111-Texto Do Artigo-757-1-10-20230616
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DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.TeoP.2763-9762.2023v3n5p17
Resumo
Abstract
Luke reveals that God is mercy. The author of the third Gospel narrates the
revelation of God's merciful face in his son Jesus. Through the study of the origin of
the expression: “to be moved with compassion” represented by the Greek verb
splanchnizomai present in the Lucan passages of the resuscitation of the son of the
widow of Nain (LC 7,11-17), the parable of the good Samaritan (LC 10,29-37) and the
parable of the merciful Father (LC 15,11-32); the updating of the term is presented in
practice through the visits made by Pope Francis on the occasion of the Jubilee Year of
Mercy in 2016 and his challenge to believers to have the same compassion as Jesus:
not as a mere ephemeral emotion, but as a call to act in name of the love of his Father
who, seeing the extreme situations of life, breaks with human logic and goes out to
meet the most vulnerable.
Introdução
Lucas é um escritor habilidoso que elabora seu texto para revelar a salvação de
Jesus com domínio literário. O autor do terceiro Evangelho dispõe de formas e
estruturas com o intuito de deixar o coração do leitor o mais próximo do coração de
Jesus. Com esse pressuposto é possível ter uma atenção especial às palavras — como a
utilização do verbo splanchnízomai — e às narrativas existentes em seu Evangelho para
descrever o real sentimento de Jesus.
A análise de tais recursos possibilita a afirmação de que as narrativas lucanas
apresentam o rosto misericordioso de Deus através de Jesus que sente movido de
compaixão. Essas atitudes são expressas com mais veemência nos trechos que narram
a reanimação do filho da viúva de Naim,1 a parábola do bom samaritano 2 e a parábola
do Pai misericordioso.3
Nutrido por esse valor evangélico — cujas entranhas se comovem ao se deparar
com situações de sofrimento diante da morte e das tragédias humanas — o Papa
Francisco proclama, por meio da Bula de Proclamação, Misericordiae Vultus (O Rosto
da Misericórdia), em 8 de dezembro de 2015, o Jubileu do Ano Santo da Misericórdia,
que tem como objetivo tornar visível pelo testemunho concreto a experiência da
misericórdia. Como forma prática, o Papa Francisco realiza, entre outras obras de
misericórdia, visitas surpresas em hospitais, orfanatos, albergues e outros lugares que
1 Lc 7,11-17
2 Lc 10,29-37
3 Lc 15,11-32
O que Lucas quer comunicar aos seus leitores pode-se intuir examinando a
urdidura geral de seu evangelho e a linha prospectiva que lhe subjaz. Mas um
exame mais atento das acentuações temáticas e do bloco de textos inéditos
permite descobrir as preferências e os interesses de Lucas. Estes são facilmente
individualizáveis, porque Lucas tem um grande bloco de versículos próprios,
inéditos em comparação com os outros evangelhos: cerca de 600.5
Sua intenção parece ser a de demostrar para a sua comunidade que para serem
autênticos cristãos, precisam seguir os passos do Mestre, não apenas em um seguimento
superficial, mas um seguimento no qual sejam capazes de demonstrar em suas obras, o
amor e a compaixão que Jesus tinha para com os excluídos e necessitados de seu tempo.
Dessa maneira, uma leitura atenta de seus escritos será capaz de verificar a constante
conjuntura de inquietação e questionamentos nos quais “(...) constrange os cristãos a
repensarem a própria identidade em confronto com as comunidades dos inícios e com
a mensagem e a missão histórica de Jesus”.6
Ao lermos os escritos de Lucas, percebemos também uma ênfase na concepção
na qual para seguir o caminho do discipulado de Jesus não basta somente a aceitação
dos seus ensinamentos, mas também uma adesão pessoal com o seu estilo de vida, sua
simplicidade e seu compromisso com a missão de levar o amor de Deus especialmente
aqueles que são considerados pela própria comunidade mais distantes Dele. Essa
identificação com a missão de Jesus, muitas vezes será motivo de escândalo para os
prepotentes e poderosos que não entendem a lógica do perdão, da partilha e da acolhida,
levando a comunidade de fé a ser duramente julgada e perseguida.
