Aos Pes Do Crucificado PDF

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 115

Maikel Pablo Dalbem

AOS PS DO CRUCIFICADO, UMA COMUNIDADE


INSERIDA NO MISTRIO
LEITURA BBLICO-TEOLGICA DA PERCOPE DE JO
19,25-27

FAJE - Faculdade Jesuta de Filosofia e Teologia


BELO HORIZONTE
2010

Maikel Pablo Dalbem

AOS PS DO CRUCIFICADO, UMA COMUNIDADE


INSERIDA NO MISTRIO
UMA LEITURA BBLICO-TEOLGICA DA PERCOPE DE
JO 19,25-27

Dissertao apresentada ao Departamento de


Teologia da Faculdade Jesuta de Filosofia e
Teologia, como requisio parcial obteno do
ttulo de Mestre em Teologia.
rea de concentrao: Teologia Sistemtica
Orientador: Prof. Dr. Johan Maria Konings

FAJE - Faculdade Jesuta de Filosofia e Teologia


BELO HORIZONTE
2010

Aos amigos que foram suporte durante o tempo de mestrado.


4

Resumo
Buscar-se- em trs etapas realizar uma leitura da narrativa de Jo 19,25-27 que d conta
do contexto global do Quarto Evangelho e de seu forte contedo simblico. Na primeira
etapa, busca-se um breve resumo das diversas interpretaes que o referido texto
encontrou ao longo das etapas histricas da teologia. Posteriormente, se dar a
construo das identidades das personagens protagonistas da cena levando em conta
suas diversas aparies ao longo do Evangelho. Como ltima etapa, analisar-se- a
entrega acontecida ao p da cruz (Me de Jesus ao Discpulo Amado e vice-versa)
visando

apreender

suas

implicaes

para

compreenso

da

Aliana

e,

conseqentemente, para a identidade da comunidade de f.


Palavras-chave: Joo, Me de Jesus, Discpulo Amado e Aliana.

Rsum
On cherchera raliser en trois tapes une lecture du rcit de Jn 19,25-27 qui puisse
donner compte du contexte global du Quatrime vangile et de son fort contenu
symbolique. Dans la premire tape, on cherche un bref rsum des diverses
interprtations que le texte a trouv au long des tapes historiques de la thologie.
Ultrieurement, on essayera la construction des identits des personnages protagonistes
de la scne en prenant en considration leurs diverses apparitions au long de l'vangile.
Comme dernire tape, on analysera levnement au pied de la croix, quand la Mre de
Jsus est confie au Disciple Aim et vice versa, en visant apprhender son
implication pour la comprhension de l'Alliance et, par consquence, pour l'identit de
la communaut de foi.
Mots-cl : Jean, Mre de Jsus, Disciple Aim et Alliance.

Siglas e abreviaturas:
DV: Constituio Dogmtica Dei Verbum
LG: Constituio Dogmtica Lumen Gentium
RM: Carta Encclica Redemptoris Mater
MC: Exortao Apostlica Marialis Cultus
BAC: Biblioteca de Autores Christianos
PL: Patrstica Latina

SUMRIO
Introduo ......................................................................................................................... 9

Captulo I: Status Quaestionis ........................................................................................ 12


1 Hiptese e Status quaestionis .................................................................................... 12
1.1 Hiptese ............................................................................................................. 12
1.2 Status quaestionis .............................................................................................. 13

Captulo II: A construo das identidades na narrativa .................................................. 36


1. A Me de Jesus: ....................................................................................................... 36
1.1 Consideraes prvias: ...................................................................................... 37
1.2 As Bodas em Can da Galilia (2,1-11) ............................................................ 38
1.3 A Me de Jesus como a Sio Messinica em Joo............................................ 49
2 O discpulo a quem Jesus amava ............................................................................... 50
2.1 O discpulo reclinado sobre o seio de Jesus. .................................................... 51
2.2 Pedro e o Discpulo Amado no tmulo do Senhor ............................................ 53
2.3 O Captulo 21 de Joo: ...................................................................................... 55
2.4 O Discpulo Amado como a testemunha fiel do Filho ...................................... 60
3 O Crucificado ............................................................................................................ 61
3.1 O prlogo (Jo 1-18) ........................................................................................... 61
3.2 As autoproclamaes: ....................................................................................... 64
4 Concluso do Segundo Captulo: .............................................................................. 68

Captulo III: Anlise da percope de Jo 19,25-27 e seus desdobramentos ..................... 69


1 O Discpulo Amado recebe a Me de Jesus eivj ta. i;dia .......................................... 69
1.1 O contexto da narrativa: .................................................................................... 69
1.2 Anlise da narrativa de Jo 19,25-27 .................................................................. 70
2 O futuro da comunidade: a hora dos discpulos. ................................................... 79
2.1 O contexto: Palavras de Jesus sobre o grupo discipular em seu discurso de
despedida (Jo 13-17) ............................................................................................... 79
2.2 Concluso primeira ........................................................................................... 96
2.3 A hora dos discpulos: ....................................................................................... 97
7

2.4 O Parclito ....................................................................................................... 100


2.5 Jo 21,22: Uma ltima palavra sobre a permanncia do Discpulo Amado .... 104

IV Concluso ................................................................................................................ 106


1 Uma comunidade inserida no Mistrio de Deus com os homens. ....................... 106
2 A Cena: uma possvel leitura esttica do contedo simblico. ............................... 108
Apndice: Uma hiptese histrica - Jo 19,25-27 seria uma apologia da comunidade
diante do judasmo de Jmnia? .................................................................................. 111

Referncias ...................................................................................................................112
1 Tradues da Bblia consultadas: .............................................................................. 112
2 Software ..................................................................................................................... 112
3 Livros e artigos .......................................................................................................... 112

Anexo I ...................................................................................................................115

Introduo
opinio comum que os relatos evanglicos no possuem a preocupao
factual da historiografia como ns a entendemos. Portanto, o que os evangelistas
buscam no o relato jornalstico dos fatos acontecidos com Jesus, mas, sim,
produzir uma teologia que comunique a profundidade do Mistrio de Deus manifesto
na pessoa, palavras e obras de Jesus Cristo1. Isso influencia profundamente na escolha e
na construo das narrativas em funo do contedo que se quer comunicar.
O Quarto Evangelho certamente no escapa dessa concepo. Quando
consideramos tanto o material prprio quanto a aparente reelaborao de temas
sinpticos, reconhecemos nesse ltimo dos evangelhos uma redao esmerada, lanando
mo frequentemente de relatos com forte carter simblico. Joo, como chamaremos o
autor do Quarto Evangelho de agora em diante, parece querer comunicar com isso o
Mistrio divino e humano que envolve a existncia histrica crist.
Na linha do que acabamos de dizer, nosso trabalho se prope ler, atento
teologia simblica de Joo, o relato do ltimo acontecimento antes da morte do Filho na
cruz, segundo Jo 19,25-27, pois percebemos que a maneira como foi redigida esta
percope porta essa fora simblica. Tal leitura, constitui um caminho enriquecedor para
a hermenutica, ainda pouco conhecida em nossas comunidades eclesiais, do evangelho
inteiro.
Como primeiro passo, buscaremos perceber como esta percope foi
interpretada ao longo da tradio teolgica bblica crist. Sero escolhidos para a
pesquisa alguns autores relevantes nos diversos perodos histricos da teologia. Ao final
deste passo, intentaremos uma sntese que nos permita seguir este caminho hemenutico
com a devida honestidade epistemolgica.
O segundo passo ser construir, no interior da narrativa, a identidade de
cada personagem para compreender a funo simblica que cada um ocupa no relato.
Para tanto, se far a anlise de cada uma das menes relativas s personagens
principais da percope em questo ao longo do Evangelho de Joo.

DV, 19

No terceiro momento, os personagens sero considerados dentro da cena de


Jo 19,25-27, buscando analisar sua interao no interior do contexto construdo pelo
evangelista. O centro da pesquisa, no terceiro captulo, estar na descoberta dos
possveis sentidos da expresso eivj ta. i;dia (v. 27), para, posteriormente, explicitar as
implicaes desses sentidos na entrega e recepo mtua (Me de Jesus e Discpulo
Amado) que ocorre ao p da cruz.
Sabendo que essa cena antecede o momento culminante do Quarto
Evangelho, buscar-se-, ainda, verificar a hiptese de que os acontecimentos ao p da
cruz tm algo de importante a comunicar sobre o Mistrio de Deus com os homens, que
Joo busca comunicar ao longo do seu livro. Sero levantados os possveis
desdobramentos que aquilo que acontece ao p da cruz ter sobre a compreenso do
futuro da comunidade de f e sobre sua histria, enquanto ela se realiza em Deus e
caminha para Ele.
Uma vez comprovada a hiptese de uma leitura simblica, o ltimo passo
ser refazer a anlise do relato sem esquecer sua dimenso simblica com o foco
dirigido sobre os elementos estticos, como se fosse possvel pintar um quadro a partir
da referida cena e narr-lo. Aproximar-nos-emos como quem se aproxima de um cone
bizantino, respeitando sua catequtica e pluralidade de sentidos.
Para a realizao da reflexo que se busca com este trabalho, lanaremos
mo de alguns elementos do mtodo de anlise da narrativa, aproveitando, entre outros,
os elementos da metodologia exposta por Jaldemir Vitrio em recente artigo sobre a
narrativa do livro de Rute2.
No quadro da metodologia escolhida, a pergunta central no indagar os
possveis contextos e momentos histricos que forjaram a percope, nem a implicao
de elementos exteriores no processo de redao. Examinaremos o texto cannico como
se oferece em sua fase final, buscando verificar a trama que se entrelaa nos diversos
acontecimentos narrados, originando o drama textual atravs do qual se expressa a
mensagem.
Desta forma, percebe-se que a presente dissertao no ser um trabalho de
exegese bblica no sentido estrito, embora os seus resultados estejam presentes. Nossa
monografia, entretanto, aproxima-se mais do campo da teologia bblica e da anlise das

VITRIO, J. A narrativa do livro de Rute. In: ESTUDOS Bblicos. Petrpolis: Vozes, 2008. n. 98. p.85106.

10

diversas interpretaes possveis para as fontes neotestamentrias na histria da


Teologia.
Cabe ainda ressaltar que no se trata de um tratado de mariologia. Tal
observao se faz necessria, visto que a percope a ser analisada comumente
associada na piedade popular fundamentao do ttulo mariano Me da Igreja.
certo que nos colocamos na esteira do esforo da mariologia moderna em compreender
Maria e os acontecimentos de sua vida em relao ao Mistrio do Cristo. Estamos
cientes de que os resultados desta pesquisa podero servir para uma posterior reflexo
mariolgica. Contudo, esse no o intuito principal deste trabalho, como j fora
exposto.
Por fim, no se busca neste estudo desabonar as demais interpretaes,
inclusive as mais clssicas, referentes ao texto que ser estudado. Pelo contrrio, buscase expor uma linha de interpretao ainda pouco trilhada, que pode ser associada s
demais, aumentando a riqueza de possibilidades de interpretao dos textos bblicos.
Guia-nos a certeza de que a Palavra de Deus viva e, portanto, o texto bblico se nos
apresenta ricamente polissmico, abrindo-se em sempre novas e autnticas
possibilidades de leitura que iluminam o caminhar da comunidade de f.

11

Captulo I: Status Quaestionis


1 Hiptese e Status quaestionis
1.1 Hiptese
A hiptese que se busca verificar a respeito do sentido de Jo 19,25-27 se
baseia na possibilidade de uma leitura simblica desta. Esse tipo de interpretao
encontra-se presente, de certa maneira, no perodo patrstico e medieval. Eclipsada no
tempo em que predominava o mtodo histrico-crtico na exegese, retoma fora nas
ltimas dcadas. Durante grande parte da histria da interpretao dessa percope, o
foco est sobre a figura da Me de Jesus, compreendida apenas como Maria de Nazar,
e do Discpulo Amado, compreendido apenas como o Apstolo Joo. E quando se
interpretam as palavras da cena ao p da cruz, a interpretao vai, na maioria das vezes,
em sentido nico: da Me ao Discpulo.
O autor do Evangelho de Joo, em todo o percurso do livro, no faz
coincidir as duas personagens que se encontram ao p da cruz com o nome de
personagens histricas (respectivamente Maria de Nazar e Joo, filho de Zebedeu),
mas prefere referir-se a elas pelos ttulos Me de Jesus e Discpulo Amado.
Percebe-se que o tipo de leitura simblica que queremos desenvolver neste trabalho se
aproxima da interpretao desejada pelo evangelista. Assim, pensamos poder
desenvolver, sem a anulao de outras interpretaes, esse importante filo da riqueza
simblica existente no relato que se situa no auge do livro: a Glorificao do Filho.
Percorrendo todo o evangelho, tentar-se- mostrar que o Mistrio maior de
Deus que, de maneira radical, vem ao encontro da humanidade em seu Filho, se realiza
no interior de uma Histria Salvfica que comea com a Criao, tornando-se histria da
humanidade nas promessas feitas a um povo determinado (Me de Jesus = Israel), e que
prossegue no futuro de uma comunidade (Discpulo Amado) alicerada na manifestao
do Filho, aquele que, sendo o eterno presente salvfico de Deus na histria, a unifica.

12

1.2 Status quaestionis


Sero apresentadas, a seguir, as interpretaes da percope de Jo 19,25-27,
realizadas ao longo dos sculos, que nos pareceram relevantes para nossa pesquisa. Em
um primeiro momento, exporemos o pensamento desses autores seguindo a ordem
cronolgica. Ao final deste captulo, buscar-se- perceber o movimento interpretativo
presente nas diversas interpretaes desta percope.

1.2.1 Perodo patrstico:

Irineu de Lio:
Autor do segundo sculo de nossa era, Irineu comps sua obra mais
expressiva, Adversus Haereses, no ano de 180 d.C. Com uma preocupao menos
exegtica que pastoral, essa obra possui carter apologtico; nela, o autor refuta as
principais correntes gnsticas de seu tempo (Valentim, Basilades e Marcio). Redigida
h apenas nove dcadas da data provvel da escrita do evangelho de Joo, constitui-se,
assim, como um dos primeiros testemunhos relativos ao Quarto Evangelho.
No tocante percope em questo neste trabalho, encontramos apenas uma
referncia indireta ao tema, onde o autor expressa sua opinio sobre a identidade do
Discpulo Amado:
E Joo, o discpulo do Senhor, aquele que tinha recostado a cabea ao peito
dele, tambm publicou seu Evangelho, quando morava em feso, na sia.1

Irineu faz coincidir a figura do Discpulo Amado com o discpulo Joo, ao


se referir a esse como sendo o autor do evangelho e como aquele que recostou a cabea
sobre o peito do Senhor. No passar dos sculos, essa interpretao prevaleceu no
interior da Igreja e da tradio teolgica.

Ambrsio de Milo:
O grande mestre de Milo trabalha a percope de Jo 19,25-27 sob um prisma
psicolgico e simblico. Ambrsio nos apresenta Jesus como um mestre de piedade.
Centra-se na figura do filho que se preocupa com a me no momento em que ir deix1

IRINEU. Contra as Heresias. So Paulo: Paulus, 1997. Livro III,1,1. (Col. Patrstica, 4)..

13

la sozinha por causa de sua morte. Prope, assim, o gesto de Jesus como exemplo moral
a ser seguido pelos filhos com relao s suas mes2.
O fato de esse relato estar presente somente no evangelho de Joo, explica
Ambrsio, porque esse evangelista foi quem mais penetrou na profundidade dos
mistrios divinos3. Mateus e Marcos enfatizaram os aspectos morais e humanos na hora
da morte de Jesus na cruz (Mt 27,5-61; Mc 15,33-41), para ressaltar que a humanidade
assumida pelo Cristo era a mesma que padecia na cruz. Lucas nos apresenta Jesus como
o grande intercessor ao demonstrar misericrdia para com os judeus e o ladro4.
Para Ambrsio, existem trs grandes temas presentes na percope de Jo
19,25-27: a virgindade perptua de Maria, o testamento de Jesus e Maria como figura da
Igreja.
Sobre a virgindade perptua de Maria, o Santo Doutor afirma: Esta
passagem nos apresenta um testemunho superabundante da virgindade de Maria5.
Segundo o costume em Israel, caso ela tivesse outros filhos, aps a morte do
primognito, eles que haveriam de cuidar da me em situao de desamparo, levandoa para suas casas e cuidando de sua subsistncia. Assim, visto que Maria s possua um
filho, ou seja, Jesus, com a sua morte, Maria ficar sozinha. preciso entreg-la aos
cuidados de algum para que no fique sem recursos para sobreviver. O escolhido por
Jesus o discpulo a quem mais ama, ou seja, para Ambrsio, Joo, que a recebe como
Me.
Dessa forma, o autor percebe que nessa passagem est contida toda a
preocupao de Jesus com sua Me. Assim, Ambrsio apresenta esta percope como
prova da virgindade perptua de Maria e da maneira como Jesus honra sua Me:
E Joo, que foi quem penetrou com mais profundidade nos mistrios divinos,
trabalhou sem cessar para declarar que aquela que havia gerado a Deus havia
permanecido Virgem. Pois, se o fato de que o Senhor perdoou ao ladro
algo verdadeiramente sagrado, muito mais o que o Filho honre a sua Me.6

Sobre o aspecto dessa passagem como testamento de Jesus, para Ambrsio,


o mestre deixa para a humanidade a sua vontade em relao sua me e ao discpulo
amado. Sobre o tema, afirma:

AMBRSIO, Santo. Tratado sobre el Evangelio de San Lucas. In: Obras de San Ambrosio. Tomo I
BAC, vol. 257. Madrid: Editorial Catolica, 1966, Livro X, n. 132, p. 612.
3
AMBRSIO, Tratado sobre el Evangelio de San Lucas, Livro X, n. 130, p. 611.
4
AMBRSIO, Tratado sobre el Evangelio de San Lucas, Livro X, n. 129, p. 610.
5
AMBRSIO, Tratado sobre el Evangelio de San Lucas, Livro X, n. 133, p. 613.
6
AMBRSIO, Tratado sobre el Evangelio de San Lucas, Livro X, n. 130, p. 611.

14

Cristo fazia seu testamento desde a cruz, testamento que guardou Joo em
seu livro, como um testemunho digno de to grande testador. Um testamento
que de grande valor, ainda que no certamente pecunirio, seno vital,
escrito no com tinta, seno pelo Esprito de Deus vivo (cf. 2Cor 3,3).7

O terceiro aspecto que Ambrsio v presente na referida percope de Joo,


o da Me de Jesus, junto cruz, como figura da Igreja. Simbolicamente, Maria
inserida no mistrio da Igreja fiel ao seu Senhor na cruz:
Que se d conta de que aqui se trata do mistrio da Igreja, na qual antes
estava unida o povo antigo, ainda que em aparncia, no em realidade, depois
deu a luz ao Verbo e semeou nos corpos e nas almas dos homens por meio da
f na cruz e na sepultura do corpo do Senhor, elegendo, por preceito divino, a
unio com outro povo mais jovem.8

Assim, percebe-se que Ambrsio l essa percope sob duas ticas: na


primeira, assume o santo uma leitura que se serve de um vis mais psicolgico, e
enfatiza a reverncia e a preocupao do filho com a me; no segundo vis, de carter
mais simblico, Ambrsio percebe a Me de Jesus como smbolo da Igreja, como
comunidade fiel ao crucificado at o ltimo momento.

Agostinho de Hipona:
Para tratar a percope de Jo 19,25-27, Agostinho estabelece uma ponte com
o relato de Jo 2,1-10, o episdio das Bodas em Can. Com o intuito de explicar a
resposta de Jesus interpelao de sua Me, Que queres de mim mulher? A minha
hora ainda no chegou (Jo 2,4), Agostinho recorre filiao divina de Jesus:
Por um privilgio nico, ele nascera somente do Pai, sem ter pai. Deus sem
Me, e homem sem Pai! Sem Me desde todos os tempos. Sem pai, no fim
dos tempos.9

Agostinho estabelece a seguinte diferenciao: Maria , portanto, me de


Jesus, segundo a humanidade. Ao passo que Jesus Cristo Filho de Deus, segundo a
divindade. Ao tratar diretamente a frase em questo, ele diz que, ao agir em Can, quem
ali atuava era o Cristo em sua divindade. Por isso, a resposta dura de Jesus para Maria,
pois se tratava de um ato messinico. Ao p da cruz, na percope de Jo 19,25-27,
Agostinho, ressalta que, ali na cruz, sofre a humanidade do Cristo. Jesus reconhece a
dignidade daquela que o gerou na carne, entregando-lhe aos cuidados do discpulo fiel.
Na hora de sua morte, Jesus d a Maria uma nova misso: ser a me da
comunidade crist. Esse Padre da Igreja v a cruz como a ctedra de onde ensina Jesus,
7

AMBRSIO, Tratado sobre el Evangelio de San Lucas, Tomo I, Livro X, n. 131, p. 611.
AMBRSIO, Tratado sobre el Evangelio de San Lucas, Tomo I, Livro X, n. 134, p. 613.
9
AGOSTINHO. Oeuvres de Saint Augustin: Homlies sur levangelie de Saint Jean I-XVI. Bruges:
Descle de Brouwer, 1969. p. 489.
8

15

o Mestre, pelo seu testemunho. Mesmo morrendo, ele no perde de vista a sua misso
de anunciar aos homens o Evangelho. Maria vista como dom do Crucificado para os
seus seguidores10.

1.2.2 Perodo Escolstico

Bernardo de Claraval
Quanto percope de Jo 19,25-27, So Bernardo v as palavras dirigidas por
Jesus sua Me: Mulher, eis a o teu filho, como cumprimento da profecia proferida
por Simeo: a ti mesmo uma espada te transpassar a alma (Lc 2,35). O autor afirma:
troca! Te entregaram Joo no lugar de Jesus, o servo no lugar do Senhor, o
discpulo no lugar do Mestre, o filho de Zebedeu no lugar do Filho de Deus,
um homem no lugar de Deus Verdadeiro.11

Estabelecendo um jogo de diferenas entre o Discpulo Amado e Jesus,


enfatiza o sofrimento de Maria por perder Jesus, aquele que infinitamente mais digno.
Maria nos apresentada por So Bernardo como uma mrtir da alma. A sua
participao junto cruz, ou seja, junto consumao da obra Redentora do Senhor e
seu filho, expressa o martrio. Para esse santo, Maria manifesta profunda caridade,
sofrendo com seu filho na cruz.

Toms de Aquino
No comentrio de Santo Toms ao Evangelho de Joo, encontra-se uma
meno explcita ao texto de Jo 19,2512. No interior da leitura que Santo Toms faz do
prlogo de So Jernimo, o santo doutor da igreja comenta a afirmao que Jernimo
faz sobre a virgindade do Apstolo Joo. Para confirmar a virgindade do apstolo, so
apresentadas duas provas: a primeira a de que Joo, testemunha fiel que escreveu o
Evangelho, amou de maneira to profunda o Senhor, que este se torna prova da pureza
do Apstolo; a segunda prova encontra-se no fato de Jesus, suspenso na cruz, ter
confiado sua me, a Virgem Maria, ao Apstolo, para que ela, virgem, pudesse ser
guardada como convm, por um homem virgem.
10

AGOSTINHO, Sobre el Evangelio de San Juan (36-124), Tomo XVI, Tratado CXIX, n. 3, p. 709.
BERNARDO DE CLARAVAL, En la natividade de la bienaventurada Virgen Mara. In: Obras
Completas de San Bernardo. Madrid: Editorial Catlica, 1980. n.15. Apud: LOPES, Rogrio de Frana. A
Me de Jesus no Evangelho de Joo: Um estudo de Jo 2,1-11; 19,25-27 para uma mariologia funcional
cristocntrica. Dissertao de Mestrado. Belo Horizonte: CES, 2004, p. 63.
12
THOMAS DAQUIN. Commentaire sur lvangile de Saint Jean. Paris: Cerf, 1998. n. 15, p. 46.
11

16

Ao comentar a percope de Jo 19,25-27, o Doutor Anglico mantm a


mesma interpretao j mencionada por Agostinho. Na cruz, Jesus reconhece aquela
que o gerou na humanidade. Ele reconhece e se preocupa com seu futuro. Mais ainda,
como mestre que ensina a partir da cruz, como um mestre em sua ctedra, mostra a
obrigao do cuidado e respeito que os filhos devem devotar aos seus pais. Ao justificar
biblicamente este ltimo ensinamento, cita as passagem de Ex 20,12 e 1Tm 5,8.13
O discpulo apresentado como modelo de obedincia ao acolher a Me de
Jesus como sua. Lembrando Agostinho, Toms refora que a expresso para sua (chez
lui) no significa diretamente os bens materiais, mas que o discpulo agora se coloca
disposio da me, servindo-a com respeito e obedincia filial.14
Assim, com relao ao presente trabalho, podemos extrair duas afirmaes.
A primeira a de que Toms v, na figura do apstolo Joo, o Discpulo Amado de
Jesus, atribuindo-lhe tambm, a escrita do Quarto Evangelho. Para isso, Toms se
baseia na interpretao da passagem de Jo 21,24 (Este o discpulo que testifica estas
coisas e as escreveu...) 15. A segunda afirmao a de que Toms, como prprio de
seu tempo, faz uma leitura histrica da figura da Me de Jesus, vendo-a apenas como
Maria de Nazar.

1.2.3 Perodo Moderno

Afonso de Ligrio
Embora a relevncia do pensamento desse doutor da Igreja, na tradio
teolgica, tenha sido no campo da moral, e no mariolgico e bblico, santo Afonso
sempre se mostrou um grande devoto de Nossa Senhora, tendo dedicado um livro
especialmente devoo mariana (Glrias de Maria). Sendo assim, acredita-se que esse
autor possa bem expor a interpretao geralmente aceita em sua poca no tocante a essa
percope.
Tendo isso presente, quanto participao de Maria na hora de Jesus, santo
Afonso nos diz:
Pela segunda vez Maria nos gerou para a graa, quando no Calvrio ofereceu
ao Eterno Pai, por entre muitos sofrimentos, a vida de seu amado Filho pela
13

Cf. THOMAS DAQUIN. Commentaire sur lvangile de Saint Jean. Paris: Cerf, 2006. n. 2439-2441.
Extrado da web: Acesso http ://docteurangelique.free.fr, em 26 de fevereiro de 2010.
14
Cf. THOMAS DAQUIN, Comentaire sur lvangelie de Saint Jean (2006), n. 2442-2443.
15
THOMAS DAQUIN, Comentaire sur lvangelie de Saint Jean. n. 15, p. 46.

17

nossa salvao. Porque ela ento cooperou com o seu amor para que os fiis
nascessem para a vida da graa, por isso mesmo, segundo S. Agostinho, veio
a ser Me espiritual de todos ns, que somos membros da nossa cabea, Jesus
16
Cristo.

Para Afonso, Maria figura como Me espiritual da humanidade. Para ele, o


prprio Cristo foi quem percebeu como sua me queria fazer parte da salvao dos
homens.
E isto quis dizer o nosso Salvador, quando, antes de expirar, olhando da cruz
para sua Me e para o discpulo S. Joo, que estavam ao lado dele,
primeiramente disse a Maria: Eis o teu filho! (Jo 19,26). Queria dizer-lhe: Eis
aqui o homem que, pela oferta que fazes da minha vida pela sua salvao, j
nasce para a graa. E depois, voltando-se para o discpulo, lhe disse: Eis tua
Me! (Jo 19,27). Note-se que Jesus Cristo no disse isto a Joo, mas ao
discpulo. F-lo para significar que o Salvador nomeou Maria por Me
Universal de todos aqueles que, sendo cristos, tm o nome de seus
17
discpulos.

Ao oferecer o filho, Maria vista por Ligrio, bem ao modo de seu tempo,
como co-redentora. interessante perceber que, ao ler a entrega da Me ao Discpulo,
embora ainda em uma leitura marcada pela identificao primeira do Discpulo Amado
com Joo, Afonso amplia ao dizer que essa no-nomeao do Discpulo, nesse
momento, apontaria para uma categoria que podemos chamar simblica, uma vez que
amplia a percepo para a universalidade de todos os que levam o nome de discpulos.
Essa maternidade espiritual de Maria gerada na dor. Afonso percebe uma
espcie de martrio, pois, no abandonando o filho na hora da dor, ela sofre com a morte
de Jesus.
Aqui temos a contemplar uma espcie de martrio. Trata-se de uma me
condenada a ver morrer diante de seus olhos, no meio de brbaros tormentos,
um filho inocente e diletssimo. Estava em p junto cruz de Jesus, sua me
(Jo 19,25). desnecessrio dizer outra coisa do martrio de Maria, quer com
isso declarar S. Joo; contemplai-a junto da cruz, ao lado de seu Filho
18
moribundo e vede se h dor semelhante sua dor.

Assim, percebe-se que Maria, para santo Afonso, co-redentora por seu
martrio junto cruz. Ao entregar seu filho, em meio a todo o seu sofrimento, fiel ao p
da cruz, Maria se torna Me espiritual, pois possibilitou, pela sua entrega, a salvao
dos homens na morte de Jesus.

16

LIGRIO, Afonso Maria de. Glrias de Maria. Aparecida: Santurio, 1987. p.47.
LIGRIO. Glrias de Maria, p.47-48.
18
LIGRIO. Glrias de Maria, p. 392.
17

18

1.2.4 Magistrio Eclesial recente:


O ttulo Me da Igreja no Vaticano II19
Durante a segunda sesso do Conclio Vaticano II no ano de 1963, a
discusso a respeito de uma Constituio dogmtica sobre a Virgem Maria retomada,
visto que o debate j havia sido iniciado no final da primeira sesso, agora com um
novo ttulo: Sobre a bem-aventurada Virgem Maria, Me da Igreja. Temendo que,
dessa forma, Maria fosse compreendida acima ou alm da Igreja, o ttulo foi
rejeitado na terceira sesso conciliar (1964), com a maioria de 1559 votos. Contudo,
Paulo VI retoma o ttulo no discurso final desta mesma sesso.
fundamental perceber que o presente ttulo era desconhecido no primeiro
milnio cristo. Surgir, de maneira cautelosa, somente no sculo XI, em uma obra
atribuda a Ambrsio, mas de autoria de certo Berengardo. Comentando o texto de Ap
12,4, o autor diz:
Podemos entender pela mulher, nesta passagem, a bem-aventurada Maria,
porque ela me da Igreja, pois deu luz aquele que a cabea da Igreja; e
tambm filha da Igreja, por ser seu membro mais eminente 20.

Ser somente no sc. XIII que se encontrar uma segunda meno do ttulo:
A Igreja , pois, me de Maria, e Maria me da Igreja21. Certa ressonncia em um
texto de Agostinho, embora vaga, pode ter conferido validade ao ttulo22. Mais
claramente, encontra-se a seguinte afirmao de Agostinho:
me segundo o Esprito, me de nossa cabea que o Salvador, do qual ela
nasceu antes espiritualmente, porque todos os que creram nele, entre os quais
tambm ela, corretamente se chamam filhos do esposo (cf. Mt 9,15). Mas ,
certamente, me de seus membros, que somos ns, porque cooperou pela
caridade, para que nascessem os filhos na Igreja, que so membros daquela
cabea. Mas, quanto ao corpo, ela a me da cabea mesma. Convinha, de
fato, que nossa cabea, por um milagre insigne, nascesse da virgem segundo
a carne, para significar que seus membros haveriam de nascer da virgem
Igreja segundo o Esprito23.

19

Os dados presentes nesta seco foram gentilmente cedidos por Francisco Taborda (FAJE-BH) e
constituem parte do manuscrito de sua obra sobre mariologia ainda a ser publicada.
20
PSEUDO-AMBRSIO. Expositio super septem visiones libri Apocalypsis. PL 17, 960.
21
PITRA, J. B.: Spicilegium Solesmense. Complectens S. Patrum scriptorumque ecclesiasticorum
anedocta.. III. Paris, 1855, 130-131, apud: SCHILLEBEECKX, Edward: Mariologia: ieri, oggi, domani.
In: SCHILLEBEECKX, Edward; HALKES, Catharina: Maria: ieri, oggi, domani. Brescia: Queriniana,
1995. p. 33-34.
22
Cf. AGOSTINHO: Sermo 25, De verbis Evangelii Matthaei XII, 41-50. PL 46, 938.
23
AGOSTINHO: De sancta virginitate VI, 6. PL 40, 399.

19

A partir do sc. XIII, o ttulo ocorre de maneira espordica. Em alguns


casos, chega a ser utilizado pelo prprio Lutero

24

. O Groupe de Dombes25 procura

salv-lo, baseando-se em Lutero26. Por sua vez, Sesbo observa que como uma me
de famlia membro da famlia, Maria, Me da Igreja, continuou a ser evidentemente
membro dela e irm nossa27.
Taborda observa que todos esses ttulos marianos so, na realidade, ttulos
do Esprito Santo atribudos, primeiramente, Igreja e depois transpostos a Maria. De
fato, me da Igreja o Esprito, fonte de toda vida e, portanto, tambm da vida da
Igreja28. Me dos fiis o Esprito que nos engendra na f. A partir da, a Igreja que
nos gera no seio do batismo, e Maria, como me daquele que a cabea do Corpo de
Cristo, dos quais somos membros.

Lumen gentium
O Conclio Vaticano II, principalmente em seu documento Lumen Gentium,
significou um dos maiores avanos na mariologia dos nossos tempos. Antes desse
importante evento, a figura de Maria era compreendida a partir de privilgios
individuais que a Me do Senhor havia recebido (Me de Deus, sempre Virgem,
Imaculada, assunta aos Cus). Lumen Gentium recoloca a viso mariolgica da Igreja
em funo da cristologia e da eclesiologia. Maria e sua misso j no so mais
compreendidas, a partir de ttulos e privilgios individuais, mas em relao a Cristo e
Igreja. Enfim, o pensamento recolocado na perspectiva da Histria da Salvao.
No sem mais que a principal referncia a Maria nos documentos do
Conclio encontrada no interior do documento sobre a Igreja. O ttulo do oitavo
captulo de Lumen Gentium29 por demais sugestivo: A Bem-Aventurada Virgem
Maria Me de Deus no mistrio de Cristo e da Igreja. Assim, Maria vista como uma

24

Maria tambm me da Igreja, essa Igreja, da qual ela o membro mais eminente. WA 1, 107.22-25,
apud: GROUPE DES DOMBES: Marie dans le dessein de Dieu et la communion des saints. Paris:
Bayard; Centurion, 1999, n 57, p. 42 (doravante citado como DOMBES). Cf. WA 4, 234.5-8, cit. em
DOMBES, n 57, p. 42-43.
25
Grupo ecumnico de origem francesa fundado em 1937.
26
Cf. DOMBES, n 57, p. 42-43. Tal a consolao e a bondade excessiva de Deus que um homem
possa se orgulhar, se cr, de um to grande tesouro: que Maria sua verdadeira me, Cristo seu irmo
e Deus seu pai (LUTERO, Martinho: Kirchenpostille 1522 Evangelium der Christimess. Luk 2,114, em: WA 10/I, 72, l. 19-73, l. 2).
27
SESBO, Bernard. A Virgem Maria. In: ID. (dir.): Histria dos dogmas. Tomo 3: Os sinais da
salvao . So Paulo: Loyola, 2005, 465-514; aqui: 464.
28
Cf. SCHILLEBEECKX, Edward: Mariologia: ieri, oggi, domani, p. 52-53.
29
LG, 52-69

20

criatura de Deus, escolhida para a Misso de ser a Me do Filho de Deus encarnado. Sua
grandeza encontra-se na escuta desse chamado e na fidelidade de vida ao mesmo,
caminhando na f. Dessa forma, Maria vista agora mais em sua dimenso bblica,
inserida no interior do projeto salvfico do Pai em Jesus, do que pela dogmtica.
O texto do nmero 58 de Lumen Gentium, lugar em que se encontra a
referncia explcita ao texto em questo neste trabalho, assim reza:
Na vida pblica de Jesus, Sua me aparece duma maneira bem marcada logo
no princpio, quando, nas bodas de Can, movida de compaixo, levou Jesus
Messias a dar incio aos Seus milagres. Durante a pregao de Seu Filho,
acolheu as palavras com que Ele, pondo o Reino acima de todas as relaes
de parentesco, proclamou bem-aventurados todos os que ouvem a palavra de
Deus e a pem em prtica (cfr. Mc. 3,35 e paral.; Luc. 11, 27-28); coisa que
ela fazia fielmente (cfr. Luc. 2, 19 e 51). Assim avanou a Virgem pelo
caminho da f, mantendo fielmente a unio com seu Filho at cruz. Junto
desta esteve, no sem desgnio de Deus (cfr. Jo.19,25), padecendo
acerbamente com o seu Filho nico, e associando-se com corao de me ao
Seu sacrifcio, consentindo com amor na imolao da vtima que d'Ela
nascera; finalmente, Jesus Cristo, agonizante na cruz, deu-a por me ao
discpulo, com estas palavras: mulher, eis a o teu filho (cfr. Jo. 19, 26-27).

