Sebenta de FP I

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Ano letivo 2023/2024

Finanças Públicas II
Dr. Felipe Figueiredo Martins
2ª Turma
PARTE I-------------------------------------------------------------------------------------------
INTRODUÇÃO

1. Objeto de estudo das Finanças Públicas


1.1. Atividade financeira pública;
As FP ocupam-se da atividade financeira pública traduzida na obtenção de receitas e na
realização de despesas. Afasta-se o estudo da atividade não financeira do estado (função
reguladora e ordenadora, por exemplo). A função reguladora da economia serve para
regular a atividade dos agentes económicos. O estado não está a exercer diretamente uma
atividade financeira pública nesses casos. Reconhecemos o estado como um agente
económico.

A ciência das FP centra-se na parte da atuação do Estado que “opera pelas medidas de
receita e de despesa do orçamento público”. Assim, ficam de fora do objeto das FP atuações
do Estado que se traduzem na definição de regras de conduta (definição de salário mínimo).

O âmbito tradicionalmente delimitado pelas FP é mais restrito. O objeto central é a atuação


diretamente feita pelo Estado e por outras pessoas coletivas de direito público, ou seja, o
Setor Público Administrativo (SPA).

De fora fica a atuação das empresas (pessoas jurídicas que assumem formas de direito
privado) detidas pelo Estado ou outras entidades públicas, ou seja, o Setor Público
Empresarial. Ficam também de fora a política monetária e a regulação.

1.2. Pluridisciplinaridade
O objeto de estudo das FP é pluridisciplinar, visível com a economia e o direito, refletida na
própria designação adotada da cadeira no passado economia das finanças públicas. Tem a
ver com uma opção a ser feita entre enfatizar uma abordagem jurídica ou económica da
matéria.

As Finanças Públicas têm um caráter “híbrido ou compósito e de índole interdisciplinar,


agregando contributos de ordem politológica, jurídica, económica e contabilística” o que
torna o seu objeto de estudo naturalmente complexo e heterogéneo.

FP é essencialmente economia, não está afastado da ciência económica, existe uma


impossibilidade de separação entre economia e FP. Há uma segmentação didática, pois não
são ciências distintas. A Economia e as FP tratam do mesmo problema, têm o mesmo objeto
de estudo, são parte da ciência económica.

Disciplina económica

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O Dr. Teixeira Ribeiro diz que a economia se ocupa de relações partidárias (em pé de
igualdade) e em FP o estado está num patamar superior ao dos indivíduos. O objeto de
estudo da economia é a afetação ou alocação de recursos escassos. No fundo, tem o
objetivo de responder a 3 perguntas: O que produzir?, Como produzir?, Para quem
produzir?. As finanças públicas têm o mesmo objeto de estudo e querem responder às
mesmas perguntas, mas as FP adotam a posição do estado: O que o estado deve produzir?,
como? e para quem é que o estado deve produzir? O estado é um agente económico, e a AP
afeta recursos escassos com o objetivo de realizar uma produção, com o objetivo de
satisfazer as necessidades (individuais e coletivas).

Na economia privada decide-se aquelas 3 perguntas através do sistema de preços, que


pressupõe a revelação das preferências dos indivíduos e se eles estão dispostos a pagar um
preço. A AP não tende a pautar a atividade financeira e económica segundo a mesma lógica.
Além dos três fatores, em última análise, o que determina o que o estado irá produzir é uma
decisão pública. Um bem é qualquer coisa apta a satisfazer necessidades. Eficiência,
equidade, igualdade e redistribuição, são valores que auxiliam o estado nesta decisão
política.

Apesar de existir uma unidade do objeto material de estudo da Economia Política e das
Finanças Públicas – a realidade social –, pode ser defendida uma separação para efeitos
meramente didáticos. Esta autonomização aparece também justificada, nas palavras de
Teixeira Ribeiro, pelas especificidades de financiamento da atividade do agente económico
Estado, levando a que se sustente que as Finanças Públicas têm como objeto o estudo da
“aquisição e utilização de meios financeiros pelas coletividades públicas”.

Análise positiva e análise normativa


- Análise positiva: trata-se de uma descrição do funcionamento real da economia ou
previsível da economia (descritiva), que permite medir e avaliar as consequências
das alterações de variáveis objetivas ou da alteração de uma ou de mais variáveis
instrumentais ou estruturais

- Análise normativa: trata-se de prescrições sobre a forma como a economia deveria


funcionar, no fundo, uma compreensão que está relacionada com os valores
(prescritiva). Tem por objeto a emissão de juízos valorativos sobre a situação atual de
uma dada sociedade e das consequências da adoção de uma determinada política
pública, quer quanto aos meios utilizados, quer quanto às consequências previsíveis
dessa política ou de uma medida em concreto

Isto é a causa das divergências existentes na economia. A análise positiva faz um diagnóstico
ou um prognóstico (explicar o que existe e o que se prevê que aconteça) e a normativa faz
uma prescrição (avaliar as consequências das políticas e fazer recomendações). Não
confundir a prescrição com a previsão. As previsões estão nas análises positivas. A previsão é
uma descrição do futuro.

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EXEMPLO: Suponhamos que foi anunciada a criação de um novo imposto sobre o
património.

- Análise positiva: Perante uma medida deste tipo é importante saber quem
efetivamente vai suportar o encargo desse imposto, interessa ainda saber qual(is)
o(s) efeito(s) sobre a receita fiscal total, conhecer quais os efeitos esperados sobre
todo o setor imobiliário e sobre os setores que com este estão relacionados (setor da
construção civil), pensar na avaliação dos efeitos que este imposto pode vir a ter na
escolha de instrumentos de investimento.

- Análise normativa: Se pretendermos saber se é ou não desejável a criação deste


novo imposto. Em regra, são utilizados os critérios da economia e da eficácia, mas
poderiam ser outros. Para além disso, é ainda necessário mobilizar outros princípios,
de que são exemplo o princípio da igualdade e o princípio da liberdade.

Importa assim saber:


● quais os efeitos que as alterações nas designadas variáveis instrumentais –
política orçamental – têm na prossecução dos objetivos do estado;
● quais os efeitos que as alterações nas designadas variáveis estruturais –
regras e instituições – têm na implementação de políticas públicas;
● qual deve ser a intervenção do estado na economia sobretudo através de
políticas financeiras (receita e despesa)
● como deve ser feita a intervenção do setor público por forma a implementar
as políticas públicas desejáveis.

Disciplina Jurídica
As FP enquanto disciplina jurídica confundem-se frequentemente com direito financeiro,
que é a abordagem jurídica das FP. No Direito financeiro estão integrados outros ângulos do
direito, o direito tributário e o direito fiscal.

Definição de direito financeiro do dr. teixeira ribeiro - “conjunto de normas que regulam a
obtenção, a gestão e o dispêndio dos meios públicos” , mas que não se reduz nem ao direito
fiscal nem ao direito tributário.

No menor círculo está o universo


do direito fiscal dos impostos, que
é a principal receita do estado.
Este círculo está dentro do
universo do direito tributário,
direito que estuda os tributos, as
receitas coativas do estado, as
taxas e os impostos. Estes círculos
estão dentro do universo do direito

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financeiro que integra estes 2, ou seja, o direito fiscal não deixa de ser direito financeiro.

Diferença entre imposto e taxa (é o que distingue o direito fiscal do direito tributário):
As taxas são residuais, ou seja, o estado cobra cada vez mais taxas. O imposto significa a
imposição de um encargo financeiro ou outro tributo sobre o contribuinte (pessoa física ou
jurídica) por um estado.

Direito Tributário: ramo relativo ao conjunto de normas que regulam a obtenção de receitas
coativas do Estado.

● Receita - estuda as receitas provenientes dos tributos, não são as mesmas receitas do
estado (empréstimo público e dívida pública, recurso à dívida pública, receitas
patrimoniais do património mobiliário ou imobiliário). Constituem exemplos as
receitas obtidas dos impostos sobre o rendimento, dos impostos sobre os bens e
serviços, sobre o património e outros impostos.

● Despesa - consiste na utilização de recursos por entidades públicas na aquisição de


bens ou serviços para a satisfação das necessidades públicas.

As receitas e as despesas são ambas os lados da atividade financeira, que se reúnem no


orçamento do estado (o direito orçamental é parte do direito financeiro).

1.3. Níveis de atividade financeira pública (realidade multinível)


A atividade financeira pública em Portugal é desenvolvida pelo governo, que é a
administração central.

Níveis da atividade financeira pública:


1. local - autarquias locais, câmara municipal, juntas de freguesia
2. central
3. regional - administração regional, regiões autónomas (açores e madeira)

Estes níveis não esgotam os níveis em que Portugal se integra, porque Portugal faz parte da
UE, e também faz parte de Organizações Internacionais (fundo monetário internacional,
OCDE).

Portugal é um estado membro da 3ª fase da união económia e monetária, que resultou na


adoção da moeda comum, o euro. A UE tem despesas e tem receitas. Vamos estudar as
finanças da UE que se traduzirem em nacionais, que se impõem no direito internacional,
através de direito originário e derivado (regulamentos, tratados e diretivas). A UE é uma
união aduaneira onde há uma necessidade de cooperação e harmonização da atividade de
estados num espaço de integração económica.

2. Funções do Estado na economia


2.1. Identificação do Setor Público Administrativo (SPA)

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SPA: “conjunto de entidades e de serviços da Administração Central, Local e Regional e ainda
pela Segurança Social e pelos Fundos Autónomos”.

Refere-se ao papel do estado nas economias mistas. Nos vários sistemas económicos há
diferentes compreensões sobre as funções do estado. As decisões sobre a afetação de
recursos são tomadas/determinadas pela lógica de mercado, ou seja, são tomadas de forma
descentralizada. É distinta a compreensão do papel do estado nos distintos sistemas
económicos. O Estado é dos mais importantes doadores económicos, é o maior doador de
mão de obra, o estado é um dos maiores empregadores de mão de obra. Os gastos públicos
respondem por parcelas significativas do PIB.

É excluído do SPA as empresas ou outras entidades públicas que integram o setor público
empresarial.

O que se estuda não são as funções do estado são as funções do SPA, porque quando
definimos AP regional não nos referimos ao estado, ou seja, a terminologia Estado está
concentrada na AP central.

2.2. A necessidade de intervenção do Estado na economia


Para entender o papel do estado na economia é preciso procurar responder a uma questão
fundamental: é necessária esta intervenção do estado? Seriam os particulares capazes de
satisfazer as necessidades (individuais ou coletivas)?

Assumindo que o estado é um agente económico, que lógica é que o estado intervém na
economia. O estado não consegue satisfazer todas as necessidades individuais ou coletivas,
(segurança nacional, por exemplo) e isso reflete-se nas falhas de mercado. O conjunto da
economia não funciona segundo a eficiência de pareto. Ótimo de pareto é a situação em
que ninguém pode ser colocado numa posição melhor sem que ninguém seja prejudicado.
Isto não quer dizer que tem de existir uma distribuição equitativa dos recursos financeiros.

Há domínios em que os particulares são incapazes de atuar ou pelo menos há casos em que
os particulares, ainda que sejam capazes de atuar, não conseguem atuar satisfatoriamente.
(educação, por exemplo, não é desejável que todos os particulares desempenhem a função
de ensino).

O estado ou o SPA desenvolve a sua atividade financeira com base em critérios não
empresariais/não de mercado.

Funções:
- pressuposto para a existência e funcionamento das economias de mercado,
- garantir segurança económica,
- fazer cumprir as regras do jogo económico,
- Funções reservadas ao poder legislativo e judicial, mas estes poderes não esgotam o
papel do estado na economia,

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- funções nas economias mistas apesar do papel do mercado ainda se considera existir
um papel para o estado,
- funções reservadas ao estado na economia que vão além de regular, legislar, julgar. O
estado faz cumprir contratos. Definir direitos patrimoniais.

Nos estados sociais/intervencionais/de providência que se passaram a afirmar depois da 2ª


Guerra Mundial prendem- se com as 3 políticas.

Funções musgravianas (1959): principais funções atribuídas ao estado


- redistribuição do rendimento e da riqueza
- estabilização económica
- afetação de recursos (recondução da função de proteção ambiental)

Trata-se de uma visão sobre as funções do estado, diferente daquela predominante na


formação de estados liberais, definida pelos economistas clássicos (fisiocratas).

Com o liberalismo e as revoluções liberais (revolução francesa - 1789, revolução americana -


1766, revolução liberal portuguesa - 1820, que culmina na constituição de 1822), surge o
orçamento de estado.

2.3. As funções musgravianas


Segundo uma perspectiva histórica, encontramos um consenso na atividade financeira do
Estado, enquanto agente económico, que se traduz nas seguintes funções.

1. Função de redistribuição de rendimento e riqueza


Há quem debata se é necessário falar numa função de redistribuição e não distribuição.
No caso em que se entenda não haver uma distribuição natural, não faz sentido falar em
redistribuição, pois não se dá a margem ao estado. Assim, a redistribuição é subsidiária à
distribuição.

Trata-se de uma exigência moral ou de justiça, não se trata de uma deficiência económica.A
justificativa moral prende-se com a exigência de justiça, ou seja, redistribuir rendimentos e
riqueza não tem necessariamente a ver com uma questão de eficiência económica, o que
não invalida que se possa comentar que a redistribuição dos rendimentos pode favorecer o
funcionamento da economia, mas independentemente disso esta função pode encontrar
como pressuposto apenas o juízo moral. A compreensão do que é justo é uma compreensão
subjetiva; a compreensão do que é eficiente é objetiva.

● trabalho - salário
● capital - juro
● comércio - lucro
● terreno- renda
Esta função traduz-se na necessidade de promover a diminuição das desigualdades sociais.
Os privados não seriam capazes de levar a cabo esta função, pois só o estado é que
consegue redistribuir.

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Uma das causas da desigualdade, por exemplo, é o casamento entre pessoas do mesmo
nível económico.

A provisão pública de bens pode ser redistribuição de bens, o imposto é uma receita coativa.

2. Função de estabilização económica


Afirma-se antes da 2º guerra mundial, sendo que foi importante e necessária na sequência
de uma grande depressão em 1929.

Na sequência da grande depressão cria-se a consciência de que o mercado não é capaz de


responder a uma crise global generalizada, então devia ser o estado a procurar atenuar as
fases de recessão ou repressão, implementando políticas anticíclicas.

O estado procura combater o desemprego ou reduzir/controlar o processo inflacionista.


Sendo assim, justifica-se a intervenção do estado. Keynes defendeu a intervenção do estado
para as medidas contra o processo inflacionista como por exemplo:
➔ estimular o consumo e o investimento já que os particulares não o fazem
➔ contratar trabalhadores e pagar salários é sinónimo de que as pessoas podem
consumir
➔ o estado deveria adotar medidas agora do que no futuro não podermos fazer nada e
haver uma deterioração da economia

Concluindo, esta função deve ser executada pelo estado quando a economia passe por
períodos de acelerado crescimento económico (um crescimento económico muito acelerado
pode significar uma inflação por pressão da procura, o que causa desestabilização),
adotando-se uma política de caráter anticíclico. Keynes foi o principal defensor da
intervenção económica, na medida em que a política financeira deve poder atuar no sentido
da correção das várias macroeconomias.

3. Função de afetação de recursos


Na sequência da 2ª guerra mundial, o crescimento económico era urgente, pois não se podia
esperar que os privados fizessem alguma coisa, era necessário criar infraestruturas. Deste
modo, surgiram muitas empresas públicas depois da 2ª guerra mundial.

Consiste em determinar o que se produz e o quanto se produz. O que afeta os recursos são
os mercados. Assumimos que existe uma atuação pública que tem como objetivo aumentar
o grau de satisfação de necessidade ou aumentar a eficiência do número de recursos
disponíveis .

Quando temos uma ineficiência de recursos na economia, esta pode ser justificada pela
atuação do estado. Na hipótese do estado não assegurar a posição de um determinado bem,
os particulares irão fazê-lo em relação ao bem que esteja em causa. Prende-se com uma
intenção de satisfação e eficiência (no caso de existência de falhas de mercado)/
quantitativa(redistributiva) de necessidades.

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Nas nossas economias é uma função subsidiária no mercado.

Pode aparecer a função de proteção ambiental, que pode ser conduzida a lógica da função
de afetação de recursos, na medida em que para reduzir a poluição o estado faz com que o
poluidor pague mais imposto (princípio do poluidor-pagador) o que desincentiva o poluidor.
Quando o estado procura promover o uso de energia renováveis está a afetar recursos.

- Relacionação das funções com contextos históricos próprios


A afirmação das 3 funções está relacionada com circunstâncias históricas:
Função de redistribuição - ganha força devido aos movimentos socialistas na europa e a
existência de um sistema económico alternativo surge na guerra fria, pois havia competição
entre sistemas económicos;

Função de estabilização económica - surge devido à grande depressão, são evidenciadas as


falhas do mercado e há uma importância da execução de políticas anticíclicas

Função de afetação de recursos - ganha força no pós segunda guerra mundial, em função da
necessidade de se conseguir uma recuperação económica urgente, para reconstruir
infraestruturas urbanas, hospitais, etc.

Todas estas circunstâncias serviram para reforçar o caráter intervencionista do estado.


Ocorre que a partir de 1985 até 2007 há um período da história económica ocidental de
grande moderação, sendo que foi um período económico identificado na economia dos EUA
pautado pela reduzida inflação. Serviu para relativizar ou diminuir o exercício destas funções
do estado de economia, o que fez com que a teoria económica afirmasse que é necessário
diminuir a intervenção do estado (que resultou num enfraquecimento da mesma e na queda
do comunismo).

- Possíveis complementaridades e incompatibilidades no desempenho das funções

Os períodos históricos influenciam tanto a evolução das funções musgravianas do estado na


economia como a diminuição das mesmas, sendo que em alguns casos há incompatibilidade
entre elas e noutras complementaridade.

Quando há um elevado crescimento económico favorecido ou não pelo estado, que esteja a
experimentar, há risco na estabilidade dos preços, ou seja, o crescimento económico pode
estar a ser favorecido pela a afetação de recursos.

A redistribuição pode prejudicar o crescimento económico numa economia que depende do


investimento, sendo que um investimento depende do aforro. Quem aforra mais são os
titulares de rendimentos mais altos e quem tem mais, perde a capacidade de aforrar, logo a
economia perde investimento.
Quando estamos diante de uma incompatibilidade entre funções do estado a decisão é feita
através de uma decisão política (cálculo eleitoral).

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A afetação de recursos não desagrada o grupo social, já a redistribuição dos mais ricos para
os mais pobres desagrada um grupo (que muitas vezes não é o grupo com mais votos mas é
o que consegue exercer pressão política).

Segundo as recomendações políticas, é preferível para os governos uma promoção de


afetação de recursos, que não implica perdas para determinados grupos sociais. Assim, uma
única ação do estado pode realizar mais do que 1 função do estado. O estado garante
educação política. Primeiro está a afetar recursos (contratar professores, construir escolas),
depois com a organização de um sistema público está a realizar-se uma redistribuição, pois
está-se a garantir o acesso ao ensino a pessoas que se tivessem de pagar não tinham acesso
ao ensino. Por último, favorece a estabilização, existindo uma mão de obra mais qualificada,
há mais capacidade para transitar trabalhadores, logo quando há crise num setor um
trabalhador vai para outro setor. Através deste aumento de produtividade podemos evitar
uma recessão.

PARTE II------------------------------------------------------------------------------------------
PROVISÃO PÚBLICA DE BENS

1. Inserção sistemática no estudo das FP


Estas 3 funções são assumidas pelos estados sociais ou intervencionistas. As funções do
estado na economia não compadecem com uma doutrina de finanças neutras, pois não se
pretende que a atividade da FP seja neutra. Nas finanças neutras o estado garante funções
de soberania e a providência de bens indispensáveis, sendo que também defendiam que os
orçamentos estaduais deviam ser reduzidos e equilibrados. Em princípio, neste caso não
haverá correspondência entre o que cada um paga de imposto e o que cada um recebe. Nas
FP neutras, as funções musgravianas eram impossíveis.

Nas finanças intervencionistas os orçamentos já não precisavam de ser equilibrados. Num


período económico de recessão, o estado deve aumentar os gastos, aumentar a
disponibilidade dos rendimentos nas mãos dos privados.

Numa recessão económica está implicado um estabilizador económico:


+ desemprego; + apoios sociais; + despesa pública
+ desemprego; - rendimentos; - imposto pagos (impostos com taxas variáveis); - receitas;
+ despesas conduz-nos para uma situação de défice orçamental

A expansão da atividade financeira política, levou a que fosse questionada essa intervenção
do estado. Um aumento da despesa pública, leva a um aumento dos défices, o que leva a
uma limitação da intervenção do estado, que é traduzida na redução da importância da
política financeira. Como a política financeira está limitada ganha importância a política
monetária, como instrumento de estabilização económica, porque na maioria dos casos a
Política Monetária é conduzida por um autoridade monetária independente, que se chama
BCE e que está salvaguardada de influências políticas. Já a política financeira é executada por

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governos que estão permanentemente preocupados com as eleições. Tudo isto serve para
limitar a atividade financeira. Este processo é posto em causa na pandemia.

O estado intervém na economia, que é de tipo financeiro, sendo que está integrado o papel
do estado enquanto produtor ou provedor de bens e serviços.

Considera-se imprescindível a intervenção do Estado na economia, quer como regulador,


quer como produtor e consumidor de bens e serviços. Teixeira Ribeiro diz que “o Estado não
é um indivíduo, mas uma coletividade de indivíduos e como tal não tem conteúdo psíquico,
não pensa nem sente por isso não pode sentir necessidades”.

2. A possibilidade de provisão pública de bens com produção pública


ou privada
Diferença entre bem e serviço: um bem é um objeto de stock, no fundo é tudo o que está
apto a satisfazer uma necessidade; já um serviço prestado pelo estado é um bem.

Provisão - tendo em conta um bem público, um bem provido publicamente pode ser um
bem público puro ou um bem público não puro, sendo que este bem puro ou não puro pode
ser produzido publicamente ou pelos particulares. A provisão pode ser garantida com a
provisão organizada publicamente pelo estado ou então a provisão pública de bens com
produção privada (o estado financia a produção de bem), sendo que não interessa quem
detém os meios de produção.

