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ISSN 0102-1788

Revista da Escola Superior de Guerra

Revista da Escola Superior de Guerra, Rio de Janeiro, Ano XVI, n o 38, 1999

Revista da Escola Superior de Guerra


(Fortaleza de So Joo Urca Rio de Janeiro RJ Brasil CEP: 22291-190)

Diretor-Presidente:

Editor Responsvel:

General-de-Diviso

Csar de Mello Lira

Carlos Patrcio Freitas Pereira

Editorao Eletrnica:

Diretor Vice-Presidente:

Ademir Pereira Palma

Contra-Almirante

Foto Capa:

Antonio Carlos da Cmara Brando

Srgio Antonio Rohl

Diretor-Secretrio:

Impresso:

Coronel Professor

Jorlen Grfica e Editora Ltda

Celso Jos Pires

Tiragem:
1.500 exemplares
Os conceitos expressos nos trabalhos
so de responsabilidade dos autores e
no definem uma orientao institucional da Escola Superior de Guerra.
Editorao:

Nossa Capa:
Escola Superior de Guerra

Diviso de Biblioteca, Intercmbio e


Difuso DBID

Revista da Escola Superior de Guerra V.1, no (dez. 1983) Rio de Janeiro:


ESG. Diviso de Documentao, 1983 v.; 21,59cm Semestral
ISSN 0102-1788
1. Segurana Nacional Peridicos. 2. Poder Nacional Peridicos. 3.
Cincia Militar Peridicos. I. escola Superior de Guerra (Brasil).
Departamento de Estudos. Diviso de Documentao.
CDU 32(81) (05)
CDU 320.981

ndice
TESTEMUNHOS
EDITORIAL

7
Celso Pires

PALAVRAS DO COMANDANTE

10

Carlos Patrcio Freitas Pereira

BRASIL 500 ANOS ESG 50 ANOS

13

Srgio Xavier Ferolla

A GLOBALIZAO E NS GUISA DE INTRITO

19

Oswaldo Muniz Oliva

OS MILITARES E A POLTICA

36

Hernani G. Fortuna

REPENSANDO A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA COMO A


VEJO APS ANOS

48

Valbert Lisieux Medeiros de Figueiredo

KOSOVO, ALGO NOVO

52
Luiz Sanctos Dring

"O CHOQUE DAS CIVILIZAES" A CIVILIZAO UNIVERSAL


E AS NOVAS CIVILIZAES
71
Francisco de Assis Grieco

POTNCIAS ASCENDENTES O CAMINHO DA P AZ NO


3 o MILNIO

89

Marcos Henrique C. Crtes

PRINCPIOS DE SOBERANIA E AUTODETERMINAO DOS


POVOS NA POLTICA INTERNACIONAL

107

Ives Gandra da Silva Martins

GLOBALIZAO INTERNALIZAO DA
INTERNACIONALIZAO

117

Jaime Rotstein

DESEQUILBRIOS URBANOS DESIGUALDADES SOCIAIS E


INTEGRAO SOCIAL

123

Jarbas Passarinho

O RELACIONAMENTO CIVIL MILITAR

133

Jorge Calvario dos Santos

AMRICA DO SUL: VOCAO GEOPOLTICA

165

Therezinha de Castro

OS 50 ANOS DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA


Cludio Vianna de Lima

189

REFLEXES SOBRE O MTODO DE PLANEJAMENTO DA


AO POLTICADAESG

192

Ivan Fialho

CIMEIRANO RIO DE JANEIRO

204
CEE

O CONFLITO NOS BALCS ACRISE NO KOSOVO

220

Marcio Bonifcio Moraes

ANOVA ESTRATGIADAOTAN

247

Carlos Meira Mattos

CHINAX EEUU: BIPOLARIDADE DO SCULO XXI

251

Manuel Cambeses Jnior

CICLOS HEGEMNICOS DA ATIVIDADE ECONMICA

255

Marcos Oliveira

BRASIL: ETERNO PIS DO FUTURO

264

Carlos Syllus

GEOINTERVENO

280
Elton Fernandes e Darc Costa

AECONOMIA BRASILEIRA: DACRISE CAMBIAL


RECUPERAO

297

Julio Dolce e George Dolce

HOMENAGEM
Celso Pires

317

MEMRIAS
CRIAO DAESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

321

PRINCPIOS FUNDAMENTAIS QUE ORIENTARAM A


CRIAO DAESG

324

CINQUENTENRIO DAESG

326

Therezinha de Castro

Testemunhos

EDITORIAL
Celso Pires (*)
Contar muito dificultoso. No pelos anos que se j passaram, mas pela astcia que tm
certas coisas passadas. (Guimares Rosa)
No basta o tempo para determinar a tradio. O mundo da inteligncia no deixa escapar, ora ostensivo, ora
disfarado, o determinismo tico que atua na formao dos recursos humanos de uma Nao. O seu desenvolvimento, j foi
dito em outras pocas, no surge apenas pela civilizao material, seno na cultura moral e intelectual da sua sociedade.
H um destino. H um caminho. Poderamos defini-los pela devoo com que se anuncia os cinqenta anos da ESG.
Toda Instituio organizao viva intui, sente e incorpora o seu existencial. Na conscincia desse momento de f e
afirmao entende-se que uma das formas da perenidade constitui a valorizao continua da idia inspiradora.
A sua criao Lei n 785 de 20 de agosto de 1949 - no foi um episdio. Significa, ao contrrio, o incio de uma
poca. E no se pode deixar de enaltecer para compreender sua influncia, que o tempo assegura a dimenso histrica e
exalta o passado como evoluo espiritual.
No marco definidor de uma concepo, costuma-se reconhecer que idias convertidas em atos so a maneira de se
processar a transformao de um pas. Essas idias sero to visveis quanto permitam conferir os fatos celebrados no
futuro senso da histria questo preliminar e curial.
certo que a Escola Superior de Guerra surgiu da experincia da Fora Expedicionria Brasileira, na 2 Guerra
Mundial, diante da aplicao do conceito de guerra total ou como se preocupava o Almirante Castex sobre a unidade da
guerra que apresentava outros tipos de aes planejadas, coordenadas e dirigidas . As naes beligerantes teriam a
integralidade dos seus recursos envolvidos no conflito. Era a conscincia do Poder Nacional. Percurso de anlise,
reinterpretaes, novas tendncias para os quadros tericos da realidade brasileira.
Tomados todos os fatores em considerao, tal problemtica teve sua conseqncia: a necessidade de se criar no
Brasil um instituto de grande envergadura intelectual, compatvel com o avano do mundo moderno. Muda-se a mentalidade, mantendo os componentes primordiais do organismo da nao: o homem, a terra e as instituies.
A Cincia Poltica exige respeitabilidade, em toda pluraridade de frmulas e mostra a transcendncia da filosofia de
uma Instituio. Entretanto, no so os rigores dos tratados que especificam dogmaticamente sua interpretao, mesmo o
espao do procedimento. Podem possibilitar a perspectiva dos propsitos e o perfil do sistema de valores. O constante
aprimoramento destinao e dimenso qualitativa desta Escola privilegia e situa os seus fundamentos nos valores que
provm do passado e vm se consolidando, mantendo a crena, alm de construir herana intelectual requisito que se vai
documentando na sucessividade das pocas. Eis o comprometimento da infinitude da inteligncia: no se mede nem se
pode limitar.
No admira, pois, que o preenchimento dos fins, nessas cinco dcadas, se inspiraram em equacionar problemas
gerais e oferecer subsdios s atividades bsicas do Brasil, atravs da aplicao de mtodos do processo decisrio e da
racionalidade do conhecimento poltico e estratgico. Longo mergulho na busca do progresso, da justia social e do bem
comum uma peregrinao fundada de esperana. Os caminhos so vastos. Devem ser percorridos bem. Misses foram

assumidas e cumpridas. o amanh das construes que superam os problemas reclamados pela conjuntura nacional.
Viro etapas importantes que envolvem a responsabilidade de todos processo de aperfeioamento nas atividades
participativas.
Para tanto, torna-se lcito enfatizar que a ESG tem se mantido, intransigentemente fiel aos princpios da sua criao.
Transigir seria desfigurar, desnaturar e precipitar-se nos riscos dessa infidelidade, o que levaria a exigir o equilbrio prudencial
que se impe s propostas de modificao que a descaracterizasse.
Dos seus cursos emana a vocao de servir com inteligncia lio das coisas vivas, forma de classificar corretamente a pesquisa dos fatos e a prpria interpretao deles, de acordo com a transcendncia dos conceitos, fundamentais
para o entendimento do interesse nacional, sem improvisaes.
O seu discurso no dissocia o mtodo da doutrina. Esta, sendo normativa, compreende regras que iro orientar a
ao, firmando conceitos originais e prprios, sem confundir-se com a poltica, que determina objetivos, linhas de ao,
porquanto a estratgia seleciona e utiliza a melhor arte e os melhores meios entregues pelo poder nacional para tornar
eficaz a sua aplicao, sem esquecer que, no passado, era a guerra que envolvia a estratgia; hoje a estratgia que engloba
a guerra.
Os testemunhos proclamam a capacidade cultural da nossa Escola. Ela caminha sempre adiante, ateno permanente na trilha definida e insofismvel do destino. Muito haveria que dizer para ressaltar o seu generoso idealismo. Deve-se, no
entanto, considerar o espao editarialista.
Cinqentenria. Lembremo-nos de que a ESG o penhor supremo dos fundadores. Nesse momento de comemorao, a Ptria se instala em nosso esprito de continuadores. Assim sempre ser, todos na mesma verdade, numa forma
precisa e justa: dedicao, f e confiana.

PALAVRAS DO COMANDANTE
Carlos Patrcio Freitas Pereira (*)
Escola Superior de Guerra, 50 anos!
H muito o que comemorar...
So cinqenta anos de realizaes que tm como ponto de partida o entusiasmo de alguns idealistas. Os generais Csar Obino, Cordeiro de Farias, Juarez Tvora e tantos outros pensaram com grandeza no futuro do Brasil. O que era o Brasil naquela poca? Um grande pas agrcola com imensas reas
despovoadas, desprovido de ligao terrestre entre importantes regies, a populao relativamente
pequena concentrada ao longo do litoral e rios, elevado analfabetismo e poucas escolas... Apesar do
tamanho, pouca expresso internacional, mesmo no cenrio regional.
Como o Brasil de hoje? O crescimento foi notvel! Estamos entre as maiores economias do
mundo, com crescente importncia no mbito internacional e com enorme potencial ainda a ser desenvolvido, ou seja, estamos gradativamente construindo o que pensadores do pessado apontavam como
destino de grandeza.
Para a construo deste Brasil que conhecemos, a Escola Superior de Guerra tem sido um dos
atores importantes. um instituto de estudos estratgicos onde, desde os primrdios, reuniram-se
brasileiros de diferentes segmentos da sociedade para estudar os fatos contemporneos, avaliar as
diferentes conjunturas, examinar o desenvolvimento das potencialidades e pensar nas solues para o
futuro do Brasil.
Os conhecimentos desenvolvidos pela Escola Superior de Guerra, de cunho acadmico e estratgico, multiplicaram-se pelas Foras Armadas e serviram de inspirao para suas escolas de estudos
de alto nvel. Foram tambm exemplo para a criao de outros centros de estudos estratgicos pelo
Brasil afora, o que atualmente vem apresentando novo impulso em face da ordem internacional decorrente do fim da Guerra Fria.
Os conceitos bsicos foram elaborados de acordo com as caractersticas de nosso povo e de
nosso idioma. Os trabalhos realizados na Escola Superior de Guerra possibilitaram uma viso nacional sobre temas complexos e tm se mostrado flexveis para adaptar-se s evolues das conjunturas
nacional e internacional.
Importante elo entre civis e militares, a Escola habilita quadros de alto nvel para assessoria e
direo de organizaes pblicas e privadas, especialmente no tocante formulao de polticas, estratgias e elaborao de planejamentos estratgicos. Promove encontros com diferentes segmentos

da sociedade e mantm contato com todas as regies do Pas por intermdio da Associao dos
Diplomados da Escola Superior de Guerra. Faz intercmbio com estabelecimentos congneres, nacionais e estrangeiros, ao receber visitas e realizar viagens de estudos.
Na presente conjuntura, h um fato novo: a criao do Ministrio da Defesa, para o que a Escola
Superior de Guerra contribuiu com muitos trabalhos ao longo de sua existncia. No momento esto
sendo desenvolvidos estudos para determinar os caminhos mais adequados essa nova insero, com
viso prospectiva para as primeiras dcadas do sculo XXI.
Permanece entre todos os atuais integrantes da Escola a convico de que ela deve prosseguir na
sua histrica tarefa de ampliar e aperfeioar conhecimentos de quadros dirigentes civis e militares,
bem como deve permanecer o papel consultivo de rgos governamentais. O Centro de Estudos Estratgicos abre um novo caminho para coordenar pesquisas e estudos abrangentes, que podem contribuir
para o futuro em parceria com entidades congneres.
Por isso tudo, h muito o que comemorar... Foram 50 anos de um verdadeiro mutiro em prol do
Brasil. A conjuntura atual, cheia de incertezas e sem ntidos contornos prospectivos, sugere que voltemos ao passado para inspirar-nos: nossos antecessores acreditaram no futuro e conseguiram o notvel
resultado que hoje testemunhamos. Enormes potencialidades permanecem nossa frente, desafiando
a capacidade de nossas elites dirigentes. Cabe-nos, com f no Brasil, contribuir para essa caminhada.

(*) General-de-Diviso, Comandante da Escola Superior de Guerra

BRASIL 500 ANOS ESG 50 ANOS


Srgio Xavier Ferolla(*)
A misso sntese da Escola Superior de Guerra pensar Brasil.
Poucas lideranas do nosso Pas compreenderam o significado da formao de uma conscincia
nacional, capaz de contra-argumentar e reagir, se necessrio, frente s presses internas e, principalmente, externas, cada vez mais influentes no mundo atual, buscando denegrir o conceito de EstadoNao, em benefcio de interesses de toda ordem, mas em tempo algum, do interesse maior da sociedade brasileira.
Lapidarmente sintetizado em seus Fundamentos Doutrinrios, inspira-se a ESG nos valores da
preeminncia da pessoa, da liberdade individual e da igualdade e fraternidade entre os homens, adotando como alvo social o conceito do bem comum, ideal de convivncia que, transcendendo a busca
do bem estar, construa uma sociedade onde todos tenham condies de plena realizao de suas
potencialidades e do exerccio consciente de valores ticos, morais e espirituais.
Assim, quando se fala em Segurana e Desenvolvimento, a despeito das dificuldades e ambigidades, o Estado brasileiro obriga-se, diante das novas realidades, a tentar desenvolver uma estratgia de
progresso econmico, social, poltico e cultural, aliada a uma capacidade de atuao das Foras Armadas suficiente e capaz de inibir quaisquer intenes de desrespeito s regras da convivncia internacional e da soberania.
Dentro do que chegou a ser chamado de a nova ordem mundial, todos esses princpios passaram a enfrentar bices quase que insuperveis, frente a uma realidade internacional manipulada por

estruturas hegemnicas que, pela fora do poder econmico e militar, buscam impor s naes soberanas suas vises deformadas dos melhores rumos para a humanidade.
Em um excelente trabalho recentemente publicado, 500 anos de periferia, o Embaixador Samuel
Pinheiro Guimares, Diretor do Instituto de Pesquisa de Relaes Internacionais (IPRI), do Ministrio
das Relaes Exteriores, retrata de forma precisa e didtica a evoluo do cenrio internacional ao
longo dos 500 anos da histria do nosso Pas e os bices sempre atuantes em detrimento do desenvolvimento nacional.
No sculo XVI, as diversas regies da Amrica Latina passaram a ser domnios das potncias
europias da poca, Espanha e Portugal, que ao no acompanharem o ciclo da evoluo capitalista,
passaram a sobreviver no pelas suas foras produtivas, mas principalmente pela espoliao colonial.
Foradas pela irrealidade de suas polticas, viram-se obrigadas a assinar tratados perniciosos
com a Inglaterra, como o de Methuen, enquanto impunham s colnias regime de monoplio comercial e de proibio de desenvolvimento industrial e cultural. Como decorrncia, particularmente para
o Brasil, ao conquistarem a independncia, as ex-colnias rapidamente se colocaram sob a proteo
inglesa, assumindo um status semicolonial, devido aos tratados celebrados.
Tal processo de dominao evoluiu para outros atores, como conseqncia das duas Grandes
Guerras e, especialmente aps 1945, a liderana dos Estados Unidos firmou-se no cenrio internacional.
Em sua anlise fundamentada e cautelosamente imparcial, o autor situa o Brasil como um grande pas perifrico e esclarece que grandes Estados perifricos so aqueles pases no desenvolvidos,
de grande populao e de grande territrio, no inspitos, razoavelmente passveis de explorao
econmica e onde se constituram estruturas industriais e mercados internos significativos. O cenrio
e a dinmica em que atuam os grandes Estados perifricos no so novos e imparciais, mas se organizam em torno de estruturas hegemnicas de poder poltico e econmico.
O autor distingue com clareza o conceito de estruturas hegemnicas e de Estado hegemnico,
este como o Estado que em funo de sua extraordinria superioridade de poder econmico, poltico
e militar em relao aos demais Estados, est em condio de organizar o sistema internacional em
seus diversos aspectos, de tal forma que seus interesses de toda ordem sejam assegurados e mantidos,
se necessrio pela fora, sem Potncia ou coalizao de Potncias que possam impedi-lo de agir. E
acrescenta que o conceito de estruturas hegemnicas mais flexvel e inclui vnculos de interesse e
de direito, organizaes internacionais, mltiplos atores pblicos e privados, a possibilidade de incorporao de novos participantes e a elaborao permanente de normas de conduta; mas no mago
dessas estruturas esto sempre os Estados nacionais.
Exemplifica como estratgia de preservao e expanso das estruturas hegemnicas de poder as
organizaes internacionais sob seu controle, tais como o Conselho de Segurana da ONU, a Organizao do Tratado do Atlntico Norte (OTAN), a Agncia Internacional de Energia Atmica (AIEA), o
Grupo dos Sete (G-7), a Organizao Mundial do Comrcio (OMC), a Unio Europia, o North
American Free Trade Association (NAFTA), a Organizao de Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE) e o Fundo Monetrio Internacional (FMI), entre outros.
Tais Organizaes exercem um papel estratgico na elaborao de ideologias e de sugestes
polticas, a serem seguidas pelos governos dos Estados perifricos, j que, por razes bvias, os governos dos pases centrais no levam em considerao as sugestes de polticas quando so, muito raramente, feitas por tais agncias.
Suas ideologias so elaboradas de forma a serem percebidas como neutras, desinteressadas, ou
melhor ainda, de interesse geral, imparciais, verdicas e verossmeis.
Sempre que a realidade demonstra o contrrio, so substitudas por outras ideologias que desmentem, ridicularizam e se apresentam como novas e agora sim, verdadeiras. Assimiladas pelos

meios de comunicao dos pases perifricos e por suas elites cooptadas, so apresentadas s populaes perifricas como cientficas, imparciais, benficas e nicas.
A tal estratgia se soma formao, nos pases da periferia, de elites e de quadros simpticos e
admiradores das estruturas hegemnicas de poder. Tais indivduos se tornam elementos de grande
importncia para as estratgias de preservao das estruturas hegemnicas, na medida em que vm a
ocupar posies de destaque na vida pblica e privada dos pases da periferia.
A participao da maioria dos pases da periferia nos organismos internacionais faz-se essencial, para dar legitimidade e validade universal s normas estabelecidas e eventual aplicao de sanes internacionais contra os infratores.
No centro das estruturas hegemnicas se encontram as Grandes Potncias e, dentre elas, a
Super Potncia Os Estados Unidos da Amrica do Norte , o nico Estado com interesses econmicos, polticos e militares em todas as reas da superfcie terrestre, na atmosfera e at no espao sideral,
e o grande responsvel pela criao das estruturas hegemnicas que lideram.
Em termos mundiais, a grande estratgia militar dos Estados Unidos poderia ser resumida na
idia de manter a hegemonia militar adquirida na Segunda Guerra Mundial, em termos de presena e
de liderana tecnolgica, de modo a garantir a expanso econmica pacfica dos interesses americanos, o bem estar e a segurana da sociedade americana.
A estratgia poltica americana para a Amrica Latina tinha e tem como objetivo principal
manter e preservar a Doutrina Monroe e estruturar um organismo hemisfrico que legitime as intervenes militares americanas, quando estas se fizerem necessrias.
Solidificando os conceitos doutrinrios da ESG, afirma ainda que a despeito dos argumentos
sobre o gradual desaparecimento do Estado e de sua substituio por organizaes no governamentais ou pelas grandes empresas transnacionais, o fato que o Estado foi, , e continuar a ser o principal ator do sistema internacional. A nenhum analista, norte-americano ou no, que anuncia o fim
do Estado nacional, ocorre imaginar ou sugerir que o Estado norte-americano esteja em vias de desaparecimento.
Ao transcrever os conceitos fundamentais analisados pelo autor em seu magistral trabalho 500
anos de periferia, buscamos enfocar alguns pontos doutrinrios da ESG, frontalmente contestados
pela atual estrutura dominante internacional.
Em 1949, com uma ntida percepo da realidade mundial ao final da 2 Grande Guerra e de
seus desdobramentos mutantes por definio e causalidade, surgia o trabalho, abnegado e esclarecido,
de um punhado de brasileiros emritos com vistas ao advento de entidade destinada a realizao de
altos estudos de poltica e estratgia.
Nesse ano de 1999, j no limiar do Sculo XXI, mais do que nunca esto vlidos os fundamentos
doutrinrios da ESG, elaborados e aperfeioados ao longo dos cinqenta anos de frutferos trabalhos.
O quadro permanente e os estagirios da ESG e ADESG, refletindo uma sntese do tecido social
brasileiro, bem como todos os cidados atentos aos valores da nossa ptria, em busca de uma nao
justa e soberana, devero prosseguir labutando pela formao de uma conscincia nacional imune s
investidas da mdia comprometida, das falsas elites e pretensos intelectuais, habilmente preparados
para atuar no jogo do poder internacional, em detrimento dos reais anseios da nossa sociedade.
No nos interessam modelos importados, por mais elaborados que se apresentem e qualquer que
seja sua origem, uma vez que no atendam a um princpio fundamental o interesse nacional.
O desenvolvimento de uma nao no se mede to-somente pelas variveis comuns das estatsticas econmicas, mas principalmente pela existncia de um clima de liberdade e de igualdade de
oportunidades para todos os cidados e pela capacidade de atendimento s necessidades de alimentao, trabalho, sade, educao e segurana de seu povo.

O debate em torno do Estado versus mercado, o radicalismo neoliberal contra o denominado


estatismo perde sentido, diante da realidade concreta do Pas. Trata-se de uma discusso falsamente
ideolgica e movida por interesses particularistas. ridculo falar-se em tamanho do Estado, quando
a questo est na sua natureza e funo.
Todos esses fatos reforam a necessidade de uma postura de cautela, com a definio de um
Projeto Nacional, que estabelea os objetivos almejados pela sociedade, segundo um modelo prprio
de desenvolvimento, com base nas vocaes e caractersticas do nosso pas e no atrelado e dependente das solues aliengenas, quase sempre encaminhadas para o atendimento de interesses subalternos.
Contrariamente falcia dos defensores dos falsos conceitos de modernidade, quase sempre
orientados por interesses aliengenas e impatriticos e manipulados pela mdia, formando a opinio de
considervel massa de desavisados e/ou alienados para com as questes nacionais, as agruras da realidade mostram que, nessa era de incertezas, os povos sentem e suas elites devem por fora reconhecer
que ainda no instituto do Estado-Nao que repousam as maiores esperanas de conseguir a satisfao de suas necessidades e aspiraes.

(*) Ten.-Brig.-do-Ar SRGIO XAVIER FEROLLA


Ministro do Superior Tribunal Militar
Ex-Comandante da Escola Superior de Guerra

A GLOBALIZAO E NS
GUISA DE INTRITO
Oswaldo Muniz Oliva(*)
Muito se tem escrito sobre a globaliza o. Tambm eu preocupo-me com ela.
Por isso, venho desenvolvendo palestras e promovendo debates com pblicos diferenciados, nestes
ltimos anos. Por sinal, a cada ano e a cada evento significativo que ocorre em nvel internacional,
mais ntido se apresenta aquele processo e mais definidos ficam os perfis dos que os conduzem e que
dele se beneficiam.
A ESG, por ser uma Casa onde se estuda o Poder, apresenta-se como dos melhores intrpretes para
o que ocorre. Tanto isto verdade que, ao observar-se a aplicao do mega Poder Militar, que ocorre
em Kosovo, aqueles que aqui freqentam compreendem ser tal ao um brao do todo que, do mesmo
modo, atua no campo econmico, propondo e impondo regras gerais ao comrcio mundial, tal como
lhe convm.
J se torna clara (e, incrvel, aceita por muitos brasileiros) a inteno de regular o direito dos
povos e restringir as soberanias nacionais, a seu bel-prazer.
Tambm ntida a percepo, no campo psicossocial, da macia e coerente onipresena, na
mdia mundial, do noticirio sob inmeras formas que despejado, dia dia, sobre todo o mundo,
naturalmente, aqui traduzido e repetido.
Por tudo isso coloco este escrito como um tributo ESG, pelos seus cinqenta anos e por ser o
que : centro gerador de estudos srios e desenvolvidos com liberdade, equilbrio, honestidade intelectual e amor ao Brasil.
Merece todo nosso apoio e compreenso face s dificuldades de ordem material e outras que
enfrenta no momento, possivelmente, no desligadas dos interesses que a Globalizao traz embutidos, mas no to disfarados.
O Cenrio Presente
1.

O Brasil foi e ainda est envolvido pelas vagas do verdadeiro maremoto argentrio que o atingiu,
conseqente a hbil utilizao de regras globais e ao emprego oportuno de tecnologia moderna

das telecomunicaes e da telemtica. Tudo isso que est acontecendo devido nossa negligente integrao ao processo de globalizao.
Despreparados, ingenuamente ou no, abrimos todas as nossas defesas e fomos engolfados,
muito pelas caractersticas prprias daquele processo, verdade, mas muito mais pelos erros acadmicos de interpretao e ao por ns cometidas, sem qualquer precauo, quanto a salvaguardas que
protegessem nossos interesses, nosso patrimnio e nossos programas.
A ao equivocada do Estado brasileiro somada desateno leviana de nossa sociedade, induzida
a aceitar posies e atitudes que no eram do seu interesse maior, e, do que se est percebendo tardiamente, conduziram-nos a uma situao aflitiva, quase desesperadora. No h como continuarmos a
nos iludir: a globalizao veio para ficar e nossos erros com dvidas conseqentes devero ser
purgados e corrigidos. H que reduzir o nus sobre nosso povo e reverter essa situao, com a urgncia
mxima possvel.
Inegavelmente, no poderamos voltar as costas para o mundo, o qual cada vez mais, um
mundo s, a no ser que no existissem outras solues ao nosso dispor. Pior que tal atitude, porm
ser a de ficarmos estticos e continuarmos a ser engolidos, no ritmo frentico atual, sem qualquer
reao em defesa do interesse nacional, o interesse de ns todos brasileiros.
A compreenso da globalizao, inclusive nas sutilezas das regras da Organizao Mundial de
Comrcio e nas dos pases e grupos poderosos e dos nossos parceiros, fornecer informaes e apontar alternativas para que possamos salvar-nos e voltarmos a trilhar nossos caminhos de grandeza,
mediante a retomada de Desenvolvimento.
2.
De incio h necessidade de compreender-se que, hoje o mundo regido por uma verdadeira
ideologia geopoltica: a poltica de Poder em que se destacam as chamadas leis do mercado. No
est ela escrita mas possvel a sua deduo (Quadro 1).
Politicamente, cada vez mais, a Comunidade Europia busca escapar da hegemonia norte-americana o que ainda no logrou alcanar; no entanto, tem conseguido alcanar boas posies nos organismos mundiais.
Economicamente, h razovel grau de equilbrio entre os grandes e mdios Plos de Poder (Quadro
2).
As demais naes gravitam em torno dos grandes, conforme lhes possvel.
Na verdade ocorre uma luta (nem sempre surda) entre as naes (Quadro 3).
Nessa disputa, os grandes manipulam quase todos os instrumentos de Poder (Quadro 4). O
Grande Centro de Poder o Grupo dos Sete Grandes, com majoritria posio americana (G-7).
Militarmente, a hegemonia norte-americana absoluta. A Rssia (mais alguns satlites) grande potncia nuclear mas sua situao econmica afeta, de forma crescente, seu poderio militar e mesmo sua postura na poltica mundial.
Do ponto-de-vista cientfico-tecnolgico, a disputa brutal, entre os grandes; cada grupo
prevalente em algumas reas vitais. Os pases restantes so totalmente dominados ou buscam os que
apresentam condies para isso especializar-se em alguns segmentos do mercado.
No que concerne ao campo psicossocial, os grandes no admitem mexer em seu status quo; no
mximo pretendem e buscam melhorar o padro de vida de suas parcelas menos favorecidas, para
melhorar sua mdia a qual j boa.
Logo, os pases que esto abaixo do equador, somente recebero produtos excedentes.
Quanto a recursos financeiros, viro sob condies que no afetem a vida dos poderosos, isto ,
pelo menos pagaro juros de mercado.
Assim, fica bvio que, s com planejamento prprio, inovador e muito trabalho interno, podero

as demais naes equilibrarem suas situaes.


3.
Comporta atentarmos para algo que, ante o tumulto financeiro que nos aflige, tem passado desapercebido para muitos. pblico que fluxos financeiros circulam pelo mundo no como dinheiro
vivo, mas como crditos e dbitos que vo e voltam pelos computadores: a famosa ciranda financeira. Esse jogo, que poucos dominam perfeitamente, tem processado a transferncia da propriedade de
empresas e de grupos empresariais. Mas, e isto o que queremos salientar, os produtos, industrializados ou no, obrigatoriamente, circulam por vias de transporte que no so eletrnicas.
Pelo (Quadro n 5), poderemos verificar o seguinte:
Nos sculos XIX e XX o comrcio mundial circulou, majoritariamente, pelo ATLNTICO
NORTE. O BRASIL a ele integrou-se, tendo que remeter seus produtos por longas rotas martimas.
Esteve sempre em desvantagem.
No prximo sculo, o grande volume de mercadorias circular entre a sia e a costa oeste
americana. O segundo volume de mercadorias circular pelo ATLNTICO NORTE. O BRASIL ao
que tudo indica, continuar em situao de inferioridade em relao a essas duas grandes rotas martimas.
Salta a vista, porm, que o BRASIL tem excelente posio na AMRICA DO SUL, se decidir
utilizar rotas terrestres, por vias interiores. O uso de introvias, ferrovias bem dirigidas e rodovias
complementares se inteligentemente traadas, facilitaro, em muito, o acesso aos pases andinos bem
como a portos do PACFICO, no CHILE e no PERU. Haver oportunidade de comrcio da origem
com pontos intermedirios, tanto no Brasil, quanto naqueles pases, antes de ser alcanado o oceano e
vice-versa. O mesmo ocorrer, se buscarmos ligaes com Colmbia e Venezuela, na direo do Caribe.
O oceano ATLNTICO coloca-nos em posio vantajosa em relao ao MERCOSUL e FRICA ocidental, em especial a Angola, Nambia e frica do Sul, e, em boa situao na direo do golfo
do MXICO.
Ficam assim evidentes as grandes linhas a serem seguidas pela geopoltica brasileira. No est
claro, porm, que lideranas econmicas e a rea pblica que cuida de nosso comrcio exterior estejam dando prioridade a explorao destas reais vantagens comparativas. De modo geral pelo processo histrico e pela formao auferida em escolas americanas e europias, s raciocinam com os dois
grandes mercados para os quais sentem-se atrados e com os princpios e regras deles.
Por tudo isso, cresce a importncia de que novos parmetros sejam introduzidos na formulao e conduo de nosso comrcio exterior.
O primeiro deles o de que o COMRCIO EXTERIOR no pode ter sua poltica elaborada
somente pelo MRE.
O segundo parmetro o de que dever caber ao empresaria-do brasileiro influenciar decisivamente nas grandes linhas de uma nova poltica de comrcio exterior, contando, verdade, com o
assessoramento poltico-diplomtico do Itamarati; no ao contrrio como sempre ocorre. As instituies privadas brasileiras de expresso (no confundi-las com filiais de empresas multinacionais, as
quais tambm participam de nosso Desenvolvimento), sob a tica exclusiva de nossos interesses,
devem com urgncia, fazer-se presentes nos planejamentos e nas negociaes, eis que so, do mesmo
modo, expresses naturais e legtimas da voz da sociedade junto ao Estado.
4.
Com o processo de privatizao a que estamos sendo submetidos componente apresentada
como essencial globaliza-o, nada nos tem sido facilitado. Em contrapartida, o que assistimos a
descontrolada desnacionalizao de nossas empresas pblicas e privadas, o que j ultrapassou a casa
dos 50% e, a crescente ampliao de nossas dvidas.
O desdobramento natural dessa postura que nosso mercado interno passou a ser tambm deles, sem que os deles sejam tambm nossos. Nossos rgos pblicos financiam essas transferncias e, para o dinheiro envolvido, a Nao lhes oferece convenientes garantias. A estratgia do
governo j elevou a dvida total para cerca de 500 bilhes de dlares.

Com isso, agrava-se o servio correspondente, insuportvel e crescente encargo sobre nosso
povo, pois foi tomado emprestado em seu nome.
Acreditaram os que nos dirigem que, por lgica e tica, os mercados dos beneficirios por nossa
atitude liberal, unilateral, infantil e quase suicida abrir-se-iam, automaticamente, a nossos produtos.
Nada disso ocorreu nem ocorrer, pelos indcios que se nos apresentam, seja qual seja o continente
para o qual nos voltemos.
verdade que temos recebido emprstimos os quais permitem que no nos afoguemos, mas no
do suporte a caminhos para um progresso slido em benefcio de nosso povo. Quer parecer que
convm sejamos mantidos nessa situao pantanosa, para que no cresamos, passando de competidor
indesejvel a dependente til. JOS BONIFCIO e ANTNIO CARLOS ANDRADA E SILVA devem estar a tremer em seus tmulos, ao verem repetir-se o que combateram nos albores de nossa
independncia.
5. A crise econmico-social, em que nos encontramos, traduz-se em grande nmero de bices expressivos a exigirem providncias; entretanto, aes imediatas e de curto-prazo no podem nem
devem ser tomadas sem que saibamos avaliar suas repercusses a mdio e longo prazos, sobre ns
prprios.
Em outras palavras, no podemos mais destruir os remanescentes grandes centros de Poder
Nacional como Petrobrs e Banco do Brasil e hipotecar o futuro de nosso povo para aliviarmos o
presente. indispensvel que a nao e seus dirigentes conscientizem-se de que presente, futuro prximo e futuro afastado esto entrelaados mesmo. No ficar impune, para nosso povo o continuado
transferir de Centros de Poder Estratgicos para as mos de estrangeiros.
6. O erro de hoje ser a causa do prejuzo para outras geraes.
7. Urge a conscientizao da populao e a articulao de aes conjuntas por parte das entidades
representativas, em especial, empresariais e de empregados. S assim teremos condies para influenciar, de forma preponderante e em tempo til, as decises e prioridades que o Estado pretenda tomar,
em qualquer de seus Poderes, em todos os nveis de responsabilidades (Federal, Estadual e Municipal), e, alertamos, tomadas todas em nosso nome.
Impe-se estudarmos formas diretas e/ou indiretas de proteo aos produtos nacionais contra
predatria concorrncia externa, sem que isto represente ausncia de exigncia de qualidade e preo a
nossos produtos, ao contrrio. Ao mesmo tempo deveremos atuar em defesa de nossos empresrios e
contra a predao internacional.
Entre outras palavras, deveremos valorizar, fortalecer e ampliar nosso mercado interno, o qual
em ltima anlise somos todos ns brasileiros (quadros 6, 7 e 8). O papel do Estado, em, especial da
Unio, preponderante seno essencial: h que criar condies para o surgimento de empresas e
produtos nacionais competitivos que reduzam o dispndio excessivo em dlares, como hoje ocorre. A
reduo de despesas externas e a gerao de empregos sero alcanados com razovel rapidez e aliviaro nossa balana comercial. Por outro lado ampliaro nosso Produto Interno Bruto e redistribuiro a
riqueza para novas parcelas da populao que retornaro ao mercado de trabalho. O alvio da presso
fiscal e de impostos sobre pequenas e mdias empresas, inegavelmente, uma trilha que poder ser
alargada com medidas inteligentes e objetivas, as quais com presteza geraro a ampliao e a acumulao de riqueza nacional.
Deveremos buscar frmulas de reciprocidade: aqueles que nos vendem muito, devero, tambm, comprar-nos muito! Quem nada nos compra, nada nos vender! Aqueles que utilizarem dumpng
devero ter seus produtos cerceados no acesso ao mercado interno.
Essas posies devero manifestar-se em todas as reas de atuao: poltica, econmica e comercial, cientfica e cultural, tecnolgica e mesmo militar. Deveremos pressionar a rea pblica at
que a mesma se sensibilize e aceite nossas proposies.

8. Como exemplo do que ainda poder ameaar-nos, ao arrepio das normas internacionais da OMC,
s quais deveria respeitar, a AMRICA DO NORTE ameaa taxar brutalmente e j o vem fazendo,
produtos para os quais os seus perdem em competio igual. didtico o caso da banana da Amrica
Central propriedade de dois grupos norte-americanos. Sentindo dificuldades para seu ingresso na
EUROPA, tiveram em seu socorro, s claras, o rpido suporte governamental com ameaas e medidas
de sanes imediatas sobre inmeros produtos europeus. No caso, no interessa saber quem tem razo. Um Estado forte e gil apoia suas empresas. ESTE O GRANDE ENSINAMENTO.
Este comportamento dos grandes no novidade: foi sempre assim. O que ocorre hoje que tais
aes so muito mais s claras. Nunca sentimos enquanto fomos de pouca expresso mundial e o
mundo era bi-polarizado. Com todas as dificuldades presentes estamos entre as quinze maiores economias mundiais. Por isso ao observarmos tais aes estratgicas fortes, foroso reconhecer que as
mesmas decorrem do somatrio do poder da iniciativa privada com o do Estado: isto a que se chama
de Emprego Do Poder Nacional. Embora poucos o avaliem pelo pessimismo e pela alienao
imperantes o BRASIL, com o MERCOSUL, constitui o maior mercado ainda no integralmente
dominado, seja pelo NAFTA seja pela COMUNIDADE EUROPIA.
Caso no consigamos espao fora do MERCOSUL, deveremos fortalec-lo e expandi-lo em
proveito de seus membros. Por tudo isso, preconizamos que a sociedade brasileira se articule e se
organize para poder aplicar o seu poder, seja ante o Estado brasileiro, quando este ferir os seus legtimos direitos de cidadania, seja unindo esses dois poderes para defender qualquer campo ou interesse
nacional, quando atingido ou ameaado por presses com origens internas (o que por vezes ocorre),
externas ou combinadas.
A compreenso do que seja o valor do Poder Nacional pode ser alcanada com mais um exemplo destes dias: o governo americano decidiu, ameaou e fez executar ataques militares areos contra
a Iugoslvia. Quem poder ou ir auxili-la nesta emergncia se a NATO endossou a deciso americana coonestando-a? No cremos que a Rssia ultrapasse protestos e aes incuas. Incontinente a mdia
internacional com a nossa em seguimento, mostrou o que quis e como convinha ao governo americano. Mas se fosse contra a Comunidade Europia, (como no caso da banana) ocorreriam represlias
militares tambm? A NATO daria suporte ao poder militar norte-americano?
E se fosse contra o Brasil, condenado, por hiptese por prejuzos ao meio ambiente? ou Por
causa da Nao Ianomami?
Receberamos alguma ajuda militar ou de qualquer ordem? De quem? Qual a estatura de que o
Brasil, isoladamente, dispe nesse quadro, para dissuadir eventuais intervenes externas, militares e
outras?
Se o MERCOSUL for consolidado nossas posies sero reforadas?
Mas, se o MERCOSUL fracassar, como deveremos agir?
pois, com viso estratgica geopoltica, ampla e global que deveremos atuar.
Brasil por sua vastido e populao, mesmo sem contar com as outras naes da Amrica do Sul
(na pior hiptese e se estas no o desejarem) ainda o maior mercado disponvel do mundo.
O grande segredo, sem que se abandone o comrcio internacional como acima caracterizado,
ser promover a expanso geogrfica e econmica de seu mercado interno prprio.

GEOPOLTICA MUNDIAL
(DEDUZIDA)

OBJETIVOS

RESTRIO S SOBERANIAS
NACIONAIS

NEUTRALIZAO DOS
PODERES NACIONAIS

INTERNACIONALIZAO DOS
MERCADOS INTERNOS
(DOS OUTROS)

PROTEO DISSIMULADA E
HBIL DOS MERCADOS
INTERNOS (PRPRIOS)

ESTRATGIAS

GLOBALIZAO (INTERNET)
PRIVATIZAO
REDUO DOS ESTADOS
ALVO
APOIO A "DIREITOS" DAS
MINORIAS CONTESTADORAS
DAS NAES-ALVO
MANEJO E CONTROLE DOS
RECURSOS FINANCEIROS
INTERNACIONAIS
COMBATE A TRABALHO
"ESCRAVO" E DE MENORES
"DEFESA" DO MEIO AMBIENTE
COMBINAO DE PRESSES

INTERNACIONALIZAO DOS
RECURSOS NATURAIS

AO INDIRETA E
CONSTANTE POR QUANTIDADE CRESCENTE DE ONG

PLOS DE PODER

USA / NAFTA

GRANDES

COMUNIDADE EUROPIA

JAPO / SIA

RSSIA
CHINA
BRASIL / AMRICA DO SUL
MDIOS
ISRAEL / RABES
NDIA
PASQUISTO
INDONSIA E
AUSTRLIA

LUTA ENTRE NAES


(NEM SEMPRE SURDA)

GAR AN TIA FU TUR A

1.
2.

MATRIAS PRIMAS CATIVAS


MERCADOS
DISPUTA POR

CAPITAIS
3.
4.
TECNOLOGIAS ESPECIAIS
6. SATLITES
7. MSSEIS
8. ENERGIA NCLEAR
9. BIOTECNOLOGIA
10. INFORMTICA
5.
TELEINFORMTICA
(REDE INTERNET)
6.
DOMNIO DAS INFORMAES
TECNOLGICAS

G7

OEA

ONU

BM

OTAN
INSTRUMENTOS
DE PODER

MDIA

OMC

ONG

BID

MERCADO INTERNO

DE
TRABALHO

DE
INVESTIMENTO

MERCADO
INTERNO

DE
SUPRIMENTO

DE
CONSUMO

MERCADO INTERNO

FINALIDADE
PRIORITRIA

GERAR
EMPREGOS
GERAO E
DISTRIBUIO
DE RIQUEZA

ACIONAMENTO
DO
DESENVOLVIMENTO
AUMENTO
DE
PRODUO
ACIONAMENTO
DO
DESENVOLVIMENTO
AUMENTO
DE
CONSUMO

MERCADO INTERNO

NECESS IDADES
DESPESAS

SALRIO
S UPRIMENT OS
EMPR EGO

RECE ITAS

CUST O
IMPOSTOS
INVEST IMENT O
LUCRO

EMPR ESA
NO
BRASIL

EMPR ESA
NO
EXTERIOR

DESE MPRE GO
NO
BRASIL

CUSTE IO
IMPOSTOS
LUCRO

EMPR EGO
NO
EXTERIOR

(*) General de Exrcito e Ex-Comandante da Escola


Superior de Guerra

OS MILITARES E A POLTICA
Hernani G. Fortuna(*)

A guerra um fenmeno da paz, assim como a morte um fenmeno


da vida
Rui Barbosa Cartas da Inglaterra
A insero do Brasil da Amrica do Sul resulta de uma imensa fronteira terrestre que recebe
estmulos de dez pases, alguns ainda com efeitos mais recentes dos colonizadores do Primeiro Mundo
e estamos falando aqui das trs Guianas.
Por outro lado, h uma imensa fronteira lquida mergulhada no Atlntico e, a partir da qual, se
identifica uma concepo estratgica hodierna que assegure uma capacidade de defesa, basicamente
alicerada em instrumentos de dissuaso, visando a preservar um patrimnio representado pelo tringulo geopoltico brasileiro, por uma plataforma continental e por uma ZEE indispensveis ao processo
do desenvolvimento e da segurana nacionais, sem esquecer o pioneirismo de uma presena marcante
na Antrtica.
H necessidade de definir-se com clareza os interesses nacionais e os objetivos estratgicos da
Nao Brasileira. Essa definio foi feita, com rara felicidade, logo aps a Independncia, e se explicitava
na preservao da nova condio poltica, na fixao de novas fronteiras e no desenvolvimento da
economia atravs da participao no comrcio internacional.
A lucidez de Jos Bonifcio levou criao imediata dos Ministrios da Justia, da Marinha e
do Exrcito, visando integridade do patrimnio nacional, onde a Amaznia j preocupava o Poder
Central pelo seu isolamento e distncia.
Se a presena do estamento militar foi decisiva para a integrao do territrio nacional do BrasilColnia, essa presena no foi menor nos perodos do Brasil-Imprio e do Brasil-Repblica.
Podemos afirmar que a histria da Nao Brasileira quase a histria de suas Foras Armadas,
presentes em todos os acontecimentos que antecederam Independncia e que a sucederam, seja no
Imprio ou na Repblica.
De Norte a Sul, no Imprio, a Cabanagem, a Balaiada, a Sabinada, a Praieira, a Farroupilha e as
lutas externas no Cone Sul foram decididas pela presena militar na poltica e nos campos de batalha.
Consideramos correto que a Repblica foi o divisor de guas no desenvolvimento militar e na
vida poltica e institucional do Pas, aps uma longa caminhada de 67 anos de Imprio.
A classe poltica, ento detentora do Poder Civil, isolou e desprestigiou o Exrcito, criando

antagonismos e separando os casacas dos militares.


Essa separao veio no bojo de medidas como:
a) afastamento dos militares das posies de influncia poltica;
b) reduo metade dos efetivos do Exrcito;
c) criao da Guarda Nacional; e
d) gerao de dificuldades no convvio militar.
Essas medidas j haviam sido precedidas, na pacificao do Imprio e nas lutas do Cone Sul, por
situaes constrangedoras como atraso no pagamento dos vencimentos, incerteza e irregularidade nos
fornecimentos logsticos e angstia na entrega de equipamentos.
A Guerra do Paraguai influenciou a oficialidade brasileira e ali se consolidaram os sentimentos
de honra, dever e lealdade, alguns, dentre tantos outros sentimentos, que constituem o espectro da
virtude militar que lhe transmitida ao longo de toda uma vida.
John Schultz no Brasil Monrquico da Histria Geral da Civilizao Brasileira Tomo 2, cita s
pginas 252.
O corpo de oficiais emergia da guerra do Paraguai com um sentimento de unidade corporativa,
um novo sentido de sua importncia, uma amargura para com os civis e, talvez, com uma viso do
mundo mais ampla. Os Oficiais contrastavam seus sacrifcios e os de seus homens com a corrupo
dos polticos e tiravam da as amargas concluses que deveriam gui-los em suas atividades polticas
no aps-guerra.
O Imprio deixava de existir, a Repblica estava proclamada e era urgente a passagem do Estado
unitrio para o Estado federativo.
O Governo Provisrio, com Deodoro e Rui Barbosa frente, mostrava que queria correr contra
o tempo. Os aspectos de indisciplina no Exrcito, no extirpados por Benjamin Constant, fizeram que
Floriano Peixoto, militar de carreira, heri do Paraguai, fosse nomeado para a pasta da Guerra aos 61
anos de idade.
Na elaborao da 1a Constituio Republicana de 1891, a presena de Deodoro e Rui Barbosa
foi uma constante. A respeito da imunidade dos senadores e deputados, no Art. 22, assim se manifestou Deodoro: O homem srio, verdadeiro e de carter nobre, no admite o disposto neste artigo.
Rui Barbosa elaborara o mandamento constitucional que eliminaria qualquer possibilidade de
dissoluo do Exrcito, o que tantas vezes tentou a monarquia.
As foras de Terra e Mar so instituies nacionais permanentes, destinadas defesa da Ptria,
no exterior, e manuteno das leis no interior. Essa premissa foi acrescida por outra clusula A
fora armada essencialmente obediente, dentro dos limites da lei, aos seus superiores hierrquicos e
obrigada a sustentar as instituies constitucionais.
A 15 de setembro de 1890, foram realizadas as eleies para o Congresso Constituinte. Da
mensagem que Deodoro transmitiu Assemblia Constituinte so aqui explicitados trechos importantes:
- No se mudam instituies para persistir em defeitos inveterados.
- Nas revolues em que preponderam os privilgios sobre a trilogia sagrada do direito, da justia e
da liberdade, os povos visam, antes de tudo, melhorar as condies, fortalecer o imprio das leis e
reivindicar o papel que lhes cabe na sociedade.
- Viemos de um passado de opressivas desigualdades sociais e de um regime onde o imprio da lei se
achava falseado.

Deodoro foi eleito como 1o Presidente da Repblica com 129 votos contra 79 dados a Prudente
de Morais, e Floriano foi eleito com 153 votos contra 57 dados ao Almirante Wandenkolk.
Como 2o Presidente da Repblica, o Marechal Floriano demonstrou notvel acuidade poltica,
que tanto faltou a Custdio de Mello, a Saldanha da Gama, a Eduardo Wandenkolk e ao prprio
Deodoro da Fonseca. No pde administrar, no permitiram que o fizesse. Combateu, guerreou, venceu, mas no foi magnnimo na vitria. Entretanto, o perodo de Floriano traz em seu bojo dois
ensinamentos fundamentais:
- No existe mal pior para uma Nao do que a guerra civil;
- Foras Armadas unidas e fortes so fatores imprescindveis ao respeito das instituies, estabilidade poltica e segurana nacional.
Na Repblica Velha, vigia o equilbrio poltico do eixo So Paulo-Minas Gerais e, apenas, um
militar chegaria novamente Presidente da Repblica, na figura do Marechal Hermes da Fonseca.
Somente em 1930, surgia um novo Governo Provisrio com a revoluo que se inicia no Rio
Grande do Sul, Minas Gerais e Paraba. A alma popular confraternizava com os representantes das
Foras Armadas e, dentre as idias centrais do programa de reconstruo nacional, podemos destacar
a remodelao do Exrcito e da Armada de acordo com as necessidades da defesa nacional.
A revoluo paulista de 1932 inesperada e singular, e o situacionismo reinante, em Minas
Gerais e Rio Grande do Sul, apoia Getlio Vargas, derrotando o movimento paulista.
A Lei de Segurana Nacional, de 4 de abril de 1935, no conseguiu evitar a Intentona Comunista
de novembro desse ano, quando, mais uma vez, as Foras Armadas sufocaram uma rebelio dentro de
seu prprio seio e que poderia trazer para o pas conseqncias graves e imprevisveis. Finalmente, o
Estado Novo, de 10 de novembro de 1937, interrompe qualquer possibilidade de vigncia da Constituio de 1934 e uma nova Assemblia Nacional Constituinte s seria concretizada em 1946, aps a 2a
Guerra Mundial, que trouxe como conseqncia imediata a queda de Getlio Vargas do Poder.
A participao efetiva do Brasil nesse conflito mundial trouxe profundas alteraes vida poltico-institucional da Nao, que assistiu a marcos histricos, como a Carta das Naes Unidas e a
promulgao da Declarao Universal dos Direitos do Homem, no plano internacional, e implantao da Democracia de direito, atravs da Constituio Federal de 1946, no plano nacional.
Nesse contexto, firmou-se o entendimento de que o desenvolvimento brasileiro dependia da
identificao e da superao dos bices que o entravavam, e a forma adequada de acelerar esse desenvolvimento seria o trabalho em conjunto, atravs de um mtodo de planejamento para uma ao poltica que teria como moldura a viso realista da conjuntura nacional e internacional e a natural insero
do Brasil nesse cenrio, na busca contnua de uma sociedade tica, moral e justa.
Se a classe poltica atendeu a esses parmetros, atravs da promulgao de uma Constituio
moderna, em 1946, onde constituintes como Afonso Arinos, Milton Campos e Raul Pila, emprestaram
o brilho de sua projeo poltica e jurdica, as Foras Armadas, ungidas pela presena herica e marcante
nos campos da Itlia e no Atlntico, impregnaram o ambiente nacional com os perfis de Chefes como
Castello Branco, Mascarenhas de Moraes, Juarez Tvora, Eduardo Gomes, Soares Dutra, Ary Parreiras e Rubem Cox.
O General Eurico Gaspar Dutra foi eleito Presidente da Repblica, pelo voto direto, para o
quadrinio 1946 1950.
A eleio de Getlio Vargas, em 1950, viria a gerar conflitos permanentes na ordem poltica,
social e militar do Pas, em toda a extenso de seu mandato, no concludo e interrompido com seu
suicdio em 1954.
O trmino da 2a Guerra Mundial evidenciou que, ao imenso esforo nela empregado, no se
seguiu a paz desejada e que, entre as potncias beligerantes, ocorreu, simplesmente, a mudana da

relao amigo-inimigo.
Os dois grandes aliados durante a guerra Estados Unidos e Unio Sovitica se tornaram
antagonistas; o mapa poltico da Europa foi profundamente modificado e o conflito armado foi substitudo pelo conflito ideolgico, com o emprego da guerra psicolgica e de outros ingredientes no que
se chamou guerra fria e confronto Leste-Oeste.
A dcada de 1954 1964 foi dominada, no Brasil, pela presena constante das duas ideologias
contidas no confronto Leste-Oeste, interpretadas aos sabores da convenincia da classe poltica e das
convices das Foras Armadas, onde a Escola Superior de Guerra, criada em 1949, e que, ao contrrio das Escolas de Altos Estudos das Foras Singulares, no era destinada, exclusivamente, a militares, mas, tambm, a civis de atuao relevante na orientao da poltica nacional.
A constituio liberal e democrtica de 1946 no conseguiu dar estabilidade ao regime poltico,
duramente testado naquela dcada de 54 a 64. Houve a tentativa de impedir a posse de Juscelino
Kubitchek, em 1955, neutralizada pelo General Henrique Lott; a renncia de Jnio Quadros, em 1961,
com nova interveno das Foras Armadas para assegurar a subida de Joo Goulart ao poder e, finalmente, a deposio do prprio Joo Goulart, em 31 de maro de 1964, aps um conturbado perodo,
onde o Congresso estava sendo violentamente pressionado a votar reformas de base, de cunho nitidamente populista marxista e que no atendiam aos interesses nacionais. As Foras Armadas foram
envolvidas nesse cenrio; tiveram seus alicerces basilares de hierarquia e disciplina erodidos com a
participao direta de seu Comandante Supremo que tentou subverter aquelas premissas, utilizando
um dilogo direto com graduados e subalternos, em detrimento das lideranas e chefias, legitimamente constitudas ao longo de dcadas de profissionalismo e dedicao exclusiva aos interesses da Ptria.
A eleio de Castello Branco pelo Congresso Nacional, inclusive com o voto de Juscelino
Kubitchek, dirimiu as concepes conflitantes sobre aquilo que estava sendo considerado, por muitos,
como o bem comum. No de hoje que alguns sonham com a possibilidade de transformar o mundo,
deste o mito de Prometeu, at a criao de utopias como a de Plato e a de Tomas Morus.
Castello Branco tinha o perfeito conhecimento de que nenhuma forma de organizao econmico-social eliminou as carncias ou extinguiu a pobreza.
Assim, procurou efetivar o processo de racionalizao da ao poltica, visando modernizao
do Pas e acelerao de seu desenvolvimento, aspiraes de ponderveis parcelas das elites civil e
militar e que as prticas, ento vigentes, estavam longe de alcanar. Firmava-se, tambm, a convico
de que a racionalidade deveria estender-se a todos os processos da ao poltica, tanto na esfera da
segurana quanto na do desenvolvimento.
Castello revolucionou o panorama poltico, econmico, social e tecnolgico com que se deparou ao assumir o Poder e, aqui, esto alguns dos fatos e medidas que corroboram aquela afirmao.
Os partidos polticos foram estimulados a construir uma estrutura partidria que permitisse as
alternncias de poder sem conchavos e acordos esprios. Foram criados o Banco Nacional de Habitao, o Programa de Ao Especial para o Desenvolvimento, o Banco Central, que nunca existiu no
Brasil, as estruturas para uma participao efetiva na comunidade financeira internacional, os fundamentos para uma reforma agrria justa, atravs do Estatuto da Terra, um programa permanente de
estabilizao econmica com um combate sistemtico inflao, a disseminao no psicossocial da
sociedade da necessidade de existir um sistema de poupana que alavancasse o processo de desenvolvimento e crescimento do PIB e, finalmente, o Fundo de Garantia de Tempo de Servio, lacuna h
muito existente na legislao trabalhista.
O desenvolvimento tecnolgico permitiu que fossem estabelecidas novas matrizes de energia,
transporte e telecomunicaes.
Em 1964, nenhuma capital brasileira conseguia comunicao em telefonia com os eixos de
deciso no Rio, So Paulo ou Braslia. Foi realizado um esforo extraordinrio para inserir o Brasil no

contexto de naes com maior grau de prosperidade, via pesquisa e desenvolvimento e cincia e
tecnologia.
No campo institucional, foi promulgada a Constituio de 1967, um excelente trabalho de nvel
poltico e jurdico que se mostraria muito superior, em seu conjunto, Constituio elaborada, mais
tarde, em 1988.
Castello cometeu um grave erro ao limitar o seu prprio mandato a um perodo de apenas 3 anos.
Tivesse um pouco mais de tempo para concluir seu governo cinco ou seis anos e feita a transferncia de Poder classe poltica, a histria brasileira teria sido bem diferente nos ltimos trinta anos.
A permanncia dos militares no Poder foi longa demais e as condies que existiram em 1985
estavam bem mais degradadas que aquelas que, provavelmente, estariam presentes ao final da dcada
de sessenta.
Apesar de tudo, o Brasil ao final de 1973, crescia a 14% ao ano, tinha uma inflao de 1% ao
ms, uma dvida externa bruta de US$ 12 bilhes e reservas de US$ 6 bilhes, estando com seu PIB
entre os oito maiores do planeta. Os indicadores sociais, nem de longe, se aproximavam dos ndices,
hoje existentes, onde a misria e o desemprego geram a violncia, destroem os valores e matam as
esperanas de 60% de excludos da populao brasileira que no tm acesso educao, sade,
justia e segurana.
De 1974 a 1984 o Pas enfrentou cenrios adversos como os dois choques de petrleo e a subida
do nvel de juros internacionais onde as taxas da Libor e da Prime-rate chegaram a 20% ao ano,
tornando crtica a administrao da dvida externa brasileira com dficits acentuados em suas transaes correntes.
Essas dificuldades no impediram uma abertura gradual e positiva no campo institucional, quando
foram estabelecidas as bases de uma anistia ampla geral e irrestrita que culminou com a transferncia
do Poder classe poltica em maro de 1985.
A partir da, estabeleceu-se um sentimento de antagonismo, intolerncia, preconceito e
revanchismo, constantes, entre a classe poltica e o estamento militar, o que no foi alterado at os dias
atuais. O comportamento da mdia s fez acelerar esses sentimentos que no enobrecem e no constroem a sociedade que todos gostaramos de participar.
A Constituio de 1988 perdeu uma oportunidade magnfica de reverter esse quadro, porm,
demonstrou que era difcil de assimilar os princpios que regeram a anistia. uma Constituio onde
prevalecem os direitos e escasseiam os deveres, que enfraquece a Unio e permite a criao de Estados
e municpios que no tm a menor condio de se auto-sustentarem, vivendo de doaes e participaes de uma tributao anrquica onde cerca de sessenta encargos e tributos tornam o Pas
inadministrvel, a sonegao elevada e os oramentos meras obras de fico autorizadas.
No fora esse o quadro verdadeiro em que vive o Pas, no estaria o Governo Federal empenhado em obter a Reforma do Estado a nvel patrimonial, administrativo, previdencirio, fiscal e tributrio.
A Constituio de 1988 transformou os militares em servidores da Unio, esquecendo-se que
pertencem s instituies nacionais permanentes, Marinha, Exrcito e Aeronutica e que o perfil da
profisso militar a defesa da Ptria, tendo por isso peculiaridades inigualveis com outras categorias.
Nenhuma Constituio brasileira anterior, desde a de 1891, passando pelas de 1934, 1937, 1946
e 1967, deixou de considerar os militares com uma destinao constitucional especfica. Dez anos
foram necessrios para que a emenda constitucional no 18 de 1998 corrigisse essa aberrao existente
na Constituio de 1988, embora no fossem alterados os conceitos distorcidos de militares nos
estados federativos e no Distrito Federal.
Esse no foi um caso isolado, pois deste 1985, quando o Poder civil assumiu os destinos do Pas,

o estamento militar perdeu prestgio poltico, viu sua participao no oramento da Unio diminuir,
ano aps ano, e seus vencimentos foram duramente atingidos, representando, hoje, a metade daquilo
que lhe era devido em 1990. Essa no foi uma medida de carter geral, pois outras categorias dos
quadros da Unio foram privilegiadas, ou beneficiadas como o Corpo Diplomtico, a Receita Federal,
a Secretaria de Assuntos Estratgicos, a Polcia Federal, os Setores de Planejamento, Oramento e
Finanas e Cargos de Chefia e Assessoramento Superior em todos os Ministrios. Essa situao, tambm, beneficiou os integrantes dos Poderes Legislativo e Judicirio. Estabeleceu-se uma anarquia
salarial no Pas, justificada pela necessidade de premiarem-se setores estratgicos onde, evidentemente, os militares no se enquadravam, numa tica absurda, que mantinha os mesmos antagonismos,
preconceitos e revanchismos do passado recente.
Nestes ltimos treze anos, nenhuma concepo poltica e nenhum conceito estratgico nacionais
foram elaborados, visando segurana, includa aqui a defesa da Nao Brasileira. A poltica de
Defesa Nacional, recentemente divulgada, tmida, incompleta e no consegue enxergar possibilidades de conflitos no mundo ps-bipolar onde a ascenso solitria e hegemnica dos Estados Unidos
trouxe-nos a globalizao que est transformando, profundamente, as relaes internacionais.
Estamos falando aqui das transformaes do trade, das finanas, do emprego, das migraes e
da tecnologia, emoldurando o conceito de um Estado Virtual que, ao invs de acumular terra, capital e
trabalho, preocupa-se com a estratgia e investe na qualificao de seus integrantes, visando competio internacional. A globalizao diminui, dessa forma, o poder dos Estados-Nao e a segurana e
o governo esto progressivamente, subordinados a decises que ultrapassam as fronteiras de cada pas
particular.
Entretanto, as prioridades nacionais continuam subordinadas ao jogo poltico das ambies partidrias. Quando o perfil da sociedade brasileira apresenta 8% em sua elite, 2% de emergentes, 14% de
remediados, 13% de decadentes e 63% de excludos, o Governo hipoteca a reforma do Estado, visando sua reeleio, norma que nunca existiu na tradio institucional brasileira. Essa reforma, se votada
corretamente, permitiria o equilbrio fiscal e a reorganizao das contas pblicas, hoje estraalhadas
sob o peso de um dficit gigantesco onde as dvidas interna e externa atingem a valores nunca antes
alcanados.
Enquanto isso, o Ministrio da Defesa arquitetado de forma aodada, visando a afastar, ainda
mais, a pouca ou nenhuma influncia que os Ministrios Militares, eventualmente, possam reter na
soluo dos problemas nacionais. Novamente, o preconceito, o antagonismo e o revanchismo se fazem presentes, distorcendo a viso de uma medida que em nada contribuiu para o aprimoramento das
Foras Armadas em nenhum pas latino-americano.
A Amrica do Sul continua plena de contenciosos onde os mais importantes situam-se entre a
Venezuela e a Guiana pela posse da bacia do Essequibo; entre a Venezuela e a Colmbia pelo litgio do
Golfo da Venezuela; entre o Peru e o Equador pela questo da Serra do Condor; entre o Chile, Peru e
Bolvia pela guerra do Pacfico quando a Bolvia perdeu a sua sada para o mar e o Peru os territrios
que, hoje, esto na regio norte chilena; entre a Bolvia e o Paraguai, onde ainda existem resduos
gerados pela guerra do Chaco; entre o Chile e a Argentina pelo canal de Beagle; e, entre a Argentina e
a Inglaterra, pela posse definitiva das Malvinas.
O Brasil no tem um contencioso definido nem problemas de fronteiras, porm, continua a
apresentar problemas nas fronteiras. A regio Amaznica, com seu imenso arco setentrional desde
Tabatinga at o Amap, apresenta uma vulnerabilidade aprecivel s questes do narcotrfico, guerrilhas ideolgicas e contrabando de armas que se desdobram a partir dos pases vizinhos para o territrio
brasileiro.
Outras questes como a demarcao de terras indgenas, preservao ambiental, biodiversidade,
provncias minerais extremamente nobres, elevada reserva de gua doce e grande potencial energtico
determinam uma preocupao constante com o territrio amaznico, onde os Sistemas de Proteo e

Vigilncia, em implementao, tm vcios na origem de suas concepes, j que a satelitizao desses


sistemas deixou de ser monoplio nacional pela privatizao da Embratel e os vetores avanados de
sensoreamento no tm uma interao adequada com as plataformas onde sero instalados.
Os militares sentem, hoje, o resultado de uma poltica iniciada h treze anos, onde a participao
decrescente nos oramentos fiscais da Unio e a degradao crescente de seus proventos e vencimentos, procuram turbar o caminho da modernizao e do profissionalismo que sempre souberam perseguir.
A histria da Nao Brasileira confunde-se, entretanto, com a histria de suas Foras Armadas,
que sabero ultrapassar todas as dificuldades e vicissitudes do presente, buscando mais uma vez,
como tantas fizeram no passado, assegurar a nossa independncia, soberania, liberdade e segurana.

REPENSANDO A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA COMO A


VEJO APS NOVE ANOS
Valbert Lisieux Medeiros de Figueiredo(*)
Nada h de permanente, exceto a mudana(Herclito, 450 a.C.)
Sim, repensando a Escola Superior de Guerra, em face da imperiosa necessidade deste trabalho,
a palavra de ordem devido s grandes mutaes do mundo atual. O momento este, quando se faz
nova estrutura para as Foras Armadas em funo da criao do Ministrio da Defesa e quando se
festejam suas Bodas de Ouro.
Criada pela preocupao com a Segurana Nacional, , inicialmente, dirigida por alguns daqueles remanescentes do Tenentismo, ainda cheios dos ideais renovadores de ento e inspirados por um
sentimento democrata, fortalecido pela participao do Brasil na Segunda Guerra Mundial, no poderia a Escola Superior de Guerra deixar de pensar em renovao e democracia. Surge, assim, a mais
antiga instituio governamental de Estudos Estratgicos, de idias, de pensamento livre, procurando
conhecer os interesses e aspiraes Nacionais com o intuito de buscar o Bem Estar Social para a
Nao.
com estes mais altos e nobres desgnios que vejo a nossa Escola e assim que ela tem se comportado neste cinqenta anos de vida.
Se, inicialmente, era prevista para estudar a Segurana Nacional, logo verificou ser impossvel
faz-lo sem o devido estudo do Desenvolvimento, to forte a dependncia dos dois temas. Cabe a
transcrio do Paginrio da Escola Superior de Guerra: Doutrina 1989 (ESCOLA SUPERIOR DE
GUERRA 2000):
A razo de ser Escola Superior de Guerra o estudo do Brasil, buscando conhec-lo melhor para
melhor serv-lo. A Segurana Nacional tema fundamental e o estudo do Desenvolvimento nele
inserida a Justia Social indispensvel pela interdependncia natural.
Nasce apoltica e apoliticamente se desenvolve. Idealizada para formao de elites militares, j,
em 20 de agosto de 1949, quando nasce, acolhe militares e civis e, desde ento, adogmaticamente
passa a fornecer elites gerenciais, to necessrias aos trabalhos nacionais e sociedade. So, desde
ento ...... esguianos, orgulhosos de sua origem, vibrantes e a servio da Ptria.
Seus estagirios, recrutados das diversas regies do Pas e possuidores das mais diferentes formaes, trazem ao seu corpo discente uma experincia multifacetada de efeitos surpreendentes, elaborando estudos preciosos para o entendimento da Nao. Os estudos do campo econmico visto por
mdicos militares, socilogos e outros etc, os do campo psicossocial visto por economistas, artistas,
juristas etc; os do campo militar por polticos, aturios, veterinrios, etc; os campo poltico por psiclogos, matemticos, gelogos etc do uma imagem real da Sociedade Brasileira e as verdadeiras aspiraes desta Sociedade.

Sua localizao privilegiada, merc do centro cultural, econmico e financeiro que o Rio de
Janeiro, facilita os trabalhos acadmicos de seus estagirios, ampliando seus conhecimentos
extracurriculares e o arrebanhamento de inteligncias para seu corpo docente, bem como de conferencistas habilitados. Suas ligaes com universidades permitiram o desejvel reconhecimento de extenso universitria, meta lgica h muito perseguida e agora alcanada.
Mas no s a Escola Superior de Guerra. No possvel falar-se da Escola sem ressaltar a
tambm importante Associao de seus Diplomados com suas ramificaes, a difundir ensinamentos
dela emanados. Divulgam a doutrina, estudam a conjuntura, conhecem o Brasil, e, o mais siginificativo,
preparam-se para cargos em mbito federal, estadual e municipal. So 27 Delegacias, 120 Representaes, que em seus cursos, anuais, buscam, orientados pelos ONP e ONA, os objetivos de governo nas
suas esferas de administrao. So 72.000 brasileiros assim engajados, aproximadamente.
necessrio que o Governo Federal veja a grande validade desta realidade esguiana e a grande
tribuna por ela formada, e lhes d, tanto Escola Superior de Guerra como Associao dos Diplomados
da Escola Superior de Guerra, o devido valor poltico, propiciando-lhes os meios adequados e necessrios s suas atuaes. O retorno, j enorme, s poder trazer mais resultados positivos.
Acredito que desnecessria, grande expectativa, a transferncia, na atual estrutura militar, da
subordinao direta da Escola Superior de Guerra, passando do Ministro para uma Secretaria, bem
como a passagem do cargo de Comando da Escola, antes de um Oficial General do ltimo posto, para,
agora, um Oficial General de posto imediatamente inferior. A orientao dos estudos da Escola Superior de Guerra deve ser pessoal do Ministro e o contato entre ambos o mais prximo possvel.
Mas nada h de permanente. As naes esto em constantes transformaes e suas relaes
tambm. Nosso mundo muda diariamente. As comunicaes instantneas trazem-nos a uma
globalizao das finanas, merc do sentimento de lucro dos grandes capitais. As economias organizam-se em mercados comuns, que tendem a se globalizar. A ecologia se transforma em interesse de
todos, para preservao deste nosso grande ecossistema , razo de nossa sobrevivncia; a conservao
dos mares torna-se de interesse mtuo das naes. A tecnologia dispara. A gentica faz clones e est
perto de curar doenas, e a renovao ser constante.
As guerras so vistas, por todos, em tempo real. Os conflitos deixam de ser feitos procura de
espao vital, pois a economia no mais respeita fronteiras. As disputas atuais situam-se nas esferas
tnica e religiosa. As ideologias polticas tendem a desaparecer, graas procura de um mesmo propsito: o Bem Comum.
Nada mais atual, pois, que a preocupao com a Segurana, diante as atuais ameaas soberania. Nada mais atual, pois, que a preocupao com o desenvolvimento diante dos atuais aperfeioamentos tecnolgicos. Nada mais atual, pois, que o tema Segurana e Desenvolvimento.
O tema atualizado, mas estaria a doutrina da Escola respeitando estes grandes impactos? Acredito que no e, se assim for, precisamos urgentemente de uma reviso doutrinria. Seus valores e
princpios provavelmente no necessitaro de atualizaes, pois podem ser considerados permanentes. Estaria, entretanto, acontecendo a mesma coisa com seus conceitos, mtodos, processos e tcnicas?
Aproveito este cinqentenrio de nossa Escola para fazer um apelo ao seu Corpo Permanente e
sua Junta Consultiva, no sentido de que, orientados pelos seus maiores, meditem sobre as transformaes necessrias. Das autoridades da nova estrutura militar esperamos que procurem sanar possveis
equvocos cometidos e dem o apoio adequado a este rgo que sempre foi e continuar a ser de
grande valia Nao.
(*)Almirante-de-Esquadra (Reformado)

KOSOVO, ALGO NOVO?


