreja, para misso, mordomia (adminis-
trao), ao social, etc. Ao tratar de tais questes, a teologia luterana
entende a abordagem de lei e evangelho como sendo a nica que faz
justia ao carter do reino hoje. Isso quer dizer que toda ao da
igreja deveria refletir duas convices.
Primeira, de que Deus trata com pecadores. E estes continuam a
ser pecadores mesmo sendo crentes. A perfeio no conquistada
pelas aes nas quais os cristos esto envolvidos. O arrependimen-
to e o dirio perdo dos pecados o real progresso que pode ser
atingido na vida crist.
Em seu estudo sobre o Pietismo dentro do contexto luterano,
Lawrence R. Rast Jr. faz uma sria avaliao do pensamento milenarista
no luteranismo nos sculos XVIII e XIX. Ele mostra que a esperana
pietista por melhores tempos para a igreja era sua vigorosa raiz. De
acordo com Rast, ao comprometer a teologia da cruz, o milenarismo
pietista compromete a distintiva doutrina luterana da justificao por
graa mediante a f.73 Ele sustenta que a definio evanglica da igre-
ja precisa ser utilizada do comeo ao fim, a fim de evitar um desvio:

Schmucker e Seiss referem-se obra expiatria de


Cristo em favor da humanidade. Ambos afirmam que

73
Rast, Pietism and Mission, 299. Rast cita telogos luteranos dos sculos XVIII e XIX
(Johann A. Bengel, J. George Schmucker, Joseph A. Seiss) que exemplificam a conexo
entre pensamento pietista e uma interpretao milenarista da escatologia.

26
POR QUE LUTERANOS NO SO PS-MILENARISTAS?

apenas atravs da graa que algum se torna mem-


bro da igreja de Cristo. Entretanto, aquela igreja uma
reunio de indivduos que se dedicaram a uma vida de
obedincia intencional. Em outras palavras, a verda-
deira igreja definida e iniciada pelas obras de seus
membros resposta fiel ao chamado de Cristo e
mantida pelo seu cumprimento voluntrio e intencio-
nal das exigncias da lei. A marca da igreja, portanto,
a obedincia coletiva de seus membros consagra-
dos, no a palavra e os sacramentos.74

Uma segunda convico necessria, do ponto de vista da teologia


luterana, que toda ao da igreja entendida como ao de Deus
atravs dos meios que Ele constituiu. Um contraste marcante pode
ser observado em relao ao pensamento ps-milenarista. Mesmo
dizendo que pela ao de Deus que o milnio ser manifestado, o
ps-milenarismo se orienta a partir da lei, no do evangelho. A teolo-
gia reformada no apenas reconhecida pelos seus proponentes,
como se viu acima, mas de fato seguida em sua nfase na sobera-
nia de Deus e na lei de Deus como o meio para atingir os propsitos
de Deus no mundo.
A teologia luterana insiste na conduo da vida sob o evangelho.
Portanto, reconhecendo as bnos confessadas no primeiro artigo
do Credo, os filhos de Deus tm boas razes para alegrar-se no mun-
do em que Deus os colocou para viver e com todas as bnos que
Deus est derramando: casamento, famlia, governo, trabalho, estu-
do, etc. Ao mesmo tempo, as bnos do terceiro artigo so o fortale-
cimento dirio para uma vida que aguarda o futuro e visvel cumpri-
mento pleno do reino de Deus.
Lindberg ressalta que a viso luterana sobre a escatologia tem
consequncias positivas para a vida diria:

O fato que aos olhos de Lutero o mundo est velho e


perto de seu fim no produz desespero pessoal ou
uma fuga da responsabilidade e tica social. A rele-
vncia da escatologia de Lutero para a vida no mundo
que ela liberta o discipulado e a tica das contingn-
cias do sucesso.75

74
Ibid., 318.
75
Eschatology and Fanaticism in the Reformation Era, 275.

27
IGREJA LUTERANA

Na concluso deste trabalho, parece-nos importante um olhar cr-


tico para a prpria realidade dos luteranos, entre os quais este autor
est includo. Como se viu acima, algumas das principais idias ps-
milenaristas, especialmente do ramo reconstrucionista, so
consequncias de um teologia que enfatiza a lei como a palavra lti-
ma e definitiva para guiar a vida da igreja no mundo.76 Isto poderia
parecer, primeira vista, uma garantia de que luteranos facilmente
evitariam ser ps-milenaristas. Entretanto, a realidade dos planos
adotados pela igreja podem estar apontando para resultados que
no so logicamente dependentes da teologia luterana. Antes de olhar-
mos um pouco mais para esta questo de ordem prtica, importan-
te observar um outro aspecto no ps-milenarismo. Trata-se de uma
viso pessimista (apesar de seu carter de forma geral otimista), es-
pecificamente no que se refere igreja das eras anteriores atual.
Ele se apresenta como um chamado para a igreja estar atenta para
sua misso e tornar-se mais ativa naquilo que ela deveria estar fa-
zendo, mas no est, ou pelo menos no na medida que o Senhor
espera.
Um teste para planos e projetos contemporneos de igrejas cris-
ts (tambm de igrejas luteranas) seria perguntar se esto sendo
lanados de uma maneira que tratam as aes do passado como sen-
do sempre ineficientes ou insuficientes dentro da fidelidade que se
espera do povo de Deus no mundo. Ou se ao lanar planos de traba-
lho, a igreja parece implicar que os novos projetos causaro uma ver-
dadeira revoluo no futuro, coisa jamais realizada por trabalhos an-
teriormente feitos. Se porventura isto em ltima anlise que proje-
tos atuais esto comunicando (ainda que implicitamente), no seriam
eles tipicamente ps-milenaristas na sua avaliao do passado e na
expectativa para o futuro? Se a realidade da igreja por dcadas mos-
tra uma determinada realidade, o que dizer de planos que projetam
ter resultados qualitativa e quantitativamente superiores em um bre-
ve espao de tempo? Mesmo se nestes planos uma nfase na pala-
vra e sacramentos referida como a base para os esforos da igreja,
no seria verdade que ao final o que realmente estaria contando se-
riam os resultados atingidos?
Planos prticos oriundos de uma teologia luterana sempre esta-
ro centralizados na pregao do evangelho e administrao dos sa-

76
Chilton deixa isto muito claro quando argumenta que os profetas anunciaram o futur
o a fim de estimular uma vida piedosa. O propsito da profecia tico (155, nfase de
Chilton).

28
POR QUE LUTERANOS NO SO PS-MILENARISTAS?

cramentos, no nos resultados a serem atingidos. Isto no deixar


de proporcionar uma viso crtica para a igreja a respeito de sua atu-
ao, pois sempre ser pertinente a pergunta se os meios dados por
Deus, os meios da graa, esto realmente recebendo o destaque que
merecem.77 Mas ao mesmo tempo a igreja sempre olhar para o pas-
sado com gratido ao Senhor do evangelho, que jamais deixou faltar
a palavra da vida, o batismo de regenerao e a ceia do perdo e
fortalecimento do seu povo.
O reconstrucionista Rousas J. Rushdoony afirma: Nossa f preci-
sa ser escatolgica ou ela ser impotente. Uma f crist impotente
uma contradio em termos.78 Em sua abordagem, f impotente sig-
nificaria uma ao tmida no mundo, que est em falta na tarefa de
transform-lo. No caso da escatologia luterana, a importncia de uma
viso escatolgica da f afirmada levando em considerao o fato
de que a obra de Cristo foi e escatolgica. O que esperamos para o
futuro tem suas razes na cruz e na ressurreio, torna-se contempo-
rneo atravs dos meios da graa e desta maneira se torna uma
perspectiva concreta e prtica de vida. Neste sentido, a f no ser
impotente. Ela estar conectada mais poderosa verdade, que
escatolgica e plena da graa de Deus.

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

BAHNSEN, Greg L. The Prima Facie Acceptability of


Postmillennialism. In The Journal of Christian Reconstruction III: 2 (In-
verno 1976-77): 48-105.

BOETTNER, Loraine. The Millenium. Grand Rapids: Baker, 1975.

CAMPOS, Leonildo Silveira de. Teatro, Templo e Mercado. 2a edio.


So Paulo: Simpsio, 1999.

CHILTON, David. Paradise Restored A Biblical Theology of Dominium.


Tylor: Reconstruction Press, 1985.

77
neste sentido que nos parece pertinente que a Igreja faa planejamento de suas aes
e seja pr-ativa na sua atuao no mundo; ou seja, no aproveitar das oportunidades dadas
por Deus para que a palavra da salvao seja veiculada de todas as maneiras e para o
maior nmero de pessoas.
78
Sandlin, A Postmillennial Primer, 2.

29
IGREJA LUTERANA

CLOUSE, Robert G. Ed. Milnio- Significado e Interpretaes. Campi-


nas: Luz para o Caminho, 1985.

COMISSO DE TEOLOGIA E RELAES ECLESIAIS Lutheran


Church-Missouri Synod. Os Tempos do Fim - Um Estudo sobre
Escatologia e Milenarismo. Traduo de Gerson Luis Linden. Porto Ale-
gre: Concrdia, 2003.

DAVIS, John Jefferson. Christs Victorious Kingdom Postmillennialism


Reconsidered. Grand Rapids: Baker, 1986.

ERICKSON, Millard J. Opes Contemporneas na Escatologia Um Es-


tudo do Milnio. Traduo de Gordon Chown. So Paulo: Vida Nova, 1991.

FAGERBERG, Holsten. A New Look at the Lutheran Confessions (1529-


1537), traduzido por Gene H. Lund, St. Louis: Concordia, 1972.

GAFFIN JR., Richard B. Theonomy and Eschatology: Reflections on


Postmillennialism, pp. 197-224. In Barker, William S. & W. Robert
Godfrey. Eds. Theonomy A Reformed Critique. Grand Rapids:
Zondervan, 1990.

GENTRY JR., Kenneth L. Postmillennialism. Pp. 13-57. In Bock,


Darrell L. Ed. Three Views on the Millennium and Beyond. Grand Rapids:
Zondervan, 1999.

GRENZ, Stanley J. The Millennial Maze Sorting out Evangelical Options.


Downers Grove: InterVarsity Press, 1992.
HUNT, Stephen. The Rise, Fall and Return of Post-millennarianism.
In Stephen Hunt, ed. Christian Millenarianism From the Early Church
to Waco. Pp. 50-61. Bloomington: Indiana University Press, 2001.

JUDISCH, Douglas McC. Lindsay. Postmillennialism and the


Augustana. Concordia Theological Quarterly 47/2 (Abril, 1983): 158-162.

LINDBERG, Carter. Eschatology and Fanaticism in the Reformation


Era: Luther and the Anabaptists. Concordia Theological Quarterly 64/
4 (Outubro, 2000): 259-278.

LIVRO DE CONCRDIA. As Confisses da Igreja Evanglica Luterana.


Traduo de Arnaldo Schler. So Leopoldo e Porto Alegre: Sinodal e
Concrdia, 1980.

30
POR QUE LUTERANOS NO SO PS-MILENARISTAS?

MEIER, Walter A. Eschatological Events in New Testament


Perspective. Concordia Theological Quarterly 661/1 (Janeiro 2002), pp.
17-39.

NICHOLS, Larry. Sectarian Apocalypticism in Mainline Christianity.


Concordia Theological Quarterly 64/4 (Outubro, 2000): 319-335.

RAST JR., Lawrence R. Pietism and Mission: Lutheran Millennialism


in the Eighteenth and Nineteenth Centuries. Concordia Theological
Quarterly 64/4 (Outubro, 2000): 295-318.

RUSHDOONY, Rousas John. Postmillennialism versus Impotent


Religion In The Journal of Christian Reconstruction III: 2 (Inverno de
1976-77): 121-127.

SANDLIN, Andrew. A Christian Reconstructionist Primer. Vallecito:


Chalcedon Foundation, 1996.
________. A Postmillennial Primer. Vallecito: Chalcedon Foundation,
1997.

STRIMPLE, Robert B. An Amillennial Response to Kenneth L. Gentry


Jr.. Pp. 58-71. In Bock, Darrell L. Ed. Three Views on the Millennium and
Beyond. Grand Rapids; Zondervan, 1999.

31
IGREJA LUTERANA

32
OS CATECISMOS DE LUTERO:
A ARTE DE ENSINAR A VIVER POR F
Clcio Leocir Schadech e Clvis Jair Prunzel1

INTRODUO

Os Catecismos so uma das obras mais importantes de Lutero.


Eles conseguem sintetizar as principais partes da f crist e apresent-
las numa perspectiva evanglica. Como tais, eles servem como ins-
trumentos na pregao do Evangelho tambm s pessoas de hoje.
Lutero desenvolveu os Catecismos com a inteno de instruir as
pessoas de maneira simples e objetiva sobre o artigo da justificao
pela f por causa de Cristo e a vida crist. A necessidade de instruo
uma realidade sempre presente na Igreja de Cristo, que precisa
refletir sobre a melhor forma de faz-lo sem perder a essncia da
mensagem central. Nessa perspectiva, o Catecismo de Lutero apare-
ce com grande propriedade, desenvolvendo a temtica de viver pela
f e abordando assuntos do dia-a-dia sem perder a noo trinitria.
O presente trabalho tem por objetivo mostrar como as principais
partes do Catecismo de Lutero esto harmoniosamente relacionadas
entre si. De modo especfico, procura-se refletir em como o artigo da
justificao por causa de Cristo se torna central nessa obra, e tam-
bm na vida das pessoas, bem como quais as implicaes de tal abor-
dagem no uso do Catecismo como manual na educao crist e mapa
na vida de cada cristo.
Compreender a estrutura e perceber os diferentes conceitos teo-
lgicos presentes nesta obra so contribuies importantes para os
que esto envolvidos na educao crist. Um aprofundamento no co-
nhecimento de lei/evangelho, dois tipos de justia (passiva/ativa), usos
da lei, vocao crist, etc., sem dvida trar proveito no ensino das
principais partes da doutrina crist numa viso cristocntrica.
Nesse sentido, algumas questes motivam esse trabalho: Como o

1
Este artigo foi originalmente apresentado, em 2006, como um Trabalho de Concluso de
Curso para obteno do grau de Especializao em Teologia no Seminrio Concrdia de
So Leopoldo. O Prof. Clvis J. Prunzel serviu como orientador da pesquisa. Clcio Leocir
Schadech, pastor da IELB cedido para a Igreja Evanglica Luterana de Portugal, exerce
seu ministrio na Ilha de Aores. O Prof. Clvis Jair Prunzel Mestre em Teologia e
Professor de Teologia Sistemtica no Seminrio Concrdia e na ULBRA.

33
IGREJA LUTERANA

CM serviu e ainda hoje serve de instrumento na proclamao das prin-


cipais partes da f crist, especialmente o artigo da justificao por f
por causa de Jesus Cristo? Como os principais paradigmas da Reforma
Luterana so refletidos no Catecismo e quais as implicaes destes na
educao crist? Ter o Catecismo perdido o seu valor no sculo 21? O
que o Catecismo tem a nos oferecer ainda hoje como fonte de instru-
o? Como os princpios teolgicos presentes no Catecismo podem
contribuir na formao de um currculo para educao crist?
Acima de tudo, o Catecismo de Lutero est baseado na palavra de
Deus, portanto, pode ajudar a entend-la e, por conseguinte, enten-
der tambm a vontade de Deus. Como um mapa que mostra o cami-
nho, o Catecismo abre as portas para as Escrituras de um modo rico e
deslumbrante, colocando a criatura diante do Deus verdadeiro e Sua
misericrdia.
Este trabalho tem trs partes principais. A primeira parte destaca
aspectos histricos do surgimento do Catecismo e o diferencial deste
modelo em comparao com outros j existentes na poca de Lutero.
A segunda parte traz uma reflexo sobre o relacionamento entre as
principais partes do Catecismo, bem como algumas nfases que pa-
recem ser importantes em sua estrutura. A partir disso, a terceira
parte aponta para reflexes prticas relacionadas arte de ensinar a
viver pela f.

1. UM MODELO EVANGLICO DE CATECISMO

Os Catecismos de Lutero so escritos ocasionais e foram redigi-


dos em resposta a uma situao bem especfica, por isso necess-
rio entender o propsito e o impacto destes no contexto em que fo-
ram escritos. Sabe-se tambm que outros modelos de Catecismo com
nfases diversas circulavam na poca de Lutero, por isso interes-
sante verificar algumas diferenas existentes entre esses modelos, a
fim de se perceber o carter evanglico do modelo de Lutero.

1.1 O surgimento do modelo de Lutero

A Reforma havia comeado nas universidades e as idias de Lutero


se espalhavam nas ctedras, envolvendo pessoas com conhecimento
avanado de teologia. A maioria leiga ainda no havia se familiariza-
do ou entendido os princpios norteadores do movimento do sculo
XVI. Depois de muitos sermes e escritos a respeito das principais
partes da f crist, a saber, os Dez Mandamentos, o Credo e o Pai
Nosso, Lutero chega ao texto do Catecismo, no ano de 1529.

34
OS CATECISMOS DE LUTERO: A ARTE DE ENSINAR A VIVER POR F

Lutero viu a necessidade do preparo dos Catecismos quando visi-


tou congregaes na Saxnia Eleitoral em Meissen, entre 22 de outu-
bro de 1528 e 09 de janeiro de 1529.2 Segundo Lutero, o homem
comum simplesmente no sabe nada da doutrina crist, especialmen-
te nas aldeias.3 Ele tambm se dirigiu aos pastores dizendo que es-
tes tambm sabiam pouco sobre o ensino evanglico e que eles esta-
vam abusando da liberdade conquistada pela Reforma.4
Assim, os Catecismos tiveram uma importante funo dentro da
Reforma Luterana. Eles contriburam para que as principais partes da
f crist chegassem aos pastores e leigos. Alguns acreditam que este
escrito tenha tido mais impacto que a prpria traduo da Bblia feita
por Lutero para o alemo. Uma vez que grande parte da populao
da poca tinha baixa escolaridade, a instruo catequtica e a figura
do pastor como educador eram de fato muito importantes no ensino
dessas verdades, de modo que o Catecismo chegou a ser chamado a
Bblia dos leigos.5
No perodo em que os Catecismos foram escritos, Lutero lutava
no apenas contra os catlicos, mas j sentia a oposio dos
sacramentrios e antinomistas. A noo da presena real do corpo de
Cristo na Ceia aparece muito forte na explicao de Lutero sobre a
Santa Ceia e refuta totalmente a idia da presena simblica defendi-
da por Zwnglio e seus seguidores.6 Contra os antinomistas, Lutero
enfatizou que a lei segundo os Dez Mandamentos necessria para
levar o crente a ver sua situao diante de Deus e perceber a neces-
sidade do salvador.7 Alm disso, a noo de salvao por meio das
boas obras foi totalmente negada e refutada com a nfase trinitria
empregada no Catecismo.
Com tal perspectiva, Lutero deu grande nfase s ordens co-

2
Cm, Prefcio, 1.
3
Cm, Prefcio, 2.
4
Cm, Prefcio, 4.
5
Robert Kolb, Editors Introduction to the Large Catechism in The Book of Concord: The
Confessions of the Evangelical Lutheran Church. Minneapolis: Fortress Press, 2000, p.
379: The catechisms represented a Bible for the laity because they dealt with material
necessary for each Christian to know.
6
A controvrsia a respeito da Ceia do Senhor teve seu auge com o Colquio de Marburg
em outubro de 1529. O debate reuniu Lutero e Zwnglio para uma discusso sobre a
doutrina da Ceia. Sobre a controvrsia sacramentria, ver: Kittelson, James. Luther, The
Reformer: The story of the man and his career, p. 221-226. 7 A controvrsia antinomista
aconteceu entre os anos 1530-1540. Joo Agrcola comeou a ensinar que a lei no era
necessria aos cristos e ela no deveria ser pregada a estes. Robert Kolb, op.cit., p. 378:
Agrcola insisted that true repentance could not arise from fear of punishment but only
from love of God.

35
IGREJA LUTERANA

muns, transferindo o valor que era dado s ordens catlicas, ou seja,


vida monstica, para as ordens regulares, a saber, a ordem econ-
mica (o regimento do casamento e da famlia), poltica (da autoridade
civil) e eclesistica. A valorizao da vida como criao de Deus ga-
nhou muito mais nfase na viso de Lutero do que no dualismo medi-
eval, o qual reprimia as necessidades corporais em funo de uma
suposta santidade espiritual.
O subttulo Como o chefe de famlia deve ensin-lo com simplici-
dade a sua casa8 retrata muito bem essa mudana de foco. O Cate-
cismo foi preparado para ser usado no s nas congregaes de uma
forma geral, mas em cada casa. Os pais deveriam ensinar os filhos e
todos aqueles que faziam parte da famlia sobre a f crist.
O impacto dos Catecismos no se restringe a estes dois fatores.
Sem dvida, uma das grandes contribuies deste manual est no
fato dele retratar de forma simples e objetiva a verdade do Evange-
lho. Segundo Warth, Lutero colocou diante do povo o essencial: a
justificao pela f e a vida crist, de acordo com a teologia bblica.9
Com o Catecismo, o Solus Christus foi apresentado ao povo simples
daquela poca.

1.2 O diferencial do modelo de Lutero

O Catecismo no era algo novo no tempo de Lutero. Outros modelos


j haviam sido apresentados na Idade Mdia e tambm na igreja anti-
ga. De uma forma especial, pode-se destacar que o Catecismo, desde a
sua origem, sempre se constitua de algumas partes essenciais que ca-
racterizavam tal obra como Catecismo. Lutero entendeu que um Cate-
cismo deve conter aquelas partes que constituem a identidade do cris-
to, as quais so os Dez Mandamentos, o Credo e o Pai Nosso.
Esses elementos j eram considerados indispensveis pela igreja
antiga como vemos em Agostinho e muitos outros telogos. Acima de
tudo, esses textos foram considerados essenciais porque provaram e
provam ter grande importncia dentro do Cristianismo. Como Lutero
mesmo sugeriu: com o povo comum nos restringimos s trs partes,
que desde antigamente se conservaram na cristandade.10

8
Essa frase aparece quase como um subttulo nas partes principais do Catecismo. Ver
Livro de Concrdia, Catecismo Menor, pp. 366, 370, 372, 375, 378, 379, 380.
9
Martim Warth, Catecismos: Introduo ao Assunto in Obras Selecionadas 7, p. 324.
10
CM, Prefcio Menor, 6.

36
OS CATECISMOS DE LUTERO: A ARTE DE ENSINAR A VIVER POR F

Segundo Arand, o Catecismo de Lutero contm, e definido por


aqueles componentes da Escritura que a igreja aceitou em todos os
tempos e em todos os lugares como textos formativos para moldar a
identidade e a vida crist.11 Alm desses textos originalmente acei-
tos, Lutero ainda acrescentou os Sacramentos, uma Breve Forma de
Confisso, Oraes, a Tbua dos Deveres, um Manual de Casamento
e de Batismo.
Em um dos seus Catecismos, De Catechizandis Rudibus (Catequizando
os no instrudos), Agostinho coloca a seguinte ordem: Credo Pai
Nosso Dez Mandamentos12. Nesse modelo, o amor assume o papel
central na vida crist. Agostinho explica que uma pessoa s pode ser
considerada boa a partir daquilo que ela ama13, ou ainda, o crer e o
esperar s tm valor porque eles capacitam o homem a amar. Posteri-
ormente, na Idade Mdia, cunhou-se a expresso fides caritate formata,
ou seja, f ativada pelo amor. Por essa expresso entendia-se que a f
apenas um poder inicial pelo qual o cristo capacitado a realizar
obras de amor pelas quais ele merece a salvao.
Na Idade Mdia ainda surgiram outros modelos. De forma especi-
al, importante destacar que nesse perodo a nfase recaa sobre o
sistema penitencial, com nfase no mrito humano com relao sal-
vao. O sistema penitencial enfatizava a ordem: contrio confis-
so satisfao. Dentro desse contexto, os Dez Mandamentos assu-
miam o papel central do Catecismo. A obedincia ao Pai Nosso, Credo
e Dez Mandamentos era confirmada pelas obras visveis realizadas
pelos homens. Essa lgica enfatizava as obras preparatrias da f e
contrio, a confisso, as obras posteriores de satisfao (especial-
mente oraes, jejuns, etc.) e finalmente preparao para uma boa
morte.14

11
Charles Arand, That I May Be His Own: An overview of Luthers Catechisms, 2000, p.
47. It contains, and in turn is defined by, those components of Scripture that the church
has at all times and in all places identified as formative texts for shaping a Christian
identity end shaping a Christian life.
12
Ibidem, p. 125. Arand explica que nessa ordem, o Credo est ligado f, histria,
passado, com as coisas que Deus fez; o Pai Nosso se refere esperana, ressurreio e
futuro, sobre as coisas que esto por vir; e os Dez Mandamentos se referem ao amor, lei
e ao presente, sobre o que o cristo deve fazer.
13
Santo Agostinho, A Instruo aos Catecmenos, Traduo de Maria da Glria Novak.
Petrpolis: Vozes, 1978.
14
Robert Kolb, op.cit., p. 345: In the late Middle Ages booklets written for catechetical
instruction focused on the sacrament of penance: the preparatory works of faith and
contrition, the thoroughness of confession, the succeeding works of satisfaction (especi-
ally prayers, fasting, almsgiving), and finally preparation for a good death.

37
IGREJA LUTERANA

A estrutura que Lutero prope no Catecismo parece revelar um sis-


tema teolgico diferente. A ordem Contrio f como parte do arre-
pendimento est bem presente na ordem Dez Mandamentos Credo
Pai Nosso. A ordem do Catecismo de Lutero reflete a teologia da
cruz, a saber, que Deus mata o pecador pela lei e o faz ressurgir pelo
evangelho. Assim, segundo a perspectiva humana, a sequncia lgica
do Catecismo de Lutero est baseada no paradoxo Lei (Dez Manda-
mentos) e Evangelho (Credo, Pai Nosso),15 segundo a perspectiva de
Deus, a dinmica fica sob a ao do Deus Trino revelado no Credo.
O acrscimo dos sacramentos como parte fundamental do Cate-
cismo relembra uma prtica da Igreja Antiga que complementou a
catequese pr-batismal com a instruo num quarto tpico, a saber,
os sacramentos.16 Aparentemente, o ensino a respeito dos sacra-
mentos no era muito comum na Idade Mdia.17 Lutero mesmo acres-
centa essa introduo exposio do batismo: Cumpre tenha cada
cristo pelo menos uma instruo geral e breve sobre eles, visto sem
eles no ser possvel que haja cristo, ainda que at agora, infeliz-
mente, nada se ensinou a respeito.18
Com relao aos sacramentos, Lutero d nfase palavra de Deus,
que unida ao elemento, traz todos os benefcios da obra de Cristo ao
crente. Essa nova nfase fez com que o nmero de sacramentos tam-
bm fosse reduzido. Ficaram apenas aqueles segundo os quais havia
o mandamento e a instituio de Deus.19 A preocupao aqui mos-
trar que o sacramento no obra humana, mas de Deus.
Diante de pensamentos teolgicos divergentes, Lutero apresen-
tou ao povo leigo o Catecismo como um mapa da Escritura Sagrada.
Com tal instrumento Lutero queria ensinar o povo sobre os princpios
bsicos da f crist. Apesar de usar os mesmos elementos essenciais
presentes na igreja desde o seu princpio, Lutero reordena esses ele-
mentos numa perspectiva evanglica na tentativa de levar ao povo
simples a verdade redescoberta do Evangelho.

15
Charles Arand, op. cit., p. 132.
16
Charles Arand, op. cit., p. 39: a practice of the early church that supplemented
prebaptismal catechesis with instruction on a fourth topic, namely, the sacraments.
17
Charles Arand, op. cit., p. 40: exposition of the nature and benefits of the sacraments
were not commonplace.
18
CM, Do Batismo, 1.
19
CM, Do Batismo, 6.

38
OS CATECISMOS DE LUTERO: A ARTE DE ENSINAR A VIVER POR F

2. O CATECISMO E O EVANGELHO:
PARA QUE EU LHE PERTENA

O Catecismo de Lutero serve como um mapa das Escrituras. Orde-


nando as principais partes do Catecismo (Dez Mandamentos, Credo e
Pai Nosso) de um modo a expressar sua convico evanglica, Lutero
enfatizou a ao do Deus Trino na histria. Sob o tema para que eu
lhe pertena e viva submisso a ele, em seu Reino, o Catecismo mos-
tra a dinmica presente na vida crist no mundo. Essa dinmica do
Catecismo pode ser melhor entendida quando vista como um todo,
sob uma perspectiva trinitria.

2.1 A relo entre as principais partes do Catecismo

Uma vez que Lutero reordenou as principais partes do Catecismo


sob uma tica evanglica, cabe entender essa lgica e perceber o
propsito de tal empreendimento. Segundo Arand, essa nova estru-
tura de Lutero sugere uma leitura holstica do Catecismo, ou seja,
cada texto do Catecismo deve ser lido e interpretado luz de outros
textos do prprio Catecismo.20 Isso significa ler o texto dentro do seu
contexto. Por exemplo, o Credo deveria ser visto como um texto que
segue os mandamentos e est antes do Pai Nosso, sendo que uma
interpretao correta deste depende da observncia do contexto ime-
diato, bem como de toda a obra.
Em Breve Forma dos Dez Mandamentos, Credo e Pai Nosso de 1520,
Lutero explica que

[...] os mandamentos ensinam a pessoa e re-


conhecer a sua enfermidade, fazendo-a ver e
perceber o que pode fazer ou no, o que pode
deixar de fazer ou no, e a reconhecer-se
como pecadora e m. Em seguida, o Credo
lhe mostra e ensina onde deve encontrar o
medicamento, a graa, que lhe ajude a tor-
nar-se piedosa, para guardar os mandamen-
tos. Indica-lhe Deus e a sua misericrdia, de-
monstrada e oferecida em Cristo. E, por fim, o

20
Charles Arand, That I May Be His Own: An overview of Luthers Catechisms, 2000, p.
129.

39
IGREJA LUTERANA

Pai Nosso lhe ensina como deve desejar a


graa, como busc-la e aproxim-la de si, a
saber, por meio da orao regular, humilde e
consoladora. Ento ela lhe dada, e desse
modo a pessoa salva atravs do cumprimen-
to dos mandamentos de Deus.21

Essa mesma lgica tambm pode ser vista na transio entre as


principais partes do Catecismo. Ao iniciar a explicao do Credo, Lutero
enfatiza que os Mandamentos esto numa posio to alta que so
impossveis de serem cumpridos e existe, ento, a necessidade do
Credo. Pois se pudssemos cumprir os Dez Mandamentos com nos-
sas prprias foras, tal como devem ser cumpridos, de nada mais pre-
cisaramos, nem do Credo, nem do Pai-Nosso.22 Tambm na explica-
o do Pai-Nosso ele enfatiza que, visto nossa situao ser tal, que
ningum pode cumprir os mandamentos perfeitamente, ainda que haja
comeado a crer, e visto o diabo, juntamente com o mundo e a nossa
prpria carne, a isso se opor com toda a fora, nada mais necess-
rio do que viver continuamente nos ouvidos de Deus, clamando e pe-
dindo que nos d, preserve e multiplique a f e o cumprimento dos
Dez Mandamentos.23
Nesses termos, o homem confrontado com o paradoxo lei/evan-
gelho, que mostra a sua doena e onde est o remdio, e a sua aten-
o voltada para a ao do Criador, Redentor e Santificador. Segun-
do Arand, o relacionamento das principais partes do Catecismo acon-
tece dessa forma: 1. Declogo e Primeiro Artigo; 2. Segundo Artigo;
3. Terceiro Artigo e Pai-Nosso.24 Ao fazer isso, Lutero estaria organi-
zando o Catecismo conforme os grandes feitos de Deus, sob uma
viso trinitria.
Conforme esse esquema, os Mandamentos estariam dentro da
perspectiva da Criao, a qual se torna tambm o contexto onde acon-
tece a redeno. Os benefcios de Cristo se tornam reais para a cria-
tura atravs da ao do Esprito Santo, o qual ensina a clamar (Pai
Nosso) por auxlio a Deus. O Segundo Artigo o grande destaque,

21
Martinho Lutero, Breve Forma dos Dez Mandamentos; Breve Forma do Credo; Breve
Forma do Pai-Nosso in Obras Selecionadas 2, p. 174.
22
CM, Credo, 3.
23
CM, Pai-Nosso, 2.
24
Charles Arand, op.cit., p. 136.

40
OS CATECISMOS DE LUTERO: A ARTE DE ENSINAR A VIVER POR F

uma vez que atravs dele se conhece a Deus como Ele . O evento
objetivo e real da cruz mostra para a criao a face misericordiosa de
Deus, ligando novamente Criador e criatura para uma nova vida.
Dentro dessa estrutura, os Dez Mandamentos so vistos segundo
a lei natural. Eles assumem uma funo de manual de instruo
para o uso prprio da criao25 e esto inscritos no corao do ho-
mem. Por outro lado, o Credo j algo totalmente diferente e no
pode ser conhecido se no for revelado. Conforme Lutero, os Dez
Mandamentos, ademais, esto inscritos nos coraes de todos os
homens; ao Credo, porm, nenhuma inteligncia humana o pode com-
preender, devendo ser ensinado unicamente pelo Esprito Santo.26
Os mandamentos de Moiss so teis no porque foram promul-
gados por Moiss, mas porque so um resumo e um arranjo muito
prtico daqueles mandamentos que esto implantados no corao
do homem.27 Nesse sentido, eles se aplicam e podem ser conhecidos,
ainda que parcialmente, por todos os homens, pois fazem parte da
natureza. A revelao destes por Moiss no tira esse carter natu-
ral do declogo, apenas enfatiza uma lei j existente.
A dificuldade para a criatura conhecer este Deus exigido nos
Mandamentos. Pois ainda que a natureza revele que existe um Deus,
ou ainda que o homem perceba que ele precisa confiar em um ser
superior de onde provm cuidado e todo o bem,28 ainda assim, ele
no pode saber e nem descobrir pela prpria vontade que Deus
esse. Na explicao do Primeiro Mandamento, Lutero enfatiza que
onde o homem prende o seu corao e confia, ali est o deus dele.
Nesse sentido, a f uma realidade para todas as pessoas. Entre-
tanto, segundo Arand, onde o objeto da f o verdadeiro Deus, ali a
f tambm verdadeira e ela encontrar o que precisa.29

25
Charles Arand, op.cit., p. 137.
26
CM, Credo, 67.
27
Martinho Lutero, Breve Forma dos Dez Mandamentos; Breve Forma do Credo; Breve
Forma do Pai-Nosso in Obras Selecionadas 2, p. 189. Tambm em LW 47:90: And later
when he wants to set up a special law and nation apart from all others, as he has been
commanded to do, he first introduces God himself; he is the universal God of all the
nations, who gives the universal Ten Commandments -which prior to this had been implan-
ted at creation in the hearts of all men - to this particular people orally as well. In his day
Moses fitted them nicely into his laws in a more orderly and excellent manner than could
have been done by anyone else. Luthers works, vol. 47: The Christian in Society IV (J. J.
Pelikan, H. C. Oswald & H. T. Lehmann, Ed.), Fortress Press: Philadelphia.
28
CM, Dos Mandamentos, 2.
29
Charles Arand, op.cit., p. 155: The question centers on true faith or false faith. Where
the object of faith is the true God, there ones faith is true. And their faith will find the
support it needs.

41
IGREJA LUTERANA

O Deus do Primeiro Mandamento , em primeiro lugar, o Criador do


cu e da terra, no qual se deve confiar e dele esperar todas as coi-
sas, pois ele quem nos d corpo, vida, comida, bebida, nutrio,
sade, proteo, paz e todo o necessrio em bens temporais e eter-
nos.30 A relao entre o Primeiro Mandamento e o primeiro artigo do
Credo muito prxima e na verdade reflete a lgica natural da exis-
tncia humana, ou seja, em primeiro lugar o homem criatura e pre-
cisa reconhecer sua posio na Criao de Deus.
Por isso, Lutero tambm coloca todos os mandamentos dentro
dessa perspectiva da criao. Quebrar um mandamento significa no
confiar no fato de que Deus est no comando da histria e quer saci-
ar as necessidades das criaturas. Por exemplo, algum pode ser ten-
tado a roubar ou desejar algo que do prximo, em vez de esperar
que Deus lhe d conforme a vontade dele e atravs dos meios esta-
belecidos por Ele. Nesse sentido, os Mandamentos se tornam tam-
bm um espelho da falta de f da criatura em relao a seu Criador,
uma vez que aquela no confia mais na ao deste.
Todos os Mandamentos esto fundamentados no Eu sou o Se-
nhor, teu Deus, e sob a premissa devemos temer e amar a Deus
conduzem a criao verdade de que s existe um Deus, o verdadei-
ro Deus, Criador do cu e da terra. Lutero ainda acrescenta aos man-
damentos o eplogo: Porque eu sou o Senhor teu Deus, Deus zeloso,
que visito a iniquidade dos pais nos filhos at a terceira e quarta
gerao daqueles que me aborrecem e fao misericrdia at mil gera-
es daqueles que me amam e guardam os meus mandamentos.
Estas palavras pronunciam uma ameaa e um consolo. A punio
da iniquidade deve causar temor, pois a palavra dele certa e no
falha. Por outro lado, a misericrdia dele bem maior, o que impulsio-
na o amor e a confiana nele. Segundo Lutero,

Deus no quer tolerar nenhuma presuno e


nenhuma confiana em qualquer outra coisa,
e no exige de ns coisa maior do que uma
confiana cordial que dele espera todo o bem,
por forma que sigamos o nosso caminho reta
e direitamente e usemos os bens que Deus
nos d [...].31

30
CM, Dos Mandamentos, 24.

42
OS CATECISMOS DE LUTERO: A ARTE DE ENSINAR A VIVER POR F

O fato dos Dez Mandamentos aparecerem em xodo sob o prlo-


go Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa
da servido (x 20.2), impulsiona muitos telogos a interpretar o
declogo como terceiro uso da Lei, uma vez que ele se encontra den-
tro do contexto de libertao do povo de Israel do Egito. Partindo
desse pressuposto, muitos manuais de instruo apresentam o ba-
tismo como primeiro passo a ser estudado. Primeiro a libertao, de-
pois a nova vida.
O interessante que Lutero no menciona esse prlogo, mas adici-
ona o eplogo como concluso dos mandamentos. Segundo Arand, Lutero
mostra na explicao do primeiro mandamento Deus como Criador, no
como Redentor. Alm disso, Deus manifesta a sua ira e amor em coisas
terrenas.32 O Deus Zeloso aquele que age na Criao, provendo
todo o necessrio para o corpo e a alma, segundo a sua vontade e
maneira de agir. O problema aparece quando a criatura quer se passar
por Deus e confia na sua prpria capacidade criativa, uma inverso que
prejudica no s a pessoa em si mesma, mas toda a criao.

2.2 A Cristocentricidade do Catecismo de Lutero

O fato de o homem, em sua corrupo, se colocar numa posio de


criador e dar luz deuses do seu imaginrio, exige a contnua ao
do Deus Trino. Sobretudo a relao entre Criador e criatura precisa
ser restabelecida, o que acontece sob o evento objetivo e real da
cruz. Em outras palavras, o segundo artigo serve como elo entre a
parte cada e o mantenedor deste mundo. Os Mandamentos e o pri-
meiro artigo do Credo montam o cenrio onde o Salvador Jesus reali-
za a obra da salvao.
Segundo Lutero, o evangelho todo que pregamos repousa sobre
a compreenso acertada deste artigo, do qual depende toda a nossa
salvao e bem-aventurana, e to rico e abrangente, que nunca o
aprenderemos de todo.33 Toda a f crist depende do fato de que
Deus perdoa e aceita as pessoas por causa dos mritos de Cristo,
afinal, diante do pecado e incapacidade humana em guardar os man-
damentos de Deus, resta ao homem nenhuma soluo, a no ser
essa de que o prprio Deus venha at ele e o salve.

31
CM, Dos Mandamentos, 47.
32
Charles Arand, The God behind the First Commandment, in Lutheran Quarterly 8,
(Winter 1994): 397.
33
CM, Credo, 33.

43
IGREJA LUTERANA

Nesse sentido, na Breve forma dos Dez Mandamentos, Do Credo e do


Pai Nosso, Lutero intitula o Credo: Jesus. Interessante ver que ele
termina os Dez Mandamentos concluindo que nenhuma pessoa pode
viver bem e que necessrio aprender onde se pode buscar a possi-
bilidade de viver bem e cumprir os mandamentos. Ento segue o Cre-
do34, onde Jesus revelado e anunciado ao homem.
A linguagem empregada por Lutero para explicar o Segundo Arti-
go destaca que Cristo comprou, ou pagou, o preo necessrio para
libertar a humanidade. Em vez de usar uma linguagem forense ou
explicar a pessoa de Cristo em termos sistemticos, Lutero simples-
mente mostra que tudo o que Jesus fez tinha um objetivo: ... para
que eu lhe pertena e viva submisso a ele....35 Esse Jesus do Segun-
do Artigo ... meu SENHOR, que me remiu a mim.... Embora sejam
mencionados alguns aspectos do Cristo que sofreu como vtima, como,
por exemplo, quando Lutero explica que ... o Filho nico e eterno de
Deus, em sua insondvel bondade, se compadeceu de nossa calami-
dade e misria...,36 a maior parte da explicao fala do Cristo que
remiu a humanidade e a arrancou das fauces do inferno, libertando-a,
a fim de ser Senhor dela.
O Terceiro Artigo descreve a ao do Esprito Santo como aquele
que leva a pessoa ao conhecimento de Cristo e de sua obra, bem
como, d a f que se apropria dos benefcios desta obra. Como pro-
priedade de Cristo, sob a ao do Santificador os crentes so congre-
gados em torno do Evangelho presente na Palavra e nos Sacramen-
tos para receber perdo e perdoar, suportar e auxiliar uns aos ou-
tros. Da mesma forma, o Pai Nosso, que expressa a confiana no Deus
do Primeiro Mandamento, se fundamenta na ordem e promessa de
Deus. Ele ordenou que as pessoas pedissem a ele e prometeu que
seriam atendidas. Assim, como eternos dependentes do Deus Trino,
perdoados e redimidos, os crentes cumprem a funo de criaturas.
A viso trinitria de Deus presente no Catecismo de Lutero exclui
totalmente a ao do homem no que se refere salvao e o coloca
na sua posio original, a saber, na criao. Segundo Lutero, Deus
se nos d inteiramente, com tudo o que tem e pode, em auxlio e
apoio, para o cumprimento dos Dez Mandamentos: o Pai, todas as

34
Martinho Lutero, Breve Forma dos Dez Mandamentos; Breve Forma do Credo; Breve
Forma do Pai-Nosso in Obras Selecionadas 2, p. 184.
35
Cm, Credo, 4.
36
CM, Credo, 29.

44
OS CATECISMOS DE LUTERO: A ARTE DE ENSINAR A VIVER POR F

criaturas; Cristo, todas as suas obras; o Esprito Santo, todos os seus


dons.37
Com a Tbua dos Deveres, Lutero enfatiza as aes dos cristos
no mundo. Ele mostra como os Dez Mandamentos guiam a vida do
cristo nas vocaes dirias. O cristo faz parte da criao e participa
das ordens criadas por Deus: ordem econmica (famlia), poltica
(governo) e eclesistica. Assim, a ao de Deus est presente em
todas as esferas da vida, afinal, o Deus Trino responsvel pela sua
criao.

2.3 O Batismo e a Santa Ceia

Os benefcios da obra de Cristo tornam-se presentes atravs da


Palavra e dos Sacramentos. Os meios da graa so, sobretudo, meios
pelos quais Deus se doa aos homens e se faz presente com seu per-
do. Essa nfase fica clara no Catecismo quando Lutero destaca que
em ambos os sacramentos o ponto principal a palavra e a ordena-
o ou mandamento de Deus.38
Segundo Arand, a teologia sacramental de Lutero destaca que a
Palavra de Deus no apenas uma mera informao que requer uma
deciso da nossa parte, mas um poder dinmico atravs do qual
Deus opera em diferentes formas. Assim sendo, tambm a f mantm
o seu carter de receptividade ou recepo daqueles dons. Assim
sobre e contra Roma, Lutero enfatizou a necessidade da f para rece-
bimento a apropriao das bnos dos sacramentos. No caso dos
sacramentrios, Lutero enfatizou a presena e obra de Deus nos ele-
mentos selecionados da ordem criada.39
A ligao entre os sacramentos e o artigo da justificao evi-
dente. O batismo o meio pelo qual de incio somos recebidos na
cristandade40 e o Sacramento do Altar nos dado para diria pasta-
gem e alimentao.41 Estes so os meios sem os quais no possvel
que haja cristos.42

37
CM, Credo, 69.
38
CM, Do Sacramento do Altar, 4.
39
Charles Arand, That I May Be His Own: An overview of Luthers Catechism.,2000, p.
167: Thus over and against Rome, Luther stressed the necessity of faith for receiving
and appropriating the blessings of the sacraments. In the case of sacramentarians, Luther
emphasized Gods presence and work in selected elements from the created order.
40
CM, Do Batismo, 2.
41
CM, Do Sacramento do Altar, 24.
42
CM, D Batismo, 1.

45
IGREJA LUTERANA

Quanto ao batismo, interessante observar que Lutero usa a


mesma linguagem para falar deste sacramento que ele usa no se-
gundo Artigo do Credo. Nesse sentido, Arand destaca que Cristo e o
batismo fazem a mesma coisa. Cristo nos resgatou do pecado, morte
e do poder do diabo. Da mesma forma, o batismo nos resgatou do
pecado, morte e do poder do diabo. No batismo Deus liga nosso des-
tino ao destino de Jesus Cristo.43
Assim sendo, o batismo sinal divino para toda a vida, com o qual
o cristo consola sua conscincia e lembra a si prprio que j no
pertence a nenhum outro senhor, mas propriedade exclusiva de
Jesus. Lutero ainda explica que

todo cristo tem matria suficiente para


aprender e exercitar-se a vida inteira, pois
sempre tem o que fazer para crer convicta-
mente o que ele promete e traz: vitria sobre
o diabo e a morte, remisso dos pecados, a
graa de Deus, o Cristo inteiro e o Esprito
Santo com seus dons.44

Aqui tambm merece destaque a instruo sobre a confisso de


pecados que aparece no Catecismo Menor logo aps a exposio so-
bre o Batismo. A confisso aqui compreende duas partes: primeiro,
que confessemos os pecados; segundo, que se receba a absolvio
ou remisso do confessor como de Deus mesmo, sem duvidar de modo
algum, mas crendo firmemente que por ela os pecados so perdoa-
dos perante Deus nos cus.45 Nesse novo modelo, o pastor j no
mais age como algum que examina, julga e executa a conscincia do
cristo, mas ele existe por um propsito apenas oferecer o perdo
dos pecados.46
J no Catecismo Maior, Lutero faz meno ao terceiro sacramento,
que se chamou de penitncia, enfatizando que o arrependimento outra

43
Charles Arand, op.cit., p. 168: Christ and Baptism do the same thing. Christ rescued us
from sin, death, and the power of the devil. Similarly, Baptism also rescues us from sin,
death, and the power of the devil. In Baptism God links our destiny to the destiny of Jesus
Christ.
44
CM, Do Batismo, 41.
45
Cm, Como se Deve Ensinar as Pessoas Simples a se Confessarem, 16.
46
Charles Arand, op.cit., p. 169: First, the pastor no longer functions as examiner, judge,
and executioner over the Christians conscience. Instead, he exists for one purpose and
one purpose only to offer the forgiveness of sins.

46
OS CATECISMOS DE LUTERO: A ARTE DE ENSINAR A VIVER POR F

coisa no que um retorno ao batismo.47 A absolvio anunciada pelo


pastor, que agora assume o papel de mensageiro do Evangelho, tor-
na os cristos aquilo que eles realmente so batizados.48
Quanto Santa Ceia, Lutero destaca que por maior que seja o
tesouro em si mesmo, deve ser compreendido na palavra oferecido a
ns; de outro modo no o podemos conhecer nem buscar.49 O conso-
lo deste sacramento certamente est nas prprias palavras de Cris-
to: Dado e derramado por vs para remisso dos pecados. Primei-
ro, nessas palavras ele quer assegurar a todos da sua presena e,
segundo, que este tesouro dado de presente. O sacramento, por
isso, est fundamentado no na dignidade do participante, nem do
oficiante, mas nas palavras de Cristo. Segundo Lutero, reflete, por-
tanto, e coloca-te tambm no VS, a fim de que ele no fale em vo
contigo. Porque a nos oferece todo o tesouro que para ns trouxe do
cu e ao qual tambm nos atrai....50
Os sacramentos so, acima de tudo, pura ao de Deus em favor
das pessoas, pelos quais ele se oferece do cu aos homens, para
criar e manter a nova vida. A dignidade j no mais definida por
uma srie de atos penitencias de purificao, mas por f.51 atravs
destes sinais, por meio da f, que Deus, em Cristo, restabelece a
ordem de toda a sua criao, recolocando o homem novamente no
seu devido posto como criatura de Deus.

2.4 A Vocao Crist

No Catecismo, Lutero transfere a ateno das pessoas para Deus


e para a Sua criao. Interessante que Lutero fala muito pouco da
primeira criao, ou seja, do incio desse mundo, mas procura enfatizar
a creatio continuata, ou seja, o fato de que Deus preserva esse mun-
do atravs de meios. Por exemplo, os pais se tornam um meio da
ao de Deus quando geram um filho.
dentro dessa perspectiva que se destaca a noo de vocao. A
desvalorizao das ordens monsticas e a afirmao das ordens eco-
nmica, poltica e eclesistica mostram bem como Lutero entendia a
vida dos cristos. Com o acrscimo das Oraes e das Tbuas dos

47
CM, Do Batismo, 79.
48
Charles Arand, op.cit., p. 170: In absolution we become what we are - baptized.
49
CM, Do Sacramento do Altar, 30.
50
CM, Do Sacramento do Altar, 65.

47
IGREJA LUTERANA

Deveres, ele enfatiza que o cristo no vive para si mesmo, mas para
o prximo, dando e recebendo todos os benefcios do Deus Criador,
Deus Redentor e Deus Santificador. Como criaturas de Deus, o ho-
mem agora incentivado a aceitar a sua vocao e fazer parte da
criao divina como instrumento de amor e misericrdia.
Embora parea muito bvio, interessante notar que as pessoas
esto inseridas dentro do contexto da criao e, evidentemente,
nesse contexto que todas as suas imperfeies se manifestam, espe-
cialmente a tentao de querer ser deus. Para evitar esse mal, as
pessoas so sempre de novo lembradas de que so criaturas e que
precisam agir como tal, desenvolvendo funes especficas dentro dos
limites da criao. Essas funes controlam e direcionam a vida crist
em prol do prximo, servindo de canais da ao de Deus. Wingren
destaca que o evangelho e a vocao so colocados lado a lado. Se-
gundo ele, a vocao a forma concreta da lei e a igreja a forma
concreta do evangelho52.
Isso, sem dvida, um reflexo daquilo que Lutero identificou como
Dois Reinos. O primeiro tem a ver com a criao e o segundo com a
salvao. A tentao de querer ser Deus precisa ser controlada sob a
vocao, que coloca a criatura numa situao de receptora e doadora
dos bens divinos. Quando algum apresenta boas obras diante de
Deus no Reino do cu, a ordem de Deus quebrada em ambas as
realidades, nem Deus nem o prximo recebem a devida ateno.53 Foi
isso que aconteceu na Idade Mdia, quando a vida monstica foi in-
centivada.
A igreja tem o papel de nutrir o crente com o Evangelho de Jesus
Cristo. No Catecismo isso aparece claro no Terceiro Artigo, no Pai Nos-
so, que uma arma do crente contra o Maligno, nos Sacramentos,
nas Oraes e na Confisso. Especialmente nos Sacramentos, o cren-
te tem acesso direto a Cristo e recebe perdo dos pecados. A Confis-
so tambm tem papel importante por causa do Evangelho que con-
forta o pecador. Assim, o crente nutrido com a Palavra de Deus para

51
Charles Arand, op.cit., p. 151 worthiness is no longer defined by a series of peniten-
tial acts of purification, but as believing.
52
Gustav Wingren, Luther on vocation, 2004, p. 123: A Christian lives in vocation and in
the church. Vocation is the concrete form of the law, and the Church is the concrete form
of the gospel.
53
Ibidem, p. 13: When one presents works before God in the Kingdom of heaven, Gods
order is disrupted in both realmsNeither God nor ones neighbor receives that which is
properly his.

48
OS CATECISMOS DE LUTERO: A ARTE DE ENSINAR A VIVER POR F

a vida como criatura. O Esprito Santo congrega as pessoas em torno


de Cristo para que estes recebam o perdo e a certeza de que o Pai
Criador, que preserva este mundo, no est mais irado com eles, mas
os aceita por causa de Cristo. Na realidade do evangelho as pessoas
recebem o perdo e a promessa da vida eterna.
importante destacar a conexo existente entre estas duas rea-
lidades. Em primeiro lugar, tanto a vocao quanto o evangelho so
expresses do amor de Deus a sua criao. Por meio das vocaes,
Deus serve as pessoas com bens materiais, como, por exemplo, quan-
do uma me alimenta seu filho, mostrando qual a funo especfica de
cada um dentro da criao divina.
Segundo Wingren, para entender o que significa a cruz da voca-
o preciso lembrar que vocao algo ordenado por Deus para
beneficiar, no aquele que cumpre a vocao, mas o prximo.54 cer-
to que ningum escolhe ser filho, ser irmo, e muitas outras ocupa-
es. Elas so impostas por Deus e confrontam o homem com a reali-
dade de que ele criatura e no criador. Nas relaes dinmicas, a lei
dos Dez Mandamentos se apresenta de forma bem concreta e muitas
vezes imperceptvel. Como criatura, um pai, muitas vezes, est dian-
te da realidade de que ele no pode criar nem fazer existir algo me-
lhor para o seu filho. Como pecador, ele reconhece que a sua condi-
o a de imperfeio e desgraa.
De uma forma especial, pode-se destacar que no h lugar no
Catecismo para um pensamento baseado em justia prpria diante
de Deus. Ele aponta nica e exclusivamente para a ao do Deus
Trino: Criador, Redentor e Santificador. A vida do cristo gira em tor-
no desse centro. Por outro lado, a pessoa chamada a servir o prxi-
mo, conforme as recomendaes das Tbuas dos Deveres. Ali Lutero
rene passagens bblicas que so, na verdade, reflexos dos Dez Man-
damentos e os ordena dentro da perspectiva das trs principais or-
dens da criao: Ordem econmica (o regime do Casamento e da fa-
mlia); poltica (da autoridade civil) e eclesistica.
A nova lgica de Lutero apresenta uma perspectiva para a vida
crist diferente daquela conhecida na Idade Mdia. A estrutura evan-
glica do Catecismo mostra que o homem totalmente dependente
de Deus e do prximo. Nesse sentido, o homem incentivado a dei-

54
Gustav Wingren, Luther on vocation, 2004, p. 29: to understand what is meant by the
cross of vocation, we need only remember that vocation is ordained by God to benefit, not
him who fulfils the vocation, but the neighbor who, standing alongside, bears his own cross
for the sake of others.

49
IGREJA LUTERANA

xar de olhar para si mesmo e olhar para o nico Deus, e tambm para
o prximo que tambm foi criado por Deus. A estrutura do Catecismo
Menor muito rica nesse sentido, pois ela une partes essenciais e as
coloca dentro da dinmica Lei/Evangelho, numa perspectiva trinitria.
Alm disso, o Catecismo se torna muito prtico, porque ele fala de
coisas concretas do dia-a-dia das pessoas. Acima de tudo, ele um
manual que ensina como viver por f. Ele ensina o que o homem de
fato, o que ele recebe de Deus e como ele pode clamar a Deus. Alm
disso, o homem pode ver no Catecismo um guia para sua vida em
diferentes vocaes. Cada pessoa foi comprada por Cristo e cada
pessoa foi colocada numa vocao especfica que no pode ser imita-
da nem transferida. O que Deus criou, ele o criou para mim; o que
Jesus fez, ele o fez por mim; o que o Esprito Santo fez, ele o fez
por mim. Essa nfase na primeira pessoa do singular enfatiza a ao
de Deus na vida de cada pessoa numa relao ntima e nica, que
no pode ser imitada, nem copiada ou comparada.
Muito mais do que um livro que dita normas, o Catecismo aponta
para a dinmica existente na criao de Deus antes e depois do evento
salvfico: Jesus Cristo comprou a humanidade com seu santo e preci-
oso sangue para que esta lhe pertena e viva submissa a ele. O vi-
ver submisso a Ele implica a existncia de um Ser superior, do qual
se espera todo bem. Esse ser o Deus Trino exigido no Primeiro
Mandamento e revelado no Credo: O Deus Criador d existncia e
vida a tudo que existe; o Redentor compra a humanidade para dentro
do seu Reino; o Esprito Santo revela esse Deus atravs dos meios da
graa.
Essa perspectiva trinitria ajuda a entender melhor o Catecismo
de Lutero e enfatiza a dinmica da nova vida da criatura de Deus
como propriedade de Cristo. Em especial, ele destaca a ao divina
na vida de cada pessoa e guia os cristos em seu dia-a-dia como
agentes de Deus na famlia, na sociedade e na poltica, enfim, em
todo o mundo.

3. O DESAFIO: ENSINAR A VIVER POR F

A perspectiva trinitria presente no Catecismo de Lutero enfatiza


a ao de Deus em todas as esferas que envolvem a humanidade.
Como criatura restaurada e beneficiada por Deus, o cristo vive nes-
te mundo como agente de Deus na famlia, na sociedade e na poltica,
enfim, em todo o mundo. O desafio transmitir essa mensagem e
ensinar a viver pela f.

50
OS CATECISMOS DE LUTERO: A ARTE DE ENSINAR A VIVER POR F

3.1 O Catecismo nos dias atuais

A inteno do Catecismo de Lutero mostrar como o segundo


artigo restaura as relaes do homem no Primeiro Artigo. O perdo
de Cristo liga a criatura ao Criador e estabelece novas relaes entre
as criaturas, colocando o cristo como instrumento vivo que Deus usa
na manuteno do mundo. O desafio nos dias de hoje continuar
mantendo esse diferencial presente de forma que seja apresentado
s pessoas, seja na instruo ou pregao. Especialmente em tem-
pos atuais, em que se nega a verdade absoluta, no se pode deixar
de pregar esse artigo to caro no s para luteranos, mas tambm
para todo cristianismo. A igreja precisa se preocupar, confessar e se
envolver no mundo com essa mensagem diferente.
Infelizmente, o escndalo da particularidade, de que apenas em
Cristo h salvao, minimizado com o intuito de tornar o cristianis-
mo uma religio de bem-estar. Alm disso, alguns enfatizam a teolo-
gia da prosperidade, onde uma vida repleta de bnos representa
um sinal da presena de Deus. Assim como j foi em pocas passa-
das, o eu da criatura toma espao, enquanto que o Eu do Primeiro
Mandamento marginalizado.
Nesse sentido, o papel do Catecismo no se restringe ao ensino
confirmatrio, mas ele til tambm para toda a vida do cristo. Ele
no um simples livrete, mas um guia que mostra como viver pela f.
O propsito do Catecismo o de estimular a aquisio de uma estru-
tura interpretativa base e por meio da qual o jovem cristo apreen-
der as realidades de f e vida da comunidade.55 acertado afirmar
tambm que o Catecismo uma fonte muito rica para todos os momen-
tos da vida, no apenas no perodo que antecede confirmao ou
profisso de f. O seu contedo est ligado ao dia-a-dia das pessoas e
pode servir como mapa que guia a vida desde o Batismo at a morte.
Ele ensina a viver pela f e mostra o que o Deus Trino faz, reme-
tendo os crentes para a palavra de Deus. Como Veith destaca, a
igreja assumiu a tarefa de ensinar seus membros a pensar biblica-
mente.56 Destaca-se tambm que o Catecismo Menor foi e continua

55
Vilson Scholz, O Papel Hermenutico do Catecismo Menor de Lutero in Igreja Lutera-
na, ano 1992, nmero 1, p. 5-12.
56
Gene Edward Veith, Catequese, Pregao e Vocao in BOICE, James (org.). Reforma
Hoje: Uma Convocao feita pelos Evanglicos Confessionais, 1999, p. 84. Tambm
Charles Arand, That I May Be His Own: An overview of Luthers Catechisms, 2000, p.
147: The genius of the Small Catechism lies in the way that it pulls together the chief
parts of the catechism so as to concentrate their focus on a singular biblical theme woven
through the entire Scriptures.

51
IGREJA LUTERANA

sendo o mais importante instrumento para a formao da comunida-


de luterana de f. Diante disso, para entender adequadamente a
Bblia e a vida crist luz de lei e evangelho, simul iustus et peccator,
o Catecismo Menor chave hermenutica fundamental.57
Por isso, o Catecismo Menor merece ser considerado com mxima
diligncia. Ele anuncia s pessoas aquilo que Deus fez por elas e ain-
da continua fazendo. A dinmica Lei/Evangelho presente no Catecis-
mo revela o Deus que mata e faz viver. Acima de tudo, mostra que
somente Deus o agente na histria, enquanto que o homem recebe
apenas, numa posio de criatura, tudo aquilo que o Deus Criador,
Redentor e Santificador oferecem a ele.
Nos dias atuais, assim como o foi tambm no tempo de Lutero,
correntes divergentes procuram dar asas aos deuses do imaginrio
humano. necessrio, portanto, enfatizar a dinmica Criador cria-
tura, que se torna real por causa de Cristo, e ensinar que a ao do
cristo nesse mundo fundamental e necessria.

3.2 O Catecismo como instrumento


na proclamao do Evangelho

O Catecismo talvez seja um dos escritos mais conhecidos de Lutero.


Em pocas passadas, j foi conhecido como a Bblia dos leigos. Mes-
mo que a necessidade talvez force os ministros a buscarem novos
modelos de Catecismo, o Catecismo de Lutero ainda continua sendo
uma das mais ricas fontes para a qual se pode recorrer na educao
crist tanto de adultos como de crianas.
interessante perceber que o Catecismo traz textos que so acei-
tos desde o incio da era crist e que so retirados da prpria Escritu-
ra ou a resume, aparecendo tambm na liturgia do culto cristo. Por
exemplo, o Credo, Pai Nosso, Santa Ceia, Batismo fazem parte da
vida de culto do povo de Deus e precisam ser entendidos e aprecia-
dos. Alm disso, como parte da vida diria das pessoas, o Catecismo
fala de coisas prticas do dia-a-dia. Ele ensina a ver a vida numa
perspectiva de Deus e coloca as pessoas nas suas devidas vocaes.
A vida do cristo passa a girar em torno de Deus e do prximo, de
quem ele recebe todos os benefcios necessrios.
Especialmente diante de uma cultura que menospreza os valores
familiares, a igreja pode e deve incentivar a ao dos cristos no
mundo, ensinando-os a participar ativamente como agentes e forma-

57
Vilson Scholz, op.cit., p. 5-12.

52
OS CATECISMOS DE LUTERO: A ARTE DE ENSINAR A VIVER POR F

dores de opinio e cultura. Eles tm um potencial enorme que precisa


ser aproveitado, incluindo, acima de tudo, a vocao de esposo, pai e
me como esfera de ministrio cristo, um modo de servir a Deus e ao
prximo fundamentado na verdade de Deus.58
Nesse sentido, o Catecismo acompanha o cristo em toda a sua
vida. Ele traz as partes principais que o cristo precisa saber a fim de
ser salvo. Segundo Arand, usar os Catecismos como textos primri-
os aponta para o fato que estes so os companheiros, nutrimentos,
equipamentos de luta e roupa.59 Lutero tambm disse que precisava
ser eterno aluno do Catecismo. Assim ele confessa: de manh, e
quando quer que tenha tempo, leio e profiro, palavra por palavra, o
Pai-nosso, os Dez mandamentos, o Credo, alguns Salmos.60 E ele
acrescenta: que o Esprito Santo est presente com esse ler, reci-
tar e meditar, e concede luz e devoo sempre nova e mais abundan-
te, de tal forma, que a coisa de dia em dia melhora em sabor e
recebida com apreo cada vez maior.61
O Catecismo uma ferramenta muito rica na proclamao do Evan-
gelho. Ele foi elaborado como manual que ensina qual a vontade de
Deus e como o homem tem acesso a Ele em todos os momentos. Ele
ensina a receber os benefcios do Deus Trino e a pedir nas necessi-
dades. Por isso, internalizar o Catecismo significa, acima de tudo,
aprender a viver por f.

3.3 Uma proposta Holstica

De forma geral, interessante notar que o Catecismo tem um gran-


de tema e se subdivide em partes, as quais no podem ser interpre-
tadas isoladamente, mas precisam ser entendidas sob esse grande
tema. A dificuldade aparece quando essas partes principais no so
vistas dentro dessa perspectiva holstica. Segundo Arand, quando se
gasta muito tempo em determinada parte do Catecismo pode-se per-

58
Gene Veith, op.cit., p. 92.
59
Charles Arand, Meeting the challenge for Tomorrow: Formation through Catechesis in
Formation in the Faith: Catechesis for Tomorrow. Concordia Seminary Publications, Sym-
posium Papers, Number 7, 1997, p. 65: To use the catechisms as our primary texts
brings out the point that these are the Christians companions, nourishment, battle gear,
and clothing
60
CM, Prefcio Maior, 7.
61
CM, Prefcio Maior, 9.

53
IGREJA LUTERANA

der o foco de todo o Catecismo e tambm das principais partes da f


crist.62
Segundo Arand, a mensagem central do Catecismo esta: A arte
de viver pela f63. Sob esse tema, ele sugere uma viso holstica do
Catecismo e assim ordena as partes para o ensino do mesmo:

A) Os Mandamentos (a necessidade da f): 1.


Discutir os mandamentos no contexto da cria-
o e as obrigaes das criaturas; 2. Enfatizar
o Primeiro Mandamento; enfatizar como este
est ligado aos outros nove; 3. Tratar cada
mandamento dentro do contexto das amea-
as e promessas de Deus. B) O Credo (o Dom
da F): 1. Focar no tema Deus d, ns rece-
bemos; 2. Discutir como o tema Criador inte-
gra todos os vrios verbos do Primeiro Artigo;
comear com a primeira pessoa do singular
(eu) como sendo milagre da criao; 3. Focar
em Cristo como Nosso Senhor e o tema
Christus Victor; 4. Explicar o Esprito como
aquele que implementa o Reino de Cristo atra-
vs dos meios especificados; 5. Mostrar como
o Credo todo uma resposta ao Primeiro Man-
damento. C) O Pai Nosso (Clamor da f): 1.
Focalizar na orao como a voz da f que pro-
cura todas as coisas em Deus (e cumpre o
Primeiro Mandamento); 2. Unir a orao a Cris-
to e ao Esprito, os quais respectivamente nos
do o direito e privilgio de orar; 3. Tratar as

62
Charles Arand, That I May Be His Own: An overview of Luthers Catechisms., 2000, p.
141. When the catechist or pastor devotes several months at a time to the study of one
particular portion of the catechism, it may become easy to lose sight of the forest on
account of the trees.
63
Charles Arand, Meeting the challenge for Tomorrow: Formation through Catechesis in
Formation in the Faith: Catechesis for Tomorrow, 1997, p. 75: Overall message of Cate-
chism: The Art of Living from Faith to Faith.

54
OS CATECISMOS DE LUTERO: A ARTE DE ENSINAR A VIVER POR F

peties individualmente dentro da estrutura


da batalha entre Deus e Sat.64

Lutero sugere vrias etapas no ensino do Catecismo. Em primeiro


lugar, importante que o instrutor ensine os jovens palavra por pala-
vra para que possam guardar o texto. Depois ele destaca que im-
portante ensinar o sentido para que saibam o que significa o texto,
sendo possvel acrescentar outro contedo alm o CM e Cm.65 im-
portante destacar que naquela poca grande parte do ensino se dava
oralmente, por isso a importncia de guardar as palavras do Catecis-
mo no corao. Lutero tambm usou gravuras66 como auxlio didtico,
a fim de inculcar o Catecismo no corao das crianas. Mesmo que a
oralidade parea no ser mais a realidade atual, ainda assim essas
idias parecem teis. Gravuras ajudam a fixar o assunto para que ele
esteja no s na mente, mas tambm no corao.
O Catecismo tambm pode ser encaixado no modelo antigo do
Trivium.67 A primeira parte se refere a conhecer o bsico da f crist,
se familiarizar com o texto e procurar internalizar as palavras. A se-
gunda parte tem a ver com processar as idias destas partes, como
se v nas perguntas e respostas do Catecismo, bem como na prpria
ordem deste. A terceira tem a ver com a profisso da f ou confirma-
o, onde as pessoas afirmam que conhecem e tambm confessam
concordar com este ensino.

64
Ibidem, p. 75: A) Commandments (Need for Faith): 1. Discuss the commandments in
the context of creation, creaturely obligations; 2. emphasize First Commandment; dis-
cuss how it is integrated into subsequent nine commandments; 3. deal with each com-
mandment within the context of Gods threat and promises. B) Creed (Gift of Faith): 1.
Focus on the theme God gives; we receive; 2. discuss how theme of Creator integrates
all the various verbs of the First Article together; begin with my person as miracle of
creation; 3. focus on Christ as Our Lord and the Christus Victor theme; 4. stress the
Spirit as one who implements reign of Christ through the means enumerated; 5. show how
the entire Creed is the Christian answer and response to the First Commandment. C)
Lords Prayer (Cry of Faith): 1. Focus on prayer as the very voice of a faith that seeks
everything in God (And fulfills the First Commandment); 2. Tie prayer to Christ and Spirit
who give us respectively the right and privilege to pray; 3. Deal with the individual petiti-
ons within the framework of the battle between God and Satan.
65
Cm, Prefcio, 7-17.
66
Para exemplos de gravuras ver Charles Arand, That I May Be His Own: An overview of
Luthers Catechisms, 2000, p. 200-211.
67
Gene Edward Veith, op.cit., 1999, p. 86. Aplicao do Trivium na catequese: Gramtica:
decorar lgica: perguntas e respostas retrica: confirmao e profisso de f. Gra-
mtica se refere ao conhecimento bsico de certa rea do conhecimento; Lgica refe-
re-se capacidade de pensar e processar idias a respeito de certa rea do conhecimen-
to; Retrica saber expressar aquilo que se sabe. Nesse sentido, o Trivium pode ser
entendido como conhecimento, pensamento e expresso.

55
IGREJA LUTERANA

A ideia aqui no propor um modelo de ensino, mas apenas apon-


tar para algumas reflexes a partir daquilo que j foi tratado anteri-
ormente nesse trabalho. Em primeiro lugar, importante se familiari-
zar com o Catecismo, especialmente com as palavras dele. Depois,
pode-se perceber quais as partes que o formam, reconhecendo a re-
lao entre elas. Finalmente, aprender a usar esse manual para a
vida, explorando as vrias dimenses da vida crist.
Arand sugere o ensino do Catecismo em ciclos. Por exemplo, no
primeiro ciclo se estudaria o Catecismo e suas palavras. No segundo
ciclo, mostrar-se-ia como os elementos do Catecismo esto relaciona-
dos Escritura. No terceiro, poder-se-ia ver a relao entre Catecis-
mo e culto. Quarto, o Catecismo e o evangelismo. Quinto, o Catecis-
mo e a interpretao da vida; sexto, o Catecismo e a orao; stimo,
o Catecismo e a teologia da igreja.68
Esse modelo permite uma maior familiaridade com o Catecismo,
bem como com outras esferas da vida crist. Por exemplo, no segun-
do ciclo pode-se aprofundar mais nas Escrituras, sobre os livros da
Bblia e assim por diante. No terceiro ciclo existe a possibilidade de
ensinar sobre o culto e a sua importncia. Enfim, existem muitas pos-
sibilidades segundo esse modelo; basta ter criatividade e perceber
as necessidades de cada contexto. De modo significante, cada ciclo
apresenta uma faceta da vida crist e o Catecismo todo pode ser
repassado vrias vezes, o que ajuda a imprimir nos coraes e men-
tes as partes principais da f crist.
A perspectiva trinitria presente no Catecismo de Lutero enfatiza
a ao de Deus em todas as esferas que envolvem a humanidade.
Como criatura restaurada e beneficiada por Deus, o cristo vive nes-
te mundo como agente de Deus na famlia, na sociedade e na poltica,
enfim, em todo o mundo. O desafio transmitir essa mensagem e
ensinar a viver pela f. Parece que a viso holstica facilita a nfase
do tema central do Catecismo.
A arte de viver pela f sob a ao do Deus Trino se manifesta
naqueles que foram comprados pelo sangue de Jesus. Essa arte
dinmica e imprevisvel, particular e comunitria, ensinada pelo Deus
Criador, Redentor e Santificador por meio da Sua Palavra e Sacramen-
tos. A Igreja e todos os seus membros so instrumentos vivos que
praticam todos os dias essa arte. Eles so participantes do desafio
de ensinar a viver por f.

68
Charles Arand, Meeting the challenge for Tomorrow: Formation through Catechesis in
Formation in the Faith: Catechesis for Tomorrow, 1997, p. 77-82.

56
OS CATECISMOS DE LUTERO: A ARTE DE ENSINAR A VIVER POR F

CONCLUSO

Os Catecismos so uma das obras mais importantes de Lutero. A


sua importncia no se limita ao fato de que eles so obras de Lutero,
mas porque sintetizam as principais partes da f crist numa pers-
pectiva evanglica e servem como instrumento na pregao do Evan-
gelho tambm nos dias atuais.
Os Catecismos foram muito importantes na poca de Lutero, pois
atravs deles as principais partes da f crist foram anunciadas sob o
prisma do artigo da justificao pela f ao povo simples nas congre-
gaes que haviam aderido s idias do Reformador. A ordem do Ca-
tecismo de Lutero reflete a teologia da cruz, a saber, que Deus mata
o pecador pela lei e o faz ressurgir pelo evangelho. Assim, o homem
confrontado pela Lei (Dez Mandamentos) e confortado pelo Evange-
lho (Credo, Pai Nosso), segundo a ao do Deus Trino revelado no
Credo.
A necessidade de instruo uma realidade sempre presente na
Igreja de Cristo, que precisa refletir sobre a melhor forma de faz-lo
sem perder a essncia da mensagem central. Nessa perspectiva, o
Catecismo de Lutero aparece com grande propriedade, desenvolven-
do a temtica de viver pela f.
Essa dinmica do Catecismo pode ser melhor entendida quando
vista como um todo, sob uma perspectiva trinitria. Os Mandamentos
estariam dentro da perspectiva da Criao, a qual se torna tambm o
contexto onde acontece a redeno. Os benefcios de Cristo se tor-
nam reais para a criatura atravs da ao do Esprito Santo, o qual
ensina a clamar (Pai Nosso) por auxlio a Deus. O segundo artigo o
grande destaque, uma vez que atravs dele se conhece a Deus como
Ele . O evento objetivo e real da cruz mostra para a criao a face
misericordiosa de Deus, ligando novamente Criador e criatura para
uma nova vida.
Essa perspectiva trinitria ajuda a entender melhor o Catecismo
de Lutero e enfatiza a dinmica da nova vida da criatura de Deus
como propriedade de Cristo. Sob a orla da ao divina, o cristo
restaurado para seu posto original e usufrui, juntamente com as ou-
tras criaturas, de todos os benefcios disponibilizados por Deus. Por-
tanto, o Catecismo de Lutero precisa ainda hoje servir de mapa na
vida dos cristos e gui-los em seu dia-a-dia como agentes de Deus
na famlia, na sociedade e na poltica, enfim, em todo o mundo.
Enquanto texto-base na educao crist, o Catecismo uma fer-
ramenta muito til e verstil. A proposta de ver o Catecismo de forma
holstica permite uma melhor apreciao do seu contedo e maior di-

57
IGREJA LUTERANA

nmica na sua apresentao. A sugesto de ensinar o Catecismo em


ciclos permite muitas possibilidades, o que depende da criatividade e
percepo das necessidades de cada contexto. De modo significante,
cada ciclo apresenta uma faceta da vida crist e o Catecismo todo
pode ser repassado vrias vezes, o que ajuda a imprimir nos cora-
es as partes principais da f crist.
Ser eterno aluno do Catecismo precisa ser o lema tambm nos
dias atuais. Isso significa ir alm do conhecimento e chegar ao cora-
o. Muito mais do que uma cincia, o Catecismo ensina a sabedoria
da vida diria sob a ao do Deus Trino. Como um mapa que mostra
o caminho, o Catecismo abre as portas para as Escrituras de um modo
rico e deslumbrante, colocando a criatura diante do Deus verdadeiro
e Sua misericrdia. Por isso, ainda hoje a relevncia do Catecismo
precisa ser destacada e apreendida em toda a sua riqueza.

