A Ideia de Nação em África: Etnia Ou Estado Moderno?
A Ideia de Nação em África: Etnia Ou Estado Moderno?
A Ideia de Nação em África: Etnia Ou Estado Moderno?
Introduo
As aventuras europeias em frica no deixaram este continente e os seus povos
intactos, pois, estes contactos tiveram um impacto significativo, tendo alterado
profundamente a filosofia, a organizao social, a religiosidade e a identidade do
africano. At hoje, as conseqncias deste encontro continuam bem salientes. Entres
estes factos protagonizados pelos europeus no espao africano, destaca-se o
colonialismo, que ser objecto da nossa anlise, sob perspectivas histrica,
antropolgica e sociolgica.
Neste sentido, procuraremos demonstrar como o colonialismo forou o africano a ter
uma ideia sui generis sobre realidades como nao, Estado, pas, fenmenos do
Ocidente que foram transplantados para o continente bero (cf. Lomo, 2006: 175). So
os mesmos fenmenos que esto em confronto com o mundo tradicional, e que ainda
mantm a sua fora e a sua actualidade, j que a modernidade europeia no devorou
completamente a cultura tradicional negro-africana (cf. Ela, 1998: 56). Isto representa,
pois, um desafio, tambm para o africano, no que toca a concepo do termo nao.
Decididamente, luz dos princpios da metodologia cientfica, dividimos a nossa
exposio por cinco pontos, que apreciam estes temas: o colonialismo (tendo em conta
os resultados da Conferncia de Berlim (1885), que veio traar fronteiras artificiais),
evento que veio baralhar a organizao social; as independncias conseguidas com o
apoio dos movimentos nacionalistas; a aprovao, hoje, dos Estados modernos (onde
mazelas como o tribalismo, a etnicidade, tm um lugar de destaque, embora hajam
algumas excepes, em menor escala); a difcil coabitao Estados-Etnias; o quadro
actual e os desafios urgentes.
I. O Colonialismo em foco
J foi salientado que o colonialismo, tendo sido tambm um encontro de culturas, criou
muitas situaes embaraosas para a frica. Com isso, muita coisa mudou neste
continente, tendo esta mutao influenciado a ideia de nao na perspectiva africana.
1.1. Expanso colonial e disperso dos reinos e imprios
Muito antes de o europeu chegar frica, chefes de envergadura excepcional dirigiam
os imprios e reinos existentes naquele continente. Com uma forte organizao social,
frica parecia estar longe de ser uma terra colonizvel. Porm, a entrada do europeu
procurou virar o curso implacvel do destino dos povos africanos, que j tinham
formado grandes conjuntos polticos supra-tribais, que sobreviveram durante sculos
(cf. Fage, 2010: 305). este o sentido das epopeias registadas na frica Negra: Chaka,
Usman das Fodio, El-Hadj Omar, Samori, Mdi e Menelique, da Etiopia.
Estes homens influram o destino histrico de regies inteiras de frica. Eram
venerados como deuses, e tambm temidos como diabos, num raio de vrios milhares
de quilmetros sua volta. H exemplos claros: os Ngunis instalaram-se no Sudeste.
Compostos por vrias etnias, estavam rodeados a leste pelos sothos, enquanto ao norte e
ao sul viviam grupos aparentados, como os Suazi, os khosas.
Assim, podemos citar o Imprio Zulu, cujo rei, Chaca, revolucionou as estruturas
sociais, formando um exrcito permanente, aprovando a poligamia, impondo e
recomendando a disciplina, optando tambm outros hbitos, usos e costumes; os
torobs, no Sudo, confundidos com os peules espalhados pelo Mali; os bakongo, no
Reino do Congo, hoje bem divididos; os povos shona do Monomatapa (Zimbabwe); o
Imprio Lunda foi retalhado em trs fatias, entre Congo, Angola e Rodsia. Mais tarde,
muitos reinos e imprios conheceram o declnio, devido falta de entendimentos,
desunio, sucesses. Assim sendo, diz-se que a expanso dos brancos desorganizou
quase tudo no mundo africano (cf. Basil, 1978: 71-80.89-92 e Kizerbou II, 2002: 59.13.79).
de uma revoluo. De facto, depois da II Guerra Mundial (1947), surgiu uma viragem
decisiva na histria universal, e em particular na histria de frica. Neste contexto,
estudantes, intelectuais, sindicatos, os partidos polticos juntaram-se atravs de alguns
movimentos culturais e filosficos como o panafricanismo e a negritude. Os africanos
sentiram-se unidos pela raa. Surgia a era dos movimentos de libertao nacional, que
ganharam tambm o estatuto de partidos polticos, mas com uma forte acentuao
tnica. Os membros que pertencem a etnias dos presidentes tm sempre outros
privilgios (Kizerbou II, 2002: 85-86.157-158).