Luiz Sanctos Dring(*)
... o neoliberalismo uma teoria globalizante, e contribuiu muito diretamente para as foras
globalizantes .... Como defenso-res da nao tradicional, contudo, os neoliberais adotam uma teoria
realista das relaces internacionais - a sociedade global ainda uma sociedade de Estados-naes, e
num mundo de Estados-Naes o que conta o poder. A prontido para a guerra e a sustentao do
poderio militar so elementos necessrios aos Estados no sistema internacional.
(A Terceira Via, Anthony Giddens)
Os povos mais civilizados acham-se to prximos do barbarismo quanto o metal mais polido
da ferrugem.
(Palavras de Rivarol,citadas por John Lukacs,em O Fim do Sculo 20).
Muito tem-se escrito a respeito de Kosovo e, certamente, muito escerever-se- entre a data em
que conclumos este texto, 31 de maio de 1999, e a de sua publicao. Principalmente sobre a Organizao do Tratado do Atlntico Norte, OTAN, com opinies to divergentes quanto as de Elie Wiesel,
Prmio Nobel da Paz em 1986, e Noam Chomski, autor americano bastante conhecido, professor do
Massachussets Institute of Technology, MIT (Jornal do Brasil, 8 de maio e 25 de abril, respectivamente).
Depois da Guerra do Golfo, os conflitos internos da Iugoslvia vm caracterizando-se como
uma das maiores preocupaes, no cenrio internacional, de governos e cidados da Europa e dos
Estados Unidos da Amrica. H relativamente pouco tempo encerrada a crise da Bsnia-Herzegovina,
estoura a de Kosovo. O que no surpreendeu. Como afirmou Leo Serva, em sua obra A batalha de
Sarajevo (1994):
Habitada por uma maioria de 90% de albaneses, Kosovo sempre foi considerado barril de
plvora da Iugoslvia. Muitos analistas escreveram sobre o risco de uma guerra na Iugoslvia e
sempre o movimento autonomista da provncia era apontado como o estopim da fragmentao nacional. (p. 271).
Nos primeiros meses deste ano ocorreram fatos esperados - como o fracasso das negociaes de
Rambouillet - e outros inesperados, sobre os quais vale a pena perguntar: so coisas novas? Se afir-

mativa a resposta, o que mudar nas relaes internacionais, a partir destes fatos? So questes importantes e desafiadoras, que tentaremos discutir, sem a pretenso de respond-las.
Vale ressaltar que os dados sobre acontecimentos mais recentes, citados no texto, foram coletados
nos veculos da imprensa, posto que outras fontes de consulta ainda no se encontram disponveis.
Comecemos.
Algumas Previses.
Em 1988, nas pginas finais de A paz possvel?, que o Servio de Documentao da Marinha publicou no ano seguinte, fazamos uma avaliao prospectiva do cenrio internacional. Quando
as redigimos, ainda existia a Unio das Repblicas Socialistas Soviticas, URSS, embora estivesse
praticamente claro que se desmobilizava a sua atitude de conflito incondicional com o Ocidente, que
se expressava, ideologicamente, sob forma de dicotomia comunismo x capitalismo. Reproduzimos, a
seguir alguns trechos.
Todos aqueles que se dedicam a disciplinas que estudem a evoluo sabem que a
complexificao constitui a sua caracters-tica bsica. Ao longo da linha evolucionria, as solues
complexificam-se, passando a um estgio seguinte (p. 108).
O processo de complexificao reduziu os ncleos de poder mundiais a apenas dois. A partir
da, a palavra est com os EUA ou com a URSS. Estes so, em verdade, os atores principais. Qual a
concluso desta reduo de personagens? O processo levaria a uma nica potncia? (ps. 133 e 134).
Estamos, pois, diante de um par de modelos de complexificao. Um centralizado, que pode
cristalizar-se em torno de dois ou trs centros imperiais, estacionado ou tendendo para um nico. O
outro democrtico, evoluindo espontaneamente da experincia da ONU. Parece-nos que a importncia da Organizao est no seu papel de laboratrio e de espao psicolgico de onde nasa a vontade
poltica de atuar sobre a complexificao, pela via da democracia(p. 135).
No caminho da centralizao imperial, a paz global estar sub judice dos poucos ncleos de
poder, como acontece nestes tempos. Seria o percurso mais perigoso; todavia corre-se o risco de
tornar-se inevitvel. A outra via passa, necessariamente, pela experincia da ONU; o caminho do
consenso, em que cada Estado abrir mo de parte de sua soberania, em benefcio da convivncia
macrocomunitria. Em face da crescente interao entre os povos, que evolui em escala geomtrica,
no h como escapar deste pressuposto. Muitas regras comuns e arbitragens centralizadas. Mais
uma vez ,citamos o caso da Europa Ocidental, nos dias correntes.(p. 136).
Neste novo mundo, que pode vir a ser, ou no, de fato adorvel, as Foras Armadas exercero a funo disciplinadora (naturalmente, em caso de imprio, o poder militar imperial, com a
participao ou no das populaes dominadas, desempenhar papel coercitivo), no contra as
clulas integrantes, mas contra a ao marginal .... ( p.136).
Nas linhas que seguem, alm de buscarmos as novidades presentes no conflito de Kosovo,
procuraremos verificar como se inserem nestas previses alternativas. Antes, porm, talvez com alguma pretenso em face da complexidade do tema, procuremos avaliar ...
A Alma do Povo
Todo povo possui uma alma. Um arquivo de significativas experincias passadas (muitas vezes
arcaicas) e contemporneas, gratificantes ou frustradoras, gloriosas ou traumticas, especficas daquela gente; a par de certos costumes tradicionais e valores fundamentais, cultivados atravs do tempo.
Esta alma o predispe para sentimentos e reaes comuns, principalmente quando em comportamento coletivo. Naturalmente, nem todos os registros acumulados neste arquivo esto vivos na memria
da gerao presente; muitos acham-se infiltrados nos valores e costumes e alguns submersos no inconsciente coletivo. Quando o povo se identifica como nao, nos permitiramos usar as expresses
conscincia nacional e inconsciente nacional, para classificar estes contedos que os indivduos em

princpio levam consigo, alm de suas experincias pessoais.


O conhecimento desta alma pe-se como fundamental, quando se pretende empreender qualquer ao de grande magnitude, pacfica ou blica, tendo um povo como alvo. Tambm e principalmente, quando se vai desenvolver o controle de crise ou tomar decises estratgicas, mxime as do
nvel da Grande Estratgia. Os Estados-Maiores e Gabinetes que estudam as macrodecises no podem prescindir de equipes especializadas nos estudos das almas nacionais , inclusive de seu prprio
povo. Os comportamentos de uma nao podem ser previstos com razovel grau de probabilidade,
naturalmente em determinada conjuntura. O negligenciar a anlise destes aspectos pode contribuir
para insucessos, como o do Iraque, quando invadiu o Kwait, e o da Argentina, ao tomar as Malvinas.
Focalizemos alguns aspectos da alma dos principais atores envolvidos na crise de Kossovo, sem
a pretenso de classific-la como avaliao adequada, posto que isto compete a especialistas que
possuam conhecimento profundo da matria e da histria de tais segmentos da Humanidade.
Os Estados Unidos. Quando, em 1989, aventamos a hiptese de uma s superpotncia, naturalmente a nao norte-americana colocava-se como a mais - talvez a nica - provvel. Em que pese o
papel de superpotncia exclusiva supor comportamentos semelhantes, de qualquer pas que alcance
tal status, muitas decises e aes dependero de suas caractersticas especficas. Vejamos os que se
relacionam com o tema do presente texto.
As guerras no constituem fatos raros para o povo norte-americano e para as colnias que o
originaram. Focalizemos apenas o perodo que se iniciou quando o prenncio de um novo pas se fazia
evidente. Comearamos com a participao das colnias na Guerra dos 7 Anos, que confrontou Inglaterra e Frana, encerrada em 1763. A seguir, a Guerra da Independncia, contra a Inglaterra, cujo
tratado de paz foi assinado em 1783. Nova guerra contra a Inglaterra, entre 1812 e 1814. A guerra
contra o Mxico, entre 1846 e 1848, de que resultou a posse de rea que vai da Califrnia ao Texas.
Guerra da Secesso, interna, entre 1861 e 1865, em que morreram mais de 600 mil pessoas. Guerra
contra a Espanha, para expanso do domnio ao Pacfico e Caribe, na qual ocorreu, em 1898, a conquista de Porto Rico, Filipinas, Guam e a independncia de Cuba, logo a seguir colocada sob tutela.
No mesmo ano deu-se a posse do Hava No nosso Sculo, as Primeira e Segunda Guerras Mundiais, na
ltima com atuao decisiva, a Guerra da Coria, do Vietn e a Guerra do Golfo. Sem esquecermos os
conflitos contnuos, que se estenderam por dcadas, com as tribos indgenas, principalmente na migrao para oeste, em que expressiva parte da populao originria daquela faixa do Continente Americano desapareceu.
O impulso para o domnio tambm est presente em alguns momentos da histria da nao
norte-americana. A partir do instante em que consolidou a sua unidade interna, instalou-se o desejo de
de poder sobre reas externas; a guerra hispano-americana, acima citada, representa um exemplo. A
partir de meados do Sculo XIX, o Governo dos Estados Unidos atribuiu-se o direito de intervir em
qualquer ponto do Continente. desta fase a poltica do big stick (grande cajado ou porrete), de
Theodore Roosevelt, que assumiu a presidncia dos Estados Unidos em 1901. A tnica desta poltica
seria a imposio, pela fora, da vontade norte-americana aos pases regionais, de menor poder nacional, quando julgassem necessrio. Nos primeiros trinta anos do Sculo XX, ocorreram intervenes
em Cuba, Panam, Repblica Dominicana, Haiti, Nicargua e Mxico, em alguns mais de uma vez.
Em sua mensagem ao Congresso Nacional, em 1904, o Presidente citado afirmava que o pas exerceria
poder de polcia internacional , inclusive em situaes de instabilidade poltica. No final de abril,
Tony Blair, Primeiro Ministro da Gr-Bretanha, enfatizou a importncia de os Estados Unidos assumirem por inteiro o papel de polcia do mundo (Jornal do Brasil, 24/5/1999). No ser demais transcrevermos dois trechos significativos:
Falai suave, mas tende sempre mo um porrete (big stick) e assim ireis longe.
Esta fora falar baixinho, ser amistosa com todos, mas ter dentes muito afiados, alm de
muito grandes, para o caso de encontrar oposio ao cumprimento de seu mandato ou ameaas a

seus integrantes.
O primeiro trecho, os prezados leitores perceberam, de Theodore Roosevelt, citado por Marcos Kaplan, no Dicionrio de Cincia Sociais. O segundo de James Shea, porta voz da OTAN, referindo-se fora de paz de cinqenta mil homens, destinada a atuar em Kosovo (Jornal do Brasil 26/5/99).
Nota-se o mesmo tom autoritrio nos dois discursos. Vis da alma nacional?
A participao dos EUA, pois, com papel predominante, na deciso e nas operaes de bombardeios estratgicos Iugoslvia, no acontecimento novo na sua Histria. Nem o papel de polcia
internacional, que vem execendo aps o seu acesso ao status de superpotncia nica; isto e o fato de
faz-lo atravs da OTAN e no da ONU remetem-nos ao que previmos em A paz possvel? O papel
coercitivo do poder militar imperial, trecho que citamos em pgina anterior.
difcil uma superpotncia nica resistir tentao de tornar-se imperial.
Gr-Bretanha. Outro pas para o qual os conflitos blicos constituem fatos corriqueiros. Os
povos que, desde a antiguidade, sucessivamente instalaram-se na grande ilha participaram de inmeras guerras, entre si e contra invasores. Nos sculos mais recentes, quando a nao se tornou potncia
martima, praticamente dominando os mares e muitas terras fora da Europa, a ao militar unilateral
ou em confrontos, constituiu o instrumento de respaldo do domnio poltico e econmico, no Continente Americano, na sia, na frica e na Oceania. No Sculo XIX destacaramos as guerras contra a
Frana de Napoleo, a da Crimia e a Guerra dos Boers, na frica do Sul, alm dos conflitos com os
irlandeses, conseqncia da anexao da Irlanda, em 1800. No Sculo XX, as duas Guerras Mundiais,
a invaso do Egito, com a Frana e Israel, como represlia nacionalizao do canal do Suez, em
1956, a Guerra das Malvinas/Falklands, em 1982, e a Guerra do Golfo.
Durante muito tempo, nos ltimos trezentos anos, a Gr-Bretanha, semelhana dos EUA mais
recentemente, pretendeu impor sua vontade ao mundo. A ttulo de exemplo, no Sculo passado, no
por humanitarismo - o que seria louvvel - mas porque no mais lhe servia e interessava, imps aos
novos pases das Amricas a proibio do trfico de escravos, atuando manus militari, no Atlntico,
para fazer cumprir o seu desiderato. Neste sculo, o posicionamento de navios de guerra, com de
outras naces, no interior de baa brasileira , durante a Revolta da Armada, como narra Jos Maria
Bello (Histria da Repblica, ps. 122 e 123):
A revolta da Marinha no teria, pois, causado grande impresso s Potncias europias e aos
Estados Unidos. Preocupava-as apenas a proteo de seus interesses comerciais no longnquo pas
tropical........... as foras navais europias e norte-americanas, estacionadas na baa de Guanabara,
arrogam-se uma espcie de atitude de juzes da luta, determinando-lhe condies, impondo-lhe limites que, sob pretexto de humanidade, serviam, sobretudo, para proteger o livre comrcio estrangeiro.
Sabemos que a imposio de vontade constitui prtica habitual dos que detm poder, indivduos
ou coletividades, todavia tende a criar o hbito, que costuma permanecer quando o poder caiu de nvel
mas ainda se dispe da capacidade de influncia sobre um irmo forte. Percebe-se tal atitude em
Margaret Thatcher, quando h poucas semanas, props Gr-Bretanha pressionar os Estados Unidos
a fim de endurecer-lhe a espinha.
Quando Tony Blair, recentemente, assume uma das posies mais radicais, sugerindo o endurecimento e aprofundamento das aes militares contra a Iugoslvia - ele que ao incio da carreira poltica se postava como um pacifista a favor do desarmamento nuclear, contrrio a reao militar do seu
pas tomada das Falklands pelos argentinos - no ser isto o resultado da constelao da alma
nacional britnica, nos seus aspectos guerreiro e de imposio de vontade? Ou para atender manifestao desta alma na vontade coletiva? Uma das pesquisas de opinio mais recentes mostrou que ocorre na Gr-Bretanha maior ndice de aprovao s aes punitivas sobre a Iugoslvia do que na Frana,
na Itlia e na Alemanha.

Os srvios. Povo antigo, com mais de mil anos de existncia. Acostumado dominao por
outros povos, principalmente os turcos, sob cujo domnio permaneceu de 1389, quando derrotado na
Batalha de Kosovo, at 1878, resistindo e preservando, apesar do longo perodo, a sua identidade
nacional. Neste sculo, dois srvios atuaram como causa imediata da deflagrao da Primeira Guerra
Mundial; em atentados contra o Arquiduque Francisco Ferdinando e sua esposa Sofia, em Sarajevo,
Bsnia-Herzegovina, ento integrada ustria, em 28 de junho de 1914. O primeiro atentado, o lanamento de uma granada contra o comboio que conduzia o Arquiduque, atingindo outro carro que no
o seu; o segundo, pouco depois, quando Gavrilo Princip atirou duas vezes, um projtil atingindo o
Arquiduque e outro a sua esposa, morrendo ambos. Os dois terroristaseram membros do movimento secreto srvio Mo Negra. Iniciado o conflito blico, a ustria invadiu a Srvia, que apesar do
menor poder militar, resistia com elevado moral e vontade de combater. Em determinado momento:
A Srvia estava praticamente desprovida de reservas de munio, mas nem isso abatia a coragem de seus homens. No dia seguinte, 3 de dezembro, os srvios atiraram-se aos austracos como
verdadeiros suicidas (grifo nosso) e conseguiram desmantelar as suas linhas.
Transcrevemos este trecho de David Shermer (Guerras do Sculo 20, p.43) por consider-lo til
a uma avaliao da alma nacional srvia. Como oportunamente lembrou o autor citado, num dia 28 de
junho ocorrera a Batalha de Kosovo.
No incio da Segunda Grande Guerra, como populao majoritria da Iugoslvia,os srvios reagiram invaso da Alemanha e da Itlia, bem como da Bulgria e da Hungria, atravs de dois movimentos de resistncia, o dos chetniks, sob o comando de Drazha Mihailovic, e o dos partisans, comunista, comandado por Josip Broz Tito. Todas aquelas experincias de dominados e de resistncia, por
mais de um milnio, criaram um forte sentimento nacionalista e, provavelmente, cultura de aceitao
conformada dos nus e adversidades das guerras, conformismo que ora se revela na populao de
reas bombardeadas.
John Lukacs, na obra que citamos acima, expe a seguinte afirmativa: Um ingrediente bsico
do nacionalismo a xenofobia, a antipatia e o medo (grifo nosso) dos estrangeiros (1993, p. 196). Em
A paz possvel? (p.109) colocramos conceito semelhante: Por sofrerem diretamente as agresses externas ou verem a experincia de outrem, as culturas e civilizaes, que conhecemos, atravs
dos tempos,encaravam a aproximao de outras naes com temor. Antes mostramos o carter
arquetpico deste sentimento. Para os srvios, pode-se perceber, os albaneses no perderam a imagem
de estrangeiros, apesar de comporem a Repblica; talvez pela religio mulumana da grande maioria, herdada dos otomanos, o que os associaria, inconscientemente, com os dominadores turcos. O
medo, com certeza, no totalmente objetivo; a par do temor do aumento da populao albanesa - e do
conseqente crescimento do seu poder e da ocupao crescente do territrio iugoslavo - existe um
temor inconsciente, aquele que acompanha o homem, desde os tempos mais remotos, diante de algum que no pertena a seu grupo ou tribo.
Caberia destacar o ponto de vista de Susan Sontag, escritora norte-americana:
A guerra uma cultura, o belicismo uma droga, a derrota - aos olhos de uma comunidade que
se imagina eterna vtima da histria - pode revelar-se to embriagadora quanto a vitria. (Jornal do
Brasil, 26/4/99).
A nosso ver, os trs atores, focalizados no presente tpico, e mais discretamente outros Membros da OTAN, aparecem, total ou parcialmente, neste pensamento.
Por tudo isto, dever-se-ia antever que os srvios no capitulariam sem muita resistncia.
Motivos e Motivaes
Naturalmente seria possvel listar uma srie de motivos e motivaes para a ao da OTAN.
Focalizaremos apenas alguns, os que afloraram nos noticirios, expressos em declaraes dos principais personagens do atual drama balcnico, ou que, no declarados, no nosso entender so percepitveis.

Os Blcs marcaram a Idade Antiga. Principalmente pela civilizao Grega. Seus filsofos Parmnides, Scrates, Plato, Aristteles, Epicuro - dramaturgos - squilo, Eurpides, Sfocles comedigrafo - Aristfanes - matemticos - Hipcrates de Quios, Euclides - cujos conhecimentos e
lies, at hoje empregamos; sem esquecermos Hipcrates, mdico de quem algumas teorias permanecem vlidas e que embasa o juramento dos formados em Medicina, at os nossos dias. Tambm a
Macednia, que atingiu o apogeu histrico com Alexandre Magno, de quem Aristteles foi preceptor.
Porta de entrada para os Otomanos, em suas conquistas na Europa, de que destacamos a Batalha de
Kosovo, em 1389, a tomada da Bsnia-Herzegovina,em 1463,e Albnia,depois; e porta de sada, visto
que pelo mesmo corredor da Pennsula Balcnica, foram repelidos, reduzindo-se Turquia, no Sculo
XX. J ento ocorriam a Guerra nos Blcs, em1912 e 1913, e, a seguir, o assassinato do Arquiduque
Francisco Ferdinando, herdeiro do trono da ustria-Hungria, estopim da deflagrao da Primeira Guerra
Mundial. Aps a Segunda Grande Guerra, os Blcs serviram de colcho, amortecendo o embate entre
o Ocidente e a URSS; embora com muitos pases sob regime comunista, mas principalmente por causa
disto, permitiam uma transio entre o progresso da Europa Ocidental e o subdesenvolvimento social
e econmico do isolacionismo comunista russo. Ao mesmo tempo que aumentava a defesa em profundidade dos soviticos, contra aes da OTAN, garantia a esta um tempo maior para reao, diante de
avanos de contingentes expressivos de foras convencionais do opositor. Alm de apostar em dissidncias com Moscou, como a da Iugulvia de Tito e da Albnia, que poderia estender-se Hungria e
Tchecoslovquia, pelo renascimento dos anseios de independncia, manifestados em 1956 e 1968.
Os interesses estratgicos da Rssia naquela regio, somados s suas ligaes histricas com os povos
regionais, refletidas algumas vezes em apoio blico, a par da sua condio de acesso direto ao Oriente
Mdio, sia e frica, Europa Central, mantm a importncia estratgica desta rea, onde uma dissidncia ou foco de re-irradiao de um regime comunista no interessam ao Ocidente Setentrional,
mxime pelo fato de que, em virtude das dificuldades polticas, sociais e econmicas que prevalecem
na Rssia, ainda existem segmentos expressivos da elite e do povo russos saudosos do comunismo.
Outro aspecto que preocupa principalmente os europeus, contudo tambm os norte-americanos,
o dos refugiados. Por causa da dicotomia que se estabeleceu no mundo - de que na verdade eles
mesmo so alguns dos principais responsveis, desde os tempos do colonialismo at os nossos dias existe uma procura permanente dos pases mais ricos, por parte de muitos indivduos dos povos mais
pobres. As imigraes vm provocando problemas srios, inclussive radicalismos vicerais, entre os
nacionais e os imigrantes, muitas vezes culminando em violncia fsica, incluindo morte de pessoas e
ataques a comunidades. O mito do nazismo renasce das cinzas, na Alemanha, na Gr-Bretanha e nos
Estados Unidos. Parece que, dentre estes, os britnicos so bastante preocupados; em passado mais ou
menos recente, indianos, rabes, africanos, migraram para a ilha em razovel quantidade. As palavras
do Primeiro Ministro Tony Blair, veiculadas pela imprensa, retrata bem esta preocupao: Quando a
opresso produz fluxos macios de refugiados, que desestabilizam pases vizinhos, ela pode ser chamada de uma ameaa paz e segurana internacional (Jornal do Brasil, 24/5/99).
Certamente mais um aspecto que sensibiliza principalmente os europeus o manter a ordem
perto de casa. Acostumados a raciocinar em termos de Brasil, muitas vezes esquecemo-nos das pequenas dimenses da maioria dos pases europeus. A Iugoslvia, bombardeada pela OTAN h mais de
dois meses, apenas um pouco maior do que o Estado de Pernambuco. Em nmeros redondos (milhares) para simplificar, a rea daquele pas de 102.000 km2, ao passo que a do nosso estado de 98.000
km2. Para fins de raciocnio, citaremos alguns pases da regio, com sua rea, novamente em nmeros
redondos (e km2), comparando-os com estados brasileiros, com os quais estamos mais familiarizados:
Albnia, 28.000, e Eslovnia, 20.000 (Alagoas, 28.000); Sua, 41.000 (Rio de Janeiro, 44.000); Crocia
56.000, e Bsnia-Herzegovina, 51.000 (Paraba 57.000); Hungria, 93.000, e ustria, 84.000 (Santa
Catarina, 95.000). Na periferia destes pequenos pases que envolvem, diretamente ou no, o oeste e o
norte da Iugoslvia, j se encontram a Alemanha, a Frana, a Itlia. Uma guerra civil prolongada e a
continuao da fuga de albaneses podero provocar problemas sociais srios, na rea que cerca a
Iugoslvia, estendendo-se aos pases seguintes. Morar num bairro em que prevaleam a ordem e a

segurana o sonho de todo cidado.


Razes humanitrias constituem o motivo emblemtico para a interveno da OTAN contra a
expulso ou assassinato de albano-kosovares. Aquilo que se vem chamando de limpeza tnica no
expressa fato novo naquela regio e, at, em toda a Europa. Se mantivermos a expresso completa limpeza tnica - citaramos o extermnio de judeus, pelos alemes; e o dos srvios pelos italianos e
albaneses, na mesma poca, conforme detalha o Capito-de-Fragata(T) Mrcio Bonifcio Moraes (Crise
no Kosovo, Revista Martima Brasileira, v.118, n 7/9):
Com a ocupao italiana na Albnia, o Kosovo foi integrado Grande Albnia de Mussolini.
Os italianos incentivaram a expulso dos srvios da regio. Mais de 100 mil srvios e montenegrinos
foram expulsos do Kosovo e cerca de 10 mil foram mortos.
Se retirarmos o adjetivo e mantivermos apenas o substantivo -limpeza - poderemos chegar
Revoluo Francessa que limpou o pas com a guilhotina (de que o Rei no escapou), principalmente
na poca do Terror. Citando o historiador Antonio Luiz Porto e Albuquerque (Histria Geral do
Ocidente, p.208):
Os tribunais revolucionrios condenaram cerca de 20.000 pessoas em toda a Frana; outras
40.000 morreram em execues macias, verdadeiros massacres ...
Tambm Revoluo Russa, neste sculo, que se limpou inclusive da famlia do Czar; ao
regime comunista, na URSS, que nos anos dos expurgos limpou a Repblica; sem esquecermos o
paredon cubano, erguido por influncia de ideologia e modelo poltico europeus. No seria demais lembrar a limpeza realizada em uma aldeia do Vietn, por militares americanos. Lamentavelmente o dio um dos sentimentos mais comuns no Ser Humano, classificado por Mira y Lopes como um
dos quatro gigantes da alma. Se est na alma humana, pode estar na alma nacional, com possibilidade de ativar-se por causas, histricas ou contemporneas, reais ou imaginrias. Infelizmente. Os
valores culturais tm um papel fundamental no inibir da manifestao violenta do dio. Em regies
onde povos vivenciaram, como vtimas ou agentes, como dominados ou dominadores, permanentes
cenrios de guerras, invases, extermnio, violentao de mulheres, escravido de homens pela derrota em conflitos, e tantas outras violaes dos - em nossos dias conhecidos como - direitos humanos,
desde a mais remota antiguidade at meados deste sculo que vemos encerrar-se, os valores tolerncia, aceitao do estrangeiro, amor ao no-muito-prximo, para citar alguns, dificilmente conseguem
instalar-se nas reaes habituais da gente ( muito mais difcil ainda quando o estrangeiro vem disputar emprego, solo, espao e status sociais). Talvez por, j em sua poca, observar tais fatos - dio,
violncia , disputa por bens e poder - Cristo - Filho de Deus para os cristos, Profeta para os maometanos,
Sbio para muitos entre os demais - haja pregado a substituio da lei olho por olho, dente por dente
por se algum te bate na face direita, oferece-lhe a outra (Mt 5-38), e haja recomendado que se desse
o manto a quem pretendesse ir ao tribunal para tomar uma tnica (Mt 5-39). Encerra-se o segundo
milnio sem que os povos que viveram nas terras prximas ao Monte Calvrio, o Ocidente Cristo do
Velho Continente, tenham alterado substancialmente a sua alma, no que concerne soluo de conflitos.
Vale, por fim, observar que as gentes dos pases que se julgam e declaram mais desenvolvidos
tendem a contaminar-se pelo arqutipo do Salvador, existente no inconsciente coletivo da Civilizao Ocidental. So suscetveis a considerarem sua misso salvar o mundo, o que se nota em suas
colocaes em pesquisas de opinio, entrevistas, reportagens, debates, etc. Muitos cristos do Hemisfrio Norte radicalizaram-se nesta misso, em vrios momentos da Histria, como atualmente ocorre
com alguns movimentos estruturados e Organizaes No-Governamentais. Este sentimento de salvadores est presente em lderes e pblico dos pases de atuao mais expressiva nas decises e
aes contra a Iugoslvia.
Nova Ordem ou Novas Ordens?
No podemos, realmente, dizer que ocorre uma guerra. As aeronaves da OTAN operam com

risco baixssimo. Trata-se de aes que visam a quebrar a espinha dos srvios, enquanto Margaret
Thatcher tenta endurecer a dos americanos, conforme transcrevemos antes. Como se esbordoassem a
coluna do srvio com um porrete. Seria vlido atribuir-lhes o nome de Operao Big Stick. Destinadas
a destruir alvos estratgicos, acabaram por atingir comboios de albano-kosovares em fuga, embaixada, hospital, presdio, asilo, residncias, matando muito mais civis do que militares; uma das causas a
suposta desatualizao dos servios de inteligncia, que suprem a Organizao com informaes sobre os alvos. As disparidades entre os poderes militares em confronto e os brutais gaps, tecnolgico e
econmico, fazem com que a capacidade de reao iugoslava seja reduzidssima, restando-lhe apenas
o poder da vontade de no capitular.
A experincia, que neste momento vive a Europa, apresenta duas faces.
A primeira, um teste sobre a linha de ao a adotar para solucionar problemas como o que ora
ocorre na Iugoslvia. Com mais de dois meses de bombardeios areos, com destruio de recursos de
infra-estrutura importantes, somente agora vislumbra-se a possibilidade de um acordo que resolva a
questo; em contrapartida, desde o princpio das aes areas, aumentaram consideravelmente os atos
de violncia dos srvios contra os albano-kosovares. Se o propsito da interveno da OTAN era
proteger este segmento minoritrio da populao iugoslava (majoritrio em Kosovo), o efeito foi o
inverso. Se mais amplo o propsito, o de proteger o Ser Humano, em geral, pior o efeito, pois alm do
aumento do sacrifcio da minoria de origem albanesa, morreram muitos srvios. E mais: a fuga em
massa de kosovares, para os pases vizinhos, como j focalizamos pode provocar ali novas instabilidades, at reaes coletivas aos invasores, gerando dios e motivaes para limpezas. Para isto, basta
que surja escassez de produtos de consumo, de espao, de servios de sade, de segurana, provocados pelo crescimento intempestivo da populao em certas reas. Cenrio que pode agravar-se com o
passo seguinte, suposto mas no confirmado, a invaso de Iugoslvia, para o que se requer fora de
150.000 homens, segundo alguns analistas, dos quais 50.000 j autorizados pelo Conselho Superior da
OTAN. Nesta etapa seguinte, se for desencadeada, quantas baixas ocorrero no nas tropas de ambos
os lados, o que da profisso militar, mas de civis? Que traumas e mguas, geradoras de dio, resultaro desta guerra que se iniciou no final de maro e que, para muitos observadores, ainda no exibe
um horizonte definitivo? Se houvessem levantado as sanes econmicas, vigentes desde 1992, teria
diminudo o dio srvio? Quando existe emprego e renda distribuda para todos, sobra pouco espao
para os radicalismos. No custa lembrar que Kosovo para os srvios algo semelhante ao que Jerusalm para os judeus e Meca para os rabes, uma regio-smbolo, segundo expresso comum o bero
da nao, o que no ocorria com a Bsnia-Herzegovina onde - talvez por isto - os srvios cederam
mais rapidamente (ou, tambm, resistem mais agora porque a perda de territrio atingiu o limite da
tolerncia)? Fica como lio a necessidade de melhor avaliar as alternativas de ao; por exemplo
perguntar: considerando o nvel de violaes de direitos humanos produzido num pas durante algum
tempo, em quantos dias ou semanas se atingiria o mesmo nvel, quando se aceleram as violaes em
decorrncia da interveno punitiva? Se a diferena se antevisse expressiva, no pareceria melhor
investir em planos de ajuda econmica (como vimos, a Iugoslvia encontrava-se sob sanes econmicas desda os primeiros anos da dcada) e de cooptao das lideranas polticas no poder? Manteria
a Rssia a atual postura de paz e tolerncia com as aes do Ocidente, se no estivesse recebendo
razovel apoio poltico e econmico dos sistemas dos antigos inimigos potenciais? Naturalmente esta
seria uma das inmeras hipteses pacficas em que se poderia pensar, em busca de soluo eficaz para
tais tipos de problema. A mostrar-se inevitvel a ao militar, no se recomendaria a atuao conjunta
de meios areos e terrestres? Envolvidos no engajamento com tropas da OTAN, com certeza apoiadas
pelo Exrcito de Libertao de Kosovo, poderiam os contingentes militares e paramilitares srvios
gerar a mesma quantidade de violncia, desviando-se da tarefa principal de conter e repelir a invaso?
O emprego da aviao diretamente contra as foras terrestres srvias, expostas nas aes tticas, no
seria mais tico do que bombardear populaes civis e alvos errados? Naturalmente, isto implicaria
expor os soldados da OTAN a baixas, o que a opinio pblica dos pases membros da Organizao
muito provavelmente no apoiaria; principalmente a norte-americana, que guarda tristes lembranas

da guerra do Vietn. Na verdade, se os recursos tecnolgicos disponveis e a qualidade das informaes houvessem logrado xito na destruio seletiva de alvos, estaramos voltando ao estilo de guerra
principalmente militar, que se encerrou no final do Sculo XIX, quando as potncias de ento resolveram partir para a guerra generalizada, que prevaleceu neste sculo que ora termina, na qual a populao civil no poupada e muitas vezes, ao contrrio, representa o alvo principal. A Segunda Grande
Guerra constitui o maior exemplo desta prtica, quando reas enormes de grandes cidades foram
arrasadas.
A outra face da experincia, que no momento vive a Europa, vem sendo muito comentada,
porm pela sua importncia no podemos deixar de focaliz-la, apesar do risco de cairmos na monotonia do dj vu: o emprego das foras da OTAN, ao arrepio de sua destinao original, a defesa dos
pases membros contra agresses externas; ignorando a existncia da Organizao as Naes Unidas,
qual caberia, no caso, decidir sobre uma interveno militar. Como j amplamente comentado, o
expediente utilizado pelos governos dos pases que compem a Organizao do Tratado do Atlntico
Norte pretendeu evitar o poder de veto de Membros do Conselho de Segurana da ONU, que no
concordariam com a interveno, principalmente a Rssia. Houve uma clara violao das normas
internacionais contemporneas. No satisfeitos com este artifcio, favorecidos pela atmosfera inicial
de repdio aos crimes srvios, que naturalmente induziu uma aprovao virtual dos ataques areos
Iugoslvia, foi adotado e divulgado o novo Conceito Estratgico da Organizao. A partir daquele
momento, a OTAN dispe de liberdade para atuar em situaes que afrontam o direito de soberania
dos pases, em princpio com a concordncia da Organizao das Naes Unidas; mas no necessariamente, desde que assim resolvido por seus Membros, alguns dispondo de poder militar entre os
maiores existentes, como os dos EUA, Gr-Bretanha, Frana, Itlia, Espanha. Tal evoluo vem causando polmica na prpria Europa, refletida na imprensa; principalmente pela influncia dos EUA
dentro da Organizao. Questionam-se: qual o limite? Perguntamos: vislumbram uma evoluo que
levar ao estgio de Washington locuta, causa finita? A contraposio dos opostos constitui um fator
fundamental para o equilbrio, no Universo. As civilizaes antigas tinham esta viso, principalmente
as orientais, quando consideravam o comportamento humano. Escolas de Psicologia modernas no o
ignoram. No havendo o opositor comparvel, elimina-se a possibilidade da paz pelo impasse de
poderes, o equilbrio . Este final de sculo frustrou a expectativa dos otimistas, revelando-lhes o
quanto ainda somos animais irracionais: os povos de pases que se auto-intitulam de Primeiro Mundo continuam utilizando-se do sabre e da lana como forma banal de diplomacia e negociao. Os
realistas preferem manter a viso da sabedoria multimilenar e aceitarem que, com freqncia, a paz
ainda depende da contraposio dos opostos. Foi este entendimento dos realistas que evitou a Terceira
- e nuclear - Guerra Mundial.No existe portanto uma nova ordem (cultura, prticas) e sim uma
nova ordenao (hierarquia) mundial. Disto decorre que nenhum pas pode negligenciar a adequao do seu Poder Nacional, mxime a Expresso Militar, ao cenrio internacional. A velha ordem.
Pelo menos enquanto as potncias mundiais se constiturem de povos cujo aspecto guerreiro se acha
profundamente arraigado na alma nacional. Sem o que, insistimos, cairemos na parfrase atual do
aforisma duas vezes milenar: Boss locuta, causa finita.Caber aos sditos, cada manh, perguntar
metrpole imperial: quais so as novas ordens?
Concluso
A complexificao - para empregarmos a palavra usada por Teilhard de Chardin - prossegue,
no temos dvida. A globalizao representativa deste processo, embora carregada de pesado
darwinismo, no caso a prevelncia dos mais fortesque no so, necessariamente, os mais aptos;
a Natureza tambm comete erros, que levam a inadaptaes definitivas. Os dinosauros constituem um
exemplo. Se no houver cuidado, a globalizao crescer descontroladamente, parecer forte, porm
se auto-destruir. A complexificao, por outro lado, precisa ser natural, espontnea. Como ensina o
Eclesiastes, para tudo h um tempo prprio. semelhana da tentativa da Unio Sovitica de unir
frutos ainda no maduros, Josip Broz Tito persistiu numa unificao de atores que ainda no estavam
prontos para atuar no mesmo palco. Ao forar a unio, potencializou conflitos que , em contrapartida,

retardaro a possibilidade de os povos envolvidos aceitarem-se em convivncia pacfica. O mal, que


se apresenta como bem, cedo deixa cair a mscara. Tudo isto no representa fato novo.
O mundo evoluiu no sentido de uma s potncia. A Histria da Humanidade nos conta que tal
soluo no duradoura, porque no distribui, equitativamente, as possibilidades existenciais. Todos
os imprios esgotaram-se. No ser diferente na poca dos supers - super-homem, superstar, superego,
superpotncia - que refletem inflaes psicolgicas, manifestaes finais, senis, do iluminismo e
racionalismo, quando o Homem substituiu os deuses. Deus est morto, anunciou Nietsche, no final
do Sculo XIX. Cem anos depois, os deuses ressuscitaram; esto vivos com toda a fora e energia.
Que venham tambm com sabedoria. A opo - deciso de poucos - de intervir na Iugoslvia atravs
da OTAN mostra-nos que ainda vivemos em tempos de cultura imperial. Nada novo; ao contrrio,
matusalnico (Matusalm morreu com mais de 900 anos).
A complexificao precisa, necessariamente, seguir o caminho democrtico e o modelo exeqvel,
no estgio em que vivemos, a Organizao das Naes Unidas; embora ainda imperfeito, posto que,
para ser realmente democrtico, todos os Membros do Conselho de Segurana deveriam ser eleitos, ou
substitudos segundo critrio rotativo, periodicamente, e nenhum Membro teria o poder de veto, prevalecendo a maioria. Utopia? Ao agir ao arrepio da existncia e atribuies da ONU, aquilo que a
mdia e muitos analistas colocaram como fato novo chamaramos no de fato velho, mas de fato
retrgado, j que retornamos a uma fase que a Liga das Naes, entre as duas Grandes Guerras,
pretendeu iniciar uma caminhada, no sentido de superar.
No que concerne ao aperfeioamento humano, continuamos presas dos mesmos fatores psicolgicos que discutimos em A paz possvel?. Trazemos dentro de ns o que ramos h onze mil anos,
quando se iniciou a Histria; e nossos atos podem ser to violentos quanto os do Homem pr-histrico, com a diferena que, em vez de porrete, usamos armas de alta tecnologia. O conflito de Kosovo,
portanto, constitui um fato arcaico.
Em face de todos estes fatos velhos, somente nos resta, povos de todo o mundo, continuar
investindo na adequada contraposio dos opostos. Apostando no equilbrio. A dissuaso ainda representa a melhor estratgia. Foras Armadas modernas, com as dimenses necessrias e altamente
qualificadas, so uma das bases insubstituveis da dissuaso.
Deixamos ns, Seres (des)Humanos, cerrar o pano do Segundo Milnio repetindo o pensamento
de Antoine Rivarol, escritor francs do Sculo XVIII, citado por John Lukacs (p.306):
OS POVOS MAIS CIVILIZADOS ACHAM-SE TO PRXIMOS DO BARBARISMO QUANTO O METAL MAIS POLIDO DA FERRUGEM.
E dois sculos passaram-se!
(*) Vice-Almirante (RRm) Ex-Subcomandante da Escola Superior de Guerra

O CHOQUE DAS CIVILIZAES


A CIVILIZAO UNIVERSAL E AS NOVAS CIVILIZAES
Francisco de Assis Grieco(*)

No se pode, a rigor, ignorar que a tese da civilizao universal, como nica e normativa do
progresso humano, resultou da ascendncia poltica e militar do ncleo geopoltico constitudo pela
Europa a partir da era cultural greco-latina no Mediterrneo. Nesse aspecto, vale ressaltar as consideraes de Samuel Huntington sobre o choque das civilizaes, que, h pouco tempo, ganharam certa
notoriedade como base analtica da histria poltica e da presente recomposio da ordem mundial.
Huntington no foge ao mtodo clssico da apresentao e de avaliao conceitual, com o propsito de fundamentar seus postulados em anlise conclusiva. Seria, neste caso, a reviso do conceito
tradicional da civilizao universal pela definio de vrias civilizaes, com: ncleos, culturas e
objetivos polticos e econmicos globais prprios. Tese que possui originalidade quando examina a
realidade internacional luz da pluralidade de culturas nacionais e/ou regionais, antepostas hegemonia
ocidental, atualmente assumida pelos Estados Unidos, no ps-Guerra Fria.
O conceito-nibus de uma civilizao universal, imagem do figurino cultural ocidental, jamais
foi disputado por teorias formais de destaque. O hiato entre as culturas orientais e ocidentais foi,
seno, o resultado da ignorncia profunda das civilizaes e culturas do Oriente: suas diversidades
lingsticas, filosficas e religiosas.
No continente americano, a cultura europia predominou pelo legado das instituies polticas
liberais, lnguas e religies em sociedades multirraciais. Na frica e na sia, a cultura ocidental afirmou-se, essencialmente, pela imposio do imperialismo, limitada constituio de elites locais assimiladas e de formao cultural europia.
Seria tendenciosa a ilao de que a contribuio ocidental queles continentes se tenha restringido
introduo de padres materiais estranhos aos valores espirituais e filosficos locais. A integrao
asitica nova era de globalizao econmica constitui a comprovao de que existe, hoje, cenrio

onde, aps o Japo, a China emerge com papel distorsivo nos futuros fluxos de circulao da riqueza
mundial.
H uma tendncia de sistematizao de conceitos nas consideraes analticas, quando se procuram compreender certos fenmenos econmicos e polticos. No caso da tese de Huntington, essa
tendncia busca a enumerao de eixos ideolgicos e culturais que disputam a supremacia ocidental,
atribuda antes Europa e, atualmente, aos Estados Unidos (sem, evidentemente, ignorar que cabem
os papis de destaque Rssia, China e Comunidade Islmica). A ndia e o Japo teriam chegado
sntese da preservao de valores tradicionais, sem prejuzo assimilao de padres de consumo e
absoro dos mtodos ocidentais de arregimentao econmica.
Estranhamente, a Amrica Latina no considerada como parte ativa (integrante) do ncleo ocidental: resultado de suas fragilidades sociais e da ausncia de poder militar impositivo. O continente
africano estaria longe de atingir uma cultura regional, como resultado de herana de colcha de retalhos
tribais e de suas centenas de dialetos. Sua fidelidade cultural ao ocidente permanece condicionada
recuperao econmica e ao processo de reformulao social, com recursos de provenincia ocidental.
Na avaliao histrica dos fenmenos culturais, para chegar a uma projeo futura, a inter-relao
entre cultura e causa oferece riscos de avaliao. Seria extremamente abrangente atribuir a cultura dos
povos motivao de conflitos polticos e de equilbrio do poder hegemnico, ignorando fatores
econmicos e a prpria irracionalidade de homens de governo. As ideologias no so, por definio,
identificadas s culturas dos povos. A aberrao nazista no dissociou a Alemanha de seu papel cultural e de sua contribuio civilizao universal.
No se poderia, tampouco, invalidar as contribuies ticas, filosficas e liberais da Europa pela
sua conduo do imperialismo ou pelo trfico e escravido negra. A Inquisio ibrica no exclui o
papel gigante de dois pases colonizao da Amrica meridional. O julgamento crtico das civilizaes pela sua histria cultural limita os propsitos de uma anlise ideal, bem mais complexa em seu
conjunto.
No menos importante reavaliar como a reformulao de certas heranas caducas da chamada
civilizao universal levou a transformaes radicais dos conceitos seculares da religio, da moral e
do progresso cientfico ilimitado. A extenso dessas transformaes, todavia, est longe de merecer
concordncia, gerando polmicas sobre as experincias revolucionrias genticas, como a reproduo
artificial da vida, dos transplantes e dos clones que no mais se sujeitam aos valores ticos tradicionais.
A Federao Russa no Jogo Mundial do Poder
A Rssia possui cultura de valores tradicionais inspiradas na civilizao europia, cuja evoluo
poltica e social se distanciou, porm, da Europa Ocidental em virtude de seu isolamento peculiar sob
sculos de autocracia tzarista. As extroverses de Pedro, o Grande e Catarina foram episdicas e
aculturao parcial ao progresso europeu; com a inspirao de reformas, nem sempre arraigadas, e,
sobretudo, objetivando a participao russa de preservao nacional ou de conquista territorial.
As tradies russas deram contribuio notvel s letras e msica, s artes cnicas e, mais recentemente, s cincias e pesquisa espacial. A religio ortodoxa, que pode ser considerada a mais bela e
mstica do cristianismo, permaneceu no esprito e na inspirao humana dos russos mesmo durante
quase sete dcadas de represso comunista. Sua influncia no carter russo deu a seu povo a paixo
ritual e a conscincia nacional da me-ptria, acima de governos e ideologias, como testemunhou a
Segunda Guerra Mundial.
Recorde-se que Boris Ieltsin, em sua ascenso ao poder, foi empossado no estilo clssico bizantino,
com a restaurao da bandeira e do hino nacional tzaristas. Nem to pouco faltou a Gorbachev e, mais
ainda, sua mulher o apuro da elegncia e o respeito s exigncias protocolares. Ao regime comunista
no passou desapercebido o orgulho nacional das grandes obras pblicas, do Bolshoi e do Hermitage,

do metr de Moscou e, criando pnico momentneo ao povo americano, a glria do sputnik girando
nico em torno do planeta.
O domnio da Rssia sobre grande parte do continente eurasiano foi consolidado atravs de processo histrico de expanso de vrios sculos, desde o Gro-Ducado de Moscvia Unio Sovitica.
Parte integrante e de ao decisiva nos jogos do equilbrio europeu, a Rssia chegaria ao incio do
nosso sculo como potncia econmica, militar e poltica que participara ativamente na definio dos
destinos da Europa durante a era francesa da Revoluo e Imprio; presidira liquidao do Imprio
Otomano e, em certo grau, concorrera para a vitria aliada no I Conflito Mundial. Durante o Sculo
XIX, enquanto se envolvia nos choques de poder na Europa, a Rssia conquistou pela diplomacia e
pela fora do Exrcito tzarista toda a regio setentrional da sia, chegando mesmo a ocupar parte do
continente americano (Alasca). Subjugou cultural e administrativamente vasto imprio de dezenas de
povos e lnguas. A Revoluo Bolchevista de 1917 herdou comunidade poltica e econmica, que se
estendia por 24 milhes de quilmetros quadrados, embora, na verdade, em sua maior parte subdesenvolvida. Fosse pela estagnao e atraso econmicos, pela vastido de regies desprovidas de transportes em comunicaes, ou pelas rivalidades raciais em choque, exploradas por Moscou a expanso e
o domnio russos devem ser reconhecidos como fenmenos sem precedentes na histria mundial.
A Unio Sovitica tentaria acelerar, sem xito, porm, a amalgamao sistemtica dessa vasta confederao que, por
inrcia do poder central tzarista, permitira, at ento, relativa autonomia a seus povos de origem asitica e de religio
mulumana. O regime comunista, nos seus quase 30 anos de ditadura stalinista, criou repblicas socialistas soviticas com
pretensa autonomia poltica e cultural, tratando, ao mesmo tempo, de assegurar a imposio da russificao s demais
repblicas da URSS. A lngua russa predominou na liderana poltica e nas elites partidrias nas regies asiticas, enquanto
Moscou e Leningrado moldavam a formao das classes administrativas e doutrinavam os intelectuais ativistas. A Repblica Socialista Russa (RSS) dirigiu a Unio Sovitica durante quase 70 anos, atravs da centralizao, quer poltica quer
econmica. A guerra contra o nazismo exceo feita Ucrnia ratificou o apoio efetivo das demais repblicas soviticas sem que Moscou arriscasse comprovar a fidelidade de suas regies orientais numa conflagrao com o Imprio japons.
A implantao da economia de mercado na Rssia e, obviamente, muito mais nas outras repblicas da CEI levar
tempo e exigir sacrifcios sociais que diro da estabilidade do regime poltico, supostamente democrtico. So riscos
capazes de pr em perigo a sobrevivncia do prprio Boris Ieltsin no poder. Nessa linha de idias antecipam-se, principalmente, comoes decorrentes de eventuais choques econmicos ortodoxos (com respeito devido ao Patriarca de Moscou),
que sero necessrios privatizao do gigantesco complexo industrial; quebra dos conglomerados agrcolas; ao livreacesso de capitais estrangeiros; supresso dos privilgios da burocracia e dos antigos dirigentes partidrios. A necessidade de capitais e da participao ocidentais na reativao dos investimentos pode ser aceita pelos russos como indispensvel
recuperao do desenvolvimento tecnolgico. Criar, porm, resistncias emocionais e nacionalistas com repercusses
perigosas estabilidade poltica.
O combate inflao galopante, ocorrida com a dbacle da Unio Sovitica ainda exige, aps anos, medidas de impacto social nem sempre bem acolhidas. A revivescncia de oposio nostlgica dos comunistas russos visa abolio de
subsdios a gneros de primeira necessidade e diminuio de benefcios previdencirios que, embora no fossem antes
suficientes a padres de vida condignos, garantiam, pelo menos, alguma estabilidade dos minguados oramentos familiares. As crises do abastecimento, os preos ascendentes, o desemprego e a emergncia de classes sociais diferenciadas pelo
poder aquisitivo agravar-se-o com a austeridade monetria, bem como a liberao de tarifas, dos preos e salrios. No
possvel, atualmente, arriscar previso sobre e por quanto tempo os russos e demais povos da CEI continuaro perplexos
em relao ao que esperavam do capitalismo milagroso, comprovado no consumismo exuberante dos pases vizinhos da
Europa Ocidental.
prpria Rssia, porm, confrontam-se problemas geopolticos de manuteno da unidade da federao Russa, que
possui superfcie de cerca de 17 milhes de quilmetros quadrados dos Urais at Vladivostoque. So 21 repblicas autnomas com constituies, poderes legislativos e governos prprios e mais dez regies semi-autnomas. Nas repblicas, cerca
de metade da populao de etnia russa e, nas regies autnomas, a porcentagem tambm significativa. Quatro das
repblicas Tuva, Tartria, Osslia Setentrional e Chechnia sequer permitiram aos seus cidados votar no plebiscito
para a eleio de Ieltsin (maro de 1991), que perdeu pelo menos em quatro das doze regies autnomas consultadas. A
disposio democrtica em apoiar as transformaes liberais na Rssia levou a consrcio tcito de ajuda financeira que
reuniu grupos multilaterais FMI, Banco Mundial, Grupo-7, BERD e Clube de Paris e mais a Comunidade (Unio
Europia, os Estados Unidos e Japo).
Conhecendo bem as agruras com que se defronta o presidente russo, os Estados Unidos trataram de liderar esquema
financeiro multibilionrio para garantir a Ieltsin as bases e recursos para a transformao poltica e econmica da Rssia.

Essa ajuda, convenientemente canalizada por aquelas entidades das Naes Unidas e pelos principais pases ocidentais,
tem sido desembolsada ao sabor das crises de estabilidade poltica. Apenas a assistncia de programas de alimentos teve
curso regular, alm de crditos de alongamento da dvida externa e do fundo de estabilizao do rublo.
Em 1993, pacotes do Grupo dos Sete (e encontros Clinton-Ieltsin) chegaram a somar US$ 58,4 bilhes de ajuda, mais
a promessa japonesa de US$ 4 bilhes base de conversaes sobre as Ilhas Curilas. Esses montantes, embora se desconhea o total realmente do desembolso (1993 = US$ 5 bilhes apenas), tiveram pelo menos a vantagem de fortalecer Ieltsin
quando, naquele ano, apoiado pelas foras armadas no vacilou em bombardear deputados entrincheirados, fechando o
Duma.
Mais do que nas naes do leste Europeu, a Rssia (federao e outras ex-repblicas soviticas), principalmente a
Ucrnia, pelas suas dimenses e potencial econmico, comearam a dar-se conta de que a abertura ao comrcio e aos
investimentos estrangeiros levariam a polmicas de opinio pblica. Estimuladas, inclusive, pelos remanescentes do marxismo-leninismo, eventuais posiciona-mentos das Foras Armadas em processo de politizao e pela demagogia das faces partidrias procura de votos e com plataformas populistas.
Em outubro de 1995, segundo analistas internacionais, as reformas econmicas comeavam a mostrar os primeiros
resultados positivos. A inflao mensal de 11% (abril) caiu para 4,5% (setembro), ou seja, ao nvel mais baixo desde o
incio das reformas. Chegou ao fim a queda vertical da produo industrial. As organizaes internacionais teceram louvores a esses resultados, chegando o presidente do Banco Mundial a dizer: Acho que o povo russo deve estar maravilhado
com o obtido em to pouco tempo. No podia estar mais enganado, como mostraram os resultados eleitorais subseqentes.
A austeridade econmica causou grandes problemas a milhes de russos, quando se sabe que o salrio mnimo recebido
por poucos, mas usado como referncia para muitos pagamentos do governo, fica por volta de US$ 10 mensais. Em
princpio de dezembro de 1995, dos 150 milhes de habitantes da Rssia, cerca de 35% tinham mais de 45 anos e 20% mais
de 60 anos. Previa-se que dos 35 milhes de aposentados, vivendo praticamente na misria envergonhada de confessarse como tal, cerca de 20 milhes iriam s urnas votar seu protesto. Os jovens, de modo geral, com maiores oportunidades
tendiam a aceitar as reformas, mas sabia-se que sua absteno seria imensa. Em termos prticos: As pessoas esqueceram
as filas e as prateleiras vazias, mas recordavam-se de que a lingia custava 2,20 rublos e hoje o quilo custa 8 mil rublos.
Dois ataques cardacos tiraram Ieltsin do fogareiro eleitoral e os resultados, j esperados, deram vitria aos partidos
extremados. Os comunistas e os ultranacionalistas bateram juntos os reformistas de trs para dois. O Partido Comunista,
liderado por Guenadi Ziuganov, obteve 22% das cadeiras do Duma, tornando-se candidato potencial s eleies presidenciais de junho de 1996. Radical, conhecido como nacionalista hidrfobo, Jirinovski perdeu votos em relao ao pleito
parlamentar de 1993 (20%), pois s conseguiu 11% na eleio de dezembro de 1995.
Em princpio de janeiro, Ieltsin voltava cena poltica, anunciando sua deciso de candidatar-se reeleio com todos
os riscos de sade e disposto a enfrentar a mar avassaladora dos filocomunistas. Pouco depois (fevereiro de 1996), o FMI
anunciou emprstimo de US$ 10,2 bilhes Rssia, a ser liberado em trs anos, mediante cumprimento de rigoroso
programa econmico. Por via das dvidas, o diretor do FMI (Camdessus) conversou, na ocasio, com Guenadi Ziuganov,
candidato comunista.
As perspectivas eleitorais do presidente russo eram, fortemente, afetadas pelos dados negativos de seis anos de governo
de transio radical. O produto industrial caiu (1991-96) pela metade e o PIB acumulou dficit negativo de 45%, no sendo
melhores os nveis sociais. O nmero de pessoas abaixo do padro digno de subsistncia chegou a 36 milhes, ou seja,
cerca de 40% da mo-de-obra empregada que, por sua vez, registrou queda de 8,5% da populao ativa. No lado positivo,
no entanto, e que pouco impressionou a populao, Ieltsin privatizou dois teros do PIB, com mais de 120 mil empresas
privatizadas pela distribuio, na maior parte, de aes aos trabalhadores.
No foi, portanto, surpresa quando Ieltsin conseguiu maioria exgua, no primeiro turno (junho de 1996), contra o
arquicomunista Guenadi Ziuganov. Sem vacilar, o presidente cortejou, demitiu generais e conseguiu o apoio do general
Alexander Lebed: com seus 11 milhes de votos e um incontestvel apetite pelo poder. Seu lema era nacionalismo e ordem,
mesmo com sacrifcio da democracia e da liberdade.
Logo depois da vitria eleitoral, Boris Ieltsin voltava ao hospital para cirurgia cardaca delicada e acompanhada pelo
mundo democrtico com apreenso. O conflito pelo poder no tardou a estimular Lebed e terminou com a demisso do
general. Atitude corajosa do presidente, com demonstrao de sua fora poltica nos bastidores e sua popularidade reconquistada pela vitria eleitoral. O exrcito (antes vermelho) esmaeceu como fora poltica e submeteu-se ordem institucional.
Com o apoio aparente da opinio pblica e das faces polticas moderadas, Ieltsin pde transigir em suas relaes com
os Estados Unidos aceitando as imposies da OTAN: reformulada em novas diretrizes globais e regionais e tendo a
Europa Oriental como objetivo. O primeiro estgio de integrao russa segurana coletiva mundial, em negociaes
progressivas e permanentes, dirigiu-se Europa comunitria no propsito (ideal) da criao de um mercado continental do
Atlntico aos Urais, ou mesmo alm.
O crescimento do consumo na Rssia (CEI) abrir as portas s transferncias institucionais e pagas de tecnologia e

know-how ocidentais de ponta para modernizao dos mtodos e dos processos de gerncia, de produo e comercializao, desconheci-dos ou no utilizados na ento URSS. Nesse ngulo, o voto pelo
poder aquisitivo garantir o apoio dos consumidores introduo de tcnicas e a presena do capital
estrangeiro em sistema econmico secularmente fechado ao exterior.
No contexto comercial a Federao Russa encontrar pontos de divergncia em relao aos esquemas de protecionismo da UE, como, por exemplo, na execuo da Poltica Agrcola Comum (PAC). A
recuperao das tcnicas de produo e a descentra-lizao da agricultura tornaro o pas mais competitivo no mercado internacional, esbarrando nas regras europias de subsdios que o GATT tentou
eliminar mas no conseguiu de todo.
Entre os aspectos macroeconmicos da integrao progressiva da Rssia UE, destacar-se-o programas conjuntos de pesquisas cientfica pura e aplicada, principalmente na cooperao tecnolgica.
A massa de cientistas russos disponveis causou evaso de crebros, ao menos na fase de crise russa.
A coordenao no campo da tecnologia de ponta quando se conhece a superioridade dos Estados
Unidos e do Japo constituir uma das primeiras etapas de conjugao setorial na direo dos esforos de integrao.
O primeiro encontro de cpula entre a ento CE e a Federao Russa realizou-se (novembro de
1993) em Moscou, quando Delors visitou Boris Ieltsin, e dele ouviu empenho de que a Rssia fosse
finalmente considerada um Estado europeu pela adeso integrao continental. Em princpio de
dezembro, foi assinado acordo em Bruxelas para estabelecer sistema de consultas entre a Unio Europia e a Federao Russa para coordenao de medidas de abertura de mercados e assistncia aos
esforos da Rssia para consolidao e transio rumo economia descentra-lizada. Em junho de
1994, a Rssia assinava acordo com a Unio Europia, que reconhecia Federao o carter de economia em transio. Dava garantias aos investidores estrangeiros; iniciava dilogo poltico e parlamentar; e igualdade de tratamento s empresas europias e ao estabelecimento de bancos russos na
UE.
O Fundamentalismo Islmico: Propagao e Perspectivas
O fundamentalismo islmico elemento novo e sui generis no propalado processo de reformulao
da ordem mundial. Proposio de anlise complexa na ausncia de uma doutrina formal fundamentalista;
pela pluralidade de interpretaes religiosas sectrias e, principalmente, agora, apelo extremado terrorismo militante. A compreenso dos valores intrnsecos das bases pristinas fundamentalistas remonta
a princpios seculares, hoje desafiadas pela cincia e pelo materialismo avassalador. A reao
fundamentalista, diga-se de passagem, no fenmeno apenas islmico, mas preocupao das prprias igrejas crists e, principalmente, da ortodoxia judaica.
A atual expanso do fundamentalismo demanda a compreenso dos valores culturais do Isl e seu
papel na contribui-o humanstica. Princpios que, indubitavelmente, tendero a levar o
fundamentalismo islmico a uma divergncia doutrinria nos vrios e todos os continentes que receberam o Coro como cdigo religioso e social. No decorrer de dez sculos, o credo de Maom consolidou um vasto imprio poltico que se estendeu pela Europa, frica setentrional e sia. Sua presena
na Pennsula Ibrica e no Mediterrneo (Siclia e Magrebe) marcou contribuio cultural de grande
importncia para a civilizao europia: nos campos da medicina, botnica, astronomia e matemtica.
Caracterizada a decadncia rabe das dinastias amada e abssida, o imprio otomano assumiu a liderana na expanso do credo muulmano como fator de congraamento poltico-religioso. A partir da
queda de Constantinopla, a Turquia figuraria, por quatro sculos e at a Primeira Guerra Mundial,
entre as potncias principais no jogo do equilbrio de poder europeu.
H atualmente 1,5 bilho de fiis islmicos em todo o mundo: numa vasta faixa que abrange os
pases rabes da frica do Norte; o Egito e naes dos Orientes Prximo e Mdio; as vrias novas
repblicas da Comunidade de Estados Independentes; o Paquisto e a Indonsia. Fora dessa rea,
cerca de 12 milhes de mulumanos vivem na Europa Ocidental praticando livremente sua religio e

mantendo sua cultura moldada nos preceitos paquistanenses e indonsios, tornando-se ponto crtico
da problemtica socio-econmica da Comunidade Europia. Na Bsnia-Herzegovina vivem cerca de
4,8 milhes de mulumanos em comunidade remanescente da dominao otomana, que chegou a
constituir um quinto da populao da antiga Iugoslvia. Nos Estados Unidos h mais de seis milhes
de adeptos do Isl em boa parte de etnias rabes, mas, igualmente, com importante contingente (40%)
de negros norte-americanos convertidos. Especula-se que, dentro de poucos anos, haver mais crentes
da religio mulumana do que judeus nos Estados Unidos.
No passar dos sculos, noo do sincretismo poltico e religioso, contrapuseram-se no mundo
islmico ideologias modernas do capitalismo e marxismo, originando sociedade e sistemas econmicos adaptados evoluo das transformaes industriais e tecnolgicas. A sujeio do processo poltico aos preceitos imutveis do Coro no pde impedir que os povos rabes adotassem os figurinos
sociopolticos ocidentais. Passaram assim, a formar, ora ao lado das naes democrtico-capitalistas,
ora sendo levadas pela impacincia de seus lderes, a tentar alianas de conciliao difcil com o
marxismo ateu internacional.
O credo islmico tem como orientao bsica as 112 suratas (captulos) do Coro que no so
apenas normas religiosas mas, igualmente, todo um sistema de regras morais, de comportamento cotidiano e de direito social. Os ensinamentos de Maom inspiraram-se nas filosofias e preceitos religiosos do judasmo, crenas persas, mitologia greco-romana e na religio de Cristo (aceito, alis, como
um dos profetas de Al). Nas linhas do judeu-cristianismo, a religio islmica pregou a fraternidade e
a tolerncia, abolindo e condenando o paganismo para instituir a religio universal. Seus profetas so
mensageiros do Deus nico, figurando entre eles No, Abrao, Moiss e o prprio Cristo, sem que se
atribuam a Maom feies divinas mas, apenas, de enviado do ser supremo e absoluto.
A converso simples profisso de f, bastando a presena de testemunhas e o seu enunciado em
reabe. O ritual de preces, cinco vezes ao dia, acompanhado de ablues e prosternaes na direo
de Meca. As funes clericais so menos presentes: conduzidas as oraes nas mesquitas pelos ims
e o servio realizado s sextas-feiras. A peregrinao Meca, levadas em conta as limitaes econmicas, feita pelo menos uma vez na vida para adorao dos smbolos da Caaba e da Pedra negra. O
jejum do Ramad lembra a Quaresma crist, como tambm outras prticas da condenao dos juros e
a castidade pr-nupcial todas, evidentemente, como ocorre com os cristos, burladas dentro dos
limites da hipocrisia e dos artifcios da convenincia.
A evoluo cientfica e materialista expe o Islamismo a certos aspectos que, com o correr dos
tempos, criaram problemas interpretao de suas normas pristinas. Entre elas, as proibies reproduo da imagem humana; a situao de inferioridade feminina, com o repdio esposa e aceitao da
poligamia; a condenao de bebidas e de certos alimentos etc. Na ausncia de hierarquias religiosas
unificadas, as prticas religiosas, em comunidade to disseminada pelo mundo, teria fatalmente que
fazer concesses s presses de democratizao; da laicidade dos estados modernos; da liberdade de
conscincia e, sobretudo, da realidade do progresso cientfico e tecnolgico.
As disparidades raciais e econmicas e a ausncia de evoluo na doutrina poltica criaram, portanto, um quadro de complexidade crescente com ameaa do prprio islamismo como elemento de solidariedade poltica no cenrio internacional. Os choques de interesses nacionais se configuraram, agora, na emergncia do fundamentalismo islmico.
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, os britnicos estabeleceram zona de influncia nos Orientes Prximo e Mdio, atravs de mandatos no Iraque e Transjordnia, inclusive na Palestina, onde o
movimento zionista deu incio colonizao judaica. A fidelidade de Saud originou o Hedjaz que,
mais tarde, se chamaria Arbia Saudita. Essa presena era fcil de compreender numa regio do planeta que dispunha de 70% das reservas mundiais conhecidas de petrleo. A Gr-Bretanha patrocinou a
expanso da Persian Oil Company, que iniciou a construo, no Golfo Prsico, da refinaria de Abadan.
A Royal Dutch-Shell, companhia anglo-holandesa, e vrias outras francesas e norte- americanas reagiram e, com apoio de seus governos, impuseram associao Iraq Petroleum, depois dividida entre as

concessionrias de explorao do petrleo.


Durante os vinte anos de interregno entre as duas guerras mundiais, o mundo usufruiu de petrleo
abundante e barato extrado pelo condomnio das grandes empresas ocidentais: Standard Oil, SoconyVacuum, British Petroleum (antiga Persian), Royal Dutch-Shell, Compagnie Franaise de Ptrole, e a
Participation and Investiments. O aumento do consumo mundial trouxe novos grupos explorao e
ao refino. A Texas Company (Texaco) e a Standard descobriram imensas jazidas no Barein e na Arbia
Saudita; a Gulf Oil e Anglo-Iranian cuidaram das reservas descobertas no Coveite.
A II Guerra Mundial constatou a fidelidade rabe s democracias ocidentais e o repdio islmico
ideologia marxista com suas implicaes atestas. Terminado o conflito, a poltica de descolonizao
encabeada pelos Estados Unidos resultaria na concesso progressiva de independncia s comunidades rabes do Oriente Prximo e Mdio. A nova geopoltica da regio, em suas linhas gerais, obedeceria s partilhas territoriais da primeira guerra.
Surgiram como naes independentes a Sria, o Lbano, Om, Imen e os Emirados. A Arbia
Saudita, a Jordnia, o Iraque j haviam adquirido relativa autonomia, mas achavam-se ainda vinculados aos interesses ocidentais, auferindo enormes ganhos das royalties do petrleo, usufrudos pelas
elites governantes. O Ir foi a primeira nao islmica (xiita) que reagiria contra a tutela ocidental,
pela desapropriao da Anglo-Iraquian sob o comando de Mossadegh. O reinado do X marcou fase
de liberao dos costumes, melhor distribuio de renda e modernizao sem escapar, todavia, da
corrupo e do arbtrio policial. Essas transformaes sociais impostas de cima desmoronaram com a
rebelio nacional que trouxe Khomeini ao poder, a ditadura dos extremados, e lanaria o Ir frente do
movimento fundamentalista.
A onda nacionalista islmica estendeu-se aos pases do Magrebe, Egito e Oriente Prximo guardando, todavia, em cada um deles, aspectos peculiares de conformao poltica e de interpretao dos
valores religiosos comuns. Os fatores econmicos determinaram diferentes graus de desenvolvimento
e crises sociais conseqentes das presses populares. O petrleo passou a ser fator bsico no apenas
do crescimento econmico e, igualmente, de barganha poltica para assegurar a independncia das
novas naes islmicas. A criao e as prticas monopolsticas da OPEP garantiriam comunidade
rabe elementos de maior coordenao sua atuao internacional. As duas crises do petrleo trouxeram a noo da influncia crtica dos pases na economia mundial, principalmente pelos desequilbrios
gerados com maior impacto nas naes em desenvolvimento entre elas, no seria preciso dizer, o
Brasil.
No obstante, as rivalidades polticas, tnicas e religiosas predominaram, afetando a consolidao
que se esperava de uma grande aliana islmica. Esses choques e rivalidades resultariam em
posicionamento antagnico nas quatro dcadas durante a Guerra Fria, com confrontaes polticas e
na guerra entre o Ir e o Iraque. A criao e expanso do Estado de Israel revelou a precariedade da
unio das naes rabes do Oriente Mdio e Prximo. A resoluo de Campo David afastaria o Egito
de coligao militar rabe, aps a deciso histrica de Anwar Sadat em poupar seu pas do nus
econmico crescente das guerras contra Israel. Soluo nacional considerada traio ao islamismo
regional e, por extenso, mundial.
A Intifada agravou a questo palestina no cenrio internacional, com condenao s prticas de
violncia de Israel e a maior responsabilidade da mediao norte-americana. A assinatura do acordo
de Washington confirmou a transigncia israelense em relao OLP e autonomia da Faixa de Gaza,
despertando esperana de novos esforos para aliviar a crise rabe-judaica. O postulado da unio
islmica, antes intransigente na eliminao do estado de Israel, perdeu sua fora entre os pases rabes
moderados. A irracionalidade poltica, o fanatismo e os dios crnicos tornaram, porm, imprevisveis
os caminhos e a durao dos esquemas de paz duradoura para a crise rabe-israelense.
Na Guerra Fria, a Unio Sovitica reagiu estratgia americana de criao do cinturo-verde do
Isl, pela contra-posio de poltica de penetrao ideolgica, com resultados favorveis na concili-

ao dos postulados religiosos doutrina socialista e seu apelo popular. A aliana tcita dos extremistas rabes com Moscou afetou o equilbrio regional e originou regimes-fortes no Ir e no Iraque, o
conflito militar prolongado entre os dois pases e a interveno direta da OTAN na guerra do Coveite.
Todo o pacote democrtico e liberal, armado pelos Estados Unidos e a Comunidade Europia foi
ameaado pela Revoluo de Khomeini e o aparecimento de riscos de aglutinao poltica no Oriente
Mdio.
Os preceitos fundamentalistas do Aiatol revelaram certa flexibilidade que levou o Ir a tolerar a
invaso sovitica do Afeganisto, ante a necessidade de preservar os fluxos de ajuda militar russa: em
equilbrio ao armamento americano enviado a Saddam Hussein. A despeito de sua liderana
fundamentalista, o Ir tem-se limitado a envolvimento retrico e ao envio de msseis Scud no desenrolar do conflito rabe-israelense. Vale lembrar que os iranianos so de etnia distinta e adeptos da seita
Xia: oposta aos sunitas, predominantes no mundo islmico; exceo, alm do Ir, de parte do Iraque,
e adeptos na regio meridional do Lbano e no Paquisto.
O atual governo iraniano tem suas bases polticas na coligao entre xiitas e faces moderadas ou
mesmo leigas: o controle do poder exercido por ditadura frrea, legalizada pela aplicao do direito
islmico, que estabelece mais de cem delitos punidos com pena de morte. H, porm, margem de
flexibilidade poltica em ateno aos diferentes grupos radicais que possuem suas prprias interpretaes da doutrina religiosa. O papel atuante do fundamentalismo, na recomposio geopoltica e
geoeconmica da ordem mundial, parece limitado pelo seu carter carente de unidade racial e de
veculos de centralizao de sua ao poltica com concordncia de objetivos comuns internacionais.
A hegemonia dos Estados Unidos e o fim da confrontao ideolgica aceleraram o processo de
caducidade do Terceiro Mundo. A ao conjugada dos americanos e europeus superou a imposio de
alta de preos, arquitetada pela OPEP. Em sua autonomia, as repblicas islmicas da CEI continuaro
a depender da vinculao comercial e financeira russa e, sobretudo, para a modernizao de suas
instituies sociais, ainda em nvel de pases subdesenvolvidos. O Cazaquisto, por exemplo, tem sua
produo de petrleo sujeita rede de comercializao da CEI, ou seja, da Rssia.
O sucateamento da Unio Sovitica no invalida o gigantismo da federao Russa e sua vontade de
conservar o predomnio poltico e econmico sobre os 21 milhes de quilmetros quadrados que antes
reuniam as repblicas socialistas soviticas. A turbulncia poltica persistente no Afeganisto, o apoio
dado por Moscou poltica norte-americana no Iraque e, por extenso, ao jogo do equilbrio que
mantm Saddam no poder pautaro a poltica regional da Rssia ante os perigos de eventual contaminao fundamentalista na CEI.
No cenrio estratgico-militar atual no existem perspectivas imediatas de futuro fortalecimento
do poder blico dos defensores do fundamentalismo radical. Os arsenais armamentistas no Oriente
Mdio foram acumulados como resultado da estratgia ocidental, sobretudo de Washington, de vender
armas a Reza Pahlevi e, subseqentemente, ao Iraque no seu choque armado com a revoluo de
Khomeini Gangorra estratgica que resultou na guerra Ir-Iraque e no posterior conflito do Golfo
(Saddam), aps a invaso do Coveite. As compras bilionrias de equipamentos sofisticados pela Arbia
Saudita, com seus recursos engordados pelo petrleo condicionaro, doravante, o Rei Fahd dependncia dos suprimentos americanos e concorrero para os problemas econmicos, antes mencionados,
e que comeam a preocupar aquele pas.
A manuteno de Saddam Hussein em Bagd, aparentemente incompreensvel, significa, na realidade, uma opo de Washington para colocar freio expanso do fundamentalismo iraniano por todo
o Oriente Mdio e Prximo. Serve, ao mesmo tempo, para preservar a efetiva presena militar americana (OTAN-ONU) naquela regio como garantia, em ltima instncia, do status quo poltico e da
soluo gradual do problema palestino.
As relaes do Brasil com os pases rabes produtores de petrleo foi marcada, nos ltimos anos,
por esforos compreensveis para a expanso do nosso comrcio de exportao, procurando diminuir

o saldo negativo, decorrente da compra daquele produto. O custo do petrleo importado tem sido
crucial na luta desenvolvimentista, causando o incio da crise econmica brasileira a partir do comeo
da dcada passada e at hoje afligindo o nosso pas. As atividades da Petrobrs para aumento da
produo nacional estabilizaram-se por volta dos 700 mil barris dirios, ou seja, metade do consumo
interno (1991). De qualquer forma, a necessidade de misturar petrleo importado ao brasileiro dever
ser considerada nos planos de total auto-suficincia objetivada pela produo nacional. O volume das
nossas vendas de mercadorias ao Oriente Mdio no tem significado especial no cmputo global de
nossas exportaes, que somaram, em 1996 cerca de US$ 1,3 bilho, ou seja 2,8% do total. Destacaram-se a Arbia Saudita (US$ 410 milhes), os Emirados rabes Unidos (US$ 170 milhes) e o Ir
(US$ 180 milhes), sendo que o intercmbio desse ltimo pas com o Brasil sofreu decrscimo de
40% em relao a 1995.
A saga da participao brasileira no programa nuclear do Iraque gerou polmica e uma srie de
condenaes nos Estado Unidos e na Europa, nossos maiores parceiros comerciais e financeiros. A
venda de equipamentos blicos quele pas foi, igualmente, motivo de censuras discretas ou ostensivas pela imprensa internacional, embora, na prtica, nosso pas tenha figurado entre os fornecedores
de menor vulto, cabendo a primazia a naes ocidentais como Frana e Alemanha. A contabilidade
dessas transaes, louvveis do ponto de vista do incremento comercial, ainda no foi avaliada base
de lucros e calotes. As tentativas de venda de armamento pesado especialmente tanques Osrio
Arbia Saudita arrastaram-se por anos a fio, dando esperanas vs indstria nacional de material
blico, hoje em dificuldades. O conflito do Coveite colocou os Estados Unidos fornecedor dos clientes
sauditas, mas no sem o agravamento da crise econmica que agora ganha propores para Riad.
Referncias s relaes do Brasil com o islamismo devem realar que no h, em nosso pas, problemas entre rabes de diferentes origens nacionais entre si ou mesmo nas suas relaes com as comunidades judaicas. A integrao dessas comunidades rabes na sociedade brasileira decorre, em parte,
da predominncia rabe-crist, mas as autoridades brasileiras asseguram plena liberdade ao exerccio
do credo mulumano e divulgao da cultura islmica atravs de centros culturais e entidades literrias em todo o pas.