BIBLIOGRAFIA

AGOSTINHO. A Instruo aos Catecmenos: Teoria e Prtica da


Catequese. Traduo de Maria da Glria Novak. 2 ed. Petrpolis: Vo-
zes, 1978.

ARAND, Charles P. That I May Be His Own: An Overview of Luthers


Catechisms. Saint Louis: CPH, 2000.

ARAND, Charles. The God behind the First Commandment in


Lutheran Quarterly 8, (Winter 1994): 397-424.

FORMATION IN THE FAITH: CATECHESIS FOR TOMORROW. Concordia


Seminary Publications, Symposium Papers, Number 7. Saint Louis:
1997.

KITTELSON, James M. Luther, The Reformer: The story of the man


and his career. Minneapolis: Fortress Press, 2003.

LIVRO DE CONCRDIA. Traduzido por Arnaldo Schler. So Leopoldo:


Sinodal; Porto Alegre: Concrdia, 1980.

LUTERO, Martinho. Catecismo Maior e Catecismo Menor in: Livro


de Concrdia. Traduzido por Arnaldo Schler. So Leopoldo: Sinodal;
Porto Alegre: Concrdia, 1980.

LUTERO, Martinho. Catecismos in Obras Selecionadas. v. 7. So

58
OS CATECISMOS DE LUTERO: A ARTE DE ENSINAR A VIVER POR F

Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concrdia, 2000.

LUTERO, Martinho. Breve Forma dos Dez Mandamentos; Breve


Forma do Credo; Breve Forma do Pai-Nosso in Obras Selecionadas. v.
2. So Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concrdia, 2000.

LUTERO, Martinho. Instruo sobre como os Cristos devem lidar


com Moiss in Obras Selecionadas. v. 8. So Leopoldo: Sinodal; Porto
Alegre: Concrdia, 2003.

LUTHER, Martin. The Christian in Society IV in Luthers Work (J. J.


Pelikan, H. C. Oswald & H. T. Lehmann, Ed.) v. 47. Fortress Press:
Philadelphia.

SCHOLZ, Vilson. O Papel Hermenutico do Catecismo Menor de


Lutero in Igreja Luterana, n.1, 1992, p. 5-12.

THE BOOK OF CONCORD. Edited by Robert Kolb and Timothy J.


Wengert. Minneapolis: Fortress Press, 2000.

VEITH, Gene Edward. Catequese, Pregao e Vocao. In: BOICE,


James (org.). Reforma Hoje: Uma Convocao feita pelos Evanglicos
Confessionais. So Paulo: Editora Cultura Crist, 1999. 205p. Cap. 4,
p. 75-96.
WARTH, Martim Carlos. A tica de Cada Dia. Canoas: ULBRA, 2002.

WINGREN, Gustaf. Creation and Law. Translated by Ross Mackenzie.


Oregon: Wift and Stock Publishers, 1961.

WINGREN, Gustaf. Luther on Vocation. Translated by Carl C.


Rasmussen. Oregon: Wift and Stock Publishers, 2004.

59
IGREJA LUTERANA

60
APROXIME-SE DO ALTAR:
UMA REFLEXO SOBRE A TEOLOGIA
E PRTICA DA SANTA CEIA
Joel D. Biermann1

Uma das alegrias incomparveis em estudar Teologia a profundi-


dade e amplitude do assunto. Escolha um tema, ou seja, um locus
pode ser qualquer um e as possibilidades de explorao e discusso
so infinitas. E este o caso, porque a Teologia no (como bem
sabemos, mas, algumas vezes, parece que esquecemos) um amonto-
ado de artigos separados e diferentes unidos por costume ou por an-
tiga tradio. Agostinho no escreveu Teologia, nem Melanchthon ou
Pieper; cada um deles simplesmente explicou e articulou o que j exis-
tia. Teologia , de fato, nada alm do que a realidade de Deus, sua
verdade. Ela uma unidade simples, e quando seus componentes so
estudados de maneira desatada, h o risco de se sacrificar a verdade
em seu todo. Assim, no importa tanto qual porta algum escolhe para
entrar na sua investigao; cedo ou tarde cada tpico ser focado e
cada locus se torna relevante. Eu suponho que tudo isto serve tanto
como uma advertncia como para uma justificativa para o que segue
abaixo. Pode at parecer que perdi o meu rumo, ou que tenha entrado
em caminhos irrelevantes para a presente discusso, mas a expectati-
va de que as conexes se tornaro evidentes e convincentes para
todos. A estrada que vamos tomar para esta contemplao teolgica
a Santa Ceia, especificamente a sua teologia e prtica. O tema
bem-vindo e este convite satisfez meu crescente desejo de contribuir
com algumas idias para o vivo debate que continua a florescer em
nosso meio.

1
Este artigo, de autoria do professor Joel D. Biermann, professor de Teologia Sistemtica
no Concordia Seminary, St. Louis, USA, foi originalmente apresentado numa Conferncia
Teolgica do Distrito Minnesota Sul, em setembro de 2007. O ttulo original : Step Up to
the Altar: Thinking about the Theology and Practice of the Lords Supper. O artigo foi
publicado na revista teolgica Concordia Theological Quarterly, Number 72, April 2008,
pp. 151-162. A traduo de Anselmo Ernesto Graff, professor de Teologia Prtica no
Seminrio Concrdia e ULBRA. Algumas expresses que no texto original se referiam
especificamente realidade americana e da LCMS foram omitidas ou adaptadas ao con-
texto do leitor brasileiro. Usado com permisso.

61
IGREJA LUTERANA

I. QUEM DEVERIA SER UM COMUNGANTE EM NOSSO ALTAR?

Pode at parecer que h pouco para se debater sobre nossa teolo-


gia e prtica da Santa Ceia. Tudo est explicado maravilhosamente no
Catecismo Menor:
O que o Sacramento do Altar? Resposta: o verdadeiro corpo e
sangue de nosso Senhor Jesus Cristo sob o po e o vinho, institudo
pelo prprio Cristo para ser comido e bebido por ns, cristos.
Como pode o ato fsico do comer e beber efetuar to grandes coi-
sas? Resposta: O comer e o beber, em verdade, no as podem efetuar,
mas sim as palavras: dado em favor de vs e derramado para re-
misso dos pecados. Essas palavras, juntamente com o comer e o
beber fsico, so a coisa essencial no sacramento. E o que cr nessas
palavras, tem o que elas dizem e expressam, a saber, remisso dos
pecados.
Quem recebe dignamente esse sacramento? Resposta: Jejuar e
preparar-se corporalmente , sem dvida, boa disciplina externa. Mas
verdadeiramente digno e bem preparado aquele que tem f nestas
palavras: dado em favor de vs e derramado para remisso dos
pecados. Aquele, porm, que no cr nessas palavras ou delas duvi-
da, indigno e no est preparado, pois as palavras por vs exigem
coraes verdadeiramente crentes [Catecismo Menor, Livro de Concr-
dia, Arnaldo Schler, tradutor, 1993, pp.378-79.1-2, 7-10].
isso. Tudo o que precisamos saber est explicado nessas pala-
vras. Lutero nos fornece tudo o que precisamos saber sobre o Sacra-
mento. Satis est. o suficiente. Ou no? Bem, depende. Ser que Lutero
forneceu uma resposta completa e suficiente para o cristo que con-
templa sua recepo adequada da Santa Ceia? Com certeza no. Isto
uma questo de f; uma simples confiana na promessa de Cristo e
sede pelo perdo faz de algum um recipiente digno. Ponto. Lutero
atingiu seu propsito: ele ofereceu instruo para o cristo simples.
Mas, ser que as belas palavras formuladas por Lutero fornecem a
resposta suficiente e completa para a congregao ou o pastor, que
procuram por um entendimento sobre quem deveria comungar no al-
tar que lhes foi confiado? Certamente no. Esta uma outra questo.
No primeiro exemplo a questo eu sou digno para estar diante do
altar e receber o Sacramento? A segunda situao, todavia, pergunta
por algo totalmente diferente: Quem deveria comungar em nosso al-
tar? A explanao de Lutero no Catecismo Menor prov parte da res-
posta mas no toda a resposta a essa ltima questo.
Encontrar uma resposta fiel e responsvel para essa segunda per-
gunta exige uma considerao cuidadosa de algumas reas a mais da

62
APROXIME-SE DO ALTAR: UMA REFLEXO SOBRE A TEOLOGIA E PRTICA DA SANTA CEIA

teologia. A questo no est relacionada simplesmente em estimular


pessoas a honestamente verificar seu estado de arrependimento e
seu entendimento da miraculosa presena de Cristo no Sacramento.
Na verdade, seria razo para alguma esperana se todas as congre-
gaes da Igreja Luterana consistentemente fizessem um esforo para
fazer pelo menos isso. Ainda assim, se isto o mais longe que vamos
em nossa prtica da Santa Ceia, ento ns somos culpados de inter-
pretar mal o significado pleno da comunho do Sacramento, culpados
de encaminhar pessoas para um entendimento incorreto da unidade
na confisso, e culpados por falhar no exerccio do papel de
despenseiros dos mistrios de Deus (1 Co 4.1). No, para ser um
despenseiro fiel do profundo mistrio que o Sacramento do Altar,
deve-se levar em conta mais do que a compreenso sacramental da-
queles que esto diante do altar. O simples teste que verifica a pre-
sena ou ausncia de algo na presena real inadequado. Para co-
locar isto de maneira direta: nem todo comungante digno segundo os
princpios do Catecismo Menor necessariamente um irmo cristo
que deveria comungar em nosso altar.
Deveria ficar claro que esta forma de elaborar a questo est em
total concordncia com a posio desenvolvida no documento de 1999
da CTRE (Comisso de Teologia e Relaes Eclesiais, da LCMS, USA),
Admisso Santa Ceia: fundamentos do Ensino Bblico e Confessional.2
Reconhecendo a disponibilidade deste importante documento e reco-
mendando enfaticamente seu estudo e vida assimilao dos seus
argumentos e concluses, este estudo tentar evitar redundncias ao
considerar pelo menos duas reas adjuntas de interesse teolgico no
tratadas exaustivamente no documento da CTRE: primeiro, a falha em
compreender a responsabilidade de superviso, e segundo, uma apli-
cao equivocada de lei e evangelho. Estes tpicos que constituiro
a maior parte deste estudo, no foram escolhidos por acaso ou arbi-
trariamente, mas nascem de uma necessidade em dar ateno a ques-
tes que continuam a aparecer em torno das prticas de comunho
adotadas por congregaes individuais em nossa igreja.
Estas duas reas de explorao adicional surgem diretamente
de uma preocupao comum: o fato de que, apesar da sempre re-
petida posio da LCMS de implementar e encorajar a prtica da
comunho fechada, estudos e evidncias empricas indicarem que

2
Um relatrio da Comisso de Teologia e Relaes Eclesiais da LCMS: Admisso Santa
Ceia: Fundamentos do Ensino Bblico e Confessional (St. Louis: The Lutheran Church-
Missouri Synod, 2000), http://www.lcms.org/graphics/assets/media/CTCR/admisup.pdf.

63
IGREJA LUTERANA

um bom nmero de congregaes da LCMS no concordam com essa


prtica. Se por um lado possvel que haja apenas alguns poucos
pastores e congregaes que esto dispostos a questionar aberta
e verbalmente a posio sobre a comunho fechada, tambm sig-
nificativo o nmero de congregaes e pastores que na verdade
esto praticando, o que melhor pode ser descrito como comunho
funcionalmente aberta. Claro, necessrio apresentar uma defini-
o de comunho funcionalmente aberta. A prtica da Santa Ceia de
uma igreja funcionalmente aberta quando a determinao de quem
um comungante apropriado (e no simplesmente um comungante
digno) deixada exclusivamente nas mos do indivduo que pre-
tende comer e beber, e quando a preocupao da igreja limitada
dignidade do indivduo, sem considerao mais profunda sobre a
confisso daquele pessoa 3. Em outras palavras, professar concor-
dncia com a idia da comunho fechada irrelevante se a prtica
deixa ao encargo dos indivduos a determinao sobre se eles de-
veriam comungar ou no.

II. O PASTOR COMO DESPENSEIRO DOS MISTRIOS DE DEUS

A soluo simples para o problema da comunho funcionalmente


aberta redeclarar e reafirmar o papel da congregao e de maneira
especial do seu pastor na superviso da celebrao do Sacramento.
Isto significa que uma das principais influncias por detrs de muitas
congregaes que praticam a comunho funcionalmente aberta , na
realidade, o descrdito do Ofcio do Ministrio Pastoral, muitas vezes
gerado pelos prprios pastores. As sedes doctrinae pertinentes so 1
Corntios 4.1: Assim, pois importa que os homens nos considerem como
ministros de Cristo e despenseiros dos mistrios de Deus, e Atos 20.28:
Atendei por vs e por todo o rebanho sobre qual o Esprito Santo vos
constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele com-
prou com o seu prprio sangue. Como se poderia esperar, as Confis-
ses Luteranas reforam o papel do pastor como o instrumento esco-
lhido por Deus para administrar os sacramentos. O Artigo V da Confis-
so de Augsburgo de fato conecta o artigo da justificao ao Ofcio da
Pregao: Para conseguirmos essa f, instituiu Deus o ofcio da pre-
gao, dando-nos o evangelho e os sacramentos [Livro de Concr-
dia, Confisso de Augsburgo V, p.30.1]. Alm disso, o Artigo XXVIII

3
Essa distino muito bem explicada e aplicada no Documento Admisso Santa Ceia,
pp.41-48, cujo endereo eletrnico est na nota anterior.

64
APROXIME-SE DO ALTAR: UMA REFLEXO SOBRE A TEOLOGIA E PRTICA DA SANTA CEIA

deixa claro que, se por um lado h muita coisa que no de responsa-


bilidade dos bispos (administrao governamental ou liderar exrci-
tos, por exemplo), por outro lado do seu encargo administrar a graa
de Deus: Os nossos ensinam que, de acordo com o evangelho, o po-
der das chaves ou dos bispos o poder e ordem de Deus de pregar o
evangelho, remitir e reter pecados e administrar e distribuir sacramen-
tos [Livro de Concrdia, Confisso de Augsburgo XXVIII, p.56.5-6].
Como bispo ou supervisor da igreja em determinado lugar, da
responsabilidade do pastor ministrar para a sua congregao e garan-
tir que o evangelho e os sacramentos estejam sendo administrados
corretamente. Assim como aconteceu com os profetas fiis de Israel, o
pastor no atua baseado em sua prpria iniciativa ou at de acordo
com suas preferncias ou idias pessoais. Ele porta-voz de Deus e
deve acolher com seriedade a tarefa de administrao e superviso.
Quando ele entrega a hstia a um comungante, ele deveria estar com-
pletamente confiante que essa pessoa que est recebendo este dom
do evangelho o est recebendo de forma correta: em f e em confis-
so da verdade. Ele no pode distribuir livremente os bens, sem pen-
sar naqueles que os esto recebendo, como se sua presena em si
provasse a legitimidade de sua recepo. Ao contrrio de muito pen-
samento popular, o Sacramento no apenas uma relao entre Je-
sus e o indivduo. O pastor no uma insensvel mquina de vender
espiritual, sem responsabilidade por aqueles que esto recebendo a
Ceia. O Sacramento a presena de Cristo, sua ddiva igreja; e a
igreja celebra este presente na unidade de sua confisso. O Sacra-
mento a celebrao daquela congregao de pessoas. O pastor su-
pervisiona esta celebrao e cuida para que ela seja compartilhada
por aqueles que pertencem a esta unidade. Essa sua tarefa. isto
que significa ser pastor. Fazer menos do que isto esquivar-se da
responsabilidade do ofcio. Empurrar para o visitante a deciso sobre
se ele pode comungar ou no abdicar de sua responsabilidade pas-
toral.
Para refinar um ponto neste argumento, eu estou dizendo que a
confiana num anncio no boletim, ou ordem de culto, de que o Sacra-
mento para aqueles que so batizados, esto arrependidos e cr-
em na presena real completamente inadequada. Tal prtica clara-
mente nada mais do que uma comunho funcionalmente aberta. A
prtica de se fiar num anncio escrito em papel coloca a deciso intei-
ramente nas mos do indivduo. Esta prtica torna bvio para o visi-
tante que sua a escolha em comungar ou no claro que esse
precisamente o jeito que quase todo mundo quer que seja. Numa so-
ciedade que celebra o indivduo, desconsidera a funo da comunida-

65
IGREJA LUTERANA

de e age com uma mentalidade do direito, oferecer uma deciso como


essa ao indivduo razovel e fcil. um pensamento comum: Deixa
cada um decidir. Isso assunto entre o visitante e Deus. Eu estou
apenas ministrando o evangelho, apenas entregando as hstias. Er-
rado. O pastor o mordomo. sua a responsabilidade de convidar
pessoas ao altar, excluir aqueles que no deveriam comungar e, claro,
at mesmo recusar a comunho queles que se apresentam de forma
inapropriada. Isto no fcil e nem divertido. Praticar a superviso e
administrar o Sacramento pode ser desconfortvel e ter um alto grau
de exigncia. O pastor faria bem, ento, em relembrar aqueles profe-
tas antigos que freqentemente se viam executando tarefas desagra-
dveis e impopulares, no por causa de sua escolha pessoal ou suas
preferncias, mas pela vontade do Senhor que os chamou e a quem
eles eram compelidos a responder. Assim acontece com os servos do
Senhor no sculo XXI, ou pelo menos assim deveria ser.
A mudana do pensamento na prtica da Santa Ceia exigir mu-
dana correspondente na maneira em que pastores e pessoas enxer-
gam o ofcio. Sim, pastores esto l para proclamar o evangelho, distri-
buir o perdo dos pecados e confortar almas. Mas claramente bvio
nas Escrituras e Confisses que eles esto tambm l para adminis-
trar o ofcio das chaves: para declarar culpados os pecadores, excluir
os impenitentes e supervisionar a prtica correta dos sacramentos.
Comunho funcionalmente aberta significa negligncia pastoral. O cor-
retivo para isto no pastores agindo como ditadores, mas como
despenseiros responsveis administrando diligentemente os meios da
graa de Deus, a fim de que o quebrantado seja curado e o impeniten-
te seja admoestado. Como despenseiros, os pastores cuidaro tam-
bm para que a Santa Ceia, a refeio que alimenta e liga a igreja a
Cristo e um ao outro na unidade de sua confisso, seja celebrada por
aqueles a quem ela prometida: aos membros da igreja naquele lu-
gar. Aqueles que no fazem parte daquela comunidade de f especfi-
ca, mas que esto presentes na celebrao do Sacramento, deveriam
aprender a perceber sua participao como privilgio e no como um
direito. Eles deveriam pressupor que esta celebrao no os inclui a
no ser que eles sejam especificamente convidados a participar vem
da o antigo costume, agora, porm, tipicamente desconsiderado, da
prtica de falar com o pastor antes da celebrao. Para deixar mais
claro ainda, supondo que essa conversa ocorra, imperativo que o
pastor no perpetue a noo errada de que se o visitante cr em
Jesus e na presena real, ento ele bem-vindo. H muito mais en-
volvido nisso e o pastor precisa comunicar este fato atravs de sua
conversa e sua deciso ... e sua deciso. Ao pastor foi confiado pelo

66
APROXIME-SE DO ALTAR: UMA REFLEXO SOBRE A TEOLOGIA E PRTICA DA SANTA CEIA

seu Senhor esta responsabilidade e o sacerdcio naquele lugar. Ele


dever prestar contas por sua prtica na administrao do Sacra-
mento.
Embora essas conversas na sacristia raramente sejam o contexto
ideal para reflexes detalhadas sobre a doutrina da igreja, sacramen-
tos e comunho, esse um lugar para estabelecer um relacionamento
com os visitantes que esto perguntando sobre sua participao no
Sacramento. queles que no esto em comunho com a congregao
deveria ser dito que a congregao deseja muito a sua participao e
ficaria feliz em dar-lhes as boas-vindas quando houver clareza de que
h unidade na confisso. Claramente, esse tipo de resposta exigir
uma conversa adicional, mas se isto feito num tom adequado, isto
no precisa ser automaticamente negativo e ofensivo. preciso admi-
tir que numa cultura democrtica as pessoas freqentemente tm difi-
culdades em aceitar tal posio excludente. A melhor prtica pasto-
ral certamente requerida nessas situaes. preciso lembrar-se de
que a igreja , pela prpria definio de Cristo, exclusiva. Enquanto
todos de fato so bem-vindos e encorajados a vir ao culto, somente
aqueles que esto em Cristo fazem parte da comunidade.

III. NEGANDO O SACRAMENTO A VISITANTES CRISTOS

Antes de entrar na prxima rea maior de discusso, a aplicao


equivocada do paradigma lei e evangelho, algumas palavras precisam
ser ditas sobre a excessiva sensibilidade da igreja em falar, de fato,
para uma pessoa real de que ela, no momento, no bem-vinda
comunho. Parece que a principal fora motora para a maior parte dos
cristos do sculo XXI, incluindo aqueles que esto sentados nos ban-
cos da Igreja Luterana, a necessidade de ser gentil. Assim, muitos
luteranos que levam a srio 1 Corntios 11, reconhecem a necessidade
de manter afastadas da comunho as pessoas que no discernem o
corpo de Cristo. Estes luteranos gentis sabem que precisam reservar
o Sacramento queles que so dignos segundo o sentido de dignida-
de do Catecismo Menor. Isto feito em considerao ao visitante
desinformado ou descrente. Deixar um descrente comungar para sua
prpria condenao, definitivamente no ser gentil.
Estas mesmas pessoas e pela mesma razo, entretanto, podem se
incomodar com a idia de negar o Sacramento a um visitante cristo
que cr na presena real, mas que seja um Metodista ou um membro
de outra denominao luterana. Falar para essas queridas pessoas
no diante do Sacramento no gentil e por isso considerado des-
necessrio ou at no-cristo. O administrador dos mistrios de Deus

67
IGREJA LUTERANA

precisa educar seu povo sobre a importncia do Sacramento em mui-


tos nveis e particularmente precisa enfatizar os aspectos corporativos
e confessionais do Sacramento que esto presentes junto com a co-
munho individual com Cristo. Basicamente, o alvo ajustar a cultura
da igreja da forma que pessoas gentis sejam aptas a reconhecer que
uma pessoa no deveria esperar comungar em todo e qualquer altar
onde ele porventura esteja presente. Convidados no abusam da hos-
pitalidade de seus hospedeiros ou simplesmente esperam ser trata-
dos assim como aqueles que j fazem parte da comunidade onde eles
esto presentes. Curiosamente, pessoas parecem ser completamente
capazes de aceitar este fato em muitas outras reas. Convidados em
country clubes, eventos de negcios e cerimnias militares, reconhe-
cem e aceitam o fato de que alguns aspectos destas ocasies so
somente para aqueles que fazem parte daquela comunidade. Esta dis-
tino entendida mesmo dentro da vida da igreja. Por exemplo, um
visitante presente numa cerimnia de batismo certamente no iria
pensar que fosse apropriado trazer seu prprio filho imediatamente
pia batismal para que ele tambm pudesse participar nas atividades
da comunidade, e nem o pastor e os que estivessem sentados prxi-
mos ao visitante o encorajariam para que fizesse isso. Esse processo
de reeducao, necessariamente, progredir lenta e sensivelmente,
mas onde despenseiros fiis esto honrando o chamado do Senhor,
ele deveria comear.
Um pastor agindo como despenseiro dos mistrios de Deus um
sine qua non para uma prtica aceitvel do Sacramento. Tanto pasto-
res como membros, contudo, demasiadas vezes trivializam essa fun-
o de despenseiro e a reduzem tarefa de contar clices ou hstias
para garantir que no haver faltas embaraosas durante a distribui-
o. Por outro lado, a funo de despenseiro pode ser entendida como
encontrar formas criativas para agilizar a liturgia sacramental e a
distribuio, para que possa ser feita mais eficientemente e dentro
dos limites da sagrada regra dos 60 minutos; isto considerado
necessrio para satisfazer as necessidades de um visitante hipottico
que , como muitas vezes parece, o centro inconsciente e no reco-
nhecido de todo o evento do culto. Administrao que marcada por
um srio esforo para elevar o significado sacramental e assegurar
sua distribuio somente queles que fazem parte da comunidade de
f naquele lugar, uma tarefa difcil. Mas a dificuldade no meramen-
te a dura realidade de relacionamentos tensos ou a ameaa de ser
considerado um valento (bully), ou um teimoso e intolerante. No,
o que faz esse tipo de administrao fiel ser extremamente difcil, se
no completamente rara, que, alm das preferncias pessoais, exi-

68
APROXIME-SE DO ALTAR: UMA REFLEXO SOBRE A TEOLOGIA E PRTICA DA SANTA CEIA

gncias relacionais e presso social, est envolvida a teologia. O raci-


ocnio e argumentao de muitos que resistem ou rejeitam completa-
mente a prtica da comunho fechada est baseada em mais do que
em sentimentos ou medo; trata-se de uma questo de teologia. De
fato, alguns insistiriam que a boa teologia luterana na verdade exige a
prtica da comunho aberta. O argumento que o evangelho de Cris-
to est disponvel para todos e o papel do despenseiro administr-lo
para todos. Certamente, tal raciocnio deveria se aplicar Ceia do Se-
nhor. Assim ns chegamos ao que eu creio ser o cerne da questo e
que provoca esse tipo de debate passional e amargo sobre prticas
de comunho apropriadas em nossas igrejas. O problema central per-
turbando a unidade no entendimento e prtica da Santa Ceia uma
confuso e uso equivocado do paradigma de lei e evangelho.

IV. O USO INADEQUADO DO PARADIGMA DE LEI E EVANGELHO

Os luteranos que foram fortemente influenciados por uma densa


atmosfera de somente a graa e o evangelho deve predominar
tm sido condicionados a desconfiar de qualquer coisa que percebi-
do como lei ou que mesmo remotamente possa parecer que seja lei.
Se lei deve ser ruim. Obviamente, estabelecer e aderir a critrios
sobre quem pode e quem no pode participar da Santa Ceia, carrega
consigo mais do que apenas um pouco de cheiro de lei. A averso a
tais idias legalistas se torna ainda maior no caso da Santa Ceia pelo
fato de que o Sacramento um meio da graa dado por Deus. puro
evangelho: a entrega do perdo, comprado com o sangue de Cristo,
para pecadores indignos, sem merecimento e humildes que vm ao
altar com as mos vazias e coraes quebrantados. Contaminar o sa-
grado evangelho com a lei impura inconcebvel. Assim que aqueles
que defendem uma prtica mais aberta da Santa Ceia so muitas ve-
zes vistos como aqueles que seguem o caminho certo e que mais com-
pletamente entendem e valorizam a realidade do evangelho. Natural-
mente, a implicao disto para aqueles que insistem na prtica da co-
munho fechada que sero considerados ignorantes ou, at mais
horrivelmente, tratados como simplesmente fariseus arrogantes que
amam a tradio e a doutrina mais do que as pessoas e o evange-
lho. Por conseqncia, se algum vai defender a comunho fechada
como a prtica correta dos despenseiros fiis que amam seu Senhor,
sua congregao e os perdidos, ento se deve considerar este apa-
rente conflito entre lei e evangelho.
Claramente, tocamos agora numa rea da teologia mais crtica, mais
ampla e at mais fundamental do que a prpria doutrina do Ofcio do

69
IGREJA LUTERANA

Ministrio. Um tratamento detalhado do problema da polarizao de


lei e evangelho e das, muitas vezes, devastadoras conseqncias de
tal polarizao para o povo de Deus, est alm dos limites deste estu-
do. Mas, como este tpico essencial para um correto entendimento
de nossa prtica da Ceia do Senhor, uma breve introduo ao assunto
precisa ser feita. A contribuio principal para esta discusso apareceu
em 1993, quando David Yeago, um telogo da ELCA publicou um im-
portante artigo, Gnosticismo, Antinomismo e Teologia da Reforma.4
Nesse estudo, Yeago argumentou convincentemente que a igreja pro-
testante de hoje est perigosamente infectada com formas traioeiras
e enganosas dos ismos identificados em seu ttulo. Sua presena di-
fundida, mas muitas vezes irreconhecida, dentro do Protestantismo,
provm, segundo ele, de uma m interpretao da polaridade entre lei
e evangelho. Yeago argumenta que quando a lei e o evangelho so
colocados um contra o outro, o evangelho inevitavelmente recebe sua
definio em anttese prpria lei. O evangelho se torna nosso liber-
tador no da nossa falha em guardar a lei e a conseqente justa ira de
Deus; antes, o evangelho se torna nosso libertador da lei per se. Por
esta razo, qualquer palavra que um cristo ouve e que tem um tom
de comando, direo ou instruo, excluda pelo evangelho liberta-
dor. Se a distino lei/evangelho uma anttese final, Yeago argu-
menta, ento qualquer chamado para um ordenamento da vida em
vez de outro ser, por definio, a lei da qual o evangelho nos liberta.5
Nesse clima teolgico o antinomismo avana. Certamente, Yeago
ataca, muito da teologia protestante ao longo do sculo XX tem sido
antinomista; o antinomismo prtico que agora reina em muitas igrejas
simplesmente um antinomismo j existente por longo tempo como
teoria e que, agora, est ganhando a coragem das suas convices.6
A acusao de Yeago de gnosticismo deriva da mesma tese de um
falso entendimento da dicotomia de lei e evangelho, mas essa discus-
so deve ser adiada. Yeago no tem pacincia com as prticas na vida
comum da igreja que derivam da teologia antinomista e gnstica alas-
trada entre os luteranos. Ele lamenta a retrica contempornea sen-
svel sobre todas aquelas pessoas que sofrem, que precisam mais do

4
David S. Yeago, Gnosticism, Antinornianism, and Reformation Theology: Reflections on
the Costs of a Construal Pro Ecclesia 2, no. 1 (1993): 3749.
5
Yeago, Gnosticism, Antinornianism, and Reformation Theology. Uma vez libertadas da
lei, nota bem, pessoas esto na liberdade de escolher o que lhes agrada e de tomar suas
referncias sobre comportamento aceitvel da cultura ou de qualquer outra fonte que for
conveniente ou confortvel.
Yeago, Gnosticism, Antinomianism, and Reformation Theology, 42.
6

70
APROXIME-SE DO ALTAR: UMA REFLEXO SOBRE A TEOLOGIA E PRTICA DA SANTA CEIA

qualquer outra coisa ser liberadas de toda ordem e absolvidas de to-


das as expectativas pela inclusividade redentora da igreja antinomista.7
Yeago tambm denuncia os efeitos sobre o culto, a educao e a tica,
quando congregaes progressivamente abandonam a catequese pro-
longada e longas observncias rituais/litrgicas em favor de formatos
considerados menos exigentes, mais contemporneos e,
presumivelmente, mais significativos. A anlise incisiva de Yeago tem
sido reafirmada por uma srie de outros telogos, incluindo Robert
Benne 8, Reinhard Htter 9 e Gilbert Meilaender 10. A lio clara e
desconcertante: lei e evangelho no podem ser tornados o paradigma
final do qual depende toda a reflexo prtica e teolgica.
Estudiosos tm oferecido vrias solues para o problema do uso
equivocado da distino lei e evangelho e sua interpretao errada
como uma polaridade. Eu apresentarei o que , e estou completamen-
te persuadido disto, o melhor jeito para resolver o dilema e que foi
seguido pelos reformadores: a compreenso das duas espcies de
justia. Essencialmente, as duas espcies de justia o reconheci-
mento de que os indivduos vivem em duas esferas distintas: uma di-
ante de Deus e outra diante do mundo. Diante de Deus os seres hu-
manos so sempre e totalmente dependentes e passivos, recebendo
simplesmente a graa que Deus confere em Cristo atravs dos meios
da graa. Diante de Deus o cristo est despreocupado com suas pr-
prias obras, reconhecendo que somente a obra de Cristo que impor-
ta. Entretanto na esfera deste mundo, pessoas crists vivem como
criaturas responsveis obrigadas a cumprir certas tarefas em conside-
rao ao prximo que depende deste seu fiel servio. Nesta esfera o
cristo ativo e est inteiramente preocupado com a qualidade e quan-
tidade de suas obras.11 A importncia em mudar de um paradigma de
lei e evangelho para um baseado nos dois tipos de justia profunda,

7
Yeago, Gnosticism, Antinomianism, and Reformation Theology, 42.
8
Robert Benne, Lutheran Ethics, in The Promise of Lutheran Ethics, ed. Karen L. Bloom-
quist and John R. Stumrne (Minneapolis: Fortress Press, 1998), 11-30, esp. 27-28.
9
Reinhard Htter, The Twofold Center of Lutheran Ethics, in The Promise of Lutheran
Ethics, ed. Karen L. Bloomquist and John R. Stumme (Minneapolis: Fortress Press, 1998),
31-69, esp. 42-43.
10
Gilbert Meilander, Reclaiming the Quest for Holiness, Lutheran Quarterly 13 (1999):
483-492, esp. 488.
11
Para maiores informaes sobre as duas espcies de justia algum pode comear
consultando Charles P. Arand and Joel Biermann. Why the Two Kinds of Righteousness?
Concordia Journal 33 (2007): 116-135.

71
IGREJA LUTERANA

especialmente com relao maneira como algum pensa sobre a vida


de obedincia crist e o lugar e a necessidade de boas obras.
essencial reconhecer que a prtica da Santa Ceia de uma congre-
gao moldada por ambas as espcies de justia. Certamente, a
recepo do Sacramento a ao de Deus em entregar o evangelho
por excelncia. Esta a justia passiva diante de Deus em toda sua
gloriosa e inexplicvel graa. Contudo, a justia crist diante do mun-
do, a qual diante das outras pessoas, tambm entra em cena. Aqui
importante relembrar que a congregao e seu pastor so considera-
dos responsveis pela prtica correta da Ceia do Senhor. Em conside-
rao aos semelhantes, eles devem cuidar para que o Sacramento
seja celebrado e recebido de forma apropriada. Assim, a congregao
que entende corretamente a Santa Ceia como ddiva de Deus e como
sua celebrao de unidade com Deus e um com o outro, estabelecer
diretrizes e orientaes para a celebrao correta que manter e ensi-
nar a verdade sobre o Sacramento. Em outras palavras, uma prtica
conscienciosa e sria da comunho fechada no antittica ao evan-
gelho, mas de fato necessria e d apoio ao evangelho e sua comu-
nicao graciosa.
Um pastor agindo como despenseiro dos mistrios de Deus est
agindo em favor do evangelho, sua congregao e o visitante do culto
quando ele pratica a comunho fechada. Todos sero beneficiados
quando a vontade de Deus para o Sacramento seguida. Naturalmen-
te, esta verdade mais do que um pouco contrria nossa intuio.
Mesmo que nem todos possam alegremente reconhecer ou apreciar o
valor de uma prtica de comunho fiel e cuidadosa, a vontade revela-
da de Deus deve sempre ser seguida, mesmo quando os resultados
imediatos paream menos do que encorajadores e satisfatrios. A si-
tuao no muito diferente do ministrio pastoral em relao a um
casal que mora junto. Poderia argumentar-se que o evangelho deve
predominar e que qualquer tentativa de aplicar o corretivo da lei resul-
tar somente no afastamento e na separao do casal. Assim, o pas-
tor orientado pelo evangelho iria ignorar a violao da lei de Deus
(isto , a vontade de Deus!) e procederia com um plano de ao mais
amoroso. claro que esse tipo de comportamento no seria nada
mais do que um antinomismo bvio, com todas as suas conseqnci-
as, s vezes distantes, mas sempre desastrosas. Quando se impede a
vontade de Deus, a criao de Deus sempre sofre. Motivaes evan-
glicas no redimem uma escolha pecaminosa. Alm disso, no se pode
deixar de questionar se o medo no uma motivao to grande em
tais situaes como o alegado amor pelo evangelho. A mesma ques-
to se aplica com fora idntica na presente discusso sobre a prtica

72
APROXIME-SE DO ALTAR: UMA REFLEXO SOBRE A TEOLOGIA E PRTICA DA SANTA CEIA

correta da Santa Ceia. Talvez mais do que um pouco conveniente


que agir em nome do evangelho tambm seja, por acaso, o caminho
fcil da menor resistncia e que causa menos ofensa. Apelar ao evan-
gelho como uma capa para covardia e preguia ainda, no fim das
contas, puro e simples antinomismo e desobedincia.

V. O ABUSO DA DISCRIO PASTORAL

Para terminar, algumas breves palavras precisam ser ditas so-


bre os problemas da autonomia e do abuso da discrio pastoral. Mes-
mo que a autonomia congregacional possa estar abrigada em docu-
mentos e nos coraes da igreja, ela tem efeitos nocivos na vida da
igreja de Cristo quando reivindicada como um direito. Tanto pastores
como congregaes precisam reconhecer e estimar a interdependncia
e unidade que existe entre eles e todas as outras congregaes e
pastores. Uma congregao nunca age por conta prpria. Qualquer
coisa que ela faz ou deixa de fazer tem um impacto sobre cada uma
das outras congregaes da igreja de Cristo, mesmo se esse impacto
no diretamente ou imediatamente experimentado por qualquer um
dos que esto envolvidos. Nenhum homem e nenhuma congregao
tm o direito de fazer a coisa do seu jeito, independente de outros
pastores e congregaes. Ns estamos ligados um ao outro e no
devemos ignorar um ao outro em nosso desejo de andar fielmente nos
caminhos do Senhor. No havendo outra coisa para nos lembrar, regi-
es e distritos servem como firmes lembranas de nossa mutualidade
e responsabilidade de um para com o outro. No h lugar para o cava-
leiro solitrio e tambm no h espao para ignorar ou desdenhar o
irmo ou irmos que parecem andar no passo errado em nossa cami-
nhada conjunta como um snodo.
A discrio pastoral, portanto, deve ser mantida e preservada
como parte da melhor prtica no cuidado pastoral. Porm, ela no deve
ser abusada como uma desculpa para a inrcia ou a relutncia em lidar
francamente com uma situao potencialmente difcil. Uma alegao
de discrio pastoral tambm no uma justificativa aceitvel para
ignorar de forma descarada e persistente a posio expressa da Igre-
ja e de sua prtica aprovada. Uma congregao com comunho funci-
onalmente aberta no est exercendo a discrio pastoral. Essa con-
gregao est agindo sem considerao para com suas congregaes
irms, est sendo desleal vontade do snodo e, sobretudo, desobe-
diente vontade de Deus. Casos de discrio pastoral deveriam ser
raros e causa de muita reflexo cuidadosa e conversao entre cole-
gas pastores. O recurso discrio pastoral nunca deveria se tornar a

73
IGREJA LUTERANA

regra para a prtica da Santa Ceia da congregao. Por outro lado,


tambm vital reiterar que existem casos em que a discrio pastoral
recomendada. Quando um pastor toma uma deciso que claramente
uma exceo prtica normal da comunho fechada, ele deveria es-
perar e aceitar o questionamento e preocupao de seus colegas pas-
tores, mas ele tambm deveria esperar deles sua confiana e disposi-
o para interpretar suas aes da melhor maneira. Devemos estar
dispostos a permitir um ao outro praticar livremente a administrao
de nosso compartilhado Ofcio do Santo Ministrio, sem temor de crti-
ca desnecessria ou represlia. Obviamente, tal confiana mtua
cultivada quando todos os envolvidos agem com um esprito de coope-
rao e uma conscincia de nossa mtua interdependncia e vida par-
tilhada em Cristo.

VI. CONCLUSO

A natureza deste tpico de que muito necessita ser considera-


do e dito, e muita coisa est em jogo. A teologia e prtica da Santa
Ceia um assunto carregado com srias questes e preocupaes
doutrinrias, mas isso no a torna pouca prtica ou irrelevante para a
vida da igreja; espera-se que pelo menos isso tenha ficado claro at
agora. De fato, se este estudo teve um pouco de sucesso em persua-
dir, mesmo que seja um s leitor, da sria importncia da doutrina cor-
reta para uma prtica correta, ento seu propsito foi alcanado. A
doutrina da igreja tem tudo a ver com a vitalidade da igreja e sua
fidelidade. No podemos nos permitir o esquecimento desta verdade
em nossa considerao da teologia e prtica da Ceia do Senhor.

74
AUXLIOS HOMILTICOS
SRIE ANUAL TRADICIONAL REFORMULADA

PRIMEIRO DOMINGO NO ADVENTO


Salmo 25.1-7, Isaas 62.10-12, Romanos 13.10-14a, Lucas 19.29-38

Lucas 19.29-38

CONTEXTO LITRGICO

Advento vinda, chegada! O Senhor Jesus vem. Na santa noite de


Natal celebrada a chegada do Verbo, que em Maria se fez carne.
Advento tambm incio do ano da Igreja, comeo de mais uma srie
de pregaes, pelas quais o povo de Deus ser conduzido na meditao
da obra do Senhor em favor do Seu povo. O tempo de Advento celebra
a contnua vinda de Jesus ao Seu povo atravs de palavra e sacramentos.
Ele vem e sua vinda graciosa, pois traz perdo e salvao. Cada culto
neste novo ano da Igreja uma festa da vinda do Senhor.
Na leitura do Evangelho do primeiro Domingo de Advento h
referncia a uma outra vinda, aquela no incio da semana santa, a
semana da cruz! A recepo festiva a Jesus na sua entrada em
Jerusalm por parte dos discpulos d o tom da vida litrgica da Igreja,
que celebra a cada culto a vinda do seu Senhor. Alm disso, o perodo
se reveste de uma alegre expectativa pela futura e gloriosa vinda de
Cristo, quando Ele h de buscar para Si o Seu povo e lhe dar vida
plena e eterna.

CONTEXTO LITERRIO

A ligao com o texto imediatamente anterior importante para a


compreenso da entrada de Jesus em Jerusalm. Na parbola das
dez minas (Lc 19.11-27), um homem nobre vai tomar posse de um
reino. O texto diz que Jesus contou aquela parbola visto estar perto
de Jerusalm e lhes [i.e., aos seus ouvintes] parecer que o reino de
Deus havia de manifestar-se imediatamente (Lc 19.11). No texto em
estudo, o Rei est chegando para tomar posse de seu reino. No
entanto, de uma forma diferente da que se poderia esperar. Ele vem
recebido com glria, mas vem tambm, e especialmente, para morrer
na cruz esta a forma dele manifestar seu reinado!

75
IGREJA LUTERANA

DESTAQUES DO TEXTO

Um jumentinho a cena evoca textos do Antigo Testamento.


Primeiramente, Gn 49.11, uma profecia messinica associada tribo
de Jud; depois, a referncia mais especfica ao evento, em Zc 9.9. Na
cena h realeza ao mesmo tempo que humildade. Esta tenso fica
evidenciada no ministrio de Jesus e, especialmente, nos eventos da
semana santa, iniciados pela assim chamada entrada triunfal. A
verdadeira realeza e glria se manifestar na cruz!
H a referncia especfica ao fato do jumento no ter sido nunca
montado. O mesmo evangelista Lucas, aps o relato da morte de
Jesus, faz referncia ao tmulo no qual o Senhor seria sepultado. O
evangelista se refere a ele como um tmulo onde ainda ningum
havia sido sepultado (23.53). Tanto o jumento, que nunca havia sido
montado, como o tmulo, que no fora ainda usado, so separados
para um uso muito especial, ou seja, para serem usados pelo Rei. No
Antigo Testamento h referncias ao uso de animais novos para um
uso sagrado. Por exemplo, h o relato dos atemorizados filisteus,
que ao devolverem a arca da aliana para Israel preparam um carro
novo, a ser puxado por vacas sobre as quais no se ps ainda jugo
(1 Sm 6.7; ver tambm: Nm 19.2; Dt 21.3).
Pode-se observar uma possvel ambiguidade no texto grego do
relato da busca do jumentinho para ser usado por Jesus: o ku,rioj
auvtou/ crei,an e;cei:o Senhor tem necessidade dele; mas o texto
tambm poderia ser lido: O seu (do jumentinho) Senhor tem
necessidade. Ainda que a primeira traduo seja a preferida pelas
verses e comentaristas, pode-se notar um contraste entre 19.33
(os senhores dele), numa referncia aos donos do animal e 19.31,34,
na referncia a Jesus. A expresso evoca no leitor a lembrana de
que Jesus o Senhor de tudo, tambm daquele jumentinho. Isto
tambm fica evidenciado na prpria forma como Jesus antecipa o que
acontecer quando os discpulos forem buscar o animal. Os
acontecimentos que seguem esto dentro de um projeto, um plano
divino, para o qual instrumentos humanos (e no humanos) so
utilizados.
H um reconhecimento da realeza de Jesus na referncia ao lanar
das vestes pelo caminho (v. 36). O fato lembra o que fizeram algumas
pessoas diante de Je, quando este foi ungido rei (2 Rs 9.13). Chama
a ateno que no haja a referncia aos ramos, mencionados nos
outros relatos dos Sinticos (cf. Mt 21.8; Mc 11.8).
Tornou-se um tanto popular o comentrio: os mesmos que
aclamaram Jesus na sua entrada em Jerusalm so os que iriam pedir

76
PRIMEIRO DOMINGO NO ADVENTO

sua crucificao alguns dias mais tarde. Os relatos da entrada de


Jesus em Jerusalm apontam para um grupo especfico de pessoas
que aclamaram Jesus: a multido dos discpulos (Lc 19.37); a
numerosa multido que viera festa (Jo 12.12), isto , peregrinos
de outras regies; os relatos de Mateus e Marcos no so to
especficos, mas deixam claro que eram pessoas que seguiam para
Jerusalm. A verdade que o prprio texto bblico em nenhum
momento faz uma relao entre as pessoas do texto em estudo e
aquelas que pediram a morte de Jesus.
Lucas acrescenta que a multido de discpulos passou, jubilosa,
a louvar a Deus em alta voz, por todos os milagres que tinham visto
(v. 37). O prprio Lucas deixa claro ao final do Evangelho, aps a
ressurreio de Jesus, que os discpulos no haviam ainda
compreendido plenamente o que estava acontecendo (Lc 24.25; cf. Jo
12.16). Os milagres chamaram a ateno e produziram o louvor a
Deus. Mas era preciso que o prprio Jesus abrisse os olhos e mentes
dos discpulos aps a ressurreio (cf. Lc 24.27ss.). Faltava na
aclamao a Jesus a plena compreenso do que envolvia ser Ele o
messias (o Rei), ou seja, sofrimento, morte e ressurreio (ainda que
Jesus os houvesse alertado para tal, cf. Lc 9.22; 18.31-34).
O evento narrado pelos quatro evangelistas. As precisas palavras
que foram ditas pela multido de discpulos diferem em cada relato.
Certamente tudo o que est registrado nos quatro Evangelhos foi
realmente dito, e provavelmente mesmo mais do que isto. No entanto,
chama a ateno que uma frase comum a todos os relatos: Bendito
o que vem em nome do Senhor (Lucas acrescenta o Rei). As palavras
so do Salmo 118.26, Salmo este que pode ter sido usado pelos
peregrinos (ou para eles), que vinham para Jerusalm para as grandes
festas do povo de Deus. Este Salmo ser citado novamente (pelos
Sinticos) na parbola dos trabalhadores da vinha (Lc 20.17 e
paralelos). Naquela situao, o Salmo citado para marcar a rejeio
a Jesus por parte dos judeus. Desta forma, os evangelistas usam o
Salmo 118 para anunciar a chegada de Jesus como Messias, e os
Sinticos tambm o utilizam para mostrar que este mesmo Messias
ser rejeitado. No projeto do reino, o sofrimento vem antes da glria!
As palavras finais do texto ecoam o cntico dos anjos em Lc 2.14,
por ocasio do nascimento de Jesus. Glria nas alturas o ponto
comum na encarnao de Jesus e em sua vinda para a cruz h glria
nas alturas, isto , para Deus. Ele glorificado na obra do Filho. O
que chama a ateno a primeira parte da frase: Paz no cu (em Lc
2.14: Paz na terra). Anjos (2.14) e discpulos (19.38) unem, em seus
cnticos, cu e terra na paz que vem da obra do Messias.

77
IGREJA LUTERANA

APLICAO HOMILTICA

Na chegada de Jesus a Jerusalm, uma srie de contrastes


(tenses):
- na forma de sua vinda h glria (referncia a profecias
messinicas, especialmente Zc 9.9; o gesto e cntico dos discpulos)
e humildade (a chegada num jumentinho, cercado de peregrinos, sem
acolhimento pelas autoridades do povo);
- a chegada do Rei, mas cujo reino significa para ele a morte de
cruz;
- h paz e glria no cu e entre os homens por causa da sua
vinda, mas para Ele o que est aguardado rejeio, sofrimento e
morte;
- o tempo de Advento que se inicia prprio para esta tenso:
aguardamos a celebrao da Noite Feliz, mas no perdemos de vista
que em meio aos alegres cnticos de Advento e Natal soa o solene
tom da fronte ensanguentada. E antecipada tambm est a coroao
do Rei em sua gloriosa ressurreio.

Gerson L. Linden
So Leopoldo, RS

78
SEGUNDO DOMINGO NO ADVENTO
Salmo 105.1-7, Malaquias 4.1-6, Hebreus 12.25-29, Marcos 13.19-27

Marcos 13.19-27

CONTEXTO LITRGICO

Na liturgia da Igreja, o tempo de Advento o perodo prprio para


se falar sobre a vinda tripartite de Cristo ao mundo: na sua encarnao,
em Palavra e sacramentos e no ltimo Dia. Falar sobre as duas pri-
meiras empolgante; falar sobre a ltima sempre perturbador. Fa-
lar sobre o que ltimo , em princpio, lei. Para alguns pregadores
a ltima Vinda de Cristo um tema recorrente (as leituras dos domin-
gos anteriores os levam ao tema), mas preciso certo cuidado para
no se enfatizar o aspecto amedrontador do tema em vez de assegu-
rar aos seus ouvintes cristos a certeza da promessa e presena
salvficas de Jesus.
Falar sobre a Segunda Vinda de Jesus sempre oportuno e ne-
cessrio, especialmente num contexto em que a sociedade e a cultu-
ra, como a nossa, prioriza tanto a perspectiva existencial em detri-
mento da perspectiva escatolgica. Queiramos ou no, estamos vi-
vendo numa cultura globalizada em que se busca segurana e confor-
to no que visvel e material e para quem a idia de um ltimo dia
parece no fazer sentido.

TEXTO

O contexto desta percope inicia com Jesus saindo do templo com


seus discpulos e estes se encantando com a beleza, pomposidade e
esplendor da construo (13.1). E eles tm razo: o templo de Herodes
um cone da grandiosidade e opulncia do rei manifestada nas enor-
mes pedras herodianas. Verdade que quando um rei constri um tem-
plo para Deus, difcil dizer se mesmo para Deus. O templo de Jerusa-
lm era um monumento voltado muito mais para o prprio Herodes do
que para Deus. Jesus desvia a ateno dos discpulos da solidez da
construo para a certeza da sua destruio. Jesus faz o que se deno-
mina em profecia de perspectiva abreviada, ou seja, acontecimentos do
futuro so encaixados em uma nica descrio no presente. Neste epi-
sdio Jesus projeta em uma cena tanto os anos 66 a 70 A.D., quando os
romanos destroem Jerusalm, como a intensa perseguio contra os
cristos antes e coincidente com o Seu retorno final.

79
IGREJA LUTERANA

A pergunta dos quatro discpulos que abordaram Jesus em parti-


cular, ou seja, aps o final da aula, tpica. Dize a ns quando...
Curiosos esses discpulos! Mas quem de ns no gostaria de ter in-
formao privilegiada? Sempre h a curiosidade em conhecer os tem-
pos e mistrios de Deus. Alguns, j naquele tempo, achavam que
tinham a resposta, e hoje no diferente. Mas Jesus alerta: que
ningum vos engane (13.5). Haver sinais, sim, mas sinais so aler-
tas que antecipam uma realidade que no se sabe a que distncia
est. Mas a realidade existe, esteja ela perto ou no.
H uma grande nfase no texto para os sinais dos ltimos dias.
Mas o pastor deve cuidar para no estabelecer conexes literais en-
tre determinados episdios catastrficos e a segunda vinda de Cris-
to. Eles at podem ser parte de sinais escatolgicos. Entretanto, no
est em ns o prever ou determinar anos, dias, horas ou minutos.
Quantas vezes no nos vemos diante da ilustrao de um relgio
marcando 5 minutos para as 12h, at mesmo em programas e bole-
tins da igreja? sempre oportuno lembrar o que Jesus diz que ainda
no o fim (13.7). E sempre que no o fim, o tempo da graa
est estendido. Os sinais so manifestaes penltimas da vinda do
Senhor. Eles so para os filhos de Deus, os que sofrem por minha
causa (13.9). Ao contrrio do que muitos cristos hoje pensam, a
vida da Igreja no se caracteriza por prosperidade e bem-estar fsi-
cos. Tribulao, perseguio o que aguarda a Igreja de Deus no
mundo. Mas haver aqueles que no pensam assim: so falsos cristos
e falsos profetas. para ns que Jesus diz: estai vs de sobreaviso
(v.23). a terceira vez que Jesus usa o verbo blep ete (cf. vv. 5 e 9)
olhar para sendo que aqui a nfase est em u`mei/j, ou seja, vs, de
vossa parte no importa o que os demais pensem. Por isso Jesus
conclui: tudo vos tenho preanunciado. Nesse preanunciado est
a graa sendo operada para que no haja decepo. Resumindo,
como o professor que diz a seus alunos no primeiro dia de aula: ha-
ver teste nesta disciplina, mas no vou dizer em que dia. Estai de
sobreaviso.
E aps (ou junto com) a tribulao vem a descriao: o
escurecimento do sol, o apago da lua, a queda em seqncia das
estrelas. Mas, nesse contexto de tenso, angstia e desolao, h
consolo para o povo de Deus. A leitura do Antigo Testamento (Ml 4.1-
6) aponta para o Sol da justia. uma nova Luz, uma nova criao,
um novo gnesis. No texto, o evangelho est presente na pessoa de
Jesus Cristo e na reunio dos seus escolhidos (Veklektoi) (13.27).
oportuno enfatizar que escolhidos devem ser vistos s)empre na pers-
pectiva da graa de Deus. Em meio descriao, a Luz de Cristo sem-

80
SEGUNDO DOMINGO NO ADVENTO

pre nos direciona para o alto, para as nuvens (13.26). Nas nuvens
Ele vem glorioso e vitorioso pela sua morte, ressurreio e ascenso.
Assim ns o veremos. Foi assim na Sua primeira vinda; assim ser na
Sua ltima (At 1.10-11).

SUGESTES HOMILTICAS

1. O mundo sempre tender a duvidar da ltima Vinda de Cristo.


Para os que no creem, o que importa o aqui e agora; a admira-
o e confiana nas conquistas humanas. Falsos cristos apresentaro
mensagens que focalizam a luta pelo aqui e agora e falsos profetas
anunciaro paz enquanto ela s poder ser trazida pelo Prncipe da
paz. A tribulao vir para o povo de Deus porque ela , como diz
Lutero, uma das marcas da Igreja.
2. Assim como os discpulos, ns gostaramos de ter de Jesus in-
formaes privilegiadas dos mistrios de Deus. Sentimos-nos mais
importantes que os demais. Como? Quando? Onde? Mas o que Jesus
antecipa decepo e tribulao para aqueles que Nele crem.
3. Nosso texto pode ser ilustrado por uma pintura da arte moder-
na. Picasso, na sua talvez mais importante obra chamada Guernica,
retrata a realidade da morte, da destruio, do aniquilamento. No
sei se inteno do autor, mas est l. Em meio ao desdobramento
do terror e do desespero expressos com traos mrbidos aparece, no
centro da pintura, uma pequena flor iluminada por uma luz que vem
de cima. Em meio s tribulaes e descriao que antecipam a se-
gunda vinda de Cristo, o cristo olha com esperana para Aquele que
o Sol da justia a preservar a vida para a eternidade. uma oportu-
na ilustrao para este tempo de Advento.
4. Em Jesus Cristo no precisamos temer o julgamento ou os acon-
tecimento catastrficos do ltimo Dia. Mesmo porque, o cristo no
passa mais pelo julgamento divino, pois j foi julgado (Jo 3.18). Por
isso, para o cristo, o ltimo Dia ser um dia de vitria e celebrao.
Pela graa divina, podemos olhar para aquele dia com a mesma ex-
pectativa que olhamos para os dias que antecedem o Natal. E at
mais do que isso, aquele dia ser dia de cumprimento do Advento, do
Natal da Quaresma e da Pscoa. Ser o dia do fim e do comeo, para
toda a eternidade.

Sugesto de tema
Boas novas para tempos difceis.

Acir Raymann
So Leopoldo, RS

81
IGREJA LUTERANA

TERCEIRO DOMINGO NO ADVENTO


Salmo 50.1-6, Isaas 40.1-8, Romanos 15.4-13, Mateus 3.1-12

Mateus 3.1-12

APONTAMENTOS GRAMATICAIS E LGICOS


(HERMENUTICOS, ISAGGICOS E EXEGTICOS)

O Natal vem a... Mas, seguindo a orientao de Lutero, os prepa-


rativos para uma das festas maiores da cristandade ajudam a enten-
der melhor o que se ir celebrar no Natal. Nessa perspectiva, a igreja
crist celebra seus cultos pr-Natal para ensinar o seu povo o que
significa o Natal de verdade.
isso que faz Joo Batista, ao preparar o povo a receber o Messi-
as. E arrependimento a palavra-chave.
As outras leituras nos ajudam a entender isso. No Salmo 50.1-6,
palavras importantes so: o chamado, o fogo destruidor e o julgamento
que vem de Deus. Isaas 40.1-8 o consolo que vem de Deus: acabou-
se a escravido, os pecados foram perdoados. Paulo, na sua carta aos
Romanos (15.4-13), tambm nos ensina que a pacincia vem de Deus e
a viver nossa identidade enquanto a festa est sendo preparada.
Concentremo-nos nas palavras de Joo Batista para um bom pre-
paro para a festa do Natal.
Primeira observao temporal: a presena de Cristo real; ele
j est em meio ao seu povo. Por isso, precisamos ler este terceiro
captulo de Mateus em conexo com os dois anteriores e tambm com
todo o Antigo Testamento. Os sinais de sua presena esto no cum-
primento das profecias do AT. Concepo, nascimento e primeiros anos
de Jesus demonstram este cumprimento.
A irrupo do Reino dos Cus em Cristo Jesus o tema do minist-
rio de Joo Batista. Sejam convertidos de descrentes em crentes
a mensagem de Joo Batista. Assim como o profeta Isaas anunciava
a ao restauradora de Deus em relao ao povo no Cativeiro
Babilnico (Is 40.3), da mesma forma Joo Batista anuncia que o Rei-
no dos Cus novamente est em atividade atravs do Filho, Jesus
Cristo. Para os ouvintes do primeiro sculo, uma mensagem
escatolgica: o ltimo Dia comeou.
Esta perspectiva escatolgica uma boa nova anunciada a Sio
(Is 52.7) porque Deus vem para sua criao, para restaurar o que
havia feito, salvar o seu povo e julgar seus inimigos. Com isso, nota-

82
TERCEIRO DOMINGO NO ADVENTO

mos que a mensagem de Joo Batista possui uma perspectiva


criacional, re-criacional e histrica. Assim como a mensagem
escatolgica de Joo Batista, tambm os leitores de Mateus estavam
sendo preparados para o ltimo Dia e da mesma forma ns leitores
do texto de Mateus precisamos aprender a adotar a perspectiva
escatolgica da mensagem de Joo Batista e do prprio Jesus.
O contedo da mensagem tem uma razo: um novo xodo est
em ao. Assim como o Filho de Deus volta do Egito (Mt 2.15), o mes-
mo deve ocorrer com o seu povo. Isaas j havia proclamado: prepa-
rem o caminho e abram estradas. No contexto de Isaas, o povo de
Israel consolado por Deus que o ir retirar da Babilnia, conduzin-
do-o de volta a Israel.
Positivamente, Mateus descreve o resultado do ministrio de Joo.
Assim como Elias, Joo tambm anunciador da histria da Salvao
conforme o prprio Jesus atesta (Mt 11.7-15). Para Mateus impor-
tante conectar o ministrio de Joo (e assim todo o AT) com o minist-
rio de perdo de pecados de Jesus (Mt 1.26).
Uma das dificuldades de interpretar o ministrio de Joo est na
complexidade ou sequncia de acontecimentos, que para muitos
determinante. O importante percebermos que a Palavra de Deus
anunciada atravs de Joo Batista e Deus est por trs deste ann-
cio. O verdadeiro arrependimento transparece numa complexa
sequncia de pregao de arrependimento, confisso de pecados e o
sinal do batismo e depois a f naquele a quem Joo est apontando.
Esta sequncia complexa no temporal, mas simultnea e est no
controle do prprio Deus.
O batismo de Joo diferente do batismo cristo. Mateus nos diz
isso no final de evangelho (Mt 28.19). Mas, como marca da escatalogia
inaugurada, o batismo um selo de garantia para aguardarmos o jul-
gamento vindouro para entrar no reino messinico. E isto tambm vale
para aqueles que ouviram Joo Batista e foram batizados por ele.
A denncia de Joo (7-10) destinada aos fariseus e saduceus.
Mateus no est muito preocupado em nos informar muito a respeito
deles. Afinal, seus primeiros leitores conheciam os grupos muito bem.
Sobre os fariseus, basta apontarmos que eles desenvolveram uma lei-
tura oral das escrituras hebraicas em busca de um caminho prprio
para aplicar os mandamentos de Deus a situaes especficas do dia-
a-dia. Jesus os condena e aponta a correta interpretao da lei em Mt
5.21-48. J os saduceus enfatizam o livre arbtrio do homem e um de
seus ensinos mais proeminentes era a negao da ressurreio.
Se Joo havia convidado o povo a um novo xodo at o rio Jordo
para ser batizado, o nomismo dos fariseus e dos saduceus no teria

83
IGREJA LUTERANA

espao. O ataque de Joo ocorre porque esses dois grupos leram


muito mal o texto do AT e para eles no h espao para a misericrdia
do Senhor, o Deus de Israel.
Ironicamente, aqueles que diziam produzirem os verdadeiros fru-
tos foram considerados infrutferos. O que esperar donde no h ar-
rependimento? O que esperar se algum no faz parte do xodo?
Frutos verdadeiros s podem seguir ao verdadeiro arrependimento,
como afirmam as confisses luteranas (ver Apologia XII 28, 131).
As palavras finais, versculos 11 e 12, precisam ser interpretadas
no contexto do ministrio de Joo, visto que este ministrio con-
trastado ao ministrio de Jesus. Joo est apontando no para o
sacramento do Batismo. Isso Mateus nos resolve no final do evange-
lho. Joo est nos conduzindo ao momento final, ao Dia do Juzo quan-
do Jesus mesmo ir batizar com o Esprito Santo e com fogo. A sepa-
rao entre o trigo e a palha, entre aqueles que deram ouvidos
presena do Filho de Deus e aqueles que a rejeitaram

APONTAMENTOS RETRICOS (HOMILTICOS)

O melhor da festa esperar por ela! Mas que festa? Aquela que o
Credo Niceno nos sugere: Cristo vir pela segunda vez, em glria, para
julgar os vivos e os mortos !!! Esta a festa, o ltimo Dia. Enquanto
isso, ns estamos sendo preparados para sermos convidados a entrar
nela. Alguns elementos apresentados no texto nos ajudam a estarmos
preparados para esta festa. Primeiro, Joo Batista tem seu ministrio
de origem divina. Ele fala como Isaas falou, como Elias falou e anuncia
a mesma coisa que Jesus ir anunciar a seu povo. Precisamos perceber
a presena de Jesus este o verdadeiro arrependimento tornar-
nos de descrentes em crentes. E este arrependimento nos coloca no
ambiente de culto quando celebramos a presena de Cristo na Palavra
e Sacramentos. Aqui temos o Pentecostes, quando o Esprito de Deus
desce sobre o seu povo e abre seus olhos para ver quem at ento
no tinham visto, ao qual Joo Batista apontara. E este Pentecostes
est diretamente conectado ao do Dia do Juzo. Portanto, todo o minis-
trio, tanto o de Joo como o de Jesus e o nosso, conectando-nos
diretamente com o Julgamento Final. Arrependimento, batismo e f so
os contedos principais de nossa mensagem e eles nos apontam para
Cristo, hoje e eternamente. So eles que nos preparam para a festa
final. Por isso, o melhor da festa esperar por ela...

Clvis Jair Prunzel


So Leopoldo, RS

84
QUARTO DOMINGO NO ADVENTO
Salmo 19.1-6, Jeremias 23.5-6, Filipenses 4.4-7, Lucas 1.26-38

Lucas 1.26-38

O Dr. Otto A. Goerl elaborou, em um de seus livros intitulados Pl-


pito, uma srie de estudos homilticos sobre personagens do Adven-
to. Aproveitando a idia, podemos perguntar: Quem seria o persona-
gem do quarto domingo de Advento, a partir da leitura do Evangelho,
Lucas 1.26-38? O anjo Gabriel? Isabel? Jos? Maria? Jesus? (E a men-
sagem de hoje poderia ser, num modelo indutivo, a busca conjunta
pregador e congregao da resposta a esta pergunta: Quem o
personagem principal?)
Antes dos personagens, uma observao sobre o cenrio. Trata-
se do quadro da Anunciao. Uma rpida pesquisa na internet sobre
anunciao revela dezenas, quem sabe centenas, de quadros que
foram pintados a partir de nosso texto. Claro, quase tudo fruto de
imaginao artstica, pois, em termos de cenrio, o texto altamente
lacnico, limitado a um registro: uma cidade da Galilia, chamada
Nazar. E da cidade se passa diretamente para a virgem. No h um
cenrio intermedirio, como, por exemplo, uma casa.
Passando aos personagens, o primeiro a aparecer o anjo Gabriel.
Ele j conhecido desde Lc 1.19. Como seria de esperar, ele est a
servio de Deus. E ele exatamente o que o seu ttulo diz: um ngelos,
um mensageiro. Ele chegou (v.28), disse (v.28), disse mais uma vez
(vv.30-33), tornou a falar (vv. 35-37), e foi embora (v.38). Nada dito
sobre como ele falou, em que lngua, que aparncia tinha (asas? como
algum j disse, os anjos de Deus no precisam de asas!).
O anjo fala com Maria. Mas antes de mencionar o nome de Maria, o
narrador apresenta Jos. At parece que a identidade de Maria pas-
sa por este virgem desposada com certo homem da casa de Davi,
cujo nome era Jos. Jos no tem maior importncia na narrativa. No
entanto, esta meno no v. 27 prepara o leitor para o anncio do v.
32 (o trono de Davi, seu pai), embora Lucas no explique de que
forma o menino que haveria de nascer seria descendente de Davi
(Mateus trataria disto).
H uma srie de informaes que so transmitidas antes de se
chegar ao nome de Maria (final do v. 27). Ela mora em Nazar; vir-
gem (duas vezes o narrador frisa isto: no comeo e no final do v.27, e
parece que o motivo principal para tanto preparar o terreno para a

85
IGREJA LUTERANA

reao de Maria, no v. 34); est de casamento marcado com Jos, da


casa de Davi; recebe a saudao do anjo que a deixa perplexa e
pensativa (com as palavras da saudao, e no com a viso em si,
v.29); num segundo momento ela pede explicaes; e, por fim, ela se
coloca a servio do Senhor. (Outra personagem, mencionada pelo anjo,
Isabel: parenta de Maria e grvida do sexto ms. No entanto, o que
est em evidncia no o parentesco, mas o fato de a gravidez de
Isabel confirmar a impossibilidade possvel, pois, no haver imposs-
veis para com Deus).
Parece que tudo se encaminha concluso de que Maria a per-
sonagem principal desta narrativa. O s pensar nisto pode deixar
qualquer protestante perplexo. No entanto, no fosse Maria, o Natal
no teria se tornado realidade. E por mais que muitos dos evangli-
cos, ao ouvirem o nome Maria, tendam a pensar em Maria Madalena
ou outra Maria, no h por que diminuir o papel e a importncia da
me de Jesus. Poucas vezes refletimos sobre ela. Provavelmente no
passava de uma adolescente quando veio a ser a me de Jesus. Com
certeza, uma menina inteligente, conhecedora dos caminhos de Deus
e da histria do seu povo. E ao ser atribulada, ela refletiu. Ao ouvir o
impossvel, fez uma pergunta prtica. Ao receber a oferta de um mila-
gre de Deus, ela acreditou. Ao ser destinada humilhao de uma
gravidez ilcita, ela considerou Deus santo, e a si mesma serva, acei-
tando a vontade dele (Manual Bblico da SBB). Maria santa, no es-
prito do Artigo 21 da Confisso de Augsburgo: modelo de filha de
Deus, de mulher, e de me.
No Evangelho de hoje, destacam-se a saudao que o anjo dirigiu
a Maria (uma saudao sem igual, na Bblia, e que recebeu um bocado
de ateno, em grande parte por ser o incio da ave Maria; Lutero
teve de explicar por que fez uma traduo diferente, uma traduo
que se afastava da tradio da Vulgata); a calma com que Maria ouviu
a mensagem at o final (v.34), quando poderia ter protestado logo
ao final do v. 31; a maneira como ela se dirige ao anjo, pedindo mai-
ores explicaes (com certeza, a pergunta dela bem diferente da
pergunta de Zacarias em Lc 1.18, pois a reao deste foi interpretada
como sinal de incredulidade, algo que no se aplica a Maria, que pe-
diu mais informaes); e, ainda, a humilde aceitao da misso que
lhe foi confiada (v. 38).
No entanto, parece que a personagem principal desta narrativa
mesmo o anjo Gabriel. Na verdade, no o anjo em si, mas o que ele
tem a dizer. A estatstica confirma isto: no texto, do total de 244 pala-
vras (na Revista e Atualizada), mais da metade (134 palavras) dis-
curso do anjo.

86
QUARTO DOMINGO NO ADVENTO

Em primeiro lugar, Gabriel nos diz que vai nascer um menino. Isto
feito no mesmo padro dos anncios do Anjo do SENHOR no AT (Gn
16.11; Jz 13.3). Ao mesmo tempo, lembra o anncio proftico de Is
7.14 (a sequncia e chamars o nome dele idntica, aqui em Lucas,
ao texto grego da Septuaginta, em Is 7.14). , tambm, semelhante
(e ao mesmo tempo diferente) do anncio feito a Zacarias (Lc 1.13).
No caso deste, o anncio resposta s oraes, algo que no se
repete com Maria.
O filho de Maria receber o nome de Jesus. Era um nome comum
naquele tempo, sendo a forma grega do nome Josu e significando
o SENHOR salva. At aqui, nada de excepcional. Jesus ser grande.
Outra vez, h certa semelhana com o anncio do nascimento de Joo
Batista. No entanto, h, tambm, uma sensvel diferena: Joo ser
grande diante do Senhor (Lc 1.15); Jesus ser grande. E a diferen-
a entre Joo e Jesus no pra por a: Jesus ser chamado Filho do
Altssimo. Ser chamado, neste caso, no simplesmente receber o
nome, mas ser o que o nome expressa. Altssimo a traduo para
Elyon, um ttulo para Deus que Lucas gosta de usar (Lc 1.32,35,76;
6.35; 8.28; At 7.48; 16.17) e que comum, no AT, especialmente em
Daniel. Filho do Altssimo , no mnimo, um ttulo messinico, a par-
tir de 2Sm 7.13-16; Sl 89.26-29. Mas o seu significado pleno ficar
evidente no que segue.
O menino que vai nascer rei, e o seu reinado no ter fim (2Sm
7.13; Sf 3.15; Mq 4.7; 5.2). Ele ser tambm santo e Filho de Deus.
Por qu? Porque o Esprito Santo (tambm chamado, no paralelo, de
poder do Altssimo) vir sobre Maria. Joo descreve isto, em Jo 1.1-
18, como a encarnao do Verbo. Lucas nos mostra a ao do Esprito
Santo nesse processo. (Notar, outra vez, o contraste com Joo Batis-
ta, que ser [apenas] cheio do Esprito Santo, j do ventre materno
Lc 1.15.) Quanto a santo, significa separado para o servio de
Deus. (Mais tarde, em Lc 4.34, um demnio afirmar o vnculo entre
santidade e Deus.) Todos os primognitos eram santos, pertenciam
ao SENHOR (x 13.12; Lc 2.23). Porm Jesus ser santo num sentido
todo especial: ele o primognito de Maria (Lc 2.7), mas , acima de
tudo, o Filho de Deus. E este ser, tambm, o motivo de sua conde-
nao no Sindrio (Lc 22.70-71). E a mensagem de Gabriel tem como
ponto culminante o anncio do Natal, nos seguintes termos: o ente
santo que h de nascer (Natal!) ser chamado Filho de Deus.
O quarto domingo de Advento o incio da semana do Natal. Ago-
ra, sim, hora de comear a falar sobre o Natal, no perodo de Adven-
to. Antecipar para o final de novembro deixar que o comrcio deter-
mine a pauta da Igreja! Neste domingo, os olhos e ouvidos devem se

87
IGREJA LUTERANA

voltar para o que anuncia o mensageiro Gabriel. Nas palavras dele


est a explicao para a importncia e o significado do Natal. Ele nos
explica quem este que estava por nascer. Tanto assim que podera-
mos concluir que o personagem principal do texto , de fato, Jesus.
Porque Natal Cristo que nasce, Natal Cristo que vem.