O presente texto, inserido dentro da 2 seco do captulo oitavo, Maria na


economia da Salvao, dedicado a tratar da pessoa de Maria durante a vida pblica
de Jesus. Nesse pargrafo, fazendo referncia ao episdio de Jo 2,1-10, as Bodas em
Can, Maria colocada ao lado de Jesus, desde o princpio da sua vida pblica, como
aquela que intercede junto a Jesus, autor da ao, o Messias, pois sabe a dor do povo (
misericordiosa). O texto desse pargrafo de LG segue apresentando Maria como
discpula, caminhando em peregrinao de f, aprendendo de seu Filho a realidade do
Reino que, acima dos laos de parentesco e raa, proclama bem-aventurados os que
ouvem a palavra de Deus, assim como ela o fez (referncia s bem-aventuranas, Lc
11,27-28 e ao episdio do encontro de Jesus com seus familiares em Mc 3,35).
Como discpula, est fielmente presente ao p da cruz de seu Filho, solidria
com ele no sofrimento. O documento nos diz que consentindo com amor na imolao
da vtima por ela mesma gerada. Esse sofrimento de Maria no est, de maneira
alguma, desvinculado do sofrimento de seu Filho, mas, no amor que consente ao
redentora do Filho, sofre com ele. Diferentemente da idia moderna, no Maria quem
oferece o Filho, mas sim, Jesus que se oferece na cruz e, como Me e discpula, Maria
participa dessa entrega no sofrimento solidrio.
Por fim, esse nmero de LG faz meno percope de Jo 19,25-27. Jesus,
morrendo na cruz, entrega ao discpulo sua Me. Uma referncia sem muitas
interpretaes explcitas. Apenas pode-se perceber que o Conclio, ao citar esse texto,
21

enfatiza a nova misso de Maria: ser a me do discpulo. De maneira interessante, o


nmero 61, intitulado A maternidade espiritual no enfatiza essa entrega para
justificar a maternidade espiritual de Maria com relao Igreja. O que ressaltado,
luz de Jo 19,25-27, a caminhada de f de Maria junto ao seu Filho, na fidelidade at o
fim. por sua fidelidade misso que Maria colobora no projeto salvfico do Pai em
Jesus.
O nmero 62 fala da intercesso dessa Me espiritual, alicerando-a na
caminhada de f e misso de Maria, como Me e discpula, participando, assim como
todos os fiis, do sacerdcio do nico mediador que Cristo. Efetivamente, nenhuma
criatura se pode equiparar ao Verbo encarnado e Redentor; mas, assim como o
sacerdcio de Cristo participado de diversos modos pelos ministros e pelo povo fiel, e
assim como a bondade de Deus, sendo uma s, se difunde variamente pelos seres
criados, assim tambm a mediao nica do Redentor no exclui, antes suscita nas
criaturas cooperaes diversas, que participam dessa nica fonte. Desta forma, aquela
que foi fiel durante toda a vida, continua, na comunho dos santos, a participar do
sacerdcio do prprio Filho, intercedendo junto a ele pelos fiis. O que anteriormente
poderia soar como se Maria fosse uma espcie de segunda mediadora, agora
colocado no interior do prprio mistrio relacional do Cristo Cabea com os membros
do seu corpo.
Assim, na leitura que encontramos em LG, a entrega ao discpulo e a
maternidade espiritual de Maria s podem ser compreendidas no interior do prprio
Mistrio Salvfico do Cristo, Filho e Senhor. Maria Me dos fiis, pois foi discpula
fiel do Filho.

Paulo VI: Marialis Cultus


O Papa Paulo VI, na Exortao Apostlica Marialis Cultus, disserta e
aponta caminhos para o culto prestado a Maria na Igreja, a partir da perspectiva
cristolgica da liturgia, enfatizada pela Constituio Dogmtica do Conclio Vaticano II
Sacrossanctum Concilium. Para esse papa, a Me de Jesus modelo da Igreja, no
exerccio do culto a Deus em Jesus, pois exemplo de f, esperana e caridade. Sua f
expresso da perfeita unio com o Cristo.
Paulo VI ressalta o carter intercessor de Maria e toma como base a
passagem de Jo 2,1-11:
22

Maria, no ministrio pblico de Jesus, se manifesta como intercessora.


Porm, o que ela fez em Can continua ainda hoje. E como em Can a
Virgem Santssima, com a sua interveno, obteve que Jesus realizasse o
primeiro de seus milagres (cf. Jo 2,1-11), assim tambm na nossa poca ela
poder, com a sua intercesso, propiciar o advento da hora em que os
discpulos de Cristo reencontrem a plena comunho na f.30

Paulo VI ainda destaca Maria como exemplo de vida de santidade para os


fiis:
Depois, a santidade exemplar da Virgem Santssima estimula, realmente, os
fiis a levantarem "os olhos para Maria, que brilha como modelo de virtudes
sobre toda a comunidade dos eleitos" (LG 65). So virtudes slidas e
evanglicas, as suas: a f e a dcil aceitao da Palavra de Deus (cf. Lc 1,2628;1,45;11,27-28; Jo 2,5); a obedincia generosa (cf. Lc 1, 38); a humildade
genuna (cf. Lc 1,48); a caridade solcita (cf. Lc 1,39-56); a sapincia
reflexiva (cf. Lc 1,29.34; 2,19.33.51); a piedade para com Deus, lacre no
cumprimento dos deveres religiosos (cf. Lc 2,21.22-40.41), reconhecida
pelos dons recebidos (cf. Lc 1,46-49), oferente no Templo (cf. Lc 2,22-24) e
orante na comunidade apostlica (cf. At 1,12-14); a fortaleza no exlio (cf.
Mt 2,13-23) e no sofrimento (cf. Lc 2,34-35.49; Jo 19,25); a pobreza levada
com dignidade e confiante em Deus (cf. Lc 1,48; 2,24); a solicitude vigilante
para com o Filho, desde a humilhao do bero at a ignomnia da cruz (cf.
Lc 2,1-7; Jo 19,25-27); a delicadeza previdente (cf. Jo 2,1-12); a pureza
virginal (cf. Mt 1,18-25; Lc 1,2638); e, enfim, o forte e casto amor esponsal.
Destas virtudes da Me se podero tambm revestir os filhos que, com firmes
propsitos, souberem reparar nos seus exemplos, para depois os traduzir na
prpria vida. E semelhante progresso na virtude aparecer, assim, como
conseqncia e fruto j maduro tambm, daquela fora pastoral que promana
do culto tributado Virgem Santssima.31

Assim, o culto a Maria, segundo Paulo VI em MC, no tem outra funo que
a de levar os homens a Cristo. Ou seja, Maria, por sua intercesso e exemplo de vida de
santidade, se mostra como caminho a ser seguido na direo de seu Filho e Mestre.
No tocante percope central deste trabalho, Jo 19,25-27, encontramos as
melhores referncias no n. 20 de MC:
Esta unio da Me com o Filho na obra da Redeno (LG 57) alcana o ponto
culminante no Calvrio, onde Cristo "se ofereceu a si mesmo a Deus como
vtima sem mancha" (Hb 9,14), e onde Maria esteve de p, junto Cruz (cf.
Jo 19,25), "sofrendo profundamente com o seu Unignito e associando-se
com nimo maternal ao seu sacrifcio, consentindo amorosamente na
imolao da vtima que ela havia gerado" (LG 58), e oferecendo-a tambm
ela ao eterno Pai. Para perpetuar ao longo dos sculos o Sacrifcio da Cruz, o
divino Salvador instituiu o Sacrifcio eucarstico, memorial da sua Morte e
Ressurreio, e confiou-o Igreja, sua Esposa (SC 47), a qual sobretudo ao
domingo, convoca os fiis para celebrar a Pscoa do Senhor, at que Ele
torne (SC 102 e 106): o que a mesma Igreja faz em comunho com os Santos
do cu e, em primeiro lugar, com a bem-aventurada Virgem Maria,(42) de
quem imita a caridade ardente e a f inabalvel.32

30

MC, n. 33.
MC, 57e.
32
MC, n. 20c.
31

23

Na mesma perspectiva de LG, Paulo VI coloca a participao de Maria no


sacrifcio de Jesus no como algo exterior ao prprio Mistrio da unidade de Cristo com
os fiis, mas no interior deste. Maria se ofereceu ao Pai junto com o Cristo na cruz.
Nessa mesma perspectiva compreendida a oferta eucarstica que toda a Igreja faz de si
ao Pai, por Jesus, perpetuando o Mistrio salvfico da cruz. O centro da interpretao
que MC faz de Jo 19,25 no est na entrega da me ao discpulo, mas sim, na presena
fiel da Me aos ps do Filho crucificado.

Joo Paulo II: Redemptoris Mater


A Encclica de Joo Paulo II, Redemptoris Mater, escrita por ocasio da
inaugurao do ano mariano na festa da Anunciao, no ano de 1987, figura como uma
das importantes fontes para se conhecer o pensamento desse papa sobre a percope de Jo
19,25-27.
O documento est dividido em trs partes: Maria no Mistrio de Cristo, a
Me de Deus no centro da Igreja que est a caminho e a Mediao Materna.
Atravs dos ttulos que encabeam as partes desse documento, pode-se perceber que
Joo Paulo II no rompe com a linha j estabelecida pelo Conclio Vaticano II. Maria
vista, a partir do interior do Mistrio de Cristo e da Igreja, sob uma perspectiva
escatolgica.
Estabalecendo uma ponte entre os eventos de Jo 2,1-11 e Jo 19,25-27, Joo
Paulo II v, na primeira percope, o incio da manifestao da maternidade de Maria,
enquanto que na segunda, a sua confirmao. Em Can, Maria a intercessora que, com
o seu pedido, apressa a hora messinica. Sua atitude ajuda a suscitar a f dos discpulos.
Por sua f, leva os outros a crerem.33
Joo Paulo II estabalece, com relao a Jo 19,25-27, uma dupla
interpretao. Por um lado, ele compreende a dupla entrega: Eis a tua Me; Eis a teu
Filho (Jo 19,26) de maneira imediata, percebendo a preocupao do filho moribundo
com o sofrimento de sua me que ser deixada s aps sua morte. Contudo, tambm
compreende essas palavras como um testamento de Jesus: ao perceber o discpulo
amado como representante de toda a humanidade, ele v nessas palavras Cristo
manifestando sua vontade quanto sua Me e o discpulo. Assim, nesse sentido mais
amplo, Maria apresentada como Me de toda a humanidade.
33

RM, n. 21

24

Se esta passagem do Evangelho de So Joo, sobre os factos de Can,


apresenta a maternidade desvelada de Maria no incio da actividade
messinica de Cristo, h uma outra passagem do mesmo Evangelho que
confirma esta maternidade na economia salvfica da graa no seu momento
culminante, isto , quando se realiza o sacrifcio de Cristo na Cruz, o seu
mistrio pascal. A descrio de So Joo concisa: "Estavam junto Cruz de
Jesus sua me, a irm de sua me, Maria, mulher de Clop, e Maria de
Magdala. Jesus, ento, vendo a me e perto dela o discpulo que amava, disse
me: "Mulher, eis o teu filho!". Depois, disse ao discpulo: "Eis a tua
me!". E a partir daquele momento, o discpulo levou-a para a sua casa" (Jo
19-, 25-27).
Neste episdio reconhece-se, sem dvida, uma expresso do desvelo singular
do Filho para com a Me, que Ele ia deixar no meio de tanto sofrimento.
Todavia, quanto ao sentido deste desvelo, o "testamento da Cruz" de Cristo
diz algo mais. Jesus pe em relevo um vnculo novo entre Me e Filho, do
qual confirma solenemente toda a verdade e realidade. Pode dizer-se que, se a
maternidade de Maria em relao aos homens j tinha aflorado e se tinha
delineado em precedncia, agora claramente precisada e estabelecida: ela
emerge da maturao definitiva do mistrio pascal do Redentor. A Me de
Cristo, encontrando-se na irradiao directa deste mistrio que abrange o
homem - todos e cada um dos homens - dada ao homem - a todos e cada um
dos homens - como me. Este homem aos ps da Cruz Joo, "o discpulo
que ele amava". Porm no ele como um s homem. A Tradio e o
Conclio no hesitam em chamar a Maria "Me de Cristo e Me dos
homens": ela est, efectivamente, associada na descendncia de Ado com
todos os homens..., mais ainda, verdadeiramente me dos membros (de
Cristo)..., porque cooperou com o seu amor para o nascimento dos fiis na
Igreja".
Esta "nova maternidade de Maria", portanto, gerada pela f, fruto do "novo"
amor, que nela amadureceu definitivamente aos ps da Cruz, mediante a sua
participao no amor redentor do Filho.34

1.2.5 Exegese cientfica

Ignace de la Potterie
Esse influente biblista perceber as personagens Me de Jesus e Discpulo
Amado a partir de sua importncia corporativa. Ou seja, para ele, no se trata de
identificar simplesmente a Me de Jesus com Maria ou o Discpulo Amado com Joo.
Tais personagens indicam grupos bem distintos no interior do Quarto Evangelho.
Potterie, em consonncia com a tradio veterotestamentria, expe um estudo feito por
Serra onde se pode perceber no vocativo Mulher, aplicado Me de Jesus, tanto em
Can como na cruz, a Sio Messinica, que denominada mulher em diversos
textos do Antigo Testamento, principalmente pelos profetas35.

34
35

RM, n.23
LA POTTERIE, I. Marie dans le mystre de lalliance. Paris: Descle, 1995. p. 244. (Col. Jesus et
Jesus-Christ)

25

O Discpulo Amado, por sua vez, designa todos aqueles que se encontram
na amizade de Jesus, os discpulos.
O carter esteorotpico e enftico da formula o discpulo que Jesus amava
chama a ateno para dois grandes temas joaninos: a condio mesma do
discpulo e o amor de Jesus pelo discpulo. No d a compreender esta
expresso em um sentido exclusivo, como se tratasse somente do discpulo
que Jesus amava ou de uma preferncia de Jesus por este discpulo [...] O
Discpulo que Jesus amava representa, ento, os discpulos de Jesus, que
como tais, so acolhidos na comunho com o Cristo.36

Para ele, ambas as figuras representam a Igreja. Contudo, Maria encarna a


face maternal da Igreja, isto , aquela que gera os filhos de Deus37. Potterie enfatiza a
maternidade espiritual de Maria enquanto esta figura, tipo da Igreja, esposa e Me. O
Discpulo Amado, esta face discipular da Igreja, ao assumir no interior de sua vida de f
(esta a interpretao predeminante que Poterrie d expresso grega eivj ta. i;dia) a
Me de Jesus, a face genitora da Igreja, assume em sua misso a gerao dos Filhos de
Deus, filhos no Filho38.

Schrmann
A tese defendida por esse autor, de carter profundamente simblico,
apresenta a Me de Jesus, j nas Bodas em Can, como smbolo daqueles que esperam a
salvao e que solicitam o dom de Jesus. O dom do vinho pedido por Maria nas bodas
se cumpre plenamente na consumao permanente na cruz. Assim, essa, que representa
todos os que esperam na fidelidade o cumprimento da promessa, h de receber o
discpulo amado no lugar de seu Filho; e o discpulo h de comunicar-lhe o que Jesus
deixa. Para esse autor, na Me de Jesus todos os que esperam a salvao so confiados
Testemunha (Discpulo Amado) e ao seu evangelho39. Schrmann percebe a
personagem Me de Jesus como um smbolo que ultrapassa as barreiras geogrficas e
temporais.

36

LA POTTERIE. Marie dans le mystre de lalliance, p. 242-243.


Cf. LA POTTERIE. Marie dans le mystre de lalliance, p. 247.
38
Cf. LA POTTERIE. Marie dans le mystre de lalliance, p. 251-257.
39
SCHRMANN, H. Ursprung und Gestalt, Dsseldorf, 1970, p. 255.
37

26

Schnackenburg
Esse especialista, em seu comentrio ao evangelho de Joo40, ao interpretar a
percope de Jo 19,25-27, dentre tantas possibilidades que apresenta, aproxima-se da tese
de H. Schrmann, que anteriormente foi exposta como sendo a mais aceitvel.
Para Schnackenburg, a Me de Jesus representa o Israel que espera a
manifestao do Messias e o reconhece em Jesus de Nazar. Ela capta toda a tenso
messinica que antecede o relato de Can (cf. Jo 1,31.41.45.49) e que retomada na
entrada em Jerusalm (cf. Jo 19,12). Sua figura contrabalana com a do judasmo
incrdulo que aparece em Jo 12,13. Na dupla entrega, preciso perceber que no s
Maria entregue ao discpulo, que a leva para o interior de sua vida, mas que tambm
ao discpulo ela entregue como Me. Assim, pode-se perceber a inteno de recordar
comunidade crist o regao materno do qual Jesus e a prpria Igreja mesma provm.
Essa viso reforada pela figura do discpulo amado como aquele que o
homem de confiana de Jesus, o que abriu seu interior (cf. Jo 13,23-26), o crente (Jo
20,8) e que conhece pela f (Cf. Jo 21,7) e que por isso chamado a ser intrprete da
revelao de Jesus. Ele chamado a acolher no somente a me de Jesus no interior de
sua casa, mas tambm a todos aqueles que esperam a salvao. Levando em conta o
eplogo, Schnackenburg aponta para o discpulo como aquele que permanecer como
testemunho at que o Senhor venha. Dessa forma, se cumpre a misso terrena de Jesus,
cuidando para que a revelao de Jesus se prolongue no futuro.
Schnackenburg tambm expe, para rebat-las, as interpretaes de
Bultmann e Kragerud para o relato da cruz. Para Bultmann, a Me de Jesus
representaria o judeu-cristianismo, enquanto o Discpulo Amado seria a figura do
cristianismo gentio. Em sua crtica, Schnackenburg percebe que essa interpretao no
convincente. Para ele, a interpretao de Maria como smbolo do judeu-cristianismo no
se sustenta e o Discpulo Amado como o cristianismo gentio entra em choque com a
dificuldade de que o termo discpulo est relacionado ao crculo coetneo dos discpulos
de Jesus. A nica possibilidade de se fazer essa leitura seria sustentar a idia de certa
animosidade entre Pedro (representante do judeu-cristianismo) e o Discpulo Amado
(cristianismo gentio). Contudo, segundo a tradio, Pedro no poderia estar presente ao
p da cruz.

40

Cf. SCHNACKENBURG, R. El Evangelio segun San Juan: Version y Comentario. Barcelona: Herder,
1980. vol. 3. p. 342-344.

27

Seguindo raciocnio semelhante, Kragerud avana uma interpretao de Jo


19,26s seguno a qual o Discpulo Amado representaria o primitivo profetismo cristo e
Pedro a hierarquia eclesistica. A cena que expe o contraste entre esses dois grupos
seria a da instituio do ministrio pastoral de Pedro em Jo 21,15s. Segundo esse autor,
o Discpulo Amado teria sido ordenado sucessor de Cristo antes de Pedro.

Lon-Dufour
Lon-Dufour opta por uma leitura semelhante quela de Schnakenburg, j
apresentada acima. Lendo a percope de Jo 19,25-27, em paralelo com a narrativa das
Bodas em Can (cf. Jo 2,1-11), o autor percebe a Me de Jesus, pela repetio do
vocativo Mulher, como aquela que, nas Bodas, representava Israel espera da
interveno salvfica de Deus e que, ao p da Cruz, v realizada a sua espera.
A equivalncia simblica pela qual a me de Jesus recapitula em sua
pessoa a espera secular do povo que creu na Aliana (cf. Sl 87,5) muito
provavelmente se encontra mantida de um relato ao outro. Mas a situao
mudou. Diante da cruz, sob o olhar do Elevado, a Mulher que simboliza a
espera da salvao prometida por Deus associada ao Discpulo, que est
alm da espera: tendo repousado no peito do Revelador, o Discpulo aparece
como testemunha verdica e o intrprete autorizado da plenitude recebida.41

Assim, para Lon-Dufour, o discpulo amado, testemunha fiel, ser aquele


que introduzir a Me de Jesus, a parte fiel de Israel, no universo espiritual que lhe foi
aberto pela proximidade com o Mestre. Por sua vez, reconhecendo na Me de Jesus
tambm a sua origem, reconhecer nela o lugar histrico de origem de sua f, que se
enraza e se refontaliza para sempre na de Israel.
Para Lon-Dufour, no sentido bvio do texto, o que nos apresentado a
preocupao de um filho moribundo pelo futuro e sofrimento de sua me. Contudo, em
sentido mais profundo, no nvel simblico, o que se manifesta nessa passagem a
consumao da espera do povo eleito. De maneira ativa, o Discpulo dar testemunho de
tudo aquilo que ouviu e viveu com o Mestre. Dessa forma, conclui Lon-Dufour, o
Evangelho do qual o Discpulo o garante assegurar para toda a durao da histria a
presena contnua da revelao que fora feita42.
Esse lao estabelecido entre a me de Jesus e o Discpulo Amado,
recproco, porm desigual. O papel ativo realizado pelo Discpulo Amado. ele quem
receber a Me de Jesus aos seus cuidados. Para Lon-Dufour, o receber eivj ta. i;dia
41

LON-DUFOUR, X. Leitura do Evangelho de Joo. So Paulo: Loyola, 1996. Tomo IV. p. 104. (Col.
Bblica Loyola 16)
42
LON-DUFOUR, Leitura do Evangelho de Joo, IV, p. 104.

28

significa um ato que perpetuar para sempre naquilo que constitui a prpria identidade
do Discpulo Amado, ou seja, na sua adeso ao Filho e na sua apropriao pessoal da
Palavra43.
[...] O neutro plural t ida pode indicar globalmente o que algum possui,
mas tambm o fundo prprio de algum (Jo 8,44; 15,19). Tratando-se aqui do
Discpulo perfeito na f, o termo pode significar sua adeso ao Filho, sua
apropriao pessoal da Palavra.44

Lon-Dufour aponta para uma diferena entre sua interpretao e a proposta


idealizada por Schrmann45. Enquanto este autor v na Me de Jesus todos os que no
mundo, em qualquer tempo, aguardam a revelao plena, Lon-Dufour v somente
Israel, pois a f desse povo que desemboca na plenitude da mensagem evanglica.
[...] a essa hiptese sedutora (Schrmann) ope-se uma dificuldade: como a
Testemunha e, depois dela, os pregadores do Evangelho poderiam reconhecer
como sua me os que buscam a verdade e a salvao? A nosso ver, segundo a
palavra de Jesus na cruz, a f de Israel que desemboca na plenitude da
mensagem evanglica.46

1.2.6 Balano
Depois de ter exposto diversas interpretaes que a percope de Jo 19,25-27
teve ao longo da histria, faamos agora o balano , percebendo as evolues e os
pontos em comum, bem como as idias que prevalecem em cada momento histrico.

Perodo patrstico
Percebe-se que o primeiro a interpretar o Evangelho de Joo, Irineu de Lio,
no se preocupa propriamente com a percope em questo. Com Ambrsio de Milo,
porm surge, na patrstica latina, uma primeira interpretao relevante para nossa
pesquisa. O autor nos permite duas vias para a leitura dessa percope: a psicolgicomoral e a simblica. Pela via psicolgico-moral, Ambrsio aborda o sentido direto do
texto. De fato, numa leitura mais de superfcie, o que salta aos olhos do leitor a
preocupao do Filho que est prestes a morrer enquanto sua me ser deixada sozinha.
Sendo viva, e seu filho no possuindo prole, a posio da me, dentro da sociedade
judaica, seria muito complicada. Assim, o corao filial de Jesus se preocupa com o

43

Cf. LON-DUFOUR, Leitura do Evangelho de Joo, IV, p. 105-106.


LON-DUFOUR, Leitura do Evangelho de Joo, IV, p. 104.
45
Tese exposta quando tratamos da interpretao de Schnackenburg.
46
LON-DUFOUR, Leitura do Evangelho de Joo, IV, p. 104.
44

29

futuro de sua me, deixando-a sob os cuidados daquele que lhe era mais prximo. Nesse
primeiro nvel, tanto a Me de Jesus quanto o Discpulo Amado so identificados com
pessoas, respectivamente, Maria de Nazar e Joo, filho de Zebedeu.
A segunda via apontada por Ambrsio nos situa no campo simblico. Maria
nos apresentada como figura da Igreja, presente em aparncia j no antigo povo
(Israel), que gerou o Messias e agora se une a um novo povo na cruz. Dessa forma,
Ambrsio parece encontrar um sentido mais de superfcie e outro mais profundo para a
passagem, sem descartar nenhum dos dois. Ao mesmo tempo em que a Me de Jesus
vista como Maria de Nazar, a ponto de Ambrsio perceber nessa passagem a prova de
sua virgindade perptua, pois no existiria mais ningum para cuidar dela depois da
morte do nico filho, ela tambm vista como figura da Igreja, como povo fiel, presente
j no povo da Antiga Aliana.
Em Agostinho, percebe-se uma interessante mudana: no h mais a
compreenso da Me de Jesus como smbolo. Agostinho foca sua interpretao na
figura de Maria de Nazar como me de Jesus. Ele, fazendo um ponto com os relatos de
Can, se fixar no paradoxo da frieza do dilogo entre Jesus e Maria em Can e no
profundo cuidado demonstrado quando da cruz. Ele recorre dupla realidade de Jesus
Cristo: homem e Deus. Em Can, quando age a divindade de Jesus, sua resposta
distante, pois o Cristo que ali age. Na cruz, quando a dor e o sofrimento humanos
aparecem com maior fora, Jesus reconhece a carne que o gerou, por isso, a docilidade e
o cuidado.
Enquanto Ambrsio ainda d certo peso ativo figura do Discpulo Amado,
Agostinho o coloca, na interpretao desta percope, em segundo plano. Ele quem
receber a Me. O foco vai se fixando na figura de Maria, enquanto o Discpulo Amado
vai tomando um papel secundrio, quase passivo, na ao.

Perodo Medieval
Como representante desse perodo, escolhemos Bernardo de Claraval. O
foco da interpretao que se encontra no Doutor Melfluo est centrado na figura de
Maria. H total identificao entre a Maria de Nazar e a figura da Me de Jesus de
Joo. A frase evanglica Me, eis a o teu filho interpretada como cumprimento da
profecia de Simeo: Uma espada de dor transpassar o seu peito, presente no
evangelho de Lucas.
30

Bernardo enfatiza o sofrimento da Me, colocando-a como uma espcie de


mrtir junto cruz. Ela sofre com o filho na cruz. A figura do Discpulo Amado fica
totalmente em segundo plano na ao e identificada com o apstolo Joo. Nessa nfase
ao sofrimento de Maria, a dupla entrega percebida como a substituio do Filho, Deus
verdadeiro, pelo homem Joo. A leitura que Bernardo estabelece, portanto, fica no
primeiro nvel de abordagem do texto, numa leitura mais histrica do relato, centrada
na pessoa de Maria e seu sofrimento.
Toms de Aquino, alicerado sobre a interpretao de Jernimo no trecho
que citamos, est preocupado em discutir a virgindade do Apstolo Joo. Serve-se,
como prprio dos autores de seu tempo, de uma interpretao historicista das figuras
do Discpulo Amado e da Me de Jesus.

Perodo Moderno:
A interpretao que encontramos em Santo Afonso Maria de Ligrio nos
leva percepo de Maria como co-redentora. Em seu martrio ao p da cruz, Maria
oferece o seu Filho pela salvao do mundo. Aqui, definitivamente, o foco est centrado
na figura de Maria. Por seu sofrimento e entrega do filho, ela se torna me espiritual de
todos os fiis.
Novamente a figura do Discpulo Amado ligada a Joo, o apstolo, e fica
em segundo plano. Interessante perceber que, aqui, Joo figura como a imagem do
homem redimido. pela oferta que Maria faz de seu filho que os homens so salvos.
At aqui, percebe-se como a interpretao dessa percope foi ficando cada
vez mais centrada na pessoa de Maria. Ela identificada, sem mais problemas, com a
Me de Jesus mencionada no evangelho de Joo. A figura do Discpulo Amado,
identificado com Joo, vai ficando cada vez mais passiva e obscurecida. Assim, v-se
nascer uma interpretao mariocentrista da percope que est sendo trabalhada. Se em
nenhum momento se perde o centro no Mistrio da Salvao manifesto em Jesus,
contudo, a figura de Maria vai crescendo em tais propores que, em Santo Afonso, ela
se torna corredentora.
A linha de interpretao simblica que se encontra em Ambrsio de Milo
vai se perdendo no decorrer da histria da interpretao. O que vai se fixando a via de
interpretao mais psicolgica e devocional mariana. Uma reao contra isso se desenha
a partir do Conclio Vaticano II.
31

Magistrio recente da Igreja.


Nossa anlise esteve centrada nos documentos do Conclio Vaticano II e em
dois documentos papais recentes. interessante perceber que as percepes presentes
no Conclio abrem novas possibilidades de interpretao ao romper com certo
mariocentrismo presente. Lumen Gentium recoloca a figura de Maria na Igreja
explicitamente em funo do Mistrio de Cristo e da Igreja. Sua dignidade est no fato
de ter sido Me e Discpula. Nesse sentido, Maria se oferece no Cristo ao Pai como
todos os fiis o fazem. Penso que interpretaes que veem Maria como segunda
mediadora e corredentora no mais se sustentam no contexto posterior Lumem
Gentium. A intercesso de Maria passa a ser entendida no interior da comunho dos
santos.
Os documentos papais posteriores que foram analisados seguem na mesma
linha. Assim, essa nova mentalidade, bem mais prxima da encontrada no perodo
patrstico, possibilita o nascimento de novas interpretaes, como o caso dos
especialistas que foram consultados quando se descreveu o perodo contemporneo.

Exegese cientfica:
Com a abertura proporcionada pela mentalidade condensada no Conclio
Vaticano II, novas interpretaes da percope de Jo 19,25-27 surgiram. Tanto Potterie
como Schrmann, Schnackenburg e Lon-Dufour tendem a uma anlise mais simblica
do texto joanino. Esse simbolismo, que retoma a linha perdida desde Ambrsio,
permitiu a possibilidade de uma leitura mais global das Escrituras, dentro do esprito
presente entre os escritos sagrados do Novo Testamento, em que a Boa-Nova presente
em Jesus cumprimento de toda a espera messinica de um povo que se percebe em
Aliana de vida com seu Deus.
Ao se deixar de lado o exagerado mariocentrismo presente nas
interpretaes anteriores, gradualmente, a importncia da figura do Dscipulo Amado
retomada nas interpretaes recentes dessa percope. Assim, o leque se amplia ao
demonstrar a riqueza presente na tradio milenar onde o cristianismo lanou suas
razes. De maneira alguma Maria perde seu lugar na histria salvfica, mais do que isso,
reencontra seu lugar de direito, como discpula e Me do Salvador. A presente
interpretao aproxima-se de uma possvel compreenso condizente com o contexto do
autor do Quarto Evangelho, ou seja, de um judeu religioso, criado na esperana da
32

realizao plena da Aliana de Deus com seu povo e que percebe em Jesus o centro e o
cumprimento de sua f e esperana.
Schnackenburg, em seu comentrio ao Evangelho de Joo47, reuniu em
quatro grupos temticos diferentes, as interpretaes que a percope em questo teve ao
longo da histria: historicista, tipolgico-simblica, mariolgica em estrito senso e
outras interpretaes simblicas. A exposio desse interessante estudo servir para
completar e sintetizar ainda mais o caminho feito at agora, pois, assim, o que foi
apresentado primeiro de maneira mais discursiva aqui retomado criticamente, num
enfoque mais metodolgico e atento s categorias que se apresentam.

Interpretao historicista:
Nesse tipo de interpretao no se v mais do que a solicitude filial de Jesus
para com Maria, sua me. Essa leitura j se encontra presente nos santos padres e foi at
utilizada como prova de que as expresses irmo ou irm de Jesus, nos evangelhos
(Mc 6,3par; Jo 2,12) se referiam a parentes e no a filhos da mesma me.
Consequentemente, essa interpretao ser usada para falar da virgindade perptua de
Maria, como se viu no pensamento de Ambrsio de Milo.
Contra essa forma de interpretao pesam o inegvel interesse teolgico do
evangelista no resto da narrativa da paixo e a ausncia de meno, at aquele
momento, de solicitude terrena de Jesus para com sua Me.
A maioria dos defensores da leitura historicista supe que o Discpulo
Amado seja o apstolo Joo, que teria levado Maria para sua casa depois da morte de
Jesus.

Interpretao tipolgico-simblica:
Essa via de interpretao, presente de maneira mais difundida na exegese
eclesistica desde o sculo XII, percebe Maria como imagem da Igreja. Para isso,
utilizar os termos me e mulher em consonncia com as imagens
veterotestamentrias de Israel ou Sio como mulher e me. Retomam a tipologia
patrstica Eva-Maria. Schnackenburg questiona se realmente essa tipologia e viso de
Igreja, muito centrada na figura de Maria, est presente no pensamento do autor do
Quarto Evangelho. Ele v como mais provvel a interpretao simblica que percebe a
47

Cf. SCHNACKENBURG. El Evangelio segun San Juan, p. 344-346

33

Me de Jesus como tipo do antigo povo, o que possibilitaria a percepo e valorizao


do Discpulo Amado, figura tambm de grande peso na narrativa, como representante
do novo povo.

Interpretao mariolgica em estrito senso:


Esse tipo de interpretao v a incorporao de Maria a uma funo pessoal
de alcance teolgico ou histrico-salvfico, como, por exemplo, perceb-la como me de
todos os crentes ou da Igreja. As interpretaes variam de acordo com a ndole de sua
ao na Igreja ou para a Igreja. A crtica que Schnakenbrug faz que no se encontra
nenhuma meno explicta ou especfica nos textos que corrobore essas afirmaes.
mais fcil, segundo esse estudioso, encontrar o apoio para essas ideias na tradio
eclesistica do que t-las como ideias joaninas.

Outras interpretaes simblicas:


Ao considerar a opinio de Schnackenburg, constata-se que esse autor
destaca ainda a interpretao feita por Bultmann e por Kragerud. Bultmann percebe a
figura da Me de Jesus, firme ao p da cruz e confessando sua f, como o judeucristianismo, enquanto o discpulo amado representaria o cristianismo de origem gentio.
A dificuldade dessa interpretao se situa no fato de que esse Discpulo j se encontra
no crculo dos discpulos de Jesus, restando, assim, a sustentao da idia de Bultmann
somente sobre uma possvel tenso entre Pedro e esse Discpulo. Kragerud parece
concordar com o pensamento de Bultmann ao postular Pedro como representante da
hierarquia eclesistica e o Discpulo Amado, aos ps da cruz, como imagem do
primitivo profetismo cristo.
Tais interpretaes se aliam a outras semelhantes, ao longo da histria, e
vm carregadas de pr-concepes acerca da figura do Discpulo Amado que carecem
de respaldo no texto do evangelho.

*
Ao fim dessa apresentao, v-se que nossa hiptese encontra apoio
especialmente na interpretao dos telogos contemporneos. De maneira especial, ser
Xavier Lon-Dufour o telogo que mais nos oferecer elementos para desenvolver
nossa hiptese inicial.
34

Embora em alguns autores do perodo patrstico se encontre abertura para a


possibilidade de uma leitura simblica, tipo de leitura que buscamos realizar em nosso
trabalho, percebe-se que nos distanciamos do pensamento desses autores sobre a
percope, principalmente ao se optar por uma leitura que no faa coincidir os smbolos
Me de Jesus e Discpulo Amado com as figuras histricas de Maria de Nazar e do
Apstolo Joo.
Buscar-se-, ao longo de nosso estudo, relacionar a cena em questo com
vrios outros textos joaninos e com seu contexto narrativo imediato (a Glorificao do
Filho na Cruz), a fim de mostrar como ali se expressa a unificao de toda a Histria
Salvfica. O passado dessa histria (Me de Jesus) e seu futuro (Discpulo Amado,
enquanto aquele que dar testemunho da plenitude realizado por Deus no Cristo)
encontram seu sentido pleno no eterno presente salvfico do Ressuscitado. No
crucificado, a Histria de Deus com os Homens recapitulada, encontrando nele seu
sentido profundo. O povo da Aliana encontra a realizao da plenitude de sua
esperana no Cristo. Plenitude que se descortina em futuro aberto pela presena do
Cristo no testemunho da comunidade guiada pelo Esprito do Crucificado-Enaltecido.

35

Captulo II: A construo das identidades na narrativa


Aps haver percebido, no captulo anterior, como vlida a possibilidade de
uma leitura de carter simblico da percope de Jo 19,25-27, iniciar-se- a aplicao do
mtodo escolhido para nossa interpretao, a saber, a anlise narrativa. Como primeiro
passo, nosso foco se fixar nas personagens protagonistas da cena narrada na percope
em questo.
Antes de se iniciar a anlise propriamente dita, explicitar-se- o caminho
metodolgico. Na percope em questo, encontraram-se no centro da ao basicamente
trs personagens: a Me de Jesus, o Discpulo Amado e o Crucificado. Tendo
optado por fazer uma anlise de carter narrativo, nossa preocupao ser tratar o texto
cannico. Seguindo esse mtodo, buscou-se para cada uma dessas personagens, aps
analisar as suas aparies no decorrer do evangelho, construir sua identidade na
narrativa, dizer quem so, a partir do texto, essas personagens envolvidas na cena.
Feito esse procedimento, situar-se- a percope, no contexto global da narrativa
evanglica de Joo, para, depois, encerrar detalhando a mensagem contida no referido
trecho, o que ser feito no Captulo III deste trabalho.