(*) Ex-Embaixador na Hungria e nos Pases Baixos

POTNCIAS ASCENDENTES
O CAMINHO DA PAZ NO 3o MILNIO 1
Marcos Henrique C. Crtes(*)
No suje minha gua!
Mas eu estou bebendo rio abaixo ...
Esopo,
O lobo e o cordeiro, Fbulas
[ ... ] porm alguns so mais iguais do que outros
George Orwell,
A Revoluo dos Bichos (Animal Farm)

1.

Introduo

A etapa histrica em que se encontra atualmente o mundo apresenta aspectos inteiramente


novos em relao a todas as demais por que passou a Humanidade.
Alguns desses aspectos ainda no esto inteiramente compreendidos e alguns parecem muito
difceis de serem percebidos com exatido. Na Arte da Guerra costuma-se dizer que, tradicionalmente, os estrategistas militares tendem a se basear no conflito armado imediatamente precedente para
traar seus planos para o conflito seguinte. O mesmo ocorre no vasto mbito das outras facetas do
relacionamento internacional. Assim, por exemplo, natural que os analistas e planejadores diplomticos ainda apliquem, em seus trabalhos, concepes baseadas em experincias do passado recente,
muitas das quais so inadequadas nova realidade. O objetivo deste estudo , em primeiro lugar,
sugerir uma nova concepo para a estrutura cratolgica do 3o Milnio, composta por entidades nacionais, cuja essncia diferir profundamente da conhecida at h poucos anos. A partir dessa base de
raciocnio, procurarei aventar o que poderia ser a evoluo correta dessa estrutura, de modo a assegu-

Este artigo se enquadra no esprito das comemoraes do Cinqentenrio da criao da


Escola Superior de Guerra. Essa grande instituio nacional soube, ao longo de sua
evoluo, adaptar a conduo de seus estudos s exigncias da realidade nacional e
internacional, sem abrir mo de seus conceitos bsicos e princpios doutrinrios. Do
mesmo modo, a potncia ascendente requer, na fase inicial de sua formao, a
preservao firme de valores intrnsecos do Estado-Nao como modo indispensvel de se
assegurar o xito de sua evoluo.

rar a paz no futuro previsvel da Humanidade.


O processo de anlise, interpretao e projeo da atual etapa histrica requer preliminarmente
a recordao de alguns conceitos de comportamento intelectual, bem como de caractersticas iniludveis
do relacionamento internacional.
H cerca de dez anos o termo modernidade passou a ter uso corrente, sobretudo por parte de
lderes polticos e dos meios de comunicao de massa. A aplicao ampla da palavra, para atender
aos mais diferentes objetivos, fez com que sua verdadeira acepo fosse ficando cada vez mais imprecisa e confusa. De maneira imperceptvel, mas persistente, a busca da modernidade passou a ser um
objetivo em si mesma, com contornos de obrigao sacrossanta. Em praticamente qualquer setor de
atividade, tudo passou a se justificar em seu nome e, inversamente, qualquer pronunciamento que
possa ter conotao crtica logo inquinado de postura retrgrada. Como toda generalizao, porm,
esta tambm acarreta graves perigos, sobretudo quando, sob a capa onipresente da modernidade,
generalizam-se concepes e processos. Basta ver como no Brasil, nos ltimos anos, a privatizao
desenfreada passou a ser implementada como a nica via para resolver a problemtica complexa das
empresas estatais e para-estatais, jogando-se num mesmo cesto empresas de origem duvidosa e irremediavelmente falidas, outras cujo formato atendia a reais necessidades da sociedade e, ainda, empresas de inegvel valor estratgico e que eram altamente rentveis e operavam num ambiente de economia de mercado. Essa generalizao permitiu inclusive camuflar a falcia de argumentaes suspeitas,
em que se invocava o exemplo de empresas estatais ineptas e falidas para justificar a necessidade da
alienao de outras, eficientes e, ademais, estrategicamente valiosas.
Essa orientao abrangente, com a mesma feio de verdade inconteste, vem sendo adotada em
relao a conceitos do direito privado e do direito pblico. No mbito do direito internacional pblico,
pode-se ver, por exemplo, a freqncia com que so expostas, defendidas e mais grave ainda
aplicadas noes de soberania limitada, direito de interveno, dever de ingerncia e outras
correlatas. Ante o fracasso ou insuficincia das instituies internacionais e das normas que se foram
conformando custa de guerras e sacrifcios, recorre-se ao uso da fora, exercida merc de um suposto
mandato conferido pela comunidade internacional, sem que se possa precisar que mandato esse,
que comunidade internacional essa e por que meios se expressou tal vontade. Sob a alegao falaz da
necessidade de desarmamento mundial, vedado aos demais Estados o acesso a certas tecnologias de
ponta pelos pases que j as detm, enquanto estes as utilizam para atividades comerciais altamente
rentveis, alm de continuarem devotando imensos recursos a pesquisa e desenvolvimento de tecnologias
ainda mais avanadas de emprego militar. Para dar permanncia maior a esses procedimentos inibitrios, so impostos adeso universal acordos e tratados que implantam a desigualdade jurdica dos
Estados.
Os que se beneficiam desses procedimentos aproveitam a vertiginosa progresso cientficotecnolgica para justificar a necessidade imperiosa de mudanas igualmente rpidas de conceitos e
normas jurdicas. Argumenta-se falsamente que os velozes avanos da chamada Terceira Revoluo
Industrial no permitem a anlise cautelosa, o debate ponderado, a projeo objetiva das conseqncias das metamorfoses propugnadas. Diz-se que sua no aceitao significar perder o trem da Histria, sem permitir que os que desse modo so praticamente obrigados a nele embarcar possam sequer
perguntar para onde os levar esse trem.
Na realidade, fundamental ter-se presente que no se pode, impunemente, abandonar ou alterar
de forma radical certos conceitos e padres que foram evoluindo, ao longo dos ltimos sculos, visando a aprimorar o comportamento internacional dos povos. A diretriz, nesse contexto, deve ser a de que
o acatamento da tradio no necessariamente uma conduta retrgrada e, sim, a base firme para que
sua prpria atualizao seja garantia de evoluo proveitosa. Cabe aqui relembrar a pertinente observao de um grande diplomata, Embaixador Mario Gibson Barboza, ao tomar posse do cargo de
Ministro das Relaes Exteriores: A melhor tradio do Itamaraty a renovao constante.

2.

A Atual Conjuntura Internacional

Em artigo intitulado A preservao do Estado Nacional ante o processo de globalizao, publicado na Revista da Escola Superior de Guerra, ano XII, no 34, de 1997, apresentei uma breve retrospectiva do Mundo ps-Guerra Fria. Nessa recapitulao destaquei a mudana do fulcro dos objetivos
estratgicos, passando a atribuir primazia aos econmicos em relao aos de cunho poltico-militares.
Ressaltei como essa mudana no era uma completa volta ao passado, devido nova estrutura
cratolgica decorrente do esfacelamento do imprio sovitico, com a alterao substancial da situao relativa dos pases menos desenvolvidos e com as conseqncias da Terceira Revoluo Industrial. Sobre esse pano de fundo, sugeri a classificao dos Estados, em termos realistas de Poder Nacional, em quatro categorias, a saber: superpotncia (Estados Unidos), megapotncias (Unio Europia
e Japo), potncias ascendentes e pseudo-potncias.
Essa estrutura cratolgica j est claramente concretizada no que se refere superpotncia e s
duas megapotncias. As pseudo-potncias tambm esto definidas e seu comportamento no cenrio
internacional decorrncia, por enquanto, da atuao daqueles trs atores principais. J a categoria
das potncias ascendentes engloba Estados que ainda esto nas etapas preliminares do seu processo
evolutivo. A conformao das potncias ascendentes constitui, por tudo o que precede, a nica garantia de paz no 3o Milnio, pois somente sua atuao efetiva poder evitar que o cenrio mundial assuma
as feies, inegavelmente nocivas, do monoplio ou do oligoplio do poder em escala mundial.
Vejamos portanto, em maior profundidade, em que consiste a potncia ascendente e qual deve
ser o processo de sua formao.
3.

Potncia Ascendente: Necessidade, Concepo e Viabili-dade

Sem dvida os povos alcanaram grandes progressos na formulao e adoo de conceitos e


normas que fossem gradualmente reduzindo a prevalncia da ameaa e do uso da fora como fator
fundamental do relacionamento internacional. Entretanto, esses avanos se faziam sob a sombra ominosa e onipresente da guerra. Na poca atual, embora persistam e proliferem os conflitos armados, o
risco de uma conflagrao mundial se tornou to remoto que se intensificaram as proposies, mais ou
menos explcitas, de abandono de certas figuras essenciais do convvio internacional. Passou-se assim
a inquinar de superadas as noes de soberania irrestrita, de Estado-Nao, de nacionalidade, de segurana nacional e assim por diante. A promoo de causas por definio nobres tornou difcil a percepo da utilizao insidiosa das mesmas para servir a desgnios de poltica externa de alguns pases.
Nada disso, porm, anula a veracidade de que s os Estados detentores de alto grau de Poder Nacional
podem ter participao ativa no mbito internacional.
preciso encontrar-se um caminho que permita, sem o retrocesso ao emprego da fora das
armas, ampliar os benefcios da capacidade produtiva do ser humano e assegurar a cooperao harmoniosa dos povos para a consecuo da paz universal. Esse caminho no prescinde, numa etapa inicial,
de foras armadas modernas, na medida em que so a Expresso militar do Poder Nacional, mas sem
o objetivo final de alguma ao blica ofensiva. Com o desaparecimento do quadro de poder que
caracterizou a etapa histrica da Guerra Fria, pode-se dizer que no mais existem potncias regionais.
No perodo 1945-1990 houve inegavelmente alguns pases que exerceram o papel de potncia regional. Assim ocorreu, por exemplo, com o Ir (do Xainx), com Israel, com a ndia e com a frica do
Sul. Em alguns casos, o Poder Nacional de determinado pas era potencializado de forma desproporcional em funo do apoio que lhe era prestado por uma ou outra das superpotncias no contexto do
enfrentamento bipolar mundial. Em outros casos, esse papel foi desempenhado por um pas cuja dimenso de Poder Nacional e cujos interesses no Campo Externo explicavam claramente sua atuao
como potncia regional. Porm, mesmo nessa segunda situao, o comportamento da potncia regional estava sempre vinculado de modo inextricvel dinmica da Guerra Fria. Bastaria esta razo para
que, na etapa ps-Guerra Fria, no haja condio para que pas algum possa se comportar como potncia regional. Mas h um motivo mais decisivo ainda para isso, que advm da incontestvel supremacia
militar da superpotncia nica, e da imensa disparidade de poder militar das duas megapotncias em

relao aos demais pases, inclusive aqueles que poderiam, num outro contexto histrico, atuar como
potncias regionais.
Contudo, persiste o fato de que, no mbito econmico, o poder mundial est na realidade compartilhado pelos trs Centros de Poder Econmico (CPEs), que so a superpotncia e as duas
megapotncias. Esta circunstncia cria, ao mesmo tempo, a necessidade e a possibilidade de que alguns pases, em funo do potencial de seu Poder Nacional, venham a ter participao ativa no relacionamento internacional. Para isso, porm, eles precisaro redimensionar o seu Poder Nacional, de
maneira a obrigar os CPEs a trat-los como parceiros atuantes e no apenas como alvos de seus
projetos e programas de poltica externa (no sentido mais amplo do termo).
Ora, qualquer hiptese de planejamento que vise a aumentar de forma significativa o Poder Nacional de qualquer dos pases que no so CPEs revelar as enormes limitaes de tal meta e demonstrar
a inviabilidade de, em tempo til, ampli-lo de modo exponencial. A resposta bvia est, por conseguinte, numa soma do Poder Nacional de alguns pases. Isso j ocorreu muitas vezes no passado
histrico, sob diferentes modalidades de alianas e pactos. Entretanto, nessas composies a adio se
fazia sempre de forma parcial, geralmente no envolvia todas as Expresses do Poder Nacional e
decorria de objetivos limitados no tempo. No panorama mundial ps-1990, portanto, essas alianas e
pactos no permitiriam o grau suficiente de aumento de Poder Nacional das partes nem a feio permanente que precisaria ter esse somatrio.
Na verdade, o que se requer um processo cooperativo que conduza integrao do Poder
Nacional das partes em todas as expresses. Em segundo lugar, esse processo no pode ter a condio
de soma zero, em que determinados ganhos para uma ou mais partes implique necessariamente
perdas para outra ou outras partes. claro que no se pode evitar a desigualdade de ganhos e perdas
entre as partes envolvidas no processo desde o seu incio, mas a certeza, a longo prazo, da permanncia do processo e a distribuio eqitativa dos benefcios e sacrifcios, assegurar a perseverana no
rumo.
Disso decorre a caracterstica essencial desse processo: uma cooperao diuturna, ativa, reciprocamente benfica de todos os seus participantes.
Esse processo o que denomino de conformao de uma potncia ascendente. Ele inteiramente sui generis e requer alguns esclarecimentos adicionais, para evitar que parea apenas um rtulo
diferente para uma atuao hegemnica ou alguma associao de Estados independentes, a exemplo
das que j existiram no passado.
A figura da potncia regional se caracteriza pelo predomnio de um Estado sobre outros, exercido visando consecuo dos objetivos do primeiro. Alm disso, num esquema de potncia regional
no existe um aumento da soma de Poder Nacional dos seus componentes, podendo haver uma diminuio da mesma decorrente dos prprios objetivos de dominao.
No caso de uma aliana ou pacto, alm de seus integrantes terem objetivos limitados ao alcance
do acordo a que chegaram, persistem alguns objetivos contrapostos, que podem at ser mantidos em
suspenso a fim de no prejudicar o funcionamento da coligao, mas que constituem risco permanente
de comprometimento da mesma.
O bloco regional tambm tem normalmente objetivos limitados em alcance e durao. De forma
geral, algumas expresses do Poder Nacional dos seus membros no so objeto do mesmo tipo de
integrao que buscada em outras.
Logo no comeo do perodo ps-Guerra Fria difundiu-se o termo potncia emergente, para designar os pases cujas economias, embora ainda num estgio econmico muito menos desenvolvido
do que o do pice da pirmide de poder, apresentavam sinais prenunciadores de um aumento significativo de seu Poder Nacional, sobretudo, mas no exclusivamente, na Expresso econmica. O rtulo,

contudo, revelou-se pouco realista e as crises econmico-financeiras da segunda metade da dcada de


1990 retiraram-lhe transcendncia.
A potncia ascendente no um Estado isolado, e sim um conglomerado de Estados que se vo
transmudando numa potncia ascendente. O conceito de potncia ascendente contm, na verdade, um
elemento to dinmico que difcil distinguir entre o processo de sua conformao e sua efetiva
concretizao. O prprio qualificativo ascendente sublinha esse dinamismo, alm de implicar uma
atuao que busca a ascenso aos patamares superiores da estrutura de poder.
Naturalmente, o processo de formao da potncia ascendente se desenvolve em torno de um
Estado ncleo, que opera como se fosse um catalisador do processo. claro que esse Estado tem que
reunir caractersticas de Poder Nacional que o habilitem naturalmente para essa funo. Nessa etapa
inicial, pode-se dizer que ele a potncia ascendente, embora no futuro, como se objetiva, esta ser o
conjunto dos Estados que passaram por esse processo catalisador. Alm disso, tratar-se- de uma
catlise buscada por todos os participantes do processo, no apenas acidental ou automtica e jamais
imposta por um ou alguns aos demais, implementado-se formas eficazes de cooperao no espao
geopoltico imediato. Portanto, no se trata do exerccio de capacidade hegemnica, como ocorria
com as antigas potncias regionais, mas sim da busca de uma atuao coordenada, harmnica e benfica para todos. Assim se chegar a uma situao em que a potncia ascendente no ser apenas o pas
ou pequeno grupo de pases que, graas ao seu Poder Nacional, exerceram o papel de liderana do
incio do processo, mas sim o conjunto de pases nucleados em torno dele. Precisamente porque existe
essa busca coletiva, ser possvel chegar-se a um efetivo aumento do Poder Nacional de cada um dos
integrantes e, conseqentemente, do conjunto.
Inevitavelmente, ao longo do processo e muito especialmente em seus estgios iniciais, haver
grandes assimetrias na repartio de benefcios e sacrifcios dos participantes. Por isso mesmo, ser
indispensvel uma permanente e meticulosa anlise de todas as etapas do processo, com perfeita transparncia de procedimentos e resultados entre os seus condutores.
Com todos esses esclarecimentos e especificaes, podemos chegar a um conceito abrangente:
Potncia ascendente o pas (ou grupo de pases) que j dispe, efetivamente ou em potencial,
das condies indispensveis para exercer influncia predominante em seu Espao Geopoltico imediato, atuando como catalisador do Poder Nacional dos Estados nele compreendidos, visando a uma
participao ativa no relacionamento internacional.
Cabe aqui a indagao sobre a viabilidade desse processo. Apesar das dificuldades amplamente
demonstradas pela Histria da obteno e da permanncia de esquemas de harmonizao eficaz entre
Estados, j existe grau suficiente de maturidade em algumas culturas para permitir a confiana em que
o processo de formao de potncia ascendente factvel.
O mecanismo pelo qual evoluir a Potncia Ascendente o da cooperao integrativa. A escolha desta Expresso visa a sintetizar as caractersticas essenciais desse processo novo e inovador.
Nesta etapa histrica que se inicia, a cooperao e a integrao no mbito internacional precisam ser
corretamente compreendidas.
Ao longo da Histria sempre houve uma variedade de formas de cooperao entre os Estados.
Nas ltimas dcadas, em funo da proliferao (j mencionada) dos organismos multilaterais e mecanismos internacionais, alm dos esquemas bilaterais, surgiram vrias entidades que, pelo menos na

sua concepo inicial, visavam a promover, estruturar e implementar programas de cooperao entre
Estados. Contudo, tanto no plano bilateral, como no nvel multilateral, esses esquemas de cooperao
no escapavam s caractersticas comuns do relacionamento internacional moderno, em que sempre
existem outros interesses por trs desses programas. Muitas vezes h interesses no declarados, que
podem de fato causar prejuzos a alguma ou algumas das partes. Mas mesmo quando todos os interesses so conhecidos e aceitos, observa-se uma tendncia a implementar essas modalidades de cooperao como parte de uma ao diplomtica, como elementos auxiliares de uma Poltica Externa.
A concepo de cooperao que, a meu ver, precisa ser adotada para a formao de uma potncia
ascendente essencialmente diferente de todas as formas precedentes. A sua dinmica integracionista
tambm difere dos projetos de integrao vistos at hoje. No caso da cooperao integrativa, existe um
processo, que se auto-alimenta e se auto-refora medida em que se vai desenvolvendo, de continuado aumento do Poder Nacional do conjunto atravs do aumento do Poder Nacional de cada integrante.
No passado recente podem ser vistos exemplos desses aumentos concomitantes e jamais conflitantes
de ganhos para as partes e para o conjunto nas situaes legtimas de investimentos externos de
longo prazo em setores produtivos. Um determinado pas, por carecer de nvel suficiente de poupana
interna para aumentar o produto nacional, busca atrair poupanas externas. Evidentemente, quando se
trata de investimentos meramente especulativos, o ganho desses especuladores necessariamente
uma perda para o pas recipiente. (A analogia, nesse caso, seria com a situao de uma potncia
regional, nos moldes historicamente conhecidos, em que o aumento do seu ganho implica perdas para
os pases submetidos sua hegemonia). O investimento produtivo de longo prazo, ao contrrio, gera
ganhos para o investidor e o recipiente, havendo portanto um ganho para o conjunto (investidor +
recipiente) e para cada um dos dois componentes da equao. claro que, no decurso desse longo
prazo, haver momentos ou etapas em que um dos dois ter ganhos maiores em relao ao outro, mas
o resultado final ser positivo para ambos. Os sacrifcios tambm so feitos por ambos, embora possam ser de natureza diferente. Assim, por exemplo, o recipiente pode abrir mo de certas receitas
fiscais, atravs de iseno temporria de tributos, enquanto o investidor se resigna a no auferir lucros
lquidos durante um certo perodo a fim de manter elevado o nvel de reinvestimento. Essa
exemplificao est, claro, circunscrita Expresso Econmica do Poder Nacional, enquanto que no
processo de conformao da potncia ascendente o processo se d simultaneamente em todas as expresses do Poder Nacional.
Para melhor aquilatar a viabilidade desse processo, vejamos a seguir dois casos concretos, que
representam o que se poderia chamar de um exemplo imperfeito e de um comeo possvel de
potncia ascendente.
4.

Um Exemplo Imperfeito

A atual Unio Europia (UE) pode ser vista como um exemplo, ainda que imperfeito, do processo de cooperao integrativa requerido para a formao de potncia ascendente. A imperfeio do
exemplo provm das circunstncias em que se originou a UE, que so muito diferentes daquelas em
que, agora, podero se formar potncias ascendentes. Dentre essas circunstncias bastaria citar o panorama geoestratgico em que se iniciou e desenvolveu a UE, ou seja, em plena Guerra Fria. Esse
panorama, somado ao fato de que se buscava a integrao de pases que acabavam de se digladiar no
sangrento conflito da II Guerra Mundial, explica os objetivos limitados visados pelo Tratado de Roma
(1958), que procurava apenas criar um mercado comum em parte da Europa Ocidental.
Porm, mesmo com essas e outras diferenas, a evoluo que chegou ao estgio presente da UE,
inclusive com a adoo de moeda nica (o Euro), rica em ensinamentos para o processo de formao
de potncias ascendentes no 3o milnio. Esses ensinamentos no se limitam aos aspectos referentes
aos povos desses pases, mas tambm ao relacionamento desse grupo de pases com o resto do mundo.
Convm refletir, por exemplo, em como os pases membros da UE em momento algum descuraram do
continuado fortalecimento da Expresso militar do Poder Nacional de cada um, preservando desse
modo sua capacidade de atuao efetiva no panorama mundial. Alis, deve-se sublinhar o fato, que

confirma o comentrio precedente, de haverem os integrantes da OTAN, aps o desaparecimento do


Bloco Sovitico e do Pacto de Varsvia (at ento sua declarada razo de ser), no s mantido essa
aliana essencialmente militar, como ampliado ainda mais sua eficcia de modo continuado, inclusive
com a admisso, como membros plenos, de pases que integravam o prprio Pacto de Varsvia. Muito
significativo tambm, neste contexto, o empenho, de alguns anos para c, da UE em dar mpeto real
Unio Europia Ocidental (UEO) 2 e ao Eurocorpo 3, sinalizando uma clara inteno de conduzir
separao das foras armadas da UE das de seus dois aliados extra-continentais da OTAN (Estados
Unidos e Canad).
Um outro aspecto da conduo geoestratgica da UE tambm encerra teis ensinamentos: o
relacionamento especial entre ela e a superpotncia, sua madrinha benfeitora logo aps a II Guerra
Mundial, posteriormente sua aliada militar mas parceira na expanso econmica em mbito global e,
finalmente, sobretudo aps 1990, sua rival na condio de ambos como dois dos trs vrtices do poder
econmico mundial. um tipo semelhante de relacionamento especial, em que exista compreenso
objetiva e aceitao recproca dos objetivos de cada um, que precisa ser buscado pela potncia ascendente em formao junto ao seu CPE patrocinador.
Um terceiro elemento que proporciona bons ensinamentos a atribuio de personalidade jurdica internacional comunidade europia, inclusive com poderes para emisso de passaporte e com
reconhecimento diplomtico pela maioria dos pases ocidentais, nos quais foram inclusive instaladas misses diplomticas. Note-se que essa personalidade internacional no substitua nem reduzia a
atuao plenamente soberana de cada pas membro da comunidade no quadro das relaes internacionais, e sim dava a esta um voto a mais, inclusive em muitos organismos multilaterais.
Sem evidentemente esgotar o amplo leque de exemplos, considere-se a maneira como a comunidade europia soube fazer valer seu efetivo Poder Nacional coletivo para impor aos demais pases o nus da sua Poltica Agrcola Comum (PAC), segundo a qual foi criado e se mantm at hoje
vasto programa de subsdios ao setor agropecurio dos pases membros, com vultosos prejuzos para
as exportaes primrias de inmeros outros pases. No campo interno, deve-se ressaltar o acatamento
da assimetria dos setores agropecurios dos membros, refletida nas disparidades dos totais de subsdios recebidos por cada um deles (o maior recipiente a Frana, com 10,38 bilhes de dlares em 1997,
e o menor Luxemburgo, com 3 milhes de dlares).
5.

Um Comeo Promissor

O MERCOSUL pode ser considerado como anlogo etapa inicial do Mercado Comum Europeu, pois o Tratado de Assuno contm, como acontecia com o Tratado de Roma, objetivos circunscritos a uma integrao essencialmente econmico-comercial. Tal como se deu com os seis membros
iniciais do MCE, os quatro membros fundadores do MERCOSUL procuraram se concentrar no processo de formao de um mercado comum regional. Sem desprezar as vantagens j auferidas nem
ignorar os riscos e as dificuldades para sua implementao plena, preciso equacionar todos esses
elementos segundo uma tica compartilhada pelo Brasil e por seus associados, com metas de mdio e
longo prazos, ou seja, luz de um processo de formao de potncia ascendente. por essa tica que
precisa ser reativada a proposta brasileira de criao de uma rea de Livre Comrcio Sul-Americana (ALCSA), colocando num plano cronologicamente posterior as proposies defendidas pelos Estados Unidos, com graus variveis de intensidade, do estabelecimento de uma rea de Livre Comr-

2
So Membros da UEO: Alemanha, Blgica, Espanha, Frana, Gr-Bretanha, Grcia, Holanda, Itlia, Luxemburgo e Portugal. Tm status de
Observador na UEO: ustria, Dinamarca, Finlndia e Sucia.
3
Integram o Eurocorpo: Alemanha, Blgica, Espanha e Frana.

cio das Amricas (ALCA).


Os bons frutos gerados pelo MERCOSUL no campo comercial, bem como as inevitveis dificuldades surgidas periodicamente, em funo de desequilbrios ocasionais das balanas comerciais
bilaterais de seus membros, tm levado os dirigentes e tecnocratas desses pases a se concentrarem nos
temas econmico-comerciais. Foram assim deixados em segundo plano idias e projetos de integrao
em outros campos do relacionamento intra-MERCOSUL, com duplo prejuzo. Por um lado, o processo fica circunscrito a uma parcela da Expresso econmica do Poder Nacional dos membros, desviando-os cada vez mais do caminho da potncia ascendente. Por outro, torna-se cada vez mais difcil
persuadir esses povos da necessidade de serem aceitos, nas etapas de evoluo rumo potncia ascendente, sacrifcios e vantagens temporariamente desiguais. Na verdade, a prpria concepo de cooperao integrativa, se for desenvolvida e posta em prtica com relao s outras Expresses do Poder
Nacional, facilitar, em vez de agravar, os problemas prprios do intercmbio comercial intraMERCOSUL.
Simultaneamente, indispensvel que se aprofundem os entendimentos visando a uma coerncia
na atuao dos membros do MERCOSUL no campo externo. No se trata aqui pelo menos no curto
prazo de se pretender uma poltica externa comum, mas sim de impedir iniciativas que possam
debilitar a postura geopoltica e geoestratgica do MERCOSUL como um todo perante outros atores
do cenrio internacional, em especial os trs Centros de Poder Econmico (CPEs). Isso deve ser feito
tanto no mbito do relacionamento bilateral de cada pas-membro com terceiros pases como na atuao em organismos internacionais e nos dilogos com as organizaes no-governamentais (ONGs).
Os estudos e providncias especificamente relacionados com a Expresso militar j contam com
programas implantados visando confiana recproca e cooperao em nvel de estado-maior. Urge,
contudo, ampliar e aprofundar conversaes que permitam o fortalecimento integrado das foras armadas dos pases-membros dentro da concepo de revitalizao dessa Expresso do Poder Nacional
conjunto.
A conjugao da escassez de recursos adequados com a velocidade dos avanos cientficotecnolgicos aplicados na atividade econmica faz aumentar em progresso geomtrica o distanciamento
entre os pases em vias de desenvolvimento e os pases tecnologicamente atualizados. Portanto, um
contexto que requerer intensa participao de autoridades governamentais e do setor privado o da
Expresso cientfico-tecnolgica, sobretudo tendo em vista a proteo da propriedade intelectual combinada com o compartilhamento, num sentido de somatrio integrado, do conhecimento e da pesquisa.
Por ltimo, a Expresso psicossocial poder, se tratada com perseverana e viso, fornecer a
atmosfera conducente mais fcil aceitao, pelos povos dos pases-membros, das caractersticas nem
sempre amenas do processo de cooperao integrativa. Atravs dos esforos nesse sentido, ser possvel criar condies mais favorveis para que as classes polticas participem com maior intensidade e
sem temores do processo em pauta.
6.

Riscos e Ameaas

No processo de formao de potncia ascendente ser de vital importncia atentar sempre para
certos riscos e ameaas, alguns semelhantes aos que o passado histrico revela saciedade, outros
mais sutis e por isso mesmo mais perigosos inerentes a esse prprio processo.
Dos riscos mais conhecidos, pode-se mencionar, a ttulo exemplificativo, o papel real dos organismos internacionais. J me referi a esse ponto em outros artigos e em vrias palestras. Por isso,
limitar-me-ei aqui s duas concluses principais decorrentes de anlise objetiva do desempenho desses organismos. A primeira que, apesar de seus objetivos declarados, os organismos internacionais
acabam por servir aos interesses dos Estados que de fato direcionam sua atuao. A segunda que a
Nao que no puder defender seus prprios interesses no deve jamais esperar que qualquer organismo internacional o faa por ela. Analogamente, as ONGs, quaisquer que sejam os objetivos altrustas

que apregoam, na verdade so, quase todas, braos auxiliares da poltica externa dos principais atores
da cena internacional.
Outra ameaa reside na falcia da chamada liberalizao do comrcio internacional. Na prtica, o intercmbio comercial mundial continuar sendo essencialmente gerenciado, ou seja, suas
condies efetivas sero determinadas pelos interesses dos Estados que dominam o quadro econmico-financeiro mundial. Nesse contexto, deve-se tambm ressaltar o fato de que a multinacionalidade
das empresas globais se aplica na realidade ao mbito territorial em que atuam, mas sua fidelidade
permanece devotada aos pases em que tm suas matrizes. De resto, o restabelecimento, na etapa
iniciada aps 1990, da primazia dos objetivos econmicos sobre os poltico-militares, trouxe como
conseqncia a coincidncia quase constante dos objetivos estratgicos das empresas multinacionais e
dos Estados onde tm suas sedes. precisamente esse fato que empresta especial virulncia ao processo popularmente denominado de globalizao.
Os perigos mais insidiosos, contudo, so aqueles que se vm delineando e repetindo com freqncia sob a capa enganosa da modernidade. O mais srio deles sem dvida a teoria de que o
carter amplo e irrestrito da soberania coisa do passado. Ouvem-se afirmaes, geralmente estribadas na defesa de causas inegavelmente nobres, de que preciso fazer o conceito do soberania evoluir
para formas modernas de soberania limitada. Ora, o processo de formao de potncia ascendente
conduzir, necessariamente, a uma mudana dos limites territoriais da soberania, mas em momento
algum se deve admitir que esta seja afetada na sua essncia. Em outras palavras, se uma potncia
ascendente for constituda pelos pases B, C e D, tendo o pas A como ncleo catalisador, para o xito
da formao da potncia ascendente os quatro tero que, paulatinamente, ir aceitando reciprocamente
limitaes ao exerccio de sua soberania respectiva, preservando contudo intacta sua essncia. S
quando se chegar ao estgio final da potncia ascendente, esta assumir, na sua totalidade, a essncia
da soberania dos quatro. Alis, somente se preservarem intacta essa essncia os pases que vo formar
a potncia ascendente tero a capacidade de aceitar mutuamente as limitaes ao exerccio da soberania, de modo a legar, igualmente intacta, essa essncia soberana potncia ascendente em que se
transformaro. E s se detiver ntegra essa soberania, a futura potncia ascendente poder desempenhar o papel ativo que se pretende para ela no mbito internacional.
Outro ponto extremamente delicado e que precisa ser entendido com clareza o relacionamento
da potncia ascendente em formao com os CPEs. No seria realista supor que o processo de formao de uma potncia ascendente se pudesse desenvolver sem uma interao com os CPEs. Na verdade,
quase inevitvel que o processo requeira um apoio efetivo de pelo menos um dos trs CPEs. Entretanto, esse patrocnio precisa ser extremamente bem definido, de modo a evitar que a relao entre
a potncia ascendente e o CPE em causa se desvirtue em alguma forma de subservincia. Isso equivale
a dizer que fundamental que o CPE patrocinador de fato perceba a formao dessa potncia ascendente como benfica para os seus prprios objetivos.
Por outro lado, dada a feio competitiva do relacionamento dos trs CPEs entre si, muito
importante que esse relacionamento especial entre a potncia ascendente em formao e o seu CPE
patrocinador no seja visto pelos outros dois CPEs como uma circunstncia nociva aos seus respectivos objetivos. Cabe, portanto, potncia ascendente empenhar-se para que o seu relacionamento com
cada um dos outros dois CPEs seja mantido no melhor nvel compatvel com a relao primordial com
o que lhe empresta patrocnio. Atente-se para o fato de que no se trata aqui, em absoluto, de duplicidade
ou manipulao enganosa desses relacionamentos, mas sim de definio clara das vantagens que podem ser conseguidas por todos atravs do processo mesmo de formao da potncia ascendente.
As radicais mudanas dos quadros geopoltico e geoestratgico no mundo ps-1990, contudo,
levaram os trs CPEs a vislumbrar a perspectiva de efetivamente conduzir o relacionamento internacional em seu prprio benefcio, com o inevitvel prejuzo individual do Poder Nacional dos demais

Estados. justamente essa ltima caracterstica que torna o processo da globalizao pernicioso para
a grande maioria dos pases.
fundamental entender a aparente contradio entre os processos simultneos da globalizao
da economia mundial, por um lado, e a regionalizao atravs de blocos econmicos, de outro. Na
realidade, o chamado processo de bloquismo nada mais do que uma etapa do processo de
globalizao, por trs razes principais, a saber: (a) dois dos maiores Blocos Econmicos Regionais
(BERs) so efetivamente dirigidos por dois dos trs CPEs (o NAFTA e a UE+AELC); (b) os trs CPEs
participam ativamente de vrios outros BERs (sob diferentes modalidades do ponto de vista formal),
devendo-se destacar especialmente a APEC e a ASEAN, e (c) os BERs menores tendero inevitavelmente a serem absorvidos por BERs maiores ou a aderir a eles.
7.

Concluso

Pela viso que se tem comumente de como se desenrolou o relacionamento entre os povos, ao
longo da Histria, difcil considerar as proposies apresentadas neste artigo como realistas ou viveis. Ser grande a tentao de qualific-las como utpicas. Para o leitor que assim pense, sugiro
imaginar qual teria sido a reao de um cidado ateniense, ativamente partcipe da vida democrtica
de sua polis, a uma proposio de que Esparta e todas as demais cidades-estados da pennsula helnica
deveriam e poderiam se fundir todas numa s nao grega, detentora da soberania exclusiva e irrestrita
em todo o territrio por elas ocupado. E nem preciso recuarmos to longe no tempo: em 1944 seria
inimaginvel a possibilidade de que, em apenas meio sculo, toda a Europa Ocidental estaria integrada numa comunidade com as caractersticas da atual Unio Europia, que j se amplia para outras
reas do continente europeu.
Convm tambm ter presente que a realidade econmica mundial revela claramente a prevalncia
do comrcio gerenciado, negando na prtica a retrica da liberalizao do comrcio internacional. A
reconhecida debilidade das decises da Organizao Mundial do Comrcio (OMC) demonstra que a
atuao dos Estados no mbito desse comrcio gerenciado depender de seu efetivo Poder Nacional.
Isso refora a necessidade da ampliao continuada do Poder Nacional dos Estados, o que, no caso de
muitos deles, como indicamos no corpo deste artigo, s ter a magnitude necessria atravs da conformao de potncia ascendente.
Para sublinhar essa contingncia, ressalto o fato de que, queira-se ou no, permanece vigente o
pensamento de Armand Jean du Plessis, Cardeal de Richelieu1, inscrito no seu Testamento Poltico:
() em questes de Estado, quem tem a fora geralmente tem a razo e quem fraco apenas, e com
dificuldade, consegue no ser visto como culpado pela maioria do mundo.
Como fecho dos pensamentos e proposies expostos neste artigo, deixo reflexo do leitor um
princpio decorrente da observao da realidade histrica:
A Nao que no traar seu prprio rumo o ter traado por outra.
(*) Embaixador

Primeiro Ministro da Frana (reinado de Lus XIII) de 1624 a 1642, quando morreu.

PRINCPIOS DE SOBERANIA E AUTODETERMINAO DOS


POVOS NA POLTICA INTERNACIONAL
Ives Gandra da Silva Martins(*)
Tema que volta baila em decorrncia dos tratados internacionais que o pas vem assinando,
reside nos pontos que podem afetar a soberania nacional, em face de eventual perda de controle do
princpio da razoabilidade por parte dos rgos que cuidam da prevalncia dos tratados sobre o direito
interno.
Trs grandes vertentes de pensamento dominam, atualmente, as reflexes sobre o direito internacional: a primeira delas, entendendo, deva este prevalecer sobre o direito interno; a Segunda, que a
soberania das naes relativisou-se perante o direito internacional; e a terceira, que os princpios de
direito natural, expressos na declarao universal dos direitos fundamentais, prevalecem sobre o direito internacional, comunitrio ou interno (1).
A discusso acadmica, todavia, perde espao para uma realidade em que as grandes naes
continuam impondo seus estilos e sua fora s naes mais fracas, inclusive por incurses blicas,
permitindo-se, todavia, no respeitar tais princpios internamente. Em outras palavras, so mais
especializadas em exigir o dever de casa dos outros povos, que cumprir tal dever em sua prpria casa.
H realidades inequvocas de fortalecimento do direito internacional pblico, principalmente
nos espaos comunitrios (UE, NAFTA, Mercosul, pacto do Caribe etc), realando-se a Unio Europia, hoje mais uma Federao de pases, que uma Confederao, na medida em que o Parlamento
Europeu, o Tribunal de Luxemburgo e, para 11 pases, o Banco Central Europeu, tm mais fora que
as Casas Congressuais, os Tribunais e os prprios Bancos Centrais internos, nos assuntos comunitrios (2).

(1)

Celso Bastos, todavia, continua a defender a tese da soberania ampla: "A ordem internacional reinante repousa ainda sobre o
conceito da soberania do Estado. Embora a interdependncia crescente entre os Estados acabe por diminuir a efetiva capacidade de
autodeterminao, no h dvida, contudo, que os Estados preservam a ilimitao do seu poder, impedindo a formao de uma ordem
jurdica internacional cogente que viesse a lhes trazer uma efetiva limitao nas suas possibilidades de ao autnoma. Mesmo os laos
mantidos com organismos internacionais no so, de molde, a retirar dos Estados este papel de protagonistas por excelncia da cena
internacional" (Comentrios Constituio do Brasil, 1o volume, Ed. Saraiva, 1988, p. 454/455).

(2)

Sobre o Mercosul, Maria Tereza Crcomo Lobo ensina:

"O tratado do Mercosul foi considerado pelos Estados contratantes como um novo avano no esforo tendente ao
desenvolvimento progressivo de integrao da Amrica Latina, revestindo a particularidade de ter fixado, previamente, um perodo de
preparao para o estabelecimento do mercado comum, sua finalidade precpua, situando-o em 31 de dezembro de 1994.
Durante o perodo de transio, o conjunto institucional do Mercosul era constitudo pelo Conselho do Mercado Comum e pelo
Grupo Mercado Comum. O primeiro, com funes essencialmente polticas, tanto na definio dos princpios informadores do processo
de integrao, quanto na tomada das decises que o conformam. O segundo, como rgo fundamentalmente executivo das regras
traadas.
Em cumprimento do disposto no art. 18 do Tratado de Assuno, em 17 de dezembro de 1994 foi assinado na cidade de Ouro
Preto o protocolo Adicional ao Tratado de Assuno, que disps sobre a estrutura institucional definitiva dos rgos de administrao
do Mercosul.
No Brasil, o Protocolo de Ouro Preto foi aprovado pelo decreto legislativo no 188, de 15 de dezembro de 1995, o Instrumento de
Ratificao foi depositado em 16 de fevereiro desse ano e a sua promulgao ocorreu em 9 de maio de 1996 pelo Decreto no 1901"
(Ordenamento Jurdico Comunitrio, Livraria Del Rey Editora, Belo Horizonte, 1997, p. 99/100).

evidente que o fantstico avano da Unio Europia, nos ltimos 40 anos visto que o Tratado
de Roma da dcada de 50 no eliminou as preocupaes que ainda permanecem sobre o futuro da
comunidade. A estabilidade monetria para o fortalecimento do Euro impe rgida poltica oramentria em cada pas que adotou a moeda, no podendo ultrapassar 3% de dficit pblico no conceito
nominal, isto , naquele em que as prprias variaes monetrias e cambiais integram-se, nada ficando
de fora entre receitas e despesas. Ora, quaisquer desequilbrios provocados nas economias dos pases
signatrios, principalmente na economia dos menores em face de uma crise global, nada obstante o
mecanismo de assistncia e interveno adotados, poderiam provocar reflexos nos outros pases, j
que a moeda no pertencer a este ou aquele pas, mas comunidade europia, devendo-se transformar, no prximo sculo, no apenas em moeda escritural, mas de livre circulao.
O robustecimento do direito comunitrio decorre, todavia, do fenmeno da globalizao, que
torna cada vez mais as economias interdependentes, porm mais fracas, mais dependentes das mais
fortes (3).
interessante notar que os pases mais desenvolvidos em suas deliberaes, o G-7 no
permitem que os pases menos desenvolvidos participem, valendo as linhas gerais que estabelecem
para o mundo como uma imposio dos mais fortes, que se negam a ouvir as sugestes dos mais
fracos.

(3)

Escrevi:

Vive o mundo inteiro uma iluso, qual seja a de que o endividamento pblico tem lastro suficiente para suportar todos os investimentos privados,
principalmente os financeiros. Nesta iluso, lastreia-se a estabilidade do sistema financeiro mundial e a capacidade de os governos continuarem a
retirar poupana popular para financiar suas despesas, gastando recursos em atividades produtivas e no produtivas, principalmente no que diz
respeito manuteno de sua mquina burocrtica, que cresceu assustadoramente em todos os pases, na 2a metade do sculo, confirmando a
validade do pensamento de Adolf Wagner de que as despesas pblicas tendem sempre a crescer e nunca a diminuir.
Os Estados Unidos tm uma dvida pblica em torno de 2/3 do PIB, a Itlia de 100%, a Irlanda de 150%, o Brasil de 50%, dvida esta sem lastro real,
o que vale dizer, seu lastro a confiana dos investidores de que o governo no dar um calote pblico, apesar de as evidncias demonstrarem que
os governos tm dvidas incomensuravelmente superiores s suas foras econmicas.
Ocorre que todas as tentativas, no mundo inteiro, de os pases, desenvolvidos ou no, reduzirem seus dficits revelam-se desalentadoras, continuando, a dvida pblica mundial, a crescer. Cresce tambm a sua falta de lastro com o que, apenas por uma profisso de f, o mundo gira com papis
lastreados em outros sem lastros de todos os governos.
Todos os operadores conhecem esta realidade, mas, como trabalhar com dinheiro de terceiros fundamental, urge que demonstrem uma f no sistema
financeiro internacional capaz de manter sua estabilidade, apesar da absoluta falta de estabilidade dos focos de tenso, que so os perfis da dvida
interna e externa de cada pas.
Haver, todavia, um momento em que a manuteno do dficit pblico financiado pelas aplicaes em todo o mundo no poder ser mantido, no
por fora do sistema atual que torna esta realidade apenas conhecida dos que com ela operam, mas por fora do conhecimento crescente dos
investidores e no s dos operadores do real perfil de sua poupana, que s existe porque todos acreditam que os Estados so tnicos e respeitveis e honraro sempre sua dvida.
Estou convencido de que no momento em que uma das grandes naes do grupo dos 7 tiver um descontrole capaz de abalar as finanas de inmeros
pases mais vinculados , o efeito poder ser to grande quanto o da iluso das bolsas em 1929, nos Estados Unidos.
Quanto mais examino as teorias econmicas modernas todas procurando sadas marginais para evitar o problema do enfrentamento do descontrole
dos dficits pblicos mais eu me conveno de que servem elas apenas para anestesiar a capacidade de raciocnio dos que giram luz desse
sistema deslastreado.
Estou, tambm, convencido de que a estabilidade para atividade econmica sadia, com investimentos no ilusrios, apenas seria possvel se todas as
naes controlassem seus dficits pblicos. Mas, por ser utpica tal pretenso, a Economia continuar evoluindo e progredindo at o desastre,
pois seu lastro maior de investimento no existe. A economia da iluso gera uma euforia cujo preo maior ainda est por ser pago (Uma viso do
mundo conteporneo, Ed. Pioneira, 1996, p. 91/92).

evidncia, os pases mais desenvolvidos continuam a controlar os mecanismos econmicos e


a intervir, sempre que entendam necessrio, na soberania das outras naes, sem respeito maior ao
direito internacional pblico, enquanto reflexo do princpio da autodeterminao dos povos.
A guerra contra o Iraque, a guerra de Kosovo, embora justificadas do ponto de vista tico (defesa
do Kuwait invadido e da etnia albanesa), pois em ambos os casos houve violaes por parte de Hussein
e Milosevic de direitos soberanos e fundamentais do ser humano, no escondem interesses outros que
no apenas aqueles de imposio das regras dos mais fortes na convivncia entre os povos. Os Estados
Unidos e seus parceiros mais desenvolvidos no intervieram no massacre da populao portuguesa de
Timor, pois l os interesses econmicos so menores, muito embora o custo operacional de uma interveno seria tambm muito menor que os splielberguinianos ataques areos Iugoslvia. Da mesma
forma, a nao curda tem sido dizimada pelos turcos e iraquianos, com um conivente silncio das
naes mais desenvolvidas, em clara demonstrao de que o verniz tico apenas cobre os interesses de
predomnio das naes mais civilizadas, quando seus prprios interesses esto em jogo (4).
Prova inequvoca est no protecionismo econmico da Unio Europia para com sua onerosa
produo agropecuria, impedindo a entrada de produtos latino-americanos em condies de
competitividade maior, o que vale dizer, para efeito de produtos agropecurios, a Unio Europia
adota a criticadssima teoria do protecionismo mais antiquado, mais absurdo, mais condenvel, em
tempos de globalizao. Defende, todavia, a aberta globalizao para seus produtos industrializados,
que invadem a Amrica Latina e os pases menos desenvolvidos, luz do livre comrcio, com sucessivas incurses OMC, protestando contra medidas protecionistas dos pases emergentes, sempre que
busquem estes assegurar um mnimo de capacitao industrial perante os produtos estrangeiros.

(4)

O artigo 4o da Constituio Brasileira tem a seguinte dico:


"A Repblica Federativa do Brasil rege-se nas suas relaes internacionais pelos seguintes princpios:
I.
independncia nacional;
II.
prevalncia dos direitos humanos;
III. autodeterminao dos povos;
IV.
no-interveno;
igualdade entre os Estados;
V.
defesa da paz;
VI.
VII. soluo pacfica dos conflitos;
VIII. repdio ao terrorismo e ao racismo;
IX.
cooperao entre os povos para o progresso da humanidade;
X.
concesso de asilo poltico.
nico. A Repblica Federativa do Brasil buscar a integrao econmica, poltica, social e cultural dos povos da Amrica Lati na,
visando formao de uma comunidade latino-americana de naes".
Apesar da nobreza dos princpios, o Brasil tem pouca fora para faz-los respeitados.

Por outro lado, os Estados Unidos no s no admitem que os tratados internacionais prevaleam sobre o direito interno, como, atravs dos countervailing duties, ou seja, das sobretaxas sobre
produtos importados, decidem por conta prpria que setores internos devem ser protegidos, alegando
a existncia de subsdios quanto aos produtos importados. Exercem um protecionismo to condenvel
quanto o europeu em relao aos produtos agropecurios.
de se lembrar que as grandes sesses do GATT, no passado, e da OMC, no presente, foram e
so convocadas sempre pelos Estados Unidos ou por pases desenvolvidos, tendo firmado regras teoricamente consensuais os pases emergentes apenas subscreveram os acordos elaborados pelos pases desenvolvidos as quais, evidncia, beneficiam a melhor tecnologia e a maior quantidade de
capitais dos pases desenvolvidos em relao aos emergentes.
de se lembrar que autores como Roberto Campos, indiscutivelmente uma das mais brilhantes
inteligncias do Brasil neste sculo, chegam a defender a tese de que os pases emergentes, na
globalizao, devem assegurar nichos de desenvolvimento em reas em que estariam mais habilitados que os desenvolvidos, pela impossibilidade de concorrncia nos grandes segmentos econmicos (5).
Em direito internacional, o jurista estuda as regras e as examina como foram postas, mas cabe ao
filsofo, ao socilogo, ao economista e ao humanista perceber as grandes linhas que o conformam.
Sempre houve um direito internacional, tendo sido, talvez, os romanos, com o jus gentium, os que
ofertaram a regulao que veio a ser amplificada no mundo moderno. A caracterstica fundamental
sempre foi o do predomnio dos mais fortes. Na ONU, com seu Conselho de Segurana em que
algumas naes so privilegiadas em relao a outras , basta o veto de um nico desses pases para
impedir qualquer deciso (6).
Com toda a evoluo semntica dos textos internacionais, com todo o fortalecimento dos direitos comunitrios, com toda a massificao da mdia sobre a importncia da integrao dos povos
atravs dos organismos plurianacionais, as regras da internacionalizao continuam, ainda, no mundo
de hoje, sendo ditadas pelos pases mais fortes e as regras da economia pelo Grupo dos Sete, hermtico
e superior, que discute e impe, na decorrncia, a poltica mais adequada para todo o mundo, em sua
especial viso, como se fossem seus integrantes os senhores do tempo e da Histria.

(5)

Roberto Campos, inclusive, justifica as atitudes americanas pela inquietao de seu povo ao dizer:

"E no sem razo. A maioria dos americanos est cansada de pagar cada vez mais (s na dcada de 80, os gastos de estados e
municipalidades mais do que dobraram) por conta de novas obrigaes provenientes das coceiras eleitorais e da covardia dos polticos
diante de interesses especiais estridentes. Segundo pesquisas de opinio, os americanos acham que o governo se tornou to poderoso,
que constitui uma ameaa para os direitos e as franquias dos cidados. Em 92, o candidato Presidncia, Ross Perot, um milionrio
excntrico sem papas na lngua chegou a ter 35% da preferncia dos votos. E muito recentemente, em 1995, 58% do pblico apoiaria
um "terceiro partido", isto , nem democratas, nem republicanos. E tambm, os ndices de satisfao do pblico (alis, no s nos
Estados Unidos como em vrios pases europeus e no Japo), h meio sculo no aumentam, apesar do enorme crescimento da renda
per capita. Ou seja, a afluncia acrescida gera demandas adicionais, mas persiste um descontentamento difuso com a estreiteza do
espao humano individual" (O Estado do Futuro, Ed. Pioneira, 1998, p. 31).
(6)

D'Ors sobre o "jus gentium" que decorre do "jus civile" escreve:

" 32. Los romanos tuvieron justa consciencia de la superioridad de su ius civile. Puede decirse, en efecto, que ste es el
derecho "civilizado" por excelencia. Pero en l hay instituciones que se consideran como de validez general para todos los pueblos
relacionados com Roma, porque se fundan, ms que en la forma en el principio de lealtad a la palabra dada, es decir, la fides.
Las fides es una idea central del pensamiento jurdico y poltico de Roma: propiamente, la lealtad a la palabra dada. Es una virtud del
ms poderoso; as, las fides deorum (cfr. La exclamacin "pro deum fidem!") es la proteccin que despensan los dioses, y la fides
romana por excelencia es la firmeza de Roma respecto a sua aliados (de donde foedus, alianza); asimismo hay una fides patroni respecto
a los propios clientes ( 21), una "fides tutoris, iudicis", etc. La "fides" llega donde no alcanza la fuerza vinculante de la forma, y es el
fundamento de todas las obrigaciones no-formales, por ej., el prstamo mutuo ("fidem sequi = credere"). Distinta es la "bona fides", que
se refiere a la lealtad recproca de las dos partes de um contrato ( 452), y de ah quiz (atravs de la "bona fides" del comprador) se
aplica el concepto a la posesin sin conocimiento de perjudicar um mejor derecho ( 147)" (Derecho Privado Romano, Ed. EUNSA,
Pamplona, 1983, p. 62).

evidencia, houve evoluo em determinados mecanismos de proteo dos pases mais fragilizados, sendo a OPEP, no
passado, at a guerra fraticida entre os rabes, e o Mercosul, no presente, enquanto os interesses menores dos argentinos
no puserem em risco o Tratado de Assuno, provas de que poderiam ser criados grupos nacionais de presso sobre a
poltica impositiva dos pases desenvolvidos. A defesa intransigente do Mercosul pelo Presidente da Repblica Fernando
Henrique, contra a presso americana para destru-lo e substitu-lo pela ALCA, que permitiu que os americanos recuassem na sua intransigncia e aceitassem discutir com o bloco e no com cada nao individual a formao da Associao de
Livre Comrcio Americano. de se lembrar que, na formao de espaos comunitrios, permite-se o livre trnsito de bens
e pessoas, tese que a preconceituosa viso dos Estados Unidos no admite, ao ponto de, no NAFTA, os mexicanos no
poderem livremente entrar e sair dos Estados Unidos ou se estabelecer no espao comunitrio (Canad e Estados Unidos),
pois aos americanos apenas interessa o livre trnsito de bens, onde sua competitividade maior do que a de canadenses e
mexicanos.
Mesmo o Canad, na busca de mercados prprios, obteve da OMC, entidade a servio da competitividade dos pases
desenvolvidos, que a equalizao de juros no mercado internacional pelo Proex fosse considerada inaceitvel para o
mercado externo, de tal maneira que os avies canadenses podem ser financiados a juros de nvel internacional, mas os
avies brasileiros s podem ser financiados a juros de mercado brasileiro, ou seja, algumas vezes maiores que os juros
internacionais. Desta maneira, a competitividade, que estaria em poderem canadenses e brasileiros utilizar-se do mesmo
nvel de juros ou financiamento, na viso estrita e aristocrtica dos donos da OMC no assim. Apenas os canadenses
podem se beneficiar de juros internacionais, pois os brasileiros s podem ser financiados pelos juros mais elevados do
Brasil!!! (7)
Tais consideraes eu as trago reflexo, neste breve artigo, para levantar questes que me tm preocupado.
De um lado, a ttulo de defesa de direitos fundamentais, a garantia dos direitos polticos de autoridades de naes menos
desenvolvidas no reconhecida nos pases desenvolvidos, como o caso de Pinochet, que, sendo Senador e membro do
Poder Legislativo chileno, foi preso na Inglaterra para ser julgado na Espanha, por crimes cometidos no Chile, sua ptria.
Fidel Castro, que conta, na sua bagagem, com crimes muito mais hediondos do que os de Pinochet, sobre ter assassinado um nmero maior de pessoas, s no atingido nesta viso elitista por ser de esquerda e o lobby esquerdista mesmo
nos pases mais desenvolvidos, indiscutivelmente muito superior que o da direita. Por isso, pode Fidel Castro viajar
tranqilo, com sua bagagem imensa de violao de direitos fundamentais, pelos pases desenvolvidos, por contar com a
proteo da mdia, embora, a meu ver, tanto Fidel Castro quanto Pinochet deveriam ser julgados por Tribunais Internacionais por terem praticado crimes contra a humanidade (8).
No caso, entretanto, no a minha posio nitidamente contrria violao dos direitos fundamentais que est no cerne
deste artigo, mas a preocupao de que, sob o verniz da defesa dos direitos fundamentais, os pases mais desenvolvidos
sintam-se no direito de violar a soberania dos pases menos desenvolvidos.
Indiscutivelmente, a purificao tnica dos albaneses ignominiosa. A deciso, todavia, de interveno militar, no
foi uma deciso da comunidade internacional, mas dos pases mais desenvolvidos, sem respeito soberania da Iugoslvia.
Embora plenamente justificvel a defesa dos albaneses, o mtodo utilizado e a deciso elitista que o conformou, arranha o
direito internacional e o princpio da soberania das naes.

(7)
A Emb ra er co n tin u a d eb a ten d o na OM C o seu d ireito d e ter ju ro s id n tico s a o s d a Bo mb a rd ier, sen d o , p ois, o P ro ex n o u m
in cen tivo , ma s u m p ro g rama d e eq ua liza o .
(8)

Escrevi:

" Em 1 o d e o u tu b ro d e 194 6 o Trib u na l d e N u remb erg ju lg ou 2 2 n azista s crimin o so s d e g uerra , lu z, exclu siva men te d e
p rin cpio s d e d ireito na tural, co n sid eran do -o s, co m exce o d e 3 d eles, cu lp a do s d e crimes co n tra a h u ma n id a d e. A d efesa de q u e teria m
a p en a s cu mp rido a s leis d e seu p a s e q u e, em u ma vis o p ositivista do d ireito n o po d eria m ser co n d en a do s, n o fo i aca tad a , p o is
d ecid iu a C o rte q ue h p rin cp io s d e d ireito n a tu ra l q ue se so b rep em ao s do d ireito p o sto , se co n tr rio s d ig n id a de e ho n ra h uma na .
Do is a n o s d ep ois, em 1 0 d e d ezemb ro d e 1 94 8 , a Orga n iza o d a s N a es Un id a s p ro mu lgo u su a d ecla ra o u niversa l d e
d ireito s, to rna n do o b rig a t rio p a ra o s pa ses sig nat rios d e sua fo rmu la o , ho sp eda rem, em seu s o rd en a men to s in terno s, aq u eles
p rin cpio s q u e recolo ca va m, lu z d o d ireito , o h o mem em su a d ig n ida d e tra nscend en ta l, q ue adq u ire d esd e o n a scimen to .
Ren C a ssin , ju sna tu ra lista e u m d o s au to res d a C a rta d e 1 94 8 , a ssim exp licava a o rig em da Declara o : " n o p o rqu e a s
ca ra cterstica s fsica s d o h o mem mu d a ra m p o uco d esd e o co meo d o s temp o s verific veis, qu e a lista d e seu s d ireito s fu n d a men tais e
lib erd ad e fo i id ealiza da p a ra ser fixa d a p erma n entemen te, ma s em fu n o d a crena d e q u e ta is direito s e lib erda d es lh e s o na tu ra is e
in a to s" ( "Hu ma n Righ ts since 194 5 : N a Ap p ra isa l" , Th e Grea t id ea s, 1 9 7 1 , Ed . Brita nn ica p. 5).
C o memo ra m-se , e m 1 0 d e d ezemb ro , o s 5 0 a n o s da q u ele hist rico d ocu mento . M u ito s do s p a ses q u e co mp em o co n certo d a s
N a es Un id a s n o resp eita m ta is d ireito s, n em o s h osp ed a m n o seu d ireito intern o , p rincip almen te a s d itad u ra s d e Hu ssein, F id el e a
d a C h ina , o n d e o d esrep eito ao s d ireito s h u ma n o s in equ voco , co m co n d ena es mo rte sem ju lg a men to . De triste memria so o s
" p aredo n s" d e C ub a p a ra ju stifica r fu zila men to s sem d ireito d e d efesa da s pesso a s co n tr ria s a o dita do r C a stro .
O certo , to d a via , q u e a d ecla ra o u n iversal rep resen tou co n sid er vel a va no na co mp reen so da s n a es d e qu e to do o ser h u ma n o
n a sce co m u ma d ig n ida de p rp ria , q u e n o ca b e ao d ireito d e ca da p a s cria r ou n o , mas a p en a s reconh ecer" ( Direito s In d ivid u ais,
In terp ren sa , a n o II, n o 2 0 , d ez/1 9 9 8 , p. 4 ) .

Ora, minha preocupao reside no precedente aberto que poder levar, um dia, tambm sob o verniz de direitos universais, os pases mais desenvolvidos a entender, por exemplo, que, para a preservao da populao indgena ou do meio ambiente da Amaznia, ambos com tratamento constitucional
(artigos 225, 231 e 232), a Amaznia deva ser considerada territrio universal e no mais brasileiro,
decidindo, a ttulo de proteger os ndios e a floresta amaznia, intervir no Brasil (9).
Inmeras vezes, em todos os anos, o tema floresta amaznica e populao indgena abordado, na
mdia e em seminrios internacionais, sendo recorrente a concluso de que o Brasil precisa preservar
a floresta amaznica para o bem da humanidade. Tal repetitivo tema no torna desarrazoado o temor
que manifesto, neste artigo, principalmente quanto tais seminrios e participei de um deles, na Alemanha, em 1991 cuidam da Amaznia como se j fosse parte do ambiente universal a ser preservado pelos mais fortes. Eles, que no souberam preservar suas florestas, querem que ns preservemos,
para eles, nossa floresta. No titubearam em sacrificar o meio ambiente para crescer e se desenvolver.
Agora, necessrio, para o bem estar deles, que ns no cresamos e nem nos desenvolvamos no
espao amaznico.
Em outras palavras, os procedimentos que comeam a ser abertos, na dcada de 90, sobre os limites
da soberania das naes, reduzindo-os a uma concepo internacional que s permite a plena soberania aos pases desenvolvidos, algo que me preocupa, pois, a ttulo de seus nobres ideais, verdadeiros
atentados soberania das naes emergentes podem ser perpetrados, sem que estas tenham um foro
internacional a que apelar (10).
matria que merece reflexo.

(*)Conferencista da Escola Superior de Guerra, Professor Emrito das Universidades Mackenzie,


Paulista UNTP e Escola de Comando e Estado-Maior do Exrcito ECEME, Presidente da
Academia Internacional de Direito e Economia e do Conselho de Estudos Jurdicos da Federao
do Comrcio do Estado de So Paulo

(9)

O "caput" do artigo 225 est assim redigido:

"Todos tm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade
de vida, impondo-se ao poder pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes".
(10)

O "caput" do artigo 231 da Constituio Federal est assim redigido:

"So reconhecidos aos ndios sua organizao social, costumes, lnguas, crenas e tradies e os direitos originrios sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo Unio demarc-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".

GLOBALIZAO
INTERNALIZAO DA
INTERNACIONALIZAO
Jaime Rotstein(*)
Introduo
Recentemente a PROFORUM (Associao para Desenvolvimento da Engenharia), de Portugal, convidou-me para fazer uma
exposio sobre a globalizao na Amrica do Sul. O Frum, que
era sobre globalizao em geral, contou com a participao do Prof.
Augusto Mateus, at recentemente Ministro da Economia; do Dr.
Jos Miguel Anacoreta Correia, vice-presidente do Banco Totta &
Aores, e do Eng. Jos Borges Rayagra, diretor da Profabril
Internacional. A tnica do encontro era essencialmente a soma de
dois sentimentos dicotmicos: o entusiasmo com a consolidao
do Mercado Comum Europeu, com a institucionalizao da nova
moeda, o EURO, e a preocupao com o preo a pagar pelos pases
mais pobres, pela internacionalizao da economia.
Do meu ponto de vista, a globalizao que a forma como
foi batizada a internacionalizao da economia um processo
irreversvel, dificilmente administrvel de dentro do pas para o
contexto das naes, pois o comando do mesmo est totalmente na

mo dos pases ricos. O que os referidos pases esto fazendo perfeio admin istrar a
internalizao da internacionalizao. E, co mo d ifcil fa z-lo s custas dos ricos, procuram
administrar o process o para defender os seus interesses, de preferncia s custas dos pases pobres.
O fen meno da globalizao, se irreversvel, no e xige que enquanto dure seja
acolhido com tamanho entus ias mo que oblitere a viso dos interesses nacionais dos pases menos
desenvolvidos . Ao contrrio, co mo a globalizao o p rete xto para se cobrar cada vez ma is caro a
participao de tais pases no processo, sob pena de exco munho econmica e au mento da pobreza,
preciso admin istrar a s ua internalizao.
E co mo is so pode ser feito? Ser que rec la mar do comporta mento dos pases ricos vai
atenuar as conseqncias do seu conhecido e reconhecido egosmo? A e xperincia mostra que
algumas medidas de proteo dos interesses e soberania nacionais podem ser tomadas, como fruto de
uma correta avaliao geoestratgica, baseadas na forma de segurar um passarinho na mo: no to
apertado que o esmague, nem to frou xo que ele voe.
Para a lcanar a dosagem adequada para admin istrar a internalizao da internacionalizao,
fundamental ter s empre p resente quais so os interesses nacionais em cada caso e e m cada situao,
estabelecendo a forma de ceder o mnimo e otimizar as concesses ao m ximo. Um bo m e xe mp lo de
onde o Brasil e at aqui os s eus parceiros do Mercosul vm gerenciando bem u ma questo
crucial, a p resso americana para a c riao rpida da ALCA, o Mercado Econ mico Co mu m do
Continente Americano. Ou seja, no atacado a poltica do Pas est correta e o Itama rati ve m
conduzindo o process o com co mpetncia. O mes mo j no ocorre no varejo, quando concesses
desnecessrias s o feitas a todo mo mento.
Ainda recentemente, numa lic itao internacional, u ma e mpresa estrangeira criou o ma ior
caso, porque a mes ma fo i ganha por uma e mpresa brasile ira. Para fa z-lo contou com o apoio do
governo de pas desenvolvido, onde tem a sua sede. Foi u ma batalha desigual, e m que o governo
brasileiro resis tiu preocupado com o nvel das presses recebidas. O que ficou claro que u ma
empresa brasile ira , no seu prprio Pas, no deve precisar competir, e m t radio e dimenso, com
empresas es trangeiras , para receber u m contrato. Basta ter as condies efetivas de uma performance
adequada.
H u m co mponente adicional, perverso, que enfraquece a capacidade do Pas de administrar
a internalizao da internacionalizao correta mente. a sua fraqueza econ mica, levando-o a
depender e xagerada mente de emprstimos e capitais volteis, oriundos do exterior. Para evit-lo
fundamental a modern izao da economia, junto com a valorizao da co mpetncia e da seriedade,
particularmente na ad ministrao pblica. Os segmentos da sociedade que defendem os privilgios,
seja por interes se pess oal, s eja por interesse poltico, na verdade so aliados dos pases ricos na
globalizao dos pases pobres, impedindo-os de administrar o processo no seu prprio interesse.
Talvez fa lte fa z-lo co mpreender pelos setores ma is radicais que procura m abafar o incndio jogando
gasolina.
importante comp reender e assimila r que entender a globalizao no obriga a engol-la,
como u ma plu la de sobrevivncia, s em ao menos fa z-lo co m u m gole de gua. E, adic ionalmente,
os piores inimigos do processo, por enquanto inexorve l, so, ao mesmo te mpo, seus me lhores
aliados quando enfraquecem a capacidade de resistncia do organismo nacional.
A de pend ncia Exter na
claro que a g lobalizao atende essencialmente os interesses dos pases ricos.
Independente das gigantescas contradies que existem entre os mesmos com destaque aqueles
reunidos no Mercado Comu m Europeu, no NAFTA (Mercado Comu m dos Estados Unidos, Canad e
Mxico), a China, o Japo e dema is pases do Sudeste da sia a emergncia do novo conceito
revolucionou as relaes entre pases ricos e pases pobres. Sob o manto da nova moda, que e xige
adeso, independente do tipo do corpo e da cor da pele, graves distores vo se consolidando.
Talvez u ma das ma is graves seja a da tentativa de adaptar-se a conceitos vlidos em pases
desenvolvidos , mas que no vestem correta mente e m pases emergentes ou subdesenvolvidos.
Alguns exe mplos flagrantes dos riscos dos rituais estabele-cidos pelos pases desenvolvidos,
so os seguintes :

1)

A p os io d a C h in a C omu nis ta, e xp lo rand o a mo -d e-o b ra ridicu la men te re mu n erad a, p ara


p o der d ar o s alto d e cres cimento qu e v em d an d o, a cu s ta da exp o rtao a p reo s n oco mp etitiv o s de s u a p ro du o , co m cu s to d e mo -d e-o b ra in s ig nificante. Em termo s d e
rev o lu o d e pro letariado a g lo rificao da p lu s-va lia , a s erv io d e gru p os in tern acio n ais , cu ja
n ica preo cu p ao o con tro le d a q u alidad e d o s p rodu to s qu e imp o rta. a g lo rificao d a
e xp lo rao cap italis ta d e um s ub con tin en te co mu n is ta, p ara red u zir a cap acidad e comp etit iv a d o s
p as es po b res . M arx, s e res su s citass e, n un ca cons eg u iria u ma e xp licao d ialet ica men te aceitv el
d e tamanh a con trad io. No p articu lar, a glob alizao econ mica , p ara g era r lu cros e g aran tir
h b ito s de co ns u mo e n v el d e v id a n o s pas es rico s , en go liu a co ern cia id eo l g ica fen men o
recen te qu e marca o fim d o Scu lo X X.

2)

A p res ena de mu ltinacio n ais n os p as es emerg en tes , co mp le men tand o a fas e d e exp lo rao
p u ra e s imples d e recu rs o s natu rais co mo o cas o , p or e xe mp lo , d o s recurs os h d rico s p ara
g erar eletric id ad e q u e rep res enta 60% d o v alo r d o alu mn io . C o m a g lo b alizao , n o v as
in d s trias s e in s talaram, ativ and o o s eto r s ecu nd rio e m certo s s etores , e at mes mo o s eto r d e
s erv io s , com con s eq ncias n em s emp re entu s ias man tes n a gerao de impo s tos ou h b itos d e
co ns u mo ajus tad os s d iferentes realidad es n acio n ais . Pod e-s e citar o e xe mp lo das empres as
mu ltin acio n ais qu e manipu la m os cu stos dos co mp o n en tes q u e fabricam e m d iferentes p ases ,
p ara co n cen trar o s lu cro s em s emip aras os fis cais . Is s o u m pro ces so in co n tro lv el, e m q u e a
alien ao d a s ob erania precis a s er ju s tificad a ap elan do p ara a in e xo rab ilidade d o p ro ces so . A o
mes mo te mpo , o u tro e xe mp lo s eria a imp o s io p ela pro pag an d a d e h b itos de cons u mo so id isa n t mod ern izan tes q u e p riv ileg ia m o u s o d e au to m veis em d etrimen to d o tran s po rte d e
mas s a. a gerao d a p olu io e a in d iferen a d ian te d o s pob res , q ue amb icio na m red en o ,
ren d en d o-s e aos h b itos de co nsu mo d os p as es rico s .
C urio s amente oco rre co m freq ncia qu e os g overn os s e ren dem ao p od er dos molo ch s
g erad os p ela g lo b alizao , aten d en d o ao clamor d e s ind icato s q ue depend em d as
emp res as q u e p ed em red u o de imp o s tos e fav o res fis cais p ara s e in stalare m n o p as .
A p es ar dis so , tais emp res as n o tm o meno r co ns tran g imen to e m au men tar o s p reos
d o s s eus p ro du tos b as ead os em p lanilh as tran s l cid as , p or certo .

3)

O s entimen to d e q ue a glob alizao v eio p ara ficar e , p o rtanto , o impo rtan te ad aptar-s e a ess a
realid ad e. No cas o a tes e d o relax a n d enjoy lev a a co n ces ses q u e exced e m as e xp ectativ as at
mes mo daq ueles q u e se b en eficia m de las . No p articu lar, a aceitao ab s o lu tamente p ass iv a d e
q u e o p roces so in ev itv el, irrev ers v el e inad min is trv el, cau s a p reju zo q ue s e q u alificado
p ro v o caria a ma io r p erp le xid ad e.

O Gerenci a mento Inter no


Imp e-s e, p o r tu d o o q ue fo i ap o ntad o em termo s d e d ep end n cia e xtern a, q ue a mes ma s eja
res trita ao mnimo n eces s rio . O bal d o s p as es rico s , imp on d o s eus in teress es , su a tecnolog ia, s u a
forma de an lis e, p recis a ter a co n trapartid a d o p laneja men to es tratg ico da evo lu o d as con cess es
feitas in tern a mente. A ed ucao d os qu ad ros d irig en tes para s erem capazes d e recu ar e av anar,
v is an do a o timizar o s g an h os no p ro cesso d e g lo b alizao e min imizar o s s eus cus tos uma a rte e
u ma c in cia.
Quan do ap areceu n o Bras il a filo s o fia do feasib ility stud y co mo in s tru men to in d is p ens v el,
g lo rifico u -s e a filos o fia d o inp ut, d o o u tput e do feed b ack. Havia ra z es p ara tan to , mas gigan tes cos
e xag ero s fora m ad mitid os , co mo o d a ju s tificativa p ara co n s tru ir a es trad a Porto Ve lh o -M anau s
imp lantan d o k ib u tzim ao lo ng o d o s eu traado . Imag in ar k ib u tzim n a A maz n ia u ma fo rma p erig os a
d e lou cura. M as is s o fo i ap res entad o s autorid ad es b ras ileiras e s u bmetid o a o rgan is mo s
in ternacio n ais de crd ito ten do s ido p o u cos os qu e no Bras il p ro tes taram n aq u ela p o ca.
Tran s p ond o a falta d e reao as s in alada, e o d es ejo su b limin ar d e aceitar as tes es qu e nas cem e
cres cem n o s p as es rico s p ara os d ias d e hoje, e xis te u m d en o min ad o r comu m: falta d e s ens ib ilidad e
+ s en timen to da in ev itab ilid ade.
Na verd ad e, s a con v ico de q u e a g lo balizao v eio para s e mp re, en qu an to d u rar, po d e
levar ao en ten d imen to d e q u e ela ad min is trv el in terna men te. prec is o ter p res en te to d o o temp o o
d itad o po pu lar min eiro : " a s u p rema felic id ad e es t em n as cer b u rro , v iv er ig no ran te e mo rre r d e
rep en te" . No o cas o de um p as como o Bras il, q u e tem tu do p ara mineira mente ad minis trar a
g lo b alizao , intern alizan d o -a co m in telig n cia, as t cia e habilid ade.