Mas, na verdade, os esforos foram bem compensados. Por isso, muitos pases, no fim
da dcada de 50 e no princpio da de 60, tornaram-se independentes. Houve, realmente,
o processo da descolonizao. Porm, com a independncia, o nacionalismo africano j
no pde fornecer respostas srias e certas aos problemas reais. Os seus discursos j no
passavam de excitaes estreis e de contradies indefinidas. Tornou-se o libi dos
privilegiados, que recorriam ao mito da totalidade nacional para fazer esquecer as
desigualdades reais e outros problemas sociais. Contudo, as independncias foram
conquistadas na base de fronteiras artificiais herdadas pelo colonialismo (cf. Raymond,
2007: 87-90).
Com esta realidade, torna mais complicada a ideia de nao para o africano. lgico
registar esta posio africana:
Surge-nos em primeiro lugar a absurda diviso actual, herdada da colonizao.
Tribos h, e aldeias, e mesmo famlias, cortadas por fronteiras que seguem os paralelos
ou os meridianos escolhidos sobre um tapete verde em Londres ou em Paris, no sculo
XIX [...] Assim, o povo senufo [...] encontra-se hoje dividido entre trs Estados: o Mali,
a Costa do Marfim e o Alto Volta (Kizerbou II, 2002: 424).
No caso de Angola, por exemplo, o Reino do Kongo sofreu uma grande diviso, que
ainda nos nossos dias cria muitos problemas: encontramos os bakongo ao norte de
Angola, ao sul da Repblica Democrtica do Congo e da Repblica do Gabo, e no
Congo Brazzaville. Todos falam a mesma lngua e tm os mesmos usos e costumes.
Mas no pertencem, hoje, ao mesmo pas...
de realar, nesta linha, que a poltica africana conheceu novidades, como o tribalismo, a
ditadura e a democracia. So elementos fundamentais que merecem uma reflexo profunda.
O tribalismo aparece como uma praga j antiga, pois no comeou nos nossos dias. Existe
desde os tempos remotos e continua a dominar at hoje a mentalidade africana, tocando
tambm a agenda poltica Correspondia a uma organizao social, mas virada para o
reagrupamento de uma srie de ncleos familiares. Na era colonial, a tnica foi outra: a
reivindicao tnica tomou um sentido ambguo; a etnia foi largamente sublinhada para
controle administrativo, poltico e religioso. A etnicidade surgia como um modo de
organizao poltica.
Neste quadro, as reivindicaes tribais e regionais ganham terreno, pondo os pases em
contnuo risco de exploso. A etnicidade surge como instrumento dos lderes que controlam
ou facilitam a execuo do poder, num ambiente de conflitos, que so uma realidade,
confinada em sistemas de desigualdade e de dominao que prevaleciam antes ou mesmo
durante a colonizao e que no foram abolidos, continuando a marcar passos na histria, sob
a capa das instituies modernas.
Por isso, a integrao das etnias tem sido um processo precrio, aparecendo como uma
ameaa. nesta perspectiva que os partidos polticos (e suas tendncias), os movimentos,
mesmo qualificados de revolucionrios, exprimem o peso relativo dos grupos tnicos com a
pluralidade de opes no tocante s diversas esferas. Assim, as tribos, em vez de ser foras de
coeso, surgem como fontes de tenso da sociedade nacional ou estatal. Por isso a frica
Negra promove Estados sem naes (Cf. Balandier, 1987: 177-178).
proposta do presidente lbio Kadhafi, mas que est a ter poucos seguidores. E sente-se a
necessidade de restituir frica a memria da sua antiga organizao, e comparar o
hoje com o que foi a frica no tempo colonial. E confirma-se que h continuidades e
descontinuidades entre a era pr-colonial e a era ps-colonial . E nota-se que este ou
aquele aspecto do Estado contemporneo o prolongamento da era colonial. Porm, o
pluralismo poltico nos finais dos anos 80 tornava-se uma realidade, e permitiu o
surgimento e a reviso de muitos problemas. Surgiram temas como a democracia,
direitos humanos, integrao regional, etc. (cf. Kipr, 2006: 149-153).