1. A Me de Jesus:
A expresso Me de Jesus, em grego, mh,thr tou/ VIhsou/, aparece em
apenas dois episdios em todo o Evangelho de Joo, a saber, na percope conhecida
como das Bodas em Can (2,1-11) e aquela que denominamos Aos ps do
Crucificado (19,25-27). Ambas esto profundamente marcadas por um vis
escatolgico. A hora da glorificao do Filho, tema que ser aprofundado mais
frente , d o tom de fundo s duas percopes. A isso atribumos, como exposto
anteriormente, um primeiro indcio de que tais narrativas possuam profundo carter
simblico, indo, assim, alm de uma narrativa de carter meramente histrico. Dessa
forma, necessria a exposio de algumas consideraes prvias sobre a expresso
Me de Jesus, antes de proceder propriamente ao estudo das percopes.

36

1.1 Consideraes prvias:


Chama-nos a ateno o fato de que, diferente do modo assumido pelos
sinpticos, a expresso Me de Jesus no esteja explicitamente associada ao nome
Maria de Nazar. Dessa forma, a expresso parece indicar aquela que gerou Jesus, o
Filho de Deus. Voltando nossos olhos para a tradio veterotestamentria,
principalmente na literatura proftica, percebe-se que Israel, em diversas passagens,
tratada como mulher, esposa de Deus e me.
O profeta Osias aplica Aliana de Deus com o povo o vocabulrio de
uma aliana conjugal. Israel vista como a esposa infiel que rompe a Aliana com seu
Deus e busca outros deuses pagos. Enquanto isso, Deus o esposo fiel que mantm sua
aliana, mesmo diante da infidelidade de sua esposa, chamando-a continuamente, pela
boca do profeta, ao retorno comunho amorosa. No profeta Isaas, Israel toma as
feies de uma me (Is 49,20-22; 54,1; 66,7-11). Ela a Sio messinica, lugar
capital de reunio do povo eleito no final dos tempos.
Assim, o exegeta Lon-Dufour afirma sobre a figura da Me de Jesus em
Joo:
[...] Israel simbolizado pela me de Jesus, [...]. Maria no designada pelo seu
nome e sim como me de Jesus; tambm chamada Mulher, e isso
intencional. Tal como o discpulo que Jesus amava, ela tem um valor que
sobrepuja sua individualidade. O ttulo Mulher, sem dvida, no se refere
primeira, o que faria de Maria uma nova Eva; ele evoca a Sio ideal, representada
ela prpria na Bblia sob os traos de uma mulher e, mais precisamente, sob os de
uma me. Maria personifica a Sio messinica que rene os filhos ao seu redor por
ocasio dos fins dos tempos. Na verdade, ela , antes de tudo, a personificao de
Israel.1

Sustentam ainda semelhante posio os exegetas J. Mateos e J. Barreto que


percebem na personagem Me de Jesus uma figura representativa do Israel fiel s
promessas, do qual Jesus teve sua origem humana2.
Feitas essas consideraes iniciais, cabe-nos agora analisar a passagem
supracitada onde ocorre a expresso Me de Jesus.

LON-DUFOUR, X. Leitura do Evangelho de Joo: Palavra de Deus. So Paulo: Loyola, 1996. Tomo I.
p. 174-175. (Col. Bblica Loyola 13).
2
Cf. MATEOS, J.; BARRETO, J. Verbete: Me. In: ID. Vocabulrio Teolgico do Evangelho de So
Joo. So Paulo: Paulinas, 1989. p. 173.

37

1.2 As Bodas em Can da Galilia (2,1-11)


Texto grego

Traduo instrumental
1

Kai. th/| h`me,ra| th/| tri,th| ga,moj evge,neto evn Kana.


th/j Galilai,aj( kai. h=n h` mh,thr tou/ VIhsou/ evkei/\

E no terceiro dia um casamento veio-a-ser em


Cana da Galilia, e estava a me de Jesus l.

evklh,qh de. kai. o` VIhsou/j kai. oi` maqhtai. auvtou/


eivj to.n ga,mon

kai. u`sterh,santoj oi;nou le,gei h` mh,thr tou/


VIhsou/ pro.j auvto,n\ oi=non ouvk e;cousin

kai. le,gei auvth/| o` VIhsou/j\ ti, evmoi. kai. soi,(


gu,nai ou;pw h[kei h` w[ra mou

le,gei h` mh,thr auvtou/ toi/j diako,noij\ o[ ti a'n


le,gh| u`mi/n poih,sate

h=san de. evkei/ li,qinai u`dri,ai e]x kata. to.n


kaqarismo.n tw/n VIoudai,wn kei,menai( cwrou/sai
avna. metrhta.j du,o h' trei/j

le,gei auvtoi/j o` VIhsou/j\ gemi,sate ta.j u`dri,aj


u[datoj kai. evge,misan auvta.j e[wj a;nw

kai. le,gei auvtoi/j\ avntlh,sate nu/n kai. fe,rete tw/|


avrcitrikli,nw|\ oi` de. h;negkan

w`j de. evgeu,sato o` avrcitri,klinoj to. u[dwr oi=non


gegenhme,non kai. ouvk h;|dei po,qen evsti,n( oi` de.
dia,konoi h;|deisan oi` hvntlhko,tej to. u[dwr( fwnei/
to.n numfi,on o` avrcitri,klinoj

10

10

11

11

kai. le,gei auvtw/|\ pa/j a;nqrwpoj prw/ton to.n


kalo.n oi=non ti,qhsin kai. o[tan mequsqw/sin to.n
evla,ssw\ su. teth,rhkaj to.n kalo.n oi=non e[wj a;rti
Tau,thn evpoi,hsen avrch.n tw/n shmei,wn o` VIhsou/j
evn Kana. th/j Galilai,aj kai. evfane,rwsen th.n
do,xan auvtou/( kai. evpi,steusan eivj auvto.n oi` maqhtai.
auvtou/

Fora chamado tambm Jesus e seus discpulos


para o casamento.
E faltando vinho, diz a me de Jesus a ele:
Vinho eles no tm.
[E] diz-lhe Jesus: Que para mim e para ti,
mulher? Ainda no veio minha hora.
Diz sua me aos servidores: O que ele disser a
vs, fazei-o.
Estavam l seis talhas de pedra conforme a
purificao dos judeus deitadas, medindo dois ou
trs metretas.
Diz-lhes Jesus: Enchei as talhas com gua.
E encheram-nas at em cima.
E diz-lhes: Hauri agora e levai ao mestre-sala.
Eles (porm) levaram.
Quando tinha provado o mestre-sala da gua
tornada vinho e no sabia de onde era, os
servidores porm o sabiam, que tinham haurido a
gua, chama o mestre-sala o noivo
e diz-lhe: Todo homem pe primeiro o bom
vinho e quando ficam embriagados, o inferior.
Tu guardaste o bom vinho at agora.
Este incio dos sinais fez Jesus em Can da
Galilia e manifestou sua glria e acreditaram nele
os seus discpulos.

De antemo, cabe-nos a afirmao de que o presente relato no encontra


paralelo nos sinpticos. Se Joo recebeu esse relato de uma tradio mais antiga, no
nos cabe aqui responder; contudo, certo que, dentre os evangelhos cannicos, esse
relato prprio de Joo. Tal fato vem reforar a importncia dessa narrativa para a
construo literria do presente evangelho. Assim, as bodas figuram na obra de Joo
como prefigurao simblica das bodas definitivas entre Deus e seu povo, realizada no
Cordeiro Jesus.
O lugar onde essa festa de casamento se realiza profundamente
significativo: Can, situada na Galilia das naes (Is 9,1), lugar da acolhida de Jesus,
38

diferentemente de Jerusalm. O relato que antecede essa percope (a saber, o dilogo


entre Jesus e Natanael3) termina com uma afirmao que encontra ressonncias na
literatura apocalptica: a vinda do Filho do Homem (1,51). Na literatura bblica
cannica, encontra-se imagem semelhante em Dn 7,13, j largamente utilizada no
Evangelho de Marcos. Na literatura apcrifa, encontra-se ressonncia no livro de
Henoc4. Essa imagem prepara tudo o mais que vir e, imediatamente, a primeira
manifestao pblica do Filho.

1.2.1 Sobre a estrutura da percope e sua especificidade.


Em um primeiro momento, faz-se necessrio perceber que a narrativa das
Bodas em Can no pode ser reduzida a uma mera narrativa de informao histrica.
Determinadas ausncias no texto, como, por exemplo, o nome do noivo e a figura
explcita da noiva, bem como algumas nfases, o nmero e a qualidade das talhas
utilizadas no sinal, a descredenciam como mera narrativa de informao e apontam
para a necessidade de uma leitura a partir de outro registro.
A estrutura da presente percope apresenta as principais caractersticas do
gnero narrativo evanglico denominado pelos especialistas como narrativa de
milagres: descrio do ambiente (v.1-2), pedido de interveno (v.3-5), interveno
(v.6-8), constatao do prodgio (v.9-10), concluso admirativa (v.11). Contudo, em
consonncia com o exegeta Xavier Lon-Dufour, percebe-se que esse relato vai alm de
sua estrutura, constituindo-se, assim, um sinal sui generis em Joo.
Joo, ao falar da ao miraculosa de Jesus, diferentemente dos sinpticos,
que utilizam geralmente a expresso atos de poder (dynamis), faz uso da expresso
sinais (smion). Ao todo, so encontrados sete sinais em Joo5. Faculdade prpria do
sinal a de apontar para outra realidade que no ele mesmo. Distanciando-nos da
possibilidade de uma leitura alegrica, percebe-se que no caso desse relato, no se trata
de sinais dispersos pelo texto (como bem prprio da leitura alegrica), mas a prpria
3

Natanael: chamado por Jesus de um verdadeiro israelita, em quem no h dolo, portanto, figura como
aquele que faz parte do Israel que permaneceu fiel. A frase de Jesus Antes que Filipe te chamasse, te vi
eu, estando tu debaixo da figueira nos remete figueira da passagem de 1Rs 4,25 onde Jud e Israel
habitavam seguros.
4
Henoc 46,1.2.3; 48,2; 61,10.13.17; 62,15; 68,38.39.40.41; 69,1;
5
Os sete sinais so: As npcias em Can (2,1-11), a cura do filho do nobre (4,46-54), cura do paraltico
(5,1-18), multiplicao dos pes (6,1-15), Jesus caminha sobre as guas (6,16-21), cura do cego (9,1-41),
ressurreio de Lzaro (11,1-44).

39

narrativa simblica. na medida em que aponta para uma nica realidade que a
organiza e a preenche de sentido. Como prprio desse evangelista, as narrativas
simblicas dos sinais cumprem a funo de revelar/comunicar uma face da identidade
messinica de Jesus Cristo, o Filho unignito do Pai.
Em 2,11, encontramos a expresso tau,thn evpoi,hsen avrch.n tw/n shmei,wn,
que qualifica, de maneira especial, esse sinal. Embora esse incio dos sinais tambm
signifique o princpio da sequncia dos sinais de Jesus, percebe-se ainda que, sob o
prisma escatolgico, possa essa expresso apontar para o incio de uma nova realidade
que se inaugura com os sinais. Isso se deve interpretao da palavra grega arch, que
implica dois sentidos: um sentido temporal, que marca o incio da enumerao dos
sinais que ho de ser manifestos ao longo do livro, e um sentido qualitativo, ou seja, o
princpio de uma nova realidade que estar presente, de agora em diante, no texto do
evangelho. Esse segundo sentido, para o qual apontamos, explicita o grande alcance que
possui essa palavra. Partindo do fato, anteriormente exposto de que esse sinal no
acompanhado de nenhuma palavra que ajude em sua interpretao, Lon-Dufour
pergunta:
No ser porque o sinal da gua transformada em vinho o arqutipo no
qual se acha prefigurada e pr-contida toda a srie [dos sinais]?6

Assim, esse especialista prefere traduzir o termo arch como prottipo, ou


seja, um fato que designa ao mesmo tempo algo original e exemplar. Dessa feita, fica
salvaguardado o valor de princpio totalizador que engloba os demais sinais que
posteriormente viro.

1.2.2 A cronologia e o lugar das Bodas:

Cronologia:
Joo nos oferece duas referncias cronolgicas para os eventos de Can: o
terceiro dia7, por sua vez inserido no quadro de uma semana8. Em ambas as
referncias ressoam textos importantes do Antigo Testamento. A seguir, sero estudadas
essas duas referncias, buscando-se perceber o contedo simblico existente.
6

LON-DUFOUR, Leitura do Evangelho de Joo, I, pg. 166

Jo 2,1.

Jo 1,19. 28.35.43

40

O terceiro dia
As Bodas acontecem no terceiro dia e, em Joo, essa cronologia est em
profunda relao com a hora do Filho (cf. Jo 1,51; 2,4). Essa expresso (terceiro dia)
recorrente na narrativa de eventos importantes na histria de Israel9. Segundo
Konings,
o terceiro dia no deve ser entendido apenas como elemento narrativo, mas
como indcio de simbolismo. Na Bblia o terceiro dia no deve ser
entendido matematicamente; geralmente indica um breve lapso de tempo, s
vezes relacionado com o (pronto) agir divino...10.

Em Joo, esse terceiro dia finaliza a comumente denominada semana


inaugural. Essa sequncia que marca o incio da vida pblica de Jesus tem incio com o
testemunho de Joo Batista (1,19-28); segue com a apresentao de Jesus por Joo
Batista como o Cordeiro de Deus (1,29-34); com o chamado de Simo Pedro e Andr
(1,35-42) e no quarto dia narrada a vocao de Natanael e Filipe e as promessas, feitas
a Natanael, de que este veria a manifestao da Glria de Deus no Filho (1,51). Em
seguida, encontra-se a expresso terceiro dia iniciando o relato das npcias,
totalizando sete dias.
Primeiro dia

O testemunho de Joo Batista (1,19-28)

Segundo dia

A apresentao de Jesus por Joo Batista como o Cordeiro de Deus (1,29-34)

Terceiro dia

Chamado de Simo Pedro e Andr (1,35-42)

Quarto dia

Vocao de Natanael e Filipe e as promessas feitas a Natanael (1,51)

Quinto dia
Sexto dia
Stimo dia

Terceiro dia: Bodas em Can

A expresso terceiro dia, no contexto das npcias11, nos remete


principalmente aos eventos narrados em Ex 19,11ss., quando Deus e Israel estabelecem
sua Aliana no Sinai e o povo recebe de Deus a Lei; acontecimento que se d no
terceiro dia. Desse modo, o presente relato simblico, parece prefigurar o
9

Simoens realiza um interessante estudo sobre esta expresso: SIMOENS, Yves. Selon Jean : Une
interpretation. ditions de nstitute dstudes Thologiques: Bruxelles, 1997. Tomo II. p.130-133.
10
KONINGS, J. Evangelho segundo Joo: Amor e Fidelidade. So Paulo: Loyola, 2005. p. 100.
11
De agora em diante utilizaremos o termo npcias no lugar de bodas, visto que em portugus mais
bem expressa o sentido desejado. O termo npcias tem grande peso teolgico. Por diversas vezes, a
dinmica nupcial foi utilizada no Antigo Testamento, largamente pelos profetas, em referncia Aliana
de Deus com Israel (Os 2,16-25; Jr 2,1-2; 3,1.6-12; Ez 16; Is 50,1; 54,2-8; 62,4-5; Sl 45; entre outros). No
Novo Testamento, o Reino de Deus comparado a uma festa de casamento (Mt 22,1-14; 5,25-33). Paulo
nos apresenta Jesus como o esposo (2Cor 11,2; Ef 5,25-33). O Apocalipse fala das npcias do cordeiro
(Ap 21,9).

41

aperfeioamento da Aliana realizado na Glorificao do Filho. Em Joo, no se tem


uma Nova Aliana, no sentido de uma anulao daquela feita no Sinai, mas sim, sua
novidade est na plenificao da Aliana por meio do Filho, o Verbo encarnado12.
Sobre esse paralelo entre os eventos de Ex 19,11ss. e as npcias em Can,
Manns afirma:
...de acordo com Ex 19,11 no terceiro dia que Deus desceu sobre a
montanha Sinai. De acordo com a verso do Targum este terceiro dia no
outro que o sexto dia. Com efeito, a verso litrgica do Targum apresenta o
dom da lei no mbito da semana, como Jo 1,19-2-12. Joo pe o terceiro dia
em relao com a hora de Jesus que a da Paixo e Glorificao. Esta hora
est fixada pela vontade do Pai. Em Can e no Calvrio, so as npcias entre
Cristo e a Igreja aqui realizadas e l prefiguradas.13

Para o referido autor, o terceiro dia um hapax joanino frequentemente


utilizado em referncia Ressurreio. Continuando a reflexo sobre essa expresso,
Manns afirma14:
A sua origem veterotestamentria e a sua releitura sinagogal permitem
afirmar que equivalente ao dia salvao. No mbito temporal de Jo
1,19.29.35.42 a meno ao terceiro dia toma um suplemento de sentido:
poderia evocar o esquema de sete dias.15

Na sequncia, o autor nos apresenta um esquema do paralelo entre a leitura


do Targum para a Teofania de Ex 19 e os acontecimentos nas npcias em Can:
Moiss e Jesus so chamados (ekalesen-eklth) e a seguir descem (kateb).
O povo obedece s ordens (Ex 19,8 e Jn 2,5).
O tema da purificao mencionando em Ex 19,10 e Jn 2,6.
A Glria de Deus manifesta-se e provoca a f (ex 19,9 e Jn 2,11).
Por ltimo, no Sinai Israel apresentado como uma esposa e a f comparada
com o vinho permitem identificar o Sinai ao lugar da festa. no Sinai que
Israel tornou-se posse (Qana) de Deus16.

A semana:
Quanto cronologia marcada por sete dias, acredita-se que, tanto os relatos
da verso litrgica do Targum com relao a xodo 19, exposta anteriormente na
meno a Manns, quanto os de Joo sobre as npcias em Can, estejam em referncia
12

Sobre a relao entre Antiga e Nova Aliana, remeto a: JAUBERT, A. La notion dalliance dans le
Judasme: aux abords de lre chretienne. Paris: Seuil, 1963.
13
MANNS, F. LEvangile de Jean a la lumire du Judasme. Jerusalem: Franciscan Printing Press, 1991.
p. 109
14
Embora preferindo uma abordagem que englobe os eventos do Sinai e a Semana da Criao em
paralelo com as npcias, no podemos deixar de citar que, para Simoens, o paralelo com Ex 19,11 mais
provvel do que uma possvel comparao com a semana da Criao. Cf.: SIMOENS. Selon Jean, II p,
133.
15
MANNS. LEvangile de Jean a la lumire du Judasme, p. 98
16
MANNS. LEvangile de Jean a la lumire du Judasme, p. 98

42

semana da Criao. As bodas, no Evangelho de Joo, e a Teofania do xodo, no


Targum, acontecem no stimo dia. No interior da tradio judaica, o stimo dia, o dia do
Senhor, aquele dia que h de vir, onde toda a Criao descansar nos braos de seu
Criador. o dia da plenitude. O sexto dia o da criao do ser humano.
Assim, enquanto a verso litrgica do Targum nos apresenta o Dom da Lei
(Torah), evento auge da Aliana no Sinai, sendo entregue nesse dia que carrega o
sentido simblico de plenitude, Joo situa os eventos de Can utilizando-se do mesmo
esquema. Dessa forma, percebe-se que Joo quer nos apresentar a manifestao da
Glria do Filho em continuao com a obra da Criao e como sua plenitude.
Realizando-se as npcias, no stimo dia, estaria assim prefigurada a plenitude que vir
no enaltecimento do Filho na cruz.

O terceiro dia encerrando a semana


Seguindo esse esquema de sete dias, com o evento mximo e conclusivo
acontecendo no terceiro dia (que o stimo), Joo indica no somente a plenitude da
Aliana do Sinai na manifestao da Glria em Jesus, como, tambm, a plenitude de
toda a Criao. Assim como o stimo dia indica a plenitude da Aliana e o Dom da Lei,
essa cronologia significaria para Joo a plenitude da Aliana manifesta na glria do
Filho. Esse fato nos oferece uma chave de leitura possvel para as seis talhas de pedra
de 2,6, dedicadas purificao ritual dos judeus, gesto significativo do antigo culto da
Aliana, pois a plenitude, o sete, ainda aconteceria na Pscoa do Filho.

Geografia
Prosseguindo o estudo, v-se que tais npcias se realizam em Can. Notao
geogrfica tambm repetida em Joo (2,1.11); a possvel localizao geogrfica desse
lugar seria Kirbet Kan, situada a 14 km de Nazar ou Kefer Kan, a 7 km. Pode-se ver
aqui uma clara inteno simblico-teolgica. Segundo Frana Lopes:
Em 1,46 lemos: De Nazar, lhe [a Felipe] disse Natanael, ser que pode sair
alguma coisa boa? Felipe lhe disse: Vem e v. A passagem bblica mostra o
desprezo pela Galilia e pelos seus habitantes. Tanto os cristos como os
zelotas foram chamados de galileus, inimigos dos judeus.17

Contudo, bem ao modo da ironia joanina, esse o lugar escolhido pelo


Cristo de Deus para iniciar o seu ministrio e a manifestao de sua Glria. A pequena e

17

LOPES. A Me de Jesus no Evangelho de Joo, p. 29.

43

desconhecida Can se situa na Galilia. Essa regio, identificada por Isaas (8,23; cf.
1Mc 5,15) e citada por Mt 4,15-16 como Galilia das naes, se situa no ponto de
convergncia de diversas rotas da poca. No Quarto Evangelho, ela apresentada como
lugar da aceitao da mensagem e da pessoa de Jesus, mais do que em sua prpria ptria
(cf. 4,44). Ela o Norte que em Jesus ser unido ao Sul, lugar dos judeus (cf.
11,51-52). Nessa perspectiva, percebe-se que no Cristo se realizar a nova Aliana que
far da humanidade o povo uno (nico), imagem do Deus uno18.

1.2.3 Jesus e sua Me:


Tendo realizado a discusso sobre a estrutura, especificidade, cronologia e
lugar da narrativa das npcias em Can, fica mais claro o peso teolgico-escatolgico
desse relato simblico. Contudo, ser dada mais ateno, nesta parte do trabalho, ao
trecho que engloba os vv. 1-5 da narrativa em questo, visto que contm o quadro de
Jesus com sua Me, ponto central para a construo da identidade narrativa da
personagem Me de Jesus.
No primeiro versculo da narrativa das npcias, encontra-se a afirmao de
que a Me de Jesus j estava presente na festa. Sua funo precede a hora da
glorificao do Filho. Jesus fora convidado para as npcias. Somente aqui utilizado o
verbo kale,w em Joo. Pode-se compreender esse fato se se toma a figura de Jesus em
paralelo com a de Moiss, em Ex 19,20, que convidado pelo Senhor a subir ao cume
do monte. Seus discpulos o acompanham. Eles so aqueles que veem os sinais e creem,
ou seja, que atenderam ao chamado: vem e v.
Eles no tm vinho(2,3). Durante a festa, vem a faltar vinho. A
celebrao de um casamento no judasmo durava vrios dias. Uma celebrao que
envolvia todo o cl. O vinho, smbolo da alegria, era elemento indispensvel; sem ele,
seria o fim da festa. Na literatura proftica, a falta de vinho utilizada como sinal dos
tempos de desolao e castigo (Am 5,11; Mq 6,13; Sf 1,13; Dt 28,39):
Pranteia o mosto, enfraquece a vinha e suspiram todos os alegres de corao.
Cessa o folguedo dos tamborins, acaba o rudo dos que exultam, e cessa a
alegria da harpa. Com canes no bebero vinho; a bebida forte ser amarga
para os que a beberem. Demolida est a cidade vazia, todas as casas
fecharam, ningum pode entrar. H lastimoso clamor nas ruas por falta do
vinho; toda a alegria se escureceu, desterrou-se o gozo da terra. (Is 24,7-11).

18

Cf. SIMOENS. Selon Jean, II, p. 135.

44

A abundncia de vinho, j no Antigo Testamento, possui conotao


messinica (Am 9,13; Os 2,24; Is 29,17; Jr 31,5; Br 29,5). Segundo o Apocalipse de
Baruc, nos dias do Messias, as vinhas produziro em abundncia e haver abundncia
de vinho19.
O pedido de interveno feito pela Me de Jesus se d de maneira indireta.
Na estrutura dos sinais em Joo, encontra-se essa maneira literria de formular um
pedido. No captulo 11 de Joo, no episdio da revivescncia de Lzaro, Marta faz
seu pedido de interveno de maneira indireta.
A frase eles no tm vinho, descontextualizada, poderia soar como mera
constatao de um problema. Contudo, relacionadas ao dilogo que se segue, h nelas
uma profunda confiana contida. Assim, se no se pode afirmar que o que Me de Jesus
apresenta um pedido explcito, ao menos ela apresenta confiante ao Filho a situao
aflitiva em que se encontram os convivas das npcias20.
Quer se trate de simples constatao, quer essas palavras revelem pedido
inspirado na confiana de que o Filho poderia intervir, manifestam-se nessa
atitude a ateno e a concretude da me, que apresenta a ele a necessidade
dos amigos.21

Sobre isso, Lon-Dufour declara:


Assim falando, a me de Jesus no pede um milagre; alis, ela parece ainda
ignorar sua dignidade de Messias (cf. 1,26). Mas pe seu filho diante da
aflio de Israel, desse Israel que ela e que ela representa. Aparentemente,
Maria se situa no nvel da carncia concreta do vinho [...]22

Que h entre mim e ti. O sentido dessa frase varia de acordo com o
contexto. Geralmente significa: Que h de comum entre ns? ou O que que nos
separa?. Contudo, ela no pode ser reduzida a esses sentidos. Na Bblia, essa frmula,
ma li walak peculiar linguagem diplomtica, examina o elo existente entre dois
parceiros, seja para indicar uma ruptura, seja para chamar a ateno do interlocutor para
um ponto de divergncia23. No Antigo Testamento, ela aparece em 2Rs 3,13 e Os 14,9,
onde expressa a divergncia de opinies e em Jz 11,12 e 1Rs 17,18 onde exprime
hostilidade e recusa de relacionamento. No Novo Testamento, encontrada em Mt 8,29;
Mc 1,24; 5,7; Lc 4,34; 8,28. Nessa ocorrncia em Joo, percebe-se certa tenso entre
Jesus e sua Me acerca da falta de vinho. comum nos dilogos de Jesus em Joo certa

19

MANNS. LEvangile de Jean a la lumire du Judasme, p. 100.


Ver tambm Jo 5,7 e 11,3.
21
BROWN, R. et alii. Maria no Novo Testamento. So Paulo: Paulinas, 1985. p. 86.
22
LON-DUFOUR. Leitura do Evangelho de Joo, I, p. 177
23
Cf. LON-DUFOUR. Leitura do Evangelho de Joo, I, p. 177
20

45

mudana de perspectiva na conversa operada em Jesus. H sempre um alargamento de


horizontes.
Konings afirma que essa expresso uma maneira de
marcar distncia, interesse diferente (cf. 2Sm 19,23; Mc 1,24) ou suspense
(cf. 2Rs 3,13; Os 14,8). O porqu do suspense aparece logo: A minha hora
ainda no chegou. Jesus no rechaa a me, mas est sugerindo que o que
ele vai fazer agora ainda no sua obra propriamente, obra que ele cumprir
quando chegar a sua hora. O que ele vai fazer agora um sinal de sua
competncia, como explicita o v.11, mas no a obra em si24.

Assim, percebe-se nessa certa divergncia entre a Me e Jesus, uma


mudana de foco por parte de Jesus. Ele encaminha a compresso para outro nvel,
provocando a resposta confiante de sua Me.
Mulher: Esse vocativo gu,nai, sado da boca de um filho, referindo-se sua
Me, aos ouvidos modernos poderia soar desrespeitoso. Poder-se-ia esperar
normalmente algo como imma, correspondente feminino de abba (= [pa]pai).
Encontra-se, ainda, este termo mulher em 19,26, tambm relacionado Me de Jesus.
Possivelmente Joo queira evocar o contexto de Gn 3,15.2025, onde Eva , ao mesmo
tempo, chamada de mulher e me de todos os viventes. Dessa forma, Joo estaria
situando a cena no interior da Histria da Salvao. Tendo em conta que nos
encontramos referidos Aliana, vale lembrar o que anteriormente foi exposto que
Israel, por diversas vezes nos profetas, foi referida como Mulher, esposa de Deus. Dessa
forma, antes de soar desrespeitoso na boca de Jesus, o termo parece evocar a Sio
Messinica, me de todos os homens.
Mais do que isso, Simoens v sobre o emprego desse vocativo uma
transformao nas relaes, operada pelo sinal maior da cruz:
Mulher, associada meno da hora, surge para exprimir a transformao
operada na histria e at no ser criado das pessoas pela presena de Jesus
como Filho de Deus no mundo e como Logos encarnado26.

Em Joo, Jesus no reservar esse termo somente sua me. Ele pode ser
visto tambm aplicado Samaritana (4,21) e a Maria Madalena na manh pascal
(20,15).
Minha hora ainda no chegou: A expresso hora no Quarto Evangelho
muito importante. Todo o Evangelho de Joo um deslocar-se para esse momento
(7,30; 8,20; 12,23.27; 13,1; 16,32; 17,1). o cume de todo o livro: a glorificao do
24

KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 101


Cf. MANNS. LEvangile de Jean a la lumire du Judasme, p. 101
26
SIMOENS. Selon Jean, II, p. 138
25

46

Filho, ou seja, o enaltecimento na cruz. Essa expresso encontra suas origens nos
ambientes apocalpticos (Dn 8,17.19; Hen 89,72; 90,1.5) e designa o momento no qual
vai-se cumprir definitivamente o desgnio de Deus, to inelutvel quanto o Dia do
Senhor27.
Segundo Frana Lopes:
Esta hora no evangelho de Joo o momento da glorificao de Jesus. O seu
retorno ao Pai. um tempo de revelao. Cristo mostrar a intimidade que
Ele tem com o Pai. Jesus revelar quem Ele e quem o Pai, porque o Pai e
Ele so um (Jo 10,30). Tambm ser nessa hora que os discpulos
reconhecero que Jesus est no Pai. A hora em Can o comeo de uma
manifestao de Jesus Cristo que se plenificar na sua morte e ressurreio.
o momento em que Jesus vai doar a sua vida para a remisso dos pecados da
humanidade.28

Nessa frase negativa29 nos revelada a fora prefigurativa dessa narrativa.


Embora ela nos diga da hora final e marque o incio do caminho de Jesus em sua
direo, esta ainda no chegou. Sobre esse trecho, Niccaci e Bataglia assim nos dizem:
Jesus, portanto, quer dizer que no chegou ainda a sua hora: no a hora dos
milagres, mas a do cumprimento da sua misso; e que, portanto, os bens
messinicos, dos quais o vinho smbolo, sero concedidos s naquela
hora e jorraro de sua cruz30.

Fazei tudo quanto ele vos disser: Surgem novos personagens na narrativa. A
Me de Jesus os chama obedincia. Segundo Manns, o termo dia,konoj ser retomado
em 12,26, designando a unidade entre a vida do discpulo servidor e a do Mestre31. No
contexto da Aliana, em que se desenvolve essa cena, encontra-se possvel aluso a Ex
19,8: na boca do povo escolhido, a promessa de obedincia ao Senhor. A me-Israel,
fiel Aliana, convoca obedincia aquele que levar a Antiga Aliana plenitude na
Nova.

1.2.4 Outros elementos da narrativa:


Seis talhas de pedra: Os jarros de pedra correspondem aos keley abanim que
no podiam conter nenhuma impureza ritual e que serviam para as ablues rituais32 que
27

LON-DUFOUR. Leitura do Evangelho de Joo, I, p. 181


LOPES. A Me de Jesus no Evangelho de Joo, p. 34
29
Lon-Dufour prope a forma interrogativa para esta frase. Segundo este autor, isto permitiria o
encadeamento da reao imediata de Maria com a resposta ouvida. Cf.: LON-DUFOUR. Leitura do
Evangelho de Joo, I, p. 180-181.
30
NICCACI, A.; BATAGLIA, O. Comentrio ao Evangelho de Joo. Petrpolis: Vozes, 1981. p. 60.
31
MANNS. LEvangile de Jean a la lumire du Judasme, p. 102. Konings v uma possvel aluso ao
servio da comunidade; cf.: KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 102.
32
MANNS. LEvangile de Jean a la lumire du Judasme, p. 102.
28

47

tanto preza o judasmo, principalmente de linha farisaica. So feitos de pedra, segundo


prescreve o Targum, por causa da pureza33. Uma possibilidade de leitura do simbolismo
contido nessa insistncia na especificidade do material utilizado nas talhas, encontrado
em Manns, que assim trabalha o tema:
O adjetivo de pedra um hapax joanino. Poderia evocar o dom da Lei
sobre as tbuas. A esta Lei corresponde o corao de pedra de Ex 36,26.34

Dessa forma, esse especialista nos conduz ao contexto da Aliana que,


segundo outros aspectos j explorados, parece ser crucial para a interpretao dessa
percope. O mesmo autor afirma sobre o nmero das talhas, ou seja, seis:
Joo, sabe-se, explora o simbolismo dos nmeros. Menciona seis festas
judaicas. necessrio ver no nmero seis uma meno discreta ao esquema
da semana inicial, ou uma aluso ao dom da lei que teve lugar na sexta hora?
Que se admita que a atividade de Jesus desenrola-se no sexto dia e que a
criao no est terminada ou que Jesus veio para trazer a lei nova, aquilo
importa pouco: Joo tem a inteno de mostrar a imperfeio da lei judaica.
Jesus prepara-se para infundir um esprito novo no judasmo.35

Admitindo a concluso de Manns, se aceita a interpretao que pretende ver


nos seis dias de Joo uma aluso imperfeio da Lei. Desta forma, encontra-se
paralelo nos seis dias de xodo 19, que so concludos com o dom da Lei. Em Jesus, a
Aliana aperfeioada em Nova e Definitiva Aliana.
Para a purificao dos judeus: Encontra-se referncia a essa purificao em
Jo 3,25 e 11,55. Esse dado, lido em confronto com o contexto definitivo na Aliana que
se realiza no enaltecimento do Filho, pode estabelecer interessantes paralelos: o batismo
na gua realizado por Joo Batista tinha a funo de purificar, mas Jesus aquele que
batiza no Esprito (cf. Jo 1,29). Segundo o evangelista, a morte e a palavra de Jesus
purificam (cf. Jo 15,2;17,14 e Jo 13,1; 1,7.9). Jesus o cordeiro de Deus que tira o
pecado do mundo (cf. Jo 1,36). Para os judeus, os ritos no Templo purificavam, Jesus
o Novo Templo que purifica (cf. Jo 2,9).

Esses utenslios esto postos de lado, vazios e sem funo. O antigo rito
desgastara-se. Contudo, agora eles serviro para uma nova realidade. Jesus manda que
os serventes encham-nas de gua. Segundo Konings, a gua no simbolismo judaico

33

KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 102.


MANNS. LEvangile de Jean a la lumire du Judasme, p. 102.
35
MANNS. LEvangile de Jean a la lumire du Judasme, p. 103.
34

48

associada Torah36. Essa h em abundncia, falta o vinho da alegria messinica. Os


serventes so obedientes ao que Jesus pede.
A gua mudada em vinho: o narrador no nos diz como isso aconteceu. A
voz passiva parece evocar uma ao de Deus ou de seu enviado, sua palavra criadora.
Jesus manda que essa gua-vinho seja levada ao mestre-sala. Ele no sabe de onde ela
vem. Essa alocuo de onde, nos leva a refletir sobre a origem ltima de Jesus, o
enviado de Deus (cf. 1,48; 2,9; 3,8; 4,11; 6,5; 7,27-28; 8,14; 9,29-10; 19,39). A resposta
ltima sempre de Deus 37.
O mestre-sala constata a transformao da gua em vinho: e um vinho
muito melhor do que fora servido antes. O leitor, j tendo percebido Jesus como aquele
que plenifica a Aliana, percebe o definitivo que irrompe.
O mestre-sala responsabiliza o noivo pela situao. Sobre a figura do noivo,
nos diz Konings:
Ao responsabilizar o noivo pela inverso das coisas, o encarregado est na
realidade responsabilizando Jesus, o verdadeiro mandante da festa, ou seja, o
verdadeiro noivo. Jesus quem providencia agora o vinho melhor e
abundante do tempo messinico (veja Is 25,6; Am 9,13-15; Jr 31,12-13 e.o.;
Gn 49,11!); ele faz a vez do Esposo do tempo final, anunciado pelos profetas
que tambm anunciaram as novas npcias (Aliana) de Deus com o povo
(entre os textos do AT que descrevem o povo como noiva escatolgica, veja,
p.ex. Is 62,5; cf. tambm, no ambiente joanino, Ap 21,9; 22,17)38.

Jesus manifestou a sua glria e os seus discpulos creram nele: Todo sinal
em Joo est direcionado para a manifestao da glria de Deus no Filho. Ao mesmo
tempo que essa glria provoca a f, ela condio sine qua non para que a manifestao
se realize. Crer, em Joo, est profundamente associado aos verbos ver, entender e
conhecer (cf. Jn 1,37.51; 4,42; 6,40.45; 8,47; 10,3; 12,44; 14,8; 4,46).

1.3 A Me de Jesus como a Sio Messinica em Joo


Ao se optar pela anlise do contedo simblico desta narrativa, excluiu-se
da pesquisa a pergunta sobre a historicidade da personagem Me de Jesus. claro e

36

Cf. KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 102.