(*)Engenheiro

Na verdade, s a convico de que a globalizao veio para sempre, enquanto durar, pode
levar ao entendimento de que ela administrvel internamente. preciso ter presente todo o tempo o
ditado popular mineiro: "a suprema felicidade est em nascer burro, viver ignorante e morrer de
repente". No o caso de um pas como o Brasil, que tem tudo para mineiramente administrar a
globalizao, internalizando-a com inteligncia, astcia e habilidade.

(*) Engenheiro

DESEQUILBRIOS URBANOS
DESIGUALDADES SOCIAIS E
INTEGRAO SOCIAL
Jarbas Passarinho (*)
Desequilbrios Urbanos
1.
Ano

O Desdobramento do Processo Demogrfico


Populao
Urbana

(%)

Populao
Rural

(%)

1940

12.880.182

31,2

28.356.133

68,8

1960

31.303.034

44,7

38.767.423

55,3

1980

80.436.409

67,6

38.566.297

32,4

1991

110.990.990

75,6

35.834.485

24,4

Fonte: Anurio Es tatstico do Brasil, 1995 - IBGE

Note-se que os recenseamentos de 1940 e 1980 evidenciam a


inverso dos percentuais das populaes urbanas e rurais, efeito do
intenso xodo rural, que atesta a chegada com atraso de um sculo,
no Brasil, da 1a Revoluo Industrial. Em 1991, reduz-se ainda
mais o percentual de populao rural, o que faz prever que ao fim da presente dcada a populao rural ser menor de 20%.
O fato pode iludir o analista superficial, que seja levado ao equvoco de supor que isso se d
devido ao avano tecnolgico no campo, como ocorreu nos Estados Unidos da Amrica.
Nos dois ltimos sculos a relao entre a mquina e o homem, na Amrica, mostra o avano
daquela nos campos provocando o deslocamento dos postos de trabalho para as cidades industrializadas. No incio do sculo passado, a agricultura americana era basicamente manual, retendo 75% da
fora de trabalho no campo. Com a inveno de equipamentos cada vez mais modernos, economizando mo-de-obra, decresceu a populao rural americana, de sorte que ao fim do Sculo XIX o contingente rural cara para 50% da populao economicamente ativa e, ao fim do presente sculo no passa
de 3% apenas, produzindo alimentos no apenas para consumo interno como para exportao para o
mundo.
O xodo rural, entretanto, a despeito de provocar o desemprego, transferiu desempregados para
as indstrias. No apenas a indstria ofereceu trabalho. O setor tercirio, servios principalmente,
gerou grande parte dos postos de trabalho que foram preenchidos pelos rurcolas transferidos paras
as metrpoles. J em 1870, figuravam no setor tercirio 3 milhes de pessoas, nmero que na dcada

de 90 ultrapassa 90 milhes (Robert Heilbroner Prlogo The end of work Jeremy Rifkin).
2.

Causas do xodo Brasileiro

Ainda que, em parte, se deva a fuga da populao rural para as cidades automao que surgiu
em certas regies do Pas, as causas fundamentais repousam na carncia de servios pblicos de sade
e de educao no campo, ao lado da insuficincia de oferta de trabalho. Ademais, contribuiu tambm
a baixa renda derivada da agricultura de subsistncia familiar. As pessoas menos conformadas com
essa carncia so os migradores de grande vo. Buscam ascenso na escala social e so motivadas,
paradoxal-mente, at pelos investimentos governamentais na melhoria das condies de vida rural,
provocando o aumento do nvel das aspiraes populares. No h como negar que a mecanizao da
agricultura ter contribudo para o desemprego no campo e inspirado o desejo de migrar para as cidades busca de se integrarem nos benefcios de mais amplos servios governamentais.
A cidade grande apareceu, pois, como a melhor atrao para a melhoria da qualidade de vida. A
corrente migratria, porm, comea a modificar-se. Em recente entrevista a uma revista, o presidente
do IBGE, Simon Schwartzman, diz que o recenseamento mostra que as grandes reas metropolitanas
cresceram muito pouco nos ltimos cinco anos, enquanto as cidades do interior acusam taxas de crescimento elevadas, ao mesmo tempo em que aumentam desmesuradamente os municpios, em funo
do Fundo de Participao constitucional. Nos ltimos cinco anos, saltamos de 4.000 municpios para
cerca de 6.000, ainda que, em muitos deles, a receita no cubra mais que os vencimentos do Prefeito,
seu vice e vereadores, enquanto a rea urbana, no raro, no tenha mais que duas ou trs ruas. A
emancipao , muitas vezes, mero jogo poltico-eleitoral. Eleitoral, porque a iniciativa creditada a
um parlamentar, que passa a ser o criador do municpio e natural destinatrio dos votos. Poltico,
porque cria um prefeito e seu vice, mais uma Cmara de Vereadores com seus funcionrios, dando a
falsa impresso de modernizao.
J no so os migradores de grande vo que deixam os campos, mas os que se contentam com a
transferncia para as reas urbanas municipais.
H, ainda, a inverso da tendncia, pois a Amaznia, tradicionalmente fornecedora de emigrantes,
passou a receber o fluxo migratrio proveniente de estados do Sul. o caso de Rondnia com imigrantes gachos e paranaenses. A capacidade de absoro de pessoas nos subrbios de metrpoles, como
Rio e So Paulo, ter chegado saturao, embora ainda no se d o mesmo em outras reas metropolitanas.
Desigualdades Sociais
A transferncia populacional para as cidades encontrou-as desprovidas de meios para atendimento satisfatrio das aspiraes dos migrantes, gerando desde logo as desigualdades entre os diversos segmentos da populao. As cidades incharam, termo que usou pela primeira vez Gilberto Freyre.
Assim atesta o livro O Brasil na Virada do Milnio, editado pelo IPEA, julho de 1997: Os movimentos migratrios foram os grandes responsveis por esse processo. Aproximadamente 12 milhes
de pessoas deixaram a rea rural na dcada de 60, o que correspondeu a 1/3 da populao a residente. Nos anos 70, esse volume elevou-se para 16 milhes, representando 38% do contingente rural. Na
dcada de 80, deixaram o campo 12,4 milhes cerca de 32% da populao rural de 1990.
A criminalidade nas grandes cidades cresceu, promovida no s por adultos como por crianas de
rua, ainda que o professor Frederick Turner, da Universidade de Connecticut, em trabalho publicado
na Revista de Administrao Pblica da Fundao Getlio Vargas, em jul/set 1976, ao estudar o xodo
para as cidades latino-americanas, sustente que: O efeito hipottico da concentrao urbana sobre a
violncia parece ser um problema complexo. Apesar de a violncia rural em grande escala ter estimulado a urbanizao, como ocorreu na Colmbia depois de 1946, ainda permanecem dvidas quanto
ao fato de ser a migrao, como muitos predisseram, a causa da violncia urbana. As probabilidades
de violncia motivada pelo deslocamento da populao so mnimas em comparao com os efeitos
polticos derivados da urbanizao.

O fato que, no Brasil, a violncia urbana cresceu com a migrao macia. A droga aumentou em
usurios. A prostituio, infantil inclusive, agigantou-se. Tais chagas passaram a dominar a feio
urbana plena de desigualdades sociais.
Os desequilbrios urbanos conseqentes de uma rpida migrao incidem nas reas de sade,
educao, habitao, poluio, desemprego e, potencialmente, na ruptura violenta das relaes sociais. A habitao inadequada mostra contrastes, entre os morros e a plancie nas megalpolis, aqueles
com os precrios barracos e estas at com condomnios vizinhos, com segurana prpria, o que faz
com que a classe mdia alta durma intranqila enquanto os excludos prximos dormem com fome.
Um rpido crescimento da populao urbana engana a expectativa otimista dos migrantes quanto
melhoria de qualidade de vida, pois prejudica os programas educacionais, retarda a universalizao da
oferta de vagas nas escolas pblicas pelo aumento no planejado da demanda, agrava o desemprego e
a falta de habitao popular.
A projeo que o IPEA faz da dinmica demogrfica na prxima dcada leva a admitir que o
crescimento populacional das grandes cidades modificar-se- por duas razes. A primeira que a taxa
de natalidade vem dimunuindo sensivelmente. Logo, a quantidade de pessoas transferidas do campo
para a cidade no ser to grande como outrora, na medida em que se d a diminuio da famlia no
campo. A Segunda que o fluxo migratrio vem se desviando para as pequenas cidades do interior,
onde a oferta de bons servios pblicos tem aumentado.
Ademais, a taxa de fecundidade alterou-se. No incio deste sculo, as mulheres na rea rural
tinham mais filhos do que as da rea urbana. Em mdia, 2,4 a mais. No final dos anos 80, a diferena
baixou para 1,9, pois enquanto no campo as mulheres diminuram a fecundidade de 6,1 filhos para 4,4,
as mulheres urbanas apresentam taxa de 2,5. Uma causa pode ser o controle da maternidade em curso,
seja pelo uso de anticonceptivos seja pela prtica intensiva da laqueadura. Segundo o IPEA, em 1986
registra-se a esterilizao de 1/4 das mulheres brasileiras.
Em compensao, outro problema afeta as dificuldades de provimento satisfatrio de servios
pblicos. o aumento da esperana de vida ao nascer. Atualmente de 70 anos para os homens e 77
para as mulheres, o que no passava de 50 h um quarto de sculo. O envelhecimento populacional
aumenta o volume da demanda social por parte dos idosos, em que passam a predominar doenas
crnico-degenerativas, como cncer, problemas de aparelho circulatrio e neurolgicos, que reclamam uma assistncia hospitalar ou ambulatorial dispendiosa. O custo da assistncia, nesses casos,
inacessvel para os pobres que chegam s cidades para ingressar na base da remunerao, se empregados, ou no lumpen-proletariado de que falava Marx e que hoje chamamos de excludos.
Reflexos na Integrao Nacional
Uma nao que pretenda ser parte importante no concerto das demais, precisa desde logo ter:
Superfcie grande;
Populao compatvel com essa superfcie;
Recursos naturais abundantes.
O Brasil satisfaz a todas essas condies, com uma populao hoje estimada em 154 milhes de
habitantes, a Quinta maior superfcie da Terra e recursos naturais que, em boa proporo, ainda esto
intocados, ainda que localizados.
Integrao Territorial
Quanto superfcie, o que nos faltava para a concreta integrao, nacional, est assegurada
sobretudo a partir dos governos Juscelino Kubitschek e Emlio Mdici. JK integrou territorialmente a
Amaznia, construindo a Rodovia Belm/ Braslia, que ligou o centro do poder nacional com a porta
de entrada do anfiteatro amaznico, a cidade de Belm. Antes da rodovia, o Brasil era um arquiplago,
pois s se atingia Belm por mar ou pelo ar. Mdici ampliou a integrao, ao fazer construir a
Transamaznica, no sentido dos paralelos, incorporando ao ecmeno enormes extenses de terra que,

em termos demogrficos, no passavam de deserto, j que tinham menos de 2 habitantes/km 2. Foi uma
deciso sbia, de natureza geopoltica, articulando o que, no dizer de Oliveira Lima era o homem sem
a terra com a terra sem o homem. Latismavelmente a rodovia est praticamente abandonada, devido
falta de recursos do DNER, sacrificando pelo menos 1 milho de brasileiros que a colonizaram. No
fosse a deciso de entregar aos prefeitos municipais a responsabilidade da sua manuteno e provavelmente a floresta j a teria transformada em mera lembrana do passado.
Ademais, outras rodovias importantes completaram a integrao, como a Cuiab/Porto Velho/
Acre, buscando a conexo com os pases andinos, e a Cuiab/Santarm, ligando o Planalto Central
com o Rio Amazonas. A Perimetral Norte, ainda do governo Mdici, est por ser concluda, no sendo
possvel negar a sua importncia estratgica na fronteira amaznica com a Guiana Francesa; o Suriname,
ex-colnia holandesa, e a Guiana Inglesa, hoje Guiana independente. A conquista do Oeste, a partir da
construo de Braslia, que encontrou tenazes opositores a JK, est consolidada.
Para o Sul, os governos republicanos haviam se voltado, na edificao de uma trama rodoferroviria, por, ao menos, duas motivaes: a econmica, tendo So Paulo como motor, e a militar, ao
tempo em que a rivalidade brasileiro-argentina motivava a necessidade de garantia de transporte terrestre para a fronteira gacha.
Sem antagonismos externos no Cone Sul, o pouco que resta para garantir uma ligao terrestre
efetiva, ao longo dos milhares de quilmetros, no conspira contra a nossa integrao territorial.
Integrao Scio-Poltica
Quanto populao, devemos preocupar-nos com os reflexos negativos das desigualdades regionais e locais, que tornam o desenvolvimento brasileiro insatisfatrio. Ptria no mero ajuntamento
de requisitos como os citados. O grande Ruy Barbosa proclamava: A ptria o cu, o solo, o povo, a
tradio, a conscincia, o lar, o bero dos filhos e o tmulo dos antepassados, a comunho da lei, da
lngua e da liberdade. Hoje se considera uma nao como a ptria que resulta do conjunto de indivduos unidos por uma mesma conscincia tnico-social, que no se realiza com o povo dividido em
segmentos heterogneos marcados por desigualdades sociais.
Nossa moderna industrializao situa-se num polgono que inclui So Paulo, Minas Gerais, Rio
de Janeiro e Paran. Norte, Nordeste e Centro-Oeste so perifricos. Lembra uma afirmao que corre
em tradio oral ter sido feita pelo general Gamelin, quando chefe da nica misso militar que o nosso
Exrcito teve. O grande cabo de guerra francs, que pertencia a um exrcito de ocupao colonial na
Indochina e na frica, teria dito, quele tempo, que s no Brasil pudera ver na mesma continuidade
territorial a metrpole e as colnias.
Os indicadores regionais mostram-nos a existncia de vrios Brasis, e no apenas a Belndia do
economista Bacha. A ONU passou a adotar, em vez do PIB como indicador de desenvolvimento, o
ndice de Desenvolvimento Humano (IDH), que leva em considerao, entre outras referncias: taxa
de analfabetismo, esperana de vida ao nascer, nvel de renda e sua distribuio. Se aplicarmos isso ao
Brasil, teremos trs Brasis:
a rea que abrange do Rio Grande do Sul at o Esprito Santo, So Paulo, parte de Minas Gerais,
Mato Grosso do Sul e Braslia: IDH elevado, comparvel aos pases industrializados;
norte de Minas, Gois, Roraima, Rondnia e Amazonas: IDH similar ao da Bulgria;
Nordeste, Par, Acre e Mato Grosso: IDH equivalente ao da ndia.
O mesmo relatrio da ONU traz uma informao decepcionante. O Brasil, 9a economia do mundo, estava segundo esse ndice, em 1991 no triste 60o lugar, e, pior, em 1992 caiu para o 70o.
Isso se compe com o quadro de distribuio de renda, segundo o qual os 10% mais pobres detm
apenas 0,8% da renda nacional, enquanto os 10% mais ricos detm 48,7%, ou seja, 60 vezes mais!
Tal quadro de excluso merece preocupao. No apenas dos governos, mas da comunidade

como um todo. Temos heranas histricas como a que vem da escravido e a das parcerias desvantajosas no campo, at o sucessivo fracasso dos programas destinados a diminuir a pobreza e erradicar a
misria. Segundo levantamento feito pelo IPEA, citado por Ernane Galveas, em palestra na Confederao Nacional do Comrcio em setembro de 1998, h no Brasil 9,1 milhes de indigentes, os que
vivem abaixo da linha da pobreza. Isso representa 6% da populao brasileira, concentradas principalmente no Nordeste (4,5 milhes). J a acreditar no socilogo Betinho, quando se dirigiu no ano passado ao Presidente da Repblica, esse nmero de indigentes aumentaria para 32 milhes, metade no
Nordeste.
A dcada perdida, a de 80, agravou o fosso existente. O avano tecnolgico, causando desemprego estrutural, idem. A proliferao nos segmentos mais pobres, sendo bem maior do que no abastado, contribui para o alargamento do gap. A vitria atual sobre a inflao diminuiu-o, posto que a
reduo ainda no seja capaz de aterr-lo. A maldio do fim do sculo o desemprego , acarretando a desacelerao da oferta de postos de trabalho pelos servios, conspira mais ainda contra uma justa
distribuio da riqueza, que conspira contra uma homognea integrao nacional.
A perda de poder de barganha tradicional dos sindicatos comea a ser uma realidade. Em
contrapartida, as reivindicaes deslocaram-se para a rea grupal de toda espcie; nos campos, os
sem-terra, nas cidades os sem- teto, e no todo as minorias organizadas, entre elas os ndios, com
direitos amplos concedidos pela Constituio. So desafios para a integrao social, se no para a
integrao nacional.
Neste sculo, cinco imprios desapareceram. Em 1919, conseqncia do fim da 1a Guerra Mundial, extinguia-se o Imprio Austro-Hngaro. Ainda hoje, porm, olhando o que se passa na ex-Iusgolvia
e no resto da pennsula balcnica, v-se que a paz no foi conquistada. Em 1920, desmoronava o
Imprio Otomano, e suas seqelas esto ainda hoje no Oriente Mdio e norte da frica. Segunda
Guerra Mundial seguiu-se a saga sangrenta da descolonizao. As potncias imperialistas foram expulsas, bem ou mal, da sia e da frica. O Imprio Britnico, onde o sol nunca se punha, teve seu
fim. Enquanto o nazismo era varrido da face da Terra, o Imprio Japons, seu aliado, derrocava. Mais
recentemente, desfazendo-se como um castelo de cartas, acabou o Imprio Sovitico, o que faz nascer
uma nova ordem mundial, na qual a ONU hoje um codinome dos Estados Unidos passa a ser
menos importante do que a OMC (Organizao Mundial de Comrcio), em face do fenmeno da
globalizao.
Com o bipolarismo estratgico mundial substitudo pelo unipolarismo sob domnio norte-americano, as naes independentes ficam ameaadas quanto soberania. Warren Christopher, ento Secretrio de Estado no governo Bill Clinton, vrias vezes disse que: Em matria de Direitos Humanos
Violados e de Meio Ambiente Degradado, no h soberania absoluta. A primeira experincia prtica
dessa nova teoria foi um fracasso, quer na pobre Somlia como nos Balcs. Olha-se com apreenso
para o Conselho de Segurana da ONU, como quem olha para Jpiter com pavor de seus raios arrasadores. A integrao amplia seu objetivo. Eliezer Batista, um dos pais da Vale do Rio Doce, prope a
integrao continental sul-americana. E o presidente Fernando Henrique, em entrevista revista Time,
de 25 de agosto deste ano, perguntado sobre o que esperava da prxima visita do presidente Clinton ao
Brasil, respondeu:
- Acredito que ser um importante momento para celebrar o fato de que agora nossas sociedades
sabem o que precisam: a integrao hemisfrica.
Como no existe soberania relativa, integrar o Pas no sentido territorial pouco, se no houver
a integrao de sua populao, social, poltica e economicamente, para evitar problemas de natureza
internacional no mundo s em que vivemos.

(*)
Ex-Ministro
Membro
do
Ex-Senador da Repblica

de

Educao
Conselho

de

Trabalho
Defesa

Justia
Nacional

O RELACIONAMENTO CIVIL - MILITAR


Jorge Calvario dos Santos(*)
1.

Introduo

As relaes entre militares e civis, entre o poder militar e o poder civil, entre o segmento militar
e o segmento civil da sociedade, so polmicas e tm suscitado diversas consideraes desde que
foram estudadas pela primeira vez.
Desde o incio de sua colonizao o Brasil foi palco de ntima ligao entre os militares e a
sociedade civil. Com a implantao da colonizao portuguesa particular no Brasil, o Capito-Donatrio
que recebia uma Capitania Hereditria exercia as funes de governador e chefe militar.
Com a criao do Estado do Brasil, em 1545, a dupla funo se desfaz, pois cabia ao Governador
Geral a incumbncia militar. E assim o foi at a elevao do Brasil categoria de Reino Unido ao de
Portugal e Algarve, em 15 de dezembro de 1816, enquanto que desde 1763 a Capital estava localizada
no Rio de Janeiro.
Socialmente, at o Brasil Imprio, o dono de engenho ou de fazenda de caf, no vale do rio
Paraba do Sul, decidia que seu primognito deveria seguir a carreira das armas e o seguinte, a carreira
religiosa. A ligao do militar e civil no sentido religioso est no cargo que era dado ao protetor de
uma cidade ou mesmo padroeiro de um mosteiro. Assim, Santo Antnio, padroeiro do Convento no
Largo da Carioca, Coronel e tinha direito aos vencimentos referentes ao posto.
At o incio do sculo XX, a segurana e a independncia de um pas repousavam apenas em seu
poderio militar. As Foras Armadas preocupavam-se apenas em aumentar seu potencial blico e elaborar planos de mobilizao e emprego. Durante a Primeira Guerra Mundial, devido, principalmente,
ao prolongamento da guerra alm do que supunham os Estados-Maiores, os Estados Nacionais, em
especial os Estados-Maiores e os comandos militares, entenderam que para sustentar a guerra era vital
a mobilizao de todas as Expresses do Poder Nacional. A esse respeito afirmou, em 1916, o General
Jofre, Comandante-em-Chefe das foras francesas, explicitou que a importncia crescente que tomaram no conflito atual as questes econmicas e o auxlio que a luta econmica pode trazer, me levou a
confiar a um oficial do meu Estado-Maior, o Capito Franois Marsal, o encargo de estudar tudo
quanto se relacionasse com a efetivao do bloqueio da Alemanha e os meios empregados pelo inimigo para se reabastecer.
Do lado da Alemanha, de Hindemburg, manifestou-se de forma semelhante quando disse que no
decorrer da luta ns sentimos claramente a ausncia de um Estado-Maior econmico, especialmente
instrudo para a guerra. A experincia nos mostrou que com um simples toque de vara no se pode

fazer surgir do solo um tal Estado-Maior. Se a nossa mobilizao militar, e posso acrescentar tambm
nossa mobilizao financeira, tinha sido brilhantemente preparada, nada, pelo contrrio, se havia feito
com relao mobilizao econmica.
Como era natural, nenhuma grande nao esqueceu as lies do grande conflito que foi a Primeira Guerra Mundial entre 1914-1918, e todas passaram, a partir da, a pensar em guerra total e no
envolvimento de toda a nao.
O propsito deste estudo no discutir mobilizao, mas sim a participao da sociedade, como
um todo, no esforo para a conquista e manuteno dos Objetivos Nacionais Permanentes, que
tratado na vertente do relacionamento da sociedade com a Expresso Militar.
Os fins em favor dos quais se emprega o Poder Militar ficam fora de sua competncia para julgar
pois o objetivo poltico da guerra realmente se situa fora da provncia da guerra. A Guerra no tem
lgica nem objetivos prprios. Eis que o militar ter que subordinar-se sempre ao estadista, ao poder
poltico. da responsabilidade desse a conduta da guerra, pois exige uma aguada percepo da poltica de Estado em suas relaes mais altas.
A subordinao do ponto de vista poltico ao ponto de vista militar inaceitvel, pois a poltica
que cria a guerra; a poltica a faculdade inteligente, a guerra apenas o instrumento, e no o contrrio. A subordinao do ponto de vista militar ao poltico , portanto, a nica possvel, ensina Clausewitz.
Moltke, o moo, politicamente mais consciente do que Schlieffen, declarava que o comandante em
operaes tem que manter a vitria militar como a meta diante de seus olhos. Mas o que a poltica faz
com suas vitrias ou derrotas no lhe diz respeito. matria do estadista.
Considerando o conceito de Defesa Nacional ou, o que mais adequado, o conceito de Segurana Nacional, torna-se imperativo o estreitamento entre as Foras Armadas e os setores produtivos da
nao.
Entretanto, entre as mais notveis deficincias na generalidade dos homens pblicos, avulta a
incompreenso dos problemas militares. To grande que, ainda que fundamental, o relacionamento do
Poder Militar com o Poder Poltico fica bastante prejudicado. Nesse quadro comum cair no esquecimento que o indivduo no deixa de ser cidado quando se torna militar. Na verdade, ser cidado na
plenitude de seus direitos e deveres condio bsica para se tornar militar. O militar jamais perde sua
condio de cidado que mantida ao longo de sua profisso e mesmo ao deixar o servio ativo.
Porm, no se deve perder de vista que as Foras Armadas do Brasil tm caractersticas peculiares. Como instituio poltica, tem feito a histria do pas, tm sido o poder moderador, tm sido o
amlgama que consolida a nacionalidade e a identidade nacional. Mas, tm, tambm, um compromisso histrico e inalienvel com o desenvolvimento nacional.
Isso as torna diferentes. Os militares brasileiros, sem abandonar por um instante sequer seu
compromisso maior, sua obrigao constitucional, a defesa da soberania e a defesa dos interesses
nacionais, lutam pelo desenvolvimento, pela integrao e pela paz social. Os militares brasileiros
entendem, corretamente, que o vnculo entre os assuntos polticos e militares ntido e, benfico
nao. Ambos devem ater-se aos interesses da nao.
Entretanto, algumas questes devem ser explicitadas. Como andam ou como evoluram as relaes dos militares com o segmento civil da sociedade no Brasil? O que levou estas relaes a um
estado quase de conflito permanente? fato que, como conseqncia de uma estratgia decorrente do
conflito Leste x Oeste, os militares foram colocados no banco dos rus?
2.

Os militares, a sociedade e a conjuntura

O tema Civis e Militares contm embutido assuntos como sociedade, conflito, cidadania,
crise, poder civil, guerra, controle civil e profissionalismo militar.
A profisso militar criao do Estado Nacional moderno. Tem sua origem no sculo XIX.

uma das criaes institucionais mais significativas desse sculo. Foi a partir das Guerras Napolenicas
que os Oficiais comearam a especializar-se e a distingir-se dos leigos, o que deu origem ao desenvolvimento de valores, padres e organizaes inerentes especializao tcnica desenvolvida. O
surgimento da oficialidade foi lento e gradual, chegando a existir em todos ou quase os pases do
mundo a partir de 1900. Foi o surgimento do corpo profissional de oficiais, que criou o problema das
relaes entre civis e militares.
Entende-se por profisso um conjunto de atividades ou ocupaes especializadas realizadas,
tpicas e correlatas, executadas por pessoas, individualmente e/ou em conjunto, que fazem destas
atividades e ocupaes seus ofcios, destinadas realizao de uma misso, busca de uma meta ou
objetivo. Uma profisso caracterizada por um tipo peculiar de grupo funcional com caractersticas
altamente especializadas. A misso principal da profisso militar a defesa da ptria e de suas instituies, atravs da ocupao em atividades que lhe so especficas.
A profisso militar pressupe a existncia de interesses humanos em conflito e o emprego da
violncia na defesa de tais interesses. Nesse aspecto, Huntington entende que a tica militar considera o conflito como o padro universal que se encontra presente em toda a natureza, tal como v a
violncia permanentemente enraizada na natureza biolgica e psicolgica do homem (Huntington,
1996).
A profisso militar existe para servir ao Estado Nacional. Tendo como objetivo prestar o melhor,
o mais eficiente e o mais elevado servio possvel, todos os militares e a fora militar que comandam
devem se constituir em um eficiente instrumento de poltica do Estado Nacional. Como a poltica
que define os objetivos, isso significa que a profisso militar deve ser estruturada hierarquicamente e
disciplinada em todos os seus nveis. Por essa razo, lealdade e obedincia so relevantes virtudes
militares.
O militar, ao contrrio do civil, tem sua formao profissional dedicada a uma profisso, uma
carreira. Por ter caractersticas prprias, diferentes de todas as carreiras civis, os militares devem
encontrar satisfao e realizao em viver um estilo de vida totalmente militar, diferente, por sua
natureza, das demais. A influncia do modo de proceder, do modo de ser, da conscincia, dos valores
e da tica civil sobre a militar incompatvel e perigosa no que se refere segurana da nao. O
militar e o civil pertencem a diferentes segmentos da sociedade e tm distinta viso de mundo. Sendo
assim, no devem ser confundidos, embora sejam igualmente solidrios e cooperativos quanto aos
interesses nacionais.
No mundo moderno, pelo avano da tecnologia o profissionalismo tende a ter caractersticas
cada vez mais exigentes tanto para o militar quanto para o civil. Este o profissionalismo que distingue o militar dos dias atuais do guerreiro da antigidade, no emprego profissional de recursos materiais que incorporam cada vez mais os avanos tecnolgicos.
Em nossa sociedade, o homem de negcios pode perceber maiores salrios, o poltico pode
dispor de mais poder, porm o profissional tende a impor mais respeito. A sociedade atual dificilmente
distingue o militar do advogado, do mdico ou do engenheiro, mas certamente no confere aos militares a mesma deferncia que concede aos profissionais civis. At mesmo os militares vm sendo influenciados pela imagem, que difundida junto ao pblico, e por muitas vezes tm recusado aceitar as
implicaes de sua situao profissional. E quando o termo profissional usado, em referncia aos
militares, normalmente o tem sido, simplesmente, no sentido contrrio ao dado pelo termo amador.
A profisso militar exige vocao especfica e requer conhecimento, responsabilidade,
comunitarismo e sobretudo desprendimento.
Desde a Antigidade Clssica greco-romana, ocorre o exerccio dos privilgios da cidadania, na
polis ou na civitas. Austregsilo de Atade torna explcito que: Os grandes nomes da criao
artstica da Grcia, mestres da esttica, cultores da beleza, ou os que, em Roma, lanaram as bases da
organizao poltica e jurdica do mundo, ainda hoje vigentes, foram tambm soldados ilustres, assu-

miram responsabilidades pessoais na conduta das guerras, como valorosos militares. Filsofos, poetas, dramaturgos, historiadores famosos, completaram a sua presena na vida pblica dos seus pases,
militando nas fileiras das armas, em terra e no mar. No se haveria de ser um bom cidado, fiel s leis
do Estado e temente a Deus sem a prvia amoldao do carter e do esprito, nos rigores da caserna
(Raposo, 1997/A).
Assim tem sido, por mais de vinte e cinco sculos, no tempo e no espao, relativamente ao
complexo dual cidado-soldado, civil-militar, segurana-desenvolvimento, paz-guerra. O Estado assumindo a responsabilidade pela segurana da nao. O poder civil predominando nos assuntos de
ordem pblica e o poder militar predominando nos assuntos de segurana interna e da defesa externa.
Assim, a sociedade ou ambos os poderes a servio da nao em tempos de paz ou mesclando sus
funes em tempos de guerra.
Na sociedade tribal, todos interrompiam o trabalho dirio para a defesa contra a tribo hostil, o
inimigo externo. Na Grcia de Pricles, da democracia perfeita, o Conselho dos Dez Estrategos, civis,
contemplava atribuies ligadas Paz e Guerra e um deles era designado para a defesa da cidadeestado ameaada. Em Roma, idntica viso: dois integrantes do poder civil, tal como Csar e Pompeu,
foram comissionados pelo Senado para expandir o Poder Romano, o que os levou a travarem guerras
externas. Atravs dos tempos medievais-modernos, lembremos o poder absoluto do Estado francs
unificado, resultado do binmio Richelieu-Vauban, que sucumbe ante a Revoluo Francesa, com a
Nao em Armas, para defesa externa (guerras napolenicas) e para a segurana interna (guerra
revolucionria) do Estado Nacional.
No perodo da Primeira Guerra Mundial, entre 1914/1918, ficam clebres os desentendimentos
entre Georges Clemenceau e Ferdinand Foch e Lord George e o Almirantado, no bojo do conflito
poltico-militar. As divergncias ocorreram devido ao entendimento atribudo ao sentido das relaes
poder-civil e poder-militar, na guerra, o que se referia estratgia militar, assunto por demais importante para ficar restrito aos chefes militares, especialmente quanto ao envolvimento de toda a nao no
conflito. As elites civis e, sobretudo, as elites polticas sentiam necessidade de conduzir a estratgia
nacional e total. Consagra-se portanto, no sculo XX, principalmente a partir de 1935/1945, a
intransfervel responsabilidade histrico-cultural da sociedade nacional, como um todo, de promover
o preparo, o fortalecimento e o emprego do Poder Nacional, em todas as suas expresses, e no apenas
a militar, para satisfazer os propsitos da Poltica Nacional. Para tal, dispondo das Foras Armadas
como poder armado em condies de garantir a Segurana Nacional contra ameaas, de toda ordem,
principalmente as decorrentes dos interesses existentes nas relaes entre unidades polticas, a garantia da manuteno das instituies democrticas e da segurana interna.
Assim, neste fim de sculo XX, estranha e paradoxalmente militarizado para o mundo desenvolvido, a sociedade brasileira no pode admitir diferenas dicotmicas civil e militar; cada vez mais
faces da mesma moeda do desenvolvimento e da segurana da nao, como condio para alcanar o
bem comum.. Como na Grcia de Pricles, a sociedade una, com ascendncia e amplitude crescentes
dos segmentos civis em atividades restritas, at o perodo da Segunda Guerra Mundial entre 19391945, aos profissionais das armas.
Sem embargo, dos inmeros problemas e desencontros em que vivem, dirigentes e povo, crises
srias e graves, de fundo tico-espiritual, contempla-se o mundo materialista em volta. Neste final de
sculo XX o mundo atravessa mais um perodo de guerras. Dezenas de conflitos armados esto distribudos pelos quatro cantos do mundo, causando sofrimento, misria, fome e milhares de mortes. Quase todos os pases africanos envolvidos em guerras intestinas e externas que, pelas mais diversas
razes, tm levado morte milhares de seres humanos e projetam um futuro sombrio para o continente. Outro importante exemplo a Iugoslvia mergulhada numa guerra, desagregadora e desintegradora.
Esse fato, de extrema gravidade, resultado de Versailles, que criou um Estado multinacional, obrigando a que vrias naes, idiomas e religies convivessem num mesmo espao geogrfico. Tudo isso
propiciou graves problemas polticos e sociais, de difcil soluo, em muitas regies, com destaque

para a Palestina.
No Brasil, os problemas poltico-sociais so de outra natureza, pois aqui o Estado precedeu
Nao; uma s nao, uma s lngua. Sem srios riscos comprometedores da unidade nacional. Sem
excesso populacional, mas que na verdade deveria haver aumento de populao, para ocupar o vasto e
rico territrio, nem vizinhos seriamente hostis. Entretanto, devido as presses crescentes dos pases
desenvolvidos por mais de cento e cinqenta anos; paga-se tributo por no ter-se desenvolvido determinadas reas estratgicas, tais como a Amaznia e a tecnologia; paga-se tambm um elevado tributo
por querer desenvolv-las.
3.

Principais questes sociais e seus reflexos na segurana nacional

Inmeros so os problemas sociais que afetam a nao brasileira neste final de sculo. Dentre os
mais importantes, conforme afirma Raposo, podemos citar (Raposo, 1997/A):
1. vulnerabilidade da sociedade diante de riscos oferecidos pela democracia poltica, que considerou
as relaes entre Estado e sociedade caracterizadas por: liberdade, pluripartidarismo, eleies peridicas e imprio da lei, mas que convive com os extremos: pobreza de muitos e riqueza de
poucos;
2. papel das Foras Armadas no novo contexto constitucional; instituies que vivem o delicado e
complexo problema da transio poltica, no Brasil e, de modo geral, na Amrica do Sul;
3. violncia urbana que j se constitui ameaa sociedade e prpria democracia, no Brasil e, sobretudo, em muitos pases perifricos; em muitas metrpoles j um problema de segurana interna;
4. corrupo nos diversos nveis e escales, a denominada crise da governabilidade, aspectos ticos
da participao na equipe de governo e a reforma constitucional, que mais parecem problemas do
governo do que da sociedade;
5. fragilidade do sistema partidrio e segmentos, conglomerados ou grupos, cujos interesses nem
sempre convergem com os propsitos nacionais. So eles: Foras Armadas, lutando com enormes
dificuldades oramentrias para atendimento de seus encargos profissionais, submetidas a crticas
de algumas reas e, de certa forma, se mantendo reservadas e em expectativa diante da evoluo
scio-poltica; a Igreja, dividida e atuante, em face dos problemas da pobreza, da misria e da
profunda queda dos padres ticos e morais da sociedade; a Empresa, lutando para adaptar-se e
sobreviver a uma conjuntura poltico-econmica vacilante e atingida pela invaso privilegiada de
empresas estrangeiras; os sindicatos, igualmente divididos, mas atuantes e vigorosos, procurando
sobreviver crise de desemprego, e, finalmente, a mdia, esta, atuando de modo extremamente
perigoso aos interesses nacionais;
6. forte processo de interferncia cultural acarretando profundas mudanas nas crenas, tradies,
hbitos, costumes com fortes e graves conseqncias na identidade, na vontade nacional e na autoestima do brasileiro;
7. ausncia ou deficincia na atuao do Estado em reas sociais, infra-estrutura, segurana, desenvolvimento, concepo e definio de polticas e estratgias para o pas;
8. crise dos organismos institucionais;
9. violncia que tem causados nmero de mortes maior do que em conflitos no leste europeu.
A Constituio, de 5 de outubro de 1988, lei fundamental que organiza e limita o poder, esboando a sua estrutura, define o Brasil como um Estado Democrtico de Direito, em seu Art 1, e
declara, em seu Art 5, que Todos so iguais perante a Lei, sem distino de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida,
liberdade, segurana e cidadania.
Considera, em seu artigo 1, como fundamentos, soberania e cidadania, dentre outros e, como

objetivos fundamentais, em seu artigo 3, garantir o desenvolvimento nacional e promover o bemestar, alm de outros. Os princpios esto contidos no artigo 4: independncia nacional, autodeterminao, no-interveno, igualdade entre Estados, defesa da paz e outros; no pargrafo nico, do mesmo artigo, prev a integrao econmica, poltica, social e cultural dos povos da Amrica Latina.
Sobressaem, ademais, no prembulo: democracia, liberdade, segurana, bem-estar, desenvolvimento,
igualdade e justia.
A defesa do Estado e das instituies democrticas constitui o ttulo V, com os captulos I - Do
Estado de Defesa e do Estado de Stio (Art 136/141), II - Das Foras Armadas (Art 142/143) e III - Da
Segurana Pblica (Art 144).
A misso das Foras Armadas aparece no artigo 142: As Foras Armadas, constitudas pela
Marinha, pelo Exrcito e pela Aeronutica, so Instituies Nacionais Permanentes, regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da Repblica, e
destinam-se Defesa da Ptria, Garantia dos Poderes Constitucionais e, por iniciativa de qualquer
destes, da Lei e da Ordem.
A Segurana Pblica, constante do artigo 144: A segurana pblica, dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, exercida para a preservao da Ordem Pblica e da incolumidade das
Pessoas e do patrimnio, atravs dos seguintes rgos:
I polcia federal;
II polcia rodoviria federal;
III polcia ferroviria federal;
IV polcias civis;
V polcias militares; e corpo de bombeiros militares.
Neste ponto, e com a experincia e conhecimento dos leitores, cabe perguntar: pode uma unidade poltica, o Estado Nacional soberano, prescindir de Instituies voltadas, em carter permanente e
em abrangncia nacional, para a Defesa e a Segurana? Do binmio algebricamente multiplicativo da
Estatura Poltico-Estratgica de um Pas, Desenvolvimento x Segurana ou Desenvolvimento x Defesa, poder ser reduzido, minimizado, o fator Defesa, Segurana Nacional? Que propem os pases
desenvolvidos?
Quanto mais desenvolvido, poderoso, expansionista, imperialista, mais exponencialmente forte
a unidade poltica, o Estado Nacional, a ponto de ter poder que possibilite a destruio da vida na me
Terra, vrias vezes, em poucas horas. Em nome da Nova Ordem Mundial, da Globalizao, da Segurana Internacional, da Paz Universal e de uma pretensa comunidade internacional, ameaam intervir,
invadem e ocupam, no todo ou em parte, pases em desenvolvimento.
Nem os pases desenvolvidos, menos ainda os pases em desenvolvimento, podem descurar de
instituies orgnico-operacionais articuladas e adestradas para internamente, e, sobretudo, na ordem
internacional, promover, assegurar e resguardar a inviolabilidade das fronteiras, da soberania, da independncia, da integridade territorial, da integridade patrimonial, da integrao nacional, do pensamento nacional, da cultura nacional, enfim, garantir a paz e o bem-estar da comunidade nacional nas
relaes de poder inter-estatais. No se deve esquecer que a identidade nacional surge com a formao
e delimitao do territrio nacional.
A sociedade brasileira tem problemas de pases em desenvolvimento e, portanto, possibilidade
de ocorrncia, na ampla faixa do espectro de conflitos em um grau variado de importncia e intensidade, de crises e conflitos poltico-sociais, econmico-financeiros e poltico-militares internos ou externos.
Como instituio permanente do Estado, as Foras Armadas representadas, pelo seu efetivo, em
especial os Oficiais, no devem ter vnculos com partidos polticos ou com poltica partidria. A
instituio militar e seus membros devem estar acima da poltica. Isto significa dedicao permanente

e que os militares tem apenas um compromisso que com o Estado Nacional. Devem manter neutralidade poltico-partidria. Entretanto, certo que as Foras Armadas, para que tenham condies de
bem cumprirem sua misso constitucional, serem recolhidas aos quartis e absterem-se da poltica
nacional e internacional? Como? Por qu?
Ao contrrio, no devem se manter nos quartis porque no so foras mercenrias nem devem
exercer o papel de capito do mato pois so foras nacionais que existem para garantir a vida organizada e a sobrevivncia da nao.
Devem, pois, como instituio poltica que so, e como necessrio para terem condies de
exercer sua misso constitucional, participarem, desenvolverem discusses e terem profundo conhecimento da poltica nacional e internacional.
No possvel negar que existam convices polticas entre os Oficiais. Ainda que militares no
percam e nem poderiam perder a condio de cidado pois a cidadania garantida pela Constituio e
no poderia ser de outra forma. Suas convices polticas entretanto no devem ser praticadas em
partidos polticos. A filiao, acertadamente, no permitida. Podem e devem praticar o exerccio da
poltica nacional desde que no haja vnculo partidrio e nem contrariem legislao especfica pertinente a este tema.
Da origem do Estado Nacional decorre, fruto de consenso social, que sobre a instituio militar
repousa a responsabilidade de garantir a existncia do Estado Nacional em tempos de paz e a sua
sobrevivncia em tempos de guerra.
Raposo lembra, acertadamente, quem, seno o Poder Militar, respaldado pelo Poder Civil (Raposo, 1997/B):
1. assegura, defende e resguarda a soberania nacional e promove a segurana do Estado Nacional
democrtico, quando o espectro dos conflitos atinge o grau de gravidade mxima e todas as expresses do Poder Nacional so mobilizadas para esse propsito?
2. implementa os atos decorrentes das Hipteses de Guerra, da Declarao de Guerra e da conseqente conduta da Guerra e das Operaes Militares (Estratgia Militar) nos Teatros de Operaes, at a celebrao da Paz (Previstos no Art 91 parag 1)?
3. garante a independncia nacional e a segurana do Estado democrtico?
Quem seno o segmento civil da sociedade, o Poder Civil, ascendente e dirigente do Poder
Militar:
1. dirige, orienta e ordena a organizao bsica, em funo da misso, caractersticas, natureza das
atividades e tipos de armamento e equipamento empregados, e a articulao, no territrio nacional, em funo das necessidades de defesa e de segurana, e de diversos fatores, das Foras Armadas; o preparo e o emprego do Poder Militar consoante as estratgias consideradas?
2. nas atividades-fim ou em aes complementares?
Enfim, um paradoxo: mais do que a Expresso Militar do Poder Nacional, so as demais reas
da sociedade civil que devem magnificar a necessidade, utilidade e existncia das Instituies Militares. E, curiosamente, de parte, felizmente reduzida, do estamento civil, que se questiona a convenincia de o pas possuir Foras Armadas! Ou que elas devam voltar-se para atividades prprias de
Foras de Segurana, e para aes complementares, tal como procuram impor os pases desenvolvidos. Ao contrrio, a tendncia dever ser a cidadania, a sociedade civil, o cidado desarmado ter
crescente interesse em que, alm de manter as Foras Armadas, cuidar o Estado de implementar a sua
profissionalizao, aperfeioamento e modernizao, para a dupla acepo de seus encargos constitucionais.
Vale pensar por que os pases desenvolvidos no querem que os em desenvolvimento tenham
suas prprias Foras Armadas nem que estas se preocupem com as tradicionais Hipteses de Guerra,

decorrentes do espectro dos conflitos. Por que as potncias mundiais, to poderosas e cujo poder, alm
de total e nuclear, que j envolve dimenses global e planetria, insistem em querer pases em desenvolvimento to fracos e impotentes, com modesto Poder Militar compreendendo Foras de Segurana
voltadas para a segurana interna, vale dizer, transformar em Foras Policiais ou Gendarmerias? Por
que, em alguns pases em desenvolvimento da Amrica Latina, ditos redemocratizados, em especial
no Brasil, a denominada sociedade civil insiste em civilizar o segmento militar? Se repressoras da
Ditadura Militar, no o sero, mais ainda, como Gendarmes do Poder Civil? H, porventura,
dicotomia entre civil e militar? Existe uma sociedade civil e uma sociedade militar, ou, apenas, a
sociedade nacional, a sociedade brasileira, abrangente, que tem na Expresso Militar um segmento
decisivamente importante, para ela, sociedade nacional brasileira, instrumentalizada pelo Estado?
Curiosamente, o Brasil est inserido num cenrio global extremamente complexo, submetido a
sstoles e distoles geoestratgicas denunciadoras de um mapa geopoltico singular, que inverte, os
sinais algbricos do binmio poltico-ideolgico Leste-Oeste que, de confronto, insinua-se dilogo.
o dilogo Norte-Sul, entre pases desenvolvidos e pases em desenvolvimento, agora substitudo pela
presso do pases que compem o grupo dos sete (G-7), as principais potncias, sobre o hemisfrio
sul. , espantoso, quando, neste final de sculo XX, tudo parece configurar uma nova ordem planetria, emergente do Muro de Berlin, e da dbacle comunista edificar a pax-americana imperialista,
unimundista, advinda da Guerra do Golfo Prsico. o grupo dos sete pases industrializados, mais
desenvilvidos (G-7), com destaque dos Estados Unidos da Amrica, que se coloca ascendente prpria ONU!
Quando tudo parecia estimular o resgate de dcadas perdidas pelo Brasil, em termos de desenvolvimento poltico-econmico, socio-cultural e cientfico-tecnolgico, e erigir uma estrutura de segurana nacional, condizente com os reclamos de nossa projeo no cenrio regional e mundial, o que
se constata? O Brasil imerso em grave crise: crise poltico-institucional, envolvendo elites e sociedade, como um todo; crise com agravos segurana do Estado, das instituies democrticas. Crise,
sobretudo, de ndole tica.
A sociedade brasileira como um todo, governo e povo, partidos polticos e cidadania, empresrios e sindicatos, professores e universitrios, civis e militares, enfim, elites e povo, tm conscincia
da crise mundial e de suas dramticas conseqncias para o Brasil, igualmente em crise? Estamos
conscientes, civis e militares sobre a responsabilidade das Foras Armadas e das instituies incumbidas da segurana pblica? Estamos alertados, civis e militares, sobre a inteligncia dos preceitos constitucionais concernentes defesa nacional e sobre a responsabilidade das Foras Armadas e das instituies incumbidas da segurana pblica? Tem cabimento admitir-se o desvio desse mandamento?
Pode o Poder Civil prescindir de um Poder Militar que, ademais de promover a defesa externa, tambm respalda a segurana pblica e a segurana interna? Teria sido possvel a Rio Branco defender a
soberania brasileira, mediante excepcional estratgia poltico-diplomtica, no estivesse ele resguardado por uma estratgia poltico-militar dissuasria, decorrente da estatura poltico-estratgica do
Pas? No isso motivo bastante para um esforo supremo de toda a Nao, no sentido de viabilizar e
eliminar os problemas que entravam a modernizao e a acelerao do Desenvolvimento?
Que se estreitem mais as relaes entre o segmento civil da sociedade e o estamento militar em
torno de conceitos fundamentais, operacionalizados pelo Estado, como soberania, nacionalismo, independncia, integrao territorial, integridade do patrimnio, desenvolvimento, preservao e valorizao da cultura nacional, e que se mobilize a vontade nacional, no sentido de encaminhar os demais
objetivos da nacionalidade paz social e ao bem-estar do povo. Podemos edificar no Brasil deste fim
de sculo a era Meiji, de h 150 anos, que despertou foras vivas no Japo, para reagir via diplomacia
s presses externas, polarizando a vontade nacional em inteligente desenvolvimento do Poder Nacional, condizente com o cenrio regional e mundial atual? Guardadas as devidas propores de espaotempo poltico-estratgico, no seria esse um vivel desafio para os pases em desenvolvimento como
o Brasil?

Complexo, portanto, o papel das Foras Armadas no cenrio poltico-estratgico atual, instituio que vive a delicada problemtica da transio poltica, no Brasil e, de resto na Amrica do Sul,
impondo-se repensar a tarefa do Estado, instrumento a servio da sociedade, e meditar sobre que
sociedade pretendemos construir, modernizar e escoimar do centralismo e da hipertrofia estatais, dos
desmandos administrativos e do trfico de influncia, da impunidade, da corrupo e da crise de autoridade. Pois, enquanto a sociedade da velha Europa procura renovar-se, edificando um Mundo Novo,
unificado, a do novo mundo sul-americano se enfraquece, esclerosando-se em hbitos e costumes
ultrapassados.
Nem os pases desenvolvidos, menos ainda os pases em desenvolvimento como o Brasil, quando considerada a ampla faixa do espectro dos conflitos, podem descurar de instituies e de estruturas
orgnico-operacionais articuladas e adestradas para, internamente, e, sobretudo, na ordem internacional, promover, assegurar e resguardar a inviolabilidade das fronteiras, da soberania territorial e
patrimonial, da integridade territorial, da preservao da cultura nacional; enfim, para garantir a paz
social e o bem-estar da comunidade nacional nas relaes de poder intra e interestatais, enfim, a
consecuo dos Objetivos Nacionais.
Estranhamente, parte, felizmente nfima, do estamento civil, questiona a convenincia de o pas
possuir Foras Armadas; que, em se admitindo sua existncia, deveriam atuar como foras de segurana, e em aes complementares, tal como querem os pases mais desenvolvidos. Da ser oportuno
lembrar James Fellow quando afirma que a nica razo de uma nao manter fora armada para
defender os interesses definidos por sua poltica. E o nico caminho de se julgar o estabelecimento
militar, se adequado ou no, perguntar se ele pode garantir os compromissos que a nao assumiu.
uma falcia e leviano considerar que as Foras Armadas oneram sobremodo o oramento do
pas e que contam com armamento e equipamento de rpida obsolescncia. Alega-se, inclusive, que
no temos conflitos com pases vizinhos, verdade que nos orgulha aos olhos sul-americanos. Ademais, argumentam, o cenrio mundial configura uma comunidade planetria, que se outorga a responsabilidade pela paz e segurana bi-hemisfrica. Alegam, inclusive, que o Brasil enfrenta problemas
to graves de desenvolvimento econmico-social, o que correto, que no se justificariam investimentos em segurana e defesa o que mostra total ingenuidade. Ocorre que, alm dos benefcios oferecidos pelas atividades-fim das Foras Armadas, uma srie enorme de aes complementares advm
para a sociedade, nas diversas reas do territrio nacional.
Acreditamos imperativo e inadivel dotar o pas de Foras Armadas com poder de dissuaso,
isto , capacidade e vontade suficientes para, em face de sua estatura estratgica, enfrentar riscos
crescentes soberania, ao progresso e integridade nacional, ante tantas e renovadas ameaas aos
pases em desenvolvimento, rotuladas de devoir dingrence, de internacionalizao de territrios e
de soberania limitada. No estaria a a grande oportunidade para a sociedade mobilizar a vontade
nacional, cimentando o poder militar s demais expresses do poder institucionalizado pelo Estado?
Parece-nos aconselhvel convidar os diversos segmentos da Sociedade para amplo e urgente debate
desse tema. Pois, para Tomas Shelling; A estratgia no se refere aplicao eficiente da fora, seno
explorao de uma fora potencial. Melhor dispor de foras em ser e, se for o caso, atuar em
conflitos fora da rea, como entendia a OTAN, do que presses e conflitos entre pases desenvolvidos e pases em desenvolvimento, para fugir ao aforisma aroniano: Homens ou povos que combatem
entre si sem se odiar, acabam por se odiarem de tanto combaterem entre si (Raposo, 19987/A).
Derrubemos o muro dos encastelamentos da sociedade brasileira; civis e militares devem
unir-se no propsito de modernizar as instituies civis e militares. Os brasileiros so um povo pacfico mas no pacifista. Tanto mais importante quanto no plano internacional, uma Nova Ordem Mundial se instaura, buscando privilegiar os pases desenvolvidos e conter os pases em desenvolvimento,
em nveis absolutamente inaceitveis, alm de amea-los com nova colonizao imperialista,
tecnolgica, ecolgica, ambiental, o que alis j vem acontecendo aberta e agressivamente em vrias
naes menores.

Finalmente, urge ampliar e aprofundar o relacionamento civil-militar, inclusive admitindo participao crescente dos diversos segmentos da sociedade na formulao e na implementao da poltica
de segurana nacional, lembrados todos da advertncia do General Andr Beaufre, na OTAN, em
1967: Como militar, teria preferido que estivssemos na poca de Napoleo e se algum dentre vs
encontrar um meio de refazer um sistema militar do tipo napolenico, bravo! Pois, hoje, na orquestra
da guerra, no somos mais o regente; apenas um instrumento dela!(Raposo, 1997/A).
4.

O relacionamento civil e militar

O sistema de relaes que imperam entre civis e militares varia ao longo do tempo e reflete
essencialmente as idias que predominam, em dado momento histrico, entre os que exercem, diretamente ou indiretamente, o poder central no Estado.
O sistema de relaes existente entre civis e militares fundamental para a segurana da nao.
Esse relacionamento deve ter como referencial maior a segurana nacional, pois a harmonia, cooperao e eficincia em tempos de paz deve caminhar, lado a lado, com a eficcia dos civis e principalmente dos militares em tempo de guerra. Por essa razo, quando se trata de questes nacionais relevantes,
vinculadas ao desenvolvimento, poltica externa, e s polticas e estratgias da nao e especialmente quanto ao futuro, fundamental combinar elementos do pensamento poltico com elementos do
pensamento militar.
A relao entre civis e militares constitui um dos aspectos fundamentais da poltica de segurana
nacional, afirma Huntington. (Huntington, 1990). Isso porque um dos objetivos da poltica de segurana nacional fortalecer a segurana das instituies sociais, econmicas e polticas de modo a
tornar forte e aumentar o Poder Nacional para, conquistar e manter os Objetivos Nacionais Permanentes. Assim possvel evitar o caos e possibilitar a unio contra as ameaas do Estado Nacional.
Huntington afirma ainda que a relao entre civis e militares compe o principal componente
institucional de poltica e segurana nacional. Sendo assim, preservar a soberania no significa apenas
manter a integridade do territrio nacional, significa muito mais: manter a soberania patrimonial.
Somente com a garantia da segurana, em suas dimenses territorial e patrimonial e da preservao da
cultura nacional, ter a nao a segurana necessria e desejada.
No processo poltico, o Estado e todos os setores da sociedade devem estar articulados e ser
cooperativos com relao ao rumo que a nao deve tomar. Nesse processo a relao entre civis e
militares forma o principal componente institucional das polticas de segurana e de desenvolvimento.
As questes operacionais imediatas de poltica militar, componente da poltica de segurana,
normalmente envolvem:
- questes quantitativas dos efetivos, recrutamento e manuteno das Foras Armadas, incluindo o
aspecto fundamental da proporo de recursos do Estado consignados s necessidades militares,
compatveis com a estatura poltico-estratgica da nao;
- questes qualitativas de organizao, composio, equipamento e desdobramento das Foras Armadas, incluindo os tipos de armas, programas de ao com aliados e questes semelhantes,
- questes dinmicas da utilizao das Foras Armadas, como saber quando e em que circunstncias
ter uma fora que ser levada ao; e
- questes relativas pesquisa e desenvolvimento cientfico e tecnolgico direcionados s necessidades das Foras Armadas.
sobre essas questes que normalmente se desenvolvem as discusses pblicas. Entretanto, a
natureza das decises sobre essas questes determinada pelo modelo institucional atravs do qual as
decises so tomadas. As questes fundamentais de poltica institucional esto sempre presentes; elas
so continuamente redefinidas mas nunca resolvidas. O ordenamento das relaes entre civis e militares , por conseqncia, bsico para a poltica de segurana militar de um pas. Em nvel institucional,
o objetivo maior dessa poltica desenvolver um sistema institucional de relaes entre civis e militares que maximize a segurana, que preserve a soberania, tanto territorial quanto patrimonial, com o

menor sacrifcio da sociedade. A manuteno de um adequado equilbrio na relao entre civis e


militares favorece a busca pela segurana e pelo desenvolvimento. A inexistncia de tais relaes ou o
seu desequilbrio fator de insegurana, e leva ao desperdcio de recursos e conduz a riscos incalculveis e as vezes, irreversveis.
O crescimento do complexo militar e a proliferao de suas funes, aliados ao fato de que as
Foras Armadas caracterizam o Estado Nacional soberano, produziram uma correspondente revoluo organizacional na engrenagem do controle civil.
Como o controle civil dedica to grande ateno s formas administrativas, as Foras Armadas
desenvolveram mais sensibilidade a esses problemas que s conseqncias polticas de seus programas.
As dificuldades inerentes s relaes internacionais, onde imperam, quase que exclusivamente,
a vontade de uma nao hegemnica militar e de outras poucas naes mais ricas e industrializadas e
limitaes impostas liderana poltica civil, obrigaram as Foras Armadas a uma definio mais
ampla de seu papel. Muitos encaram a poltica exterior formulada pelas lideranas civis essencialmente como uma reao s aes de outras naes. Isso leva inevitavelmente ao surgimento de um estado
de tenso entre as lideranas civis e militares.
Desse ponto de vista, a tenso na formulao da poltica de segurana nacional e de defesa
mais que uma luta poltica de um grupo de lderes polticos civis e militares contra um outro grupo de
autoridades civis e militares. A questo est na reao militar ao controle civil. O controle civil aponta
alguns pontos que, de maneira imprevista, parecem ter aumentado o engajamento da profisso militar
como grupo de presso na arena poltica nacional, mas isso coisa do passado.
O que ocorre que a direo civil do Estado, composta pelos trs poderes, no conseguiu produzir sistemas eficientes para permitir o adequado tratamento realista da instituio militar. As prticas
do poder civil tm sido essencialmente oramentrias e quase sempre menores a cada ano fiscal.
Embora os chefes militares sejam sensveis a algumas personalidades do Congresso envolvidas na
poltica de Segurana Nacional, de modo geral o Parlamento visto como um objeto de relaes
pblicas, cujos trabalhos em favor de seus constituintes exigem total prioridade. Como o centro do
controle civil localizado no Executivo e como a estrutura do controle civil adquiriu maior complexidade, a reao militar ao controle civil manifesta-se numa luta intensificada para privilegiar a influncia junto ao Chefe do Executivo sem abandonar o processo de conquistar adeptos entre os parlamentares.
A eficincia das Foras Armadas como grupo de presso depende de sua rede de alianas e
contatos civis. Como a poltica das Foras Armadas na arena poltica interna no a poltica de uma
camada social distinta, quanto mais elaborada for a ligao formal e informal da oficialidade com
grupos e instituies civis de liderana, maior ser a influncia potencial.
Dentre as vrias alianas civis formuladas pela oficialidade, trs so cruciais: maior atuao
civil de oficiais na reserva, atividades em associaes profissionais e participao na vida poltica, em
termos individuais. Esses tipos de aliana civil so dimenses essenciais da posio de poder das
Foras Armadas na sociedade. Entretanto, sobretudo atravs de suas organizaes profissionais,
mais do que atravs de atividades profissionais, aps a reserva, que a elite militar opera como grupo de
presso e tenciona a frmula tradicional das relaes civis-militares.
5.

Os imperativos do relacionamento civil-militar

As instituies militares de qualquer sociedade so moldadas por duas foras, que, a exemplo de
Huntington, tambm qualificamos de um imperativo funcional, que se origina das ameaas segurana da nao, e um imperativo societrio, proveniente das foras sociais, das ideologias e das instituies dominantes dentro dessa nao. Foras Armadas moldadas por apenas um desses vetores no
sero capazes de cumprir sua misso principal, garantir a soberania.
necessrio e mesmo fundamental, a interao dessas foras, em benefcio da garantia da sobe-

rania e mesmo da existncia e sobrevivncia do Estado Nacional. Entretanto, na interao dessas


foras que reside o maior problema das relaes entre civis e militares. O grau em que elas entram em
conflito funo da intensidade das exigncias de segurana, da natureza e da fora de valores da
sociedade.
Para ilustrar, podemos comparar a poca que antecedeu o ingresso do Brasil na Segunda Guerra
Mundial e o momento atual onde o discurso dominante no valoriza a soberania nacional e desvaloriza as instituies, principalmente as militares. No momento, no Brasil, as relaes entre militares e
civis parecem estar limitadas aos impactos, tanto polticos como econmicos, das Foras Armadas
sobre as instituies civis.
Um fato significativo, na constituio da segurana, em nossos dias, a combinao da moderna
tecnologia com profundas mudanas na poltica internacional. Isso tem levado a questionar se o modelo de relao entre civis e militares continua adequado s necessidades da nao. Por conseqncia,
surge outra questo: que modelo de relao entre civis e militares ser mais adequado segurana e
manuteno da soberania da nao?
O principal foco desta questo, entre civis e militares, a relao entre a oficialidade e o Estado.
nesta relao que as presses de ordem funcional e de ordem societria atingem o auge. A oficialidade o elemento dirigente ativo da estrutura militar e responsvel pela segurana e manuteno da
Soberania da Nao. E o Estado, instituio responsvel pela administrao da Nacional inclui a estrutura militar. As relaes econmicas e sociais entre os militares e os civis, de modo geral, refletem as
relaes polticas entre a oficialidade e o Estado. Conseqentemente, na anlise da relao entre militares e a sociedade, de fundamental importncia o entendimento do sentido do relacionamento civilmilitar; a natureza do corpo de oficiais; que espcie de homem o oficial e, que qualidades e que
caractersticas deve o oficial ter.
As naes que no presente apresentam um modelo equilibrado nesse relacionamento tm uma
grande vantagem na busca de seu desenvolvimento e de sua segurana. As naes que no desenvolvem ou falham no desenvolvimento de um modelo equilibrado de relaes entre civis e militares
desperdiam seus recursos e podem correr riscos, colocando em cheque a prpria segurana nacional.
6.

Como se processam as relaes civil-militar

O discurso dominante prope e a sociedade brasileira tem freqentemente discutido o papel das
Foras Armadas. Na verdade, alm de um debate que reflete as propostas sugeridas pelos Centros de
Poder, a discusso tratada em termos de controle civil. Entretanto, importante lembrar que um
estudioso do assunto, Samuel Huntington afirma que esse conceito nunca foi definido a contendo. A
polmica tm como pressuposto que o poder militar tem que subordinar-se ao poder civil. Nas discusses sobre como efetivar o controle, predomina a tese de como reduzir o poder militar. Uma vez que o
ncleo central do controle est no executivo devem as Foras Armadas adequar-se e procurar equilbrio quanto s diferentes presses exercidas pelo controle do legislativo. Como ator no meio de um
complexo processo poltico, extremamente difcil, para o militar, manter um senso de equilbrio e
imparcialidade porquanto suas principais preocupaes, objetivos funcionais e dedicao integral esto diretamente voltados para a garantia da segurana nacional e o desenvolvimento.
O objetivo, constatado, do controle do executivo visa a centralizar a autoridade civil sobre a
cpula militar.
A questo do controle sugere a Huntington duas vertentes a do Controle Civil Subjetivo e a do
Controle Civil Objetivo.
6.1. Controle Civil Subjetivo: Maximizar o Poder Civil
A maneira mais simples de minimizar o poder militar maximizar o poder de grupos civis em
relao aos militares. O grande nmero, o carter variado e os interesses conflitantes de grupos civis
impossibilitam a maximizao do poder civil, como um todo, com relao ao poder militar. Sendo

assim, a maximizao do poder civil significa a maximizao do poder de algum grupo civil ou de
alguns outros grupos. Isso significa um controle civil subjetivo. Isso reflete que o controle civil subjetivo envolve relaes de poder entre os grupos. Em suas vrias formas de manifestao, o controle
civil subjetivo normalmente identificado com a maximizao do poder de determinadas instituies
governamentais, classes sociais e formas constitucionais.
6.1.1. Controle Civil por Instituio Governamental:
Nos sculos XVII e XVIII, principalmente, as Foras Armadas ficavam sob controle do soberano. A expresso controle civil era adotada pelos parlamentares como meio de aumentar o prprio
poder vis--vis com a coroa. Como o soberano era civil, o que de fato queriam era maximizar o controle parlamentar sobre as Foras Armadas, mais do que o controle civil. O controle parlamentar no era
meio de reduzir o poder militar, mas uma forma de reduzir o poder do Rei. Nos dias atuais, essa
relao de poder tambm acontece. Entretanto a distribuio do poder no entre civis e militares,
mas entre Executivo e Legislativo, ou seja, cabe tanto ao Congresso quanto ao Presidente.
6.1.2. Controle Civil por Classe Social:
Nos sculos XVIII e XIX, a aristocracia e a burguesia disputavam o controle das Foras Armadas. Cada qual tentava identificar o controle civil segundo seus prprios interesses. Como a aristocracia j exercia algum controle sobre as Foras Armadas, a burguesia fez uso generalizado da expresso
controle civil para identificar controle aristocrtico com controle militar. Nesse quadro a questo
passou a ser: que interesses deveriam prevalecer nas Foras Armadas: aristocrticos ou burgueses?
6.1.3. Controle Civil por Forma Constitucional:
Essa forma de controle ocorre quando apenas um nico dispositivo constitucional assegura o
controle civil. verdade que esse instrumento pode nem sempre ser verdadeiro. O poder militar pode
minar o poder civil e aumentar o poder poltico atravs de instituies de governo e de poltica. Controle civil subjetivo no , pois, monoplio de nenhum sistema constitucional particular.
A ascenso da profisso militar trouxe conseqncias questo das relaes entre civis e militares, o que complicou a disputa entre os vrios grupos civis que pretendem maximizar seu poder sobre
os militares. Agora os grupos defrontam-se com novos grupos civis, mas tambm com novos, independentes, funcionais e imperativos militares. Os adeptos de controle civil subjetivo passaram a exigir
que esses imperativos fossem negados ou modificados. Se isso no ocorresse, o controle subjetivo
seria impossvel. Torna-se necessrio estabelecer novos princpios para reger as relaes entre os imperativos militares funcionais e o segmento civil da sociedade. Enquanto o controle civil no passava
de um valor instrumental de determinados grupos civis, era impossvel garantir consenso quanto a seu
significado. Cada grupo definia controle civil segundo seus prprios interesses. Isso explica o fato de
o controle civil no ter sido definido satisfatoriamente, ainda que muito tenha sido escrito sobre ele.
Entretanto, a ascenso da profisso militar, ainda que tenha tornado obsoletas as formas de controle
civil subjetivo, tambm obrigou a elaborao de nova definio de controle civil.
6.2. Controle Civil Objetivo: Maximizar o Profissionalismo Militar
No sentido objetivo, controle civil a maximizao do profissionalismo militar. Significa a
distribuio de poder poltico entre militares e civis. Isso conduz ao aparecimento de comportamento
profissional entre a oficialidade. Logo o controle civil objetivo ope-se ao controle civil subjetivo. O
controle civil objetivo faz dos militares e civis o reflexo do Estado. O controle civil objetivo atinge seu
fim ao militarizar os militares, tornando-os servidores do Estado. O controle civil objetivo, diferente
do controle civil subjetivo, existe apenas numa forma. A anttese do controle civil objetivo a participao do militar na poltica. O controle civil diminui medida que os militares se envolvem em
poltica institucional, classista e constitucional. Por outro lado, o controle civil subjetivo pressupe
esse envolvimento. A essncia do controle civil objetivo o reconhecimento do profissionalismo
militar autnomo. A essncia do controle civil subjetivo a negao de uma esfera militar indepen-

dente. A demanda por controle objetivo surge pelo interesse de grupos civis em aumentarem seu poder
em assuntos militares.
O elemento essencial e prioritrio de qualquer sistema de controle civil minimizar o poder
militar. O controle civil objetivo atinge essa reduo profissionalizando os militares, tornando-os politicamente inteis e neutros. Isso produz o mais baixo nvel de poder poltico militar com relao aos
civis. Entretanto preserva o elemento essencial de poder que indispensvel existncia da profisso
militar. Um corpo de oficiais altamente profissional permanece pronto a realizar os desejos de um
grupo civil que detenha autoridade legtima dentro do Estado. Isso estabelece limites definidos do
poder militar sem que exista qualquer referncia distribuio de poder entre os diversos grupos civis.
A definio subjetiva de controle civil pressupe um conflito entre controle civil e as necessidades de segurana militar. Considerando que os civis, em sua expressiva maioria, no tm conscincia
da natureza da instituio militar e dos compromissos institucionais com a nao, freqentemente
admitem que a reduo do poder militar necessria para manter a paz.
fato que o controle civil objetivo sofre influncias de grupos ou de faces polticas, que
insistem na subordinao a seus prprios interesses. Nas naes em desenvolvimento, com inexpressivo
Poder Nacional, e sujeitas a presses de toda ordem, o Poder Militar tem extrema dificuldade em
manter-se em condies de enfrentar as ameaas Soberania Nacional, seja na dimenso Territorial ou
Patrimonial. Quanto soberania, no que se refere sua dimenso Patrimonial, as dificuldades so
ainda maiores, pois para esta se fazem necessrias uma total integrao e identificao com o poder
civil, o que no to simples.
O relacionamento civil-militar deve ser considerado como um dos temas mais importantes para
o desenvolvimento e segurana da nao. Ao estudar esse tema, importante que seja discutida a
situao e o papel da profisso militar em um pas em desenvolvimento e num mundo em que os
pases desenvolvidos procuram restringir ou inibir seu progresso.
Quanto ao relacionamento civil-militar devemos lembrar das palavras de Jos Amrico de Almeida
por ocasio de sua saudao ao General Ges Monteiro: Pena que as vossas manifestaes tenham
sido isoladas. Antes, nos fosse dado dizer aos militares, na vibrao dessas homenagens, que dessem
fora aos civis para que eles pudessem cumprir sua misso com o destemor das atitudes intransigentes
do bem pblico. E eles respondessem que ns outros poderamos realizar todo o nosso esforo construtivo e moralizador, que no nos faltaria o seu apoio material.
E, de mos dadas, povo e exrcito, retomaramos, sem desconfiana nem apreenses, o ritmo do
trabalho pacfico e restaurador, dentro da lei, evitando as solues armadas.
Seria essa a unio sagrada, com que os povos cultos dirimem crises ais profundas (Monteiro,
1930).
7.