A provisão pública refere-se às situações em que as características dos bens e a forma de


acesso são definidas pelo Estado, que assegura também o financiamento daquela produção.

Ao contrário da produção pública, a provisão tanto é compatível com a existência de


produção pública como com a produção total ou parcial por privados, mas os custos de
produção são financiados através de receitas públicas. Já a produção pública implica que o
bem em causa seja produzido por uma entidade pública que detém o controlo de todo
processo produtivo.

A provisão é avaliada pela entidade que suporta financeiramente a produção do bem


(pública ou privada). Bem produzido publicamente mas objeto de uma provisão privada -
recolha de resíduos em municípios (a câmara pode contratar uma empresa para recolher os
resíduos); obras públicas (o estado contrata uma empresa para construir um prédio).

A provisão pública de um bem com produção privada é menos provável nos casos em que
está em causa o exercício de funções de soberania (por exemplo, a defesa nacional).

Que bens têm de ter a sua provisão assegurada pelo estado? Bens que apesar de produzidos
pelo mercado não satisfazem as necessidades que devem satisfazer.

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3. Satisfação de necessidades
Tem de ser feita uma compreensão das necessidades que merecem ser satisfeitas pelo
estado (nos sistemas capitalistas a maior parte das necessidades são satisfeitas pelo estado).

A satisfação pública de necessidades tem um carácter residual, pois as necessidade que


devem ser satisfeitas pelo estado devem ser também necessidades essenciais, não deve
atuar para satisfazer uma necessidade qualquer, deve satisfazer as necessidades
consideradas imprescindíveis (não são necessidades do estado, são necessidades das
pessoas).

Necessidades individuais - necessidade sentida pelos indivíduos (fome, sede)

As necessidades coletivas são a soma das necessidades individualmente consideradas. A


comunidade não tem necessidades próprias que sejam distintas das necessidades das
pessoas, a necessidade é sentida pela totalidade ou larga maioria numa dada
sociedade/comunidade. A defesa nacional é uma necessidade coletiva. Teixeira Ribeiro
traduz a necessidade coletiva numa ideia de fruição “passiva” do bem que acarreta a
inexcluibilidade e a rivalidade.

4. Bens públicos puros (ou propriamente ditos)


Há bens que não são produzidos pelos mercados. Os bens cuja produção pelo mercado não
é possível são chamados bens públicos puros ou propriamente ditos. Não existem nos
mercados têm de ser providos pelo estado. Estes bens públicos puros são objeto de uma
provisão pública e não existem nos mercados, porque têm intrínsecas duas características
relativas à sua utilização, não excluível e não rivalidade.

4.1. Necessidades de satisfação passiva (a hipótese de Tiebout


enquanto mero exercício não realístico de relativização da satisfação
passiva de necessidades: foot voting como mecanismo de revelação de
preferências)
necessidades de satisfação passiva - aquelas que são satisfeitas pela mera existência do bem
(não temos de procurar o bem para a necessidade ser satisfeita).

Há um determinado entendimento que invalida a ideia de satisfação passiva e


consequentemente de exclusão (footvolting). É uma revelação de preferência que nos
remete para a hipótese Tiebout.

Hipótese Tiebout - há bens públicos providos localmente em relação aos quais é possível
uma manifestação de preferência, que demonstra a elevada capacidade de eficiência de
mercados para uns e outros.

2 características fundamentais de um Bem Público Puro (BPP):


(4.2. Não exclusão (inexcluibilidade) pelo preço)
1. Não excluíveis ou inexcluíveis

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Quando há uma impossibilidade absoluta de cobrança de um preço ou quando há uma
impossibilidade técnica ou prática de cobrança de um preço. Como se realiza a exclusão de
um bem? Cobrando um preço. Deste modo, o preço é um instrumento de exclusão. Os BPP
(bens públicos puros) não gozam do princípio de exclusão pelo preço, logo serão
necessariamente não excluíveis, por necessidade absoluta de cobrança de um preço,
aqueles bens em que não haja procura individualizada. Não há procura individualizada
quando as necessidades subjacentes de provisão do bem são necessidades de satisfação
passiva.

Bem que satisfaz passivamente a necessidade - organização das forças armadas, segurança
nacional (ninguém procura as forças armadas para encontrar a soberania nacional).Um bem
de satisfação passiva é um bem não excluível.

Um bem pode ser não excluível através de uma satisfação ativa de necessidade. A
iluminação pública é um bem privado de provisão pública.
- bem excluível: alimentação (tenho de procurar a maçã, pagar a maçã e comer, sendo
que mais ninguém pode comer)
Os bens públicos puros existem no caso de satisfação passiva de necessidades e quando há
impossibilidade absoluta de um preço. Quando não se exerce a cobrança de um preço mas
ela é possível - bens públicos impuros.

● A não exclusão absoluta enquanto consequência da satisfação passiva de


necessidades (com inexistência de procura individualizada)
Haverá não exclusão naqueles casos em que os produtores não estão em condições de
impedir a utilização do bem àqueles que não estejam dispostos a pagar um preço por isso.
Estamos a falar em bens cujo consumo não pode ser controlado por um sistema de preços,
de situações em que os consumidores do bem ou serviço não têm incentivo a revelar as
suas preferências, pois, mesmo nos casos em que seja possível cobrar um preço pela
utilização destes bens, os utilizadores não estão dispostos a pagar. Podem assim licitamente
utilizar o bem sem terem que revelar as suas preferências, colocando-se numa posição de
free rider.

● O problema do free rider (passageiro clandestino) e a necessidade de atuação


estadual
Há indivíduos que têm uma enorme vantagem em ocultar as suas reais preferências para
não terem que suportar os custos de produção do bem, sabendo que um número suficiente
de interessados na produção do bem está disposto a contribuir para o seu financiamento.
Contudo, a generalidade dos indivíduos é levada a crer que não tem necessidade de efetuar
qualquer pagamento pela utilização do bem pois outros o farão, ou seja, nestas situações os
indivíduos tendem a comportar-se como free riders. Assim, não será possível arrecadar
receitas suficientes para financiar a produção do bem.

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4.3. Não rivalidade (irrivalidade) no uso
2. Não rivais ou irrivais
Não rivalidade de bem público puro - quando a sua utilização por um indivíduo não
prejudica, não rivaliza com a utilização que pode ser feita por outro indivíduo desse mesmo
bem.
- prato de comida e garrafa de água: rival
- autoestrada: não rivalidade relativa, pois a acumulação simultânea de utilização é
perda de utilidade

A não rivalidade traduz-se na indivisibilidade no consumo, traduzida no facto do consumo


por um indivíduo não pôr em causa o consumo por outros.

Tipos de não rivalidade:


● Não rivalidade absoluta (forças armadas) - casos em que o número de utilizadores
não afeta em absoluto a utilização do bem por outros, não afetando também a
utilidade que cada um deles retira
● Não rivalidade relativa (cinema e teatro, pois a certo ponto vai perder utilidade) - a
partir de um número muito elevado de utilizadores, a utilização do bem por mais
uma pessoa interfere com a utilidade que os demais retiram
○ mais elástica
○ menos elástica

Exemplo: defesa nacional


Se um governo criar uma força militar que proteja o território de ataques exteriores e para
garantia da segurança interna todos os cidadãos que nele se encontram ficam
automaticamente protegidos. Não têm sequer que realizar qualquer atividade para verem a
sua necessidade de proteção face a ataques vindos do exterior ser satisfeita, uma vez que se
trata de uma necessidade de satisfação passiva. Os custos de produção mantêm-se
inalterados ou praticamente inalterados, não obstante as flutuações relativas ao número de
cidadãos que se encontrem naquele território. Podemos encontrar, porém, outros exemplos,
como as emissões televisivas ou radiofónicas, as redes wi-fi, os espetáculos pirotécnicos ou
as infraestruturas viárias.

Estamos perante bens cujo custo marginal de produção é zero, a limitação do número de
utilizadores através da cobrança de um preço seria ineficiente do ponto de vista económico
por poder criar situações em que a utilidade total é menor do que aquela que seria possível
caso esse valor não fosse cobrado. Para além disso, nestes casos existe um custo de
produção do bem que tem de ser suportado por alguém.

Mais incentivo para provisão privada não rival? Quando a não rivalidade for absoluta não
precisa a interseção da oferta e a procura não é suficientemente remuneradora da atividade
económica.

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Um bem que satisfaz passivamente necessidades é não rival. Um bem que satisfaz
ativamente necessidades é um bem rival e não rival (a rivalidade vai ser relativa)

- pneu: rival e excluível (se eu compro ele é meu, é rival pois só eu estou a usar)
- autoestrada: é excluível não é um bem público puro, pois é possível atribuir um
preço; a autoestrada é um bem privado e de utilização não rival relativa,
- farol: não excluível e não rival

Nos casos em que o bem é de uso não excluível (inexcluível) então também será um bem de
uso não rival (irrival) não se verificando, porém, o inverso!!!!!!!

5. Bens de clube: caso de provisão privada de bens com


características de bens públicos (puros)
Bens cujo leque de potenciais consumidores pode ser determinado antecipadamente, isto é,
trata-se de bens que são consumidos por um grupo restrito de pessoas e que, por essa
razão, podemos pensar que estes podem facilmente suportar o custo da sua produção.

São uma exceção, porque são bens com características de BPP, mas são bens de provisão
privada. Estes bens são de uso não excluível pelo preço e de uso não rival, no entanto são
bens privados. São uma exceção, pois a regra geral é os BPP não serem produzidos por
privados.

Exemplo: o farol é um BPP, pois todos os barcos conseguem ver a luz do farol e é impossível
excluir o uso deste porque quem não paga. Todavia, os primeiros faróis foram construídos
por privados. Os primeiros privados a construí-los pensaram que seria preferível pagarem e
sujeitarem-se a que outros beneficiem do farol, do que correr o risco dos seus barcos
naufragarem e sair mais caro esse arranjo ou a perda desse barco.

6. Bens semipúblicos
Bens de uso rival ou excluíveis pelo preço (totalmente aos BPP, não rivais e inexcluíveis). Na
presença de não rivalidade pode existir a possibilidade de exclusão pelo preço e a provisão
do bem ser apetecível ao setor privado, mas quando esteja em causa a não exclusão ocorre
o inverso.

6.1. O bem semipúblico como bem privado de provisão pública


A maior parte da despesa pública não se destina à provisão de bens públicos. Parte da
despesa pública destina-se aos serviços de educação, saúde e segurança social, bens nos
quais há utilização individual e rival e a exclusão é praticável. Estes bens são bens privados,
pois há rivalidade na utilização e a exclusão pelo preço é possível. Assim, são bens privados
de provisão pública, designados de bens semipúblicos.

14
6.2. As decisões políticas de provisão de bens semipúblicos
6.2.1. Quanto à provisão
A provisão de bens semipúblicos é feita abaixo do preço do mercado e do custo de
produção, podendo ser gratuita. Há uma transferência de custos do utilizador para a
comunidade que suporta um encargo acrescido com impostos para financiar esse consumo.

A decisão de provisão pública de um certo bem é uma decisão política que pode ou não ter
justificação económica (pode não ser universalmente aceite). Aqui é a decisão política que
transforma o bem privado em bem semipúblico, ou seja, bem de provisão pública.

6.2.2. Quanto ao financiamento


Dois tipos de bens semipúblicos:
● bens tecnicamente semipúblicos - bens cujos utilizadores/destinatários do bem
podem usufruir das utilidades do mesmo sem ter que pagar. (diferença entre o
público é que neste ha rivalidade)
● bens técnica e financeiramente semipúblicos - há lugar ao pagamento de uma
quantia por parte do utilizador/destinatário, que não é verdadeiramente um preço
(abaixo do custo)

6.2.3. Critérios
A. Falhas de mercados (ou critério de eficiência)
São justificação para provisão pública de bens, que podem justificar a intervenção financeira
do lado da receita para limitar certos comportamentos, através da tributação agravada. Por
outro lado, também podem justificar intervenções que estão fora do domínio das FP,
efetuadas por via normativa, do setor empresarial do Estado ou da criação de entidades
reguladoras públicas.

1. Pressupostos de eficiência dos mercados


Ao mercado é atribuído o papel primordial na produção de bens e a intervenção pública
justifica-se na medida em que existam falhas de mercado.

2. Não exclusão prática pelo preço (4.2.2);


Não prevê que o papel do Estado na economia esteja limitado às situações em que o
mercado funciona deficientemente e atribui ao legislador ordinário ampla liberdade de
conformação para determinar o âmbito da provisão de bens pelo setor público.

3. Externalidades positivas e negativas


Os agentes económicos fazem as suas escolhas comparando as vantagens e os custos que
para eles representa uma determinada conduta. É necessário que os custos suportados pelo
indivíduo e as vantagens por ele auferidas sejam idênticos aos custos e vantagens totais, ou
seja, que essa conduta não imponha sacrifícios ou represente vantagens para terceiros, que
o agente não tem em conta.

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Há situações em que das escolhas do agente resulta para terceiros uma consequência
positiva ou negativa.

Exemplos:
- uma empresa que pode escolher entre fazer ou não o tratamento de resíduos que
despeja num rio (pode ou não gerar poluição)
- indivíduo que pode escolher ir de automóvel ou comboio (pode ou não aumentar o
tempo de deslocação para terceiros)

Na verdade, o efeito sobre terceiros não é tido em conta na ponderação individual de custos
e benefícios. A este efeito sobre terceiros chamamos externalidade ou exterioridade, sendo
negativas (quando impõem um custo aos outros) e positivas (quando há benefício para
terceiros). Na presença destas, os agentes não tomam decisões eficientes do ponto de vista
social.

A existência de externalidades justifica a intervenção pública, sendo que atuação pública


pode traduzir-se em mecanismos financeiros.
- No caso de externalidades positivas justifica-se a provisão pública dos bens em
causa, a um preço inferior ao que seria determinado pelo mercado (transportes
públicos).
- No caso de externalidades negativas justifica-se a penalização das condutas,
nomeadamente através da via fiscal, encarecendo-as de modo a diminuir a procura
(tributação agravada de atividades poluentes sobre o automóvel ou os combustíveis
derivados do petróleo).

4. Situações de poder de mercado;


A hipótese de eficiência dos mercados supõe a existência de mercados perfeitamente
competitivos. O objetivo de garantir condições concorrenciais nos mercados é levado a cabo
por meios que pertencem ao domínio do estudo das finanças.

Um domínio tradicional de intervenção do Estado é o dos monopólios naturais, que existem


por exemplo nos caminhos de ferro ou na distribuição de eletricidade ou água canalizada. A
infraestrutura necessária, uma vez instalada, serve todos os consumidores, não se
justificando a existência de uma rede separada de outra empresa. Nestes serviços a provisão
pública tem ainda a vantagem de assegurar um serviço tendencialmente universal sem
discriminação de preços.

5. Informação assimétrica e seleção adversa;


Ao contrário do que acontece no modelo de concorrência perfeita, na economia real a
informação dos agentes económicos é um bem escasso, cuja aplicação implica custos.
Existindo custos, os agentes económicos não têm um incentivo para adquirir toda a
informação relevante para a sua atividade.

16
A assimetria de informação dá-se quando as duas partes de uma transação possuem
diferente informação sobre o bem que é objeto da transação. Essa assimetria vai refletir-se
em maior informação por parte do vendedor que, vendendo só aquele produto, tem mais
interesse e menores custos em adquirir a informação do que tem o comprador. Esta justifica
muitas intervenções públicas por meios não financeiros, como as obrigações de rotulagem
dos produtos.

Diversos regimes visam proteger o consumidor, por exemplo, a possibilidade de denunciar o


contrato após a sua celebração; isto porque ele é a parte da transação que dispõe de menor
informação por não ter o mesmo incentivo para adquiri-la que tem o vendedor.

A assimetria de informação leva a falha de mercado por seleção adversa. Ao facto dos
preços não transmitirem toda a informação relevante podemos somar a existência de custos
de transação, levando à existência de falhas de coordenação.

B. Considerações redistributivas (ou critério de equidade); distinção da hipótese de


redistribuição meramente consequente da provisão pública.
A intervenção do Estado no sentido da diminuição das desigualdades é uma das dimensões
fundamentais do Estado de Direito Social (art. 9º/d) CRP e art. 81º/b) CRP e art. 104º).

O mecanismo mais direto para corrigir desigualdades de rendimento e de riqueza é a


realização de transferências monetárias.
- Do lado das receitas públicas, a finalidade de redistribuição traduz-se sobretudo na
procura de um sistema fiscal progressivo.
- Do lado das despesas-transferência, a atuação do Estado pode consistir no
estabelecimento de transferências em favor dos mais pobres (pensemos no
Rendimento Social de Inserção ou na atribuição diferenciada de abono de família),
no apoio a certas formas de despesa (como a comparticipação da compra de
medicamentos).
A provisão pública de bens tem também um efeito distributivo. Quando o Estado coloca
bens à disposição das pessoas, gratuitamente ou abaixo do custo, a diferença é suportada
pela coletividade, através dos impostos. Só por mero acaso o valor dos bens semipúblicos de
que cada um usufrui será o correspondente ao montante de impostos que cada um suporta.
É assim importante a consideração do efeito distributivo de qualquer política de provisão
pública de bens e de qualquer atuação do Estado que possa alterar preços ou rendimentos.

Uma das funções desempenhadas pelos Estados modernos é serem um sistema de seguro,
desempenhado pela segurança social e também pelo sistema de saúde. Estes seguros
protegem todos os membros da comunidade contra riscos emergentes da vida em
sociedade que podem levar ao surgimento de situações de privação e pobreza (como
situações que fazem cessar o rendimento, o desemprego, a doença ou a invalidez). A
Segurança Social é um seguro, porque funciona com contribuições de todos os seus

17
beneficiários, mas acaba por pagar a uns mais do que a outros, sem que se possa saber à
partida quem vão ser os beneficiados.

O Estado faz provisão de um bem que fica acessível a todos, abaixo do preço do mercado,
mas a sua utilização acaba por ser feita mais intensamente por pessoas de menores
rendimentos (ex.: transportes públicos, os seus utilizadores têm rendimentos mais baixos do
que as pessoas que utilizam viatura própria para a sua deslocação).

7. Bens de mérito (merit goods) e paternalismo do Estado


Dentro dos bens de provisão pública podemos ainda encontrar aqueles “bens cuja produção
pelo Estado a política considera desejável por imposição da elite dominante ou por adesão a
interesses ou valores da comunidade”, situações que refletem a ideia de Estado paternalista
(que sobrepõe a avaliação das preferências feitas pelas entidades estaduais à avaliação feita
pelos próprios consumidores).

Considera que não são capazes de avaliar corretamente os seus interesses e consomem em
excesso bens cujo consumo é socialmente indesejável - demerit goods - ou subconsomem
bens relativamente aos quais, do ponto de vista social, seria desejável um consumo mais
elevado - merit goods.

É essa coletividade representada nos órgãos do Estado ou governo que “decide sobre a
existência de necessidades coletivas e sobre a conveniência da sua satisfação”. Exemplos:
obrigatoriedade de uso de cinto de segurança, de capacete ou outros equipamentos de
segurança, a escolaridade mínima obrigatória ou o Programa Nacional de Vacinação; no caso
português, a Companhia Nacional de Bailado, a RTP 2 ou os passes sociais.

8. As alternativas de atuação reguladora (ou normativa) ou financeira,


pelo lado da receita e pelo lado da despesa (a afetação de recursos)
Até aqui temos considerado a desigualdade que é medida através da diferença de
rendimentos ou de riqueza. Amartya Sem (1992; 1997) tem consistentemente chamado a
atenção para que as diferenças de riqueza não podem ser a única dimensão relevante da
desigualdade, que deve antes concentrar-se na liberdade substancial de escolher o tipo de
vida que se pretende ter, que depende da efetiva capacidade para dispor de certos
elementos funcionais como literacia ou saúde.

Quando o Estado, através de uma provisão pública obrigatória e tendencialmente gratuita,


impõe o consumo de certos bens aos mais jovens (educação, saúde), o objetivo é
nomeadamente que ninguém fique privado, desde cedo, das condições de desenvolvimento
da sua personalidade que limitariam as futuras possibilidades de realização. Essa provisão
pública deve ser adequada e diferenciada no sentido de ultrapassar os vários obstáculos à
sua utilização (que não se esgotam nos baixos rendimentos). Nestes casos, o Estado faz a
provisão pública abaixo do preço de mercado, de forma universal ou de forma seletiva, de

18
bens essenciais em que repugna ao nosso sentido ético coletivo que as pessoas sejam
excluídas.

PARTE III-----------------------------------------------------------------------------------------
DESPESA PÚBLICA
1. Introdução
1.1. A despesa pública enquanto ramo de estudo das Finanças Públicas
Os governos são responsáveis pelo desempenho de determinadas funções na economia,
entre as quais a provisão pública de bens, sendo que o seu reflexo financeiro pode ser
encontrado quer do lado da receita pública, quer, sobretudo, do lado da despesa pública.
Compreende-se o estudo da evolução da despesa pública e das justificações para a sua
evolução, revelando-se uma área de estudo muito importante.

1.2. Razões da proeminência histórica do estudo jurídico das receitas


É ainda possível observar que embora exista uma tendência da despesa pública para o
crescimento, comportamento esse que não é contínuo nem uniforme, tendo-se acentuado
no período entre guerras e atingido valores próximos ou acima dos 50% do PIB durante as
décadas de 80 e 90 do século XX e em inícios do século XXI.

Apesar de existirem algumas exceções, esta trajetória de crescimento tem vindo a abrandar
desde a segunda metade da década de 90, sendo substituída por taxas de crescimento da
despesa mais baixas ou até mesmo por um decréscimo dos montantes despendidos pelos
Estados.

(posterior desenvolvimento do estudo jurídico das despesas) Foi a partir de meados do séc.
XIX que os economistas, preocupados com as taxas de crescimento da despesa pública,
começaram a estudar de modo mais aprofundado as razões por detrás desse
comportamento.