Vilson Scholz
So Leopoldo, RS

88
VSPERA DE NATAL
Salmo 96.1-10, Isaas 9.2 (3-5) 6-7, Tito 2.11-14, Lucas 2.1-20

Lucas 2.1-20

CONTEXTO

Lucas desenvolve uma reflexo teolgica, na qual afirma que as


promessas de Deus se realizaram e, ao mesmo tempo, revela a digni-
dade superior de Jesus em relao a Joo Batista. O evangelista mos-
tra que o Salvador no entrou na histria dos homens pelo caminho
trilhado pelos poderosos. A ordem de fazer um recenseamento, vinda
de Csar Augusto, o centro do poder, tinha como objetivo arrecadar
taxas nas cidades.
O nascimento de Jesus um acontecimento que dividiu a histria
em duas partes: a.C. (antes de Cristo) e d.C. (depois de Cristo).
um acontecimento j anunciado pelos profetas nos sculos. No con-
fronto com os outros personagens histricos, quem se lembra do nas-
cimento de Alexandre Magno, de Jlio Csar, de Napoleo?
Mas por que o nascimento de Jesus importante? Porque Ele no
um homem como os outros. verdadeiro Deus. o Verbo de Deus
feito carne e concebido pelo Esprito Santo. Deus se tornou homem
para que o homem novamente tivesse acesso a Deus. Deus se apro-
xima de ns para que nos aproximemos Dele. Veio ao encontro da
nossa humanidade para que tivssemos acesso sua divindade.
Os antigos comemoravam a festa do Natalis solis invicti, o nascimen-
to do sol invencvel. Para os cristos, o verdadeiro sol invencvel Jesus.
Por isso, o seu nascimento e a realizao do plano de Deus a maior
graa na vida dos homens. Por isso o Natal : Festa da Salvao - Na
liturgia Deus se mostra como a causa e agente da nossa salvao; Fes-
ta da Luz No Nunc Dimitis ns cantamos: Luz para a revelao aos
gentios e para a glria de teu povo Israel. O Natal, com a sua Luz que
o Cristo, dissipa todas as trevas que encobrem o pecado em todas as
suas formas de injustia, desigualdades, poder e prazer; Festa da re-
novao plena do homem - A restaurao da comunho plena do ho-
mem com Deus o tema que mais aparece na liturgia natalina. Por Cris-
to realizou-se o encontro de Deus com o homem. Nele a natureza huma-
na recebeu uma dignidade incomparvel, em que Deus se tornou de tal
modo um de ns, que nos tornamos eternos.
Hoje, a Igreja revive em seu corao a alegria dos patriarcas, dos
profetas, de Maria, de Jos, de Joo Batista, dos pastores e dos An-

89
IGREJA LUTERANA

jos que anunciam a glria de Deus. No h espao para a tristeza no


dia em que nasce a vida, uma vida que destri o medo da morte e
leva s alegrias das promessas eternas.

NFASES

Jesus nasceu numa gruta em Belm, nasceu pobre, recebeu a visi-


ta de pastores e a notcia do nascimento foi dada pelo Anjo. Como se
v, a salvao no vem dos palcios, dos que tm poder secular, mas
de um menino nascido em uma estrebaria. Nasceu de uma Virgem,
como primognito (prototokos), filho que segundo a Lei era proprie-
dade particular de Deus e por isso devia ser resgatado com a oferta
de um sacrifcio no Templo, e seus pais, submissos a essa Lei, cumpri-
ram o preceito plenamente.
A segunda parte deste relato apresenta uma teofania, uma apari-
o do Anjo que, atravs da mensagem do nascimento de um meni-
no, culmina no canto de glria. Hoje na cidade de Davi nasceu para
vocs o Salvador... Este era o tipo de anncio do nascimento ou
entronizao dos reis e imperadores, vistos como epifania dos deu-
ses. Mas a comunicao de Deus no se dirige aos poderosos, e sim,
aos pobres e simples pastores. Assim, a salvao vem de Belm e
no de Jerusalm. O Salvador entra na histria longe dos palcios e
dos beros dourados.
O nascimento de Jesus foi enfocado pelos evangelistas de manei-
ra rica e at diversificada. Todos eles narram o mistrio contido neste
evento escondido atravs dos tempos e agora revelado. Lucas foca-
liza Jesus menino em Belm como Rei-Messias, esperado pelo povo,
cumprindo as promessas antigas, trazendo a paz e a justia. Os pas-
tores voltaram glorificando a Deus. Devemos tambm voltar para o
mundo glorificando Deus em nossa vida, levando a notcia alegre
da salvao, da esperana.
Com o Natal foi lanada a ponte entre o cu e a terra, superando
o abismo de separao. Por isso, o Natal no uma simples lembran-
a, embora sugestiva e emocionante, mas a erupo de Deus na
histria do homem para transform-la e salv-la. Uma insero de
Deus na histria, de maneira simples, sem sinais grandiosos.
Os pastores reconheceram no Menino o sinal de Deus e com a
fora desse sinal anunciaram a Deus. Com Cristo iniciou-se a nova
Aliana, que eterna. Iniciaram-se o novo cu e a nova terra que os
profetas anunciaram. Com o Natal renova-se uma espcie de jubileu,
no qual nos oferecido o perdo das dvidas. Assim, instaurou-se
uma nova era de relaes entre o cu e a terra.

90
VSPERA DE NATAL

PARALELOS

As leituras da liturgia desta noite se abrem com a frase: O povo


que na escurido viu uma forte luz.... A escurido significa a condi-
o de pecado. Este povo recebeu a Luz, isto , Deus. Quais so as
consequncias prticas da presena dessa Luz?
As leituras se referem aos tempos messinicos. O acontecimento
concreto do nascimento de uma criana tido como o futuro concreti-
zado cheio de glria e tendo Deus como protagonista. A graa de
Deus portadora da salvao para todos os homens.

ISAAS 9.1-6 - UM MENINO NASCEU


PARA NS, O PRNCIPE DA PAZ.

A situao do povo era de trevas e sombra da morte (9,1). O


profeta anuncia a salvao para esse povo sem esperana. Isaas
descreve a libertao em trs momentos:
a) A libertao se traduz concretamente no fim da opresso, pos-
sibilitando que o povo viva em paz e na alegria; b) Uma luz vai brilhar,
uma nova aurora vai surgir, colocando ordem no caos, como ocorreu
na criao; c) O nascimento de um menino trar a libertao para o
povo. Este o motivo principal que explica e realiza o que havia sido
anunciado. As esperanas reflorescem com esse nascimento, pois este
menino-esperana tem algumas caractersticas. Traz em seus ombros
o manto do rei. Sua identidade manifestada atravs do seu nome,
que envolver aes em favor do povo. Sua identidade manifesta-se
ainda como Conselheiro Admirvel, Deus forte, Pai para sempre, Prn-
cipe da paz.

TITO 2. 11-14 - A GRAA DE DEUS MANIFESTOU-SE.

Paulo motiva a comunidade partindo do princpio da manifestao


da graa de Deus em Cristo que d a salvao para todos. Por isso,
os cristos so convidados a viver a novidade do Evangelho e viver
isso romper com o passado: abandonar a impiedade e as paixes
mundanas, isto , romper com os esquemas e propostas de vida apre-
sentados pelo status quo, o modo de viver paganizado que no se
traduz na prtica de uma sociedade justa e fraterna. Por isso, o cris-
to deve viver com equilbrio, justia e piedade (v.12), sintonizado
com o projeto de Deus.

91
IGREJA LUTERANA

SUGESTO HOMILTICA

Tema: Hoje nasceu para vocs o Salvador


a- Reconhecer Jesus como nico Salvador, Guia e Rei
b- Segui-lo significa confiar nele e viver seus ensinamentos.
c- Viver com alegria (cujo tema permeia toda a liturgia de hoje).

APLICAO

Celebramos o maior acontecimento da histria. Jesus hoje um


personagem de quem todo mundo fala, e sem ele a nossa vida
vazia. Por isso:

Somos convidados como os pastores a ir ao encontro de


Jesus no mais em Belm, mas dentro de ns, para des-
pertar nossos coraes da apatia, do egosmo, do peca-
do...

Jesus se torna solidrio com o homem. Entre ns e Deus


em Jesus se d uma comunho de existncia, uma identi-
dade de destino que Deus.

Jesus feito homem a expresso mais alta do amor de


Deus por ns. Ele veio para estar conosco e estar em ns.

Deus, mediante Jesus, se aproximou de ns, assumiu a


nossa condio, vindo restituir humanidade a imagem
divina.

Paulo Gerhard Pietzsch


So Leopoldo, RS

92
DIA DE NATAL
Salmo 98.1-7, Miquias 5.2-4, Hebreus 1.1-6, Lucas 2.1-20

Lucas 2.1-20

CONSIDERAES PRELIMINARES

So inmeras e vrias as objees e controvrsias com respei-


to data que Lucas aponta como aquela sendo a do nascimento de
Jesus. Consideram ter havido confuso com os recenseamentos rea-
lizados em 8 AC com o realizado em 6-7 DC, estabelecendo uma signi-
ficativa diferena, no s na data do nascimento, mas tambm na
idade de Jesus.
Porm, no h necessidade de exaustivas e penosas pes-
quisas para entender as palavras do evangelista Lucas no seu estrito
e atual senso. Ele sabia o que estava escrevendo, ou seja, relatando
o maior e mais importante acontecimento da histria humana, o nas-
cimento do Messias profetizado e prometido no Antigo Testamento, o
Salvador do mundo. E mais: o Esprito Santo, que supervisionava cada
palavra, fixou o tempo na poca adequada. A prpria cincia da ar-
queologia moderna, em silncio, tem superado os crticos e convenci-
do os contraditores.

TEXTO

Vv. 1-5: Naqueles dias, foi publicado um decreto de Csar Augusto,


convocando toda populao do imprio para recensear-se. Este, o primeiro
[...] Todos iam alistar-se[...] Jos tambm subiu da Galilia, da cidade de
Nazar [...] a fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grvida.
Todas as afirmaes do evangelista so feitas com tanto cuidado
e certeza que no h razo em duvidar de seus registros, alm do
fato de que a inspirao avaliza o texto. Todo o povo que pertencia
ao grande imprio romano deveria ser contado e registrado, prova-
velmente com dois propsitos principais: uma estatstica geral para
posterior taxao de impostos. O principal, porm, que o decreto do
imperador Csar Augusto levou a que Jos e Maria estivessem em
Belm no tempo em que Maria daria luz, e que o Messias desejado
e prometido viesse a nascer em Belm, conforme a profecia de Miquias
5.2: E tu Belm-Efrata, pequena demais para figurar como grupo de
milhares de Jud, de ti me sair o que h de reinar em Israel, e cujas
origens so desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade.

93
IGREJA LUTERANA

Vv. 6,7: Estando eles ali, aconteceu completarem-se-lhe os dias, e


ela deu luz o seu filho primognito, enfaixou-o e o deitou numa manje-
doura, porque no havia lugar para eles na hospedaria.
A simplicidade do relatrio, sem dvida, pode indicar a inspirao
divina. Fosse s motivao e desejo humanos, a descrio estaria
carregada de adjetivos laudatrios de louvor glria do milagre. Lucas,
porm, se limita a simplesmente descrever o acontecimento que tra-
duz o cumprimento de incontveis profecias do AT e da f e confiana
de todos os crentes at ento. O Deus-homem que repousa como o
filho primognito de Maria , ao mesmo tempo, o milagre absoluto e o
mais inestimvel dos benefcios e presentes: Deus e homem, a antiga e
a nova aliana, cu e terra, encontram-se na pobre manjedoura. Quem
nega essa f e essa confiana, jamais poder entender a verdadeira
alegria do Natal.
Vv. 8-12: Havia, naquela mesma regio, pastores que viviam nos
campos [...] E um anjo do Senhor desceu onde eles estavam [...] O anjo,
porm, lhes disse: No temais [...] que hoje vos nasceu o Salvador, que
Cristo, o Senhor. E isso [...] encontrareis uma criana envolta em fai-
xas e deitada em manjedoura.
No foram os grandes e poderosos das naes, nem a arrogante
Jerusalm, que foram escolhidos para abrigar os acontecimentos ma-
ravilhosos que envolveram o nascimento de Jesus, porm a pequena
Belm e os solitrios pastores nos campos. Foi uma inesperada e
solene apario de um anjo do Senhor, quando a glria do Senhor
brilhou ao redor dos pastores. E temeram, como qualquer pecador
teme na presena da glria de Deus. O temor, porm, transformou-se
em alegria diante da mensagem que resume a substncia do Evange-
lho: [...] hoje vos nasceu [...] o Salvador, que Cristo, o Senhor.
Vv. 13-20: E subitamente [...] Glria a Deus nas maiores alturas, e
paz na terra entre os homens, a quem ele quer bem [...]. E, ausentando-
se [...] os anjos [...] diziam os pastores: Vamos [...] e vejamos [...].
Foram e acharam. E, vendo-o, divulgaram [...] Todos se admiravam [...].
Maria, porm, guardava todas essas palavras, meditando-as no corao.
Voltaram [...] os pastores [...] glorificando e louvando a Deus [...].
Desde ento, o canto da milcia celestial acompanha liturgias e
poemas sacros, de gerao em gerao, at nossos dias. Os pasto-
res, assim que viram confirmadas as palavras do anjo, tornaram-se
missionrios, divulgadores da mensagem de Natal. impossvel para
o cristo no evidenciar em palavras, ao e obras, a f que toma
conta de seu corao quando ele encontra e v Jesus no Evangelho.
A histria dos pastores causou um grande tumulto em Belm e todos
ficaram admirados, sendo o primeiro efeito da mensagem evanglica.

94
DIA DE NATAL

Maria mencionada como uma exceo: todo povo admirava-se,


mas Maria guardava e meditava em todas as palavras e maravilhosas
coisas que aconteceram com ela prpria e com os pastores. Esse fe-
nmeno, esse jeito de aproximar-se aos acontecimentos de Belm,
repetem-se ainda hoje: muitos encantam-se e ficam perplexos com a
beleza da histria do Natal e comemoram. necessrio, porm, ir
alm e tomar tempo para meditar no grande plano da salvao de-
senvolvido por Deus para nos recuperar para Si, tornando-nos novas
criaturas pela f nesse Salvador Jesus, nascido e anunciado da forma
milagrosa e maravilhosa, conforme recordamos com o relato do
evangelista Lucas sobre o nascimento de Jesus nesse Dia de Natal.

PENSAMENTOS HOMILTICOS

Entre outros, o Dia de Natal nos recorda que:


- o nascimento do Salvador Jesus um fato real, descrito resumi-
da, simples, inspirada e maravilhosamente pelo evangelista Lucas;
- ao nos certificarmos do bem-aventurado anncio do anjo e do
canto da milcia celestial, necessrio irmos e divulgarmos que Cristo
para todos;
- alm de comemorarmos segundo costumes de cada um e de cada
famlia, a exemplo de Maria, vamos principalmente guardar e meditar
nos acontecimentos e no seu significado eterno, no corao e na vida
de cada um.

Norberto E. Heine
Porto Alegre, RS

95
IGREJA LUTERANA

PRIMEIRO DOMINGO APS O NATAL


Salmo 111, Isaas 63.7-9, 1 Corntios 1. (18-20) 21-25, Lucas 2.25-38

Lucas 2.25-38

DESTAQUES DO TEXTO

V. 25: Simeo esperava a consolao de Israel, ou seja, o Messias


prometido. Cf. v. 38 onde Ana fala a respeito de Jesus a todos os que
esperavam a redeno de Jerusalm. Apesar de toda idolatria e
abandono do Deus verdadeiro, a f nas promessas salvadoras de
Deus no se havia extinguido entre seu povo escolhido.
V. 26: Simeo no veria a morte antes de ver o Cristo. No v. 30, ele
diz os meus olhos j viram a tua salvao. O Esprito Santo estava
sobre ele e, por isso, ele v o que est oculto aos olhos de outros,
ou seja, que aquele menino pobre nos braos de sua humilde me
o Salvador.
V. 27: Jos e Maria estavam no templo com o menino Jesus para
fazerem com ele o que a Lei ordenava. A lei mosaica (Lv 12.2-8; x
13.2,12,15) prescrevia o ritual da purificao da mulher aps o parto
e a consagrao do primognito ao Senhor. A rigor, Maria, sendo virgem,
no precisaria se submeter a essa lei. Ela o faz, provavelmente, para
evitar escndalo. Jesus, sendo sem pecado, tambm no est sujeito
lei. Ele se submete lei em nosso lugar e a nosso favor.
V. 28: A primeira reao de Simeo, ao tomar o menino em seus
braos, que ele louvou a Deus. Ana reage da mesma maneira (v.
38). Nada mais natural para algum que v, finalmente, cumprida a
promessa divina que aguardava pela f.
V. 29: Agora, Senhor, podes despedir em paz o teu servo. Simeo
est preparado para partir em paz. A morte no o assusta; ela uma
jornada para a casa do Pai fiel.
Vv. 30-32: A salvao, que o Esprito Santo lhe permite ver naquela
pobre criana, para todos os povos; luz para revelao aos
gentios. Esta luz no uma pequena lanterna s para Israel; ela
brilha como o sol, cuja luz chega a todos os pontos da terra e pode
ser vista por todos. Ela tambm para a glria do teu povo de Israel,
porque deles descende o Cristo, segundo a carne (cf. Rm 9.4,5).
V. 33: Jos e Maria esto admirados do que dele se dizia. Esta
a primeira revelao explcita de que Jesus ser o Salvador de todos
os povos.

96
PRIMEIRO DOMINGO APS O NATAL

Vv.34-35: Estranha a bno de Simeo. Jesus, o Salvador, ser


alvo de contradio. As pessoas iro se dividir diante dele. Ele est
destinado tanto para runa como para levantamento de muitos em
Israel. Muitos rejeitaro a luz, outros se deixaro atrair por ela e
andaro nela. Os pensamentos de muitos coraes sero
manifestados por causa dele. Pessoas reputadas como sbias, justas
e piedosas sero manifestadas como no tendo justia alguma diante
de Deus porque confiam em si prprios e rejeitam a justia que lhes
oferecida em Cristo.
Vv. 36-38: Assim como Simeo, Ana no capaz de ver e saber
por sua prpria razo que aquele menino o Cristo. o Esprito
Santo que lhe abre os olhos para v-lo e a boca para louvar a Deus
e testemunhar a respeito do Salvador. Nada nos dito sobre a
reao das demais pessoas que se encontravam no templo. Mas
podemos presumir que aqueles que esperavam a redeno de
Jerusalm se uniram a Simeo e Ana no louvor a Deus. Os demais
devem ter olhado com estranheza e desprezo para aqueles dois
velhos gags.

PONTOS DE CONTATO COM AS OUTRAS LEITURAS DO DOMINGO

Assim como Simeo e Ana, o salmista rende graas (Sl 111.1)


porque grandes so as obras do Senhor (2) e porque ele Enviou
ao seu povo a redeno (9). Da mesma forma, Isaas relembra os
atos de Deus a favor de seu povo e anuncia: Celebrarei as
benignidades do Senhor e os seus atos gloriosos (63.7) porque se
lhes tornou o seu Salvador (8). Em toda angstia deles, foi ele
angustiado (9) e ele os remiu. A ao salvadora de Deus no Antigo
Testamento aponta para a consumao dessa ao em Cristo. O
apstolo Paulo reflete sobre essa nova realidade em 1Co 1. (18-20)
21-25. O mundo no o conheceu por sua prpria sabedoria por
isso aprouve a Deus salvar os que crem pela loucura da pregao
(21). O menino pobre nos braos de Simeo s podia ser reconhecido
como o Filho de Deus por revelao do Esprito Santo. O mesmo
Esprito tambm revelou a Simeo que a misso do Cristo seria
cumprida por meio de seu sofrimento. Paulo afirma: Pregamos a
Cristo crucificado (23). Apesar das aparncias em contrrio
(escndalo para os judeus, loucura para os gentios), Cristo o
poder de Deus e sabedoria de Deus (23-24). Nele se revela que a
loucura de Deus mais sbia do que os homens; e a fraqueza de
Deus mais forte do que os homens (25).

97
IGREJA LUTERANA

SUGESTES DE USO HOMILTICO

Parte do texto do evangelho deste domingo bem conhecido pela


maioria dos luteranos por constituir o Nunc Dimitis da liturgia da Santa
Ceia. Na Ceia, vemos e recebemos o mesmo Cristo que Simeo tomou
em seus braos e podemos, ento, expressar a mesma confiana
serena de Simeo.
Uma das tentaes que se apresenta ao pregador deste texto
se deixar cativar pelos dois simpticos velhinhos da histria e, assim,
desviar o foco do personagem central para o qual os dois personagens
secundrios apontam e do qual testemunham.
A partir do testemunho de Simeo (cujas palavras nos so
relatadas, pelo menos de forma resumida), o objetivo do pregador
ser o de mostrar que Jesus a nica salvao e luz para todos os
povos. Ele cumpre a lei de forma ativa e passiva por ns. Ele o sol
da graa que ilumina o mundo inteiro. A salvao est disponvel para
todos assim como a luz solar chega a todos os pontos da terra. Mas,
Cristo est destinado a ser alvo de contradio. Nem todos o recebem.
Muitos se ofendem com ele e tropeam nele.
Lutero, num sermo sobre este texto, diz que quem tropea e se
escandaliza com Cristo e seu Evangelho no so os inimigos
declarados. Estes resistem verdade que conhecem. Mas os que
tropeam, e resistem por ignorncia, so os sbios, os justos e os
piedosos.
Deus anuncia que em Cristo ele realiza uma grande obra, a maior
obra da histria universal. Mas, o que se v? Uma pobre e frgil
criancinha carregada, como qualquer beb comum, nos braos de seus
pobres pais. Parece loucura afirmar que a est o Deus Todo-Poderoso.
Que essa a maior revelao de sua sabedoria. Que a salvao da
opresso de todos os poderes do mal se realizar por meio desse
menino. Os sbios do mundo s podem mesmo rejeitar isso como
loucura. Mas, aqui vale a recomendao de Lutero de que precisamos
fechar os olhos e abrir os ouvidos. Ou seja, aqui devemos julgar no
de acordo com nossos sentidos, mas sim, conforme a orientao de
Deus em sua Palavra. O Esprito Santo vem, com essa Palavra, e abre
nossos olhos espirituais para ver a realidade de Deus.
Diante de Cristo e do seu Evangelho, se revelam os pensamentos
dos coraes. Diz Lutero, pessoas aparentemente sbias, justas e
honradas (como os fariseus e escribas do tempo de Jesus) so
expostas, pela luz do Evangelho, como hipcritas e fingidas. Elas
confiam em si prprias: na sua sabedoria, justia e piedade. Por isso,
no podem tolerar o fato de que Cristo o nico Salvador e que

98
PRIMEIRO DOMINGO APS O NATAL

precisam depender inteiramente dele para sua salvao. Por essa


razo, rejeitam a Cristo e combatem e perseguem seu Evangelho.
No podem toler-lo porque no so de Cristo mas do diabo. Lutero
lembra que, onde Cristo no est presente - por mais nobre, elevado,
honrado que possa parecer - ali h fingimento e a presena do diabo.
Mas, alguns aceitam o Rei, se apegam a ele, louvam a Deus e o
confessam como Simeo e Ana. Esses so considerados tolos e
ignorantes pela maioria. Junto com Maria (uma espada traspassar
a tua prpria alma), os cristos sofrem com o desprezo que o mundo
devota a Cristo. Junto com Cristo, eles so, muitas vezes, alvo de
perseguio, maldade e morte. No entanto, com Simeo, eles
encontraram a verdadeira luz e salvao com a qual podem viver neste
mundo e se despedir do mesmo em paz.

SUGESTO DE TEMAS E PARTES

A. OS PENSAMENTOS DOS HOMENS SE MANIFESTAM


DIANTE DE CRISTO
1. Rejeio
Confiana em si: na sua sabedoria. Um Cristo pobre e sofredor
loucura.
Confiana em sua prpria justia e piedade. No reconhecem sua
profunda perdio e a necessidade que tm da justia de Cristo.
Vivem sem Cristo e sem paz e esperana verdadeira.

2. F
Reconhecem a necessidade do Salvador: so pecadores perdidos.
Recebem pela f a justia de Deus em Cristo Jesus.
Louvam e do graas.
Esto preparados para despedir-se em paz.

B. O QUE VOC V NO NATAL?


1. Olhos naturais/fisicos
Vem desgraa, destruio e morte por toda parte.
So olhos que deixam de ver ou se recusam a ver a salvao no
servo sofredor.
Percebem e praticam apenas coisas externas no Natal: festas,
brilho passageiro, enfeites, presentes, votos de uma paz sem Cristo.

2. Olhos da f
So olhos iluminados pelo Esprito Santo agindo por meio da
Palavra.

99
IGREJA LUTERANA

Vem o Cristo, a salvao para todos os povos.


Vem esperana e paz em todas as circunstncias deste mundo
(tambm em meio ao sofrimento).
Vem a morte com tranquilidade, como uma partida em direo
aos braos do Pai fiel.

Paulo Wille Buss


So Leopoldo, RS

100
A VSPERA DE ANO NOVO
VSPERA DO NOME DE JESUS1
Salmo 8, Isaas 51.1-6, Romanos 8.31-39, Mateus 1.18-21

Mateus 1.18-21

O NOME DO SALVADOR

CONTEXTO

A expectativa do povo judeu em relao ao Messias levou a mui-


tas inquietaes a respeito de como seria sua vinda. Nesse relato do
evangelho, chama-nos a ateno a forma que Deus usa para cumprir
seus propsitos. Mateus registra pelo menos dois grandes aspectos
em relao gravidez de Maria e seus desdobramentos legais e o
anncio do nome do Filho de Deus, gerado do Esprito Santo.
Quando Jos descobriu a gravidez de Maria, eles ainda no havi-
am coabitado, ou simplesmente vivido como marido e mulher. Natural-
mente, Jos fica surpreso e ofendido. Jos, sendo um rapaz justo e
observador das Leis do Antigo Testamento, decidiu romper sigilosa-
mente o noivado. Conforme Dt 22.23-27, Maria poderia ser condena-
da morte pelo suposto adultrio, a exemplo da mulher relatada em
Jo 8.1-11. Jos no queria que isso acontecesse e resolveu deix-la
secretamente; todos os direitos de Jos expor Maria s punies da
lei foram superados pela misericrdia! No entanto, um anjo do Se-
nhor o orienta a receber Maria como esposa e a chamar seu filho de
Jesus.

NFASES TEOLGICAS

O fato de Jesus ser gerado do Esprito Santo, sem relao sexual,


liga o nascimento virginal com a doutrina da encarnao. A promessa
em Isaas de que uma virgem daria luz o Messias no era esquecido
do povo. Atravs de Jesus, Deus encarna-se na Histria da humani-
dade, para estar ao lado do ser humano, assumir seu pecado, a mal-

1
Os nomes em itlico correspondem nomenclatura tradicional dos domingos do ano
eclesistico.

101
IGREJA LUTERANA

dio por esse pecado e religar o pecador junto a Deus. A verdadeira


religio, ou seja, a forma de nos religarmos com Deus, somente
pela graa revelada em Jesus. Enquanto que religies espritas, ori-
entais, neopentecostais e demais misticismos do receitas de como
aprimorar a espiritualidade humana, o centro da pregao crist
a encarnao do Verbo Divino! o caminho inverso que Deus usa
para trazer salvao.
O nome Jesus denota essa funo: procedente de =
, o nome de Deus, no antigo Testamento. Jav a Salvao, o mes-
mo que Josu. O nome Jesus era conhecido entre o povo judeu, mas
a indicao do anjo para dar-lhe esse nome significava a importncia
de seu nascimento e de fato aquela criana o Messias! O paralelo
histrico entre o nascimento de Jesus e a libertao do xodo chama-
nos a ateno. Moiss, o representante da Lei, conduziu o povo at a
Terra Prometida, mas no entrou com o povo. Essa funo ficou com
Josu. Jesus vem para salvar o povo. Essa salvao definitiva, pois
consiste em resgatar as pessoas de seus pecados, mediante a oferta
de sua prpria vida. O pecado no tratado levianamente por Deus:
preciso expiar esse pecado. E eis a funo de Jesus: resgatar-nos
da maldio do pecado, fazendo-se maldio em nosso lugar (Gl 3.13).
Isto foi feito de uma vez por todas, no sendo mais necessrios os
sacrifcios dos sacerdotes, pois Jesus mesmo se ofereceu como Sa-
cerdote e como Cordeiro, sem mcula, que recebeu a maldio de
Deus em nosso lugar, e venceu a morte e nos concede a vitria (cf
Hb7.27; Jo 1.29; Rm 8.31-39). Os detalhes do texto relacionados s
leis judaicas, no cuidado em no difamar Maria e exp-la humilha-
o pblica, a citao da profecia do Antigo Testamento mostram a
preocupao de Mateus em deixar claro que Jesus (o Senhor Salva)
o Messias prometido e encarnado na Virgem Maria. A genealogia do
captulo 1.1-17, que inicia em Davi, so provas ou credenciais de
que Jesus o descendente legal de Davi, que reinaria para sempre,
sendo este, o menino anunciado a Jos, descendente Davi! Filho de
Davi era o ttulo oficial que os judeus aplicavam ao esperado Messi-
as (Mt 9.27; 12.23;21.9).

NFASE TEOLGICA

A encarnao de Jesus foi necessria para receber na carne a


maldio dos pecados no s do povo de Deus, mas de todo o mun-
do. O nome de Jesus indica essa funo do Messias encarnado, nas-

102
A VSPERA DE ANO NOVO VSPERA DO NOME DE JESUS

cido de uma virgem, cumprindo as profecias do Antigo Testamento de


Isaas 7.14. Salvar dos pecados significa oferecer um resgate pelos
pecados. Este resgate s foi possvel pela encarnao do Verbo Divi-
no!

SUGESTES HOMILTICAS

I. JESUS, O SALVADOR PROMETIDO


1.1 Gerado do Esprito Santo, nascido de Maria
1.2 Verdadeiro Deus, verdadeiro Homem
1.3 Deus entra na realidade humana

II. O VERBO ENCARNADO


2.1 Deus assume os pecados do povo
2.2 Deus resgata (salva) o povo de seus pecados

NADA NOS SEPARA DO AMOR DE DEUS, REVELADO EM JESUS

Romanos 8.31-39
Deus por ns: significa que foram vencidas as trevas do mundo
visto por Deus e, tambm, as trevas em que o mundo via Deus. O ser
humano, como criatura religiosa, tem contra si Deus e o mundo, a
morte e o pecado. H uma tenso, um contraste em quem no
redimido. O ser humano sempre acusado pela lei! No entanto, este
Deus, que se revela em Cristo, por ns! O prprio Deus no nos
acusa mais. O sofrimento pelo qual passa o homem mostra a condi-
o do homem que est inserido em um cosmos que sofre por cau-
sa do pecado. Toda natureza sofre, pois Deus sujeitou a Criao ao
homem e amaldioou a terra por causa do pecado (Gn 1.26, 3.17). A
morte o salrio que o pecado traz e esse salrio cobrado de todas
as formas. O sofrimento aponta para essa realidade! Mas apesar desta
realidade do sofrimento que acusa claramente a todo o ser humano
sua culpabilidade perante Deus e o mundo, que o condena para a
morte, isso tudo liberto em Jesus, que est ao nosso lado e nada
neste cosmos pode nos separar de seu amor. Todas as provas
que o cosmos oferece contra ns perante Deus, em Jesus, Deus v
a nova realidade: a justificao! A teologia da glria ignora a realida-
de do cosmos entregue ao pecado e sujeita a vontade de Deus ao
bem estar fsico, conquistado atravs da f! Qualquer falha desta res-
posta divina em conceder bnos est relacionada com a falta de
f do crente! A Teologia da Cruz mergulha Jesus na condio mais
desprezvel que o homem pode chegar, a morte com seus sinais para

103
IGREJA LUTERANA

mostrar que Deus est ao lado do ser humano em todas as situaes


e que sobre estas situaes, em Cristo, somos vencedores (oposio
ao cosmos pecador) e nada nos separa do seu amor.
Fomos eleitos a este amor (v.33). Essa eleio, pela f, nos garan-
te que nossa salvao no depende de ns, de nossos esforos,
conquistas ou derrotas, mas que estamos nas mos de Deus! A pre-
ocupao que algumas pessoas tm se so eleitas ou no, apenas
demonstra que j so eleitas, pois se assim no fosse, no se preo-
cupariam. Por isso, melhor o corao buscar refgio em Cristo, que
nos elege pela f! Para Lutero, o prprio Deus expe os seus eleitos
a esta infinidade de coisas assustadoras, descritas por Paulo, para
mostrar aos opositores da f que os seus foram salvos pela f. As
tribulaes e angstias servem para estrangular a sabedoria da car-
ne e no nos perdermos em nossas prprias opinies a respeito de
nossa salvao (Lutero).

DESDOBRAMENTOS

a. Deus por ns em todas as situaes.


b. Somente em Jesus, vemos esse Deus por ns. Fora da f,
tudo nos acusa e confirma nossa culpa.
c. Em Jesus, tudo o que nos acusa perde seu poder, pois Jesus
assumiu nossa culpa, venceu e nos concede essa vitria.

APLICAO PRTICA

Doenas, desemprego, misria, perseguio so situaes em que


o cristo est inserido e no est isento de passar nessa vida! Fora
da f, o homem pergunta: o que fiz de errado? Ou afirma que est
pagando seus pecados. Na f, o homem sabe que apesar de todas
essas coisas, em Cristo, Deus est do seu lado e isso o ajuda a dar
sentido de vida, apesar das tribulaes. Todas as angstias do seu
eu podem ser entendidas e amparadas por Deus, em Cristo. Ento o
cristo faz uma nova leitura das situaes vividas no dia-dia: desde
suas pequenas frustraes at o mais pesado luto, tudo pode ser
reinterpretado luz da f em Jesus, pois Deus por ns e nada
pode nos separar do amor de Deus que est em Jesus!

OBRAS CONSULTADAS

BARTH, Karl. Carta aos Romanos. So Paulo: Novo Sculo, 2000.


-______ Comentrios Bblicos. Trad. Elmer A. Roll. Porto Alegre:
Concrdia, 1998.

104
A VSPERA DE ANO NOVO VSPERA DO NOME DE JESUS

OBRAS SELECIONADAS 8. Interpretao bblica. Princpios. Trad. Luiz


Dreher. So Leopoldo, Sinodal. Porto Alegre, Concrdia. 2003.

Rafael Wilske
Dois Irmos, RS

105
IGREJA LUTERANA

DIA DE ANO NOVO CIRCUNCISO


E NOME DE JESUS
Salmo 116; Gnesis 17.1-4; Glatas 3.23-29; Lucas 2.21

Lucas 2.21

CONTEXTO

A narrativa de Lc 2.21 encontra-se dentro de um contexto de acon-


tecimentos que tem seu trmino no registro do versculo 39 de Lc 2:
Cumpridas todas as ordenanas segundo a Lei do Senhor, voltaram para
a Galilia, para a sua cidade de Nazar. A circunciso de Jesus faz parte
das ordenanas da Lei do Senhor que deviam ser cumpridas. Como
assim? O Senhor devia cumprir ordenanas de sua prpria Lei?
Sim, mesmo sendo o Senhor da Lei, mas dentro do cumprimento
de sua misso vicria a favor da humanidade. A razo de tudo apare-
ce em Gl 4.4,5: Vindo, porm, a plenitude do tempo, Deus enviou seu
Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam
sob a lei, a fim de que recebssemos a adoo de filhos. Por isso, tam-
bm a circunciso de Jesus aponta para o firme propsito de Deus de
trazer salvao humanidade perdida e condenada. O cumprimento
das ordenanas da Lei do Senhor inclui-se na obra de salvao e
faz parte daquilo que conhecido por obedincia ativa de Cristo.

TEXTO

O texto deve ser trabalhado em conjunto com as outras percopes


do dia. A circunciso de Jesus tem importncia dentro de sua obra
vicria, sem dvida nenhuma, pela razo exposta acima, alm de re-
velar mais uma prova da verdadeira humanidade de Jesus Cristo. Te-
mos em Cristo nosso nico e verdadeiro Salvador porque, alm de ser
verdadeiro Deus, tambm verdadeiro homem. Tudo o que cremos e
ensinamos dentro da soteriologia ficar prejudicado se no levarmos
em conta a humanidade do Senhor.
O ponto alto do texto, porm, creio ser o nome dado ao menino:
JESUS. O nome remete-nos pessoa e obra por ele vir a ser realiza-
da. O nome JESUS tem atrs de si toda uma razo para ser usado.
Percebemo-la no exame das demais percopes. Pensemos naquela
criana de oito dias de vida apenas: o que poderia ela fazer? O que
poderia ser esperado daquele ser frgil? A resposta encontra-se no

106
DIA DE ANO NOVO CIRCUNCISO E NOME DE JESUS

nome JESUS. Aquele menino tornaria possvel a todos os povos do


mundo o ser povo de Deus. Ora, ter no seu povo gente de todos os
povos do mundo o desejo de Deus, expresso j na aliana feita com
Abrao, conforme descrito em Gn 17.4: Quanto a mim, ser contigo a
minha aliana; sers pai de numerosas naes. Quando olhamos para
Gl 3.28,29, descobrimos quem so aqueles que fazem parte das nu-
merosas naes que tm por pai a Abrao. Diz Paulo: Dessarte, no
pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem
nem mulher; porque todos vs sois um em Cristo Jesus. E, se sois de
Cristo, tambm sois descendentes de Abrao e herdeiros segundo a pro-
messa.
Os de Cristo, portanto, so os descendentes de Abrao, os her-
deiros segundo a promessa e os pertencentes ao povo de Deus. Que
garantia temos para assegurar que os de Cristo so tudo isso?
Voltemos ao nome JESUS. Foi escolha do prprio Deus, segundo reve-
lao do anjo a Jos, conforme Mt 1.21: Ela dar luz um filho e lhe
pors o nome de Jesus, porque ele salvar o seu povo dos pecados deles.
O nome, portanto, aponta para a pessoa: quem ela, mesmo que, na
circunciso, tivesse apenas oito dias de vida e para a obra que viria a
cumprir.

USO HOMILTICO

Parto da pergunta: O que o texto diz para mim? Aquilo que o


texto me transmite, procurarei levar aos ouvintes no sermo. Sempre
tendo convico de que ele poder dizer outras coisas para os cole-
gas pregadores, registro o que me relevante, esclarecedor, revelador
e consolador. O texto chama-me para examinar os resultados do nome
JESUS na minha vida. Ouo-o novamente em Lc 2.21 e sou desafiado
a olhar para a abrangncia do seu significado para a minha vida em
f. Percebo os seguintes pontos:
1 Como o nome aponta para a pessoa e sua obra, novamente
recordo da minha necessidade de um Salvador. Por causa de nosso or-
gulho e autossuficincia, nem sempre temos presente tal necessidade.
O risco da soberba espiritual ameaa permanente a qualquer cristo,
independentemente de onde atua. Trata-se de uma porta pela qual o
diabo procura entrar para nos afastar do Salvador e da salvao.
2 A ao misericordiosa de Deus diante da minha necessidade:
ele providenciou o Salvador. Seu corao foi movido a me socorrer na
minha misria. Nada tenho para apresentar diante do Senhor que me
desse algum direito de reivindicar seu socorro. Sou socorrido por ele
por causa apenas da sua graa.

107
IGREJA LUTERANA

3 O significado do nome JESUS me diz que ele salvar o seu


povo dos pecados deles. O prprio nome j me diz que no existe
outro salvador. Alm disso, a obra daquele que foi circuncidado ao
oitavo dia prova que ningum mais apresentaria credenciais, poder
ou autoridade para ser salvador. Tal verdade leva-nos a levantar nos-
sa voz contra pregaes que apresentam a possibilidade de salvao
fora de Jesus Cristo. Embora politicamente corretas, so, na verda-
de, veneno, porque apenas mataro, visto que afastam da confiana
total naquele que Deus enviou ao mundo para salvar o seu povo dos
pecados deles.
4 Somos convidados a buscar consolo naquele menino que rece-
beu o nome JESUS. Com os pastores e os magos do Oriente, adora-
mos aquela criana e nela colocamos toda a nossa esperana de per-
do da parte de Deus, de vida como filhos e filhas de Deus e de her-
deiros da promessa de salvao.

Paulo Moiss Nerbas


Porto Alegre, RS

108
Epifania
Salmo 72.1-11; Isaas 60.1-6; Efsios 3.1-12; Mateus 3.1-12

Mateus 3.1-12

VIEMOS PARA ADOR-LO

CONTEXTO LITRGICO

As leituras bblicas (Sl 72.1-11; Is 60.1-6; Ef 3.1-12; Mt 2.1-12)


so textos especiais para uma festividade muito especial da Igreja
Crist: A Festa de Epifania de Jesus Cristo que, a partir do fim do
terceiro sculo, sempre celebrada no dia 06 de janeiro. Epifania
quer dizer revelao ou apario ou manifestao, isto , Cristo se
identifica, se revela e se apresenta ao mundo como o Messias
profetizado no AT, como o Filho de Deus, como o Salvador do mundo.
A Festa de Epifania tambm conhecida como a Festa dos trs Magos
e Natal dos Gentios, em considerao aos Magos do Oriente, os
gentios que vieram procurar e adorar Jesus Cristo.
Epifania faz parte do Ano Eclesistico/ano da igreja/ano litrgico
do Ciclo de Natal, onde est o ano novo da igreja, que se inicia no 1
domingo de Advento e termina com o 6 domingo de Epifania. Alm do
Ciclo de Natal poca que lembra o nascimento de Jesus, a igreja
destaca o Ciclo da Pscoa poca que lembra a morte e a ressurreio
de Jesus; e o Ciclo de Pentecostes que lembra a descida do Esprito
Santo, a Ascenso de Jesus e a ao do povo de Deus em favor da
construo do reino de Deus, e termina com o Domingo da Trindade
(Pai, Filho, Esprito Santo: agindo em favor da redeno da
humanidade).
A Festa de Epifania de Jesus Cristo apenas ser bem compreendida
pelos ouvintes quando for bem explicado este contexto litrgico.

CONTEXTO BBLICO

Embora este estudo examine especialmente o texto de Mateus,


bom ver alguns destaques dos outros textos e seu relacionamento
com a percope da Festa de Epifania, de Mt 2.1-12. O Sl 72 um salmo
que aponta para o Rei e Messias Jesus Cristo, cujo reinado seria justo
e abrangeria o mundo inteiro. Com referncia aos Magos do Oriente,
destacam-se, especialmente, duas afirmaes: os reis [...] lhe
oferecem presentes; todos os reis se prostram perante ele; todas as

109
IGREJA LUTERANA

naes o sirvam. De Is 60, os seguintes destaques: Dispe-te,


resplandece, porque vem a tua luz, e a glria do Senhor nasce sobre
ti... traro ouro e incenso e todos eles anunciaro as grandes coisas
que o Senhor fez. De Ef 3, sublinha-se o seguinte: ... os gentios so
co-herdeiros... (Natal dos Gentios).

O TEXTO DE MATEUS

Como o texto de Epifania (Mt 3.1-12) muito rico em personagens,


fatos, mistrios e surpresas, apontaremos apenas para alguns deles.
Jesus nasceu em Belm Conferir Mq 5.2, Lc 2.4,14. Belm fica
cerca de 8 km de Jerusalm. Onde nasceu o rei Davi.
Magos do Oriente H tanta fantasia acerca dos Magos do
Oriente que difcil distinguir entre mito e realidade (O. Boyer). Disse
tudo. Mesmo assim, algumas: seus nomes seriam Gaspar, Melquior e
Baltazar; eram reis, ou mgicos, ou sacerdotes persas, ou
propagandistas religiosos, ou astrlogos babilnicos, ou sbios.
Impossvel ter certeza. Mas tambm no decisivo. Importante e
decisivo so o seu significado e sua lio: Os gentios (no-judeus)
procuram e querem conhecer e adorar o Salvador do mundo. Isto
Epifania. Natal dos Gentios Cristo nasceu como Salvador para
todo o povo (Lc 2.10,11) tambm para os Magos do Oriente.
Chegaram a Jerusalm a cidade da morada de Deus. a
capital do povo eleito. Aqui est o grande templo de Deus. Era
conhecida por todo o mundo de seus dias. Belm era uma cidade
pequena e insignificante. Por isso os Magos do Oriente vo a
Jerusalm, imaginando que l nasceria o Rei dos Judeus.
Vimos a estrela dele Era uma estrela especial e diferente. Era
estrela dele, isto , estrela de Jesus. Era um sinal especial que
Deus havia revelado aos gentios do Oriente. Esta estrela especial,
Estrela de Jesus, um sinal de Deus que guia e leva os homens do
Oriente para junto do Menino Jesus. Deus sempre tem sinais que
levam Festa de Epifania; presena do Salvador Jesus.
O rei Herodes Foi rei da Judia, dominada pelos Csares romanos.
pai de Arquelau (Mt 2.22), de Herodes Antipas (Mt 14.1) e de Filipe
(Lc 3.1). Rienecker descreve Herodes, o Grande como Gross als Egoist,
als Betrger, als Mrder, als Tyrann and als Verbrecher (como egosta,
enganador, assassino, tirano e criminoso). Ao ouvir falar em
nascimento do Rei dos Judeus, Herodes ficou alarmado, perturbado,
preocupado, desesperado pensando perder seu reinado. Chamou
os telogos para receber detalhes sobre esta notcia horrvel para
ele. E ento, com o seu medo e pavor, tornou-se um grande mentiroso

110
EPIFANIA

ao dizer: ... me avisem, para eu tambm ir ador-lo. Mentiroso! No


quis a Festa de Epifania de Jesus. Queria matar o Rei Jesus.
Viram o Menino A estrela que havia desaparecido em Jerusalm,
reapareceu e parou sobre o pequeno Jesus em Belm. E os homens do
Oriente viram o Menino Jesus. E ao ver o Salvador, o corao dos
sbios do Oriente ficou acelerado, pulsou forte e eles ficaram muito
alegres e felizes. Era o Natal dos Gentios, j anunciado pelos anjos no
nascimento de Jesus: eis aqui vos trago boa nova de grande alegria,
que o ser para todo o povo (Lc 2.10) tambm para os Magos do
Oriente. Eles acabavam de festejar a Festa de Epifania de Jesus.
Ofereceram presentes Os sbios do Oriente, diante de sua
grande alegria e felicidade, de sua reverncia e adorao, tambm
manifestaram a sua f e confiana no Salvador com coisas visveis e
concretas. Eles demonstram sua satisfao espiritual, homenageando
e presenteando o Redentor com ouro, incenso e mirra. Ouro, o metal
mais rico e precioso do mundo. Incenso e mirra riquezas e perfumes
carssimos, oriundos da Arbia (cf. Ct 3.6; Ap 5.8; 2 Cr 26.18). Como
mera curiosidade, h pais da igreja que viram nestes presentes a
seguinte simbologia: Ouro: vendo Jesus como o Rei com coroa de
ouro; incenso: vendo Jesus como o verdadeiro Deus, a quem se
queimava incenso; mirra: por ser amargo, simbolizando o sofrimento
e morte de Jesus na cruz. mera curiosidade.
Ajoelhando-se, o adoraram Este o auge, o ponto alto, a maior
lio do Natal dos Judeus, do Natal dos Gentios, do Natal dos Magos
do Oriente. A Epifania de Jesus se tornou realidade na vida dos sbios
do Oriente. Este era o objetivo, o propsito, a meta dos homens do
Oriente: Adorar o Salvador Jesus! Ao perguntar sobre o local do
nascimento de Jesus, logo justificaram as causas de sua viagem e
procura: viemos para ador-lo. Esta a razo de sua longa viagem,
de seguir a estrela, de chegar em Jerusalm, de ir a Belm, de fugir de
Herodes, de homenagear o Salvador com o que havia de mais precioso
entre os povos: ouro, incenso e mirra. Adorar, na verdade, significa
cultuar, homenagear, venerar e dar a alma e o corao ao Salvador
Jesus. O ajoelhar-se e adorar Jesus significa reconhecer Jesus como
Salvador, crer em Jesus como Salvador, confessar o nome de Jesus como
Salvador pessoal e do mundo. A adorao a Jesus inicia nesta vida e
continuar na vida eterna como o amor.

DISPOSIO

Como sugesto, o seguinte tema e partes.

111
IGREJA LUTERANA

INTRODUO

Explicar bem o que significa Epifania e a importncia da Festa de


Epifania de Jesus. Contextualizar Epifanias dentro do Ano da Igreja,
especialmente no Ciclo de Natal. Relacionar o Natal dos Judeus de
Lc 2 com o Natal dos Gentios de Mt 2. Sempre boa nova de grande
alegria e felicidade. E a Epifania de Jesus sempre culmina com respeito,
venerao, adorao e culto ao Salvador Jesus. Pontos altos da Festa
de Epifania: Jesus se revela como Salvador; os salvos adoram o
Salvador.

Tema: Viemos para ador-lo


I Quem veio adorar Jesus
(Quem? Personagens, sujeitos, pessoas, agentes)
1. Explicar bem o significado de adorao. Exemplos de
adoradores: Mt 4.10; Lc 2.20; Mt 15.25; Hb 1.6; Ap 4.10.
2. No falsa adorao: Herodes, diabo Mt 4.9. Mas como os
Magos do Oriente finalidade, propsito, inteno, objetivo de viajar
e procurar Jesus: Adorar o Salvador Jesus.
3. Aplicao: Nossa vida, nossas devoes em casa, nossos
cultos na igreja, objetivo maior: Crer e adorar o Salvador!
II Por que vieram adorar Jesus
(Por qu? Razes, causas, motivos)
1. Deus os avisou dando um sinal: Ns vimos a estrela dele.
Estrela de Jesus. Sinal de Deus leva a Jesus.
2. No sabemos como, mas eles sabiam: Jesus o Rei dos
Judeus, o Messias e Salvador profetizado (cf. texto percope AT).
3. Aplicao: Deus tem muitos e diferentes sinais para nos
mostrar e conduzir e adorar Jesus. Vontade de Deus: Todos crer e
adorar o Salvador!

III Como vieram adorar Jesus


(Como? Maneira, modalidade, jeito)
1. Com respeito, reverncia, de joelhos.
2. Com grande alegria, felicidade e oferendas: ouro, incenso e
mirra.
3. Aplicao: adorar em nossas devoes e cultos; com alegria e
gratido, com nossas ofertas, como frutos de nossa f e adorao.
Deus quer: crer e adorar o Salvador de todo corao, alma e
entendimento.

112
EPIFANIA

CONCLUSO
- Repetir e sublinhar o significado e importncia de Epifania de
Jesus, destacando os ciclos do Ano Eclesistico.
- Repetir e sublinhar a razo da longa viagem dos magos do
Oriente: Encontrar, conhecer, adorar e confessar o nome do Salvador
Jesus.
- Destacar a leitura da Sagrada Escritura (Biografia de Jesus), das
devoes em casa, dos cultos pblicos de adorao (tambm enfoque
missionrio gentios).
- Lembrar o desejo dos gentios (gregos)
- Senhor, queremos ver Jesus (Jo 12.20)
e dos gentios do Oriente:
- Viemos para adorar Jesus
e ento, em conjunto, confessar a explicao de Lutero sobre o 2
Artigo:
- Creio que Jesus Cristo...

Leopoldo Heimann
So Leopoldo, RS

113
IGREJA LUTERANA

PRIMEIRO DOMINGO APS EPIFANIA


BATISMO DO SENHOR
Salmo 45.2-7, Isaas 42.1, (2-4) 5-7, 1 Corntios 1.26-31, Marcos
1.9-11 ou Mateus 3.13-17

Mateus 3.13-17

NOTA INTRODUTRIA

Estudiosos afirmam que o relato do batismo do Senhor Jesus um


dos eventos mais examinados e interpretados do Novo Testamento.
O relato est nos evangelhos sinticos (Mt 3.13-17; Mc 1.9-11 e Lc
3.21-22) e o quarto evangelho faz referncia em Jo 1.29-34. H se-
melhanas em todas as descries, mas tambm h diferenas que
poderiam dar pano para manga. Nesse estudo, a proposta ficar
restrito ao que o evangelista Mateus relata e revela a respeito do
Filho de Deus e suas implicaes na vida dos pecadores.

CONTEXTO

Joo Batista est em evidncia no incio deste captulo em Mateus.


O evangelista destaca sua pregao, batismo, vesturio e dieta ali-
mentar (3.1-6). Os fariseus e saduceus pretendiam roubar a cena se
colocando na fila para serem batizados. Mas na leitura de Joo Batis-
ta eles no eram dignos, visto que seus olhos estavam to-somente
presos em sua relao genealgica com Abrao. A voz que clama no
deserto no os aceitou, repreendeu-os duramente (3.7-10) e os tirou
da fila, ou ento os colocou no fim dela.
Depois disso, Joo descreve sua misso como preparatria para a
chegada daquele que possui autoridade absoluta e de quem ele no
digno de prestar o mais subalterno servio. A promessa que seu
batismo ser com o Esprito Santo e ele vir para trazer salvao e
julgamento (3.11,12).

O TEXTO

O povo da Judia e arredores havia respondido mensagem


arrependei-vos de Joo Batista (Mt 3.2). O seu batismo era para
arrependimento, mas era necessrio ir em arrependimento para ser

114
PRIMEIRO DOMINGO APS EPIFANIA BATISMO DO SENHOR

convertido da incredulidade f e, assim, ser recebido no povo de


Deus.
Porm, as coisas pareciam ter tomado outro rumo quando Jesus
se colocou na fila para ser batizado. O Filho de Deus vai ao mesmo
lugar, mesma pessoa e com o mesmo propsito: ser batizado. Por
que Jesus precisaria do batismo? Ele precisava se arrepender? Ser
convertido e assim ser readmitido no povo de Deus?
A reao de Joo Batista compreensvel. Ele sugere que seja o
contrrio, pois ele olha para sua condio de pecador. Embora Jo 1.33
aponte para o fato de que at esse momento Joo ainda no sabia
que estava diante do Messias, o contexto anterior aqui e a sua rea-
o mostram para a realidade de que Joo sabia que ele estava dian-
te do Salvador (Mt 1.21) e era ele que viria para batizar com o Esprito
e, portanto, era ele que precisaria se submeter ao batismo.
Joo Batista considerou acertadamente indignos para o batismo
os fariseus e os saduceus. Agora ele pensa que indigno para bati-
zar Jesus. Ele olha para sua necessidade e condio de pecador. Ele
reconhece que ele que precisaria se colocar na fila para ser batiza-
do e se submeter ao Filho de Deus.
Mas na resposta e ao de Jesus se revela a misso do Filho de
Deus. Seu batismo uma concesso ou permisso especial. O Filho
sem pecado se coloca na fila dos filhos pecadores para receber o
batismo de arrependimento. Ele assume o pecado de toda a raa
humana (2 Co 5.21).
Ao se submeter ao batismo de Joo, Jesus estava confirmando a
pregao dele. Ambos estavam participando no convm cumprir toda
a justia. Justia de Deus sinnimo para salvao. So os atos
salvadores do Senhor no Antigo Testamento (Salmo 71.2, 16, 19, 24).
A justia de Deus ser cumprida quando Joo batizar a Cristo e todos
podem ir em f buscar o Reino de Deus e sua salvao (Mt 6.33).
Tentando juntar as peas, a resposta de Jesus poderia ser resu-
mida assim: Jesus foi at Joo para ser batizado, para se submeter
ao batismo que Israel pecador estava se submetendo. Joo fez obje-
o, porque ele sabia que Jesus o Salvador e Juiz de todos no lti-
mo dia. O Filho de Deus esclarece que agora, no tempo presente, sua
ao inesperada deve ser compreendida luz do cumprir toda a jus-
tia junto com Joo. O Reino de Deus se manifestou na histria em
Jesus e o batismo porque ele veio para salvar seu povo dos peca-
dos deles (Mt 1.21).
Jesus sanciona os atos salvadores de Deus pelo povo ao ficar na
fila com os pecadores, tomar o lugar deles e receber de Joo o batis-
mo que os pecadores recebem. Esse o primeiro passo do Senhor

115
IGREJA LUTERANA

Jesus na obra salvadora e que culminar com sua condenao, cruci-


ficao e ressurreio. Mais tarde Jesus realizar o julgamento, a se-
parao e o batismo com o Esprito Santo e fogo do qual Joo falou
(3.17).
Saber disso j seria o suficiente. Mas tem mais. Ao descrever a
descida do Esprito sobre Jesus, Mateus est atestando o cumpri-
mento de profecias do Antigo Testamento (Is 42.1-4; 61.1-9). Aqui a
identidade completa de Jesus revelada. Ele se coloca na fila porque
ele o servo de Deus que trar justificao a todas as naes, espe-
rana, boas novas e conforto para os pobres e os que choram (Mt
11.2-6). Ele tudo (1 Co 1.31).
O quadro se completa quando a voz do Pai ouvida. Jesus o
Filho de Deus por direito de concepo e nascimento (Mt 1.18-25),
mas ele tambm o Filho que veio em lugar do filho pecador Israel
(x 4.22; Os 11.1; Mt 2.15).
O batismo de Jesus vicrio. pelos pecadores e aponta para a
sua morte e ressurreio em lugar dos pecadores. O eco do batismo
cristo est nas palavras do apstolo Paulo em Rm 6.1-4 e Cl 2.11-
13. Agora, o batismo cristo confere a justia de Deus, ou a salvao
realizada em Cristo (1 Pe 3.21).

REFLEXES HOMILTICAS

Deus abriu seu corao para a humanidade e cada indivduo em


particular com Cristo. O que Deus j tinha determinado no mais
segredo. No batismo de seu Filho ele comea a demonstrar como ele
se identificaria com os pecadores e assim assumiria por eles suas
dvidas e punio. Ele se coloca humildemente na fila dos filhos peca-
dores de todos os tempos para manifestar o favor gracioso de Deus
para com todos eles.
O batismo do Senhor Jesus foi o comeo do seu ministrio pblico.
O batismo cristo tambm o incio da vida como um filho salvo de
Deus, que vive em verdadeiro arrependimento e f. Pelo batizado
Jesus entra na fila em seu lugar para interceder junto ao Pai em favor
dele, perdoar, consolar, trazer boas novas, cuidar (Is 61.1-3).

Anselmo Ernesto Graff


So Leopoldo, RS

116
SEGUNDO DOMINGO APS EPIFANIA
Salmo 36.5-10, Isaas 61.1-3, Tiago 1.17-18, Joo 2.1-11

Joo 2.1-11

No entendo de vinhos, nem sou bom degustador. Algum que,


como eu, passa bem sem vinho, poderia pensar: uma pena que
Jesus tenha usado o seu dom divino, to precioso, para fazer um
milagre to pouco til.
Certa vez, algum disse que o Evangelho de Joo como um ana-
ns. um fruto com uma aparncia interessante, embora estranha.
Mas o importante no a parte de fora. preciso tirar-lhe a casca e
depois, ento, que descobrimos um fruto de sabor delicioso. o
que pretendemos fazer neste estudo.

CONTEXTO HISTRICO

Duas palavras so extremamente importantes para o entendimen-


to do primeiro milagre (sinal a palavra usada por Joo) feito por
Jesus: casamento e vinho.
a) Casamento: nos primrdios do NT, o grande acontecimento na
vida social de uma aldeia era o casamento. Os judeus costumavam
realizar a festa de casamento, conforme as circunstncias, ou na casa
dos pais da noiva (o mais comum) ou dos pais do noivo, ou ainda na
prpria casa do noivo. Geralmente os festejos duravam vrios dias,
at uma ou duas semanas, embora em escala reduzida aps o pri-
meiro dia de festa, que era o principal. Ento, o casamento era, em si
mesmo, um grande evento!
Mas lembremo-nos tambm que, na Escritura, o casamento huma-
no serve vrias vezes para ilustrar a relao que h entre Deus e o
seu povo. Diversas vezes o AT nos fala de Deus como o marido de
Israel, a amada do Senhor (ex: Ez 16.8). Deus quer que Israel e o
mesmo podemos dizer da Nova Israel, que a Igreja viva numa
perfeita unio e fidelidade com Ele, como idealmente uma esposa vive
unida ao seu marido. Um grande evento na vida de todos ns: nossa
unio com o Senhor!
num casamento que Jesus d incio aos seus milagres. em
nosso casamento com o Senhor que sentimos seu amor por ns, em
meio aos milagres que presenciamos.
b) Vinho: o vinho no apenas fazia parte das festas de casamen-
to. Era tambm um smbolo de alegria e felicidade. Se fisicamente

117
IGREJA LUTERANA

aqueles convidados j haviam bebido bastante, espiritualmente ain-


da no haviam experimentado uma sensao de saciedade.
O judasmo daqueles dias era uma religio de rituais, leis e mais
leis. Um fardo pesado. Assim, os judeus viviam oprimidos com a idia
do pecado. Tudo era pecado e os mestres da lei e os chefes religiosos
pareciam apostados em tornar as coisas cada vez mais complicadas.
Inventavam ritos e regras para explorarem os sentimentos de culpa-
bilidade das pessoas. As lavagens de purificao so um bom exem-
plo disso. Purificavam continuamente as mos, as louas, as roupas,
a sua cama, a sua casa. No lhe chamavam gua-benta, mas ela
era vista por todos os lados... Como bem expressa Lutero, era uma
pureza buscada pelas obras, sem f, a pureza que jamais purifica o
corao, antes o polui ainda mais.
Jesus, porm, muda o cenrio. Transforma a gua das purificaes
em vinho da melhor qualidade. Faltava vinho ao povo de Israel. Falta-
va a alegria e a felicidade de encontrar um Salvador, algum que os
libertasse dos pesados fardos. Somente o Messias podia faz-los beber
desse vinho. A gua j no est em talhas. Ela se tornou vinho, foi
distribuda, bebida e alegrou os coraes (Lutero). Enquanto as ta-
lhas tinham medida (metretas), o dom do Esprito seria derramado
em abundncia (sem medida Jo 3.34). A gua da antiga Lei d
lugar ao Esprito da nova aliana.

TEXTO MEDITAO PRTICA / PONTOS DE CONTATO

V. 1: Almeida equivoca-se em dizer trs dias depois. NTLH mais


precisa: dois dias depois, ou, no terceiro dia. H claramente uma
aluso ressurreio, outra manifestao divina de Jesus em seu
ministrio: no terceiro dia houve npcias de quem? As de Cristo
com a sua igreja. Coincidncia? No! Providncia! Outro bonito deta-
lhe nos mostra que as bodas aconteceram em Can, distante cerca
de 6 km de Nazar, onde Jesus haveria de ser rejeitado. To prxi-
mos e to distantes!
V. 2: Por que Jesus esteve no casamento? Porque havia sido
convidado. E ele aceitou o convite. Quantos hoje esquecem de in-
cluir Jesus em sua lista de convidados! Antes mesmo de nomes im-
portantes da sociedade, antes mesmo dos pais e familiares, o nome
Jesus deve estar presente. Foi a presena de Jesus que salvou
aquelas pessoas de um momento altamente embaraoso. Observe
tambm a ordem natural em que Joo apresenta as pessoas: Maria,
Jesus e os discpulos. Aps o milagre, aps a manifestao divina,

118
SEGUNDO DOMINGO APS EPIFANIA

aps os discpulos terem crido a ordem invertida: JESUS, Maria e


os discpulos.
V. 3: Mesmo quando Jesus est presente, os problemas aconte-
cem (teologia da cruz!). Jesus estava presente, mas o vinho acabou
na hora da festa. Os problemas acontecem, mas eles podem ser re-
solvidos pela presena do Salvador. Maria sabia disso. No ficou pa-
rada e no guardou o problema para si. Por isso, levou o problema a
Jesus. Esta outra lio importante: recorrer pessoa certa na hora
da crise. Buscar ajuda onde no h soluo o mesmo que caminhar
para mais longe da felicidade. Jesus a pessoa certa na hora da
crise. Levemos nossos problemas a Ele.
Vv. 4 e 5: A resposta de Jesus no foi um desacato autoridade
materna. Acontece que aqui simplesmente no entram os direitos
naturais de me. Jesus est sujeito vontade do Pai, no de Maria.
Ela mesma reconhece isso, demonstrando sua confiana no que Je-
sus faria, dando ordens aos funcionrios ela cria realmente ser a
me do Messias. O apelativo Mulher importante Maria aqui a
mulher de Gn 3.15. A hora da qual fala Jesus a revelao da sua
natureza divina, o cumprimento da sua misso pelos homens. Cruz e
tmulo vazio ali que a hora se cumpre. Mas, de certa forma, h um
lampejo dessa manifestao j em Can.
V. 6: Duas ou trs metretas para cada talha significava entre 80 e
120 litros de gua. Muita coisa! Curioso que, para um casamento,
era talha demais e vinho de menos! Um sinal da tendncia do povo
judeu com relao s purificaes. De 500 a 700 litros de gua para
purificaes transformados no melhor e mais puro vinho!
Vv. 7 e 8: Jesus ordena aos serventes encher de gua as talhas.
Essa ordem parecia absurda. Eles poderiam ter questionado, dizen-
do: Senhor, ns no estamos precisando de gua. O que est faltan-
do aqui vinho! Mas eles no questionaram obedeceram! Aps,
Jesus pede-lhes que levem um pouco daquela gua ao mestre-sala.
Novamente eles no relutam, nem duvidam, nem pensam no mico
que iriam pagar; eles simplesmente pem em prtica as ordens de
Jesus. Deixam a razo de lado para se colocar no mbito da confian-
a. Ainda que paream estranhas e absurdas as palavras de Jesus,
deixe de lado o que voc acha e simplesmente confie.
Vv. 9 e 10: Quando Jesus est presente, mesmo que apaream
dificuldades, o melhor sempre vem depois. Notemos que a opinio do
mestre-sala imparcial, pois ele nem sabia de onde viera o vinho. E
ele diz que o melhor vinho fora servido por ltimo, o que normalmente
no acontecia. No so milagres meia-boca, do tipo que observa-

119
IGREJA LUTERANA

mos na televiso, em horrio nobre (cura de nariz entupido, dor no


brao, dor de cabea, etc.). So milagres de amor, de bnos magn-
ficas Jesus sempre tem o melhor a dar para ns, tanto para o corpo
como para a alma.
V. 11: o versculo-chave do nosso texto. Jesus no quis e no
quer ser reconhecido como um milagreiro de grande fama. Ele quer
ser crido e adorado. Ele Deus, Salvador, o Messias. Nos milagres
Jesus manifesta a sua glria de verdadeiro Deus, os discpulos crem
nele e o seu amor salvador fica escancarado. Afinal, Ele sensvel s
necessidades de seu povo.

CONTEXTO LITRGICO

Os textos so do 2 Domingo aps Epifania, perodo que lembra-


mos a manifestao de Jesus como Deus e Salvador no apenas dos
judeus, mas de todos os povos da terra. Jesus o Salvador que mos-
tra seu poder e amor pelos pecadores. Isso fica evidente nas demais
leituras: o Senhor cuida das pessoas, saciando-as com a comida e
bebida, e tambm com seu amor, justia e fidelidade (Sl 36.5-10); o
Senhor o Salvador do seu povo, trazendo nimo, liberdade e alegria
aos oprimidos (Is 61.1-3); todas as bnos que recebemos, materi-
ais e espirituais, vm do alto tm sua origem em Deus e so mila-
gres dele (Tg 1.17,18).

SUGESTO HOMILTICA

O Primeiro de Muitos

INTRODUO

Pessoas costumam buscar milagres! Qual o objetivo disso? Em


portas de templos l-se: Hoje noite Sesso de Curas e Milagres.
De quem a glria nisso tudo? Certamente no de Jesus!
O evangelho de hoje nos conta o primeiro de muitos milagres fei-
tos por Jesus. (contar e explicar o texto)

O milagre da transformao da gua em vinho, realizado no casa-


mento em Can, nos mostra que Jesus:
a) Deus e governa tudo
- (Sl 36.5,6; Tg 1.17,18)
b) nos ama e sensvel s nossas necessidades
- materiais (Sl 36.8,9; Tg 1.17) = transformou a gua em vinho

120
SEGUNDO DOMINGO APS EPIFANIA

- espirituais (Is 61.1-3; Tg 1.18) = manifestou sua glria e operou


a f nos discpulos

c) o verdadeiro objeto da nossa f, o nosso Salvador


- a cruz a grande prova
- o tmulo vazio a coroa dos milagres
- os milagres de Jesus nos levam a crer nele (Jo 20.30,31)

CONCLUSO

Algum desafiou um cristo: Aponte-me agora mesmo um mila-


gre. Respondeu o cristo: Aponta-me, no universo de Deus e na tua
vida, o que no seja milagre.
A nossa vida, em si, j um milagre. As coisas que recebemos
tambm. Nossa vida espiritual, a f, o perdo dos pecados, a salva-
o milagres divinos!
O primeiro de muitos milagres, o de Can, nos aponta para Cristo.
Ele nosso Deus, nosso Salvador. Amm.

Jlio Jandt
Curitiba, PR

121
IGREJA LUTERANA

TERCEIRO DOMINGO APS EPIFANIA


Setuagsima
Salmo 92.1-7, xodo 15.1-13 (14-18), Efsios 1.15-23, Mateus
8.23-27

Mateus 8.23-27

A nfase desse perodo do ano da igreja , especialmente, volta-


da para a misso. Assim como Jesus revelou seu poder e glria na
sua poca, somos chamados a proclamar isso ao mundo todo. Princi-
palmente em uma poca de to grande turbulncia. Todas as estrutu-
ras de nossa sociedade esto abaladas. Tudo aquilo que nos foi ensi-
nado como certo e seguro tem se revelado como incerto e instvel.
Hoje no h mais a famosa diviso entre pases ricos e emergentes.
No h mais lugar seguro, no h mais garantia de futuro e estabili-
dade. A palavra de ordem turbulncia. Assim, a Epifania de Jesus
torna-se urgente, pois s ele pode trazer estabilidade em um mundo
que caminha para o caos social, poltico e econmico.
num contexto parecido com o nosso que Jesus se manifesta ao
mundo. Se, por um lado, a paz imposta pelo Imprio Romano trazia
relativa tranquilidade a alguns, a opresso, a misria e o preconceito
destrua a vida de muitos. Ali Jesus se revela na vida de muitas pes-
soas desesperadas e desanimadas. Essa Epifania acontece quando
Jesus vai ao encontro de pecadores, leprosos, possessos, pobres e
outros sofredores. Ele demonstra seu poder e glria divinos. Cristo
manifesta atravs dos sinais e do perdo que Ele a nica esperana
para aquelas pessoas e para o mundo inteiro.
O contexto do evangelho desse dia traz essa manifestao na
vida de muitas pessoas. Logo aps o Sermo do Monte, Jesus come-
a sua peregrinao pela regio: no captulo 8 encontra-se com um
leproso, um centurio romano, a sogra de Pedro entre outros tantos.
Tudo corria bem, as multides viam as maravilhas de Jesus e queriam
segui-lo, no para serem discpulos, mas para receberem as bnos
que ele tinha a oferecer. nesse contexto que se desenrola o relato
da travessia do mar da Galilia.
Esse relato tambm faz parte da revelao de Jesus como Senhor.
Aqui os discpulos aprendem uma lio rdua: seguir Jesus no signi-
fica apenas ver seus prodgios e gozar da fama dele. Ao permitir que
seus discpulos enfrentem a tempestade, Jesus lhes mostra que no
basta estar ao seu lado, mas que preciso confiar e buscar o seu
auxlio. Ele ensina que os seus discpulos no diferem dos outros,

122
TERCEIRO DOMINGO APS EPIFANIA

mostra-lhes sua fragilidade e dependncia. Aqui os discpulos esto


sendo preparados para as turbulncias que enfrentaro durante toda
a sua vida de testemunhas do evangelho. Jesus manifesta aqui o seu
poder para que eles sempre confiem nele e no em qualquer outra
coisa nesse mundo.
Nesse perodo de turbulncia em que vivemos, esse texto vem
ao encontro do anseio de todos. Onde encontrar segurana? Como
garantir nosso futuro? Como ser daqui para frente?
A lei se manifesta ao mostrar nossa fragilidade e tambm a tenta-
o de buscar segurana em coisas terrenas. Quantas pessoas pen-
savam estar seguras investindo nas bolsas de valores ou em seus
empregos? Quantos se acham seguros na sua fora ou em suas obras?
Quantos cristos se escondem atrs da frase: sou luterano pen-
sando que o simples pertencer ou ser scio da igreja lhes garante
estabilidade e salvao? Essas pessoas precisam ser questionadas:
E quando a bolsa cair, quando seu emprego desaparecer, quando sua
sade e prosperidade acabarem, quando a autossuficincia for aba-
lada, o que ser de voc?
A boa notcia que Jesus est do nosso lado. Ele est pronto para
estender as mos e nos ajudar. O mais importante que, apesar da
instabilidade do mundo em que vivemos, Jesus continua o mesmo. Ele
o Senhor, est no controle de tudo. E esse Jesus nosso amigo! Ele
nos deu a sua vida, sofreu, derramou o seu sangue e venceu a morte
por ns. Esse Jesus quer se revelar profundamente em nossa vida
para que, estejamos em tempo de estabilidade ou em tempos de
turbulncias, possamos estar seguros do seu amor e da sua prote-
o.
Cada cristo tem a oportunidade de compartilhar essa revelao
com muitas pessoas. Muitos sofrem por no ter esperana, por ter
perdido tudo em que confiavam. Pessoas a nossa volta esto vazias
de sentido em sua vida. Esto desesperadas em busca de segurana
e paz. Tudo isso ns temos em Cristo e temos a graa de sermos
mensageiros desse amor e desse poder revelado no evangelho.

SUGESTO DE USO HOMILTICO

Assunto: Confiana
Objetivo: Refletir sobre a realidade do mundo em que vivemos
e levar todos a depositarem toda sua confiana em esperana na-
quele que o Senhor, Jesus Cristo. Motivar a igreja para que seja
instrumento da Epifania de Jesus ao mundo.
Tema: Busquemos segurana em Jesus

123
IGREJA LUTERANA

INTRODUO

O contexto dos discpulos em meio tempestade, suas dvidas,


seus medos e angstias. A ao de Jesus que os livra da tempestade
dando-lhes segurana apesar da fria do mar.
1. Quais so as tempestades que enfrentamos hoje?
- Refletir sobre a nossa realidade
- Onde estamos buscando segurana?

2. Quem pode nos dar paz e segurana?


- Somente Jesus
- Porque ele o Senhor, como vemos em Efsios 1.15ss.

3. Como podemos viver essa segurana?


- Confiando. Mt 8.26
- Atravs dos meios da graa
- Testemunhando. Sl 92.1-7

CONCLUSO

Busquemos sempre a segurana em Jesus, pois s nele podemos


ter paz mesmo em meio s turbulncias do mundo. Levemos essa
Epifania a todos para que a paz de Cristo chegue a todos os cora-
es.

