A História Militar Tradicional e Nova História Militar
A História Militar Tradicional e Nova História Militar
A História Militar Tradicional e Nova História Militar
HANSON, 2007.
2. AMPLIAO CONCEITUAL
Depois da Segunda Guerra Mundial, o conceito de Histria Militar se ampliou
significativamente, passando de uma histria das guerras, campanhas, batalhas e feitos
dos grandes generais, para a histria das instituies militares, na paz e na guerra e sua
Annales e de seus seguidores de uma forte rejeio Histria Poltica e histria dos
acontecimentos. Para alguns expoentes da Nova Histria francesa, os acontecimentos
no so mais que a espuma da histria (DUBY, 1993: 14). Os adeptos da Nova
Histria buscam a multidisciplinaridade dos estudos histricos, com a utilizao de
novas fontes de pesquisa, alm dos tradicionais documentos escritos, e de novos pontos
de vista, como a histria vivida e protagonizada pelos estratos inferiores da sociedade,
no que ficou conhecido como a histria vista de baixo. Seu ideal ser a Cincia dos
homens [...] [e] preciso acrescentar: dos homens no tempo (BLOCH, 2002: 55),
buscando um sentido de sntese histrica, de histria das mentalidades e das
perspectivas do longo prazo. A Nova Histria pretende, enfim, ser uma Histria
Total, rejeitando a diviso em histrias parciais: poltica, diplomtica, econmica,
militar, religiosa etc. (GURIVITCH, 2003: 32)
4. A ESCOLA TRADICIONAL
A Histria Militar tradicional estuda a evoluo da arte da guerra e da doutrina
militar.2 Seu foco est nas campanhas, batalhas e nos feitos dos grandes chefes
militares, em busca princpios universais para a vitria e para a liderana militar. Tem
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aconteceram.
Em
funo
dessas
caractersticas,
ficou
conhecida
incluem
cincias,
religies,
mitos
(grifo
meu),
espao,
tempo
instituio, [...] o Exrcito deve ser considerado, tambm, como uma fora social de
tempo de paz (MATALOFF, 1982: 423-424)
A Nova Histria Militar dava preferncia a temas de esquerda, como a composio
social das foras e dos quadros de oficiais, o recrutamento e questes culturais, de
gnero e de raa nas instituies militares.
Essa tendncia pouco militar tambm tinha origem na falta de intimidade da
maioria dos historiadores acadmicos com as experincias militares. Efetivamente,
estudar as instituies militares como foras de combate um grande desafio para
pessoas que no conhecem em profundidade suas caractersticas organizacionais e
culturais bastante peculiares, seu jargo profissional, seus conhecimentos tcnicos
especializados, nem vivenciaram o tipo de experincias profissionais extremas que
tendem formao de confrarias. Como profundo conhecedor da alma humana,
Shakespeare foi capaz de expressar essa unio forjada nas armas por meio das palavras
do rei Henrique V antes da batalha de Agincourt:
Ns poucos, ns poucos e felizes, ns, bando de irmos;
Pois quem hoje derramar seu sangue comigo,
Ser meu irmo; seja ele o mais vil que for,
Este dia enobrecer sua condio. (SHAKESPEARE, 2007: Ato 4, Cena 3)
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na colnia e do Exrcito Brasileiro na primeira metade do sculo XIX, bem como traa
o perfil social e familiar que fizeram de Luiz Alves de Lima e Silva um dos principais
sustentculos do Imprio e da unidade nacional (BARRETO, 2008). Tambm devem ser
citados os brasilianistas Frank McCann, com seu Soldados da Ptria, uma histria do
Exrcito Brasileiro da queda da monarquia at as primeiras dcadas do sculo XX
(McCANN, 2007) e Peter M. Beattie, com Tributo de Sangue, uma histria da adoo
do servio militar obrigatrio no Brasil e de todas as transformaes institucionais que
vieram em consequncia ou foram condio para torn-la possvel.
A pouca ateno do meio acadmico brasileiro aos temas ligados atividade blica
evidente para os prprios historiadores mais ligados Histria Militar no pas.
Coincidindo com a opinio expressa por Keegan quanto prevalncia da batalha como
objeto da histria militar, os organizadores do livro Nova Histria Militar Brasileira
reconheceram o descuido da Nova Histria em relao atividade essencialmente
militar do combate. Eles admitiram que talvez os historiadores sociais das
organizaes militares, s vezes fascinados com a vida cotidiana, tenham negligenciado
a proposta principal da vida militar: travar a batalha com o inimigo. (CASTRO;
IZECKSOHN; KRAAY, 2004: 28)
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7. CONCLUSES
O fato que fica evidenciado neste trabalho que existe efetivamente um conflito de
concepes entre os historiadores acadmicos e os historiadores militares tradicionais
sobre o significado da Histria e suas funes. Embora a Histria Militar tenha um
amplo espectro de interesses, seu escopo limitado. A ao blica o seu tema central,
ou no seria uma histria verdadeiramente militar. A Nova Histria, por sua vez,
pretende ser uma Histria Total, que rejeita a diviso em histrias parciais: poltica,
diplomtica, econmica, militar, religiosa etc. Do ponto de vista militar, a principal
funo da Histria Militar didtica, voltada para a formao de oficiais e soldados. Do
ponto de vista acadmico, por outro lado, a Histria Militar uma ferramenta para
compreender as instituies militares como foras sociais de tempo de paz ou de guerra.
Deve-se reconhecer, entretanto, que a Nova Histria Militar trouxe aportes
metodolgicos importantes e ampliou o campo de pesquisa e a produo cientfica.
Questes como o recrutamento, as origens sociais das tropas, a composio dos quadros
de oficiais e a compreenso de suas mentalidades so fundamentais para uma histria
das instituies militares e avaliao de seu desempenho em combate. Neste sentido, a
histria crtica proposta pela corrente da Nova Histria uma necessidade para a
evoluo das foras militares. A crtica, entretanto, depende de uma perfeita
compreenso dos fatos, como proposto pela tradicional histria descritiva. Neste
sentido, a Histria Militar tradicional e a Nova Histria Militar so to complementares
como o cncavo e o convexo.
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