2. Despesas produtivas e despesas reprodutivas


Despesa pública - gasto ou no dispêndio de bens por parte dos entes públicos para criarem
ou adquirirem bens ou prestarem serviços suscetíveis de satisfazer necessidades públicas
● Despesas Produtivas - criam directamente utilidade;
● Despesas Reprodutivas - contribuem para o aumento da capacidade produtiva,
gerando pois utilidades acrescidas, mas no futuro.

3. Crescimento intensivo e extensivo das atividades estaduais


Uma análise empírica feita a partir de dados que remontam ao último quartel do século XIX
permite-nos afirmar que existe uma tendência para o aumento do volume da despesa
pública na generalidade dos países, quer em termos absolutos, quer em termos relativos.
Portugal: séc. XIX - estagnação nos 10%
final do séc. XX - crescimento significativo
séc. XXI - mais crescimento

19
4. Teorias explicativas da evolução da despesa pública
Autores que defendem os fatores do lado da procura: Adolph Wagner, Wileinsky, Castel,
Peacock e Wiseman
Autores que defendem os fatores do lado da escolha pública: Vito Tanzi e Ludger Schuknecht

4.1. Segundo a lei de Wagner (ou lei sobre o crescimento do Estado ou


das despesas públicas):
- tendência de longo prazo
O alemão Adolph Wagner, em finais do séc. XIX, ao analisar os dados relativos ao
comportamento da despesa pública constatou que esta apresentava uma tendência para o
crescimento e que esse aumento era mais do que proporcional ao aumento da despesa
privada, o que implicava que a cada aumento da despesa ocorresse um aumento
equivalente dos impostos.

- crescimento relativo das despesas públicas


A principal justificação para esta tendência é:
● o fenómeno da industrialização - origina uma sociedade mais complexa e exige um
aumento da atividade de proteção pública e de regulação das atividades económicas
● o crescimento real da economia - aumento de despesas públicas com elevado grau
de elasticidade-rendimento (despesas com cultura e com a educação) áreas em que
se reconhece que os Estados são mais eficientes do que os privados
● o desenvolvimento económico e as mudanças tecnológicas - os governos a adotar os
monopólios naturais para aumentarem a eficiência dos mercados.

Wagner entende que o aumento da despesa se ficou a dever ao fenómeno da


industrialização e deve ser visto como um efeito, e não como a causa, do desenvolvimento
económico.

- a expansão intensiva e extensiva das atividades estaduais


De acordo com esta “Lei”, nos países “progressivos” (industrializados), existe uma tendência
para um aumento crescente da despesa pública, quer em termos intensivos (aumento dos
valores gastos em despesas que o estado já vinha suportando) quer em termos extensivos
(alargando-se a novos tipos de despesa).

- críticas
1. Dificuldades em aplicar esta “lei” a sociedades com uma organização diferente da
conceção orgânica de Estado (adotada por Wagner).
2. Há uma preocupação exclusiva com uma análise retrospetiva do comportamento de
despesa pública.

Os estudos de Wagner permitiram afirmar que a causa do aumento das despesas públicas,
qualquer que ela seja, está relacionada com o incremento – tanto intensivo como extensivo -
da atividade estadual. Confirma-se a tendência para existência de uma correlação entre o

20
comportamento da despesa pública e os níveis de atividade do Estado, sendo que Wagner já
considerava a pressão do progresso social sobre o poder político para o aumento da despesa
pública.

Wagner defendia ser necessário equacionar se esses valores podiam atingir um valor
percentual tal que obrigasse a uma tributação excessiva (oppressive taxation - taxa
excecional que pode existir em casos de emergência nacional em que está em causa a
sobrevivência do Estado).

4.2. Peacock e Wiseman


Alan Peacock e Jack Wiseman analisaram o comportamento da despesa pública no Reino
Unido para tentarem validar a “Lei” de Wagner ou para avançarem com uma nova
explicação para o comportamento da despesa pública. Observaram que o volume da
despesa pública em percentagem do PIB apresenta uma tendência para um aumento mais
do que proporcional e contínuo, mas irregular.

- o efeito deslocação (displacement effect)


A constatação da existência de períodos de aumento mais acentuado dos níveis de despesa
pública a que se seguem períodos de estagnação ou até mesmo de decréscimo justifica a
negação da “Lei” de Wagner e serve de incentivo à procura por uma nova explicação: o
efeito deslocação.

Perturbação social - fenómenos de guerras, efeitos sociais (crises económicas, pandemias ou


catástrofes naturais)

Sempre que ocorre uma perturbação social o estado vê-se forçado a aumentar a despesa
pública para suportar os encargos necessários a dar resposta às exigências da situação. O
volume global das despesas públicas desloca-se, assim, para um patamar superior ao que
existia antes da perturbação social – esse é efeito da deslocação da despesa. Como é
necessário obter financiamento para essas mesmas despesas, também o nível dos impostos
sofreria idêntica alteração.

Terminada a perturbação social seria de esperar que o nível global das despesas públicas
regressasse aos valores anteriores à crise, mas não é isso o que acontece.

- o efeito apreciação (inspection effect)


Os Estados têm à sua disposição receitas que lhes permitem satisfazer algumas necessidades
da coletividade, dando resposta aos pedidos da população, tornados evidentes pela
perturbação social (efeito apreciação).

O volume da despesa poderia descer moderadamente, fixando-se a um nível inferior ao que


se verificou no tempo da perturbação social, mas não regressaria ao nível existente antes do
início daquela perturbação. O volume dos impostos também não pode regressar ao valor
inicial.

21
- o efeito concentração
Trata-se de um efeito que também tem por base a mesma justificação e que pretende
designar a repartição desigualitária deste aumento da despesa entre governo central e
governo descentralizado, isto é, o aumento dos níveis de despesa pública originado pelas
perturbações sociais leva, ainda, a uma maior concentração dos níveis de despesa no
governo central.

EM SUMA: existe uma tendência para variação dos níveis de despesa pública ao longo do
tempo, variação esta que é irregular e que se encontra justificada pelas perturbações sociais
cuja escala seja tal que exija uma intervenção do Estado para a resolver.

4.3. Segundo Tanzi e Schuknecht


Referem que o papel do estado na economia sofreu alterações profundas nos dois últimos
séculos e que esse será o fator justificativo do aumento da despesa pública. O
comportamento da despesa pública surge como a “resposta à mudança das perceções sobre
o que o Estado deve fazer”.

- a análise histórica alargada (identificação dos períodos) e a tendências verificadas


1. desde 1870 à 1.ª Guerra Mundial
No século XIX, época em que ao Estado era negado o estado o papel de agente económico e
ao qual apenas eram reconhecidas funções mínimas os gastos em despesa pública eram
muito baixos. A atividade estadual deveria ser muito reduzida para evitar ou limitar ao
mínimo possível as distorções que a atividade estadual provoca no mercado.
Consideravam a função principal dos Estados a alocação de recursos, mas não colocam em
causa, a existência de bens de provisão pública (educação).
Em 1880 a despesa pública rondava:
- os 10% do PIB, na generalidade dos países
- entre os 12% e os 18%, na Austrália, Itália, Brasil, Alemanha e França

Nos finais do séc. XIX é reconhecida a importância da função de redistribuição do


rendimento, que se junta à função de alocação de recursos. Permanecia a ideia de que a
intervenção do estado na economia devia ser reduzida.

Primeira Guerra Mundial (1914-1918)


- 1913: a Europa entrou num período de incremento dos gastos públicos, tendo este
movimento sido impulsionado pela necessidade de aumento das despesas de guerra
(armamentos)
- 1920: a despesa pública tinha subido para os 18,7% na generalidade dos países e só a
Espanha, a Suécia e os E.U.A. conseguiram manter a despesa pública perto dos 10%
do PIB. Países como a França, Alemanha, Itália e o Reino Unido – aqueles mais
afetados pela guerra – viram a sua despesa pública subir até aos 25% do PIB.
Mantinha-se também um outro grupo de países que podemos designar por países
com despesa pública moderada: Austrália, Áustria, Canadá, Irlanda, Japão, Países

22
Baixos, Noruega e Suíça apresentavam níveis de despesa pública na ordem dos 20%
do PIB.

2. o período entre guerras (1918-1939)


No período entre Guerras assistiu-se a uma acalmia no crescimento da despesa pública,
tendência só interrompida pela crise de 1929. Foi com a Grande Depressão, cuja origem
estaria numa gigantesca falha de mercado e na incapacidade de autorregulação do mesmo,
que se verificou um aumento da despesa pública destinada à cobertura dos riscos sociais.
Para esta alteração muito contribuiu a mudança no entendimento sobre o papel do Estado
na economia.

A partir da década de 30 do século XX na Europa assiste-se ainda a um aumento das


despesas públicas com armamento justificadas (meios de proteção contra Hitler). Em 1937 a
despesa pública tinha duplicado em relação a 1913, atingindo o valor de 22,8%. Com a
exceção da Austrália, da Noruega e da Espanha, a despesa pública situa-se acima dos 15% do
PIB em todos os países.

3. o período pós-2.ª Guerra Mundial até 1980


Segunda Guerra Mundial (1939-1945)
No período pós Segunda Guerra Mundial assiste-se a um decréscimo da despesa pública
face ao período anterior, mas, rapidamente se inicia um período mais longo de crescimento
da despesa pública. Trata-se de um período em que é possível identificar o entusiasmo com
os efeitos da intervenção pública na economia, comportamento favorecido pelo rápido
crescimento do PIB.

Entre 1960 e 1980 assiste-se a um rápido crescimento das despesas públicas e do Estado
ausente, passamos ao estado interventor. A crença no poder reprodutivo das despesas
públicas levaria a um maior envolvimento dos estados na provisão de bens e serviços. Foram
desenvolvidas ainda novas técnicas de avaliação e implementação das políticas orçamentais
por forma a permitir a maximização dos gastos públicos.

Se do lado da despesa se aposta na análise custo/benefício, do lado da receita há um


crescimento dos adeptos pela teoria da tributação progressiva. O crescimento da despesa
pública potenciou a dinâmica necessária à implementação de sistemas democráticos em
vários países (potencialidade de crescimento da despesa pública).

A rápida urbanização nos países industrializados exigiu uma maior intervenção pública, mas
também facilitou o aumento da tributação para financiar esse aumento de despesa. Um
outro fator que contribuiu para o aumento da despesa pública foi o envelhecimento
populacional.

4. os anos 80 e os anos 90 do século XX


Assiste-se a um decréscimo do peso da despesa pública no PIB.

23
A nível político assiste-se a uma orientação da despesa para grupos especiais e a
dificuldades em reduzir os níveis de despesa já atingidos, acompanhadas de contestações ao
nível da teoria da escolha pública. A despesa pública continuou a aumentar e atingiu, em
muitos países, máximos históricos.

Em 1980 a despesa pública situava-se, com algumas exceções, entre os 45% e os 52% do PIB.
Em 1990, ascendia a 44,8% do PIB e em 1996 a 45,6%, apresentando uma tendência para
crescer. Alguns países iniciaram a introdução de políticas reformistas tendo em vista a
redução dos níveis da despesa pública, com a implementação de reduções em várias áreas,
sobretudo ao nível das transferências e dos subsídios.

5. de 1996 a 2005
Com a mudança de século, assistimos a uma intensificação das ideias liberais e da ideia de
que seria essencial limitar o crescimento da despesa pública. Os Estados passaram a ser
vistos como operadores económicos, mas desempenhariam um papel de correção das falhas
de mercado. Entende-se, neste contexto, que um mercado mais eficiente exige menos
intervenção pública e níveis menores de despesa pública.

A despesa pública tem crescido desde 1980 até à atualidade, mas apresenta uma tendência
para o decréscimo ou crescimento menos intenso.

Com base nos mesmos pressupostos acrescentaremos um novo período:


6. de 2005 até à atualidade
Finais de 2007 - aumento considerável dos níveis de despesa
Fim da crise - níveis de despesa pública tendência apresentam uma tendência a diminuir;
devido à implementação de reformas que levaram a esta redução e a uma melhoria nas
políticas orçamentais, contribuindo para a verificação do equilíbrio orçamental ou excedente
orçamental em alguns casos

2018 - a despesa situa-se a níveis muito próximos de 50% do PIB


Nos países da UE o valor médio é de 45,8% do PIB e na zona euro é 47% do PIB.

7. impacto da crise pandémica nos níveis de despesa pública


Atualmente ainda não é possível prever qual o real impacto provocado pela pandemia
SARS-CoV2 nos níveis da despesa pública. Contudo, vamos assistir a um decréscimo
acentuado do PIB da generalidade dos países com valor médio na zona euro de -8,3%, sendo
de esperar valores próximos dos 10% em alguns países como é o caso de Portugal, Itália e
Espanha.

A magnitude do impacto deriva diretamente da crise pandémica que afetou a saúde, mas
colocou em causa a liberdade de circulação, o emprego, a educação e o comércio interno e
internacional. Os efeitos dos lockdowns da primeira vaga provocaram uma descida

24
acentuada nos níveis de consumo, investimento, produção industrial e manufatura, bem
como um crescimento nas taxas de desemprego.

O atual contexto económico levou a uma revisão das projeções relativas ao crescimento
económico da generalidade dos países, dando especial ênfase à necessidade da adoção de
medidas enquadradas dentro da política monetária por forma a controlar a inflação e o
crescimento do endividamento e, ao mesmo tempo, proteger os mais vulneráveis.

5. Outros fatores determinantes da evolução da despesa pública


- os interesses políticos
- os grupos de pressão organizados
- o fenómeno da desindustrialização

PARTE IV-----------------------------------------------------------------------------------------
O ORÇAMENTO DE ESTADO

Os elementos essenciais da definição de Orçamento são:


- que é um documento que contém a previsão de receitas e despesas públicas;
- que a sua aprovação constitui a autorização para a realização dessas receitas e
despesas;
- que essa autorização cabe a uma assembleia representativa - elemento comum a
todas as democracias modernas;
- que a previsão e a autorização têm uma duração temporal, geralmente
correspondente a um ano.
No Orçamento do Estado está assim a previsão das receitas e despesas de um determinado
período financeiro, e através da aprovação do Orçamento o Parlamento autoriza o Governo
a obter essa receita e fazer essa despesa.

Orçamento é uma criação do constitucionalismo liberal, um produto da passagem, entre o


final do século XVIII e o século XIX, de regimes de monarquias absolutas para regimes
constitucionais caracterizados pela separação de poderes e pelo princípio do Estado de
Direito.

1. Antecedentes históricos
1.1. Idade Média
necessidade de autorização das Cortes para cobrar impostos (consentimento das Cortes)
Os poderes orçamentais têm origem no poder das cortes medievais para autorizar a receita
(tanto na cobrança de tributos como o cercear da moeda, isto é, a cunhagem da moeda
(reduzir o seu conteúdo de metal precioso).

A cobrança do imposto estava ligada ao seu lançamento e este era feito com caráter
irregular, na medida em que cada aldeia tinha o seu foro, que determinava os tributos que aí

25
podiam ser cobrados, num sistema que variava de local para local e para o qual não se
poderia formular uma regra geral.

predominância das receitas patrimoniais


O soberano devia prover às suas despesas correntes com base nos seus rendimentos
patrimoniais e algumas receitas de natureza consuetudinária.

indiferenciação entre instituições públicas e privadas


Na Idade Média não há uma diferenciação nítida entre instituições públicas e privadas, ou
seja, entre os rendimentos patrimoniais privados do soberano e as receitas de natureza
pública.

A evolução dos poderes das Cortes da Idade Média até à época liberal segue, na Europa,
duas linhas significativamente distintas:
- o aprofundamento do poder real na direção do absolutismo foi reduzindo o papel
das Cortes
- um reforço continuado dos poderes financeiros das assembleias representativas, que
condicionam não só as receitas dos monarcas mas também a sua despesa.
Dois sistemas:
● “sistema de coação” - os impostos são criados unilateralmente pelo poder real, que
não suporta condicionantes significativas no uso dos recursos assim gerados
● “sistema de consentimento” - o imposto depende do assentimento de uma forma de
assembleia representativa

1.2. Absolutismo
centralização do poder real e perda de importância das Cortes
Em Portugal assiste-se a uma centralização do poder real e decadência do poder tributário
das cortes.

modernização da administração financeira em Portugal

1.3. Liberalismo
afirmação da autorização representativa para a cobrança de tributos (no taxation without
representation; princípio de autotributação) e realização de despesas
O final do século XVIII é o momento em que dois processos revolucionários - a
independência dos EUA e a Revolução Francesa – afirmam o princípio de necessidade de
autorização parlamentar para a cobrança da receita e reforçam os poderes da assembleia
em matéria de despesa.

A independência americana tem aliás na sua origem uma questão tributária – a resistência
dos colonos americanos ao pagamento de impostos votados pelo parlamento britânico, no
qual não estavam representados. Essa resistência é sintetizada pelo conhecido lema no
taxation without representation.

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A soberania reside no povo, e são os mesmos cidadãos que pagam os impostos que decidem
que impostos pagam. A votação de impostos é uma auto-tributação, a forma como os
membros de uma comunidade decidem a distribuição, entre si, dos encargos comuns. A
despesa é fixada pelas Cortes, porque a atuação do executivo está subordinada à lei.

importância dos impostos como receita pública em confronto com a proteção da


propriedade
Do lado da despesa, o alargamento dos poderes do parlamento inglês assume a forma de
leis de “apropriação”, que significava que uma parte da receita gerada pelos impostos que
eram autorizados tinha de ser destinado a uma finalidade determinada pelo Parlamento. O
objetivo dos poderes parlamentares em matéria de impostos e apropriações era limitar o
poder real.

Bill of Rights
No que toca à receita, sobretudo à cobrança de impostos, a questão do consentimento é um
dos pontos de conflito aceso entre o Parlamento e o poder real, que acaba por ser
definitivamente resolvido a favor do primeiro com o Bill of Rights de 1689, que estabeleceu
ser ilegal a cobrança de impostos sem autorização do parlamento. No final do século XVII,
John Locke introduz o conceito de separação de poderes entre o poder legislativo e o poder
executivo e defende a supremacia do primeiro.

Constituição dos EUA


É assim compreensível que a Constituição dos Estados Unidos, de 1787, estabeleça esses
poderes da assembleia representativa na sua maior extensão, definindo, do lado da receita,
que são poderes exclusivos do Congresso a criação de todos os impostos e a autorização
para contrair empréstimos; prevendo ainda, do lado da despesa, que nenhum valor pode ser
retirado do Tesouro a não ser que o seu uso tenha sido determinado por lei. A mesma
constituição prevê ainda um dever de transparência.

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão


Em França, esse documento fundamental da Revolução que é a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, aprovada em 1789 pela Assembleia Nacional Constituinte, estabelece
que “Todos os cidadãos têm o direito de constatar, por si mesmos ou através dos seus
representantes, a necessidade da contribuição pública, de a consentir livremente e de
acompanhar a sua utilização”.

A passagem de regimes de raiz absolutista para regimes de raiz liberal, ao longo de século
XIX, dissemina pela Europa uma nova conceção sobre os poderes financeiros do Parlamento

O orçamento começa por surgir, entre os séculos XVIII e XIX, como um instrumento do
Governo, uma forma de dar coerência a receitas esperadas e despesas pretendidas,
autorizadas pelos parlamentos em deliberações avulsas. O crescimento da despesa pública
ao longo do século XIX torna-o indispensável.

27
1.4. O Orçamento de Estado nas constituições portuguesas
● 1822: inspiração liberal; “predomínio formal das Cortes sobre o Rei”
Em Portugal, a constituição liberal de 1822 estabeleceu ser da competência das Cortes “fixar
anualmente os impostos, e as despesas públicas”, “fiscalizar o emprego das rendas públicas,
e as contas da sua receita e despesa” e “autorizar o Governo para contrair empréstimos.”

O dever do governo apresentar “todos os anos às Cortes, logo que estiverem reunidas, um
orçamento geral de todas as despesas públicas do ano futuro; outro da importância de todas
as contribuições e rendas públicas; e a conta da receita e despesa do tesouro público do ano
antecedente.” O primeiro Orçamento foi aprovado em 1823.

● 1826, 1838, 1911: tendencial manutenção da tradição liberal e parlamentar; reserva


relativa à Carta Constitucional de 1826: o poder moderador e o “predomínio formal
do Rei sobre as Cortes”.
● 1933: o carácter anti-parlamentar (“predomínio do Presidente da República e do
Governo por ele nomeado sobre a Assembleia Nacional”); ortodoxia financeira;
esquema orçamental dualista: lei de autorização (ou de meios) e lei do orçamento.
● 1976: inicial manutenção do esquema dualista; revisão constitucional de 1982:
recuperação das competências financeiras do parlamento, reencontro com a tradição
constitucional e esquema orçamental monista (caracterização constitucional atual).

Em 1976, com a aprovação da atual Constituição da República portuguesa, é reafirmado o


princípio de exercício dos poderes financeiros por um Parlamento democraticamente eleito.
O texto original da Constituição de 1976 separava ainda a “Lei do Orçamento” do
“Orçamento Geral do Estado”. A primeira era aprovada pela Assembleia da República. O
Orçamento Geral do Estado era um documento administrativo, “elaborado pelo Governo, de
harmonia com a lei do orçamento e o Plano”.

Esta distinção viria a desaparecer na revisão constitucional de 1982, estabelecendo-se então


o regime que hoje está em vigor: a competência da Assembleia da República para aprovar o
Orçamento sob proposta do Governo conferindo ao próprio ato de aprovação do orçamento
uma natureza legislativa.

Caracterização constitucional do Orçamento


O texto constitucional em vigor prevê (desde a revisão de 1982) a existência de um
Orçamento do Estado, aprovado pela Assembleia da República, contendo a discriminação
das despesas e receitas (artigos 105º a 107º).

Noção de Orçamento da CRP:


Nos termos da Constituição, do Orçamento consta a enumeração detalhada de todas as
despesas do Estado previstas para o ano económico, sendo proibida a previsão de despesa
cuja utilização seja secreta; e também a previsão detalhada da receita, que deve ser em
valor suficiente para a cobertura de todas as despesas.

28
Art. 161º CRP: a aprovação do Orçamento é competência exclusiva da Assembleia
A Assembleia da República tem a competência para decisão em matérias financeiras
fundamentais.