Concluso

Cumpre lembrar que nao no civil nem militar. Cumpre lembrar que cidadania garantida
pela Constituio Nacional. No regime democrtico o povo o titular do poder e o exerce por meio de
representantes eleitos. Os indivduos constituintes da nao, todos os seus naturais, so cidados. O
poder efetivamente exercido pelos cidados em pleno gozo dos direitos polticos. No regime democrtico todo poder emana do povo e efetivamente exercido pelos cidados em pleno exerccio de
seus direitos polticos. A igualdade dos cidados perante a lei, sem distino de qualquer natureza, o
pressuposto que assegura a legitimidade para o exerccio da democracia. A igualdade garante ao cidado, civil ou militar, o igual direito de participar do exerccio do poder no regime democrtico. O
regime democrtico tem, idealmente, como objetivo inerente assegurar a igualdade dos cidados perante a lei. A liberdade , outro pressuposto bsico do regime democrtico e a expresso mesma de seu
exerccio. atravs do exerccio poltico que se realiza a democracia. Os direitos da cidadania so
garantidos pela Constituio Brasileira que estabelece os direitos civis, polticos e sociais dos cida-

dos, sendo vedada a cassao de direitos polticos. Lamentavelmente, em termos reais, no so cumpridos em toda sua plenitude.
O conceito de cidadania dividido em trs elementos: civil, poltico e social. O civil composto
dos direitos necessrios liberdade individual. O poltico a garantia de participao, no exerccio
dos direitos polticos, como membro de um organismo investido de autoridade poltica ou como um
eleitor dos membros de tal organismo. O social refere-se aos direitos sociais considerados bsicos para
propiciar a vida de um ser civilizado de acordo com os padres que prevalecem na sociedade.
A conscincia da cidadania implica no conhecimento dos direitos e dos deveres inerentes
pessoa humana, vivendo em grupo e participando da vida nacional. A cada direito corresponde um
dever.
A questo da segurana, qualquer que seja a opo ideolgica do cidado, uma questo primeira para o Estado Nacional. O Estado Nacional se justifica, segundo o filsofo alemo Hegel, pai da
filosofia poltica, quando dirime as contradies que surgem no mbito da sociedade civil. Entretanto,
ainda segundo o mesmo filsofo, o Estado Nacional s se legitima quando tem nos seus objetivos os
mesmos objetivos dos cidados que representa. Segurana, portanto, um instrumento inerente ao
exerccio da cidadania. Quanto mais tecnolgica uma sociedade mais segurana ela requer e mais
conhecimento e participao tm os cidados. a que reside o sentido de segurana em uma democracia. na sua posio de resguardo da cidadania. No passado o importante era definir o modelo de
relacionamento entre o meio civil e o militar mais adequado democracia. Atualmente isso j est
superado por uma questo mais importante: qual o modelo de relaes civil-militar mais adequado
segurana da nao?
Esse modelo deve ser adequado ao momento histrico, ao momento poltico, conjuntura nacional, internacional sendo que a cultura da nao tem fundamental e definitiva participao. Assim,
no pode existir um modelo comum para as naes. Cada nao deve ter o prprio. Cada Estado
Nacional deve desenvolver o seu.
Ainda importante lembrar que:
O militar o primeiro e ltimo servidor do Estado Nacional.
Primeiro, porque a origem do Estado Nacional decorre do consenso social de que s a essa
entidade, o Estado Nacional, deve ser concedido o monoplio do uso legtimo da fora.
ltimo, porque sobre o militar, apoiado pelo civil, que repousa a existncia do Estado Nacional em tempos de paz e a sua sobrevivncia em poca de guerra.
observando essa posio de primeiro e ltimo servidor do Estado Nacional que se deve formar, aperfeioar, treinar e preparar o militar. O militar, a instituio militar, ou melhor, as Foras
Armadas so essenciais vida da nao. Maquiavel j alertava que nenhum pas est seguro sem
armas pois lhe faltariam os meios de decidir seu destino, no que Napoleo complementa com elegncia quando afirma que sem exrcito no h independncia poltica nem liberdade civil. No podemos nos esquecer de que num territrio sempre haver um exrcito, se no for o exrcito nacional ser
o exrcito estrangeiro.
O Estado Nacional tem sido ao longo dos ltimos quinhentos anos a organizao catalisadora
das sociedades nacionais. Apesar de um discurso recente, que procura minorar a importncia dos
Estados Nacionais, em decorrncia de uma previsvel globalizao, nada de importante coonesta esse
discurso. Assim sendo, o mais relevante atributo a ser incutido no militar o da sua total fidelidade aos
desgnios de seu Estado Nacional. No Brasil, as Foras Armadas, como de conhecimento de todos,
sem comprometimento da segurana e defesa nacionais, so tradicionalmente comprometidas com o
desenvolvimento, com a integrao nacional, com integridade nacional, com as desigualdades sociais,
com a preservao e com valorizao da cultura.
Entretanto, ao longo desses ltimos quinhentos anos, o Estado Nacional sofreu em sua concepo diversas modificaes. A principal delas se processou com a derrota do absolutismo provocada

pelo conjunto de idias que levou queda da Bastilha e Revoluo Francesa. Essa modificao teve
extrema importncia na formao do militar. Com a derrota do absolutismo, termina o antigo Estado
Nacional, aquele Estado onde todas as intenes decorriam de sua casa reinante. No antigo Estado
tudo resultava da concepo do rei e o militar era antes de tudo um soldado do Rei. Isto era possvel
pois o Estado Nacional se confundia com o soberano, o que permitia a Luis XIV afirmar LEtat cest
moi. O soldado era um servidor da casa real, sempre voluntrio e crdulo nas intenes maiores de
sua causa. Se assim no fosse, ainda tinha o soldo que lhe afiava a espada. J no Estado Nacional que
surgiu com a Revoluo Francesa, o moderno Estado Nacional, duas idias-fora de sua concepo se
tornaram fundamentais para a formao do soldado: o movimento filosfico iluminista, ou seja, a
prevalncia da razo sobre os dogmas; a importncia do conhecimento e da cultura e a idia da
cidadania - ou seja, a relevncia de cada um se sentir partcipe na concepo e na evoluo do seu
Estado Nacional. Nascia o cidado-soldado.
O movimento iluminista exalta a importncia da lgica cartesiana, do desvelar da natureza, da
capacidade criadora do homem e de sua vontade. Ao militar que surge com o moderno Estado Nacional esses devem ser atributos incutidos. A idia de cidadania pressupe participao, ao solidria e
conhecimento dos reais interesses nacionais. Ao soldado-cidado esses devem ser atributos compartilhados.
Dos pressupostos estabelecidos ao longo dos sculos XIX e XX, a razo tem sido determinante
na formao do soldado, a afetividade s se materializando na ligao entre ele e sua origem: sua
famlia, sua comunidade e sua cultura.
Para o prximo sculo tudo indica que cada vez mais a razo e a sua filha, a tecnologia, conduziro o processo de formao do militar. Ser, portanto, fundamental, que cada vez mais ele amplie
seu conhecimento sobre temas como: a lgica numrica, o estado da arte das chamadas cincias exatas, as tecnologias disponveis. extremamente importante que ele conhea qual a concepo estratgica de seu Estado Nacional, que ele se sinta includo na sua formulao, que ele se sinta responsvel
pelo sucesso dessa concepo. muito relevante que ele domine outras lnguas alm da sua nativa, de
preferncia as faladas nas sociedades vizinhas e das hegemnicas, que conhea filosofia e direito
internacional, que tenha rudimentos das cincias sociais, em especial economia e sociologia.
Com a prevalncia cada vez mais acentuada da razo, claro est que, para o prximo sculo,
tornar-se- cada vez mais relevante reforar o componente emocional do militar. Quanto mais culto o
soldado, mais importante ter de ser a pregao dos valores nacionais. O destino do militar tem de ser
a violncia, e esta tem como boa companhia ou a barbrie ou a emoo. A emoo sempre decorre de
ao e de motivao. Tanto uma quanto outra requer formulao, doutrina e pregao. Se abandonamos a barbrie em prol da cultura temos de preservar a emoo.
Aqui, faz-se importante lembrar as sbias palavras de Ges Monteiro: Alis sendo o Exrcito
um instrumento essencialmente poltico, a conscincia coletiva deve-se criar no sentido de se fazer a
poltica do exrcito, e no a poltica no Exrcito. E este deve repelir, a coices darmas, todo elemento
que, sob quaisquer disfarces, queira induzi-lo a tomar outra direo, do que, como tem acontecido, s
poder resultar a sua diviso, fraqueza e impotncia (Monteiro, 1930).
fundamental que ns brasileiros tenhamos em mente que o militar, tendo o civil ao seu lado,
antes de tudo, a materializao do instinto de sobrevivncia da Nao.

(*) Cel.-Av. Chefe da Diviso de Assuntos Internacionais

BIBLIOGRAFIA
Huntington, Samuel P. 1996. O Soldado e o Estado. Teoria e poltica das relaes entre civis e militares. Biblioteca do Exrcito Editora. Rio de Janeiro.
___________________ .1975. A ordem pblica ;nas sociedades em mudana. Editora Forense Universitria. Editora da Universidade de So Paulo. So Paulo.
Janowitz, Morris. 1967. O Soldado Profissional. Um estudo social e poltico. Edies GRD. Rio de
Janeiro.
Monteiro, Ges. 1930. A Revoluo de 30 e a finalidade poltica do Exrcito. Adersen Editores. Rio
de Janeiro.
Raposo Filho, Amerino. 1990. Dimenses da Estratgia. Biblioteca do Exrcito Editora. Rio de Janeiro.
___________________. 1997/A. Os problemas sociais do Brasil e seus reflexos nas Foras Armadas. Mimeo.
___________________. 1997/B. Sociedade e Foras Armadas. Rio de Janeiro. Mimeo.
Stepan, Alfred. 1975. Os militares na poltica. Editora Artenova. Rio de Janeiro.

AMRICA DO SUL: VOCAO GEOPOLTICA


AMERIKA, DU HAST ES BESSER ALS UNSER KONTINENT, DAS ALTE!
GOETHE
Therezinha de Castro(*)
Amrica, tua sorte melhor que a do nosso velho continente!
1. Introduo
Bem mais caracterizada como Ibero-Amrica do que latina, contrastando com o setor anglosaxnico, cortada pelo equador e trpico de capricrnio, a posio geogrfica da Amrica do Sul lhe
confere, grosso modo, a categoria de continente do hemisfrio sul.
Com forma triangular, o setor mais largo do continente se concentra na zona equatorial terrestre;
estreitando-se ao atingir a faixa temperada para afunilar-se no vrtice meridional na frente sub-antrtica polar. Advindo desta posio geogrfica encontrarem-se nos dois extremos do continente reas
pouco favorveis ao estabelecimento humano: o norte quente e chuvoso e o sul frio e estril.
Contraste que se equilibra no setor das baixas latitudes, onde a populao para evitar as temperaturas mais quentes, notadamente dos pases banhados pelo Pacfico deu preferncia s zonas andinas.
Em contrapartida, os pases banhados pelo Atlntico pondo em contacto a Amrica do Norte/Europa/
frica tm seus principais centros demogrficos no litoral, fazendo do Brasil, o mais populoso do
conjunto. Tal fato vai gerar a oposio entre as duas vertentes ocenicas.
a do Pacfico, mar solitrio, de navegao extensiva, com feixes de circulao bem mais regional;
a do Atlntico de navegao intensiva com feixe de circulao intercontinental.
Quer pela oposio das duas vertentes ocenicas, quer pela existncia das zonas repulsivas,
implantaram-se reas geopolticas neutras que por sua posio no hinterland predispuseram os pases
sul-americanos a uma dissociao econmica e psicossocial, vivendo de costas uns para os outros.
2.

Ocupao

Contribuiria tambm para o dualismo geopoltico sul-americano o Tratado de Tordezilhas (1494)


seccionando, como fronteira esboada as duas grandes vias de penetrao continental:
entregando a foz do Prata aos espanhis, proporcionou-lhes maiores oportunidades para a expanso pelos Pampas e Chaco;

concedendo a embocadura do Amazonas aos portugueses, coincidentemente o seu setor sul, o melhor brao para a navegao, permitiu que os lusos se apossassem daquela plancie setentrional.
Facilitada a penetrao espanhola ao sul e a portuguesa ao norte, o continente sul-americano foi
induzido, embora indireta-mente, a uma bipartio aproximada: 8.500.000km2 para os portugueses e
9.300.000km2 para os espanhis. Caberia aos Andes e federalismo castelhano impor o cantonalismo
geopoltico Amrica Espanhola gerando-lhe vrios ncleos geohistricos dividindo-a, posteriormente em vrias repblicas. Por outro lado o relevo mais baixo e centralizao do Reino Portugus
confirmariam o unilateralismo do Brasil com um nico ncleo geohistrico. O fator fisiopoltico
justifica, a superioridade territorial do Brasil no conjunto sul-americano, j que a Argentina que o
segue em rea, atinge apenas a tera parte da superfcie brasileira.
O espao portugus posicionado em longa faixa atlntica, mais prxima da frica e Europa
contou com a vantagem dentro do contexto econmico, colocando o Brasil em maior contacto com
Portugal; dentro do enfoque geoestratgico iria se caracterizar como centro de assaltos e tentativas de
fixao por parte de elementos estrangeiros. Do outro lado, no setor do Pacfico, embora contando
com a desvantagem geoeconmica da distncia para com a metrpole, face ao isolamento, ficavam os
espanhis menos expostos aos invasores.
A conquista desordenada e tendncia a continentalidade exporia mais a metrpole espanhola
com vasta rea de disputa na Amrica com outros vizinhos colonizados. Assim a zona de disputa iria
se estender desde a Amrica do Norte at a do Sul.
3.

Fisiopoltica

Sabendo-se que as massas continentais se distribuem no Hemisfrio Norte formando um


grupamento em semi-crculo centrado no Polo Norte, a Amrica do Sul se posiciona no Hemisfrio
Meridional ou Martimo no qual a Antrtica se constitui no territrio mais considervel da metade
inferior do Planeta.
A Amrica do Norte se orienta mais para o quadrante oeste, enquanto a Amrica do Sul oferece
exemplo tpico de desvio continental para o leste; assim, o meridiano de Lima, cidade na esfera do
Pacfico-Sul passa por Washington na dependncia do Atlntico-Norte. Esse entorse continental caracteriza a Amrica Meridional como Amrica do Leste criando a zona de estrangulamento do Atlntico, levando Recife a distar somente 18 graus de longitude de Dakar e 10 graus de Cabo Verde, a terra
mais ocidental da frica.
Considerando-se o meridiano de zero graus de Greenwich toda a massa continental americana
se concentra no Hemisfrio Oeste ou Ocidental entre os 36 graus do Cabo Branco no Nordeste brasileiro aos 160 graus do Cabo Prncipe de Gales na Alaska. Nesse posicionamento observa-se que a
Amrica do Sul est bem mais isolada pelo Oceano Pacfico encontrando-se a grande distncia da
Austrlia, que com ela se defronta numa linha leste-oeste, no setor do chamado Crescente Externo
Insular.
Envolvendo-se em duas vertentes ocenicas, o continente sul-americano caracteriza-se por duas
zonas longitudinais:
primeira formada pelos Andes cadeia de montanha prolongando-se de norte para sul por mais de
7.000km, formando verdadeira barreira ao longo do Oceano Pacfico levando a Amrica do Sul a
voltar-se bem mais para o Atlntico em seu destino manifesto;
a segunda constituda por trs plancies, Orenoco, Amaznica e Platina e trs planaltos, Guianas,
Central ou Brasileiro e Patagnia que se intercalam e so estruturalmente partcipes do Atlntico.
Nos Andes, o sistema de transfuso entre as duas vertentes ocenicas se encontra nos passos e
ns.
Os passos, passagens naturais nos colos das montanhas, possibilitam o contato entre as duas

vertentes. Esses acidentes geogrficos andinos mais importantes esto no sul: o de Upasllata entre a
Argentina/Chile aproveitado pela nica transcontinental do continente entre Buenos Aires/Valparaso;
o de Santa Rosa leva o sistema ferrovirio boliviano at rica no Chile. Enquanto Upasllata une as
duas vertentes ocenicas o de Santa Rosa s o far quando se complementar o trecho Santa Cruz de la
Sierra j conectada com Santos no Atlntico e Cochabamba.
Os ns ou nudos apresentam-se sob a forma de planaltos circundando um alto pico; enfeixando
vrias ramificaes andinas so centro de disperso de guas em linhas de menor resistncia do terreno, acima dos 3.000 metros de altitude entre 5 e 15 de latitude sul. A importncia funcional desses
acidentes geogrficos relacionados ao Atlntico se concentra na posio que ocupam no anfiteatro
amaznico. O n de Pasto na Colmbia e o de Loja no Equador se direcionam para os vales do Putumaio
e Maraon respectivamente aguardando vias hidrogrficas de acesso ao Atlntico ainda por se desenvolverem. J o n de Cerro de Pasco no Peru se divide entre os vales amaznicos do Maraon e Purus;
enquanto que o de Vilcanota ou de Cuzco prolonga o de Pasco na direo do Madeira.
A Bacia Amaznica se constitui numa sub-regio de conexo entre duas reas de importncia
geoestratgica - a do Caribe e a do altiplano boliviano, considerando este ltimo uma espcie de
heartland do continente. Em conseqncia, quando melhor aproveitada, a Bacia Amaznica, com a
integrao, poder se transformar em polo de atrao de zona repulsiva; na oportunidade, essas aberturas andinas levaro para o Atlntico riquezas potenciais de zonas geopolticas neutras do continente.
As plancies Amaznica, do Orenoco e Platina so servidas por redes hidrogrficas que levam a
Amrica do Sul em seu destino manifesto a se voltarem para o Atlntico do qual so tributrias.
Buscam tambm o Atlntico, declinando para ele, os planaltos das Guianas e da Patagnia. J o
Planalto Brasileiro pende para o interior, buscando ainda o norte e o sul. Por sua disposio esse
planalto demonstra vocao continental de enlace entre as bacias Amaznica e Platina.
Por sua posio e configurao, envolvendo o centro geogrfico do continente em rea geopoltica
neutra, o Planalto Brasileiro favoreceu a penetrao para o oeste, permitindo que os portugueses,
detentores de ncleo geohistrico a beira do Atlntico, conquistassem vasto hinterland da Amrica do
Sul.
Dentro, pois, do enfoque fisiopoltico podemos concluir que:
unidade andina contribuiu, de incio, para a implantao de um nico estabelecimento colonial - o
espanhol, estendendo-se de norte para o sul, na vertente isolada do Pacfico;
a variedade na vertente mais disputada do Atlntico favoreceu a implantao de vrios estabelecimentos coloniais - o espanhol, o portugus, o ingls, o holands e o francs;
no setor dependente do Pacfico sem nenhuma grande bacia hidrogrfica, com litoral pobre em
articulaes em grande parte desvinculado do interior, quer pelos ns e passos projeta-se bem mais
para forte associao com o Atlntico;
a vocao geopoltica de atrao do Atlntico se liga presena de importantes bacias hidrogrficas,
associadas s articulaes litorneas onde o relevo mais baixo favorece intensa vinculao com o
hinterland.
4.

Partilha Poltica

Embora a fisiografia no se apresente tendente a uma unificao poltica, vemos tambm que
no impe a desagregao.
Com uma superfcie de cerca de 18.300.000km2 o continente sul-americano apresenta grande
nmero de paisagens nas quais o traado das fronteiras polticas faz com que a populao da Amrica
do Sul viva, em parte, divorciada de sua vocao geopoltica.
Em funo da linha de Tordezilhas, fronteira esboada de 1494, o territrio espanhol, voltado

para o Pacfico possua trechos no Atlntico, onde os 2.800.000km2 dos portugueses concentravam a
melhor e mais bem posicionada parcela. Fronteira esboada que segundo Everardo Backheuser era
bem mais uma antefronteira (fronteira antes de ser), e que nos primeiros anos da colonizao eram
arbitrrias contribuindo para que fossem elaborados mapas inexatos e incompletos.
No entanto, essa fronteira esboada iria, por coincidncia, refletir o posicionamento das metrpoles na Pennsula Ibrica; a a Espanha voltada para o Mediterrneo possua nesgas litorneas no
Atlntico onde o retngulo territorial ocupado por Portugal concentrava a melhor parcela.
Dentro do contexto fisiopoltico a ocupao do continente sul-americano refletiria, grosso modo,
o posicionamento da Espanha/Portugal na Pennsula Ibrica. Na Europa haviam os portugueses se
instalado em reas de altitudes mais baixas, ficando os espanhis com os territrios mais elevados da
meseta. Na Amrica do Sul, a diviso acordada em 1494 dotava os portugueses de setor litorneo
menos elevado, ficando os espanhis com os mais altos.
Com a progressiva ocupao da Amrica do Sul, a diviso poltica colonial refletiria contingncias geohistricas da Pennsula Ibrica. No espao espanhol, a descentralizao refletia uma Espanha
geopoliticamente constituda por Confederao de Reinos comandados por Castela a quem coube
expulsar de vez os rabes de Granada em 1492. Por isso, 8 cidades da Amrica Hispnica passavam
logo a ter funo de comando, transformadas em Audincias. No setor portugus a centralizao era
herana do Reino de Portugal sem conhecer o esfacelamento feudal e que j no sculo XII se unificara
expulsando os rabes. Em conseqncia, num ntido contraste com a Amrica Espanhola s duas
cidades, cada qual da sua vez, funcionaram como capital-Salvador de 1549 at 1763 e Rio de Janeiro
- refletindo a tendncia geopoltica portuguesa de Guimares e Lisboa. Tanto em Portugal quanto no
Brasil, esses centros urbanos se posicionavam nos respectivos ncleos geohistricos desses pases.
Podemos tambm observar que a diviso colonial da Amrica Hispnica iria, na poca, refletir
as contingncias geoeconmicas e geoestratgicas do continente.
No Vice-Reinado do Peru se concentrava toda a economia mineira. Alm de zona de passagem das
riquezas peruanas predominava a atividade agrcola no Vice Reinado de Nova Granada. Criado por
imperativos defensivos para impedir a posse da rea pelos portugueses o Vice Reinado do Prata
surgido em 1763 se concentrava na pecuria.
Por imposio geoestratgica surgiram as Capitanias Gerais. A da Venezuela para barrar o avano
estrangeiro com foco nas Guianas e pr um termo no contrabando feito por piratas e flibusteiros no
Caribe. A do Chile, em funo do isolamento da rea posicionada em ngulo morto do Pacfico Sul,
na praticamente abandonada rota do Estreito de Magalhes.
A vocao atlntica da Amrica do Sul levaria o setor hispnico a manter-se com reas dependentes dessa vertente:
os Vice Reinados do Peru e de Nova Granada voltados para o Atlntico Norte via Istmo do Panam;
isolados e de costas um para o outro, o Vice Reinado do Prata no ngulo terminal do Atlntico e a
Capitania Geral do Chile desejosa de uma sada por essa vertente, quer pela Patagnia ou pelos
Estreitos no sul do continente.
J o Estado do Brasil associado ao Reino Unido de Portugal e Algarve, uno tanto poltica quanto
economicamente manteve sua vocao atlntica j que em seu ncleo geohistrico se estabeleceram
todos os seus ciclos econmicos.
O ciclo da cana-de-acar posicionava o nosso Nordeste como ecmeno estatal, mantendo a
capital em Salvador. Com o ciclo da minerao, no momento em que se intensificava a tenso na foz
do Prata com os espanhis, a capital era transferida para o Rio de Janeiro. Observando-se que os trs
ciclos iniciais de nossa vida econmica, se aos da cana-de-acar e minerao associarmos o de caracterstica recoletora que foi o do pau-brasil, se desenvolveram na mais estreita dependncia do Atlnti-

co. Toda comunicao entre as Capitanias Hereditrias s podia ser efetuada pelo mar e, at mesmo as
Entradas, expedies oficiais para o interior, eram proibidas alm da linha de Tordesilhas.
Em 1580 unindo-se as Monarquias Ibricas desaparecia essa fronteira esboada, iniciando-se,
com as Bandeiras, devidamente legalizadas pelo Governo de Madrid, a penetrao para o hinterland.
impunha-se a vocao continental castelhana com capital interiorizada em oposio a maritimidade de
Lisboa.
Herdava tambm o Brasil os inimigos europeus da Espanha hegemnica - holandeses, ingleses e
franceses. Destacando-se ento a Bandeira de Antnio Raposo Tavares (1628-48), que enlaou pelo
interior as Bacias do Prata e Amaznica e a de Pedro Teixeira (1637-39), que, face o perigo de invasores estrangeiros instalados na regio guianense, penetrou na Amaznia.
Por outro lado a unio ibrica impunha ao Estado do Brasil a descentralizao com a criao do
Estado do Gro Par e Maranho comandado provisoriamente por S. Lus e depois defendido pela
fortificada cidade de Belm. A juno seria automtica com a elevao do Brasil a Reino Unido ao de
Portugal e Algarve em 1816.
Em se tratando da partilha poltica da Amrica do Sul se impem os fenmenos da conjuno e
disjuno:
a coeso foi mais forte no setor atlntico ocupado em sua maior parte pelo Brasil, dentro do princpio de que a montanha produz o fenmeno cantonalista, enquanto vales e plancies unem:
a descentralizao imposta pelas 8 Audincias faria surgir as 8 Repblicas de lngua espanhola,
criando entre si fronteiras polticas que anularam o conjunto geohistrico.
5.

Regies Naturais

No sculo XIX, criadas as vrias unidades geopolticas independentes das metrpoles, as circunstncias locais consegui-ram imprimir carter determinante a espaos geogrficos sul-americanos.
Nessas condies adotando a classificao de Levi Marrero, distinguimos 4 regies naturais integradas ao conjunto continental.
5.1. A Regio do Caribe
A os Andes envolvem dois pases - a Colmbia e Venezuela bifurcando-se em vrios ramos a
partir do N de Pasto, para terminarem circundando o Golfo ou Lago de Maracaibo, o maior da Amrica do Sul (13.000km2) em zona de potencial petrolfero. A divergem a Colmbia/Venezuela em
questo de fronteira por no terem chegado a um consenso sobre a diviso do mar territorial.
Alm da cordilheira, estendem-se os llanos, terras baixas pertencentes Bacia do Orenoco. E a
geografia llanera que vai distinguir geopoliticamente a Venezuela da Colmbia. Nessa zona plana
transandina localizaram-se logo as maiores densidades populacionais e ncleos produtivos da fase
colonial venezuelana; contrastando com a Colmbia onde a ocupao se mantm nos Andes na estrela fluvial onde se encaixaram em profundas gargantas as Bacias do Atrato e Madalena/Cauca.
Isoladas do centro mineiro andino, as populaes llaneras passaram a viver mais em funo do
Mar das Antilhas, mantendo intenso contrabando com invasores estrangeiros. Da a regio haver sido
transformada na Capitania Geral da Venezuela, separada do Vice-Reinado de Nova Granada, para
ficar sob maior controle de Castela no sculo XVIII.
Atualmente, o ecmeno estatal venezuelano comandado por Caracas e secundado por Cuman,
Barcelona e Maracaibo se caracteriza por seu trfico mais intenso voltado para o exterior e estreita
dependncia com o ncleo geohistrico do Orenoco/Caribe.
Contrasta, pois com a Colmbia caracterizada por uma dualidade fisiopoltica. Mais da metade
do territrio colombiano formado por plancies envolvidas nas Bacias do Orenoco e Amaznica,
onde se concentra a sua rea geopoltica neutra. O ecmeno estatal colombiano comandando por

Bogot encontra-se em zona andina.


nico pas biocenico da Amrica do Sul, o porto de Buenaventura no Pacfico no exerce o
papel preponderante de Cartagena/Barranquilla no Caribe. Assim, tanto a Colmbia como a Venezuela
esto bem mais voltadas para o Caribe, mar formado pelo Atlntico, contrastando com a Regio Andina
propriamente dita (Equador/Peru/Chile), inteiramente dependente do Pacfico.
Ocupando uma rea de 948.000km2 a Bacia do Orenoco fechada pelos Andes e Planalto das
Guianas. Geopoliticamente antagnico, o Orenoco se constitui, ao mesmo tempo, na artria em cujos
braos se unificou e se divide o espao poltico venezuelano. que o seu sul se constitui em vasta rea
geopoltica neutra, visto que, curiosamente as nascentes desse rio s foram descobertas em 1951.
Se sob o ponto de vista fisiopoltico o solo llanero facilitou a penetrao espanhola, a irregularidade do relevo planaltino das Guianas dificultou-a favorecendo as invases holandesa, inglesa e francesa que acabaram por formar quistos geopolticos nessa cunha isolada do continente, voltada para
o Caribe.
Guiana em dialeto indgena significa - costa selvagem, pas das guas. Assim, o litoral guianense
baixo e pantanoso, sem grandes rios que favoream a penetrao. Por outro lado, a homogeneidade
estrutural do planalto notria como tambm caracterstico o seu isolamento geogrfico em face do
Atlntico/Bacia do Orenoco/Bacia Amaznica, justificando a sobrevivncia geopoltica da Guiana
colonizada pelos ingleses, do Suriname pelos holandeses e da Guiana Francesa, um Departamento de
Ultramar francs. O que impediu, por outro lado, que a Amrica do Sul viesse a se constituir numa
Ibero Amrica.
5.2. Regio do Pacfico
Ainda bem digitados, os Andes percorrendo o Equador e Peru, j se caracterizam por uma comunicao mais facilitada em funo dos Ns de Pasto, Loja, Cerro Pasco e Vilcanota.
At 2 graus de latitude sul a regio andina equatoriana se assemelha da Colmbia meridional;
da haverem os espanhis reunido essas reas no Vice Reinado de Nova Granada. A a passagem
andina foi denominada por Humboldt como avenida dos vulces. Linha vulcnica que s vai ressurgir aos 14 graus de latitude sul com o vulco peruano Misti nas imediaes de Arequipa, continuando
na direo da Bolvia, Chile e Argentina.
Zona de violentos terremotos, pontilhada por cerca de 60 vulces extintos ou em plena atividade, as altitudes vo se elevando do Equador para o Peru e, na fronteira entre esses dois pases forma
uma zona de tenso lindeira, conhecida como a Questo de Cndor.
A semelhana do que ocorre na Venezuela/Colmbia as reas interiorizadas que se seguem aos
Andes vo baixando at se transformarem em plancies. So as Yungas integrantes da Bacia Amaznica, cobertas por selvas equatoriais frondosas, bem regadas pelas chuvas que na Bolvia j recebem o
nome de Florestas.
A Yunga/Floresta desde a Colmbia, passando pelo Equador/Peru para atingir a Bolvia, fazendo fronteira com o Brasil, caracteriza-se, grosso modo, como rea geopoltica neutra; com presena
das fronteiras-faixa, ou seja despovoadas destaca que os pases sul-americanos se encontram a de
costas uns para os outros, transformando em pouco ativo o Pacto Amaznico.
Desde a Colmbia at a Bolvia, incluindo-se o Equador/Peru, as maiores densidades demogrficas
se concentram no setor andino, onde se interpenetram os ncleos geohistricos e ecmenos estatais
dos quatro pases.
A depresso longitudinal costeira do Equador melhor ocupada que a Yunga, sobretudo no delta
do Guayas, plancie aluvial baixa, estrangulada na altura de Guayaquil, porto que monopoliza o comrcio, concorrendo geopoliticamente com Quito a 2.480 metros de altitude.
Essas cidades se completam nas duas provncias bsicas do Equador Pichincha/Guayas, conectadas

por corredor interior estreito. Guayaquil a costa e Quito a serra fazem, com o porto de Las Esmeraldas,
de melhor posicionamento com relao ao Canal do Panam e conseqentemente na via Atlntico, o
ativo tringulo geopoltico do pas.
Assim, podemos dizer que a costa equatoriana contrasta com a pobreza da linha desrtica martima peruana. A vida a se concentra nos osis petrolferos que se estendem de Guayaquil at a Ponta
Paita.
Enquanto Quito se acantonou na cordilheira, Lima, a capital do Peru sofre maior atrao do
Pacfico sem se envolver nele diretamente. Isto porque a porta de sada da capital peruana Callao
a 120 km de Lima.
No Chile, os Andes formam duas cadeias paralelas, facilmente cruzadas nos passos das seces
central e setentrional. Passagens naturais nos colos das montanhas, esses passos sempre salvaguardavam os interesses do Chile pelo Atlntico, sobretudo o Passo de Upasllata aproveitado pela
transcontinental Buenos Aires/Santiago/Valparaiso.
No estreito territrio chileno entre os Andes/Pacfico os cursos dgua so numerosos, mas no
permanentes, ocasionando inundaes no perodo das chuvas. Mas entre as cadeias paralelas de
montanhas que se estende o deserto ou pua com destaque para a do Atacama, desprovida de qualquer
tipo de vegetao. Paisagem desrtica onde a economia se liga aos salitrais.
Embora o Aconcgua, ponto mais alto do continente sul-americano com seus 7.000 metros, se
situe no setor meridional dos Andes, a partir dos 40 graus de latitude sul, as montanhas que se repartem entre Chile/Argentina vo perdendo em altitude e se povoando de lagos glaciares entre os quais o
Buenos Aires, Viedma e Argentino onde s em 1996 se resolveram pendncias fronteirias.
Na Terra do Fogo a zona montanhosa submerge para formar os arquiplagos antrticos. Nesse
setor estendendo-se para a Antrtica o Chile/Argentina emitiram Decretos reivindicando reas polares
que se justapoem com as da Inglaterra, cuja partilha o Tratado de Washington de 1960 vem protelando.
No entanto, no setor terminal sul do continente o Chile conseguiu envolver-se no Atlntico
atravs do Canal de Beagle, obtendo por arbitramento as Ilhas Nueva, Lenox e Picton.
Observando-se que a disposio vertical dos Andes contribuiu para a ocupao humana em
sentido norte-sul, onde Santiago, a capital, posicionada no vale longitudinal do Rio Mapocho busca o
Pacfico. Esse oceano banha a fachada do pas prolongada por cerca de 40 graus geogrficos entre os
paralelos de 18 graus e 56 graus de latitude sul. O Chile , pois, uma franja ocenica com largura
variando dos 100 aos 350km, s alcanando sua maior extenso na Terra do Fogo onde tem 460km.
5.3. Regio Interior
Os Andes so mais compactos, largos ao sul do N de Vilcanota envolvendo o Peru meridional
e a Bolvia, atingindo 600 km na altura do paralelo de 18 graus de latitude sul. Trata-se, pois, de um
autntico altiplano, o denominado Pamir da Amrica do Sul, com 830 km de norte para sul e 120km
de leste para oeste. Neste altiplano a febre da minerao deteve os espanhis que deixaram de levar em
conta a fisiopoltica. Assim parte do altiplano ficava geopoliticamente ligado ao Vice Reinado do
Peru, enquanto a parte meridional, embora sem se integrar iria girar na rbita do Vice Reinado do
Prata.
Caracterizando-se por um sistema hidrogrfico fechado, destaca-se no Altiplano Boliviano o
Titicaca, o lago mais alto do mundo (3.850 metros); considerado tambm como uma das massas dgua
doce mais extensas da Terra (6.900km2) verte suas guas para o salobro Lago Poopo.
Esto nesse altiplano as nascentes de tributrios da Bacia Amaznica que, na plancie interiorizada
da Bolvia, drenam sua rea geopoltica neutra que contrasta com o setor andino onde est o ecmeno
estatal no eixo La Paz-Sucre.
Localizada no n mais estratgico das vias de comunicao, conservou La Paz a categoria de

capital por se encontrar no Departamento do mesmo nome, o mais prximo do Oceano Pacfico, onde
a Bolvia mantm com o Chile uma zona de tenso. No se conforma o governo boliviano de haver
perdido, em 1833, a sua sada martima; finda a Guerra do Pacfico, pelo Tratado de Ancn o Chile
ficou com Tacna e rica pertencentes ao Peru e Antofagasta, o litoral boliviano. Considerada como
uma das reas mais cruciais do continente, a devoluo desse territrio litorneo , sem dvida, a
bandeira nacionalista dos polticos bolivianos acenada em tempos de crise.
Mais baixa que La Paz (3.600 metros), Sucre (2.850 metros) o 4 nome que teve esse ncleo
urbano boliviano. Os ndios do-lhe o nome de Charcas, regio que se atolava por se encontrar no
divortium aquarium dos sistemas fluviais Platino/Amaznico. Era tambm conhecida como
Chuquisaca quando os espanhis descobrindo a prata deram-lhe o nome de La Plata. Antes de tomar o
nome de Sucre, em homenagem a Antonio Jos de Sucre, o fundador da Repblica, foi como Audincia de Charcas, desde 1559 a clula poltica do que se chamava Alto Peru. Diferindo de La Paz,
vivendo em funo do ouro de Lima, Sucre a sombra das minas de prata do Potosi entrava para a rbita
do Vice Reinado do Prata.
Assim, La Paz e Sucre revelam o dualismo no s geopoltico como tambm fisiopoltico da
Bolvia, numa rea de transio - entre o Chile/Peru de um lado e entre a Argentina/Paraguai/Brasil do
outro. Por sua posio cntrica e populao diluda, no suportou a gravitao de seus vizinhos; sem
fronteiras naturais, regrediu em pouco mais da metade de sua rea perdendo ou cedendo territrios.
Contrastando frontalmente com a Bolvia por sua unidade geogrfica, coeso psicossocial e
forte centralizao poltica, destaca-se o Paraguai. O fator dessa unidade reside no baixo relevo da
plancie do Chaco, entrecortada por rios conferindo-lhe a caracterstica de mesopotmia da Amrica
do Sul.
A disposio das linhas fluviais transforma o Paraguai, embora pas interiorizado, num ncleo
que se aproxima do mar. Confirmando a tese de Ratzel de que: o rio em territrios planos e em pases
meridionais a fora de atrao entre os distintos povos ribeirinhos. Para Ratzel as diferenas nacionais numa mesma bacia hidrogrfica se imprimem correlativamente, por trs setores de seu curso inferior, mdio e superior. Justificando-se a vida prpria assegurada a Argentina/Uruguai no curso
inferior ou foz do Prata. Enquanto os territrios no caso superior so mais isolados; sendo o caso da
Bolvia tanto na Bacia Platina quanto na Amaznica. J o Paraguai no curso mdio da Bacia do Prata
servindo como trao de unio entre a jusante e a nascente, transformou-se na zona de passagem,
passando a sofrer incontestvel ao do Atlntico. Por isso, complementando a ao geoviria de
Buenos Aires com relao ao Paraguai, o Brasil mantm Corredores de Exportao. Tanto o Corredor
de Paranagu como o de Santos fluem para Mato Grosso do Sul transformado no centro geoeconmico
para elo de unio e atrao com o Paraguai e Bolvia. No entanto, pelo posicionamento de Assuno,
comandando o ecmeno estatal, o Paraguai bem mais caracterizadamente atlntico que a Bolvia.
5.4. Regio Atlntica
O caso especfico do Uruguai envolve algumas excees geopolticas. Contradiz, por exemplo,
a tese de Ratzel de que, sendo pas na foz do Prata, banhado por litoral atlntico prprio, poderia viver
bem mais independentemente do que vive. que, no sendo Estado-Faixa-Fluvial como o Paraguai, a
interdependncia do Uruguai se condicionou ao dualismo geohistrico que lhe trouxe como herana o
fenmeno da instabilidade geopoltica.
Ante o secessionismo platino no momento da emancipao poltica, o governo portugus reconheceu, de imediato, a independncia do Paraguai (1811), como sempre, interessado na foz do Prata,
invadiu o Uruguai (1816) que ficou como Provncia da Cisplatina associada ao Brasil at 1828.
Independente, a despeito da dupla colonizao, o Uruguai no chegou a se transformar num pas
bilinge, muito embora se caracterize como Estado-Tampo, em zona de influncia luso-hispnica.
Caracterstica observada ao se tomar o Rio Negro como divisria geopoltica e a vinculao s ltimas
ramificaes do planalto meridional brasileiro e dos Pampas argentinos. Assim, o Uruguai, o menor

pas sul-americano, posicionado entre o Brasil/Argentina, os dois maiores, tem com os dois, um proceder tanto do ponto de vista geopoltico quanto geoeconmico de intensa convivncia.
Dentro da estratgia do governo portugus em ocupar a foz dos grandes rios, como ponto de
apoio para a conquista do hinterland, o ncleo geohistrico da Argentina, no esturio do Prata foi
incorporado em 1530 ao Reinado de Portugal. Ficando, no entanto despovoado, cairia, seis anos depois nas mos dos espanhis que a fundavam Buenos Aires pela primeira vez. O estabelecimento
portugus na outra margem do Prata, na Colnia do Sacramento (1680) transformaria a rea numa
zona de frico, onde o fenmeno de fronteiras vivas 2 foi constante at o sculo XIX.
A implantao dessa zona de frico contribua para o estabelecimento das seguintes diretrizes
geopolticas:
- enquanto os portugueses mudavam a capital do Estado do Brasil para a cidade do Rio de Janeiro
(1763) por se encontrar esta mais prxima da zona de contenda que Salvador, os espanhis criavam
o Vice Reino do Prata para melhor defender a regio;
- enquanto os espanhis ocupavam os campos interiorizados do Uruguai para manter os portugueses
ilhados na Colnia do Sacramento, o Governo de Lisboa iniciava a colonizao do Rio Grande de
S. Pedro (1740) para deter o avano hispnico;
- no confronto, impunha-se a primeira Argentina denominada pelo centripetismo de Buenos Aires.
Centripetismo que promoveu a formao do espao territorial argentino e provocou o esfacelamento do Vice-Reinado do Prata. Isto porque contra esse centripetismo iriam se sobrepor o cantonalismo
paraguaio, boliviano e uruguaio que, no centrifugismo provocado pela descentralizao administrativa das Audincias, quebraria a unidade do Vice Reinado do Prata no sculo XIX.
Em 1813, no Congresso de Tucumn se os portenhos tivessem acatado a idia dos arribenhos e
andinos para a interiorizao da capital, talvez pudesse ter sido salva a unidade do Prata. A luta entre
Charcas/Tucumn/Buenos Aires pela capitalidade do pas que se formava j havia tido precedente
histrico nos Estados Unidos onde Nova York/Filadlfia/Boston perseguiam o mesmo ideal. A capital
artificial - Washington, que salvou a federao no norte, poderia ter conservado a unio do Vice Reinado do Prata.
Justificando o centripetismo e rechaando o federalismo de Artigas Juan Alvarez afirma: o Rio
da Prata a artria atravs da qual se comunicam com a Europa atravs vastas zonas do territrio
brasileiro, boliviano e paraguaio, alm das provncias argentinas de Corrientes, Entre Rios e Santa F.
Sujeitar os produtos de imensa regio ao porto nico de Buenos-Aires - desprovido naquela poca de
diques e at de guas profundas - era empresa que s pela fora poderia prosperar. No entanto, ante as
dificuldades de conciliar os interesses portenhos/arribenhos/andinos, declarava Justo J. de Urquiza em
sua Mensagem ao Congresso de 1854: Nossos distrbios passados esto fundamentados sobre essa
inoportuna disposio das populaes; nossas futuras discrdias viro desta mesma causa.
Face os fenmenos geopolticos: da luta da Argentina contra o centrofugismo; do Uruguai como
Estado-Tampo, do Paraguai como caracterizada mesopotmia e da Bolvia como polo de atrao, o
Brasil, maior pas, pelo fator presena, se constitui no mltiplo vetor da Amrica do Sul.

Classificao que acata a tese de Backheuser quando afirma: "a fronteira-viva, emessncia, uma regio de frico, atravs da qual,
mais dia menos dia, surgem ou se agravam conflitos internacionais, polticos, ou de ordem fiscal administrativa, ensejando
demonstraes de fora militar". J Brunhes e Vallaux preferem o termo fronteira de tenso, considerando-a fronteira-morta quando
livre de contendas por se haver chegado a umacordo.

6.

Presena do Brasil

Ocupando-se quase a metade do espao territorial sul-americano - 47.3%, posiciona-se o Brasil


na larga poro oriental do Atlntico Sul.
O nosso total de fronteiras (23.086km) se reparte entre os 15.719km de limites terrestres e 7.367km
de litoral. No conjunto brasileiro 18% da extenso territorial so formados pela faixa de 250km que
acompanha o litoral, 42% se encontram entre os 250km e 1.000km da orla litornea, enquanto os
restantes 40% esto alm dos 1.000km. Tais porcentagens comprovam ser o Brasil pas do tipo martimo, associando-o ainda ao tipo continental pela presena no continente sul americano, caracterizando-o como mltiplo vetor.
Articula-se o Brasil, grosso modo, com os Andes, de onde recebe o empuxo das foras continentais, bem como com as duas grandes bacias fluviais tributrias do Atlntico e eixos virios de penetrao no hinterland - a Amaznica e a Platina.
Enquanto o Planalto das Guianas busca o Atlntico, declinando em sua direo, o Golfo Amaznico, no sentido inverso, porta natural de penetrao para o hinterland da plancie que encerra a
maior rede hidrogrfica do Mundo com 7.000.000km2 se nela incluirmos a Bacia Tocantins/Araguaia.
Cerca de 70% desse complexo fisiopoltico, compreendendo a mais vasta plancie sedimentar do Globo se encontra em territrio brasileiro, envolvendo-nos nos restantes 30% com a Venezuela/Colmbia/ Equador/Peru/Bolvia e regio guianense, caracterizando-nos como mltiplo vetor face nossos
condminos.
Zona caracterizadamente despovoada, formando em todos os pases uma rea geopoltica neutra, face a ingerncias interna-cionais, por fatores geoestratgicos levariam o Brasil a firmar em 1980
com os demais pases interessados, o Pacto Amaznico.
Por sua vez, o Planalto Central ou Brasileiro forma uma espcie de tringulo com base voltada
para o norte, vrtice apontando para o sul, declinando nas duas reas bem como para o interior. Assim,
uma das caractersticas desse planalto a de se encontrar afastado dos setores litorneos, os mais
povoados, que integram o ecmeno estatal brasileiro; caracterizando-se como rea geopoltica neutra,
levaria o governo a implantar a nova capital em Braslia, para melhor atenuar os desnveis.
No plano fisiopoltico, sua importncia se prende a ser, esse planalto, o centro dispersor e divisor
de guas de trs importantes bacias hidrogrficas - a do S. Francisco, genuinamente brasileira, enquanto a Amaznica e Platina se dividem entre vrias naes. Assim, no contexto continental, o Planalto
Central ou Brasileiro foi o ncleo interiorizado da unidade nacional (S. Francisco) e de alargamento
territorial dos bandeirantes portugueses - pelo Prata, no sentido direcional sul e pelo Amazonas dentro
da diretriz leste-oeste.
Em seu declive para o interior o planalto cede lugar ao Pantanal Mato-grossense, complementado
pela regio do Chaco; extensa rea baixa, numa distncia de 1.170km de norte para sul, desde a divisria do Mamor at as paisagens pampeanas. Essa ltima paisagem logo notada, j que o vazio
demogrfico do Chaco/Pantanal contrasta com a ocupao pastoril dos Pampas.
rea geopoltica neutra, de fronteiras faixa despovoadas, o Chaco se transformou em zona de
tenso que provocou Guerra entre o Paraguai e Bolvia, conflito s terminado em 1938 com o Governo
de La Paz perdendo o setor Boreal para o Paraguai, quando desde 1888 havia perdido o setor Central
para a Argentina.
A conexo geogrfica do Brasil com seus vizinhos continua do Chaco para os Pampas. A regio
pampeana, numa extenso de 647.500km2 forma um leque aberto para o interior a partir da foz do
Prata, numa distncia radial de 500 a 640km, atingindo territrio argentino, uruguaio e brasileiro,
recebendo neste ltimo o nome de zona da Campanha do Rio Grande do Sul.

domnio de campos limpos de melhores pastagens que, na parte meridional do Planalto


Brasileiro, se transformam em floresta temperada, de fcil explotao, contrastando com a selva equatorial amaznica, bem mais variada em espcie mas de difcil penetrabilidade. A plancie pampeana
difere da que lhe segue para o interior o Chaco ou Pantanal Matogrossense onde j surgem os
campos cerrados de gramneas se alterando com tufos florestais, em geral matas ciliares; comparativamente, so as pradarias lhaneras repetindo-se no hinterland da Bacia do Prata.
A partir do Brasil, Uruguai e provncias arribenhas argentinas (Corrientes, Missiones, Entre
Rios) o plano uniforme dos Pampas ainda com vegetao herbcea se apresenta com a ondulao das
coxilhas. , no entanto, ao sul, que os Pampas se constituem na zona pecuarista mais produtiva do
continente at serem interrompidos pelos primeiros degraus do Planalto da Patagnia, que enlaa o
litoral alto do Pacfico com o baixo do Atlntico.
Da Patagnia Alta, desrtica e fria, j no participa mais o Brasil como mltiplo vetor; mas
este o terminal da chamada diagonal semi-rida que, na massa continental sul-americana comea no
litoral semi-rido do Nordeste Brasileiro, atravessando o nosso Centro-Oeste para penetrar no Chaco
e contornar os Pampas.
Com um espao imenso e diversificado, as nossas diretrizes geopolticas devem-se ater ao princpio bsico de que, como mltiplo vetor, para domin-lo efetivamente, temos que nos dedicar a obra
integracionista para absorvermos nossas reas geopolticas neutras. Com regionalismos, mas sem
cantonalismos constitudo por trs ilhas geoeconmicas tem o Brasil que integrar seu hinterland subdesenvolvido. Contamos para tal com o fenmeno da assimilao que caracterizou a colonizao
portuguesa, tornando o Brasil, no conjunto da Amrica do Sul, o pas mais mestio. Vantagem destacada por Jacques Lambert: se a Amrica Andina cada vez mais uma Amrica Indgena e a Amrica
do Prata, cada vez mais uma Amrica Europia, o Brasil constitui uma Amrica Brasileira, de predominncia europia acentuada, conquanto original.
7.

Concluso

A vocao geopoltica da Amrica do Sul, no Hemisfrio martimo onde se posiciona, bem


marcada por sua geografia. A regio de plancie forma uma espcie de semicrculo com duas pontas
centradas nos esturios do Prata/Amazonas. Os Andes na retaguarda, o Planalto das Guianas ao norte
e o da Patagnia ao sul emolduram esse semicrculo, enquanto o Planalto Central ou Brasileiro se
impe como plataforma giratria entre as duas portas de entrada no continente. Pela disposio tanto
a Bacia do Orenoco e, sobretudo, a Platina e Amaznica se constituem em rea de atuao geopoltica
e geoeconmica dentro da esfera exclusiva do Atlntico. Vocao atlntica ainda no explorada pelo
Altiplano Boliviano a despeito de se manter hidrograficamente nessa vertente ocenica, por ter, como
o Brasil, seu territrio integrado nas Bacias Amaznica e Platina.
O Brasil com o Uruguai e Argentina, integrados na Regio Natural Atlntica, se beneficiam do
melhor posicionamento nesse oceano. Mas o Brasil, que alia o seu posicionamento presena, o
nico pas do continente sul americano a contactar-se com as demais Regies Naturais, como mltiplo
vetor.
- Com a Regio do Caribe ou Marginal do Caribe (Colmbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana
Francesa) unindo as vertentes do Atlntico/Pacfico, mas se posicionando com o Canal do Panam,
no Atlntico Norte. Pelo fator colonizao a parte do continente sul-americano menos coesa com
a presena da cultura hispnica, inglesa, holandesa e francesa. na atualidade, a rea mais vulnervel do continente, no s pela presena da vasta rea geopoltica neutra da Amaznia mas, sobretudo, se levarmos em conta o estgio geopoltico dito infantil ainda de futuro incerto dos dois
pases e Departamento do Ultramar Francs.
- Com a Regio do Pacfico (Equador, Peru e Chile), pases apoiados no conjunto geogrfico Andes/
Pacfico. Dois fatores que contribuem para o maior isolamento desses pases tanto no setor continental como para o resto do Mundo. Isolamento que s transcontinentais quer ferrovirias quer

rodovirias podero minorizar. Levando-se em conta o fator colonizao h coeso na rea tanto
pelo elemento espanhol quanto pela presena do autctone inca.
- Com a Regio Interior (Bolvia e Paraguai) que na vivncia de pases enclausurados esto na
contingncia de seus vizinhos em busca de sadas martimas.
Em 1977, o Brasil firmou o Acordo de Cochabamba com a Bolvia para estender os trilhos da
ferrovia Santos/Santa Cruz de la Sierra at esta cidade que j se conecta com Arica no Chile. Trata-se
do plo de atrao leste que leva vantagem com o polo de atrao Sul para Buenos Aires. Isto porque
Santos se encontra a 1.600km de costa acima de Buenos Aires; enquanto a distncia Santos/Santa
Cruz de la Sierra mais curta em 700km que a desta cidade boliviana at a capital argentina. L o polo
de atrao norte ser importante, porm a longo prazo; a via dever valer-se do Madeira-Mamor,
captando o transporte pelo Rio Grande, francamente navegvel a partir de Cuatro Oyos localizada a
200km ao norte de Santa Cruz de la Sierra. Observando-se, que s quando forem suficientemente
fortes os meios necessrios para que se procedam as conexes, os plos de atrao da Bolvia estaro
naturalmente vinculados ao Atlntico, tal como j ocorre com o Paraguai.
Continente-ilha cercado por dois oceanos, sua marcante vocao geopoltica atlntica levaria os
pases (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) a iniciarem o processo de integrao que redundaria no
MERCOSUL. Com a filiao do Chile e Bolvia em 1996 envolve essa zona de livre comrcio todo o
Cone Sul enlaando o Atlntico/Pacfico. Aderindo a Venezuela estar dando o grande passo para a
integrao sul-americana, desfazendo-se o fato de estarem os pases de costas uns para os outros, com
seus ecmenos estatais distanciados.
A integrao se faz via MERCOSUL que virou marca com logotipo para constar nos produtos e
at passaporte dos cidados, mostrando que do setor econmico, passam os associados deste bloco
unio cultural, que a identidade histrica ir cimentar.
Lembrando que o MERCOSUL representa hoje o 5 maior Produto Interno Bruto (PIB) mundial, o Presidente Fernando Henrique Cardoso abriu, em dezembro de 1996 a 11 Reunio de Cpula em
Fortaleza, no Cear, onde entre medidas de teor econmico tratou-se: de maior intercmbio entre
universitrios, troca de voluntrios para aes sociais, o envio de capacetes brancos para misses de
paz, aumento de linhas areas que operam na regio e a construo de uma sede em Montevido.
(Setembro de 1997)
(*) Professora e Adjunta da Diviso de Assuntos Internacionais

BIBLIOGRAFIA
CASTRO, Therezinha de. Nossa Amrica: Geopoltica Comparada. BIBLIEX. Rio: 1995.
_____. Amrica do Sul: Aspectos Fisiopolticos em Confronto - A Defesa Nacional n 696 - julho/
agosto de 1981.
_____. Vocao Atlntica da Amrica do Sul. A Defesa Nacional n 681 - janeiro/fevereiro de 1979.
CORREIA, Natlia. Somos todos Hispanos - Idias e Figuras - Caderno O Jornal. Lisboa: 1996.
MALAGRIDA, D. Carlos Badia. El Factor Geogrfico en la Poltica Sulamericana. Madrid: 1919
MARRERO, Levi. Viajemos por Amrica. Havana: 1957.

ANEXO 1
AMRICA DO SUL

REG IES NATUR AIS


P as

Capi tal

rea (km2)

P opul ao
(1994)

CAR IB E
Colmbia

Bogot

1.141.749

34.000.000

Guiana

Georgetown

214.969

748.000

Guiana Francesa

Caiena

91.000

114.800

Suriname

P aramaribo

163.265

404.000

Venezuela

Caracas

912.050

20.600.000

P ACF ICO
Chile

Santiago

756.626

13.800.000

Equador

Quito

272.000

11.300.000

Peru

Lima

1.285.261

22.900.000

1.098.581

7.700.000

406.752

4.600.000

IN TERIOR
Bolvia

La P az e Sucre

P araguai

Assuno
ATLN TICO

Argentina

Buenos Aires

2.766.889

33.500.000

Brasil

Braslia

8.547.403

151.523.000

Uruguai

M ontevido

176.215

3.100.000

F ONTE: ALM AN AQUE AB RIL (1995)

OS 50 ANOS DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA


Cludio Vianna de Lima(*)
As Escolas Militares, no Brasil, sempre sobressaram, pela seriedade e eficincia. J na dcada de
50, quando se iniciava a Escola Superior de Guerra, a nossa ESG, na tese de concurso com que conquistou a cadeira de Direito Processual, na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Paran,
o professor EGAS MONIZ DE ARAGO exaltava os estabelecimentos de ensino das Foras Armadas do Brasil, a que s podia ser nivelado, quela poca, o Instituto Rio Branco, do Ministrio das
Relaes Exteriores. Os estabelecimentos de ensino civis, pblicos e privados, se posicionaram muito
abaixo, em matria de resultados e rendimento. interessante a lembrana do douto professor MONIZ
DE ARAGO, porquanto foi um pioneiro das Escolas da Magistratura, que queria tivessem como
paradigma as Escolas Militares. Estabeleceu o mencionado Mestre um como que teorema de fcil
entendimento: a atividade judicial sempre foi a nica a contar com um dispositivo, permanente, de
autocorreo dos prprios servios, qual o sistema de recursos, por meio de que se reexaminavam as
decises, se corrigiam erros, se buscava melhorar a atuao da Justia. Mas quantos erros escapavam?
No seria melhor prevenir, antes, do que corrigir, evitando-se os erros? Veio da a idia das Escolas da
Magistratura para a preparao e formao de candidatos a magistrados e aperfeioamento destes
profissionais. Interessante que, mais ou menos pela poca em que se conheceram as idias de MONIZ
DE ARAGO, em So Paulo o Desembargador MOURA BITTENCOURT, apesar de apontado como
defensor de idias subversivas , desenvolvia um anteprojeto de lei, criando uma Escola de Magistratura, olhos postos, tambm, na alta qualidade dos estabelecimentos de ensino militares.
O demorado introito se destina a ressaltar um dos aspectos mais relevantes da profcua influncia
da ESG: os seus reflexos no sistema de ensino do Pas. A parceria das Foras Armadas com o Ministrio das Relaes Exteriores, no planejamento e na execuo do projeto da ESG, nunca foi devidamente aprofundado. Resultou, arrisca-se a afirm-lo, da conjugao do idealismo dos TENENTES
de 30, muitos exilados mundo afora, ou servindo como adidos militares fora do pas, com a melancolia
de diplomatas, de certa forma tambm exilados servidores da ptria no exterior, no comum das
vezes saudosos do Brasil ou tristes com a comparao da vida e conquistas dos brasileiros na terra com
os progressos das naes estrangeiras. Pode-se dizer, talvez, que militares e diplomatas, de um modo
ou de outro, j antecipavam o fenmeno da globalizao dos dias presentes. Esta a inspirao da
ESG, por idealistas e patriotas, conscientes de que s com a educao se melhoram as condies de
vida do pas e de seu povo.
Pode ser afirmado que a ESG atingiu as culminncias da excelncia, tendo como tema, programa,
ideal, estratgia, o estudo do Brasil, e de seus problemas, com o propsito de preparar quem pudesse

disseminar a sua filosofia em favor do Pas e de seu povo. No se pense que a ESG se deixou ultrapassar pelo progresso. Ela fez o progresso! Das idias, dos estudos, da preocupao com o Brasil. Sempre
evoluiu, da ORDEM e PROGRESSO da Bandeira e das Armas da Repblica, pregou a segurana e o
desenvolvimento, como hoje discute a estabilizao e o desapego aos teorismos econmicos.
A ESG estudou e estuda a srio o Brasil! O predomnio do seu pensamento, do seu idealismo, do
seu discreto quo eficiente apostolado, pregando o Brasil e pregando no Brasil, muito ainda se pode
esperar. Criou-se com a ADESG (Associao dos Diplomados da ESG) e suas Delegacias espalhadas
por todo o territrio nacional uma rede de verdadeiras caixas de ressonncia, estaes repetidoras,
de um verdadeiro sistema ESG de amor e culto Me Ptria, de perpetuao dos ideais esguianos.
Cursos e seminrios, Brasil afora, ainda que alheios e no vinculados ESG, seguem seus mtodos de
estudo, afeioam-se a eles na forma, quando no aderem forma e substncia de seus ensinamentos.
No demais o registro de que a vitoriosa EMERJ, a famosa Escola da Magistratura do Estado do Rio
de Janeiro, em seus passados dias de excelncia, foi feita imagem e semelhana da ESG e das
Escolas Militares. Quantos centros de estudos mais, quantos programas de seminrios, simpsios,
congresso, com o propsito firme de aprofundamento srio e responsvel, de anlise e exame consciente, nas sendas abertas pela ESG, e mesmo em caminhos outros, no se amoldam aos seus padres de
painis e exposies, trabalhos em grupos e monografias especializadas?
Sem dvida a ecloso da ESG 50 anos passados, a sua atuao pioneira e exemplar neste tempo
todo, permite que muito se espere da instituio. Mas, estes anos de conquistas e glrias, em funo do
Brasil, no podem deixar de ser condignamente homenageados, comemorados, exaltados e gravados
na memria e na gratido de todos os brasileiros.

(*) Ex-Membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra, Ex-Diretor da Escola de Magistratura
do
Estado
do
Rio
de
Janeiro
Desembargador Aposentado

REFLEXES SOBRE O MTODO DE PLANEJAMENTO DA


AO
POLTICA DA ESG
Ivan Fialho(*)

Introduo
Apesar de a Doutrina de Ao Poltica e o Mtodo para o Planejamento da Ao Poltica serem
indissociveis, a presente anlise ser centrada, predominantemente, no Mtodo, na sua acepo de
instrumento de planejamento estratgico governamen-tal. No entanto, dado o carter simbitico de
ambos, nas referncias ao Mtodo, estar subentendida a Doutrina que o embasa.
O enfoque ser metodolgico, isto , pretendemos analisar o Mtodo da ESG, sob uma abordagem tambm metodolgica.
1. Evoluo da Doutrina/Mtodo da ESG
A Doutrina/Mtodo da ESG tem sido permanentemente atualizadas desde sua origem, o que foi
amplamente pesquisado e consolidado por Antnio de Arruda1. Desse modo, modificaes conceituais
ou novos conceitos vm sendo introduzidos sob nova viso poltica, ajustada a circunstncias histricas distintas daquelas vigentes poca da criao da Escola. Essas mudanas, a propsito, so desconhecidas por muitos crticos, que se reportam, ainda, a uma concepo e imagem estereotipadas da
ESG, associadas ideologia da segurana nacional.
No entanto, levantamos a premissa de que, apesar dessa significativa evoluo do pensamento
da ESG, o Mtodo conserva e pressupe, como referencial, um contexto virtual divorciado, substancialmente, do contexto real. Em termos epistemolgicos, teramos um paradigma formalmente lgico e
coerente mas essencialmente desajustado realidade, tornando-se, desse modo, limitado quanto aos
aspectos emprico e operacional.
Convm esclarecer que, ao argir a dissociao entre os contexto formal e real , no deixamos
de considerar a distino entre os campos terico e real nas cincias sociais e que as teorias apreen-

a.Doutrina da ESG: Principais Alteraes Ocorridas nas ltimas Quatro Dcadas. Desembargador Antonio de Arruda. Revista
da Escola Superior de Guerra, Nr 12/89.
b.Doutrina e Mtodo da ESG: Uma Viso Global. Juacy da Silva. Revista da Escola Superior de Guerra, Nr 8/8.

dem a realidade de forma seletiva e fragmentria .Apesar desta necessria relao, de natureza cientfica, entre o emprico e o abstrato, julgamos que, pelo carter instrumental do Mtodo (inclusive da
Doutrina), o contexto formal no pode se afastar tanto do contexto real correspondente, sob pena de
perda da validade e eficcia do Mtodo, tornando-o utpico e por isso no operacional.
O presente trabalho visa, justamente, propor uma alternativa metodolgica para evitar os citados
reflexos negativos sobre o Mtodo, preservando, assim, sua validade.
Procuraremos, em seguida, caracterizar sob determinados aspectos, essa dissociao entre os
dois contextos, com base em alguns autores.
2. Contexto Real X Contexto Virtual
Entendemos que, na elaborao e aplicao do Mtodo, devem ser considerados trs, elementos
ou conjuntos de referncia: o Estado, a Sociedade e as relaes Estado-Sociedade. Nossa premissa
bsica de que os pressupostos implcitos ou subentendidos do Mtodo em relao a esses trs conjuntos devem ser reexaminados quanto sua validade. Ao apresentar certas caractersticas reais daqueles trs conjuntos, visamos mostrar a possvel incongruncia entre essas caractersticas e os correspondentes pressupostos do Mtodo .Mais uma vez lembramos que nossa abordagem de natureza
metodolgica: analisar adequao de um paradigma (Mtodo da ESG) realidade.(A viso do Mtodo
como um paradigma ser comentada no item 3).
O Brasil, semelhana de toda a Amrica Latina, apresenta certas espeficidades culturais, polticas, jurdicas e sociais, configurando poliarquais peculiares, distintas daquelas que caracterizam os
pases desenvolvidos. Neste ponto, vamos nos reportar, de passagem, a trabalhos de Guilherme
ODonnell e Wanderley Guilherme dos Santos.
ODonnell2 analisa, do ponto de vista da sociologia poltica e legal, as novas democracias polticas surgidas aps a queda de vrios sistemas autoritrios, utilizando a formulao clssica de Robert
Dahl,em termos de poliarquias, procurando demonstrar a especificidade dos tipos de poliarquias de
pases da Amrica Latina e de outros continentes.
No caso particular da Argentina, Brasil e Peru, julga que esses pases no esto, apenas, atravessando uma crise social e econmica muito sria. Embora com ritmos e intensidades diferentes,
esses pases esto sofrendo tambm uma profunda crise de seus Estados. Essa crise existe nas trs
dimenses que acabo de discutir: do Estado, enquanto um conjunto de burocracias capaz de cumprir
suas obrigaes com eficincia razovel; da efetividade da sua lei; e da plausibilidade da afirmao de
que os orgos do Estado normalmente orientam suas decises segundo alguma concepo do bem
pblico(grifos nossos).
O autor considera o Brasil e o Mxico casos de alta heterogeneidade territorial e funcional quanto ao escopo ou alcance do Estado e da ordem social que ele sustenta, aps ressaltar que a suposio
recorrente da teoria da democracia de haver alto grau de homogeneidade naquelas dimenses. A
Bolvia, o Equador e a Colmbia estariam prximos do polo de extrema heterogeneidade.
ODonnell enfatiza o domnio da lei como uma terceira dimenso da anlise dos novos regimes
democrticos. Estuda os fenmenos da privatizao do poder pblico e da obliterao da legalidade.

Sobre o Estado, a Democratizao e Alguns Problemas Conceituais Uma Viso Latino-Americana, com uma Rpida Olhada em Alguns
Pases Ps Comunistas. Guillermo ODonnell . Revista Novos Estudos CEBRAP, Nr 36 , JUL/93.

Neste caso, refere-se s regies onde os poderes locais (tanto os formais, quanto os de fato)estabelecem
circuitos de poder que operam de acordo com regras inconscientes, quando no antagnicas, com a lei
que supostamente regula o territrio nacional. Acrescenta que a obliterao da legalidade retira dos
poderes e das agncias estatais, a dimenso pblica, legal, sem a qual o Estado nacional e a ordem que
supostamente ele sustenta, esvaecem. Cita partes do Nordeste e toda a Amaznia no Brasil, as terras
altas no Peru e vrias provncias no Centro e no Nordeste da Argentina, como exemplos de evaporao da dimenso pblica do Estado.
Ao classificar os tipos de democracias, de acordo com as dimenses acima citadas, ODonnell
faz um mapeamento cromtico dos pases, no qual as reas marrons designariam aquelas onde h
um nvel muito baixo ou nulo da presena do Estado (em termos de um conjunto de burocracias
razoavelmente eficazes e da efetividade da legalidade devidamente sancionada), seja funcionalmente
ou territorialmente. Em seguida classifica o Brasil e o Peru como pases dominados pelas reas ou
manchas marrons.
ODonnell com base nesse exerccio de mapeamento, questiona que tipo de Estado o daqueles
pases onde predominam as reas marrons; que tipo de regime democrtico pode-se estabelecer sobre
essa heterogeneidade e at que ponto podemos extrapolar para esses casos, teorias do Estado e da
Democracia que supem pases muito mais homogneos. (grifos nossos)
Trata-se de questionamentos que vo ao encontro de nossa premissa de que o contexto brasileiro, semelhana dos demais pases da Amrica Latina, apresenta caractersticas peculiares bastante
distintas, qualitativamente, daquelas pressupostas no Mtodo de Planejamento da Ao Poltica. As
conseqncias metodolgicas dessa insatisfatria correspondncia sero comentadas posteriormente.
Wanderley Guilherme dos Santos3 analisa a crise institucional latino-americana, em particular a
brasileira, cuja essncia define-se pelo fato de que o processo poltico real deixou para trs e muito
longe, as instituies criadas h cinqenta anos. No entanto, encara com otimismo a evoluo histrica futura, uma vez que se teria criado a oportunidade de que o processo substantivo e o processo
poltico-formal venham a encontrar-se e a coligar-se fortemente.
Prosseguindo, trata das dimenses do Estado, das particularidades da poliarquia brasileira e dos
reflexos sobre a governabilidade. Considera que a cultura cvica que se estrutura extra-limites
institucionais da poliarquia e cuja expectativa quanto eficcia elementar do Estado prxima a zero,
pode muito bem ser um dos elementos cruciais para compreenso dos sucessivos fracassos de polticas e planos governamentais. Desse modo, o sucesso das polticas governamentais no dependeria,
apenas, de sua racionalidade tcnica, devendo ser examinada a adequao entre suas expectativas
sociais implcitas e a efetiva distribuio de valores e atitudes e suas respectivas intensidades pela
populao.
W. G. dos Santos procura mostrar as profundas diferenas entre o formal e o real ou substantivo
na poliarquia brasileira, afirmando que as dinmicas do mundo real geram uma dicotomia institucional,
passando a existir outro pas, embutido no primeiro.(grifos nossos). O autor sugere outro conceito
hbrido institucional que associa uma morfologia polirquica excessivamente legisladora e regulatria
a um hobbesianismo social pr-participatrio e estatofbico.
Prosseguindo, vamos examinar mais especialmente, o Estado, que ocupa posio crucial no
Mtodo, como centro do processo decisrio nacional, a mxima instituio da Expresso Poltica
de um dado Poder Nacional, conforme consta na Doutrina da ESG.
Luis Carlos Bresser Pereira4 analisa a crise do Estado, uma crise fiscal, uma crise do modo de
interveno do Estado e da forma burocrtica de administr-lo em relao Amrica Latina, nos

3
4

Razes da Desordem. Wanderley Guilherme dos Santos. Editora Rocco,1993.


Um Novo Estado para a Amrica Latina. Luis Carlos Bresser Pereira. Revista Novos Estudos CEBRAP, Nr 50, MAR/98.

anos 80. Urge, assim, reconstruir o Estado, o que significa superao da crise fiscal, redefinio de
formas de interveno no econmico e no social e reforma da administrao pblica, num contexto
do capitalismo globalizado do Sec. XXI.
Bresser Pereira defende, em substituio ao Estado Desenvol-vimentista (forma do Estado Social-Burocrtico) dos pases subdesenvovidos, um novo Estado Social-Liberal. Este ser financiador,
ao invs de produtor dos servios sociais no-exclusivos do Estado (educao, sade, cultura, proteo ao meio ambiente e desenvolvimento cientfico-tecnolgico). Ser comple-mentar ao mercado e
no substituto do mercado.
Outro autor Frederico Lustosa Costa5 julga que um programa de reforma do Estado deveria
comear pela discusso das grandes misses do Estado Moderno, de sorte a precisar o alcance de sua
ao legtima. A propsito, o referido autor conduz um projeto na Escola Brasileira de Administrao
Pblica (EBAP) , cujo tema : A Reforma do Estado do ponto de vista do desenvolvimento da
poliarquia brasileira e de seus impactos sobre as relaes Estado Sociedade. O projeto integra o
Programa de Estudos e Pesquisas de Reforma do Estado e Governana, da EBAP.
O prprio Presidente da Repblica, Fernando Henrique Cardoso6, tambm julga que a primeira
tarefa que temos pela frente a reconstruo do Estado. Considera-o falido, tendo em vista que por
causa da crise fiscal, o Estado passou a no servir mais, nem s classes dominantes. Passou a ser um
corpo doente. Em outra passagem, afirma que ele (o Estado) sempre foi incapaz de oferecer bem
estar Sociedade.
Aborda ainda, a questo da privatizao do Estado brasileiro, onde o setor privado se incrustou,
um Estado impregnado de interesses privados.
Ao tratar da reconstruo do Estado, prope que ela seja encarada a partir de duas vertentes
fundamentais: uma para permitir o crescimento da economia e outra para atender as camadas mais
pobres. Acrescenta que so duas vertentes aparentemente contraditrias.
Ao avaliar a evoluo do Estado, afirma que chegou-se a um ponto em que o que se tinha, era
um monstrengo burocrtico, incapaz de decidir em termos de uma estratgia, que s se movimentava
em funo das presses. (grifos nossos)
A respeito da efetividade das polticas pblicas, F. H. Cardoso afirma que poltica o caminho,
no o objetivo. preciso ter objetivo, mas o poltico no s o que tem objetivo, quem constri o
caminho.
Ora, esse Estado real, contrastando flagrantemente com o Estado virtual do Mtodo da ESG,
sendo incapaz de cumprir as funes pblicas neste previstas, no pode servir de referencial para um
paradigma, onde ocupa, justamente, posio central, a no ser que algumas ressalvas metodolgicas
sejam explicitadas.
Procuramos, at agora, caracterizar, sinteticamente, as peculiaridades do Estado, da Sociedade
e da interao Estado Sociedade, no Brasil e que constituem o lado substantivo do Mtodo. No
entanto, como no nosso propsito analisar esses aspectos, passaremos, agora, a abordar a questo
metodolgica, j ligeiramente esboada e que representa o enfoque principal deste trabalho.
3.

Questo Metodolgica

a) O Mtodo da ESG como Paradigma

A Reforma do Estado do Ponto de Vista do Desenvolvimento da Poliarquia Brasileira e de seus Impactos Sobre as Relaes Estado-Sociedade
. Frederico Lustosa da Costa. Revista de Administrao Pblica, Nr.3, MAI/JUN/98.
O Presidente Segundo o Socilogo. Entrevista do Presidente Fernando Henrique Cardoso a Romeu Pompeu de Toledo. Editora Companhia
de Letras, 1998. OBS: Este livro foi comentado por Celso Lafer, no artigo FHC, Presidente e Intelectual, publicado no jornal O Estado de
So Paulo. de 10/10/98.

A caracterizao do Mtodo como um paradigma, se baseia na viso da Sociologia de Robert


Merton7, que por sua vez se reporta a Thomas Kuhn8. Desse modo, paradigmas so vistos como conjuntos mais ou menos coerentes de suposies ou de imagens; uma constelao integrada de crenas,
valores, tcnicas, etc, compartilhados pelos membros de uma comunidade; um modelo ou padro
aceito.
Aproveitamos a referncia obra de Thomas Kuhn, para alertar que, em relao ao Mtodo da
ESG, no estamos propugnando nenhuma revoluo cientfica, isto , a criao de novo paradigma,
como desfecho de uma crise que tenha tornado insustentvel o paradigma que vem sendo utilizado.
Ao contrrio, o Mtodo visto como cincia normal, que vem-se desenvolvendo por incrementos
cumulativos.
Nosso enfoque tem certa analogia com a crtica teoria democrtica de ODonnell9, quando
afirma que a teoria democrtica carregou consigo demasiado pressupostos no examinados, refletindo, ao faz-lo, condies prevalescentes durante o surgimento e a institucionalizao da democracia
no mundo altamente desenvolvido. Prope, em conseqncia, que alguns desses pressupostos precisam ser explicitados e submetidos a exame crtico se quisermos chegar a uma teoria com escopo e
fundamento emprico.(grifos nossos)
b) O Mtodo da ESG como idealtipo
Se o Mtodo , na sua estrutura lgica, formalismo e racionalidade tcnica, se baseia num contexto,
no campo abstrato, to qualitativamente distinto do contexto real; se o Mtodo ainda, no seu aspecto
emprico e operacional, visa constituir-se num instrumento de ao, para transformar essa realidade,
logo pode-se deduzir haver uma lacuna metodolgica prejudicando sua validade. Pretendemos justamente, propor uma alternativa para superar essa lacuna.
Sugerimos, portanto, que o Mtodo seja encarado, de certa forma, como um idealtipo na acepo
de Max Weber , segundo interpretao de Julien Freund10.
O idealtipo pode ser compreendido como uma acentua-o ou amplificao unilateral de pontos
de vista que rene num quadro de pensamento homogneo, traos e caractersticas de uma realidade
singular.
A idealidade desta construo conceitual se exprime no fato de que ela uma utopia, uma
racionalizao utpica, que nunca se encontra ou s raramente encontrada na sua pureza, na realidade emprica e concreta.(grifos nossos).
Julgamos que o trecho acima, especialmente a parte sublinhada, se aplica ao Mtodo da ESG,
conforme procuramos demonstrar na apresentao das peculiaridades da poliarquia brasileira, onde
destacamos a viso real do Estado.
Neste caso, o Mtodo se constituiria num conjunto coerente e no contraditrio, representando

8
9
10

Sociologia Teoria e Estrutura. Robert K. Merton. Editora Mestre Jou, 1970.