Cezar Schuquel
So Leopoldo, RS

124
QUARTO DOMINGO APS EPIFANIA
Sexagsima
Salmo 1, Deuteronmio 7.6-9, 1 Corntios 1.4-9,
Mateus 13.24-30(36-43)

Mateus 13.24-30(36-43)

Olhando o contexto, vale lembrar que este texto est em Mateus


13. H pouco Jesus havia contado a parbola do semeador com a
respectiva explicao, a parbola do joio, do gro de mostarda, do
fermento (farinha-trigo), por que falar em parbolas e a explicao da
parbola do joio.
Ao olhar para as duas parbolas, do semeador e do joio, vemos
que a nfase est em pontos diferentes: na parbola do semeador, a
nfase recai sobre o tipo de recepo dada semente pelos vrios
tipos de solo. Na parbola do joio, a nfase reside sobre a semeadu-
ra, o tipo de semente e a separao do trigo e do joio no tempo
devido. Numa a nfase est em quem recebe a semente, na outra no
tipo de semente lanada ao solo e no procedimento a ser adotado
at a colheita.
Nesta parbola fica evidente a necessidade de limpeza, de pure-
za; nada passar sem ser notado pelos anjos de Deus! Est evidente
a condenao dos no-crentes, fogo eterno. Est evidente que o tri-
go recolhido estar no celeiro de Deus, crentes em Cristo na morada
eterna com Deus! Isto com respeito ao dia do juzo final, mas at l o
lembrete a todos os crentes a pacincia, pois a impacincia pode
causar grande estrago na igreja crist. O julgamento humano no
suficientemente preciso: deixai! Sim, deixai. O julgamento de todos
cabe a Deus.
Deixai! Este o grande desafio. O desafio de conter a fria, a
sede de justia humana, no levando em conta que tambm estamos
sob o mesmo olhar. Quem est de p veja que no caia [...], no vos
torneis pedra de tropeo [...], etc. preciso ser especialista em ser
humano para fazer uma distino correta do que de fato trigo e o
que joio. O especialista Deus mesmo!
Outra nfase a verdade de que o diabo tambm semeia. E se-
meia na calada da noite, sem que ningum perceba. Quando v, o
joio est l. Neste sentido, averiguar a procedncia da semente
importante. Isto vem de Deus ou no? preciso confrontar com a
verdade bblica toda e qualquer idia humana disfarada de divina! A

125
IGREJA LUTERANA

teologia precisa permanecer cristocntrica. bem verdade que talvez


o mesmo tanto, ou mais sementes so lanadas pelo diabo no cora-
o humano.
Ainda, enquanto no acontece a colheita, o deixai no pode ser
ponto de fuga para no combater as pragas que se instalam no reba-
nho: legalismo, falsa doutrina, pecado manifesto, etc. diferente no
poder distinguir entre joio e trigo do que ser conivente com joio ma-
duro e crescido dentro da igreja. Lembrando que Jesus disse: pelos
seus frutos os conhecereis!
Neste sentido, h joio coletivo e joio pessoal. Em ltima anlise,
joio aquilo que no procede de Deus. Portanto, nossos erros, nos-
sas falhas, nossos enganos, pr-julgamentos so joio. A limpeza da
lavoura pessoal possvel mediante arrependimento, perdo, f; Cris-
to a salvao da lavoura! E isso processo dirio, limpeza diria. A
limpeza j ocorre agora. Aos hipcritas resta justia divina no fim dos
tempos, aos verdadeiramente crentes o conforto do celeiro divino
agora e no porvir. J e ainda no! A distino final cabe a Deus mes-
mo, pois ns podemos errar, e no raras vezes.

SUGESTO DE USO HOMILTICO

Assunto: Colheita no fim dos tempos e limpeza no presente

Objetivo: Levar o ouvinte a fazer uma anlise diria do que pro-


cede de Deus (boa semente trigo) e do que procede do diabo (se-
mente ruim joio), e a necessidade de no predominar a justia hu-
mana na igreja crist, mas sim a divina.

Tema: Consultoria

DESDOBRAMENTOS

Introduo
Para que haja certeza quanto qualidade e procedncia das se-
mentes, preciso consultar um especialista: Deus. Somente na pala-
vra e sacramentos podemos ter certificado de procedncia e qualida-
de. E nesta palavra que encontramos parmetros para fazer distin-
o entre boas e ms sementes. Deus quem estabelece o parmetro.

 Consultoria divina gratuita;


 Consultoria gratuita pelo fato de ser paga pelo prprio Deus;

126
QUARTO DOMINGO APS EPIFANIA

 O consultor mostra a realidade da existncia do diabo, do infer-


no, do joio;
 O consultor mostra a realidade de que h muito joio na nossa
vida, no s na vida dos outros;
 O consultor pede pacincia e cautela para no causarmos da-
nos plantao por causa de julgamentos precipitados;
 Continuar firmes na f trabalhando no reino, evitando as pra-
gas, porm confiando no julgamento divino que j est estabeleci-
do: quem cr em Cristo ser salvo!

Marco Antnio Meyer Jacobsen


Canoas, RS

127
IGREJA LUTERANA

QUINTO DOMINGO APS EPIFANIA


Quiquagsima
Salmo 34.17-22, Isaas 50.4-7 (8-9),
1 Corntios 13.1-13, Marcos 8.31-38

Marcos 8.31-38

Salvo casos de hipocrisia artstica, as palavras so expresses de


nosso eu. Elas no so produtos desconexos de nosso ser, como se
tivessem vida e sentimentos prprios. So, na realidade, nossas ex-
presses e sentimentos. Pode-se afirmar que, nas palavras, ns che-
gamos a ser aquilo que j somos.
As palavras de Pedro o conduziram a duas situaes totalmente
opostas. Inicialmente, quando confessa que Jesus o Cristo (Mc 8.29),
Pedro se torna boca do prprio Deus. Marcos silencia quanto reao
de Jesus, porm Mateus relata que o Senhor o chama de bem-aventu-
rado. Na sequncia narrativa de Marcos, Pedro deixa de ser boca de
Deus para ser boca do prprio Satans. Talvez Pedro, quando confes-
sa o carter messinico de Cristo, estivesse pensando numa forma
judaica de liderana ou num jeito poltico de governo. Isso justificaria
a drstica mudana de seu posicionamento. Porm, Jesus afirma que
Pedro falou a partir de uma revelao do Pai (Mt 16.17). Portanto,
mesmo que a expressividade de sua f esteja marcada por dvidas e
concepes errneas, a legitimidade desta f atestada. O que pa-
rece melhor explicar esta situao a doutrina to prezada por Lutero
da simultaneidade do justo e do pecador na mesma pessoa. As pala-
vras de Pedro so revelaes do contedo central do ser de um cris-
to.
Jesus inicia a percope trazendo o anncio sobre sua paixo e morte
e, a partir das palavras infelizes de Pedro, chama reflexo o carter
do discipulado.
V. 31: Este o primeiro dos trs anncios da paixo que do o
ritmo a esta seo do Evangelho de Marcos (cf. 9.31-32; 10.32-34).
notvel que Jesus usa a expresso Filho do Homem como
autoidentificao, pois na tradio apocalptica, especialmente em
Daniel, o Filho do Homem concebido como o agente de libertao e
de julgamento salvfico definitivo de Deus na histria. O Filho do Ho-
mem tambm o servo sofredor que sofrer muitas coisas (polla. paqei/
n) e ser rejeitado (avpodokimasqh/nai). Os agentes do sofrimento e da
rejeio so tipificados pelos ancios, principais sacerdotes e escribas,

128
QUINTO DOMINGO APS EPIFANIA

os fiscais da f que constantemente o visitavam para verificar suas


aes. Mas, sabemos que era o pecado de todos ns que Jesus car-
regava sobre si na morte de cruz. O sofrimento, rejeio e morte no
so, no entanto, as palavras finais sobre seu destino. conjunta-
mente anunciada a vitria: e que, depois de trs dias, ressuscitas-
se.
V. 32: Marcos, em sua caracterstica de simplicidade e sinceridade,
destaca que Jesus expunha isto claramente (parrhsi,a = claramente,
abertamente, com franqueza no falar). Esta clareza no bem recebida
por Pedro, que passa a repreend-lo (evpitima/n = censurar, advertir).
Essa repreenso se contrape do versculo seguinte, na qual Je-
sus quem repreende a Pedro.
A atitude de Pedro levanta algumas dvidas sobre sua motivao.
comum que se afirme o estratagema de Satans para desviar Jesus
de seus propsitos redentores e isto certamente verdade. Porm,
a sequncia narrativa descreve um discurso de Jesus sobre as
consequncias do ato de segui-lo. Assim, a afirmao de Pedro no
deriva tanto da incapacidade de compreender o destino sofredor do
Messias, quanto do medo de ficar envolvido com o seu destino. Essa
uma questo que exige uma deciso radical: o projeto de Deus
passa pelo caminho da cruz.
V. 33: Quando Jesus chama Pedro para ser pescador de homens
(Mc 1.17), a ordem para ele e seu irmo era Deu/te ovpi,sw mou (Vinde
aps mim). Agora, a expresso utilizada {Upage ovpi,sw mou (Arre-
da Cfe ARA). Trata-se, portanto, de uma similaridade entre as ex-
presses. A diferena est no primeiro termo da ordem: Deu/te =
Vinde / Upage = V embora. Podemos imaginar o profundo sentimento
de tristeza de Pedro ao ouvir palavras que apontavam para sua in-
dignidade em ser discpulo do Senhor (pelo menos enquanto pensas-
se de acordo com Satans).
Vv. 34-38: Jesus inicia suas palavras com Ei; tij qe,lei (se algum
quer). uma expresso condicional. As condies para seguir a Jesus
(ovpi,sw mou) a autonegao e aceitao da cruz. Porm encontra-se
aqui uma impossibilidade do ponto de vista humano, visto que a nos-
sa natureza nos impele ao impulso de autoconservao. Faz-se ne-
cessria a interveno do Esprito Santo.
O tratamento superficial do livre arbtrio o remete esfera do po-
der fazer aquilo que se quer. Quando se trata de questes espirituais,
no entanto, preciso que se remeta o arbtrio ao nvel profundo, que
esfera do prprio querer. Pode-se alterar o prprio querer? evi-
dente que a resposta no. Quando fazemos uma escolha, porque
a nossa natureza escolhe. O que no podemos escolher alterar a

129
IGREJA LUTERANA

nossa natureza. somente com a manifestao do Esprito Santo


que o querer pode ser mudado. Com isso se tornam compreensveis
os paradoxos: quem salva a vida, a perde; quem perde a vida, a
salva. Quando o Esprito cria em ns tamanho amor a Jesus a ponto
de anular a natureza egosta e autocentrada, o discpulo pode tomar
a cruz e segui-lo na alegria da redeno.
comum encontrarmos a associao indiscriminada da cruz re-
ferida neste texto com doenas, perda de emprego, etc. Porm, a
menos que tais eventos estejam associados com as decorrncias do
testemunho, comete-se uma forte extrapolao do texto. Por outro
lado, a pregao hodierna passa ao largo da cruz e da consequente
negao de si mesmo. A religio torna-se, em processo acelerado, um
meio de afirmao dos prprios interesses. No se busca os prprios
interesses afastado de Deus; usa-se Deus para a satisfao de inte-
resses pessoais. A questo muito sria, pois o olhar sobre a cruz do
discipulado dirigido ao futuro, ao Filho do Homem que vem na glria
do Pai com seus santos anjos como o juiz definitivo.

SUGESTO DE USO HOMILTICO

Assunto: A cruz como aspecto central do discipulado cristo.


Objetivo: Levar os cristos a buscarem no amor de Jesus a fora
para a autonegao e a aceitao da cruz.
Tema: Aquele que carregou a cruz nos capacita a carregar a nos-
sa.

Esboo
1. O plano da Salvao passa pela cruz de Cristo.
2. O discipulado passa pela cruz do testemunho.
3. A cruz do testemunho passa pela autonegao.
4. A autonegao passa pela transformao operada pelo Esprito
Santo.

Lademir R. Petrich
Juiz de Fora, MG

130
TRANSFIGURAO DO SENHOR -
LTIMO DOMINGO APS EPIFANIA
Salmo 84.1-10; xodo 24.4b-18; 2 Pedro 1.16-21 ou
2 Corntios 4.6-10; Lucas 9.28-36

Lc 9.28-36; (Mt 17.1-8); 2Pe 1.16-21

INTRODUO

O ltimo domingo do perodo de Epifania, a revelao de Jesus.


O que aprendemos durante esse perodo sobre Jesus? Quem Je-
sus? a pergunta que se coloca tambm para ns, como teste final.
Esta pergunta precede nosso texto. Aps trs anos de instru-
o, Jesus pergunta a seus discpulos: Quem dizem as multides que
sou eu? (v.18). Os discpulos conheciam as respostas da multido.
Tambm ns conhecemos hoje as muitas respostas que podemos
conferir na mdia. Um emaranhado de respostas que colocam em d-
vida as afirmaes da Bblia e confundem as pessoas. Jesus coloca
uma pergunta ainda mais incisiva diante de seus discpulos: Quem
dizeis vs que eu sou? (v.20).
O apstolo Pedro respondeu em nome dos discpulos: Tu s o
Cristo, o Filho do Deus vivo (v.20). Ao que Jesus respondeu: Bem-
aventurado s, Simo Barjonas, porque no foi carne e sangue que to
revelaram, mas meu Pai, que est nos cus (Mateus 16.17).
Aps isso, Jesus comeou a falar do seu sofrimento e de sua
morte de cruz. Os discpulos no entenderam. Jesus deu ainda mais
um passo e falou sobre o seu reino aqui na terra e lhes diz: Se al-
gum quer vir aps mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz
e siga-me (v.23). Estes foram os trs fatos marcantes que antecede-
ram a transfigurao: a confisso dos discpulos de ser ele o Messias,
o anncio de sua paixo e morte, e a afirmao de que seu reino um
reino sob a cruz.
Mas, apesar da profunda humilhao, de sua morte prxima, e
de ser o seu reino um reino sob a cruz, Jesus o Rei dos reis, Senhor
dos senhores, que vir em glria para julgar vivos e mortos. Para
fortalecer a confisso dos discpulos, Jesus revela a trs deles a sua
glria celestial, e isto para fortalecimento tambm de nossa f. Va-
mos contemplar a Transfigurao. 1) A glria da pessoa de Jesus. 2) A
misso de Jesus reafirmada por Moiss e Elias, que falam com ele. 3)

131
IGREJA LUTERANA

A voz do Pai que confirma ser Jesus o seu Filho, a quem devemos
ouvir.

1. A GLRIA DE PESSOA DE JESUS

Nosso texto relata sobre um episdio que aconteceu entre


quatro a cinco meses antes da morte de Jesus em Jerusalm, portan-
to no final do seu ministrio de trs anos. Era sua despedida da
Galilia.
Aps uma semana de rduo trabalho, Jesus se retira para orar.
O texto diz: Ele subiu ao monte. No diz qual o monte, provavelmen-
te ao monte Hermon1, mais ao norte, que tinha uma altitude de 2.796
metros acima do nvel do mar. Montes, na Bblia, so lugares usados,
muitas vezes, para o encontro com Deus.
Jesus deixou sete dos seus discpulos ao p do monte e s
levou consigo trs deles: Pedro, Joo e Tiago. Por que s trs e por
que s estes? No sabemos. A eles foi dado ver, para que atravs
deles, todos pudssemos ver.
A subida foi rdua. Aps uma caminhada por mais de uma hora,
a vegetao terminou. O resto da caminhada era somente entre pe-
dras. J era noite. E ento chegaram ao alto. Ali havia neve, que bri-
lhava branca na luz das estrelas.
Jesus escolheu um lugar para descansar e ento se retirou
para orar.
Enquanto orava, diz o texto, a aparncia do seu rosto se trans-
figurou e suas vestes resplandeceram de brancura.
Com estas palavras, o evangelista relata em que consistiu a
transfigurao. Sua aparncia se transformou. No no sentido como
se ele fosse despir-se de sua natureza humana, aceitando um corpo
celestial. No! Na transfigurao, Jesus permaneceu verdadeira pes-
soa humana. Assim como ainda hoje, em sua glria, ele verdadeira
pessoa humana, conforme concebido da virgem Maria. A transfigura-
o consistiu em que seu rosto humano brilhasse e suas roupas res-
plandecessem como alva l, ou branca neve. De onde veio este res-
plendor celestial? Marcos afirma que ele se transfigurou diante deles.
Esta transformao no veio de fora, mas de dentro dele. A saber, ele
deixou sua natureza divina resplandecer. Ele deixou, por alguns mo-

1
A antiga tradio indicava o monte Tabor, mas o historiador Josefus afirma que ali havia
uma fortaleza romana, que impedia o acesso ao monte. Por isso conclumos que Jesus
subiu no monte Hermon.

132
TRANSFIGURAO DO SENHOR - LTIMO DOMINGO APS EPIFANIA

mentos, sua humilhao, e resplandeceu em sua glria divina. Ali es-


tava Jesus, verdadeiro Deus, gerado do Pai desde a eternidade e
tambm verdadeiro homem, nascido da virgem Maria. No simples-
mente um esprito superior ou iluminado, mas verdadeira pessoa, Deus
e homem. Nele, afirma o apstolo, residia toda a plenitude da divinda-
de (Cl 1.19).
Essa transfigurao aconteceu para firmar os discpulos e todos
ns na f. Em primeiro lugar, era um testemunho para confirmar a
confisso de seus discpulos de que Jesus era o verdadeiro e unignito
Filho de Deus, e assim um testemunho para todos ns. Era um pre-
nncio tambm de sua glria futura. Um dia, quando o Filho do ho-
mem vier sobre as nuvens para julgar vivos e mortos, todos vero a
sua glria. Pois os discpulos ainda no tinham clara viso do reino de
Deus, conhecimento que receberam somente aps ressurreio de
Jesus, aps o que proclamaram: Porque no vos demos a conhecer o
poder e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo fbulas enge-
nhosamente inventadas, mas ns mesmos fomos testemunhas ocula-
res de sua majestade, pois ele recebeu, da parte de Deus Pai, honra e
glria, quando pela Glria Excelsa lhe foi enviada a seguinte voz: Este o
meu Filho amado, em quem me comprazo (2 Pe 1.16,17).
Esta transfigurao tinha ainda mais um elemento: a presena
de Moiss e Elias.

2. MOISS E ELIAS FALAM COM ELE SOBRE SUA PAIXO E MORTE

Eis que dois vares falavam com ele, Moiss e Elias. Os quais
apareceram em glria e falavam da sua partida, que ele estava para cum-
prir em Jerusalm. Eles vieram do cu. Como? Do cu com seus cor-
pos? Sim. Os dois j estavam de corpo e alma glorificados nos cus,2
de onde vieram para falar com Jesus.
Mas por que esses dois? No temos outros homens importan-
tes como No, Abrao ou outros profetas? Moiss o representante
da lei, que lhe foi entregue no monte Sinai. Elias o representante
dos profetas. E Jesus veio para cumprir a lei e os profetas, como o
afirma o prprio Jesus: No penseis que vim revogar a Lei ou os Profe-
tas; no vim para revogar, vim para cumprir (Mateus 5.17). E o apsto-

2
Sabemos que Moiss faleceu na presena de Deus, que o sepultou (Dt 34). De Judas
sabemos que o arcanjo Miguel contendeu com o diabo e disputava a respeito do corpo de
Moiss (Jd 9). Sua presena aqui demonstra que Deus o ressuscitou e o levou de corpo e
alma ao cu. Elias foi levado vivo ao cu, num carro de fogo (2Rs 2).

133
IGREJA LUTERANA

lo Paulo afirma: Porque o fim da lei Cristo, para justia de todo aquele
que cr (Romanos 10.4). Cristo cumpriu toda a exigncia da lei em
nosso lugar. O profeta Isaas afirma: Mas ele foi traspassado pelas
nossas transgresses e modo pelas nossas iniquidades; o castigo que
nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados
(Isaas 53.5).
Os discpulos reconheceram Moiss e Elias, mesmo que Moiss
tivesse vivido 1600 antes de Cristo e Elias 900 anos antes.
Lucas relata o contedo da conversa: E falavam da sua partida,
que ele estava para cumprir em Jerusalm (Lc 9.31), a saber, sobre
seu sofrer e morrer. O que Moiss ordenou e os profetas anunciaram,
que ele sofreria em Jerusalm. Sobre isso conversavam na glria
celestial, para assim triunfar sobre todos os poderes das trevas.
Pedro estava to impressionado e disse: Mestre, bom estar-
mos aqui; ento faamos trs tendas [...] no sabendo, porm, o que
dizia (v.33). Eles se sentiram no cu, mas s por um momento. Jesus
prometeu aos seus: Quero que onde eu estou estejam tambm os que
me deste. E o apstolo Joo afirma: Amados, agora, somos filhos de
Deus, e ainda no se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que,
quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque havere-
mos de v-lo como ele (1 Joo 3.2).
Diante disso no queremos vacilar na f, nem nos deixar con-
fundir com as muitas e falsas afirmaes da mdia sobre Cristo. Ele
o verdadeiro e unignito Filho de Deus, nico e suficiente Salvador da
humanidade para que todo o que nele cr no perea, mas tenha a
vida eterna. E o prprio Deus Pai o confirmou.

3. O PAI CONFIRMA SEU FILHO

Enquanto assim falava, veio uma nuvem e os envolveu; e enche-


ram-se de medo ao entrarem na nuvem. E dela veio uma voz, dizendo:
Este o meu Filho, o meu eleito; a ele ouvi (Lucas 9.34-35). Falava ele
ainda, quando uma nuvem luminosa os envolveu; e eis, vindo da nuvem,
uma voz que dizia: Este o meu Filho amado, em quem me comprazo; a
ele ouvi. Ouvindo-a os discpulos, caram de bruos, tomados de grande
medo (Mateus 17.5-6).
Temos aqui trs afirmaes importantes. As palavras que eles
ouviram revelaram glria ainda maior daquela que viram.
a) Este meu Filho amado. - Uma voz do cu que lhes revelava ser
este Jesus o Filho amado de Deus.
b) Em quem Deus se apraz, em quem Deus tem prazer, por ele cum-
prir a vontade do Pai e salvar a humanidade.

134
TRANSFIGURAO DO SENHOR - LTIMO DOMINGO APS EPIFANIA

c) A ele ouvi. Uma ordem expressa para que demos ouvidos ao


que Jesus tem a dizer. Ele nos fala hoje por sua palavra, a Bblia. Esta
Palavra devemos ler, nela devemos meditar, esta devemos proclamar.
Esta voz, to clara e precisa, foi mais gloriosa do que a viso. Os
discpulos caram de bruos, tomados de grande medo. Este temor faz
parte do verdadeiro culto a Deus. E no levantaram os olhos antes de
serem chamados por Jesus. E quando abriram os olhos, no viram
mais ningum, a no ser Jesus, na sua forma e aparncia humilde, de
simples pessoa humana. Assim tinha que ser para que ele pudesse
voltar e cumprir a sua misso.
Eles no deveriam contar isso a ningum at o dia em que ele
ressuscitaria dos mortos, pois no compreenderiam.
Esta histria da transfigurao visa firmar-nos na f. Quantas
vezes somos assolados por dvidas. Ser verdade? H vida aps a
morte? Como ser a eternidade? Eis aqui uma palavra clara e firme
em que podemos ancorar e firmar nossa f. Ela nos d plena certeza.
Aqui na terra no nos dado ver a glria de Jesus, mas ns a vemos
por f. Na eternidade veremos sua glria, tal como ela revelada
aqui. Bem-aventurados os que do ouvidos voz do Pai, e ateno
s palavras de Jesus, estes vero Jesus em glria.
Desta glria de Jesus queremos cantar nos cultos, falar em
meio a nossa famlia, testemunhar para com os de fora. Que Deus nos
d fora e sabedoria para tanto at que ele venha em glria. Amm.

Horst R. Kuchenbecker
So Leopoldo, RS

135
IGREJA LUTERANA

Quarta-feira de Cinzas
Salmo 51.1-13, Isaas 59.12-20, 2 Corntios 5.19-6.2, Mateus 11.20-30

Mateus 11.20-30

VINDE A MIM

A quarta-feira de Cinzas marca ao incio da Quaresma. O perodo


contempla a via dolorosa de Cristo, a sua entrada em Jerusalm e
sua coroao como Rei dos Judeus no alto do Glgota. Ele caracte-
riza-se pelo arrependimento e, acima de tudo, pelo entregar a Cristo
o que pesa no corao, deixando-o seguir livre esse seu caminho at
a cruz. As cinzas, entretanto, so apenas o incio. Deus nos leva at
elas e delas cria algo novo, revelando aos pequeninos que a vida
deles no ser apenas cansao e cargas, mas haver um perodo de
descanso e alvio.
Davi traduz isso no Salmo 51, quando pede para que lhe seja
criado um corao puro. Reconhecer o erro saudvel, ainda mais
quando se tem como ajudador o Deus que pode certamente criar um
corao puro (v.10), que revela sua boa vontade atravs do seu Filho
e por meio dele faz essa magnfica oferta, de dar alvio e descanso.

A NARRATIVA

H no captulo 11 uma grande busca pela identidade dos persona-


gens. Joo pergunta se Jesus aquele que estava para vir (v.2);
Jesus fala a respeito de quem era realmente Joo (v.14); as cidades
ignoraram os milagres realizados nela pelo Filho do Homem (vv.20-
24), que, na verdade, recebeu tudo do Pai, conhece o Pai e pode
revelar quem o Pai a quem ele quiser (v.27). E, finalmente, Jesus tam-
bm estabelece a identidade daqueles a quem ele quer dar descan-
so, qualificando-os como cansados e sobrecarregados.
De forma especial, as obras de Cristo falam por si mesmas, de
forma que Joo recebe a confirmao de que a realidade do reino dos
cus se concretiza em Jesus (11.1-6) e de que por meio destas coi-
sas conhecido o plano de Deus. Mas nem todos receberam essa
revelao, tal como aquelas cidades nas quais foram operados mui-
tos milagres. Corazim, Betsaida e Cafarnaum so cidades da regio
da Galilia onde Jesus ensinou, pregou e curou toda sorte de doen-
as e enfermidades (8.5-13; 9.1-8; etc.). A gerao para a qual Jesus

136
QUARTA-FEIRA DE CINZAS

fala no reconheceu que Joo Batista era o Elias que estava por vir,
nem acreditaram que Jesus, que comia com pecadores e publicanos,
pudesse ser o Cristo de Deus.
O reino dos cus se apresentou de uma forma incompreensvel.
Deus revelou a sua vontade numa abordagem prtica, fazendo com
que a realidade desfeita do den voltasse a ser possvel. uma rea-
lidade para a qual o homem somente tem acesso se for levado at
ele. Por outro lado, digno de nota o fato de que essa nova realida-
de no elimina ainda no elimina a realidade atual, mas j pro-
jeta um novo sentido e ordem, onde pode ser esperada a revelao
de muitas coisas, tais como aquelas onde os cegos vem, os coxos
andam, os surdos ouvem, os mortos so ressuscitados e o evangelho
pregado aos pobres (11.5). A realidade da pregao do evangelho
figura entre estas vrias coisas realizadas por Jesus.
Estas coisas querem revelar o reino dos cus e aquele que tor-
nou o reino visvel no mundo. Por meio delas, Jesus, a quem tudo foi
entregue, quer revelar o Pai, e em viva voz convida aqueles se acham
curvados pelo peso das culpas, que eles mesmos alimentam em suas
vidas ou que so alimentadas por outras pessoas, mais sbias tal-
vez. Os pequeninos foram agraciados, pois ouvem Jesus dizer Vinde
a mim, e, por conseguinte, ouvem tambm o Pai a sorrir e se alegrar,
pois a sua forma de salvar realmente funciona, traz resultado e lhe
agrada muito.
A razo pela qual em Jesus existe alvio e descanso porque o
seu jugo suave, e o seu fardo leve. Estes dois adjetivos subli-
nham que essa oferta feita por Jesus , de certa forma, desigual e
injusta, pois ele quer ficar com aquilo que causa cansao e sobrecar-
rega, e, por outro lado, quer dar o que leve e suave.
Jesus quer atrair as pessoas carinhosamente para si. Diante da
sabedoria do mundo, Deus coloca a humanidade de Cristo e a sua
cruz como sabedoria divina. Ele vem manso e humilde de corao,
assumindo a forma de servo, tornando-se a semelhana de homens
(Fp 2.7). Deus quer estar to prximo, to humilde, to prestativo e
cheio de vontade de levar as cargas. Simplesmente vem do alto, at
ns. Ele que recebeu tudo do Pai, que conhece o Pai, e que conhe-
cido do Pai, vem para restaurar a criao e torn-la novamente per-
feita.
Alguns podero acreditar que a Palavra de Deus no sinal sufici-
ente da presena do Reino dos cus e ficaro espera de sinais mai-
ores, como milagres, dons extraordinrios, vida cheia de prosperida-
de. Entretanto, o sinal de Deus o seu Evangelho em Cristo Jesus,
por meio do qual perdoa os pecados, alivia as cargas e diz que j

137
IGREJA LUTERANA

est tudo resolvido. Paulo disse que aprouve a Deus salvar os que
crem pela loucura da pregao (1 Co 1.21) e que a palavra da cruz
loucura para os que se perdem, mas para ns, que somos salvos,
poder de Deus (1 Co 1.18). Outra forma no h. Elevar-se at ao cu
por conta prpria sempre pode ser uma sada, entretanto, Jesus tor-
na as coisas claras e diretas, pelo menos para Cafarnaum, que pre-
tendia seguir esse rumo: Descers at ao inferno. No fim das contas,
estar cansado pode se revelar em boa coisa. Deus age nos contrri-
os. Quem est cansado j no se esfora muito, nem se importa que
outro faa o trabalho por ele.
Nesse sentido, a quarta-feira de Cinzas um dia para a comuni-
dade se reunir e carregar as cargas uns dos outros, acompanhar e
ser acompanhado por outros diante do pecado, reconhecer a huma-
nidade do irmo e juntar-se a Davi: Cria em mim, Deus, um corao
puro [...] O convite de Jesus coloca uma nova perspectiva diante das
pessoas e permite que elas ocupem suas vidas com aquilo que real-
mente interessa: permite que elas sejam criaturas de Deus colocadas
como coroa da criao divina. A preocupao agora se volta para as
coisas daqui de baixo, para as pessoas, para a vida, para a famlia,
para os amigos, etc. A preocupao com as coisas do alto foram re-
solvidas por Jesus.
Dietrich Bonhoeffer uma vez afirmou que algum que confessa seus
pecados na presena de um irmo sabe que j no est sozinho con-
sigo mesmo (Live together, trans. John W. Doberstein, NY: Harper and
Row, 1954, p. 116). Estar acompanhado no pecado e ser aliviado da
culpa , sem dvida, uma grande bno para todas as pessoas.
como fazer com que as cinzas tornem a ter vida, ou como receber um
novo corao.
Deus nos leva at as cinzas, mas no nos deixar l. Em Cristo ele
j mostrou e continua a mostrar numerosos sinais do tipo de descan-
so que pretende dar a todas as pessoas.

SUGESTO DE TEMA E PARTES

Vinde a mim
1. Cansados e sobrecarregados
- O que est a tornar as pessoas cansadas?
- Quais as cargas que as pessoas precisam carregar? So car-
gas impostas por elas mesmas ou por outra pessoa?
- Cansados dos sbios, que sabem como viver corretamente.
2. E eu vos aliviarei
- Os sinais revelam quem Jesus .

138
QUARTA-FEIRA DE CINZAS

- Tudo me foi entregue por meu Pai.


- Meu jugo suave, e o meu fardo leve
- Cansados, mas no sozinhos.

Clcio L. Schadech
Angra do Herosmo, Aores Portugal

139
IGREJA LUTERANA

PRIMEIRO DOMNGO NA QUARESMA


Invocavit
Salmo 91.9-16, Gnesis 3.1-19, Hebreus 4.14-16, Mateus 4.1-11

Mateus 4.1-11

CONTEXTO

Jesus iniciou o seu ministrio pblico quando foi batizado (vv. 13-
17), ento foi levado pelo Esprito Santo ao deserto para ser tentado
pelo diabo. O Pai leva o Filho atravs do Esprito Santo para ser ten-
tado, no o diabo que vai at Jesus. A tentao faz parte do plano
de Deus! O diabo seduziu o primeiro Ado, agora tenta seduzir o
segundo Ado, o Messias prometido, o Servo sofredor. Sozinho, ou
melhor, com os nossos pecados, com as nossas tentaes, Jesus pre-
cisava enfrentar e vencer a tentao do diabo.

NFASES

Vv. 1 e 2: A confrontao com o diabo veio da vontade de Deus,


no de qualquer iniciativa do diabo. Os quarenta dias e quarenta
noites fazem ecoar alguns episdios do Antigo Testamento: depois
de atravessar o Mar Vermelho, antes de entrar na terra de Cana, o
povo de Israel peregrinou por quarenta anos no deserto (Nm 14.26-
38); Moiss estava com Deus no Monte Sinai por quarenta dias (x
24.18); e Elias foi alimentado por Deus, tendo fora suficiente para
caminhar quarenta dias e quarenta noites at Horete (1 Rs 19.8).
Vv. 3 e 4 (primeira tentao): O diabo, alm de ser o pai da men-
tira, tambm da dvida. Pode-se dizer que o melhor professor de
gramtica especializado em conjuno, especialmente as adversati-
vas: mas, porm, contudo, todavia, etc.. Ele quer implantar a idia
de que Jesus foi abandonado pelo Pai, por estar passando fome. Ele
comea o ataque pelo mais simples e bsico, a necessidade fsica de
se alimentar.
Jesus responde citado Deuteronmio 8.3, quando Moiss exorta o
povo para que no se esquea de Deus a partir de suas aes no
passado. Na aflio, a existncia humana depende exclusivamente
de Deus. Por mais que o diabo queira levar Jesus dvida e ao de-
sespero, Cristo olha para trs e se lembra de sua dependncia de
Deus: Durante quarenta dias o meu Pai tem me conservado com

140
PRIMEIRO DOMNGO NA QUARESMA

vida, mesmo sem po. Vou continuar confiando Nele. Eu no preciso


fazer milagres para provar que sou seu Filho, pois Ele me falou e a
essa Palavra que me apego: Este o meu Filho amado, em quem me
comprazo. (Mt 3.17).
Vv. 5-7 (segunda tentao): Do deserto para o lugar mais alto do
Templo (pinculo). Novamente o diabo desafia Jesus quanto sua
filiao, e agora, citando fora do contexto o Salmo 91.11-12, quando
Deus convida para confiar Nele, o nico refgio seguro nos perigos.
Jesus responde citando o livro de Deuteronmio 6.16, do episdio
ocorrido em Mass e Merib (x 17.1-7 e Nm 20.1-13), quando o povo
estava sem gua e reclamava de Deus, lembrando saudosamente do
Egito. Moiss bateu com seu basto na rocha por duas vezes. E jun-
tamente com Aro, receberam a sentena que no ingressariam na
Terra Prometida, pois tentaram Deus.
Aps tentar a partir de uma necessidade fsica, o diabo agora ten-
ta Jesus com um fator emocional: o orgulho. Para que fosse visto e
aclamado como o Messias poltico e fazendo com que Deus tivesse a
obrigao de proteger quando voluntariamente se pe em situao
de perigo, convida-o para se jogar do alto do Templo.
Vv. 8-10 (terceira tentao): Na ltima tentao, o diabo levou
Jesus para lhe mostrar os reinos do mundo e suas grandezas. Tudo
seria entregue a Jesus em troca de uma pequena ao: adorar o
diabo. Que baita mentira! Jesus o verdadeiro Rei deste Universo,
estando presente na criao. Neste ltimo ataque, o diabo usou to-
das as suas foras. Ele atacou o lado espiritual do ser humano. E
Jesus cita novamente Deuteronmio 6.13, ou seja, o Primeiro Manda-
mento.
V. 11: Depois de uma derrota vergonhosa, o diabo vai embora e os
anjos de Deus vm e servem Jesus. Isso no quer dizer que o diabo
desistiu e parou. Diversas vezes no ministrio de Jesus ele se utilizou
dos prprios discpulos para tentar Jesus. Mas com certeza estas trs
tentaes foram as mais terrveis e decisivas. Se tivesse cedido, a
obra da salvao estaria cancelada. O diabo triunfou sobre o primeiro
Ado, mas foi vencido pelo segundo Ado: Jesus, o Deus-homem, o
Servo sofredor.

PARALELOS

Antes de tentar traar alguns pontos de contato, interessante


responder esta pergunta: O que tentao? A resposta pode ser:
Quando me afasto de Deus e vivo para mim mesmo, ou seja, quando
deixo Deus e a f de lado e, tambm, quando no tenho amor pelo

141
IGREJA LUTERANA

prximo, mas sou extremamente egosta.


A primeira tentao era satisfazer imediatamente a fome. Hoje a
tentao como comunho dos santos querer resolver os problemas
sociais: fome, desigualdade social, violncia... No que devamos fe-
char os olhos para isso, a igreja tem seu carter proftico e precisa
denunciar e expor isso. Mas tais problemas so uma tentao quan-
do o principal objetivo da igreja querer satisfazer as necessidades
fsicas das pessoas, ao invs de compartilhar a Palavra que procede
da boca de Deus. Por outro lado, o consumismo desenfreado dos nos-
sos tempos tentador, a necessidade de querer sempre mais, e
isso acarreta em fazer dvidas e passar por dificuldades financeiras,
em trabalhar mais para pagar as contas e, talvez, a prpria falta de
gratido.
A segunda tentao era estabelecer um Messias poltico, que logo
seria aceito e reconhecido numa apario alucinante. Hoje a tentao
pr Deus prova e determinar a sua ao e, tambm, distorcer a
Palavra de Deus para justificar aes.
A terceira tentao era um convite para Jesus ter o poder de for-
ma imediata, contrria vontade de Deus, que estabelecera o sofri-
mento do Messias (Is 53) e ento a glria. O diabo veio oferecer um
atalho. Hoje a tentao do poder e do reconhecimento encanta os
olhos humanos. O fato da igreja, seja a estrutura ou os santos, se
vangloriar, ser reconhecida e aplaudida querer a glria e no a cruz
de Cristo. Com isso se esquece que a glria algo que Deus dar
igreja na segunda vinda de Cristo.

SUGESTO DE USO HOMILTICO

Tema: Jesus vence as tentaes do diabo

INTRODUO

A sugesto contar uma estria com muitos detalhes sobre uma


tentao especfica (exemplo: a tentao de contar uma mentira para
dar uma desculpa).

FATO

A tentao faz parte da vida crist, quem cristo tentado, est


sob a cruz de Cristo. A tentao quer me convidar a me afastar de
Deus e ficar cercado com os meus desejos egostas e pecaminosos.

142
PRIMEIRO DOMNGO NA QUARESMA

TRANSIO

Mas preciso lutar para no ceder, pois o diabo anda como um


leo procurando algum para devorar. O cristo sozinho no capaz
de resistir e vencer.

TEXTO

Jesus venceu as tentaes do diabo. Na primeira, confiou em Deus.


Na segunda, no tentou a Deus. Na terceira, obedeceu a Deus.

LEITURAS DO DOMINGO

O primeiro casal foi tentado e caiu (Gn 3.1-19), mas Deus promete
estar presente nas horas de angstia e aflio (Sl 91.15 - pode-se
notar isso na pergunta de Gn 3.9). E o melhor de tudo, temos um
Sumo-Sacerdote que foi tentado como ns e podemos nos achegar a
Ele para receber misericrdia e graa sempre que precisarmos de aju-
da (Hb 4.14-16).

CONCLUSO

Jesus no somente venceu as tentaes do diabo, mas vence toda


vez que buscamos amparo e socorro em Jesus e na Palavra de Deus:
Pois, naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, poderoso
para socorrer os que so tentados (Hb 2.18).

Marcos Jair Fester


So Leopoldo, RS

143
IGREJA LUTERANA

SEGUNDO DOMINGO NA QUARESMA


Reminiscere
Salmo 27.7-14; Isaas 5.1-7; Romanos 5.6-11; Marcos 12.1-12

Marcos 12.1-12

CONTEXTO

A parbola dos lavradores maus foi contada por Jesus com o obje-
tivo de questionar e dar uma resposta aos lderes religiosos de sua
poca (principais sacerdotes, ancios, escribas, fariseus, herodianos,
etc.), os quais lhe perguntaram: Com que autoridade fazes estas
coisas? Ou quem te deu tal autoridade para as fazeres?. Ela foi
contada naqueles difceis dias em que Jesus esteve em Jerusalm e
enfrentou de frente seus opositores com palavras (parbolas e ou-
tros ensinamentos) e atos (a purificao do templo). Jesus est mos-
trando que a religiosidade fundamentada apenas em cerimnias e
tradies no agrada a Deus. Deus espera mais, espera frutos. Sabe-
mos que a dureza de corao no permitiu que lderes e o povo com-
preendessem a mensagem de Jesus e, consequentemente, Jesus foi
condenado e morto por eles.

TEXTO

Um fato importante nesta parbola que o dono da vinha to-


mou todas as providncias necessrias para que ela produzisse os
frutos esperados (v.1).
- plantou uma vinha: Aquelas parreiras no eram fruto do aca-
so, haviam sido devidamente escolhidas e plantadas. Assim como ns
cristos fomos trazidos para Deus atravs do santo Batismo (1 Pe
2.10). Fomos tirados das trevas e levados para o reino da sua mara-
vilhosa luz.
- cercou-a de uma sebe: A cerca serve para dar segurana,
proteo; serve tambm para demonstrar que a vinha tem dono,
propriedade de algum. A igreja propriedade de Cristo e guarda-
da e protegida por ele. O seu proprietrio tem metas e objetivos para
ela (1 Pe 2.9).
- construiu um lagar: Uma espcie de oficina que continha to-
dos os equipamentos necessrios para a fabricao do vinho. Mostra
que o produto final esperado era o vinho, em abundncia e com boa

144
SEGUNDO DOMINGO NA QUARESMA

qualidade. A igreja tambm tem todos os recursos necessrios para


realizar a obra que Deus espera dela. Os meios da graa (Palavra,
Batismo e Santa Ceia) e o Ofcio das Chaves so as ferramentas que
a igreja necessita para seu trabalho. Alm disso, Deus d uma infini-
dade de dons e habilidades para seus filhos visando a um trabalho
eficiente.
- edificou uma torre: Mostra que a vinha no ficaria abando-
nada, seria vigiada constantemente. Lembra as palavras do Sl 34.15:
Os olhos do Senhor repousam sobre os justos...
- arrendou-a a uns lavradores: A vinha no mudou de propri-
etrio, no foi vendida, no foi doada, mas arrendada. A igreja per-
tence a Cristo. Ela apenas foi confiada a ns para que cuidemos dela.
- ausentou-se do pas: Refere-se ao retorno de Cristo ao cu,
quando ele se afastou fisicamente, por um tempo, da sua igreja. Mas
Ele retornar para reaver o que lhe pertence.
O texto do AT, Is 5.1-7, acrescenta ainda outros detalhes no
que diz respeito s providncias tomadas pelo dono da vinha:
- Ele a plantou num outeiro fertilssimo; afofou a terra; limpou-
a das pedras; a plantou de vides escolhidas.
Enfim, todas as providncias foram tomadas para que a vinha
produzisse muitos frutos, e de boa qualidade.
Outro fato importante a persistncia do dono da vinha na
busca pelos frutos esperados por ele.
- enviou um servo (v.2). De novo, lhes enviou outro servo (v.
4). Ainda outro lhes mandou (v.5). Muitos outros lhes enviou. Re-
fere-se aos profetas que foram enviados ao longo do AT, os quais
foram desprezados, maltratados e alguns at mortos pelo povo de
Israel. Restava-lhe ainda um, seu filho amado; a este lhes enviou.
Mostra o quanto Deus insiste em bater em nossa porta com o intuito
de nos regenerar e nos capacitar para que produzamos os frutos
dignos do arrependimento.
Chama ateno tambm a dureza de corao dos lavradores que
reagiram de forma negativa a todas as tentativas do dono da vinha.
A parbola deixa bem clara a consequncia das atitudes dos
lavradores: o dono da vinha vir, exterminar aqueles lavradores e
passar a vinha a outros (v. 9). A oferta da salvao seria oferecida
aos gentios, uma vez que os judeus a desprezaram. A citao do Sl
118.22,23 comprova essa verdade.
Os lderes religiosos entenderam que esta parbola fora profe-
rida contra eles. A carapua lhes serviu perfeitamente. Temendo a
reao do povo, desistiram e se retiraram da presena de Jesus, pois
sua inteno era prend-lo e conden-lo morte.

145
IGREJA LUTERANA

APLICAO HOMILTICA

A reflexo sobre este texto deve nos levar a questionar e


reavaliar a nossa religiosidade, nossa vida crist diria, nossos fru-
tos, nossas obras. Ser que nossa religiosidade tambm no se res-
tringe apenas a cerimnias, ritos e tradies? At que ponto nossa f
pode ser percebida atravs de nossas boas aes? E se as estamos
produzindo, so compatveis e proporcionais a tudo aquilo que Deus
tem feito por ns em Cristo Jesus?
Por outro lado, essa reflexo tambm deve nos assegurar que
Deus, atravs dos meios da graa, continua providenciando tudo que
necessrio para que possamos viver a nossa vida crist de forma
agradvel a ele e vivamos eternamente na sua presena.

PROPOSTA HOMILTICA

Tema: Deus tem o direito de exigir que produzamos muitos frutos


I Porque pertencemos a Ele
II Porque Ele nos d todos os recursos necessrios
III Porque Ele tem metas e objetivos bem definidos para
a sua igreja.

Geraldo Walmir Schler


Cacoal, RO

146
TERCEIRO DOMINGO NA QUARESMA
Oculi
Salmo 90.1-12, Jeremias 20.7-12, Romanos 12.1-12 ou
Efsios 5.1-2, 6-9, Lucas 9.51-62

Lucas 9.51-62

NB. O estudo enfoca o tema: Deciso. Tratar dele no terreno eiva-


do de ino do apelo deciso, exige clareza de que na converso o
Esprito Santo age onde e quando quer. Mas, tambm, tratar o
discipulado evitando a graa barata (Bonhffer). Esse desafio te-
olgico se aproxima do desafio evanglico que Jesus apresenta no
convite: Segue-me! (ARA); Venha comigo (NTLH).

CONTEXTO

a) Histrico Jesus, acompanhado dos discpulos, inicia a caminha-


da para Jerusalm. Os evangelhos sinticos relatam uma nica visita.
Joo menciona trs visitas. Lucas faz a ponte ao relatar (9.51-19.27)
o que aconteceu entre essas trs visitas (9.51; 13.22; 17.11; 18.31).
momento crucial, final, de seu ministrio. O fato de a obra da salva-
o estar sendo agora concluda tem de ser levado em conta para
entender a atitude de Jesus nos episdios relatados no texto.
b) Bblico-Litrgico Estamos no incio da Quaresma. Outra vez
vamos caminhar, seguir e acompanhar Jesus at Jerusalm, em sua
agonia, morte e ressurreio. No contexto se encontra a primeira re-
ferncia de Jesus a este respeito (Lc 9.22-27).
c) Atualizao A Quaresma e, especialmente, o texto, so exce-
lente oportunidade para nos identificarmos com os discpulos e os
trs pr-candidatos e perceber quanto podemos estar longe de
vivenciar o discipulado de Jesus. E, para o assumirmos mais conscien-
tes daquilo que ele envolve.

O TEXTO E A PROPOSTA HOMILTICA

O texto (9.51a: se completarem os dias... ele ser assunto) refe-


re-se crucificao, ressurreio e ascenso, e expressa que Jesus
tem clara conscincia do propsito da ida a Jerusalm. Manifestar no
semblante a intrpida resoluo de ir a Jerusalm expressa sua fir-
me determinao de realizar o plano da salvao (9.51,53); envolve,

147
IGREJA LUTERANA

para Jesus (e seus discpulos), entregar a vida a Deus em servio


sacrificial. Quase se pode dizer que estava na cara (de Jesus) que
no se deixaria demover de seu propsito. Com essa disposio/
deciso de Jesus contrastam fortemente as atitudes de Tiago e Joo
e dos pr-candidatos a discpulo (cf. Mt 8.18-22).
A Introduo abordar essa questo. E colocar o tema: Seguir a
Jesus uma deciso sbia que... s pode ser tomada na graa de
Deus e no esprito de Cristo (9.55b ARA). J as atitudes de Tiago e
Joo, e dos trs pr-candidatos evidenciam que decises tomadas
a partir do entendimento, da vontade e de sentimentos meramente
humanos, no iluminados pela graa e o Esprito, sempre estaro em
conflito com a vontade e o propsito de Deus para a vida do cristo!
1) ... tomada face ao convite de Jesus. Ele oferece aos samaritanos
a oportunidade de ouvir a sua palavra e receber a manifestao de
sua presena graciosa. Mas o preconceito e o dio prevalecente en-
tre judeus e samaritanos se torna impedimento para que o recebam.
Pois no entendiam o porqu da ida de Jesus a Jerusalm. Assim se
d com todos os que desconhecem o evangelho.
Mesmo rejeitado, Jesus continua, no tempo da graa, a oferecer
seu perdo e a salvao. E a enviar seus mensageiros (9.52; 10.1-3).
Vemos o resultado do trabalho de Filipe e dos apstolos (At 8).
2) ...representa assumir o discipulado e visa salvao do prximo.
Discpulos, mesmo fortemente admoestados contra o dio e o pre-
conceito, no so imunes a eles. Pior, podem se desviar por orgulho e
falso senso de justia, como Tiago e Joo. H pouco (9.46-48), discu-
tiam quem era o mais importante. No admira se sentirem
desprestigiados pela recusa dos samaritanos de os acolherem. - Qual
ou seria a nossa reao?
Sua reao resulta de esprito legalista! Discipulado no al-
guma manifestao exterior de evidncias ou demonstraes de
poder! Comea pela converso; se mostra na atitude de receber cri-
anas em nome de Jesus por isso so repreendidos por Jesus. Mais,
so encorajados a assumir o esprito do evangelho nas palavras:
o Filho do Homem no veio para destruir as almas dos homens, mas
para salv-las (9. 56 ARA).
O discpulo quer ser lembrado que recebeu pela graa de Deus em
Cristo o privilgio imerecido de ter sido chamado, separado para en-
tregar sua vida em servio sacrificial. Pois, pela f, j recebeu o direi-
to herana eterna, e nela foi selado com o Esprito Santo e seus
dons.
3) ... da iniciativa de Cristo e leva renncia pessoal ao conforto e
aos bens materiais. O primeiro pr-candidato um escriba (mestre da

148
TERCEIRO DOMINGO NA QUARESMA

lei; Mt 8.19). A praxe entre os judeus era que quem buscava o conhe-
cimento da lei, escolhesse quem queria ter por mestre (rabi). Jesus
quebrou esse paradigma. Seu modo de escolher discpulos demons-
tra que o seu critrio a graa! No o aliquid in homine.
Candidatos qualificados como o escriba no podem ver nisso
algo que justifique a sua escolha. Cada um e todos eles, inclusive
publicanos e Judas Iscariotes, provam em e com Cristo o evangelho
em pessoa! Jesus se manifestou a eles todos como a salvao de
Israel e o prometido s naes.
Ao contrrio dos rabis e fariseus, no apregoava a prtica de usos
e costumes ou regras de obedincia. Anunciava, sim, o arrependi-
mento e o reino de Deus (Lc 24.45-48). Em Cristo tinham tudo! Sem
ele, nada tinham! Na sua morte no se consolaram que ainda tinham
o ensino de Cristo. S o Cristo ressuscitado, presente e atuante em
suas vidas os encheu de f, alegria e esperana.
O discipulado implica, sim, uma luta sem trgua contra a natureza
pecaminosa e mundana (Lc 9.23-28). A renncia, o abrir mo at do
que no pecaminoso, em benefcio do reino de Deus (9. 58).
Discipulado no a prtica do ascetismo; identificao com Cristo
(9.58b)!
4) ... pessoal, intransfervel, urgente, inquestionvel, incondicional.
A deciso se d como consequncia de se ter recebido a f em Jesus!
O convite de Jesus convocao soberana, de poder e autoridade
divina, que requisita para ele a nossa vida em sua integralidade.
O gracioso amor de Deus que cria a pessoa amvel, pois, do
contrrio, no haveria quem Deus fosse amar. a interveno de uma
vontade to real, superior e amorosa, quanto incondicional,
inquestionvel e inesquecvel! Esse imperioso confisco prerrogativa
exclusiva de Deus.
Ela no vem da fora da lei. reivindicao pessoal e graciosa
para nos colocar na comunho do reino de Deus, na real ao da
graa divina. A deciso de aceitar o convite um deixar-se levar
pelos braos protetores do Pai. Pois capacita a quem o recebe a aceit-
lo, pois cria a f no corao. F marcada, moldada desde o seu incio
para agir em amor e com alegria.
Nenhum discpulo impelido deciso por algum artifcio humano
que o leve a aceitar o convite! Jesus no manipulou emocional ou
psicologicamente as pessoas. No se aproveitou de momentos em
que estivessem fragilizados, muito entusiasmados ou dominados pelo
desespero (Jo 15.16).
S tal convite cria implcita, imediata obedincia; entrega total,
irrestrita devoo, integral e incondicional dedicao envolvidas no

149
IGREJA LUTERANA

seguir. O convite e o dever nele implcito de ir, pregar e propagar o


reino da vida tem precedncia sobre a morte e os mortos. Nem mes-
mo o que a piedade judaica exigia em relao a providenciar o se-
pultamento ou s relaes familiares impedimento que justifique
adiar/impedir o seguir a Jesus. Ele maior do que o templo e o seu
servio requer do discpulo a singular devoo que a lei cerimonial
exigia apenas do sumo-sacerdote (Lv 21.11,12) e os nazireus (Nm
6.7).

Breno C. Thom
Estncia Velha, RS

150
QUARTO DOMINGO NA QUARESMA
Laetare
Salmo 146, Isaas 55.1-7, Atos 2.41a, 42-47, Joo 6.1-14(15)

Joo 6.1-14(15)

JESUS MULTIPLICA PES E PEIXES E ALIMENTA UMA MULTIDO

Optar pelo ttulo evidencia o enfoque dado ao texto. Ao falar-


mos que Jesus multiplica pes e peixes, a nfase maior est sobre
sua qualidade divina de realizar milagres, a certeza de que aquele
homem era tambm Deus, o nico capaz de tal feito. Escolhendo Je-
sus alimenta uma multido, como faz NTLH, o direcionamento vai para
o ato de preocupar-se com as pessoas, o gesto de ao social, po-
deramos dizer. O mestre se compadece daquelas pessoas e, alm da
comunidade para o corao, resolve tambm dar-lhes comida para o
corpo. O cuidado integral com o ser humano.
Unindo as duas nfases, vemos algum detentor de grande
poder, mas que se preocupa em utiliz-los no para um show particu-
lar, mas para o benefcio do prximo. Foi um evento nico este,
tanto que um dos nicos milagres de Jesus relatados pelos quatro
evangelistas.
V. 2: por causa dos milagres.... O motivo de tanta gente seguir a
Cristo era o que tinham visto ele fazer. Mas Jesus faz questo de
primeiramente ensinar o que eles precisavam crer. Os milagres eram
meios para um fim.
V. 9: Est aqui um menino que tem [...]. D para imaginar o que
foi o dia daquele garoto? Sai de casa com cinco pes e dois peixes
para ter o que comer. Talvez para jogar futebol, sair com os amigos,
nadar um pouco. E talvez por acaso, talvez no, acaba no meio da
multido que ouvia a Jesus. De repente aquela sua bolsa com um
contedo to comum torna-se o centro de um dos maiores milagres
de Jesus. Em um dia que seria ordinrio, o extraordinrio realizado
pelo Toque de Cristo o faz entrar para a histria.
Quando pensamos que um dia s mais um dia, Deus pode
mudar tudo, utilizando exatamente aquilo que est ao nosso alcance.
E de repente um dia comum entra para nossa histria de vida pela
ao de Jesus Cristo em nossa vida.
V. 11: Em seguida, Jesus pegou os pes. Nas mos do menino,

151
IGREJA LUTERANA

eram apenas cinco pes e dois peixes. Nas mos dos discpulos, esta
realidade no mudaria. Nas mos de Jesus, entretanto, tornou-se
alimento para uma multido.
Quando a dificuldade colocada nas mos certas, a que tem
chance de receber uma alternativa, uma soluo. Se os discpulos in-
sistissem em resolverem sozinhos, possvel que no chegariam nunca
a um bom resultado.
Principalmente porque nossa maior dificuldade, o pecado e o afas-
tamento de Deus, as mos de Jesus perfuradas por pregos j resol-
veram, eliminaram. Temos acesso ao Pai, para sermos amparados por
suas mos e guiados pelo seu cuidar.
Nas mos de Deus aquilo que julgamos pouco pode ser muito. H
momentos em que podemos pensar que o que temos muito pouco
para ser de alguma serventia. Tenho apenas cinco pes dois peixes
de voz, de fora, de criatividade, de vontade, de servio, enfim, de
dons.... E desistimos de enfrentar os desafios missionrios. Quando
colocamos nas mos de Deus, ele capaz de amplificar o que temos e
somos de uma maneira to inacreditvel, que poderemos ficar sur-
presos com o nmero de pessoas que podero ser alimentadas com
sua palavra atravs de nosso servir.

SUGESTO HOMILTICA E TPICOS


PARA SEREM DESENVOLVIDOS

Tema: Nas mos certas

INTRODUO

(O pregador traz alguns objetos que vai segurar nas mos. Suges-
to: bola de basquete, martelo, pedao de couro, tinta e pincel.)
Tenho aqui vrios objetos que podem ser utilizados para boas
finalidades. Mas para isso, dependem das mos que os seguram. Qual
a diferena de
uma bola de basquete nas minhas mos e nas do Oscar?
Um martelo nas minhas mos e nas mos de um marceneiro?
pedao de couro nas minhas mos e nas de um sapateiro?
tinta e pincel, nas minhas mos e nas mos de um artista?
Dependendo das mos que os seguram, a diferena grande.
Na histria do evangelho de hoje, tambm as mos fizeram toda
a diferena

152
QUARTO DOMINGO NA QUARESMA

1. PES E PEIXES NAS MOS DE JESUS

Aquele foi um dia especial para aquele menino.


O mesmo Toque de Cristo est perto tambm de nossos dias
que parecem comuns, cinzentos, nublados...
Nas mos do menino ou dos discpulos, continuariam a ser 5
pes e 2 peixes.Nas mos de Jesus, tudo mudou.
Nossa situao de vida parecida. Se dependssemos somente
de nossas mos, estaramos perdidos e condenados. Entretanto, nas
mos de Jesus, temos salvao, perdo, vida (mostrar dois pregos).
Alis, estes so dois outros objetos em que as mos fazem diferena.
Nas minhas, podem representar talvez duas tbuas juntas. Nas mos
de Jesus, pregos lembram a salvao do mundo inteiro.

2. TODA NOSSA VIDA NAS MOS DE JESUS

Nas mos de quem esto nossos problemas e preocupaes?


Do banco, da financeira, da loja, da concessionria, do amigo, de al-
guma pessoa?...O Salmo 146.3 nos lembra: ...
Somente nas mos de Jesus temos segurana e certeza da mul-
tiplicao do seu amor e cuidado.
Tambm nossos dons e talentos nas mos de Jesus esto no
lugar certo.
Por isso sempre bom agarrar firme nas mos a Palavra, a San-
ta Ceia, para que as nossas sejam fortalecidas e sempre sejamos
levados a levar a Cristo.

Cc Como objetos nas mos certas, colocar nossa vida nas mos
de Cristo faz toda a diferena. Ento, podemos colocar tambm nos-
sas mos abertas diante dele, para receberem suas bnos, nos
levando a sermos multiplicadores desta notcia maravilhosa, que ali-
menta o corao e nos sustenta para toda a vida.

Lucas Andr Albrecht


Canoas, RS

153
IGREJA LUTERANA

QUINTO DOMINGO NA QUARESMA


Judica
Salmo 143.1-10, Gnesis 18.20-21, 22b-33, Hebreus 9.15-22 ou
Romanos 5.1-5, Marcos 10.32-45

Marcos 10.32-45

ASSUNTOS DAS LEITURAS BBLICAS

Salmo Sl 143.1-10: O salmista Davi ora a Deus pedindo res-


posta, na certeza de que Ele fiel e justo. Afirma lembrar de tudo o
que Deus tem feito. Pede a Deus que mostre o amor e o caminho que
deve seguir. Tambm diz que Deus seu refgio.
Antigo Testamento Gn 18.20-21, 22b-33: As acusaes con-
tra Sodoma e Gomorra eram terrveis. Abrao quer saber se Deus iria
destruir os bons junto com os maus, ento intercede a Deus, na cer-
teza de que Ele age com justia.
Epstola Hb 9.15-22: A morte de Cristo a garantia de que
somos tornados justos diante de Deus. A promessa de Deus, de bn-
os eternas, se concretiza graas obra de Cristo em nosso lugar.
Ou Rm 5.1-5: Deus nos aceita pela f, somos justificados por Deus
mediante a f. Graas ao que Cristo fez por ns, temos paz com Deus
e vida. Por meio do Esprito Santo, Deus derrama o seu amor no nos-
so corao.
Evangelho Mc 10.32-45: Jesus anuncia aos discpulos que se-
ria condenado morte e no terceiro dia ressuscitaria, ou seja, anun-
cia como nos justificaria diante de Deus, nos salvando da condenao
que o pecado traz. Os discpulos discutem sobre quem ficaria ao lado
de Jesus na glria. Jesus ensina que quem quiser ser o mais impor-
tante e o primeiro, deve servir os outros, pois o prprio Filho do Ho-
mem veio servir e dar a vida pelas pessoas. O servio de Jesus a
nossa justia diante de Deus.

RELAO ENTRE AS LEITURAS E O PERODO LITRGICO

A cor litrgica apropriada para este perodo de Quaresma a


roxa ou violeta, por refletir compenetrao solene e reverncia sim-
blica da penitncia e da realeza, bem como luto real e arrependi-
mento. O nome do 5 Domingo na Quaresma Judica. Este termo,
em lngua latina, constitui a palavra inicial do Sl 43.1: Faze-me justi-

154
QUINTO DOMINGO NA QUARESMA

a, Deus, e pleiteia a minha causa contra a nao contenciosa; li-


vra-me do homem fraudulento e injusto (RA). Os textos bblicos des-
te Domingo apontam para este assunto.

DIVISO E TTULOS DE MARCOS 10.32-45

A edio Almeida Revista e Corrigida apresenta um ttulo para


todo o texto (Mc 10.32-45): O pedido dos filhos de Zebedeu. Mas,
normalmente, o texto dividido em duas partes: a) Mc 10.32-34
Almeida Revista e Atualizada: Jesus ainda outra vez prediz sua
morte e ressurreio. Nova Traduo na Linguagem de Hoje: Je-
sus anuncia outra vez a sua morte e a sua ressurreio. Concordia
Self-Study Bible NVI: Jesus Again Predicts His Death. b) Mc 10.35-
45 Almeida Revista e Atualizada: O pedido de Tiago e Joo. Nova
Traduo na Linguagem de Hoje: O pedido de Tiago e Joo.
Concordia Self-Study Bible NVI: The Request of James and John.

PASSAGENS PARALELAS

Vv.32-34: Mt 20.17-19; Lc 18.31-34. vv.35-45: Mt 20.20-28. v.32:


Mc 3.16-19. v.33: Lc 9.51; Mt 8.20; Mt 27.1-2. v.34: Mt 16.21; At
2.23; At 3.13. v.37: Mt 19.28. v.38: J 38.2; Lc 12.50. v.39: At 12.2;
Ap 1.9. v.43: Mc 9.35; Mt 23.11; Lc 22.25-26. v.45: Gl 2.20; Ef 5.2; Tt
2.14; 1Pe 1.18-19; cf. Is 52.13-53.12.

CONTEXTO

O fato de Jesus relatar sobre seu sofrimento, sua morte e ressur-


reio em Jerusalm aos discpulos no novidade. J a terceira
vez que ele prediz estes acontecimentos aos discpulos (cf. Mc 8.31-
32; Mc 9.30-32). Mas a primeira vez que ele diz que seria entregue
aos no-judeus, se referindo s autoridades e aos soldados roma-
nos. Assim, revelado que gentios e judeus estariam unidos: os ju-
deus para condenar e os gentios para executar Jesus (vv.32-34). In-
teressante notar que os discpulos parecem no dar ateno ao que
Jesus est relatando, demonstrando preocupaes tolas, principal-
mente se comparadas importncia do que Cristo est anunciando
(v.35-45).

COMENTRIOS E REFLEXES

O pedido dos discpulos ambio: Os discpulos estavam dispu-

155
IGREJA LUTERANA

tando pelo melhor lugar. Tiago e Joo fizeram um pedido para Jesus:
queriam os lugares mais importantes ao lado de Cristo. Os outros
discpulos, quando perceberam o que estava acontecendo, mostra-
ram-se muito insatisfeitos e ficaram zangados, pois todos queriam o
melhor lugar ao lado de Jesus (vv.35-41).
Jesus no um Messias poltico: Tanto o pedido de Tiago e Joo
como a indignao dos outros discpulos mostram que todos os disc-
pulos ainda no tinham entendido o propsito da vinda de Cristo.
Ainda pensavam que o Rei Jesus era uma espcie de governante, em
vez de Salvador, sendo que Jesus tinha acabado de falar da sua obra
para eles (vv.32-41).
Preocupaes com coisas insignificantes: Na verdade, o desejo
dos discpulos de ocupar os melhores lugares mostra que muitas ve-
zes nos preocupamos com coisas insignificantes. Jesus estava perto
do seu sacrifcio por ns na cruz e os discpulos estavam pensando
em proveito pessoal (vv.35-41).
Intriga eclesistica: Esta cena do desentendimento entre os dis-
cpulos tambm conhecida como a primeira intriga eclesistica para
obter posies de destaque na igreja. Os discpulos estavam deixan-
do o que realmente importante para valorizar demais o
posicionamento diante dos outros (v.41).
Favor e influncia pessoal: Jesus no podia prometer os lugares
principais no Reino dos Cus para eles, pois no um lugar que pode
ser garantido com favor pessoal, nem pode ser comprado. Somente
Deus Pai pode conceder este lugar. Aqui no mundo, as pessoas pro-
curam sua colocao aproveitando sua influncia pessoal. No Reino
de Deus, a verdadeira grandeza est na humildade, no servio (cf. Mc
9.35) e no reconhecimento de que Jesus colocou todas as pessoas
em primeiro lugar quando realizou a obra de salvao por ns (v.38-
45).
Declarao propsito Salvador: A declarao final de Jesus
(v.45) anuncia o propsito da sua vinda e define sua misso sob dois
aspectos: servir (servio ou ministrio de Cristo) e dar (sacrifcio de
Cristo para conceder vida).
Beber o clice e receber o batismo: Tanto o clice como o batis-
mo, de que Jesus fala, se referem ao sofrimento e morte do Senhor
(v.38) e ao o sofrimento dos discpulos por seguirem os passos de
Cristo (v.39).
Servir ou ser servido: Se existe uma pessoa que poderia passar
a vida inteira sendo servido, este algum Jesus. Cristo, mais do que
ningum, poderia fazer uso de sua situao (poder divino) para ser
servido (vv.42-45). Jesus no est dizendo que devemos negar/rejei-

156
QUINTO DOMINGO NA QUARESMA

tar o servio dos outros. Exemplo bblico: Histria da mulher que


lavou os ps de Jesus com suas lgrimas, enxugou com os cabelos,
passou perfume e beijou os ps de Jesus (Lc 7.36-50). Cristo tambm
foi servido, mas esta no era sua ambio e seu propsito. Muito pelo
contrrio, Cristo nos deixa o seu exemplo de servio por ns (cf. At
20.35).
Cristo serve: Cristo veio servir o mundo (v.45). Exemplos bbli-
cos: Histria de Jesus lavando os ps dos discpulos (Jo 13.1-38).
Antes de ser um exemplo de servio, a ao de Jesus faz parte da sua
obra de salvao. Ao lavar os ps, Jesus est fazendo o servio de
um empregado (Lc 22.24-30 Discusso dos discpulos sobre quem
o mais importante). Jesus se entrega pelos seus e faz com que estes
fiquem unidos a ele.
Morte x Vida: Jesus veio morrer para dar vida; no uma contra-
dio, mas uma obra de substituio. Jesus faz o que ns no pode-
mos fazer, isto , em nosso benefcio. E Jesus faz de maneira que ns
no precisamos fazer, isto , em nosso lugar (v.45).
O sacrifcio de um por todos: Uma multido receber a bno do
nico sacrifcio de um Homem (Is 53.11-12; Rm 5.19). (v.45).
O preo do resgate e a soluo para a morte: O preo pago para
nos libertar da escravido do pecado (preo da redeno) foi o san-
gue de Cristo (1Pe 1.18-19). Jesus veio para dar a sua prpria vida
como preo de resgate a favor daqueles que j perderam sua vida
(pecado), a fim de que lhes fosse restituda (salvao) (v.45).

SUGESTO DE USO HOMILTICO PARA MARCOS 10.32-45

Assunto: Servir e ser importante no Reino de Deus.


Objetivo: F O servio de Cristo por ns trouxe vida e salvao.
Vida A obra de Jesus a motivao para servirmos a Deus e ao
prximo.
Introduo
Quem no gosta de ser importante, de ser o primeiro, de ser ser-
vido? comum desejarmos o melhor lugar, querermos ser melhores
que os outros.
Tema: Cristo nos coloca em primeiro lugar.
a) Cristo veio para servir.
b) Cristo veio para dar vida.

CONCLUSO

Diante das palavras de Jesus, o que esperamos da vida crist?

157
IGREJA LUTERANA

Paz, tranquilidade, ser servido ou trabalhar, servir? Jesus ensina que


o mais importante servir. Mas o que fazer para ter um lugar ao lado
de Deus? Servir? No, neste caso a resposta : Deus me serviu com
Cristo.

BIBLIOGRAFIA

LANG, Paul H. D. Manual da Comisso de Altar. Concrdia; GOERL,


Otto A. Plpito Quaresma (Volume 3) Concrdia; Bblia de Estudo
NTLH SBB; Bblia de Estudo Almeida SBB; Bblia Vida Nova Vida
Nova; O Novo Comentrio da Bblia Vida Nova; Concordia Self-Study
Bible NIV CPH.

Ezequiel Blum
Novo Hamburgo, RS

158
SEXTO DOMINGO NA QUARESMA -
DOMINGO DE RAMOS OU DOMINGO DA
PAIXO
Palmarum
Salmo 24, Isaas 52.13-53.4 ou Zacarias 9.9-12, Filipenses 2.5-11,
Joo 12.12-24 ou Mateus 21.1-9

Joo 12.12-24

No calendrio do evangelista Joo no Domingo, mas na tradio


crist deu-se ltima entrada de Jesus em Jerusalm o nome de Domin-
go de Ramos (Palmarum) ou Domingo da Paixo. Jesus entrou na cidade
saudado por uma multido que acenava com ramos de palmeiras. Na
Bblia a palmeira sempre a tamareira (hebraico: tamar). Esta rvore
era freqente nos osis de deserto (x 15.27) e nas montanhas de
Efraim (Jz 4.5). Por causa de sua formosura, fora e resistncia, o
smbolo do justo (Sl 92.12). No perodo dos Macabeus (sc. II antes de
Cristo), tornou-se o smbolo poltico de fora e vitria do povo de Israel.
A maior parte dos peregrinos foi mais cedo para a Festa da Pscoa
com o intuito de se purificar (Jo 12.12). Outros estavam l para co-
nhecer Lzaro e o profeta que o ressuscitara (Joo 12.9). A multido
aclamou Jesus como o Rei que livraria Israel do jugo romano. Pela
primeira e nica vez Jesus aceitou ser aclamado pelo povo com um
ttulo explicitamente messinico. Jesus no proibiu que o povo o cha-
masse de enviado de Deus, restaurador da casa de Davi. Mas, en-
trando com um jumentinho, mostrou qual era o verdadeiro significado
de sua vinda. O Rei tinha intenes pacficas. No era exatamente o
tipo de rei que a multido esperava. Ela queria um rei belicoso e vito-
rioso montado num cavalo portentoso. Jesus era justamente o opos-
to: um soberano manso e humilde montado num jumentinho.
J dentro da Cidade Santa, Jesus disse por ocasio de alguns gre-
gos que desejavam v-lo: chegada a hora de ser glorificado o Filho
do Homem. Em verdade, em verdade vos digo: se o gro de trigo,
caindo na terra, no morrer, fica ele s; mas, se morrer, produz muito
fruto (Jo 12.23-24). A glorificao de Jesus passava obrigatoriamente
pela morte, dura morte de cruz. Jesus estava bem consciente do de-
senlace fatal de seu ministrio terreno. E isso ns encontramos nos
evangelhos. Jesus o esposo que um dia ser tirado do meio dos seus
amigos (Mc 2.19-20). Ele vai ser batizado e se angustia at que o

159
IGREJA LUTERANA

mesmo se realize (Lc 12.50; Mc 10.39). Ele entende que um profeta


no deve morrer fora de Jerusalm. Aqui j deixa entrever o que deve
lhe acontecer (Lc 13.33). Ele o filho do proprietrio que foi morto e
atirado para fora da vinha (Mc 12.8). Por que o triunfo de Deus se
efetuou por um caminho to doloroso? Como diz Isaas: Verdadeira-
mente, tu s Deus misterioso, Deus de Israel, Salvador (Is 45.15).
A nossa sociedade no gosta de falar sobre sofrimento, morte e
dor. O homem ps-moderno evita tais temas embora esteja cercado
deles a toda hora. como se quisesse negar ou mascarar a realida-
de. Em nosso tempo valoriza-se a aparncia, a riqueza, o poder, o
prazer e isso nada tm a ver com sofrimento e dor. Por isso, soa es-
tranho para muitos o fato de o Filho de Deus ter sofrido e morrido
numa cruz. O cristianismo no exalta o sofrimento e nem o coloca num
pedestal, mas como bem o diz o telogo C. Masson: O Cristo crucifi-
cado ocupa o centro do Evangelho e por esta palavra da cruz (1Co
1.18, 23; 2.2) Deus julga qualquer pretenso do homem a ser dono
do prprio destino e de salvar-se a si mesmo.
Por isso, a mensagem da Cruz no mais uma doutrina entre
outras doutrinas religiosas. A mensagem da Cruz no mais uma
proposta ou soluo ao lado de outras para serem escolhidas segun-
do razes pessoais. A mensagem da Cruz no mais uma possibili-
dade religiosa entre outras para o ser humano. Jesus crucificado se
coloca como evento central e nico na histria da humanidade. Esta
mensagem dirigida a todas as naes e de sua autoridade ningum
escapa.
O mundo ainda no entendeu que a paz nasce necessariamente
da Cruz. H alguns dias assisti a duas reportagens falando da violn-
cia nas escolas de Santa Catarina e de So Paulo. O comentarista de-
solado no sabia nem o que dizer. Estava perplexo, pois a escola um
templo sagrado onde a violncia no deve ter lugar. Ora, o mundo
descartou Deus. Deus foi descartado das escolas. Seu Nome j no
invocado. As suas leis so ridicularizadas e a presena Dele ignora-
da. Ora, como no conhecem o Senhor, no tm paz (Thomas Merton).
Por isso, o Domingo da Paixo o testemunho cristo de que a
paz que o mundo tanto procura no se encontra em filosofias e siste-
mas de ensino, muito menos na democracia e no capitalismo ou qual-
quer outra doutrina poltico-econmico. A maior prova do fracasso dos
projetos humanos a crise global que estamos vivendo. Quem imagi-
naria que a crise iniciada nos Estados Unidos atingiria propores
planetrias? E saber que tudo comeou pela ganncia de bancos que
no tinham limites para lucrar. O resultado o que estamos vendo: a
bancarrota das bolsas, a crise automobilstica e imobiliria. Mas isso

160
SEXTO DOMINGO NA QUARESMA - DOMINGO DE RAMOS OU DOMINGO DA PAIXO

deve servir como lio para os cristos porque muitas vezes aposta-
mos nossa vida e sabedoria em poderes humanos que nada valem. A
paz que o mundo tanto procura brota do soberano manso e pacfico
montado num jumentinho; brota da Cruz onde Jesus de Nazar, Filho
de Deus, se humilhou, tornando-se obediente at a morte e morte
de cruz (Fp 2.8). Jesus o Ecce Homo, o Servo de Jav, o rejeitado, o
humilhado, o torturado, o cuspido, cravado na cruz e quase desespe-
rado. Da Cruz jorra perdo dos pecados, vida e salvao como bem
destaca Lutero no Catecismo Menor. E deste Crucificado podemos di-
zer com firmeza: Ele o Ressuscitado! No foi a morte a ltima pala-
vra de Deus, mas a vida. Sim, a vida foi a ltima palavra que Deus
pronunciou sobre o destino do ser humano. Jesus a primcia dos
que dormem (1Co 15.20). Ele a nossa esperana (1Co 15.19). Ele
no veio traar um caminho. Ele no veio acender uma luz. Ele no
veio revelar uma verdade. Ele o caminho, a verdade e a vida (Jo
14.6). Porque na esperana fomos salvos (Rm 8.24).
Seguem duas oraes. Uma escrita na Segunda Guerra Mundial
(1939-1945) por um pastor luterano enforcado a mando do prprio
Hitler. A outra escrita num front da Primeira Guerra Mundial (1914-
1918) por um soldado. Embora pertenam ao sculo passado, tradu-
zem bem a crise do nosso tempo, apontando para Aquele que nos
ama incondicionalmente:
1) Escuta, Deus! Jamais falei contigo. Sabes, disseram-me que tu
no existias, e eu, tolo, acreditei que era verdade. Nunca havia repa-
rado bem na tua obra, no mundo. Mas, hoje, nesta noite de Natal,
desta trincheira rasgada por granadas, vi teu cu estrelado. Talvez,
mesmo aquela estrela que indicou aos pastores Tua presena na gru-
ta de Belm. E compreendi, ento, que haviam me enganado! No sei
se apertars a minha mo; ela to manchada. Vou explicar e hs de
me compreender. engraado! Neste inferno hediondo, achei a tua
luz e pude enxergar teu rosto (Trecho de uma orao encontrada no
bolso de um soldado morto no campo de batalha).
2) Senhor, d s nossas almas amedrontadas a salvao que
nos tens preparado. E tu nos apresentas o duro clice, o amargo
clice do sofrimento cheio at a borda, e ns o tomamos, sem tremer,
da tua boa e amada mo... Deus est conosco de tarde e de manh,
absolutamente, em cada novo dia (Dietrich Bonhoeffer).