IV. O que uma Nao?
Argumentos no faltam para justificar as ambigidades africanas na concepo de
ideia de nao. Vejamos: os politlogos realam que, objectivamente falando, o termo,
ao contrrio da perspectiva modernista que v a nao como um fenmeno recente
situado no tempo, a perspectiva objectiva procura essencialmente identificar a nao a
partir de distines no seio da espcie humana de natureza racial ou tnica. Nesse
sentido, transformam-se as naes em obra da providncia, que teria separado
admiravelmente as naes no somente por florestas e montanhas, mas, sobretudo, por
lnguas, gostos e caracteres. A nao surge, assim, como uma concepo orgnica e
cultural.
Por seu turno, a concepo subjectiva de nao baseia-se na ideia de que a distino
entre as naes no deve assentar numa suposta diferena de raas puras, mas, sim,
numa base cultural e numa certa sedimentao histrica. Isto est bem assente numa
opo consciente dos indivduos e na adeso a princpios de convivncia colectiva
aceites por todos (cf. S, 1999: 141).
Como o problema do Estado-nao tem sido estudado no contexto das cincias sociais,
eis as concluses de um estudioso negro africano:
Todavia, com a considerao da perspectiva histrica das noes como etnia,
tribo, cidade-Estado, os historiadores, em colaborao com os antroplogos, abrem
novas vias para o seu desenvolvimento. Estas noes so manejadas de uma forma
delicada, tanto que surgem dificuldades para definir o seu contedo semntico, e as
mesmas continuaram a ser referencias para alguns estudos sobre a natureza e o Estado
contemporneo (cf. Kipr, 2006: 152).
luz destas consideraes, aceita-se que entre as grandes questes sobre a frica, est
na ordem do dia o problema do Estado, sempre na base dos binmios colonizao-pscolonizao, partido-Estado, que fizeram com que os africanos perdessem o seu prprio
destino e a sua identidade. Com o formalismo da democracia importada, surge outra
questo: como construir um Estado de direito e uma democracia nas sociedades
dominadas pela diversidade cultural e diversidade tnica? Este um dilema africano...
Imposto realidade social africana, o modelo do Estado-nao forte por causa do seu
primado de unificao cultural e tnica, e de individualizao do corpo social. Nele,
vive-se a vontade de viver todos juntos no respeito pelas diferenas.
Sociologicamente falando, no plano africano, as etnias africanas so povos ou naes
pr-coloniais na medida em que encarnam dois critrios objectivos de identificao de
uma nao: laos de sangue, lngua, cultura, religio, a terra, ou seja a vontade de viver
juntos atestada pela histria, que no foi uma inveno do colono... So estes princpios
objectivos e subjectivos defendidos pelos politlogos, para se falar da nao. O africano
est nesta senda: vive na confuso entre nao e etnia... No campo poltico, como a
cpia do poder de tipo ocidental continua a impor-se, procura-se o seu
reconhecimento e a sua reconciliao com a realidade africana.
Com as ferramentas fornecidas pela histria, antropologia poltica e jurdica, sociologia,
cincias polticas, a prova est dada: em matria da modernidade poltica, a frica
Negra no percorreu a mesma trajectria com o Ocidente. Dar lhe a cura com esta
frmula Estado-nao no parece ser, para muitos, a soluo ideal. A honestidade
intelectual obriga a reconhecer que as sociedades africanas pluri-tnicas j tinham o seu
prprio modelo de nao, de Estado e da democracia. A cultura do Estado segmentrio,
como Imprios ou Reinos de Etiopia, Mali, Benin, Ghana, Kongo, Monomotapa,
fornecem argumentos para a re-fundao de uma repblica pluri-tnica e autnoma na
gesto dos governos locais de cls, linhagens, tribos e outras formas de reinados (cf.
Thiyembe, 2006: 162-164).
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