Merton faz um alerta para evitar a utilizao distorcida de paradigmas na Sociologia:
Equipado com o paradigma, o socilogo, pode vir a cerrar os olhos aos dados estratgicos no expressamente trazidos ao paradigma.
Ele pode transformar o paradigma, de binculo sociolgico em antolho sociolgico. O abuso resulta em considerar como absoluto o
paradigma, ao invs de us-lo em tentativas, como ponto de partida.(Pag 83.)
The Structure Of Scientific Revolutions. Thomas S.Kuhn, 1962, Edio de 1970.University Of Chicago Press.
Poliarquias e a (In) Efetividade da Lei na Amrica Latina. Guillermo ODonnell. Revista Novos Estudos CEBRAP, Nr 51, JUL/98.
a. Sociologia de Max Weber Julien Freund. Editora Forense,1970.
b. Reportamo-nos tambm a Florestan Fernandes, em Fundamentos Empricos da Explicao Sociologica.Companhia Editora
Nacional,1967.
O autor trancreve um trecho de Weber sobre tipo ideal: Um tipo ideal formado pela acentuao unilateral de um ou mais pontos de vista
e pela sntese de um grande nmero de fenmenos concretos individuais difusos, discretos, mais ou menos presentes e ocasionalmente
ausentes, os quais so arranjados de acordo com os pontos de vista unilateralmente acentuados, em uma construo analtica unificada.
Em sua pureza conceitual, essa construo mental no pode ser encontrada , na realidade, em nenhuma parte. uma utopia.
Florestan Fernandes, citando Weber, considera que seria prejudicial e ilgico, confundir o tipo ideal e a realidade.

um desenho racional, isto a estrutura lgica do planejamento da ao poltica, independente-mente


das flutuaes do real. (Esta passagem foi por ns adaptada de um trecho original de Weber, referente
doutrina capitalista).
Freund considera que o idealtipo no precisa identificar-se com a realidade, no sentido em que
exprimiria a verdade autntica desta. Ao contrrio, ele nos afasta dela por sua prpria irrealidade,
para melhor domin-la intelectual e cientificamente, embora de maneira necessariamente fragmentria.
Essa analogia do Modelo como um idealtipo parcial, visto que divergem quanto aos valores.
Desse modo, Freund afirma que o idealtipo nada tem de exemplar e no se deixa confundir com um
modelo, no sentido axiolgico, nem como uma prtica para ao. Sua nica perfeio de ordem
lgica e no moral; ele exclui toda avaliao - o oposto do Mtodo.
Mantemos, no entanto, o paralelo acima proposto, pelas razes apresentadas, considerando, ainda,
que o Mtodo, como idealtipo, permitiria indicar at que ponto a realidade de um planejamento concreto da ao poltica se afasta do quadro de pensamento homogneo, lgico e racional. O Modelo,
como idealtipo, serviria, por assim dizer, como um instrumento de medida.
Em outras palavras, o Mtodo para o Planejamento da Ao Poltica como um instrumento lgico
que orienta e sistematiza de forma racional, o processo de tomada de decises do Governo Federal,
pode ser visto como um tipo ideal, na medida em que, certas variveis dos processos concretos so
postas em evidncia pelo fato de serem enfatizadas. Nem todo Mtodo de planejamento governamental possuir o conjunto das caracterticas incorporadas ao tipo ideal do Mtodo da ESG. Este poder
ser usado como uma medida que nos possibilitaria determinar em que aspecto particular ou em que
grau, um planejamento governamental efetivo racional e permite otimizar as macrodecises sociais11. (As expresses idealtipo e tipo ideal so equivalentes e empregadas por diferentes autores).
c) Planejamento e Mtodo
Procuraremos agora extrair dos Fundamentos Doutrinrios da ESG, pontos de interesse para a
presente discusso.(As citaes se referem Parte III da edio de 1998).
O carter operacional do Mtodo destacado, uma vez que seu objetivo a busca de maior
racionalidade na ao poltica. Representa um processo de otimizao de decises, pressupondo o
conhecimento da realidade na qual se operam essas decises, em particular das condies da sua
factibilidade.
Por outro lado, na fase poltica, a avaliao da conjuntura uma atividade permanente, voltada
para anlise de circunstncia novas nos mbitos interno e externo, uma vez que a realidade nacional complexa e dinmica e interage continuamente com o quadro internacional, igualmente cambiante.
Na Seo I/Parte 1, destaca-se que a Doutrina deve estar em consonncia com a realidade.
Tem carter instrumental e compromisso com a realidade, alm de se constituir num sistema do dever
ser .
A permanente renovao da Doutrina/Mtodo, em consonncia com a realidade , poderia indicar
que as peculiaridades da poliarquia brasileira, do Estado e das relaes Estado-Sociedade j vm
sendo consideradas e avaliadas, conforme previsto neste trabalho. No entanto, como j salientamos,
essa reviso e atualizao tm tido carter incremental, isto , aperfeioamentos cumulativos na estru11

Este trecho foi por ns adaptado , de uma anlise crtica do modelo burocrtico de Weber, como u m tipo ideal, feita por Alvin
Gouldner , em Studies in Leadership. Harper and Bros.,1950, citado por Edmundo Campos em Sociologia da Burocracia.
Zahar Editores, 1966.

tura lgica e conceitual da Doutrina/Mtodo, cujos pressupostos continuam configurando um contexto virtual de contedo profundamente distinto do contexto real a que se refere, como procuramos
mostrar.
Em conseqncia, propomos, visando preservar a validade e eficcia do Mtodo, que ele seja mantido como sistema lgico voltado para a racionalizao poltica, mas com a ressalva metodolgica de
ter carter ideal tpico, a ser utilizado, didaticamente, como um instrumento para anlise e soluo dos
problemas nacionais e para avaliao de planejamentos governamentais concretos. A propsito, lembramos que, quanto primeira utilizao, estaramos sendo fieis ao objetivo original da ESG, no que
se refere aos problemas nacionais, o qual no seria ensinar a soluo desses problemas e sim, estabelecer e difundir um mtodo de soluo12. (grifos nossos)
No resta dvida que a reviso e atualizao de um lado e a avaliao da conjuntura de outro,
representam processos que aproximam a Doutrina/Mtodo da realidade, aumentando, em conseqncia, sua validade emprica .Desse modo, a maior nfase dada ao desenvolvimento, em relao segurana; a reconceitualizao da segurana nacional; o destaque para a justia social ; a mudana de
enfoque do conflito leste x oeste, para norte x sul; a adoo do conceito de hiptese de conflito e a
superao do Conceito Estratgico Nacional, so significativos exemplos dessa reviso e atualizao.
Julgamos no entanto, que esse processo de atualizao no suficiente para superar a lacuna
metodolgica aqui levantada: um paradigma de carter emprico e operacional, associado ao planejamento, visando racionalizar a ao poltica para transformar uma realidade que representa, na verdade,
um outro mundo, essencialmente distinto do idealizado.
4.

Concluso

A Doutrina/Mtodo da ESG, constitui-se num sistema conceitual, lgico, coerente e integrado,


que vem sendo atualizado e aperfeioado h cinqenta anos.
A ESG, por outro lado, uma instituio de estudos estratgicos de elevado prestgio, no s
nacional, mas internacional.
Nosso propsito justamente colaborar no sentido de reforar esses dois vetores.
Restringimo-nos ao campo metodolgico, deixando de discutir aspectos substantivos da Doutrina/Mtodo .Julgamos no entanto que , alguns pontos merecem reexame como, por exemplo, o conceito de Hipteses de Conflito Armado como condicionantes do estabelecimento dos ONA e OG, o
binmio segurana desenvolvimento; a questo da concepo do Bem Comum e a distino entre
doutrina e ideologia.
A presente proposta visa, to somente, qualificar a aplicao da Doutrina/Mtodo, dando-lhes
maior suporte metodolgico e, assim, maior validade emprica e operacional, por meio do conceito de
idealtipo.
(*) Adjunto da Diviso de Assuntos Militares

12

Princpios Fundamentais da Escola Superior de Guerra, documento datado de 1949, do ento Ten Cel Idalio Sardenberg.
Revista da Escola Superior de Guerra, Nr 8/87.

CIMEIRA NO RIO DE JANEIRO


CEE (*)
Relaes Mercosul Unio Europia
O presente trabalho refere-se Cimeira do Rio, de junho corrente, cuja agenda abriga temas de
largo espectro, inclusive de ordem econmica. Sem desmerecer qualquer dos itens do temrio elaborado para o encontro, o CEE fixou-se no assunto que, por sua expressividade, dever destacar-se nos
trabalhos respectivos relacionamentro econmico e comercial entre o Mercosul e a UE. A razo
maior dessa escolha ressalta do prprio documento, que tem a seguinte estrutura:
Base de pressuposto estratgicos
A conjuntura mundial
Vises regionais
a) a tica do Mercosul
b) a tica europia
O Acordo-Quadro e seu desdobramento
Negociaes prioritrias
Negociaes pontuais como estmulo de curto prazo
Temas Subsidirios
I.
Base de Pressuposto Estratgico
A assimetria que sempre caracterizou as relaes entre pases, blocos e hemisfrios hoje imersos
num ambiente de mercados globais apresenta uma racionalidade prpria, que influi, quando no
normaliza, uma racionalidade de aproximao e parcerias, de polticas e estratgias de interesse e
necessidade dos diversos setores envolvidos.
A primeira conseqncia dessa racionalidade recente ser a abrangncia e a escala de problemas
e condies inerentes a tais polticas e estratgias, que hoje se alam um nvel regional e entre blocos,
quando no universal em seus custos, retornos e externalidades.
Instaura-se, em conseqncia, a conscincia de que a racionalidade de polticas e estruturas
econmicas nesse ambiente de fim de milnio pressupe o entrelaamento de interesses, vocaes e
vinculaes econmicas, cuja maximizao impe novas morfologias e ritmos de agilizao e flexibilidade no desenho de novas composies de interesse.
Esta ser uma das direes apontadas pelo mundo ps-1989, que parece impor a lgica de xito
econmico. impensvel hoje s naes deixar de contemplar, de um lado, o vasto campo de oportunidades que se apresentam s Naes-Estado, de outro a ameaa sua existncia tradicional: como

culturas, como economias individuais, como Estados,, como soberanias.


Aos propositores de polticas pblicas no pode passar despercebido que a instncia do mercado
com toda a sua indesejvel neutralidade social e poltica passou a constituir a expresso de um
modo de produo, de vigncia e irresistvel tendncia universalizante, o que repercute significativa e
diretamente nas relaes do homem com a natureza, dos homens entre si, em sociedade e nos exerccio do poder poltico.
Os ajustes necessrios aos pases perifricos para fazer frente s ameaas de uma instncia atica,
o mercado, sempre se bastaram na ao do Estado, percebido no consciente coletivo como uma espcie de contraponto bondoso s foras cegas do mercado e ao indiscriminada e aptrida da mo
invisvel.
O Estado representaria, como sempre representou, uma dimenso tica e normalizadora, capaz
de produzir ou criar condies para a liberdade de suas respectivas naes e de seus cidados, como j
se disse: da felicidade socialmente organizada. Nascia a idia de que s o Estado seria capaz de colocar freio no mercado, de domar a besta fera antevista como apocalipse, s evitvel pela ao poltica
individual estatal.
No caso particular dos pases da Amrica Latina, o trao distintivo e agravador das economias
de hoje apareceu no desenvolvimento de um capitalismo inicial, que coexistiu com o brao escravo,
coexistncia que constitui sociedade de economia incoerente e anacrnica, em que o mercado no
funcionou, recalcado ainda pelas foras de constrio do patrimonialismo e do clientelismo que as
naes mais fortes outras no conheceram.
Formou-se o capitalismo da Latino-Amrica, criaram-se as respectivas burguesias e classes trabalhadoras, mas a formao scio-poltica dessas categorias teve peculiaridades que tornariam pouco
teis as analogias formais com o que se passava nos grandes centros do mundo. Em sntese, em nossos
pases perifricos, j na sua experincia do mundo moderno, a relao Estado-sociedade se deu em
formas distintas das que ocorreram em pases tipicamente capitalistas e j aculturados nas prticas e
lgicas do mercado.
Entre ns, latinos-americanos, e por razo histricas, adotou-se, mais recentemente, a noo de
sociedade civil e de comunidade, que hoje se expressam numa postura antiEstado, postura que se
acasalou com a ideologia neoliberal. O signo dessa modernidade a defesa a crtica da lgica exclusiva de mercado, sem se considerar o preo que as camadas mais desfavorecidas pagam por sua excluso.
Dissemina-se, ao mesmo tempo, todo um desencanto pela poltica, cuja opo de contrapartida,
insinua-se, a ideologia neoliberal. O mercado resolve conflitos; a poltica inerentemente corrupta.
Esta lgica, nascida da ideologia liberal, ameaa a constatao de que, se no houver uma conjugao
da poltica com o interesse de nao e com a produo de prosperidade, reduz-se a possibilidades de
auto-sustentao de nossa economia e, at, da democracia de nossos pases.
Hoje, imersos num universo da racionalidade conduzido pelos mercados globais, os pases em
desenvolvimento se devem a formulao da poltica e estratgia de definio de objetivos e de
formataes instrumentais que assegurem nao:
- a superao dos srios desequilbrios macro-econmicos e de suas correlaes, de maneira permanente;
- a modernizao institucional e estrutural de seus aparelhos estatais, vale dizer, a estabilidade poltica em regime de democracia e uma atuao dinmica e flexvel na produo e distribuio de bens
pblicos;
- a manuteno da identidade nacional e da capacidade de definirmos futuros para a nossa ptria, que
tenham o nosso aval coletivo.

Trata-se, em sntese, para naes que visem ao desenvolvimento, de reconhecer que o funcionamento de mercados globais, cujo norte exclusivo a maximizao de lucros, se diferencia do Estado,
tambm no que este se direciona para os campos de territorialidade, da soberania, e que a ameaa
autonomia da ao estatal tem de ser compensada por um aproveitamento da racionalidade da economia global, para que se gerem benefcios aos seus trs campos fundamentais de competncia.
Ao invs de nos submetermos a apenas responder, retardada e passivamente, s presses de
sujeio aos mercados globais, mais inteligente que no percamos iniciativa e agilidade de fazer
prevalecer interesses nossos, particularmente nos setores de produo, comrcio e capital.
A experincia bem sucedida do Mercosul parece comprovar, sobejamente, tais pressupostos,
malgrado naturais problemas de crescimento, de resto experimentados por parcerias similares, e a
Unio Europia o exemplo mais disponvel.
O desdobramento do modelo Mercosul de agregao de interesse do subcontinente latino americano Unio Europia, no campo da produo, comrcio e de capitais, proposta que se inscreve na
agenda de nossas economias e de um desenvolvimento isento de imposies unilaterais.
Trata-se de definir um acordo entre dois blocos que, regulando e, sobretudo, agilizando o estabelecimento de polticas e estratgias, opere, no interesse de ambos, o estabelecimento operacional de
simetrias e contrapartidas.
Trata-se inicialmente de que, embasado por deciso poltica, o acordo realize um diagnstico de
foras e fragilizaes, de ameaas e estmulos a um grande processo de articulao dos dois blocos,
em favor de relaes de comrcio em reas definidas, segundo normas e processos de comum acordo.
Trata-se de gerar uma capacitao comum de aproveitamento das energias potenciais, visando:
- racionalizar iniciativas;
- concentrar interesses;
- organizar uma estrutura gil e capaz, no s de prever e monitorar conjunturas econmicas, mas,
principalmente, de prever e resolver conflitos ou neutralizar sua ameaa.
Estamos, latinos-americanos, diante da oportunidade de organizar um novo paradigma de
copmpartilhamento econmico e cultural maximizado e de prever, monitorar e, no limite, resolver
conflitos de interesse, cujo exerccio gerar uma cultura comum de relaes comerciais biregionais
regidas pela dinmica de mercados globais e sem perdas do papel que cabe ao Estado, no que respeita
territorialidade, sociedade e soberania.

II.

A Conjuntura Mundial

A conjuntura mundial atravessa fase de sinais preocupantes. A economia norte-americana ostenta, ainda, significativa euforia, com taxa de crescimento alentada, baixo nvel de inflao e uma
situao de emprego considerada excepcional, porque bem inferior taxa histrica 6% tida at
ento como limite inferior, abaixo do qual adviriam tendncias inflacionrias. Por outro lado, isso
descontado, a conjuntura internacional revela inclinao depressiva, com modesto crescimento do
produto e elevada taxa de desemprego na Europa, salvo no Reino Unido, ainda com situao razovel
nesse setor. No Japo, a recesso acentuada, resistindo a todas as medidas oficiais compensatrias.
Praticamente todo o Sudeste asitico est com a economia fortemente abalada, depois de choques
sucessivos. Exceo a esse panorama a economia chinesa, mas cujo espectro vem exigindo cuidados
especiais do respectivo governo. Na Amrica Latina, as tendncias econmicas so de natureza claramente recessiva, sendo que, no Mercosul, depois de um perodo animador de crescimento, seus dois
principais Estados componentes Brasil e Argentina enfrentam dificuldades para evitar recuo econmico de cunho sistmico.
Esse quadro est despertando temores em todas as latitudes, em funo da rgida dependncia
dos recordes da economia norte-americana, animada por fenmenos que podem mudar de sinal rapidamente, como a elevada taxa de consumo, funo do efeito-riqueza, a cobertura financeira externa
dos crescentes dficits da balana comercial e a baixa elasticidade da oferta de foras-detrabalho.Qualquer recuo na economia dos EUA, dada sua dimenso, pode provocar um movimento
recessivo mundial de carter fortemente depressivo, porque de efeitos cumulativos no tempo e no
espao econmico.
As preocupaes tm crescido ao longo das relaes internacionais, no s em razo das perspectivas do cenrio econmico em si, como pela complexidade a que atingiu o mercado financeiro
como um todo. H sensvel descasamento entre o produto econmico e a expresso financeira, donde
um movimento acentuado de operaes desse ltimo tipo no amparadas em lastro social. O sentido
de globalizao, ainda impreciso em sua substncia, mas gerando forte desregulao, sobretudo no
setor cambial, trouxe novos elementos de ao perturbadora, tanto mais efetivos quanto os Estados
Nacionais tm sofrido contestao em sua presena normativa de natureza disciplinar. Os abalos tm
sido de intensidade remarcvel e repercusses encadeadas no cenrio econmico mundial.
Conseqncia de toda essa evoluo, a busca de novos mdulos de comrcio e de relacionamento econmico tem revelado interesses crescentes como tentativa de contornar obstculos expanso
das trocas internacionais, assim afastando, ou pelo menos minorando, as tendncias recessivas acima
registradas.
O encontro da Cimeira tem essa gnese, que inspirou, alis, o Acordo-quadro de 95, alm de
corresponder ao natural interesse revelado pelos pases participantes, de estreitar seu relacionamento
no campo econmico, mas tambm no poltico e no cultural. Nesse encontro, adquirem naturalmente
expresso maior os contatos econmicos entre a Unio Europia e o Mercosul, dois blocos de
aglutinao, que podem oferecer reciprocamente oportunidades assinal-veis e progresso em todos os
sentidos.
Olhando o evento sob essa tica, que se diria simultaneamente global e regional, cabem as
consideraes e sugestes que seguem, mais ligadas aos aspectos econmicos das relaes entre os
dois blocos, o que, por sinal, representar aprecivel grau de conscientizao, de ambos os lados,
quanto sensibilidade do panorama econmico-financeiro internacional. A esse respeito, alis, o Diretor-Gerente do FMI, Sr. Michel Camdessus, vem lanar um quase veemente apelo cooperao
entre as grandes economias, como condio para manter-se a estabilidade internacional. O encontro
do Rio poder representar um passo importante na cooperao entre os dois blocos, com reflexos
sobre outras iniciativas, com a finalidade maior de prevenir crises e promover o crescimento.

Ainda este ano, a Organizao Mundial de Comrcio realizar uma rodada de negociaes
tarifrias mais vinculadas a produtos agrcolas. Mas prev para um ou dois anos uma rodada global de
negociaes; a, diz-se, de natureza completa, incluindo servios de todos os tipos. Tambm estes so
eventos que buscam no s incrementar o comrcio internacional, como prevenir, tanto quanto possvel, o advento de crises, pelo menos as de grande dimenso e poder de contaminao.
Vises Regionais

a) A tica do Mercosul
Na Conferncia de cpula Amrica Latina Unio Europia, ser discutido o protecionismo comercial praticado pela
Unio Europia e seu possvel desmonte.

Como a maioria dos membros da UE quer evitar a influncia excessiva dos EUA na Amrica
Latina e deseja estabelecer, o mais rpido possvel, uma rea de livre comrcio com o Mercosul, os
pases deste bloco ganham flego na batalha pelo fim das barreiras agrcolas, ao acenar com uma data
mais prxima do que a inicialmente projetada. Os diplomatas sul-americanos querem redues progressivas das tarifas, j no ano 2000.
A rea de livre comrcio mais um lance na disputa por zonas de influncia entre americanos
e europeus. Os EUA querem, desde 95, acelerar a instalao da ALCA, mas a diplomacia brasileira
resiste, temendo uma dependncia excessiva e incoveniente.
O Mercosul j encaminhou aos 15 pases que compem a Unio Europia (UE) a proposta de
instalao de uma zona de livre comrcio entre as duas regies, em 2005. Se houver consenso, 2005
passa a ser um ano-chave para a poltica externa do Brasil, j que, no mesmo ano, est prevista a
instalao da zona de livre comrcio das Amricas, a ALCA. Ser tambm um xito da diplomacia
brasileira, que idealizou a liberao comercial com a Europa.
A deciso, contudo, esbarra na resistncia de alguns pases da UE, em especial a Frana, que
temem discutir o assunto para adiar o fim do protencionismo agrcola. uma polmica interna: a
Alemanha, que detm um tero do oramento do bloco, quer pr fim ao excesso de subsdios agrcolas, que consomem 7% do PIB da Unio, ou US$ 600 bilhes.
Em escala global, a abrasiva matria ser tratada na III Conferncia Ministerial da Organizao Mundial de Comrcio (OMC), agendada de 30 de novembro a 03 de dezembro, em Seattle, nos
Estados Unidos da Amrica.
Chefes de Estado da Amrica Latina, reunidos no final de maio, na cidade do Mxico, pelo
chamado Grupo do Rio, assinalaram quem vo exigir da Unio Europia a discusso de um projeto de
abertura integral. Ou seja, derrubada das barreiras para todos os mercados em bloco, incluindo o de
servios.
Para entrar na Unio Europia, eis os produtos mais tarifados:
-

Carne bovina ...................................... 87,7%


Cereais 87,7%
Acar 61,8%
Tabaco ou fumo.................................. 58,8%
Latcinios ........................................... 57,7%
No setor industrial, a variao entre 20% e 30%.

A Alemanha, atualmente na Presidncia rotativa da Comisso Executiva da UE, tem uma


proposta intermediria: iniciar as conversaes com o Mercosul com temrio restrito a barreiras notarifrias e regulamentos de higiene, ampliando-as para incluir a agricultura em dezembro de 2000.
O objetivo da Alemanha fazer coincidir o acordo da UE com o Mercosul e o fim da Rodada
do Milnio (III Conferncia da OMC).

Com bom senso e competncia diplomtica, o fortalecimento das relaes comerciais entre o
Mercosul e a UE parece vivel e til para ambos os blocos, sem que atritos maiores se estabeleam
com os EUA. Uma maior aproximao comercial com a Amrica Latina no tem como objetivo criar
qualquer clima de confronto. Ela apenas equilibraria as presses e fortaleceria o multilateralismo, j
que as relaes econmicas entre ambos os blocos e o Nafta continuaro fortemente dinmicas, em
funo da prpria lgica dos mercados globais e das corporaes transnacionais, claramente lideradas
pelos EUA. Temos, pois, um momento nico e talvez derradeiro para estabelecer um vnculo mais
estrutural e dinmico entre os blocos. Certamente ambos tero a ganhar.
Do ngulo latino-americano, no existem laivos de disputa, mas o imprio do posicionamento
de um conjunto de pases, retardatrios alguns, emergentes outros, assoberbados por questes estruturais internas e pela presso de posies relativas desfavorveis no regime de trocas comerciais e financeiras com o denominado Primeiro Mundo. Posies essas que se tornaram mais dbeis com a figura
da globalizao e com a forte desregulao que dela emergiu.
A Amrica Latina como um todo, mas particular-mente os pases do Mercosul, precisam de
amplo alargamento de mercado e a UE o passo mais confivel nesse sentido. Tanto mais quanto
possvel que o projeto ALCA venha a ser ativado pelo Governo norte-americano, ao obter do Congresso daquele pas o dispositivo conhecido como fast-track. A existncia de compromissos mais ou menos semelhantes com a UE facilitariam a posio negociadora do Mercosul, em especial do Brasil, por
razes bvias. E concederia certa calma operacional na implemen-tao do recente ato do Brasil em
relao a pases do Pacto Andino, um passo a mais para a proposio brasileira de criar-se a ALCSA
ou rea de Livre Comrcio da Amrica do Sul. No h dvida de que hoje os interesses do Brasil se
fundem com os do Mercosul. Isso, porm, no ilude, antes refora, sua posio de vanguarda no
impulsionar o mercado regional, no ampli-lo geogrfica e economica-mente e na busca, ao longo da
economia mundial, de aderncias e associaes que preservem e aumentem seu poder indutor e de
realizaes. As potencialidades do Pas e seu j aprecivel mercado interno so alavancas de grande
expresso, atuando no s em benefcio do bloco regional a que pertence como fonte de atrao a
interesses extra-regionais.
A posio do Mercosul de lograr-se, no encontro, o estabelecimento de bases para uma rea
de livre comrcio, mecanismo cuja gestao, historicamente comprovada, requer um largo perodo de
tempo. No caso especfico, admite-se que nunca menos de um qinqnio ser necessrio para colimar
tal objetivo, o que, de resto, coincide com os prazos estabelecidos para as negociaes pertinentes
ALCA, e dentro dos quais ocorrero duas rodadas de negociao tarifria, uma ainda, provavelmente,
em 1999, referente rea agrcola, outra, mais ampla e chamada de geral, possivelmente a iniciar-se
em princpios do prximo sculo.
Para o Brasil, um global trader, essa cronologia favorvel, como o tambm para o Mercosul,
sobretudo em relao s negociaes referentes ALCA, que devem, por resguardo, ocorrerem paralelamente com as pertinentes Unio Europia. Pois a no se estar cuidando ou referindo a comrcio, mas sim, e sobretudo, ao desenvolvimento econmico dos membros do Mercosul.
b) A tica Europia
A Unio Europia nasceu da concepo inicial de Maurice Schuman sobre a necessidade da
Europa Ocidental integrar os mercados individuais, ganhando em escala e rateando, com sentido
macroeconmico, o esforo de investimento do conjunto. Surgiu, como passo inicial dessa concepo,
a Comunidade do Carvo e do Ao, entre Alemanha e Frana, cujo sucesso deu lugar ao advento do
Tratado de Roma, que criou o Mercado Comum Europeu, de implementao longa, iniciada com a
formao de uma rea de livre comrcio, posteriormente com uma unio aduaneira e j agora com a
eliminao recproca de entraves e fluxos financeiros e ao livre trnsito de pessoas fsicas e pessoas
jurdicas. A recente instituio da moeda comum o euro como coroamento das metas estabelecidas
pelo Tratado de Mastricht, consumou o intento inicial de unificao econmica do Ocidente europeu.

Esse esforo, quase gigantesco, esbarra agora com a necessidade de situar a Unio no contexto mais amplo de um mercado mundial, sob forte influncia do colosso econmico norte-americano,cuja
presena amparada no s pela hegemonia militar, como por um lastro real que torna o dlar a
referncia monetria internacional. A posio do euro no contexto financeiro mundial carece de fortalecimento econmico relativo a Unio Europia contempla como conseqncia imediata de uma expanso para o Leste e de uma penetrao forte e crescente na Amrica Latina.
Dentro da Unio, porm, diferenciam-se as posies, no com carter de conflito, mas como
vias operacionais luz das dificuldades internas de cada integrante. Duas so as questes crticas que
o conjunto enfrenta: a forte taxa de desemprego e as exigncias estruturais dos pases membros. Se
aquela pressiona por mercados, estas no podem ver-se confundidas abruptamente com ameaas
prpria consistncia da Unio. Por outro lado, o uso dos subsdios produo e exportao, que
consome cerca de 70% do PIB do conjunto, pesa mais sobre alguns membros, que buscam um natural
alvio, mas pressiona negativamente a outros, cuja produo interna pode ver-se ameaada por acentuada concorrncia externa, da qual os EUA so os lderes.
Esse lote de problemas, alguns com sinais contrrios entre si, torna a posio e a deciso da
UE um quase malabarismo, mais recentemente dificultada tambm pelo espectro monetrio, em que a
infncia do euro ressente-se de sensvel presso do dlar. Soma-se a isso a atuao de empresas
transnacionais, campo em que os EUA levam ntida vantagem e agem com desembarao e agressividade;
e, onde mais do que em qualquer outro setor, as grandes dimenses e o poder financeiro se sobrepem
mera competio ou competio de exclusiva natureza comercial.
Pode-se, assim, compreender o porqu de a UE, ao mesmo tempo em que assume atitudes e
na intensidade as proposies e a dinmica dos movimentos que enceta, com vistas a ampliar suas
margens de atuao nos mercados mundiais.
No obstante esses fenmenos aqui cuidadosamente comentados, os europeus continentais
do ocidente sentem que a dependncia em que o mundo vive do fastgio norte-americano ameaadora, ao fio e medida em que um abalo financeiro nos EUA seria de repercusso incontida e alcanaria
a Unio Europia de forma to mais forte quanto sua constituio ainda no superou por inteiro as
dores do parto. Torna-se, assim, compreensvel o largo prazo estabelecido no Acordo-quadro, firmado
com o Mercosul em 1995, para a continuidade do que nele foi concebido.
Esto, portanto, os europeus ocidentais numa busca vital, de duplo sentido consolidar a
Unio Europia, inclusive pelo alargamento de suas influncias comercial e financeira e pela capacidade de faz-lo sem provocar atritos e rupturas com o poder hegemnico da atualidade. Com esse
objetivo, procuram avanar no relacionamento com o j grande e promissor mercado latino-americano, bem como incrementar sua penetrao no leste europeu, inclusive no ex-imprio da URSS.
IV. O Acordo-Quadro e seu Desdobramento
Em dezembro de 1995, foi assinado, em Madrid, entre os quinze pases da UE e Argentina, Uruguai
e Paraguai, um Acordo-quadro para a criao, em dez anos, de uma zona de livre comrcio entre os
dois blocos econmicos. O Brasil firmou o Acordo alguns dias depois. Dilogo sistemtico ali previsto abrangeria desde o acesso aos mercados (barreiras tarifrias e no tarifrias) at o setor de investimentos e de desenvolvimento tecnolgico. Na esteira desse entendimento, a cooperao MercosulUnio Europia se estenderia modernizao da rede de transportes e a projetos conjuntos de cincia
e tecnologia, com citao expressa dos setores energtico e de telecomunicaes. Haveria uma primeira etapa, de cinco anos, para convergncia em pontos que envolveriam negociaes mais complexas;
o principal deles seria o captulo agrcola. Concluda essa etapa inicial, os dois blocos estabeleceriam
associao inter-regional de comrcio, com liberao progressiva de barreiras ao intercmbio e ampliao da cooperao econmica, inclusive de investimentos e de tecnologia.

Na Cimeira do Rio, deve, pois, inciar-se a Segunda etapa concebida em Madrid, com possveis
gestes para efetivar todos os pontos ou aspectos abrangidos pelo referido acordo. Isso empresta
reunio uma importncia extraordinria, tanto por ser o cumprimento de compromissos acordados,
quanto por corresponder a uma iniciativa da prpria UE, cujo membro de maior expresso econmica
est na liderana dessa continuidade de responsabilidade contratual.
Simultaneamente ao Acordo, foi firmada Declarao Conjunta de carter poltico, com meno
aos princpios democrticos, direitos humanos, paz e segurana mundiais. Dilogo que teria
como mecanismos: 1) encontros regulares entre chefes-de-Estado dos dois blocos; 2) encontros anuais
entre chanceleres, com a presena da Comisso Europia; 3) reunies de nvel ministerial e, conforme
o caso, reunies peridicas de funcionrios de alto nvel de ambas da partes.
Previstos foram, tambm, um Conselho de Cooperao, uma Comisso Mista de Alto Nvel e
uma Subcomisso Comercial.
Todos esses mecanismos diplomticos, que se diriam ooperacionais, no produziram efeitos
mais significativos; podero ser mantidos, convindo, porm, que se lance mo de instrumentos adicionais, mais leves e lpidos, com vistas a um regime de implantao eficaz e consistente.
Destaca-se, em conseqncia, a necessidade de ativar a liberao comercial, a cooperao tcnico-cientfica e o fluxo de investimentos. A respeito deste ltimo ponto, os pases do Mercosul tm
55% dos investimentos e de comrcio da UE no Hemisfrio, sendo que o Brasil tem 40% do conjunto
de comrcio e investimento da UE na Amrica Latina e no Caribe. Revelam-se, portanto, o bloco
regional e o Brasil, excelentes e tradicionais parceiros econmicos da Unio Europia.
V.

Negociaes Prioritrias
Para os pases do Mercosul, as negociaes priorit-rias na Cimeira do Rio devem focalizar:

a) a formulao de bases para a formao da zona de livre comrcio, com a remoo recproca de
barreiras tarifrias e no-tarifrias, nestas compreendidos direitos antidumping, regulamentaes
restritas e regulamentos ditos de resguardo da sade, da flora e de cunho fitosanitrio;
b) eliminao de subsdio que na UE abrange produo e exportao, principalmente no setor de
produtos agrcolas;
c) cooperao tecnolgica ampla e irrestrita em todos os campos da cincia e tecnologia, abrangendo
os setores produtivos e a capacitao de mo-de-obra nos diversos escales da fora-de-trabalho;
d) estmulo e incentivo ao investimento de capital, com destaque para os setores de infra-estrutura
econmica e industrial estabelecendo-se, para esse fim, comisses mistas, privadas e pblicas,
como elemento orientador;
e) estabelecimento de sistemas recprocos de informaes econmicas e financeiras, bem como sistemas de divulga-o de oportunidades comerciais e de investimento nos setores primrio, secundrio e tercirio;
f) estabelecimento de linhas de ao visando futura e paulatina integrao econmica.
Como o subttulo est indicando, a prioridade, nos contatos do Rio, sero comrcio, tecnologia
e investimento, uma trade fundamental ao desenvolvimento, tanto das relaes interblocos como do
prprio Mercosul. Essa trade, alis, pode ser considerada como o ncleo bsico das concepes
abrigadas pelo Acordo-quadro firmado em Madrid.
VI. Negociaes Pontuais como Estmulo de Curto Prazo
A consecuo do objetivado no item anterior V Negociaes Prioritrias, no instantnea,
nem se coroar em prazo curto. A experincia histrica revela que o colimado pelo Tratado de Roma
(mercado comum europeu) levou dcadas, a estimao do Nafta mais de um lustro, o Mercosul, longa

trajetria a partir da ALALC e ALADI, at a zona de livre comrcio. Europa nrdica e Inglaterra (que se
consumiu ao longo do tempo) levou prazo razoavelmente longo de maturao.
Para que as relaes econmicas entre os dois blocos se ative, at como preldio de uma aproximao mais ntima, seria de real interesse que:
1. a reduo do protecionismo na UE (tarifrio e no-tarifrio) contemplasse um grupo de exportaes do Mercosul, a saber:
- calados, couro, ferro-ao, lcool e acar, suco de laranja, hortigranjeiros;
2. tarifas fossem nulas para software, carne, ovos e derivados de frango;
3. a cooperao tecnolgica fosse mais imediata nos seguintes campos: tecnologia aeronutica e
aeroespacial, mecnica fina, novos materiais, automao industrial, princpios ativos de frmacos.
O estabelecimento de comisses privadas setoriais, estruturalmente mistas, entre os dois blocos
poderia, desde logo, examinar itens especficos que, bilateralmente, pudessem ir compondo uma espcie de pauta precursora de negociaes mais amplas, com vistas zona de livre comrcio.
VII. Temas Subsidirias
As consideraes e sugestes contidas nos itens V e VI no precisam dispensar o princpio do
single understanding, mas podem us-lo de modo mais compartimentalizado, sobretudo no que concerne
s sugestes do item VI.
Do mesmo modo, alguns outros temas que devem compor a agenda da Cimeira do Rio, mesmo
sem terem a condio de prioritrios ou de estmulo de curto prazo, podem merecer simptica considerao. Entre eles, a preservao do meio ambiente, a questo dos servios tercirios, a cooperao nos
setores de sade e educao e um entrosamento maior no campo dos transportes e da energia eltrica,
so questes que se diriam de relevncia, a merecer as intenes de ambas as partes com vistas a
programas especficos a emergirem de trabalhos e investigaes tcnicas conjuntas e sistematizadas.
Nessa linha de ao, um assunto merece apreciao ampla e urgente para somatrio de esforos
com caracter disciplinar e nimo saneador dos mercados financeiros internacionais. O vulto e as
alavancagens que, ao lado de espectro crescente de operaes de risco, vo aumentando a
vulnerabilidade, as distores e as perturbaes em operaes de curto e curtssimo prazos, esto a
reclamar medidas cautelares por parte dos setores pblico e privado ao longo de todo o mercado. A
regncia de organismos internacionais, como o FMI, o BID e o Banco Mundial, importantes e denodados que sejam, no tm podido aplacar as presses que se esto originando em prticas de risco excessivamente audaciosas nesses referidos mercados. Os Estados Nacionais precisam coordenar esforos
para que a economia mundial possa precaver-se de ataques sbitos e esprios, como tem ocorrido com
seqelas realmente perversas.
Os dois blocos congregam duas dezenas de pases, compondo aprecivel presena no sistema internacional de comrcio e finanas. Podem, assim, ter uma atitude ao mesmo tempo profiltica, coibitiva e disciplinar, com inegveis benefcios
para as relaes que se realizam no intercmbio mundial econmico, financeiro e comercial.

(*) Centro de Estudos Estratgicos - Professor Guarino, Professor Taddei, Professor Guerra, Professor Her-Meyll, Professora Carlota e Professor Magrassi

O CONFLITO NOS BALCS - A CRISE NO KOSOVO


Marcio Bonifacio Moraes(*)
1.

Introduo

Como consideraes iniciais, o autor gostaria de ressaltar que no historiador ou gegrafo.


Os dados aqui apresentados so fruto de observaes pessoais colhidas durante o perodo em que
esteve na ex-Repblica Federal da Iugoslvia como Observador Militar integrante da United
Nations Protection Force (UNPROFOR) e de viagens que realizou, posteriormente, pela regio
aps o trmino do conflito.
O presente trabalho tem como propsito apresentar alguns antecedentes histricos, que teriam
sido os responsveis pela recente onda de conflitos que hoje atinge a regio do Kosovo. No existe
uma preocupao maior, em abordar os atuais aconteci-mentos, mas ressaltar as suas provveis
causas determinantes.
Aps a guerra civil que teve incio em 1991, e que culminou com a dissoluo da exRepblica Federativa Socialista da Iugoslvia, o povo srvio passou a receber um tratamento
injusto e discriminatrio por parte da comunidade internacional, apoiada por forte ao da
mdia. Os srvios foram apontados como se fossem os nicos responsveis pela deflagrao
do conflito, bem como pelos crimes cometidos durante esse triste episdio. Cabe mencionar
que todas as partes envolvidas cometeram seus excessos. Torna-se extremamente difcil em
uma guerra civil o total controle das foras envolvidas, situao que, muitas vezes, tambm
ocorre nas guerras convencionais. So de recente lembrana as atrocidades cometidas contra
as populaes civis por foras regulares dos exrcitos alemes e russos, que chegaram a
eliminar aldeias inteiras durante a Segunda Guerra Mundial. Um dos exemplos mais
expressivos foi a cidade de Knigsberg, capital da antiga Prssia Oriental, que aps haver
sido conquistada pelos russos, mudou de nome, passando a chamar-se Kaliningrad, em
homenagem ao lder comunista Mikhail Kalinin. Cerca de 139.000 alemes que residiam na
rea foram mortos, deportados para a Sibria ou para outras regies da URSS. A cidade foi
repovoada por cerca de 400.000 russos.
No obstante, esses episdios parecem haver sido apagados da memria dos que hoje criticam
o comportamento dos srvios. Entretanto, pouco se divulga sobre o nmero de vilas srvias que
simplesmente desapareceram do mapa durante a Segunda Guerra Mundial. Outro exemplo recente,
foi o xodo forado de milhares de srvios que tiveram de abandonar, em dias, vrias regies da
Crocia e Bsnia-Herzegovina, aps o trmino da guerra civil (1991-1995), sob risco de serem
expulsos, mortos, ou convertidos.
Para melhor se conhecer um pouco da histria do povo srvio no basta recorrer a rara e
tendenciosa literatura existente sobre o assunto, pois decorrente do perodo ps guerra civil
(1991). necessrio que se conhea esse povo, vivendo o seu dia-a-dia.
Os srvios so de ndole guerreira e nacionalista, no medindo esforos para manter seus
Objetivos Nacionais que poderiam ser sintetizados na manuteno de sua unidade tnica,
integridade territorial, soberania e autodeterminao. Assim, este povo vem lutando, desde o incio
de sua existncia, para a manuteno desses Objetivos. Fizeram-no contra os bizantinos, turcos
otomanos, austracos, hngaros, blgaros, alemes, italianos, albaneses e outros que lograram
realizar aventuras de conquista na regio balcnica.

O mais poderoso e significativo smbolo do sentimento de unio do povo srvio est


materializado em seu braso nacional onde ao centro da guia bicfala, esto grafadas quatro letras
C (S em cirlico) que sintetizam a frase Samo Sloga Srbina Spasava (somente a unio pode
salvar os srvios).
A par de suas caractersticas guerreiras, so leais, amigos, alegres e hospitaleiros. No
costumam aceitar ingerncia externa na resoluo de seus problemas ou pendncias internas.
Possuidores de uma vertente patritica muito acentuada, veneram seus heris nacionais e todos
aqueles que lutaram em prol da causa srvia. Procuram manter vivos seus smbolos, suas tradies
religiosas e folclricas.
Desta forma, aps uma breve e superficial descrio das caractersticas dos srvios, podemos
iniciar uma retrospectiva histrica das origens desse povo e de suas conexes com a regio do
Kosovo-Metohija.
2.

Ambientao Regio.
a)

Montanhas

Cerca de 45% do territrio da ex-Iugoslvia situa-se a, pelo menos, 500 metros acima do
nvel do mar. Enquanto os Alpes Julianos chegam at a Eslovnia, e os Alpes Balcnicos dominam
a regio da Macednia, so os Alpes Dinricos e montanhas adjacen-tes que predominam no relevo
da Srvia, Bsnia-Herzegovina e Crocia. As suas rochas de calcrio absorvem a maior parte das
chuvas, mantendo o solo seco e rido para o cultivo. Entretanto, os canais subterrneos que
acumulam as guas permitem a perenidade dos rios e sustentam as pastagens nos meses de vero.
A parte nordeste dos Alpes Dinricos que abrange parte da Bsnia e Srvia Oriental
constituda de rochas cristalinas que retm gua em sua superfcie, oferecendo maiores chances para
a agricultura, particularmente nos altiplanos e vales prximos aos rios Sava e Morava.

b)

Terras Baixas

Definidas como terras abaixo de 200 metros do nvel do mar, elas compreendem cerca de
29% do territrio da ex-Iugoslvia.
Concentram-se ao norte da Eslovnia, na regio da Crocia conhecida como Eslavnia e na
Voivodina (Srvia). So muito frteis e propcias agricultura.
c)

Hidrografia

O Danbio , sem dvida, o mais importante rio da regio balcnica. Com 2.850 Km de
extenso, ele nasce na Alemanha (Floresta Negra), cruzando a ustria, Hungria, Iugoslvia,
Bulgria e Romnia indo desaguar no Mar Negro. Possui importncia econmica para a rea, pois
a sua principal hidrovia. Durante a guerra civil (1992-1995), teve o seu trfego de embarcaes
interrompido. Atualmente, com a questo do Kosovo, seu trfego tambm est restrito.
Outro importante rio o Sava, que nasce nos Alpes Julianos e atua como divisor entre os
territrios da Crocia e Bsnia-Herzegovina. Seus principais afluentes so os rios Una, Bosna e
Vrbas que nascem nos Alpes Dinricos. O Sava desgua no Rio Danbio prximo a Belgrado.
O Rio Drina tambm nasce nos Alpes Dinricos e divide os territrios da BsniaHerzegovina e Srvia. Desgua no Rio Sava em uma regio conhecida como Srem.
O Rio Morava, formado pelo Zapadna Morava (Morava do Oeste) e Juzna Morava
(Morava do Sul), conecta o interior da Srvia ao Rio Danbio. No utilizado como hidrovia, pois
seu curso acidentado.
Finalmente, cabe mencionar o Rio Ibar, que nasce ao sul da Srvia, percorre a regio do
Kosovo-Metohija, indo desaguar no Rio Zapadna Morava.

a)

Alguns dados sobre a atual Repblica da Iugoslvia( Srvia e Montenegro).


- Populao 11.223.853 (srvios 10.543.641 montenegrinos - 680.212)
- Grupos tnicos srvios 63%, albaneses 14%, montenegrinos 6%, hngaros 4%, e
outros 13%.
- Religies ortodoxos 65%, muulmanos 19%, catlicos romanos 4%, protestantes 1% e
outros 11%.
- Fronteiras Albnia 287 km (114 km com a Srvia e 173 km com Montenegro),
Bsnia-Herzegovina 527 km (312 km com a Srvia e 215 km com Montenegro),
Bulgria 318 km com a Srvia, Crocia (241 km com a Srvia e 25 km com
Montenegro), Macednia (221 km com a Srvia) e Romnia (476 km com a Srvia).
- Recursos minerais petrleo, gs natural, antimnio, cobre, zinco, nquel, ouro, pirita,
cromo, carvo mineral e chumbo.
- Agricultura trigo, milho, girassol, beterraba, batata e frutas.

3.

Sntese Histrica

A primeira meno sobre os eslavos ocorreu no sculo I e II, como tribos oriundas das estepes
russas (regio da Sarmatia).
No ano de 395 d.C. o imperador Teodsio, tomando como referncia os rios Danbio, Sava e
Drina, dividiu o Imprio Romano. Dessa diviso resultaram significativas implicaes polticas e
religiosas na regio, pois o Imprio do Oriente passou a seguir as orientaes de Constantinopla,
enquanto o do Ocidente ficou submetido a Roma.
Entretanto, somente no sculo IV os bizantinos referiram-se a eles com o nome de sclavini.
Os srvios (palavra que seria derivada de serboi, originria de tribos Sarmatianas), so
descendentes diretos dos eslavos.
Ao final do sculo V e incio do sculo VI tribos eslavas migraram para a regio dos Balcs,
instalando-se s margens do Rio Danbio. O ramo croata estabeleceu-se na Ilria, provncia do
Imprio Romano.
Aps a chegada dos varos regio do Danbio, foi estabelecida uma aliana entre eles e os
srvios, que passaram a realizar freqentes ataques contra os bizantinos. Entre os sculos VII e IX
foram formados os estados feudais de Pannonia (atual Crocia Oriental), Dalmcia (regio situada
ao sul da Crocia), Macednia, Hum ou Zahumlje (regio da Herzegovina), Zeta (chamada
inicialmente de Duklja e atualmente Montenegro) e Raska ou Rscia (regio onde se insere a regio
do Kosovo-Metohija e que era denominada de Stari Srbija ou Antiga Srvia).
As populaes eslavas eram organizadas em bases tribais. A hierarquia dessas tribos iniciavase com a famlia. Essas famlias eram agrupadas em comunidades chamadas Zadrugas. Das
comunidades ou cls formavam-se as tribos (plemena), sendo que o territrio da tribo
denominava-se Zupa, liderado por chefe chamado Zupani.
No sculo VII, os srvios instalaram-se entre os rios Drina e Ibar. Desejosos de obter uma
sada para o Mar Adritico, e aproveitando-se da fraqueza demonstrada pelos bizantinos, passaram
a utilizar suas rotas de carga atravs das terras de Zeta. Nessa poca, um zupan chamado Stefan
Nemanja (1168-1196), fundador da dinastia Nemanjid, passou a dominar a regio de Raska e, a
despeito da reao dos bizantinos, fundou um Estado Independente em 1180, sendo a cidade de
Prizren o centro desse Estado. Rapidamente foram incorporados a Raska, o Estado de Zeta at a
parte da regio costeira entre a Baa de Kotor e Dubrovnik. Em 1196, aps o falecimento de
Nemanja, assumiu o poder seu filho Stefan, tornando-se oficialmente o primeiro rei srvio, com
autorizao papal e o reconhecimento de Constantinopla.

Estados Medievais da Crocia, Srvia e Bsnia


Este, talvez seja o mais interessante e importante mapa para o perfeito entendimento da
questo do Kosovo. Ele apresenta a regio denominada Stari Srbija (Antiga Srvia), durante a era
de Stefan Nemanja (1168-1196).
No sculo IX ocorreu a converso dos eslavos ao cristianismo. Os croatas e eslovenos foram
cristianizados por missionrios catlicos de Aquilia (atual Trieste). Os srvios, montenegrinos e
macednios foram cristianizados por missionrios ortodoxos gregos.
Um dos filhos de Nemanja, posteriormente canonizado como Santo Sava (cujas relquias
esto guardadas no monastrio de Milesevo), foi um dos articuladores da formao da Igreja
Ortodoxa Srvia (1219), que passou a observar o ritual da igreja ortodoxa e a liturgia eslava. A
cidade de Pec (situada a oeste de Prstina, no Kosovo), se transformou na sede do primeiro
episcopado ortodoxo srvio.
Em 1331 chegou ao poder o mais famoso dos reis srvios, chamado Stefan Dusan. Em suas
conquistas ele praticamente duplicou as dimenses do territrio srvio, chegando at o Sul da
Grcia. Em 1346, na cidade de Skopje (hoje capital da Macednia), Dusan foi coroado o Czar dos
Srvios e Gregos. O Czar Dusan tambm expandiu os seus domnios at a regio denominada Hum,
hoje ocupada pela Bsnia-Herzegovina.
Entretanto, em 1355, Dusan veio a falecer durante uma batalha travada contra os bizantinos.

Reino da Srvia durante o perodo do Czar Dusan(1348-1355)


Reino da Srvia durante o reino do Czar Stefan Dusan. Ele foi o responsvel pelo
significativo aumento do territrio srvio, que posteriormente seria perdido pela guerra com os
otomanos.

Na metade do Sculo XIV, vindos da sia Menor, os turcos


otomanos iniciaram a invaso dos Balcs. O marco dessa conquista
foi a clebre Batalha do Kosovo, ocorrida em 28 de junho de 1389.
A contenda ocorreu em uma localidade denominada Kosovo Polje
(campo dos pssaros negros), situada a cerca de 20 Km de Prstina
(principal cidade do Kosovo). Nessa ocasio, cerca de 25 mil
homens liderados pelo Prncipe Lazar Hrebljanovic entraram em
combate contra cerca de 40.000 otomanos liderados pelo Sulto
Murat I. No incio da batalha os srvios levaram alguma vantagem,
em razo da confuso causada pela morte do Sulto Murat.
Substituindo o seu pai, o prncipe otomano Bayazit contra-atacou,
tendo o Prncipe Lazar sido morto em combate.
A vitria dos turcos na Batalha do Kosovo quebrou a
resistncia srvia, abrindo caminho para a expanso otomana nos
Balcs. Era o fim da Srvia medieval, pois em 1459 os turcos j
haviam conquistado todo o territrio srvio.
As terras abandonadas pelos srvios em sua retirada passaram
ao domnio otomano, tendo sido iniciada a ocupao albanesa do
Kosovo.
Em 1557, o bsnio srvio Mehmed Sokoli foi escolhido pelos
turcos para ser o Gro-Vizir da regio do Kosovo-Metohija. Sokoli
restaurou o patriarcado da igreja ortodoxa srvia em Pec, indicando
seu irmo para ser o patriarca Este fato constituiu um marco para o
retorno dos srvios regio.
No perodo de 1788 a 1791 os srvios passam a ter uma
participao ativa na guerra dos austracos contra os turcos
otomanos como parte dos Frei Korps (voluntrios). Como parte
da estratgia austraca os srvios receberam, a ttulo de doao,
partes do territrio da Crocia para que eles pudessem impedir o
avano dos turcos. Esta regio passou a se denomi nar Vojna
Krajina ou fronteira militar.

Fronteira Militar do Imprio Austro-Hngaro 1780 (Vojna


Krajina)
A regio escurecida mostra a faixa de terra "doada"aosw srvios para defender o
Imprio Austro-Hngaro da invaso otomana.

As rebelies de 1804 (liderada por Djordje Petrovic


Karadjordje) e 1815 (chefiada por Milos Obrenovic) foram as
primeiras aes de vulto com o propsito de expulsar os turcos do
territrio srvio.
Em 1830, aps nova revolta chefiada por Obrenovic, os
srvios passaram a ter novamente um principado autnomo, porm
ainda submetido a uma suserania turca.
Em 1848 formada a Voivodina (ducado) srvia, que
passaria a incluir partes do Srem, Banat, Backa (ainda parte da
atual Voivodina) e Baranja (regio onde est atualmente situada na
Eslavnia Oriental Crocia). Visando a impedir novas ocupaes
por parte dos otomanos os austracos, em reforo populao
srvia al j estabelecida, povoaram essa rea com hngaros,
eslovacos, ucranianos e rutenos.
Em 1867, formado o Imprio Austro-Hngaro (monarquia
dual).
Em 1875, os srvios se sublevaram novamente contra os
turcos, mas foram derrotados. Em 1878, pelo Tratado de Berlim, as
grandes potncias reconhecem a independncia da Srvia, Romnia
e Montenegro. criado o principado da Bulgria e autorizada a
tutela da Bsnia-Herzegovina pelo Imprio Austro-Hngaro. Em
1882, a Srvia elevada categoria de reino em proveito da
dinastia dos Obrenovic.
Em 1892, nasce na vila de Kumrovec (localizada na parte
hngara do Imprio Austro-Hngaro) e, atualmente, Crocia, Josip
Broz Tito. Ele era filho de pai croata (Franjo Broz) e de me
eslovena (Marija Broz). Quando jovem, Josip trabalhou em uma
indstria metalrgica.
Em 1903, uma conspirao realizada por integrantes da
sociedade secreta denominada mos negras e liderada por
Dragutin Dimitrijevic, promoveu o assassinato do Rei Alexandre
Obrenovic colocando, assim, o fim do domnio da dinastia dos
Obrenovic. Assumiu o poder Pedro I Karadjordjevic.
Em 1905, formada uma coligao servo-croata, que rene
vrios partidos e se prope a trabalhar pela unio dos povos eslavos

do sul. Essa seria a primeira tentativa de unir os povos


eslavos dos Balcs.
Em 1908, a Bsnia-Herzegovina definitivamente anexada
ao Imprio Austro-Hngaro. A Srvia e a Rssia protestam contra
o fato mas no tm fora para intervir. O evento causa profunda
insatisfao por parte de nacionalistas srvios.
Em 1912 foi constituda a Liga Balcnica, formada pela
Srvia, Montenegro, Bulgria e Grcia. Ela teve como propsito
expulsar definitivamente os turcos otomanos da regio dos Balcs.
No perodo de 1912-1913, ocorreu a Primeira Guerra
Balcnica onde a Liga conseguiu libertar todo territrio srvio do
domnio otomano, modificando a correlao de foras na rea. A
Srvia despontou como uma potncia regional, fato que desagradou
ustria. Aps haverem retomado regio do Kosovo, os srvios
entregaram-se ao ajuste de contas com os albaneses, que haviam
apoiado os otomanos.
Em 1913, ocorreu a Segunda Guerra Balcnica, travada por
srvios e gregos contra os blgaros, devido a problemas de posse
dos territrios anteriormente conquistados durante a Primeira
Guerra Balcnica. O conflito terminou com a assinatura do Tratado
de Bucareste e a partilha da Macednia.

Srvia e Montenegro 1911-1913


Este mapa apresenta a situao da Srvia aps a Segunda
Guerra Balcnica.

Em 28 de junho de 1914, em uma ensolarada manh de domingo, o Arquiduque Francisco


Ferdinando da ustria encontrava-se em Sarajevo, para assistir a uma cerimnia come-morativa do
aniversrio da Batalha do Kosovo, quando foi assassinado por um nacionalista srvio, de nome
Gavrilo Princip. Esse fato serviu de pretexto para que os austracos iniciassem uma ao de
retaliao contra os srvios. Em 22 de julho de 1914, o Imprio Austro-hngaro, apoiado pela
Alemanha, Turquia e Bulgria, declarou guerra aos srvios. Aps alguns combates, o exrcito
srvio foi obrigado a se retirar em direo costa grega, tendo sido sistematicamente atacado por
integrantes das milcias albanesas. Esses fatos ficaram profundamente marcados na memria do
povo srvio.
Ao final da Primeira Guerra, o Rei Alexandre Karadjordjevic, sucessor de Pedro I, criou, em
01 de dezembro de 1918, o Reino dos Srvios, Croatas e Eslovenos, posteriormente denominado
Reino da Iugoslvia (1929).
Aps a Primeira Guerra, a regio do Kosovo foi repovoada, principalmente, por famlias de
soldados srvios que haviam lutado na Primeira Guerra Mundial, ocupando reas abandonadas
pelos otomanos. Em 1929, a populao de srvios e montenegrinos no Kosovo era da ordem de
61%, contra 39% de albaneses e outras etnias.
Em 1919, fundado na Iugoslvia o Partido dos Trabalhadores, que se transformaria,
posteriormente, em Partido Comunista Iugoslavo. Ainda nesse mesmo ano (10 de setembro)
assinado o Tratado de Saint Germain. Ele separa a ustria da Hungria e integra a Bsnia ao reino
da Srvia.
Em 1920, assinado o Tratado de Trianon (4 de junho). A Eslovnia e Crocia passam a
fazer parte, oficialmente, do Reino da Srvia.
Em 1934, Pedro I assassinado em Marselha por membros do movimento radical de direita
denominado Ustasha, criado pelo poltico croata Ante Pavelic, amigo pessoal de Benito
Mussolini. O filho e sucessor do Rei Alexandre, Pedro, no tinha mais de onze anos, razo pela qual
seu tio Pavle Karadjordjevic assumiu a regncia.
Em 1937, Josip Broz Tito nomeado Secretrio Geral do Partido Comunista da Iugoslvia.
Aps a ecloso da Segunda Guerra Mundial, a Iugoslvia, inicialmente, manteve uma postura
neutra. Em maro de 1941, Pavle Karadjordjevic, pressionado por Hitler, adere ao Pacto Tripartite,
desencadeando uma rebelio em Belgrado. Ele foi deposto e substitudo por Pedro II Karadjordevic.
No dia 06 de abril de 1941, sem uma declarao formal de guerra, os alemes realizaram ataques
areos de surpresa contra Belgrado e outras cidades. Aps onze dias de combate, o Exrcito
Imperial Iugoslavo capitulou perante as foras da Alemanha, Itlia, Hungria e Bulgria, tendo o seu
rei buscado exlio na Inglaterra. O pas foi ocupado e desmembrado pelas foras de ocupao. Em
10 de abril, os alemes proclamaram o Estado Independente da Crocia, que passou a ser governado
por Ante Pavelic.
Cabe ressaltar que, em 1941, s vsperas do ataque alemo Iugoslvia, a proporo entre
srvios e albaneses no Kosovo era mais ou menos equivalente. Mas a Segunda Guerra Mundial iria
provocar novos abalos na regio. Com a ocupao italiana na Albnia, o Kosovo foi integrado
Grande Albnia de Mussolini. Os italianos incentivaram a expulso dos srvios da regio. Mais
de 100 mil srvios e montenegrinos foram expulsos do Kosovo e cerca de 10 mil foram mortos. No
distrito de Pec, cerca de setenta por cento das casas srvias foram completamente arrasadas ou
queimadas. Ao mesmo tempo, 80 a 100 mil albaneses mudaram-se da Albnia para o Kosovo,
apoderando-se de propriedades srvias.
Em oposio s foras de ocupao surgiu um movimento denominado Exrcito de
Libertao Popular Partisan liderado por Josip Broz Tito, Secretrio Geral do Partido Comunista.
Em 20 de agosto de 1941, nasce na cidade de Pozarevac Slobodan Milosevic. Seu pai
Svetozar era professor de religio ortodoxa em Montenegro (suicidou-se com um tiro na cabea em

Ao final de 1941 foi formada a Primeira Brigada Proletria, contando com a participao de
cerca de 80.000 iugoslavos. Algumas regies da Bsnia-Herzegovina passaram ao controle do
movimento partisan como zonas liberadas.
Em 26 e 27 de novembro de 1942, na cidade de Bihac (Bsnia), teve lugar a Primeira Sesso
do Conselho Antifascista de Libertao Nacional da Iugoslvia (cuja abreviatura em srvio
AVNOJ). Nessa ocasio foram traadas as bases para a mobilizao do povo iugoslavo contra as
foras de ocupao e para as tcnicas que seriam utilizadas pelo movimento de resistncia.
Na primavera de 1943, o Comando Supremo Aliado enviou Iugoslvia uma misso militar
para apoiar o movimento de Tito.
Nos dias 29 e 30 de novembro de 1943, na cidade de Jasce (Bsnia), ocorreu a Segunda
Sesso do AVNOJ. Nesse evento, Tito recebeu a patente de Marechal da Iugoslvia.
Em fevereiro de 1944, os soviticos tambm enviaram uma misso militar em apoio ao
movimento de libertao iugoslavo.
Em outubro de 1944, o movimento chefiado por Tito j contava com cerca de 450.000
combatentes, sendo que no dia 20 desse ms a cidade de Belgrado foi libertada pelo Exrcito de
Libertao Nacional Iugoslavo, com apoio do Exrcito Sovitico.
Em abril de 1945, os partisans j contavam com cerca de 800.000 combatentes, e toda a
Iugoslvia havia sido libertada das foras do Eixo.
Em agosto de 1945, na cidade de Belgrado, ocorreu a terceira sesso do AVNOJ, ocasio em
que foi formada uma assemblia nacional que ficou encarregada de estudar as bases para a formao
do novo estado iugoslavo. Os membros do Exrcito de Libertao formaram o embrio do que seria
o Exrcito Federal Iugoslavo (Jugoslavenska Narodna Armija JNA).
Em 29 de novembro de 1945, aps a realizao de um plebiscito, foi proclamada a Repblica
Federativa Socialista da Iugoslvia, formada por seis repblicas: Srvia, Crocia, BsniaHerzegovina, Eslovnia, Macednia e Montenegro assim como provncias autnomas da Voivodina
e Kosovo, conforme pode ser observado no mapa.

Mapa Nmero 05

Iugoslvia no perodo 1945-1991

Em 31 de janeiro de 1946, foi promulgada a nova constituio da Iugoslvia. Ela guardava muitas
semelhanas com a constituio sovitica promulgada em 1936, durante o perodo de Stalin. Dessa forma,
o pas ingressou em uma era de comunismo rgido e ortodoxo, nos moldes do regime sovitico.
Em 1948, o Marechal Tito rompe politicamente com Stalin. O Kominform, reunido em Praga,
condena a atitude de Tito, no admitindo a abertura da Iugoslvia para o Oeste. Em uma nota dirigida ao
pas, a URSS considera a Iugoslvia como inimigo, postura tambm adotada pelos demais membros do
Pacto de Varsvia.
Em 1953 promulgada uma nova constituio, e o Marechal Tito reeleito presidente da
Repblica. Nesse mesmo ano, a percentagem de srvios no Kosovo era da ordem de 27% da populao.
Em 1961, 67.1% da populao do Kosovo era de albaneses, sendo que este percentual prosseguiu
aumentando.
Em 1963 entrou em vigor uma nova constituio (terceira desde 1946), e o pas passou a se chamar
Repblica Federativa Socialista da Iugoslvia. Essa constituio recebeu emendas em 1967, 1968, 1971e
1973, aumentando a descentralizao da Federao.
Em 1971, a populao albanesa no Kosovo era da ordem de 73,7 % da total.
Em 21 de fevereiro de 1974, foi finalmente promulgada a mais polmica das constituies
iugoslavas. Composta por 406 artigos, era complexa e confusa em razo de sua abrangncia, tendo sido
praticamente impossvel sua traduo em outro idioma. Os direitos das repblicas e provncias, mais uma
vez, foram reforados. Tito foi eleito presidente vitalcio da Iugoslvia.
Durante as reformas constitucionais, ocorridas na Iugoslvia em 1963 e 1974, o Kosovo e a
Voivodina aumentaram sua autonomia, passando a contar com administrao e polcia prprias, bem
como representantes na administrao da Federao Iugoslava. A autonomia veio, sem dvida, reforar os
direitos sociais e culturais dos albaneses e hngaros, mas ao mesmo tempo radicalizou as posies
polticas no Kosovo.
Durante o perodo de prosperidade da Iugoslvia, milhares de albaneses cruzaram a fronteira em
busca de melhores condies de vida fugindo, tambm, das rgidas regras do comunismo ortodoxo
praticado na Albnia pelo ditador Enver Hoxha.
Nas dcadas de setenta e oitenta a Albnia promoveu intensa ao de propaganda na regio com
envio de professores albaneses Universidade de Prstina, programas especiais de rdio e televiso,
intercmbio cultural e desportivo. O resultado dessas aes provocou maior acirramento entre srvios e
habitantes albaneses do Kosovo.
Em 4 de maio de 1980 Josip Broz Tito morre em Ljubliana, aps governar por trinta e cinco anos a
Iugoslvia.
Dentre os traos caractersticos mais marcantes de sua administrao, destacam-se:
uma poltica externa independente para o pas;
autonomia e respeito s diferenas culturais;
desenvolvimento econmico acelerado;
esforo na infraestrutura e no social;
controle da sociedade pelo estado; e
liderana carismtica.
4. A Desintegrao da Iugoslvia e a Questo do Kosovo.
A morte de Tito em 1980, veio agravar a tenso latente entre srvios e albaneses. Entre os anos de
1981 e 1983, ocorreram novos distrbios tnicos na regio do Kosovo, que teriam se constitudo no
primeiro sinal da crise que j minava os alicerces da ex-Iugoslvia. Em maro de 1981, milhares de

de estudantes albaneses ocuparam as ruas de Prstina, em protesto contra melhores


alojamentos e a nomeao de um reitor srvio. A manifestao no tardou a degenerar em
escaramuas e depois numa verdadeira batalha entre srvios e albaneses. Os confrontos logo se
estenderam por toda a regio. Milhares de srvios e montenegrinos fugiram do Kosovo. Foram
registrados assassinatos, violaes, ataques s propriedades srvias e profanao de templos e
cemitrios ortodoxos. Essas notcias, rapidamente disseminadas em Belgrado, geraram uma reao
de repdio aos albaneses.
Em 1982, foi criado na Sua um grupo denominado Movimento Popular do Kosovo,
congregando marxistas-leninistas albaneses, e que tinham o propsito de lutar pela independncia
daquela regio.
Em 1987, Slobodan milosevic se torna presidente da Srvia. Logo aps a sua posse, faz uma
visita ao Kosovo. Nessa ocasio realiza um discurso poltico de fundo nacionalista, exaltando a
presena srvia na regio. Em 1989, durante os eventos comemorativos dos seiscentos anos da
Batalha do Kosovo, novas manifestaes nacionalistas srvias tornam a ocorrer.
Em Trepca, junto cidade de Kosovska Mitrovica, no extremo norte do Kosovo, est
instalado o maior centro mineiro da regio e um dos mais importantes da Srvia. Em 20 de fevereiro
de 1989, cerca de 1.300 operrios albaneses da mina de carvo de Stari Trg entraram em greve,
realizando a sua ocupao. Os mineiros alegavam inicialmente falta de segurana nas galerias. Com
a continuidade do movimento, as reivindicaes se transformaram em protesto poltico, o qual
exigia reformas constitucionais e mais autonomia para o Kosovo. Iniciou-se, assim, uma crise entre
as lideranas sindicais e Belgrado. Os dirigentes da mina foram detidos sob acusao de
cumplicidade com os grevistas. A agitao albanesa regressou s ruas de Prstina e novos conflitos
ocorreram, exigindo a ao enrgica de foras federais para pr fim desordem. Estava deflagrado
o processo que iria culminar com o incio dos debates na Assemblia Federal, visando a promover
uma emenda constitucional que retiraria do Kosovo o status de provncia autnoma.
Finalmente, em junho de 1990, a tenso atingiria o seu limite mximo. A Assemblia de
Belgrado aprovou a nova Constituio, retirando a autonomia do Kosovo e da Voivodina.
Na regio da Voivodina (cerca de 2.000.000 de habitantes) no ocorreram protestos, pois a
regio povoada por cerca de 1.100.000 srvios (54,4%) que constituem maioria tnica, em
oposio a 380.000 hngaros (18,9) e outras minorias (eslovacos, romenos, ucranianos e rutenos).
Entretanto, na regio do Kosovo-Metohija (cerca de 1.700.000 habitantes), cuja maioria tnica de
albaneses e, segundo pesquisas realizadas em 1991, o percentual havia chegado a 85% contra 15%
de srvios, eclodiram novos movimentos de descontentamento.
Em 1991 iniciam-se os movimentos separatistas em toda Iugoslvia. Tornam-se
independentes a Eslovnia (25 de junho), Crocia (25 de junho), Bsnia-Herzegovina (6 de abril de
1992) e Macednia. iniciada a guerra civil na ex-Iugoslvia, que s se encerraria em dezembro de
1995, aps a interveno da Organizao das Naes Unidas e da OTAN, culminando com a
assinatura do Acordo de Dayton.
Em setembro do mesmo ano, um referendum autoproclamou a Repblica do Kosovo
sendo formado um parlamento clandestino. Ibrahim Rugova declarado presidente e Bujar
Bukoshi, primeiro-ministro. O governo permaneceu no exlio na Alemanha.
Em 27 de abril de 1992 foi formada a Repblica Federativa da Iugoslvia, composta pela
Srvia e Montenegro. Slobodan Milosevic reeleito presidente da Srvia. Nesse mesmo ano
identificado, pela primeira vez, na Macednia, um grupo guerrilheiro denominado Exrcito de
Libertao do Kosovo - ELK (Ushtria Clirimtare Kosoves UCK).
Em junho de 1996, o ELK assumiu a responsabilidade por diversos atentados e aes de
sabotagem realizados contra policiais srvios na regio do Kosovo-Methoja.
No incio, as aes do ELK se limitavam a incurses partindo de bases localizadas em
territrio albans.

Com o passar do tempo, e com o apoio da populao local (fator primordial de sucesso para
qualquer movimento guerrilheiro), os militantes do ELK estabeleceram bases a oeste do Kosovo.
Seus alvos prioritrios eram os integrantes das foras policiais srvias.
Entre os meses de maio e junho de 1998 os guerrilheiros do ELK passaram a realizar aes
de maior envergadura, com o objetivo de formar a oeste da regio (eixo compreendido entre
as cidades de Pec e Djakovica) uma zona liberada. O governo iugoslavo enviou tropas
federais ao Kosovo, para reforar o efetivo j existente e dar combate ao movimento
guerrilheiro.
Mapa Nmero 06

BASES DO ELK

rea de atuao do Exrcito de Libertao do Kosovo (ELK)


Dotados de armamento moderno e de origem estrangeira e com uma linha de suprimentos
bem estruturada, os guerrilheiros do ELK iniciaram uma luta armada contra o Exrcito Federal
Iugoslavo. Os habitantes das vilas envolvidas no conflito comearam a abandonar suas casas,
fugindo para a Albnia, Macednia e Montenegro. Ao final de 1998, o ELK j mantinha o controle
de cerca de 40% do territrio do Kosovo.
Os recursos financeiros do ELK provm principalmente de:

narcotrfico; e
recursos enviados por cerca de 500.000 albaneses que vivem na Europa ou nos Estados Unidos.
Os quadros do KLA so formados por:
ex-membros do Exrcito Federal Iugoslavo, de origem albanesa;
albaneses que lutaram nos exrcitos croata e bsnio durante a guerra civil (1991-1995);
ex-membros do exrcito albans; e
mercenrios do Imen, Afeganisto, Arbia Saudita, Alemanha e Reino Unido.
Ao final de 1998, a OTAN estabeleceu conversaes com a Iugoslvia para solucionar a crise
no Kosovo. Foram realizadas vrias rodadas de negociaes em Rambouillet - Frana. Os principais
pontos do Acordo se resumiam em:
a)

governo democrtico.

Seria estabelecido um governo democrtico com o propsito de gerenciar matrias de


interesse para os habitantes do Kosovo, tais como: educao, sade e desenvolvimento econmico.
O Kosovo teria um presidente, assemblia, tribunais e um governo local;
b)

segurana.
Seria garantida por foras internacionais dos pases membros da OTAN, posicionadas no

terreno.
Os habitantes do Kosovo teriam polcia prpria, para garantir a segurana na regio. As
foras armadas da Iugoslvia, bem como suas foras policiais, deveriam deixar o Kosovo, limitando
suas aes na fronteira entre o Kosovo e a Srvia; e
c)

retorno dos refugiados.