Gelson Neri Bourckhardt


Curitibanos, SC

161
IGREJA LUTERANA

QUINTA-FEIRA SANTA
Endoenas
Salmo 116.12-19, xodo 12.1-14, 1 Corntios 11.23-32 ou 1
Corntios 11.17-32, Joo 13.1-15

Joo 13.1-15

Algumas Consideraes Introdutrias


A partir de Joo 13 at Joo 17, Jesus dedica-se exclusivamente
aos seus discpulos. Sua ateno volta-se somente para os doze. A
palavra amor aparece apenas seis vezes em Joo 1-12 e trinta e seis
vezes em Joo 13-17. Joo no fala nada da instituio da Ceia, dife-
rentemente dos evangelhos sinticos. Um evangelho que tem um ca-
ptulo como Joo 6 parece no precisar mesmo da instituio da Ceia
propriamente dita! Mas somente Joo tem o lava-ps, essa sublime
lio concreta, visvel e palpvel de humildade e de amor.
Uma maneira errada de entender a lio pretendida por Jesus
pensar que a gente veio ao mundo e est na igreja para ter os ps
sendo lavados por algum. A lio que Jesus quer transmitir dita
por Ele no versculo 15: Pois eu dei o exemplo para que vocs faam
o que eu fiz!
Nunca por demais lembrar que as pessoas da poca e do lugar
tomavam suas refeies mesa, reclinados, recostados, quase dei-
tados. Assim estavam os discpulos quando Jesus lavou os ps deles,
pois eles estavam jantando (v.2).
Antes de sair para uma festa (jantar, banquete, etc.) todos toma-
vam banho, mas seus ps ficavam empoeirados e passavam a cheirar
mal porque as sandlias da poca eram de couro cru, diferente do
couro de nossos sapatos de hoje. Por isso, depois que chegavam, se
assentavam mesa e um escravo fazia o servio de lavar os ps de
todos. Precisavam lavar os ps por causa do mau cheiro.
No caso do grupo de Jesus, eles estavam sem o escravo lavador,
algum pago para isso. A cena a seguinte: todos esto mesa,
reclinados (quase deitados), a bacia, a gua e a toalha esto l
espera do escravo lavador. Todos tm os ps sujos mal cheirosos,
mas nenhum dos discpulos se dispe a fazer o servio do escravo.
Eles tinham outra preocupao (Lc 22.24). Jesus, ento, faz a vez de
escravo e lava os ps de todos eles.
A Expectativa dos Discpulos
Depois de ver o que viram em Betnia nos dias anteriores (a ressur-

162
QUINTA-FEIRA SANTA

reio de Lzaro, etc.), qual no era a expectativa deles para um en-


contro a ss com Jesus? Lembremo-nos da pergunta deles no dia da
Ascenso de Jesus: agora que o Senhor vai devolver o Reino para
Israel? (Atos 1.6). Alm disso, tinham a grande preocupao de saber
qual deles era o mais importante (Lc 9.46; Mt 18.1; Mc 9.34). Lucas nos
informa que mesmo aqui, depois do lava-ps e da Santa Ceia, eles
insistiram nessa mesma preocupao: Os apstolos tiveram uma for-
te discusso para saber qual deles era o mais importante! (Lc 22.24).
A bacia estava l, assim como a toalha e a gua. Mas eles preferiram
discutir sua preocupao sobre qual deles era o mais importante. Em
Lucas, Jesus fala aos discpulos (Lc 22.25-30). Em Joo, Jesus lava os
ps desses discpulos. A natureza humana, denunciada nesta expec-
tativa dos discpulos, est no meio da Igreja. E ela mostra suas garras
tambm atravs de algumas preocupaes que ocupam as mentes das
pessoas, sobre as quais elas discutem, investem seu tempo.

JUDAS E O DIABO

O Diabo, adversrio de Jesus e da Igreja, estava l, no meio da


Igreja! Que coisa! O Diabo na Igreja. Havia uma profecia que deter-
minava a traio de Judas. Sendo assim, Judas trairia Jesus. Fosse
como fosse. A traio fazia parte do plano da Salvao. S a traio.
E mesmo que no parea, isso importante. No estava determinado
pela profecia divina que Judas no se arrependesse do seu pecado e
no cresse no perdo de Jesus e se suicidasse depois. Isso impor-
tante porque uma parte do nosso povo parece morrer de d de Judas;
isso por acharem que a profecia determinava tambm o suicdio dele.

O LAVA-PS E NS

Todos tivemos os nossos pecados lavados pelo sangue de Jesus.


Muito mais do que os ps lavados com gua. Fomos completamente
purificados. Todos ns devemos ser humildes e seguir o exemplo do
Mestre: lavar os ps uns dos outros. Por que no? Claro que o princ-
pio mais importante que a ao de lavar os ps. Vale o princpio,
no o mtodo. Permanece o princpio da humildade e do amor. Mesmo
que nunca lavemos os ps de ningum.

O CARTER E A PERSONALIDADE DE JESUS

Poucos relatos do Novo Testamento falam to aberta e profunda-


mente do carter e da personalidade de Jesus.

163
IGREJA LUTERANA

Jesus sabia que o Pai lhe tinha dado todo o poder e sabia tam-
bm que tinha vindo de Deus (o que na linguagem de Joo significa
dizer que era Deus!). Ento se levantou, tirou sua capa, pegou uma
toalha e a amarrou na cintura. Em seguida ps gua numa bacia e
comeou a lavar os ps dos discpulos e a enxug-los com a toalha...
(vv. 3-5).
Jesus sabia que todas as coisas estavam em suas mos. Jesus
sabia que estava a poucos dias da glorificao. Mas permaneceu na
humildade. Naquela noite de quinta-feira da semana santa, a cerca
de doze horas da vitria final sobre os inimigos, ele lavou os ps de
doze homens. Que lio essa! Que amor! Que humildade!
Jesus sabia que era Deus. Deus lavou os ps desses homens!
Jesus sabia que Judas o trairia. Isso s acendeu ainda mais o seu
amor. O lava-ps uma lio profunda de humildade encharcada de
amor.

SUGESTES PARA A PREGAO

Acho que a melhor maneira de pregar o texto em foco no preg-


lo. Ao menos no em forma de sermo; mas fazer o que Jesus fez:
lavar os ps das pessoas.
Sugiro:
- Preparar a igreja com bacias, toalhas e gua. Boa msica ambi-
ente. E provocar o lava-ps. Quem chega tem os ps lavados e enxu-
gados. O pastor pode ser o primeiro. Quem tem os ps lavados lava
os ps de quem vai chegando. Isso deve tomar alguns minutos. De-
pois podem ser lidos os textos indicados para o dia e cantados al-
guns hinos e, ento, celebra-se a Ceia.
- Ao invs do sermo no culto, a encenao do lava-ps. No pre-
cisa ningum se reclinar, usa-se a estrutura pintada por Da Vinci e
encena-se o ritual do lava-ps. O roteiro e a ordem saem do prprio
relato de Joo.
- Ou ainda, promove-se o lava-mos, ao invs do lava-ps. No
momento do sermo, duplas lavam-se as mos. Comear pelas mos
parece ser mais prudente. Os ps podem ficar para o ano que vem...
A cena fica forte. Exatamente como o relato de Joo 13.1-15.

Nestor Duemes
Esteio, RS

164
SEXTA-FEIRA SANTA OU
SEXTA-FEIRA DA PAIXO
Salmo 22.1-11, Isaas 53.4-12 ou Osias 6.1-6, 2 Corntios 5.14-21
ou Hebreus 5. (1-6) 7-9, Joo 18.1-19.42

Joo 18.1-19.42

LEITURAS DO DIA

Ao chegar o momento da crucificao e durante aquelas seis ho-


ras de sofrimento, Jesus passou por indescritveis agonias. O
evangelista Joo, como outros evangelistas, moderado para no
explorar dramaticamente esse aspecto. O objetivo apontar para
Jesus como o Salvador, o Filho de Deus humanado e despertar a f
nele (Jo 19.35). Observamos o sofrimento de Cristo como prova de
sua misericrdia e de seu amor para nos reconciliar com Deus (cf. a
leitura da epstola).
Ter piedade de Jesus rejeit-lo. Nessas horas ficar com peninha
de Jesus no prova de arrependimento sincero pelos pecados e
muito menos prova de culto a Deus (conferir leitura do AT), pois impli-
ca no reconhecer quem ele e qual o significado de sua vida e obra.
Jesus quer operar uma verdadeira transformao em nosso modo
de viver a f.
Sl 22.1-11: O lamento de Davi expressa tambm sua confiana
em Deus (vv.3-5, 9,10). Mesmo em meio a uma aparente rejeio da
parte de Deus (vv. 1,2) e desprezo dos homens (vv. 6-8), o salmista
pede a ajuda e o livramento de Deus (v.11).
um salmo messinico e um dos mais citados no NT. Note como
descreve com intensidade e vivacidade as circunstncias da crucifica-
o de Jesus (compare com Mt 27.35, 39, 43 e Jo 19. 23, 24, 28).
Os 6.1-6: As tentativas de Israel e Jud de converso na hora do
aperto no comovem a Deus. Como o Senhor sabe de todas as coisas
e tudo v, sabe tambm que a converso do povo superficial e
insincera. Osias compara esta pseudoconverso como a cerrao
ao nascer do sol (NTLH) ou como o orvalho que seca logo nas primei-
ras horas da manh.
O que Deus espera de seus filhos uma mudana radical de vida.
Um corao cheio de amor e no meros atos de culto e sacrifcios
vazios (v.6).

165
IGREJA LUTERANA

2 Co 5.14-21: A cruz de Cristo anuncia o fim da inimizade da hu-


manidade com Deus e inaugura a era da reconciliao universal. Essa
mudana de vida no mrito humano, mas est fundamentada na
imensa graa de Deus em Cristo. A morte de Cristo mudou (reconci-
liou) a nossa posio diante de Deus. No somos mais vistos como
inimigos de Deus, porm agora somos amigos dEle.
Jo 18.1-19,42: Narrativa da paixo. Joo nos mostra detalhes
que outros evangelistas no trazem. Especialmente podemos citar: a
formulao do ttulo sobre a cruz (INRI) e o pedido para que fosse
alterado (19.19-21), a meno da tnica (19.23-24), a entrega da
me ao cuidado do discpulo (19.25-27), o pedido para beber e o cla-
mor (19.28-30), alm do procedimento dos soldados aps a morte de
Jesus (19.31-37).

CONTEXTO

Aps a sua belssima orao, captulo 17, tambm conhecida como


a orao sacerdotal, Jesus se retira com seus discpulos para o jar-
dim do Getsmani, onde, em algumas horas, seria levado para o in-
terrogatrio na casa de Ans (18.13) e depois para a casa de seu
genro Caifs, o Grande Sacerdote daquele ano (18.19-24). Enquanto
Jesus era interrogado, recebia bofetadas e era transferido de um lu-
gar para outro, Pedro insistia em negar que era seguidor de Jesus
(18.15-18; 25-27).
O captulo 19 a continuao do julgamento de Jesus (iniciado em
18.28-40), s que agora perante o governador romano Pilatos. Dian-
te de todo contexto e propsitos divinos, Jesus condenado, crucifi-
cado, morto e sepultado (19.17ss.). Tudo isso para se cumprir o que
as Escrituras Sagradas, com muita antecedncia, j haviam previsto.

TEXTO

Captulo 18: Foi no Getsmani que o Senhor foi tentado com o


terror da morte, que ele lutou em orao com seu Pai, que seu pr-
prio sangue foi pressionado pelos poros por causa da intensidade do
seu sofrimento, mas onde tambm corajosamente recuperou a fora
e a coragem para enfrentar o imediato sofrimento. Aps ser captura-
do no Getsmani, Jesus levado embora, primeiro a Ans, depois ao
sindrio, sob a presidncia de Caifs, enquanto Pedro o nega trs
vezes; de manh levado sala de julgamento de Pilatos, onde ele
testemunha sobre seu reino.
Captulo 19.17: Eles refere-se aos soldados romanos, que eram

166
SEXTA-FEIRA SANTA OU SEXTA-FEIRA DA PAIXO

responsveis pela execuo da sentena, conforme Jesus previra (Lc


18.32). Carregando a sua cruz indica que Jesus a levou pelo menos
em parte do caminho (cf. Lc 23.26); o smbolo de sua luta e vitria.
Saiu: o Calvrio ficava fora dos limites da cidade de ento (cf. Lv
16.27; Hb 13.11-13).
V. 18: A crucificao, o mais cruel e srdido dos castigos, era
efetuada de vrias maneiras. A mais comum, que est subentendida
nesta narrativa, consistia em fixar os braos ou mos da vtima no
travesso para ento i-lo at que ele ficasse em cima da estaca
vertical, que podia servir de uma espcie de assento no tanto
para alvio do condenado, mas para prolongar sua vida e agonia. As
mos e ps podiam ser afixados na madeira com tiras de couro ou
com pregos. De acordo com Joo (o nico evangelista a mencionar
mais este detalhe), foram usados pregos na crucificao de Jesus (cf.
20.25).
Vv. 19-22: Era costume escrever em uma placa o crime do qual
o condenado fora achado culpado e afix-lo sobre a sua cabea (como
aqui) ou prend-la ao redor do seu pescoo. As palavras do ttulo
deixam claro que a acusao por causa da qual Jesus foi sentenciado
morte na cruz era aquela que primeiro foi levada a Pilatos. Joo v
um significado mais profundo no ttulo na cruz, que nem Pilatos nem
os principais sacerdotes podiam apreender. chegada a hora de ser
glorificado o Filho do homem. O crucificado o rei verdadeiro, o rei
mais real de todos; por ser ele quem est estendido na cruz, ele
transforma um instrumento infame de tortura em trono de glria (Gn
9.27; 49.10).
Vv. 23-27: Joo o nico que faz referncia tnica. Havia
duas vestes principais a capa (himation), vestimenta exterior, e a
tnica (chiton), usada por baixo. A capa foi dividida em quatro partes,
talvez seguindo as costuras. A tnica, porm, que consistia de uma
nica pea de pano, valia muito mais se fosse deixada inteira do que
rasgada em pedaos. Por isso os soldados decidiram lanar sortes
sobre ela, de modo que ficasse com o homem cujo nmero fosse sor-
teado.
Joo acompanha todo o julgamento de Jesus (na casa de Ans,
na de Caifs e perante Pilatos). Em seguida foi avisar aos discpulos e
s mulheres. Voltou cena para ver a crucificao, que descreve com
detalhes. Saiu para buscar Maria, a me de Jesus, e as outras mulhe-
res. Logo em seguida vai retirar-se para levar Maria para casa. Volta
cena para presenciar o seu final que, de novo, descreve com deta-
lhes.
Vv. 28-30: A morte de Jesus. At aqui Jesus estava pendurado

167
IGREJA LUTERANA

na cruz por trs horas (9-12h ou 3 6 hora na contagem judaica).


A, ao meio-dia, o brilho do sol, da lua e das estrelas foi totalmente
encoberto. Por trs horas, houve trevas, at que aconteceu o terre-
moto e outros claros sinais (milagres) de Deus para marcar esse mo-
mento (Mt 27.45-51).
Comeam as reais dores da cruz: fsicas, mentais e espirituais;
o sofrimento atinge um clmax que no podemos imaginar com nossa
limitada mente. A vida fsica se desmanchou (Sl 22). A alma e o espri-
to experimentaram total abandono e solido em relao ao Pai. A
prpria natureza divina passou por humilhao e esvaziamento at
ao extermnio.
Soldados, povo e, principalmente, os lderes blasfemam contra
Deus, ridicularizando a mais preciosa esperana: a promessa da vin-
da do Rei/Messias. Em contraste, Jesus age e fala em linguagem de
puro evangelho, consolidando de uma vez por todas a vontade do
Pai.

SUGESTO DE TEMA

A morte de Jesus consumou o plano divino (v. 30).

Hber G. Fach
So Paulo, SP

168
VSPERA DA PSCOA
SBADO DE ALELUIA
Daniel 3.1, 3-9, 12-29, 1 Pedro 3.17-22, Mateus 27.57-66

Mateus 27.57-66

CONTEXTO

O texto consta do final da Histria da Paixo e Morte de Cristo,


relatando o sepultamento de Jesus, logo aps sua morte, e a guarda
do sepulcro. Enquanto o sepultamento relatado pelos quatro
evangelistas, a guarda do sepulcro com os acontecimentos posterio-
res em relao e ela, no cap. 28, apenas Mateus relata.
A leitura do Antigo Testamento para esse dia, Dn 3.1, 3-9, 12-29,
nos conta o episdio to conhecido dos 3 homens na fornalha de fogo
ardente, os quais, semelhana de Jesus, seus inimigos queriam eli-
minar para sempre, mas que, pelo poder milagroso de Deus, saram
ilesos da fornalha e, em consequncia, o nome de Deus foi glorifica-
do, como tambm foi glorificado o seu nome com a ressurreio triun-
fante de Jesus.
A epstola para este dia, 1 Pe 3.1722, nos relata a descida de
Jesus ao inferno, logo depois de sua revivificao no sepulcro a fim de
comunicar a sua vitria aos espritos em priso. Ao passo que o epis-
dio do sepultamento de Jesus ainda pertence ao estado de sua humi-
lhao, a descida ao inferno j pertence ao estado de sua exaltao,
que culminou com a sua subida ao cu, onde est destra de Deus,
ficando-lhe subordinados anjos, e potestades, e poderes (1 Pe 3.22).

TEXTO

Vv. 57-58: O nosso texto comea com Jos de Arimatia que, ao


cair da tarde, isto , entre as 3 e 6 horas, foi a Pilatos e lhe pediu o
corpo de Jesus. Mateus diz que era rico. Lucas lhe atribui duas quali-
dades morais: homem bom e justo, que esperava o reino de Deus.
Mateus ainda diz que era discpulo de Jesus e Joo acrescenta: ain-
da que ocultamente pelo receio que tinha dos judeus. Marcos ainda
nos informa que era ilustre membro do Sindrio e Lucas complementa
essa informao dizendo que no tinha concordado com o desgnio e
ao dos outros membros do Sindrio.

169
IGREJA LUTERANA

Ele foi a Pilatos e lhe pediu o corpo de Jesus e Marcos acrescenta


resolutamente, o que bem indica que havia deixado para trs o seu
medo de confessar a Jesus publicamente, assumindo assim uma ati-
tude corajosa.
Enquanto nosso texto indica que Pilatos entregou-lhe o corpo de
Jesus prontamente, Marcos intercala as palavras de que admirou-se
que Jesus j tinha morrido e s depois de ter sido informado pelo
comandante da guarda dos trs crucificados no Calvrio, cedeu o cor-
po a Jos.
Vv. 59-60: Mateus omite que mais uma pessoa importante ajudou
a Jos no sepultamento e de que s Joo nos informa. Era Nicodemos,
aquele que anteriormente viera ter com Jesus noite (Jo 3.1-15).
Enquanto Jos trouxera um pano limpo de linho em que envolveu no
corpo de Jesus, Nicodemos estava trazendo cerca de cem libras de
um composto de mirra e alos. Tambm ele era membro do Sindrio.
Certa vez ele interpelara um grupo de fariseus que estavam caa
de Jesus com as palavras: Acaso a nossa lei julga um homem, sem
primeiro ouvi-lo e saber o que ele fez?
Jos colocou o corpo de Jesus no seu prprio tmulo que fizera
abrir numa rocha, onde, segundo Lucas, ainda ningum havia sido
sepultado (Jo 19.42). Esse tmulo ficava num jardim e perto do lugar
onde Jesus havia sido crucificado (Jo 19.42). Era um lugar providenci-
al para aquela situao, pois s seis horas da tarde comeava o s-
bado e logo depois cairia a noite em que qualquer cadver pendura-
do num madeiro tinha que ser enterrado para no contaminar a terra
(Dt 21.2 3).
A providncia divina est presente em todo o episdio do sepulta-
mento. Cumpriram-se nele algumas valiosas profecias da Escritura,
como, por exemplo, Is 53.9: Designaram-lhe a sepultura com os per-
versos, mas com o rico esteve na sua morte. Jesus, na sua morte,
recebeu todas as honras que os judeus prsperos esperavam para si
mesmos. Tambm cumpriu-se nele a profecia do Sl 16, que Pedro cita
no seu sermo pentecostal, que no ficaria na morte nem experimen-
taria a corrupo (At 2.27). Para isso era necessrio que fosse sepul-
tado numa sepultura nova, no contaminada pela corrupo de um
outro corpo. Da mesma forma, foi sepultado sem que lhe quebrassem
as pernas, como o fizeram com os dois malfeitores, cumprindo-se a
profecia de x 12.46 e Nm 9.12. Foi tambm sepultado com um lado
traspassado, de acordo com a profecia em Zc 12.10 Uma grande pe-
dra, rolada para fechar a entrada do sepulcro, encerrou o ato do se-
pultamento.
V. 61: Mateus s cita duas mulheres que se encontravam ali ob-

170
VSPERA DA PSCOA SBADO DE ALELUIA

servando a cena, enquanto Lucas se refere s mulheres que vieram


com Jesus da Galilia. bem possvel que algumas mulheres, como,
por exemplo, Maria, me de Jesus, j se haviam retirado para descan-
sar, sendo que as duas Marias, mencionadas por Mateus, representa-
vam as outras para servirem de guias a todas elas na prxima manh
quando intencionavam vir a fim de embalsamar o corpo de Jesus.
Vv. 62-66: Esses versculos, exclusivamente de Mateus, nos rela-
tam que no dia seguinte, isto , no sbado, os principais sacerdotes
e os fariseus vieram a Pilatos, pedindo-lhe uma escolta ou guarda
que guardasse o sepulcro de Jesus at o terceiro dia, pois lembra-
ram-se que Jesus, quando ainda vivo, tinha dito que depois de trs
dias ressuscitaria. A sua alegao para o pedido era que os discpu-
los poderiam roubar o corpo de Jesus e depois dizer ao povo que
tinha ressuscitado, sendo que ento o segundo embuste ou fraude
de que Jesus ressuscitara dos mortos, seria pior que o primeiro, quan-
do Jesus, ainda em vida, foi proclamado ao povo como o Messias pro-
metido. interessante observar que chamaram a Pilatos de kurios,
Senhor, ttulo que s cabia a Jesus, e a Jesus chamaram de embus-
teiro, o que bem nos mostra como a descrena pode distorcer a rea-
lidade e colocar a verdade de pernas para o ar. Pilatos prontamente
atendeu a seu pedido e deu-lhes a incumbncia de colocar a guarda e
selar a pedra que fechava a entrada do tmulo.
Tambm aqui podemos aplicar o dito de que o homem pe e Deus
dispe. Cumpriu-se exatamente o oposto do que pretendiam alcan-
ar. Os guardas no conseguiram manter Jesus na sepultura. Torna-
ram-se testemunhas de sua ressurreio e nem o suborno que de-
pois receberam dos judeus para mentir pde impedir que a mensa-
gem da ressurreio de Jesus se propagasse clere pelo mundo de
ento e fosse crida e ainda hoje crida por milhes de pessoas espa-
lhadas entre e as naes do mundo inteiro. Quantas vezes na Hist-
ria da igreja, e ainda hoje, os planos dos inimigos de Jesus esboroaram
e no puderam conter a verdade do seu evangelho. Durante a Refor-
ma, todas as medidas tomadas para silenciar o Reformador, apenas
contriburam para difundir ainda mais a verdade que havia descober-
to na Bblia. Ainda nos dias de hoje, o combate dos verdadeiros cris-
tos pelo atesmo, pelo comunismo, pelo racionalismo e outros ismos
apenas tem suscitado o testemunho corajoso de muitos cristos, glo-
rificando a verdade do evangelho.
Tambm ainda hoje h tantos que rejeitam a explicao da tumba
vazia pela ressurreio de Cristo e preferem crer em teorias absur-
das como a do roubo do corpo de Jesus pelos discpulos, ou como a
teoria do desmaio ou da alucinao coletiva. Que Deus conceda a

171
IGREJA LUTERANA

todos ns a certeza absoluta da ressurreio de Jesus e tambm da


nossa e nos faa exclamar com Paulo: Graas a Deus, que nos d a
vitria por intermdio de nosso Senhor Jesus Cristo (1 Co 15.57).
Vejamos ainda como o episdio do sepultamento de Cristo nos
pode consolar, porm tambm advertir. Podemos ter a certeza de que
nosso Salvador realmente estava morto, quando foi sepultado, e pela
sua morte fomos reconciliados com Deus (Rm 5.10). O sepultamento
de Cristo tambm to consolador para ns, porque o nosso prprio
sepultamento foi por ele santificado. Como crentes em Cristo, a mor-
te no tem mais poder sobre ns e a nossa estada na sepultura
apenas uma passagem pela qual entramos na vida eterna. Os justos
entram na paz, descansam na sepultura como se fosse o seu leito (Is
57.2). Bem-aventurados so os mortos que, desde agora, morrem no
Senhor (Ap 14.13). Por isso os cristos mudaram o nome de necr-
pole (cidade dos mortos) para cemitrio (dormitrio). Finalmente,
o sepultamento de Cristo para ns to consolador, pois com ele
Cristo levou junto os nossos pecados e os enterrou no tmulo e ns
podemos ressuscitar para uma nova vida.
No entanto, o sepultamento de Cristo tambm nos adverte, nas
palavras de um pregador, a no raspar de novo os nossos pecados
para fora do tmulo e voltar a nossos pecados prediletos e permitir
que dominem sobre ns. Lembremo-nos de que fomos batizados em
Cristo na sua morte para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os
mortos, pela glria do Pai, assim andemos ns tambm em novidade
de vida (Rm 6.3-4).

PROPOSTAS HOMILTICAS

O texto sugere diversas propostas, entre as quais alinharemos as


seguintes:
Algumas verdades que nos ensina o sepultamento de Cristo
1 Que foi sepultado com todas as honras por seus amigos.
2 Que seu sepultamento, ao mesmo tempo, nos consola e ad-
verte.

A providncia divina revelada no sepultamento de Jesus


1 Deus fez cumprir nele as profecias feitas no Antigo Testamento.
2 Deus converteu a guarda do sepulcro de Jesus numa prova de
sua ressurreio.

As fases pelas quais passou a guarda do sepulcro de Jesus


1 Ela foi montada para oferecer a mxima segurana.

172
VSPERA DA PSCOA SBADO DE ALELUIA

2 Ela foi destroada pela ressurreio de Jesus.


3 Ela foi subornada para no contar a verdade a respeito da
ressurreio de Jesus.

Paulo F. Flor
Dois Irmos, RS

173
IGREJA LUTERANA

DOMINGO DE PSCOA
A RESSURREIO DO SENHOR
Salmo 118.19-29, Daniel 12.1c-3, Colossenses 3.1-4 ou 1 Corntios
5.6-8, Marcos 16.1-8

Marcos 16.1-8

A RESSURREIO DE CRISTO PROVOCA SILNCIO...


(O SILNCIO REVERENCIAL)

CONTEXTO LITRGICO E DEMAIS LEITURAS

Cada srie de leituras associa a Ressurreio com assuntos dife-


rentes. A srie A destaca a vitria de Cristo sobre a morte. A srie C
mostra a harmonia entre soteriologia e ressurreio. As leituras para
Pscoa da srie Reformulada, por sua vez, sublinham o carter
escatolgico da Ressurreio.
O Salmo 118.18-29, hino cltico-responsivo, aponta para o car-
ter universal da salvao. O Messias a pedra angular, que os cons-
trutores rejeitaram. Ele a ponte entre gentios e judeus. Dn 15.1-3c
o nico texto do AT que usa o termo vida eterna. Daniel escreve
que justos e mpios ressuscitaro para o julgamento final. Aqueles
que tiverem seu nome escrito no Livro sero salvos. H duas opes
para a leitura da epstola: 1Co 5.6-8 e Cl 3.1-4. Escolhemos a leitura
de Colossenses por se alinhar melhor com o destaque escatolgico
das demais leituras. Cl 3.1-4 lembra que o cristo morreu e sua vida
est oculta com Cristo em Deus. Quando Cristo se manifestar, os
cristos tambm sero manifestados em glria (v.3).

174
DOMINGO DE PSCOA A RESSURREIO DO SENHOR

O TEXTO E SEU CONTEXTO

CONTEXTO

Conforme a tradio, o segundo evangelho resultado do regis-


tro (sucinto e direto) que Marcos fez das memrias e ensinos de Pedro.
No relato da ressurreio, Marcos apresenta um quiasmo interessan-
te:
A- No primeiro dia da semana, as mulheres vo ao tmulo de Je-
sus, antes do sol nascer.
B- Elas dizem umas s outras: Quem vai mover a pedra da
porta do sepulcro?
C- e olhando viram que a pedra estava revolvida, e era ela
muito grande.
D- Elas entraram no sepulcro, viram um jovem senta-
do direita, vestido de branco; e ficaram espantadas.

D- Ele disse: No fiquem assustadas; voc procuram


Jesus, o Nazareno, que foi crucificado. Ele foi ressusci-
tado, no est aqui; vejam o lugar onde o colocaram.
Vo e contem aos seus discpulos e a Pedro que ele
vai adiante de vs para Galilia. Ali vocs o vero.
C- E elas sairam apressadamente, fugiram do sepulcro.
B- e no disseram nada a ningum, porque estavam com mui-
to medo.
A- ____________________________

Nota-se que no h o paralelo para o verso A. O verso A est


faltando. Mas, e o versculo 9? A reside uma questo intrigante. Con-
forme os manuscritos mais antigos, os versculos 9 a 20 do captulo
16 no fazem parte do texto de Marcos1. Foram adicionados posteri-
ormente por algum copista incomodado com o final abrupto do evan-
gelho no versculo 82.
O suposto final repentino do evangelho, apesar de incomum, traz
algumas percepes interessantes. O relato da Ressurreio em Mar-
cos no apresentaria Jesus ressurreto em cena de forma direta. Lite-

1
Os manuscritos B, a, Siracos e Armenianos no contm os versculos 9-20.
2
METZGER, Bruce. A textual commentary on the Greek New Testament. 2. ed. Suttgart:
Deutsche Bibelgesellschaft, 1994. 102-107

175
IGREJA LUTERANA

rariamente, este artifcio causaria a impresso de que Jesus estaria


prestes a se revelar, tanto aos discpulos como ao leitor do evange-
lho. O final abrupto seria um belo recurso para sublinhar o carter
escatolgico da Ressurreio: Cristo prestes a se revelar novamente!

O TEXTO

V. 1,2: O embalsamento no era prtica comum aos judeus. Pro-


vavelmente as mulheres iriam apenas ungir o corpo de Jesus. A atitu-
de das mulheres mostra sua total descrena numa possvel ressurrei-
o. Elas vo prontas a ungir um cadver.
Vv. 3,4: A indagao das mulheres , de certa forma, uma ironia.
Elas aguardavam a ajuda de algum para mover a pedra, mas no se
perguntavam se haveria a possibilidade de Jesus ressuscitar.
V. 5: Elas ficam espantadas diante do jovem vestido de branco,
sentado direita do sepulcro. O verbo e;kqambeis> te denota a reao
humana diante da operao poderosa de Deus. a unio do medo/
assombro com a admirao3.
V. 6: O jovem, que Mateus revela se tratar de um anjo, diz s
mulheres que elas no deveriam estar to espantadas, afinal, o pr-
prio Jesus havia dito que retornaria dos mortos no terceiro dia. A ope-
rao poderosa de Deus no deveria peg-las de surpresa.
V. 7: A preocupao em citar Pedro especificamente evidencia a
preocupao em dar as boas novas da ressurreio ao discpulo arre-
pendido e contrito por haver negado Jesus. Pedro estava sedento
pelo perdo, por isso a Ressurreio seria uma noticia de grande ale-
gria para ele.
V. 8: As mulheres ouvem o jovem e fogem do sepulcro, porque
estavam possudas de medo e assombro. Conforme Marcos, elas
no contam nada a ningum, porque estavam com medo. O termo
assombro (e;kstasij) denota o xtase de algum que foi retirado de
sua rotina e cosmoviso normal, mediante o impacto de um poder ou
experincia fora dele,4 e o termo medo (Foboj)5 em Marcos denota
um temor santo.6 Alguns autores7 interpretam o silncio das mulhe-

3
e;kqambeis> te o termo usado por Marcos para descrever a atitude da multido aps o
primeiro exorcismo de Jesus (1.27) e a reao dos discpulos na Transfigurao (9.15).
4
ibid. p. 782-4.
5
o termo usado para descrever a reao da mulher curada de hemorragia (5.33).

176
DOMINGO DE PSCOA A RESSURREIO DO SENHOR

res como pr-condio para a posterior proclamao evanglica. Seu


silncio no seria fruto do puro medo aterrorizante, mas do temor
reverencial diante da maravilha do poder de Deus em ressuscitar o
Salvador. O silncio s reverencial quando precede a ao. As mu-
lheres no ficaram caladas por muito tempo. Elas relataram aos disc-
pulos tudo o que viram e ouviram. No guardaram para si as notcias
da Salvao.

COMENTRIO HOMILTICO

O silncio reverencial das mulheres foi a reao diante do


inacreditvel poder de Deus em ressuscitar Seu Filho. Elas estavam
assombradas! Por isso mesmo, a surpresa e o silncio transforma-
ram-se em jbilo8 e as impulsou a proclamar a vitria de Cristo sobre
a morte. O carter quase exttico do jbilo das mulheres causou es-
tranheza nos discpulos e os fez duvidar da veracidade das afirma-
es sobre a Ressurreio.
A proclamao evanglica tambm deve surpreender as pessoas
de hoje. Nossa pregao deixa as pessoas assombradas diante
das maravilhas da graa de Deus? As pessoas esto cansadas do
discurso fcil e vazio da Teologia da Prosperidade. Esto enjoadas
com a pregao poltico- partidria da Teologia da Libertao e caren-
tes do amor e graa de Deus. A pregao de Lei e Evangelho surpre-
ende os ouvidos dos que esto cansados do legalismo. Por isso, a
proclamao do amor de Deus na cruz de Cristo e Sua vitria sobre a
morte causa surpresa e admirao. Esse o nosso desafio! Vamos
assombrar as pessoas proclamando: Jesus, que morreu por todos,
foi ressuscitado! A morte foi derrotada! Vamos assombrar o mundo
agindo em favor dos excludos e marginalizados.
O carter escatolgico da percope em destaque tambm surpre-
ende. O final abrupto de Marcos provoca no leitor a sensao de que,
a qualquer momento, o Jesus ressurreto aparecer em cena. A espe-
ra pelo volta de Cristo tambm assombra, pois ser a revelao
derradeira da glria de Deus. Esse recurso pode ser usado em nos-
sas mensagens: relacionar a Ressurreio de Cristo com Sua Volta.
Levar nossos ouvintes ao silncio reverencial diante da revelao

6
Dicionrio Internacional de Teologia do Antigo Testamento. So Paulo: Vida Nova,
1999. Cf. Is 1.27: Sio ser redimida pelo direito, e os que se arrependem pela justia
p. 1264.
7
D. Ninehan.
8
Mateus escreve que as mulheres saram em temor e grande jbilo (28.8).

177
IGREJA LUTERANA

do poder de Deus, da ao do Esprito Santo no Batismo e na Palavra


e do perdo vitorioso de Cristo na Santa Ceia. O silncio reverencial
leva ao, proclamao do evangelho. Ele preldio do contagiante
jbilo que leva o cristo ao xtase (no bom sentido) e ao emptica-
simptica pelas pessoas, especialmente pelos excludos de nossa
sociedade.

PROPOSTA HOMILTICA

Tema: A Ressurreio de Cristo causa silncio...

INTRODUO

O silncio como louvor, como assombro diante das maravilhas de


Deus...
I porque nos revela o inacreditvel poder de Deus na vitria sobre a
morte!
Molstia: Incredulidade. As mulheres sequer cogitavam a ressur-
reio. Foram ao tmulo para encontra um cadver (v.1-2). Nossa
mentalidade empirista tambm no aceita a Ressurreio. Esto
procura do tmulo definitivo de Jesus.
Evangelho: Deus revela seu poder assombroso ao levantar Seu
Filho dos mortos. Mostra seu total controle sobre o Universo e Sua
vitria sobre a morte, o pecado e o diabo. H de se contemplar o
tmulo vazio!
II porque aponta para a Volta de Cristo!
Molstia: A Ressurreio surpreendeu as mulheres; da mesma
forma, muitos sero supreendidos pela Volta de Cristo para julgar
vivos e mortos.
Evangelho: A volta de Cristo revela o poder assombroso de Deus
na vitria final sobre o diabo, o pecado e a morte. Ser o dia de jbilo
aos assombrados e crentes na morte e ressurreio de Cristo!
III ...que nos leva ao jbilo e ao!
Molstia: silncio reverencial s denota louvor quando precede a
ao! Mulheres no ficaram caladas. Aps o silncio, foram e procla-
maram a Ressurreio.
Evangelho: Nossa ao e proclamao so resultado direto da
ao inexplicvel de Deus. Seu assombroso poder nos leva a agir,
proclamando o evangelho (testemunho) e agindo em amor ao prxi-
mo, com empatia e simpatia.

178
DOMINGO DE PSCOA A RESSURREIO DO SENHOR

Concluso
Um convite ao silncio reverencial diante do tmulo vazio e ao
subsequente em proclamar com palavra e atos o evangelho de Cristo.

Mrio Rafael Yudi Fukue


Passo Fundo, RS

179
IGREJA LUTERANA

SEGUNDO DOMINGO DA PSCOA


Quasimodogeniti
Salmo 16, Ezequiel 37.1-14, 1 Pedro 1.3-9, Joo 20.19-31

Joo 20.19-31

CONTEXTO (CENRIO LITRGICO, HISTRICO)

O cenrio litrgico ainda est sob o efeito da mais sublime notcia


da Escritura: Jesus, o Filho de Deus, cumpriu a sua promessa: ressus-
citou, venceu a morte e o diabo, e selou a sua obra redentora, ofere-
cida a todos os que nele crem. A Pscoa, que celebra a vitria de
Cristo sobre a morte, tambm a certeza de nossa vitria, de nossa
ressurreio e da vida eterna. dia de festa, de alegria e jbilo.
J o cenrio histrico do texto no retrata a mesma alegria do
cenrio litrgico. domingo tarde e os discpulos esto reunidos,
trancados, com medo dos lderes judeus. A morte de Jesus era um
excelente momento para acabar com o novo movimento religioso,
havendo um perigo real de perseguies aos discpulos. Alm deste
medo, havia ainda todo o impacto emocional negativo dos ltimos
trs dias, em que os discpulos presenciaram o sofrido e longo mart-
rio do amigo e Mestre Jesus.
Este cenrio de medo e desesperana dos discpulos contrasta
com o recente encontro pessoal acontecido pela manh entre Jesus,
as mulheres e os discpulos Pedro e Joo, que eram a prova de que
Jesus havia ressuscitado. Parece que esta notcia ainda no tinha
sido bem aceita ou compreendida pelos discpulos. O texto parece
indicar um ambiente de dvida sobre a possibilidade concreta da res-
surreio, tal como demonstra a atitude de Tom na semana seguin-
te, por no ter visto com seus prprios olhos o Salvador ressurreto.
surpreendente, por isso, que o nico sentimento expresso no incio
do texto seja o de medo (fbos) e no de expectativa da ressurreio
previamente anunciada. O medo s d lugar alegria (chairo) aps
Jesus mostrar suas mos e o lado ferido, ou seja, fato que garantia
aos discpulos que ali, diante deles, estava o mesmo Jesus que fora
pregado na cruz, morto e sepultado, e no um fantasma.

NFASES, EXPRESSES QUE SE DESTACAM, ANLISE DO TEXTO

Vv. 19 e 21: Que a paz esteja com vocs. Esta era uma ex-
presso comum na poca, quando amigos se encontravam. Aqui, po-

180
SEGUNDO DOMINGO DA PSCOA

rm, ela vai alm de uma saudao e assume um carter de bno,


pois logo a seguir reafirmada e proferida por Jesus com uma ordem
de envio ao discipulado. A palavra usada aqui eirene, que quase
correspondente ao shalom do Antigo Testamento, adquirindo o senti-
do de bem-estar geral. Ao proclamar a paz, Jesus tem, em primeiro
lugar, o objetivo de aplacar toda a angstia presente nos coraes
dos discpulos, fortalecendo a sua f. Porm a paz que Jesus traz
transcende a isso, como aponta o Dicionrio do Novo Testamento Grego
(JUERP), que define paz como o estado tranqilo da alma que tem
certeza de sua salvao por Cristo, e assim nada temendo da parte
de Deus, vive contente com sua sorte neste mundo, seja qual for
(Thayer). Esta mensagem de paz assume um carter de proftica con-
solao ao cenrio de perseguio a que os discpulos seriam logo
submetidos no seu discipulado.

V. 21: Assim como o Pai me enviou, eu tambm envio a vocs.


Aps cumprir integralmente a misso do Pai, Jesus deixa claro que a
misso apostlica ficar agora ao encargo dos discpulos.

V. 22: Depois soprou sobre eles e disse: Recebam o Esprito


Santo. Jesus comea a cumprir a promessa feita aos discpulos em
Joo 14.17. Chama a ateno o fato de que Jesus sopra o Esprito
Santo aos discpulos, sendo que verbo soprar (emphysao) o mes-
mo que a Septuaginta usa em Gnesis 2.7, quando o Criador sopra o
flego da vida a Ado e em Ezequiel 37.9: Assopra sobre estes mor-
tos, para que vivam. Isto aponta para um ato poderoso e transfor-
mador de Jesus, que os torna, naquele momento, novas criaturas,
capacitando-os com um poder divino para realizar a misso recm
conferida a eles, de serem os seus apstolos e enviados. O verbo
recebam est no imperativo, denotando um ato nico e especial de
recebimento. Poder-se-ia dizer que aqui houve um primeiro Pente-
costes, de carter mais ntimo e pessoal aos discpulos.

V. 22: Se vocs perdoarem os pecados de algum, esses peca-


dos so perdoados; mas, se no perdoarem, eles no so perdoa-
dos. Aqui esto presentes elementos do ofcio das chaves (ver Mateus
16.19). Esta tarefa de perdoar ou no os pecados, delegada aos dis-
cpulos ( Igreja) s se d a partir da relao ntima com o Esprito
Santo, ou seja, o prprio Esprito que os autoriza e capacita a per-
doar ou reter os pecados dos descrentes. um ato de proclamao
que se fundamenta na autoridade que Cristo outorga Igreja e que
s pode ocorrer numa relao de obedincia a Deus.

181
IGREJA LUTERANA

V. 27: Pare de duvidar e creia. Tom ficou conhecido, at de


forma injusta, como o discpulo incrdulo. Porm, no foi apenas Tom
que duvidou da ressurreio de Jesus. Os demais discpulos, antes de
verem pessoalmente Jesus, tambm no estavam acreditando no re-
lato de Pedro, Joo e das mulheres.

V. 28: Senhor meu e Deus meu. A exclamao de Tom soa como


um abrir de olhos, uma confisso de f verdadeiramente convicta,
abandonando toda e qualquer dvida que porventura ainda havia,
de que Jesus era verdadeiramente o Deus encarnado e o Messias
profetizado. Ela se aproxima da confisso do centurio em Marcos
15.39, diante da morte de Jesus: Verdadeiramente este homem era
Filho de Deus.

V. 29: Felizes os que crem sem ver. Esta uma bem-


aventurana especial para todos aqueles que no foram testemu-
nhas oculares da ressurreio de Jesus, o que inclui a cada um de ns
hoje, que cremos em Cristo pelo anncio da mensagem.

V. 31: Mas estes foram escritos para que vocs creiam que Je-
sus o Cristo (Messias), o Filho de Deus. Joo expressa aqui o
grande propsito de todo o evangelho e da prpria Escritura: desper-
tar a f dos no-crentes e fortalecer a f dos crentes, apontando
Jesus como o Salvador profetizado, recebendo, por esta f, uma nova
vida em seu nome (e vida eterna, como diz Joo 3.36).

PARALELOS, PONTES, PONTOS DE CONTATO

Os evangelhos sinticos nos ajudam a compreender melhor a si-


tuao vivida pelos discpulos no texto. Lucas 24.36ss. fala mais dos
sentimentos vividos naquele domingo, afirmando que os discpulos
ficaram assustados, achando Jesus ser um fantasma. Outro elemento
trazido pelos sinticos a crtica direta de Jesus sobre a dvida nos
coraes e mentes dos discpulos, que em Marcos 16.14 trazida
como uma clara repreenso da falta de f dos onze discpulos.
O texto de Joo relaciona-se com vrias outras passagens, sendo
um texto em que vrias promessas de Jesus so cumpridas. Em Jo
16.22 Jesus j antecipava que a tristeza seria trocada pela alegria do
reencontro. Em Jo 7.39 Jesus promete que o Esprito seria concedido
aos discpulos aps ele ser glorificado.
Sl 16: O Salmo relaciona-se com o texto de Joo, apontando para
a plenitude da alegria daqueles que esto na presena de Deus

182
SEGUNDO DOMINGO DA PSCOA

(vv.9,11), e que no sero deixados na morte (v.10), mas recebero


as delcias perpetuamente (v.11).
Ez 37.1-14: Texto proftico que aponta para a ressurreio da-
queles que crem em Deus. O sopro de Deus, que vivifica os seres
humanos, o mesmo que Jesus sopra aos discpulos aps sua res-
surreio. a garantia de que um dia o Esprito de Deus tambm nos
vivificar e nos ressuscitar.
1 Pe 1.3-9: A epstola aponta para a ressurreio de Cristo e dos
que nele crem, alm da promessa da herana na vida eterna, e re-
fora a alegria que deve advir desta notcia: Exultai com alegria indi-
zvel (v.8). Aponta tambm para as provaes que os discpulos te-
ro que enfrentar, que se relaciona com a paz que ser preciso ter
para enfrent-las, advinda da f em Cristo.

SUGESTO DE USO HOMILTICO (ASSUNTO, OBJETIVO, TEMA,


DESDOBRAMENTOS)

INTRODUO

Vivemos num mundo em que o medo, angstia e falta de f/confi-


ana em Deus esto deixando marcas profundas nas pessoas. Vio-
lncia, solido, entre outras provaes, esto levando as pessoas a
viver trancadas ou fechadas em si mesmas. O cristo, apesar de
todas as provaes, no pode deixar de viver alegre, pois a notcia
da Pscoa transformadora. O Esprito Santo tambm pode soprar
em ns, nos transformando em novas criaturas e nos dando a alegria
que fruto da f em Deus.
Tema: Alegrem-se como (e com) os discpulos! (Jo 20.20)
1. Por que Jesus tambm est no meio de ns (v.19): Jesus um
Deus vivo, ressurreto, que no abandona os que o amam. Eis que
estarei convosco todos os dias... a promessa de Deus aos que
crem nele.
2. Por que Jesus cumpre suas promessas: ele ressuscitou, ele subs-
tituiu a tristeza pela alegria, ele enviou e soprou o seu Esprito Santo,
como havia prometido. a prova do poder e da fidelidade de Deus,
bem como a certeza de que podemos confiar na nossa vitria sobre a
morte e ressurreio.
3. Por que ele tambm nos d a sua paz: Jesus nos concede a paz
que liberta, perdoa, aplaca a angstia e nos garante foras para su-
portar todas as nossas provaes.
4. Por que ns tambm podemos exclamar como Tom: Senhor meu
e Deus meu! A mensagem da Pscoa nos deve fazer confessar e tes-

183
IGREJA LUTERANA

temunhar a divindade de Deus. Ela nos torna ainda bem-aventura-


dos, porque apesar de no termos sido testemunhas oculares, mes-
mo assim cremos (v.29) e nos tornamos herdeiros da vida eterna.

OPO 2

Tema: Pare de duvidar e creia! (v. 27)


Partes
1. Porque Cristo de fato ressuscitou;
2. Porque Cristo est entre ns;
3. Porque Cristo cumpre suas promessas (de paz, alegria, perdo
e vida eterna).

Thomas Heimann
Canoas, RS

184
TERCEIRO DOMINGO DE PSCOA
Misericordias Domini
Salmo 22.22-31, Isaas 40.25-31, 1 Joo 5.1-13, Joo 15.1-8

Joo 15.1-8

CENRIO HISTRICO

O texto da Videira e os ramos (Joo 15.1-8) um dos chamados


Discursos de Despedida. So palavras ditas pelo Mestre poucas horas
antes de ser preso e morto. No Evangelho de Joo, logo depois de
lavar os ps aos discpulos e indicar o traidor Judas, Jesus inicia um
discurso (Joo 13.31) que, com poucas intervenes dos discpulos,
se estende at Joo 18.1. Jesus utiliza em Joo 15 a metfora da
Videira. As plantaes de uvas eram extremamente importantes e
abundantes naquela regio. Estas simbolizavam a relao entre o
povo de Israel e Deus, seja representada pelo vinho usado na Ps-
coa (e agora na Santa Ceia) como tambm nas parbolas e metfo-
ras do Antigo Testamento que retratavam o povo de Israel como sen-
do a videira (Is 5.1-7; Sl 80.9-17; Jr 2.21 ; Ez 15.2; 17:5-10; 19.10
; Mt 21.33-46). A Videira verdadeira, porm, no o primeiro Israel,
mas o segundo, o Israel conforme Deus, Jesus Cristo. Aqueles que
esto conectados e permanecem em Jesus fazem parte do verdadei-
ro Israel (Rm 2.29) como bons ramos da Boa Videira. O objetivo de
Jesus neste sermo era fortalecer e encorajar os discpulos para que
no se escandalizassem perante a sua paixo e morte. Todo o ser-
mo mostra um carinho e uma preocupao toda especial do Mestre
em relao aos discpulos e por isto Jesus no poupa frases que apon-
tam e pressupem a realidade da ressurreio. Porm, a reao dos
discpulos diante de tal discurso de confuso e dvidas (Jo 16.18,29).
Os seres humanos so por demais fracos e pecadores para compre-
ender as obras de Deus. Jesus conclui orando em favor de todos os
que crem nele na orao sumo-sacerdotal (Joo 17). Por fim, em
Joo 17.20, Jesus conecta todos os crentes de todos os tempos aos
eventos e palavras ditas nesta ocasio.

CENRIO LITRGICO

Estamos no terceiro domingo de Pscoa. No faz sentido enfatizar


na mensagem o contexto de despedida. Alis, se o sermo de Jesus

185
IGREJA LUTERANA

um sermo de despedida pelo seu local e momento na histria, no


assim pelo seu contedo. Joo 15 enfatiza a presena de Cristo e no
sua ausncia. Jesus vai para junto do Pai, no estar mais visivel-
mente presente entre os cristos como estava at ento. Porm no
abandonar a igreja. A promessa do Paracletos (Joo 15.26) demons-
tra que a presena de Cristo ser uma constante. Mais do que isto,
estaremos ligados nele. Ora, o ramo na verdade no est ausente da
videira. Se estiver ausente tambm estar morto. impossvel lermos
o texto pensando em uma despedida ou separao entre Jesus e a
Igreja. Videira e ramos continuaro unidos. At mesmo corporalmen-
te unidos, afinal Jesus tinha deixado na Santa Ceia a promessa de
que estaria corporalmente conosco. Um e o mesmo o propsito do
Agricultor, da Videira e dos ramos: produzir frutos. O texto celebra e
enfatiza a presena e a unio de Deus em Cristo com a igreja.

ANLISE DO TEXTO

V. 1: Agricultor (gewrgo,j). Ao comparar Deus Pai com o georgos,


Jesus est dizendo que ele no apenas o proprietrio da Vinha,
mas aquele que cuida dela, o trabalhador na Vinha. A metfora enfatiza
o grande cuidado que Deus tem pela sua Igreja. Deus cuida de ns
com especial interesse: mas sempre atravs de Cristo. Separado de
Cristo, para nada mais presta o ser humano, alm de para ser lana-
do no fogo. Videira verdadeira: Cristo a Videira verdadeira, plan-
tada na terra pelo Agricultor, no um produto do acaso (Jo 3.16). A
videira uma planta que se propaga dispersando ramos, por isso a
comparao tem tudo a ver com o objetivo da grande comisso (Mt
28.19). A raiz, Cristo, invisvel aos olhos, mas de fato dela que
vem todos os nutrientes, toda a fora, toda a capacidade dos ramos
(Rm 11.18).
V. 2: Estando em mim. No deve ser entendido como um estar
apenas nominal. Como aqueles a quem Tiago acusa de afirmar que
crem em Deus, mas que no manifestam isto em suas vidas (Tg 2.14).
Afinal, no pode a rvore boa produzir frutos maus (Mt 7.16-20, Rm
11.16). Ele o corta: Quem corta Deus, o Agricultor. Ainda que Deus
possa cortar os ramos infrutferos a qualquer momento, como aconte-
ceu com Judas, Ananias (At 5) e com aqueles de Israel que haviam
rejeitado o Messias (Rm 11), pela sua benignidade sabemos que ele
far total e visvel separao apenas no Dia do Juzo (cf. a parbola
do Joio e do Trigo, Mt 13.24-30).
V. 3: J estais limpos. A palavra purifica ao homem (quando acei-
ta no corao pela f), isto , ela traz perdo de pecados e torna

186
TERCEIRO DOMINGO DE PSCOA

aceitvel diante de Deus, para que por causa desta f, pela qual uni-
camente esta palavra aceita e assentida, ns, crendo nela, seja-
mos julgados e considerados totalmente puros e santos diante de
Deus, mesmo que, por causa de nossa natureza e vida, ainda no
somos suficientemente puros, visto que pecado, fraqueza e fragilida-
des, que ainda precisam ser limpas, estejam em ns, porque ainda
estamos na terra (Palavras de Lutero, citadas por Kretzmann em
seu comentrio a Joo 15).
Vv. 4-7: Permanecer. Sabemos, pela Escritura, que no podemos
permanecer em Cristo por nossa prpria razo ou fora. De uma ma-
neira bem prtica podemos entender esta ordem de Cristo (o verbo
no grego est na forma do imperativo aoristo: mei,nate) como perma-
necer em contato com sua Palavra e Sacramentos, atravs dos quais
o Esprito Santo nos manter ligados a ele pela f. Nunca devemos
esquecer que nosso Deus to gracioso que d aquilo que ele mes-
mo exige. Ao mesmo tempo que diz: Permanecei, unicamente por
graa e mediante seu Esprito tambm nos faz permanecer nele. Sem
mim nada podeis fazer: A expresso sem mim denota a mesma coi-
sa que separado de mim. Quanto aos ramos, se separados da vi-
deira, no iriam produzir frutos, mas imediatamente murchariam e
morreriam. Assim cristos, se separados de Cristo, no podem fazer
nada. A expresso mostra o tamanho da nossa dependncia de Deus
e lembra que toda a honra e glria pelas boas obras dos cristos so
devidas unicamente a Deus.
V. 8: Frutos. So frutos do arrependimento. Frutos do Esprito
Santo. Temos que ter cuidado para no entender estes frutos como
algumas determinadas obras desejadas pela congregao. Os frutos
esto relacionados aos Mandamentos de Deus e ao propsito de Deus
em Cristo: a edificao da Igreja e a salvao das almas. Eles so
consequncia da ligao do crente com Deus (lei e evangelho) e no
do legalismo. Dois textos que podem ser verificados: Gl 5.22,23; 2Pe
1.3-11.

PROPOSTA HOMILTICA

Molstia: Vivemos num mundo moderno e agitado. Com esta des-


culpa, muitos encontram base para negligenciar a Palavra e os Sacra-
mentos (permanecer em Cristo). Por outro lado, supervaloriza-se a
prtica do bem parte do estar em Cristo.
Meio: Cristo Videira Verdadeira. Tudo fez pela nossa salvao e
agora a fonte de todo bem real. Ele nos une consigo mesmo como
ramos da Videira e nos transforma em canais do seu amor.

187
IGREJA LUTERANA

Objetivo: Levar o povo de Deus a compreender a importncia e a


possibilidade graciosa de estarmos unidos com o Cristo Vivo e viver-
mos uma vida cheia de frutos verdadeiros para a honra e glria de
Deus.
Tema: Unidos com o Cristo ressuscitado, frutificamos!
Introduo: Usar a prpria metfora da videira como ilustrao

PARTE I: PERMANECENDO EM CRISTO, FRUTIFICAMOS

- Pela comunho com o Cristo ressuscitado e uso freqente da


Palavra e Sacramentos
- Pela ao do prometido Parcletos (a festa de Pentecostes se
aproxima)
- Cristo permanece em ns e nos reconcilia com o Pai
- Unidos com Cristo, recebemos dele toda a seiva, a fora e a mo-
tivao (Fp 4.13)
- Unidos temos o mesmo propsito e neste propsito frutificamos
(edificao da Igreja e salvao de todos)
- Como o fruto da videira honra ao Pai e alegra os homens, assim
nossos frutos de amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bon-
dade, fidelidade, mansido e domnio prprio redundam em glria a
Deus. Pois tudo recebemos dele e para ele so todas as coisas.

PARTE II: AFASTADOS DE CRISTO NINGUM PODE DAR FRUTO

- Pelo desleixo e indiferena para com a Palavra e Sacramentos


- Pela vida hipcrita insistentemente centrada em obras externas
e autoconfiana.
- O que falsamente est em Cristo nada produz, seno iluso.
- O descrente cortado da Videira e guardado para o fogo eterno
- Est desligado de Cristo e nada do que faz agradvel a Deus
(Rm 8.8)
- Torna-se inimigo de Deus e tenta impedir o seu propsito
Concluso: Vivamos unidos com o Cristo ressuscitado, para que,
redimidos por ele, faamos parte de sua santa misso, frutificando
conforme sua vontade.
* Os tpicos do esboo no esto em ordem seqencial, mas de-
vem ser usados de forma que a Lei e o Evangelho percorram todo o
texto da mensagem.

Fernando Ellwanger Garske


So Leopoldo, RS

188
QUARTO DOMINGO DE PSCOA
Jubilate
Salmo 23, Ezequiel 34.11-16, 1 Pedro 2.21b-25, Joo 10.11-16

Joo 10.11-16

O PERODO LITRGICO

H um afunilamento para o Pentecostes. A igreja, que at agora


refletia e meditava sobre a obra de Deus em Jesus, se prepara para a
misso de levar o evangelho da redeno. Est chegando a hora da
misso do cristo para levar ao mundo o que Deus em Cristo prepa-
rou para Todos. Nesta parte final do perodo de Pscoa, os textos
colocados pregam e manifestam o grande amor de Deus por aqueles
que levam o evangelho e tambm por aqueles que o recebem.

OS TEXTOS PARALELOS

Sl 23, Ez 34.11-16, 1Pe 2.21b-25 prope basicamente um tema: O


Bom Pastor. H uma necessidade de um Bom Pastor. Davi e Ezequiel
revelam que o rebanho tinha carncias, as quais s poderiam ser
supridas por aquele que pastoreia com poder e graa, misericrdia e
bondade em todo tempo. Pedro informa que as ovelhas, pela obra
redentora sobre a cruz, so reconduzidas de volta para a vida e, com
f, iro seguir o seu Pastor.

O TEXTO

Eu sou! Aqui e em outros momentos Jesus se vale de uma expres-


so j presente no AT. Ela se impe fortemente e necessria na vida
dos lderes e do prprio povo de Deus. Ela evanglica. Deus, quan-
do se revelou a Moiss, disse: Eu sou o que sou! (x 3.4). Jesus era
e Deus para sempre. Deus disse isto a Moiss justamente no mo-
mento em que ele, Moiss, tratava de encontrar uma forma de no
ser o chefe e Pastor na sada do povo do Egito. Argumentava sua
incapacidade para tal.
Eu sou o Pastor, o Bom. Assim est o texto no original. verdade:
Bom h somente Um (Mt 19.16). Antes que o texto fale a congrega-
dos, ele precisa e certamente toca o semblante e o corao dos pas-
tores, a quem a igreja confiou um rebanho. Como tais, no somos

189
IGREJA LUTERANA

bons e temos um rebanho que tambm no bom (Is 53.6). Acre-


dito que o Eu sou contigo ouvido por Moiss tambm significativo
para todos os que esto frente do ministrio. O pastor precisa des-
ta palavra: Eu sou contigo. Alis, Davi, o pastor, disse: O Senhor
meu Pastor. Nada me faltar.
O Evangelho. Cristo deu a sua vida pelas ovelhas. Literalmente
falando: Cristo deu a sua alma. H uma entrega pelo rebanho, que
desde aquela poca at os dias de hoje tem problemas. Jesus diag-
nosticou-o: So como ovelhas que no tm pastor (Mt 9.36). Jesus
toma em seus braos a ovelha cada e quebrada. Evidente que o qua-
dro do Bom Pastor no est completo se no contempla a sombra da
cruz. Os braos abertos, que por um lado, deixaram as glrias do cu
e as mos, antes transpassadas e machucadas pelos pregos, sus-
tentam agora as ovelhas, de onde jamais podero ser arrancadas (Jo
10.28).
Pelas ovelhas. Deus amou o mundo. Ele deseja salvar a todas as
pessoas. Deus no ama apenas o rebanho ou os que nele esto.
Tambm e, principalmente, os de fora dele, que so as machucadas e
perdidas (Mt 9.12; Mt 18.10-14). Para esta misso, Deus se vale de
pastores que so pecadores (1 Tm 1.15). Estes credenciados,
balizados e avalizados pelo Eu sou contigo, levam ao rebanho que
no bom, o evangelho, que bom, pois Ele cura, socorre, perdoa
e recoloca as ovelhas no aprisco de Jesus, o Bom Pastor.
O assalariado. Jesus Pastor no porque pago por isso. No Sl
121.3,4 somos informados que Deus no dorme. Deus, em Jesus,
trabalha 24 horas dia (Jo 5.17) por aqueles que ele comprou por
preo (1 Co 6.20). A ovelha, por sua vulnerabilidade, facilmente
atacada e dispersa. Ela depende do seu pastor, e por que no dizer,
do seu rebanho para sobreviver. Os assalariados so todas as for-
as contrrias, malditas e diablicas, que com mensagens atraentes
e cativantes, milagrosas e momentneas, procuram dispersar o reba-
nho. No h um compromisso pblico. Na hora do lobo, fogem. No
so poucos, na atualidade, os pseudo-pastores que procuram dis-
persar os eleitos de Deus. Igualmente, elevado o nmero de con-
gregados, que sorrateiramente invade os alambrados e cercados alhei-
os, em busca de pasto apetitoso para o momento; porm o definitivo
e o melhor continuar sendo o retorno mesa, a Santa Ceia, prepa-
rada pelo Bom Pastor, para a derrota e vergonha dos assalariados.
Eu conheo as minhas ovelhas. Na sua intimidade com o Pai, Je-
sus manifestava uma relao de amor e busca, para si e para os seus,
nas mais diferentes situaes da vida terrena. A ovelha conhece o
seu Pastor, e conhece os pastos que lhe so oferecidos. Quando ela

190
QUARTO DOMINGO DE PSCOA

reconhece o caminho da igreja, ser abastecida por verdes pastos e


guas tranquilas. Assim como Cristo conhece as ovelhas como intei-
ramente suas quanto a corpo, mente, alma e vida, assim tambm as
ovelhas do Bom Pastor o conhecem com sua mente, corao e vonta-
de.
Outras ovelhas. Aqui est a nfase na misso da igreja. Buscar
as ovelhas perdidas e que, no momento, esto sem pastor e sem
rebanho. O texto no prope uma unio de todas as igrejas, mas sim,
reunir todos ou o maior nmero possvel sob o manto do Bom Pastor
mediante a pregao correta da Palavra e administro dos sacra-
mentos.

PROPOSTA HOMILTICA

Tema: O Bom Pastor:


a) d a vida;
b) prov bons pastos;
c) segura na mo as ovelhas.
A ovelha de Jesus:
a) recebe a vida;
b) ouve a voz do Pastor;
c) trazida para o aprisco.

Ilmo Riewe
Gramado, RS

191
IGREJA LUTERANA

QUINTO DOMINGO DA PSCOA


Cantate
Salmo 65.1-8, 1 Crnicas 16.23-31, Colossenses 3.12-17, Joo
16.4b-15 (- 13)

Joo 16.4b-15 (- 13)

CONSIDERAES PRELIMINARES

1. O Esprito Santo o Comunicador das verdades fundamentais


aos coraes humanos. Ele o que completa em nossas vidas a obra
do Deus Trino. Ele o conectador entre o que foi consumado pelo
Pai e Filho e o que pe isso em nosso ser, no nosso corao.
2. O texto do Evangelho parte da longa instruo e consolao
dada por Jesus aos apstolos quando se aproxima a semana da Sua
tentao de no realizar a Obra, Sua crucificao e Sua morte. Ele
tambm antecipa sua ressurreio e ascenso.
3. A verdade a eterna busca do ser pensante. o que mais
necessitamos para viver. O Esprito da verdade vos guiar a toda
verdade. Esse Esprito no est preso a limites humanos. Ele age
quando, onde e como Ele quiser. Mas o prprio Esprito revela que Ele
usa meios para revelar a verdade. No deixa furo para cada um
fabricar entusistica e emocionalmente produzir sua verdade. Essa
viso que no valoriza os meios da graa, a saber, Palavra e Sacra-
mentos, naturalmente escorrega para um subjetivismo que esvazia a
verdade da Palavra revelada como referncia objetiva. A consequncia
natural dessa viso aberta uma f sem disciplina, sem limite, do
sabor e gosto de cada um.
4. Jo 16.13 Ele vos guiar a toda verdade. Promessa fantstica
para pessoas que vivem no meio desse vendaval de idias que var-
rem o mundo. O mercado de idias religiosas est bem abastecido,
confuso e confundindo como nunca, pois os meios para dar ns na
cabea so tecnicamente fantsticos. H que ter critrios bem fun-
damentados para discernir, jogar fora, descartar o monte de mentiras
que chegam diria e continuamente diante de nossos olhos e aos
nossos ouvidos.
H produtos religiosos para todos os gostos (religio, poltica,
futebol no se discute! questo de gosto, preferncia! diz um dita-
do popular).
Religio, a verdade religiosa no questo de opinio, preferncia,
mas que decide o destino eterno. questo de vida ou morte eterna.

192
QUINTO DOMINGO DA PSCOA

5. Mas, teria Deus nos deixado ss nessa questo to central da


existncia humana? Estamos por conta prpria nessa busca, nessa
luta interior em matria de verdade sobre o ser e o seu sentido?
Estamos entregues s inconstncias e fragilidades das opinies hu-
manas, das criaturas metidas a Criador? A boa notcia que podemos
saborear que Deus providenciou um jeito, um meio para que a ver-
dade, toda a verdade que necessitamos fosse comunicada a ns na
pessoa de Seu Filho. Em Jo 1.14 o evangelista diz: E o Verbo se fez
carne e habitou entre ns, cheio de graa e de verdade.
O Mistrio Maior Deus, se desocultou, se mostrou, revelou a ver-
dade sobre Ele e sobre ns. E o maravilhoso que essa verdade a
graa, o amor, porque Deus Amor (1Jo 4.8).

PROPOSTA HOMILTICA

TEMA: Ele vos guiar (ensinar) a toda verdade.

I. Ns necessitamos de uma palavra de verdade da parte de Deus.


A Ns ouvimos muitas palavras de verdade, mas elas so
conflituosas e confundem.
B A verdade que buscamos necessria porque ela envolve
as questes bsicas da vida. Quem somos? De onde viemos? O que
nos acontece depois que nossos corpos deixam de funcionar?
C Essa necessidade humana pela verdade leva muitas pesso-
as ao desespero de nunca conhecer a verdade ou se ligar a qualquer
pessoa (com carisma, poder de persuaso) que se diz ter acesso
verdade. Ex.: lderes fanticos Jim Jones

II. Ns temos a promessa de Deus de que Ele nos guiar a toda


verdade.
A Deus, o Pai, conhece a verdade desde a eternidade.
B Deus o Filho veio para compartilhar a verdade de Deus e execut-
la.
C Deus Esprito Santo nos d essa verdade.
1. Como uma pessoa da Trindade, Ele conhece a verdade.
2. Atravs de uma inspirao milagrosa, Ele a comunicou
aos apstolos.
3. Os apstolos a escreveram sob orientao do Esprito.
4. Seus escritos tm sido preservados para ns nas Sa-
gradas Escrituras.
5. Verdade a verdade de Deus est claramente pre-
servada para ns nos escritos da Escritura.

193
IGREJA LUTERANA

CONCLUSO

Ao lermos a Bblia, vamos encontrar as muitas coisas que Deus fez


para ns.
As Escrituras escritas sob a orientao do Esprito Santo so nos-
so nico e seguro caminho para a verdade.
Louvado seja o Pai, o Filho e o Esprito Santo por tudo o que fize-
ram por ns sem mrito e dignidade de nossa parte.
A verdade do Amor incondicional de Deus em Cristo liberta do de-
sespero, da culpa, do medo, do vazio, do sem-sentido.
Somos gratos por tanto amor, nosso bendito Salvador! Vem Espri-
to Divino, nobre Ensinador.

Traduzido e adaptado do Lectionary Preaching Resources, Series C,


p. 160 de Richard J. Schultz, Concordia Publishing House, por Gerhard
Grasel.

Gerhard Grasel
Canoas, RS

194
SEXTO DOMINGO DA PSCOA
Rogate
Salmo 67, Isaas 55.6-11, 1 Timteo 2.1-8, Joo 16.23b-33

Joo 16.23b-33

CONTEXTO

As demais leituras do domingo, propriamente chamado Rogate (Jo


16.26), enfatizam a temtica da orao, da vida em comunho com
Deus, a partir da prpria Palavra de Deus, do prprio Jesus (especial-
mente Is e 1Tm).
O texto especfico faz parte do grande discurso de Jesus imediata-
mente antes da orao sacerdotal e logo aps a promessa do envio
do Esprito Santo (16.7). Alis, esta promessa torna-se fundamental
para que entendamos o porqu de Jesus afirmar que vai para o Pai e
que, mesmo assim, seus discpulos poderiam ficar em paz.

TEXTO E INTERTEXTUALIDADE/PROPOSTAS HOMILTICAS

1. A orao: Jesus, com sua paixo diante dos olhos, revela que
ele o Mediador. Em seu nome chegamos a Deus, sob sua justia
temos acesso a Deus (Ef 2.18; Rm 8.34). Lutero afirma que somente
atravs de Cristo a nossa orao aceitvel diante de Deus e ns
recebemos um ouvir favorvel e alcanamos a graa e boa vontade
do Pai, pois Ele fez satisfao por nosso pecado e transformou um
Juiz irado em um Deus gracioso e misericordioso (Weimar 10 III, 136).
A mediao de Cristo a certeza do favor de Deus, do seu ouvir de
Pai (cf. Jo 15.15,16).
A nfase no nome de Jesus faz parte do ter paz. Os discpulos
que dizem cremos agora, mais tarde seriam dispersados e se es-
conderiam diante da priso e paixo do seu Mestre. Se seus mritos
ou conduta fossem a condio para a comunho com Deus, ento
estariam com as conscincias em desespero. Podemos falar com Deus,
em o nome de Jesus, mesmo sendo pecadores, por causa do perdo
que h neste nome.
2. Revelao sem comparaes: as parbolas usadas por Jesus
por vezes causaram dvidas de interpretao entre os discpulos. Tal
maneira de falar de Jesus deve ter criado muitas expectativas. Note
como neste pequeno trecho estudado Jesus enfatiza o cumprimento

195
IGREJA LUTERANA

futuro de suas promessas e revelao, usando expresses como na-


quele dia e vem a hora. Assim, deve ter sido um alvio para os
discpulos ouvirem que Jesus iria falar claramente/abertamente a
respeito do Pai (v.25c). Ele diz que o Pai e Ele so um. Verdade sim-
ples, aberta, clara, revelada novamente. Assim, amar a Deus amar
Jesus. Falar com Deus falar com Jesus. E a unio com Deus trar
certezas. A vinda do Consolador seria fundamental na compreenso
da obra redentora de Jesus e da vontade de Deus para a sua Igreja.