Art. 199º/b) CRP: o Governo tem a competência para “fazer executar o Orçamento do
Estado”

Competem à Assembleia da República:


• a aprovação do “regime geral de elaboração e organização” do Orçamento do
Estado - alínea r) do artigo 164º. Este regime geral, contido na Lei de Enquadramento
Orçamental (LEO) vincula a elaboração, organização, votação e execução do Orçamento do
Estado (n.º 1 do artigo 106º).
• a aprovação das “leis das grandes opções dos planos nacionais” - alínea g) do artigo
161º – Lei das Grandes Opções (LGO) prevista no artigo 34º da LEO. (Estas grandes opções
em matéria de planeamento vinculam o Orçamento do Estado, nos termos do n.º 2 do artigo
105º).
• a autorização para contrair e conceder empréstimos e limite máximo de avales a
conceder pelo Governo – alínea h) do artigo 161º
• a criação de impostos e o regime geral das contribuições e das taxas, que integram
reserva relativa de competência legislativa (n.º 1 do art. 165).
• a fiscalização da execução do Orçamento (artigo 107º).

Relação de supra-infra-ordenação entre os poderes legislativo e executivo


Há uma clara relação de supra/infra ordenação entre parlamento e executivo, sendo
expressão do princípio do estado de direito democrático. Ao Parlamento é reservada a
definição das regras gerais e um conjunto de decisões fundamentais, além da aprovação
anual da autorização para cobrar receita e realizar despesa, a competência para fiscalizar o
uso dessa autorização. Cabendo ao Governo a iniciativa, só se discutirá a proposta de
Orçamento apresentada pelo Governo. Aprovado este, só poderá ser alterado pela
Assembleia da República se o Governo tiver a iniciativa de propor essa alteração.

Art. 182º CRP: só o Governo, enquanto “órgão superior da administração pública” e


dispondo do apoio da generalidade dos serviços do Estado, está em condições de realizar as
previsões em que assenta o Orçamento, desde logo as previsões das necessidades de
despesa dos serviços do Estado. O Orçamento é peça central para a execução dos objetivos
de política que cabe ao Governo executar.

Notas caracterizadoras do nosso orçamento:

Âmbito do Orçamento
a) Quanto ao âmbito do orçamento, o n.º 1 do artigo 105º diz-nos que ele contém as
receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos. O orçamento
abrange não só as despesas e receitas da pessoa jurídica Estado, mas também a das outras

29
entidades administrativas com personalidade jurídica distinta do Estado e ainda que dotadas
de regimes de autonomia na sua gestão. A aplicação desses critérios traduz-se na prática na
inclusão no chamado “perímetro orçamental” de entidades que estariam excluídas por
terem natureza empresarial.

Art. 105º/1 CRP - determina que o Orçamento do Estado inclui o orçamento da Segurança
Social.
Art. 63º CRP: dever do Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança
social.

Princípio da descentralização
b) A Constituição estabeleceu, além do nível nacional, dois outros níveis de
democracia representativa – o nível regional (nos Açores e na Madeira) e o nível local
(constituído por dois níveis de autarquias locais, municípios e freguesias). Em cada um há
uma assembleia representativa, a quem cabe aprovar o orçamento anual, e um executivo
que propõe esse orçamento e o executa depois de aprovado.
Compete à AR a aprovação:
Art. 164º/t) - do regime de finanças das regiões autónomas
Art. 165º/q) - do regime das finanças locais
Art. 164º/r) - regime geral de elaboração e organização dos orçamentos das RA e das AL

Princípio da Anualidade
c) A Constituição estabelece que a aprovação do orçamento é anual, concretizando
assim a limitação temporal que existe em qualquer orçamento, porque um orçamento é
uma previsão de receitas e despesas.

Art. 14º LEO - o período de duração de um orçamento coincide com o ano civil.
Assim, a Lei do Orçamento de cada ano deve em regra entrar em vigor no dia 1 de janeiro e
cessar vigência no dia 31 de dezembro.

Lei de Enquadramento Orçamental


d) o “regime geral de elaboração e organização” do Orçamento do Estado deve-se à
existência de uma lei de enquadramento orçamental (LEO) que é a peça central da legislação
financeira portuguesa.

A Constituição dispõe que a LEO vincula a elaboração, organização, votação e execução do


Orçamento (n.º 1 do artigo 106º), o que significa que a lei de enquadramento orçamental é
uma lei com valor reforçado face ao Orçamento estabelecendo regras que não são
derrogáveis pela Lei do Orçamento. Uma vez que a Constituição apenas dispõe que a Lei do
Orçamento, o seu processo de aprovação e a sua execução estão sujeitas à LEO, esta lei não
tem um valor reforçado face à generalidade do ordenamento jurídico, traduzindo-se antes o

30
valor reforçado numa parametricidade específica: um valor reforçado relativamente ao
orçamento e aos diplomas que disponham sobre aquelas matérias orçamentais.

Tal significa que o legislador pode a todo o tempo alterá-la, mas tem que a respeitar
enquanto não a alterar e a violação da LEO pelo orçamento traduz-se em ilegalidade do
orçamento por violação de lei com valor reforçado.

Nota: esta parametricidade da LEO face ao Orçamento significa também que a LEO não pode
ser alterada no próprio articulado do Orçamento.

Lei das Grandes Opções


e) O Orçamento é “elaborado de harmonia com as grandes opções em matéria de
planeamento”, ou seja, de harmonia com a Lei das Grandes Opções (LGO) que é aprovada
pelo Parlamento sob proposta do Governo.

Esta subordinação do orçamento ao plano dá ao orçamento a função de execução anual, no


plano financeiro, de um planeamento económico com alcance temporal mais vasto. Embora
se deva entender que esta subordinação do orçamento à LGO tem um conteúdo jurídico.

A questão teve uma alteração significativa pela reconfiguração da LGO operada pela revisão
da Lei de Enquadramento Orçamental ocorrida em 2015. Nos termos dos novos artigos 34º e
35º da LEO, a LGO passa a integrar a primeira fase do processo orçamental, sendo
apresentada em abril, e incorpora um “quadro plurianual das despesas públicas”.

Os valores deste quadro são vinculativos para o orçamento do ano económico seguinte, ou
seja, os limites de despesa nele constantes constituem máximos que não devem ser
ultrapassados pelo orçamento que é aprovado no final do mesmo ano (parte significativa da
decisão orçamental foi passada do momento da Lei do Orçamento para a aprovação da LGO,
dando a esta uma força vinculativa sobre a Lei do Orçamento).

Lei com valor reforçado


f) A Lei do Orçamento é uma lei com valor reforçado, já que as matérias que a lei
reserva para o orçamento do Estado não podem ser tratadas por outra legislação, e as
normas do orçamento em vigor que pertencem a esse domínio reservado não podem ser
alteradas pela lei ordinária.

Importa ter presente que o simples facto de uma norma constar da Lei do Orçamento não
lhe confere esse valor reforçado, ou seja, um valor superior ao da restantes legislação. A
proteção conferida pelo caráter reforçado da lei do orçamento apenas abrange aqueles
conteúdos que constitucionalmente devam constar do orçamento.

2. Noção e funções do orçamento de Estado


Noção de orçamento de estado

31
Vamos usar como âncora uma definição apresentada nas lições do dr teixeira ribeiro que nos
diz que o orçamento do estado é o documento onde são previstas e completadas as receitas
e despesas anuais competentemente autorizadas.

Distinção entre orçamento do estado e outro orçamento


Um orçamento é um documento que serve para escrever receitas e despesas.
Elementos relevantes que distinguem o orçamento de estado de um qualquer orçamento.
- ideia de que a inscrição de receitas e despesas é uma previsão, é assim com os
orçamentos individuais, diz respeito ao futuro e trata-se de uma previsão
temporalmente limitada (1 ano)
- competentemente autorizada é possível identificar a base da autorização política

2.1. Autorização política


A ideia da autorização implica que o orçamento de estado tenha carácter vinculativo. A
vinculação implicada é a vinculação do poder executivo (o governo) ao poder legislativo (o
parlamento) que autoriza o orçamento. Reflete ideias típicas do liberalismo democrático. Os
orçamentos públicos assumem um elemento de autorização política, sendo este o elemento
essencial de inspeção liberal, que chega a Portugal com a revolução liberal.

No taxation without representation


Em matéria de realização da despesa e fiscalização de cobrança de receitas. A receita está
definida em função da despesa. O orçamento de estado é algo mais do que simplesmente
uma inscrição de receitas e despesas. Estas inscrições devem ser devidamente autorizadas,
mediante autorização em última instância concedida pelo povo representado em sede
parlamentar. As receitas e despesas foram traduzidas no princípio de no taxation without no
representation.

(autotributação; autoimposição tributária) Apenas podem ser cobrados os impostos


previstos no OE e podem ser realizadas as despesas previstas no OE. Os cidadãos só podem
assistir o seu direito de propriedade ser agredido de acordo com o que estiver estabelecido
no OE. O que temos é uma ideia de imposição tributária. Desta ideia de auto tributação,
deriva ainda a participação na atividade financeira dos cidadãos. Participamos na definição
das opções orçamentais.

Elemento de participação
A participação é mais expressiva se o OE for elaborado por um governo com um horizonte
mais alargado. Uma vez elaborado o orçamento, depois de aprovado e discutido em sede
parlamentar, a execução orçamental pelo poder executivo está limitada ao raio de ação
estabelecido no orçamento. Isto é, o governo não vai poder cobrar receitas ou realizar
despesas que não estejam no OE.

Relação de supra-infra-ordenação entre os poderes legislativo e executivo


Expressa ou traduz uma relação dita de supra-infra-ordenação entre poder executivo e
legislativo e que não se esgota no momento da aprovação do orçamento. Esta relação

32
também é manifestada em sede de controlo de execução orçamental que é exercida pelo
poder legislativo.

Por último, esta supra-infra-ordenação revela de forma inequívoca na figura do OE um


princípio de separação e equilíbrio entre os poderes, que também tradicionalmente entrega
o ideal liberal. Apesar da instituição orçamental ser tributária do liberalismo é preciso
manter a consciência histórica que em determinados países houve retrocessos.

O orçamento de Estado sob a forma de lei


Se o OE é uma autorização e é vinculativo estão aqui evidenciados elementos
caracterizadores de uma lei. O OE apresentado assume a forma jurídica de uma lei. Esta
forma jurídica serve até para garantir a verificação da relação de supra infra ordenação. O
facto do orçamento do estado ser uma lei permite que este documento sirva como
instrumento de limitação e controlo de administrações públicas. Esse propósito inclusive
compara-se com um mandato de Direito Civil. Ao fim da execução orçamental deve prestar
contas.

2.2. Previsão
O orçamento de Estado enquanto instrumento de gestão previsional
Esta proteção só é cumprida, porque existe a ideia de previsibilidade de determinada
execução orçamental. Esta previsibilidade diz que o OE é um documento elaborado num ano
e que o OE é um documento de gestão previsional. O facto do Orçamento ser uma previsão
não significa que seja uma mera previsão, sobretudo no que diz respeito às despesas.

Distinção entre o orçamento de Estado e a conta geral do Estado (art. 107.º da CRP; art.
66.º da LEO)
O OE distingue-se da conta geral do estado, tendo em conta que o orçamento é uma
previsão e a conta geral é um registo, referente ao passado. No fundo, a conta geral do
estado é uma efetivação das receitas pagas. A conta geral é um Balanço do Estado não tem
escrito nem receitas nem despesas, tem escrito ativos e passivos dos créditos e das dívidas e
do estado, num determinado momento.

2.3. Limitação temporal


Regra da anualidade (art. 14.º da LEO);
O OE é uma previsão limitadora, temporalmente limitada ao período de um ano. A isto se
chama a regra da anualidade. (Art. 14º/4 da Lei do Enquadramento Orçamental) Estes 12
meses poderiam corresponder ao ano civil, mas há países em que não há esta coincidência.
Há vantagens nesta correspondência para países como Portugal. Quanto mais dilatado fosse
o horizonte temporal mais difícil seria fazer a limitação. Esta é uma regra clássica de
elaboração orçamental

A inscrição de receitas e despesas do ponto de vista contabilístico

33
- Orçamento de gerência: são previstas no orçamento de estado as receitas e as
despesas que o estado irá obter e pagar respetivamente durante o ano económico.
Previsão de receitas e despesas numa fase terminal de cobrança e pagamento. Não
interessa se a despesa ou a receita surge ou não este ano. As receitas e as despesas
são pagas ou cobradas no ano da execução orçamental. Fazemos uma inscrição
previsional das receitas que vão entrar no cofre do estado, no ano económico que
esteja em causa. Diz-se que o orçamento de gerência é feito numa fase terminal de
cobrança de pagamento.
- Orçamento de exercício trata-se do contrário, não surge na fase terminal, mas na sua
fase inicial, são previstas as receitas que o estado irá cobrar e as despesas que o
estado irá pagar em virtude dos créditos e das dívidas que irão surgir a seu favor ou
contra si no ano económico. Interessa a consideração do facto jurídico que
determina o dever jurídico do estado em obter uma receita e cobrar uma despesa.

Avaliação das vantagens das opções: respectivamente, avaliação da situação de tesouraria


e avaliação do nível das responsabilidades financeiras assumidas
Em Portugal são elaborados orçamentos de gerência. A opção por um orçamento de
gerência prende-se com o facto desta lógica de gerência clarificar a situação do estado. Ao
longo do ano económico iremos saber a situação da tesouraria do estado. Por outro lado,
uma eventual opção pela elaboração de um orçamento de exercício poderia estar
relacionada com o reconhecimento ou o privilegiar de uma lógica que permite avaliar as
responsabilidades financeiras assumidas por cada órgão económico.

Caso das despesas plurianuais


Se o governo resolver em 2024 construir um aeroporto não consegue construí-lo num ano,
ele vai começar a ser construído em 2024, mas o aeroporto vai implicar uma despesa de
mais de 1 ano. O estado pretende realizar uma despesa plurianual, que se reparte por vários
anos económicos/períodos financeiros. A dívida vai surgir em 2024 assim como os dez
milhões necessários inscrevem-se no ano de 2024. No orçamento de gerência temos uma
provisão orçamental que favorece a avaliação dos fluxos (entrada e saída no âmbito
económico). No outro favorece a avaliação dos níveis de responsabilidade financeira.

2.4. Funções
● Função de relacionação das despesas com as receitas
(art. 105.º, n.º 4 da CRP)
No orçamento preveem-se as despesas e o montante de receitas necessário ao seu
pagamento. O Orçamento prevê a receita necessária para cobrir todas as despesas.
Podemos falar a este propósito de um equilíbrio formal do Orçamento: o valor da despesa
total é idêntico ao valor da receita total.

Esta exigência de equilíbrio formal do orçamento não é contrariada pelo facto de geralmente
os Orçamentos apresentarem um saldo (e mais frequentemente, entre nós, um saldo

34
negativo, ou défice). Défice orçamental não significa que a receita total não é suficiente para
cobrir a despesa total – significa que para a cobertura de parte da despesa é necessário
recorrer a endividamento. A receita resultante do endividamento, contudo, também é uma
receita e também tem que estar prevista e autorizada no Orçamento, assegurando que o
total das receitas é suficiente para a cobertura do total das despesas.

Qualquer orçamento deve sempre estar em equilíbrio formal na medida já que não faz
qualquer sentido prever despesas a pagar sem prever os recursos financeiros necessários
para fazer esse pagamento.

● Função de fixação das despesas


(art. 105.º, n.º 4 da CRP)
O Orçamento contém a previsão quantificada de despesas, mas essa previsão tem um
significado jurídico muito preciso: uma autorização para fazer despesa até ao limite do valor
inscrito. Os mapas orçamentais da despesa contêm valores discriminados por tipo de
despesa (dotações ou créditos orçamentais) correspondendo à previsão que se faz das
necessidades e das intenções de despesa do Governo. A execução pode ficar aquém desse
valor, mas não pode ultrapassá-lo.
Princípio da tipicidade (art. 52º LEO)
- Tipicidade quantitativa da despesa: para significar que o valor da dotação não é uma
mera previsão, mas um limite.
- Tipicidade qualitativa da receita: a inscrição orçamental da receita tem também um
sentido jurídico, que é a autorização anual para a cobrança dessa receita. Podem ser
cobradas as receitas previstas no orçamento. O valor inscrito para a receita, contudo,
é mera previsão e pode ser ultrapassado.

O montante de receitas tem de ter autorização e uma previsão. O montante das despesas
tem de ter autorização e limite. Assim, o orçamento das receitas é uma enunciação
estimativa e o orçamento das despesas é uma enunciação limitativa.

Exceção: matéria de empréstimos públicos (art. 29º LEO)

● Função de exposição do plano financeiro


A exposição discriminada num único documento de todas as receitas e despesas do Estado
A escolha das receitas e as despesas concretizadas traduzem opções políticas. No
orçamento, um documento único expõe as finalidades em que o Estado vai aplicar os seus
recursos, e a proveniência desses recursos, e traduz financeiramente as prioridades – ainda
que as prioridades financeiramente concretizadas não sejam idênticas às publicamente
enunciadas.

O orçamento de Estado enquanto instrumento dirigente da atividade financeira pública


(também nos níveis regionais e locais) e da atividade económica privada

35
No enquadramento constitucional, o plano financeiro contido no Orçamento deve ser
adequado à concretização das opções políticas que correspondem às grandes opções em
matéria de planeamento. A norma pode ser entendida de uma forma mais geral –
adequação do orçamento às opções fundamentais de planeamento que tenham sido
tomadas antes dele; ou de forma mais restrita, como necessária articulação entre o
Orçamento e a lei das grandes opções, prevista na alínea g) do artigo 161º LGO e
concretizada pela LEO no artigo 34º, que prevê a apresentação pelo Governo, anualmente,
de uma proposta de lei das grandes opções em abril, na primeira fase do processo
orçamental.

As previsões sobre a evolução dos indicadores económicos


Este “plano financeiro” inclui também uma inserção da política orçamental num âmbito mais
vasto. Sendo de longe o maior operador económico, a despesa e a receita do Estado têm um
efeito decisivo na Economia. O Orçamento incorpora assim previsões sobre a evolução da
economia (nível do produto, emprego, inflação) que em parte dependem também das
opções concretizadas no Orçamento e que servem de indicador para a atuação dos agentes
económicos. As despesas e receitas públicas, pelo efeito que têm na conjuntura e no ritmo
do crescimento, são um instrumento de política económica.

3. Regras e princípios orçamentais


A preparação da Proposta de Lei do Orçamento Geral do Estado e da Lei do Orçamento
obedece a um conjunto de normas que definem questões relativas ao procedimento, mas,
também, de regras o próprio conteúdo da Lei do Orçamento. Há limitações quer quanto ao
procedimento, quer quanto à forma, quer quanto ao conteúdo do orçamento. Este conjunto
de regras é composto por regras técnicas, mas, também, por regras e princípios jurídicos que
orientam a forma como o orçamento vai ser elaborado. Estamos a falar especificamente nas
designadas regras clássicas de elaboração do orçamento a que se juntam outras regras e
princípios orçamentais.
Regras → são comuns a todos os orçamentos públicos e têm uma importância
jurídica bastante significativa. Servem para facilitar a tarefa de análise da proposta de
orçamento e o controlo da execução orçamental, sobretudo do controlo político.

Princípios → surgem como resposta às exigências das Finanças Públicas dos tempos
modernos, e refletem a importância que se reconhece ao Orçamento do Estado na
condução das políticas públicas e da economia em geral.

A atual Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) dedica um capítulo aos princípios e regras
orçamentais.

3.1. Regras clássicas de elaboração orçamental


Regras que conformam o conteúdo e a forma do orçamento de Estado; em especial, o Título
II, Cap. II, LEO.

36
● Regra da unidade
(art. 9.º da LEO; art. 105.º/3 da CRP)
Tem como função principal garantir a transparência das contas públicas, sendo essencial
para que o orçamento possa cumprir as suas funções.

A regra da unidade impõe que se encontrem reunidas num único documento todas as
receitas e todas as despesas estaduais. A lei que aprova o Orçamento do Estado deve reunir
todas as receitas e todas as despesas públicas. Para que esta regra se considere cumprida,
não basta que o orçamento do Estado conste de um único documento, sendo ainda
necessário que nesse documento estejam reunidas todas as receitas e todas as despesas das
entidades públicas.

Por outro lado, se pretendemos que nesse documento seja exposto e explanado o plano da
atividade financeira do Estado o mesmo deve ser elaborado pela mesma entidade, com a
observância das mesmas regras e parâmetros de avaliação, por forma a evitar contradições,
duplicações ou omissões, bem como uma análise mais célere dos dados nele contidos e das
opções relativas às políticas públicas que materializam.

Relação entre unidade e período financeiro


Está relacionada com o número de orçamentos a apresentar em cada período financeiro.
Decorre desta regra a imposição de aprovação, para cada período financeiro, de apenas um
orçamento. Esta exigência pretende evitar que, através da utilização do mecanismo dos
múltiplos orçamentos – sejam estes sucessivos ou simultâneos - se atinja uma situação em
que vultuosas massas de fundos escapam à autorização legislativa e política

A pluralidade orçamental foi por vezes justificada com base na necessidade de elaboração
de orçamentos distintos. Pode existir alguma vantagem prática na elaboração de orçamentos
distintos consoante a classificação das despesas de acordo com o critério de equilíbrio a
adotar, tal não implica, necessariamente, que seja violada a regra da unidade orçamental.
Em Portugal há a elaboração de vários mapas orçamentais. No entanto, com uma dispersão
do orçamento de Estado em vários documentos torna-se difícil apurar o saldo orçamental.

O Setor Público Administrativo


A pluralidade orçamental pode ainda ser justificada pela existência de serviços dotados de
autonomia administrativa e financeira.

O Setor Público Administrativo é constituído por vários subsetores, que correspondem aos
níveis de administração nacional, regional e local. A estes soma-se a Segurança Social (setor
nacional da administração), mas é sempre tratada autonomamente pela legislação
orçamental. É comum designar o conjunto como administrações públicas, no plural.

O perímetro orçamental para efeitos de Direito da União Europeia


As entidades empresariais sob controlo público colocavam um problema face à existência de
normas europeias sobre limitação de défice e de dívida pública em todos os países membros

37
da União Europeia. Só é possível sujeitar o défice de todos os estados-membros a um limite
se forem as mesmas as regras para a contabilização desse défice.