4 MASCILONGO, P.; LANDI, A., Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos, p. 189.
5 FABRIS, R.; MAGGIONI, B., Os Evangelhos II, p. 16.
6 FABRIS, R.; MAGGIONI, B., Os Evangelhos II, p. 17.
7 MASCILONGO, P.; LANDI, A., Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos, p. 192.
8 PERONDI, I.; CATENASSI, F. Z., Misericórdia, compaixão e amor, 2016, p. 4.
TeoPraxis, Rio de Janeiro, v. 3, n. 5, p. 17-27, jan./jun. 2023 20
ISSN 2596-2922
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seus leitores da língua grega os três termos hebraicos apresentados anteriormente, sobre
a misericórdia divina. Assim, a versão grega do antigo testamento, a septuaginta (LXX),
(...) traduzia o termo hesed cerca de 400 vezes por eleos e cerca de 80 vezes por
oiktirmon. Então, esses dois termos foram naturalmente adotados nos
evangelhos para referir-se à misericórdia. Eleos, para este amor que exprime o
sentimento interior, e o verbo oiktirmos e seus derivados, para indicar a
expressão externa da misericórdia.9
Logo depois, Jesus dirigiu-se a uma cidade chamada Naim acompanhado de seus
discípulos e de uma grande multidão. Quando se aproximava da porta da cidade,
viu um cortejo fúnebre: levavam o corpo do filho único de uma viúva. E grande
multidão da cidade a acompanhava. Vendo-a, o Senhor sentiu compaixão por
ela e lhe disse: não chore. Aproximou-se, tocou o caixão, e os que o carregavam
pararam. Então disse ele: Jovem, eu te ordeno, levanta-te! O morto sentou-se e
começou a falar, e Jesus o entregou à mãe. 14
Jesus pediu para que a mãe não chorasse mais, aproximou-se do morto, tocou a
padiola e fez parar os carregadores. Com a sua palavra, devolveu a vida e a fala
ao jovem, que se sentou e começou a falar. Então, Jesus o entregou à sua mãe. 18
Lucas descreve com sete expressões verbais a ação do samaritano em favor do
homem caído: “aproximou-se”, “cuidou de suas chagas”, “derramando óleo e
14 Lc 7,11-15
15 Lc 7,13
16 Lc 10,33
17 Lc 15,20
18 Lc 7,14-15
Por fim, outra lição catequética de Lucas por trás do seu uso pontual e
intencional da expressão splanchnízomai em seu Evangelho é encontrada na observação
dos sujeitos que se movem de compaixão em cada um dos relatos por ele apresentados:
na primeira vez Jesus foi movido de compaixão; na segunda o samaritano e, na terceira
o pai do filho pródigo. Ao observarmos os três textos como um conjunto de catequese
continua, há uma mensagem profunda: a compaixão de Jesus no relato da viúva de
Naim é a mesma compaixão do Pai na parábola do Filho Pródigo, demostrando a
filiação divina e a compaixão como um atributo de Deus, da qual, entretanto, os homens
também são capazes, e não só aqueles homens que se consideram perfeitos e santos,
mas principalmente aqueles considerados pecadores e distantes do Criador como
demostrado na parábola do Bom Samaritano.
19Lc 10,34-35
20 PERONDI, I.; CATENASSI, F. Z., Misericórdia, compaixão e amor, 2016, p. 11.
21 Sl 27,8
sua palavra, os seus gestos e toda a sua pessoa, Jesus de Nazaré revela a
misericórdia de Deus.22
é para que seja criada uma cultura de amor ao próximo capaz de acolher, cuidar e
hospedar.
Por fim, em 26 de fevereiro de 2016, Francisco visita à comunidade de
recuperação terapêutica de dependentes químicos São Carlos, localizada na periferia de
Roma. O amor e a bondade do Pai das misericórdias são manifestos no gesto de
Francisco que ultrapassa os muros da Cidade Eterna em direção aqueles que são
surpreendidos em suas periferias existenciais. A visita surpresa de Francisco é um
convite — não só para aqueles que foram visitados na ocasião, mas todos aqueles que
são cristãos — para redescobrir o amor e a bondade acolhedora de Deus a partir da
iniciativa do pai que, esquecendo toda transgressão, vai ao encontro do seu filho,
acolhe-o sem reserva e o reabilita em sua condição precedente. Ao assumir o caráter
evangélico da parábola do “filho reencontrado”26 o Papa Francisco que se enche de
compaixão e vai ao encontro daqueles que buscam se curar da dependência química,
resplandece para eles e para toda a igreja, o coração misericordioso do Pai,
ressignificando, através do amor, todos os esquemas, lógicas e expectativas humanas.
O Papa Francisco, ao realizar tantas outras visitas, gestos e denúncias proféticas,
não só por ocasião do Ano da Misericórdia, masdurante todo o seu pontificado, tem
buscado demostrar seu desejo de que a Igreja, povo de Deus, seja manifestação
verdadeira da compaixão Divina, estando sempre atenta aos outros em seu olhar e
tornando-se assim capaz de identificar os sinais dos tempos presentes na sociedade, sem
nunca se esquecer, entretanto, que mesmo diante de realidades tão complexas e
conflitantes, Deus continua a manifestar e desejar a salvação a todos os seus filhos e
filhas.
Portanto, nesses dez anos de seu pontificado, Francisco, tem sucedido um grande
projeto de impulso missionário e profético para a Igreja, mesmo que haja contra ele
uma grande oposição de alguns grupos, que parecem preferir viver presos as amarras
do passado, do que se abrir aos novos ares e horizontes redescobertos e reiniciados pela
Igreja nos últimos 60 anos, e que inspiram o ser e o agir do atual pontífice.
Conclusão
26Lc 15,11-32
27Lc 6,36
TeoPraxis, Rio de Janeiro, v. 3, n. 5, p. 17-27, jan./jun. 2023 25
ISSN 2596-2922
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Referências bibliográficas
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FABRIS, R.; MAGGIONI, B. Os Evangelhos II: Lucas e João: 2. São Paulo, SP:
Edições Loyola, 2010. ed. 4.
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2021.
FRANCISCO, PP. Angelus, 10 de julho de 2022. Disponível em:
<https://www.vatican.va/content/francesco/pt/angelus/2022/documents/20220710-
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Extraordinário da Misericórdia. São Paulo: Paulinas, 2015
KITTEL, G.; FRIEDRICH, G. σπλαγχνίζομαι (splanchnízomai) Theological
Dictionary of the New Testament. Disponível em:
<https://search.nepebrasil.org/strongs/?id=G4697>. Acesso em: 29 mar. 2023
28Lc 7,11-17
29Lc 10,29-37
30Lc 15,11-32
Recebido em 29/03/2023
Aprovado em 08/05/2023