O objetivo: paz (v.33) e alegria (v.24) mesmo ainda no mundo.


Todo o longo discurso de Jesus, a orientao sobre orao, o re-
velar da natureza divina, do Esprito Santo e do amor de Deus, tem
um propsito: que os discpulos tenham paz e alegria nele (veja Jo
14.27,28 alis, neste texto o amor faria os discpulos com-
preenderem at o sofrimento do Messias e a separao temporria.
Note a raiz do termo citado em Jo 16.27: ).
3.1 O abandonado: Ao falar do abandono por parte dos discpu-
los, Jesus ecoa Zc 13.7 e Is 53. Apesar de ser abandonado (v.32),
Jesus insiste que h a presena do Pai.
3.2 O : neste contexto mundo representa tudo o que est
afastado da comunho com Deus, aquilo que traz aflies aos seus
filhos (cf 1Jo 4.5). No prprio discurso em Jo 15.18 o mundo mostra-
do em contraposio aos crentes (veja tambm Jo 17.14). Neste mun-
do no h conhecimento de Deus, mas desprezo sabedoria verda-
deira (1Co1.21,28). O mundo pode manchar o cristo (Tg 1.27), mas o
Esprito de Deus mais forte (Tg 4.4) pois Jesus venceu o mal e Sata-
ns, prncipe deste mundo (Jo 16.11).
Note a nfase de Jesus: | . ELE venceu o mundo. Ven-
ceu o pecado que traz a aflio existncia humana. Venceu a morte
que caracterstica do mundo cado.
Ao dizer que venceu, conquistou o mundo ( x ), Je-
sus assegura que tudo o que o mundo produz no poder afastar o
crente do Reino de Deus (Rm 8.18ss). O tempo perfeito de-
nota uma vitria permanente. Por isso mesmo, a paz em Jesus per-
manente e independente das condies da vida no mundo. E a ale-
gria a acompanha mesmo em meio aos problemas (1Ts 1.6; 3.4).
A vitria de Jesus a base para a coragem ( um hapax
legmena em Joo) diante das aflies e lutas no mundo (Jo 14.1,28).
E a paz?
3.3 E0 para os gregos era uma virtude personificada desde o
incio juntamente com a Ordem e a Justia, um contraponto guerra.
Mas na Bblia a paz est relacionada com a segurana espiritual, e

196
SEXTO DOMINGO DA PSCOA

Jesus ento a personificao desta paz fazendo nossa reconcilia-


o com Deus: v 0 . A paz existe EM JESUS. O presente
do subjuntivo lembra que a paz concedida hoje diante da cer-
teza do cumprimento das promessas de Jesus, da sua obra redento-
ra.
E0 a condio para suportar as hostilidades do mundo (Sl
46.2-4). Para suportar at mesmo as nossas contradies internas, a
luta entre a velha e a nova natureza. Jesus revela que os discpulos o
abandonariam e eles enfrentariam a autorrejeio. Com culpa no h
paz. E j disse um pensador: A culpa o pior dolo. Jesus reafirma
que nada abalar o amor dele por ns. Como disse Philip Yancey:
No h nada que possamos fazer para Deus nos amar mais. E no
h nada que possamos fazer para Deus nos amar menos. Nesta cer-
teza temos paz. Por isso a paz EM Cristo e no no sentimento pes-
soal de confiana, de f. Quando aceitamos a verdade do que real-
mente somos e a submetemos a Cristo, somos envolvidos pela paz,
quer nos sintamos em paz ou no. Com isso quero dizer que a paz
que excede todo o entendimento no uma sensao subjetiva se
estamos em Cristo, estamos em paz, mesmo quando no sentimos
nenhuma paz. (Brennan Manning em O Impostor que Vive em Mim).
Nesta paz temos um relacionamento direto, sem medo, com o Pai
(Jo 15.9-16 e Rm 5), orando e enfrentando as aflies.

Fernando Henrique Huf


So Paulo, SP

197
IGREJA LUTERANA

ASCENSO DO SENHOR
Salmo 110, Isaas 45.18-25 ou Daniel 7.13-14, Atos 1.1-11 ou
Efsios 4.7-13, Mateus 28.16-20

Mateus 28.16-20

O TEXTO

Tendo passado mais de um ms aps a sua ressurreio, Jesus


aparece aos discpulos e d-lhes uma grande tarefa. Os discpulos
haviam passado os ltimos trs anos aprendendo diretamente de
Jesus Cristo sobre as verdades celestiais. Alm de aprenderem, ti-
nham sido provados em seus espritos, passando pelo teste prtico
de conviverem e viverem na companhia dos demais discpulos e de
enfrentarem adversidades juntos. Jesus sempre havia estado junto e
aproveitado tais ocasies para lapidar os seus alunos. Agora chegara
o momento de deix-los seguir e anunciar a Boa-Nova a outros povos
e naes. Tarefa difcil a ser encarada, pois Jesus no estaria mais
presente em forma humana, como haviam se acostumado, mas sim,
atravs do Esprito Santo.

ALGUMAS CONSIDERAES E DESTAQUES DO TEXTO

V. 17 diz que alguns tiveram dvidas. Mesmo que a maioria dos


discpulos, ao verem Jesus, o adoraram, alguns custaram a faz-lo,
motivados pela dvida. A dvida havia acompanhado os discpulos
em outras ocasies, conforme encontramos nos Evangelhos. A dvi-
da sobre Jesus Cristo e a salvao uma diablica arma que tem
tentado os seguidores de Cristo e continua a ser utilizada, tambm,
em nossos dias. Ela no esteve ausente nos instantes finais antes da
ascenso do Senhor, assim como no estivera ausente no Jardim do
den. A dvida pode destruir a unidade e a comunho, pois corri a f
ao ponto de faz-la esvaecer e sucumbir. 1 Pedro 5.8 admoesta: Es-
tejam alertas e fiquem vigiando porque o inimigo de vocs, o Diabo,
anda por a como um leo que ruge, procurando algum para devo-
rar.
V. 18 mostra que Jesus invoca sua autoridade e poder: Deus me
deu todo o poder no cu e na terra. O que estava para ser dito a seguir
eram palavras que mudariam o curso da vida dos discpulos e de to-
dos os que pertencem Igreja. Jesus tinha autoridade e sua palavra

198
ASCENSO DO SENHOR

estava empoderada. Outros momentos haviam demonstrado isso,


porque Ele no era como os mestres da Lei; pelo contrrio, ensinava
com a autoridade dele mesmo (Mateus 7.29) [igualmente podem ser
conferidos Mt 9.6, 8; 21.23-24, 27]. Assim, com poder e autoridade,
Jesus declara:
Vv. 19-20: Portanto, vo a todos os povos do mundo e faam com
que sejam meus seguidores, batizando esses seguidores em nome
do Pai, do Filho e do Esprito Santo e ensinando-os a obedecer a tudo
o que tenho ordenado a vocs. E lembrem disto: eu estou com vocs
todos os dias, at o fim dos tempos.
Este comissionamento outorgado aos seus discpulos a partir da
autoridade no cu e na terra confiada pelo prprio Deus, demonstra a
peculiaridade da Palavra de Deus que no pode ficar presa e
engessada no interior da Igreja, mas deve ser levada a todos os
confins do mundo pelos prprios possuidores da palavra. O Verbo
que habitou entre ns cheio de graa e poder precisa ser proclamado
pelos seguidores de Cristo para cumprir a sua funo de salvar o
mundo e congregar toda a cristandade na terra, conforme diz Lutero
na explicao do Credo.
A palavra batizando particularmente importante aqui. A Igreja
tem a incumbncia de batizar corretamente os convertidos, pois tem
a autoridade para batizar outorgada pelo prprio Senhor e, por isso,
tem o dever de ensinar e praticar o batismo conforme ordenado por
Cristo at que Ele venha novamente.
Em nome do Pai, do Filho e do Esprito Santo significa que a pes-
soa: a) ao ser batizada em nome do Pai, passa a ter Deus como Pai
(Mt 6.9); b) ao ser batizada em nome do Filho, passa a ter os benef-
cios daquilo que o Filho de Deus fez pela humanidade (At 2.38); e, c)
ser batizada em nome do Esprito Santo, passa a ter a presena e o
poder do Esprito de Deus que concede a vida.
Assim, obedecer a tudo o que tenho ordenado a vocs os discpulos
foram incumbidos de viver conforme os ensinamentos recebidos. Isso
inclua a importante atividade pedaggica de ensinar aos convertidos
tudo o que foi ordenado, conforme exposto no Sermo do Monte (Mt 5-
7) e em Mt 18.
Estou com vocs todos os dias at o fim dos tempos. Somente com
a certeza da presena de Jesus os discpulos podem fazer o que lhes
pedido. Jesus concede aos seus seguidores o seu poder e a sua
presena. A Igreja tem a promessa de no ficar desamparada na mis-
so de Deus e da qual se tornou co-missionada. A misso , na verda-
de, de Deus. Por isso os discpulos no esto sozinhos e nem desam-
parados pelo Senhor.

199
IGREJA LUTERANA

Ao receber a Grande Comisso, lembra Goppelt que a Igreja sur-


ge quando o Ressurreto e Glorificado envia seus discpulos para faze-
rem discpulos de todas as naes, esse o teor da comisso decisiva.
E, como expressam os dois particpios coordenados, isso dever acon-
tecer mediante o batismo e propagao dos ensinamentos de Jesus.
A Igreja, nesse caso, a totalidade dos discpulos de Jesus, mas no
necessita da totalidade dos cristos para se reunir: Porque, onde
dois ou trs esto juntos em meu nome, eu estou ali com eles
(Mateus.18.20).
O fato do Senhor no abandonar a sua Igreja, para Lutero, significa
que o Senhor, nosso Deus, nos ajuda como ajudou nossos antepassa-
dos. E, por isso, podemos ter a certeza de que tambm ir ajudar os
nossos descendentes para a glria e o louvor de seu divino nome por
toda a eternidade! Assim como nossos antepassados, ns no temos
condies para sustentarmos a Igreja e nem o sero os nossos des-
cendentes. O Senhor fez isso, est fazendo agora e ir faz-lo, pois:
Jesus Cristo o mesmo ontem, hoje e sempre (Hebreus 13.8).

SUGESTO DE USO HOMILTICO

Tema: Cristo nos confiou uma misso


1) Ir a todos os povos como seus seguidores
a. Olhando com ateno para os que ainda jazem nas trevas;
b. Constrangidos pelo amor que recebemos de Deus;
c. Participando com tudo o que somos e temos.

2) Fazer novos seguidores


a. Atravs do ensino da Palavra na sua integralidade;
b. Que nos mostra a verdade de Lei e a doura do Evangelho;
c. E nos faz herdeiros do Reino celestial atravs do batismo.

3) Batizar estes novos seguidores


a. Pois o batismo nos transforma em herdeiros do Reino celestial;
b. Que um sacramento, um meio da graa de Deus agir em
nossa vida;
c. Algo que recebemos como um presente e sem mrito de nossa
parte.

CONCLUSO

Cristo no quer seguidores cansados e desinteressados pelas


coisas celestiais. Assim como Cristo vive, a Igreja est viva e atuante

200
ASCENSO DO SENHOR

neste mundo, militando e seguindo avante rumo ptria celeste e


eterna.

Clvis Vitor Gedrat


So Leopoldo, RS

201
IGREJA LUTERANA

STIMO DOMINGO DA PSCOA


Exaudi
Salmo 8, Ezequiel 36.24-27, Efsios 3.14-21, Joo 15.26-16.4

Joo 15.26-16.4

CONTEXTO

a) Todo o Evangelho segundo Joo foi escrito para testemunhar


que o Cristo, o Filho de Deus, Jesus, visando assim criar a f nele, a
qual conduz vida eterna (Jo 20.30,31). Nos captulos 13 a 17 vemos
Jesus junto daqueles que haviam crido e que, exceto o traidor (13.21-
30), agora eram testemunhas oculares de que ele o Cristo, o Filho
de Deus. Os discpulos ainda teriam que presenciar todos os eventos
que dizem respeito paixo e ressurreio de Jesus.
Este trecho paralelo ltima ceia registrada nos Evangelhos
Sinticos, onde Jesus institui a Santa Ceia (Mt 26.17-36; Mc 14.12-
32; Lc 22.7-39; Jo 13.1-18.1). No relato de Joo, Jesus lava os ps
aos discpulos, em sinal de servio e amor ao prximo, e faz discursos
de despedida aos seus seguidores mais prximos, onde, resumida-
mente, ele afirma ir para o Pai e que, posteriormente, enviaria o Esp-
rito Santo para no deix-los sozinhos. O trecho finalizado com a
orao sacerdotal, onde Jesus pede ao Pai para guardar os discpulos
e todos os que viriam a crer nele em torno do seu nome.
b) Ao olharmos o contexto litrgico, o texto se encontra na come-
morao da Pscoa, no stimo domingo de Pscoa, onde ainda se
comemora, de forma especial, a ressurreio de nosso Senhor. Estamos
nos aproximando da festa de Pentecostes, onde, no Novo Testamen-
to, a festa do cumprimento da promessa do derramamento do Esp-
rito Santo. O Esprito Santo testemunha acerca de Cristo no momento
em que os meios da graa so utilizados. por isso que o Evangelho
para esse dia contempla uma percope que se refere promessa do
Esprito Santo.

NFASES, EXPRESSES QUE SE DESTACAM, ANLISE

Observemos algumas expresses do texto:


V. 26: parkleto Esse substantivo (adjetivo verbal derivado de
parakaleo chamar ao lado), no grego usado fora do NT, tem primei-
ramente um sentido passivo de chamado para ajudar. Disso vem o

202
STIMO DOMINGO DA PSCOA

sentido de ajudador na corte. Mesmo assim, esse termo no se


refere a um advogado ou conselheiro profissional. Aos poucos, o ter-
mo foi desenvolvendo o sentido de advogado. No NT, em 1 Jo 2.1,
Cristo tem a designao de parakleto, o advogado que representa o
crente-pecador na corte do Pai. Mas aqui nos captulos 14-16, o con-
texto aponta para o sentido amplo de ajudador/auxiliador. O Auxiliador
conduz os discpulos a toda a verdade (14.26), testemunhando acer-
ca de Jesus (15.26) e convencendo o mundo (16.8ss.). Esse trabalho
do Esprito Santo, de ajudar, vemos tambm em Rm 8.26,27, em que
ele ajuda o crente nas oraes, e em Mc 13.11, onde Jesus diz aos
discpulos para no se intimidarem ao testemunhar diante das autori-
dades, porque falariam com palavras dadas pelo Esprito Santo. Por-
tanto, como traduz a NTLH, o Esprito Santo o Auxiliador.
pemps humin para to patrs pemp significa envio. Essa pala-
vra enfatiza a relao entre o que manda (remetente) e o enviado, e
a consequente implicao do envio como comisso, especialmente no
grego helenista. A nfase est naquele que envia, diferentemente de
apostello, onde a nfase do termo est no comissionamento e outor-
ga de autoridade para executar a tarefa. Jesus usa pempo para afir-
mar a sua participao na obra do Auxiliador pelo ato de envi-lo.
Nessa expresso, est a idia de unidade de vontade e ao entre
Jesus, o Pai e o Auxiliador. Assim, o fato de Jesus enviar o Auxiliador
da parte do Pai implica que, em unidade, a Santssima Trindade teste-
munha acerca de Jesus como o Filho de Deus: o Auxiliador 1. envia-
do por Jesus; 2. da parte do Pai (que dele procede); 3. para dar tes-
temunho de Jesus como Messias.
pnema ts alethias esta expresso est presente em Jo 14.17;
15.26; 16.13. O Auxiliador o Esprito da verdade, pois traz a realida-
de divina, revelada no homem-Deus Jesus. Ele traz a verdade ao
convencer do pecado, da justia e do juzo (Jo 16.8). Pela ao dele,
o reino de Deus, presente em Jesus, continua a estar presente por
meio da Palavra. Ele responsvel por ensinar todas as coisas e
fazer os discpulos lembrarem os ensinamentos de Jesus (Jo 14.26).
responsvel por guiar o povo de Deus a toda a verdade (Jo 16.13), a
verdade de que Jesus o Filho de Deus, para que, crendo, tenhais
vida em seu nome (Jo 20.31).
para to patrs ekporeetai o Auxiliador surge do Pai; procede
dele, ou seja, o Auxiliador divino.
martursei etimologicamente, a palavra vem da raiz smer, que
significa carregar na mente, estar envolvido com algo. Assim, o

203
IGREJA LUTERANA

mrtir aquele que se lembra de algo em que esteve envolvido e, por


isso, pode cont-lo, ou seja, uma testemunha. O Auxiliador teste-
munha, pois testemunha a respeito da pessoa de Jesus, como sendo
o Cristo, o Filho de Deus (14.26; 16.13,14).
V. 27: marturete ap arxs met emo este os discpulos de Je-
sus eram testemunhas tambm, pois estavam com Jesus desde o
princpio do seu ministrio e no poderiam deixar de falar sobre o que
viram e ouviram (At 4.20). Eles viram a glria do unignito do Pai (1.14),
que abrange os sinais (2.11) e os ensinamentos de Jesus (17.6-8). O
maior sinal que viram foi a morte e a ressurreio de Jesus (19.25-30;
20.19-29), que mostra que ele o Filho de Deus, o Messias Salvador
(Jo 20.30,31). Esse o testemunho que os discpulos deram, o qual
vemos registrado no Novo Testamento, nos escritos produzidos pelos
apstolos e evangelistas.
Cap. 16.1-4: lellka Jesus fala sobre o que os discpulos teriam
que passar por testemunharem acerca dele. lelleka perfeito do
indicativo ativo, primeira pessoa do singular de lalw, falar. Estando
no perfeito, esse verbo passa a idia de que as palavras que Jesus
passa a falar comeam a ter importncia num determinado ponto e
continuam tendo importncia, repercutem, at o presente. Ou seja, o
que Jesus estava para dizer, sobre perseguio por aqueles que no
conhecem a Deus, no deveria ser esquecido ou ignorado. O que ele
diz uma vez, continua tendo validade sempre.
skandalisthte voz mdia de skandalidz, segunda pessoa do plu-
ral, vos chocais, vos ofendeis. A raiz original tem o sentido de pular
para frente e para trs, ir de encontro a algo (por exemplo dar de
cara no muro), se aproximar de algo para atingi-lo ou pegar em
armadilha. Assim, escndalo aquilo que faz pecar, cair. a armadilha
que causa a runa. Escandalizar-se, portanto, tem o sentido de ser
desencaminhado, ser pego numa armadilha e, assim, perder a f. Je-
sus no ilude os discpulos com um paraso aqui na terra aos que tes-
temunham acerca dele, mas os avisa de que sero rejeitados, expul-
sos das sinagogas, e sero mortos por pessoas que pensam servir a
Deus dessa maneira. Essas pessoas faro isso porque no conhecem
o Pai nem o Filho; faro por ignorncia, ou seja, por incredulidade e
dureza de corao (Saulo de Tarso p.ex. At 26.9-11; 1 Tm 1.13). Por
isso, Jesus os adverte de antemo sobre a rejeio, para que quando
acontecer, se lembrem das suas palavras e no abandonem a f por
causa do sofrimento. Jesus diz: No mundo, passais por aflies; mas
tende bom nimo; eu venci o mundo (Jo 16.33).

204
STIMO DOMINGO DA PSCOA

PARALELOS, PONTES, PONTOS DE CONTATO

O Auxiliador enviado por Jesus da parte do Pai para dar teste-


munho acerca dele. estranho quando pessoas dizem tive uma re-
velao do Espirito Santo sobre... e falam suas prprias idias, pem
medo nas pessoas com a previso de desgraa, etc., mas no teste-
munham o Cristo crucificado, o Filho de Deus que amou o mundo, a
ponto de lhe garantir o perdo da parte de Deus com o seu santo e
precioso sangue. Isso pecado contra o 2 Mandamento.
Os cristos so testemunhas de Jesus, por aprenderem a sua
Palavra, sendo guiados pelo Esprito Santo, o Auxiliador. Como algum
que se diz cristo, pela sua vida, prefere dar testemunho das glrias
passageiras desse mundo, como status e influncia, riqueza, beleza,
erudio, etc.? Como algum, sendo um cristo, poderia testemunhar,
no seu modo de vida, a confiana em pessoas e em coisas, como se
tivssemos sido renascidos em Cristo para exaltar o mundo, o diabo
e o nosso prprio ego? Essa vida passageira. A Igreja Crist, pois
testemunha Cristo, que conduz vida eterna.
Como testemunhas de Jesus, os cristos sofrero o desprezo e a
rejeio daqueles que se dizem religiosos, filhos de Deus, que se di-
zem at cristos, mas no so. A rejeio do Evangelho de Cristo por
parte de pessoas que esto arraigadas ao pecado e que ainda esto
nas trevas traz sofrimento ao cristo. Ningum deve ser iludido de
que s h vitria e bno para o cristo, pois muitos, sem conhe-
cer o caminho do sofrimento e da cruz de Cristo, se desesperam e
abandonam a f. Mais do que no ser iludido, o cristo precisa ser
assegurado da graa de Deus, que d foras para resistir ao sofri-
mento. Somos assegurados da graa quando lembramos que perten-
cemos ao povo de Deus pelo batismo, quando recebemos o corpo e o
sangue de Cristo na Ceia do Senhor, quando ouvimos a proclamao
pblica do Evangelho e quando ouvimos individualmente em nome
de Cristo, os teus pecados esto perdoados. Sendo assegurados do
amor de Deus, por meio de Jesus, quem que no resiste rejeio
do mundo?

SUGESTO DE USO HOMILTICO

Tema: Testemunhemos acerca de Cristo


1. A partir do testemunho do Auxiliador, presente na Escritura
( necessrio definir os termos testemunhar e Auxiliador)
2. Mesmo que soframos a rejeio do mundo, pois estamos sob a
graa de Deus

205
IGREJA LUTERANA

( necessrio mostrar a realidade da rejeio de Cristo. neces-


srio apontar para a graa de Deus para confortar o ouvinte em meio
ao sofrimento pela rejeio do Evangelho.)

Fernando Matos dos Santos


Sorocaba, SP

206
PENTECOSTES
Salmo 139.1-12; Joel 2.28-29; Atos 2.1-8 (9-11; 12-18),
Joo 14.23-27

Joo 14.23-27

O CONSOLADOR EST PRESENTE!

CONTEXTO HISTRICO/LITRGICO

O domingo de Pentecostes: uma data especial para todos os cris-


tos. Neste data, a cristandade comemora o derramamento do Esp-
rito Santo (Atos 2). Assim, foi cumprida a promessa que Jesus Cristo
fez aos seus discpulos em Joo 14.16: E eu rogarei ao Pai e ele vos
dar outro consolador, a fim de que esteja para sempre convosco.
Tambm importante destacar as palavras do apstolo Pedro, as
quais esto registradas em Atos 2.16-21. Estas palavras comprovam
que o derramamento do Esprito Santo j havia sido profetizado por
Joel no Antigo Testamento (Joel 2.28: ... derramarei o meu Esprito
sobre toda a carne...).
O acontecimento ocorrido no dia de Pentecostes foi maravilhoso:
homens, de diferentes etnias e nacionalidades, que falavam diferen-
tes lnguas, tiveram a oportunidade de ouvir o Evangelho de Jesus
Cristo em sua lngua materna. O Apstolo Pedro fez um discurso for-
te, emotivo, e cerca de trs mil pessoas foram batizadas naquele dia.
Cabe destacar que a nfase do Pentecostes no est no dom de
lnguas, no fato de os discpulos de Cristo falarem em lnguas diver-
sas. O fato principal do Pentecostes a obra de Deus Esprito Santo:
ensinar todas as coisas e fazer com que todos os ensinamentos de
Cristo sejam sempre lembrados (Joo 14.26). Em resumo: a obra para
o qual o Pai enviou o Esprito Santo criar a f nos coraes das
pessoas e manter esta f, por meio da palavra. Para realizar sua
obra, o Esprito Santo pode fazer uso de diferentes dons, e o dom
escolhido pelo Esprito Santo para realizar sua obra no Pentecostes
foi o dom de lnguas, para que, deste modo, pessoas de diversas
lnguas pudessem ouvir a palavra.
Convm lembrar que a festa de Pentecostes era uma das trs
grandes festas celebradas pelo povo judeu. No Antigo Testamento, a
Festa de Pentecostes tambm era chamada de Festa das Primcias
e Festa das Semanas, visto que os judeus a celebravam sete sema-

207
IGREJA LUTERANA

nas aps a festa da Pscoa, trazendo ofertas voluntrias ao Senhor1.


No entanto, o nome Pentecostes originou-se a partir dos judeus de
fala grega, os quais, segundo Rottmann (p. 62) ... chamavam-na sim-
plesmente pelo nmero: Pentecoste, isto , o qinquagsimo dia
aps a festa da Pscoa.
Visto que a descida do Esprito Santo ocorreu justamente na oca-
sio da festa de Pentecostes, passou-se a denominar o dia da desci-
da do Esprito Santo como dia de Pentecostes.
Entre as trs festas realizadas pelo povo judeu, a festa de Pente-
costes era a preferida dos peregrinos, devido ao clima ameno desta
poca que possibilitava o pernoite ao ar livre.2 Visto que a festa de
Pentecostes era a preferida dos peregrinos, pode-se dizer que Deus
teve um objetivo especial, missionrio, ao enviar seu Esprito Santo
sobre os discpulos justamente em meio a esta festa: fazer com que o
Evangelho fosse anunciado ao maior nmero de pessoas de diferen-
tes povos, que falavam diferentes lnguas (basta observar os versculos
de Atos 2.8-11). Este fato deve ter feito com que o Evangelho fosse
difundido de forma mais rpida em outros povos e pases.
Difundir, ensinar e preservar o Evangelho nos coraes das pes-
soas: eis a obra para o qual Deus enviou o Esprito Santo!

O Texto
No captulo 14 do livro de Joo, Jesus Cristo est preparando seus
discpulos para a sua partida. Jesus conforta os discpulos dizendo
que, mesmo com a sua partida, os discpulos no ficaro desampara-
dos, pois ele lhes ir enviar o consolador. Isto verificado, entre ou-
tros, no versculo 18: No vos deixarei rfos, voltarei para vs ou-
tros.
Entre os versculos de Joo 14.23-27, o texto propriamente dito,
Jesus refora aos discpulos sobre o envio do Consolador. Em segui-
da, sero sublinhados alguns dos destaques destes versculos:
V. 23: Jesus conforta seus discpulos, garantindo a eles que Ele e
o Pai faro morada naqueles que o amam (v. 23). Estas palavras,
aps a partida de Jesus, devem ter servido de grande consolo para
os seus discpulos, pois atravs delas est garantido que os discpu-
los no estaro sozinhos para executar a grande obra da qual Jesus

1
ROTTMANN, Johannes H. Atos dos Apstolos. V 1. Porto Alegre: Concrdia, 1997. 2
edio. p. 62.
2
Idem, p. 62.

208
PENTECOSTES

os incumbiu (Mt 28.18-20). Deus far morada no corao daqueles


que o amam, conduzindo-os na obra de anunciar o Evangelho, conso-
lando-os frente aos turbilhes de dificuldades pelos quais passam em
suas vidas.
V. 24: ... e a palavra que estais ouvindo no minha, mas do Pai,
que me enviou. Em diversas passagens do Evangelho de Joo, Jesus
mostra o profundo elo existente entre ele e o Pai. Jesus fez isto, por
exemplo, em Joo 13.19, quando ele atribuiu a si mesmo o nome que
era usado para designar YHWH no Antigo Testamento EU SOU (
). Para aqueles que no viam a Jesus como o enviado de Deus,
com certeza, estas palavras soaram aos seus ouvidos como a mais
profunda audcia e heresia. No entanto, para aqueles que criam
nele, devem ter soado como mais uma prova de que realmente ele
era o Messias enviado de YHWH. Mencionar que a palavra que os
discpulos esto ouvindo no de Jesus, mas do Pai, comprova a
profunda ligao existente entre Jesus e o Pai, e tranqiliza os dis-
cpulos quanto presena de Deus em suas vidas, mesmo aps a
partida de Cristo.
V. 26: Vejo este versculo como o centro desta passagem. Ele con-
tm alguns ensinamentos extremamente importantes. Em primeiro
lugar, Jesus ensina que o Esprito Santo enviado pelo Pai em seu
nome. Em segundo lugar, este versculo ensina acerca da obra de
Deus Esprito Santo: ensinar e lembrar todas as coisas que foram
ditas por Cristo.
Diz Joo 20.9: Pois ainda no tinham compreendido a Escritu-
ra.... Conforme lido, os discpulos no compreenderam plenamente
os ensinamentos de Cristo. Ento, era tarefa do Esprito Santo, lem-
brar os discpulos do ensino de Jesus e, assim, na nova situao aps
a ressurreio, ajud-los a entender seu significado e ensinar a eles
o que Jesus queria lhes dizer.3
Assim como no passado, o Esprito Santo tem obra semelhante a
esta nos dias atuais. Conforme a explicao de Lutero acerca do Ter-
ceiro Artigo do Credo Apostlico, ningum tem fora para crer em Cris-
to. No entanto, o Esprito Santo quem chama os cristos pelo Evan-
gelho, os ilumina, santifica e conserva na f.4 Esta a obra do Esprito
Santo: chamar os cristos f e mant-los na f. E ele faz isso atra-

3
CARSON, D. A. O Comentrio de Joo. So Paulo: Shedd. 2007. p. 505.
4
LIVRO DE CONCRDIA. (Trad. Arnaldo Schler). Porto Alegre; So Leopoldo:
Concrdia;Sinodal, 1980. p. 371.

209
IGREJA LUTERANA

vs dos meios da graa, ensinando e lembrando os ensinamentos de


Cristo e a obra de Cristo em favor dos homens.
V. 27: Jesus, por meio da obra do Esprito Santo, traz paz aos
coraes. No a paz como o mundo a d, mas a paz que vem da
graa e do amor de Deus, revelada aos homens atravs da morte de
Cristo. A paz que Cristo d o conforto do seu amor, a garantia da
sua presena na vida do cristo, em meio as suas aflies e ansieda-
des, bem como a alegria da vida eterna.
O mundo no tem o poder de dar a paz. Ele promete a paz, acena
com a bandeira da paz, mas no tem o poder de oferec-la. Muitos
judeus pensavam que a prometida paz messinica seria mantida por
uma espada mais poderosa que a do rei Davi. Entretanto, a verdadei-
ra paz foi conquistada por um homem que sofreu em lugar de todos
os homens. Pela sua morte na cruz, foi conquistada a verdadeira paz
com Deus.5

SUGESTES DE USO HOMILTICO

A) Assunto: A presena de Deus na vida dos cristos.


B) Objetivos:
1. Confortar as pessoas mostrando a elas a presena real de Deus
em suas vidas, por meio do Esprito Santo.
2. Relembrar a verdadeira obra de Deus Esprito Santo: ensinar e
fazer lembrar os ensinamentos de Jesus Cristo.
C) Tema: O Consolador est presente!

1. (Como?) O Pai o envia em meu nome.


Deus enviou o Esprito Santo sobre os discpulos no dia do Pente-
costes. Deus enviou seu Esprito sobre os quase trs mil que foram
batizados pelos discpulos no dia de Pentecostes. Deus enviou e con-
tinua a enviar o Esprito Santo a ns por meio do batismo. Atravs do
batismo, somos colocados em profunda comunho com Deus (Joo
14.23: ... e viremos para ele e faremos nele morada); visto termos
sido batizados ... para dentro $% ( ) do nome do
Pai, do Filho e do Esprito Santo (Mateus 28.19).
2. (Para qu?) Para ensinar e lembrar todas as coisas que Jesus fez e
ensinou.

5
CARSON, p. 507.

210
PENTECOSTES

Ensinar e lembrar. assim que Deus Esprito Santo cria e mantm


a f nos coraes dos crentes, fazendo uso dos meios da graa.

3. (Para qu?) Para nos dar a paz.


A verdadeira paz, a paz com Deus, foi conquistada por meio da
morte de Cristo na cruz. O Esprito Santo, ao realizar a sua obra de
ensinar e lembrar a obra de Cristo, traz a verdadeira paz de Deus ao
corao do cristo, mesmo que este ainda viva em meio a tribulaes.

Fbio Andr Neumann


Pedras Altas, RS

211
IGREJA LUTERANA

SANTSSIMA TRINDADE
Primeiro Domingo aps Pentecostes
SALMO 148, ISAAS 6.1-8, EFSIOS 1.3-14, JOO 3.1-8 OU MATEUS
28.16-20

MATEUS 28.16-20

O culto deste dia, em seu conjunto, dever motivar a comunidade


a descobrir momentos em que o seguimento da ordem de Jesus (Mt
28.19ss.) se torna realidade no seu cotidiano, bem como as inmeras
possibilidades de segui-la na vida diria em suas vrias dimenses:
familiar, individual, comunitria, etc.

A pregao de Jesus est repleta de ordens, mandamentos: Ama-


rs o teu prximo como a ti mesmo; Deixai vir a mim os pequeninos;
Quando orardes, deveis dizer Pai Nosso [...]; Segue-me. Poderia
ser resumida em uma nica ordem, que abrange todas as demais:
Ide, portanto, fazei discpulos de todas as naes, batizando-os em
nome do Pai e do Filho e do Esprito Santo; ensinando-os a guardar
todas as coisas que vos tenho ordenado (Mt 28.19ss.). Certa vez,
um oficial romano veio a Jesus e lhe pediu que curasse seu servo
doente com uma s palavra, assim como faz um oficial militar ao dar
ordens a seus subordinados. A resposta de Jesus no foi: Ento que
acontea assim como creste!, mas: Em todo Israel no encontrei f
igual a esta. Jesus quer ser reconhecido por seus mandamentos,
quer que creiamos naquilo que ordena e confiemos que est conosco
todos os dias at a consumao do sculo.
Muita gente se incomoda com as ordens de Jesus. Supem estar
sendo tratadas como um regimento militar, ou como pessoas incapa-
zes de tomar suas prprias decises. Em muitas ocasies no passa-
do, os mandamentos de Jesus foram usados para respaldar poderes
opressivos, algo que com frequncia ocorre hoje em dia. De um modo
geral, no so tantas as pessoas atualmente que obedecem ordens
de bom grado. A autodeterminao e o livre arbtrio so virtudes car-
dinais da modernidade. Decidir sobre a prpria vida tornou-se um di-
reito humano e quanto mais opes de escolha se tem, tanto melhor
a vida dizem. Respiramos e transpiramos tanta democracia que,
de antemo, tudo aquilo que cheira a livre escolha parece ser bom e
tudo aquilo que nos obriga ou ordena algo parece ser mau.
Por diversas razes, bom que seja assim. Contudo, no sufici-

212
SANTSSIMA TRINDADE

ente. Isso porque a vida no traz tanto de livre escolha assim. Tudo
na vida interdependente, corpo e alma, culpa e destino, livre esco-
lha e o que nos imposto. No podemos por conta prpria nos dis-
tanciar a tal ponto da vida, em meio a qual vivemos, para efetivamen-
te experimentar o que quer que seja livre escolha. Pelo contrrio,
tomar a prpria vida no equivale a uma ao corriqueira delibera-
da cotidianamente, mas significa, em ltima instncia, morrer; de-
cidir viver significa apenas acolher a vida que j recebemos. No se
me ou pai de um filho desejado porque a criana se torna aquilo que
se deseja ou escolhe, mas porque a criana que se recebe deseja-
da. As circunstncias de maior peso em nossas vidas, as mais signifi-
cativas, simplesmente acontecem e a livre escolha diante da vida nestes
casos reside somente em aceder e aceitar o que j est dado.
Eis uma razo para acolhermos a pregao de Jesus, feita na for-
ma de mandamentos ou ordens. No o fazemos por causa do manda-
mento em si. No por causa de uma ordem universal, referncia obri-
gatria para todos. No na forma de um estatuto idealizado ou de
uma utopia, que so inalcanveis. A pregao de Jesus na forma de
mandamentos precisa ser acolhida como algo dado em favor da pr-
pria vida.
O que est em jogo muito maior do que nossa prpria liberdade
de escolha. Trata-se de Deus, ou da promessa contida nos manda-
mentos de Jesus, que nos transporta a um lugar diferenciado, de onde
passamos a contemplar a vida. Se tivssemos apenas a ns prprios
no mundo, ento estaramos completamente entregues ao arbtrio
humano e impotncia, que nos oprimem terrivelmente. Viver a vida
e perseguir a condio em que esto includas efetivamente a vida e
suas reais possibilidades pressupe uma relao com Deus, a exem-
plo da relao de uma criana pequena com os pais, que somente
percebe o quanto esto prximos quando vivencia sua ausncia.
Um mandamento exige ao, uma palavra que deve se tornar rea-
lidade. Se reconhecemos Jesus em seus mandamentos, descobri-
mos ao mesmo tempo que sua palavra se dirige vida concreta por
ns vivida.
No precisamos ser espiritualmente superdotados para vivenciar
a palavra de Jesus, pela qual ele est conosco todos os dias at o
fim do mundo. Ser espiritual na f crist implica viver uma realidade
na qual se espiritual. E isso significa apegar-se aos mandamentos
de Jesus como aquilo que nos conduz em meio s dificuldades da
vida. O que nos leva igreja para participar de cultos, reunies de
estudo bblico e com grupos de irmos e irms na f? O que nos im-
pulsiona a faz-lo? O que faz com que dediquemos momentos do nosso

213
IGREJA LUTERANA

dia para orar e estudar a Palavra individualmente ou em famlia? Que-


remos que a vida que levamos com seus percalos, experincias, pro-
blemas e alegrias seja iluminada. Isso para que alcancemos um en-
tendimento mais apropriado e vivamos de forma mais autntica, rele-
vante e comprometida com a vida, sem simplesmente continuar agin-
do do modo como estamos habituados.
Naquilo que realizamos nos cultos e demais encontros comunitri-
os sempre h uma vinculao concreta e diretamente relacionada
vida, pois nisso somos orientados pelo mandamento de Jesus: a gua
no Batismo, po e vinho na Santa Ceia. O que de mais precioso rece-
bemos de presente, nossos filhos, tratamos de levar ao Batismo sob
a iluminao deste mandamento, pois, alm de darmos a eles todo o
necessrio para a vida, tambm queremos que sejam acompanhados
pela promessa da participao na comunho com Deus, a qual rece-
bemos no Batismo.
Em face das ordens, dos mandamentos de Jesus, sempre somos
reconduzidos a nossa vida concreta a fim de experimentar o que po-
demos ou no. Ir e fazer discpulos de todas as naes no significa
andar por todo lado e em todos os lugares para dar testemunho do
cristianismo, a no ser que nossa vida seja conduzida nesta direo.
Cumprir a ordem de Jesus significa poder fazer aquilo que temos que
fazer no mundo que o nosso mundo. Da mesma maneira como Je-
sus seguiu com os discpulos para a Galilia, de onde eles procediam,
para envi-los do alto do monte. Trata-se de uma imagem muito ex-
pressiva: acima, para alm de seus prprios pensamentos e entendi-
mento, os discpulos so conduzidos pela ordem de Jesus. Como diz o
texto, o adoraram, mas alguns duvidaram.
A mistura de devoo e dvida pertence relao com Deus, da
mesma forma que integra nossa vida. parte da liberdade da f. Crer
na vida concedida por Deus, ou seguir o mandamento de Jesus, no
corresponde a uma condio que alcanamos por conta prpria. A f
o encontro para o qual Jesus nos envia e no qual nos acompanha com
seus mandamentos, a fim de que Deus e sua escolha em nosso favor
estejam em sintonia com nossa vida concreta todos os dias at a
consumao do sculo.

Ricardo W. Rieth
So Leopoldo, RS

214
SEGUNDO DOMINGO
APS PENTECOSTES
Primeiro Domingo Aps Trindade
Salmo 62.5-12, xodo 20.1-17, 1 Joo 3.11-18, Lucas 16.19-31

Lucas 16.19-31

IDENTIFICANDO-SE COM A PALAVRA DE DEUS

INTRODUO

Identificar-se e absorver o ensino de Deus sempre foi um desafio


para o ser humano. Por esta razo, tambm, a Palavra de Deus
comunicada de gerao em gerao a fim de que mais pessoas sejam
conscientizadas a respeito da vontade de Deus para as suas vidas. O
Esprito Santo, que age como lhe convm, vai abrindo portas para
que isto se concretize.
Nesta perspectiva, queremos refletir sobre o texto de Lucas 16.19-
31, trazer diferentes elementos para anlise e apontar as possibili-
dades para o sermo.

LEITURAS DO DIA

Salmo 62.5-12 o salmista est convicto de que Deus o seu


refgio certo. Esta confiana nica vai alm do nosso imaginrio, por-
que a forma como Deus intervm transmite segurana para o crente.
xodo 20.1-17 Num momento extremamente importante para o
povo de Israel, Deus lhe d os mandamentos. As dvidas das rela-
es humanas do lugar clareza. As regras (orientaes) so um
marco para o povo de Israel e para ns.
1 Joo 3.11-18 O cristo identifica-se com Cristo, seguindo o
seu exemplo de amor, no s de palavras, mas acompanhadas de
atos. uma resposta ao amor de Deus em sua vida.
Lucas 16.19-31 Jesus quer mostrar as diferentes formas de
absoro do seu ensino.

Aprofundando-se no texto
O texto em foco pode ser analisado dentro de uma perspectiva do
Reino que vai alm dos limites a que estamos acostumados. Alm de

215
IGREJA LUTERANA

mostrar elementos escatolgicos como referncias, o observamos


dentro de um contexto no qual foi narrado, especialmente levando
em conta o seu provvel pblico-alvo. Alguns o colocam num gnero
comparativo, considerando-o uma parbola, havendo discordncia
entre alguns telogos. Vamos aqui fazer uma leitura na tica de com-
parao.
Ao observarmos o que antecede o texto, o captulo 15 inicia com
uma meno aos publicanos e pecadores que vieram ouvir Jesus (15.1),
mas os fariseus no aprovaram tal atitude afirmando este recebe
pecadores e come com eles (15.2). Jesus, diante disso, ensina a par-
tir de parbolas que revelam a misericrdia de Deus para aquele que
se arrepende dos seus pecados. Desta forma, h uma repreenso
aos fariseus que se achavam sem pecados.
Vejamos alguns caminhos de reflexo do texto:
a) Comportamento humano o rico e Lzaro tm comportamen-
tos distintos; um se regala pelo que tinha e possua sem se importar
com o outro; Lzaro, por sua vez, vivia das migalhas que caam da
mesa deste. O rico acreditava que essa boa vida nunca terminaria e
se orgulhava disso; Lzaro, que tinha como companheiro o cachorro
que vinha lamber-lhe as lceras, talvez esperasse pelo fim de sua
vida ou de seu sofrimento.
Vemos aqui soberba e humildade, duas posturas ou formas de
encarar a vida. Naturalmente, cada uma tem o seu preo (conforme o
texto). Os homens soberbos contribuem ou constroem as suas vidas
numa ausncia de solidariedade de uns para com os outros. Acredi-
tam no serem atingidos com o mal. Os humildes, estes tambm os
encontramos e do um exemplo positivo para a sociedade. Sofrem
em funo disso, mas so coerentes com o seu viver em sociedade.
b) Ambos morrem este o destino de todos e quando isso
ocorre o destino j est traado: cu e inferno. Por mais que o ser
humano odeie a idia da morte, ela verdica e todos passam por
ela. A f leva o indivduo a ter esperana da vida eterna, com Deus.
Mas a ausncia dela tem outro desfecho: derrota, sofrimento e morte
eterna.
Tambm vamos passar pela morte. E no retornaremos. Ec 9.4-6.
c) A palavra continua sendo anunciada Moiss e os profetas
refere-se Palavra de Deus sempre anunciada ao povo, desde a an-
tiguidade, passando pelos sculos e que chegou at ns. Este o
ensino de Deus que transforma vidas no dia-a-dia. Ouam-nos a
expresso final porque a f vem pela pregao, e a pregao pela
palavra de Cristo (Rm 10.17).
d) O Evangelho o Cristo para todos isto est evidente nesta

216
SEGUNDO DOMINGO APS PENTECOSTES

comunicao de Jesus. Judeus e gentios, ambos, fazem parte do pla-


no de Deus para a Salvao, pois no h distino entre judeu e
grego, uma vez que o mesmo o Senhor de todos, rico para com
todos os que o invocam (Rm 10.12). Talvez os judeus (escribas e
fariseus 15.2) se achassem os melhores. Entretanto, no assim
que Deus v o ser humano. Ele o v enquanto confia nas suas pala-
vras e promessas, livre da soberba.

SUGESTO HOMILTICA

Tema: Identificando-se com a Palavra de Deus

1. Livre da soberba, sintoma das obras da carne


2. Em humildade, construindo uma vida digna de um servo de Deus.

Waldyr Hoffmann
Joinville, SC

217
IGREJA LUTERANA

TERCEIRO DOMINGO
APS PENTECOSTES
Segundo Domingo Aps Trindade
Salmo 117, Deuteronmio 8.11-20 ou Zacarias 1.3-6, Efsios 2.13-
22 ou Apocalipse 3.14-22, Lucas 14.15-24

Lucas 14.15-24

TEXTOS PARA O DOMINGO

Sl 117 - O Salmo 117 um forte apelo a todas as naes para que


reconheam a grandeza do poder de Deus. Que todos os povos lou-
vem o Senhor por causa da sua misericrdia e da sua fidelidade
para sempre. No v.2 o seu amor por ns forte, mostra que o amor
de Deus ultrapassa as fronteiras de um povo de uma nao, de um
pas (ler Glatas 3.8-9 e Apocalipse 7.9).
Dt 8.11-20 - um alerta contra o orgulho que poder sobrevir ao
povo de Deus enfeitar-se com plumas alheias. Muitas vezes o povo
se esqueceu que foi Deus quem lhes deu a vitria. Lembrem do
Senhor, nosso Deus, pois ele quem lhes d fora para poderem
conseguir riquezas (v.18). Esquecer-se do Senhor, traz consequncias
eternas. Mas, se vocs esquecerem do Senhor, e adorarem e servi-
rem outros deuses, eu aviso hoje, que certamente morrero (v.19).
Podemos fazer uma ponte com Lucas 23.42. A splica do malfeitor
na cruz: Ento disse: Jesus, lembra-te de mim quando o senhor vier
como Rei. O Senhor no esquece dos que se lembram dele agora
e tambm depois.
Ef 2.13-22 - O apstolo Paulo lembra aos cristos de feso a
situao em que eles se encontravam diante de Deus antes de co-
nhecerem a Cristo (2.1). Esta situao trazia consequncias desas-
trosas para a relao entre judeus e gentios dio, rivalidade, uma
situao de no paz. Agora, pela sua morte na cruz, Cristo destruiu
o muro que separava as pessoas de Deus e umas das outras. por
meio de Cristo que todos ns, judeus e no-judeus, podemos ir, em
um s Esprito, at a presena do Pai (v.18). Tudo isso somente
possivel por causa da fora de Deus e no da fora das pessoas. Se
todos foram alcanados pelo amor de Deus, ento, que todos os
povos o louvem! Soli Deo Gloria!

218
TERCEIRO DOMINGO APS PENTECOSTES

CONTEXTO DE LUCAS 14.15-24

1. O Evangelho de Lucas e o livro de Atos constituem cerca de


27% do Novo Testamento. Ele declara que investigara todas as coi-
sas cuidadosamente desde o princpio; menciona Tefilo como o des-
tinatrio de sua obra (cf. At 1.1); e apresenta seu material para que
seus leitores (Tefilo e outras pessoas interessadas) tivessem ple-
na certeza das coisas nas quais foram instrudos. Em outras pala-
vras, Lucas tencionava apresentar um relato das origens histricas
do cristianismo que tivesse um elevado grau de credibilidade (note
seu uso do termo grego tekmeria, que significa provas infalveis,
incontestveis [ARA], em At 1.3). Desta maneira, deu cuidadosa aten-
o confiabilidade histrica e considerado o historiador por exce-
lncia do Novo Testamento.
2. O captulo 14.1-24 acontece Num sbado, na casa de um certo
lder fariseu. Jesus havia sido convidado. Seu hospedeiro era um dos
principais ou dos expoentes dos fariseus, ocupando uma posio de
honra entre eles, visto no terem um governo estabelecido. Foi, tal-
vez, um membro do sindrio, que era o conselho supremo da igreja
judaica, ou era conhecido pela excelncia do seu saber. Foi na casa
desse homem que Jesus foi hspede. Estavam de olho em Jesus.
Jesus estava rodeado de raa de vboras e sepulcros caiados.
Porque no respondem as perguntas de Jesus? Eles no sabiam, ou
no podiam responder, pois as suas respostas os condenariam? Ver
Mateus 23.1-12.

TEXTO

Um dos convidados da festa do fariseu ficou profundamente im-


pressionado com as palavras de Cristo, e em especial com sua aluso
felicidade que seria o quinho daqueles que estivessem includos
na ressurreio dos justos. A realizao desta glria encheu-o do
desejo profundo e ardente pelas bnos que podem ser esperadas
no cu. Sua observao pode ter sido, principalmente, um fruto do
entusiasmo do momento; mas serviu como motivo duma bela parbo-
la do Senhor. Bem-aventurado aquele que come po no reino de
Deus, no tempo do cumprimento da igreja de Cristo no cu, onde
todos os que so julgados justos, por toda a eternidade comero das
delcias eternas e bebero da gua da vida. Jesus, ao responder esta
exclamao, dirigiu-se, antes de tudo, ao que falara, mas tambm a

219
IGREJA LUTERANA

todos os demais que estavam reunidos ao redor das mesas.


Vv. 15-17: Um certo homem, um homem de posses e de influncia,
como mostra a histria, fez uma grande festa, preparou um jantar de
grandeza fora do comum. Esta festa foi grande, tanto por causa da
abundncia de comida, como porque fora planejada para muitos hs-
pedes. Conforme os planos detalhados do hospedeiro, muitos foram
convidados. O primeiro convite foi expedido a um grande nmero de
pessoas. Quando chegou a hora da festa, o dono da casa enviou seu
prprio servo, fiel e encarregado de tudo, para dar o costumeiro se-
gundo lembrete ou a repetio do primeiro convite. Era um chamado
urgente: Vinde, pois agora todas as coisas esto prontas! Os hspe-
des foram chamados a virem imediatamente festa que lhes fora
preparada, pois tudo lhes estava pronto.
Vv. 18-20: Os convidados comearam a escusar-se, muito cortes-
mente, mas com um ar de deciso que no pode ser esquecida. Escu-
saram-se porque no quiseram vir. As escusas de trs deles so cita-
das como exemplos. (1) Um comprara um pedao de terra, e exata-
mente nesta hora competia-lhe a obrigao de examin-la. Seu ne-
gcio lhe era mais importante do que o jantar: pediu para ser isento
deste compromisso. (2) O segundo hspede convidado recm havia
comprado cinco juntas ou duplas de bois, e estava a caminho para
experiment-las. No estava to ansioso como o primeiro na justifi-
cativa inevitvel de sua recusa: ele que queria agir assim ou agra-
dava-lhe agir assim, sendo, por isso, seu negcio mais estimado e
importante do que o convite. (3) Um terceiro, de modo frio, afirmou ao
servo que tomara esposa e que por isso no podia vir. Seu casamen-
to ocorrera depois que recebera o primeiro convite, e isto, segundo
seu prprio julgamento, o absolvia de quaisquer obrigaes sociais
que houvesse assumido antes. Aqui no enfatizado o prazer carnal,
mas, to somente, o fato que em sua nova felicidade no j no se
preocupava com distraes.
Vv. 21,22: O servo se viu obrigado a trazer a seu patro a notcia
da rejeio dos convites. natural que este se irritou sobre esta con-
duta, mas, imediatamente, imaginou um plano pelo qual, num breve
espao de tempo, pudesse juntar hspedes para sua festa. O servo
no devia demorar-se em sair, tanto pelas ruas movimentadas como
pelas vielas estreitas da cidade, e trazer para sua casa os pobres e
os fracos, os aleijados, os cegos e os coxos. O servo no previra a
ordem do patro, mas cumpriu-a urgentemente, retornando com o
relatrio de que as ordens haviam sido executadas com exatido,

220
TERCEIRO DOMINGO APS PENTECOSTES

mas que ainda havia lugar. Ento, como ltima instncia, o patro
enviou o servo para a regio ao redor, para as rodovias e junto s
cercas, tanto nas estradas principais como nos trilhos que passavam
pelos campos, ao longo das beiras das estradas. Devia convidar, de
maneira urgente e incisiva, a qualquer um que ali encontrasse. O ob-
jetivo expresso do patro foi lotar sua casa. Mas quanto aos primei-
ros convidados, feita a declarao solene, que nem um s deles iria,
ao menos, sentir o gosto da festa que fora preparada com tanto cari-
nho.
Sob a luz do cumprimento do Novo Testamento, claro o signi-
ficado da parbola. O dono da casa o prprio Deus onipotente, mas
tambm o Senhor gracioso e misericordioso. Lutero assim escreve a
respeito: A pregao de Cristo a grande e gloriosa ceia, para a
qual ele chama os hspedes para os santificar pelo seu Batismo, para
os confortar e fortalecer pelo Sacramento de seu corpo e sangue;
que no tenham necessidade de nada, que haja grande abundncia
e que cada um seja satisfeito. O alimento a ser providenciado foi, por
isso, o evangelho com todas as suas glrias, sim, o prprio Cristo, e
nele completa justificao, perdo de pecados, vida e salvao. Quando
Jesus veio ao mundo, chegara a hora da grande ceia (Gl 4. 4,5). Ele
mesmo o Servo do Senhor no sentido mais exclusivo (Is 42.1; 49.6;
53.13;53.11). Ele preparou, tanto pessoalmente como por meio do
arauto Joo Batista e pelos apstolos, o convite que fora lanado
pelos profetas, que o tempo chegara pelo qual todos os patriarcas e
profetas haviam esperado ansiosamente, ou seja, que o reino de Deus
lhes estava prximo. Cristo foi enviado aos filhos da casa de Israel, e
foi a eles que foi tencionado seu ministrio pessoal, visto serem o
povo escolhido de Deus (Rm 3.2; 9.5). A promessa, primeiro foi
publicada a eles e aos seus filhos. Cristo, visando isto, trilhou cada
palmo da terra dos judeus, pregando o evangelho do reino. E os aps-
tolos levaram avante a sua obra, proclamando o evangelho primeiro
aos judeus. Mas Israel, em seu todo, no quis nada com as gloriosas
novas que pertencem sua salvao, e recusaram o convite. Suas
mentes estavam centradas em coisas terrenas, e eles esperavam um
reino temporal do Messias. Desprezaram e rejeitaram o evangelho da
graa de Deus em Cristo Jesus. Ento Deus, em sua ira, se afastou
deles. Jesus buscou os pobres e desconhecidos entre os judeus, que
eram os espiritualmente enfermos, coxos e cegos. Chamou a si os
publicanos e pecadores e assegurou-lhes que a salvao era deles.
Os membros do rebanho de Cristo foram simples pescadores, antigos
publicanos e pecadores que se corrigiram (1Co 1. 26-28). Por fim,
Jesus, atravs de seus apstolos e outros mensageiros, trouxe o con-

221
IGREJA LUTERANA

vite de Deus ao mundo dos gentios, que eram estranhos comunida-


de de Israel (Ef. 2.12).
O Senhor est chamando pessoas de todas as naes do mundo
para sua grande ceia, para que recebam a plenitude de sua bondade
e misericrdia. Ele est a chamar com urgncia e insistncia. Seu cha-
mado sincero e poderoso. Pela proclamao da lei, ele prepara o
caminho para o evangelho, para que o pecador aprenda a conhecer
seu desamparo e confie s na justia do Redentor. isto o que signi-
fica compelir, se tememos a ira de Deus e dele desejamos ajuda. Se
isto foi conseguido pela pregao, e os coraes esto quebrantados
e atemorizados, ento a pregao continua nas palavras: Querida
pessoa, no desespera, mesmo que sejas um pecador e tenhas uma
condenao to terrvel sobre ti; faze antes isso: Tu ests batizado,
por isso ouve o evangelho. Ali tu aprenders que Jesus Cristo morreu
por tua causa e fez satisfao pelos teus pecados na cruz (Lutero).
O chamado misericordioso de Deus eficaz pelo evangelho. Esta a
maneira pela qual uma pessoa chega grande ceia. Cristo chama e
roga; a mesa preparada; a plena redeno obtida; Deus por cau-
sa de Cristo misericordioso s pessoas.
Mas, se uma pessoa no vem e no quer vir, ento a falta sua
prpria. O Senhor chamou, e ele sinceramente oferece a todas as
pessoas as riquezas de sua graa. Aqueles que desprezam seu cha-
mado sero excludos, por sua prpria falta, das alegrias da salva-
o, isto , da ceia eterna de bendio no cu. Os que so condena-
dos, no tm desculpas, conforme Lucas 13.34 e Osias 13.19.

PROPOSTA HOMILTICA

Tema: Venham, que tudo j est pronto.

INTRODUO

Pode-se trazer lembrana dos ouvintes a alegria de todas as


naes reunidas em Jerusalm por ocasio da festa de Pentecostes.
Muitos aceitaram a palavra, no rejeitaram creram. Outros rejeita-
ram zombavam. Os anos passaram, mas as pessoas continuam di-
vididas em dois grupos. Alguns aceitam o convite, outros, no entanto,
o rejeitam.
I Nada fizemos para merecer o convite.
II Deus, por graa e misericrdia de sua parte, convidou todos.
III Que todos os povos o louvem.

222
TERCEIRO DOMINGO APS PENTECOSTES

BIBLIOGRAFIA

Bblia de Estudo Despertar; Bblia de Estudos Plenitude; Coment-


rio Kretzmann; Novo Testamento Interlinear; Panorama do Novo Tes-
tamento.

Wilmar Meister
So Leopoldo, RS

223
IGREJA LUTERANA

QUARTO DOMINGO APS PENTECOSTES


Terceiro Domingo Aps Trindade
Salmo 100, Miquias 7.18-20, 1 Timteo 1.12-16, Lucas 15.11-32

Lucas 15.11-32

CONTEXTO

preciso ler a parbola luz do que est expresso em Lucas


15.1-3. Isto , o cenrio em que Jesus est contando e para quem
est contando. Os publicanos e pecadores aproximavam-se para ouvi-
lo. E os fariseus e os escribas murmuravam dizendo: Este recebe pe-
cadores e come com eles. Jesus recebia os pecadores e tinha comu-
nho mesa com eles. De acordo com K. Bailey (1995), as trs par-
bolas de Lucas 15.4-32 so uma defesa dos atos de Jesus. (Sugiro a
leitura de As parbolas de Lucas, que traz uma brilhante anlise da
estrutura literria da parbola do filho perdido, bem como do conte-
do da mesma, com uma riqueza de detalhes que auxiliaro na elabo-
rao do sermo).
A misericrdia a temtica deste domingo. Todas as leituras do
dia trazem explicitamente esse assunto.

TEXTO

A palavra de Deus se veste de palavras humanas. As parbolas


vestem as aes de Deus com aes humanas. Assim, nas parbolas,
Jesus se veste e veste a Deus Pai com caractersticas humanas. Este
o caso da parbola em questo. O pai que vai atrs de seus dois
filhos perdidos.
Relevante o fato de que o pai no fala com o filho mais moo. O
pai fala com os servos e com o filho mais velho. Com o moo, o pai
age. A iniciativa sempre do pai. Ao avistar o rapaz vindo, corre ao
seu encontro. Manda os servos o vestirem. Manda preparar uma fes-
ta. Mas, igualmente, busca reconciliao com o filho mais velho. Na
sua situao de pai, poderia simplesmente esperar o mais moo. Po-
deria, tambm, mandar o filho mais velho entrar na festa. Alm de
amoroso e compassivo, reconciliador. o pai que vai ao encontro
dos filhos perdidos. Por que as iniciativas so do pai? Por que ele
simplesmente no espera? Por que ele conversa com os servos, com

224
QUARTO DOMINGO APS PENTECOSTES

o filho mais velho e no com o mais moo? Por que o pai se humilha
em suas aes?
Os personagens da parbola so nucleares. No se pode ape-
nas dizer que um representa os gentios e o outro, os fariseus. Eles
representam, antes, os arrependidos e os no-arrependidos. Os se-
guintes trechos caracterizam o filho mais moo: ajuntou o que era
seu, partiu para uma terra distante, dissipou seus bens, passou ne-
cessidade, agregou-se a um gentio, cuidou de porcos, queria comer a
comida dos porcos, caiu em si, voltou para seu pai, e, ao pedir per-
do, disse: Pai, pequei contra o cu e diante de ti, j no sou digno de
ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus trabalhadores. Do
filho mais velho, no entanto, tem-se o seguinte: estivera no campo,
chamou um servo para saber o que estava acontecendo, indignou-
se, no queria entrar, e, ao falar com seu pai, no o chama de pai.
Alm disso, disse: esse teu filho. No trata como irmo o mais moo
e nem seu pai como pai. O pai, ao contrrio, responde-lhe dizendo
que era preciso comemorar, porque esse teu irmo estava morto e
reviveu, estava perdido e foi achado. O que significa para um judeu-
israelita se agregar a um gentio? O que significa tambm cuidar de
porcos? Existem diferenas entre a situao do filho mais moo e do
mais velho? Quais so e o que elas significam quanto ao relaciona-
mento com o pai? Por que o filho mais velho no trata seu irmo como
irmo? Por que o pai os trata como irmos?
Penso que o mais importante nesta parbola sejam as aes do
pai. O pai v ao longe o filho miservel vindo, corre at ele, abraa-o
na misria e o beija na misria. Da misria para uma festa. As aes
do pai so significativas e precisam ser exploradas. Segundo R. H.
Gundry (1996), o correr era uma maneira incomum e sem dignidade
de se locomover, ainda mais para um idoso, mas o amor e a alegria do
pai ultrapassaram todo o senso de decoro, e o pai corre tambm para
proteger seu filho; o beijo do pai simboliza o perdo; o vestir do me-
lhor traje era um sinal de honra (um pequeno detalhe: a melhor roupa
sempre era do senhor da famlia ou do grupo de famlias, isto , era o
traje do prprio pai); o anel restaurou a autoridade filial; e as sand-
lias expressaram que ele no deveria ser tratado como um servo.
Alm disso, um verbo merece destaque splanchnizomai. Verbo
que tem as seguintes acepes: ter d, ter misericrdia, ter sim-
patia. Essas acepes, indubitavelmente, esto ligadas a sentimen-
tos profundos, que brotam das entranhas, como uma contrao
convulsiva. Esse verbo figura em contextos bem especficos (Mt 9.36,
14.14, 15.32, 18.27, 20.34; Mc 1.41, 6.34, 8.2, 9.22; Lc 7.13, 10.33,
15.20), ligando-se a Jesus e a aes de trs personagens principais

225
IGREJA LUTERANA

em trs parbolas (senhor do servo incompassivo [Mt 18.27], bom


samaritano [Lc 10.33], e nesta do filho perdido [Lc 15.20]). Entretan-
to, em todos os casos, sempre indica que h, primeiramente, uma
viso de uma situao peculiar e, como conseqncia disso, brota ou
explode um sentimento de profunda compaixo. Parece que esta com-
paixo, em virtude das suas caractersticas e dos contextos em que
aparece, deve ser atribuda nica e exclusivamente a Deus.
Por outro lado, a ao do pai (ver / compadecer-se / correr / abra-
ar e beijar / comemorar o retorno), porque viu a situao de misria
do seu filho moo, assemelha-se ao de Deus para livrar o povo de
Israel do Egito. A mesma sequncia parece ocorrer naquele contexto,
pois disse Deus: Certamente vi a aflio do meu povo, e ouvi seu cla-
mor por causa dos seus exatores, conheo-lhe o sofrimento; por isso,
desci a fim de livr-lo da mo dos egpcios e para faz-lo subir daquela
terra a uma terra boa e ampla, terra que mana leite e mel (x 3.10).
Por fim, se observarmos as outras leituras do dia, podemos dizer
que se trata do dia da misericrdia. A percope de Miquias tambm
apresenta o tema da misericrdia. Quem, Deus, a ti, que perdoas a
iniquidade e te esqueces da transgresso do restante da tua herana? O
Senhor no retm a sua ira para sempre, porque tem prazer na miseri-
crdia (Mq 7.18). Do mesmo modo, a ponte possvel com a percope
de 1 Timteo, pois Paulo descreve a sua condio antes de ter trans-
bordado nele a graa de Jesus Cristo. Este veio ao mundo para salvar
os pecadores, dos quais Paulo se considera o principal. Enfim, do Sal-
mo 100 nem necessrio tecer comentrios. Porque o Senhor bom,
e sua misericrdia dura para sempre.

PROPOSTA HOMILTICA

Tema: O Pai vai ao encontro dos filhos perdidos


a) Porque v e conhece a situao de misria deles;
b) Porque os ama e se compadece com a sua situao;
c) Porque quer abra-los, beij-los e viver com eles.

Jeferson Andre Samuelsson


So Leopoldo, RS

226
QUINTO DOMINGO APS PENTECOSTES
Quarto Domingo Aps Trindade
Salmo 138, Gnesis 50.15-21, Romanos 12.14-21, Lucas 6.36-42

Lucas 6.36-42

CONTEXTO

O texto em estudo faz parte do sermo da planura (Lc 6.17-


49), sendo os versculos 37 a 42 paralelos ao texto de Mt 7. 1-5 (par-
te do Sermo da Montanha). Em sua srie de ensinamentos nesse
contexto, Jesus est ensinando lies de relacionamento no dia-a-dia
entre as pessoas.
Na percope em estudo, Jesus fala sobre o hbito de julgar,
uma prtica comum entre as pessoas. Jesus havia recentemente vivi-
do situaes em que pessoas queriam julgar outras pessoas no
episdio em que come com os publicanos (Lc 5. 29-32), ou ainda quan-
do cura o homem da mo ressequida em um sbado (Lc 6. 6-11). At
o prprio Jesus julgado pelas pessoas nesses episdios, quando
querem adverti-lo por comer com os publicanos pecadores e tambm
por transgredir a guarda do sbado. Jesus contrape o julgar com o
perdoar, a atitude de egosmo com a atitude de doao.
O perodo litrgico traz a lembrana do Pentecostes, marcando
o surgimento da f, como obra do Esprito Santo, e os domingos aps
Pentecostes querem nos ensinar sobre a vivncia dessa f, sob a
mesma ao do Esprito Santo. No texto em estudo, especificamente,
o ensino sobre no julgar, perdoar e doar-se ao prximo.

TEXTO

V. 37: Jesus bem claro, enftico: No julgueis. O termo usado


aqui krino remete idia dos tribunais, onde julgamentos so
emitidos. Traz justamente a idia de emitir uma sentena. Jesus no
quer a prtica entre as pessoas de criticar e condenar o prximo.
No sereis julgados a consequncia para quem no julga. Refere-
se resposta das outras pessoas e tambm ao julgamento divino,
at pela indicao do texto paralelo de Mt 18.18 (Ofcio das Chaves).
Perdoai e sereis perdoados: Perdoar um ao outro atitude esperada
da f crist. Porque se perdoado tambm podemos perdoar em
oposio ao julgar. Esse perdoar apolio, que tem o sentido de deixar

227
IGREJA LUTERANA

ir, livrar, no impedir o curso da vida com a emisso de um juzo. Aqui


preciso cuidar para no colocar o ser perdoado como uma recom-
pensa pelo perdoar, mas como resposta da f de quem perdoado
primeiro.
V. 38: A f quer agir na direo do outro: dar o mximo de si e do
que possui para os outros. E assim acontecer tambm conosco: com
a medida com que tiverdes medido vos mediro tambm.
Vv. 39-42: Jesus ilustra o ensinamento acima lembrando a condi-
o de cegueira espiritual das pessoas. No somos perfeitos. Por isso
no seguimos pessoas. Podemos cair no barranco. Essa condio
de cegos que nos impede de julgar, porque somos imperfeitos. Te-
mos trave em nossos olhos, que precisam ser tiradas por Jesus. Por
isso que no vamos julgar nem o argueiro no olho do irmo. Essa
seria uma atitude hipcrita, diz Jesus. Aqui existe a oposio entre
karfos: estilhao, coisa pequena e dokos: viga mestra de um telhado
ou assoalho. Uma vez perdoados, podemos ajudar nosso irmo a
chegar ao perdo, sem julg-lo. Quando Jesus tira a trave do nosso
olho, vemos claramente, e podemos conduzir nosso irmo ao perdo
de Jesus.
V. 40: Ser como o Mestre! Tarefa difcil?! Impossvel para ns peca-
dores, diante de nosso santo Senhor. Mas queremos chegar o mais
prximo possvel do Mestre. A est a relao com o versculo 36, in-
cludo nessa percope: Ser misericordioso como o Pai. O termo
oiktirmos refere-se a um sentimento de compaixo, bem como a uma
atitude compassiva. No texto em estudo, as atitudes de misericrdia
so: no julgar, no condenar, perdoar e o dar.

OUTROS TEXTOS DO DIA

Gn 50.15-21: Jos agiu como o texto do evangelho recomenda,


na atitude para com os seus irmos: no julgou, no condenou; mas
perdoou e deu em abundncia. Foi misericordioso para com seus ir-
mos, assim como Deus foi misericordioso para com ele.
Rm 12. 14-21: O apstolo Paulo recomenda como virtude crist a
ao misericordiosa para com o prximo, mesmo quando agem mal
para conosco.

PROPOSTA HOMILTICA

Objetivo: Mostrar a misericrdia como uma atitude que Jesus es-


pera na vida crist para que o relacionamento entre as pessoas seja
mais feliz.

228
QUINTO DOMINGO APS PENTECOSTES

Molstia: As pessoas, pecadoras, vivem pensando apenas em si


mesmas e com um constante desejo de vingana nos coraes.
Meio: Pela ao do Esprito Santo em Palavra e Sacramentos, po-
der vivenciar o perdo e deixar de lado a vontade de julgar.
Tema: Queremos viver a misericrdia.
A. Imaginar um mundo em que as pessoas pensem umas nas ou-
tras e no apenas em si mesmas.
1. Dai
2. Com a medida com que tiverdes medido vos mediro tambm
B. Ter o desejo de perdoar, porque somos perdoados primeiro.
1. No julgar
2. No condenar
C. Exercer misericrdia, a exemplo de Deus para conosco.

Aurlio Leandro DallOnder


Campo Bom, RS

229
IGREJA LUTERANA

SEXTO DOMINGO APS PENTECOSTES


Quinto Domingo Aps Trindade
Salmo 147.1-14, Lamentaes 3.22-26 ou xodo 3.1-15, 1 Pedro
2.4-10, Lucas 5.1-11

Lucas 5.1-11

O MAIS EXCELENTE TRABALHO

COMENTRIO SOBRE O TEXTO

Jesus estava na cidade de Cafarnaum, beira do Mar da Galilia.


Era a terra natal dos profissionais da pesca Pedro, Andr, Tiago e
Joo. Nesta cidade Jesus era sempre acolhido com muito carinho.
Multides reuniam-se para ouvir suas pregaes. Nesta ocasio, Je-
sus usou o barco de Pedro e, assentado nele, ensinava as multides.
Concludo o seu ensino, pediu que Pedro navegasse para guas mais
profundas para lanar as redes e pescar. Apesar do cansao aps
uma noite inteira de trabalho e mesmo no sendo esta a hora mais
apropriada para a pesca, Pedro obedeceu. E o resultado foi impressi-
onante. Nunca o seu trabalho havia rendido tanto, a ponto de pedi-
rem auxlio a companheiros de outro barco.
Diante do milagre, Pedro considerou-se indigno de ficar na pre-
sena de Jesus, perante o qual sentia-se um indigno pecador. Neste
momento Jesus fez o convite que mudou radicalmente a sua vida. Ao
invs de pescarem peixes com redes de pesca, teriam, a partir desse
convite, a misso de lanar as redes do evangelho. O chamado de
Jesus foi imediatamente aceito. Os barcos foram arrastados para a
praia e, deixando tudo, o seguiram. Quando Cristo chama e mostra
o caminho que conduz ao seu trabalho, o pecador ouve a sua voz e
curva-se humildemente diante da sua vontade.
No Evangelho deste domingo, o Salvador Jesus incentiva o tra-
balho, abenoa o trabalho e chama pessoas simples como Pedro e
seus colegas de profisso, para o mais excelente trabalho: a misso
de pescar gente.

DESTAQUES DOS OUTROS TEXTOS

Sl 147.1-14 No contexto agrcola, o bom tempo, com sol e chu-


va regulares, faz com que o homem do campo veja o seu trabalho

230
SEXTO DOMINGO APS PENTECOSTES

frutificar. Esse um dos motivos pelos quais o salmista louva o Deus


todo-poderoso. No contexto da Igreja, o tempo de paz e liberdade
propcio para a pregao do Evangelho, pelo que tambm louvamos
ao Deus e Pai de toda graa.
x 3.1-15 Quando Deus chamou Moiss para libertar o povo de
Israel da escravido egpcia, ele vacilou, apresentou desculpas apon-
tando suas deficincias (cf. x 3 e 4). Depois de muito relutar, foi per-
suadido a aceitar o desafio. A promessa de que o Deus de Abrao,
Isaque e Jac estaria ao seu lado na dura misso e os sinais que
Deus fez diante dele, o convenceram. Tambm no Ministrio Pastoral
e no Sacerdcio Universal, a nossa suficincia vem de Deus.
1 Pe 2.4-10 No somente os que foram habilitados para exer-
cer publicamente o Ministrio Pastoral, aps concluir um curso de Te-
ologia, mas todos os cristos so chamados a proclamar as virtudes
daquele que nos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz,
como membros do sacerdcio universal dos crentes em Cristo.

Molstia: Ministros do evangelho e cristos preguiosos e acomo-


dados (Jr 48.10). Jesus chamou pessoas que tinham vontade de tra-
balhar.
Tema: O mais excelente trabalho.