Cf. KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 102.
38
KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 102. Lon-Dufour discorda desta leitura do noivo como Jesus.
Segundo este autor, que percebe uma estrutura dual nesta narrativa, o noivo aparece como um terceiro,
um personagem de outra ordem, no podendo, desta forma, ser identificado com Jesus. Ver: LonDufour, Leitura do Evangelho de Joo, I, p.175.
37

49

sabido de todos, por meios dos sinpticos e Paulo39, que Jesus nasceu de uma mulher,
judia, de nome Maria, que habitava a regio de Nazar. Nossa pesquisa, seguindo
indcios j anteriormente expostos, perguntou sobre a fora simblica dessa
personagem, enquanto ela ocupa o lugar de personalidade corporativa. Cabe-nos,
agora, rapidamente recolher os resultados. Sendo assim, percebemos em nossa anlise
que a Me de Jesus aparece na narrativa como a Sio Messinica que, fiel Aliana
feita com o Senhor, permanece na esperana de seu cumprimento em plenitude.
Conforme exposto, o contexto narrativo das npcias em Can nos remete ao
captulo 19 do livro do xodo, a saber, a celebrao da Aliana entre YHWH e seu
povo. A Me de Jesus surge como smbolo do povo, o Israel fiel, esposa e Me de todos
os homens. O uso do substantivo Mulher relacionado Me de Jesus, tendo em conta
toda a ressonncia que esse termo encontra no AT, justifica nossa hiptese de leitura.
No interior de sua fidelidade, ela conduz a ateno e a obedincia para a obra de Deus a
ser realizada em seu enviado. J estando presente antes da chegada de Jesus, ela a
noiva no nomeada do relato que aguarda a plenitude da Aliana. Consumado o sinal,
ela acompanha Jesus e seus discpulos at o cumprimento definitivo das npcias na
Cruz, prefiguradas em Can.
Assim, concluiu-se o primeiro passo do trabalho que foi reservado para este
captulo. A anlise da segunda ocorrncia dessa personagem acontecer mais adiante.
Cabe-nos agora elucidar a segunda figura que compe o quadro da percope central
deste trabalho (Jo 19,25-27), a saber, o Discpulo a quem Jesus amava.

2 O discpulo a quem Jesus amava


Seguindo metodologia semelhante utilizada na etapa que acabou de se
encerrar, prosseguimos a exposio voltando nossa ateno para a personagem
Discpulo Amado. Esse personagem aparece cinco vezes40 no Evangelho de Joo (Jo
13,23; 19,26; 20,2; 21,7; 21,20). Sero analisadas essas cinco ocorrncias, buscando
perceber quem essa personagem no conjunto do Quarto Evangelho.

39

Cf. Mt 1,18; Mc 6,3; Lc 1,30-32; Gl 4,4.


Konings ainda v mais trs casos que podem referir-se ao Discpulo Amado: Jo 21,24 ; 18,15-16;
19,35. Contudo, optamos por considerar apenas as cinco menes explcitas. Cf. KONINGS. Evangelho
segundo Joo, p. 263.
40

50

2.1 O discpulo reclinado sobre o seio de Jesus.


Traduo instrumental de Jo 13,23-2641:
Texto grego
23

Traduo instrumental

h=n avnakei,menoj ei-j evk tw/n maqhtw/n auvtou/ evn


tw/| ko,lpw| tou/ VIhsou/( o]n hvga,pa o` VIhsou/j

23

24

neu,ei ou=n tou,tw| Si,mwn Pe,troj puqe,sqai ti,j


a'n ei;h peri. ou- le,gei

24

Acena *pois para ele Simo Pedro, para pesquisar


quem seria {aquele} a respeito de quem diz isso.

25

avnapesw.n ou=n evkei/noj ou[twj evpi. to. sth/qoj tou/


VIhsou/ le,gei auvtw/|\ ku,rie( ti,j evstin

25

Reclinado *pois deste modo perto do peito de


Jesus disse-lhe: Senhor, quem ?

26

26

avpokri,netai o` VIhsou/j\ evkei/no,j evstin w-| evgw.


ba,yw to. ywmi,on kai. dw,sw auvtw/| ba,yaj ou=n to.
ywmi,on lamba,nei kai. di,dwsin VIou,da| Si,mwnoj
VIskariw,tou

Estava amesendado um dentre os discpulos


sobre o peito de Jesus, {aquele} que Jesus amava.

Responde Jesus: aquele para quem batizarei


o bocado e lho darei. Tendo *pois batizado o
bocado [toma e] d a Judas de Simo Iscariotes.

2.1.1 O contexto da narrativa:


O versculo em questo se encontra no interior do chamado Livro da
Glria. Dentro dessa grande seco, o captulo 13 faz parte do discurso de despedida
de Jesus (Jo 13-17). Segundo Konings42, percebe-se que esse captulo est delimitado
pelas menes da hora do jantar (13,2) e da noite (13,30), terminando com a sada de
Judas. Esse ltimo fato se mostra essencial para o desencadeamento dos dilogos
subsequentes (13,31-16,33). Quanto sua estrutura, pode-se assim descrev-la:
I.

Abertura geral da segunda parte de Jo (13,1);

II.

Jesus se levanta para lavar os ps dos discpulos, provocando o protesto


de Pedro (13,2-11);

III.

Jesus volta a sentar-se e explica o sentido de seu gesto (13,12-20);

IV.

Jesus anuncia a Paixo (13,21-30).

Dois movimentos cnicos compem o captulo. No primeiro, o lavaps, encontra-se, em primeiro plano, Jesus e Pedro. Judas o coadjuvante da cena,
mencionado trs vezes no segundo plano. No segundo quadro, entra em cena o
Discpulo Amado ao lado de Pedro. Judas, agora possudo por Satans, torna-se o
centro dramtico do momento final.

41

Por opo metodolgica, escolhemos analisar apenas o recorte textual em que o Discpulo Amado
protagoniza a ao.
42
Cf. KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 255.

51

Portanto, o contexto narrativo em que surge a referida personagem est


profundamente marcado pela hora do Filho (13,1). Dentro de uma mesma refeio,
antecedida pelo dom maior do servio (lava-ps), sua meno insere-se no interior do
anncio da traio. Surge, ento, em um momento crucial da narrativa, onde o
movimento que levar Jesus para cruz, marcado pela traio de Judas, est na iminncia
de se concretizar.

2.1.2 Anlise da narrativa (13,23-26):


Ora, um de seus discpulos, aquele a quem Jesus amava, estava reclinado
no seio de Jesus: Essa referncia, evn tw/| ko,lpw|, nos remete ao prlogo de Joo,
referindo-se posio do Filho em relao ao Pai (1,18). Assim como o Filho se
encontra no seio do Pai, esse discpulo se encontra recostado sobre o seio de Jesus.
Mateos e Barreto nos informam que:
Segundo os costumes do tempo, nas refeies solenes, se comia reclinado
sobre divs, apoiando-se no colo esquerdo; o corpo caa, portanto,
ligeiramente tombado para a esquerda. O lugar mais prximo e ntimo com
relao a um comensal era aquele que se encontrava a sua direita na mesa, e
este posto ocupava o discpulo a quem Jesus queria43.

Assim, percebe-se que esse discpulo ocupa um lugar de honra, que


demonstra sua intimidade com o Mestre. Nesse contexto, ele aparece em contraposio
a Judas, aquele que trair o Senhor44.
Pedro faz um sinal para que ele pergunte ao Senhor sobre o traidor: Uma
simples resposta para esse fato seria a da proximidade fsica na mesa. Contudo, tendo
em vista que esse discpulo ocupa lugar de honra e intimidade com o Senhor, expresso
por seu lugar mesa, o Discpulo Amado surge como figura do discpulo perfeitamente
iniciado. Ele pode saber tudo, ele capaz de compreender tudo, por isso est recostado
sobre o seio do Mestre e pode se aproximar para perguntar sobre to delicada situao.
Ele no se abala com a traio de Judas (13,25-26). Segundo os autores Mateos e
Barreto:
O discpulo parece encarnar a comunidade na figura do amigo de Jesus
(15,13.15). Seu amor pode penetrar os segredos de Jesus e lhe d uma

43

MATEOS; BARRETO. El Evangelio de Juan: Analisis linguistico y Comentario exegtico. Madrid:


Cristiandad, 1979. p. 606. (Col. Lectura del Nuevo Testamento, n 4).
44
Cf. LON-DUFOUR, X. Leitura do Evangelho de Joo. Tomo III. So Paulo: Loyola, 1996. p. 35.
(Col. Bblica Loyola, n 15).

52

sensibilidade ntima para descobrir a presena do Senhor (21,7). Por isto


nesta cena, surpreendentemente, no haver delao do traidor.45

O pedido para que se fizesse a pergunta veio de Pedro. Com exceo da


cruz, esse discpulo sempre aparece na companhia de Pedro. Contudo, Jesus responde
ao discpulo dizendo o gesto que far para indicar o traidor; o segredo confiado a este,
mas ele no o transmite a Pedro. Sobre a relao entre Pedro e o Discpulo Amado, nos
deteremos mais adiante, quando tratarmos das menes ao Discpulo no captulo 21.

2.2 Pedro e o Discpulo Amado no tmulo do Senhor


Traduo instrumental de Jo 20,1-8
Texto grego

Traduo instrumental

Th/| de. mia/| tw/n sabba,twn Mari,a h` Magdalhnh.


e;rcetai prwi> skoti,aj e;ti ou;shj eivj to. mnhmei/on
kai. ble,pei to.n li,qon hvrme,non evk tou/ mnhmei,ou
2

Ora, no primeiro dia semana, Maria Madalena


vai cedo, havendo ainda trevas ao sepulcro e v
a pedra tirada do sepulcro.

tre,cei ou=n kai. e;rcetai pro.j Si,mwna Pe,tron


kai. pro.j to.n a;llon maqhth.n o]n evfi,lei o` VIhsou/j
kai. le,gei auvtoi/j\ h=ran to.n ku,rion evk tou/
mnhmei,ou kai. ouvk oi;damen pou/ e;qhkan auvto,n

Corre *pois e vai a Simo Pedro e ao outro


discpulo, a quem Jesus queria bem e diz-lhes:
Tiraram o Senhor do sepulcro e no sabemos
onde o colocaram.

VExh/lqen ou=n o` Pe,troj kai. o` a;lloj maqhth.j


kai. h;rconto eivj to. mnhmei/on

Saiu *pois Pedro e o outro discpulo e foram ao


sepulcro.

e;trecon de. oi` du,o o`mou/\ kai. o` a;lloj maqhth.j


proe,dramen ta,cion tou/ Pe,trou kai. h=lqen prw/toj
eivj to. mnhmei/on(

5
kai. paraku,yaj ble,pei kei,mena ta. ovqo,nia( ouv
me,ntoi eivsh/lqen

e;rcetai ou=n kai. Si,mwn Pe,troj avkolouqw/n auvtw/|


kai. eivsh/lqen eivj to. mnhmei/on( kai. qewrei/ ta.
ovqo,nia kei,mena(

kai. to. souda,rion( o] h=n evpi. th/j kefalh/j auvtou/(


ouv meta. tw/n ovqoni,wn kei,menon avlla. cwri.j
evntetuligme,non eivj e[na to,pon

to,te ou=n eivsh/lqen kai. o` a;lloj maqhth.j o` evlqw.n


prw/toj eivj to. mnhmei/on kai. ei=den kai. evpi,steusen\

Os dois (porm) corriam junto, e o outro


discpulo correu-na-frente mais rpido que Pedro,
e veio primeiro ao sepulcro.
E inclinando-se viu deitados os lenis, todavia
no entrou.
Vem tambm *pois Simo Pedro, que o seguia, e
entrou no sepulcro e enxerga os lenis deitados

e o sudrio que estava sobre sua cabea, no


colocado com os lenis mas parte enrolado
num lugar nico.
Ento *pois entrou tambm o outro discpulo, que
tinha vindo primeiro ao sepulcro, e viu e acreditou.

2.2.1 O Contexto da Narrativa:


A presente narrativa se encontra inserida no incio dos relatos acerca da
ressurreio em Joo (20,1-29). Para o autor do Quarto Evangelho, morte e ressurreio
45

MATEOS; BARRETO. El Evangelio de Juan. p. 607

53

so dois aspectos de uma mesma realidade, a Glorificao do Filho. Segundo Konings,


a breve transio temporal de Jo 20,1 refora a idia de unidade narrativa. Joo no
apenas refora a unidade que o relato da Paixo e Ressurreio possui na tradio
sinptica, como tambm a refora mediante a dupla narrativa de Jesus, quando mostra
suas chagas para dizer que o ressuscitado o mesmo que fora crucificado46.
Essa grande percope pode ser dividida em dois dpticos:

20,1-18: comporta as narrativas da visita ao sepulcro vazio e da apario a


Maria Madalena, personagem de ligao entre as duas cenas;

20,19-29: comporta as duas aparies do ressuscitado (ao grupo dos Onze e


a Tom), em dois domingos sucessivos.
Segundo Konings:
Nos dois dpticos, o segundo focaliza de modo especial um personagem
implicado no primeiro. O primeiro tem como quadro o jardim onde Jesus
foi sepultado, o segundo, o local da reunio da comunidade, lembrando o
lugar da ceia. Assim, o captulo 20 retoma de maneira cruzada os grandes
cenrios dos captulos 18-19 e 13-17 respectivamente.47

2.2.2 Anlise da narrativa (Jo 20,1-8)


Primeiro dia da Semana: Toda a ao acontece no primeiro dia da
semana. A traduo literal do grego seria aproximadamente o um depois do
sbado. Essa expresso nos remete Gn 1,5, o primeiro dia da Criao. O fato de
Maria Madalena se dirigir ao sepulcro de madrugada, ainda nas trevas (skoti,a), parecenos reforar essa proximidade. A Glria do Filho, presente desde sempre junto ao Pai,
eleva a criao sua plenitude, pois a salva. Plenitude da Aliana e da Criao se
encontram relacionadas48.
Ainda de madrugada, nas trevas: Maria Madalena se dirige ainda em meio
s trevas. Ainda no despontou a aurora completamente (diferente do relato de Mc
16,2). Os personagens ainda no tm a luz plena. Reflexo da situao de desamparo em
que se encontram os discpulos. Madalena vai sozinha. No vai realizar os cuidados
fnebres com o corpo, pois Nicodemos e Jos de Arimatia j o fizeram antes (19,26).
Vai apenas chorar, como relatado no v. 11. Percebendo que algo acontecera, pois a
46

KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 346


KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 346
48
Sobre este tema, o primeiro dia, conferir o interessante estudo realizado por SIMOENS. Selon Jean,
p. 866-870.
47

54

pedra que fechava a porta do tmulo fora removida, ela corre ao encontro de Pedro e do
Discpulo Amado e relata o acontecido.
Eles correm para o sepulcro: Ambos correm para o sepulcro. Contudo, o
Discpulo Amado corre mais e chega na frente, olha para dentro do tmulo, v os panos
que envolviam o defunto, mas no entra. Joo realiza um intrigante movimento na
narrativa: a testemunha por excelncia cede a precedncia a Pedro. Ele entra e constata
o acontecido. A cena com a qual se depara no pode ser obra de ladres, pois tudo est
em ordem, nem de algum que tivesse roubado o corpo, pois o teriam levado com os
panos. Contudo, no caso de Lzaro, levantado do tmulo, saiu amarrado com suas
faixas, necessitando que outros as desatassem (cf. 11,44). Entretanto, no caso de Jesus
transparece a soberania daquele que tem poder de retomar a vida (cf. Jo 10,17-18).
Completando a constatao de Pedro, o Discpulo Amado entra. Segundo
prescreve a Lei (Nm 35,30; Dt 17,6), duas testemunhas atestam o fato. Contudo, a
atitude do Discpulo Amado difere em muito da de Pedro: o relato nos diz que ele viu e
creu. A Simo Pedro a precedncia, ao Discpulo Amado, a f49.

2.3 O Captulo 21 de Joo:


As duas ltimas menes personagem Discpulo Amado ocorrem no
captulo 21, o ltimo do texto cannico do Evangelho de Joo. Por uma opo
metodolgica, preferiu-se primeiro situar o captulo 21 no contexto geral da obra, ao
invs de faz-lo para cada uma das duas percopes isoladamente.
Sendo assim, o presente captulo surge aps a concluso do evangelho em
20,30-31. Konings afirma que esse captulo possui diferenas estilsticas e se apresenta
como uma imitao desajeitada dos captulos anteriores. Segundo o mesmo autor, o
referido captulo um eplogo do editor, visto que o Quarto Evangelho, ao menos nos
manuscritos de que temos conhecimento, nunca foi publicado sem ele, como atestam os
manuscritos mais antigos do sculo II50. Na opinio de Zumstein, o captulo 21
emoldura o conjunto do evangelho51. Provavelmente, seu intuito seja eclesial, pois

49

KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 349.


Cf. KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 367
51
ZUMSTEIN, J. La Communaut johannique et son histoire. Genebra, 1990, p. 214; apud LONDUFOUR, Leitura do Evangelho de Joo, IV, 194.
50

55

trata da relao da comunidade do Discpulo Amado com a Igreja no conjunto, liderada


por Pedro52, e da questo da morte do Discpulo Amado e da parusia.
Seguindo Lon-Dufour, acredita-se que o autor desse captulo seja membro
da escola joanina, que com evidncia apresenta o termo ns de 21,24. O autor do
captulo em estudo se mostra como um profundo conhecedor do material do Quarto
Evangelho, o que fundamentaria a hiptese de que seja seu primeiro editor. Suas fontes,
embora no se consiga delimit-las claramente, podem ser do acervo do crculo joanino,
e tradies que foram conservadas nos sinpticos. O autor fez convergir esses diversos
elementos numa perspectiva unificada53.
Sobre a conjuntura em que esse captulo foi redigido, Lon-Dufour nos
informa a seguinte hiptese:
Segundo diversos estudiosos, seria posterior 1 Carta de Joo, escrita por
volta de 90 d.C.. para fazer frente a uma interpretao gnosticizante da
mensagem do evangelista. Provavelmente subsistia uma dificuldade nas
comunidades joaninas: estas, diferena das que se podem abranger com o
qualitativo de petrinas, careciam de uma estrutura que assegurasse coeso.
O nico ministrio que aparece nas cartas de Joo o do pregador itinerante.
Mostrando que o Senhor confiou a Pedro o pastorado universal, o autor do
captulo 21 pode ter visado uma aproximao grande Igreja. Ao mesmo
tempo, ele mantm e sublinha o valor da herana joanina da qual sua Igreja
depositria.54

Ao analisar a estrutura desse captulo, podem-se perceber trs cenas:

A pesca milagrosa (v. 1-14);

A vocao de Pedro para o Pastoreio supremo e o martrio (v. 15-19);

O destino do Discpulo Amado (v. 20-25).

Tendo em vista o objetivo deste trabalho, focaremos nossa anlise na


primeira e na terceira cena do captulo 21, ou seja, nas duas ltimas menes ao
Discpulo Amado no Quarto Evangelho.

2.3.1 O Discpulo Amado reconhece o Senhor (21,1-7)

Texto grego

Traduo instrumental

52

Alguns chamam este captulo de os Atos dos Apstolos segundo Joo.


Cf. LON-DUFOUR. Leitura do Evangelho de Joo, I, p.195
54
LON-DUFOUR. Leitura do Evangelho de Joo, I, p. 195
53

56

Meta. tau/ta evfane,rwsen e`auto.n pa,lin o` VIhsou/j


toi/j maqhtai/j evpi. th/j qala,sshj th/j Tiberia,doj\
evfane,rwsen de. ou[twj

Depois disso manifestou-se a si mesmo, de novo,


Jesus aos discpulos, junto ao mar de Tiberades.
Manifestou-se assim:

2
2

h=san o`mou/ Si,mwn Pe,troj kai. Qwma/j o`


lego,menoj Di,dumoj kai. Naqanah.l o` avpo. Kana. th/j
Galilai,aj kai. oi` tou/ Zebedai,ou kai. a;lloi evk tw/n
maqhtw/n auvtou/ du,o

Estavam juntos Simo Pedro e Tom chamado


Ddimo e Natanael de Can da Galilia e os
filhos de Zebedeu e dois outros dentre seus
discpulos.

le,gei auvtoi/j Si,mwn Pe,troj\ u`pa,gw a`lieu,ein


le,gousin auvtw/|\ evrco,meqa kai. h`mei/j su.n soi,
evxh/lqon kai. evne,bhsan eivj to. ploi/on( kai. evn
evkei,nh| th/| nukti. evpi,asan ouvde,n

Diz-lhes Simo Pedro: Eu parto pescar. Dizemlhe: Vamos tambm ns contigo. Saram *pois e
entraram no barco, e naquela noite prenderam
nada.
4

prwi<aj de. h;dh genome,nhj e;sth VIhsou/j eivj to.n


aivgialo,n( ouv me,ntoi h;|deisan oi` maqhtai. o[ti
VIhsou/j evstin

Tendo-se tornado manh cedo estava l Jesus na


praia. Contudo no sabiam os discpulos que era
Jesus.

le,gei ou=n auvtoi/j o` VIhsou/j\ paidi,a( mh, ti


prosfa,gion e;cete avpekri,qhsan auvtw/|\ ou;

Diz-lhes *pois Jesus: Moos, no tendes algo para


com a comida? Responderam-lhe: No.
6

o` de. ei=pen auvtoi/j\ ba,lete eivj ta. dexia. me,rh


tou/ ploi,ou to. di,ktuon( kai. eu`rh,sete e;balon ou=n(
kai. ouvke,ti auvto. e`lku,sai i;scuon avpo. tou/ plh,qouj
tw/n ivcqu,wn

Ele porm disse-lhes: Colocai a rede do lado


direito do barco e encontrareis. Colocaram *pois
e no mais conseguiam pux-la, pela multido de
peixes.
7

le,gei ou=n o` maqhth.j evkei/noj o]n hvga,pa o`


VIhsou/j tw/| Pe,trw|\ o` ku,rio,j evstin Si,mwn ou=n
Pe,troj avkou,saj o[ti o` ku,rio,j evstin to.n evpendu,thn
diezw,sato( h=n ga.r gumno,j( kai. e;balen e`auto.n eivj
th.n qa,lassan(

Diz *pois aquele discpulo, a quem Jesus amava, a


Pedro: o Senhor. Simo Pedro, pois, ouvindo
que o Senhor cingiu-se a tnica pois estava nu
e lanou-se ao mar.

Depois da apario a Tom e da concluso em 20,30-31, Jesus aparece (lit.:


manifestou-se) beira do Lago de Tiberades. Formavam o grupo sete discpulos de
Jesus: Simo Pedro, Tom-Ddimo, Natanael, Tiago e Joo e mais dois outros
discpulos. Segundo Konings, se esse nmero tiver valor simblico, pode
provavelmente indicar o conjunto da Igreja, sem insistir no nmero doze55.
O primeiro versculo comea com a expresso temporal algum tempo
depois, em grego: meta. tau/ta. Essa expresso pode ter relao com 13,7, na cena do
lava-ps, quando Jesus anuncia a Pedro que mais tarde ele compreender tudo. De fato,
ser nessa sequncia narrativa que Pedro finalmente compreender as coisas56.
Pedro toma a iniciativa de sair para pescar. Os demais discpulos o seguem
na barca. Contudo, naquela noite no pescaram nada. De madrugada, enxergam Jesus na

55
56

Cf. KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 368


Cf. MATEOS; BARRETO. El Evangelio de Juan. p. , 889.

57

praia, sem conseguir identific-lo57. Jesus pergunta se eles tm algo para comer. Com a
resposta negativa, Jesus diz: Lanai a rede pelo lado direito e encontrareis peixes.
Assim fazendo, obedientes fala do Mestre, eles recolhem tantos peixes que no
conseguem nem trazer a rede para dentro do barco. O fato dessa pesca ser relatada em
Joo, aps os acontecimentos pascais, sugere um sentido mais profundo. Sobre isso, nos
diz Konings:
A pesca ps-pascal a chave para compreender o cap. 21: descreve
concretamente como se realiza no tempo da Igreja o que Jesus, na sua Hora,
instaurou. Lembram-se os principais nomes, a presena do Senhor no meio
da comunidade, a atrao de novos discpulos, a celebrao da refeio do
Senhor, os carismas de liderana e de testemunho.58

Quando ainda esto assustados com o grande nmero de peixes, entra em


cena o Discpulo Amado. ele quem reconhece o Senhor e o indica a Pedro. Como no
sepulcro, diante dos mesmos sinais que Pedro v, o Discpulo consegue reconhecer a
presena do Senhor. Ouvindo isso, Pedro se veste, pois estava despido para a pesca, e se
joga ao mar na direo do Senhor que est na margem.

2.3.2 O destino do Discpulo Amado (Jo 21,20-25)


Traduo instrumental
Texto grego

Traduo instrumental

20

VEpistrafei.j o` Pe,troj ble,pei to.n maqhth.n o]n


hvga,pa o` VIhsou/j avkolouqou/nta( o]j kai. avne,pesen
evn tw/| dei,pnw| evpi. to. sth/qoj auvtou/ kai. ei=pen\
ku,rie( ti,j evstin o` paradidou,j se

20

21

tou/ton ou=n ivdw.n o` Pe,troj le,gei tw/| VIhsou/\


ku,rie( ou-toj de. ti,

21

Vendo *pois, Pedro, a este, diz a Jesus: Senhor,


este porm, o qu?

22

le,gei auvtw/| o` VIhsou/j\ eva.n auvto.n qe,lw me,nein


e[wj e;rcomai( ti, pro.j se, su, moi avkolou,qei

22

23

evxh/lqen ou=n ou-toj o` lo,goj eivj tou.j avdelfou.j


o[ti o` maqhth.j evkei/noj ouvk avpoqnh,|skei\ ouvk ei=pen
de. auvtw/| o` VIhsou/j o[ti ouvk avpoqnh,|skei avllv\ eva.n
auvto.n qe,lw me,nein e[wj e;rcomai( ti, pro.j se,

23

24

24

Ou-to,j evstin o` maqhth.j o` marturw/n peri.


tou,twn kai. o` gra,yaj tau/ta( kai. oi;damen o[ti
avlhqh.j auvtou/ h` marturi,a evsti,n

Virando-se Pedro v o discpulo que Jesus


amava, seguindo o que tambm estivera
reclinado, na ceia, ao peito dele e dissera: Senhor,
quem o entregando-te?.

Diz-lhe Jesus: Se quero que ele permanea at


que {eu} venha, o que para ti? Tu, segue-me.
Saiu *pois esta palavra para seus irmos (que):
Este discpulo no morrer. No disse-lhe
porm Jesus (que): No morrer, mas: Se quero
que permanea at que (eu) venha [o que para ti?]

Este o discpulo que testemunha a respeito


disto e que escreveu-o, e sabemos que seu
testemunho verdadeiro.

57

O simbolismo aqui importante, quando ainda noite, o Senhor est ausente e a pesca no rende. Com
o alvorecer, ele se faz presente, e o trabalho dos pescadores tem rendimento abundante.
58
KONINGS, Evangelho segundo Joo, p. 369. Ver tambm, nesta mesma pgina de Konings, a possvel
aproximao entre este relato e Lc 5,1-11.

58

25

:Estin de. kai. a;lla polla. a] evpoi,hsen o`


VIhsou/j( a[tina eva.n gra,fhtai kaqV e[n( ouvdV auvto.n
oi=mai to.n ko,smon cwrh/sai ta. grafo,mena bibli,a

25

H porm tambm muitas outras coisas que fez


Jesus, que, se fossem escritas uma por uma, nem
acho que o prprio mundo poderia conter os livros
que seriam escritos.

Aps a profisso de f de Pedro e a misso do pastoreio, a terceira cena que


compe o captulo 21, dedicada ao destino do Discpulo Amado e termina com uma
breve concluso, bem prxima quela feita em 20,30-31.
Pedro, voltando-se para trs, v o Discpulo Amado, a testemunha perfeita,
que o acompanha desde o captulo 13. Tendo recebido a misso do pastoreio da
comunidade, Pedro pergunta a Jesus sobre essa figura que se mostrou tantas vezes
importante no interior da narrativa. A resposta de Jesus (Se quero que ele fique at que
eu volte, isso te importa? Tu, segue-me), marca a diferena entre as duas figuras. O
pastoreio, a confiana do amigo recebida por Pedro, no modifica em nada o lugar
ocupado pelo Discpulo Amado. Cada um cada um para Jesus. A felicidade do
discpulo e, principalmente, daquele que pastoreia, est em seguir o Mestre.
No v. 23, uma nota do redator trata de um boato acerca do Discpulo
Amado. Havia se espalhado que, por causa daquela fala de Jesus, o Discpulo Amado
no morreria. O autor se ocupa logo em desfazer o mal-entendido: Jesus no disse que
ele no morreria, mas se quero que ele fique at que eu volte.... Embora Joo tenha
acentuado em seu Evangelho a escatologia j inaugurada, dando um novo sentido
realidade temporal, h boas razes para se acreditar que a comunidade joanina tenha,
durante bom tempo, se fiado na espera de uma parusia imediata59. Assim, acreditou-se
que o Discpulo Amado ficaria at a volta do Senhor. A narrao parece, ento,
relativizar esse dado e reforar o aspecto de seguimento, ordem dada por Jesus a Pedro.
Tanto Pedro como o Discpulo Amado morreram, porm, a caminhada da comunidade
crist ainda continua.
No v. 24, a informao que mais nos importa para este trabalho: Este (o
Discpulo Amado) o discpulo que d testemunho destes acontecimentos e os ps por
escrito. Acreditamos que, muito provavelmente, no foi esse discpulo quem escreveu
de prprio punho o livro (semelhante o caso de Pilatos em 19,22), contudo, o
Discpulo Amado a testemunha ocular que garante um testemunho autntico e
verdadeiro.

59

Cf. KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 372.

59

O v. 25, ponto final do captulo, extremamente prximo a 20,30-31,


porm, muito mais influenciada por um estilo de retrica helenstica, acrescenta que
Jesus fez muitas outras coisas que se cada uma das quais fosse escrita, cuido que
nem ainda o mundo todo poderia conter os livros que se escrevessem.

2.4 O Discpulo Amado como a testemunha fiel do Filho


Como quando se analisou a figura da Me de Jesus, afirmou-se, mais uma
vez, que no estamos preocupados em nos perguntar sobre a complexa questo da
identidade histrica do Discpulo Amado. Muitas tentativas foram realizadas na direo
de descobrir a identidade desse misterioso discpulo. Alguns, fiando-se no fato de que,
segundo o relato, Jesus amava Lzaro, tentaram ver nele o discpulo, contudo, os
dados para essa afirmao so insuficientes. Outros tentaram ver na pessoa de Joo
Marcos60, discpulo que aparece em Atos 12,12, ao qual se atribui a autoria do
Evangelho de Marcos, porm, no h indicaes da tradio antiga nesse sentido. A
opinio mais difundida de que o discpulo seja o Apstolo Joo, filho de Zebedeu, que
amplamente citado nos sinpticos e nos Atos, mas que passa em silncio durante todo
o livro.
Entretanto, o que realmente nos interessa para o presente estudo, reconhecer
o peso que essa figura possui dentro do Quarto Evangelho e o seu sentido para o leitor.
Assim, acredita-se chegar mais prximo de sua funo no relato de Jo 19,25-27, quando
a Me de Jesus recebida por tal personagem.
Sendo assim, percebe-se que o referido discpulo ocupa um lugar de intimidade
junto ao Mestre. Ele aquele que pode saber o que ir acontecer com Jesus, pois o
conhece e compreende os caminhos do Pai (cf. 13,23-26). Junto de Pedro, ele parte para
o sepulcro a fim de checar o que foi relatado por Maria Madalena. Chegando l, ele v e
cr em tudo, enquanto Pedro apenas v (Jo 20). ele quem identifica o Senhor
Ressuscitado, s margens do Lago de Tiberades, e chama a ateno de Pedro (Jo 21). E,
por fim, apresentado como a testemunha fiel, cujo testemunho base para a f da
comunidade joanina (Jo 21).
O Discpulo Amado , portanto, a testemunha qualificada, aquele que guardar
e dar testemunho da f recebida do Mestre. Ele conhece por onde passam os caminhos
60

Cf. PARKER, P. John and John Mark. Journal of Biblical Literature 79, 1960, 97-110

60

do Mestre. Sua f condio para se reconhecer o Senhor em meio ao cotidiano. Seu


testemunho provocador, no sentido em que chama obedincia. Ele guarda em seu
testemunho a chave-de-leitura para a compreenso da prpria comunidade. essa figura
que ser encontrada, aos ps do crucificado, junto com a Me de Jesus.

3 O Crucificado
Dedicaremos esta seco de nosso trabalho definio de uma possvel
identidade para o Crucificado no interior do Quarto Evangelho. A pergunta que nortear
nossa pesquisa ser a mesma utilizada para as personagens anteriormente estudadas:
Para o autor do Evangelho de Joo, quem Jesus? Debruar-nos-emos sobre o prlogo
(1,1-18) e depois sobre as sete autoproclamaes de Jesus, identificadas pela
precedncia da expresso Eu sou. Nessas autoproclamaes, a identidade de Jesus vai
sendo, aos poucos, elucidada atravs de contedos simblicos.
Aps o estudo do prlogo, por uma opo metodolgica, tendo em vista no
alongar demais o trabalho, far-se- apenas uma breve coletnea das sete
autoproclamaes61, seguidas, cada uma, de uma breve anlise, sem se fixar por demais
na anlise das percopes inteiras. Ter-se- como base o estudo feito por Konings62.

3.1 O prlogo (Jo 1-18)


Texto grego

Traduo instrumental

VEn avrch/| h=n o` lo,goj( kai. o` lo,goj h=n pro.j to.n


qeo,n( kai. qeo.j h=n o` lo,goj

No incio era a Palavra. E a Palavra era junto


de Deus E Deusera a Palavra.

ou-toj h=n evn avrch/| pro.j to.n qeo,n

Este era no incio junto de Deus.

pa,nta diV auvtou/ evge,neto( kai. cwri.j auvtou/


evge,neto ouvde. e[n o] ge,gonen

evn auvtw/| zwh. h=n( kai. h` zwh. h=n to. fw/j tw/n
avnqrw,pwn\

O que veio-a-ser, nisso vida era E a vida era a luz


dos homens.

kai. to. fw/j evn th/| skoti,a| fai,nei( kai. h` skoti,a


auvto. ouv kate,laben

Tudo por ele veio-a-ser efora dele veio-a-ser nem


algo.

E a luz brilha nas trevas e as trevas no a


detiveram.

61

A saber: 6,35 Eu sou o po da vida; 8,12 Eu sou a luz do mundo; 10,7 Eu sou a porta;
10,10 Eu sou o bom pastor; 11,25: Eu sou a ressurreio e a vida; 14,6 Eu sou o caminho, a
verdade e a vida; 15,1 Eu sou a verdadeira videira.
62
Cf. KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 156-157

61

VEge,neto a;nqrwpoj( avpestalme,noj para. qeou/(


o;noma auvtw/| VIwa,nnhj\

ou-toj h=lqen eivj marturi,an i[na marturh,sh| peri.


tou/ fwto,j( i[na pa,ntej pisteu,swsin diV auvtou/

8
ouvk h=n evkei/noj to. fw/j( avllV i[na marturh,sh|
peri. tou/ fwto,j

+Hn to. fw/j to. avlhqino,n( o] fwti,zei pa,nta


a;nqrwpon( evrco,menon eivj to.n ko,smon

10

evn tw/| ko,smw| h=n( kai. o` ko,smoj diV auvtou/


evge,neto( kai. o` ko,smoj auvto.n ouvk e;gnw

10

11

eivj ta. i;dia h=lqen( kai. oi` i;dioi auvto.n ouv


pare,labon

11

12

12

o[soi de. e;labon auvto,n( e;dwken auvtoi/j evxousi,an


te,kna qeou/ gene,sqai( toi/j pisteu,ousin eivj to.
o;noma auvtou/(

Veio-a-ser um homem, enviado por Deus, o


nome dele, Joo.
Este veio para testemunho, para que
testemunhasse acerca da luz, para que todos
acreditassem por ele.
No era ele a luz, mas para que testemunhasse
acerca da luz.
Era a luz verdadeira, que ilumina todo homem,
vindo ao mundo.
No mundo era e o mundo por ele viera-a-ser
e o mundo a ele no conheceu.
Para o seu veio e os seus a ele no acolheram.

Quantos porm o acolheram, deu-lhes


autoridade de filhos de Deus virem - a-ser aos
que acreditam em seu nome

13

13

oi] ouvk evx ai`ma,twn ouvde. evk qelh,matoj sarko.j


ouvde. evk qelh,matoj avndro.j avllV evk qeou/
evgennh,qhsan

que no de sangue, nem da vontade da carne,


nem da vontade do homem, mas de Deus
nasceram.