Passou assim a falar-se de um “perímetro orçamental” para referir o conjunto de entidades


cujas despesas e receitas são contabilizadas para apuramento do saldo orçamental, ou seja,
entram na consolidação das contas públicas.

A legitimação democrática própria das regiões autónomas e autarquias locais


Art. 9º/2 da LEO exclui expressamente do Orçamento Geral do Estado os orçamentos das
Regiões Autónomas e das Autarquias Locais. Esta última exceção concretiza a previsão do
art.º 6.º da CRP. Esta exceção não se alarga aos demais aspetos da LEO: permite-se que essas
entidades elaborem, aprovem e executem orçamentos próprios e (quase) autónomos face
ao Orçamento Geral do Estado, mas ficam obrigados, nos seus orçamentos, ao cumprimento
de todas as regras e princípios, sejam estes relativos a elaboração, a execução ou fiscalização
do orçamento, como decorre do art.º 1.º al. a) da LEO.

O Orçamento do Estado é o orçamento do nível nacional da administração pública, e


portanto abrange os organismos da Administração Central e da Segurança Social. Excluem-se
o regional, que não cobre todo o território, constituído pelas Regiões Autónomas dos Açores
de da Madeira; e o local, que integra os municípios e as freguesias. Cada um destes níveis da
administração tem uma legitimação democrática própria e o seu orçamento é aprovado
pelas respetivas assembleias representativas, não estando integrado no Orçamento do
Estado.

unidade - pretende evitar a existência de múltiplos orçamentos e da desorçamentação


universalidade - relacionada com o próprio desenho da Lei do Orçamento

Art. 2º LEO: entidades públicas reclassificadas


Art. 10º LEO: o OE inclui todas as entidades que integram o subsetor da administração
central

EM SUMA: a regra da universalidade obriga a uma previsão integral – em termos qualitativos


e quantitativos – de todas as receitas e de todas as despesas e exige ainda que não exista
afetação de uma determinada receita a uma determinada despesa.

● Regra da especificação
(art. 17.º da LEO; art. 105.º, n.º 1 e 3 da CRP)
Significa prever cada receita e cada despesa de modo individualizado.

Os limites da especificação
Esta discriminação deve ser feita de modo a não eliminar ou condicionar excessivamente a
liberdade de gestão dos serviços e de adaptação da gestão às circunstâncias factuais.
Teixeira Ribeiro dizia que as verbas não devem ser tão “miudamente discriminadas, para que
os serviços possam adaptar os seus gastos às circunstâncias”. Pretende-se evitar a existência

38
de dotações para utilizações confidenciais ou fundos secretos, exceto em situações
excecionais justificadas por razões de segurança nacional, devidamente autorizadas pela
Assembleia da República (art. 17º/3 e 105º/3 CRP). São de excecionar, também as despesas
a incluir na designada dotação provisional do Ministério das Finanças e as despesas a
integrar no programa destinado a gerir a despesa fiscal resultante da concessão de
benefícios tributários.

A aplicabilidade e os classificadores orgânicos, funcionais e económicos


art.º 17.º da LEO: determina que as receitas sejam discriminadas de acordo com códigos de
classificação económica, mas também por fonte de financiamento e serve de matriz à
elaboração dos mapas orçamentais (art.º 42.º da LEO).

Quanto às despesas, exige-se que as mesmas estejam desagregadas com base numa
classificação orgânica, económica, e funcional, devendo ainda ser estruturadas por
programas e por fonte de financiamento. (Decretos-leis n.º 171/94 e nº 26/2002)

Classificação económica das receitas e das despesas: determina a sua desagregação em


receitas e despesas correntes e receitas e despesas de capital. A desagregação das receitas
é, depois, feita por capítulos, por grupos e por artigos, enquanto as despesas são
especificadas por agrupamentos, subagrupamentos e rubricas.

As despesas obedecem, ainda, a uma classificação orgânica e funcional, devendo também


ser estruturadas por programas e por fonte de financiamento.

Classificação orgânica - é feita uma divisão por ministérios e secretarias de Estado e, dentro
destes, como por capítulos, divisões e subdivisões orçamentais – cfr. art.º 5.º do Decreto-Lei
n.º 26/2002, de 14 de fevereiro.

Classificação funcional - é feita por referência às disposições constantes do Decreto-Lei n.º


171/94, de 24 de junho. Trata-se de uma classificação que tem em conta as funções
exercidas pelo Estado (Funções gerais de soberania; sociais; económicas; etc.).

A estruturação por programas consiste na desagregação das despesas em medidas que se


concretizam através de atividades, ou seja, funções. Neste contexto agrupam-se despesas
correspondentes a um conjunto de medidas que concorrem para a concretização de um ou
vários objetivos específicos, relativos a uma ou a mais políticas públicas.

Art.º 45.º da LEO: encontramos a referência à necessidade de uma densificação da


estruturação por programas. Ao nível mais agregado, a especificação por programas
corresponde à missão de base orgânica, sendo a desagregação feita por programas
orçamentais e estes em ações.

Art. 37º/3 LEO: desenvolvimentos orçamentais

A dotação provisional (art. 45.º, n.º 11, 1ª parte)

39
É a importante exceção ao princípio da especificação. Nos termos do n.º 11 do art. 45º da
LEO, existe no orçamento da despesa um programa (uma dotação) que é destinado a fazer
face a despesas imprevisíveis e inadiáveis, e serve precisamente como válvula de segurança
face às limitações da capacidade humana de previsão. A dotação provisional pode assim
num ano ser usada para reforçar a dotação da Proteção Civil, porque houve uma catástrofe
natural, e noutro ano para reforçar o Ministério da Saúde, porque se verificou uma
epidemia.

Esta pode servir para acudir a qualquer situação em que se verifique derrapagem na
execução orçamental ainda que não propriamente imprevisível. É uma autorização
parlamentar para fazer despesa sem que se saiba previamente com que finalidade é que
essa autorização vai ser utilizada. Não se sabe no momento do Orçamento, mas saber-se-á
no momento da Conta, que explicitará essa utilização. O princípio da especificação proíbe “a
existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos

● Regra da não compensação ou do orçamento bruto


(art. 15.º da LEO)
A regra da não compensação como pressuposto da regra da universalidade
Todas as receitas e todas as despesas devem ser inscritas no orçamento pela importância
integral em que foram avaliadas, sem dedução alguma para encargos de cobrança ou de
qualquer outra natureza. Entende-se que só deste modo é possível cumprir a função
orçamental de fixação das despesas (art.º 15º da LEO).

Nas receitas provenientes dos tributos o valor a inscrever no Orçamento do Estado


corresponde à previsão do montante a arrecadar efetivamente, isto é, inscreve-se o
montante previsto para a receita total de cada tributo, apenas se subtraindo o montante
relativo às receitas cessantes e decorrentes de benefícios tributários, reembolsos e
restituições que digam respeito a esse mesmo tributo.

Exceções (art. 15.º/3/4)


A LEO permite o desvio desta regra nos seguintes casos:
a) Operações relativas a ativos financeiros;
b) Operações de gestão da dívida pública direta do Estado, que são inscritas nos
respetivos programas orçamentais, nos seguintes termos:
i) as despesas decorrentes de operações de derivados financeiros são
deduzidas das receitas obtidas com as mesmas operações, sendo o respetivo saldo
sempre inscrito como despesa;
ii) as receitas de juros resultantes de operações associadas à emissão de
dívida pública direta do Estado e ou à gestão da Tesouraria do Estado são abatidas às
despesas da mesma natureza;

40
iii) as receitas de juros resultantes das operações associadas à aplicação dos
excedentes de Tesouraria do Estado, assim como as associadas aos adiantamentos de
tesouraria, são abatidas às despesas com juros da dívida pública direta do Estado;
iv) as receitas de juros resultantes de operações ativas da Direção-Geral do
Tesouro e Finanças.
A opção do legislador nacional permite dar cumprimento ao princípio da tipicidade
qualitativa, uma vez que são conhecidos os tipos de receita e de despesa que concorrem
para a determinação do saldo líquido. Já não se permite saber o valor efetivo de cada
despesa, sendo impossível cumprir a função de fixação da despesa.

● Regra da não consignação


(art. 16.º da LEO)
Justificações
O cumprimento da regra da não consignação impede a afetação do produto de uma
determinada receita ao pagamento de uma determinada despesa.

Pretende-se evitar a existência de situações que conduzem a um financiamento privilegiado


de determinadas despesas ou serviços, condicionando – quer em sentido positivo, quer
negativo − a execução orçamental ao volume de receitas que lhe estão adstritas.

A afetação específica de uma receita à cobertura de uma determinada despesa pode


encontrar justificação quer na necessidade de alocar a uma despesa receitas que se crê
serem suficientes para garantir o financiamento de um determinado serviço ou a realização
de uma determinada despesa, quer para limitar a realização de despesa por parte de um
determinado serviço ou de uma determinada despesa ao valor arrecadado de uma
determinada receita.

- 1º caso: justificação da existência de consignação decorre da importância da própria


despesa ou despesas a financiar com as receitas consignadas e que leva a que se
defenda a não redução dos gastos com a(s) mesma(s), ainda que em situações
económicas adversas
- 2º caso: a limitação indireta do valor da(s) despesa(s) ao(s) crédito(s) orçamental(is)
e à receita efetivamente cobrada.

O regime especial de execução das despesas com receitas consignadas: o duplo cabimento
(art. 20.º do Decreto-lei n.º 155/92 – RAFE)
Esta dupla limitação decorre de uma especificidade do regime de execução do orçamento
das despesas apenas aplicável nos casos em que exista consignação. Para além do
cumprimento dos demais requisitos legais, uma despesa que disponha de receitas
consignadas para poder ser autorizada e paga tem de cumprir um duplo cabimento: o valor
da despesa não pode ultrapassar o valor do crédito ou dotação orçamental − primeiro
cabimento ou cabimento geral − nem o valor da receita efetivamente arrecadada que lhe
estava alocada − segundo cabimento.

41
Nos casos em que o produto das receitas consignadas iguale ou exceda o montante previsto
para as despesas a cujo financiamento estavam destinadas, o organismo ou a despesa que
delas dispõe pode executar o(s) crédito(s) orçamental(is) na sua plenitude, uma vez que
foram arrecadadas receitas suficientes para a(s) pagar.

Já nos casos em que o produto da receita consignada seja inferior ao montante previsto para
a(s) despesa(s) a cujo financiamento se encontrava adstrita, o valor da(s) despesa(s) a
realizar fica limitado ao valor da receita consignada efetivamente cobrada. Esta limitação
mantém-se ainda que exista excedente orçamental nos demais serviços ou receitas do
Estado.

Exceções (art. 16.º, n.os 2 e 3)


Art. 16º LEO: regra da não consignação e os casos em que a sua derrogação pode existir
A possibilidade de existir consignação de receitas parece ser mais fácil de justificar quando
diz respeito a serviços com autonomia administrativa e financeira. Nesses casos, em que é
de esperar que disponham de receita própria que cubra uma parte significativa da sua
despesa, é de esperar que a realização de despesas fique também ela condicionada pela
execução do orçamento da receita. O mesmo sucederá nos casos em que a consignação
apareça justificada por uma razão especial. Por maioria de razão, constituem também
exceção aqueles casos em que a consignação decorra de disposição constitucional.

Situações de favor e desfavor


A consignação de uma receita pode ser considerada a criação de uma situação de favor para
uma determinada despesa. Ao fazer-se a consignação da receita, é como se aquela despesa
ficasse de fora da competição que sempre existe, na elaboração do orçamento.

Este “favor”, contudo, pode ser enganador. A despesa à qual é consignada a receita passa a
estar dependente, não de uma decisão política sobre a prioridade da despesa, mas das
vicissitudes da receita, que pode não ter qualquer relação com a despesa. Se a receita em
causa, a prazo, diminuir, isso vai determinar uma redução da despesa do serviço à qual foi
consignada que nada tem a ver com as necessidades do serviço ou com a utilidade pública
que é criada.

● Regra da anualidade (remissão)


pág. 34 desta sebenta

3.2. Outros princípios de política orçamental


(princípios que orientam as escolhas políticas refletidas no orçamento de Estado; em
especial, Título II, Cap. II, LEO).

A Lei de Enquadramento Orçamental prevê a necessidade de serem observados outros


princípios orçamentais. São bastante heterogéneos, mas dizem respeito a uma das várias
fases orçamentais. Em alguns casos antecipam preocupações que só eram tornadas visíveis

42
em fases posteriores e noutros permitem clarificar alguns aspetos do próprio orçamento e
os efeitos dele decorrentes quer no curto, quer no médio, quer no longo prazo.

● Princípio da sustentabilidade
Art.º 11.º da LEO - Ao elaborarem a proposta de orçamento os serviços do Estado terão de
considerar não só a capacidade para cumprir no ano em curso os compromissos por si
assumidos como também a possibilidade de, num cenário construído e projetado de acordo
com modelos de evolução provável das circunstâncias e das variáveis, continuarem a
cumprir adequadamente esses compromissos e poderem assumir novos compromissos.

Devem ser tidos em consideração os compromissos anteriormente assumidos pelo Estado,


mas que têm reflexo no ano para o qual o orçamento está a ser elaborado, bem como os
efeitos que esses compromissos passados e eventuais novos compromissos venham a ter,
quer no ano em curso, quer nos anos seguintes.

A sustentabilidade das finanças pública faz-se sentir com maior acuidade no que diz respeito
à escolha das fontes de financiamento, sobretudo do recurso ao endividamento, uma vez
que impõe que os serviços determinem se existe ou não, quer no ano em causa quer nos
anos seguintes, capacidade para prover ao financiamento dos compromissos já assumidos e
daqueles que será necessário assumir para, garantir a execução orçamental (impõe a
observância de políticas públicas e práticas de elaboração e de execução orçamental).

● Princípio da solidariedade recíproca


Art.º 12.º da LEO - O cumprimento das metas orçamentais, sobretudo das metas numéricas,
demanda o comprometimento de todo o Setor Administrações Públicas e não apenas da
Administração Central. Todos os subsetores, respetivos serviços e entidades devem encetar
esforços para que seja possível cumprir as exigências de estabilidade orçamental e das
demais obrigações decorrentes das normas de direito orçamental em matéria de política
orçamental e das finanças públicas.

O esforço de consolidação orçamental deve ser distribuído por todas as entidades que
compõem o setor das Administrações Públicas e não apenas pelo Estado central, de forma
equitativa e, sempre que possível, proporcional. É com base neste princípio que se justifica a
limitação dos poderes de endividamento das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais,
desde que tal limitação não coloque em causa a autonomia financeira que lhes é
reconhecida pela Constituição (restrição orçamental de soft law).

● Princípio da equidade inter-geracional


Art.º 13 da LEO - decorre a obrigação de respeito pela equidade na distribuição dos
benefícios e custos entre as várias gerações, não onerando excessivamente as gerações
futuras nem as gerações presentes. Esta distribuição deve, sempre que possível, efetuar
uma repartição entre custos e benefícios que decorrem para cada geração da execução
orçamental projetada.

43
Se nas previsões do orçamento do Estado, for feita uma distribuição equilibrada e com base
num quadro plurianual, dos custos e dos benefícios pelos orçamentos dos vários períodos
financeiros ficarão salvaguardadas as legítimas expectativas das gerações vindouras.

Pretende-se que seja possível criar condições para se possam avaliar quais os impactos
futuros das opções ao nível das despesas e das receitas públicas sobre os compromissos
futuros (elaboração de orçamentos futuros e a liberdade de programação futura).

Há uma ligação deste princípio com o princípio da sustentabilidade das Finanças Públicas e
da responsabilização da geração presente pelo nível de bem-estar das gerações futuras e
vice-versa. É importante financiar a despesa pública com recurso a impostos ou a emissão de
dívida pública, pois os impactos na receita e na despesa pública futuras podem ser muito
diversos.

● Princípio da economia, eficiência e eficácia


Art.º 18.º da LEO - A programação e previsão dos compromissos a assumir e das receitas a
arrecadar pelas entidades pertencentes aos subsetores que constituem o setor das
Administrações Públicas estivessem sujeitas a exigências similares às da execução do
orçamento.

A economia, a eficiência e a eficácia permitem que as previsões orçamentais atinjam


situações em que, com a utilização do mínimo de recursos são assegurados adequados
padrões de qualidade do serviço público, é promovida o acréscimo de produtividade pelo
alcance de resultados semelhantes com menor despesa e os recursos utilizados são mais
adequados para atingir o resultado que se pretende alcançar.

A combinação deste princípio com a programação plurianual e com a orçamentação por


programas permite introduzir um fator de coerência no processo orçamental. O atual n.º 3
do referido artigo que obriga a que nos investimentos públicos que envolvam montantes
totais superiores a cinco milhões de euros. Estamos perante um princípio que limita,
funcional e materialmente, a discricionariedade da atividade administrativa financeira.

● Princípio da transparência orçamental


Art.º 19.º da LEO - não se limita a estabelecer um dever geral de informação em matéria de
aprovação e execução orçamental que impende sobre todos os serviços da administração
pública, também impõe um conjunto de obrigações e deveres que terão de ser cumpridos
por todas as entidades do setor administrações públicas, reforçando o dever de
transparência orçamental.

Arts. 73.º a 76.º da LEO − terá de ser disponibilizada informação sobre a implementação e a
execução dos programas, objetivos da política orçamental, orçamentos e contas do setor das
administrações públicas, por subsetor.

44
A informação disponibilizada deve ser fiável, completa, atualizada, compreensível e
comparável internacionalmente, de modo a permitir avaliar com precisão a posição
financeira do setor das administrações públicas e os custos e benefícios das suas atividades,
incluindo as suas consequências económicas e sociais, presentes e futuras.

● Princípio da estabilidade orçamental


Art.º 10.º da LEO - impõe que os serviços do Estado apresentem e executem orçamentos
equilibrados ou excedentários.

A existência de equilíbrio ou excedente orçamental deverá, para estes efeitos, ser verificada
por referência às normas que regulamentam o seu cálculo (art.º 20.º a 31.º da LEO) e ainda
das normas de Direito da União Europeia que regulamentam esta questão.

Determina-se assim pela primeira vez a necessidade de dar cumprimento a limites


numéricos, que se encontram referidos no capítulo III da LEO, no Direito da União Europeia e
no Direito Internacional. (artigo que complementa → art.º 11.º da LEO).

Decorre da preocupação com a necessidade de implementação de normas relativas ao


equilíbrio orçamental e ao cumprimento rigoroso dos limites ao endividamento público e à
despesa pública. A estabilidade orçamental está intrinsecamente ligada à sustentabilidade
orçamental e à ideia de equilíbrio orçamental, embora não se confunda nem com uma nem
com o outro e possa ser alcançada com flutuações positivas e negativas deste último.

● Princípio da anualidade e plurianualidade


(não está escrito nos sumários das aulas, mas está nos sumários desenvolvidos)
Art.º 14.º da LEO - estabelece, como regime regra, a coincidência entre o ano económico, o
ano civil e o período orçamental. Logo, o orçamento vigora entre 1 de janeiro e 31 de
dezembro do ano a que disser respeito.

Tal não impede a existência de um período complementar de execução orçamental a fixar


anualmente no decreto-lei de execução orçamental (art.º 14.º, n.º 4 da LEO) e obriga à
compatibilização com a utilização de programas orçamentais plurianuais e de despesas
plurianuais.

Período complementar: período de execução do orçamento que se estende para além de 31


de dezembro e durante o qual ainda é possível realizar o pagamento de despesas com base
nos créditos inscritos no orçamento do ano anterior, desde que a realização da despesa e a
autorização do pagamento ainda tenham sido feitas durante o período orçamental em
causa, até 31 de dezembro (deve limitar-se ao período de tempo necessário ao fecho das
operações orçamentais.

45
4. Equilíbrio orçamental
4.1. Equilíbrio orçamental em sentido formal
(relação entre receitas e despesas totais - art. 105.º, n.º 4, CRP)
Qualquer orçamento está em equilíbrio, no sentido em que prevê necessariamente um
montante de receitas suficiente para cobrir as despesas, e o destino a dar a todas as receitas
do lado da despesa.

As expressões saldo, défice ou superavit resultam da existência de diferenças entre valores


de despesa e valores de receita do orçamento (diferença que resulta da comparação entre
certas categorias de receita e certas categorias de despesa).

Saldo orçamental: é a diferença entre um conjunto de despesas e um conjunto de receitas


do orçamento.
- Se as despesas que se comparam forem maiores do que as receitas, temos um saldo
negativo, a que chamamos défice.
- Se as receitas que se comparam forem maiores do que as despesas, temos um saldo
positivo, a que chamamos excedente ou superavit.
- Se as receitas e despesas que se comparam tiverem valor idêntico, o orçamento está
em equilíbrio.

Dos empréstimos contraídos pelo Estado resulta uma receita que é inscrita no Orçamento.
Mas essa receita tem como contrapartida a criação de uma dívida, que mais tarde terá de
ser paga. A dívida é uma receita que não paga a despesa de modo definitivo – essa despesa
voltará a aparecer num orçamento futuro, sob a forma de reembolso da dívida.

4.2. Equilíbrio orçamental sentido material


(relação entre determinadas receitas e determinadas despesas e o problema comum de
cobertura de determinadas despesas através da dívida pública)
Há várias formas de conceber o equilíbrio orçamental, a que correspondem outras tantas
formas de apurar o saldo orçamental, ou seja, de selecionar as despesas e receitas que
entram para esse apuramento.

Todas elas tentam resolver um problema comum - saber quais são as despesas que podem
ser cobertas com endividamento público, ou seja, saber em que medida podemos ter num
orçamento recurso a empréstimos e qualificar esse orçamento como equilibrado.

O equilíbrio material do orçamento é sempre um conceito normativo. Apurar o saldo


orçamental não é apenas uma operação aritmética em que se apura a diferença entre certas
receitas e certas despesas. Teixeira Ribeiro afirma que “o equilíbrio do orçamento adquiriu
um sentido normativo: para que as finanças não prejudicassem sensivelmente a estabilidade
e o progresso da economia nacional era preciso que o orçamento estivesse equilibrado.”