Introduo
Diz um ditado popular: T nervoso? Vai pescar!. Nesse contex-
to, a pesca seria um santo remdio para acalmar os nervos. Para
outros, a pesca esporte ou divertimento. Por isso no faz muita
diferena se, aps uma longa pescaria, nada se pega.
Mas para Simo Pedro e seu colegas de profisso, a pesca era
o seu meio de vida. Por isso, quando Jesus disse, doravante sers
pescador de homens, no se referia a um mero passatempo de final
de semana, mas referia-se ao mais excelente trabalho que o ser hu-
mano tem o privilgio de fazer.
O mais excelente trabalho no um passatempo de final de sema-
na
- Mas a mais necessria, importante e urgente misso da Igre-
ja
- No Salmo, o autor louva ao Senhor porque ele congrega os
dispersos de Israel (Sl 147.1)
- Salvar pessoas que caminham para o inferno a prioridade
nmero 1 da Igreja
- A Igreja realiza esta tarefa anunciando o Evangelho e admi-
nistrando os sacramentos

231
IGREJA LUTERANA

- Somente a Igreja portadora da mensagem da salvao


- Infelizmente agimos como se isto no fosse algo importante
- No est na nossa agenda de prioridades
- Pecado de no-misso? acomodao? preguia?
- Tambm por esses pecados Jesus morreu e ressuscitou
- Dele recebemos vida, coragem e novo nimo para servir na
sua Igreja

Salvar pessoas perdidas o mais excelente trabalho


- Jesus chama pecadores para fazer esse trabalho
- Pedro disse: Retira-te, sou pecador
- O pecador Pedro foi confrontado com a majestade de Deus
- A majestade de Deus nos convence da nossa fraqueza e do
nosso pecado
- Jesus respondeu: No temas!
- Ele veio para salvar os pecadores assim como Pedro, Andr,
voc e eu
- Ele quer usar a estes pecadores em sua misso
- Pedro e seus companheiros de trabalho deixaram tudo e o
seguiram
- Jesus tornou-se o primeiro em suas vidas
- Jesus o primeiro em nossa vida?

Para fazer esse mais excelente trabalho, Jesus usa o que ns temos
- No pede coisas impossveis para ns, ou fora do nosso al-
cance
- Pediu a Pedro que lhe desse um pouco do seu tempo e o seu
barco
- Nossas desculpas para no participar assemelham-se s des-
culpas dadas por Moiss (x 3 e 4)
- Jesus pede tambm o nosso tempo e as nossas ofertas
- Alguns so chamados para o Ministrio Pastoral de tempo in-
tegral ou parcial
- Outros so chamados a servir no Sacerdcio Universal dos
Crentes em Cristo (1 Pe 2.9,10)
- O grande desafio: Sereis minhas testemunhas at os confins
da terra.
- A ao missionria da Igreja um ato de f
- Porque Cristo falou, ns agimos, movidos pela sua graa
- Dele recebemos bnos para esta vida e para a vida eterna:
...os que a muitos conduzirem justia, resplandecero como as
estrelas, sempre e eternamente (Dn 12.3)

232
SEXTO DOMINGO APS PENTECOSTES

Que formosos so sobre os montes os ps do que anuncia as


boas- novas, que faz ouvir a paz, que anuncia coisas boas, que faz
ouvir a salvao, que diz a Sio: O teu Deus reina! (Is 52.7)

Fortalece a tua Igreja, bendito Salvador!


D-lhe tua plena graa, vem renova seu vigor.
Vivifica, vivifica nossas almas, Senhor. Amm

Arnildo Schneider
Porto Alegre, RS

233
IGREJA LUTERANA

STIMO DOMINGO APS PENTECOSTES


Sexto Domingo Aps Trindade
Salmo 107.1-9, Isaas 43.1-7 ou Jeremias 17.9-13, Romanos 6.1-11,
Joo 4.5-15 (16-26)

Joo 4.5-15 (16-26)

Leituras do Dia
A temtica que perpassa as leituras deste domingo a dependncia
de Deus para alcanar redeno, libertao, purificao. Salmo 107.1-
9: Este salmo olha para um passado livramento de Israel da escravido
exlica e convida para render graas a Deus que agiu
misericordiosamente. Jeremias 17.9-13: preciso estar junto ao
Senhor para saciar as necessidades humanas; o Senhor a fonte de
guas vivas (vida). Romanos 6.1-11: A gua redentora do batismo
nos coloca numa situao diferente e nova: revestimo-nos de Cristo e
nos beneficiamos com as ddivas que advm de sua morte e de sua
ressurreio. O pensamento do apstolo liga-se ao rito da imerso -
para dentro da gua (morte), debaixo da gua (sepultamento) e fora
da gua (ressurreio).

Contexto
A percope situa-se dentro da sequncia de Joo 2.13 e 3.22. J
na primeira fase do seu ministrio, Jesus foi para a festa da Pscoa
em Jerusalm e permaneceu na regio da Judia, levando a efeito um
ministrio de batismo atravs de seus discpulos. (Alm dos ministrios
batismais de Joo e de Jesus, havia outros ministrios batismais
ritos legalistas de purificao). Diante da reao negativa dos fariseus
e para evitar contendas entre seus discpulos e os de Joo, Jesus
decide voltar para a Galilia. Passar pela Samaria encurtava a distncia
a ser percorrida.

Texto
V.5: O cenrio natural do dilogo com a samaritana fazia parte da
paisagem geogrfica e histrica da Antiga Aliana, pois ali Jac tinha
andado e ali Jos foi sepultado. Agora, neste local, h um
redirecionamento da Aliana de Deus se no passado a aliana era
apenas para judeus, agora se destina at mesmo para aqueles que
pelos judeus eram desqualificados os samaritanos. Jesus veio para
a salvao de todos. O v. 4 traz que era necessrio (dei) atravessar a

234
STIMO DOMINGO APS PENTECOSTES

regio de Samaria; este necessrio implica que a vontade ou plano


de Deus estava ali envolvido.
V. 6: Cansado da viagem / na hora sexta. O cansao e a sede de
Jesus evidenciam tambm sua humanidade. Jesus era verdadeiro Deus
e verdadeiro homem, porm sem pecado (Hb 4.15). Jesus foi
verdadeiro homem para experienciar a realidade humana e assim
creditar ainda mais a sua misso. Aqui, a humana sede de Jesus
remete para a sede humana de Deus, a sede espiritual que precisa
ser saciada. A hora sexta, de acordo com o cmputo judaico,
corresponde ao meio dia horrio natural de descanso enquanto o
sol estava no seu ponto mais alto.
Vv. 7-9: [...] mulher samaritana. Samaritanos e judeus,
historicamente, eram antagnicos. Os samaritanos, apesar de na
sua origem serem parte do mesmo povo, haviam se separado dos
israelitas poltica e religiosamente desde muito tempo. Da Bblia
Hebraica s preservavam o Pentateuco (Lei). Os judeus consideravam-
nos praticamente como pagos. Judeus criteriosos na observncia da
lei criam contaminar-se comendo alimentos ou usando objetos que
tinham sido manuseados por samaritanos, quanto mais ainda por uma
mulher samaritana. A mulher samaritana era considerada em estado
perptuo de impureza cerimonial.
Vv. 10-14: gua viva a gua fresca e corrente, a melhor gua
para beber.
A comparao frequente da lei com gua refrescante, encontrada
nas tradies rabnicas, sugere que aqui Jesus est oferecendo algo
superior no s gua do poo de Jac, mas tambm algo superior
religio legalista dos samaritanos e judeus conjuntamente.
A metfora da gua usada para mostrar a carncia e a
necessidade espiritual do ser humano. Sem a gua no h vida; sem
a gua da vida (Jesus) h morte espiritual. Jesus usa a gua viva
como smbolo dos dons que ele oferece, gratuitamente, a quem cr
(Joo 6.35; 7.37-38, Ap 21.6).
V. 15: D-me dessa gua. A mulher no compreendeu que se
tratava de algo espiritual; ficou no plano material. Porm, muito
pertinente foi o seu pedido, pois resta para o ser humano render-se:
compreender sua necessidade e demonstrar acolhimento do que lhe
oferecido. No podemos olhar para Jesus apenas na tica
materialista, pois Nele est o mistrio da vida. Jesus descortinou o
que est alm da aparncia alm da morte h vida.

235
IGREJA LUTERANA

SUGESTO HOMILTICA

Tema: Mate sua sede de Deus!

INTRODUO

a necessidade e o valor da gua, em especial da gua potvel.

DESENVOLVIMENTO

1. O ser humano tem sede de Deus


o homem um ser de materialidade e espiritualidade
necessidade de satisfazer a espiritualidade
a crise que o pecado trouxe
2. H muitas fontes que no matam a sede
a religiosidade judaica
a religiosidade samaritana
outras religiosidades
3. A gua da vida
Cristo (Jo 6.35, 7.37-38 e Ap 21.6)
recebemos j no Batismo
gratuita; ddiva (Is 55.1)
oferecida a todos: judeus, samaritanos, gentios
mata a sede para sempre

CONCLUSO

Assim como a gua vital para se matar a sede e ficar vivo, Jesus
vital para matar a sede espiritual e proporcionar vida eterna.

Eliseu Teichmann
Porto Alegre, RS

236
OITAVO DOMINGO APS PENTECOSTES
Stimo Domingo Aps Trindade
Salmo 139.14-18, xodo 16.2-3, 11-18, Atos 2.41-47, Joo 6.1-15

Joo 6.1-15

CONTEXTO LITRGICO

Este perodo do Ano Eclesistico, com seus domingos chamados


aps Pentecostes, ou aps Trindade, ou ainda, Tempo Comum (Igreja
Catlica Romana) reflete, no verde das cores litrgicas, a idia de
crescimento. o perodo onde, sem grandes festas especiais, a Igre-
ja Crist semeia a Palavra e segue sua tarefa de ensinar e, com isto,
alimentar os que tm fome e sede.

LEITURAS DO DIA

Salmo 139.14-18: O salmista se mostra maravilhado ante a sa-


bedoria e o cuidado de Deus. Numa poesia contemplativa, ele derra-
ma palavras que denotam sua incapacidade em compreender os atos
cuidadosos do Senhor, que est presente em todos os momentos.
Graas te dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me
formaste; as tuas obras so admirveis.... O salmo uma declarao
de confiana e submisso a Deus, at mesmo quando apela ao juzo
de Deus contra os mpios, numa atitude no de vingana, mas de zelo
e cuidado por aquele de quem depende e a quem entrega todo o seu
ser.
xodo 16.2-3; 11-18: Frente reclamao do povo, sua incredu-
lidade e seus precipitados diagnsticos e prognsticos, Deus age atra-
vs de Moiss. Contrariando qualquer expectativa humana, ao ama-
nhecer o dia, existe comida. Ao verem o alimento, no sabem do que
se trata (v. 15). E cada um recebeu o necessrio para comer.
Atos 2.41-47: A firmeza dos primeiros cristos, fundamentada no
ensinamento e na ao poderosa de Deus atravs dos apstolos, se
reflete na vida diria. Deus opera milagres, cujo maior deles a f
plantada no corao. Uma vez germinada, esta f o sinal da presen-
a de Deus no mundo.

237
IGREJA LUTERANA

NFASES GERAIS

As leituras paralelas, indicadas para este domingo, se tocam quan-


to nfase no Senhor doador de todas as coisas, mantenedor e con-
dutor da histria. Deus dita o andar da carruagem. Ele o Senhor do
tempo e s dele vem o que sacia a humanidade, desde suas carnci-
as mais triviais at os anseios mais profundos da alma.
O evangelho do dia: Joo 6.1-15
O texto do evangelho mostra o Deus dos milagres. Mostra o Cristo
que faz milagres, mas no milagreiro! Este milagre o nico que
encontra paralelo nos sinticos. Joo, no entanto, no se dispe a
marchar no passo dos demais. Mateus, Marcos e Lucas pintam um
cenrio muito parecido. Os trs falam, no contexto anterior, sobre a
morte de Joo Batista, dois deles lembram a misso dos doze, Mateus
d como introduo, ou motivao da ida de Jesus ao local onde acon-
tece o milagre, a notcia sobre a morte de Joo Batista. Lucas quem
denomina o local do milagre, o povoado de Betsaida. O relato dos
quatro evangelistas completa, com detalhes significativos, este acon-
tecimento. Naquele lugar, com a grande multido ao seu redor, Jesus
ficou com muita pena e curou os doentes (Mt 14.14); teve pena e
ensinou muitas coisas (Mc 6.34); falou a respeito do Reino e curou os
que precisavam (Lc 9.11). E os quatro contam a multiplicao dos pes
e peixes.

PECULIARIDADES NO RELATO DE JOO

Joo d destaque especial autoridade de Jesus, ao testemunho


que Joo Batista deu a respeito daquele que tem um poder muito
acima das expectativas humanas; ao testemunho de Moiss, que era
o grande cone da crena do povo; ao testemunho do prprio Deus a
favor de Cristo (5.19-47). Para melhor visualizar o texto do evange-
lho, tambm no se pode abrir mo do contexto posterior, onde Joo
no poupa tinta para mostrar o significado deste milagre de Jesus.
Joo faz questo de pontuar o intento que moveu o povo a estar
com Jesus naquele local. Eles tinham visto os milagres shmei/on (v.2).
Sinal ou milagre pode significar algo que remete para o que vem pela
frente, algo que identifica uma pessoa ou coisa, uma marca ou pro-
va confirmatria. No AT remete ao sinal dado por Deus que acompa-
nha a Palavra; sinais que reforam e garantem a presena salvfica
de Deus.
Joo especialmente mostra os milagres como sinais que indicam
para alm de si mesmos, para aquele que os opera Jesus Cristo. O

238
OITAVO DOMINGO APS PENTECOSTES

sinal de Moiss aponta para Cristo. Joo Batista aponta para Cristo.
O milagre de Jesus aponta para si mesmo. o sinal da salvao que
invade o mundo e aponta para a eternidade, onde tambm as carn-
cias fsicas no existiro mais.
Joo o nico que menciona o perodo, a Pscoa Pa,sca (v. 5),
quando os judeus lembravam da libertao do Egito e do man no
deserto. Era a poca em que esperavam, com mais fervor, que o Mes-
sias se manifestasse. Joo menciona trs Pscoas (2.13; 6.4 e 11.55).
O evangelista no menciona a morte do Batista, nem a misso da
qual os doze apstolos tinham voltado. No que ele no gostasse do
seu xar, ou que no tivesse dado importncia ao estgio feito por
eles um pouco antes. Mas o evangelista descreve a cena numa pers-
pectiva, ao que parece, de quem olha o macro, ou seja, Jesus no
queria ser milagreiro, mas sinalizou um grande milagre.
E quando os outros evangelistas encerram seu relato, Joo conti-
nua: Os que viram este milagre de Jesus disseram: de fato, este era o
profeta que devia vir ao mundo! (v. 14). E Jesus, sabendo das inten-
es do povo, de o levarem ao trono, sai de cena, sozinho. Jesus no
milagreiro!
No contexto posterior, Joo descreve o prximo encontro de Jesus
com aquela multido. hora de abrir o jogo. E isto acontece nos
versculos 26 e 27. Ento o povo reclama e exige as credenciais de
um rei (vv. 30,31), e recebe, ento, na sequncia dos versculos, at
ao final do captulo, a clara exposio de que: Jesus no milagreiro,
mas faz grandes milagres! Ele o prprio milagre de Deus. Jesus o
Grande Milagre de Deus.
Para o povo, Jesus fez, ao alimentar a multido faminta com um
ato milagroso, a coisa certa no momento certo. Hora certa no tempo
do povo judeu, Pscoa, ento era preciso faz-lo rei, libertador; hora
certa no tempo de Deus, Jesus Salvador Po da Vida. Esta contradi-
o no tempo acaba levando Cristo para a cruz, na Pscoa seguinte.
No tempo da humanidade Jesus no cumpriu com seu papel, por ou-
tro lado, no tempo de Deus, Jesus cumpriu tudo o que era necessrio,
da maneira necessria. Jesus no milagreiro, mas faz grandes mila-
gres!
O milagre/sinal no cria a f. O milagre/sinal pressupe f. Portan-
to o maior milagre a f dada ao corao. Neste sentido, quem espe-
ra o milagreiro fica somente no sinal e no chega quilo para o que
ele aponta. a grande dificuldade humana em relao aos milagres
descritos na Bblia.
Cristo o grande sinal de Deus, predito no Antigo Testamento e
cumprido nas palavras e sinais do prprio Cristo. O grande milagre

239
IGREJA LUTERANA

o da Pscoa de Jesus, sua morte e ressurreio. Procurar um milagreiro


encontrar lei e condenao, ou o vazio da decepo. Procurar e
agarrar-se ao que faz grandes milagres, e o Grande Milagre, traz
consolo e a doce esperana da f no Evangelho.
Este texto nos remete ao questionamento sobre as buscas da
humanidade. A quem busca? Que Jesus quer encontrar e ter dispo-
sio? Que tipo de po est procurando? Que sinais espera de Deus?
A nfase do domingo estabelecida pela ao de Deus no mundo
onde, em poder e sabedoria incompreensveis, se coloca ao nosso
lado (Sl 139); onde cumpre sua promessa sinalizada desde os tem-
pos antigos, e onde continua agindo atravs da Igreja, fundamenta-
da nesta ao divina (At 2). Jesus o cumprimento de todas as pro-
messas e sinais de Deus. O que Jesus nos deixou, sua Palavra e Sa-
cramentos, so sinais de seu cuidado e amor por cada um, e a tarefa
da Igreja ensinar e testemunhar a respeito do Grande Milagre de
Deus.

PROPOSTA HOMILTICA

Desenvolver o tema sugerido na tenso e ao mesmo tempo rela-


o entre os milagres/sinais e o Grande Milagre Jesus. Propor no
uma espiritualizao dos milagres e da f crist, mas fundament-
los no grande milagre da encarnao do Messias.
Sugesto de Tema: Jesus no milagreiro. Mas faz grandes mila-
gres!

Arnildo Mnchow
Canguu, RS

240
NONO DOMINGO APS PENTECOSTES
Oitavo Domingo Aps Trindade
Salmo 1, Gnesis 12.1-4a (4b-7), Glatas 5.16-25, Mateus 5.13-16

Mateus 5.13-16

Os textos bblicos em anlise so indicados para a segunda meta-


de do calendrio eclesistico, poca em que pecado e graa so te-
mas centrais. Tambm nesta poca frequentemente so contempla-
dos os temas de vida. O Nono Domingo Aps Pentecostes contempla
essa passagem do significado e valor da f, para o campo da vida
prtica. Em meio s batalhas que a vida oferece, estabelece-se uma
dura luta para se permanecer fiel verdade do Cristo que veio como
ser humano (Natal), morreu e ressuscitou em nosso favor (Pscoa) e
que junto com o consolador permanece do nosso lado (Pentecostes).
Ao mesmo tempo em que somos desafiados a lutar com todas as
foras luz dos mandamentos para ter uma vida mais leve e menos
sofrimento neste mundo, somos tambm consolados com a promessa
do cuidado e da proteo de Deus. Nessa promessa encontramos
foras para a vida, e vivemos intensamente, produzindo frutos cheios
de vigor e vida. E esses frutos no so voltados para ns mesmos,
mas para o mundo. So luz e sal. Como a lua reflete a luz do sol, ns
refletimos o amor de Deus para o mundo. Algo to intenso que no
apenas abre os olhos, mas capaz de transformar completamente o
ambiente em que vivemos, assim como o sal que d sabor, cicatriza e
conserva.
Salmo 1 - Convoca todas as pessoas a andarem nos caminhos de
Deus. A viverem a sua vida de acordo com os santos mandamentos.
No que este viver luz da lei compre o favor de Deus em relao
vida eterna, mas um sinal de confiana nas promessas de bnos
de Deus, j para esta vida; pois ciente das duras provaes e dificul-
dades pelas quais passamos, Deus oferece alvio e promete abeno-
ar j neste mundo os que vivem de acordo com a sua vontade, pois
o Senhor dirige e abenoa a vida daqueles que lhe obedecem (v.6a).
O Salmo 1 contrape todo vigor da vida daqueles que andam no
caminho do Senhor, representado pela rvore sempre verde e que
produz muitos frutos, por estar enraizado junto fonte de gua (v.3),
com a decepo e o vazio daqueles que andam em seus prprios
caminhos (v.4). Estes esto completamente mortos, so como a pa-
lha que o vento carrega. E ento, todos so convocados a olhar para

241
IGREJA LUTERANA

o resultado final em que aqueles que andaram no caminho do Senhor


so abenoados com vida para sempre, enquanto que os maus expe-
rimentam o fim trgico do sofrimento e da condenao eterna (v.5).
Gnesis 12.1-3 - O texto indicado do Antigo Testamento aponta
para a f ligada promessa de Deus como causa de toda boa ao.
F e obras sempre andam juntas. Fazendo referncia a Hb 11.8-10,
lembramos que foi pela f que Abrao atendeu ao chamado de Deus
e saiu de sua terra e foi em busca da terra prometida. Abrao confiou
cegamente nas promessas de Deus e, por isso, foi considerado justo.
Essa uma regra bsica para a vida de todos ns: quem quer andar
nos caminhos do Senhor no pode confiar desconfiando, mas deve
acreditar cegamente que a palavra de Deus e suas promessas so
verdadeiras! atravs das promessas que Deus cumpre a segunda
aliana; aliana na qual promete e d paz, perdo e vida para sem-
pre.
Glatas 5.16-25 - O Apstolo Paulo resume bem o que confiar
cegamente nas promessas de Deus: Deixem que o Esprito de Deus
dirija a vida de vocs e no obedeam aos desejos da natureza hu-
mana (v.16).
O andar no caminho do Senhor luz dos mandamentos e ao
mesmo tempo confiando na misericrdia de Deus resultado do tra-
balho do Esprito Santo dentro de ns. E o Esprito do Senhor que nos
conduz luz das promessas de Deus e nos consola, quando em nos-
sas fraquezas no conseguimos caminhar no caminho do Senhor.
Mateus 5.13-16 - J no Sermo do Monte Jesus afirma aos seus
discpulos que a f se torna parte de nossa vida prtica, no relaciona-
mento humano. Em Mt 10.34-39, Jesus instrui e ensina os seus disc-
pulos de que preciso abrir mo de seus prprios interesses e que
preciso ir em direo ao prximo. Mas Jesus tambm os adverte de
que isto no fcil. Ir em direo das pessoas nem sempre ser algo
pacfico. Pode trazer duros conflitos, crises no relacionamento e at
levar a uns odiarem os outros ao ponto de procurarem a morte do
cristo.
Ser luz significa refletir ao mundo a boa notcia do grande amor de
Deus e desafiar as pessoas a andar no caminho do Senhor. Pequenos
gestos podem fazer grandes diferenas. Que tal abraar o aflito, con-
solar o desanimado, dar comida a quem tem fome, acolher o despre-
zado ou simplesmente ouvir o desabafo de quem pouco consegue se
relacionar? Pequenos gestos de amor redirecionam as pessoas para
o caminho do Senhor, caminho em que existe esperana. Pequenos
gestos transformam o ambiente, so como o sal que d sabor, cicatri-
za e conserva.

242
NONO DOMINGO APS PENTECOSTES

SUGESTO HOMILTICA

Tema: Ande nos caminhos do Senhor!


Introduo: Existem dois diferentes caminhos a percorrer. O
caminho da morte e o caminho da vida. Exemplifique as diferentes
variantes de caminho que levam e conduzem as pessoas no caminho
da morte.
Desenvolvimento: aponte para a vontade de Deus de conduzir
todas as pessoas no caminho da vida. Mostre como Deus apaixona-
do pelos seres humanos e de como Deus investe tempo, pacincia e
perdo para chamar as pessoas da morte para a vida. Mostre tam-
bm que o chamado de Deus para todos. Deus chama e pelo Espri-
to Santo capacita e conduz no caminho certo.
Lei: Apesar de todo investimento que Deus faz, muitas pesso-
as fazem pouco caso da vontade de Deus. Aponte para o fim trgico e
infeliz das pessoas teimosas que insistem em andar em seus prprios
caminhos. Aponte para exemplos bblicos do AT ou do NT, ou ainda de
ambos.
Evangelho: Mostre que o Pai espera de braos abertos a volta
do filho. Mostre tambm que o nico caminho, Jesus, um caminho de
fartura, de felicidade, onde os aflitos podem ser consolados e os can-
sados so fortalecidos e reanimados para a jornada.
Concluso: No contraste dos dois caminhos, vale a pena esco-
lher pela vida. Vale a pena escolher o caminho certo. Vale a pena
Deixar que o Esprito de Deus dirija a vida de vocs e no obedeam
aos desejos da natureza humana (Gl 5.16) e com toda certeza o
Senhor dirige e abenoa a vida daqueles que lhe obedecem (Sl 1.6).

Arsildo Wendler
Guaba, RS

243
IGREJA LUTERANA

DCIMO DOMINGO APS PENTECOSTES


Nono Domingo Aps Trindade
Salmo 119.105-112, xodo 32.1-7 (8-14) 15-20 (30-34), Filipenses
3.7-11, Mateus 25.14-30

Mateus 25.14-30

CONTEXTO

A parbola do empregado intil faz parte do sermo proftico (ou


discurso escatolgico) de Jesus Cristo (Mateus 24 e 25). Ela se liga
diretamente parbola das dez virgens (Mateus 25.1-13), e segui-
da pelo quadro do grande julgamento (Mateus 25.31-46). Assim, a
parbola de Jesus tem algo a dizer sobre a consumao futura do
reino dos cus, sobre o acerto de contas quando da vinda do Cristo
Juiz.
A histria apresenta traos caractersticos das parbolas de Je-
sus. Vejamos: uma seqncia de trs personagens, repetio de pa-
lavras (confira Mt 25.20,21 e Mt 25.22,23), clmax (a nfase recai so-
bre o ltimo empregado, sendo que os dois primeiros apenas entram
para compor a histria), e contraste (dois empregados so bons e
fiis, mas o ltimo mau, negligente e intil) (SCHOLZ, Vilson. A Par-
bola do Empregado Intil, in: Mensageiro Luterano, julho/90, p.9).
Vale ressaltar que em sua inteno original, toda a ateno da
parbola se concentra no servo intil que recebeu um talento. A quem
este servo representa? A quem Jesus adverte e observa? evidente
que o servo intil, naquele momento, representava os escribas e
fariseus, na atitude deles diante da Lei e da vontade de Deus. O
servo intil tomou um talento e o enterrou a fim de poder devolv-lo
ao seu senhor, tal como o recebera. Todo o objetivo essencial dos
escribas e fariseus era obedecer a Lei como Deus a dera. Segundo as
palavras deles, eles queriam construir um tipo de arola em torno da
Lei. Qualquer mudana, desenvolvimento a partir de uma Lei, altera-
o, qualquer coisa nova que algum fizesse era um antema. Tal
como o homem do talento, queriam manter tudo como estava, e por
isso que se condenava os escribas e fariseus.
A parbola dos talentos tem um ensinamento imediato para aque-
les que a escutaram naquele momento quando Jesus a aplicou, como
tem uma srie de ensinamentos eternos para ns, em nossos dias.
Quanto aos valores: Um talento representava uma quantia consi-

244
DCIMO DOMINGO APS PENTECOSTES

dervel de dinheiro naquele momento, quando um denrio era o sa-


lrio de um dia.
Um talento era 6.000 denrios ou, aproximadamente, mil dlares
ou 240 libras. Dez vezes, isto , aproximadamente dez ou doze mil
dlares, uma soma enorme para aquele perodo.

TEXTO

V. 14: O conectivo gar (pois) faz desta parbola uma exposio do


v. 13. Ela indica o propsito da parbola: a vigilncia do cristo pela
vinda de Jesus usando fielmente os seus talentos no seu servio.
V. 29: Porque a todo o que tem se lhe dar, e ter em abundn-
cia; mas ao que no tem, at o que tem lhe ser tirado. Aqui apare-
cem claramente a lei, o rigor no julgamento O pouco que tem tiraro
dele e o evangelho, a riqueza do amor de Deus receber mais e
assim ter ainda mais.
V. 30: Devemos ter em mente que: quem no investe, perde. Se a
igreja no estiver disposta a investir, a correr riscos na misso crist,
acabar se tornando infiel aos olhos de seu Senhor. Pesa sobre ela o
juzo que se abateu sobre o terceiro empregado da parbola: E o
servo intil, lanai-o para fora, nas trevas. Ali haver choro e ranger
de dentes.
A parbola no tem a ver com finanas ou dons, e sim com fidelida-
de e coragem com vistas vinda gloriosa de Cristo. Dirigida a cris-
tos, ela nos alerta contra a mentalidade do tipo segurana acima
de tudo, que caracteriza o terceiro empregado da parbola. Temos
muito em comum com aquele empregado que escondeu o dinheiro do
patro num buraco feito na terra. Ficamos com medo e isto nos leva a
sermos infiis. Por vezes ficamos to preocupados com a importante
tarefa de preservar o evangelho que nos esquecemos da misso de
proclam-lo adiante.

TEXTOS PARALELOS

V. 14: Mc 13.34, Mt 21,33; V. 15: Rm 12.3,6; V. 19: Mt 18.23; V.


21: Mt 23.24, 45-47; Lc 16.10; Lc 12.44; Hb 12.2; V. 29: Mt 13.12; V.
30: Lc 17.10; Mt 8.12; Sl 112.10; Mt 13.41; 16.27.

Sugesto Homiltica

Tema: Jesus nos quer encontrar fiis


1. Investindo em nossa f (palavra e sacramento)

245
IGREJA LUTERANA

2. Sendo vigilantes (resistindo ao pecado)


3. Investindo no Reino (testemunhando)

Tendo o texto enfoque escatolgico, devemos estar centrados em


mostrar que precisamos estar sempre firmados nos ensinos de Deus,
com f verdadeira que resulta em vivncia, pois no sabemos quando
ele voltar.
Importante mostrar que as ocupaes do mundo moderno fazem
com que muitas vezes no sejamos fiis ao nosso Senhor, fugimos,
temos medo. Desse modo, corremos o risco de que com nossas ocu-
paes e medos no tenhamos sido fiis mordomos dos talentos re-
cebidos do Senhor da vida.
Assim como os dois escravos (servos), com f e prontido, exerce-
ram as responsabilidade do encargo do seu senhor, tambm aqueles
que receberam a graa perdoadora de Deus precisam usar a palavra
para alimentar sua prpria f e compartilh-la com dedicao.

Nataniel Csar Knebel


Dourados, MS

246
DCIMO PRIMEIRO DOMINGO
APS PENTECOSTES
Dcimo Domingo Aps Trindade
Salmo 73.25-28; Daniel 9.15-18; Romanos 9.1-5; 10.1-4; Lucas
19.41-48

Lucas 19.41-48

TEXTO E CONTEXTO

Jesus est no incio de sua ltima semana. No dia anterior ele


foi recebido festivamente por uma multido que o aclamava como
Rei. Agora, novamente na descida de Betnia, ele pra um momen-
to para contemplar a cidade do alto. O compassivo olhar o leva s
lgrimas. O povo que ele amava, entre o qual ao menos por trs
anos ele andara, ensinara e demonstrara a sua divindade, este
povo, apesar de todas as oportunidades que tivera, desconhecia o
que devido paz. Historicamente Jesus v a destruio futura
da cidade e o sofrimento terrvel de seu povo. Mas o seu choro
muito mais profundo. A infidelidade deste povo se manifesta na
rejeio do Messias. Uma falsa justia os impede de ver e aceitar a
justia de Deus. Veio para o que era seu, e os seus no o recebe-
ram (Jo 1.12). O desprezo e a infidelidade significavam a perdio
eterna do povo de Deus.
Aps seu lamento quanto infidelidade de seu povo, Jesus ex-
pressa o seu juzo atravs de uma deciso e atitude tipolgica que
impressiona seus seguidores. Ele condena uma figueira (Marcos 11),
pois no lhe deu os frutos que ele esperava.
A infidelidade leva o povo a uma forma hipcrita de adorao a
Deus. o que o Mestre encontra no templo. Sua atitude de purifica-
o do templo, alm de ser o cumprimento proftico (Is 56.7; Jr 7.11),
uma expresso de juzo contra um povo que de forma desprezvel
profanava a casa de Deus.

NFASES

Ah! Se conheceras por ti mesma, ainda hoje, o que devido paz!


Mas isto est agora oculto aos teus olhos (v.41). O choro de Jesus no
tem igual. No o choro sentimental humano, mas o daquele que v,

247
IGREJA LUTERANA

alm da infidelidade do povo, a conseqncia terrvel da mesma. Ao


mesmo tempo em que ele expressa a decepo profunda por ter o
povo da aliana desprezado sua obra salvadora, por no querer aceit-
la, lembra ele, e isto terrvel, que os seus olhos no mais o conse-
guiro ver. O tempo da graa passou.
Est escrito: A minha casa ser casa de orao. Mas vs a
transformastes em covil de salteadores (v.46). Atitudes hipcritas so
utilizadas para esconder a vida de infidelidade. Alguns rituais pareci-
am bastar religiosidade do povo da aliana. Escondiam a sua infi-
delidade entre as paredes do templo. No poderia haver testemunho
mais ofensivo santidade divina, e mais desprezvel ao desejo salva-
dor de Jesus.

PARALELOS

Algumas idias em destaque nos demais textos do dia:


O salmista, no Salmo 73, reconhece sua desolao com todos, e
confiante e fiel a Deus, confessa ele que o que vale proclamar os
feitos do Senhor. O profeta Daniel (9.15-18) reconhece a infidelida-
de histrica do povo, pede por clemncia divina, e pede a bno,
apesar do povo ter sido oprbrio para todos. Paulo, em seu desejo
de ver salvos os judeus, chora. Em seu amor por eles, reconhece
que estaria disposto a se condenar para salv-los. Aponta para o
erro deles: criaram sua prpria justia em vez de se sujeitar de
Deus. Cabe ainda lembrar as palavras carinhosas e cheias de amor
de Jesus, conforme Lucas 13.34,35: Jerusalm, Jerusalm, que ma-
tas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes
quis eu reunir teus filhos como a galinha ajunta os do seu prprio ninho
debaixo das asas, e vs no o quisestes! Eis que a vossa casa vos ficar
deserta.

SUGESTO DE USO HOMILTICO

Como a perdio conseqncia inevitvel da infidelidade, o ob-


jetivo levar compreenso de que uma religiosidade de aparnci-
as, ou hipcrita, sempre deciso de desprezo, infidelidade e, por
conseqncia, ofensa obra salvadora de Jesus.

APROVEITAI O TEMPO DA OPORTUNIDADE...


1. para no ficardes cegados quilo que devido paz. Ainda
tempo de conhecer.

248
DCIMO PRIMEIRO DOMINGO APS PENTECOSTES

2. para evitardes as lgrimas de desespero de Jesus. O tempo


do juzo ainda no veio.
3. para que o juzo de Deus no seja o futuro incerto de vossa
vida. Confiantes em Cristo, podeis ser salvos e perseverar fiis.

Erni Krebs
Canela, RS

249
IGREJA LUTERANA

DCIMO SEGUNDO DOMINGO


APS PENTECOSTES
Dcimo Primeiro Domingo Aps Trindade
Salmo 138, 2 Crnicas 1.7-12, 1 Pedro 5.5b-11, Lucas 18.9-14

Lucas 18.9-14

INTRODUO

Como posso estar em p diante de um Deus perfeito sem ser


consumido pela sua ira contra o meu pecado? Esta foi a pergunta
central na Reforma Luterana, e continua sendo uma questo mal com-
preendida por muita gente. Com a parbola do fariseu e do publicano,
Jesus clarifica a questo. Neste texto clssico o pastor pode contras-
tar claramente a justia das obras e a justia da f, mostrando
que ningum pode ser justificado diante de Deus (coram Deo) pela
sua prpria fora, mritos, obra e satisfao nossos, porm que rece-
bemos remisso do pecado e nos tornamos justos diante de Deus
pela graa, por causa de Cristo, mediante a f... (C.A. IV).

ANLISE DO TEXTO

V. 9: a alguns que confiavam em si mesmos. Este texto dirigido


precisamente contra o que as Confisses Luteranas chamam de opinio
legis confiana na justia prpria, sem Cristo; justia (dikaioi) um
termo forense que atribui inocncia legal perante Deus.
V. 10: O fariseu representa o tipo mais piedoso dos tempos de
Jesus, e o publicano representa o maior pecador da sociedade. Am-
bos vo ao templo para orar. Ainda hoje, os das obras e os da f
vo juntos igreja consideram-se todos cristos, mas nem sempre
so facilmente identificveis.
V. 11: [...] de si para si (pros eauton). O fariseu ora em p, sozi-
nho, em lugar de destaque. No se mistura. Em sua orao, nada
pede. O orgulhoso jamais pede favor. Mas sempre tem algo a mostrar.
Assim, sem demora, exibe ficha limpa, apresenta suas certides ne-
gativas: 1) no sou como os demais homens, de segunda catego-
ria; 2) como gente de primeira, no perteno aos roubadores, injus-
tos e adlteros; 3) muito menos perteno escria da sociedade,
como este publicano. Uma maiscula presuno! Ofuscado pelo seu

250
DCIMO SEGUNDO DOMINGO APS PENTECOSTES

prprio falso brilho, realmente no sabia o que pecado e onde este


invariavelmente reside. No sabia que o pecado no algo mera-
mente externo, mas que comea no corao, como Jesus demonstrou
no Sermo do Monte. O fariseu mede de cima para baixo. Toma por
paradigma o publicano, ao invs de medir-se com Deus: santos sereis,
porque... sou santo (Lv 19.2). Quem se mede para cima, obriga-se
a ser humilde; quem mede para baixo logo se torna arrogante. En-
to, falar mal do prximo e apregoar suas prprias supostas virtudes
torna-se uma tentao constante. bem sintomtica a frase: Comi-
go tais coisas no acontecem!
V. 12: Aqui o fariseu abre seu catlogo de boas obras: 1) Jejuo
duas vezes por semana. Moiss ordenara um jejum anual, para o dia
da expiao (Lv 25.29). Ele supera a lei: jejua duas vezes por sema-
na cem vezes mais que o estabelecido! 2) e dou o dzimo de tudo
quanto ganho. O dzimo era dos cereais, do vinho e do azeite (Ne
13.12). Mas ele, mais uma vez, supera, dando o dzimo de tudo, o que
inclua, certamente, a hortel, o endro e o cominho (Mt 23.23).
possvel que o fariseu no tenha mentido neste particular, e que, de
fato, praticava as obras mencionadas. O problema consider-las
mrito seu, ou ver nelas sua justia. Alis, o seu catlogo de boas
obras diminuto. Quem jejua duas vezes por semana, tambm pode-
ria dar o dzimo dobrado, sem dificuldade, j que lhe sobram quase
30% da comida!
A lei importante em nossas vidas. Deus nos probe furtar, come-
ter injustias e adultrio. Ele tambm nos ordena dar liberalmente,
orar e ir igreja. Mas Ele tambm deixa claro que estas obras somen-
te tm valor quando praticadas por aqueles que foram previamente
justificados pela graa salvadora de Cristo. Sem esquecer que, ainda
assim, nossas melhores obras sero apenas trapo da imundcia (Is
64.6), mas aceitas por causa daquele que nos propcio.
V. 13: [...] estando em p, longe. O publicano foi ao templo hu-
mildemente. Mede-se para cima. A santidade de Deus seu
paradigma: Sede perfeitos como perfeito o vosso Pai Celeste (Mt
5.48). Reconhece a grande distncia que o separa de Deus, no ten-
do do que se orgulhar. Por isso, ora em p, longe, talvez at meio
camuflado na sombra de uma coluna do templo. No ousava nem
ainda levantar os olhos ao cu, o que, contudo, no o impede de
fixar seu olhar no altar do sacrifcio.
Os publicanos eram uma classe odiada pelos judeus como traido-
res, pois serviam aos romanos e abusavam nas taxas. Mas no h
prova de que os publicanos vivessem flagrantemente nos pecados

251
IGREJA LUTERANA

dos quais o fariseu parece acus-los. O maior pecado deles era se-
rem incrdulos. Jesus interessou-se por eles e, vrios deles, ouvindo
o seu ensino, reconheceram nele o Messias.
Deus, s propcio a mim, pecador. - Esta expresso, s prop-
cio (ilastti), possui um profundo significado. Encerra a doutrina cen-
tral da Bblia, de que Deus est irado com o pecado e precisa ser
pacificado por um sacrifcio oferecido em favor do pecador. O publicano
revela, em sua orao, ter compreendido que todo o sistema de sacri-
fcios do Antigo Testamento apontava para o sacrifcio vicrio de Cris-
to pelos pecadores. Ele esperava nesta propiciao aplacao da
ira divina pelo sacrifcio de Cristo.
batia no peito Na orao, os judeus usualmente cruzavam as
mos sobre o peito e fechavam os olhos. Mas o publicano descruza os
braos e bate no peito como s se fazia em extrema angstia. Ele
sabe que seu problema muito grave e reside exatamente ali, dentro
do peito no corao. O corao dos homens est cheio de malda-
de (Ec 9.3; Cfe.: Mt 15.17-20; Lc 16.15; Pv 21.2). Mas ele tambm
sabia que no era a sua confisso ou o bater no peito que o torna-
vam merecedor da compaixo e do perdo de Deus. A sua salvao
estava num Deus propcio.
V. 14: Que o publicano entendeu a doutrina da justificao pela f,
evidencia-se tambm no veredicto do Salvador: este desceu justifi-
cado (dedikaiomenos) para sua casa. O fariseu voltou para casa com
os pecados aumentados e radiografados pela sua exibio plena
luz do templo; o publicano, no mesmo templo, encontrou descanso
sombra do Onipotente (Sl 91.1). Isto est em acordo com o Salmo do
dia: O Senhor excelso, contudo, atenta para os humildes; os so-
berbos, ele os conhece de longe (Sl 138.6), e com a Epstola: Deus
resiste aos soberbos, contudo, aos humildes concede a sua graa (1
Pe 5.5).

OBSERVAES

Como em outros textos que tratam da justificao pela f, o pre-


gador tentado a desmerecer tanto as boas obras que poder pare-
cer ao ouvinte que elas so realmente desnecessrias e desprez-
veis. No h nada de errado com as boas obras, seno com a falsa
segurana a que elas podem conduzir quem compara as suas obras
com as do prximo, atravs de sua prpria vidraa suja de orgulho e
presuno. Um crtico disse que tinha ido em muitas igrejas e tinha
ouvido o pastor dizer: no tente impressionar a Deus com suas boas
obras, no tente agradar a Deus com os seus mritos, ou ainda:

252
DCIMO SEGUNDO DOMINGO APS PENTECOSTES

no tente ganhar o cu cumprindo os Mandamentos. Mas, dando


uma olhada ao redor, e vendo uma assistncia aptica e quase dor-
mente, perguntava-se: Afinal, quem aqui est tentando fazer isso?1
Por outro lado, o pregador precisa manter claro que o mrito tam-
bm no est com aquele que bate no peito e pede propiciao,
mas com aquele que oferece a propiciao Cristo. Sem essa ofer-
ta, nenhum peito sangrento alcanaria coisa alguma. Em Cristo, a
salvao est to aos nossos ps que somente os orgulhosos no
conseguem v-la, por insistirem em olhar por cima dela.

PROPOSTA HOMILTICA

Dentro das diversas possibilidades, proponho uma espcie de


pardia do texto, que, usada com cuidado, pode ser muito interes-
sante, especialmente para uma audincia mais jovem.

COMO ESTAR BEM NA FOTO DE DEUS?

Introduo

Ns, seres humanos, amamos os holofotes, os pedestais, o estar


bem na foto. Desde que ficamos mal na fita do den, muito investi-
mos na nossa produo, na aparncia. Se isto camufla a realidade
fsica sem maiores prejuzos, desastrado, porm, apresentar-se
produzido diante do Senhor.
Dois homens foram chamados ao estdio para integrarem uma
foto de grupo (v. 10)
I. O primeiro era fariseu.
A. Ele logo correu frente
1) postou-se em primeiro plano, no centro da cena (v. 11: posto
em p);
2) Empinou bem seu nariz (v. 11b: de si para si mesmo);
3) Abriu um largo sorriso, ainda que debochado (v. 11c: graas te
dou);
4) Com os cotovelos, tratou logo de afastar ao mximo os outros
de si (v. 9: desprezava os outros);
5) Com apenas dois dedos estendidos de cada mo, colocava chi-
fres nas pessoas prximas (v. 11: roubadores, injustos e adlte-
ros);

1
Martin Marty

253
IGREJA LUTERANA

6) Vestia seu melhor terno e caprichou no n da gravata (v. 12:


jejuo... dou o dzimo);
7) Ele estava radiante (v. 9: confiava em si mesmo)
8) O fotgrafo insistia: Olha para a cmera!
B. Ento ouviu-se um clic.
C. Conferida a foto, o fotgrafo concluiu: Assim no d. Voc no
olha pra mim. Estragou a foto. Vamos tentar com outro (v. 14).

II. O segundo era publicano.


A. Muito tmido, relutava em vir frente.
1) Envergonhado, logo sumia entre os outros (v. 13a: longe);
2) Olhava para o cho (V. 13.b: no ousava levantar os olhos);
3) Resistia, alegando no ser fotognico nem estar adequada-
mente vestido para uma foto (v. 13d: sou pecador);
B. Mas, rapidamente, a foto foi batida.
C. Conferindo, o fotgrafo constatou: Voc olha pra mim, mas
est muito mal. Tambm no d.

III. A soluo
A. Mas voc pode me corrigir no Photoshop argumenta o
publicano (v. 13c: S propcio a mim, pecador!
B. verdade diz o fotgrafo Vou fazer voc ficar perfeito (v.
14c: este desceu justificado para sua casa). (Cfe.: 1 Jo 1.7)

CONCLUSO

O Senhor tem ojeriza a jia de ouro em focinho de porco (Pv


11.22). Mas ele ama enfeitar-nos, ele prprio, dos ps cabea, de-
pois de um banho no sangue do Cordeiro. Ento ele nos pe um anel
no dedo e sandlias nos ps (Lc 15.22), nos veste de roupas bor-
dadas, nos cala com couro da melhor qualidade, e nos cinge de
linho fino, e cobre de seda... nos pe braceletes nas mos e colar
roda do pescoo... um pendente no nariz, arrecadas nas orelhas e
linda coroa na cabea (Ez 16.10-12), uma vestidura branca o
manto da justia (Ap 3.5; 6.11), diadema de graa e uma coroa de
glria (Pv 4.9).
Deus nos guarde do orgulho farisaico e da autojustia. Que ele
nos d real cincia de nossos pecados, mas, acima de tudo, sempre
nos conceda crer que, pelo sangue de Cristo, ele nos propcio.

Renato Leonardo Regauer


Sapiranga, RS

254
DCIMO TERCEIRO DOMINGO
APS PENTECOSTES
Dcimo Segundo Domingo Aps Trindade
Salmo 146, Isaas 29.18-21, 2 Corntios 12.6-10, Marcos 7.31-37

Marcos 7.31-37

CONTEXTO - TEXTOS DO DOMINGO

Sntese das Leituras do Domingo - A leitura do Salmo 146 convida a


confiar exclusivamente em Deus, e no nos homens. Ressalta a fide-
lidade de Deus. A leitura do AT, Is 29.18-21, uma profecia das bn-
os da era messinica, traduzidas na expresso: que os surdos ou-
viro e os cegos vero. O texto da epstola, 2 Co 12.6-10, aponta para
o Senhor Deus que, como sua graa, sempre est presente ao lado
dos que nele confiam, a despeito da enfermidade que podem enfren-
tar. A leitura do evangelho, Mc 7.31-37, aponta para o milagre da cura
do surdo e gago e a repercusso que teve esse sinal.

CONTEXTO ANTERIOR

No captulo 6 de Marcos, o evangelista registra: Jesus prega em


Nazar e rejeitado (1-6), Jesus d instrues aos doze (7-13), a
morte de Joo Batista (14-29), a primeira multiplicao dos pes e
peixes (30-44), Jesus anda sobre o mar (45-52), Jesus em Genesar
(53-56). No captulo 7, o evangelista registra o dilogo de Jesus com
os escribas e fariseus sobre as tradies dos ancios (O que conta-
mina o homem o que vem do corao! [1-23]) e a cura da mulher
siro-fencia (24-30).

CONTEXTO POSTERIOR

No captulo 8 h o relato de Jesus realizando a segunda multipli-


cao dos pes e peixes (1-10), os fariseus pedem um sinal do cu
(11-13), o fermento dos fariseus (14-21), a cura de um cego em
Betsaida (22-26), a confisso de Pedro (27-30), Jesus prediz a sua
morte e ressurreio (31-33), o discpulo de Jesus deve levar a sua
cruz (34-9.1).

255
IGREJA LUTERANA

Leitura no Vernculo - Destaques nas diferentes tradues


1. Bblia de Jerusalm
V. 32 - Trouxeram-lhe um surdo que gaguejava, e rogaram que
impusesse as mos sobre ele.
V. 34 - Depois, levantando os olhos para os cus, gemeu, e disse:
efatha, que quer dizer: abre-te!
V. 35 - Imediatamente abriram-se-lhe os ouvidos e a lngua se lhe
desprendeu, e falava corretamente.
V. 36 - Jesus os proibiu de contar o que acontecera; quanto mais
o proibia, tanto mais eles o proclamavam.
V. 37 - Maravilhavam-se sobremaneira, dizendo: Ele tem feito
tudo bem...

2. Bblia Sagrada Edio Pastoral


V. 32 - Levaram, ento, a Jesus um homem surdo e que falava
com dificuldade ...
V. 33 - Jesus se afastou com o homem para longe da multido;
V. 34 - Depois olhou para o cu, suspirou e disse: efat!
V. 35 - Imediatamente os ouvidos do homem se abriram, sua ln-
gua se soltou e ele comeou a falar...
V. 36 - Jesus recomendou com insistncia que no contassem nada
a ningum.

3. Estudo do Texto no Original Grego - Traduo e Anlise


V. 31 - E, de novo, tendo atravessado a regio de Tiro, foi,
atravs de Sidom, para o Mar da Galilia, passando pela regio de
Decpolis.
V. 32 - E trazem (carregam) para ele um surdo e que fala com
dificuldade (com impedimento na fala), e rogaram (imploraram)
a ele para que colocasse sobre ele a mo.
??????????????Verbo presente indicativo ativo de ??????? levar,
carregar.
?????????? embotado, mudo, surdo. Incapaz de articular, falar,
mudo. Significa tambm: surdo.
?????????????? falando com dificuldade, com impedimento na fala.
(a recuperao da audio pelos surdos era um sinal da era
messinica) - gago, mudo.
??????????Verbo aoristo subjuntivo ativo de ????????????colocar
sobre.

256
DCIMO TERCEIRO DOMINGO APS PENTECOSTES

V. 33 - E, tirando-o da multido, parte (em particular), colo-


cou (ps) os dedos dele para os ouvidos dele e, cuspindo, tocou a
lngua dele.
??????????????????Particpio aoristo mdio de ?????????????tirar,
levar uma pessoa para o lado em particular.
??????????? Verbo aoristo indicativo ativo de ???????? lanar, co-
locar, pr.
??????????? Verbo particpio aoristo ativo de ??????? cuspir. (Mar-
cos 8.23; Joo 9.6)
??????????Verbo Aoristo indicativo mdio de ??????????tocar.
V. 34 - E, olhando para o cu, suspirou e diz para ele: efat, o
que : que tenha sido aberto!
?????????????? Particpio aoristo ativo de ???????????olhar para
cima.
?????????????? Verbo aoristo indicativo ativo de ???????????? ge-
mer, suspirar.?
????????????????Imperativo aoristo passivo de ??????????? abrir.
V. 35 - E (logo) foram abertos dele os ouvidos e foi solto o
vnculo (a cadeia, a priso, algemas de defeito fsico) da lngua
dele e falava perfeitamente.
??????????????Verbo aoristo passivo de ????????? abrir.
??????????Verbo aoristo passivo de ??????soltar.
V. 36 - E ordenou-lhes para que a ningum falem; mas, quan-
to mais para eles ordenava, mais eles excessivamente procla-
mavam.
?????????????????Verbo aoristo mdio de ??????????? ordenar,
obrigar
????????????????Verbo imperfeito mdio de ???????????? orde-
nar, obrigar.
???????????????? alm da medida, excessivamente.
??????????????Verbo imperfeito indicativo ativo de ?????????? pro-
clamar, anunciar, mencionar publicamente, pregar, mais frequentemen-
te, a ao salvfica de Deus. Proclamar vitrias.?
V. 37 - E muito mais que excessivamente ficavam atnitos,
dizendo: corretamente todas as coisas fez, e os surdos faz ouvir
e os mudos falar.
??????????????????alm de todas as medidas; excessivamente.
?????????????????Verbo Imperfeito indicativo passivo de
??????????? ficar atnito.
??????????????Verbo indicativo perfeito ativo de ????????fazer.

257
IGREJA LUTERANA

COMENTRIOS

V. 31: Jesus agora ele foi atravs de Sidom, que fica a cinco milhas
ao norte de Tiro. Mas Jesus est somente fazendo uma viagem, ns
no ouvimos nada de ensinamentos e milagres. Parece que ele pas-
sou por despercebido, e que ele mesmo quis que fosse assim, e que
ele devotou o seu tempo para instruo dos seus discpulos, que foi a
principal ocupao de Jesus durante a ltima parte do seu ministrio.
Somente Marcos narra a passagem de Jesus atravs de Sidom.
V. 32: Eles trouxeram um homem surdo e gago a Jesus. Ainda que
????????? significa uma fala pesada, repetida (gagueira), falando com
dificuldade, a LXX usa isso no significado de mudo. Os sons que aquele
homem fazia eram inteligveis.
Vv. 33-35: Jesus no colocou as mos sobre o homem, ele usou
um procedimento incomum neste caso. Este surdo-mudo trazido a
Jesus no meio de uma grande multido. Jesus est interessado nele
porque ele est nesse estado. Ele o toma inteiramente para fora da
multido; o particpio aoristo mdio significa que Jesus tomou o ho-
mem para si mesmo. Esta ao preliminar (aqui expressa por um par-
ticpio) sbia e significativa para aquele homem. Ele est sozinho
com Jesus, extrado da excitao e da distrao das multides. Seus
olhos espiam a Jesus, e ele entende que Jesus est para fazer algo
em benefcio dele.
Jesus usa a linguagem de sinais que simples e plena assim
que o surdo-mudo poderia entender. Ele lana seus dedos nos ouvi-
dos daquele homem. Aqui estava localizada uma das suas deficinci-
as - aqueles ouvidos estavam deficientes. Ns agora temos um verbo
finito, que uma das aes principais. Vamos apenas pensar no fato
que os olhos de Jesus indubitavelmente falaram aos olhos daquele
homem.
Primeiro os ouvidos deficientes, agora a lngua muda. A lingua-
gem de sinais continua. Primeiro uma ao menor, que de novo
expressa por um particpio: Jesus tendo cuspido. A sua boca e a
sua lngua esto sem fala, e Jesus tencionava fazer algo em relao a
esse problema. Os milagres eram feitos por causa da vontade do
Senhor, algo pelo qual a sua vontade somente, frequentemente pelo
que a sua vontade expressou na sua onipotente palavra mesmo nes-
ta instncia. Tocar com a mo apenas um gesto simblico.
V.34: Mais linguagem de sinais seguem: de novo um particpio ex-
pressa a ao subordinada: Jesus olha para o cu. O homem observa
Jesus fazendo isso. Ele d a entender que a ajuda que ele vai dar ao

258
DCIMO TERCEIRO DOMINGO APS PENTECOSTES

homem vem do cu, divina, onipotente ajuda que diferente de


algo meramente humano. Com essa olhada para os cus, Jesus sus-
pira. O homem v o suspiro, isso parte da linguagem de sinais que
Jesus est usando. O homem entendeu a linguagem de sinal de Je-
sus. Ns podemos entender que esta linguagem de sinais de Jesus
tencionou instaurar a f naquele homem. Seria injustificvel dizer que
o milagre dependeria da f daquele homem. Ele depende completa-
mente da boa e misericordiosa vontade de Jesus. Jesus algumas ve-
zes tenta infundir a f antes do milagre; outras vezes ele deixa a f
seguir aps o milagre.
Depois que o homem estava completamente preparado, Jesus
falou uma nica palavra: ephatha, o imperativo aramaico. Marcos pre-
serva a palavra original que Jesus usou, justamente como ele faz em
5.41. Ele quer que seus leitores gentios tenham as slabas originais
e os sons que vieram dos lbios de Jesus na operao desse milagre.
Mas ele, mais uma vez, traduz o ????????????? o aoristo imperativo:
Seja aberto!, o ???? acrescenta a idia de uma abertura completa,
perfeita. O neutro ?? refere-se ao ephatha como uma palavra. O
mandamento expressa a vontade de Jesus, e esta vontade faz o que
ele quer. A idia de abrir refere-se no somente aos ouvidos, que
tinham sido fechados pela deficincia, mas tambm lngua que tinha
sido presa por uma cadeia ???????, e requeria abertura da priso
para a liberdade de falar. Esta palavra de Jesus penetrou os ouvidos
do surdo-mudo - ele ouviu o som onipotente. Ns no podemos dizer
se algumas pessoas estavam prximas a ponto de ouvir isso. A coisa
principal que o surdo-mudo ouviu.
V. 35: Marcos reporta o efeito desta nica palavra de Jesus abso-
lutamente completa por dizer como os ouvidos do homem estavam
completamente abertos, como sua lngua perdeu aquilo que a emba-
raava, dois aoristos para expressar os fatos centrais. Um imperfeito
segue a respeito da lngua: e ele falava corretamente. Antes ele s
era capaz de proferir sons ininteligveis.
Vv. 36,37: Vrias opinies so dadas sobre a ordem de no falar
do milagre. A melhor que achamos aquela que toma em considera-
o o tempo de ministrio de Jesus. Ele tinha apenas alguns meses, e
ele no queria espalhar uma excitao acerca do seu messianismo.
As pessoas geralmente conectaram idias polticas e terrenas com
esse ttulo, as quais Jesus combateu. Ento, ele fez o que ele podia
para deixar em silncio os seus milagres nesse tempo. Mas, nestas
alturas dos acontecimentos, isso no foi assim. Ento, quanto mais
ele ordenava, mais eles tornavam pblico o que ele tinha feito.

259
IGREJA LUTERANA

V. 37: Marcos explana esta ao ao povo. Ele usou um forte imper-


feito passivo; eles foram conduzidos a uma situao de estar maravi-
lhados e continuaram assim. Ele acrescenta o advrbio ?????????????,
alm das medidas, excessivamente. Estando num estado assim,
eles tiveram a sensao que no poderiam controlar-se. Marcos con-
ta-nos exatamente que o povo disse: excelentemente ele tem feito
todas as coisas! O perfeito ????????? refere-se a todos os atos pas-
sados e como eles continuam a se mostrar no presente. Notemos:
todas as coisas e perceba que isso louvor. Ento esse povo gene-
ralizou com o tempo presente do verbo ?????? junto com os plurais:
faz ouvir os surdos e falar os mudos! Aquele povo reconhece que
Jesus, a qualquer tempo, pode fazer os surdos ouvir e os mudos falar.

PERSUASO

1. Pensamento Central
Jesus cura o surdo-mudo, capacitando-o a falar e ouvir muito bem.
2. Objetivos
A - Conhecimento: Que os meus ouvintes saibam que Jesus faz
todas as coisas esplendidamente bem, como no caso da cura do sur-
do gago. Ele tem poder para fazer todas as coisas.
B - Atitude: Que os meus ouvintes confiem no poder de Jesus, com
o qual ele age em benefcio de todos ns, fazendo todas as coisas
esplendidamente bem.
C - Habilidade: Que os meus ouvintes possam se dedicar a ouvir a
palavra de Jesus e a falar das aes de Jesus na vida do surdo gago
e na vida de todos ns - testemunhar os atos de salvao!
3. Molstia - Lei - Pecado
A - As doenas, deficincias, problemas fsicos e de sade apon-
tam para a pecaminosidade inata do ser humano - pecado original.
B - A euforia popular, s vezes, impede que se concentre a aten-
o na Palavra de Deus. O povo que trouxe o surdo gago queria ver
Jesus impor as mos sobre ele. Queriam um espetculo, mesmo como
as pessoas do nosso tempo procuram ver. Eles, na busca do espet-
culo, expuseram desnecessariamente aquele homem com necessida-
des especiais. D a entender que eles no estavam querendo, em
primeiro plano, a cura dela, mas o espetculo em si, uma vez que no
foram discretos e no o preservaram da exposio pblica. Jesus no
fez o que eles queriam. No deu um espetculo. O povo queria ter
alimentado em si o desejo de ver coisas espetaculares, e isso pode
ser um sinal de descrena quando se concentra apenas no ver. Isso
afasta as pessoas de Jesus e da sua palavra salvadora.

260
DCIMO TERCEIRO DOMINGO APS PENTECOSTES

C - Que uso fazemos da nossa lngua e ouvidos? Temos nos dedi-


cado a ouvir a palavra de deus? Temos nos dedicado a falar dela a
outras pessoas? Mau uso da lngua: dar falso testemunho, estar
cerrada para o louvor, a adorao, o testemunho, a orao. O ouvido
est distante da palavra de Deus.
4. Meio - Evangelho - Graa
A - Jesus estava presente naquela localidade, cumprindo a profe-
cia de Isaas, que falou da presena do Messias de Deus junto ao
povo para: desimpedir os ouvidos aos surdos e fazer a lngua dos
mudos cantar. Jesus estava ali, como o Salvador, perdoador gracioso,
a fim de beneficiar o ser humano carente com a sua eterna bondade.
B - Jesus curou o surdo gago. Ele no o fez como eles quiseram;
mas o fez de acordo com a sua vontade. Ele tirou aquele homem do
meio do povo e o restabeleceu perfeitamente: Tudo ele tem feito
esplendidamente bem! Aponta para a criao, quando Deus fez tudo
muito bom! e aponta para a Nova Criao em Cristo - a regenera-
o. O principal trabalho de Jesus foi dar a sua vida para redimir e
salvar toda a humanidade. O texto alimenta a expectativa da eterni-
dade perfeita com Deus nos cus: novos cus e nova terra!
C - Jesus nos orienta, na Sua Palavra, a fazermos bom uso da
nossa lngua e ouvidos. Ele nos d motivos para abrirmos a nossa
boca e louvar, orar, agradecer e testemunhar, pois ele tem feito to-
das as coisas esplendidamente bem em nossa vida: o perdo, a sal-
vao! E ele tem proporcionado que a sua Palavra seja pregada a
ns, e nos convida a consider-la santa, gostar de a ouvir e estu-
dar com ateno, a confiarmos de corao e a testemunh-la a to-
das as pessoas que convivem conosco.

ESBOO

1. Tema: Jesus faz tudo esplendidamente bem!


2. Desenvolvimento
2.1 A multido trouxe um surdo e gago. Queriam que Jesus impu-
sesse as mos.
2.2 O surdo gago - as suas deficincias.
2.3 Jesus o retira da multido - a linguagem de sinais: dedos no
ouvido, tocou a lngua, ergueu os olhos ao cu, suspirou.
2.4 Jesus disse: Efat! - Abre-te! Abrir os ouvidos e desatar o
empecilho da lngua: cadeias.
2.5 O milagre: Abriram-se-lhe os ouvidos, e logo se lhe soltou o
empecilho da lngua, e falava desembaraadamente.
2.6 Por que Jesus no queria publicidade?

261
IGREJA LUTERANA

2.7 A exclamao do povo: Tudo ele tem feito esplendidamente


bem! - relembra a criao de Deus (Gn 1.31).
2.8 Lei
2.9 Evangelho

Slvio Ferreira da Silva Filho


Vila Velha, ES

262
DCIMO QUARTO DOMINGO
APS PENTECOSTES
Dcimo Terceiro Domingo Aps Trindade
Salmo 142, Gnesis 4.(1-7) 8-16a, 1 Joo 4.7-11, Lucas 10.25-37

Lucas 10.25-37

LEITURAS DO DIA

O Salmo 142 transcreve a orao de Davi feita dentro da caverna


onde se refugiara do Rei Saul. Mesmo tendo o Rei Saul diante de si na
caverna (sem que o mesmo se desse conta da presena de seu inimi-
go) e a possibilidade de fazer justia com as prprias mos, Davi co-
loca sua causa nas mos do Senhor.
O relato de Gnesis 4.(1-7) 8-16a revela mais do que o primeiro
assassinato na histria da humanidade. Revela a conseqncia de
uma separao entre Deus e seres humanos, e a responsabilidade
do ser humano em resistir ao pecado que bate porta.
A epstola de 1Jo 4.7-11 coloca a palavra amor como um sinni-
mo de Deus. de Deus que brota o verdadeiro amor concretizado no
envio de Jesus Cristo em favor da humanidade pecadora.

CONTEXTO

Os domingos aps Pentecostes caracterizam a vida consagrada


da igreja crist, e especialmente o seu crescimento e consequente
testemunho no mundo que a rodeia. Neste sentido, o texto do
evangelista Lucas traz uma nfase especial na ao desta igreja atra-
vs daqueles que a constituem. Para tanto, a histria relatada hoje
mostra o Salvador Jesus em seu terceiro ano de ministrio, utilizan-
do-se de uma parbola para transmitir uma verdade fundamental para
a vida crist: a verdade de que o viver cristo neste mundo no est
restrito a meras palavras, mas revela-se tambm no amor direcionado
ao prximo. Em outras palavras, alm do amor a Deus, o amor ao
prximo tambm est presente na vivncia da f crist.

263
IGREJA LUTERANA

COMENTRIOS SOBRE O TEXTO


COM NFASES VERSCULO A VERSCULO
V. 25: A pergunta do mestre da lei j deixa transparecer o seu
pensamento no que diz respeito salvao: que farei? Seus
ensinamentos estavam ancorados mais no fazer do que no crer.
V. 26: Jesus tenta lev-lo a refletir por si mesmo. Nesta inteno
lhe devolve duas questes. Na primeira, questiona o que exatamente
a lei dizia e a segunda, sobre como ele, mestre da lei, entendia o que
estava escrito.
V. 27: A primeira pergunta foi facilmente respondida, pois o mestre
da lei era versado nas Escrituras Sagradas. No entanto, a segunda
pergunta ficou sem resposta, pois sua compreenso resumia-se ao
que estava escrito, e nem tanto na vivncia do que aprendera.
V. 28: Jesus concorda com a primeira resposta, e na segunda lhe
d mais do que uma resposta, ele d uma aplicao direta: faze isto
e vivers.
V. 29: Desconcertado, o mestre da lei tentou justificar sua falta de
compreenso com outra pergunta: quem seria o seu prximo?
V. 30: Jesus, ento, conta a histria de um homem que viajava de
Jerusalm a Jeric. No caminho foi assaltado e ferido pelos ladres,
ficando jogado na estrada semimorto.
V. 31: Um sacerdote, ao ver o homem ferido, passou reto, certa-
mente para no contaminar-se com o corpo de um possvel cadver
(leis cerimoniais) ou mesmo por medo de ser assaltado.
v.32: Um levita tambm passou pelo homem, mas a exemplo de
como j fizera o sacerdote, seguiu em frente.
V. 33: Um samaritano passou e, compadecido, socorreu o homem,
ignorando leis cerimoniais ou o perigo de tambm ser atacado pelos
ladres.
V. 34: O samaritano tratou o homem, cuidando de seus ferimentos.
A seguir, levou-o a uma hospedaria para que se recuperasse.
V. 35: O samaritano recomendou ao dono da hospedaria que tra-
tasse bem o homem ferido e, aps pagar adiantado os gastos feitos,
pediu que o homem fosse bem cuidado e, se houvessem gastos a
mais com ele, o samaritano pagaria quando regressasse.
V. 36: A pergunta de Jesus fulminante: Qual dos trs o prximo
do homem ferido?
V. 37: O mestre da lei responde: o que o ajudou. Ele nem sequer
menciona o nome samaritano, mas obrigado a admitir a bondade
dele. Jesus ento aproveita e conclui: Vai e procede de igual modo. O
pice do texto encontra seu mais profundo significado no servir, no
amar ao prximo.

264
DCIMO QUARTO DOMINGO APS PENTECOSTES

COMENTRIOS HOMILTICOS

Os judeus tinham bem claro para si que, para se chegar vida


eterna, amar a Deus e ao prximo eram elementos fundamentais.
Portanto, tanto o intrprete da lei como Jesus concordavam que o
amor era o resumo dos mandamentos. A grande discordncia estava
no direcionamento deste amor. Quem era o prximo, alvo deste amor?
Neste ponto, percebe-se que a universalidade da graa de Deus no
era ainda um conceito comum e muito menos dominante entre os ju-
deus. Prova disso a pergunta do mestre da lei sobre quem era o
seu prximo (Talvez somente os da nao de Israel?). Havia discus-
so entre os judeus acerca desta pergunta. Jesus responde a ques-
to ao incluir o samaritano na parbola. O prximo todo aquele que
est em contato conosco, independente de sexo, cor, nacionalidade
ou cultura.
Concluindo, o texto do evangelho de Lucas 10.25-37 mostra uma
situao de confrontao da humanidade com a vontade de seu Deus
expressa nos mandamentos, vontade esta que encontra sua
concretude na prtica do dia-a-dia. Esta vontade divina compreen-
dida com dificuldade pelo ser humano, pois este tem uma f limitada e
passvel de falhas.
Outro detalhe importante: no basta ao ser humano simplesmen-
te saber quem o seu prximo. Jesus claro ao receber a resposta
do mestre da lei sobre quem era o prximo do homem ferido. Ele no
o parabeniza pela resposta, mas indica o caminho: vai e procede tu de
igual modo.

DISPOSIO HOMILTICA

Assunto: O meu prximo tambm necessita do meu amor

Objetivo: Lembrar os ouvintes sobre a necessidade de viver o


amor de Deus tambm no sentido horizontal, ou seja, direcionado a
toda a humanidade, pois o prximo no aquele ou aquela a quem
escolhemos, mas todos aqueles que Deus colocou neste mundo ao
nosso redor.

Tema: O meu prximo tambm necessita do meu amor

1. Porque tambm ele sofre com o pecado


- Que se revela na violncia
- Que se revela na discriminao

265
IGREJA LUTERANA

- Que se revela na indiferena

2. Porque tambm ele foi resgatado em Cristo


- Quando o Salvador deu vida nova a toda humanidade atravs da
vitria na cruz
- Para que justificado, tambm possa redirecionar seu amor a toda
humanidade

3. Para que assim rumemos vida eterna


- Numa vida de amor e servio
- Numa vida de f e ao.

Valdir Lopes Junior


Nova Santa Rita, RS

266
DCIMO QUINTO DOMINGO
APS PENTECOSTES
Dcimo Quarto Domingo Aps Trindade
Salmo 107. 17-22; Gnesis 28. 10-19a; Romanos 8. 12-17;
Lucas 17. 11-19

Lucas 17. 11-19

O primeiro versculo de nossa percope (v.11) nos remete a 9.51 e


ao fato de Jesus ir em direo a Jerusalm. Grande importncia tem
este versculo, pois ele deixa claro que Jesus no foi por acaso para
Jerusalm, que ele foi pego de surpresa. Ele sabia a misso que pre-
cisava cumprir. O nosso texto est no final da narrativa da viagem,
que termina com a entrada triunfal em Jerusalm (19.28).
Um fato interessante do autor Lucas que muito do que ele nar-
ra, seno a maioria, acontece durante viagens. No evangelho Jesus
quem viaja, junto com seus discpulos, a partir do captulo 9. Em Atos
so os apstolos e alguns diconos, mas sobretudo Paulo, cujas via-
gens ocupam do captulo 13 ao 28. Intimamente atrelado a isto est
o evangelho que vai se alastrando, atravs do ministrio de Jesus e
dos discpulos, pela Palestina e, depois, em Atos, atravs dos aps-
tolos (comeando em Jerusalm at os confins do mundo, i.e., Roma).
Ponto central ento Jerusalm: para um momento definido toda a
histria anterior converge (Lucas) e toda a histria posterior ganha
seu sentido (Atos): a paixo, morte e ressurreio de Jesus Cristo.
Ainda, Lucas o evangelista com a nfase do evangelho para todos,
que inclui crianas, mulheres, doentes (como no caso do nosso texto)
e demais.
No contexto imediato, podemos destacar o versculo 20, onde os
fariseus querem saber como reconhecer o Reino dos Cus. A nossa
percope, de certa forma, serve como ilustrao dessa inabilidade de
Israel, o povo de Deus, em reconhecer a vinda do Reino de Deus, que
irrompe na pessoa de Jesus e do qual um sinal claro a cura de
doenas, como a lepra. To cegos que so, que perdem at pra
samaritanos, os quais consideram pagos e ignorantes da Lei de Deus.
A vinda do Reino de Deus no seria a glria poltica dos judeus, nem a
libertao dos poderes opressores estrangeiros, mas a libertao do
pecado e da morte, realizada por Jesus, o Filho de Deus. Por isso
Jesus diz que ele est dentro em vs, ou seja, vem pela f em Je-

267
IGREJA LUTERANA

sus, algo que estava dentro daquele samaritano que voltou para
agradecer. Ainda levando-se em conta o contexto anterior, onde os
discpulos pedem a Jesus que aumente a f deles, vemos que a f
no uma fora em si mesma, algo que o ser humano possui, forte ou
fraca, mas dom de Deus e depende do objeto ao qual se apega, a
saber, a Jesus Cristo. No so as boas obras que nos justificam (v.10),
nem devemos considerar a nossa f como uma boa obra nossa, mas
ficarmos felizes em sermos servos do Senhor, agradecidos e ativos no
seu Reino.
A estrutura do texto bem simples; ela dividida em duas partes:
1) do v. 11 at 14a ; 2) do v. 14b at o 19. No primeiro trecho Jesus
e os dez leprosos. No segundo, Jesus e o Samaritano. Isto fica evi-
dente no texto pelas expresses utilizadas no incio de cada trecho:
kai ejgevneto ejn tw + infinitivo. Claramente nos remete maneira
hebraica de construir frases temporais (utilizando-se preposio + inf.
construto) e, consequentemente, Septuaginta.
Jesus, em sua viagem a Jerusalm, entra em uma aldeia, talvez na
divisa entre Galilia e Samaria. Os leprosos ficam de longe, pois no
deveriam se aproximar de pessoas ss. Deveriam viver fora do arraial
(Lv 13. 45,46). Jesus os manda mostrarem-se aos sacerdotes. Tal ao
servia para confirmar que o leproso estava curado e, de acordo com
Levtico 14, deveria render graas a Deus, oferecendo sacrifcios em
agradecimento pela cura. O ponto marcante do nosso texto o fato
de somente o samaritano reconhecer o verdadeiro sacerdote que
responsvel pela sua cura. A ao do samaritano de dar glrias a
Deus (doxavzwn tovn Qeovn), rendendo graas a Jesus muito significa-
tiva. Aqui usado o verbo eujcaristevw tendo Jesus como objeto.
Quase sempre quando aparece no Novo Testamento, este verbo tem
Deus como objeto (At 28.15; Rm 7.25; 1Co 14.18; Fp 1.3; Cl 1.3,12;
3.17; Fm 4; 1Ts 5.18 e muitos outros). Assim sendo, a ao de graas
rendida pelo samaritano se reveste de maior importncia ainda, pois
ele no est simplesmente agradecido, mas est reconhecendo o Deus
Conosco que o curou. uma passagem altamente Cristolgica. Cristo
o (Sumo) Sacerdote da Nova Aliana (Hb 9.15), segundo a ordem de
Melquisedeque (Sl 110.4; Hb 5.6; 7.21). Atravs do sacrifcio do seu
corpo, cena final de sua viagem a Jerusalm, ele se tornou o nosso
Grande Sumo Sacerdote, por meio de quem temos acesso ao Pai,
atravs do qual temos libertao do pecado e de suas consequncias
[como a lepra] (Hb 10. 10-14; 19-22).
No final temos o ponto alto, quando Jesus diz: Levanta-te e vai; a
tua f te salvou (v.19). O verbo salvou est no perfeito, o que deno-
ta uma ao que aconteceu no passado e que continua tendo seus

268
DCIMO QUINTO DOMINGO APS PENTECOSTES

efeitos vlidos no presente. Traduzir o verbo como curar no pare-


ce ser uma boa opo, como a NTLH faz (Voc est curado porque
teve f). Em Lucas esta frase utilizada outras vezes, em contextos
onde h vrias pessoas, mas somente uma consegue ver quem Jesus
realmente , pela f. Assim foi com a mulher que lavou os seus ps (7.
35-50), a mulher que foi curada de uma hemorragia (8. 43-48) e com
o mendigo que foi curado da cegueira (18. 35-42). Na nossa percope,
todos os dez foram curados. Se a f pr-requisito para a cura, os
outros nove tambm tiveram, por isso foram curados. O que Jesus
deveria destacar ento seria a gratido do que foi curado. Mas ele
faz questo de enfatizar a f dele que o salvou. Para o samaritano a
cura foi um sinal do Reino de Deus, para os outros nove foi s um
acontecimento fora do comum, que poderia ser atribudo a qualquer
curandeiro, ou ento sorte. Ele foi salvo porque teve f, ou seja, ele
reconheceu o Deus verdadeiro.
Quantos hoje em dia no conseguem reconhecer o Deus verda-
deiro? Inclusive cristos, que colocam a sua confiana na interveno
de santos e padroeiros e no em Jesus Cristo, o Filho de Deus. Esta
percope a mesma para o Dia de Ao de Graas. Convm que no a
utilizemos de forma errada, dando uma nfase no Devemos agrade-
cer sempre, Quem mais agradece mais abenoado, ou Maior gra-
tido demonstrada sinal de maior f. Nem precisamos nos delongar
na pssima teologia que impera hoje na mdia que enfatiza o Se
voc tiver f, voc consegue tudo o que quiser. O ponto a enfatizarmos
Devemos saber a quem devemos agradecer. E isso pressupe f
preciso conhecer Jesus realmente. O render ao de graas por parte
do samaritano fruto da f que ele tinha em Jesus como o Messias, o
Deus Conosco, o Reino de Deus entre os seres humanos.
Jac soube a quem agradecer, ao erigir a coluna e chamar o lugar
onde teve o sonho de Betel, casa de Deus (Gn 28). Se fssemos mais
longe no paralelo, poderamos inclusive apontar Jesus como a esca-
da que liga os cus e a terra. Paulo em 1Tm 2.5 no fala em escada,
mas chama Jesus de Mediador. Enquanto estamos no tempo da gra-
a, temos oportunidade de render graas pessoa certa, a Jesus, o
Salvador, porque haver o dia em que toda a criao, queira ou no,
far o que o samaritano fez e se prostar diante de Jesus (Fp 2. 9-
11). Enquanto vivemos no tempo da graa, temos o auxlio do Esprito
que nos torna filhos e nos ensina a dizer Aba, Pai (Rm 8).
Jesus, sem dvida, uma figura popular hoje em dia tambm. Mas
ser que as pessoas realmente o conhecem? Mesmo dentro de nos-
sas congregaes, quantas opinies diferentes ouvimos sobre Jesus?
Deixar bem claro que Jesus o Salvador, enfatizando que a sua morte

269
IGREJA LUTERANA

e ressurreio (este seria o destino final da viagem dele) so a nossa


vitria, nunca demais! A f nele que traz a salvao. Diante disso,
viver a nossa vida com Jesus passa a ser uma necessidade. No im-
portar mais o quanto ns agradecemos, pois nunca pararemos de
agradecer: por estarmos vivos; por termos perdo, vida e salvao;
por termos famlia e sade; por sermos parte de uma congregao;
por termos emprego e possibilidade de participao ativa na socieda-
de. Tudo isso e muito mais so motivos para que vivamos a nossa
vida inteira em f, humildade e gratido diante de Deus, dando sem-
pre graas por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso Senhor
Jesus Cristo (Ef 5.20).