14

14

15

VIwa,nnhj marturei/ peri. auvtou/ kai. ke,kragen


le,gwn\ ou-toj h=n o]n ei=pon\ o` ovpi,sw mou evrco,menoj
e;mprosqe,n mou ge,gonen( o[ti prw/to,j mou h=n

15

16

o[ti evk tou/ plhrw,matoj auvtou/ h`mei/j pa,ntej


evla,bomen kai. ca,rin avnti. ca,ritoj\

16

17

17

Kai. o` lo,goj sa.rx evge,neto kai. evskh,nwsen evn


h`mi/n( kai. evqeasa,meqa th.n do,xan auvtou/( do,xan w`j
monogenou/j para. patro,j( plh,rhj ca,ritoj kai.
avlhqei,aj

o[ti o` no,moj dia. Mwu?se,wj evdo,qh( h` ca,rij kai.


h` avlh,qeia dia. VIhsou/ Cristou/ evge,neto
18

Qeo.n ouvdei.j e`w,raken pw,pote\ monogenh.j qeo.j o`


w'n eivj to.n ko,lpon tou/ patro.j evkei/noj evxhgh,sato

E a Palavra carne veio-a-ser e armou tenda


entre ns e enxergamos sua glria, glria como
de unignito do Pai plenitude de graa e verdade,

Joo testemunha acerca dele e tem proclamado,


dizendo: Este o qual eu disse: O depois de
mim vindo diante de mim veio-a-ser, porque
primeiro que eu era.
Pois de sua plenitude todos ns recebemos, e
graa por graa,
porque a Lei por Moiss foi dada, a graa e a
verdade por Jesus Cristo veio-a-ser.

18

A Deus ningum viu nunca; o unignito Deus, o


sendo no seio do Pai, ele o deu a conhecer.

No v.1 do prlogo, o autor enfatiza a preexistncia da Palavra junto de


Deus. Trs vezes empregado o verbo grego eivmi, (ser\estar) no indicativo imperfeito.
Na primeira meno, a coexistncia da Palavra em Deus. A Palavra, esse ato\desejo de
comunicao de Deus, desde sempre habita Deus. Ela era, estava, diante\voltada para
Deus, pronta para o servio (Sb 18,14-16). A Palavra era Deus no sentido de que
participa do ser\agir de Deus.
O v. 2 um resumo do v. 1. No centro desse conjunto, est a expresso a
palavra era Deus. Se o AT falava na preexistncia da Sabedoria junto de Deus, nunca
62

chegou a cham-la de Deus. A se encontra a audcia indita de Joo63. Essa Palavra de


Deus, sua autoexpresso comunicativa e criativa, est desde o princpio junto de Deus e,
consequentemente, se manifesta na Criao do Universo (vv. 3-4) e se atualiza na vida
do Filho. A teologia judaica chegou a consider-la uma hipstase de Deus, ou seja,
uma realidade em que Deus se torna presente64.
A primeira coisa que Deus chama existncia a luz (Gn 1,1-3). A palavra
(como a Lei, chamada no Targum de rvore da vida), chamada de vida que luz
dos homens (v.4). A luz elemento vital para a vida no Universo. Sem luz, nenhuma
semente pode germinar. Esta luz que a Palavra, por mais que as trevas queiram
extirp-la, no extinta. Ela continua a brilhar sobre os homens (v.5).
Os vv. 6-8 falam de Joo, o Batista, aquele que veio ao mundo para ser
testemunha desta Luz que Vida que vem de Deus (Jo 1,19-36). Ela, a Luz, que ilumina
toda a humanidade, vem ao mundo, mas no recebida pelos Homens (vv. 9-11). Como
Dom de Deus, aos que a acolhem, lhes d a capacidade de se tornarem Filhos (te,kna) de
Deus (v. 12). Essa filiao no mrito da carne (realidade humana), mas Dom de
Deus, querido em sua Palavra desde o princpio (v. 13).
E a Palavra de Deus se fez carne e fez morada (arma sua Tenda) entre ns
(v.14). A dbil e precria realidade humana se presta economia salvfica. Para a
tradio joanina, o tema da encarnao de central importncia (1Jo 4,2; 2Jo 7). Sua
glria manifesta na carne. Glria e carne, em Joo, esto profundamente relacionadas.
O tipo de glria a ser manifesta s possvel na carne. A Palavra cheia de graa e
verdade e esse o fundamento da Glria que se manifesta nela. Depois de um breve
parntese, retomando a figura da Testemunha, Joo Batista (v.15), o autor retoma esse
tema aplicando-o, pela primeira vez, nominalmente, a Jesus. Graa e Verdade so
atributos de Deus. Sobre isso, Konings nos diz:
Em Jesus transbordam os atributos de Deus segundo Ex 34,5-6: graa, no
sentido de amor (hsed), e verdade no apenas verdade nas palavras, mas
em tudo o que ele veracidade, fidelidade (met). A graa e a verdade o
amor fiel e leal de Deus podemos at dizer: a Aliana que em Jesus se
torna presente e visvel. Na carne que Jesus (= na sua existncia humana e
mortal), contemplamos a glria de Deus, que seu amor e fidelidade (cf. 1Jo
4,8.10: Deus amor). Isso se verifica sobretudo quando Jesus se despoja de
sua vida na carne, impulsionado por um amor fiel at o fim (ver 13,1).
Nesse momento, ele poder dizer: Quem me v, v o Pai (14,9).65
63

Cf. KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 77


Alm da Palavra, tais hipstases so: a Sabedoria, o Trono, a Voz, a Morada, a Lei/Instruo. Cf.
KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 77.
65
KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 82
64

63

Nos vv.16-17, os efeitos dessa manifestao de Deus em Jesus, pleno de


graa e verdade. Ns (aqueles que acolhem a Palavra em Jesus) recebemos de sua
plenitude que se transborda em graa por graa. Se a Lei, vinda por intermdio de
Moiss, graa; graa e verdade, amor fiel por excelncia, vieram (tornaram-se
realidade\revelaram-se) por Jesus Cristo. No v. 18, a concluso: essa Palavra, graa e
verdade, autocomunicao de Deus que se manifesta na existncia de Jesus.
Os demais sinais que agora iremos estudar, testificam essa realidade de
autocomunicao de Deus em Jesus. Na ao de Jesus, em quem se manifesta a Palavra
de Deus, o prprio Deus quem age, cumulando a humanidade aberta em acolhida, de
graa e verdade.

3.2 As autoproclamaes:
A expresso Eu sou (em grego: evgw, eivmi) evoca a atmosfera da teofania.
Encontram-se suas razes no AT na passagem de Ex 3,14. Deus, YHWH, se identificou
a Moiss como aquele que tem o nome inefvel, diferentemente dos outros deuses.
Identificou-se como aquele que, com sua presena, acompanha seu povo. Essa
expresso, associada a Jesus, que desde o prlogo, como acima vimos, identificado
com a Palavra do Pai, nos remete presena de Deus, junto ao seu povo na figura de sua
Palavra feita carne, ou seja, Jesus Cristo.
Este estilo muito prprio do Jesus de Joo se revelar, difere do modo como
os sinpticos lidaram com a figura de Jesus. Nos outros evangelhos, Jesus se apresenta
como profeta ou como mestre popular, anunciando e denunciando, exortando ou
ensinando em parbolas. O Jesus de Joo, anunciado desde o prlogo como a Palavra de
Deus, se mostra soberano, se revelando a partir de smbolos que atribui a si, que sero
compreendidos por aquele que se encontra inserido no interior da tradio da qual bebe
a comunidade.
Por sete vezes em Joo, Jesus toma a palavra para se autoproclamar como a
realizao daquilo que os grandes smbolos do povo bblico e mesmo da humanidade
esperam:
Citao

Texto grego

Traduo instrumental

6,35

ei=pen
a;rtoj
ouv mh.
ouv mh.

E Jesus lhes disse: Eu sou o po da vida; aquele


que vem a mim no ter fome, e quem cr em
mim nunca ter sede.

auvtoi/j o` VIhsou/j\ evgw, eivmi o`


th/j zwh/j\ o` evrco,menoj pro.j evme.
peina,sh|( kai. o` pisteu,wn eivj evme.
diyh,sei pw,pote

64

8,12

10,7

10,11
11,25

14,6

15,1

Pa,lin ou=n auvtoi/j evla,lhsen o` VIhsou/j


le,gwn\ evgw, eivmi to. fw/j tou/ ko,smou\
mou o`
avkolouqw/n evmoi. ouv mh. peripath,sh| evn
th/| skoti,a|( avllV e[xei to. fw/j th/j zwh/j
Ei=pen ou=n pa,lin o` VIhsou/j\ avmh.n avmh.n
le,gw u`mi/n o[ti evgw, eivmi h` qu,ra tw/n
proba,twn
VEgw, eivmi o` poimh.n o` kalo,j o` poimh.n
o` kalo.j th.n yuch.n auvtou/ ti,qhsin u`pe.r
tw/n proba,twn\
ei=pen auvth/| o` VIhsou/j\ evgw, eivmi h`
avna,stasij kai. h` zwh,
zwh\ o` pisteu,wn eivj
evme. ka'n avpoqa,nh| zh,setai(
le,gei auvtw/| o` VIhsou/j\ evgw, eivmi h` o`do.j
kai. h` avlh,qeia kai. h` zwh,\ ouvdei.j
e;rcetai pro.j to.n pate,ra eiv mh. diV evmou/
VEgw,
Egw, eivmi h` a;mpeloj h` avlhqinh.
hqinh kai. o`
path,r mou o` gewrgo,j evstin

Falou-lhes, pois, Jesus outra vez, dizendo: Eu


sou a luz do mundo; quem me segue no
andar em trevas, mas ter a luz da vida.
Tornou, pois, Jesus a dizer-lhes: Em verdade,
em verdade vos digo que eu sou a porta das
ovelhas.
Eu sou o bom Pastor, o bom pastor d a vida
pelas suas ovelhas.
Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreio e a
vida; quem cr em mim, ainda que esteja morto,
viver;
Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a
verdade e a vida; ningum vem ao Pai, seno
por mim.
Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai o
lavrador.

Para que se compreenda essa maneira de falar, preciso ter em conta que o
Quarto Evangelho o evangelho pascal. O Jesus que Joo nos apresenta, um Jesus
pascal, ou seja, o Jesus da memria crist. Somente depois da Pscoa que os
discpulos compreenderam como Ele realmente , desde sempre (cf. Jo 2,22; 12,16).
Suas palavras e atos se enchem de sentido depois dos eventos pascais. Assim, as
autoproclamaes em Joo s podem ser entendidas luz do Mistrio Pascal. como se
o Ressuscitado as pronunciasse.
As autoproclamaes, portanto, no so atributos ou predicados de Jesus,
mas, nos revelam a profundidade do Mistrio do Filho, enquanto Ele aquele que
cumpre, plenifica a Aliana. Buscar-se-, de maneira rpida, perceber as ressonncias
dessas autoproclamaes no AT e, assim, elucidar um pouco mais seu sentido, enquanto
apontam para Jesus como cumpridor da promessa.
Eu sou o po da vida: Inserida no contexto da multiplicao dos pes, essa
autoproclamao ressoa a passagem de Ex 16,15ss, quando o povo no deserto recebeu o
manah dos cus. A partir do mal-entendido dos judeus, que buscavam o po material
para se fartar, Jesus opera uma importante mudana de sentido. Ele no o po que os
Pais receberam no deserto por intermdio de Moiss, mas ele o verdadeiro po que
vem dos cus, aquele que sacia toda a fome e toda a sede. Tendo em mente textos como
Is 55,1-3, Pr 9,5 e Sr 15,3 e 24,21 , po (e bebida) simbolizam o ensinamento e a
sabedoria de Deus. O po que vem dos cus em Jesus o ensinamento,
autocomunicao, de Deus que ele nos d a conhecer.

65

Eu sou a luz do Mundo: Inserida no contexto da festa dos Tabernculos,


festa da gua (cf. 7,37-38) e da luz, essa autoproclamao explora o segundo tema dessa
celebrao. Na festa, o ptio do Templo iluminado com grandes candelabros. Jesus se
mostra como manifestao daquilo que o prprio smbolo da luz quer dizer: a realidade
divina, o primeiro ato criador de Deus...66. J em 1,35, a Palavra apresentada como luz
de Deus que vem ao mundo.
Eu sou a porta: Esta autoproclamao citada duas vezes (vv. 7.9), com
uma pequena alterao. Na primeira meno, ela vem acompanhada da expresso das
ovelhas. Jesus aqui se apresenta como a passagem obrigatria. Sem nos aprofundar
muito, o contexto da pregao de Jesus aqui profundamente eclesial. Relacionada aos
verdadeiros pastores, no Antigo Testamento o entrar e sair pela porta aponta para
verdadeiros lderes do povo, como o caso de Josu em Nm 27,16-17.
Eu sou o bom pastor: Jesus o pastor por excelncia, aquele que d a vida
por suas ovelhas. A Bblia nasceu de um povo enraizado no contexto pastoril. No
Antigo Testamento, o verdadeiro pastor de Israel Deus (cf. Gn 49,24; Sl 23; 78,52-53;
95,7). Os demais pastores so suscitados e agem em nome do verdadeiro pastor (como,
por exemplo, o caso dos reis: 1Rs 22,17; Jr 10,21; 23,1-2; Zc 11).
Eu sou a ressurreio e a vida: O contexto dessa autoproclamao a
ressurreio de Lzaro. Marta, irm de Lzaro, acredita na ressurreio no ltimo dia.
Mas Jesus, bem ao estilo do evangelho de Joo, modifica a perspectiva para a novidade
que chega em sua pessoa, em quem a ressurreio se torna presente. Ressurreio aqui
interpretada como a vida verdadeira que vem de Deus, vida que de uma ordem diversa
da biolgica. Em Jesus, est presente no apenas a ressurreio, mas a ressurreio e a
vida, isto , a ressurreio que proporciona a vida. Em 1,4, a Palavra chamada de vida
que luz para todos os homens. No Antigo Testamento, percebemos que a crena na
ressurreio em Israel foi sendo gestada aos poucos (Dn 2,12, Sl 94,16; 73,24; J 19,26,
5,15). Em Jesus, h um importante salto na compreenso de ressurreio: no se trata
apenas de uma ressurreio para recompensa ou castigo (como em Dn 2,12), mas sim,
da participao desde j na vida em unio com Deus, que Jesus inaugura e proporciona,
e que se torna realidade pela adeso sua pessoa e prtica67. Por isso, em Joo, pode-se
falar de escatologia j inaugurada.

66
67

Sobre este smbolo, a luz, ver KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 182
Cf. KONINGS, Evangelho segundo Joo, p. 255

66

Eu sou o caminho, a verdade e a vida: O contexto o da despedida de


Jesus. O trecho de Jo 14,1-3 evoca a despedida de Moiss em Dt 1,29ss. Para conhecer
o caminho e discernir sua trajetria, que conduz vida, basta olhar para a vida de Jesus.
Ele, ou melhor, sua existncia, o verdadeiro caminho, a condio de discernimento, e
a vida para a qual segue esse caminho68.
Eu sou a verdadeira videira: Como no caso da imagem do Bom Pastor
(10,1-18), essa ltima autoproclamao uma alegoria muito bem elaborada. Na boca
do prprio Jesus, Joo coloca a explicao da alegoria: ele o tronco, os ramos so os
fiis, o Pai o agricultor que espera frutos da vinha. No AT, a imagem videira foi
muitas vezes utilizada pelos profetas para indicar Israel (como o caso de Is 5,1-7)69.
Jesus a verdadeira videira, e a comunidade, unida a ele, produz seus frutos no amor e
na comunho fraterna.

*
A partir do estudo realizado, percebe-se que Joo nos apresenta Jesus como
aquele em quem se realiza a plenitude da Aliana. Essa Aliana traada entre Deus e
Israel, s pode ser levada plenitude pelo prprio Deus ou por algum que tenha
autoridade para agir em nome de Deus. Nesse sentido, o prlogo nos introduz no
interior do Mistrio de Jesus como Palavra de Deus. Como vimos acima, enquanto
Palavra de Deus, ele o lugar onde o Senhor atua se comunicando. Quando age a
Palavra, Deus que age nela. Portanto, ele tem autoridade para falar do Pai e pelo Pai.
As sete autoproclamaes completam esse quadro. Alm de marcar o
ministrio terreno de Jesus, referidas ao Antigo Testamento, expressam grandes
momentos do agir de Deus na economia da Aliana. Ao utilizar, em referncia a Jesus, o
vocativo Eu sou, nome dado a si por Deus quando perguntado por Moiss (Ex 3,14),
o autor do evangelho evoca a figura do prprio Deus presente em Jesus. Sendo assim,
pode-se concluir que Joo nos apresenta a figura de Jesus em total referncia Histria
da Aliana. Mais do que isso, ele surge como aquele em quem se cumprem as
promessas feitas por Deus, pois ele, que a Palavra, age por Deus. Onde age o Filho,
Jesus, o prprio Pai que age cumprindo e plenificando a Aliana feita.

68
69

Sobre os termos caminho, verdade e vida, ver KONINGS, Evangelho segundo Joo, p. 310-311
Sobre este assunto, ver KONINGS, Evangelho segundo Joo, p. 324-325

67

4 Concluso do Segundo Captulo:


Neste captulo nos dedicamos ao estudo das identidades narrativas das trs
personagens que protagonizam a cena de Jo 19,25-27. Como anteriormente fora exposto
de maneira bem sinttica, a Me de Jesus se encontra em profunda associao com
Israel e a fidelidade Aliana. Como smbolo, ela congrega a f e a histria de Israel
que espera em Deus, seu Senhor e sua Salvao. Vemos nela a histria que antecede a
plenitude que se realiza na encarnao do Filho. O Discpulo Amado surge como a
testemunha fiel, aquele que proclamar para os sculos, o que ouviu e viveu com o
Cristo. Sua f o alicerce sobre o qual se desenvolvem a vida e a misso da comunidade
crist futura. Ele o futuro da Aliana plenificada no Filho. Jesus, a Palavra feita carne,
a prpria ao de Deus que leva a termo suas promessas, descortinando-se em futuro
aberto como vida para a humanidade.
Pode-se, dessa forma, criar um quadro temporal do Mistrio de Deus com os
Homens que se realiza enquanto Histria Salvfica. No prximo captulo, estudaremos
mais atentamente a cena que se realiza ao p da cruz. Sem perder esse quadro temporal
aqui j traado, buscar-se- compreender a profundidade da entrega/unio da Me de
Jesus e do Discpulo Amado, realizada pelo Mestre na ctedra da cruz, e as
consequncias da mesma para esta Histria que chamamos Salvfica.

68

Captulo III: Anlise da percope de Jo 19,25-27 e seus


desdobramentos
Aps termos, no captulo anterior, construdo as identidades das trs
personagens que protagonizam a cena ao p da cruz, nos dedicaremos neste captulo ao
estudo das condies nas quais se realiza essa entrega, bem como a seu desdobramento
na vida da comunidade que se forma ao p da cruz.
Para tanto, seguir-se- o seguinte caminho metodolgico: no primeiro
momento da pesquisa neste captulo, ser analisado o sentido profundo da expresso eivj
ta. i;dia, que sugere uma espcie de sentido qualitativo da recepo da Me pelo
Discpulo.
Percebendo que a Me recebida no interior da vida do Discpulo e,
portanto, participa de seu futuro, ou seja, forma com ele um nico povo, participando de
sua unidade com o Filho na glria e na perseguio, ser necessrio, no segundo
momento deste captulo, perceber as consequncias dessa entrega para o futuro do novo
povo da Aliana nascido da entrega ao p da cruz. Para realizar esta tarefa, a pesquisa
voltar-se- para a expresso hora, muito utilizada em Joo para indicar o momento da
crucificao do Filho, relacionada ao Discpulo.
Falar-se-, ainda, da figura do Parclito, aquele que recordar o Mestre nos
coraes dos discpulos e os levar compreenso, realizando, dessa forma, a
continuidade da presena do Ressuscitado em meio comunidade.

1 O Discpulo Amado recebe a Me de Jesus eivj ta. i;dia


1.1 O contexto da narrativa:
O contexto no qual est inserida essa percope o da hora da Glorificao do
Filho. Para Joo, este o momento para o qual converge todo o Evangelho. A hora
no um tempo cronolgico, mas sim, teolgico: o momento do Pai, que Jesus faz
seu, para o qual se dirige toda a sua atividade e que a explica1. J em Can, no

MATEOS; BARRETO, Vocabulrio Teolgico do Evangelho de So Joo, p.132.

69

princpio dos sinais, h uma meno hora (2,4). So esses acontecimentos que se
configuram como chave de leitura para a interpretao dos fatos e da atividade de Jesus.
Jo 12,23 e 17,1 indicam o incio da hora e seu contedo, a glorificao do Filho
na morte de cruz (cf. 12,24). A morte manifestar a profundidade do amor-fiel de Deus
em Jesus. A hora manifesta toda a fecundidade do amor. A negatividade do momento se
perde na grandiosidade da manifestao do amor-fiel. Como vimos no captulo II deste
trabalho, Can j figurava como sinal dessa glorificao. Agora a hora da
manifestao do vinho novo do amor de Deus na doao de vida do Filho. Sem perder a
perspectiva da Aliana, a entrega total do Filho aperfeioa, plenifica, a Aliana de Deus.
A atividade de Jesus no era s promessa de salvao, mas salvao em ato, que
receberia o seu termo e sua eficcia definitiva em sua hora, quando desse o Esprito
na cruz (19,30)2.

1.2 Anlise da narrativa de Jo 19,25-27


Texto grego

Traduo instrumental

25

Ei`sth,keisan de. para. tw/| staurw/| tou/ VIhsou/ h`


mh,thr auvtou/ kai. h` avdelfh. th/j mhtro.j auvtou/(
Mari,a h` tou/ Klwpa/ kai. Mari,a h` Magdalhnh,

25

26

VIhsou/j ou=n ivdw.n th.n mhte,ra kai. to.n maqhth.n


parestw/ta o]n hvga,pa( le,gei th/| mhtri,\ gu,nai( i;de
o` ui`o,j sou

26

Jesus *pois vendo presente sua me e o discpulo


que amava, diz sua me: Mulher, eis teu filho.

27

27

ei=ta le,gei tw/| maqhth/|\ i;de h` mh,thr sou kai.


avpV evkei,nhj th/j w[raj e;laben o` maqhth.j auvth.n eivj
ta. i;dia

Permaneciam prximo cruz de Jesus a sua me


a irm de sua me, Maria de Clofas, e Maria de
Mgdala.

Depois diz ao discpulo: Eis tua me. E desde


aquela hora recebeu-a o discpulo no {que } seu.

No v.25, o autor relata a presena de um grupo de mulheres ao p da cruz.


Em meio ao grupo, encontra-se a Me de Jesus. Quanto ao nmero das mulheres, h
certa discusso entre os estudiosos. Mateos e Barreto sustentam a hiptese de que na
cena da cruz estariam presentes apenas duas mulheres. Para eles, a hiptese de quatro
personagens no encontra fundamento pela inexistncia da partcula grega ki entre as
supostas segunda e terceira personagens. J a hiptese de trs personagens no se
sustentaria pelo fato de Joo, toda vez que nomeia um personagem, lhe atribui uma
funo, o que no o caso de Maria de Clopas. Sendo assim, optam pela presena de
apenas duas mulheres, a Me de Jesus e sua irm, respectivamente, Maria de Clopas
2

MATEOS; BARRETO, Vocabulrio Teolgico do Evangelho de So Joo. p. 133.

70

(Clopas seria o nome do pai de Maria) e Maria Madalena. Dessa forma, essas duas
mulheres significariam a Antiga e a Nova Aliana.
H no textos quatro designaes de personagens femininos: sua me e a irm
de sua me, Maria a de Clofas e Maria Madalena (...) A possibilidade de
quatro mulheres fica descartada por faltar a partcula kai entre a segunda e a
terceira denominao (cf. 21,2). Pode, pois, tratar-se de trs mulheres: a me,
sua irm, chamada Maria a de Clofas, e uma terceira, Maria Madalena, ou
ainda, de dua mulheres, a me e sua irm, que se chamavam,
respectivamente, Maria de Clofas e Maria Madalena.
Para resolver o problema h que se ter presente que, dada a orientao
teolgica de sua obra, quando Joo nomeia um personagem porque o atribui
um papel significativo (...).
Opta-se, pois, pela meno de duas mulheres, indicadas primeiro por
vnculos de parentesco (me, sua irm) e, na continuao, identificadas por
seus nomes. Ficaria confirmada esta opo pelo claro significado das
mulheres na cena. Clofas seria o nome do pai de Maria. Note-se que no
vlida a objeo de que duas irms tenham o mesmo nome, pois a me de
Jesus unicamente chamada Maria nos outros evangelhos; sua irm teria em
todo caso o mesmo nome, uma vez que fosse Maria de Clofas, na hiptese
de trs mulheres, ou Maria Madalena, na hiptese de duas. E mais, pode
dizer-se que neste evangelho o nome Maria prprio das mulheres que
representam uma figura de esposa fiel: a me de Jesus, a da antiga Aliana
(2,1-5); Maria de Betnia (12,3) antecipa a figura de Maria Madalena; Maria
Madalena a esposa fil da Nova Aliana (20,1.11-18). 3

Konings, embora mantenha em aberto a questo, tende a aceitar a hiptese


da presena de trs mulheres ao p da cruz, visto que esta estaria em sintonia com a
tradio encontrada nos sinpticos4.
J Lon-Dufour5 e Simoens6, hiptese que se nos apresenta como a mais
provvel, apostam na presena de um grupo de quatro mulheres, em oposio ao grupo
de quatro soldados do v. 23. Isso estaria fundamentado num gnero de oposio comum
em Joo. Notemos como exemplo, j no prlogo, a oposio entre luz e trevas,
aqueles que creem e aqueles que no creem. Assim tem-se dois grupos opostos aqui
relatados: de um lado, os soldados, funcionrios do poder poltico que autoriza a morte
de Jesus, que, no crendo, trabalham na morte de Jesus; do outro lado, estariam as
mulheres, grupo fiel a Jesus, que o acompanham at o fim.
Deixando de lado essa meno aos dois grupos, a estrutura do relato que se
seguir nos vv. 26-27 pode ser vista da seguinte maneira:

Uma introduo (26a);

A palavra de Jesus (26b- 27a);

Cf. MATEOS; BARRETO. El Evangelio de Juan. p. 814-815.


KONINGS, Evangelho segundo Joo, p. 340
5
Cf. LON-DUFOUR. Leitura do Evangelho de Joo, IV, p. 98
6
Cf. SIMOENS, Selon Jean, p, 818
4

71

Nota final (27b).


Compreende-se que a palavra de Jesus, elemento central desta pequena

estrutura e, todavia, mais importante, constitui o prprio evento; contudo, a


interpretao desta no pode estar dissociada na nota final, que aponta para a maneira
como o discpulo recebeu a me de Jesus. Mais adiante, dedicaremos um estudo
especfico sobre esse tema.
Tendo claro que o fato acontece no interior da hora do Filho, a
interpretao dessa narrativa deve encontrar um sentido profundo, visto que o evento
que seguir imediatamente a este fato o reconhecimento, por parte do prprio Jesus, da
consumao da obra que o Pai lhe havia confiado (19,28a).
Como se viu no captulo II deste estudo, o relato se encontra em relao
direta com os acontecimentos nas npcias em Can, visto que a personagem Me de
Jesus aparece somente nesses dois relatos, ou seja, no incio e no fim do ministrio do
filho. No primeiro relato, se encontra o episdio como prefigurao da salvao que se
aproximava. Aqui, no ponto mximo e final do ministrio terreno de Jesus, essa
salvao se consuma. Na cruz, a Aliana encontra sua plenitude na entrega amorosa e
fiel do Enviado de Deus. O vinho novo da plenitude dos tempos messinicos que foi
dado em abundncia nas npcias de Jo 2, aqui derramado de maneira definitiva. No
por acaso que nesse relato reaparece, por sinal a nica vez nos relatos da Paixo, o
termo hora (19,27b), que j havia aparecido em Can indicando que a Glorificao
ainda no aconteceria naquele momento.
Sobre os indcios literrios que estabelecem o lao intencional entre os dois
relatos, Lon-Dufour nos diz:
O lao intencional entre os dois episdios confirmado pelo emprego da
frmula annima a me de Jesus e pela retomada do termo Mulher, que
causa admirao no tratamento de filho para me (cf. 2,4). 7

Aqui, a Me de Jesus, mais do que a figura histrica de Maria de Nazar,


como j foi visto anteriormente, evoca o Israel fiel, a Sio Messinica, aberta ao dom de
Deus. De maneira mais consciente que os demais evangelistas, Joo utiliza a
personalidade corporativa para alguns de seus personagens. Joo gosta de fazer de
seus atores representantes de uma categoria de pessoas, a partir do modo como reagem
diante da revelao divina em Jesus.

LON-DUFOUR, Leitura do Evangelho de Joo, IV, p. 100

72

Pelo olhar8 de Jesus (v.26a), a figura de sua me associada de seu


discpulo amado. Mesmo sendo apresentado dissociado do grupo em que a me de Jesus
se encontrava, ele compe o quadro. Ele ocupa outro lugar, no integrando o grupo
encabeado pela Me de Jesus. Essa percepo se torna importante para os eventos que
se seguiro. Aquele discpulo, como anteriormente estudamos, o que se encontra ao
lado do Senhor, lugar de honra, no banquete de despedida. ele quem tem acesso aos
segredos sobre o caminho do Senhor. Indo ao seprulcro, v e cr. Quando da pesca em
Jo 21, ele quem reconhece o Senhor ressuscitado beira da praia. o mesmo que
apresentado em Jo 21,24 como a testemunha fiel, aquela que garante a veracidade da f
da comunidade joanina.

1.2.1 A dupla palavra de Jesus


A Me de Jesus e o Discpulo Amado so sucessivamente interpelados por
Jesus. Duas so as interpretaes mais comuns para essa dupla interpelao. Alguns
especialistas veem que esse caso equivaleria a uma frmula jurdica de adoo9 (cf. Sl
2,7), embora esse gnero nunca se apresente dessa forma e, em semelhante caso, a
mulher no interpelada primeiro. O segundo caso aponta para uma cena de
revelao10, semelhante passagem de Natanael em Jo 1,47, visto que Jesus revelaria
quem agora o portador do plano do Pai: o Discpulo Amado, que posto em relao
com a Me.
Preferiu-se optar pela leitura de Lon-Dufour, que v essa dupla palavra,
apelando para o termo da lingustica moderna, como performativa, semelhante ao que
acontece nos relatos de milagre:
Ela cria o que ela enuncia. Pronunciada como testamento por aquele que vai
morrer, a palavra de Jesus exprime sua vontade a respeito dos que ele vai
deixar. Tudo se passa como se, enxergando-os, lado a lado, ao p da cruz,
Jesus constatasse a relao que os vai unir. Agora que sua passagem para o
Pai entrou em ao, ele os engaja a viver o lao mtuo que o fruto de sua
elevao. No nvel simblico, a relao que se instaura s pode ser
permanente.11

Sobre o verbo ver nos relatos da ressurreio, remetemos o leitor ao estudo feito por MANNS.
LEvangile de Jean a la lumire du Judasme, p. 431-448.
9
Segundo Lon-Dufour, seria caso semelhante a Tb 7,12 (LXX) e remontaria a Ambrsio e sustentada
por poucos como E. Stauffer e, com reticncia, C. K. Barret. Apud: LON-DUFOUR. Leitura do
Evangelho de Joo, IV, p. 101, nota 42.
10
Cf. KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 341.
11
LON-DUFOUR. Leitura do Evangelho de Joo, IV, p.101

73

Nesse contexto em que salta o definitivo da histria, acontece o recebimento


da Me de Jesus pelo Discpulo Amado. Tendo em considerao que a linguagem em
que se d essa entrega performativa, percebe-se que h uma mudana no mbito das
relaes: aquela que era me submetida ao filho gerado na f, e no o contrrio, como
seria normal esperar.
Voltando um pouco para trs na narrativa, essa mudana mencionada pode
ser expressa pelo fato de a Me de Jesus, que antes se encontrava encabeando o grupo
das mulheres, agora termina o relato indo embora com o Discpulo Amado. Ela sai de
seu lugar primeiro para ocupar um novo lugar dentro da dinmica joanina. Acreditamos
que essa nova relao poder ser mais bem elucidada a partir do estudo do significado
da expresso eivj ta. i;dia que indica o novo lugar para onde levada a Me de Jesus.
Para tanto, nos apoiaremos na segunda parte do estudo feito pelo Frei Simo
Voigt12 sobre essa percope. Distanciamo-nos, porm, da hiptese levantada na primeira
parte do referido artigo, que percebe na redao dessa passagem narrativa como
resposta s acusaes contra o Discpulo Amado, presentes em alguns escritos apcrifos
do I e II sculos, que sustentam que este teria abandonado Maria, a me de Jesus. No
temos essa hiptese como verossmil, pois, alm de fazer uma leitura por demais
personalizada das personagens, tenta buscar explicaes em contexto exterior e alheio
ao Quarto Evangelho. Na concluso deste trabalho, tentaremos expor uma hiptese
nossa, ainda em aberto, sobre o background histrico possvel desta narrativa.

1.2.2 Ele a recebeu eivj ta. i;dia


O presente episdio, ausente das narrativas sinpticas, termina com a
expressa afirmao de que o Discpulo Amado recebeu a Me de Jesus, desde aquela
hora, eivj ta. i;dia. A traduo bvia e que figura na maioria das verses para o
portugus, seria a de que o Discpulo teria recebido a Me de Jesus em sua casa. Esse
primeiro sentido parece bem se encaixar no contexto, visto que temos um filho s portas
da morte, preocupado em garantir para sua me um futuro, sobretudo teto e sustento.
Contudo, podemos nos perguntar por que no utilizou frmulas mais
comuns nesse contexto, como aparecem em outras partes do Evangelho, dizendo

12

VOIGT, S. O Discpulo Amado recebe a Me de Jesus eis ta ida: velada apologia de Joo em 19,2527. Petrpolis: Revista Eclesistica Brasileira, n.35, v.4, 1975. p. 770-823.

74

simplesmente que o discpulo a acolheu (em grego e;laben auvth,n, cf. Jo 1,12; 5,43;
6,21...), ou que ele a recebeu eivj to.n oi=kon auvtou/ (cf. 7,53), ou ainda, eivj oivki,an (cf.
2Jo 1,10). Pelo contrrio, escolheu uma expresso menos difana e certamente de
sentido mais complexo e ambguo. Talvez seja por essa falta de clareza da expresso
que tradutores eventualmente tomam suas precaues. Como, por exemplo, o caso da
Vulgata que, ao invs de utilizar a expresso in domum suam, prefere utilizar a
expresso mais cautelosa in sua. A traduo da Bblia feita pela CNBB prefere, de
maneira tambm cautelosa, traduzir como aquilo que era seu. Tais verses mantm a
possibilidade de compreenso material da expresso, para sua casa e seus bens, como
tambm do abertura para outros sentidos, como buscamos nesta seco do trabalho.
Voigt, em seu estudo, abre a leitura para a possibilidade de trs tipos de
interpretao da expresso ta. i;dia. Ele chama um de sentido esttico; outro de
dinmico; e um terceiro, mais englobante, ele denomina de pregnante:
Com efeito, no se foge impresso de que o Quarto Evangelho tem algum
motivo para de propsito empregar esta expresso de significado complexo e
de que a razo disto pode estar naquela sua caracterstica viso de
globalidade que tambm se poderia chamar de jogo de ambigidade ou duplo
sentido. Pois, se j em seu sentido esttico ta. i;dia possui um significa
complexo, uma ainda maior margem de ambigidade (que prefiro neste caso
chamar riqueza de pregnncia) lhe advm de sua acrescida possibilidade de
ter tambm um sentido dinmico.13

Esse sentido dinmico ou ativo, que Voigt v em ta. i;dia, aponta para a
possibilidade de essa expresso ter o sentido de interesse-afazeres. Acredita-se que Jo
1,11 esteja mais prximo desse sentido. Contudo, essencial notar que a referida
expresso pode, de modo especial, congregar todos os sentidos, esttico e dinmico,
fazendo com que sejam pensados mutuamente, resultando em um sentido englobado,
ou, como prefere Voigt, pregnante.
A fora de pregnncia dessa expresso est no fato de ela representar a
substantivao de um no-precisado neutro plural:
O fato de ta. i;dia representar a substantivao dum no-precisado neutro
plural de certo modo explica a sua pregnncia, ou seja, a sua capacidade de
abrigar toda uma gama simultnea de conotaes ou significados diversos
que no se excluem mas eventualmente se somam e completam e
interpenetram.14

Para bem explicar, tomemos o significado de i;dion. O i;dion de algum pode


significar tudo aquilo que prprio ao indivduo. Um sentido amplo que engloba tanto a

13
14

VOIGT, S. O Discpulo Amado recebe a Me de Jesus eis ta ida, p. 785


VOIGT, S. O Discpulo Amado recebe a Me de Jesus eis ta ida, p. 786

75

linha do originar-se, do ser, do ter, do agir, do pensar, do pretender, do intencionar etc,


bem como sua ptria, sua casa e sua famlia, at mesmo suas opinies pessoais, ou
ainda, seus afazeres, negcios e cuidados. Assim, no estranho prpria natureza da
expresso que ao se utilizar dela, tenha-se em mente um ou mais sentidos articulados.
Acredita-se que esse sentido ocorra em 19,27b. Para demonstrar esse dado,
faz-se necessrio analisar as demais ocorrncias do termo no Quarto Evangelho para
verificar at que ponto essa expresso tem no s o sentido esttico, como tambm pode
apresentar o referido sentido dinmico e, com isso, o sentido pregnante acima referido.