Uma reunio internacional entre os membros da OTAN seria realizada para determinar os
mecanismos para o retorno dos refugiados e seu reassentamento na rea.
As negociaes em Rambouillet se prolongaram at maro de 1999, sem que as partes
tivessem chegado a um acordo. Os iugoslavos aceitavam o retorno dos refugiados, e at mesmo a
transformao da regio em provncia autnoma, como nos moldes anteriores. Entretanto, no
admitiam a presena de foras da OTAN em seu territrio, pois consideravam a questo do Kosovo
um problema interno do pas, e essa interveno iria ferir a soberania nacional e o direito a
autodeterminao.

Esgotados todos os esforos diplomticos, e desconsidera-das as alegaes do


governo iugoslavo, na noite de 24 de maro de 1999, sem a prvia autorizao do Conselho
de Segurana das Naes Unidas, a OTAN desencadeou a operao "Allied Force" com
ataques areos Iugoslvia. A ao militar se concentrou, inicialmente, contra alvos
militares. Posteriormente, a ao foi ampliada e os ataques passaram a ser dirigidos contra
as principais cidades da Repblica da Iugoslvia. Depois de 78 dias de bombardeio (cerca
de 37.000 ataques areos), que danificaram significativamente a infra-estrutura daquele
pas, no dia 09 de junho o governo iugoslavo finalmente cedeu s presses da OTAN,
aceitando os termos do Acordo de Paz.
No dia 12 de junho, a regio do Kosovo foi ocupada militarmente por cerca de
32.000 homens dos pases membros da Aliana, sendo exigida a retirada das foras
militares e policiais srvias, que at ento mantinham o controle da rea.

4.

C o n c lu s o

A q u e st o do K o so vo a ssu nto d e n a tu re za co m p le x a e d e d ifc il so lu o , e sp e c ia lm e n te


a g o ra q u e se o pto u po r u m a so lu o m ilita r.
A p s a d es inte g ra o do fe c ha d o re g im e c o m u n ista q u e im p e ro u na A lb n ia p o r m a is d e
q u a re n ta an o s, se u s d ir ig e nte s se vo lta ra m s a n t ig a s q u e st e s n a c io n a is, d e n tre a s q u a is se d e sta c a a
d o K o so v o . O p a s a tra ve s sa s r io s p ro b le m a s e c o n m ic o s, q u e d e ra m o rig e m a v r io s d ist rb io s
c iv is e m 1 9 9 7 . E ntre ta nto , p a ra q u e po ssa c a p ta r inv e stim e nto s e re c e b e r a p o io e x tern o , se ria
n e c e ss r io q u e a A lb n ia a p rese nta ss e a lg u m a re cu p e ra o e m se u c o m b a lid o s iste m a e co n m ic o .
U m a d a s sa d a s se r ia a a ne x a o do K o so v o , po is a re g i o p a rtic u la r m e n te ric a e m m in r io s,
e sp e c ia lm e nte c a rv o , e xtre m a m e nte n e c e s s r io p ara g e ra o d e e n e rg ia e l tr ic a .
P o r o utro la d o , p a ra o s s rv io s a m a nu te n o d a re g i o do K o so vo u m d ire ito h ist rico
irre n u n c i v e l, p o is o se u n c le o g e o h ist rico e o b e r o d e su a c u ltu ra . A lb e rg a o s m o ste iro s
o rto d o x o s m a is v e ne r ve is e fo i c e n r io d a fa m o sa b a ta lh a e m q u e o sa n to p rn c ip e L a z a r p e rd e u a
v id a , e a na o s rv ia c in co s c u lo s d e in d e p e n d n c ia .
O s s rv io s, q u e ta m b m s o co n h e c e d o re s d o p o ten c ia l d a re g i o e d e su a im p o rt n c ia
e strat g ic a, n o a c e ita ra m ta c ita m e nte , o s te rm o s in ic ia is d o A c o rd o d e R a m b o u ille t, e x ig in d o q u e a
O T A N o p ta sse p e la so lu o m ilita r.
C o n tra ria m e nte a o e sp e ra d o , o s s rv io s v islu m b ra ra m e sse s a ta q u e s a re o s d a O T A N c o m o
u m s in a l v e rd e p a ra q u e p u d e sse m re a liz a r o q u e h m u ito te m p o e sp e ra va m : to m a r p o sse
d e fin it iv a m e nte do K o so vo , exp u lsa n d o to d a p o p u la o a lb a n e sa q u e h a v ia s e e sta b e le c id o n a
re g i o n o s lt im o s a no s, d e fo rm a c la n d e st in a , e c o m u m a c e rta c o nd e sc e n d n c ia d a s a u to rid a d e s
s rv ia s.
M e re c e a te n o e d e sta q u e o apo io e x te rn o (re c u rso s d e p e sso a l, m a te ria l e fin a n c e iro s), q u e
fo i d a d o ao g ru po g u errilh e iro d e o rie n ta o a lb a n e sa q u e se d e n o m in a E x rc ito d e L ib erta o d o
K o so v o , cu ja s a e s fo ra m c o ns id e ra d a s c o m o d e fla g ra d o ra s d a in sta b ilid a d e n a re a , fa to r
re sp o n s v e l p e lo in c io d a c r ise .
A re ta lia o m ilita r so fr id a p e lo s s r v io s, a ba lo u p ro fu n d a m e n te a e c o n o m ia e o atu a l g o v e rn o
iu g o s la v o . M a n ife sta e s d e in sa t is fa o j e sto o co rre nd o e m v r ia s c id a d e s d a F e d e ra o ,
in d ic a n d o q u e s ig n ific a t iva s e p ro fu nd a s tra ns fo r m a e s p o lt ic a s ir o o c o rre r e m fu tu ro p r x im o ,
fru to d a q u e sto do K o so vo .
(* ) C a p it o -d e -F ra g a ta (T )
O b se rv a d o r M ilita r in te g ra n te d a F o r a d e P ro te o d a e x -Iu g o sl v ia (U N P R O F O R )
(1 9 9 3 -1 9 9 4 )
A d ju n to d a D iv is o d e Info rm a e s

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VILLANUEVA, Javier. Puentes rotos sobre el Drina. Donostia: Tercera Prensa, 1994.

A NOVA ESTRATGIA DA OTAN


Carlos Meira Mattos(*)
Criada em 1949, quando os pases do Ocidente temiam uma agresso da antiga Unio Sovitica, a
OTAN (Organizao do Tratado do Atlntico Norte), incluiu entre seus fundadores 12 Estados, sendo
10 europeus (Frana, Inglaterra, Itlia, Blgica, Dinamarca, Holanda, Portugal, Noruega, Islndia e
Luxemburgo) e 2 americanos (Estados Unidos e Canad). Posteriormente entraram para a OTAN, em
1952 Grcia e Turquia, em 1955 a Repblica Federal Alem, em 1982 a Espanha. Mais recentemente,
em 1997, foram admitidos, a Polnia, Hungria, Repblica Tcheca e Ucrnia, todos quatro ex-membros do Pacto de Varsrvia dissolvido depois da desagregao da Unio Sovitica.
Aps 40 anos de existncia, a OTAN, aliana militar defensiva de proteo das democracias
ocidentais do Hemisfrio Norte, viu-se desestabilizada, a partir de 1989, pelo desaparecimento de sua
misso defensiva, em virtude da dissoluo de seu adversrio o Pacto de Varsrvia liderado por Moscou.
Interesses vrios das grandes potncias, membros da OTAN, aconselharam a manuteno da aliana militar. Para isto, em 1991, reuniram-se em Roma a fim de encontrar uma nova misso que justificasse a sua existncia futura. Desta reunio saiu a reformulao de sai estratgia, ainda defensiva,
visando a conter as novas ameaas visualizadas pela Aliana, quais sejam, uma possvel revitalizao
da ameaa de Moscou, a existncia de um arsenal atmico em poder da Rssia e de alguns ex-membros do antigo Pacto de Varsrvia, o terrorismo internacional e o perigo de alastramento de conflitos
tnicos e regionais. Por volta de 1992 comeou-se a perceber a inteno dos grandes da OTAN em
buscarem uma nova estratgia para a Aliana Atlntica, no mais defensiva. Os sinais destas intenes
foram captados pelo geopoltico e estrategista francs, Ives Lacoste, que no seu Dictionnaire de
Geopolitique editado em 1993, escreveu: a OTAN almeja ser um pacto dos pases desenvolvidos do
Norte, face aos pases em via de desenvolvimento do Sul, alargando seu campo geogrfico inicial de
interveno e vindo a receber, cada vez mais, as misses da ONU para atuaes humanitrias e
intervencionistas fora do teatro de operaes da Europa Ocidental.
Em abril deste ano, com uma grande comemorao de seus 50 anos de existncia, a OTAN reuniu
a sua cpula em Nova York. Na vspera desta reunio, numa conferncia pronunciada em Chicago,
intitulada Doutrina para a Comunidade Internacional, o Primeiro Ministro Ingls, Tony Blair, adiantou a sua proposta de nova estratgia para a Aliana.
Disse o Primeiro Ministro Tony Blair:
O problema mais premente da poltica externa que enfrentamos (a OTAN enfrenta) identificar as circunstn-cias nas quais devemos envolver-nos ativamente nos conflitos de outros povos. Os atos de genocdio nunca devem ser assuntos puramente internos. O princpio de no
interveno precisa ser revisto em importantes aspectos.
Em outros trechos de sua Doutrina para a Comunidade Internacional, o chefe do governo
britnico generaliza os crimes contra os direitos humanos, entre os que no devem ser considerados
assuntos internos, assim como manifesta a pretenso da OTAN de vir a ser considerada o brao militar
da ONU, ampliando, assim, sua rea geogrfica de atuao. Como vemos, na sua doutrina para a
OTAN, o Primeiro Ministro formaliza as intenes j reveladas em 1993 pelo internacionalista fran-

cs Ives Lacoste.
A maioria dos analistas internacionais da imprensa europia e norte-americana qualificou a doutrina proclamada por um dos seus principais lderes como, Nova Estratgia Intervencionista da OTAN.
Vale assinalar que a OTAN, antecipadamente, antes da apreciao dessa estratgia intervencionista
pela Comunidade Internacional e antes mesmo de sua formalizao por sua prpria cpula reunida em
Nova York em abril ltimo, j a havia aplicado na Iugoslvia.
O que nos parece mais grave, na guerra movida contra um Estado soberano, a Iugoslvia, a
arrogncia com que foi perpetrada, dispensando sua aprovao pelo Conselho de Segurana da ONU.
Bem ou mal, a nica organizao que legitimamente, luz dos preceitos do Direito Internacional
vigente, poderia aplicar uma sano militar contra a Iugoslvia, a ONU, atravs de seu Conselho de
Segurana.
No h dvida que a purificao tnica dos albaneses, movida pelo governo srvio de Milosevic,
merece uma severa condenao. A interveno militar na Iugoslvia, todavia, no foi uma deciso da
Comunidade Internacional (que no se pode admitir com excluso da ONU). Foi uma deciso arbitrria, arrogante, das potncias da OTAN, contra a soberania de um Estado Nacional. Para se punir um
governo est se massacrando cruelmente um povo e seu territrio.
contra este ponto, da interveno militar arbitrria, que ns brasileiros, devemos nos prevenir;
ns e todos os pases emergentes. A harmonia e a paz internacionais dependem muito da prevalncia,
no mundo, do respeito aos princpios de soberania, autodeterminao dos povos e no interveno nos
assuntos internos dos Estados. O artigo 4o de nossa Constituio incorpora estes princpios na poltica
internacional do Brasil. Cabe nossa diplomacia zelar para que no sejam violados.
No podemos aceitar a legitimao jurdica do direito de interveno contido na sugerida Nova
Doutrina da OTAN. A sano contra os crimes de violao dos direitos humanos, ou contra a
deteriorizao do meio ambiente, no pode ficar ao arbtrio de um grupo de potncias que, inclusive,
se artoga ao direito de qualificar quando tais violaes ocorrem. Somos membros fundadores da ONU
e compromissados com seus princpios e seus mecanismos de atuao internacional e no podemos
concordar com sua ultrapassagem na soluo de crises e conflitos.
A Nova Estratgia Intervencionista pretendida pela OTAN, a nosso ver, contrria ao interesse nacional do Brasil.

(*) General do Exrcito Reformado e Conselheiro da ESG

CHINA X EEUU: BIPOLARIDADE DO


SCULO XXI?
Manuel Cambeses Jnior(*)
Em sua edio de 3 a 9 de janeiro de 1998, a revista The Economist publica instigante artigo: O
Prximo Balano do Poder. Nele estabelece-se uma projeo, para o prazo de trinta anos, do poder
potencial dos principais pases e regies do planeta. A concluso clara e permite dizer: somente a
China ter condies de equiparar-se aos Estados Unidos no papel de superpotncia.
Recorrendo aos elementos clssicos determinantes das bases de poder estatal, The Economist
elabora uma pontuao comparativa projetada para o tempo de trs dcadas. Neste estudo, os Estados
Unidos atingem uma classificao de 14 pontos, enquanto a China se situa no patamar de 13, bem
distante dos demais competidores. Mesmo a Rssia, apesar de seu armamento nuclear, somente conseguiu obter 8 pontos nesta avaliao. Ainda de acordo com aquela revista, a China apresenta uma
capacidade intrnseca de valores que no se v presentes em outros pases, ou seja: um concentrado
sentido nacionalista, um sentimento de revanchismo histrico fruto das humilhaes acumuladas ao
longo de muitos anos e, pujana econmica. Estas caractersticas lhe conferem o perfil de superpotncia.
O que The Economist no analisa ou se detm, a orientao que definir a relao entre as
duas monoplicas superpotncias. As grandes perguntas se restringiriam: qual ser o elemento fundamental de rivalidade entre a China e os Estados Unidos? Poder esta rivalidade levar a um enfrentamento
blico?
Parece pouco provvel que o fator ideolgico esteja com capacidade para converter-se no ncleo
desse enfrentamento. A diferena da confrontao existencial que se deu durante a Guerra Fria, com a
existncia de dois sistemas de valores irreconciliveis, sem retirar o aspecto competitivo, parece no
ser a tnica dos tempos futuros. Os chineses esto adentrando fortemente na rota do capitalismo e do
livre mercado e, concomitantemente, procuram enfatizar o pragmatismo ancestral advindo de Confcio,
triunfo de uma lgica unificadora.
Tampouco as aspiraes chinesas sobre Taiwan e a subseqente tutela norteamericana sobre este
pas, insinuam-se como gerador potencial de uma crise. O mesmo pragmatismo chins, unido crescente aproximao de seus modelos econmicos, seguramente conduzir a um acordo negociado e
pacfico entre Pequim e Taipei. O exemplo da fuso de Hong Kong China evidencia um bom indcio
neste sentido.
O salto para um futuro enfrentamento poderia vir pelo questionamento das tenses e rivalidades

comerciais. Isso, ampliado pelos componentes de nacionalismo e revanchismo histrico presentes,


poderia transformar-se na fonte de provveis conflitos. Stephen S. Cohen, reconhecido catedrtico da
Universidade de Berkeley, direciona muita luz sobre o assunto em interessante artigo publicado na
edio de janeiro de 1998 do Le Monde Diplomatique. Segundo ele, a histria sempre agitada nas
relaes comerciais entre Washington e Tquio est a ponto de reproduzir-se entre Washington e
Pequim. A China, igualmente aos tigres asiticos, copiou o modelo japons, assentando o seu crescimento econmico coerente com a formulao de tcnicas na base da exportaes macias.
De acordo com o que nos assinala Cohen, a China est caminhando para tornar-se um poderoso
Japo comercial, concomitantemente a uma potncia militar de primeiro nvel. Com respeito s suas
palavras, torna-se extremamente difcil que a China possa integrar-se de maneira duradoura ao sistema comercial internacional, obedecendo a um sistema de exportaes macias. As tenses decorrentes ficariam difceis de administrar. Hoje em dia o crescimento vertiginoso das exportaes chinesas
(some-se Hong Kong e Taiwan) tem conduzido a um supervit comercial com os Estados Unidos.
Entretanto, a China de hoje espelha um plido reflexo do que este pas tem em capacidade de converter-se, num prazo de trs dcadas, em termos de consagrao no cenrio internacional.
As aspiraes do lder chins Jiang Zemin visam a manter uma taxa mdia de crescimento
econmico anual na ordem de 6.5%, nos prximos 25 anos. Isso colocaria a nao numa posio de
superpotncia industrial e com um PIB na ordem de cinco trilhes de dlares.
A revista Business Week, edio sobre a China setembro de 1997 chama a ateno do leitor
com a seguinte afirmativa: a China j um monstro exportador de bens de baixo valor agregado. Se
conseguir curar os males de seu sistema econmico estatal e tornar eficiente o seu sistema financeiro,
poder emergir como rival do Japo e de seus vizinhos tigres asiticos em indstrias que vo desde a
produo de ao at maquinaria pesada.
Poder a competio comercial entre Estados Unidos e China conduzir a um enfrentamento
armado?. H alguns anos foi publicado um livro intitulado A Prxima Guerra com o Japo, de
George Friedman. Chegou a ser considerada a obra mais vendida no Japo, alcanando, igualmente,
o mesmo sucesso comercial de vendas nos Estados Unidos. A tese defendida pelo autor simples: o
Japo, como grande importador de matrias-primas no pode deixar que a seiva que alimenta a sua
economia dependa, primordialmente, de outra nao. Acresce de importncia o fato quando essa outra
nao, os EEUU, tem interesses diemetralmente opostos aos seus. Isto obrigaria o Japo a buscar
garantir suas prprias rotas martimas, nas quais, como conseqncia inevitvel, reivindicaria a importncia de uma armada capaz de garantir as suas aspiraes diante do poderio naval norteamericano.
A rivalidade pelo controle dos mares asiticos, unida s permanentes tenses comerciais, geraria
altos decibis emocio-nais, suscetveis aos estrondos blicos. Segundo Friedman, desde 1988, todos
os estudos tm demonstrado que os estadunidenses vem o Japo como seu principal antagonista,
inclusive nos tempos em que a Unio Sovitica ainda se encontrava atuante. Ao exemplificar referiram-se a uma pesquisa realizada por McGraw-Hill segundo a qual 22% dos norte-americanos viam a
Unio Sovitica como rival e 68% visualizavam o Japo como a maior ameaa aos EEUU.
Faz-se mister ressaltar que a tese de Friedman j est defasada ante a nova realidade da crise
econmica japonesa. Por outro lado, as premissas da mesma sero perfeitamente aplicveis e, com
muito mais razo, no caso das relaes Estados Unidos-China. Para 2015 a China estar importando
sete milhes de barris dirios de petrleo, elemento vital para sua sobrevivncia econmica. A necessidade de controlar as rotas martimas por onde passe essa fora energtica produzir a inevitvel
rivalidade com os EEUU que sempre definiram, no campo estratgico, o Oceano Pacfico como um
mare nostrum. Porm, diferentemente do Japo, a China j uma potncia militar de alto significado e com acesso a armamento nuclear.
A integrao de um super Japo industrial como uma potncia militar de primeira ordem, cenrio previsto por Stephen Cohen com relao China, possui todos os elementos para enfrentar um

conflito com os norte-americanos, especialmente quando o nacionalismo e o revanchismo histrico


chineses esto permeando as mentes das lideranas naquele imenso e portentoso pas.
Diante desse cenrio prospectivo poderemos vaticinar que estas sero as bases da ordem bipolar
do Sculo XXI?

(*) Coronel-Aviador R/R Adjunto da Diviso de Assuntos Internacionais (DAINT)

CICLOS HEGEMNICOS DA ATIVIDADE ECONMICA


Porque onde est o teu tesouro, a estar tambm teu corao.
Matheus, 6:21
Marcos Oliveira(*)

Uma constatao hoje evidente, a de que na longa disputa entre o capital e o trabalho pela diviso
dos frutos da atividade econmica o primeiro vem vencendo por larga margem ao segundo, e este um
resultado que pode ser atribudo diretamente s caractersticas do sistema capitalista mundial dentro
do qual vivemos mais ou menos por toda parte, mais, certamente, no Ocidente do que no Oriente.
Ainda que muitos Estados-Nao tenham sistemas poltico-econmicos que se oponham ao capi-talismo
econmico clssico e ao liberalismo poltico que lhe associado inegvel que, hoje, o mundo todo
participa de alguma forma do mercado, arena fundamental onde se digladiam vontades e culturas.
O sistema capitalista mundial atingiu, nos dias de hoje, uma situao at aqui s alcanada duas
vezes no curso de sua histria, isto , uma hegemonia indisputada de apenas um Estado-Nao.
No sculo XVII, a derrota dos interesses dos Habsburgos, em uma guerra de mais de trinta anos e
que literalmente devastou metade da Europa, foi seguida de um acordo poltico, a paz de Westphalia,
ao amparo do qual os holandeses ascenderam para uma posio hegemnica, mantida por dcadas,
hegemonia que se manifestava nos campos comercial, industrial, financeiro e militar. A partir de uma
certa segurana na atividade agrcola de base, de um desenvolvimento marcante na produtividade da
indstria da poca e de uma incontestvel supremacia militar, sobretudo martima, a Holanda foi
capaz de dar a necessria proteo ao capital e aos financistas.
O ciclo de hegemonia holands foi minado pelo crescimento dos poderes ingls, e francs. A ameaa inglesa se deu particularmente atravs de uma revoluo agrria e logo a seguir, por uma revoluo
industrial e de transportes, revolues que trouxeram um nvel de competitividade elevado ao empreendedor britnico em todos os mercados. A Inglaterra bateu a Holanda no comrcio internacional e no
comrcio colonial ao amparo de uma supremacia militar martima que ceifou milhares de vida para se
afirmar. A ameaa francesa estava baseada no s na produo agrria e industrial mas tambm no
poder militar, de natureza terrestre e derivado da escala populacional entre as duas naes vizinhas,
claramente favorvel Frana. O capital, sempre em busca de poder para garantia de sua segurana,
migra da Holanda para a Gr-Bretanha, que passa a triunfar tambm no campo financeiro.
A escalada inglesa rumo hegemonia do sistema mundial se completa aps o perodo de guerras
napolenicas, mais um perodo de guerras que abalam a Europa por cerca de trinta anos e que culmina
com o Tratado de Viena, outra tentativa, a exemplo da paz de Westphalia, de pr ordem no sistema
mundial. A hegemonia inglesa se prolonga por um sculo e se comea a declinar, no incio do sculo
XX. ameaada pelo crescimento da Alemanha e dos Estados Unidos, S se extingue definitivamente

aps a derrota da Alemanha na Grande Guerra Mundial de 1914-1945, quando a hegemonia americana inconteste e o sistema se acomoda ao amparo de tratados de paz que pretendem organizar o
sistema mundial, com a criao da ONU e a assinatura dos acordos de Bretton Woods.
Em todos os ciclos, uma vez firmada a sua liderana, a potncia hegemnica defende com afinco os
princpios do liberalismo, do livre-mercado, do laisser-faire prtica que lhe interessa em funo de
sua posio dominante mas que francamente hipcrita. O processo capitalista, na verdade, est longe
de praticar o livre curso dos fatores de produo que seus teoristas liberais advogam. Ainda mais, est
sempre prximo ao poder poltico para manipul-lo em seu proveito, fazendo com que tal poder interfira no mercado sempre que isto for de seu interesse. O interesse do capital o processo de acumulao, que sua razo bsica de existncia e ele no tem pruridos em contrariar os seus teoristas quando
se trata de garantir a sua existncia e continuidade.
Os ciclos hegemnicos esboados acima foram descritos e estudados detalhadamente por I.
Wallerstein, Braudel, Arrighi, entre outros, sendo aqui suficiente fazer deles um simples resumo. O
que se quer chamar a ateno no a existncia dos ciclos em s ou similitude de suas evolues
histricas mas sim, marcar suas diferenas, sobretudo no que tange ao confronto social no interior do
sistema capitalista que se sucede a cada ciclo, alterando a sua imagem .
O primeiro ciclo, o da hegemonia holandesa, ocorre entre Estados soberanos mas que ainda no so
Estados-Nao. O conflito distributivo no interior do sistema ainda sofre a influncia do poder real,
ungido do direito divino. para este poder que se dirigem as crticas e os reclamos, que o capitalista e
o capitalismo ainda no haviam desnudado de vez as suas faces. A caracterstica da revoluo que
emerge do conflito burguesa, classe que comea a sua ascenso rumo ao poder nos primrdios das
revolues agrria e industrial. A crtica que se faz pela misria de muitos e a riqueza de uns poucos
dirigida ainda ao Prncipe, personagem que o burgus, fazendo coro ao campons, tambm critica
pela voracidade tributria e interferncia nos negcios privados. As vozes mais poderosas desta crtica
partem de Locke, na Inglaterra, e de Rousseau, na Frana; ressoam na Amrica infante no manifesto
de independncia de Jefferson e Madison. A revoluo que se segue burguesa e as conseqncias de
sua vitria so a queda da realeza e a ascenso do cidado e a do Estado-Nao. Vitria de Pirro, do
ponto de vista social que rapidamente as foras da reao se aglutinam, destituem o cidado e passam
politicamente a dominar o Estado-Nao recm formado.
Aps a consolidao da hegemonia britnica, no h melhora visvel no panorama de distribuio
da riqueza. No h dvida que, com a preponderncia do capitalismo industrial sobre o mercantil a
quantidade de bens e servios produzidos aumentou enormemente mas a desigualdade em sua distribuio continua. Desta vez, a crtica que aparece no mais se dirige ao Principe, que j no existe. A
crtica dirigida ao sistema, ao processo capitalista de produo em si mesmo. O principal crtico
Marx, que aponta o surgimento de um novo ator e principal vtima do sistema, o proletariado. O
processo revolucionrio volta a se aquecer fomentado ainda pela falta de eqidade na distribuio da
riqueza, marca registrada do sistema capitalista que se ampara na contnua acumulao.
A crtica marxista a mais consistente que j se fez contra o processo capitalista de produo.
Igualitria, ela se expande rapidamente e ameaa a estabilidade do sistema, que reage com medidas de
carter social tendentes a diminuir as desigualdades. O Estado passa a intervir pesadamente em favor
das classes menos favorecidas e o trabalho ganha algum espao frente ao capital. Vrios e poderosos
Estados-Nao passam a organizar-se sob um novo sistema que se ope ao sistema capitalista mundial.
Em resumo, ao final de cada um dos dois primeiros ciclos hegemnicos do sistema capitalista
mundial, o holands do Sculo XVII e o britnico do Sculo XIX, assistiu-se a um movimento de
reao ao processo de acumulao capitalista e desigualdade na distribuio da renda por ele provocada,
isto , vivenciou-se um movimento amplo, fortemente disseminado em diferentes estratos sociais,
capaz de, por sua fora, ameaar a estabilidade do sistema. Na base das crticas, em ambos os momentos, a desigualdade na distribuio da riqueza.

Uma vez que a desigualdade no foi reduzida no interior do sistema, o que causa estranheza no
presente momento do terceiro ciclo hegemnico, a ausncia de foras de reao desigualdade, pelo
menos em quantidade suficiente para inquietar o centro hegemnico e ao processo em si. As outras
caractersticas dos ciclos anteriores se repetem, inclusive a forte apologia do liberalismo poltico e
econmico e das virtudes do mercado como alocador timo dos recursos produtivos pela nao
hegemnica.
Nunca, em qualquer momento da Histria, o homem foi capaz de gerar tantos bens, seja de
consumo, seja de produo. Sem nenhuma dvida, o arsenal de recursos disposio do homem atual
mais do que suficiente para atender s necessidades bsicas da sociedade como um todo e, no entanto, h misria, h fome, h desemprego lado a lado, com abundncia e consumo, nitidamente perdulrios. H uma diminuio progressiva do valor do trabalho em relao ao capital. Os salrios vm
sendo permanentemente erodidos e fala-se com despreocupao do exrcito de desempregados existentes em todos os Estados-Nao do sistema, inclusive no Estado hegemnico. Nos Estados Unidos
de hoje, uma taxa de desemprego de 4 ou 5% considerada saudvel para o sistema, na medida que
impede a busca de salrios maiores, diminuidores da taxa de lucros do capital. Sem ela, o capital teria que elevar
preos para manter as margens que garantem a contnua acumulao e isto poderia levar inflao, preocupao maior a
evitar. No prprio centro do sistema, os salrios do trabalhador vm sendo erodidos, ao longo das duas ltimas dcadas, e
as novas geraes de americanos no tm mais a garantia de um futuro econmico mais rseo que o de seus pais. Na
periferia, o panorama ainda pior. A maior cidade do Brasil amarga um desemprego recorde, mais de 20%, e, no entanto,
a reao tmida, para no dizer inexistente. Em todo o sistema, a rede de proteo ao homem foi montada no alvorecer do
Sculo XX est sendo desarticulada. O homem, o trabalhador, foi definitivamente banalizado em favor do capital.

Apesar da desigualdade e da desesperana, no h protesto sistemtico, organizado, capaz de


conduzir luta um nmero de pessoas suficiente para abalar o sistema, em aparente contraste com
etapas semelhantes dos ciclos hegemnicos anteriores, quando articulaes de massa levaram o capital a fazer concesses, tmidas que fossem, em favor de uma distribuio mais justa da riqueza.
Talvez seja cedo, ainda, para tentar identificar a causa, ou causas, deste comportamento aparentemente anmalo, para esta anemia da sociedade. Movimentos histricos precisam da perspectiva do
tempo para ganhar nitidez em suas causas e efeitos e movimentos de sistemas sociais complexos
quase nunca apresentam comportamentos causais simples. Ainda assim possvel arriscar a idia de
que, no curso de sua evoluo histrica recente, o sistema tenha aprendido o valor do controle cultural
das massas como forma de controle social de suas aes. Em outras palavras, o sistema encontrou uma
maneira, atravs dos meios de comunicao a seu dispor, de despotencializar uma possvel insatisfao com a desigualdade reinante via substituio de interesses e controle e divulgao seletivo de
informaes.
No se trata aqui de uma teoria conspiratria por trs do controle dos meios de comunicao de
massa. No preciso uma conspirao para fazer com que um certo nmero de pessoas ou organizaes aja de forma similar, espontaneamente. Isto ocorrer sempre que cada uma destas pessoas ou
organizaes identificar que um certo comportamento favorvel aos seus interesses. Mesmo sem um
acordo ou compromisso formal, elas tendero a se comportar da mesma maneira sempre que estejam
convictas de que tal comportamento favorvel ao alcance de seus objetivos.
O fato que, contrariamente ao que se pensou at um certo tempo atrs, o negcio de comunicaes altamente lucrativo desde que esteja estruturalmente ligado ao sistema de mercado. Hoje, a
indstria da comunicao- jornais, livros, revistas, rdio, cinema, TV, TV a cabo - segue ao p da letra
a lgica do processo capitalista. altamente lucrativa. Comunicao um ramo de negcio que no
tem qualquer carter filantrpico ou social, est apenas em procura do lucro, dentro das regras do
processo de acumulao. Ela aufere seus lucros no apenas da venda dos produtos mas, especialmente, de seus anunciantes, partes, como ela, do grande sistema. No de se estranhar que seus produtos
tendam a defender o sistema em funo do qual vivem e prosperam.
Ao final dos ciclos hegemnicos anteriores, a capacidade de difuso de idias era bastante limitada. No havia o fenmeno da comunicao de massas, jornais e livros tinham tiragens reduzidas, os

outros meios no existiam ou estavam apenas engatinhando. Isto colocava em p de igualdade as


diferentes foras sociais em jogo. Marat ou Camille Desmoulins poderiam, no plano das idias, exercer a mesma influncia que Lus XVI, pois a capacidade de comunicao de qualquer um deles no era
muito diferente dos demais. Mesmo no primeiro quartel deste sculo, na fase ascendente do ciclo de
hegemonia americana, pequenos jornais de cidades do interior dos EUA eram capazes de exercer
tanta influncia em seus leitores locais quanto os dirios de cidades de maior expresso, at mesmo da
capital. Alm disto, a mensagem impressa, duradoura, capaz de ser lida e relida, era mais sujeita
anlise crtica do leitor.
O aparecimento do rdio e o aumento da capacidade de impresso, com jornais dirios atingindo
aos milhes de exemplares, deu lugar ao aparecimento de um fenmeno social que est no epicentro
do sistema de comunicao atual: a propaganda.
A propaganda est baseada na idia de que a repetio contnua e a nfase no que est sendo
repetido criam uma sensao de prioridade na mente da populao, inclusive naquela parte da populao que faz parte do governo. A propaganda pode orientar os hbitos de consumo da populao,
dirigindo-os para os produtos de interesse da indstria e pode conformar as idias dos integrantes dos
governos dando a eles um senso de importncia e prioridade entre assuntos diversos. Isto extremamente conveniente pois, no mundo dos negcios, no interessa aos lderes das corporaes fazer parte
do governo, mas influenciar o governo em suas aes. Com os meios de comunicao de massa
distncia, pode-se influenciar milhes de pessoas simultaneamente. Com o rdio e a televiso, um
novo tipo de interao se estabelece entre o emissor e o receptor da mensagem. A imagem tem um
impacto maior que a palavra escrita, a velocidade da transmisso de informaes muito maior e o
conjunto se torna quase acrtico em relao ao recebedor: ele ouve e v repetidas vezes, no h o qu
pensar, no h porqu duvidar. O processo se repete at a exausto, at a absoro mecnica e o
condicionamento inconsciente do comportamento.
Propaganda uma palavra antiptica e foi banida do linguajar dos meios de comunicao devido
sua vinculao aos processos de formao de opinio na Alemanha da era nazista. Entretanto, o que
se faz hoje no mundo da comunicao propaganda em sua melhor expresso, apenas muito mais
sofisticada.
Os meios de comunicao, ou pelo menos o comando dos meios de comunicao, experimentaram um forte processo de aglutinao. Hoje, pouco mais de uma dezena de grupos empresariais dominam a maior parte da comunicao que circula no mundo. So enormes conglomerados que possuem
jornais, revistas, editoras, distribuidoras de filmes para cinema e TV, vdeos, discos, redes de
rdiodifuso, sinais de TV e at canais de satlites. Na busca do lucro seus interesses extravasam a
rea da informao, abrangem o entretenimento e criam fortes laos com outros ramos industriais. Um
desenho animado de sucesso gera menos lucros que os demais produtos derivados de seus personagens, bonecas, parques temticos, revistas em quadrinhos, livros infantis, vdeos, roupas para crianas, bales de encher, msicas e enfeites para festas e muito mais. Uma parafernlia extremamente
lucrativa que liga a indstria da comunicao a outros ramos industriais e vincula definitivamente a
comunicao ao mercado. No de se estranhar, portanto, que os meios de comunicao mantenham
um vis favorvel ao sistema mundial capitalista e ao processo de acumulao de capital.
Os enormes lucros da indstria de comunicao no provm da venda de jornais, revistas ou
difuso de programas de rdio ou TV. Eles esto vinculados venda de anncios, do espao publicitrio, parte hoje essencial de qualquer veculo de comunicao. Nenhum dos grandes jornais de hoje
sobreviveria sem o anunciante e a influncia do patrocinador no rdio e na televiso notria. Coberturas jornalsticas de eventos pela televiso s so programadas aps o fechamento do pacote de propaganda, cujo pagamento garantir os lucros.
Embora os jornalistas, em geral, proclamem a sua independncia de opinio em relao direo do veculo para o qual trabalham, o sistema tem meios para selecionar o material a ser divulgado,
o espao reservado para ele, a amplitude e constncia da cobertura a ser dada etc. Nenhuma grande

cadeia deixa de dar uma notcia importante, mesmo que ela seja contrria a seus interesses. Apenas d
a ela um tratamento adequado, minimizando seus efeitos na opinio pblica. Ao contrrio, idias de
seu interesse, como a globalizao, por exemplo, por mais discutveis que sejam, ganham um espao
de divulgao enorme, firmando na mente da populao a crena de que a mesma inexorvel e, alm
disto, benfica.
possvel que o prosseguimento do ciclo histrico que vivemos nos reserve ainda um movimento de luta pela recuperao da dignidade do homem e por uma distribuio mais equnime dos
frutos do seu trabalho, mas, para que isto ocorra, essencial que algo de realmente revolucionrio
ocorra com os meios de comunicao, cortando o n que hoje o amarra aos interesses do mercado e do
sistema.

(*)
Conferencista
da
Ex-Membro do Corpo Permanente

Escola

Superior

de

Guerra

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
Bagdikian, Ben H. O Monoplio da Mdia Scritta Editorial, S.Paulo, 1993.
McChesney, Robert W. Capitalism and the Information Age Monthly Review Press, New York,1998.
Wallerstein. I. The Politics of World Economy Cambridge University Press, Cambridge, 1991.

BRASIL: ETERNO PAS DO FUTURO


Carlos Syllus(*)
Introduo
Todos ns ouvimos de nossos pais que o Brasil estava fadado a ser um grande pas, no futuro. A
nossa gerao chegou a acreditar que enfim iria se cumprir o nosso destino, em face de um desenvolvimento continuado, por vrios anos, que o pas experimentava.
Com efeito, embora poucos saibam, no sculo XX, at os anos 70, o Brasil foi o pas que mais se
desenvolveu, no mundo. Da termos chegado, hoje, condio de nona economia mundial.
Este desenvolvimento, entretanto, no foi obra do acaso, mas resultou de um projeto concebido
por brasileiros ilustres, verdadeiros estadistas, e que foi concretizado pelo esforo, e mesmo sacrifcio,
de todos os brasileiros.
As realizaes mais notveis iniciaram-se com Getlio Vargas, que concebeu, deliberadamente,
um projeto nacional ambicioso e criou toda uma infra-estrutura para lev-lo a bom termo, no sentido
de forjar uma grande Nao. Este projeto teve continuidade com Juscelino Kubischek e foi retomado,
com grande nfase, persistncia e xito, pelos governos militares.
O caminho para a prosperidade e o futuro foi, entretanto, interrompido na dcada de 80, que
passou a ser conhecida, por esta razo, como a dcada perdida. E para desespero de todos ns, estamos
para concluir a dcada de 90, com resultados ainda piores do que aqueles alcanados na dcada perdida.
O Brasil passou a ser referido nos centros econmicos internacionais, ironicamente, como o
eterno pas do futuro.
O perodo de estagnao que experimentamos, j por duas dcadas, se superpe a um quadro de
grandes transformaes por que passa o mundo. Transformaes que resultam de foras motrizes
poderosas como sejam: (1) o fim do comunismo e o surgimento de um mundo, economicamente
multipolar, com uma nica potncia, politicamente dominante; (2) os avanos espetaculares da cincia
e da tecnologia; (3) a globalizao; (4) e a superpopulao.
Estamos, portanto, em face de um duplo desafio que esto profundamente inter-relacionados: a
retomada do desenvolvimento e a insero em uma nova ordem econmica mundial.
As duas questes so interdependentes. A insero virtuosa na economia mundial no possvel
sem a reorganizao interna e esta deve ser realizada luz de uma nova realidade mundial.

Os esforos de reorganizao social e econmica, em nosso Pas, tem se mostrado insuficientes,


em face das resistncias polticas e corporativas e da falta de um projeto nacional que tenha empolgado a sociedade.
De outro lado, as tentativas que esto sendo realizadas, no sentido de inserir o Pas na nova
realidade mundial, resultante das transformaes acima mencionadas, tem sido concretizadas de uma
forma improvisada e pouco competente, sem que se disponha, como j se disse, de um projeto nacional, que lhes d rumo, coerncia e eficcia.
Como resultado de duas dcadas de estagnao e do insucesso na tentativa de insero na nova
realidade mundial, pode-se observar um processo crescente de deteriorao scio-econmica do Pas,
que est ameaando seriamente o nosso futuro.
Muitos acreditam que o Pas vive um momento crucial de sua histria, no qual est sendo decidido o nosso destino. No entender destes analistas, vivemos um momento em que ou resolvemos os
nossos problemas e as nossas contradies e retomamos, como conseqncia, o caminho para nos
tornarmos uma nao desenvolvida ou estaremos condenados a ingressar no rol das naes em crescente decadncia em suas condies scio-econmicas.
A soluo de nossos problemas no uma questo trivial e que possa se resolver espontaneamente, ao sabor das foras econmicas. Estamos em face de uma realidade que ameaa a estabilidade
e o futuro da Nao. A situao exige um grande esforo concentrado e que persista por vrios anos,
orientado por um projeto nacional, que conte com o consenso de toda a sociedade. necessria a
conjugao de todas as foras vivas da nao, o que s poder ser alcanado se houver uma conscincia, por parte das elites dirigentes, da gravidade do momento em que vivemos.
A conscientizao de que estamos falando uma tarefa absolutamente necessria e de responsabilidade de todos ns e esta comunicao uma modesta e limitada contribuio neste sentido.
Naturalmente, existem aqueles que acreditam que o momento difcil por que estamos passando
reflete, apenas, as dores da evoluo e das transformaes decorrentes da nova realidade. Os que
assim pensam atribuem nossas dificuldades, atuais, a no mais do que uma fase recessiva do ciclo
econmico, que normalmente caracteriza o desenvolvimento dos povos, e que retornaremos, no devido tempo, a fase ascendente do ciclo.
Sim, certo que voltaremos a nos desenvolver, em algum momento. Mas a questo a natureza
deste desenvolvimento. Na interpretao acima, retornaremos ao desenvolvimento, porem segundo o
mesmo paradigma atual de concentrao de renda e de excluso social, isto , consubstanciado na
existncia de dois Brasis, tambm chamado de Belndia. Entretanto, quando falamos em um ponto
crtico quanto ao nosso futuro, estamos nos referindo mudana de paradigma que se faz necessria e
ao redirecionamento de nosso desenvolvimento, no sentido de uma nao mais justa, moderna, desenvolvida e integrada comunidade internacional.
Neste contexto, voltamos a afirmar que temos dois grandes desafios, interrelacionados, a enfrentar: a insero na economia mundial e a reestruturao scio-econmica que se faz necessria no
pas. A seguir, procuraremos abordar estas questes, de uma forma muito breve.
A Inserso na Economia Mundial
O mundo passa por grandes transformaes, em decorrncia de foras motrizes poderosas como
sejam : o fim do comunismo, o surgimento de um mundo economicamente multipolar com uma potncia politicamente dominante, a revoluo ps-industrial e a superpopulao.
Os desenvolvimentos da cincia e da tecnologia aparecem neste quadro, como os elementos
dinamizadores destas foras motrizes.
Todos os pases esto se orientando no sentido de se inserir nesta nova realidade, da maneira que
lhes seja mais vantajosa.

Manter-se alienado deste processo significa isolar-se do resto do mundo e ingressar no caminho
da estagnao poltica, social e econmica. Mesmo a China comunista compreende que no possvel
ausentar-se deste processo.
Toda a dificuldade reside, entretanto, na maneira, na intensidade e na tempestividade desta insero, para que no haja, como decorrncia, conseqncias perniciosas e indesejveis.
Cada pas, em funo de sua cultura, instituies e realidade poltica, social e econmica tem seu
prprio caminho, para alcanar uma insero virtuosa nesta nova realidade.
O Brasil, lamentavelmente, no tem dado a esta questo a importncia que ela merece. Alguns
simplesmente negam a necessidade desta insero, com a alegao de que se trata de uma imposio
das grandes potncias econmicas, visando a atingir seus prprios interesses.
Outros ficam fascinados pelo que chamam genericamente de globalizao e sugerem simplesmente, que nos entreguemos a ela sem restries, com total abertura comercial, financeira e tecnolgica.
Evidentemente, a atitude correta e prudente est a meio caminho desses extremos. A insero
uma necessidade e mesmo os pases mais extremistas j conscientizaram este fato. Entretanto, esta
insero deve ser levada a termo segundo um processo planejado que, em cada caso, analise a maneira, a intensidade e a oportunidade, no tempo, da referida insero.
Comeamos mal este processo, pela abertura irresponsvel do governo Collor e o levantamento
exagerado e indiscriminado das barreiras alfandegrias nos governos seguintes.
Atualmente, h uma certa perplexidade com o surgimento de conseqncias perversas para a
economia e a sociedade, em funo dos erros cometidos.
Chegamos ao momento crucial de que falamos anteriormente. Nesta conjuntura, novos equvocos podero ter conseqncias irreversveis para o nosso futuro.

A Reestruturao Necessria
Seja qual for a interpretao que se d ao momento atual, acreditamos que todos concordam que
no mais possvel persistir na trajetria que temos percorrido nas ltimas dcadas.
A seguir apresentamos uma viso sucinta dos desafios que temos a enfrentar na reorganizao
do Pas, para que o mesmo venha a reencontrar seu destino.

1.

A concentrao de renda

De acordo com a UNESCO, o Brasil o pas que, no mundo, apresenta a maior disparidade de
renda. Dez por cento da populao se apropria de 50% da renda, enquanto os 40% mais pobres ficam
apenas com 8%.
Estamos em pior situao que o Senegal e Zimbawe.
O Salrio Mnimo o mais baixo da Amrica Latina e representa do valor aquisitivo que tinha
quando foi institudo por Getlio Vargas.
Quarenta milhes de brasileiros vivem na maior pobreza, sendo que a metade destes em pobreza
absoluta. E no h qualquer esperana vista, pois os nveis de concentrao de renda continuam a
crescer a cada ano.
So milhes de brasileiros que no tem nem mesmo onde morar e o que comer. As deficincias
proticas esto dando margem ao surgimento de um grande segmento populacional mentalmente deficiente.
O resultado de tudo isto a pobreza, a marginalidade, a favelizao e a criminalidade.
Este o desafio gigantesco que temos pela frente, em que um tero dos brasileiros se assemelham cada vez mais s populaes mais pobres dos Estados africanos.

Somos um dos pases mais desumanos do mundo.

2. O Crescimento Demogrfico
As taxas de natalidade no Pas ainda so muito elevadas. A sua repercusso no crescimento
demogrfico no mais sensvel, em face da mortalidade infantil, que no momento se aproxima das
mais altas do mundo.
Para agravar a situao, estas taxas de natalidade so extremamente altas, justamente nos setores
economicamente menos favorecidos e entre a populao de mais baixa renda.
A taxa de natalidade entre meninas de 10 a 14 anos, mes solteiras, dobrou nos ltimos dez anos,
aumentando o contingente de famlicos e desempregados.
Este o desafio com que nos deparamos atualmente e qualquer ao no sentido de reduo da
natalidade pela promoo da paternidade responsvel, encontra resistncia na Igreja e nos setores mais
conservadores da sociedade com ressonncia nos interesses polticos subalternos.
A cada ano nascem 3 milhes de brasileiros. Numa avaliao conservadora, necessrio em
mdia, R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) em termos de alojamento, alimentao, educao, sade
etc para levar cada um desses brasileiros idade e ao nvel de qualificao para se integrarem ao
sistema produtivo (nos EUA US$ 250.000,00 per capita). Sendo assim, precisamos reservar 600
bilhes de reais, anualmente, para atender ao crescimento populacional e integrao econmica do
mesmo. Qualquer um pode concluir que isto impossvel e o resultado um s, pessoas sem teto, sem
alimento, sem educao, sem contribuio ao sistema produtivo e, por outro lado, grande participao
na marginalidade e no crime.
Este o desafio que temos que vencer antes que irremediavelmente ingressemos no quarto
mundo das naes irrecuperveis.

3. A Questo Educacional
Vivemos o incio da revoluo da informao e do conhecimento.
Revoluo que, calcada no desenvolvimento da cincia e tecnologia, deu surgimento a grandes
modificaes na produo e comercializao de bens e servios, com profundas transformaes scioeconmicas.
Presenciamos a transformao da indstria, a reformulao do emprego, o colapso da seguridade
social e mudanas significativas no comportamento humano. Estas transformaes ocorrem, simultaneamente, com o surgimento de um mundo multipolar, em termos econmicos, num quadro de
globalizao, financeira e comercial.
Se todas estas modificaes se concretizaram com base na informao e no conhecimento, somente a educao ser capaz de nos preparar para enfrentar esta nova realidade, pois a educao a
base daqueles conceitos.
Sem a educao estaremos incapacitados a atender atual flexibilizao dos empregos, insero na nova economia mundial e mesmo ao usufruto dos novos produtos e procedimentos resultantes
desta nova revoluo industrial e da globalizao. Somente a educao ir proporcionar a possibilidade do controle demogrfico, da ascenso social, da diminuio da concentrao de renda e do desenvolvimento.
De tudo o que se disse, pode-se compreender facilmente o desafio que temos pela frente, em
face da precria situao da educao no pas.
Basta mencionar que 20% da populao, acima de 15 anos, analfabeta. Cerca de 50% da nossa
mo-de-obra no completou o curso primrio. Apenas 10% dos empregados possuem o curso superior. Contamos com apenas 3 engenheiros por cada 10.000 empregados, enquanto que na Coria so 32

e nos Estados Unidos 160.


De outro lado, o ensino no Brasil deixa muito a desejar em todos os nveis. Apenas recentemente
se pensa em reform-lo para adapt-lo nova realidade. O ensino profissionalizante e de nvel mdio
extremamente precrio e o de nvel superior no atende s solicitaes do mercado.
Apesar de todas as deficincias, os recursos destinados educao e cultura foram reduzidos no
perodo de 1995-98 em 20%.
Pode-se concluir, facilmente, que, a menos que haja uma modificao dramtica no quadro
acima, no temos a mais remota possibilidade de superar os desafios que se pem ao Pas, neste
momento crucial de nossa histria.

4. Infra-estrutura
A infra-estrutura o elemento essencial para o desenvolvimento do Pas. Entretanto, os setores
de transporte e de comunicaes, praticamente, no se desenvolveram nos ltimos 20 anos e o setor
energtico cresceu em nvel inferior ao que seria necessrio, s no tendo colapsado, ironicamente,
porque o Pas estagnou, nestes ltimos 20 anos.
Energia
O setor de energia eltrica est trabalhando na faixa de risco, com apenas 5% de reserva, o que
representa 1/3 do que se recomenda tecnicamente. Nos prximos anos, a necessidade de racionamento
de energia uma hiptese muito provvel. Em face da privatizao do setor eltrico, a estratgia
adotada de que cabe ao setor privado prever o crescimento do setor, com no mnimo, 6 anos de
antecedncia, que o tempo para se construir uma hidreltrica. Com base nesta previso, que o
prprio setor privado ir se propor a fazer os investimentos necessrios para que venhamos a dispor da
energia e das linhas de transmisso necessrias, tudo no devido tempo. Tratam-se de investimentos de
grande monta a serem feitos, sem retorno, por um prazo de 05 a 06 anos. Tambm a eletrificao do
campo, em geral deficitria, ficaria a cargo do setor. Diga-se, guisa de esclarecimento, que 40 milhes de brasileiros desconhecem os benefcios da energia eltrica.
Pois bem, esta a aposta feita no setor privado e o prmio ou a perda o futuro do Pas.
Transporte
A rede rodoviria, praticamente, no cresce h mais de vinte anos e est significativamente
deteriorada. Apenas 8% das rodovias so asfaltadas, enquanto na Argentina, por exemplo, este percentual
de 23%.
A rede ferroviria est deteriorada e encolhendo ano a ano. Sua extenso , ridiculamente, pequena, cerca de 30.000 Km, igual a da Argentina um pas que tem 1/3 da extenso do nosso.
A frota martima e os estaleiros brasileiros esto reduzidos a sua expresso mnima. O transporte
martimo que j foi de 40% com bandeira nacional, hoje no chega a 5%. Nos EUA, a navegao de
cabotagem se faz, por lei, em navios americanos e com equipagem americana.
Comunicaes
O Sistema de Comunicao est praticamente privatizado. O que se pode dizer que os desafios
so enormes, basta mencionar que o nmero de telefones por habitantes do pas de 1 para 15. Na
Argentina, para comparar, de 1 para 10.
O futuro das comunicaes contempla o estabelecimento de infovias, mas a este respeito nada
est definido no Pas.

5. A Questo Tributria
A questo tributria no Pas de uma gravidade tal que espantoso que nada seja feito a respeito.

Das quinhentas maiores empresas do Pas, 50%, simplesmente, no pagam impostos. Os maiores bancos do Pas, em 40% dos casos, no pagam impostos.
A sonegao de imposto no Pas estimada em 50%.
De outro lado, o cidado tributado em nveis incrivelmente altos, especialmente os assalariados. Para exemplificar, um cidado brasileiro, casado com 2 filhos que receba R$ 3.000,00 por ms,
paga o dobro de imposto de renda que pagaria um cidado americano (EUA) que recebesse um salrio
correspondente. Entretanto, se o salrio for de R$ 20.000,00 por ms, o cidado brasileiro pagar
menos que o americano, em situao semelhante.
A evaso de recursos para o exterior de forma irregular atingem, como apurou uma Comisso
Parlamentar de Inqurito, a bilhes de dlares. Parte desses recursos voltam ao Pas como investimento estrangeiro, sem pagamento de imposto.

6.

O Deficit Social

Alm da concentrao de renda, pode-se apontar alguns itens que espelham o gigantesco dficit
social com o povo brasileiro.
Previdncia Social
A Previdncia Social criada com vistas aposentadoria foi estendida seguridade social, incluindo sade e outros benefcios. Inicialmente se previa a participao paritria do empregado, empregador e governo, sendo que este desde logo se eximiu de contribuir. Posteriormente, os recursos da
Previdncia foram desviados para a construo de Braslia, Transamaznica etc. A Previdncia, de
outro lado, sofreu toda sorte de desvios ilegais e fraudes de toda ordem. Foram criadas aposentadorias
milionrias de R$ 30.000,00 e mais (no E.U. o teto de apenas US$ 1.600,00).
Some-se a isso, a incluso do empregado agrcola na Previdncia, sendo que o mesmo nunca
tenha contribudo para a mesma. Uma srie de empregadores foram generosamente perdoados de suas
dvidas com o INSS, em milhes e milhes de reais.
Em funo de todos estes descalabros a Previdncia quebrou, vindo a onerar as contas do governo.
Temos, portanto, um desafio enorme, que seja regularizar a questo previdenciria, que de to
grande parece insolvel.
Sade
A baixa renda, a desnutrio, as condies sanitrias, a alta natalidade, os custos crescentes da
medicina, tudo concorre para o colapso da sade no Pas. O nmero de internaes crescente e chega
a 16 milhes por ano. O Brasil um dos pases de maior mortalidade infantil do mundo, s ficando a
frente dos pases pobres africanos. Cerca de 25% das crianas na escola, no Norte-Nordeste, sofrem de
desnutrio.
As doenas infecto-contagiosas, chamadas de doenas da pobreza, esto aumentando no Pas,
tais como a malria, a hepatite, a dengue, a esquistossomose, a doena de Chagas e at a tuberculose,
que est recrudescendo no Pas. Estima-se em torno de 40 milhes o nmero de pessoas atingidas por
doenas infecciosas no pas.
A situao da sade no Brasil preocupante e tende a se agravar em funo do aumento da
pobreza, do desemprego e da estagnao econmica.
Pode-se concluir, portanto, que temos um desafio imenso a vencer tambm neste setor da realidade brasileira.
Habitao
A questo habitacional se agrava a cada ano e a favelizao, agora no s nas grandes cidades,

crescente. Estima-se um dficit habitacional de cerca de 12 milhes de habitaes. Nos pases que por
razes diversas, inclusive guerras, tiveram um grave dficit habitacional esta questo foi enfrentada
inclusive pela ao de ministrios criados com essa responsabilidade. No Brasil um programa neste
sentido que contava com um Banco Nacional de Habitao foi simplesmente extinto.
A dimenso deste desafio e os custos que ele envolve, so preocupaes a acrescentar quando se
pensa no futuro do pas.
Desemprego
O crescimento demogrfico, sem o desenvolvimento correspondente do pas, e os avanos da
tecnologia, eliminando postos de trabalhos, est conduzindo o pas a taxas crescentes de desemprego.
Esta , hoje, a maior preocupao do povo brasileiro, aliada s questes de segurana.
A taxa de desemprego j excede a 8% da fora de trabalho, sendo que em So Paulo aproximase dos 20%. A situao explosiva e concorre para a pobreza, a falta de sade e a criminalidade.
O problema mais grave por no contarmos, como ocorre em outros pases, com um seguro
desemprego adequado.
Este mais um desafio a vencer e cuja soluo depende, diretamente, do desenvolvimento do
Pas, sendo qualquer outra medida mero paliativo.

7.

O Setor Agropecurio

Existe um conceito unnime, de que o Brasil com a rea agricultvel que possui, o clima e a
disponibilidade de gua que desfruta poderia ser um dos maiores produtores de produtos agropecurios,
com capacidade de alimentar o seu povo e exportar o excedente.
A realidade entretanto bem outra.
Em 1998, importamos trigo, milho, arroz, o feijo e os nveis de desnutrio da populao se
acentuaram. Enquanto a Argentina, por exemplo, aumentou a sua produo em gros em 60% nos
ltimos 5 anos, ns mantemos, h mais de 10 anos, uma produo em torno de 75 milhes de toneladas. Por incrvel que parea esta a produo argentina com a metade das terras agricultveis. De
outro lado, os ndices de produtividade e de qualidade de nossos produtos so insatisfatrios, o que
mais uma dificuldade para que sejamos um grande exportador de produtos agropecurios, o que poderia ser de grande ajuda para a nossa balana comercial, elemento essencial no desenvolvimento do
Pas.

8.

O Setor Industrial

O Pas depois de ter desenvolvido uma engenharia qualificada, com capacidade de competio
no exterior, e uma indstria diversificada e muito ativa no setor produtivo, se depara hoje, com grandes dificuldades nestas duas reas de atividades.
Com efeito, a engenharia aps ter sido reduzida sensivelmente, sobretudo em face da diminuio drstica na execuo de obras de infra-estrutura, se encontra presentemente em grandes dificuldades econmicas e tecnolgicas.
A indstria, por sua vez, a par da reduo das encomendas, em virtude da reduo do crescimento, enfrenta uma competio externa agressiva decorrente da abertura no planejada do mercado.
As conseqncias de uma abertura indiscriminada, aliada a uma sobrevalorizao do dolar e a
juros estratosfricos foram extremamente penosas para a indstria e a recuperao do setor ser uma
tarefa difcil de empreender.
A nacionalizao dos automveis caiu ao nvel de 30/40%, quando j chegou a 70%. Como
conseqncia, a indstria de autopeas est em crise, com o desemprego conseqente. De outro lado,
observa-se um processo de desnacionalizao da indstria, sendo que cerca de 500 empresas de porte

j foram desnacionalizadas nos ltimos 10 anos.

9.

A Corrupo

A corrupo no Pas atinge a nveis insuportveis. No h um setor de atividade que, investigado


a fundo, no apresente toda sorte de irregularidades.
Quais as razes de termos chegado a esta situao constrangedora? Ser a pobreza, a impunidade, a educao, as precrias condies sociais, as desigualdades, o desemprego, a herana colonial, a
questo cultural? Possivelmente uma conjuno de todos estes fatores, o que d a medida do desafio a
enfrentar. O que espanta a tolerncia com a corrupo. Os corruptos convivem tranqilamente com
as pessoas de bem, sem se intimidar e at com arrogncia. No h um repdio a essas pessoas e
ningum denuncia ningum. temerrio faz-lo, seriam considerados dedos-duros.
E o que mais preocupante e vergonhoso mesmo, que as pessoas de bem, que so maioria,
esto intimidadas por uma minoria ousada. A maioria das pessoas perdeu capacidade de se indignar e
aceita, passivamente, as situaes mais constrangedoras, em seus locais de trabalho, no seu dia-a-dia.
De outro lado, ningum fiscaliza ningum. A fiscalizao mesmo por aqueles que tm obrigao
de faz-lo considerado algo indigno, coisa de autoritarismo, de perseguio. Seria impensvel destituir, punir algum por que um subordinado seu repetida e claramente agiu delituosamente. Desta
forma, perfeitamente possvel a algum agir com desonestidade, por longo tempo, quase que abertamente, sem ser incomodado por ningum. a certeza da impunidade.
evidente que a corrupo existe em todos os pases. Mas o que espanta e revolta a extenso
e profundidade com que ela ocorre no Brasil. E mais, o clima de impunidade e a ousadia com que
agem os corruptos, quase que abertamente e intimidando as pessoas de bem.
Como conseqncia, temos um Pas praticamente de cabea para baixo. Os juizes de quem se
espera equilbrio, iseno e justia, esto sendo acusados de roubo, seqestro de crianas, conivncia
com o narcotrfico.
Nos hospitais, de onde se espera a cura e a salvao dos doentes estamos assistindo o descaso, a
irresponsabilidade e mesmo o assassinato dos pacientes. Os medicamentos, que poderiam representar
a esperana de cura das inmeras doenas, esto sendo falsificados em larga escala.
A polcia, que deveria representar a segurana dos cidados, est extorquindo, roubando e matando.
A escola, que deveria instruir e ensinar, est em larga escala, se transformando em negcio
muito lucrativo, sem qualquer compromisso com a educao.
A poltica, que deveria ser instrumento do bem comum, se transformou em um balco de barganha e de interesse pessoal, com grandes rendimentos para os polticos.
A televiso, que deveria instruir e educar, apresenta em escala crescente programas de baixo
nvel, disseminando valores e procedimentos reprovveis.
O sistema financeiro se transformou num grande cassino, onde se constroem grandes fortunas,
imediatamente enviadas ao exterior, sem fiscalizao e sem risco, pois o governo cobre eventuais
possveis prejuzos.
Um segmento expressivo das instituies religiosas, que conduziriam salvao da alma, se
transformou apenas num negcio lucrativo.
As conseqncias danosas para o Pas, decorrentes da corrupo generalizada, vo muito alm
do que se possa imaginar Marvin Zonis, da Universidade de Chicago, afirma que a corrupo o
principal fator que contribu isoladamente para a instabilidade poltica e o retrocesso econmico nos
pases emergentes. A corrupo produz, inevitavelmente, a crise poltica.

A corrupo , ao mesmo tempo, importante causa e efeito de todas as disfunes que foram
mencionados anteriormente. Decorre da o desafio imenso que representa a reduo dramtica da
corrupo e a valorizao do procedimento correto, como condio primeira para que o pas escape de
um futuro melanclico.

Concluso
Qualquer analista que avalie, com iseno, a conjuntura brasileira, no poder deixar de concluir
que vivemos um momento delicado de nossa histria. Estamos em face de uma encruzilhada, ou nos
sensibilizamos para mudar, drasticamente, a situao atual e nos orientamos no sentido de vencer os
graves desafios que se nos oferecem ou o pas mergulhar no caminho de sua prpria desagregao
scio-econmica.
O primeiro passo a ser dado a conscientizao de todos, sobretudo das elites dirigentes, para a
gravidade do momento. Os pobres e excludos j tm esta conscincia, pois sofrem duramente os
efeitos de uma realidade perversa.
Em seguida, preciso que todos estejam conscientes de que as nossas dificuldades decorrem,
fundamentalmente, da nossa acomodao, improbidade, incompetncia e, sobretudo, falta do esprito
de vencer as nossas vicissitudes e de construir uma sociedade mais justa e prspera.
preciso deixar de lado, definitivamente, o erro de atribuir a nossa cultura, a nosso passado ou
a terceiros, a origem de nossas dificuldades, insucessos e descaminhos.
necessrio sensibilizar a sociedade no sentido de pressionar as lideranas e as elites no sentido de empreender aes na direo da soluo de nossos graves problemas e para a retomada do
desenvolvimento.
Estas aes so parte de um processo e devem ser compreendidas ou coordenadas pelo governo,
segundo um projeto nacional, concebido em consonncia com a sociedade e levado adiante com determinao e persistncia, por muitos e muitos anos.
Rio,10/06 1999.

(*) Chefe da Diviso de Assuntos de Cincia e Tecnologia (DACTEC)

GEOINTERVENO
Elton Fernandes(*) e Darc Costa(**)
No passado no se falava em cincia nem em geopoltica. Mas em um momento do passado se
comeou a falar de cincia. Um dos primeiros a abordar a questo da cincia foi Emannuel Kant, um
dos maiores filsofos do iluminismo alemo. Este filsofo foi autor de obras importantes, como as
Crticas Razo Pura e Razo Prtica e buscou suplantar numa nica posio tanto o materialismo
de Descartes quanto o idealismo integral de Berkeley na explicao do conhecimento humano e concluiu que as cincias s atingiam a superfcie das coisas: os fenmenos, a realidade, ou seja, a prpria
essncia das coisas escapava-lhes. Para ele, o pensamento humano era impotente para conhecer a
coisa em si.
Todavia, o maior filsofo dos tempos modernos, Hegel, recusou-se a ficar por a. Estabeleceu que,
para ultrapassar a viso kantiana da impotncia, necessrio entender e aceitar que o pensamento
humano capaz de ultrapassar as contradies que lhe so apresentadas pelas cincias exatas e pelo
simples bom senso. Para tanto, fazia-se mister no considerar o principio da contradio como princpio supremo da lgica. Precisava-se ir alm e para ultrapass-lo devia-se ter a certeza da idia de que
o mundo na realidade e em essncia uma unidade entre contrrios. Acompanhando a idia desta
unidade entre contrrios, Hegel trazia outra, que a da permanente existncia, em todos os processos,
inclusive naqueles em que est o homem, de um contraditrio, que se expressa atravs de uma tese e
de uma anttese, posies estas que se digladiam em um equilbrio instvel, at que se processa uma
ruptura, dando origem a uma sntese, que ser uma nova tese e que buscar sua anttese. .O mundo
para Hegel, em essncia e na realidade uma unidade entre contrrios.
A colocao que Hegel faz de uma permanente dinmica e evoluo em todos os processos
conduz certeza de que cada dia traz em si um perodo novo.
Paralelamente ao avano da filosofia, o nosso planeta tem sido, cada vez mais, o centro de tudo,
ao ser progressivamente ocupado pela civilizao. Por isso, a Terra tem-se transformado, crescentemente,
em um campo de luta. Diferentemente do que tem sido propagado, a prevalncia das mesmas teses no
mesmo espao e a sua luta tm explicitado, crescentemente, as dualidades primitivas das sociedades
humanas: a do centro com a periferia, e a da barbrie com a cultura. Esta a verdadeira explicao
porque a disputa desse espao, que finito, que limitado, tem sido feita, nos ltimos quatrocentos

anos, com muito maior vigor e rapidez, pelas partes que compem o todo. A geopoltica um instrumento criado para este embate. Outras criaes sustentam este embate. Uma, no entanto, unnime,
em todos os pensadores que discutem o progresso humano: a vida social e a sua acompanhante permanente, a vida poltica. E estas tm, como sua ltima criatura, o Estado Nacional.
A idia de Estado Nacional um pensamento muito elaborado. Seu entendimento pressupe o
caminhar por uma linha ininterrupta de idias, atravs do espao e do tempo, que ligam as hordas s
grandes potncias. O Estado Nacional constitui o resultado das solues silenciosas e progressivas das
questes que surgiram da convivncia humana. Querer estabelecer o preciso momento e a melhor via
em que se deram essas solues, muito difcil. Entretanto, a forma dessas solues sempre foi a
mesma: o pacto. Seja aquele resultante da imposio do mais poderoso e que, portanto, decorre da
racionalizao de desvantagens; seja aquele que advm da composio de vontades, e que, portanto,
resulta da racionalizao de vantagens. O pacto , antes de tudo, um produto da razo. A linha que liga
as hordas sociedade atual - civilizao - um contnuo de pactos, sendo, talvez, a mais visvel
expresso da razo. O Estado Nacional a ltima estao dessa linha ininterrupta de acordos. No a
ltima, mas a ltima conhecida. No definitiva, mas a ltima praticada. Conhecer o Estado Nacional
conhecer a histria da razo e de seus pactos. E a geopoltica um tema importante na formulao dos
Estados Nacionais. A idia de Estado resulta, portanto, da posio ordenadora do homem. Entretanto,
esta posio ordenadora se processa por ondas sucessivas. H aes que desencadeiam a desordem e
h aes que restabelecem uma nova ordem, em um novo patamar. Ruptura e equilbrio transitrio, se
alternam. Nada pode explicar melhor a marcha do processo civilizatrio que a ao ordenadora do
homem, fruto de seu inconformismo. Ruptura processada segue-se uma nova ordem. Esta nova ordem
incio de uma nova desordem. H um predomnio de vrias civilizaes ao longo do tempo, como
mostra a histria, no processo civilizatrio. A Histria Universal, mostra, de forma inequvoca, a
ruptura e o estabelecimento de uma nova ordem, sucessivas vezes, no decorrer deste processo.
A simplificao estabelecida permite ainda concluir que a dinmica do processo civilizatrio,
que aqui nomeamos como teoria do retardo, pode ser assim resumida: toda periferia busca o centro e
toda a barbrie busca a cultura.
De certa forma, essas colocaes recuperam a viso de Hegel em sua inteireza. Como o filsofo
apresentou, a evoluo histrica resulta da soluo da tenso entre opostos, que se d de forma repentina. Desaparecendo os opostos, desaparecia, na viso do filsofo, a tenso. Isto bvio se s existem
duas partes. Poderia, ento, ser a concluso, de quem esteja trabalhando sob a tica hegeliana, ao tratar
da dualidade centro e periferia, ou da dualidade barbrie e cultura, que existiriam solues na tenso
entre esses opostos. Ao se tratar dessas dualidades as duas partes so mltiplas, o que garante a permanente tenso e conseqentemente a imortalidade da histria. Sntese feita, anttese colocada. Novo
centro, nova periferia. Nova cultura, nova barbrie.
Cumpre, portanto, recuperar Hegel por inteiro. O sonho, fruto do esprito, o impulsionador da
histria. E este sonho muito mais claro e muito mais forte na periferia e na barbrie. O que Hegel
colocava em sua filosofia era a permanente dinmica. Existe uma dinmica social. E a origem desta
dinmica o sonho coletivo. Sonho que resulta e se processa no mbito de uma sociedade. Diferentemente do que Marx havia colocado, o maior choque o que se processa entre sociedades e no aquele
que se d dentro de uma sociedade. O maior dos choques o que se d entre o sonho coletivo de uma
sociedade emergente e tudo aquilo que se ope dinmica social.
Sintetizando, a periferia sonha e, ao sonhar, conduz o processo civilizatrio e a evoluo histrica resulta da soluo da tenso entre opostos.
Para melhor entender o tema geopoltica teremos de recuar novamente ao final do sculo XVIII.
Nessa poca, o centro do processo civilizatrio estava dividido pelo Canal da Mancha. Estava dividido e estava rompido. Duas rupturas haviam se processado. A primeira na maneira de agir, na Inglaterra, pelo nascente processo de industrializao. A segunda, na Frana, na maneira de pensar, em decorrncia do bafejar da abertura proporcionada pela prevalncia das idias sobre os dogmas. A primeira

dessas rupturas conhecida como revoluo industrial e gerou o que veio, mais tarde, a se denominar
sociedade industrial. A outra ruptura deu origem revoluo francesa e a derrubada do absolutismo, o
que levou ao moderno Estado Nacional. A periferia do processo civilizatrio, naquele instante, englobava toda a Europa Continental, excluda a Frana e os demais continentes.
Como se comportaram as naes que buscavam o centro? Como se comportaram os antigos
retardatrios, aqueles que tinham, alm dos meados do sculo XIX, um amplo mercado interno e que
buscavam viabilizar antigos Estados Nacionais estruturados? Em primeiro lugar, estabeleceram como
seus principais objetivos ter um Estado Nacional moderno e criar uma sociedade industrial.
O entendimento do que vem a ser um Estado Nacional moderno e uma sociedade industrial de
extrema importncia para essa exposio. Entendemos como Estado Nacional moderno aquele em
que a sua vontade coincidente com a dos seus cidados e que tem como contraponto o antigo estado
nacional, em que a vontade resultava exclusivamente da sua casa reinante, ou de sua elite dirigente.
Entendemos como sociedade industrial no exclusivamente criar um sistema industrial dentro das
fronteiras de um territrio nacional, mas ir muito alm disso, dando condies populao, que habita
aquele territrio, de participar dessa criao, usufruindo dos bens que vierem a ser gerados por esse
sistema.
Mas se os antigos Estados Nacionais estruturados buscavam como poltica criar um Estado
Nacional moderno e uma sociedade industrial, as histrias dos antigos retardatrios que chegaram ao
centro: Alemanha, Japo e Estados Unidos demonstram que se necessita se dotar, para atingir esses
objetivos, de uma concepo estratgica e de uma vontade nacional. Todos os trs tambm alem disso
foram e continuam sendo adeptos da doutrina do intervencionismo e do nacionalismo econmico. A
economia, para eles, sempre foi vista como uma ferramenta a ser utilizada pelo Estado na busca de
uma concepo estratgica, ou como um elemento primordial para a formulao de sua poltica. Nunca foram liberais. O liberalismo econmico que agora praticam coaduna-se perfeitamente com os
postulados desta doutrina. A doutrina do nacionalismo econmico prega que, uma vez atingido o
centro, deve-se ser liberal. O cerne do caminhar para o centro nos dois ltimos sculos foi a concepo
estratgica j que tambm era sobre ela que se estruturava a vontade nacional. A antiga viso de
geopoltica, a que prevaleceu no final do sculo passado e ao longo de todo este sculo foi a que
caracterizava a componente geogrfica como determinante na montagem da concepo estratgica. A
geografia traava por uma nova formulao cientfica, a geopoltica, parmetros para a concepo
estratgica.
Concepo estratgica no faz histria se no provocar ao. A histria portadora da evoluo.
As naes no esto caminhando para o centro se no so portadores da evoluo, ou seja, se no
fazem histria. A histria se faz com interveno. A interveno sempre se processa submetida aos
determinantes ltimos de todos os processos humanos: ao espao e ao tempo. Toda interveno se
estrutura em um determinado espao e a um dado tempo. Toda interveno uma ao em busca de
um fim a ser atingido. E para o atingir temos de dispor de meios. Meios e fins so os instrumentos que
esto presentes em toda interveno.
A interveno se processa de duas formas: a que justape o homem com a natureza e a que nos
interessa mais diretamente, a que relaciona o homem com o homem, que foi mediada pelo quer veio a
se denominar modernamente como estratgia.
Estratgia pode ser, inicialmente, portanto, definida como a mediao que se processa entre os
homens, ou sociedades humanas, numa interveno. Algo que se explicita dessa anlise que a estratgia o pressuposto racional de uma interveno que envolve uma ao individual ou coletiva. A
interveno sempre que envolveu uma ao coletiva sempre se processou seguindo uma das trs modalidades de contato: cooperao, competio e conflito.
Todavia, no passado, a estratgia s adquiria foro prprio no conflito. Na antiga Grcia, era
conceituada como a arte dos generais. Do Renascimento at o sculo passado, a estratgia era tida

como a arte da guerra. Modernamente, a estratgia tem uma definio muito mais elaborada e abrange
as trs modalidades de contato. A evoluo do conceito de estratgia, se de um lado a estendeu atravs
de diversos campos da ao humana, de outro a colocou, definitivamente, ligada a dois outros conceitos: o de poltica e o de poder. A estratgia um dos vrtices de um tringulo indissolvel, que tem na
poltica e no poder seus outros dois vrtices.
Estratgia, poltica e poder so formas novas de se analisar uma interveno, so formas novas
de se organizar os meios e os fins, que, como vimos, so os instrumentos e objetivos ltimos de toda
a interveno.
A poltica, no tringulo indissolvel, estabelece o que fazer, qual o fim procurado, o poder, com
o que fazer., com que meios se dispe para se buscar o fim, e a estratgia, o como fazer, como se dispor
dos meios para se atingir o fim. Com estes trs ingredientes unidos e ajustados, isto , com o tringulo
indissolvel processa-se a interveno.
Voltando-se idia da interveno, pode-se afirmar que sempre ela tem o seu melhor momento.
Pode-se, muitas das vezes, se determinar este momento. Quando isto possvel, tambm possvel
modificar-se o tringulo indissolvel, particularmente, o seu vrtice poder. Esta alterao pode ser
conseguida pela transformao, ao longo do tempo, de algo fora do tringulo, mas acessvel, tido e
chamado como potencial, em poder, ou seja, utilizando-se do tempo para apropriar-se de novos meios.
O tringulo indissolvel sempre se posiciona, tambm, no plano nacional articulando a poltica
nacional, a estratgia nacional e o poder nacional. Neste plano, a poltica prende-se, sobretudo, nos
fins a alcanar para o Estado Nacional; cuidando de interpretar aspiraes e transform-las em objetivos nacionais. Ela sempre tem de ir alm, organizando o poder nacional, criando meios e os desenvolvendo, sempre, em benefcio da comunidade nacional. A poltica nacional, ao interpretar as aspiraes
e interesses e ao transform-los em objetivos nacionais, para a consecuo ou manuteno, em determinado prazo, o faz mediante uma concepo poltica, que dita os rumos de uma concepo estratgica.
J a estratgia, como vimos, preocupa-se, principalmente, com os meios que dispor para atingir
os objetivos fixados pela poltica. Na dimenso nacional a estratgia preocupa-se, primordialmente,
com os meios que dispor, para a consecuo dos objetivos nacionais traados pela poltica nacional.
Na verdade, a estratgia nacional cria a forma de traduzir a vontade poltica ao mesmo tempo que a
busca impor. A estratgia nacional prepara o poder nacional, define opes, prope a linha de ao
mais favorvel a ser seguida, considerando, para tanto, os recursos disponveis, os esforos a serem
realizados, as prioridades a serem adotadas e os riscos a correr, pelo Estado, na implementao da
deciso tomada. A estratgia nacional vincula-se poltica nacional pelos objetivos que esta estabelece e pelos riscos para atingi-los ou mant-los.
Todo estudo de estratgia nacional passa, obrigatoriamente, pelo estabelecimento de objetivos
nacionais e por uma avaliao do potencial nacional e de sua possibilidade temporal de transformar-se
em poder nacional. Houve, portanto, a partir das rupturas do final do sculo XVIII, uma colocao no
plano nacional do fenmeno estratgico, uma extenso de seu conceito at a categoria, como colocado, de mediao, j que a estratgia, de uma postura exclusivamente militar, passou a envolver outras
variveis e comearam a se esboar os limites entre a poltica e a estratgia e as relaes entre elas e o
poder.
Esta transformao conduz a configurao hodierna da poltica, cujos estudos abrangem os nveis terico (filosfico e cientfico) e prtico (tcnica e arte) - ela, como prxis entendida como
arte de organizar e governar um Estado e de dirigir suas aes, interna e externamente. A arte do
estadista, o poltico realizado, a mais complexa de todas as artes, definindo objetivos e orientando os
destinos de um Estado Nacional, interna e externamente.
A poltica, como posta na viso bismarckiana da arte do possvel, preocupa-se com os fins
(objetivos), define os meios para busc-los, promovendo a consecuo ou a manuteno dos objeti-

vos. A poltica nacional deve preocupar-se decisivamente com o bem comum da sociedade nacional e
a sobrevivncia do Estado Nacional, cuidando do poder e do seu fortalecimento. A poltica nacional
se incumbe, portanto, de interpretar a cidadania, seus interesses e suas aspiraes, traduzindo-os em
objetivos a serem conquistados ou mantidos por determinado prazo. Envolve, pois, um complexo de
atividades que se traduz por uma concepo poltica, que se coloca pelos objetivos a serem perseguidos. Para o Estado Nacional, a poltica nacional cuida dos seus negcios, interpreta e formula os seus
objetivos e organiza o poder nacional, criando meios e os desenvolvendo em benefcio da comunidade
nacional.
Poder nacional , na maioria das vezes, sempre, ligado capacidade militar, o que at explicvel pelo fato da guerra ser sempre a ltima e definitiva aplicao do poder. Apesar de vivermos em um
mundo ameaado pelo suicdio coletivo, decorrente da existncia de artefatos nucleares, esta viso
cada vez mais desfocada. Poder nacional o resultado de uma integrao multidimensional de poderes. Um Estado Nacional pode parecer poderoso porque possui muitos ativos militares. Entretanto,
esses ativos podem ser inadequados contra os inimigos potenciais ou podem no ser apropriados para
a natureza do conflito. Repetindo, a questo ainda a mesma: Poder em relao a quem? E com
respeito a qu? O poder nacional decorre mais, hoje, de outros fatores, que j se faziam presentes, do
que o poder militar. Nenhum poder nacional foi fruto exclusivo, no passado, de sua componente militar. E muito menos o ser no futuro. Nenhum elemento sozinho definidor de poder. Para exemplificar
podemos citar que o tamanho do Brasil, a populao da ndia, a indstria da Sucia, o exrcito da
Sua no do a estes Estados Nacionais uma posio de primeiro plano na pirmide mundial do
poder. A idia do poder nacional baseado em um nico fator sempre uma idia errada. S para fins
didticos que se consegue separar os elementos determinantes do poder nacional. Conjugados, eles
constituem os meios que se dispem para se atingir os objetivos nacionais pretendidos. Poder nacional
algo relativo, no absoluto. Nenhuma nao teve, tem ou ter poder absoluto. O poder algo
relativo e sempre correlacionado aos outros atores presentes na arena internacional. Dizer que os
Estados Unidos so a nao mais poderosa da Terra algo s possvel de ser dito, porque est precedido de uma comparao de seu poder, com os demais poderes existentes.
Assim, como no se pode confundir potencial com poder, no se deve confundir potencial nacional com poder nacional. A capacidade de uma nao converter seu potencial nacional em poder
nacional algo, muitas das vezes, prximo do intangvel e deve ser imaginado, em vrias consideraes, pelo menos nas relativas a capacidade de conduo do governo e as de unidade de propsitos da
sociedade nacional. Na verdade, tambm, o poder nacional s pode ser avaliado no meio que lhe cerca.
Posto este prembulo, cabe agora falar em geopoltica; no na geopoltica da primeira metade do
sculo XX, mas sim numa nova geopoltica: a geopoltica do sculo XXI. E essa nova geopoltica
entende-se pertencente a um tringulo, tambem indissolvel, o tringulo da geointerveno, que conjuga a interveno ao espao, onde o fator geogrfico no s determina mas delimita a interveno.
Neste tringulo a geopoltica est sempre acompanhada da geoestratgia e do geopoder. Todo tringulo que conjugue poder, poltica e estratgia deve se explicitar, sob a ordem racional, em um planejamento. E mais, neste tringulo a geopoltica algo associado a antropologia, a histria, a economia,
portanto ao povo no mais s ao territrio. Para se fazer geopoltica no final do sculo XX no basta a
geografia, tem de se ver o povo que habita o territrio, seu passado, sua cultura e suas aspiraes. A
geointerveno conjuga o povo e o espao observado o tempo.
E aqui ao iniciar uma nova viso de geopoltica para o Brasil, dentro do conceito da geointerveno,
novamente recuperemos a idia posta em Hegel do sonho como o demiurgo de todos os processos As
sociedades sonham. O sonho muito mais forte da barbrie e a barbrie est sempre inatingida e salva.
Temos de nos manter brbaros. Se mantivermos nosso sonho, o sonho de Brasil, poder-se- articular
um movimento social que utilizando-se da geopoltica renovada saber formular e sustentar um novo
projeto nacional para o desenvolvimento do Brasil, algo que poder situar-se no eixo de uma articulao voltada para o progresso futuro do nosso povo.