Ttulo: F em Jesus faz a diferena


1. Quem Jesus
a. Para os leprosos
b. Para o samaritano

2. Crer em Jesus faz a diferena


a. Fez para o samaritano A tua f te salvou
b. Faz para ns A tua f te salvou

3. Crer em Jesus faz a diferena para todos


a. Pela f em Jesus, vivemos uma vida de gratido a Deus
b. Pela f em Jesus, nossa gratido testemunho da Salvao
para as pessoas.

Paulo Samuel Albrecht


Rio de Janeiro, RJ

270
DCIMO SEXTO DOMINGO
APS PENTECOSTES
Dcimo Quinto Domingo Aps Trindade
Salmo 4, 1 Reis 17.8-16, 2 Corntios 6.1-10, Mateus 6.25-33 ou Joo
11.17-27

Mateus 6.25-33

CONTEXTO

Salmo 4 - O Salmo 4 expressa a confiana do Rei Davi em Deus,


em meio a um momento de aflio e angstia que foi crucial para a
sua vida, quando seu filho Absalo queria lhe usurpar o trono. Como
rei e pai, Davi poderia ter dvidas quanto ao seu julgamento e
discernimento dos fatos. Mas ele recorre justia de Deus para que
seu corao permanea no amor e sua alma na paz. Onde est a
verdadeira paz? Onde est a justia? Onde est a alegria? No sacrif-
cio de justia (Cristo) e na confiana no Senhor (graa do perdo).
Ofeream sacrifcios como o SENHOR exige e ponham a sua confiana
nele (Salmos 4.5 NTLH).
1Rs 17.8-16 - A viva de Sarepta se torna um intrumento de Deus
para ajudar o profeta Elias. A confiana absoluta da viva na palavra
do profeta se converte em uma bno de salvao para ela e para o
seu filho em meio a um contexto de desolao e fome. Pois o SE-
NHOR, o Deus de Israel, diz isto: No acabar a farinha da sua tigela,
nem faltar azeite no seu jarro at o dia em que eu, o SENHOR, fizer cair
chuva (1Reis 17.14 NTLH).
2Co 6.1-10 - Deus mostra sua salvao a cada dia, e cada dia
tempo especial para ser salvo. Nada deve atrapalhar essa certeza,
pois recebemos na palavra a graa de Deus pelo Esprito Santo, que
atravs das obras que realizamos em f sincera e autntica quem
mostra que somos servos de Deus. Quem tem f sincera e verdadeira
no gracioso perdo de Cristo no tem medo das dificuldades. ... em
tudo mostramos que somos servos de Deus, suportando com muita pa-
cincia as aflies, os sofrimentos e as dificuldades (2 Corntios 6.4
NTLH).
Mt 6.25-33 - Deus nos ensina nesse texto a termos um estilo de
vida de confiana e abnegao. Confiana que busca em primeiro lu-
gar o seu reino e a sua justia, tomando como exemplo os pssaros

271
IGREJA LUTERANA

e a erva do campo, que recebem por graa todo o necessrio para as


suas vidas. De abnegao por que a garantia do cuidado no depen-
de do ser humano, mas s de Deus.

TEXTO

V. 25: A preocupao ansiosa com as coisas que precisamos para


viver no deve ter prioridade em nossos pensamentos. A comida, a
bebida e o vesturio numa escala de valores no devem ser a primei-
ra coisa em nossa vida, que vale muito mais que estes. o po nosso
de cada dia que Deus nos d mesmo sem a nossa prece. Basta que o
reconheamos e o recebamos com agradecimento.
Vv. 26, 27: O termo de comparao aqui o valor do ser humano
em relao aos pssaros, que so alimentados pelo Pai do cu a cada
dia, e nada precisam fazer para merecer esse alimento, que lhes
concedido por graa. Fica caracterizada aqui a providncia do susten-
to cotidiano que Deus prov para a sua criao e, obviamente, para o
ser humano. O ser humano tem a faculdade de pensar, de se preocu-
par e ficar ansioso, mas este sentimento no lhe traz nenhum favor e
acrscimo na vida. Qual o valor do ser humano? Jesus responde
com a pergunta: Ser que vocs no valem muito mais do que os
passarinhos? O ser humano vale mais que toda a outra criao de
Deus (Mt 10.31; 12.12; Lc 12.7). Somos o povo escolhido de Deus, os
sacerdotes do Rei (1Pe 2.9).
Vv. 28-30: O termo de comparao aqui o valor e a importncia
do ser humano em relao s flores, aos lrios do campo, que hoje
d flor e amanh desaparece, queimada no forno. Comparados ao
vesturio de Salomo, o superam em muito na beleza e na formosu-
ra. As flores do campo no se cansam trabalhando e nem precisam
fiar qualquer vesturio. Deus o provedor. O ser humano precisa exa-
minar com cuidado e confiana essa providncia divina na sua criao
para reconhecer a ddiva, o cuidado e a proteo que lhes so dis-
pensados. A pequena f do ser humano o leva a isolar-se de Deus e
a colocar-se a si mesmo como provedor. Assim acaba entrando pelo
caminho da autossubsistncia.
V. 31: Em razo de valermos muito mais do que toda a criao de
Deus, a dvida quanto ao sustento (comida e bebida) e o vesturio
no devem deixar o ser humano ansioso, preocupando-se
exageradamente com tudo isso.
V. 32: A ansiedade, a preocupao exagerada com o sustento (co-
mida e bebida) e o vesturio so caracterstica dos pagos, dos gen-
tios, daqueles que no so povo de Deus e, consequentemente, no

272
DCIMO SEXTO DOMINGO APS PENTECOSTES

reconhecem que Deus o provedor de todas as coisas. O pago, o


mpio deseja e procura diligentemente pelo sustento e o vesturio,
anelando t-los por sua nica e exclusiva fora e mrito. Os de pe-
quena f se entregam preocupao exagerada, vivendo a ansieda-
de pelo sustento e o vesturio. Existe uma linha muito tnue e peri-
gosa entre aqueles que tem uma f pequena e os pagos, que pode
ser facilmente confundida.
V. 33: Colocar em primeiro lugar na vida a busca do reino de Deus
e a justia de Deus, aquilo que Deus quer, envolve dois aspectos
importantssimos: a) olhar para o primeiro mandamento de Deus, no
ter outro Deus diante dele; b) procurar por, e em f, a fim de encon-
trar, empenhando-se ao mximo pelo pensamento, meditao e raci-
ocnio. Fazer por, e em f, uma investigao acurada na palavra de
Deus que proclama, ensina e revela o reino de Deus, o reino da graa
e o reino da glria e a justia de Deus, aquilo que Deus quer, como
aprendemos na segunda e terceira petio do Pai Nosso. Colocamos
em primeiro lugar na vida, buscamos o reino de Deus e a justia de
Deus, aquilo que Deus quer (segunda e terceira petio) por que o
Pai celeste sabe que precisamos de todas as coisas (sustento e ves-
turio) para viver.

PROPOSTA HOMILTICA

Pensamento Central: O Salvador Jesus diz para os seus filhos


no se preocuparem exageradamente ao ponto de viverem ansiosos
por causa do sustento e do vesturio. Isto algo prprio dos pa-
gos, dos gentios. O ser humano incapaz de providenciar qualquer
coisa em sua vida. Assim como ele cuida de toda a sua criao, ele
cuidar dos seus filhos, que valem muito mais. Deus sabe e conhece
todas as nossas necessidades, por isso podemos priorizar em nossa
vida o reino de Deus e aquilo que Deus quer, a sua justia (o reino da
graa e da glria 2 petio a vontade de Deus - 3 petio -
salvao).
Tema: Venha o Teu reino e seja feita a tua vontade assim na terra
como no cu.

1. A preocupao exagerada nos desconecta de Deus, deixando-nos


refns de ns mesmos.
- Mt 6.25, 27, 31, 34; 10.19; Lc 10.41; 12.11, 22, 25; Fp 4.6.
- Somos mais valiosos que os alimentos, as aves e as flores do
campo (25 e 26)
- No temos poder nenhum sobre nossas vidas (v. 27) Salmo 4.

273
IGREJA LUTERANA

2. Deus conhece todas as nossas necessidades. 1Rs 17.8-16 Viva


de Sarepta
- Rm 8.27; Lc 10.42; Mt 6.8
3. Deus nos d todo o necessrio para a nossa vida.
- podemos pedir a Deus (Fp 4.5-6)

CONCLUSO

Quando tomamos posse da salvao mediante a f, poderemos


usufruir com alegria de todas as bnos que Deus tem reservado
para ns.

Horst Siegfried Musskopf


Cuiab, MT

274
DCIMO STIMO DOMINGO
APS PENTECOSTES
Dcimo Sexto Domingo Aps Trindade
Salmo 116.1-9, 1 Reis 17.17-24, 1 Corntios 15.1-11,
Lucas 7.11-16 ou Joo 11.17-27

Joo 11.17-27

CONTEXTO

O evangelho de Joo traz como pano de fundo as constantes que-


relas e discusses entre Jesus e os lderes judeus. Como lemos des-
crito no final do captulo 10, Jesus se retirou de Jerusalm, onde a sua
cabea estava a prmio, depois de longa e acalorada discusso com
os incrdulos judeus. No decorrer deste encontro, uma vez pegaram
em pedras para eliminar aquele que julgavam estar blasfemando contra
Deus, e na segunda investida contra Jesus tentaram prend-lo, para,
num segundo momento, tentar execut-lo.
A Jesus retirou-se para o outro lado do rio Jordo, onde ele esta-
va livre dos ataques daqueles por quem choraria angustiadamente
quando de sua ltima entrada em Jerusalm (Lc 19.41). L, no seu
esconderijo, Jesus recebe a informao da morte de seu querido
amigo Lzaro, e ele ento volta para o meio do ninho de cobras,
para Betnia, a poucos quilmetros da capital, Jerusalm, onde ele
ento desenvolve este lindssimo discurso sobre a ressurreio e a
vida. E no auge deste encontro com as irms do morto, Lzaro, opera
a ressurreio de seu amigo.

TEXTO

V. 17: Lzaro, uma abreviatura de Eleazar, significa Deus aux-


lio. um personagem mencionado s por Joo. Suas irms Maria e
Marta so mencionadas por Lucas, mas ele omitido na ocasio (Lc
10.38-42). De que enfermidade ele foi acometido que o levou a bito,
no nos dito. A enfermidade sempre causa apreenses de todo o
tipo. Se a doena avana, a angstia avana na mesma proporo,
tambm no corao e na mente do mais fiel discpulo de Cristo. A
doena sempre traz algum ou muito sofrimento. Diante do sofrimen-
to, o prprio Jesus, no Getsmani, ficou muito angustiado, sabendo
que o que o aguardava era a morte.

275
IGREJA LUTERANA

A doena sempre um aviso de que algo est errado. E o desfe-


cho deste algo errado, motivado pelo pecado, a morte, como no
caso de Lzaro. Nos salmos podemos encontrar aquilo que podemos
chamar de olhos arregalados, provocados pela angstia diante das
incertezas do futuro, trazidas pela presena de alguma enfermidade
(Sl 4.1; 18.6; 25.17, etc.). O fato de Joo apontar que j h quatro
dias Lzaro estava sepultado tem por alvo ressaltar ainda mais o
poder da Palavra de Jesus quando operou o milagre da ressurreio
de seu amigo.
V. 18: Betnia ficava a uns trs quilmetros de Jerusalm.
V. 19: Velrio sempre mostra dois lados: luto, angstia, quem sabe
revoltas e at tentativas de suicdio, de um lado, e solidariedade do
outro lado. Estatisticamente constatado que em ambiente de vel-
rio os coraes esto mais receptivos mensagem. Por isso velrio e
enterro podem e devem ser oportunidades tambm de fazer mis-
so, de semear a Palavra. Qual o teor do consolo que os judeus
vieram trazer a Marta e Maria? Ofereceram seus ombros para as enlu-
tadas chorarem? Certamente. Apontaram para o Deus de Abrao,
Isaque e Jac, o Deus dos vivos e dos mortos? Provavelmente sim.
A morte pode oferecer duas situaes opostas: frieza e agnosticismo
total tanto de quem est morrendo como de quem vai levar os restos
mortais do ente querido morada provisria do cemitrio, ou profunda
confiana, esperana e resignao, at desejo de partir e estar com
Cristo, o que incomparavelmente melhor (Fp 1.23).
Vv. 20-22: Marta, como sempre irrequieta e decidida, saiu ao en-
contro de Jesus, enquanto Maria, mais do tipo emocional e humana,
permaneceu em casa, em silncio, interrompido por soluos e choro
(v. 33). Quis Marta forar Jesus a uma deciso? Pode ser. Sempre que
a vontade humana quer se impor a Deus e Deus no cede, podem
haver decepes. Foi no caso do profeta Elias. Ele, aps ter mandado
matar os profetas de Baal, achou que a rainha e os idlatras se ren-
deriam vontade de Deus e Israel seria um pas temente a Deus
outra vez aps o milagre da descida do fogo do cu. Nada disso
aconteceu, pelo contrrio, e ele, por temer a perseguio e a morte,
fugiu. Neste perodo de fuga, ele experimentou profunda decepo
com Deus (?) e entrou num estgio que hoje chamamos de depres-
so.
Marta queria apressar as coisas? Pelo jeito, sim. De alguma forma,
ela acreditava, Jesus daria um jeito de contornar a situao doloro-
sa. Mas quis interferir em Deus ser Deus.
Vv. 23,24: A questo da ressurreio tem sempre os dois lados:
Do primeiro est Deus, o Criador todo-poderoso. Com sua palavra ele

276
DCIMO STIMO DOMINGO APS PENTECOSTES

criou os cus e a terra. A palavra de Deus a pea chave para enten-


dermos o universo como tendo sado das mos do Senhor dos cus e
da terra. de fundamental importncia crer na criao do universo. E
neste processo da criao Jesus tomou parte ativa. Joo declara no
comeo do seu evangelho que o Verbo (Jesus) era Deus... Todas as
coisas foram feitas por intermdio dele (Jo 1.1-3).
E aqui encontramos o Verbo falando a Marta da segunda grande
criao: a ressurreio dos mortos. Jesus, para provar sua divindade,
operou algumas ressurreies, como esta de Lzaro, que aconteceria
na sequncia. desta ressurreio para uma vida fsica provisria
que Jesus aqui fala a Marta, mas ela entende a ressurreio como
algo do fim dos tempos. Entre os judeus, a doutrina da ressurreio
no tinha aceitao livre. Os saduceus no criam nela. E entre os
demais povos ela era tida como algo do outro mundo, algo para no
ser crido. Por isso Paulo, quando falou dela aos atenienses no
arepago, foi largamente zombado, e ele at perdeu a linha.
A doutrina da ressurreio, fundamental para a f crist, tendo
Jesus como as primcias dos ressuscitados, est ancorada e basea-
da sobre o princpio criador de Deus. Quem cr na criao obrigatori-
amente tem que crer na ressurreio, que no deixa de ser uma se-
gunda (pequena) criao no fim dos tempos. Nesta Marta acreditava.
Ela at podia crer na ressurreio l na frente (juzo final). Mas crer
que Jesus poderia trazer de volta vida o seu irmo h quatro dias j
sepultado? Bem, a a questo complica para ela.
assim para ns. Hoje ns cremos to facilmente nos milagres de
Jesus e cremos na ressurreio dos mortos. E se Jesus estivesse agora
presente entre ns, no momento de um velrio, creramos ns que
Jesus poderia levantar do caixo a pessoa morta? a questo do
racionalismo sempre presente que tenta interferir na ao de Deus.
Foi o que Marta quis fazer. O jeito foi e crer na palavra de Cristo
(Deus). O resto se sucede.
Vv. 25-27: Marta aceitou a declarao de Jesus sobre a ressurrei-
o como um lugar comum de consolao. Mas a sua incompreenso
provocou um dos grandes eu sou de Jesus, no qual Marta finalmen-
te creu, antes mesmo do milagre.

PROPOSTA HOMILTICA

O Deus Criador, Salvador e Santificador o eterno EU SOU


1. O Eu sou criou pela palavra tudo do nada.
2. O Eu sou (re)criar tudo outra vez pela palavra no dia da
ressurreio dos mortos.

277
IGREJA LUTERANA

3. Abandonemos a razo cega e creiamos no Verbo que a


ressurreio e a vida.
4. Pela angstia da morte vida no Ressuscitado.

Heldo E. Bredow
Curitiba, PR

278
DCIMO OITAVO DOMINGO
APS PENTECOSTES
Dcimo Stimo Domingo Aps Trindade
Salmo 116.12-19; Gnesis 8.18-22; Glatas 3.26-28; Mateus 26.26-
29 ou Marcos 14.22-25

Mateus 26.26-29

CONTEXTO (CENRIO LITRGICO, HISTRICO)

A misso de Jesus est chegando ao seu ponto mximo: a sua


morte na cruz. Ele j havia instrudo seus discpulos em como seria o
juzo final. Por isso, motiva a todos ao preparo constante e adequado
para aquele grande dia. O cenrio, passo a passo, vai sendo
construdo: j havia um plano para matar Jesus; em Betnia uma
mulher derrama perfume sobre Jesus (uma referncia ao sepultamento
dele); depois vem a traio de Judas (a revelao desse aconteci-
mento se d quando Jesus e os discpulos esto reunidos comemo-
rando a Pscoa; ali Jesus fala abertamente que um deles vai tra-lo);
durante a comemorao, Cristo institui a Santa Ceia (a nova aliana);
depois disso, Pedro avisado da sua negao; Jesus conversa com o
Pai no jardim do Getsmani; ele preso e levado ao conselho superi-
or; o aviso da negao de Pedro se cumpre; e j no captulo 27 de
Mateus lemos o desfecho da obra de Jesus pelos seres humanos.
Importante notar que durante a ceia pascal que Jesus institui a
Santa Ceia. Com isso, ele reafirma a importncia da ceia no Antigo
Testamento. Agora, porm, os sofrimentos de Cristo, a sua morte e o
seu sangue formariam a nova aliana. Ou seja, estava chegando o
momento histrico, prometido por Deus desde Ado e Eva, do sacrif-
cio perfeito e definitivo. No haveria mais a necessidade de sacrifcios
de animais. A morte do Cordeiro agora a garantia do perdo. Tanto
a ceia pascal quanto a Santa Ceia instituda por Jesus mostram a
ao de Deus pelos seus filhos, em momentos histricos distintos: o
povo que vivia na esperana da vinda do Salvador, e o povo que con-
viveu com Jesus, bem como aqueles que vivem na certeza de que o
Salvador j veio e que um dia voltar.

NFASES, EXPRESSES QUE SE DESTACAM, ANLISE

Instituindo a Santa Ceia, Jesus est dando aos seus discpulos os

279
IGREJA LUTERANA

frutos do seu sofrimento. O seu corpo que foi dado e o seu sangue
derramado eram o anncio de muitas bnos para aqueles que con-
fiaram nele. Jesus abenoa o po e o vinho, ou seja, consagra e se-
para esses elementos externos e visveis para um santo propsito.
Esse propsito est claro no versculo 28, para remisso de peca-
dos. No entanto, as grandes dvidas levantadas sobre a instituio
da Ceia do Senhor esto nestas palavras: [...] isto o meu corpo
[...], [...] isto o meu sangue [...]. Algumas interpretaes surgi-
ram representao, simbolismo, transformao o que Jesus
quis dizer? Ele quis dizer o que de fato disse. Jesus falava com preci-
so. Ele sabia fazer clara distino quando falava simbolicamente e
quando falava literalmente. Ele no tinha uma comunicao confusa.
Quando Jesus queria fazer comparaes, usava expresses como
essa: O Reino de Deus como.... E quando instituiu a Santa Ceia,
ele usou expresses claras, isto o meu corpo, isto o meu san-
gue. Embora para a razo humana isso seja incompreensvel, para a
f no o . Por isso, submetemos a razo nossa f. Pois acredita-
mos que a Palavra de Jesus verdade. Logo, podemos confessar com
Martinho Lutero em seu Catecismo Menor: A Santa Ceia o verda-
deiro corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, para ser comido
e bebido, sob o po e vinho, por ns cristos. E assim temos: o po
e vinho so os elementos visveis e terrenos, e o corpo e o sangue de
Cristo so os elementos celestes. No versculo 29 do texto, Jesus j
fala do futuro eterno e feliz no Reino do Pai. Ele j est visualizando o
banquete no cu. Este banquete ele deseja repartir com todos ns:
[...] hei de beber, novo, convosco [...]. A instituio da Santa Ceia
uma expresso da suprema certeza que o Senhor tinha da vitria,
antes do seu conflito final. Tambm o de como o Senhor transfor-
mou o Antigo Testamento no Novo. uma mensagem de esperana
e confiana na misericrdia, na graa e no amor de Deus que a todos
quer salvar.

PARALELOS, PONTES, PONTOS DE CONTATO

A Santa Ceia o novo testamento que Jesus deixou para todos


ns, os pecadores, a sua igreja. Assim como deixamos um testamen-
to para que algum seja beneficiado com a nossa atitude, Jesus tam-
bm deseja que todos aqueles que crem nas palavras Dado e der-
ramando em favor de vs para a remisso dos pecados recebam
todos os benefcios de seu sacrifcio, morte e ressurreio. Assim como
os israelitas viveram fortalecidos com a Ceia Pascal e todo o seu sig-
nificado, agora os cristos vivem na fora que a Santa Ceia lhes d. A

280
DCIMO OITAVO DOMINGO APS PENTECOSTES

Santa Ceia uma refeio especial. Atravs da histria, Deus susten-


tou e abenoou o seu povo atravs de refeies especiais. Refeies
sustentam a vida. Ns comemos para viver. E o nosso sustento vem
unicamente de Deus. Portanto, tanto a nossa vida fsica quanto a
espiritual so sustentadas pela Rocha Eterna que Jesus Cristo. Por
isso, o pecador precisa sentir fome e desejar desfrutar sempre desta
refeio celestial. Jesus o verdadeiro cordeiro pascal que tira os
pecados do mundo (Jo 1.29, 1Jo 1.7). E este cordeiro vitorioso, que
nos abraa pessoalmente com seu corpo e sangue, na Ceia, para
preservar nossa vida no corpo da igreja. Assim como o Senhor Jesus
esteve presente na primeira Ceia, est e estar presente em todas
as outras. Jesus o nico que pode fazer com que a Ceia tenha pro-
veito para o crente. Por isso, a Santa Ceia a grande festa da igreja,
uma festa verdadeira (para nutrimento da vida espiritual), uma festa
sagrada (separada de todo o prazer pecador), uma festa de pacto
(autenticando a redeno), uma festa de amor (unidade dos
redimidos), um banquete festivo (antecedendo a morte, o fim do mundo
e a vinda de Cristo).

SUGESTO DE USO HOMILTICO (ASSUNTO,


OBJETIVO, TEMA, DESDOBRAMENTOS)

fundamental anunciar que a Santa Ceia evangelho puro para o


pecador. O texto nos permite dizer que a Ceia que Jesus instituiu, a
Ceia que celebramos em nossos cultos, uma grande Boa Nova. Pois
atravs dela o nosso Santo Salvador, que est realmente presente
na Ceia, vem se unir a ns, pessoas pecadoras que precisam da sua
santidade. E isso acontece no por mritos nossos, mas pela grande
misericrdia do Filho de Deus que nos amou ao ponto de doar sua
vida por ns. Podemos tambm ensinar que quando vamos Santa
Ceia, estamos admitindo nossa fraqueza, e diante da mesa do Se-
nhor, pela f Nele, nos entregamos e confiamos na sua misericrdia
para nos perdoar e nos salvar de todo o castigo de Deus. Deposita-
mos toda a nossa f em Jesus, por sabermos que Ele o nico a
quem o nosso Deus Pai enviou para salvar os perdidos (Lc 19.10; Jo
3.16-17). Afirmamos ainda que a f em Cristo no nos confunde com
ensinos humanos. Mas, nos d clara certeza das palavras de Jesus:
isto meu corpo, isto o meu sangue. Pela f deixamos a razo
de lado e nos concentramos no que a Ceia , no que ela oferece, no
preparo correto para receb-la (arrependimento e confiana). Tam-
bm pela f, na Santa Ceia somos lembrados das promessas de Deus.
Do texto queremos lembrar tambm a vitria que em Cristo alcana-

281
IGREJA LUTERANA

mos j nesta vida, e definitivamente na eternidade. Na Santa Ceia


somos vencedores atravs de Cristo, o grande vencedor. Por causa
dele, a vitria tambm nossa. Pregamos ainda que a Santa Ceia o
testemunho incontestvel do quanto Jesus ama os pecadores. Por-
tanto, sempre que participamos da Ceia, sentimos e nos lembramos
desse amor por ns. Atravs desse Sacramento, Jesus no quer nos
dar apenas o seu amor, mas tambm recebemos: perdo, fortaleci-
mento da f, vida (Jo 10.10), salvao e vida eterna. E assim somos
capacitados e motivados para tambm mostrar o nosso amor a Deus,
na vida do prximo ao nosso redor (Mt 28.19; Jo 13.14-17, 17.21;
1Co 10.17; Ef 5.1,2). Ainda precisamos lembrar que o amor de Deus
no o deixa, ao contrrio dos seres humanos, quebrar a sua aliana.
O nosso Deus gracioso. Ele conhece bem as nossas sobrecargas e
as nossas fraquezas. Por isso nos ajuda a levarmos o fardo, que para
ele levssimo, mas para ns pesadssimo. A misericrdia de Deus
no mudou. Assim como sempre ajudou seu povo em tempos antigos
(providenciando tudo o que precisavam), ele continua providenciando
todas as coisas atravs de Cristo. E hoje, Deus nos perdoa, alivia e
fortalece todas as vezes que comemos o po e bebemos o vinho con-
sagrados. Na Santa Ceia tambm encontramos a Palavra de Deus
que cria e renova a vida do cristo.

Tema e partes: Venham grande festa da vida.


Instituda por Jesus Cristo. Enfatizando ...
- A Santa Ceia.
- Sombra da Ceia Pascal.
- Isto o meu corpo. Isto o meu sangue.
- Aliana de Deus com o seu povo Sangue da aliana (x 24.8).
- Viso da vida eterna.

Sustentada pela vitria do Senhor. Enfatizando ...


- O nico Cordeiro perfeito.
- Em favor de todos. Precisamos anunciar a todos.
- Testamento de vida.
- Perdo dos pecados. Fortalecimento da f. Salvao. Vida Eter-
na. (Vitrias!)
- Mrito exclusivo de Cristo.
- Por graa, misericrdia e amor, a vitria nossa tambm.

Iderval Strelhow
Porto Alegre, RS

282
DCIMO NONO DOMINGO
APS PENTECOSTES
Dcimo Oitavo Domingo Aps Trindade
Salmo 103.1-14, Deuteronmio 6.4-15, Romanos 13.1-10, Marcos
12.28-34 ou Mateus 22.34-40

Mateus 22.34-40

CONTEXTO

Os fariseus esto empenhados em encontrar algum motivo para


incriminar Jesus. O conflito vai ficando cada vez mais intenso. Neste
contexto, travam-se quatro discusses: (15-22) a pergunta sobre os
impostos; (23-33) a pergunta sobre a ressurreio; (34-40) o texto
em foco, o mandamento mais importante e, (41-46) a pergunta sobre
o Messias.
Na discusso sobre impostos, haveria acusao independente da
resposta de Jesus, pois se afirmasse que os judeus no deveriam
pagar impostos ao imperador romano, as autoridades o prenderiam,
e dizendo que deveriam pagar, o acusariam de traio. J sobre a
ressurreio, preciso lembrar que os saduceus no acreditavam em
ressurreio, embora os fariseus acreditassem (At 4.1,2; 23.6-8). A
sua relutncia em aceitar a autoridade de Jesus sempre os leva aos
ensinos de Moiss. E assim Jesus responde uma a uma as questes,
sem realmente dar a eles oportunidade de acusao fundada.

TEXTO

Quando Jesus resume a lei a uma s palavra amor, embora se-


pare em dois focos, mostra um novo tempo e uma nova forma da
relao com Deus. Uma relao com Deus no a partir de obrigaes
e rituais, mas com uma forma de resposta interior, com todo o ser.
Embora aprendamos sistematicamente que aqui est o resumo do
Declogo, e isso inegvel, para mim a resposta de Jesus vai muito
alm. No se trata de uma nova apresentao da Lei, mas tem tudo a
ver com a resposta dos discpulos Pedro e Joo quando estavam di-
ante do Conselho Superior: Ns no podemos deixar de falar das
coisas que vimos e ouvimos (Atos 4.20). Jesus est dizendo aos
fariseus que no basta cumprir tarefas e rituais, no bastam obras
externas, mas a resposta aos mandamentos de Deus deve brotar de

283
IGREJA LUTERANA

uma vida transformada, de um corao cheio do Esprito Santo, que


movido pela graa de Deus no consegue agir de forma diferente,
seno amando porque ele nos amou primeiro (1 Joo 4.19).
Ainda observando o ensino de Jesus, fica evidente que o amor a
Deus precede o amor ao prximo. E o amor a Deus na intensidade
total (todo) do corpo, da alma e da mente (caso queira enfatizar este
aspecto, recomendo a exegese especfica de cada um dos termos e
seu significado). Na verdade, a forma de demonstrar amor a Deus
passa a ter uma face nova em Jesus. No por meio de obedincia
apenas, mas com a expresso da vida espiritual, da vida emocional e
da vida fsica um estilo de vida. Isto passa a ser apresentado de
forma muito bonita pelo apstolo Paulo quando fala dos dons do Es-
prito Santo, de forma especial em Rm 12.6-13. Neste texto percebe-
mos a ddiva do Esprito para que o cristo possa manifestar o seu
amor a Deus das mais diferentes formas, e diga-se, de formas muitos
simples que por vezes so menosprezadas entre ns cristos (servir,
animar, exercer misericrdia).
J o segundo foco da expresso do amor a Deus tem como alvo a
vida humana. A minha vida e a vida do outro (prximo). Novamente
chamam ateno dois pontos. Este amor agora manifesto em
equidade. Amor a si mesmo e na mesma medida ao prximo. Ele no
com a mesma intensidade do amor a Deus que de todo corao,
alma, fora e mente. O amor a Deus a fora motriz para que aconte-
a o amor a mim mesmo e o amor ao prximo.

PONTOS DE CONTATO

Os fariseus e os saduceus estavam vivendo uma religiosidade ex-


terna, com uma obedincia letra, sem uma renovao espiritual de
suas vidas. Sua perseguio a Jesus no os permitia ouvir e apre-
ender os ensinos, pois estavam sempre preocupados em encontrar
erros, ao invs de ouvir para fortalecer sua f e convico espiritual.
Esta realidade no diferente na vida de algumas pessoas de
nossos tempos. Temos irmos e irms que no faltam a cultos e estu-
dos bblicos, mas sempre esto com a lngua afiada para avaliar os
outros, condenar e at fazer comentrios que no constroem o corpo
de Cristo, nem edificam cristos individuais. Precisamos estar atentos
para deixar a Palavra tambm falar aos nossos coraes, e no ape-
nas a enderear a quem julgamos que deva ouvir este ou aquele
contedo da Palavra. A Palavra sempre tem algo para mim, e no me
autoriza expresses como: Hoje o sermo foi para A, este foi para
B, e, com isso, acaba nunca havendo uma palavra para mim.

284
DCIMO NONO DOMINGO APS PENTECOSTES

A ao recomendada por Jesus a partir da revelao da Lei


(declogo) a de servir de suporte e fora para o crescimento espiri-
tual do outro. O amor como forma de crescimento diante do Senhor. O
amor, no para encobrir erros, mas para fortalecer e construir a vit-
ria sobre o pecado.

POSSIBILIDADE HOMILTICA

Tema: Ame ao Senhor e ao prximo


Introduo: A vida crist relaciona-se com Deus e com o prximo
1. O egosmo e a falta de amor
a. O pecado isola e explora
b. O reflexo da falta de amor na sociedade atual

2. O Mandamento do Senhor: Ame ao Senhor e ao prximo


a. Participamos da manifestao do amor de Deus s pessoas
b. Deus permanece vivo e eficaz na vida dos que crem
c. A essncia de Deus (amor) manifesta-se na essncia da
santificao do cristo (amor)

3. A ao do Esprito Santo atravs dos cristos


a. O Esprito Santo capacita atravs de dons
b. Somos o povo da aliana que testemunha os atos de Deus a
esta gerao
c. O amor de Deus chega ao prximo tambm atravs de ns.

Airton Schroeder
Natal, RN

285
IGREJA LUTERANA

DIA DA REFORMA
Salmo 46, Isaas 55.1-11, Apocalipse 14.6-7, Mateus 11.12-15

Apocalipse 14.6-7

DESTAQUES

Sl 46 Deus se apresenta como esconderijo seguro banhado por


guas que, tranquilas, faz olhar o futuro com alegria.
Is 55. 1-11 Aliana perptua que consiste 1. nas fiis misericr-
dias de Deus ... 2. a palavra que no volta vazia
Mt 11.12-15 Deus levanta do nada aqueles que fazem a sua
palavra ser ouvida. No uma mensagem de poder, fora e violncia
que os homens exercem, mas aquele poder que Deus revela na sua
misericrdia trazendo a paz aos coraes, removendo deles a culpa.

TEXTO (Ap 14. 6,7)

Os textos relacionados focam na ao de Deus. Em datas como a


da Reforma, tem-se a tendncia de concentrar a ateno sobre pes-
soas, suas fraquezas, as faltas e erros e, por outro lado, aqueles que
foram fiis e que, ao final, restaram como testemunhas de Deus. Algo
errado? Aparentemente, no. A no ser pelo fato de que, para o ou-
vinte, fica a impresso de que a histria da igreja feita de viles e
heris. Ser ou no ser da igreja uma escolha de lados? Deste ou
daquele? Certos e errados?
O texto do Apocalipse um texto de olhos fitos no cu, o cu que
est visvel aos olhos dos que vivem neste mundo. O lado de c do
cu mostra o mensageiro de Deus oferecendo um Evangelho eterno,
uma boa notcia que no tem limites de tempo, nem de espao,
incondicionado, livre e libertador. Esta interface entre Deus e humani-
dade a nica viso possvel ao ser humano. Qualquer outra viso
de Deus, qualquer outra tentativa de ver Deus e os cus desencadeia
sobre o ser humano a morte da qual o mensageiro liberta.
Esse mensageiro o mensageiro da vontade de Deus aos ho-
mens. Vontade essa que, sem esse mensageiro, no existe na expe-
rincia do ser humano. Sua experincia lhe fala de outra vontade do
alto. Sua experincia lhe diz sempre e a cada instante que ele um
devedor. Ele v tambm todos ao seu redor como devedores. Olhar
para o alto um ato que desperta medo e at terror.

286
DIA DA REFORMA

Esse o nico modo como a natureza humana olha para o cu:


com medo e terror. Bem por isso toda e qualquer iniciativa religiosa do
ser humano vem impregnada e determinada em abafar esse medo e
terror. Como pode a natureza humana proteger-se?
Lutero ansiava que do cu lhe viesse um sinal de misericrdia,
algo em que pudesse agarrar-se. Mas do cu somente lhe vinha a
noo de ser um grande devedor diante do justo tribunal de Deus.
Tudo nele lhe confirmava essa certeza. E Lutero no estava errado
nisto. E todos os meios que a igreja lhe punha disposio foram
usados e esgotados no esforo de livra-se da culpa da qual se sentia
responsvel.
Essa a palavra: responsvel diante de Deus e do seu juzo. No
somente Lutero. Mas o publicano, no templo. O filho perdido ao lem-
brar-se do pai. Pedro, ao chorar no ptio do palcio. Pessoas que se
deram conta de que sua natureza, sua tendncia ntima e nada mais
era responsvel pela cobia, inveja, soberba e tantas maneiras mais
pelas quais convivemos diante do prximo na famlia, no trabalho e
na sociedade. Como posso olhar para o cu se sou essa pessoa que
eu conheo melhor do que qualquer outro? No podemos estar dian-
te de Deus diferentemente de Paulo: O querer o bem est em mim.
No, porm, o efetu-lo.
A lei de Deus dura. Ela nos arranca da zona de conforto na qual
queremos nos refugiar: No matei, no roubei. Ningum pode me
acusar de nada. Lutero, Paulo, o publicano, o filho perdido e cada um
de ns chamado a sair da zona de conforto e da falsa imagem de
pessoa correta. Mas esta busca no se destina a aterrorizar. Pelo
contrrio. O evangelho eterno garante que, quanto maior o pecado
que encontramos em ns, quanto maior a conscincia da prpria
pecaminosidade, mais intensa e urgente a palavra da boa notcia
que Deus interpe entre ele e o pecador.
Essa boa notcia que o mensageiro de Deus tem para dar vai ain-
da mais alm. Deus anuncia por ele que, alm de nos aceitar e perdo-
ar, Deus ainda nos d a sua justia como manto e cobertura. por
isso que no devemos e no precisamos confiar na nossa capacidade
de fazer o bem. Nem precisamos e no devemos induzir as pessoas a
olharem para ns como se tivssemos capacidades de fazer o bem
que outros no tm. O nosso desejo e esforo de fazer o bem seria
totalmente, ou, melhor, totalmente perdido se Deus no completas-
se e tornasse reais as nossas intenes de fazermos o bem. Deus
que realiza em nos tanto o querer como o fazer coisas boas, completa
o Apstolo.
Nem nos damos conta suficientemente de quanto Deus fiel no

287
IGREJA LUTERANA

atendimento das nossas oraes, especialmente as duas peties


finais do Pai Nosso: E no nos deixes cair em tentao. Mas livra-nos
do mal. Ele, em sua misericrdia e amor, no permite que caiamos na
tentao que se abriga em nosso corao. Ele nos d freios e os
aciona para no cairmos em vergonha e desgraa na dimenso da
nossa capacidade de pecar. A vergonha e todo o mal que se perma-
nentemente nos rondam com apetite de fera esfomeada, segundo a
imagem do leo que Pedro oferece, deixam de ter poder de destrui-
o e de morte que tem sobre a nossa natureza humana.
Este o cu para o qual Deus levanta os olhos do Apstolo Joo.
Ele agora nos convida a olhar tambm e nos alegrarmos com a pre-
sena do mensageiro que oferece essa nova vida ao pecador. Sempre
tempo de olhar para os cus e confessar que nada somos por ns
prprios, ao mesmo tempo em que o corao abriga feliz a palavra fiel
do evangelho que nos cobre de justia e dignidade. Sempre tempo
de olhar para os afastados, os desiludidos da igreja, os perdidos da
casa de Israel, os cados, os que esto de luto e convenc-los de que
no h mais motivo de estarem afastados, temerosos, ou em angs-
tia e dvida. Em Deus mais graa temos, diz o hino.
Ao mesmo tempo importante descrever com coragem e clareza a
natureza humana para que as pessoas no se iludam pensando que
a justia que ostentam os torna melhores ou superiores a qualquer
pessoa cujo erro notrio. Pois o mensageiro com um evangelho
eterno de todos e de cada um que abriga a mensagem de consolo
no ntimo e nela confia.
Olhar para o cu e reconhecer o evangelho eterno escrito com o
sangue do Cordeiro um privilgio a partir do qual olhamos com no-
vos olhos para o mundo que nos cerca. No mais o mundo com
esperanas e projetos humanos, falveis e passageiros. No estamos
mais sujeitos a promessas que nunca se realizam e sempre se repe-
tem. As promessas agora so promessas de Deus. As garantias so
as garantias de Deus. E sobre o mundo que, no pecado, se encami-
nha para destruio, vemos o mundo que vem ao nosso encontro
pelas mos do Cordeiro de Deus. A paz e a harmonia que nos aguar-
da, e que j ocupa os nossos coraes, so a paz e harmonia que j
tentamos viver e praticar entre ns e, especialmente, com aqueles
que ainda queremos ajudar a olhar para o cu assim como o evange-
lho eterno nos fez ver o cu.

288
DIA DA REFORMA

SUGESTO PARA ORGANIZAO DO MATERIAL

Tema: Reforma, um novo olhar para o cu


1. Numa realidade marcada pela culpa, veja o evangelho eterno
2. Numa realidade que se encaminha para o juzo, o cu vem ao
nosso encontro.

Paulo Weirich
So Leopoldo, RS

289
IGREJA LUTERANA

ANTEPENLTIMO DOMINGO
DO ANO ECLESISTICO
Salmo 114, xodo 32.1-6 (7-14) 15-20, Romanos 14.7-11, Mateus
24.15-28 ou Lucas 17.20-24 (25-30)

Lucas 17.20-30

Contexto
Lucas inicia seu evangelho dizendo: [...] conforme nos transmiti-
ram os que desde o princpio foram deles testemunhas oculares, e
ministros da palavra, igualmente a mim me pareceu bem, depois de
acurada investigao de tudo desde sua origem, dar-te por escrito,
excelentssimo Tefilo, uma exposio em ordem, para que tenhas
plena certeza das verdades em que foste instrudo (Lc 1.2-4). Como
em toda Escritura, em Lucas fica ntido que o evangelho universal.
No h barreiras entre judeus e gentios, entre escravos e libertos,
entre homens e mulheres. Os fatos do captulo dezessete ocorrem no
terceiro ano do ministrio de Jesus, no territrio da Judia, onde Je-
sus passava por cidades e aldeias, ensinando, e de caminho para
Jerusalm (Lc 13.22). Muitas pessoas vinham a Jesus com perguntas,
como a que ocorre no incio do texto.

Texto
Vv. 20 e 21: Jesus tem sua frente alguns fariseus. A pergunta
quando ia chegar o Reino de Deus os incomoda. Por isso fazem-na
a Jesus. Jesus responde que o Reino de Deus no pode ser identifica-
do visivelmente, mas est dentro das pessoas. A palavra grega ents
significa dentro ou entre. Almeida e NTLH usam o primeiro senti-
do. O texto de 1Co 3.16 nos ajuda a clarificar a resposta de Jesus.
importante que relembremos o conceito de Reino de Deus. Algumas
peculiaridades no Antigo Testamento, Novo Testamento e quanto
vinda futura do Reino.

Conceito de Reino de Deus


A Igreja, que a congregao de todos os crentes entre os quais
o Evangelho pregado puramente e os santos sacramentos so ad-
ministrados de acordo com o evangelho, participa do reino de Deus.
H uma relao pessoal entre Deus como Rei e o indivduo como sdi-
to. Este reino de Deus no qual os cristos participam, e que perpassa
todo o Antigo Testamento, manifestou-se de forma toda especial em

290
ANTEPENLTIMO DOMINGO DO ANO ECLESISTICO

Jesus. Este reino est presente nos cristos hoje e ser manifestado
em esplendor, glria e poder no retorno de Cristo. Scharlemann defi-
ne reino de Deus dizendo: O reino de Deus pertence ao plano de
nosso Pai Celeste que ele designou por toda a eternidade como nos-
so caminho de salvao. Lutero, na Segunda Petio, no Catecismo
Maior, fala sobre Reino de Deus dizendo que Deus enviou seu Filho,
nosso SENHOR, ao mundo, para nos redimir e libertar do poder do
diabo e nos levar a ele para que nos governe como rei da justia, da
vida e da bem aventurana, contra o pecado, a morte e a m consci-
ncia. Este reino independente de relaes temporais e espaciais.
Quando pelos meios da graa Palavra e Sacramento a f invade
os coraes, pelo poder do Esprito Santo, o Reino torna-se uma rea-
lidade presente, havendo relao pessoal de Deus com o indivduo.

Reino de Deus no Antigo Testamento


No Antigo Testamento, Deus visto, frequentemente, como um
Rei e dito que ele governa ou governar como Rei. Em nenhuma
parte do Antigo Testamento se encontra a locuo Reino de Deus
como conceito corrente. No entanto, a presena do Reino de Deus
est em todo o Antigo Testamento ativamente na vida de seu povo.
Dois textos do Antigo Testamento so de suma importncia para se
conceituar Reino de Deus. So os textos de xodo 19.5,6 e Daniel
7.22-27. A presena do Reino de Deus entre o seu povo do Antigo
Testamento torna-se evidente em inmeros atos de livramento e na
promessa do Livramento Maior. Duas caractersticas deste Reino so
importantes lembrar: Como primeira, o Reino de Deus graa. No
vem em resposta aos feitos dos homens. inteiramente criao e
poder de Deus. Deus escolheu Israel unicamente porque Ele amou a
Israel (Dt 7.8), nenhum mrito da parte de Israel havia na escolha.
Como segunda caracterstica deste Reino, o fato de que Deus esco-
lheu habitar com seu povo. O livro de xodo comea com a histria da
libertao de Israel do Egito e vai at a construo do Tabernculo, a
tenda do encontro. Ali foi o lugar que Deus dignou-se a usar como
lugar de sua graciosa presena. Pelos profetas fica claro que o verda-
deiro Reino de Deus, em sua plenitude, viria nos ltimos dias.

Reino de Deus no Novo Testamento


No se pode falar da presena do Reino de Deus em Jesus sem
mencionar Joo Batista e sua mensagem de proximidade do reino
dos cus (Mt 3.2; Mc 1.15). Joo Batista iniciou seu ministrio prof-
tico em pleno deserto da Judia. A temtica da pregao era o arre-
pendimento e o anncio da proximidade do Reino dos cus. O arre-

291
IGREJA LUTERANA

pendimento como transformao do corao e da mente pela prega-


o da Palavra de Deus, e a proximidade do Reino dos cus, como
concretizao da vinda do Messias. Ou seja, o incio dos tempos do
fim (Jo 18.36). A pregao de Joo Batista era voltada para o Messi-
as. Joo Batista veio como precursor, anunciando que o Reino de Deus
estava prximo. Jesus veio para proclamar que o Reino de Deus esta-
va presente. Essa vinda presente o mistrio do Reino de Deus (Mc
4.11). O Reino de Deus no vem de maneira visvel, mas
absconditamente, atravs da ao humana de um semeador. No pode
ser conquistado por obra humana, mas somente ser encontrado. As
parbolas de Jesus sobre o reino se dirigem a todos; mas apenas os
que o seguem compreendem a causa em questo. Jesus veio como
servo de Deus para levar sobre si os pecados da humanidade. Jesus
escolhe um novo povo para levar a mensagem da salvao adiante.
Escolhe os discpulos aos moldes do povo do Antigo Testamento, os
escolhe em seu amor para seus propsitos. Eles eram remanescen-
tes em Israel. A graa de Deus tornou-se manifesta na expanso do
Reino por ocasio do Pentecostes (At 2.1-41). Scharlemann diz que
essa comunidade de Pentecostes tornou-se a Igreja como ltimo gran-
de ato redentor de Deus na histria. Deus passou a habitar com seu
povo no mais em tabernculo, como no Antigo Testamento, mas em
Palavra e Sacramento. Deste modo, seu domnio tem vindo a ns
pelo Evangelho que proclamado. A Igreja tem sido criada para vida
e nova dimenso de uma vida feita de amor, paz, pacincia, perdo e
sofrimento.

A VINDA FUTURA DE REINO DE DEUS

O reino de Deus do qual os cristos do Antigo Testamento partici-


param, do qual os cristos do presente participam, no se restringe
ao j agora, mas ao ainda no, por ser tambm uma realidade
futura. Desde o Antigo Testamento temos claramente a perspectiva
da vinda futura do Reino de Deus relacionada com a segunda vinda
de Jesus, O Dia do Senhor (Dn 7.27) e a criao dos Novos cus e
nova terra (Is 65.17). O Antigo Testamento rico em apontar para o
futuro escatolgico. O Novo Testamento confirma o Antigo Testamen-
to nesta perspectiva fazendo aluso desde os evangelhos onde Je-
sus conta vrias parbolas do reino, passando por vrias aluses
nas cartas e culminando de forma especial com as referncias do
Apocalipse. Um dos textos de referncia vinda futura do Reino de
Deus o que estamos abordando, com nfase para Lucas 17.24.
Vv. 22 a 24: Jesus passa, como diz o texto, a falar aos discpulos.

292
ANTEPENLTIMO DOMINGO DO ANO ECLESISTICO

O Reino de Deus est presente na pessoa de Jesus. Tm eles a opor-


tunidade de conviver com ele como discpulos para mais tarde serem
designados como apstolos. preciso ter cuidado com os falsos pro-
fetas e as falsas mensagens (2Pe 2.1,17). O Dia do Senhor vem re-
pentinamente como ladro (2Pe 3.10). H avisos num crescendo ao
longo dos tempos Mt 24.5-14,37-39; Lc 21.8,18,17; 2Ts 2.3,4). Um
incrdulo disse certa vez a um cristo que testemunhou sua f falan-
do sobre a segunda vinda de Jesus: Vou ficar de olho no que voc
me falou sobre a volta de Jesus. Se realmente ele vier, assim que v-
lo vou acreditar. O v.24 de nosso texto descarta qualquer possibili-
dade para tal. Jesus vir repentinamente e visvel a todos. Hebreus
11.1 define bem o que f.
V. 25: A linha vermelha que perpassa toda a Escritura sobressai
aqui, enfatizando o pice da misso do Filho (Jo 3.16), seu sofri-
mento vicrio em favor de toda a humanidade pecadora. O amor de
Deus em Cristo Jesus fica evidente.
Vv. 26 a 29: Nos referidos versculos, Jesus traa um paralelo
chamando a ateno para o dilvio (Gn 7.6-24) e a destruio de
Sodoma (Gn 18.20-19.25). A vida do povo transcorria em uma nor-
malidade em comer, beber, casar, comprar, vender, plantar, construir,
no dando ouvidos ao alerta de destruio. A oportunidade no dil-
vio foi de 120 anos de tempo para arrependimento, at que veio o
castigo.
V. 30: Apesar do registro no Antigo Testamento, tanto do dilvio
como da destruio de Sodoma, e tendo a Escritura o propsito
conforme diz em 2 Timteo 3.16 til para o ensino, para a repreen-
so, para a correo, para a educao na justia, Jesus deixa claro
que muitas pessoas continuaro em sua normalidade de vida no
dando ouvidos ao chamado ao arrependimento e confiana nele como
Salvador e em sua Palavra por ocasio de sua segunda vinda. Sofre-
ro o castigo eterno.

APLICAO

O povo de Deus prestes a partir desse mundo a qualquer hora, ou


a presenciar a volta de Jesus, jamais deve esquecer-se dos grandes
feitos do Senhor para com o seu povo (Sl 114). Cada um convidado
a olhar para a sua vida e enxergar o que Deus fez em termos de
famlia, Igreja e sociedade. Reconhecer o que est escrito em
Lamentaes 3.22,23: As misericrdias do Senhor so a causa de
no sermos consumidos, porque as suas misericrdias no tm fim,
renovam-se cada manh; grande a tua fidelidade. Dias turbulentos

293
IGREJA LUTERANA

o povo do Antigo Testamento passou. No diferente hoje. No o


ser no futuro. Por isso confortador saber, conforme Mateus 28.20b:
Eis que estou convosco todos os dias at consumao do sculo.
O mau exemplo do povo de Israel ao p do monte Sinai, conforme
xodo 32.1-14, sirva de um exemplo a no ser seguido. Que as
palavras de Romanos 14.7-11 sejam o viver dos filhos de Deus inclu-
dos no Reino j desde o batismo. Agradecidos pelos ensinamentos
de Jesus de maneira to clara e com exemplos marcantes, possamos,
em arrependimento e f, continuar a caminhada de nossas vidas pre-
parados, testemunhando do que vimos e ouvimos (At 4.20), cien-
tes de que: [...] aquele, porm que perseverar at ao fim, esse ser
salvo (Mc 13.13).
Tema: O Reino de Deus est dentro de vs.

Guilherme Rodolfo Hasse Becker


Cachoeirinha,RS

294
PENLTIMO DOMINGO
DO ANO ECLESISTICO
Salmo 143.1-10, Jeremias 8.4-7, Romanos 8.18-23 (24-25),
Mateus 25.31-46

Mateus 25.31-46

LEITURAS

Salmo 143. 1-10 Destacamos o versculo 10: Ensina-me a fazer


a tua vontade. Temos aqui um apelo em direo santificao, que
o tema doutrinrio central do evangelho (Mt 25. 31-46). Guie-me o
teu bom Esprito nos remete aos frutos do Esprito (Gl 5. 22) que
resultam naquele tipo de vida que merece o e-logio de Jesus (
).
Jeremias 8. 4-7 O profeta lana um apelo de Deus ao seu povo
no sentido deste povo migrar para o Senhor. Assim como as migratrias
da Palestina, citadas no versculo 7, tambm o povo chamado a
voltar-se para Deus. O motivo da volta vem da conscincia que existir
um julgamento fiel. As premissas do julgamento so clareadas pelo
Senhor em Mt 25.
Romanos 8. 18-23 (24,25) O apstolo aponta para o que resta
no final da caminhada da f (v.17) seremos glorificados com Cristo.
Somos filhos e herdeiros de Deus. A nossa herana j pode ser
administrada aqui e agora. Todo o benefcio do sacrifcio de Cristo na
cruz j nosso. As virtudes esperadas dos filhos de Deus (cf. o
evangelho Mt 25) j podem ser administradas por eles aqui e agora
enquanto aguardam o recebimento da herana final.
Mateus 25. 31-46 Estamos no contexto do grande discurso
escatolgico de Jesus. Jesus est preparando seus seguidores para
sua segunda vinda. O captulo 24 de Mateus j vem sendo uma
preparao que serve de transio proftica para a segunda vinda de
Cristo. Jesus vem falando sobre alguns sinais caractersticos da sua
segunda vinda. Estes sinais tm um direcionamento proposital: Jesus
parte do amplo e generalizado para o particular. H a um convite a
no sermos curiosos apenas com o que acontecer no universo, ou o
que precisa acontecer fora de ns, mas estarmos atentos ao que
precisa acontecer e ao que vai acontecer efetivamente conosco. A
passagem pelo julgamento ser individualizada, os sinais mais

295
IGREJA LUTERANA

extraordinrios dos tempos do fim podero ser os sinais que cada


filho de Deus e crente em Cristo poder deixar em suas aes.

TEXTO

V.32: Todos sero reunidos e separados. O conceito aplicado ao


verbo separar (chorizo) nos mostra uma separao a partir de
diferenas que possam ser observadas. A separao das pessoas
ser feita com base naquilo que foi observado, pelos sinais deixados,
pelas coisas feitas, pelo tipo de vida que levaram. Ovelhas e cabritos
sero separados.
Hoje ns andamos juntos e podemos at ser parecidos: misturam-
se cristos, meio-cristos, no-cristos, caridosos, benfeitores,
solidrios e outros que apresentam sinais externos semelhantes. O
Filho do homem conhece a diferena e sabe fazer a separao.
V. 34: Ento dir: Vinde benditos do meu pai. Benditos
bemfalados, abenoados, de boa moral, e-logia elogiados.
Quando Abrao foi chamado para o acordo com Deus e representar
a Igreja, ele ouviu: S tu uma bno. O povo de Deus que estar
diante do trono, esse povo que foi chamado para fazer da sua vida
algo elogivel, que simbolize bno para quem est no seu convvio.
Temos o convite para sermos uma bno na vida do prximo, um
Cristo na vida do outro (Lutero). Dos dez mandamentos, sete
recomendam um tipo de vida elogivel em relao ao prximo. Sero
trazidos para perto de Jesus estes que podem ser chamados de
benditos, elogiveis.
Vv. 35,36: Pois tive [...] estive [...] era [...]. Jesus elenca situaes
em que se colocam diante de ns oportunidades para fazermos coisas
elogiveis, situaes para demonstrarmos amor ao prximo. Jesus
est enumerado as diferentes oportunidades de exercitar a
santificao.
Podemos agregar aqui os textos de Romanos 1. 17: O justo viver
da f e Tiago 2. 14: Qual o proveito, irmos meus, se algum disser
ter f mas obras no tiver? (... a f se consuma pelas obras... [v. 22].
Crer, at os demnios crem [v. 19]).
Jesus enftico na santificao. Parece muito claro que o tipo de
vida que levamos na prtica ter um peso decisivo na hora e no processo
de separao dos benditos e dos malditos. Jesus est falando das
recompensas, da fidelidade e da prtica das obras crists. H aqui um
convite a sermos protagonistas das nossas vidas de filhos de Deus,
justificados e potencializados pelo Esprito Santo. Percebemos tambm
o eco da histria do Bom Samaritano: Vai tu e procede de igual modo.

296
PENLTIMO DOMINGO DO ANO ECLESISTICO

Temos aqui duas dimenses dos juzos de Deus. O juiz das obras
dos cristos (1Co 3. 10-17 e 2Co 5.9,10) e o juzo dos mpios (Ap. 20.
11-15). (Confira notas homilticas da Bblia Shedd Vida Nova).

Alcione Eidam
Cachoeirinha, RS

297
IGREJA LUTERANA

LTIMO DOMINGO
DO ANO ECLESISTICO
Domingo do Cumprimento
Salmo 130; Isaas 65.17-25; 2 Pedro 3.3-4, 8-10, 13
ou Apocalipse 21.1-7, Mateus 25.1-13

Mateus 25.1-13

CONTEXTO (CENRIO LITRGICO, HISTRICO)

Uma parbola, contada pelo prprio Jesus, retratando os costu-


mes judaicos para o casamento.

NFASES, EXPRESSES QUE SE DESTACAM, ANLISE

Fiquem vigiando...(v.13). Tem como propsito lembrar a importn-


cia de estar preparado para a segunda vinda de Cristo, no juzo final.

PARALELOS, PONTES, PONTOS DE CONTATO

Esse texto aparece somente em Mateus, mas pode ser trabalha-


do em paralelo com o texto de Lucas 12.35-37.

TEMA

Fiquem vigiando porque vocs no sabem qual ser o dia e a hora


(v.13).
Nesses tempos modernos, uma das regras mais importantes da
vida humana estar preparado. Estar preparado profissionalmente,
psicologicamente, financeiramente, etc. Estar preparado pode ser o
diferencial entre o ter e o perder; entre a vitria e a derrota, entre a
vida e a morte. Estar preparado, por exemplo, para um comerciante,
pode significar: estar atento s tendncias do mercado. Para um ven-
dedor pode significar: estar atualizado com tcnicas de vendas e as
necessidades dos clientes. Estar preparado para um motorista pode
significar: estar com a documentao e o veculo em dia. E, para o
cristo, o que significa estar preparado?
O evangelista Mateus escreve: [...] fiquem vigiando porque vocs
no sabem qual ser o dia e a hora (Mt 25.13). A palavra vigiando tem
vrios significados, entre os quais: observar atentamente, espreitar,

298
LTIMO DOMINGO DO ANO ECLESISTICO

velar, cuidar, etc. (Minidicionrio da Lngua Portuguesa Silveira Bueno).


Essas palavras aplicadas vida do cristo mostram como deve ser o
viver de um filho de Deus.
A histria contada por Jesus, que leva o ttulo A parbola das 10
virgens, um exemplo clssico do que faziam as moas convidadas,
no momento que antecedia o casamento.
Para que possamos compreender a mensagem do evangelho, pre-
cisamos conhecer, primeiro, um pouco da cultura e da tradio do povo
judeu da poca de Jesus. Por isso, importante lembrar que o casa-
mento tinha trs estgios bem distintos:
Primeiro vinha o COMPROMISSO, quando era fei-to um contrato
formal entre os respectivos pais da noiva e do noivo. A este seguia-
se o NOIVADO, cerimnia feita na casa dos pais da noiva, quando
promessas mtuas eram feitas pelas partes contratantes diante de
testemunhas, e o noivo dava presentes sua prometida. O homem e
a mulher ficavam unidos um ao outro pela cerimnia de noivado, ape-
sar de ainda no serem de fato marido e mulher; na verdade, to
obri-gatrio era o noivado que, se o homem morresse durante o per-
odo de noivado, a mulher era considerada viva; o cancelamento de
um noivado no era permitido; se, porm, acontecesse tal coisa, era
seme-lhante a um divrcio. E, finalmente, depois do transcurso de
cerca de um ano, havia o casamento, quando o noivo, acompanhado
dos seus amigos, ia buscar a noiva na casa do seu pai e a levava em
cortejo de volta para sua casa, onde se fazia a festa de casamento.
bem provvel que seja este o cortejo das dez jovens da histria con-
tada por Jesus. Provavelmente elas fossem as damas de honra ofici-
ais da noiva, ou criadas do noivo, ou filhas de amigos e vizinhos [...]
TASKER, R.V.G. Mateus: Introduo e Comentrio, p. 184).
Em destaque na parbola contada por Jesus est o fato de essas
jovens no saberem o momento que o noivo iria chegar ao local da
festa. Isso exigia que elas ficassem atentas, velando, cuidando... Qual-
quer descuido poderia significar um grande vexame e vergonha para
elas e para suas famlias.
fcil perceber o ponto de ligao da parbola contada pelo Mes-
tre com a vida do cristo. O crente no s vive uma noite de espera
pelo noivo, mas vive toda a sua vida na espera do momento em que
vai se encontrar com Ele, o seu Salvador. E, assim, como o descuido
de algumas das moas representou um desastroso fim de festa, para
ns, cristos, o descuido, o no estar preparado pode significar um
triste, sofrido e eterno afastamento da grande festa preparada para
os convidados de Deus, ou seja, a vida eterna no cu.
O cristo, mesmo sabendo que foi chamado pelo Esprito Santo de

299
IGREJA LUTERANA

Deus a crer e que nada do que ele possa fazer lhe atribudo como
mrito para sua salvao, se preocupa e procura estar preparado. O
cristo leva a srio a advertncia do apstolo Pedro, que diz: Estejam
alertas e fiquem vigiando porque o inimigo de vocs, o Diabo, anda por a
como um leo que ruge, procurando algum para devorar (1 Pedro 5.8).
Para o cristo, perder a grande festa no cu desperdiar todo o
sacrifcio de Jesus em seu favor e em favor de toda humanidade.
subestimar o Diabo e suas armadilhas.
Estar preparado , em primeiro lugar, estar ciente de que todos
so pecadores e que os erros e falhas impedem a todos de entrar na
vida eterna. Estar preparado reconhecer que por esses pecados o
ser humano merece nada mais do que o desprezo e a condenao de
Deus. Estar preparado alimentar o corao e a mente com a palavra
de Deus atravs de leituras bblicas, reflexes e a participao de
cultos e estudos bblicos. Estar preparado ser capaz, pela f e pelo
poder do Esprito Santo, confessar para as pessoas a sua confiana
em Jesus. Estar preparado, acima de qualquer coisa, um estado de
confiana, confiana em Deus.
Uma segunda coisa muito importante que essa parbola nos re-
vela, que a salvao individual, ou seja, eu, com a minha f, no
posso salvar outra pessoa. Isso nos revelado na resposta per-
gunta: Dem um pouco de leo para ns, pois as nossas lamparinas
esto se apagando, que as moas sem juzo fizeram para as moas
prudentes. E a resposta: De jeito nenhum [...] O leo que ns temos
no d para ns e para vocs nos lembra de que ningum vai entrar na
vida eterna com o azeite, ou a f de outra pessoa.
Assim, por mais que amemos ou gostaramos de poder salvar, com
a nossa f, aquelas pessoas que amamos e que esto nossa volta,
mas que, por um ou outro motivo esto afastados de Cristo, no po-
demos. O que podemos fazer estimular, animar, motivar e criar opor-
tunidades, colocando-as em contato com a palavra de Deus, para que
o Esprito Santo possa agir nelas.
Prezados irmos, as palavras: [...] fiquem vigiando porque vocs
no sabem qual ser o dia e a hora (Mt 25.13), ao mesmo tempo que
soam como advertncia, nos lembram que o Salvador vir. Isso si-
nal de que aquilo que a Bblia nos diz verdade e que as promessas
de Deus vo se cumprir.
Neste domingo, o ltimo domingo do ano da Igreja Domingo
do Cumprimento lembramos tambm que no prximo final de sema-
na inicia o perodo do Advento o qual nos prepara para a primeira
vinda de Jesus, como criana prometida para cumprir a grande misso
de Deus, salvar a humanidade.

300
LTIMO DOMINGO DO ANO ECLESISTICO

Que ns saibamos centrar nossos pensamentos e aes no que,


de fato, o mais importante: o menino Jesus. E que este Menino
encontre a todos preparados, afinal: [...] vocs no sabem qual ser o
dia e a hora (v.13) que o Salvador vai voltar.
Que estas palavras fortaleam a vossa f e os animem frente
aos desafios de vossa vida. Em Jesus Cristo, Amm.

Sergio Lauri Patzer


Capo da Canoa, RS

301
IGREJA LUTERANA

AO DE GRAAS
Dia Especial
Salmo 65, Isaas 61.10-11, 1 Timteo 2.1-8, Lucas 17.11-19 ou
Mateus 6.24-34

Mateus 6.24-34

CONTEXTO

Mt 6.19-34 Jesus convida seus seguidores para que ponham


em primeiro lugar na sua vida o Reino de Deus e aquilo que Deus quer
(v. 33). Deus no tolera rivais. Nem riquezas ou dinheiro (vv. 19-24),
nem mesmo as preocupaes (vv. 25-34) podem tomar o lugar de
Deus e a confiana nele (Bblia de Estudo NTLH). A percope faz parte
do Sermo do Monte, no qual Jesus destaca os privilgios e as res-
ponsabilidades daqueles que so os cidados do Reino do Cu.

TEXTO

Almeida coloca dois ttulos para a percope: para o versculo 24 os


dois senhores e para os versculos 25-34 a ansiosa solicitude pela
vida. A NTLH coloca a percope completa sob o ttulo Deus e as ri-
quezas.
Jesus nos coloca nesta percope diante da deciso de servir a Deus
ou servir s riquezas. Para isto faz a comparao de um servo a ser-
vio de dois senhores. O resultado seria dedicar-se a um e desprezar
o outro. A concluso que Jesus faz a esta comparao que no
possvel servirmos a Deus e s riquezas ao mesmo tempo. No h
como conciliar ambas as coisas: se nosso dolo a riqueza, ento no
possvel servir a Deus.
Segue-se o conselho de Jesus sobre as preocupaes com o sus-
tento da vida. O avarento, apegado ao seu dinheiro, tem falta de
confiana em Deus e esta falta de confiana vai se mostrar numa an-
siedade pelos cuidados da vida. Comida e vestimenta, o necessrio
para o sustento da vida, no deveriam nos causar ansiedade. Jesus
argumenta do mais importante ao menos importante: No a vida
mais do que o alimento, e o corpo, mais do que as vestes? Deus, que
criou as coisas mais importantes, vai deixar faltar as menos importan-
tes? Preocupao excessiva com comida e vesturio no somente
esquece o Doador de todas as coisas como tambm enfraquece os

302
AO DE GRAAS

membros do corpo de maneira que eles no podem mais cumprir o


trabalho rotineiro dirio.
Os pssaros fazem muito menos do que esperado pelas pesso-
as em providenciar para o futuro. Eles no tm celeiros onde armaze-
nar alimentos para prevenir-se de uma fome vindoura. Pense, por-
tanto, naquele que lhes prov alimento e deles cuida. A mesa dos
pssaros est, em certos momentos, repleta de comida daquilo que
mais gostam, noutras vezes tm que se contentar com o que acham.
No entanto, eles sempre tm o suficiente para viverem. Se Deus cuida
assim destas criaturas humildes, no h razo para que providencie
tambm para as pessoas que so seus filhos?
Quo intil a ansiedade! Por acaso, pode a ansiedade
encompridar a nossa vida? Por que, ento, no deixar isto aos cuida-
dos do nosso Criador? Assim como a ansiedade com a comida des-
necessria, o mesmo acontece com a ansiedade pela vestimenta.
Salomo, que vivia em luxo incomparvel, no teve o esplendor dos
lrios do campo. Se Deus cuida assim da erva do campo, quanto mais
no vai cuidar de nossa vestimenta?
Jesus faz a aplicao de seu argumento contra a ansiosa preocupa-
o. Os lrios, cujas flores nos ensinam uma grande lio, pertencem s
ervas do campo; podem at ser classificados entre as ervas daninhas
quando se avolumam na terra cultivvel. Portanto, so de pouco valor
dentro da ordem da criao. No entanto, Deus ornamentou os lrios
com uma beleza incomparvel. Deveriam os filhos de Deus se atormen-
tar e ficar ansiosos por causa de vesturio que necessitam? Ficar ator-
mentado pela preocupao de comida e vesturio coisa de descren-
tes. Eles no tm outra perspectiva de vida seno confiar nestas coi-
sas passageiras, coisas que o mundo oferece para aqui e agora.
No h erro nenhum em providenciar comida e vesturio para si e
para a sua famlia. Tambm se deve lembrar que o cristo pode pas-
sar por necessidades e, nem por isso, Deus o est desamparando. O
erro est numa preocupao ansiosa pelo sustento da vida sem con-
fiar que Deus, atravs do trabalho, vai nos providenciar o necessrio
para comer e vestir. O reino de Deus no comida nem bebida, mas
justia, e paz, e alegria no Esprito Santo (Rm 14.17), diz o apstolo
Paulo. Possuir a justia de Deus e ser rico em boas obras, este um
alvo adequado ambio crist.
Cada dia tem o seu prprio mal. Adicionar dificuldades para o dia,
na preocupao do que o amanh trar, no vai ajudar a resolver os
problemas de hoje. o futuro que nos traz ansiedade. Saibamos co-
locar cada dia diante de Deus, pois as suas misericrdias no tm
fim; renovam-se cada manh (Lm 3.22-23).

303
IGREJA LUTERANA

Buscar hoje, em termos prticos, o reino de Deus e sua justia,


procurar no seu evangelho a orientao para a nossa vida e
receber o ser perdo no sacramento da Santa Ceia. Seguindo o seu
evangelho tambm vamos experimentar a companhia acolhedora
dos irmos na f que podem socorrer-se mutuamente, assim como
a igreja primitiva j fazia.
[Comentrios do texto baseados em Popular Commentary, de
Paul E. Kretzmann, e em Concordia Commentary, de Jeffrey A. Gibbs]

APLICAES HOMILTICAS

O alvo para o qual aponta o texto que busquemos em


primeiro lugar o reino de Deus e a sua justia.
A molstia que o texto apresenta a preocupao ansiosa
pela preservao de nossa vida: comida e vesturio.
Os meios que o texto nos mostra que Deus providencia o
sustento de sua criao.

PROPOSTA HOMILTICA

Busquemos em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justia


I. A ansiedade pela preservao da vida prpria de descrentes
II. Deus o Criador e Mantenedor de sua criao
III. A justia de Deus se revela em ele ter tomado a iniciativa de
nos enviar o Salvador.

Raul Blum
So Leopoldo, RS

304

Você também pode gostar