Equilíbrio (ou saldo) efetivo

46
Classificações de receitas e despesas
- consideração da variação patrimonial
Quando falamos de equilíbrio, saldo ou défice orçamental falamos do equilíbrio efetivo do
orçamento: aquele que compara receitas efetivas com despesas efetivas. Receitas efetivas
são as que aumentam o património do Estado e despesas efetivas são aquelas que
diminuem o património do Estado. Assim, quando o Estado recebe uma receita efetiva, tem
um acréscimo no seu património correspondente ao valor recebido, como acontece quando
é cobrado um imposto ou uma taxa. Quando o Estado contrai um empréstimo, o seu ativo
aumenta (pelo valor recebido) mas também aumenta o seu passivo (porque se constitui uma
dívida). Um valor compensa o outro e a variação patrimonial é nula.

A defesa clássica-liberal de orçamentos equilibrados e reduzidos


- a postulada neutralidade económica do Estado
Nas despesas efetivas há uma diminuição do património do Estado, porque há um valor
monetário que desaparece do ativo. É o que acontece quando o Estado paga salários ou
adquire serviços. Mas em certas despesas à diminuição do ativo corresponde uma
diminuição do passivo: se o estado paga uma dívida, o dinheiro utilizado sai do ativo, mas a
dívida sai do passivo, e a variação do património é nula. São despesas não efetivas.

Esta é a conceção de equilíbrio do liberalismo clássico oitocentista, que deveria ser cumprida
em anos normais. Todas as despesas do Estado eram tidas como despesas efetivas, com
exceção da amortização dos empréstimos. E todas essas despesas deveriam ser cobertas
sem recurso a novos empréstimos. O critério apenas deixava de ser aplicado em tempos de
guerra, porque estava em causa a sobrevivência do país. Em tempo de guerra, portanto,
haveria défices orçamentais e a dívida crescia; em tempo de paz, não se deveria gerar nova
dívida e devia desejavelmente pagar-se a existente.

Atualmente, já não se pode dizer que elas correspondem a todas as despesas do Estado com
exceção do reembolso de empréstimos. Há certas despesas que se traduzem na aquisição de
ativos que aumentam o património financeiro do Estado (tal como certas receitas têm como
contrapartida a diminuição desse património). Quando há aquisição de ativos de natureza
financeira (designadamente empresas e participações em empresas) à despesa corresponde
a entrada no património do Estado de um ativo que tem um valor contabilístico, pelo que a
despesa é uma despesa não efetiva. Correspondentemente, a receita da alienação de ativos
financeiros é uma receita não efetiva.

Na conceção moderna de equilíbrio efetivo, há outras despesas para além da amortização


de empréstimos que são despesas não efetivas (a aquisição de uma empresa pelo Estado, o
aumento de capital de uma empresa pública, empréstimos concedidos pelo Estado). Tais
despesas têm contudo pouca importância no conjunto da despesa pública.

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Saldo efetivo do Orçamento: medir o saldo efetivo é medir o efeito do orçamento sobre o
endividamento público. Do lado da receita, o critério separa fundamentalmente impostos e
taxas para um lado (receitas efetivas) e empréstimos para o outro.

A generalidade das despesas serão despesas efetivas, com exceção do reembolso dos
empréstimos. Num orçamento equilibrado, só há contração de dívida para pagar dívida que
existe, e não há variação do endividamento.
- há défice: a dívida pública cresce no mesmo montante, porque as receitas efetivas
não chegaram para as despesas efetivas e foi preciso contrair empréstimos para
financiar parte das despesas efetivas (défice efetivo é equivalente a endividamento
líquido)
- há superavit: a dívida pública desce.
O saldo orçamental permite saber o valor da evolução do endividamento público, e o
objetivo de saldo equilibrado vai ao encontro das preocupações sobre crescimento da dívida
pública.

Restrição ao endividamento e sustentabilidade da dívida pública


Com um orçamento em equilíbrio efetivo, o valor nominal da dívida pública mantém-se
constante. O objetivo de equilíbrio orçamental será assim defendido por quem tenha como
prioridade evitar o aumento desse valor nominal da dívida, para evitar riscos na
solvabilidade do Estado ou crescimento do peso da despesa com juros. A dívida acumulada
do Estado gera o dever do pagamento anual de juros e, supondo uma taxa de juro constante.
Com défice orçamental efetivo, a dívida cresce e cresce também o valor anual de juros a
pagar no futuro, que reduz os montantes disponíveis para outras despesas públicas.

O indicador que devemos ter presente como indicador da sustentabilidade da dívida pública
não é o valor nominal da dívida, mas o peso da dívida pública na economia nacional, ou seja,
o valor da dívida em percentagem do PIB. Basta assegurar que o défice se contém em
valores que assegurem um crescimento do endividamento que é inferior ao crescimento
económico.

Situações de défice
- aumento nominal da dívida
O crescimento anual e constante do valor nominal da dívida pública não é só por si uma
situação insustentável. Os países tendem a registar anualmente crescimento económico, o
que significa que o tamanho da economia também tende a crescer anualmente. Um país
pode ver crescer todos os anos o valor nominal da sua dívida pública, e simultaneamente
descer o encargo real que essa dívida representa, se o PIB nominal crescer a ritmo superior.

Exemplo: Portugal, entre 2016 e 2018, registou um défice orçamental efetivo e uma subida
do valor nominal da dívida, o peso desta desceu de 131,5% do PIB para cerca de 122% PIB.
- absorção do aforro privado
Para o liberalismo clássico, que via toda a despesa pública como despesa de consumo, o
défice orçamental era a medida em que o aforro das famílias era desviado do investimento

48
(privado) para o financiamento de despesa pública, representando o défice orçamental,
portanto, uma diminuição do investimento do país. Havendo menos investimento, haveria
também uma redução do ritmo de crescimento económico.

- crowding-out
Esta conceção não pode hoje ser defendida, porque é evidente que o Estado faz também
despesa de investimento, suscetível de aumentar a riqueza do país no futuro. Contudo, não
deve ser ignorado que o défice orçamental pode efetivamente ter efeitos negativos sobre o
investimento privado. Na verdade, os detentores de capitais que são emprestados ao Estado
poderiam também ser aplicados em investimento. A procura de fundos pelo Estado nos
mercados de capitais empurra naturalmente para fora do mercado algum investimento
privado, por via do aumento da taxa de juro, fenómeno que tem a designação de crowding
out.

- risco inflacionário (monetarização dos défices e dívidas; referência ao art. 123.º,


TFUE);
A ligação entre défice orçamental e inflação existe sobretudo em países que emitem dívida
na sua própria moeda e podem financiar-se com empréstimos contraídos junto do seu
banco central. Se a despesa pública é financiada com impostos, podemos esperar que o
aumento da despesa pública seja compensado pela redução da despesa privada. Se pelo
contrário o governo pede um empréstimo ao banco central, o empréstimo vai ser financiado
com emissão de moeda. Aumenta a procura global, financiada com aumento do volume de
moeda em circulação, o que pode resultar em aumento da inflação.

Não há nenhuma razão para sustentar que o equilíbrio orçamental é, em todas as situações,
um objetivo desejável de política orçamental. A sustentabilidade da dívida pública é
compatível com a existência de situações de défice orçamental permanente; o eventual
efeito no investimento privado tem de ser comparado com o efeito benéfico da despesa
pública adicional; o risco de inflação é mitigado pela existência de bancos centrais
independentes que não financiam diretamente os défices orçamentais.

Na definição do saldo orçamental desejável, deve ser tida em conta a conjuntura económica.
Na definição de política orçamental não pode ser ignorado o efeito da variação da despesa e
receita do Estado sobre o ritmo do crescimento. Em períodos de recessão, a existência de
défice orçamental pode ser considerada uma situação desejável, porque a procura e a
absorção da poupança do Estado compensam a falta de procura e o excesso de poupança
desejada dos privados.

A situação do Estado não pode ser comparada com a de uma pessoa individual, devido
- à duração do Estado, que não tem de se preocupar em pagar as suas dívidas durante
o seu período de vida
- ao facto do Estado não poder abstrair-se do efeito que o saldo orçamental tem sobre
a economia em geral e sobre as suas próprias receitas

49
Quando o Estado resolve aumentar a sua poupança, reduzindo a despesa, isso tem um
efeito direto de redução do PIB; além disso, como a despesa do Estado é também
rendimento de famílias ou empresas, a redução da despesa pública vai refletir-se em
redução da despesa destas (nova redução do PIB) e em redução das próprias receitas fiscais
do Estado. Nada disto acontece quando uma família reduz a sua despesa.

A política orçamental deve ser formulada na perspetiva da função de estabilização


económica. Existem 2 restrições fundamentais:
1. o efeito das despesas e receitas públicas sobre a conjuntura, usando o orçamento
como instrumento de política anti cíclica;
2. a sustentabilidade da dívida pública.
Na situação presente de Portugal, esta última consideração é extremamente importante,
devido ao elevado peso que a nossa dívida representa no PIB, podendo acarretar um risco
para a capacidade de financiamento do Estado. Fora de períodos de crise, a política
orçamental deve ter como objetivo uma significativa redução do valor real da dívida pública,
através de excedentes orçamentais.

Efeitos conjunturais
Na definição de um orçamento equilibrado como objetivo de política orçamental, não pode
ser ignorada a sua relação com a conjuntura económica, por duas razões:
1. o saldo do orçamento pode variar significativamente em função da conjuntura,
independentemente de qualquer alteração de políticas;
2. as medidas de política económica que devem ser adotadas para contrariar a
conjuntura, designadamente para contrariar uma recessão, envolvem a necessidade
de défices orçamentais.

- estabilizadores automáticos
Os efeitos da conjuntura sobre o equilíbrio orçamental recebem o nome de estabilizadores
orçamentais automáticos, e resultam do comportamento de certas despesas e receitas em
função das flutuações da atividade económica.

A receita fiscal é muito sensível ao ritmo do crescimento económico. A maioria dos impostos
incidem sobre rendimentos e sobre transações, e ambos tendem a diminuir com uma crise:
- pessoas que ficam desempregadas não têm salários;
- as compras de bens e serviços descem afetando tanto os impostos sobre os lucros
das empresas como os que incidem sobre a despesa de consumo;
- impostos que são liquidados não são pagos por os devedores entram em insolvência.
Inversamente, a receita fiscal tende a aumentar em períodos de expansão pelos fenómenos
opostos.

Há um conjunto de despesas que decorrem diretamente de lei (e não dependem portanto


qualquer decisão política) que também tendem a subir em período de crise (o valor de
pagamentos de subsídio de desemprego depende do número de desempregados).

50
Inversamente, se há criação de emprego e aumento dos rendimentos, estas despesas
descem.

Todas estas despesas são despesas efetivas e o saldo orçamental varia por mero efeito da
conjuntura e mesmo que não exista qualquer nova medida de políticas públicas. Em
recessão, aumentam as despesas e diminuem as receitas, degradando o saldo orçamental.
Em expansão, as receitas aumentam, as despesas diminuem e o saldo melhora.

Chamamos a estes efeitos estabilizadores porque o seu funcionamento ajuda, só por si, a
contrariar os efeitos do ciclo económico. Uma recessão é marcada pela falta de procura
agregada. Estes efeitos de agravamento do défice orçamental são, portanto, positivos no
sentido de aliviar uma recessão.

Equilíbrio (ou saldo) estrutural (ou saldo de pleno emprego)


A influência dos efeitos conjunturais sobre o saldo efetivo
Estando o valor do saldo orçamental dependente do estado da economia, é possível calcular
o saldo orçamental estrutural, ou saldo de pleno emprego. Ao contrário do saldo efetivo,
que se calcula diretamente a partir dos dados contabilísticos, pela diferença entre despesas
e receitas efetivamente registadas, o saldo estrutural é uma extrapolação: representa o
saldo efetivo que existiria caso a economia estivesse em pleno emprego, ou seja, o saldo
efetivo corrigido do efeito dos estabilizadores automáticos.

Para calcular o saldo estrutural:


1º passo - calcular o hiato do produto
HP= PIB real - PIB potencial
o que existiria em pleno emprego
2º passo - calcular os efeitos desse hiato nas despesas e nas receitas públicas

valor do saldo estrutural = saldo orçamental - valor dos efeitos


despesa acrescida e perda de receita
que acontecem por não estarmos em
pleno emprego

Objetivo deste cálculo - sabermos em que medida o saldo efetivo que se verifica está a ser
determinado pela conjuntura, ou seja: até que ponto o défice que se regista resulta da
conjuntura e até que ponto existiria de qualquer maneira mesmo que a economia estivesse
em pleno emprego.

Problemas metodológicos
- políticas anti cíclicas
No longo prazo, o produto tende a coincidir com o produto potencial, e o ritmo do
crescimento económico depende essencialmente do crescimento da produtividade.

51
No curto prazo, registam-se afastamentos entre o produto e o produto potencial (hiato de
produto) caracterizados alternativamente por situações de inflação ou de desemprego. Nos
processos de afastamento para baixo relativamente ao produto potencial, o valor do PIB
pode diminuir em termos reais, e temos uma recessão.

No modelo keynesiano, a recessão é vista como um problema de insuficiência da procura


agregada para manter a economia num nível equivalente ao produto potencial. Os agentes
económicos têm um excesso de poupança desejada e substituem despesa pela detenção de
moeda em saldos líquidos.

Os instrumentos para corrigir esta situação são a política monetária e a política orçamental.
- política monetária: face à procura de moeda, as autoridades monetárias descem a
taxa de juro, mas essa política torna-se ineficaz quando a taxa de juro se torna
próxima de 0
- política orçamental: pode ser usada para contrariar o excesso de poupança desejada
dos agentes económicos, fazendo o Estado uma “poupança negativa”, ou seja,
registando um saldo orçamental deficitário. Pode assim ser aconselhável, face a uma
recessão, adotar uma política orçamental expansionista, através de medidas que
aumentam a despesa ou reduzem a receita. Devemos ter em conta que a política
orçamental apenas age sobre a procura interna, que é apenas uma parte da procura
agregada.
O grau de abertura da economia ao exterior limita a eficácia da política orçamental, quer
porque não afeta a procura externa (que pode estar também em queda numa recessão
global) quer porque parte dos acréscimos de despesa pública e privada se dirigem a bens
importados, dissipando o efeito da política orçamental.

Outros critérios de equilíbrio orçamental


O critério de equilíbrio efetivo é um critério exigente porque, pretendendo manter o
orçamento equilibrado, não se pode fazer qualquer novo endividamento, mas apenas
contrair empréstimos para pagamento de dívida que já existe.

Equilíbrio (ou saldo) primário


Classificações de receitas e despesas (derivação do saldo efetivo)
O equilíbrio de saldo primário não é uma derivação do critério de equilíbrio efetivo, tendo
sido introduzido pela Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado de 1991.

Despesas primárias e Os juros como despesas obrigatórias (art. 44.º, n.º 2 da LEO) e não
discricionárias
Para apuramento do saldo primário, comparam-se as despesas efetivas com as receitas
efetivas, com apenas uma modificação: a receita efetiva é comparada com a despesa
primária. A despesa primária não inclui a despesa com os juros da dívida pública, que é uma

52
despesa efetiva. As despesas com juros são promovidas a “despesas não efetivas
honorárias.” e são despesas obrigatórias (art. 44º/2 LEO).

O argumento político
O objetivo de equilíbrio de saldo primário tem uma fundamentação essencialmente política.
O Governo financia com receitas efetivas as despesas que “decide”, e paga com empréstimos
a despesa que “herda”, ou seja, os juros da dívida passada. Assim, não sendo possível atingir
o equilíbrio efetivo (por culpa do peso da dívida herdada), pelo menos atingir-se-ia o
equilíbrio de saldo primário.

Sendo um critério de equilíbrio derivado do equilíbrio efetivo, o equilíbrio de saldo primário


não cumpre o objetivo central daquele: num orçamento em equilíbrio efetivo, sabemos que
o valor da dívida se mantém constante. Pelo contrário, com um saldo primário equilibrado,
temos a certeza de que a dívida pública sobe – sobe pelo valor dos juros que são pagos
nesse ano e para cujo pagamento são contraídos empréstimos.

O saldo primário como indicador da política orçamental


É importante o apuramento do saldo primário do orçamento como indicador de política
orçamental. A comparação entre o saldo primário e o saldo efetivo dá-nos o peso que
representa o pagamento dos juros da dívida pública, e é possível determinar qual o saldo
primário necessário à manutenção do peso da dívida pública no PIB a partir do
conhecimento da taxa de crescimento do PIB e da taxa de juro da dívida.

Equilíbrio (ou saldo) ordinário


Classificações de receitas e despesas
- consideração da regularidade temporal e projeção das utilidades criadas
Este critério mede o saldo entre as receitas que se tendem a repetir todos os anos (receitas
ordinárias) e as despesas que se tendem a repetir todos os anos (despesas ordinárias). Os
empréstimos são qualificados como receita extraordinária e o conceito de equilíbrio resulta
na defesa de que as despesas ordinárias devem ser cobertas com receitas ordinárias
(impostos, sobretudo), e que apenas as despesas extraordinárias devem ser financiadas com
empréstimos.

A justificação para o critério de equilíbrio ordinário é que as despesas ordinárias esgotam a


sua utilidade no ano em que ocorrem (e por isso tendem a repetir-se), devendo ser
financiadas com receita de impostos. As despesas extraordinárias prolongam no tempo a sua
utilidade e podem ser pagas com empréstimos que também serão reembolsados no futuro.

O problema das despesas extraordinárias recorrentes e O problema do argumento da


equidade inter-geracional
Exemplo: no caso das obras públicas, a despesa com a construção de uma determinada
estrada não se repetirá, mas o Estado pode gastar todos os anos o mesmo valor na

53
construção de estradas (falando-se então em despesas extraordinárias recorrentes). É
artificial, porque não tem consistência económica a ideia de que despesas que tendem a
repetir-se todos os anos não têm benefícios em períodos futuros e que despesas
extraordinárias têm necessariamente esses benefícios.

A vigência durante o Estado Novo


Crítica de Teixeira Ribeiro: tendo presente a experiência de meio século de aplicação deste
critério em Portugal (durante o Estado Novo) destacava também que a incerteza na
classificação das despesas e receitas como ordinárias ou extraordinárias “deixava ao arbítrio
do Governo a escolha dos meios de financiamento de muitas das despesas”, logo o saldo
orçamental era naturalmente aquele que o Governo quisesse que fosse.

A“sobrevivência” contemporânea
O critério de equilíbrio ordinário não tem hoje aplicação geral, mas há uma sua
sobrevivência na qualificação de certas despesas como extraordinárias para justificar o
incumprimento de metas de saldo orçamental efetivo. A razão de ser dessa qualificação é
não se justificarem medidas de correção de desvios se a situação que motivou o
desequilíbrio das contas não tender a repetir-se.

Equilíbrio (ou saldo) corrente


Classificações de receitas e despesas
- consideração dos efeitos sobre o património duradouro do Estado – capital fixo
É um critério menos exigente que o de equilíbrio efetivo, e visa favorecer a realização de
investimento público, já que permite que este investimento seja financiado através de
endividamento. Compara receitas e despesas correntes, que se opõem a receitas e despesas
de capital.

O critério da distinção entre despesas correntes e de capital é o seu efeito sobre o


património duradouro do Estado, ou seja, sobre o seu capital fixo.

● Nas despesas-compra que são aplicadas em fatores “consumíveis” - bens


consumíveis, serviços, trabalho – são as despesas correntes; as despesas em bens
duradouros são as despesas de capital. A receita de alienação de bens duradouros do
Estado será uma receita de capital e a receita relacionada com prestação de serviços
(como as taxas) será uma receita corrente.
● Nas despesas-transferência e nas restantes receitas, o critério assenta numa
suposição sobre os seus efeitos no aforro e investimento.
Assim, as transferências que têm como destino o financiamento do consumo privado são
despesas correntes, sendo despesas de capital se financiam o investimento privado. Do lado
da receita,
● as receitas que são pagas pelos privados com o rendimento corrente, como os
impostos, são receitas correntes;

54
● as receitas que provêm do aforro dos particulares, como a dívida pública, são
receitas de capital.

Neutralidade face ao consumo e aforro/investimento totais


Com o equilíbrio corrente do orçamento atingir-se-ia assim uma neutralidade do orçamento
no que toca aos seus efeitos sobre o investimento total do país. A despesa corrente seria
financiada com receitas provenientes do rendimento corrente e o consumo público seria
compensado por redução do consumo privado. A despesa de capital absorveria aforro
privado e diminuiria o investimento privado, mas em contrapartida aumentaria o
investimento público. A absorção do aforro privado por via da dívida pública não diminuiria
assim o investimento total do país.

Admite-se que as despesas do Estado em bens duradouros sejam financiadas pelo


endividamento. Um orçamento em que o investimento público é financiado com
endividamento está nessa medida em défice efetivo, mas é equilibrado do ponto de vista do
critério de equilíbrio corrente. É por isso um critério de equilíbrio que é privilegiado quando
se pretende facilitar a realização de investimento público.

O problema do argumento da equidade intergeracional


Uma vez que as despesas de capital criam bens que vão criar utilidades para o futuro, é
adequado que não sejam pagos com os impostos do ano e que possam ser financiados com
endividamento, ou seja, com empréstimos que serão pagos ao longo do tempo de vida útil
desses bens duradouros.

O principal problema deste argumento é que não há verdadeiramente uma identificação


entre despesas de capital e criação de utilidades para o futuro. Há despesa corrente que tem
efeitos positivos no futuro. A maior alteração estrutural que o nosso país teve nas últimas
décadas foi o aumento dos níveis de qualificação dos portugueses, que tem grande impacto
no crescimento económico futuro. Este depende da despesa corrente que se traduz no
funcionamento dessas escolas ou nos apoios sociais que permitem às famílias de menores
recursos terem os seus filhos na escola.

Favorecimento da intervenção do Estado na economia


Quanto ao argumento de que o Estado está a investir, e que esse investimento vai fazer
aumentar o PIB, temos que ver que o investimento público não tem a mesma natureza do
investimento das empresas. Estas investem para gerar receita no futuro mas, nem todos os
investimentos do Estado fazem aumentar o PIB no futuro, nem esse é o indicador que nos
diz se um investimento público é desejável ou não.