As ocorrncias de ta. i;dia no Quarto Evangelho:


A expresso ta. i;dia ocorre no Evangelho de Joo quatro vezes (1,11; 8,44;
16,32; 19,27). Acredita-se que esse estilo pregnante com o qual estamos trabalhando
parece muito bem se encaixar com o prprio estilo de escrita de Joo, onde as coisas
aparentes tm muito mais a dizer. Assim, existindo ou havendo essa possibilidade de
leitura, pode-se analisar mais acuradamente as menes de ta. i;dia no Quarto
Evangelho.
Em 1,11, mesmo que a sequncia aponte para a no acolhida da Palavra,
aquilo que pertence Palavra muito mais do que os homens que no a aceitam15.
Contudo, junto a outros, ela encontrou acolhida (1,12) e pode realizar a misso que lhe
prpria enquanto Palavra criadora do Pai. Misso esta que comunicar quem o Pai,
que ela conhece na intimidade, bem como elevar a Aliana ao seu pleno cumprimento,
dando aos homens a capacidade de se tornarem filhos de Deus.
A segunda ocorrncia de ta. i;dia acontece em 8,44. Nesse trecho, um
discurso duro de Jesus contra os judeus, a atividade de mentir do diabo, num primeiro
momento, inerente ao prprio diabo, pai da mentira, ou seja, faz parte da maneira de
ser do diabo. Contudo, admitindo esse sentido pregnante, aqui, o diabo fala a partir
daqueles que so seus, como o caso dos judeus, filhos do pai da mentira. Nesse
sentido, ele age a partir daqueles que so seus, os filhos das trevas.
Quanto passagem de 16,32, cremos que ta. i;dia aplicada disperso dos
discpulos esteja em profunda consonncia com o ta. i;dia do Discpulo Amado (19,27).
O que queremos dizer com isso? Ainda no conhecendo, ou melhor, crendo plenamente
em Jesus, os discpulos fogem para aquilo que lhes prprio, no somente para suas
15

KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 79

76

casas ou trabalhos, mas tambm para aquilo que inerente sua identidade naquele
momento (a fraqueza da f). J o Discpulo Amado, testemunha fiel, continua ao lado
do Mestre at o fim, pois a ele foi confiado compreender tudo.

1.2.3 A acolhida:
O primeiro sentido e mais evidente desta acolhida, aquele que chamamos
mais acima de esttico. O gesto do discpulo pode ser compreendido de vrias maneiras,
desde o sentido concreto de acolher em sua casa, at acolher o dom celestial que a
proteo maternal de Maria16. Contudo, podemos perceber um sentido mais profundo,
para alm do mero nvel do texto, onde se pretende reconhecer todo o simbolismo que
foi explicitado durante este estudo e, sobretudo, o dado que exprime um cuidado
assumido de modo permanente.
Diante do definitivo instaurado pela entrega do Filho, o papel do discpulo
no qual est depositado o Evangelho no tem mais limite de durao. A relao
estabelecida aos ps do Crucificado definitiva. O neutro plural ta. i;dia, como antes
vimos, pode indicar globalmente o que algum possui, mas tambm o que de mais
profundo o constitui (cf. 8,44). No caso do Discpulo Amado, bem como em relao
Me de Jesus, nossa anlise at aqui nos leva a transcender o dado meramente
material\concreto, para acreditar que se trata daquilo que constitui a prpria identidade
dessas figuras.
Assim, este recebimento da Me pelo Discpulo Amado eij ta. i;dia parece
significar uma acolhida mtua, porm desigual. Aos ps daquele que o Filho de Deus,
em quem se cumprem as promessas, o Discpulo Amado, filho gerado na f, reconhece
que seu passado, que a f que recebeu, a mesma f de Israel. A comunidade crist, que
reconhece no Discpulo a testemunha fiel, v em Israel sua Me. A histria de Israel
tambm a histria da comunidade crist. No h uma nova histria da Aliana, mas sim,
a plenitude dessa Aliana no Filho. por meio de Israel que essa nova comunidade se
v inserida na grande histria de amor que a Aliana. Sem Israel, a comunidade crist,
representada pelo Discpulo Amado, perderia seu passado salvfico. Contudo a Me de
Jesus, Israel, ao acolher o Discpulo Amado como seu Filho, reconhece nessa
comunidade seu futuro. Ela, que havia gerado o Messias, dever reconhecer que a
16

VOIGT, S. O Discpulo Amado recebe a Me de Jesus eis ta ida, p. 786.

77

revelao acontecida em Jesus a consumao de sua espera e ver tambm nessa


comunidade, da qual o Discpulo Amado figura tenente, a continuao da histria do
Messias. Acolhida, ento, pelo Discpulo, ela passa a participar do futuro da histria
salvfica de Deus, que encontra sua continuidade na comunidade do Discpulo Amado.
Indo para o que mais profundo na identidade do Discpulo, deve partilhar da mesma
f, tornando-se, tambm, testemunha das maravilhas de Deus.
Em Cristo, a plenitude da Aliana com Deus se realiza em sua autodoao
amorosa de vida. Contudo, esta nova comunidade, formada aos ps do crucificado,
continuar a comunicar e a testemunhar a plenitude da Aliana de Deus em Cristo, para
que todos tenham vida. Em Cristo, o passado e o futuro da histria salvfica so
unificados. Na presena do Esprito Santo, o Intercessor, o Ressuscitado permanecer
junto com essa nova comunidade.
Dessa forma, aos ps do Crucificado surge a nova comunidade da Aliana,
fundada sobre a nica e mesma Aliana de amor de Deus com seu povo. Esta participa
da plenitude amorosa do Filho, enquanto sua testemunha. Assim, a comunidade vive,
com seu passado e futuro, inserida no Mistrio de Amor de Deus para com a
Humanidade, e age agora como testemunha. Ela assume em seu interior a figura da Sio
Messinica, chamada a ser luz para todas as naes.
Assim, outro aspecto que necessita ser abordado na cena da entrega reside
em uma sutil substituio de figuras aos ps da cruz. O Crucificado, exaltado em sua
entrega de vida, coloca o Discpulo Amado em seu lugar diante daqueles que esperam a
Salvao que vem de Deus17. Agora o Discpulo passa a fazer as vezes do Filho no
mundo. Como testemunha fiel, ele continua como sinal e lugar da ao de Deus em
Jesus para o mundo. A comunidade discipular continuar a ao do Mestre na medida
em que este se faz presente na f da comunidade. o Cristo quem continua a agir na
pessoa da comunidade dos discpulos (Jo 14,12-13).
Faz-se, ento, fundamental a figura do Parclito. ele quem, a partir do
que se pode perceber nos textos joaninos, pela f operar a recapitulao do
Ressuscitado no interior da comunidade. ele, o Esprito da Verdade, quem
acompanhar a comunidade em seu caminho no mundo (Jo 14,16); ensinar e
relembrar todas as coisas que o Filho deixou aos seus (Jo 14,26); ele quem a
testemunha por excelncia (Jo 15,26).
17

KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 341

78

Assim, esta parte final do trabalho ser dedicada a perceber o futuro desse
Discpulo como continuador do Filho. Focaremos, principalmente, nas passagens em
que o termo hora aplicado diretamente ao grupo discipular, para perceber como o
destino dos discpulos, para Joo, est intrinsecamente ligado ao destino do Filho. A
essas passagens acrescentaremos a afirmao da permanncia do Discpulo at que o
Senhor venha, tema anteriormente estudado. Outra figura do universo joanino que far
parte da seco que se segue o Parclito. Percebe-se que, a partir de sua funo
explicitada por Joo, garantia e ao do Ressuscitado no seio da comunidade.

2 O futuro da comunidade: a hora dos discpulos.


Nesta segunda seco do terceiro captulo, como acima expusemos, nosso
olhar se voltar para o futuro do Discpulo Amado. No captulo 16 do evangelho, o
termo hora utilizado trs vezes em referncia aos discpulos. O referido captulo se
encontra inserido no interior do discurso de despedida de Jesus (13,1-17,26), na seco
de 15,1-16,31. O Discpulo Amado faz parte desse grupo reunido em torno do Senhor
que se despede e, como j foi exposto, ocupa um lugar de destaque na refeio. Sendo
assim, mesmo por se tratar de afirmaes feitas ao grupo dos discpulos em geral, o
Discpulo Amado no excludo em nenhum momento, pelo contrrio, participa do
destino que Jesus mencionar.

2.1 O contexto: Palavras de Jesus sobre o grupo discipular em seu


discurso de despedida (Jo 13-17)
Algumas menes presentes nos captulos anteriores e posterior a Jo 16, no
discurso de despedida, podero ajudar a elucidar o aspecto de continuidade da misso
do Filho nos discpulos. Essa continuidade, como presena salvfica alicerada no Amor
do Pai, manifesta e continuamente presente por meio do Filho, ser explicitada nesta
seco.

79

2.1.1 Captulo 13: O Amor fraterno como constitutivo da identidade da


comunidade dos discpulos.
Texto grego

Traduo instrumental

kai. dei,pnou ginome,nou( tou/ diabo,lou h;dh


beblhko,toj eivj th.n kardi,an i[na paradoi/ auvto.n
VIou,daj Si,mwnoj VIskariw,tou(

eivdw.j o[ti pa,nta e;dwken auvtw/| o` path.r eivj ta.j


cei/raj kai. o[ti avpo. qeou/ evxh/lqen kai. pro.j to.n
qeo.n u`pa,gei(

4
evgei,retai evk tou/ dei,pnou kai. ti,qhsin ta. i`ma,tia
kai. labw.n le,ntion die,zwsen e`auto,n\

ei=ta ba,llei u[dwr eivj to.n nipth/ra kai. h;rxato


ni,ptein tou.j po,daj tw/n maqhtw/n kai. evkma,ssein
tw/| lenti,w| w-| h=n diezwsme,noj

Pro. de. th/j e`orth/j tou/ pa,sca eivdw.j o` VIhsou/j


o[ti h=lqen auvtou/ h` w[ra i[na metabh/| evk tou/ ko,smou
tou,tou pro.j to.n pate,ra( avgaph,saj tou.j ivdi,ouj
tou.j evn tw/| ko,smw| eivj te,loj hvga,phsen auvtou,j

e;rcetai ou=n pro.j Si,mwna Pe,tron\ le,gei auvtw/|\


ku,rie( su, mou ni,pteij tou.j po,daj
7

avpekri,qh VIhsou/j kai. ei=pen auvtw/|\ o] evgw. poiw/


su. ouvk oi=daj a;rti( gnw,sh| de. meta. tau/ta
8

le,gei auvtw/| Pe,troj\ ouv mh. ni,yh|j mou tou.j


po,daj eivj to.n aivw/na avpekri,qh VIhsou/j auvtw/|\ eva.n
mh. ni,yw se( ouvk e;ceij me,roj metV evmou/

le,gei auvtw/| Si,mwn Pe,troj\ ku,rie( mh. tou.j


po,daj mou mo,non avlla. kai. ta.j cei/raj kai. th.n
kefalh,n

Antes (porm) da festa da Pscoa sabendo Jesus


que veio a sua hora para que se mude deste mundo
para junto do Pai tendo amado os seus, que
estavam no mundo, at o fim amou-os.
E quando veio-a-ser a refeio o diabo j tendo
colocado no corao que entregue-o Judas de
Simo iscariotes
sabendo que tudo lhe dera o Pai nas mos e que
de Deus tinha sado e para junto de Deus estava
indo,
levanta-se da refeio e depe as roupas e tendo
tomado uma toalha cinge-se com ela.
Ento coloca gua na bacia e comeou a lavar os
ps dos discpulos e a enxugar com a toalha com
que estava cingido.

Vem *pois at Simo Pedro. Diz-lhe ele: Senhor,


tu me lavas os ps?
7

Respondeu Jesus e disse-lhe: O que fao eu, tu


no sabes agora, sab-lo-s mais tarde.

Diz-lhe Pedro: No me laves os ps em


eternidade. Respondeu-lhe Jesus: Se eu no te
lavar, no tens parte comigo.

Diz-lhe Simo Pedro: Senhor, no s meus ps,


mas tambm as mos e a cabea.

10

10

le,gei auvtw/| o` VIhsou/j\ o` leloume,noj ouvk e;cei


crei,an eiv mh. tou.j po,daj ni,yasqai( avllV e;stin
kaqaro.j o[loj\ kai. u`mei/j kaqaroi, evste( avllV ouvci.
pa,ntej

Diz-lhe Jesus: O que foi banhado no precisa


lavar-se a no ser os ps mas est totalmente
puro. E vs estais puros, mas no todos.

11

11

h;|dei ga.r to.n paradido,nta auvto,n\ dia. tou/to


ei=pen o[ti ouvci. pa,ntej kaqaroi, evste

Pois conhecia o que o entregaria. Por isso,


disse: Nem todos estais puros.

12

12

{Ote ou=n e;niyen tou.j po,daj auvtw/n kai.


e;laben ta. i`ma,tia auvtou/ kai. avne,pesen pa,lin( ei=pen
auvtoi/j\ ginw,skete ti, pepoi,hka u`mi/n

Quando *pois tinha lavado os ps deles, [e] tomou


suas vestes e reclinou mesa de novo. Disse-lhes:
Reconheceis o que vos fiz?
13

13

u`mei/j fwnei/te, me\ o` dida,skaloj( kai,\ o` ku,rioj(


kai. kalw/j le,gete\ eivmi. ga,r

Vs me chamais: o mestre, e o senhor. E dizeis


certo, pois eu {o} sou.

14

14

eiv ou=n evgw. e;niya u`mw/n tou.j po,daj o` ku,rioj


kai. o` dida,skaloj( kai. u`mei/j ovfei,lete avllh,lwn
ni,ptein tou.j po,daj\

Se eu *pois vos lavei os ps, o senhor e o


mestre,tambm vs deveis lavar os ps uns dos
outros.

15
15

u`po,deigma ga.r e;dwka u`mi/n i[na kaqw.j evgw.

Pois um exemplo vos dei, para que como eu vos


fiz, vs faais tambm,.

80

evpoi,hsa u`mi/n kai. u`mei/j poih/te


16
16

avmh.n avmh.n le,gw u`mi/n( ouvk e;stin dou/loj


mei,zwn tou/ kuri,ou auvtou/ ouvde. avpo,stoloj mei,zwn
tou/ pe,myantoj auvto,n

Amm, amm, digo-vos: O servo no maior


que seu senhor, nem o enviado maior que o que o
mandou.

17
17

Se sabeis disso: felizes sois se isto fizerdes.

eiv tau/ta oi;date( maka,rioi, evste eva.n poih/te


auvta,
18
18

Ouv peri. pa,ntwn u`mw/n le,gw\ evgw. oi=da ti,naj


evxelexa,mhn\ avllV i[na h` grafh. plhrwqh/|\ o` trw,gwn
mou to.n a;rton evph/ren evpV evme. th.n pte,rnan auvtou/
19

avpV a;rti le,gw u`mi/n pro. tou/ gene,sqai( i[na


pisteu,shte o[tan ge,nhtai o[ti evgw, eivmi

No sobre todos vs falo eu sei os que escolhi


mas para que a escritura seja cumprida: O que
mastiga meu po levantou contra mim o calcanhar.
19

Desde agora vo-lo digo, antes que acontea,


para que possais acreditar quando acontecer que eu
o sou.

20
20

avmh.n avmh.n le,gw u`mi/n( o` lamba,nwn a;n tina


pe,myw evme. lamba,nei( o` de. evme. lamba,nwn lamba,nei
to.n pe,myanta, me

21

Tau/ta eivpw.n o` VIhsou/j evtara,cqh tw/| pneu,mati


kai. evmartu,rhsen kai. ei=pen\ avmh.n avmh.n le,gw u`mi/n
o[ti ei-j evx u`mw/n paradw,sei me
22

e;blepon eivj avllh,louj oi` maqhtai. avporou,menoi


peri. ti,noj le,gei

Amm, amm, digo-vos: O que receber quem


eu mandar, a mim recebe; o porm que me receber,
recebe quem me mandou.

21

Tendo dito isso Jesus comoveu-se no esprito


e testemunhou e disse: Amm, amm, digo-vos
(que): Um de vs me entregar.

22

Olhavam uns para os outros os discpulos


indagando a respeito de quem ele estava dizendo
isso.

23
23

h=n avnakei,menoj ei-j evk tw/n maqhtw/n auvtou/ evn


tw/| ko,lpw| tou/ VIhsou/( o]n hvga,pa o` VIhsou/j
24

neu,ei ou=n tou,tw| Si,mwn Pe,troj puqe,sqai ti,j


a'n ei;h peri. ou- le,gei
25

avnapesw.n ou=n evkei/noj ou[twj evpi. to. sth/qoj tou/


VIhsou/ le,gei auvtw/|\ ku,rie( ti,j evstin
26

avpokri,netai o` VIhsou/j\ evkei/no,j evstin w-| evgw.


ba,yw to. ywmi,on kai. dw,sw auvtw/| ba,yaj ou=n to.
ywmi,on lamba,nei kai. di,dwsin VIou,da| Si,mwnoj
VIskariw,tou
27

kai. meta. to. ywmi,on to,te eivsh/lqen eivj evkei/non


o` satana/j le,gei ou=n auvtw/| o` VIhsou/j\ o] poiei/j
poi,hson ta,cion
28

tou/to de. ouvdei.j e;gnw tw/n avnakeime,nwn pro.j


ti, ei=pen auvtw/|\
29

tine.j ga.r evdo,koun( evpei. to. glwsso,komon ei=cen


VIou,daj( o[ti le,gei auvtw/| o` VIhsou/j\ avgo,rason w-n
crei,an e;comen eivj th.n e`orth,n( h' toi/j ptwcoi/j i[na
ti dw/|
30

labw.n ou=n to. ywmi,on evkei/noj evxh/lqen euvqu,j


h=n de. nu,x
31

{Ote ou=n evxh/lqen( le,gei VIhsou/j\ nu/n evdoxa,sqh


o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou kai. o` qeo.j evdoxa,sqh evn
auvtw/|\

Estava amesendado um dentre os discpulos


sobre o peito de Jesus, {aquele} que Jesus amava.

24

Acena *pois para ele Simo Pedro, para pesquisar


quem seria {aquele} a respeito de quem diz isso.

25

Reclinado *pois deste modo perto do peito de


Jesus disse-lhe: Senhor, quem ?
26

Responde Jesus: aquele para quem batizarei


o bocado e lho darei. Tendo *pois batizado o
bocado [toma e] d a Judas de Simo Iscariotes.
27

E depois do bocado ento entrou nele o satans.


Diz-lhe *pois Jesus: O que ests fazendo, faze-o
mais depressa.
28

Isso [porm] ningum dos amesendados sabia


para qual fim lhe disse.

29

Pois alguns pensavam, enquanto Judas tinha a


caixa, que Jesus lhe quis dizer: Compra o que
necessitamos para a festa; ou que d algo para os
pobres.

30

Tendo tomado
(porm) noite.

*pois

o bocado ele logo saiu. Era

31

Quando *pois tinha sado diz Jesus: Agora foi


glorificado o Filho do Homem e Deus foi
glorificado nele.
32

[se Deus foi glorificado nele] tambm Deus o


glorificar em si e logo o glorificar.

81

32

eiv o` qeo.j evdoxa,sqh evn auvtw/|( kai. o` qeo.j


doxa,sei auvto.n evn auvtw/|( kai. euvqu.j doxa,sei auvto,n

33

tekni,a( e;ti mikro.n meqV u`mw/n eivmi\ zhth,sete,


me( kai. kaqw.j ei=pon toi/j VIoudai,oij o[ti o[pou evgw.
u`pa,gw u`mei/j ouv du,nasqe evlqei/n( kai. u`mi/n le,gw
a;rti
34
VEntolh.n kainh.n di,dwmi u`mi/n( i[na avgapa/te
avllh,louj( kaqw.j hvga,phsa u`ma/j i[na kai. u`mei/j
avgapa/te avllh,louj
35

evn tou,tw| gnw,sontai pa,ntej o[ti evmoi. maqhtai,


evste( eva.n avga,phn e;chte evn avllh,loij
36
Le,gei auvtw/| Si,mwn Pe,troj\ ku,rie( pou/
u`pa,geij avpekri,qh auvtw/| VIhsou/j\ o[pou u`pa,gw ouv
du,nasai, moi nu/n avkolouqh/sai( avkolouqh,seij de.
u[steron

33

Filhinhos, ainda pouco tempo estou convosco.


Procurar-me-eis, E como disse aos judeus (que):
Aonde eu vou, vs no podeis ir tambm a vs o
digo agora.

34

Um mandamento novo vos dou, (para) que vos


ameis uns aos outros; assim como amei-vos, (para)
que tambm vs ameis uns aos outros.

35

Nisto reconhecero todos que sois discpulos de


mim: se tiverdes amor entre vs uns aos outros.

36

Diz-lhe Simo Pedro: Senhor, onde vais?


Respondeu [lhe] Jesus: Onde vou,no me podes
seguir agora; seguirs porm mais tarde.

37

Diz-lhe Pedro: Senhor, por que no posso


seguir-te agora? Minha alma por ti porei.

37

le,gei auvtw/| o` Pe,troj\ ku,rie( dia. ti, ouv


du,namai, soi avkolouqh/sai a;rti th.n yuch,n mou
u`pe.r sou/ qh,sw

38

avpokri,netai VIhsou/j\ th.n yuch,n sou u`pe.r evmou/


qh,seij avmh.n avmh.n le,gw soi( ouv mh. avle,ktwr
fwnh,sh| e[wj ou- avrnh,sh| me tri,j

38

Responde Jesus: Tua alma por mim pors?


Amm, amm, digo-te: No chamar o galo
at que me renegues trs vezes..

No captulo 13, surgem duas menes misso da comunidade dos


discpulos. Na primeira, em 13,14, encerrando a narrativa do episdio comumente
conhecido como Lava-Ps, temos a ordem do Senhor de que os discpulos tambm
faam o mesmo que ele, o Mestre, fez: que eles lavem os ps uns dos outros. O sentido
maior elucidado pela afirmao posterior de 13,34: aps a sada de Judas para a
traio e o incio efetivo do processo que culminar com a morte do Mestre, ele d aos
discpulos o mandamento maior que o amor. Que assim como o Mestre amou, tambm
os discpulos vivero desse e nesse amor que, inclusive, formar a identidade do grupo
discipular: Nisto todos conhecero que sois meus discpulos, se vos amardes uns aos
outros (13,35).
O tema do amor recorrente nos escritos joaninos. O grupo adversrio de
Jesus identificado pela ausncia desse amor (6,42). A obra do Filho realizada por
amor aos homens (12,30). A sequncia de Jo 15,9-13 mostra a profundidade do amor no
qual a vida do discpulo transcorrer. o amor de Deus, manifesto em seu Filho Jesus,
que d a garantia e sustenta a misso dos discpulos. nesse mesmo amor do Pai, por
meio do Filho, que o discpulo se v integrado. Amor doado at as ltimas
consequncias (15,13). A fidelidade vida do Mestre o que mantm os discpulos
ligados ao Filho e, por ele, ao Pai (15,1.14).
82

Encerrando sua orao ao Pai no captulo 17, Jesus resume o fruto de sua
misso, a comunicao do Amor do Pai para com a humanidade, na permanncia desse
amor nos discpulos. A Glorificao do Filho, ponto pice de sua misso, tem como
finalidade que o amor com que o Pai ama o Filho, permanea nos discpulos. Os
discpulos so tornados filhos no Filho, ou seja, pela ao da Palavra no mundo, ao
que a manifestao do amor de Deus, vem a capacidade de participar deste amor que
fundamento da filiao.

2.1.2 Captulo 14: a continuidade nas obras.


Texto grego

Traduo instrumental

Mh. tarasse,sqw u`mw/n h` kardi,a\ pisteu,ete eivj


to.n qeo.n kai. eivj evme. pisteu,ete

evn th/| oivki,a| tou/ patro,j mou monai. pollai,


eivsin\ eiv de. mh,( ei=pon a'n u`mi/n o[ti poreu,omai
e`toima,sai to,pon u`mi/n

Na casa de meu Pai h muitas moradas. Se no,


ter-vos-ia dito (que): Vou preparar-vos um
lugar?

kai. eva.n poreuqw/ kai. e`toima,sw to,pon u`mi/n(


pa,lin e;rcomai kai. paralh,myomai u`ma/j pro.j
evmauto,n( i[na o[pou eivmi. evgw. kai. u`mei/j h=te
4

kai. o[pou evgw. u`pa,gw oi;date th.n o`do,n

Le,gei auvtw/| Qwma/j\ ku,rie( ouvk oi;damen pou/


u`pa,geij\ pw/j duna,meqa th.n o`do.n eivde,nai
6

le,gei auvtw/| o` VIhsou/j\ evgw, eivmi h` o`do.j kai. h`


avlh,qeia kai. h` zwh,\ ouvdei.j e;rcetai pro.j to.n
pate,ra eiv mh. diV evmou/

No se perturbe o vosso corao. Acreditais em


Deus. Tambm em mim acreditai.

E quando eu for e vos tiver preparado um lugar,


virei de novo e vos acolherei comigo para que
onde eu estou tambm vs estejais.

E onde [eu] vou, vs sabeis o caminho.

Diz-lhe Tom: Senhor, no sabemos onde vais.


Como podemos conhecer o caminho?

Diz-lhe Jesus: Eu sou o caminho e a verdade e a


vida. Ningum vai ao Pai se no por mim.

eiv evgnw,kate, me( kai. to.n pate,ra mou gnw,sesqe


kai. avpV a;rti ginw,skete auvto.n kai. e`wra,kate
auvto,n

Se me conheceis, tambm meu Pai conhecereis.


E desde agora o conheceis e o tendes visto.

Le,gei auvtw/| Fi,lippoj\ ku,rie( dei/xon h`mi/n to.n


pate,ra( kai. avrkei/ h`mi/n

le,gei auvtw/| o` VIhsou/j\ tosou,tw| cro,nw| meqV


u`mw/n eivmi kai. ouvk e;gnwka,j me( Fi,lippe o`
e`wrakw.j evme. e`w,raken to.n pate,ra\ pw/j su. le,geij\
dei/xon h`mi/n to.n pate,ra
10

ouv pisteu,eij o[ti evgw. evn tw/| patri. kai. o` path.r


evn evmoi, evstin ta. r`h,mata a] evgw. le,gw u`mi/n avpV
evmautou/ ouv lalw/( o` de. path.r evn evmoi. me,nwn poiei/
ta. e;rga auvtou/

Diz-lhe Filipe: Senhor, mostra-nos o Pai


e nos bastar.
Diz-lhe Jesus: Tanto tempo estou convosco e
no me conheceste, Filipe? Quem me viu, viu o
Pai. Como dizes tu: Mostra-nos o Pai?

10

No acreditais que eu estou no Pai e o Pai est


em mim? As palavras que vos digo no {as} falo
de mim mesmo. O Pai porm que permanece em
mim faz as suas obras.

83

11

pisteu,ete, moi o[ti evgw. evn tw/| patri. kai. o`


path.r evn evmoi,\ eiv de. mh,( dia. ta. e;rga auvta.
pisteu,ete

11

12

12

VAmh.n avmh.n le,gw u`mi/n( o` pisteu,wn eivj evme. ta.


e;rga a] evgw. poiw/ kavkei/noj poih,sei kai. mei,zona
tou,twn poih,sei( o[ti evgw. pro.j to.n pate,ra
poreu,omai\
13

kai. o[ ti a'n aivth,shte evn tw/| ovno,mati, mou tou/to


poih,sw( i[na doxasqh/| o` path.r evn tw/| ui`w/|

Acreditai-me (que) eu estou no Pai


e o Pai em mim. Se no, por causa das prprias
obras acreditai.
Amm, amm, digo-vos: O que acredita em
mim, as obras que eu fao, tambm ele far, e
maiores que estas far, porque eu vou para o Pai

13

e o que rogardes em meu nome, farei isso para


que o Pai seja glorificado no Filho.

14

eva,n ti aivth,shte, me evn tw/| ovno,mati, mou evgw.


poih,sw

14

Se me rogardes em meu nome, eu o farei.

15

VEa.n avgapa/te, me( ta.j evntola.j ta.j evma.j


thrh,sete\

15

Se me amais, guardai meus mandamentos,

16

16

kavgw. evrwth,sw to.n pate,ra kai. a;llon


para,klhton dw,sei u`mi/n( i[na meqV u`mw/n eivj to.n
aivw/na h=|(

e eu rogarei o Pai e um outro parclito vos dar,


para que convosco esteja para a eternidade:

17

to. pneu/ma th/j avlhqei,aj( o] o` ko,smoj ouv


du,natai labei/n( o[ti ouv qewrei/ auvto. ouvde.
ginw,skei\ u`mei/j ginw,skete auvto,( o[ti parV u`mi/n
me,nei kai. evn u`mi/n e;stai

17

18

Ouvk avfh,sw u`ma/j ovrfanou,j( e;rcomai pro.j u`ma/j

18

19

e;ti mikro.n kai. o` ko,smoj me ouvke,ti qewrei/(


u`mei/j de. qewrei/te, me( o[ti evgw. zw/ kai. u`mei/j
zh,sete

19

20

evn evkei,nh| th/| h`me,ra| gnw,sesqe u`mei/j o[ti evgw. evn


tw/| patri, mou kai. u`mei/j evn evmoi. kavgw. evn u`mi/n

20

21

o` e;cwn ta.j evntola,j mou kai. thrw/n auvta.j


evkei/no,j evstin o` avgapw/n me\ o` de. avgapw/n me
avgaphqh,setai u`po. tou/ patro,j mou( kavgw. avgaph,sw
auvto.n kai. evmfani,sw auvtw/| evmauto,n

21

22

22

Le,gei auvtw/| VIou,daj( ouvc o` VIskariw,thj\ ku,rie(


kai. ti, ge,gonen o[ti h`mi/n me,lleij evmfani,zein
seauto.n kai. ouvci. tw/| ko,smw|

o esprito da verdade, que o mundo no pode


receber, porque no o v nem conhece. Vs o
conheceis, porque fica convosco e em vs est.

No vos deixarei rfos. Venho a vs.

Ainda pouco tempo e o mundo no mais me


ver, vs porm me vereis, porque eu vivo
e vs vivereis.
Naquele dia vs reconhecereis que eu estou no
Pai e vs em mim e eu em vs.
O que tem meus mandamentos e os guarda, esse
que me ama. O, porm, que me ama ser amado
por meu Pai e eu o amarei e a ele me manifestarei
a mim mesmo.
Diz-lhe Judas no o Iscariotes : Senhor, [e]
que veio-a-ser que a ns ests irs te manifestar a
ti mesmo e no ao mundo?

23
23

avpekri,qh VIhsou/j kai. ei=pen auvtw/|\ eva,n tij


avgapa/| me to.n lo,gon mou thrh,sei( kai. o` path,r
mou avgaph,sei auvto.n kai. pro.j auvto.n evleuso,meqa
kai. monh.n parV auvtw/| poihso,meqa
24

o` mh. avgapw/n me tou.j lo,gouj mou ouv threi/\ kai.


o` lo,goj o]n avkou,ete ouvk e;stin evmo.j avlla. tou/

Respondeu Jesus e disse-lhe: Se algum me


amar, guardar a minha palavra, e o meu Pai o
amar e a ele viremos e junto dele faremos
morada.

24

O que no me ama no guarda as minhas


palavras. E a palavra que ouvis no minha, mas
do Pai que me mandou.

84

pe,myanto,j me patro,j
25
25

Isso falei permanecendo junto de vs.

Tau/ta lela,lhka u`mi/n parV u`mi/n me,nwn\


26

26

o` de. para,klhtoj( to. pneu/ma to. a[gion( o]


pe,myei o` path.r evn tw/| ovno,mati, mou( evkei/noj u`ma/j
dida,xei pa,nta kai. u`pomnh,sei u`ma/j pa,nta a] ei=pon
u`mi/n evgw,

O advogado (porm) o esprito santo, que o


Pai mandar em meu nome - ele vos ensinar tudo,
e lembrar-vos- tudo o que [eu] vos disse.

27
27

Eivrh,nhn avfi,hmi u`mi/n( eivrh,nhn th.n evmh.n


di,dwmi u`mi/n\ ouv kaqw.j o` ko,smoj di,dwsin evgw.
di,dwmi u`mi/n mh. tarasse,sqw u`mw/n h` kardi,a mhde.
deilia,tw

A paz vos deixo, minha paz vos dou. No como


o mundo d eu vos dou. No se perturbe o vosso
corao nem fique covarde.

28
28

hvkou,sate o[ti evgw. ei=pon u`mi/n\ u`pa,gw kai.


e;rcomai pro.j u`ma/j eiv hvgapa/te, me evca,rhte a'n o[ti
poreu,omai pro.j to.n pate,ra( o[ti o` path.r mei,zwn
mou, evstin

Ouvistes que eu vos tenho dito: Eu vou e venho


a vs. Se me amsseis, vos alegrareis porque
vou ao Pai, porque o Pai maior que eu.

29
29

kai. nu/n ei;rhka u`mi/n pri.n gene,sqai( i[na o[tan


ge,nhtai pisteu,shte

E agora vo-lo disse, antes que venha-a-ser,para


que quando vier-a-ser, acrediteis.

30
30

ouvke,ti polla. lalh,sw meqV u`mw/n( e;rcetai ga.r o`


tou/ ko,smou a;rcwn\ kai. evn evmoi. ouvk e;cei ouvde,n(

No mais falarei muito convosco, pois vem o


prncipe deste mundo e em mim no tem nada,

31

31

avllV i[na gnw/| o` ko,smoj o[ti avgapw/ to.n pate,ra(


kai. kaqw.j evnetei,lato, moi o` path,r( ou[twj poiw/
evgei,resqe( a;gwmen evnteu/qen

mas {} para que o mundo reconhea que amo o


Pai, e assim como o Pai me recomendou, assim
fao...Levantai-vos, vamo-nos daqui.

O captulo 14 se inicia com uma afirmao sobre o destino ltimo do


discpulo: habitar nas moradas do Pai, com o Filho (14,2-3). ele que segue frente,
abrindo o caminho para os discpulos. Ele mesmo o prprio caminho (14,4.6). Pois
aquele que v e, portanto, cr no Filho, j v e cr no Pai (14,7), pois o Pai quem age
por meio do Filho (14,10). Quem ouve as palavras do Filho, que a Palavra de Deus
por excelncia, ouve as palavras do Pai (14,24). Os versculos 12 e 13 do captulo 14
guardam a profundidade da misso dos discpulos na terra: por meio do Filho, os
discpulos faro coisas ainda maiores do que o prprio Filho fez enquanto estava com
eles. Ou seja, o Filho glorificado junto de Deus, ele mesmo, agir naquele que guardar a
fidelidade do amor (14,21), para que a glria do Pai continue a se manifestar ao mundo
por meio do Filho nos discpulos (14,13).

2.1.3. Captulo 15: A alegoria da videira o vnculo do amor.


Texto grego

Traduo instrumental
85

VEgw, eivmi h` a;mpeloj h` avlhqinh. kai. o` path,r mou


o` gewrgo,j evstin

Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai o


agricultor.

pa/n klh/ma evn evmoi. mh. fe,ron karpo.n ai;rei


auvto,( kai. pa/n to. karpo.n fe,ron kaqai,rei auvto.
i[na karpo.n plei,ona fe,rh|
3

h;dh u`mei/j kaqaroi, evste dia. to.n lo,gon o]n


lela,lhka u`mi/n\
4

mei,nate evn evmoi,( kavgw. evn u`mi/n kaqw.j to. klh/ma


ouv du,natai karpo.n fe,rein avfV e`autou/ eva.n mh.
me,nh| evn th/| avmpe,lw|( ou[twj ouvde. u`mei/j eva.n mh. evn
evmoi. me,nhte

Todo ramo em mim que no produz fruto, ele o


tira e todo ramo que produz fruto ele o purifica,
para que produza mais fruto.

Vs j sois puros, pela palavra que vos falei.

Permanecei em mim e eu em vs. Assim como o


ramo no pode produzir fruto de si mesmo se no
permanecer na videira, assim tambm no vs, se
no em mim permanecerdes.

5
5

evgw, eivmi h` a;mpeloj( u`mei/j ta. klh,mata o` me,nwn


evn evmoi. kavgw. evn auvtw/| ou-toj fe,rei karpo.n polu,n(
o[ti cwri.j evmou/ ouv du,nasqe poiei/n ouvde,n
6

eva.n mh, tij me,nh| evn evmoi,( evblh,qh e;xw w`j to.
klh/ma kai. evxhra,nqh kai. suna,gousin auvta. kai. eivj
to. pu/r ba,llousin kai. kai,etai

Eu sou a videira, vs os ramos. O que permanece


em mim e eu nele este produz muito fruto,
porque fora de mim no podeis fazer nada.

Se algum no permanecesse em mim seria


jogado fora como o ramo e secaria. E recolhemnos e lanam ao fogo, e so queimados.