Para nos situarmos temos que ver a questo da alteridade. Quem somos ns? Quem so eles? A
questo primeira que se coloca identidade nacional a questo da alteridade. Est acima da soberania, est acima da estima. Estabelecer quem somos ns, brasileiros, em contraponto a eles criar o
espao da nao e formatar a geointerveno.
Este texto no tem a pretenso de responder de forma definitiva quem somos ns. Pretende,
simplesmente, mostrar que no somos eles, pois somos especiais, como brasileiros, pois s ns temos
as mgicas que construiro uma geointerveno capaz de criar um mundo novo. Estas mgicas caracterizam o eu brasileiro e merecem, a seguir, um breve resumo.

A mgica da antropofagia a propriedade que possumos no Brasil de apropriarmos, transformando, toda manifestao cultural exgena. Poder-se-ia iniciar a explicao desta
capacidade que detemos, como o resultado da arte que desenvolvemos de adaptar valores e
tcnicas europias aos trpicos, em geral. Contudo, esta seria uma explicao muito pobre.
A nossa antropofagia, que uma caracterstica mpar, j que nenhum outro povo a detm,
pelo menos em tal grau, tem sua origem na gnese da nossa cultura dominante: a cultura
portuguesa. Esta se constituiu na paciente e progressiva assimilao dos iberos, dos
ligrios, dos celtas, dos fencios, dos gregos, dos cartagineses, dos romanos, dos suevos,
dos godos, dos judeus, dos mouros e dos cruzados franceses e ingleses. Este progressivo
amlgama dotou os portugueses dos elementos necessrios a processar o diferente e tornlo o igual, quando no o comum. Foi assim na constituio da cultura brasileira. A assimilao de outras culturas mais puras, como as diversas culturas africanas e amerndias, foi
algo fcil para a experiente cultura portuguesa que se transfigurava em brasileira. A capacidade de deglutir, de adaptar, de transformar de forma criativa e criadora o que lhe apresentado, ou lhe imposto, constitui-se no maior patrimnio do povo brasileiro. Tudo se faz
sem perder o espirito empreendedor e mercantilista do fencio, do cartagins e do judeu, da
cultura dos gregos, das instituies e da linguagem dos romanos, da cultura material dos
mouros, da aptido manual do africano, do contato com a natureza do amerndio. No
Brasil, nada se perde, tudo se transforma em algo que se utiliza. No futuro, ser
mundializado ser antropofgico.

A mgica do passado comum a caracterstica que detemos, no Brasil, de ver o estrangeiro


presente como se fosse eu entre ns e no um tu entre ns. O estrangeiro que reside no
Brasil no sofre o distanciamento nem a discriminao do estrangeiro. Este um fenmeno
do sculo XX. Nem sempre foi assim. Logo aps a independncia o estrangeiro era discriminado. Se portugus, o antigo dominador, era espezinhado. Aos demais, o choque cultural era total. Contudo, os fluxos migratrios do final do sculo XIX e deste sculo retiraram
do portugus seu rano de dominador e dos demais suas caractersticas exticas. Ao estrangeiro hoje dado o passado comum. Ao natural de outro pas que se estabelece no Brasil
lhe incentivado, mais que permitido, participar na cultura e nos eventos nacionais. Alis
sua cultura se incorpora como nossa. Ao compararmos o tratamento obtido no Brasil, pelas
imigraes europias do incio do sculo XX, com o tratamento encontrado,
exemplificando, nos EUA, marcaremos bem esta diferena. No existe no Brasil a figura
do teuto-brasileiro, mas existe nos EUA a figura do teuto-americano. No existe no Brasil a
figura do talo-brasileiro, mas existe nos EUA a figura do talo-americano e assim por
diante. A mgica do passado comum dilui as nacionalidades pretritas e as colocam submetidas a nacionalidade brasileira. S existe aqui no espao Brasil uma nacionalidade
nica: a brasileira. a mgica do passado comum transforma a sociedade brasileira em uma
sociedade absorvente capaz de, no futuro, ser a prpria sociedade mundial.

A mgica da mestiagem a propriedade que ns temos de deter diferentes graus de


morenidade. Esta um valiosa qualidade do Brasil. Sobre este tema, sobrepujando o pessimismo das geraes anteriores, que se julgavam condenadas ao malogro, pela sua condio

de partcipes de um pas sem futuro, em decorrncia do carter mestio de sua populao,


vem, ao longo de todo este sculo XX, se sucedendo, desde a descoberta antropolgica de
nosso pas feita, principalmente, com Gilberto Freyre, um orgulho, uma confiana e um
arrebatamento expresso pela certeza das vantagens que a completa mestiagem proporciona, na arena mundial, ao povo brasileiro. Fez-se com Gilberto Freyre a descoberta, nesta
parte do mundo, que no h raas capazes ou incapazes de civilizao. Mais do que isto,
fez-se a constatao que toda a trama da histria resulta de um processo de fuso e que o
Brasil em si o prprio espirito divino da fuso criadora. O Brasil se constituiu em seus
primrdios de europeus principalmente portugueses e holandeses, amerndios e negros.
Mais recentemente, de portugueses, italianos, espanhis, alemes e outros europeus e de
japoneses, formando em seu territrio, de incio, vrios grupos tnicos. Dos europeus, os
de maior influncia e nmero foram os portugueses, que no traziam a mistica da pureza da
raa. Todos estes grupos, desde seu estabelecimento, vem se interpenetrando, como resultado de um fenmeno novo, em escala mundial, que o elevado grau de mobilidade social
da sociedade brasileira, quer mobilidade vertical quer mobilidade horizontal. Tudo isto
favorece um aparecimento, nesta parte da Amrica, de uma democracia plena, no sentido
real da palavra, onde no se estabelecem preconceitos, onde o mrito pessoal supera no s
possveis colocaes de natureza tnica, como as de classe, e, onde, se maximiza a afirmao dos talentos e se potencializa a utilizao das diversas possibilidades. Esta forma de
ver o mundo o simtrico do que se coloca no centro, j que para ns a miscegenao
regra e a discriminao exceo. Para o centro, sejam norte-americanos ou europeus,
nestes excludos os ibricos, em especial, os portugueses, se d o contrrio, a discriminao
regra e a miscegenao exceo. A sociedade brasileira cada vez mais miscigenada
caminhando para ser homognea. Isto por que seus vrios grupos raciais tendem a pertencer a mesma civilizao e a ter o mesmo imaginrio e a mesmas idias fundadoras e fundamentais, independente de sua pigmentao ou da forma de seu rosto ou de seu nariz. Esta
mgica da mestiagem como foi afirmado um valioso atributo pois nos permite inserir a
todos, em nosso contexto e todos podem se sentir partcipes na elaborao do novo contexto da mundializao. A mgica da mestiagem transforma hoje o Brasil e amanh
transformar o mundo no espao de todas as raas.
A mgica do sincretismo a completa permissividade religiosa, algo que no mundo no
tem a dimenso que adquire no Brasil. Este ainda o maior pas catlico do mundo, mas
no um pas dominado pela mstica catlica, nem pela santidade. No tem santo. O
catolicismo se expressa no Brasil muito mais pelas sua manifestaes externas, do correr
de um calendrio permanente de procisses e de festas populares, do atuar da Igreja na vida
poltica, apoiando os governos, ou, conspirando contra eles, quando no os faz de forma
concomitante. A este catolicismo caminham juntos o espiritismo, o candombl, a
quimbanda e mais recentemente os ritos evanglicos protestantes. Tudo isto se mistura
num caudal de f e de credos por onde trafega a mais plena tolerncia religiosa e o mais
claro sincretismo religioso. A maioria dos brasileiros esposa no decorrer de sua vida mais
de uma f. Este sincretismo aceita, se no incentiva, outras formas de haver msticos, ou de
entender a origem e o destino dos homens, que se conceituam como esoterismos, formas
pretensamente premonitrias de futuro, tais como a astrologia, o tar e os bzios. Tudo isto
convive. Tudo isto se aceita e se incentiva. Como prova recente deste sincretismo podemos
colocar a forte e no combatida penetrao de um neo-evangelismo, que nada mais do
que um aspecto sempre presente da religio no Brasil e decorrente de uma influncia
amerndia, a religiosidade teraputica, capaz de curar bicho e gente, transfigurada por um
rigor moral radical. Ainda, aqui, existem outras formas de religiosidade, porm, mais
enclausuradas nos seus crculos etnolgicos e incapazes de trafegar to desenvoltas, como
o judasmo, o islamismo e o budismo. Contudo, estas outras formas muitas das vezes
compem fontes que alimentam o j extenso caudal da religiosidade. Ns detemos no

Brasil a f universal, esta a mgica. A mgica de ter aquilo em que todos em todas as
partes sempre acreditaram e sempre acreditaro.
A mgica dos trpicos reside na construo de uma civilizao pela cooptao daquilo que
a natureza tem de mais pujante e agressivo: os trpicos. Nisto, papel importante tem as trs
raas constitutivas do povo brasileiro. Em primeiro lugar, os portugueses que, diferentemente dos demais europeus, ao se defrontarem com os trpicos, no o fizeram com espirito
de superioridade. Sempre buscaram adaptar seus valores e tcnicas ao novo espao de
cooptao. Nunca buscaram impor sua cultura. Ela se imps pelo seu valor no por coao.
Os portugueses, diferentemente dos demais europeus nos trpicos, bem como seus descendentes no Brasil, muitas vezes repudiaram as solues europias, adotando outras tropicais.
Em segundo lugar, o amerndio, que nos trpicos americanos um ser agreste, formulou
uma cultura primitiva, porm, apropriada sua terra de origem, seu habitat, seja ela
cultura de floresta ou cultura de agreste. Em terceiro lugar, mas, talvez, at mais importante
do que as anteriores, o negro africano e seus descendentes, muito mais habilitados, por
sculos de adaptao aos rigores climticos dos trpicos e pela permanente contestao que
exerceram natureza nas selvas, nas savanas e nos desertos africanos. Quem dominar o
trpico dominar o mundo, mundializar.
A mgica da tolerncia pode ser colocada como cordialidade, como subservincia, como
humildade, e at mesmo como impotncia, mas exclusivamente tolerncia com o diferente, com o estranho, com o incomum, com o inusitado. Tolerncia que se coloca no dia-a-dia
de nossa existncia e de que tanto se beneficiam os que disso sabem. Tolerncia compatvel
com a existente na Arca de No. Sim, pois sendo o leito de diferentes beros, o Brasil tem
como sua maior mgica a tolerncia.
A mgica da transcendncia que a de pairar sobre todas as outras mgicas, unificando-as
em uma s e sendo um aceite a tudo e a todos. A civilizao que est se constituindo no
Brasil se caracteriza pela sua transcendncia. H uma transcendncia na unidade que se
organiza dentro da dualidade posta pelos europeus de ver a civilizao brasileira ora como
inferno, ora como paraso. H uma transcendncia por ser uma civilizao mais direta e
mais participativa. H uma transcendncia,. por incorporar novos valores, por ser alm do
que europia , por ser amerndia e por ser africana. H uma transcendncia por sabermos
sermos perifricos, mas no vermos isto como problema, mas, sim, sempre como sonho,
como aventura de caminhar para o centro.
Devemos nos orgulhar e glorificar nossos valores, nossa tolerncia, a brandura de nossos costumes, nosso ecltico venerar, o acolhimento afvel que concedemos ao que estrangeiro, a nossa
tropicalidade, a alegria simples que nosso povo tem mesmo na misria, e um certo saber viver que
jamais perdemos nas piores circunstncias e cuja viso e conhecimento deixam perplexos e atnitos
qualquer estrangeiro. Somos diferentes e somos especiais,. Temos de levar ao fim a misso que nossos
pais portugueses comearam. Ns fomos, somos e seremos a mundializao. Este o nosso destino
manifesto! O Brasil a mundializao em seu ltimo estgio. Ns somos a mundializao processada.
S ns temos a misso de construir a verdadeira ptria humana. Todos nos sabemos ser perifricos,
mas isto no problema. Portugal foi periferia no sculo XIV e o Brasil, a Amrica Portuguesa,
periferia no sculo XX Isto sonho, aventura.
O nosso sonho o sonho de nosso povo: o sonho do Brasil como o locus da mundializao
Ns queremos ser a mundializao processada. S ns temos o destino manifesto e a misso de
construir a verdadeira ptria humana. Esta ser nossa geointerveno. A geopoltica o que fazer? E a
resposta para o Brasil a esta questo uma: s: terminar o processo de mundializao que nossos
ancestrais portugueses comearam.
Como faz-la geoestratgia. e com que meios faz-la geopoder. Cabe-nos falar um pouco
sobre isto:

O Brasil o principal Estado Nacional do hemisfrio sul. A busca mundializao, que o


objetivo maior da estratgia nacional do Brasil, resultante desta nova geopoltica, tem de ter sua gnese no hemisfrio sul. O Brasil, geograficamente, detem duas propriedades: a continentalidade e a
maritimidade.
Destas colocaes resulta o primeiro principio da estratgia nacional do Brasil: a estruturao de
um espao de prevalncia da mundializao no hemisfrio sul, que observe as caractersticas de
continentalidade e de maritimidade do Brasil. O segundo princpio a extenso deste espao estruturado
a todo hemisfrio norte.
O detalhamento sugerido do primeiro princpio :
i) o aproveitamento da continentalidade mediante a formatao de um processo de cooperao
sul-americana, em torno de um plo de poder, um Megaestado, aproveitando as componentes estruturais de na Amrica do Sul sermos todos de matrizes ibricas e portanto prximos, como instrumento
de organizao do processo de mundializao;
ii) o aproveitamento da maritimidade como instrumento de dominao do espao martimo do
Atlntico Sul e conduo do processo de mundializao ao golfo da Guin e costa ocidental da Africa.
iii) a criao de uma nova maritimidade a vinculada ao Oceano Pacfico que conduza a
mundializao Nova Zelndia a Austrlia e a costa oriental da frica.
O detalhamento do segundo princpio pressupe a montagem de parcerias estratgicas e alianas
com potncias do hemisfrio norte para a penetrao da mundializao neste espao e ser fruto das
circunstncias conjunturais do balano de poder neste hemisfrio.
A nossa geopoltica no uma geopoltica de projeo de poder. uma nova geopoltica de
conjuno de poder. Em especial conjuno de poder com os demais pases sulamericanos. Aqui
dever repousar nossa geointerveno no sculo XXI.

(*)Professor e Coordenador dos Programas de Ps-graduao em Engenharia de Produo da


COPPE/UFRJ
(**)Chefe da Diviso de Extenso da Escola Superior de Guerra

A ECONOMIA BRASILEIRA: DA CRISE CAMBIAL RECUPERAO


JulioDolce(*)
George Dolce (**)

Like recessions, financial shocks are as old as capitalism itself Lester C. Thurow
Introduo
O Brasil ganhou a reputao de economia do milagre no incio dos anos 70 quando o governo
daquela poca, seguindo o I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), estabeleceu metas por setores de atividade econmica e o Pas crescia a uma taxa anual de dois dgitos num clima de aprecivel
estabilidade. Essa estabilidade econmica permitiu uma expanso industrial admirvel durante dez
anos seguidos, colocando o Brasil entre as naes lderes na industrializao e elevando nosso Produto
Nacional Bruto (PNB) para o dcimo lugar entre todas as naes do Mundo.
Ainda assim, apesar do progresso, muitos problemas permaneciam subjacentes. A populao migrava do campo com mais intensidade atrada pela maior oferta de emprego nas cidades. Crescia a
demanda pelos servios pblicos, por novas habitaes, sade, educao e saneamento. Surgiram
grandes bolses de pobreza ao redor das principais capitais. A inflao de dois dgitos dos anos 70
passaria a trs dgitos nos anos 80 e a economia atingida pelos dois choques do petrleo dava sinais de
estar perdendo flego. A poltica monetria de aumento progressivo dos juros diminua os investimentos e reduzia a expanso econmica dos anos anteriores. Como outras naes da Amrica Latina
depois da crise do petrleo, tambm o Brasil viu sua dvida externa crescer exponencialmente na
medida que os investimentos internacionais eram substitudos pelos emprstimos dos petro-dlares.
Como resultado, o Produto Nacional Bruto cresceu em mdia apenas 1,5% anualmente de 1980 at
1990 produzindo o que se convencionou chamar de a dcada perdida.
A partir do incio dos anos 90, o Brasil comeou a introduzir reformas em sua. economia. Esgotada a capacidade de investimento estatal, comeava-se atravs de um grande esforo de privatizao
a transformar a era do monoplio estatal numa economia de livre de mercado. Em 1994, com a eleio
do atual presidente Fernando Henrique Cardoso, o Brasil implementou um ambicioso programa de
estabilizao monetria iniciado ainda no governo do presidente Itamar Franco. O Plano Real, assim
denominado pela introduo de uma nova moeda, o Real, previa uma poltica monetria ancorada
numa poltica cambial de controle muito restrito. O Plano Real conseguiu ainda estabelecer uma nova
onda de investimentos estrangeiros de curto e longo prazos, mas seu maior valor foi o de conseguir
aumentar o poder de compra da populao propiciando num primeiro momento uma aprecivel distribuio de renda.
Entretanto, a nova ordem econmica mundial antevia outras turbulncias. A desvalorizao

cambial da Tailndia em julho de 1997, feita para melhorar a competitividade das exportaes daquele
pas, logo se espalhou por efeito domin pela Coria, Indonsia, Malsia e outros pases do Sudeste
Asitico, afetando tambm as exportaes brasileiras. Depois veio a vez da Rssia e a todos esperavam que o Brasil quebrasse em seguida. Ainda mais que as reformas prometidas pelo Presidente
Fernando Henrique, tais como o plano de austeridade fiscal e o corte nas despesas pblicas no se
concretizaram a curto prazo, frustrando a expectativas.
Apesar de tudo, o capital estrangeiro continuou a entrar de maneira contnua na busca de melhor
remunerao mesmo aps a reeleio do Presidente Fernando Henrique em outubro de 1998. Em
novembro, o Fundo Monetrio Internacional (FMI) anunciou um plano de ajuda ao Real atravs de um
emprstimo de US$41,5 bilhes procurando conter a crise cambial que se anunciava. Essa ajuda se
baseava na carta de intenes onde o Brasil prometia, finalmente, colocar em prtica uma srie de
medidas procurando conter o dficit fiscal com um programa de austeridade que temporariamente
conseguiu conter a fuga de capitais.
Em janeiro de 1999, os investidores internacionais que tiveram grandes perdas nos mercados
emergentes da sia e da Europa Oriental, principalmente na Rssia, acabaram perdendo a confiana
na economia brasileira e passaram a vender suas posies no mercado interno e a realizar lucros no
sentido de minimizar suas perdas naqueles pases. No havia como o Brasill defender o Real e manter
sua poltica cambial de mini desvalorizaes frente ao Dlar usando suas reservas cambiais. O Real
submergiu numa onda de fuga de capitais.
No incio de maro o Real estava sendo cotado a R$ 2,20 frente ao Dlar, o equivalente a uma
desvalorizao de 80%, e muitos especialistas brasileiros e internacionais previam que isso conduziria
inevitavelmente a uma exploso inflacionria. Quando tudo parecia indicar uma lenta e dolorosa recuperao econmica, o Brasil, em mais um dos seus milagres econmicos, surpreende a comunidade
internacional com uma rpida e franca recuperao aps uma incerta e descontrolada flutuao das
taxas no mercado de cmbio
Um ms depois, o Real j estava sendo cotado a R$ 1,70 levando alguns economistas a sugerirem uma ligeira depreciao do cmbio para estimular ainda mais o crescimento das exportaes. O
admirvel nisso tudo imaginar o quanto o Brasil esteve prximo do colapso financeiro. Por muitas
semanas, de janeiro at maro, a economia esteve no fio da navalha. Qualquer medida menos correta
e estaramos todos mergulhados num caminho sem retorno. O Presidente Fernando Henrique chegou
mesmo a admitir ter pensado que o Plano Real houvesse terminado naquele fatdico dia 29 de janeiro,
quando o noticirio internacional, de maneira irresponsvel, chegou a noticiar uma suposta corrida aos
bancos. Desde ento, com a nomeao do novo presidente do Banco Central, Dr. Armnio Fraga,
comeou a se restabelecer a confiana mundial na nossa moeda. As aes de curto prazo,
complementadas por medidas de austeridade, rapidamente aprovadas pelo Congresso Nacional, afetaram positivamente nossa posio e permitiram, a longo prazo, antever com otimismo nosso futuro.
O Plano Real e suas Conseqncias
O Plano Real tem sido, at agora, o mais bem sucedido programa de estabilizao monetria de
todos os programas que nos ltimos anos tentaram resolver o problema da inflao crnica que
destrua a economia do Brasil h mais de trs dcadas. [Giabiagi, 1997].
Desde o incio, a inflao foi mantida sob controle sem congelamento de preos e salrios, sem
confisco de depsitos bancrios ou qualquer outra medida econmica artificial. Uma conseqncia
do fim da inflao foi o rpido crescimento da demanda, to rpido que o Ministro da Fazenda
desde o incio teve que optar por uma poltica de reduo da expanso monetria e de restrio ao
crdito pelo aumento das taxas de juros. Essa estratgia procurou garantir o futuro do plano com os
objetivos de atingir um o crescimento auto sustentado, realizar uma distribuio de renda sem
exploso da demanda e aumentar a oferta atravs da abertura do mercado brasileiro aos produtos
internacionais. Durante a segunda metade de 1994, a taxa mensal de inflao caiu de mais de 50%

em junho para 1% em dezembro daquele mesmo ano e permaneceu nesses nveis baixos at a desvalorizao de janeiro de 1999.
O lado ruim do programa de estabilizao foi a conseqente queda da arrecadao fiscal. Fato
que pde ser bem assimilado durante o lanamento do Plano Real devido as condies relativamente favorveis que permitiram ao setor pblico gerar um supervit primrio ainda em 1994. Em
contraste, houve uma queda da arrecadao nos anos seguintes gerando sucessivos dficits primrios. Reverter essa tendncia tem sido o principal desafio do esforo de estabilizao, [Bevilaqua,
1998].
Tambm, desde o incio do Plano Real, as contas externas tem gradualmente apresentado dficits
que somam hoje mais de US$ 70 bilhes com tendncia de alta, tornando-se um srio problema para
o plano de estabilizao. J em 1998, o dficit representava mais de 8% do PNB, o que claramente
constitua uma grande vulnerabilidade e um risco estratgico num mundo de capitais volteis, como a
atual crise monetria tem mostrado de modo bastante claro.

Entrada de Capitais
Nos primeiros anos do Plano Real a retornada dos capitais estrangeiros ao Pas conduziu a uma
acumulao de um grande volume de reservas em moeda forte. Essas reservas serviram para formar
um lastro importante de proteo moeda no curto prazo e para a manuteno da poltica monetria
que tinha na poltica cambial sua ncora para manter a inflao sob controle. Entretanto, o Governo
no conseguiu controlar nem o tamanho nem a qualidade dos capitais que compunham essas reservas.
Esses capitais representavam na verdade uma beno e uma ameaa. Eram uma beno porque sem
eles o Plano Real no conseguiria ir muito longe. Eram uma ameaa porque, como sabido da literatura especializada [Calvo, 1992], esses fluxos de capitais reduzem na classe poltica a urgncia da
reformas estruturais, camuflando a natureza das verdadeiras causas da crise e em ltima analise ameaando seriamente o sucesso de qualquer plano de estabilizao que necessitam dessas reformas para
se sustentarem no longo prazo.
Alm disso, para conseguir manter contnuo o fluxo de capital estrangeiro, necessrio para o
desenvolvimento, era necessrio oferecer um grande diferencial nas taxas de juros em comparao
com as do mercado internacional. Por outro lado, essa grande diferena entre as taxas de juros internas
e externas acabou atraindo tambm capitais especulativos de curto prazo que entravam para realizar
lucros num processo de arbitragem.
Numa economia mundial totalmente integrada e de livre trnsito de capitais, o processo de
arbitragem tende a anular o diferencial nas taxas de juros. Porm, se algum pas mantm sua poltica
cambial rgida sem possibilidades de flutuao das taxas e oferece restries ao livre fluxo capitais, o
equilbrio no pode se estabelecer. Nestes casos, o processo de arbitragem coloca o Governo, fatalmente, sob a presso de um ataque especulativo sobre a moeda que se v obrigado a abandonar o
controle cambial sob pena de perder totalmente as reservas cambiais e acabar sem condies de honrar
os compromissos externos.

Sada de Capitais
Trs crises externas, de igual importncia para nossa economia, tiveram que ser enfrentadas
durante os anos 90: A crise mexicana de dezembro de 1994, a crise asitica que comeou em julho de
1997 e a crise russa que se estabeleceu em agosto de 1998. As duas primeiras provocaram uma fuga de
capitais no Brasil que pde ser controlada e logo depois revertida com mais inverses de capital. J a
terceira provocou uma macia fuga de capitais at ser estancada com a desvalorizao de janeiro de
1999.
A recuperao da crise asitica se fez durante a primeira metade de 1998 com uma macia
capitao de recursos de curto prazo mas que tambm pouco durou. Nesse perodo mais de US$ 31
bilhes entraram no Pas contra US$ 15 bilhes no mesmo perodo do ano anterior. Nos meses seguin

tes de 1998, os dados mostram que o capital especulativo que havia entrado saiu na mesma
proporo ocasionando uma brutal queda nas nossas reservas internacionais.
No intuito de assegurar a capacidade de pagamento das contas externas do Brasil, o aumento na
acumulao de reservas estrangeiras era necessria enquanto a reforma fiscal no fosse aprovada pelo
Congresso Nacional. Mas, o preo a pagar para manter essa estratgia era muito alto. As mais importantes falhas em tal estratgia macroeconmica foram: 1) a apreciao do cmbio e seus efeitos sobre
a balano de pagamentos; 2) a manuteno de uma alta taxa de juros que impedia o crescimento da
economia e 3) o enorme recolhimento compulsrio dos depsitos nos bancos procurando reduzir a
liquidez da economia. Todas essas medidas faziam parte de uma poltica macroeconmica correta no
curto prazo mas que se mostrariam inconsistente no longo termo. Pode-se entretanto sugerir que a
poltica macroeconmica adotada s fazia sentido na medida que procurava manter a estabilidade da
moeda enquanto se negociava junto ao Congresso para se obter as profundas e necessrias reformas.
Mudanas que somente acabaram ocorrendo, parcialmente, de modo aodado no decorrer da crise.
O Governo dizia que a combinao de uma poltica de altas taxas de juros juntamente com o
programa de privatizao daria ao plano de estabilizao flego suficiente, sustentado na ncora
cambial, at que a reforma fiscal, a reforma do sistema da previdncia social e a reforma do Estado
entre muitas outras encaminhadas ao Congresso pudessem ser implementadas.
Como ficou claramente demonstrado na crise mexicana de dezembro de 1994, os investidores
estrangeiros mudam de comportamento com extrema rapidez diante da possibilidade de falha no plano de estabilizao na medida que as reformas estruturais prometidas no sejam realizadas [Frankel e
Schmukler, 1996]. E o Brasil acabou pagando o preo por no ter realizado tais reformas quando da
crise asitica.

A Crise Monetria nos Mercados Emergentes


A crise russa foi o fator decisivo que contribuiu para o rpido e profundo agravamento da situao econmica dos mercados emergentes, no final de 1998. O rpido e vigoroso ataque especulativo
sobre a moeda russa e a fraca resposta do seu governo na tentativa de defender o Rublo rapidamente
conduziu ao seu colapso e levou a flutuao desordenada da sua cotao frente s moedas fortes.
Para complicar ainda mais a situao brasileira, alguns estados brasileiros propuzeram uma
moratria no pagamento de suas dvidas e alguns investidores estrangeiros liquidaram suas posies
no Brasil para realizar lucros e cobrir prejuzos em outros lugares, criando um fluxo de sada de
capitais do Pas.
Na verdade estava criado um crculo vicioso j que a sada de capitais despertou a ateno de
alguns agentes financeiros e instituies classificadoras de risco de investimento que concluram que
esses capitais em retirada representavam uma perda de credibilidade no Pas o que aumentou a
vulnerabilidade da economia incentivando novas retiradas.
Essa situao levou a um considervel declnio nas reservas internacionais em relao ao incio
do ms de agosto de 1998 quando se situou em torno de US$ 75 bilhes. A partir de ento as reservas
caram, continuamente, at chegarem a US$ 40 bilhes em janeiro de 1999.
As negociaes com o FMI para a um novo emprstimo na tentativa de sustentar as taxas de
cmbio mostraram que mesmo um alto grau de reservas no seria suficiente para conter a sangria de
capitais apesar de que as reservas existentes possibilitassem algum tempo de negociao na tentativa
de superar a crise cambial que se instalava.
O recm reeleito governo do Presidente Fernando Henrique desperdiou uma grande chance que
tinha de poder anunciar o ajuste fiscal logo depois da crise russa do mesmo modo que fizera aps a
crise asitica. O pacote do FMI j no seria mais suficiente para prevenir a desvalorizao da moeda
no incio de 1999.

A Desvalorizao Cambial
O processo de desvalorizao do Real comeou em 13 de janeiro quando o Governo decidiu
alterar a poltica cambial. O presidente do Banco Central, Gustavo Franco solicitou sua demisso e foi
substitudo por Francisco Lopes que imediatamente anunciou novas medidas ampliando os limites de
flutuao do cmbio depois de uma desvalorizao de apenas 8% em meio a uma devastadora fuga de
capitais. Durante dois dias o Real foi negociado no teto da banda proposta e o Banco Central foi
obrigado a vender US$ 3 bilhes de dlares das reservas para defender a nova banda. Finalmente no
dia 15 de janeiro o Banco Central decidiu no mais intervir no mercado de cmbio e deixou o Real
flutuar ao sabor do mercado. Ao mesmo tempo a bolsa de valores de So Paulo viveu seus melhores
dias e subiu 33% recuperando-se da maior parte de suas perdas naquele ano.
Apesar do otimismo inicial o Real continuou a cair vertiginosamente chegando a atingir desvalorizao de 37% frente ao Dlar em apenas um ms. Quando da substituio de Francisco Lopes por
Armnio Fraga como presidente do Banco Central o Real j tinha atingido seu ponto mais baixo sendo
negociado a R$ 2,165 em relao ao Dlar.

O Descontrole Cambial
O descontrole cambial com a subida das taxas de cmbio acima de valores razoveis
(overshooting) que aconteceu no Brasil foi semelhante ao que ocorreu em outros pases onde mudanas abruptas no regime cambial geraram uma crise de confiana na moeda durante o perodo de
transio.
Embora o overshooting seja um fenmeno bastante previsvel [Pereira,1998], a questo principal permanecia ainda quanto a implementao do ajuste fiscal e o problema de financiamento da
economia brasileira, suas importaes e sobretudo as exportaes. A percepo dessa fragilidade mais
o trauma sofrido com as mudanas na poltica cambial deixaram o Brasil numa posio de extrema
vulnerabilidade para manter funcionando sua economia no curto prazo.
Para agravar a situao ainda mais, dois incidentes alimentaram especulaes quanto capacidade do Brasil implementar o ajuste fiscal. O primeiro foi a inabilidade do Governo em mobilizar
apoio poltico no Congresso para votar, em dezembro, a nova lei de contribuies previdencirias do
setor pblico e dos aposentados. Logo em seguida o governador de Minas Gerais, Itamar Franco,
anunciou a moratria da dvida daquele estado. Esses dois acontecimentos colocaram a descoberto as
recentes dificuldades que o Presidente Fernando Henrique tinha para coordenar as foras polticas, em
especial o apoio necessrio dos governadores estaduais. Todas essas dificuldades polticas aliadas
frustrao causada pela pfia performance das contas fiscais ao longo do ano de 1998 foram responsveis pelo clima de extremo pessimismo quanto continuidade do ajuste fiscal em 1999.

Sem a confiana no ajuste fiscal sabia-se que insistir na ncora monetria produziria ainda mais
tenses na poltica econmica, por causa dos efeitos negativos que as altas taxas de juros geram na
economia, como aconteceu na crise russa. Dentro desse cenrio, a nova armadilha conduziria ao governo novamente dependncia de entrada de capitais externos de alto risco, acumulando reservas
com investimentos de curto prazo na busca de juros mais altos enquanto a economia mergulhava em
recesso, reduzindo os investimentos diretos na produo e diminuindo as perspectivas de outras
privatizaes que trariam novos capitais de investimento produtivo. Tambm, uma demora em reverter favoravelmente a balana comercial contribua para um cenrio pessimista em relao capacidade do Brasil honrar seus pagamentos que venciam nos meses seguintes.
Sob o ponto de vista estritamente econmico a manuteno da poltica de estabilizao monetria no dependia mais da adequada utilizao dos instrumentos disponveis como parte da nova poltica de taxas de cmbio flutuantes, mas sim na oportunidade do governo federal e dos estados cumprirem o programa de reestruturao fiscal e realizarem o ajuste das finanas pblicas, incluindo a garantia da continuidade do programa de privatizao, o estabelecimento de oramentos equilibrados, a
diminuio na folha de pagamentos, etc.
A desvalorizao exagerada (overshooting) que se observou aps algumas semanas de cmbio livre foi perfeitamente natural e estava de acordo com o que ocorreu durante a crise cambial em
outros mercados emergentes. As taxas de paridade entre as moedas de livre troca, como era de ser
esperar, acabaram se auto regulando sem necessidade de maiores intervenes por parte do Banco
Central.
A durao no tempo e a extenso da instabilidade cambial dependia apenas da capacidade do
Governo brasileiro em manter o ritmo do ajuste fiscal e conseguir reverter favoravelmente a balana
comercial. Porm, somente a solvncia nas contas pblicas e a recuperao no nvel de reservas internacionais seriam capazes de diminuir a ansiedade dos investidores e dos credores externos quanto
recuperao da economia brasileira.

Os Cenrios Prospectivos
Existiam dois possveis cenrios: o mais otimista previa um rpido fim dos indesejveis efeitos
das altas taxas de cmbio acima do esperado ponto de equilbrio (overshooting) e outro mais pessimista previa o retorno do financiamento inflacionrio do dficit pblico e a provvel reindexao da
economia sem a interrupo dos pagamentos dos dbitos internos e externos.
A ameaa de transformao do processo de overshooting em reindexao da economia era o
maior desafio enfrentado pelas autoridades econmicas naquele momento, o que justificava a manuteno das altas taxas de juros durante o perodo de transio.
Entretanto, importante notar que a despeito dos esforos das autoridades para minimizar os
efeitos inflacionrios da desvaloriza-o cambial, na prtica de certo modo, a inflao poderia servir
para uma melhoria nas contas pblicas pelo efeito do chamado imposto inflacionrio. O perigo era que
ela ficasse fora de controle e acabasse conduzindo a uma reindexao de contratos e salrios.
Esse ajuste inflacionrio da economia significou uma reduo real do poder de compra da populao, diminuindo a demanda, principalmente de produtos importados, o que resultaria tambm num
ajuste da balana comercial e uma recuperao, ainda que tmida, das reservas cambiais seguida de
uma reduo nas taxas de juros nominais, o que contribuiria para a reduo do dficit pblico.
O contingenciamento do oramento foi outro instrumento de ajuste macroeconmico, tradicionalmente usado pelo governo brasileiro [Bevilaqua e Wernerck, 1997]. Desse modo, o montante dos
impostos arrecadados acabava indexado mas a previso de despesas no oramento no. Dentro dessa
tica, uma inflao de um dgito anual seria de certo modo til, embora de modo secundrio, para o
ajuste das contas pblicas.

Fase de Transio
No podendo mais contar com a ncora cambial que sustentava o plano de estabilizao monetria, a economia brasileira se encontrava numa fase de transio. Quanto duraria esse novo perodo
dependeria no apenas dos fatores macroeconmicos mas tambm e crucialmente da habilidade dos
agentes econmicos brasileiros se adaptarem as novas condies [FMI Perspectivas Mundiais, 1999].
A maior parte dos analistas se preocupam com as questes macroeconmicas da crise e quase
sempre acabam optando pelas concluses dos cenrios mais pessimista. Na verdade existem vrios
fatores que tendem a produzir previses macroeconmicas bastante adversas, alguns dos quais sero
analisados a seguir.
Existe uma tendncias a se procurar semelhanas entre a crise brasileira e particularmente as
crises mexicana, asitica e russa, que foram as mais recentes. Em todos os casos as situaes foram de
enorme gravidade, houve profunda recesso econmica, o sistema financeiro, mais ou menos bem
organizado, acabou sendo afetado e tambm as instituies acabaram sofrendo as consequn-cias
polticas da crise.
No caso brasileiro, as analises econmicas sempre enfatiza-ram o processo de overshooting
apesar de que esse um fenmeno considerado de ajuste automtico. Essas anlises no levaram em
conta as dimenses microeconmicas e institucionais do problema que acabaram, na crise brasileira,
tendo um impacto positivo sobre a dinmica e durao do processo.
Por ltimo, imediatamente aps a ncora cambial ter sido abandonada, a lgica de toda a poltica
econmica indicava a manuteno das altas taxas de juros e outras medidas de conteno da demanda
agregada, o que fazia com que os cenrios macroeconmicos sobrevalorizassem a intensidade e a
durao da recesso esperada.

As Diferenas da Crise Brasileira


O mercado monetrio brasileiro completamente diferente dos mercados de alguns dos pases
que passaram por recentes crises monetrias. Enquanto naqueles pases existia uma estreita relao
entre a crise cambial e um excessivo dficit pblico, simplesmente no Brasil o dficit pblico no est
atrelado ao Dlar nem financiado por investidores estrangeiros.
Pelo contrrio, uma das caractersticas institucionais mais marcantes que diferenciam a economia brasileira daqueles outros pases a existncia de um vigoroso banco de desenvolvimento em
apoio indstria controlado por investidores locais institucionais e um grande nmero de fundos de
penso de empresas estatais. Desse modo pode-se afirmar que no caso brasileiro no existe uma relao de causa e efeito entre a crise cambial brasileira e a rolagem da dvida interna [Silveira, 1999].
No que diz respeito divida externa, obviamente existe uma ligao mais direta desta com a
crise cambial quando ocorre um ajustamento no balano de pagamentos, uma vez que isso redunda
numa rpida diminuio do dficit comercial e de contas correntes. A ocorrncia dessa relao positiva altamente provvel e juntamente com a rede financeira de proteo internacional deixava de lado
a possibilidade da ocorrncia de um cenrio que contemplasse a suspenso dos pagamentos externos.
Desse modo, o Brasil pde superar a crise e conseguiu a estabilizao monetria muito mais
rapidamente do que o Sudeste Asitico, o Mxico e em especial a Rssia. Naturalmente, uma desvalorizao de 35% a 40% um problema para a economia que necessita de um trabalho intenso de
readaptao dos negcios principalmente naqueles setores que cresceram junto com a liberao do
mercado internacional nos recentes anos.

Mas deve ser lembrado que ao contrrio das outras recentes crises de desvalorizao da moeda
de outros pases, o Brasil possui reservas internacionais acrescidas dos emprstimos obtidos junto ao
FMI. Alm disso, favorece ainda mais a perspectiva de um cenrio promissor o fato de que o Brasil se
encontra hoje numa situao muito mais confortvel do que o Mxico em 1994, uma vez que os
capitais externos j voltaram a entrar no Pas, principalmente atravs da bolsa de valores. Neste
cenrio, no ser surpresa se o Brasil conseguir, impelido pelas novas taxas de cmbio, repetir nos
prximos anos os mega supervits da balana comercial dos anos 80 sem os efeitos malficos do
retorno da inflao.
Entretanto, em conseqncia da rpida recuperao da crise pode-se estar diante de um falso
otimismo. Neste caso, a aposta feita em um choque de credibilidade pode causar ainda maiores danos
pela frustrao que pode vir a causar quando as medidas de ajuste na economia forem implementadas,
pois apesar de razoavelmente efetivas podem no produzir os efeitos desejados.

A Rpida Recuperao
O mercado financeiro saudou com entusiasmo as boas novas, tais como o trmino da votao no
Congresso Nacional do ajuste fiscal, a concluso das negociaes com o FMI, os sinais de que a
inflao permanecia sob controle, a reabertura do mercado financeiro internacional para os papis
brasileiros e principalmente a deciso do Banco Central de diminuir as taxas de juros. O balano de
pagamentos e as contas fiscais mostraram sensveis melhoras e a recesso se mostrou menos grave do
que havia sido previsto. O prprio Ministro da Fazendo, Pedro Malan, em nota oficial disse que a
recesso econmica brasileira no seria to profunda e a inflao to alta quanto estimadas anteriormente para este ano.
O Governo obteve o suporte de quase 70% dos congressistas para concluir a aprovao da emenda constitucional que recriava a contribuio provisria sobre movimentaes financeiras (CPMF).
Aquela foi a mais significativa demonstrao de sensibilidade do Congresso sobre a crise e estava de
acordo com os objetivos acertados junto ao FMI e completava o ajuste fiscal.
O novo acordo de estabilizao negociado com o FMI previa um supervit primrio de 2,6% a
3,1% do PNB nas contas pblicas em 1999. A poltica monetria estabelecia um objetivo de uma
inflao anual de um digito ao final do ano. O cmbio seria monitorado pelo Banco Central que
interviria sempre que necessrio empregando o sistema de dirty float podendo gastar at US$ 8
bilhes nos meses de maro e junho para evitar flutuaes desordenadas das taxas. Por outro lado as
reservas internacionais do Brasil poderiam ser reforadas com um emprstimo de US$ 41,5 bilhes
que seriam sacados em parcelas se necessrio.
A taxa de inflao de 1.41% nos preos ao consumidor do ms de fevereir foi menor do que a
esperada e o mesmo aconteceu com os preos no atacado cujo ndice de 4,2%, ainda que alto, foi 1,6
pontos percentuais menor do que o dos trinta dias anteriores, sugerindo que o impacto da desvalorizao sobre a inflao estava diminuindo.
Mais rpido do que o esperado, os principais bancos reabriram o mercado internacional para a
emisso de bnus brasileiros de 1 ano e novas emisses j esto sendo esperadas. As linhas de crdito
para financiamento das exportaes e importaes tambm foram restabelecidas. Como resultado as
reservas brasileiras que tinham um previso de queda no acordo com o FMI de US$ 3 bilhes caram
em US$ 1 bilho situando-se em torno de US$ 34,5 bilhes em abril.
Outro sinal de que a recuperao estava vindo mais rpida do que se esperava foi o fato do
Banco Central diminuir as taxas de juros interbancrio inicialmente de 45% para 42% chegando ultimamente a 35% com previso de novas quedas no fosse a possibilidade de aumento dos juros nos
EUA que inviabilizaria outras baixas.
A balana comercial em maro estava prxima do equilbrio com as exportaes caindo de
10,4% em relao ao mesmo ms no ano anterior e as importaes caindo 24,3% no mesmo perodo.

J o balano de pagamentos, em fevereiro, estava negativa em US$924 milhes valor bem menor do que os US$ 2,6 bilhes em janeiro.
O Brasil est ainda passando por uma recesso porm o lanamento do bnus do Governo
sugere que muitos investidores acreditam que a crise no ser to profunda como antes se esperava e
at agora os investidores que acreditaram no Brasil esto sendo recompensados. Os investimentos
esto voltando rapidamente e criando novas oportunidades de negcios. Tudo isso cria um crculo
virtuoso uma vez que mais dinheiro aumenta a liquidez do mercado oferecendo oportunidades de mais
negcios que geram mais dinheiro e assim por diante.

Concluso
Pelo menos em tese a desvalorizao cambial realizada recentemente no Brasil criou a oportunidade de corrigir os exageros promovidos pela sobrevalorizao do Real que tomou corpo durante o
plano de estabilizao monetria . Mostrou, sobretudo, que no havia tanto risco de a liberao do
cmbio fazer retornar o regime de inflao que impedia o desenvolvimento e foi causa de uma brutal
concentrao de renda no Pas. Entretanto, a maximizao dos aspectos positivos dessa nova situao
ainda vai depender da implementao de polticas de apoio ao desenvolvi-mento econmico que realcem a importncia das privatizaes dos setores de infra-estrutura, a necessidade de um processo de
financiamento para todos os setores da cadeia produtiva em especial privilegiando o crdito exportao e at mesmo preocupando-se em conceder incentivos anti-recessivos localiza-dos.
Em outras palavras, ao contrrio do que uma anlise estritamente macroeconmica pudesse
sugerir, o risco da desvalorizao cambial havia sido superestimado e rapidamente passou-se pela fase
de transio sem maiores problemas para se entrar num novo regime de poltica econmica. A anlise
microeconmica da situao e da sua dimenso institucional mostra que a economia brasileira possui
uma formidvel capacidade de resistncia e de adaptao as mudanas politico-econmicas em curso.
Ou seja, o Brasil, apesar de todos os prognsticos contrrios, foi capaz de realizar as mudanas necessrias com o mnimo de rupturas no setor financeiro e de desorganizao no setor produtivo. Principalmente no setor industrial que vinha do impacto da liberao do comrcio internacional, desde o incio
do Plano Real, para se adaptar agora ao novo impacto da liberao do cmbio. Esses dois choques no
setor industrial revelaram que em geral os impactos so positivos pois que potencializam o crescimento, aumentam a produtividade e elevam o nvel geral da economia.
Apesar de que haja um consenso generalizado que em 1999 o Brasil ter um decrscimo na
atividade econmica, o que se discute hoje de quanto ser essa diminuio no PNB. Provavelmente
essa retrao ocorrer no primeiro semestre mas j para o segundo semestre est se prevendo uma
retomada do crescimento.
Parte dessa diminuio do PNB ser devida ao ajuste fiscal j aprovado com reduo das despesas pblicas e conseqente diminuio do investimento estatal. Alm disso, as altas taxas de juros
ainda inibem o desenvolvimento. Porm, os juros vm caindo sistematicamente sinalizando para o
setor privado a tendncia da nova poltica econmica implementada pelo Governo que procura aproveitar o momento favorvel criado pelas novas medidas proporcionadas pelo ajuste fiscal, embora o
servio da dvida interna represente ainda uma parcela significativa do oramento federal para 1999.
O principal objetivo nos trs anos de ajuste no programa de reestruturao das contas pblicas
ser o de substituir a poltica monetria em favor dos instrumentos fiscais como principais instrumentos de controle macroeconmico. Entretanto, isso no poder ser atingido instantaneamente, desse
modo por um certo perodo de tempo, enquanto o ajuste fiscal no for completamente consolidado,
persistiro os dois sistemas de controle para manter a estabilidade econmica. Observe-se, entretanto,
que a maior parte das medidas adotadas no ajuste fiscal foram medidas temporrias ou de curto prazo
incapazes de proteger o Brasil contra futuros ataques especulativos [Rosenberg, 1999].
To logo o presidente Fernando Henrique comece a proceder as necessrias reformas de longo

prazo no sistema fiscal e previdencirio as tenses polticas e sociais podero aumentar mas,
somente com essas reformas o Brasil poder assegurar uma economia estvel e proporcionar um desenvolvimento sustentvel a longo prazo.
Na opinio do mega investidor, George Soros : A crise financeira est oficialmente debelada...
vamos esperar pela prxima! Entretanto devemos ser cautelosos antes de comear a comemorar um
novo milagre brasileiro.
(*) Professor do CEFET-RJ e Membro do Corpo de Conferencistas Especiais da ESG.
(**)Consultor da EUROPRAXIS.

AUTORES REFERECIADOS NO TEXTO


Bevilaqua, A. and Werneck, R. (1997). Fiscal-Policy Sustainability in Brazil,
Calvo, G. and Leiderman L., (1992) Capital Inflows and Real Exchange Appreciation in Latin
America: The Role of External Factors, IMF Working Paper WP/92/62
Frankel, J. and Schmukler, J. (1996), Country Fund Discounts and the Mexican Crisis of
December 1994: Did Local Residents Turn Pessimistic Before International Investors?,
Paper presented at the NBER Summer Meetings, Cambridge
Giambiagi, F. (1997). Necessidades de Financiamento do Setor Pblico 1991/1996 Bases para
a Discusso do Ajuste Fiscal no Brasil, BNDES
International Monetary Fund (1999) - World Economic Outlook (Part I - chapter 1 and 2 ), May
1999
Rosenberg, M. (1998), Currency Crisis in Emerging Markets - A guide to Speculative-Attacks
Models and Early Warning Systems, Merrill Lynch
Pereira, R. M. (1998). O Ajustamento Cclico da Taxa de Cmbio em Mercados Emergentes,
PUC-Rio
Silveira, S.(1999). Panorama Macro Financeiro: Comentrios, Macromtrica

Homenagem

HOMENAGEM PSTUMA
Celso Pires(*)
Nesse nosso tempo esvaziado de espiritualidade, com o
trespasse, a 22 de fevereiro deste ano, do Doutor HLIO DE
ALMEIDA BRUM, uma grande tristeza domi nou o corao dos
seus amigos.
H os que partem e no deixam a expresso esquecer.
Atendem a um chamamento. Dei xam o exemplo que no se perde
na hora da despedida definitiva nem emudece a transcendncia da
personalidade.
Foi, por muitos anos, membro do Corpo Permanente e
Consel heiro desta Escola. Nosso vetusto auditrio ouviu, muitas
vezes, a palavra do Dr. BRUM, sempre ilumi nada pelo saber e pela
cultura.
Quem teve a ventura de sua companhia testemunhou
momentos significativos da nobreza de carter e senti mentos
magnnimos, onde se conciliavam a generosidade do
aconselhamento e a revelao da ajuda. Simples e bom, no
sublimava arrogncia ou vaidade.
Afvel no trato e lhaneza no fazer, neste esboo de perfil,
mostrou e prodigalizou aos que tiveram o calor da estima a
for mao sobretudo humana, cativante pelo condo de cultivar a

o sobretudo humana, cativante pelo condo de cultivar a


fidalguia dos gestos e atitudes, amveis, sem impor opinio
jactante, no relevo dos argumentos vastos de uma estrutura cultural.
Talento privilegiado, enobrecia-se ao longo e ao cabo de suas
pginas publicadas, transitando o caminho da qualidade, nas
abordagens dos assuntos, atento ao inestimvel registro pessoal de
inteligncia.
Joubert nos dizia:o melhor morrer jovem, o mais tarde possvel. Assim
manteve a vida, HLIO BRUM: pensamento e idias jovens, qual a luz votiva da
esperana. Nesses dias dominantes de utilitarismo imediato, em que se
intensifica, a cada momento, a realidade fria do egosmo, ainda existe lugar entre
os homens de bem para o preito e o direito do reconhecimento. Uma
compreenso mais justa da solidariedade.

Resulta-se de tudo isso a nossa homenagem-memria.

(*) Chefe Diviso de Biblioteca, Intercmbio e Difuso (DBID)

Memrias

CRIAO DA ESCOLA SUPERIOR DE


GUERRA
Lei No 785 de 20 de agosto de 1949
Cria a Escola Superior de Guerra e d outras
providncias
O Presidente da Repblica:
Fao saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o criada a Escola Superior de Guerra, instituto de


altos estudos, subordinado diretamente ao Chefe do Estado-Maior
das Foras Armadas e destinado a desenvolver e consolidar os
conhecimentos necessrios para o exerccio das funes de direo
e para planejamento da segurana nacional.
Art. 2o A Escola Superior de Guerra funcionar como
centro permanente de estudos e pesquisas e ministrar os cursos
que, nos termos do art. 4o, forem institudos pelo Poder Executivo.
Art. 3o A Escola Superior de Guerra ter os seguintes
rgos:
I.
II.
III.
IV.

Direo;
Junta Consultiva;
Departamento de Estudos;
Departamento de Administrao.

I.
Art. 4o O Poder Executivo baixar o regulamento da Escola
Superior de Guerra, que estabelecer as normas para o seu perfeito
funcionamento, dispondo especialmente sobre a composio dos
rgos enumerados no artigo anterior e estrutura dos quadros de
administrao e de instrutores, os cursos que o mesmo Poder julgar
necessrios, as condies de matrcula em cada um deles e os
contratos com os consultores e conferencistas, respeitados os
limites dos crditos legais.
Art. 5o Tero ingresso na Escola oficiais de comprovada
experincia e aptido, pertencentes s Foras Armadas, e civis de
notvel competncia e atuao relevante na orientao e execuo
da poltica nacional.
Art. 6o A Junta Consultiva ser constituda de eminentes
personalidades, civis ou militares, do ensino superior, ou de notvel
projeo na vida pblica do Pas.
Pargrafo nico. A colaborao dos membros da Junta
Consultiva com a direo da Escola ser considerada servio
relevante prestado Nao.
Art. 7o A Escola Superior de Guerra contar, para a
auxiliarem nos servios administrativos, com servidores civis ou
militares, requisitados aos Ministrios, e com pessoal
extranumerrio, admitido na forma da legislao em vigor.
Art. 8o Os oficiais das Foras Armadas, quando em servio
na Escola Superior de Guerra, em funes administrativas ou de
ensino ou quando alunos, sero considerados em comisso militar,
sem aumento dos quadros a que pertencerem.
Art. 9o Sero considerados para todos os efeitos, em efetivo
exerccio nos respectivos cargos os servidores pblicos civis postos
disposio da Escola em qualquer das situaes a que alude o
artigo anterior.
Art. 10 o Poder Executivo autorizado a abrir, pelo
Estado-Maior das Foras Armadas, um crdito especial de Cr$
3.000.000,00 (trs milhes de cruzeiros), para ocorrer s despesas
de instalao, obras equipamentos da Escola Superior de Guerra.

Art. 11 Esta Lei entrar em vigor na data de sua publicao,


revogadas as disposies em contrrio.
Rio de Janeiro, 20 de agosto de 1949; 128o da Independncia
e 61o da Repblica.

EURICO G. DUTRA
Adroaldo Mesquita da Costa
Sylvio de Noronha
Canrobert Pereira da Costa
Raul Fernandes
Guilherme da Silveira
Clvis Pestana
Carlos de Souza Duarte
Clemente Mariani
Honrio Monteiro
Armando Trompowsky

("Dirio Oficial" de 30-VIII-949)

P R IN C P IO S FU N D AM E N T A IS Q U E O R IE N T AR AM A C R IA O D A E SG

I.

A S e g ura na N a cio na l funo m ais do po tencial


geral d a N ao do q ue de seu p o te ncial militar.

II.

O B rasil po ssui o s re quisito s b s icos (rea,


po pulao , recursos) ind isp ensv eis p ara se tornar uma g ra nde
po t ncia .

III.

O D esenv olvi me nto do B rasil tem sid o retard ad o po r


m otivo s suscetveis de remo o.

IV.

C o mo tod o trabalho, a orientao dessa ace le ra o


exige a u tiliza o d e u ma e ne rgia m o t riz e de um p roce sso de
ap licao d essa ener gia.

V.

O i mped i men to at a go ra existe nte co ntra o


surgi me n to d e so lu e s nacio na is pa ra os pro ble ma s
b rasile iro s devid o ao p ro cesso d e aplicao d e energia
ad otad o e falta de hbito d e t ra balho de co njunto.

VI.

Ur ge s u bstit uir o m tod o do s pareceres po r outro


m to do q ue per mita se che gar a so lu e s ha rm nicas e
e q uilib ra da s.

VII.
O instr ume n to a utilizar para a e labora o d o no vo
m tod o a ad otar e p ara a sua d ifuso , co nsiste na criao d e u m
Instit uto N acio na l de A ltos E stud os fu nciona ndo co mo
C e ntro P e rm a ne nte de Pe squisas.

I.

O instrumento a utilizar para a elaborao do novo


mtodo a adotar e para a sua difuso, consiste na criao de um
Instituto Nacional de Altos Estudos funcionando como
Centro Permanente de Pesquisas.

(*) Documento redigido pela Comisso designada pela EMFA, em


janeiro de 1949, para elaborar o anteprojeto de Regulamento da
Escola. Presidia a Comisso o ento General-de-Diviso Olavo
Cordeiro de Farias. O relator da mesma foi o ento Ten.-Cel.
Idlio Sardenberg

CINQUEN TENRIO D A ESG

Therezinha de Castro(*)
Misso honrosa mas sobremodo difcil a que me atrib uiu
nosso Comandante, o General Carlos Patrcio Freitas Pereira a ser
porta-voz desta solenidade comemorativa dos 50 anos da Escola
Superior de Guerra.
Numa breve locuo devo trazer-lhes um pouco do passado...
sintetizar o presente para vislumbrar o futuro.
No seu meio sculo de existncia os anos se sucederam com
matemtica preciso, onde os dias foram sempre novos. Antes
mes mo de existir, j era a ESG ideal a ser posto em prtica no
Curso de Alto Comando para Oficiais Generais e Coronis do
Exrcito, criado em 1942 pela Lei do Ensi no Militar.
Potencializava-se o ideal com o referido curso tornando-se
extensivo aos Oficiais das Foras Singulares.
Ainda nos idos de 1942, o General Csar Obino, Chefe do
Estado-Maior Geral (depois EMFA) ia aos Estados Unidos.
Visitando o National War College comunicava que se estava
implantando no Brasil uma Escola, em moldes semelhantes.
que o General Oswaldo Cordeiro de Farias elaborava o
anteprojeto do Regulamento da Escola Superior de Guerra,
enquanto o Ten. Coronel Idlio Sardenberg traava seus princpios

enquanto o Ten. Coronel Idlio Sardenberg traava seus


princpios fundamentais. No entanto, mais do que a preparao
para a guerra a que se dedicava preferentemente o colgio
estadunidense, a tarefa prioritria da ESG seria a de formar elites
para a soluo de nossos problemas, em todas as dimenses.
Em sua feio definitiva a ESG nascia segundo a Lei 785 de
20 de agosto de 1949. Nascia pouco depois de terminada a 2
Guerra Mundial apoiando-se no binmio segurana e
desenvolvimento, congregando civis e militares.
No transcorrer desse seu meio sculo de vida, vem a ESG se
mantendo num mtodo dentro de duas premissas a do trabalho
em equipe do que foi a pioneira no Brasil, e no planejamento,
tambm a precursora.
Estudando o destino do Brasil no se deve perguntar o que
vai acontecer e sim o que devemos fazer. Assim, dentro da sua
dinmica funcional, a ESG se manteve sempre no cenrio de foras
em movimento, destacando a necessidade da manuteno dessas
foras para o afloramento das solues.
Era bem mais tmido o Brasil do tempo em que a ESG
nasceu. O mesmo espao... mas um cenrio bem diferente.
A Escola Superior de Guerra nos seus 50 anos tem um Brasil
dotado de presena e posicionamento. nao emergente de poder
real ainda pequeno face seu espao e massa demogrfica, mas de
potencial imenso, donde o prestgio que nos atribuem outros pases
que integram conosco o condomnio do Planeta Terra. Vivemos,
pois a dinmica geopoltica de horas batendo indiferentemente para
todas as naes, embora soando diferente para cada uma delas.
O Brasil de 20 de agosto de 1999 mltiplo vetor tanto no
continente sul americano como no Atlntico Sul. pois, um pas
bem mais complexo que aquele existente em 20 de agosto de 1949.
Projetando-se hoje o futuro do Brasil apresenta-se no cenrio
dinmico o jogo de sua maritimidade e continentalidade. Ainda
bem mais voltado para o oceano tal como nasceu no espao de
Tordezilhas... mas procurando na geopoltica integralizada
conviver com os demais condminos americanos.

Em seus 50 anos a ESG estuda o destino de um Brasil no estgio geopoltico da adolescncia


e se prepara para enfrentar com viso estratgica o Mundo Globalizado do Sculo XXI.
Senhoras e Senhores! Testemunha do passado a Histria da cinqentenria ESG se espelha no
futuro. Por isso todos ns que hoje vivenciamos esta Escola somos a sua Histria que se faz. Uma
Histria que ir continuar a se fazer a cada dia, com a colaborao de cada um, at que outras
geraes, nossas sucessoras, aqui se congreguem como ns para comemorar-lhe o centenrio.
Muito obrigada pela ateno.

(*) A locuo proferida por ocasio da data comemorativa do cinquentenrio da Escola Superior de Guerra e
Adjunta da Diviso de Assuntos Internacionais

CURSOS DAESCOLA SUPERIOR DE GUERRA


Os principais so:
Cursode Altos Estudos de Poltica e Estratgia - CAEPE
O Curso tem por objetivo preparar civis e militares para o exerccio de funes de
direo e assessoramento de alto nvel especialmente nos rgos responsveis pela
formulao das polticas de segurana e desenvolvimento nacionais e dos planejamentos
estratgicos correspondentes.
Curso de Altos Estudos de Poltica e Estratgia Militar CAEPEM
O Curso destina-se a habilitar oficiais das Foras Armadas para o exerccio de funes
de direo e assessoria de alto nvel, nos rgos responsveis pela formulao da poltica
nacional, particularmente, no campo da segurana e do desenvolvimento e dos
planejamentos estratgicos militares decorrentes.
Curso Especial de Altos Estudos de Poltica e Estratgia CEAEPE
O Curso Especial de Altos Estudos de Poltica e Estratgia destina-se a divulgar, no
campo externo, a Doutrina e o Mtodo para o Planejamento da Ao Poltica preconizado
pela Escola Superior de Guerra, tambm propiciar o intercmbio entre Naes Amigas.
Curso Superior de Inteligncia Estratgica CSIE
O Curso Superior de Inteligncia Estratgica destina-se a formar analistas em
Informaes Estratgicas.

Principais Atividades
O ano letivo vai de maro a dezembro, dividindo os currculos, do CAEPE, CAEPEM
e CSIE, em dois perodos:
Perodo Bsico, durante o qual os Estagirios estudam a Doutrina, seu embasamento
terico, e o Mtodo para o Planejamento de Ao Poltica, preconizados pela ESG.
Perodo de Aplicao, onde so avaliadas as conjunturas nacional e internacional.
Os trabalhos acadmicos consistem principalmente, de conferncias, trabalhos
individuais (monografia) e de grupos, e so complementados por viagens de estudos, em
Territrio Nacional e no exterior.
Os palestrantes do perodo Bsico so selecionados, principalmente, entre membros do
Corpo Permanente da Escola. Para o outro perodo, so convidados conferencistas dos
Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio, de entidades de economia mista e das empresas
privada, direta ou indiretamente ligados ao planejamento e a execuo de Programas de
Desenvolvimento Nacional.
Outras Atividades
Em paralelo com os Cursos Regulares, a ESG realiza o Curso de Extenso e Encontros
com a ESG, atividades destinadas em princpio, ao pblico externo, e pesquisa, intercmbio
e difuso.

Curso Intensivo de Mobilizao Nacional CIMN


O Curso destina-se a proporcionar a civis e militares conhecimento bsicos sobre
Mobilizao e sua importncia para a Segurana Nacional.
Curso de Atualizao da ESG CAESG
O Curso de Atualizao destina-se a manter atualizados os conhecimentos dos
diplomados da ESG, a cada cinco anos, sobre a Doutrina e o Mtodo para o Planejamento da
Ao Poltica.
Histrico
A Escola Superior de Guerra (ESG), criada em 20 de agosto de 1949, um Instituto de
Altos Estudos, diretamente subordinado ao Estado-Maior das Foras Armadas (EMFA),
rgo de assessoramento da Presidncia da Repblica. A esse nvel so elaboradas as
diretrizes de ensino e o currculo escolar, que esto constantemente sob a reviso luz das
necessidades bsicas decorrentes da evoluo das polticas do Governo do Brasil. O
currculo reflete uma preocupao pelos Objetivos Nacionais Brasileiros, de natureza
Poltica, Econmica, Militar, Psicossocial e de Cincia e Tecnologia.
Estagirios
Os Estagirios so selecionados pelo Estado-Maior das Foras Armadas dentre oficiais
das trs Foras e civis indicados pelos respectivos ministrios, rgos governamen-tais,
associaes , entidades de classe, empresas privadas, universidades e Polcias Militares.
Anualmente, so matriculados no CAEPE cerca de 100 Estagirios, entre homens e
mulheres dos quais 70% so civis. Cursam o CAEPEM, aproximadamente, vinte Oficiais
superiores das trs Foras Singulares.

Escola Superior de Guerra - ESG


Avenida Joo Luiz Alves Urca
Fortaleza de So Joo
22.291-090 Rio de Janeiro-RJ Brasil

Embora seja subordinada ao Poder Executivo, a Escola Superior de Guerra no


desempenha nenhuma funo na formulao ou na execuo da Poltica Nacional, nem
participa de atividades oficiais ligadas a Poltica do Pas, de que so responsveis os Poderes
Executivo e Legislativo. O trabalho da Escola de natureza exclusivamente acadmica.
desse modo, ela tem prestado uma inestimvel contribuio na tarefa de integrar civis e
militares no exame de problemas nacionais e internacionais, relacionados com a Segurana e
com o desenvolvimento nacionais. Em sntese, a ESG um foro democrtico e uma Escola
de idias abertas ao debate livre e responsvel e, tem desempenhado um papel importante na
formao de elites democratas ao longo de quatro dcadas de atividades. A ESG a matriz
do pensamento poltico e estratgico nacional.
Associao dos Diplomados da ESG
Todos os diplomados da Escola Superior de Guerra fazem parte de uma associao,
conhecida como Associao dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG), sob a
presidncia honorria do Comandante da Escola. Seu principal objetivo o de manter um
vnculo entre os diplomados e a Escola, por meio de atividades intelectuais ou encontros de
natureza social.
A ADESG tambm responsvel pela organizao e execuo de cursos de
conferncias sobre os aspectos principais da Doutrina da Escola. Essas conferncias so
realizadas em diferentes cidades do Brasil, freqentadas por autoridades locais, professores,
empresrios, representantes de rgos federais, estaduais e de entidades particulares.
Rede Bibliodata
A ESG integra o Sistema Rede Bibliodata emprstimos entre bibliotecas sob a
coordenao
da
Fundao
Getlio
Vargas.

E-Mail (Correio Eletrnico) esg @esg.br


Home Page (Pgina na Internet) http://www.esg.br
Telefones: (021) 545-1727 e 545-1737
Telex: (021) 30107
Fax: (021) 295-7645

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