A despesa do Estado deve ter como objetivo aumentar o bem-estar das populações. O PIB,
não é um indicador perfeito do bem-estar. O principal problema da regra do equilíbrio
corrente é que não fornece um indicador de sustentabilidade do endividamento público. Se
um país tem um orçamento em equilíbrio corrente, então tem necessariamente um défice

55
efetivo, ou seja, está a ter endividamento líquido pelo valor das despesas de capital. Esse
endividamento pode ser superior ao que é possível, podem estar a ser gerados défices
efetivos que fazem com que a dívida pública cresça duradouramente mais depressa do que o
PIB.

4.3. O equilíbrio orçamental vigente em Portugal


Nos últimos 200 vigoraram em Portugal, todos os critérios de equilíbrio orçamental que
foram referidos. Até ao final da Primeira República o critério era o do equilíbrio efetivo, mas
até 1913 esse equilíbrio nunca tinha sido atingido. Em 1928 foi adotado o critério de
equilíbrio do orçamento ordinário. As primeiras leis de enquadramento orçamental da
democracia introduziram o objetivo de equilíbrio corrente do orçamento. Em 1991 o
objetivo foi substituído na LEO pelo objetivo de saldo primário equilibrado. A LEO de 2001
continuou a consagrar isto mesmo.

Direito Interno (LEO)


Regras de Direito da UE e Internacional com tradução na LEO (art. 6.º: referência ao “quadro
jurídico fundamental da política orçamental e da gestão financeira”)
Resulta destas regras uma sujeição das políticas orçamentais dos estados-membros a um
conjunto de regras que visam retirar liberdade na decisão orçamental. Na LEO as disposições
de direito europeu (designadamente TFUE e do PEC) e do Tratado Orçamental foram
reconhecidas pelo art. 6º LEO como parte do “quadro jurídico fundamental da política
orçamental e da gestão financeira”.

O art. 10º LEO (princípio da estabilidade orçamental) estabelece como objetivo uma
“situação de equilíbrio de excedente orçamental”. A situação de equilíbrio ou excedente
orçamental é objetivo para o conjunto das administrações públicas.

- art. 20.º e 22º a 25º (Regras orçamentais gerais): o saldo orçamental estrutural
(primário e corrigido)
Art. 20º LEO: objetivos do saldo orçamental,por referência aos critérios do PEC
● nº1 - objetivo de médio prazo para o saldo orçamental estrutural, que é o que
resultar das regras do PEC
● nº2 - limite do défice estrutural , limite de 0,5% do PIB, conforme o Tratado
Orçamental
● nº6 - obrigação de melhorar anualmente este saldo estrutural enquanto o objetivo
de médio prazo não for atingido
A LEO deixou desde 2015, qualquer objetivo para saldo do orçamento do Estado.

Consagrou-se a necessidade de observância de um saldo estrutural primário, deduzindo


ainda o valor das despesas relativas a programas da União inteiramente cobertas por
receitas provenientes de fundos da União Europeia e o valor resultante de alterações não
discricionárias nas despesas com subsídios de desemprego, saldo orçamental este que pode
optámos por designar por saldo estrutural primário corrigido.

56
Art. 22º a 24º - desvio significativo face ao objetivo de médio prazo e seus mecanismos de
correção, sendo que o conceito de desvio significativo resulta do PEC.
Compete ao Conselho das FP: “alertar o Governo para a necessidade de reconhecimento da
existência de desvio significativo” (artigo 22º), emitir parecer sobre o plano de correção
apresentado pelo Governo (artigo 23º) e sobre o reconhecimento da situação de
excecionalidade (artigo 24º)

- art. 27.º (Regras orçamentais específicas).


Subsetor da administração central: apresentar na elaboração, aprovação e execução, um: (a)
orçamento com saldo global nulo ou positivo e (b) com resultados positivos antes de
despesas com impostos, juros, depreciações, provisões e perdas por imparidade.

Subsetor da segurança social: exige-se apenas apresentem um orçamento com um saldo


global nulo ou positivo.

Direito da União Europeia


- o equilíbrio orçamental no contexto da União Económica e Monetária
O objetivo da construção da UEM foi um processo com fases.

1ª fase
A adoção de medidas de caráter preparatório das fases seguintes quer a nível da política
económica dos Estados-Membros quer da política monetária.
- política económica: necessidade de privilegiar as políticas ativas de emprego e as
políticas de investimento público e privado, para a reabilitação ou construção de
infraestruturas de redes de transportes, educação e saúde.
- política financeira: necessidade de aprofundar a liberdade de circulação de capitais
dentro do território da União, e passa a exigir-se ainda que os Estados-Membros
comecem a adotar medidas para a convergência monetária e, sobretudo, para a
estabilidade dos preços.

Os critérios de convergência (art. 140.º TFUE) e a Criação da União Económica e Monetária


2º fase
Procedimento estabelecido no art. 126º TFUE. Ao nível da política monetária verificou-se
uma total liberalização nos movimentos de capitais entre os Estados-Membros. Ao nível da
política orçamental foi pedida a preparação de um PEC.

O critério de sustentabilidade das finanças públicas


- concretização das noções e limites de défice e dívida pública
Noção de défice: correspondendo aos “empréstimos líquidos contraídos, tal como definidos
no Sistema Europeu de Contas Económicas Integradas”.

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Noção de dívida: “a dívida global bruta, em valor nominal, existente no final do exercício, e
consolidada pelos diferentes setores do governo em geral, tal como definido no primeiro
travessão”, ou seja, trata-se do valor nominal da dívida consolidada do Setor Administrações
Públicas.

Noção de investimento: “a formação bruta de capital fixo, tal como definida no Sistema
Europeu de Contas Económicas Integradas”.

Noção de endividamento líquido: diferença entre receitas efetivas e despesas efetivas, o que
nos permite afirmar que no art.º 126.º do TFUE se encontra consagrado expressamente o
critério do défice efetivo do orçamento.

- o Procedimento por Défice Excessivo (o artigo 126.º TFUE, o PEC[1] e o Protocolo


anexo ao Tratado sobre o Procedimento Relativo aos Défices Excessivos);
- consequências do incumprimento;
- suspensão (cláusula de derrogação geral)
- reforma
ATENÇÃO: págs 91 e 92 dos sumários desenvolvidos - interpretação do art. 126º TFUE

3º fase
Nascimento de uma nova moeda (o Euro) e fixação de taxas de conversão irreversíveis para
cada moeda nacional. Estava criado um novo espaço de integração económica no continente
europeu. Em 2011 dá-se uma reforma profunda do PEC. Em 2012 foi aprovado um
instrumento de direito internacional, o Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e
Governação na União Económica e Monetária (TECG) ou Tratado Orçamental.

Direito Internacional
- Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação (não inclusão no acervo de
Direito da UE)
Assinado em 2012. No capítulo dedicado ao Tratado Orçamental podemos encontrar normas
relativas à delimitação dos défices orçamentais e às metas a atingir por cada um dos Estados
Membros a que estas disposições são aplicáveis e normas relativas ao mecanismo de
correção a instituir a nível nacional.

5. Processo orçamental
É a preparação pelo Governo da Proposta de Lei de Orçamento do Estado e a sua discussão e
votação pela AR, que conduz anualmente à aprovação do Orçamento.

5.1. Condição de legitimação democrática do Orçamento do Estado


- supra-infra-ordenação entre poder executivo e poder legislativo
O processo orçamental encontra-se subordinado a um outro conjunto normativo, para além
das regras e princípio já mencionados, que regulamenta o processo de elaboração,
discussão, aprovação e execução. Quanto aos aspetos formais, têm relevo as disposições

58
relativas à distribuição de poderes entre instituições e organismos e que podem variar ao
longo das várias fases, na concretização de um princípio de supra-infra-ordenação entre o
poder executivo e o legislativo. Esta dinâmica orçamental também é condicionada pelas
decorrências de normas externas que vinculam o Estado Português.

5.2. Primeira fase (art. 32.º LEO) - A fase preparatória


Este processo inicia-se com o procedimento para aprovar a atualização anual do Programa
Estabilidade e da Proposta de Lei das Grandes Opções do Plano. A apresentação dos
mesmos, antes da apresentação da Proposta de Lei do Orçamento do Estado decorre do art.
32º da LEO e do art. 3º do Regulamento (CE) nº 1466/97 do Conselho. Assim define-se:
- o objetivo orçamental a médio prazo
- a trajetória de ajustamento a adotar para que sejam cumpridos os objetivos traçados
no Pacto de Estabilidade e Crescimento
Devem ser consideradas as recomendações e conclusões resultantes da fase preparatória e a
1º do Semestre Europeu (inicia-se todos os anos no outono, com a apresentação das
prioridades da Comissão e termina em outubro do ano seguinte, quando os Estados
-Membros da UE apresentam os seus planos orçamentais), relativamente à política
económica da zona euro e ao emprego.

Atualização do Programa de Estabilidade (art. 33.º LEO) e Lei das Grandes Opções (art. 34.º
LEO)
Programa de Estabilidade → documento de previsão macroeconómica e de previsão
calendarizada de medidas a tomar ao longo do período abrangido (5 anos). É um documento
sem conteúdo normativo (as medidas têm de ser adotadas por um instrumento adequado) e
a sua eventual rejeição tem um significado político. O horizonte de cada programa de
estabilidade deve ser (art. 20º LEO) a convergência do saldo orçamental com o objetivo de
médio prazo.

Lei das Grandes Opções → a antecipação da apresentação da LGO é como uma alteração do
seu conteúdo, que passa a incluir além da “Identificação e planeamento das opções de
política económica” também “programação orçamental plurianual” (art. 34º LEO).
O Programa de Estabilidade é enviado pelo Governo até 15 de abril para a AR que o deve
apreciar (33º LEO). Segue-se o envio ao Conselho Europeu e à Comissão Europeia até final
de abril (33º/6 LEO), devendo ser tornado público. A revisão anual do Programa de
Estabilidade para o Conselho Europeu e para a Comissão deve ser feita presencialmente até
30 de abril, sendo que a AR tem 10 dias para o apreciar. Logo, o processo tem de ser iniciado
antes de 1 de abril.

Quando a Comissão e o Conselho receber o Programa, inicia-se a fase externa integrada no


Semestre Europeu em que se avalia, no máximo de 3 meses, as medidas propostas no
documento, determinando se os objetivos traçados no Programa e as variáveis de natureza
económica em que se baseiam são corretos e adequados.

59
Concluída esta análise é divulgada a opinião sobre a validade do programa e, se necessário,
é emitido pela Comissão um parecer com recomendações para que o estado-membro
proceda ao ajustamento do Programa.

Quadro plurianual das despesas públicas (QPDP; art. 35.º LEO)


- a vinculatividade do QPDP
A programação plurianual concretiza-se através do quadro plurianual da despesa pública
(QPDP), que contém valores da despesa global e da despesa por missão de base orgânica
que são vinculativos para o orçamento do ano seguinte (art. 35º LEO). São duas inovações:
1. cria-se um quadro plurianual de médio prazo para a despesa;
2. quadro aprovado em abril pela AR antes da discussão do próprio orçamento.
Assim, o teto do total da despesa é aprovado de forma autónoma em relação à discussão
das medidas do orçamento e é vinculativo para o orçamento que é apresentado e discutido
nesse mesmo ano.

- autonomização pré-orçamental da aprovação de tetos da despesa vinculativos


A autonomização da votação dos tetos de despesa, condicionando a discussão das medidas
a constar do orçamento corresponde a um procedimento comum a muitos países, o que
contribui para o reforço da disciplina orçamental. Pode realizar-se durante a discussão do
orçamento ou antes desta (como a LEO fez).

Falamos em autonomização na medida em que, no processo orçamental até agora existente,


embora os tetos de despesa sejam votados como parte da votação do Orçamento do Estado,
nenhuma votação incide especificamente sobre eles antes do momento da votação final.
Não há assim qualquer votação em que o Parlamento decida um qualquer máximo de
despesa e se vincule a cumpri-lo na aprovação das medidas a constar do orçamento.

Limitações ao Orçamento de Estado


Foram reduzidos os poderes de conformação tanto de Governo como de Parlamento no que
toca à preparação e à votação da Proposta de Orçamento do Estado. Nem o Governo pode
propor um Orçamento do Estado com um total de despesa maior do que aquele que foi
aprovado na LGO, nem o Parlamento de ultrapassar este limite na votação da Proposta de
Lei de Orçamento.

Parlamento: o legislador da Lei de Enquadramento usou as vinculações do orçamento


estabelecidas na Constituição (a subordinação do Orçamento às Grandes Opções - 105º n.º2;
e à Lei de Enquadramento Orçamental - 106 n.º 1) para criar este modelo de aprovação de
tetos vinculativos numa fase pré-orçamental.

Governo: havendo necessidade de modificar os tetos de despesa, pode sempre ter a


iniciativa (que é sua competência exclusiva) de propor uma alteração da LGO antes da
apresentação do Orçamento do Estado.

Foi introduzido um regime transitório que vigorará em vez do artigo 35º da LEO até 2025.
Este regime transitório desloca a vinculatividade do QPDP do total de despesa para o saldo

60
orçamental, permitindo que o Parlamento aprove um orçamento com maior despesa total
desde que sejam igualmente aprovadas medidas de compensação que, apesar da redação
do número 10 deste artigo, nos parece terem de ser medidas de aumento da receita.

O mesmo regime transitório flexibilizou os tetos de despesa por programa orçamental,


permitindo que tanto Governo (na Proposta de Orçamento) como o Parlamento (em
qualquer momento, incluindo o debate orçamental) possam aumentar a despesa total de
uma missão de base orgânica por compensação em redução da despesa de outra missão de
base orgânica.

5.3. Segunda fase


Preparação da Proposta de Lei de Orçamento
É uma atividade que envolve toda a administração pública, sob a coordenação do Ministério
das Finanças e que inclui a estimativa das necessidades de despesa para o ano seguinte, a
estimativa da receita e a elaboração de projeções sobre a evolução da economia.

● Breve referência aos métodos de avaliação das receitas e despesas (a omissão legal)
A LEO é hoje omissa quanto aos métodos para estimar a despesa necessária para o ano
seguinte. Depreende-se que essa estimativa é sobretudo da responsabilidade dos gestores
de programas orçamentais, que devem estimar os custos das medidas de políticas públicas
previstas.

● O problema do “incrementalismo” da avaliação das despesas


Teixeira Ribeiro dizia que há uma “tendência de muitos serviços, por uma questão de
facilidade e segurança, preferem as despesas do ano seguinte mediante a revisão das verbas
que lhes foram assinaladas no orçamento em curso, aumentado-as. Trata-se de um sistema
incrementalista de avaliação das despesas.”

Quando se elabora o Orçamento há despesas que verdadeiramente não dependem de


decisões a tomar no próprio orçamento ou na sua execução, mas decorrem da legislação em
vigor ou de compromissos já assumidos.

● A tendencial centralização da avaliação das receitas e a tendencial dispersão da


avaliação das despesas

● Imprecisões orçamentais e orçamentos rectificativos (ou suplementares)


Por vezes há um excessivo otimismo, pelo que o art. 8º da LEO determina que tais previsões
“devem basear-se no cenário macroeconómico mais provável ou num cenário mais
prudente” e devem ser comparadas com as projeções passadas e de outras entidades. Essas
projeções são objeto de apreciação por uma entidade independente, que é o Conselho das
FP.

● As projeções sobre a evolução da economia (art. 8.º/1 LEO)


Para a preparação do orçamento é indispensável fazer uma previsão sobre a evolução da
economia para o ano seguinte. Estas projeções macroeconómicas do Orçamento são

61
importantes porque do seu realismo depende a credibilidade das projeções de receita e
despesa e consequentemente a projeção relativa ao saldo orçamental. Por exemplo, o valor
da receita fiscal e de algumas despesas, como o subsídio de desemprego, depende do ritmo
de crescimento da economia e da criação de emprego.

Discussão parlamentar e votação do orçamento


● A discussão parlamentar
Inicia-se com a sua apresentação pelo Governo, a 10 de outubro.
○ Plenário e Comissões Parlamentares
A discussão da proposta prolonga-se por 50 dias (art. 38º/2 LEO) seguindo um procedimento
legislativo especial fixado pelo Regimento da AR.

○ A generalidade e especialidade (art. 38.º/3/4 LEO, art. 168º/4 CRP)


Com exceção das matérias constantes da proposta de lei do orçamento sujeitas a um regime
especial nos termos no n.º 4 do art.º 168.º da CRP, isto é, as matérias referidas nas als. a) a
f), h), n) e o) do art.º 164.º, bem como da al. o) do art.º 165.º da CRP, as normas da Lei do
Orçamento são aprovadas na especialidade em sede de comissão parlamentar competente –
n.º 4 do art.º 38.º da LEO. A Assembleia da República pode solicitar a realização de
audiências ou a convocação de comissões especializadas ou de entidades não submetidas ao
poder de direção do governo.

Na fase da discussão na especialidade do Orçamento são envolvidas todas as comissões


parlamentares permanentes na audição de todos os ministros relativamente à parte do
Orçamento respeitante à área de atuação. Após o final da discussão na generalidade são
discutidas e votadas as propostas de alteração apresentadas pelos deputados e os artigos e
mapas do Orçamento.

Aprovada a PLOE, esta segue para ratificação por parte do Presidente da República e, caso
seja promulgada, segue-se a sua publicação em Diário da República. Após aprovação, o
orçamento é também enviado para cumprimento dos mecanismos de supervisão
multilateral da União Europeia.

○ A “amplitude formal” e a questão da efetividade dos poderes da Assembleia


da República de emenda do orçamento
O que limita os poderes do parlamento é também o que limita o Governo: os valores
constantes do Quadro Plurianual da Despesa Pública, as regras relativas ao saldo orçamental
e o dever de orçamentação de despesas obrigatórias. Fora destes limites, “a Assembleia da
República pode alterar a Proposta do Governo, quer no articulado, quer nos mapas
orçamentais”.

Da CRP e da lei resulta assim uma grande amplitude formal dos poderes de emenda do
orçamento que são concedidos à AR. A efetividade prática desses poderes varia consoante a
configuração do Parlamento, com o facto do Governo dispor ou não de uma maioria
parlamentar.

62
- caso de maioria parlamentar: o Governo possa contar com a rejeição da generalidade
das propostas a que se oponha
- caso dos Governos minoritários: a aprovação ou não de alterações depende das
maiorias conjunturais, emenda a emenda, que o Governo consiga negociar ou que se
formem no sentido de alterar a sua proposta
Esta solução de direito nacional dá ao parlamento possibilidades de alteração do Orçamento
muito mais alargadas do que as que existem no sistema jurídico de outros países.

Art. 167º/2 CRP: lei-travão, não é aplicável à própria discussão do orçamento mas apenas a
iniciativas que ocorrem durante a execução desses orçamentos. A reserva constitucional de
iniciativa do Governo condiciona juridicamente os poderes parlamentares de emenda.

Criaram-se condições para que o papel do Parlamento não fosse o do controlo da disciplina
orçamental mas o de “minar essa disciplina bombardeando a proposta de orçamento
apresentada pelo governo com alterações que cortam receitas e aumentam despesas”.

A existência de um QPDP na LEO, cujos totais de despesas são vinculativos para o Orçamento
que é aprovado no mesmo ano, significa que a lei passou a prever um momento de votação
parlamentar do total da despesa, inserido no processo orçamental, embora na sua 1ª fase e
antes da discussão do próprio orçamento.

● Processo orçamental para situações especiais (art. 39.º LEO)


O prazo do dia 10 de outubro não é aplicável caso:
- o Governo em funções tenha acabado de iniciar funções: isto porque o Governo não
teve tempo para preparar a proposta de Orçamento
- se tratar de um governo de gestão: sendo que a lei não pretende que a proposta de
Orçamento seja apresentada por um governo que vai cessar funções antes de se
iniciar a execução orçamental
- pelo Governo ter sido demitido ou em final de mandato
O prazo de apresentação será então de 90 dias após a posse do Governo.

A Proposta de Lei de Orçamento inclui todos os elementos que irão integrar a própria Lei do
Orçamento do Estado, que são o articulado e os mapas orçamentais (art. 40º LEO). Inclui
ainda o Relatório, que deve incorporar a justificação da política orçamental proposta pelo
Governo e um vasto conjunto de elementos informativos enumerados (art. 37º LEO). Estes
elementos compreendem as previsões macroeconómicas sobre as quais:
- assentam as previsões orçamentais
- a explicação de medidas constantes do orçamento
- indicadores sobre o desempenho orçamental
- estado das contas públicas
- projeção das necessidades líquidas de financiamento (défice ou superavit
orçamental)

Estes elementos (que não vão incorporar a Lei do orçamento) destinam-se:

63
- a permitir um debate parlamentar mais informado
- permitem que a opinião pública possa conhecer e compreender melhor as opções
constantes da proposta de orçamento
- constituem o melhor instrumento para um ponto de situação sobre a situação
financeira do país e prestação de contas
- fornecem informação útil para os agentes económicos

● Não votação tempestiva do orçamento e rejeição parlamentar da Proposta de Lei do


Orçamento do Estado
○ regime transitório de execução orçamental (art. 58.º)
O regime transitório permite ao Parlamento a aprovação de medidas que aumentem a
despesa de um programa, desde que com compensação noutro programa, ou a despesa
total, desde que com compensação em receita.

Na falta de normas que limitem a iniciativa da apresentação de propostas de alteração ou


condicione a sua votação, o Orçamento aprovado pode violar os limites de despesa do QPDP
quer os limites previsto para o saldo orçamental, tendo então o PR a indesejável alternativa
de deixar entrar em vigor um orçamento de viola uma lei de valor reforçado, ou vetar
adiando a entrada em vigor do Orçamento.

Consequências da não votação tempestiva do Orçamento:


Quando não há aprovação tempestiva de novo orçamento, o ano inicia-se sem a autorização
para a realização de quaisquer despesas e arrecadação de quaisquer receitas, logo sem um
novo orçamento aprovado. Isto acontece:
- Em caso de rejeição da proposta de orçamento, o ano económico inicia-se sem um
- Quando a proposta de orçamento seja apresentada tardiamente, podendo a 1 de
janeiro estar ainda a decorrer a sua discussão, ou mesmo não se ter esta discussão
ainda iniciado.