7
7

eva.n mei,nhte evn evmoi. kai. ta. r`h,mata, mou evn u`mi/n
mei,nh|( o] eva.n qe,lhte aivth,sasqe( kai. genh,setai
u`mi/n
8

evn tou,tw| evdoxa,sqh o` path,r mou( i[na karpo.n


polu.n fe,rhte kai. ge,nhsqe evmoi. maqhtai,
9

Kaqw.j hvga,phse,n me o` path,r( kavgw. u`ma/j


hvga,phsa\ mei,nate evn th/| avga,ph| th/| evmh/|
10

eva.n ta.j evntola,j mou thrh,shte( menei/te evn th/|


avga,ph| mou( kaqw.j evgw. ta.j evntola.j tou/ patro,j
mou teth,rhka kai. me,nw auvtou/ evn th/| avga,ph|

Se permanecerdes em mim e minhas palavras


permanecerem em vs, o que quiserdes rogareis
e para vs vir-a-ser.

Nisto foi glorificado meu Pai: que produzais


muito fruto e vos torneis meus discpulos.

Assim como o Pai me tem amado, tambm eu


vos tenho amado. Permanecei no meu amor.

10

Se
meus
mandamentos
guardardes,
permanecereis no meu amor, assim como eu os
mandamentos de meu Pai guardei e permaneo em
seu amor.

11
11

Tau/ta lela,lhka u`mi/n i[na h` cara. h` evmh. evn


u`mi/n h=| kai. h` cara. u`mw/n plhrwqh/|

Isso vo-lo disse para que minha alegria esteja em


vs e vossa alegria seja plenificada.

12
12

Au[th evsti.n h` evntolh. h` evmh,( i[na avgapa/te


avllh,louj kaqw.j hvga,phsa u`ma/j

Este meu mandamento: que vos ameis uns aos


outros, assim como eu vos tenho amado.

13
13

mei,zona tau,thj avga,phn ouvdei.j e;cei( i[na tij


th.n yuch.n auvtou/ qh/| u`pe.r tw/n fi,lwn auvtou/

Amor maior que este ningum tem, (para) que


algum coloque sua alma por seus amigos.

14
14

u`mei/j fi,loi mou, evste eva.n poih/te a] evgw.


evnte,llomai u`mi/n

Vs sois meus amigos, se fizerdes o que vos


recomendar.

15
15

ouvke,ti le,gw u`ma/j dou,louj( o[ti o` dou/loj ouvk


oi=den ti, poiei/ auvtou/ o` ku,rioj\ u`ma/j de. ei;rhka
fi,louj( o[ti pa,nta a] h;kousa para. tou/ patro,j mou

No mais vos chamo servos, porque o servo no


sabe o que faz o seu senhor. A vs porm chamei
de amigos, porque tudo o que ouvi do Pai vos fiz
conhecer.

86

evgnw,risa u`mi/n
16
16

ouvc u`mei/j me evxele,xasqe(


u`ma/j kai. e;qhka u`ma/j i[na
karpo.n fe,rhte kai. o` karpo.j
a'n aivth,shte to.n pate,ra evn
u`mi/n

avllV evgw. evxelexa,mhn


u`mei/j u`pa,ghte kai.
u`mw/n me,nh|( i[na o[ ti
tw/| ovno,mati, mou dw/|

No vs me escolhestes, mas eu escolhi a vs


e {eu} vos pus para que vs ameis e fruto
produzais e o vosso fruto permanea para que
o que rogardes ao Pai em meu nome, eu vos d.

17
17

Isto encomendo: que vos ameis uns aos outros.

tau/ta evnte,llomai u`mi/n( i[na avgapa/te avllh,louj


18

18

Eiv o` ko,smoj u`ma/j misei/( ginw,skete o[ti evme.


prw/ton u`mw/n memi,shken

Se o mundo vos odeia, sabei que me odiou antes


de vs.

19
19

eiv evk tou/ ko,smou h=te( o` ko,smoj a'n to. i;dion


evfi,lei\ o[ti de. evk tou/ ko,smou ouvk evste,( avllV evgw.
evxelexa,mhn u`ma/j evk tou/ ko,smou( dia. tou/to misei/
u`ma/j o` ko,smoj

Se do mundo fsseis, o mundo amaria o seu.


Porque no sois do mundo, mas eu vos escolhi
desde o mundo, por isso vos odeia o mundo.

20
20

mnhmoneu,ete tou/ lo,gou ou- evgw. ei=pon u`mi/n\ ouvk


e;stin dou/loj mei,zwn tou/ kuri,ou auvtou/ eiv evme.
evdi,wxan( kai. u`ma/j diw,xousin\ eiv to.n lo,gon mou
evth,rhsan( kai. to.n u`me,teron thrh,sousin
21

avlla. tau/ta pa,nta poih,sousin eivj u`ma/j dia. to.


o;noma, mou( o[ti ouvk oi;dasin to.n pe,myanta, me

Lembrai-vos da palavra que eu vos disse: No


o servo maior que seu senhor. Se me
perseguiram, tambm a vs perseguiro. Se minha
palavra guardaram, tambm a vossa guardaro.

21

Mas tudo isso faro por causa de meu nome,


porque no conhecem o que me mandou.

22
22

eiv mh. h=lqon kai. evla,lhsa auvtoi/j( a`marti,an


ouvk ei;cosan\ nu/n de. pro,fasin ouvk e;cousin peri.
th/j a`marti,aj auvtw/n
23

o` evme. misw/n kai. to.n pate,ra mou misei/

Se eu no tivesse vindo e lhes tivesse falado


culpa no teriam.

23

Agora porm no tm desculpa a respeito de seu


pecado. O que me odeia, tambm odeia meu Pai.

24
24

Se no tivesse feito as obras no meio deles que


nenhum outro fez no teriam pecado. Agora porm
viram e odiaram a mim e a meu Pai.

eiv ta. e;rga mh. evpoi,hsa evn auvtoi/j a] ouvdei.j


a;lloj evpoi,hsen( a`marti,an ouvk ei;cosan\ nu/n de.
kai. e`wra,kasin kai. memish,kasin kai. evme. kai. to.n
pate,ra mou

25

25
avllV i[na plhrwqh/| o` lo,goj o` evn tw/| no,mw|
auvtw/n gegramme,noj o[ti evmi,shsa,n me dwrea,n

26

26
{Otan e;lqh| o` para,klhtoj o]n evgw. pe,myw u`mi/n
para. tou/ patro,j( to. pneu/ma th/j avlhqei,aj o] para.
tou/ patro.j evkporeu,etai( evkei/noj marturh,sei peri.
evmou/\

27

kai. u`mei/j de. marturei/te( o[ti avpV avrch/j metV


evmou/ evste

Mas para que se cumpra a palavra escrita na Lei


deles (que): Odiaram-me gratuitamente.

Quando vier o parclito que eu vos mandarei


desde o Pai, o esprito da verdade, que sai do Pai
aquele testemunhar de mim

27

e vs testemunhareis, porque desde o incio


estais comigo.

O captulo 15 traz a narrativa da alegoria da videira e a explicao de Jesus


para as imagens. Esse trecho, como antes acontecera com a imagem do Bom Pastor
(10,1-18), considerado como uma alegoria bem elaborada, diferente de uma simples
87

parbola no estilo das parbolas sinpticas18. Jesus mesmo quem explica essa
alegoria: ele o tronco; os ramos so os discpulos; e o Pai o agricultor que espera
frutos da vinha. A videira, no Antigo Testamento, fora tomada pelos profetas como
imagem do povo de Israel. Natanael, o primeiro discpulo, em 1,46-49 chamado, como
anteriormente vimos, de verdadeiro israelita. Konings chega a perguntar: Quem sabe
ser a verdadeira videira o verdadeiro Israel, incorporado na pessoa de Jesus o Jesus
pascal, eclesial, presente em sua comunidade?19. Pelo que se viu at o presente
momento, j tendo analisado a entrega de Israel ao Discpulo Amado, pode-se perceber
que sim e, mais do que isso, dizer que o verdadeiro Israel, a Sio messinica, nasce ao
p da cruz naquela entrega.
Essa alegoria expressa muito bem o tipo de unidade existente do Pai com o
Filho e, pelo Filho com os discpulos. Uma unidade que encontra seu fundamento no
amor-fidelidade. Por sete vezes, durante a narrativa da alegoria (mais precisamente
entre os vv. 4-8), e por quatro vezes, durante a explicao (vv. 9-17), Joo utiliza o
verbo permanecer para indicar essa unidade. Ligados a Jesus pelos laos do amor, os
discpulos so chamados a frutificar em amor fraterno. Amor este que nasce do cuidado
de Deus para com eles por meio do Filho. Desligados desse amor, ou seja, aqueles que
no creem em Jesus e no amam seus irmos so galho j morto que ser arrancado e
jogado fora.
Deus permanece (mora) nos discpulos, por meio do Filho, como presena
salvfica20. E, na medida em que o discpulo abre sua vida para essa inabitao amorosa,
tambm eles permanecem nele. Sobre esse tema, Konings nos diz:
Ora, se permanecermos em comunho com Jesus e suas palavras
permanecerem em ns, receberemos tudo o que em seu nome convm pedir.
Joo usa de modo surpreendente o termo permanecer equivalente a
morar para expressar a presena das palavras de Jesus em nossa vida [...]
Isso, porque suas palavras so equivalentes sua pessoa. Se queremos saber
se Cristo est em ns, cabe verificar se suas palavras desempenham papel
efetivo (e afetivo) em nossa vida.21

Assim, a misso dos discpulos, alicerada sobre a presena salvfica do


amor de Deus em Jesus, se explicita no compromisso prtico. Essa adeso de vida se
expressa no tema do mandamento. Aos ouvidos contemporneos, a combinao entre
amor e mandamento pode parecer estranha. Contudo, esse conjunto para Joo expressa
18

Cf. KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 283


KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 283-284
20
Semelhante Morada (shekinah) de Deus no meio do povo (Tenda no Deserto, Templo em Jerusalm).
21
KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 286
19

88

bem outra coisa. O mandamento se firma sobre o Deus revelado em Jesus. Esse amor
dom, gratuidade vinda de Deus. Deus quem gratuitamente vem em direo
humanidade e com ela estabelece Aliana. O Deus-Amor se manifesta de maneira plena
em sua Palavra. Jesus no nos manda amar a Deus, mas sim, aos irmos. Esse amor
pede carne, quer se expandir. Ele fundamenta e impele o discpulo na direo do
prximo enquanto pede comunicao e partilha. Somente quando esse amor se torna
realidade como dom gratuito ao irmo, ele pode levar a Deus. amor que pede amor.
nesse sentido que deve ser entendido este binmio amor-mandamento.
intrnseco ao amor se comunicar e se expandir. O mandamento no aparece, ento, com
o peso de uma exigncia a ser cumprida, mas como norma intrnseca ao prprio amor
gratuito de Deus. Como ele amou a humanidade em Jesus, tambm os discpulos devem
amar. Como antes dissemos, a concretizao desse amor na doao de vida ao
prximo que o valida.

2.1.4 Captulo 17: a unidade que vem do amor

Texto grego

Traduo instrumental

Tau/ta evla,lhsen VIhsou/j kai. evpa,raj tou.j


ovfqalmou.j auvtou/ eivj to.n ouvrano.n ei=pen\ pa,ter(
evlh,luqen h` w[ra\ do,xaso,n sou to.n ui`o,n( i[na o`
ui`o.j doxa,sh| se,(

kaqw.j e;dwkaj auvtw/| evxousi,an pa,shj sarko,j( i[na


pa/n o] de,dwkaj auvtw/| dw,sh| auvtoi/j zwh.n aivw,nion

au[th de, evstin h` aivw,nioj zwh. i[na ginw,skwsin


se. to.n mo,non avlhqino.n qeo.n kai. o]n avpe,steilaj
VIhsou/n Cristo,n

evgw, se evdo,xasa evpi. th/j gh/j to. e;rgon teleiw,saj


o] de,dwka,j moi i[na poih,sw\

Eu te glorifiquei na terra, levando a termo a obra


que me deste para que a faa

5
kai. nu/n do,xaso,n me su,( pa,ter( para. seautw/| th/|
do,xh| h-| ei=con pro. tou/ to.n ko,smon ei=nai para. soi,

VEfane,rwsa, sou to. o;noma toi/j avnqrw,poij ou]j


e;dwka,j moi evk tou/ ko,smou soi. h=san kavmoi. auvtou.j
e;dwkaj kai. to.n lo,gon sou teth,rhkan

nu/n e;gnwkan o[ti pa,nta o[sa de,dwka,j moi para.


sou/ eivsin\
o[ti ta. r`h,mata a] e;dwka,j moi de,dwka auvtoi/j( kai.
auvtoi. e;labon kai. e;gnwsan avlhqw/j o[ti para. sou/
evxh/lqon( kai. evpi,steusan o[ti su, me avpe,steilaj

Isso falou Jesus e elevando seus olhos ao cu


disse: Pai, chegou a hora. Glorifica teu Filho, para
que o teu Filho te glorifique,
assim como lhe deste autoridade sobre toda
carne, (para) que a tudo que lhe deste, lhes d a
vida eterna.
Esta(porm) a vida eterna: (para) que
reconheam a ti o nico Deus verdadeiro e ao que
enviaste, Jesus Cristo.

E agora, glorifica-me tu, Pai, contigo, com a


glria que tinha antes de o mundo ser, contigo.
Manifestei teu nome aos homens que me deste
desde o mundo. Eram de ti, e a mim os deste,
e guardaram tua palavra.
Agora reconheceram que tudo quanto me deste
de ti,
porque os ditos que me deste, dei a eles e eles
receberam e reconheceram verdadeiramente que de
ti sa e acreditaram que tu me enviaste.

89

VEgw. peri. auvtw/n evrwtw/( ouv peri. tou/ ko,smou


evrwtw/ avlla. peri. w-n de,dwka,j moi( o[ti soi, eivsin(
10

kai. ta. evma. pa,nta sa, evstin kai. ta. sa. evma,( kai.
dedo,xasmai evn auvtoi/j
11

kai. ouvke,ti eivmi. evn tw/| ko,smw|( kai. auvtoi. evn tw/|
ko,smw| eivsi,n( kavgw. pro.j se. e;rcomai pa,ter a[gie(
th,rhson auvtou.j evn tw/| ovno,mati, sou w-| de,dwka,j
moi( i[na w=sin e]n kaqw.j h`mei/j
12

o[te h;mhn metV auvtw/n evgw. evth,roun auvtou.j evn


tw/| ovno,mati, sou w-| de,dwka,j moi( kai. evfu,laxa( kai.
ouvdei.j evx auvtw/n avpw,leto eiv mh. o` ui`o.j th/j
avpwlei,aj( i[na h` grafh. plhrwqh/|

Eu por eles rogo; no pelo mundo rogo, mas


pelos que me deste, porque so de ti,

10

e todo o meu teu e o teu, meu, e sou


glorificado neles

11

E no mais estou no mundo, e eles esto no


mundo, e eu vou a ti. Pai santo, conserva-os em teu
nome, que me deste, para que sejam um como ns.

12

Quando estava com eles, eu os guardei em teu


nome, que me deste, e pus sob guarda, e ningum
dentre eles se perdeu, a no ser o filho da perdio,
para que a escritura seja cumprida.

13
13

nu/n de. pro.j se. e;rcomai kai. tau/ta lalw/ evn tw/|
ko,smw| i[na e;cwsin th.n cara.n th.n evmh.n
peplhrwme,nhn evn e`autoi/j
14

evgw. de,dwka auvtoi/j to.n lo,gon sou kai. o`


ko,smoj evmi,shsen auvtou,j( o[ti ouvk eivsi.n evk tou/
ko,smou kaqw.j evgw. ouvk eivmi. evk tou/ ko,smou

Agora porm vou a ti e isso falo no mundo para


que tenham minha alegria plenificada em si.

14

Eu dei-lhes tua palavra e o mundo odiou-os,


porque no so do mundo assim como eu no sou
do mundo.

15
15

ouvk evrwtw/ i[na a;rh|j auvtou.j evk tou/ ko,smou(


avllV i[na thrh,sh|j auvtou.j evk tou/ ponhrou/

No rogo para que os tires do mundo, mas para


que os guardes do maligno.

16
16

evk tou/ ko,smou ouvk eivsi.n kaqw.j evgw. ouvk eivmi.


evk tou/ ko,smou

Desde o mundo no so, assim como eu no sou


desde o mundo.

17
17

a`gi,ason auvtou.j evn th/| avlhqei,a|\ o` lo,goj o` so.j


avlh,qeia, evstin

Santifica-os na verdade; tua palavra a verdade.

18
18

kaqw.j evme. avpe,steilaj eivj to.n ko,smon( kavgw.


avpe,steila auvtou.j eivj to.n ko,smon\
19

kai. u`pe.r auvtw/n evgw. a`gia,zw evmauto,n( i[na


w=sin kai. auvtoi. h`giasme,noi evn avlhqei,a|

Assim como me enviaste ao mundo, tambm eu


os enviei ao mundo.

19

E por eles eu me santifico a mim mesmo, para


que tambm eles sejam santificados na verdade.

20
20

Ouv peri. tou,twn de. evrwtw/ mo,non( avlla. kai.


peri. tw/n pisteuo,ntwn dia. tou/ lo,gou auvtw/n eivj
evme,(
21

i[na pa,ntej e]n w=sin( kaqw.j su,( pa,ter( evn evmoi.


kavgw. evn soi,( i[na kai. auvtoi. evn h`mi/n w=sin( i[na o`
ko,smoj pisteu,h| o[ti su, me avpe,steilaj

Porm no s por eles rogo mas pelos que


acreditaram em mim pela palavra deles,

21

para que todos sejam um, assim como tu, Pai,


em mim e eu em ti, para que tambm eles em ns
sejam assim, para que o mundo acredite que tu me
enviaste.

22
22

kavgw. th.n do,xan h]n de,dwka,j moi de,dwka


auvtoi/j( i[na w=sin e]n kaqw.j h`mei/j e[n\

E eu lhes dei a glria que me deste, para que


sejam um, assim como ns somos um,

23
23

evgw. evn auvtoi/j kai. su. evn evmoi,( i[na w=sin


teteleiwme,noi eivj e[n( i[na ginw,skh| o` ko,smoj o[ti
su, me avpe,steilaj kai. hvga,phsaj auvtou.j kaqw.j evme.
hvga,phsaj

eu neles e tu em mim, para que sejam levados a


termo em um, para que reconhea o mundo que tu
me enviaste e os amaste assim como amaste a
mim.

90

24
24

Pa,ter( o] de,dwka,j moi( qe,lw i[na o[pou eivmi. evgw.


kavkei/noi w=sin metV evmou/( i[na qewrw/sin th.n do,xan
th.n evmh,n( h]n de,dwka,j moi o[ti hvga,phsa,j me pro.
katabolh/j ko,smou

Pai, o que me deste quero (para) que onde eu


estou tambm eles estejam comigo, para que
enxerguem a minha glria, que me deste, porque
me amaste antes da fundao do mundo.

25

25

pa,ter di,kaie( kai. o` ko,smoj se ouvk e;gnw( evgw.


de, se e;gnwn( kai. ou-toi e;gnwsan o[ti su, me
avpe,steilaj\

Pai santo, tambm o mundo no te conheceu,


eu porm te conheci e estes conheceram que tu me
enviaste.
26

26

kai. evgnw,risa auvtoi/j to. o;noma, sou kai.


gnwri,sw( i[na h` avga,ph h]n hvga,phsa,j me evn auvtoi/j
h=| kavgw. evn auvtoi/j

E manifestei-lhes teu nome e farei conhecer,


para que o amor com que amaste a mim neles
esteja, e eu neles.

Deter-nos-emos, um pouco mais agora, no captulo 17 de Joo. Esse trecho


se configura como a sntese em forma de orao da despedida do Mestre. Pelo contexto,
podemos perceber uma importante mudana de interlocutor: agora Jesus se dirige ao
Pai, erguendo os olhos, posio expressiva daquele que se coloca em orao22. Os
discpulos esto presentes, porm, seguem agora para um segundo plano; Jesus no
mais dialoga com eles, como nos captulos anteriores, pois o interlocutor direto de Jesus
agora o prprio Pai23.
Sobre o estilo do texto, concordamos com Lon-Dufour que afirma que:
O movimento do texto caracteriza-se pela alternncia contnua entre de um
olhar sobre o que ocorreu e de uma abertura com relao ao futuro. Essa
oscilao tpica das preces judaicas que se apiam nos grandes feitos de Deus
para invocar uma nova interveno de sua parte24.

comum aos grandes textos bblicos de despedida, como exemplo capital


citamos Dt 32-3325, que o protagonista, o heri, termine seu discurso com uma prece,
hino ou beno. Joo parece seguir aqui esse esquema e o faz de maneira magnfica. O
autor nos apresenta a imagem de um Jesus orante, um cone revestido de mistrio, que
transcende o espao e o tempo, revelando-se, no mais como o Jesus terreno, mas o
Jesus imerso na Glria do Pai. Expresso pelo paradoxo no mundo, mas no deste
mundo, percebemos esta realidade da imerso de Jesus no mistrio da Glria de Deus.
Sua orao expressa uma finalidade: que aqueles que esto com ele, tambm sejam
envolvidos por esse mistrio26.

22

Cf. MATEOS; BARRETO. El Evangelio de Juan. p. , 708.


Cf. LON-DUFOUR. Leitura do Evangelho de Joo, IV, p. 197.
24
LON-DUFOUR. Leitura do Evangelho de Joo, IV, p. 198.
25
Pouco antes de morrer, Moiss, o condutor do povo eleito, cantar diante do cu e da terra Aquele que
guarda Israel como a menina de seus olhos, assemelhando-se a uma guia que vela por sua ninhada e,
estendendo as asas, carrega-a e sustenta-a sobre a sua plumagem (Dt 32,10s). LON-DUFOUR. Leitura
do Evangelho de Joo, IV, p. 199.
26
Cf. KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 306.
23

91

Seguindo essa mesma percepo, Lon-Dufour afirma que tem mais um tom
de louvor que de pedido ou intercesso:
[...]o Filho nico celebra o Pai, cujo amor o preencheu desde antes da criao
do mundo e se estende a toda criatura. O Filho retorna agora ao Pai, mas no
sozinho; embora os fiis, presentes e vindouros, sem dvida permaneam e
devam permanecer no mundo, eles j no pertencem ao mundo. Se Jesus,
pronunciando em voz alta a sua prece, vive diante dos discpulos a sua
prpria intimidade com o Pai, isso ocorre porque essa intimidade no tardar
a ser compartilhada com estes ltimos.27

Lon-Dufour percebe nesse texto dois eixos28: um vertical e outro


horizontal. O eixo vertical caracterizado pela subida de Jesus ao Pai, culminando com
a palavra: Que no lugar em que estou, estejam eles tambm comigo (v.24). No sentido
descendente, so celebrados em cascata todos os dons que o Pai ofereceu ao Filho para
que, por ele, os homens recebam a vida eterna. Seguindo esse eixo, a temtica tem
incio na glorificao do Filho, que ser a do prprio Pai que, por meio dele, age,
encerrando com a inabitao do Amor nos fiis. O eixo horizontal percebido por LonDufour se esboa na durao finita da histria, na medida em que o mundo, que no
conheceu Deus, constantemente chamado a acolher a verdade de Deus revelada em
Jesus. No entrecruzamento desses dois eixos encontramos o testemunho esperado dos
fiis.
[...] aqueles a quem Jesus deu as palavras do Pai, aqueles que o Pai guarda
em seu Nome e santifica em sua verdade, multiplicaro no espao e no tempo
a presena do Enviado.29

Mateos e Barreto30 propem a diviso deste captulo em quatro grandes


partes temticas:
17,1-5

Prefcio: que se realize o acontecimento salvador;

17,6-19

Orao pela comunidade presente;

17,20-23 Orao pela comunidade do futuro;


17,24-26 Concluso.

Prefcio
No prefcio, Jesus pede pela concluso de sua misso: a manifestao da
Glria do Pai nele. Pede que o dom da vida definitiva se realize nos seus, ou seja, que
sua morte comunique ao mundo, e aos discpulos em particular, seu amor e o amor do
27

LON-DUFOUR. Leitura do Evangelho de Joo, IV, p. 199.


Cf. LON-DUFOUR. Leitura do Evangelho de Joo, IV, p. 199.
29
LON-DUFOUR. Leitura do Evangelho de Joo, IV, p. 199.
30
Cf. MATEOS; BARRETO. El Evangelio de Juan. p. , 707
28

92

Pai pela comunicao do Esprito aos que creem. Ambos, o Pai e o Filho, esto na
mesma glria, a saber, a do Pai comunicada eternamente no Filho (1,14). Jesus pede,
ento, que essa glria brilhe em todo o seu esplendor na doao de vida que j se realiza
(10,18). A Glria de um amor sem limite que capaz de vencer todo o dio (15,18-25).
Ao pedir que seja manifesta a Glria do Pai no Filho, nessa introduo,
Jesus expressa todo o carter dinmico da comunicao desta Glria-Amor. No se trata
de um bem transmitido de uma vez para sempre, mas a comunicao incessante,
ininterrupta, como expresso da ligao de amor entre o Pai e o Filho. dessa forma
que se realizar a comunicao da Glria de Deus no discpulo pelo Filho. Essa ligao
ininterrupta uma vez que a manifestao no discpulo depende de sua referncia ao
Filho, na unidade de amor formada. por meio do Filho que a vida eterna comunicada
de maneira incessante aos discpulos e ao mundo (17,2). Pois no Filho, pelo Esprito,
que a Glria de Deus, a vida eterna, comunicada ao mundo (17,3).

O corpo da orao
O corpo da orao (17,6-23), como anteriormente vimos, se divide em duas
partes temticas. A primeira (17,6-19) diz respeito aos discpulos presentes junto a Jesus
naquele momento. J a segunda parte (17,20-23) uma prece aos discpulos futuros,
transcendendo o tempo, abarcando a todos aqueles que viro a fazer parte da
comunidade dos discpulos.

Primeira parte: a orao pela comunidade presente


Na orao pela comunidade presente, Jesus inicia sua prece e expe o
motivo que o leva para tal: seu retorno ao Pai depois de ter comunicado, com sua vida e
cruz, a Glria aos discpulos (17,10). A idia central que rege esse pedido que o Pai
guarde os discpulos na unidade (17,11b) e os proteja, consagrando-os na verdade, para
que possam exercer sua misso no mundo (17,17-19) sem ceder s presses31 (17,1516).
Jesus sabe que agora ele retorna ao Pai. Contudo, ainda no mundo, revela
sua viso acerca do Pai e de sua misso, a fim de que os discpulos possam participar da
mesma alegria. O auge da alegria crist est em participar da alegria do Jesus

31

Quanto a estas presses imediatas no contexto da comunidade, mais frente as analisaremos quando
nos ocuparmos da Hora do Discpulo.

93

Glorificado pelo Pai. Alegria esta que no exclui a cruz, mas que a integra como lugar e
sinal da doao amorosa de vida. Assim, essa alegria do discpulo se d no interior da
prpria alegria do Mestre; uma alegria que doao e comunho de vida,
principalmente, como na vida de Jesus, segue na direo dos irmos que mais sofrem.
Nessa mesma linha, percebe-se que a cruz tambm sinal de todo o
processo que levou morte de Jesus. Ele manifestou aos homens o verdadeiro rosto do
Deus invisvel (cf. 1,18). Porm, o mundo32 no o aceitou, e, assim como negou ao
Filho, negar tambm aqueles que esto em Jesus e negaro o domnio do mundo.
Contudo, no interior desta prece, Jesus no pede que Deus retire do mundo os seus
discpulos (mundo aqui visto como destinatrio da salvao), pois esse o lugar onde se
dar o testemunho. Pede apenas que os guarde do Maligno que domina o mundo (cf.
17,15). O problema no est na realidade criada, mundo, mas em quem o domina33.
Jesus pede ao Pai que os discpulos sejam consagrados na verdade (cf.
17,17). A verdade a manifestao de Deus, de seu amor e fidelidade, em sua palavra,
que vem por meio de Jesus34. por meio dessa verdade, ou seja, da misso assumida
por ele e continuada no testemunho daqueles que esto com ele que essa consagrao
acontece. Consagrar35 significa fazer pertencer a Deus, o nico santo de Israel (cf.
sentido em 2Rs, 19,22). Isso implica em certa separao, no caso de Joo, separao da
realidade que no aceita a salvao. Jesus aplica a si mesmo essa afirmao (cf. 10,36).
Israel se compreende como povo eleito, dedicado santidade de Deus (cf. Lv 19,1)36.
Os discpulos, assim, passam a participar, por meio dessa consagrao no Enviado de
Deus, dessa realidade sacramental onde Deus, em sua graa, se faz presente ao mundo.
O sentido da glorificao do Filho est intrinsicamente ligado consagrao
dos discpulos (cf. 17,19). O termo por eles, nos remete a outras expresses do dom
da vida pelos outros: 6,51 (pela vida do mundo), 15,13 (pelos amigos), 10,11
(pelas ovelhas), 11,51 (pela nao). Jesus se torna oblao dedicada verdade e

32

O vocbulo mundo pode ter em Joo dois sentidos, um positivo e outro negativo. O sentido positivo
se revela enquanto realidade que destinatria da salvao. O sentido negativo diz respeito ao mundo
enquanto realidade que recusa a salvao. No primeiro sentido, o lugar de Jesus e dos seus
naturalmente no mundo, ao qual eles devem apresentar a salvao, tirando o pecado do mundo (1,29;
20,19-23). No segundo sentido, eles no podem pertencer ao mundo, no podem estar em seu poder, serlhe submissos. (KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 310).
33
Cf. KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 309.
34
KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 310.
35
Sinnimo: santificar.
36
Cf. KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 311.

94

fidelidade de Deus. por meio dessa oblao que os discpulos participam da verdade,
que Deus se manifestando em seu Amor37.
Sua morte far possvel a consagrao dos discpulos, pois ela lhes far ver
qual o mximo do amor (13,1) e por ela recebero o Esprito. Ficaro assim
consagrados, isto , capacitados para percorrer ao caminho at o Pai (14,6),
com e como Jesus, at chegar resposta total.38

Segunda parte: a orao pela comunidade futura


Esta seco do captulo 17, mais curta que as demais, refere-se queles que
viro a se associar pela f comunidade discipular no futuro, ou seja, os cristos da
segunda e terceira geraes, os leitores de Joo, ns... Depois de uma breve introduo
(17,20), a prece desenvolve seu eixo principal em torno da unidade perfeita, efeito da
comunicao da glria (17,22) e garantia da eficcia na misso (17,21b-23b)39.
Os vv.21-23 formam um interessante paralelismo potico40:
22
21

(Para) que todos sejam um,


como tu, Pai, ests em mim, e eu em ti.
(Para) que eles estejam em ns,
a fim de que o mundo creia que tu me enviaste.

Eu lhes dei a glria que tu me deste,


para que eles sejam um,
como ns somos um: 23eu neles, e tu em mim,
para que sejam perfeitamente unidos,
para que o mundo conhea que tu me enviaste
e os amaste como amaste a mim.

Segundo o modelo da unidade do Pai e do Filho, que formam uma s


realidade de vida e ao, a orao de Jesus segue pedindo que os discpulos assim vivam
(cf. 10,30)41. Todo o pedido de Jesus se direciona para que o mundo creia que ele o
Enviado de Deus. O sinal visvel que leva f, agora que o Filho j no est mais no
mundo, no sero mais os sinais e milagres, mas sim o amor que se manifesta na
unidade dos discpulos entre eles, e, no Filho, com o Pai. A Glria que Jesus confia aos
discpulos reside na participao no amor que Deus lhe tinha confiado. atravs do
testemunho de amor que gera unidade, que os discpulos comunicaram a f, dando
seguimento misso/ao do Enviado de Deus.
O movimento contido nos vv.22-23 explicita o movimento de toda a orao.
O v. 22 comea com o tema da glria (Eu lhes dei a glria que tu me deste...) e
termina com o amor (e os amaste como amaste a mim.). O verbo amar aparece trs
37

Cf. KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 311.


MATEOS; BARRETO. El Evangelio de Juan. p, 723.
39
Cf. MATEOS; BARRETO. El Evangelio de Juan. p, 707.
40
Cf. KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 311.
41
Konings esclarece que o como dos v. 21b e 23c significa como e porque, como em 15,9.12 (
KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 312).
38

95

vezes s no v. 23. A orao do captulo 17, que comeara como um pedido de glria,
termina no v.26b pedindo o amor42. Nisso podemos ver resumido todo o movimento da
Glria no Evangelho de Joo. No se trata da glria deste mundo, com seus reis e
governantes, mas da glria que vem do amor-fidelidade (cf. 1,14). Amor levado s
ltimas consequncias da fidelidade: a cruz. esse amor que gera a unidade dos
discpulos, pois esses, na f e no Esprito, participam da mesma realidade do Pai e do
Filho.

2.2 Concluso primeira


Esta seco possui vrios paralelos com a introduo: o que me deste
(17,2.24); a aluso criao do mundo (17,5.24); a futura manifestao (17,26, e o
darei a conhecer mais) corresponde ao conhecimento que vida definitiva (17,2-3); o
amor que estar nos discpulos (17,26) procede da manifestao da glria do Pai (=
dom do Esprito = vida definitiva, 17,1-3)43.
Jesus expressa nesta concluso seu maior desejo: Pai, quero que aqueles
que me deste estejam onde estou eu (cf. 14,2), para que possam contemplar a minha
glria, que teu dom, porque me amaste antes da fundao do mundo (17,24). A glria
de Deus se expressa no amor (cf. 1Jo 1,8.16). Antes dos tempos, o amor do Pai e do
Filho j . Na vida de Jesus, o Filho, essa unidade de amor se manifesta e, portanto, o
prprio Deus se d a conhecer em seu Enviado (cf. 14,9;1,18). Jesus pede que os seus
estejam no mesmo lugar que ele, o lugar de filhos, para que participem (contemplem) da
glria do amor do Pai e do Filho.
Os vv. 1-5 expressam a unio do Filho com o Pai e com os seus na glria; j
nos vv. 24-26, passa-se desta unidade na glria para o amor. Esta glria do amor se
manifesta na prtica dos discpulos, enquanto estes so testemunhas vivas do Filho.
Participantes dessa glria do amor, j aqui, no hoje da histria, os discpulos continuam
a misso do Filho: comunicar a glria do amor do Pai. no interior desta unidade de
amor que a vida dos discpulos toma sentido e que sua misso se concretiza. No se
trata de uma unio funcional, mas existencial, ou seja, de vida e destino.

42
43

KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 312.


Cf. MATEOS; BARRETO. El Evangelio de Juan. p, 707.

96

2.3. A hora dos discpulos:


Tendo percebido um pouco mais da identidade do discpulo do Filho em
Joo, nos voltaremos para o captulo 16 de Joo, a fim de estudar duas menes do
termo hora que esto ligadas, no diretamente ao Filho, mas ao grupo discipular. O
termo hora abre um tema em Joo chamado por alguns especialistas de a hora do
discpulo44. Por se tratar de unio de vida no amor-fidelidade, o discpulo participar
do mesmo destino do Mestre. Assim, como temos a hora de Jesus, que culmina no
enaltecimento na cruz, tambm a comunidade dos discpulos sofrer a cruz da
perseguio e da morte, ao dar seguimento em seu testemunho do Filho.
No podemos deixar de considerar que, desde o final do captulo 15 (mais
precisamente 15,18-16,4a), depois da explicao sobre a alegoria da vinha, o tema da
animosidade contra os discpulos vai sendo trabalhado num crescendo. Esta
animosidade da qual os discpulos so vtimas est em paralelo com a crescente
animosidade com relao a Jesus. Passar pela dor da cruz ser exigncia do amor no
qual est alicerada a vida do discpulo. Amar quem no ama, nos limites da
comunidade em primeiro lugar, , com efeito, proposto como princpio de conciliao
dos inimigos no plano dos conflitos de religio45.

2.3.1 Joo 16,2: Expulso das sinagogas e perseguio dos discpulos.


Texto grego

Traduo instrumental

avposunagw,gouj poih,sousin u`ma/j\ avllV e;rcetai


w[ra i[na pa/j o` avpoktei,naj u`ma/j do,xh| latrei,an
prosfe,rein tw/| qew/|

Vos faro extra-sinagogais, mas vir uma hora


para que todo o que vos matar pense que preste
culto a Deus.

Por duas vezes, no Evangelho de Joo, a expulso da sinagoga


mencionada. Em 9,22 (Seus pais disseram isto, porque temiam os judeus. Porquanto j
os judeus tinham resolvido que, se algum confessasse ser ele o Cristo, fosse expulso da
sinagoga). Os pais do cego temiam a expulso decretada pelos judeus contra aqueles
que reconhecessem Jesus como Messias. Em 12,42 (Apesar de tudo, at muitos dos
principais creram nele; mas no o confessavam por causa dos fariseus, para no serem
expulsos da sinagoga), os chefes temiam os fariseus, grupo de judeus mais influentes
44
45

MATEOS; BARRETO, Vocabulrio Teolgico do Evangelho de So Joo, p. 133.


SIMOENS. Selon Jean, p, 611.

97

e mais hostis a Jesus (cf. 4,1-3; 7,32.47s; 8,13; 11,46), que poderiam fazer expulsar os
discpulos caso se pronunciassem em favor Dele.
A perseguio religiosa poderia fazer os discpulos se afastarem de Jesus e
de seu grupo. muito compreensvel esse fato se partimos da compreenso de que Jesus
perseguido pelos representantes mais devotos da religio da poca. Os discpulos do
primeiro momento veem-se perseguidos a partir de dentro da instituio que doava
sentido s suas existncias religiosas. E Jesus alerta: no apenas os perseguiro, mas os
entregaro morte em nome do Deus da religio.
Como em todo o Adeus de Jesus, em Joo, h certa antecipao de tempo.
Jesus fala de uma realidade que as comunidades dos primeiros decnios e sculos ainda
vivero. O Jesus que dirige seu discurso de despedida, como j foi visto no tpico
acima, aquele que j participa da glria do Pai. Por isso, alguns especialistas tendem a
ligar a expulso da sinagoga com os eventos posteriores ressurreio como, por
exemplo, o Snodo fariseu de Jmnia.
Para os leitores de Joo, esse acontecimento est bem prximo
temporalmente. Em 68 d.C., quando da Guerra Judaica, os fariseus, com a anuncia do
poder romano, saram de Jerusalm para se refugiar em Jmnia/Javn, cidade situada a
uns 50 km de Jerusalm. Depois da destruio do Templo (no ano 70) e do fim da
guerra, os rabinos, em sua maioria de linha farisaica, comearam a reestruturar a
comunidade judaica. J sem a referncia do Templo, a base religiosa configurar-se- ao
redor da Sinagoga. O movimento de reestruturao em Jmnia tomou a deciso de
expulsar os cristos da nova configurao das comunidades judaicas, portanto, expulslos das sinagogas e, consequentemente, da religio. A consequncia teolgica ser,
logicamente, a expulso da Aliana.
Jmnia introduzir nas liturgias cotidianas a birkat ha-minin46, uma
maldio dos hereges (minin). A razo dessa animosidade pode ser diversa. Os cristos
proclamavam Jesus como o Messias, fato que os judeus nacionalistas no podiam
aceitar, principalmente depois da queda do Templo, o que configura uma situao bem
distante das esperanas que carregavam com relao ao Messias. Outra razo vem do
fato de os cristos atriburem carter e dignidade divina misso e pessoa de Jesus, o
que era considerado pelos fariseus blasfmia (cf. Jo 5,18). Uma terceira razo nasce do
46

Que no haja esperana para os apstatas... que os nazareus e os minim peream num instante. Sejam
apagados do livro dos vivos e no sejam inscritos entre os justos (SCARDELAI, Donizete. Mateus e os
Judeus. http://www.sion.org.br/artigos/mateus_judaismo.pdf, em 15 de agosto de 2009).

98

fato de os cristos de origem judaica, associando-se a outros grupos como os


samaritanos e gregos, deixavam, assim, de colaborar na construo de uma comunidade
judaica tnica e, por isso, so considerados traidores.47
Contudo, no podemos afirmar que a excluso das sinagogas tenha incio
somente depois de Jmnia. Essa prtica pode ter sido utilizada contra os cristos desde
muito cedo, dependendo da atmosfera local, visto que o conflito entre o judasmo e os
cristos surge simultaneamente com a comunidade crist. Citamos como exemplo os
relatos da morte de Estvo, expulso da cidade e apedrejado pelos judeus, bem como a
perseguio s primeiras comunidades crists (At 7-9).
Do ponto de vista teolgico em Joo, essa perseguio nasce do no
reconhecimento do Filho como enviado do Pai. No se trata de mera fatalidade,
predestinao ou impossibilidade, mas sim opo. Jesus veio e comunicou o amor do
Pai. Disse quem realmente era Deus. Agora uma questo de escolha. Quem nega o
Filho, nega o prprio Pai que enviou (cf. 14,10). Aquele que persegue os de Jesus est
contra o prprio Filho e, por consequncia, o Pai, que fundamenta toda a obra do Filho.
Para a comunidade, a vida e a misso de Jesus o ponto de referncia do mandamento
do amor. Por isso, tambm o ponto de referncia para compreender a perseguio.
Ora, tudo isso no escapa da lgica do amor de Deus. Pois o amor obriga a
tomar posio, provoca o dio, rejeio (cf. 6,60-17; 12,48). A Escritura (lit.:
a Lei deles!), que a ilustrao do plano de Deus, j o exprimiu:
Odiaram-me sem motivo (Sl 35,19; 69,4). Sem motivo, no sentido
judicial.48

2.3.2 Jo 16,32: A disperso


Texto grego

Traduo instrumental

ivdou. e;rcetai w[ra kai. evlh,luqen i[na skorpisqh/te


e[kastoj eivj ta. i;dia kavme. mo,non avfh/te\ kai. ouvk
eivmi. mo,noj( o[ti o` path.r metV evmou/ evstin

Eis que vem a hora e veio (para) que sereis


dispersados cada um para seu lado e me deixareis
s. E no estou s, porque o Pai est comigo.

O Jesus glorioso de Joo mostra conhecer os discpulos mais que eles


mesmos se conhecem. A profisso de f presente no v.30, Agora conhecemos que
sabes tudo, e no precisas de que algum te interrogue. Por isso cremos que saste de
Deus, parece precipitada. Ainda necessrio que os discpulos cresam na f. Jesus os

47
48

Sobre Jmnia, KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 200.


KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 337-338.

99

confronta com a realidade da perseguio que resultar em sua morte na cruz. Eles
ainda no haviam recebido o Esprito da verdade.
A fala de Jesus evoca a imagem da disperso do rebanho. Afugentados pelo
lobo das perseguies, os discpulos fogem, deixando Jesus aparentemente sozinho.
Diante da catstrofe da morte do Mestre, cada discpulo segue para o seu lado. Na figura
da disperso, que nos remete aos sinpticos e ao Antigo Testamento (Mc 14,27 e par.,
cf. Zc 13,7), Jesus indica que a f dos discpulos ainda frgil. Contudo, mesmo diante
da disperso dos seus, Jesus no se v s: o Pai est com ele. A glria de Jesus junto do
Pai no depende do nmero de discpulos ao p da cruz. Embora a inconstncia dos
discpulos, a certeza de sua vitria permanece. Jesus termina retomando os grandes
temas do adeus (14,27-31), confortando os discpulos: o que foi dito para que eles
tenham paz, pois no mundo encontraram a perseguio, mas ele venceu o mundo em sua
glria.

2.4. O Parclito
Estudaremos agora a figura do Parclito. Aps os acontecimentos
pascais, o Esprito ser aquele que continuar a presena do Ressuscitado no meio da
comunidade. Centrar-nos-emos nas cinco passagens que mencionam a figura do Esprito
no evangelho de Joo (14,16-17; 14,26; 15,26-27; 16,7-11; 16,12-15). Iremos, de
maneira gradual, como o faz o texto, expor a funo do Parclito em Joo. Antes,
preciso fazer um breve caminho sobre a compreenso que Joo tem do Esprito ao longo
do evangelho.
Konings nos esclarece que no Evangelho de Joo, o Esprito, alm das
caractersticas comuns da Bblia (sopro, dinamismo de Deus que inspira os profetas,
concede poderes milagrosos etc), assume algumas caractersticas prprias. Como
realidade permanente, ele permanece em Jesus (1,33) e nos discpulos (14,17). O
termo Parclito significa auxlio, apoio, confortador, ou, no campo judicial, fiador,
defensor, advogado49.
Lon-Dufour aprofunda o estudo sobre a etimologia desse termo. Explica
que, no Novo Testamento, ele aparecer apenas nos discursos de despedida de Jesus e
uma vez apenas em 1Jo 2,1 (em que qualifica Jesus como intercessor celeste). Foi
comumente traduzido, por uma etimologia errnea, como Consolador. Aponta para o
49

Cf. KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 276.

100

fato de o termo vir do particpio passivo do verbo grego parakale,w que, literalmente,
significa chamado para junto de algum, em latim, advocatus50.
Em Joo, a primeira meno do Esprito surge no testemunho de Joo
Batista. Em 1,32-33, ele v o Esprito descer e permanecer sobre Jesus: Eu vi o
Esprito descer do cu como pomba, e repousar sobre ele. E eu no o conhecia, mas o
que me mandou a batizar com gua, esse me disse: Sobre aquele que vires descer o
Esprito, e sobre ele repousar, esse o que batiza com o Esprito Santo. Porque o
Esprito permanece sobre ele, Jesus aquele que pode verdadeiramente batizar com o
Esprito. Sendo assim, ele pode comunicar o Esprito a quem cr51.
O Esprito ainda ocupa lugar importante nas conversas de Jesus com os
candidatos f. Na conversa com Nicodemos (Jo 3), Jesus explica que o discpulo
dever nascer de novo, ou seja, para a nova vida instaurada em Jesus. No caso concreto
de Nicodemos, ele dever romper com o grupo dos judeus, perseguidores, para se
colocar do lado dos perseguidos, correndo os riscos dessa opo. Para a Samaritana,
Jesus aponta para o dom da gua viva. Ela ainda no compreende a realidade do
Mistrio daquele que se coloca sua frente. Contudo, mais adiante no evangelho, Jesus
diz: Se algum tem sede, venha a mim, e beba. Quem cr em mim, como diz a
Escritura, rios de gua viva correro do seu ventre. E isto disse ele do Esprito que
haviam de receber os que nele cressem; porque o Esprito Santo ainda no fora dado,
por ainda Jesus no ter sido glorificado.(Jo 7,37-39). O Esprito, derramado na cruz,
lugar da manifestao plena do amor, quem comunicar a vida aos discpulos. Do lado
aberto do Senhor correm o dom da vida e do Esprito (19,34).
Aps a sua glorificao na cruz, o Ressuscitado, chamado por Joo Batista
de o cordeiro que tira o pecado do mundo(1,29.36), comunica o Esprito
comunidade para que, na sua ausncia, eles continuem sua misso (20,22-23)52.

2.4.1 Jo 14,16.26: O Parclito, presena do Ressuscitado


Jesus exerce uma atividade mediadora entre o Pai e os discpulos. Jesus
mesmo compreendido como Parclito na literatura joanina. atravs dele que os
discpulos podero participar da glria de Deus. Depois de sua morte, quando no mais

50

Cf. LON-DUFOUR. Leitura do Evangelho de Joo, III, p. 86.


Cf. KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 277.
52
Cf. KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 277-278.
51

101

estiver em sua existncia terrena, seu lugar ocupado pelo Parclito. Trata-se de uma
mediao futura, de acordo com sua nova posio na Glria do Pai53.
A caracterstica do Parclito expressa nessa passagem a de permanecer
junto comunidade para sempre. O Esprito adjetivado como sendo o outro, em
funo do mediador por excelncia que Jesus. Em sua funo de estar com ele foi
precedido por Jesus. Depois de partir para o Pai, a promessa estarei contigo, que
perspassa toda a tradio bblica, se realiza graas ao Parclito em que Jesus, ao mesmo
tempo, aproxima e distingue de si. Jesus d a entender, em 14,16, que ele mesmo foi o
apoio da comunidade durante o tempo de sua vida terrestre. Aps a partida de Jesus para
o Pai, quem permanecer junto comunidade o Intercessor. Este outro Parclito
ser o defensor da comunidade no processo contra o mundo.
O Esprito aqui designado como da verdade. Joo usa essa construo
prpria para designar o Esprito de Deus. Lida esta expresso luz da proclamao: Eu
sou o caminho a verdade e a vida; o Esprito ento qualificado como o Esprito de
Jesus-verdade e remete, no s revelao que a verdade traz, mas tambm separao
realizada entre os homens segundo sua opo (cf. 9,39): entre aqueles que aceitam a
verdade e aqueles que a rejeitam54. Ele Esprito da Verdade num sentido positivo, pois
nos faz ver a verdade da nossa existncia, mas tambm em num sentido negativo na
medida em que tambm se ope fora da mentira e das trevas que tenta dominar o
mundo55.
Em 14,26, o Esprito, enviado pelo Pai em nome de Jesus, tem a funo de
ensinar e lembrar. Ele a memria viva do Ressuscitado. No se trata de mera
recordao morta. ele que nos recapitula Cristo e nos faz habitao do Pai e do Filho
na medida em que guardamos a sua palavra, o seu mandamento. Aqui j se realizam, em
ns e entre ns, seus discpulos, as moradas que Jesus nos prepara (14,3)56.

2.4.2 O Parclito: a testemunha diante no processo contra o mundo (15,2627; 16,7-11; 16,12-15)
No captulo 15 de Joo, comea a se instaurar um litgio entre a comunidade
discipular e o mundo. O mundo, enquanto realidade que no aceita a verdade do
Enviado de Deus, odeia aqueles que esto com ele (15,18.25). Joo retoma nesse
53

Cf. MATEOS et BARRETO. El Evangelio de Juan. p. 639.


Cf. LON-DUFOUR. Leitura do Evangelho de Joo, III, p. 87.
55
Cf. KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 276.
56
Cf. KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 279.
54

102

contexto o tema do Parclito. Como promessa de Jesus, ele ser auxlio e testemunha do
Glorificado. interessante perceber que aqui Jesus quem envia o Parclito, diferente
de 14,17, quando o prprio Pai quem enviaria o Parclito a pedido de Jesus. Contudo,
para Joo, o Pai e o Filho trabalham juntos, em unidade, como vimos no captulo 17.
Torna-se necessrio compreender bem esse movimento. Quando se parte do Jesus
humano, percebe- se que o Esprito no desaparece com a morte de Jesus, mas o Pai
continua a envi-lo para que permanea nos fiis. Quando partimos do Jesus Glorioso,
enaltecido, o Esprito enviado para continuar a obra do Cristo no mundo, atravs de
sua presena nos discpulos. Joo insiste no fato de que, assim como Jesus, o Filho,
recebeu sua mensagem do Pai, assim o Esprito recebe de Jesus aquilo que ele ensinou
para transmiti-lo aos discpulos (16,13-15).
Neste litgio que est sendo montado, os discpulos daro testemunha do
Cristo, pois estiveram com ele desde o princpio (15,27), condio para o testemunho
apostlico (cf. At 1,21-22). Lendo essa passagem, a partir do contexto dos anos 90, o
verbo testemunhar ganha em sentido. Joo utiliza o grego marture,w para designar
esse testemunho. Nos tempos da comunidade joanina, o testemunho de sangue j uma
realidade57. Nesse contexto, a palavra do Mestre conforta: no vos escandalizeis.
Estar com eles um auxiliador.
Em 15,27, a exigncia para a vinda do outro Parclito o retorno de Jesus
ao Pai. As dificuldades e perseguies comearo a surgir com fora para a comunidade
aps o enaltecimento do Filho. Toda a perseguio que a comunidade sofre
encontrar sua chave de leitura na cruz do Cristo. Essa chave de leitura entregue na
despedida. Ela vem comunidade com o Esprito da Verdade entregue j no Calvrio
(cf. 19,28). O que no foi dito desde o incio, e que no presente da comunidade
receptora acontece, encontra seu sentido na partida.
Outro sentido para essa exigncia est no fato de que quando Jesus estava
com eles na terra, era o porta-voz dos seus; agora, depois de sua partida, o testemunho
vir pela boca dos discpulos atravs da fora do Esprito. o Esprito quem
testemunhar o Cristo nos discpulos.
Esse testemunho no Esprito provocar uma mudana no interior da
contenda: de defensor dos discpulos, o Esprito atuante na vida dos discpulos passa a
acusador do mundo. Ele inverter as posies no jogo mostrando a verdade. Enquanto
57

Cf. KONINGS. Evangelho segundo Joo, p. 296.

103

os judeus viam os discpulos como pecadores e exerciam a justia deles,


condenando os fiis, o Esprito desvelar o contrrio. Mostrar que quem realmente
pecador so correpresentantes do mundo que no acredita em Jesus. Revelar a justia
atravs do prprio objeto da injustia: a cruz, pois Jesus glorificado na cruz. Desvelar
quem realmente culpado neste processo: o chefe do mundo (12,31) e seus seguidores.
O Esprito revelar a verdade plena. No se trata de uma srie de verdades
acabadas que sero informadas aos discpulos, mas sim, o Esprito guiar os discpulos
para plenificao da verdade atravs dos tempos. Jesus viveu em um determinado
momento histrico. Contudo, sua verdade transcende esse momento, engendrando
sempre novas respostas, a partir da realidade de cada momento histrico, chegando a
todos aqueles que se apropriaro da verdade de Cristo atravs dos tempos.

2.5. Jo 21,22: Uma ltima palavra sobre a permanncia do Discpulo


Amado
Texto grego

Traduo instrumental

le,gei auvtw/| o` VIhsou/j\ eva.n auvto.n qe,lw me,nein e[wj


e;rcomai( ti, pro.j se, su, moi avkolou,qei

Diz-lhe Jesus: Se quero que ele permanea at


que {eu} venha, o que para ti?Tu, segue-me.

At o presente momento desta retomada da figura do discpulo, percebe-se o


fundamento da identidade discipular no amor, que a Glria de Deus. Percebe-se
tambm a unidade de vida e misso entre o discpulo e o Mestre, unidade que encontra
seu sentido e fundamento na prpria unidade do Pai e do Filho. Na figura do Parclito,
encontra-se a fiel presena que plenificar a verdade do Cristo nos discpulos e que
testemunhar neles a verdade no constante processo contra o mundo.
Resta-nos ainda uma ltima palavra. Na realidade do Parclito, a misso do
Cristo, que a comunicao do Amor-salvfico de Deus para o mundo, continua na
comunidade discipular. Ela, a comunidade, chamada a ser testemunha fiel ao longo
dos tempos. Quando estudamos a passagem de Jo 21,22, chegamos a uma percepo
que precisa ser aqui novamente evocada, matizada com as novas luzes que foram
surgindo ao longo da anlise: como testemunha fiel, o Discpulo Amado, essa figura que
expressa a f da comunidade joanina, permanecer at o fim. O sentido no diz respeito
morte do Discpulo Amado, mas permanncia de seu testemunho.

104

Ao final desta pesquisa, fica ento clara a figura deste que permanecer:
testemunha fiel de tudo aquilo que havia presenciado e vivido com o Senhor, ele
continua a ao do Filho no mundo. A comunidade, seguidora e testemunha do Cristo,
segue na atualizao desse testemunho atravs dos tempos. A cada momento histrico,
permeado por suas perseguies e cruzes, a comunidade continua a anunciar o amor de
Deus que a fundamenta e na qual vive. Tudo isso acontece no Esprito e por obra dele.
Nessa pedagogia pneumatolgica, a verdade de Deus, revelada em sua Palavra, vai se
tornando sempre palavra nova para a humanidade em cada homem e mulher que assume
a Verdade do Amor de Deus revelada na doao maior do Filho na cruz.

105

IV Concluso
1 Uma comunidade inserida no Mistrio de Deus com os
homens1.
Aps termos realizado as trs etapas que formam o ncleo deste trabalho,
retomaremos as concluses parciais encontradas para, assim, expor a idia que
buscamos comprovar com esta pesquisa sobre a percope de Jo 19,25-27. Nossa
hiptese, como anteriormente fora exposto, se baseia sobre a possibilidade de uma
leitura de carter simblico da cena e personagens presentes na referida percope, bem
como a importncia da dupla entrega realizada ali, e tambm de suas ressonncias na
percepo do Mistrio da Aliana de Deus com os homens.
No primeiro captulo desta dissertao, buscou-se refazer o caminho
histrico da interpretao da percope referida, a partir de autores que so referncia em
determinados momentos da histria da teologia, pleiteando encontrar, neste caminho, a
base epistemolgica necessria para realizar a pesquisa atravs do vis desejado.
De maneira geral, percebe-se que, no perodo patrstico at Agostinho de
Hipona, a possibilidade de uma leitura simblica da narrativa aparece, mesmo que de
maneira muito livre e associada a outras interpretaes menos simblicas. De Agostinho
at os autores modernos, inclusive, encontra-se, cada vez com mais fora, a
identificao historicizante das personagens Me de Jesus e Discpulo Amado
com as pessoas de Maria de Nazar e Joo, o Apstolo, associada a certa nfase
unilateral2 na entrega do Discpulo Me.
Ao se analisar os textos dos autores contemporneos escolhidos, a
possibilidade de uma leitura de carter simblico ressurge. Com algumas variaes,
como se demonstrou, no decorrer do primeiro captulo, as figuras da Me de Jesus e
do Discpulo Amado vo ganhando certa distncia dos personagens histricos a elas
referidos, e descortinando um novo e firme caminho de interpretao. H tambm uma
importante mudana na interpretao da dupla entrega: mais de acordo com o texto, a
nfase passa a ser dada entrega da Me ao Discpulo; a Me quem segue para o
contexto do Discpulo. Aproximamo-nos, dessa forma, da proposta interpretativa dos

Leia-se: Salvao.
No caso, do Discpulo Me, sendo que os cuidados do Discpulo quando recebe a Me esto em
funo da entrega primeira.
2

106

autores contemporneos, identificando-nos sobremaneira com o pensamento de LonDufour, Schrmann e Schnackenburg.


Encontrando, na tradio teolgica recente, a autoridade necessria para a
realizao desse tipo de leitura, no segundo captulo nos dedicamos ao processo de
construo das identidades das personagens no interior da narrativa. Para tanto, lanouse mo das diversas menes s personagens no interior do Evangelho. Nelas, se buscou
as caractersticas que poderiam nos ajudar a formular a identidade de cada uma.
Ao final do segundo captulo, ficou claro que tais personagens funcionam
tambm como entidades corporativas, como smbolos que nos remetem para
realidades que ultrapassam as meras figuras histricas. O Crucificado surge, portanto,
como smbolo do prprio Deus o qual age entre os homens e plenifica a Aliana j
firmada com seu povo na entrega total de vida, geradora de Vida em abundncia. A Me
de Jesus aparece como o verdadeiro Israel, aquele que permaneceu fiel s promessas e
gerou, no interior de sua esperana/f, o Filho que haveria de vir, o Messias esperado
que agiria em nome de Deus. O Discpulo Amado nos revelado como aqueles que vo
aderindo f por meio de Jesus; como testemunha qualificada, ele segue rumo a um
futuro que se descortina como vida plena no Crucificado-Enaltecido.
No terceiro e ltimo captulo, analisou-se a dupla entrega Me-Discpulo
e o futuro que se descortina para a nova comunidade. Essa referida entrega se realiza no
interior de uma nova relao que se estabelece ao p da cruz. Na entrega do Discpulo
Me, descortina-se a realidade de que a nova comunidade nascente e futura deve
reconhecer seu passado e sua origem na f a partir da Aliana e fidelidade de um povo
para com seu Deus. Quando a Me entregue ao Discpulo, se mostra que a plenitude
dessa promessa se d no Filho, do qual o Discpulo fiel testemunha, e que toda a
histria pregressa encontra seu sentido em Jesus. Sendo levada para o interior da vida
do Discpulo, ela agora participa da mesma realidade da plenitude em Cristo de que o
Discpulo, como aquele que mantm sua vida na Verdade daquele que a Palavra. Os
futuros da Me e do Discpulo so unificados na entrega realizada pelo Crucificado na
hora ltima, tornando-se uma s vida. Para Joo, a Antiga Aliana no desfeita, e
surge uma Nova, que plenificada e se abre como futuro para humanidade no Filho.
Esse futuro se descortina como continuidade no Esprito da vida do
Crucificado-Enaltecido, tanto em sua glria, quanto em seu sofrimento e rejeio por
parte daqueles que so do mundo. Ele continuar a proclamar a verdade e a vida de
107

Deus, da qual participa em sua unidade com o Filho, no Esprito. O caminho da Palavra
no Mundo continua na nova comunidade surgida ao p da Cruz.
Lanando um olhar global sobre o Evangelho, a partir daquilo que
apreendemos neste trabalho, podemos concluir mais um aspecto desta relao de Deus
de com a humanidade no Filho expressa por Joo. Para este evangelista, o que se prefere
aqui chamar de Mistrio de Deus com os Homens se realiza de maneira transhistrica e meta-histrica3.
Confirma-se que o Mistrio de Deus no se configura como realidade ahistrica, como pregara a forte vertente gnstica dos tempos da comunidade joanina,
mas, pelo contrrio, como realidade ao mesmo tempo trans-histrica e meta-histrica.
Esse Mistrio compreendido como trans-histrico na medida em que se encontra de tal
maneira enraizado que no se compreende sem a histria humana. Perpassa toda ela,
desde o princpio at o fim, e encontra nela a sua realizao. Deus se mostra no como
um espectador passivo, mas faz da Histria Humana sua histria, a ponto de habitar
entre os homens. meta-histrico, na medida em que transcende a prpria Histria,
sendo anterior e posterior a ela, no se reduzindo a ela, mas doando-lhe sentido pleno e
se descortinando como Futuro Absoluto.

2 A Cena: uma possvel leitura esttica do contedo simblico.


Aps concluir essas etapas da pesquisa e extrair algumas concluses,
queremos agora nos aproximar do relato de Jo 19,25-27 como quem se achega de
maneira bem livre diante de um cone bizantino4 e comea a lhe desvelar os sentidos.
Cremos que o discurso icnico o que melhor se aproxima do prprio estilo de escrita
de Joo.
No centro do quadro, encontra-se o Crucificado-Enaltecido. De braos
abertos sobre a cruz, ele quem doa sentido maior a tudo o que acontece. No centro,
unifica toda a ao que forma a cena. Enviado pelo Pai como sua Palavra, consuma sua
misso de comunicar quem o Pai a partir de dentro, como aquele que conhece o Pai
em profundidade, ou seja, como Filho. Por sua doao de vida, eleva aqueles que se
unem pela f categoria de filhos no Filho. Como o Esperado, ele cumpre, expressa,
3

O emprego de tais conceitos, tal como se encontram aqui, no foram extrados de outros autores e, por
isso, sabemos de debilidade que carregam.
4
A fim de facilitar a compreenso do que agora se far, propem-se o cone que se encontra reproduzido
no Anexo I.

108

em sua prpria vida e morte, a Aliana que Deus havia selado com seu povo desde os
primeiros tempos. Ele eterno tempo presente da salvao de Deus.
No lado direito do crucificado, lado que a tradio humana pelos sculos
coincidiu com o lado da justia, encontra-se a Me de Jesus. Nela esto reunidos
simbolicamente todos aqueles que aguardam a justia de Deus: o cumprimento da
Aliana. No interior de sua fidelidade, como povo que se guardou na esperana da
realizao das promessas, gera e acolhe em seu seio, como Dom do Pai, aquele que era
esperado desde muito. Agora espera permanecer na fidelidade ao seu amado Deus,
cumprindo em si as promessas desse Amor. Ela se tornar, assim, a Sio Messinica,
lugar do encontro de Deus. Como tempo passado, base humana do caminho que se
seguir.
Do lado esquerdo, comumente identificado com os sentimentos, est aquele
que muito amado. Testemunha fiel, permaneceu junto do Mestre desde o incio. Ocupa
agora um lugar especial, pois reconheceu e vive nesse amor. esse amor que lhe d
identidade, sentido sua existncia. Sua misso ser a de continuar, no Esprito, a
testemunhar esse amor sempre fiel de Deus na histria, contra o mundo, realidade que
nega a esse amor, que se encontra em constante processo contra os filhos de Deus. Vive,
no Esprito, uma profunda unidade de vida, misso e destino com o Mestre. Sofrer, por
sua fidelidade, a cruz imposta tambm sobre o Mestre. Guardar-se- fiel at que o
Senhor volte. Nesse esquema histrico, nele se realiza o tempo futuro da Salvao que
vem de Deus, pelo Filho, no Esprito.
Em sua palavra do alto da Cruz, o Cristo unifica esses tempos no eterno
presente que ele . A comunidade discipular recebe da prpria Palavra de Deus, O
Crucificado, Israel, Me de Jesus, como seu passado histrico. Sua origem est na
Aliana feita por Deus com seu povo. Contudo, esse passado inserido na nova
dinmica do cumprimento das promessas; dever ser lido a partir da vinda do Filho. No
enaltecimento5 do Filho, na doao maior de vida, Deus diz sua ltima e definitiva
palavra sobre o seu Amor. Nele, na glorificao\crucificao do Filho, as promessas da
Aliana so cumpridas.
Contudo, a histria desse amor no tem fim; ela continua no desenrolar da
prpria histria humana. Assim como Israel permaneceu fiel, a nova comunidade
presente aos ps do crucificado continuar, na fidelidade, a narrar em sua existncia a
5

Entenda-se aqui por enaltecimento no s o acontecimento histrico da cruz, mas todos os eventos
pascais que, para Joo, formam uma nica unidade.

109

histria do Mistrio de Deus entre os homens. Ao fundo de nosso quadro, encontra-se a


Sio Messinica, cidade de Deus. Abarcando todos os personagens, ela se configura
como este todo da histria salvfica, lugar onde a grande famlia de Deus se encontra
e vive, lugar da comunho dos santos.
Assim, se pode perceber que o testemunho da comunidade continua como
narrativa do Mistrio de Deus com os homens que se atualiza a cada momento histrico.
sempre palavra nova a ser dita para que a f acontea.

110

Apndice: Uma hiptese histrica - Jo 19,25-27 seria uma


apologia da comunidade diante do judasmo de Jmnia?
Finalizando o presente trabalho, gostaramos de apresentar uma hiptese
para o possvel contexto histrico que influenciou a construo dessa percope. Por se
tratar apenas de uma hiptese, e no podermos, neste trabalho, desenvolv-la a contento,
reservamos sua exposio em um apndice, no influenciando diretamente nos
resultados deste trabalho.
Posto isso, acredita-se que a construo da percope de Jo 19,25-27 esteja
em sintonia com os acontecimentos histricos vividos pela comunidade joanina por
volta dos ltimos decnios do primeiro sculo, mais especificamente, a reunio do
judasmo fariseu em Jmnia. A expulso das sinagogas e marginalizao dos discpulos
que parece ter alguma realo com essa reunio no resulta apenas na expulso de um
contexto social, mas porta profundas consequncias de carter teolgico. Estar inserido
no seio da organizao judaica significava tambm participar da Aliana. Significava
participar do povo com quem Deus teceu sua Aliana. A expulso, consequentemente,
acarreta a excluso da Aliana.
A partir disso, levantou-se a hiptese, que a ns parece bem plausvel, de
que este texto tenha sido motivado por estes eventos e construdo como uma espcie de
apologia da f da comunidade crist. A inverso provocada pelo Esprito no processo
movido pelo mundo contra os cristos expressa bem isto. Ao p da cruz, a entrega se
mostra desigual: segundo o sentido do autor, diferente daquilo que sugere uma
compreenso em mo nica da teologia de Maria Me da Igreja, a figura do Israel fiel
s promessas, ou seja, a Me de Jesus, entregue aos cuidados do Discpulo Amado, a
comunidade discipular de Cristo, e no o contrrio. A comunidade discipular no nega o
seu passado histrico e teolgico, contudo, a Me de Jesus acolhida naquilo que
prprio da identidade da comunidade discipular, o seguimento a Cristo e o testemunho
da vida que vem do Pai pelo Filho, aquele a quem negam.
Sendo assim, acreditamos, a partir desta hiptese, que Joo inverta o jogo:
na verdade, quem se encontra fora do contexto da Aliana so aqueles que negam a
verdade do Cristo, aqueles que no reconhecem em Jesus o Enviado de Deus.

111

REFERNCIAS
1 Fontes consultadas
BBLIA. Portugues. Biblia Sagrada. Traduo Ecumnica (TEB). So Paulo: Loyola,
1994.
BBLIA. Portugues. Bblia de Jerusalm: Nova edio, revista e ampliada. 2
impresso. So Paulo: Paulus, 2003.
BBLIA. Portugues. Bblia Sagrada. Traduo da CNBB. 3. ed. Braslia: CNBB, 2006.
CONCLIO VATICANO II. Constituio Dogmtica Dei Verbum. In.:
KLOPPENBURG, B.; VIER, F. (Orgs.). Compndio Vaticano II: Cartas, Decretos
e Declaraes. Petrpolis: Vozes, 2000. p. 121-142.
CONCLIO VATICANO II. Constituio Dogmtica Lumen Gentium. In.:
KLOPPENBURG, B.; VIER, F. (Orgs.). Compndio do Vaticano II: Cartas,
Decretos e Declaraes. Petrpolis: Vozes, 2000. p. 39-120.
NESTLE, Eberhard; NESTLE, Erwin; KURT, Aland (Eds). Novum Testamentum
Graece. 25. ed. Stuttgart: Wrtembergische Bibelanstalt, 1963.

2 Software
BIBLEWORKS for Windows. Verso: 6.0.0005y. BibleWorks, LLC, 2003.

3 Livros e artigos
AGOSTINHO. De sancta virginitate VI, 6. PL 40.
AGOSTINHO. Homlies sur levangelie de Saint Jean I-XVI. Oeuvres de Saint
Augustin. Paris: Descle de Brouwer, 1969.
AGOSTINHO. Sobre el Evangelio de San Juan (36-124). Ed. Bilinge. Madrid:
Editorial Catolica, 1957. Tomo XIV. BAC.
AMBRSIO, Santo. Tratado sobre el Evangelio de San Lucas. In: Obras de San
Ambrosio. Madrid: Editorial Catolica, 1966. Tomo I. BAC, vol. 257.
BROWN, R. et al. Maria no Novo Testamento. So Paulo: Paulinas, 1985.
GROUPE DES DOMBES: Marie dans le dessein de Dieu et la communion des saints.
Paris: Bayard; Centurion, 1999, n 57.
IRENEU. Contra as Heresias. So Paulo: Paulus, 1997. Livro III,1,1. (Col. Patrstica,
4).
JAUBERT, A. La notion dalliance dans le Judaisme: aux abords de lere chretienne.
Paris: Seuil, 1963.
JOO PAULO II. Carta encclica "Redemptoris mater" do sumo pontfice Joo Paulo II
sobre a Bem-Aventurada Virgem Maria na vida da Igreja que est a caminho. So
Paulo: Paulinas, 1987.
112

KONINGS, Johan. Evangelho segundo Joo: Amor e Fidelidade. So Paulo: Loyola,


2005.
DE LA POTTERIE, I. Marie dans le mystre de lalliance. Paris: Descle, 1995. p. 244.
(Col. Jesus et Jesus-Christ).
LON-DUFOUR, X. Leitura do Evangelho de Joo. So Paulo: Loyola, 1996. Tomo
IV. (Col. Bblica Loyola 16).
______. Leitura do Evangelho de Joo. Tomo III. So Paulo: Loyola, 1996. (Col.
Bblica Loyola, n 15).
______. Leitura do Evangelho de Joo: Palavra de Deus. So Paulo: Loyola, 1996.
Tomo I. (Col. Bblica Loyola 13).
LIGRIO, Afonso Maria de. Glrias de Maria. Aparecida: Santurio, 1987.
LOPES, Rogrio de Frana. A Me de Jesus no Evangelho de Joo: Um estudo de Jo
2,1-11; 19,25-27 para uma mariologia funcional cristocntrica. Dissertao de
Mestrado. Belo Horizonte: CES, 2004.
MANNS, F. LEvangile de Jean a la lumire du Judaisme. Jerusalem: Franciscan
Printing Press, 1991.
MATEOS, J.; BARRETO, J. El Evangelio de Juan: Analisis linguistico y Comentario
exegtico. Madrid: Cristiandad, 1979. (Col. Lectura del Nuevo Testamento, n 4).
MATEOS, J.; BARRETO, J. Me. In: Vocabulrio Teolgico do Evangelho de So
Joo. So Paulo: Paulinas, 1989.
NICCACI, A.; BATAGLIA, O. Comentrio ao Evangelho de Joo. Petrpolis: Vozes,
1981.
PARKER, P. John and John Mark. Journal of Biblical Literature 79, 1960.
PAULO VI. Exortao Apostlica sobre o culto Virgem Maria (Marialis Cultus). So
Paulo: Paulinas, 1974.
PSEUDO-AMBRSIO: Expositio super septem visiones libri Apocalypsis. PL 17.
SCARDELAI, Donizete. Mateus e os Judeus.Disponvel em: http://www.sion. org. br/
artigos/mateus_judaismo.pdf. Acesso em 15 de agosto de 2009.
SCHILLEBEECKX, E.: Mariologia: ieri, oggi, domani. In: SCHILLEBEECKX, E.;
HALKES, C.: Maria: ieri, oggi, domani. Brescia: Queriniana, 1995.
SCHNACKENBURG, R. El Evangelio segun San Juan: Version y Comentario.
Barcelona: Herder, 1980. v. 3.
SCHRMANN, H. Ursprung und Gestalt, Dsseldorf, 1970
SESBO, B.: A Virgem Maria, em. In: ID. (dir.): Histria dos dogmas. Tomo 3: Os sinais da
salvao. (tr. br.). So Paulo: Loyola, 2005.

SIMOENS, Yves. Selon Jean : Une interpretation. ditions de Lnstitute dstudes


Thologiques: Bruxelles, : IET, 1997. Tomo II e III
THOMAS DAQUIN. Comentaire sur lvangelie de Saint Jean. Paris: Cerf, 1998.
______. Comentaire sur lvangelie de Saint Jean. Paris: Cerf, 2006. Texto completo
extrado da web: Acesso http://docteurangelique.free.fr, em 26 de fevereiro de
2010.
113

VITRIO, Jaldemir. A narrativa do livro de Rute. In: Estudos Bblicos. Petrpolis:


Vozes, 2008. n. 98. p. 85-106. (Sobre a metodologia da anlise narrativa).
VOIGT, S. O Discpulo Amado recebe a Me de Jesus eis ta ida: velada apologia de
Joo em 19,25-27. Revista Eclesistica Brasileira, Petrpolis, v. 4, n.35, 1975. p.
771-823.

114

ANEXO I

115

Você também pode gostar