○ âmbito da prorrogação da vigência


O regime aplicado nestas situações é o da prorrogação da vigência da Lei do Orçamento
anterior (art. 58º LEO). Este abrange os mapas orçamentais, o articulado do orçamento, o
próprio decreto-lei de execução orçamental e as normas relativas à execução do orçamento.
O Governo tem autorização para fazer despesa, arrecadar receita e contrair empréstimos.

○ regime duodecimal de execução do orçamento das despesas


No que diz respeito às despesas, a prorrogação de vigência do orçamento é feita
submetendo o ritmo da sua realização ao regime de duodécimos. O Governo tem assim
disponível apenas uma parte da autorização. Em cada mês, está apenas disponível a parte
da dotação proporcionalmente correspondente a esse mês, ou seja, um duodécimo (1/12)
da despesa total prevista.

64
Este regime de duodécimos não é aplicável ao pagamento de prestações sociais aos
beneficiários do sistema de segurança social, podendo esse pagamento ser realizado pelos
valores que sejam devidos nos termos da lei, independentemente das dotações previstas no
orçamento.

Exceções da prorrogação de vigência do orçamento anterior (art. 58º/3 LEO):


- as autorizações legislativas constantes do orçamento não podem ser utilizadas
depois de 31 de dezembro
- deixam de poder ser cobradas as receitas que apenas se destinavam a vigorar até ao
final do ano económico (se a lei cria a receita fixa um período de vigência até ao final
do ano económico, logo as receitas não poderão continuar a ser cobradas)
Nota: esta questão será problemática para receitas criadas pela própria lei do
orçamento cuja vigência é prorrogada e tem a sua vigência limitada, pelo princípio da
anualidade orçamental
- deixa de se poder realizar despesa relativa a programas que devessem extinguir-se
até ao final do ano económico a que respeitava a lei do orçamento prorrogada
(sendo possível determinar se o programa se destinava ou não a continuar a partir da
despesa prevista no QPDP constante da LGO)

6. A Lei do Orçamento
6.1. Sistematização (art. 40.º)
Articulado, mapas orçamentais e demonstrações orçamentais e financeiras
Nos termos do artigo 40º da LEO, a lei do Orçamento do Estado integra um articulado, os
mapas contabilísticos e as demonstrações orçamentais e financeiras.

Mapas orçamentais: são a desagregação da previsão de receita e despesa do Estado


segundo diversos critérios, que dão origem aos diversos mapas previstos no artigo 42º. Ou
seja, são o cerne do Orçamento do Estado, o conteúdo essencial do Orçamento, nos termos
da Constituição, é “a discriminação das receitas e despesas do Estado” e essa discriminação
é feita nos mapas.

A contraposição dos mapas com o “articulado” - cuja designação quer simplesmente


denotar que está estruturado em artigos, como acontece com a generalidade das leis – não
nos deve fazer pensar que o conteúdo normativo do orçamento está no articulado e que os
mapas têm apenas uma função técnica ou informativa.

Articulado da Lei do Orçamento: inclui normas que são necessárias à execução do


orçamento ou correspondem ao exercício de outras competências em matéria financeira
que a Constituição reserva ao Parlamento (como a autorização para contrair dívida); normas
que têm relação com a política orçamental ou que têm impacto na receita ou na despesa; e
normas sem qualquer relação com matéria orçamental, tradicionalmente designadas
“cavaleiros orçamentais”.

65
6.2. O articulado e o problema do conteúdo “estritamente necessário
para a execução da política orçamental e financeira” (art. 41º/2);
cavaleiros orçamentais (budget riders)
Art. 41º/1 LEO: indica quais as matérias que devem constar do articulado da Lei do
Orçamento, ou seja, o conteúdo necessário do articulado, definido por lei de valor reforçado.
No geral são as regras relativas à execução do próprio Orçamento.
Alínea c): estatui que do articulado deve constar o montante máximo do acréscimo de
endividamento líquido, determinando assim que no Orçamento se deve exercer a
competência atribuída ao Parlamento pelo alínea h) do artigo 161º da CRP.

O articulado do Orçamento contém em regra um vasto conjunto de disposições e alterações


de vários diplomas com reflexos financeiros significativos. São alterações legislativas
relativas à tributação e ao regime remuneratório dos funcionários públicos pela sua
importância na receita e na despesa, sendo que também se incluem disposições no âmbito
da receita e despesa da Segurança Social.

Esta diversidade de conteúdo do articulado levanta algumas questões que devemos analisar,
designadamente a admissibilidade e o regime aplicável a normas sem conteúdo orçamental
e a autorizações legislativas, e a sujeição ou não das normas do articulado ao princípio da
anualidade.

As questões da admissibilidade, força jurídica e aplicação temporal (sujeição ao princípio


da anualidade)
a) A limitação do conteúdo do articulado e o problema das “leis cavaleiras”
“cavaleiro orçamental” ou “lei cavaleira” - a disposição que é inserida na Lei do Orçamento e
que não tem materialmente conteúdo orçamental. Esta expressão é utilizada para normas
sem conteúdo financeiro relevante e para normas que excedem o conteúdo estritamente
necessário do Orçamento, como as disposições fiscais ou sobre o regime remuneratório da
AP.

Motivos para esta situação em Portugal:


- para o Governo, aproveitar a Lei do Orçamento para fazer aprovar normas que são
reserva de lei parlamentar, evitando uma iniciativa legislativa autónoma – e o debate
a esta associado.
- para os grupos parlamentares, uma forma de aumentar a sua iniciativa legislativa,
forçando a discussão das suas propostas, que de outra forma estão limitadas pelos
seus direitos de agendamento.
Regras em matéria de cavaleiros orçamentais:
- a Constituição admite a inclusão no Orçamento de matérias de qualquer conteúdo
material;
- a essas normas sem conteúdo orçamental não é aplicável o regime jurídico próprio
da Lei do Orçamento, desde logo o exclusivo de iniciativa do Governo, pelo que,

66
mesmo na vigência do OE, podem ser alteradas por iniciativa dos deputados ou (se
se tratar de matéria de competência concorrente) por ato legislativo do Governo.

Não existindo uma proibição constitucional dos cavaleiros orçamentais, ela existe desde
2001 em lei de valor reforçado, dispondo o nº 2 do artigo 41º da LEO que “As disposições
constantes do articulado da lei do Orçamento do Estado limitam-se ao estritamente
necessário para a execução da política orçamental e financeira”.

O seu fundamento atual no direito português é um fundamento de natureza procedimental:


pretende-se evitar que, no âmbito do processo orçamental, sejam votadas matérias para as
quais, no complexo debate orçamental, não haverá tempo suficiente para discussão. Há um
conteúdo necessário do Orçamento nos termos da Constituição e da LEO, e um conteúdo
admissível do articulado nos termos da LEO, mais vasto do que o primeiro.

Na doutrina e jurisprudência de outros países com disposições semelhantes à nossa, a


fixação da fronteira entre o que são ou não conteúdos admissíveis do Orçamento revelou-se
geradora de muitas dúvidas e hesitações. Em Portugal, a experiência tem sido de ignorar
totalmente o disposto na LEO, estando presentes no Orçamento normas que, por qualquer
critério, ainda que permissivo, não podem ser consideradas como tendo relação com a
execução da política orçamental.

b) A anualidade das normas do articulado


A Constituição (artigo 106º) determina que “A lei do Orçamento é elaborada, organizada,
votada e executada, anualmente”, dispondo igualmente o artigo 14º da LEO que o
Orçamento do Estado é anual. Este princípio da anualidade limita indiscutivelmente a
vigência das autorizações orçamentais de despesa e de receita e as normas do articulado
que correspondem ao conteúdo necessário deste, por serem essencialmente orçamentais.

Coloca-se então o problema de saber se também se limita a vigência das restantes normas
constantes do articulado.
- normas jurídicas que são aplicáveis diretamente a partir do orçamento: a alteração
legislativa incorpora-se no próprio diploma que é alterado e a sua vigência passa a
estar dependente da vigência deste último, não estando assim por qualquer forma
limitada pelo princípio da anualidade.
- normas vigoram diretamente a partir do Orçamento do Estado. Aqui, a questão deve
ser dividida em duas:

→ Interpretativa - qual é a vigência dessas normas se o próprio Orçamento nada disser


sobre o assunto
Sempre que do texto não resulte claramente o oposto as normas constantes do articulado
do orçamento têm uma vigência anual. É o que resulta da consagração, pela Constituição e
pela LEO, da anualidade como regra. É também o que é aconselhado pelo princípio da
certeza e da segurança jurídica, já que a vigência das normas não deve ficar dependente da

67
interpretação casuística relativa a uma intenção não expressa pelo legislador orçamental ou
à natureza orçamental das normas.

→ Admissibilidade - de ser estabelecido pelo Orçamento um período de vigência para uma


determinada norma que ultrapassa o fim do ano económico

Trata-se de saber se esta determinação sobre a vigência da norma, prolongando-a para além
do ano económico, é admissível face à Constituição e face à LEO. A solução deve ser extraída
da mesma regra que foi enunciada para os cavaleiros orçamentais: se se trata de normas
que não têm estritamente natureza orçamental, não lhes é aplicável o regime jurídico
próprio da Lei do Orçamento, devendo ser tratadas como lei comum, logo não estão
limitadas pelo princípio constitucional da anualidade.

c) O regime das autorizações legislativas do orçamento


A Lei do Orçamento do Estado pode conter autorizações legislativas. Quando tais
autorizações incidam sobre matéria fiscal, ficam sujeitas a um regime especial previsto no
n.º 5 do artigo 165º da CRP.

Enquanto para as autorizações legislativas em geral vale a regra de que só são válidas
enquanto se mantiverem em funções o Governo que as pediu e o Parlamento que as
aprovou, as autorizações legislativas em matéria fiscal ficam sujeitas ao mesmo princípio de
anualidade que vale para as restantes normas orçamentais.

Razão: a previsão de receita constante do Orçamento inclui naturalmente a receita


proveniente das regras fiscais a aprovar no exercício dessas autorizações legislativas, e a
caducidade das autorizações poderiam tornar impossível a execução do orçamento da
receita nos termos aprovados.

Condições:
- a autorização legislativa está incluída no Orçamento
- trata de matéria fiscal

A questão da caducidade da autorização é a única constante do número 5 do artigo 165º.


Assim, em todas as restantes matérias, são aplicáveis às autorizações legislativas constantes
do Orçamento (sejam ou não em matéria fiscal) as regras gerais aplicáveis às autorizações
legislativas, designadamente as constantes dos restantes números do artigo 165º da CRP.

6.3. Os mapas orçamentais (art. 42º)


Art. 42º LEO - lista dos mapas orçamentais.
Os mapas desagregam a despesa e a receita dos 2 subsetores do Orçamento (Administração
Central – mapas 1 a 5 e Segurança Social – mapas 7 a 9). Na Administração Central, a receita
é desagregada apenas pela classificação económica, e a despesa é desagrada segundo os
quatro critérios que já referimos: económico, funcional, orgânico e por programas.
Constam da lista ainda dois conjuntos de mapas com natureza diferente dos anteriores. Os
mapas 6, 10 e 14 têm um conteúdo essencialmente informativo. Dos mapas 11, 12 e 13

68
constam as transferências feitas do Estado para os outros subsectores que exercem
autonomamente poderes orçamentais em função da descentralização financeira: setor
regional (regiões autónomas dos Açores e da Madeira) e setor local (integrando municípios e
freguesias).

As administrações regional e local têm direito a que lhes seja destinada uma parte das
receitas do Estado. As suas leis de financiamento determinam como se calcula o montante
em causa, e a Lei do Orçamento concretiza anualmente esse dever de apoio financeiro do
Estado, estabelecendo nestes mapas o valor a transferir.

Expressão do princípio da especificação, conteúdo normativo e ótica de caixa


- Conteúdo normativo
Os mapas constantes da Lei do Orçamento têm um conteúdo normativo. Têm o efeito
jurídico de autorizar a arrecadação da receita e a realização da despesa e, no caso dos
mapas da despesa, limitar o montante da despesa a realizar. Em contrapartida, estes mapas
não permitem uma boa leitura sobre a verdadeira dimensão da despesa pública,
designadamente porque não são feitos com consolidação da despesa.

- Ótica de caixa
Orçamento de gerência: Os mapas orçamentais são realizados segundo uma ótica de caixa,
ou seja, de entradas e saídas de dinheiro: são previstas as receitas que se prevê receber num
determinado ano económico, e as despesas cujo pagamento se preveja ocorrer nesse
mesmo ano económico.
Orçamento de exercício: as despesas são inscritas no ano económico em que surge
juridicamente a obrigação, e as receitas são inscritas no ano económico em que surge
juridicamente o crédito a favor do Estado.

Razões para a contabilidade orçamental adotar a ótica de caixa:


- para assegurar que estão cobertas as necessidades de tesouraria, ou seja, para
garantir que existem os meios para fazer o efetivo pagamento das despesas que se
preveem;
- porque o foco da contabilidade orçamental é o controlo da legalidade desses
pagamentos e recebimentos.
Desvantagem: não regista decisões tomadas num ano que afetam a situação patrimonial do
Estado, mas que não se refletem em pagamentos ou recebimentos no ano em causa. Por
exemplo, se o Estado contrata uma obra pública ou uma aquisição de bens, fica desde logo
comprometido a fazer o pagamento (surge um passivo na esfera jurídica do Estado) mas se o
pagamento não ocorrer nesse ano económico, não é preciso fazer qualquer previsão no
orçamento correspondente. A despesa correspondente só aparecerá no orçamento no ano
em que for necessário fazer o pagamento.

69
Num orçamento de exercício, pelo contrário, esta despesa seria prevista no ano em que se
vai assumir o compromisso de pagar, e este método tem assim a vantagem de permitir
acompanhar a assunção de compromissos e a evolução da situação patrimonial do Estado.

- Ótica do acréscimo
Há vários anos que se ensaia que o Estado tenha também uma contabilidade realizada na
ótica do acréscimo, ou seja, considerando as variações patrimoniais do Estado no ano em
causa, e portanto na ótica do orçamento de exercício. A LEO de 2015 é uma nova tentativa
de implementação deste método contabilístico, criando a obrigação de o Estado dispor de
uma contabilidade na ótica do acréscimo, que designou por contabilidade financeira (artigo
62º da LEO).

A contabilidade financeira não teria apenas expressão no registo das operações de execução
orçamental. Teria também uma dimensão previsional, ou seja, as previsões orçamentais
seriam realizadas não só na ótica da contabilidade orçamental, mas também na ótica da
contabilidade financeira. (alínea c) do art. 40º e o art. 43º da LEO). A implementação de
contabilidade financeira ao nível da execução orçamental ainda não foi completada e foi
adiada para 2026.

- Ótica das Contas Nacionais (Contabilidade Nacional)


Existe uma outra metodologia de registo das despesas e receitas do Estado, a que se chama
ótica das contas nacionais ou da Contabilidade Nacional (por oposição à designação de
Contabilidade Pública). Esta ótica de registo de receita e despesa não está presente em
nenhum dos mapas da Lei do Orçamento. A informação relevante consta apenas do
Relatório do Orçamento do Estado.

Faz-se um apuramento na ótica da Contabilidade Nacional em cumprimento das obrigações


estabelecidas nos tratados europeus em matéria de saldo orçamental e da proibição dos
défices excessivos. Para assegurar que os saldos orçamentais de todos os países são
previstos e apurados segundo a mesma metodologia, o método de cálculo é unificado,
constando do Sistema Europeu de Contas (SEC2010). Para a receita efetiva, é usado
essencialmente a ótica de caixa, e para a despesa uma ótica de acréscimo.

6.4. Vinculações externas e despesas obrigatórias (art. 44.º)


Sendo o Orçamento a previsão das receitas e das despesas, cabe ao Governo a decisão
política sobre quais as receitas e despesas cuja realização propõe, e ao Parlamento a decisão
sobre quais as que autoriza. Esta decisão política anual está condicionada pela rigidez dos
valores da despesa pública, ou seja, pelo facto de muitas despesas se imporem ao legislador
orçamental como inevitáveis na prática, subtraídas a essa decisão política anual.
Em termos económicos, costuma distinguir-se entre “despesa discricionária” (a que resulta
de decisões tomadas no próprio orçamento ou na sua execução) de “despesa não
discricionária” (que é a margem de liberdade do legislador orçamental).

70
Dentro dessas situações de rigidez, podemos identificar algumas em que ela tem uma
natureza jurídica, no sentido de que existe uma obrigação de realizar certas despesas. A
questão das vinculações externas refere-se à existência no ordenamento jurídico de um
conjunto de obrigações relativas ao conteúdo material do Orçamento do Estado, que
vinculam tanto o Governo na elaboração da Proposta como o Parlamento na aprovação final
do Orçamento.

Art. 44º LEO: “vinculações externas e despesas obrigatórias” - obrigações, decorrentes do


Direito Europeu ou de lei com valor reforçado. Podemos agrupar essas vinculações externas
em 3 categorias:
1. as que resultam do Direito da União Europeia, designadamente do PEC (Pacto de
Estabilidade e Crescimento) relacionadas com o saldo orçamental;
2. as que resultam da Lei das Grandes Opções, relacionadas com o teto da despesa;
3. as que dizem respeito à obrigação de inscrição de dotações para fazer face a
despesas obrigatórias.

- As despesas obrigatórias e o problema da incompatibilidade de deveres


Despesas obrigatórias - aquelas que resultam da lei, de contrato ou de sentença judicial.

Lei, nesta situação, corresponde aos atos legislativos independentemente de terem origem
na AR ou no Governo e às regras de Direito Internacional que vinculam o direito português.

São obrigatórias, pois vinculam Parlamento e Governo na elaboração e aprovação do


Orçamento, e devem constar dos mapas orçamentais da despesa (art. 44º/2 da LEO). Na
parte relativa a despesas resultantes de lei ou contrato, esta norma da LEO é o
desenvolvimento da norma contida art. 105º/2 CRP.

Por exemplo, são obrigatórias as despesas decorrentes de contratos já celebrados, cujos


pagamentos ocorram no ano em causa; ou os pagamentos de pensões, que decorrem da lei;
ou os pagamentos de indemnizações em que o Estado tenha sido condenado por sentença
transitada em julgado.

Existindo uma obrigação de pagar, a mera não orçamentação não faz cessar tal obrigação,
nem extingue o correspondente direito de receber, de que será titular uma pessoa exterior
ao Estado. O Orçamento deve conter a dotação correspondente sob pena do Governo ficar
sujeito a dois deveres incompatíveis – a obrigação de pagar, resultante de lei ou de contrato;
e a impossibilidade legal de pagar porque só podem ser pagas as despesas que estejam
previamente inscritas no Orçamento.

Há um dever de identificar quais são os valores inscritos que dizem respeito a despesas
obrigatórias (art. 42º da LEO). Essa obrigação permite avaliar o cumprimento do dever de
orçamentação das despesas obrigatórias. O cumprimento do dever de inscrição de despesas
obrigatórias é mais fácil de verificar quando se trate de despesas cujo valor se conhece no
momento da votação do Orçamento.

71
Pagamento das despesas decorrentes de lei:
A vinculação do Orçamento à inscrição das dotações necessárias ao pagamento das
despesas decorrentes de lei não significa uma total vinculação da Lei do Orçamento às
obrigações decorrentes de legislação pré-existente. A Constituição não exclui que a própria
Lei do Orçamento revogue a lei que cria a referida obrigação, ou a modifique, ou suspenda a
sua vigência para o ano orçamental em causa – salvo, naturalmente, se se tratar de norma
internacional ou constante de lei de valor reforçado que a Lei do OE não possa modificar.

Essa revogação ou modificação deve, contudo, ser feita explicitamente, no articulado do


Orçamento, não servindo a mera não inscrição do valor nos mapas orçamentais da despesa
como revogação ou suspensão implícitas da lei anterior.

A obrigação constitucional de inscrever as dotações necessárias ao pagamento de despesas


decorrentes de lei tem “o sentido útil de garantir a inscrição orçamental das verbas
necessárias ao cumprimento das obrigações decorrentes de lei (…) que não tenham sido
objeto de alteração expressa na própria lei do orçamento”.

O que a Constituição e a LEO proíbem é que o legislador orçamental deixe permanecer em


vigor legislação que obriga o Estado à realização de uma despesa no ano económico em
causa e, simultaneamente, não preveja a correspondente autorização para realizar despesa,
tornando impossível o cumprimento daquela legislação.

Vinculação do Orçamento às obrigações decorrentes do contrato e necessidade do


Orçamento conter as dotações necessárias ao pagamento das obrigações contratuais:
A questão coloca-se relativamente a contratos nos quais se assumem obrigações plurianuais,
ou seja, contratos em que a despesa deve ser paga em anos económicos posteriores ao ano
da celebração. A obrigação contratual é criada antes da aprovação dos Orçamentos que
devem autorizar a correspondente despesa. O contrato faz parte da função administrativa
do Governo e o Orçamento é aprovado pela Assembleia da República no exercício de função
legislativa, pelo que a formulação constitucional parece apontar para uma subordinação do
poder legislativo a atos do poder administrativo.

A realização de contratos com eficácia plurianual é inevitável na atuação de um governo. A


leitura literal da Constituição diz que celebrado o contrato pelo Governo, criando uma
obrigação pecuniária para o Estado, esta obrigação se impõe ao legislador orçamental como
vinculação de aprovar as correspondentes dotações.

Na verdade, a Constituição está em silêncio relativamente à questão da aprovação de


despesas plurianuais, e o enquadramento da legislação financeira é muito insuficiente. Não
está prevista na Constituição a votação pelo Parlamento de planos plurianuais de despesa
que constituíssem tetos para a assunção de compromissos plurianuais pelo Governo,
designadamente relativamente a despesas de investimento.

72
Quando não se limitar a atuação do Governo, este pode assumir compromissos plurianuais
de despesa, e que se o Parlamento não anular em tempo esses compromissos, então
trata-se de compromissos do Estado que o Orçamento deve respeitar.

6.5. A proteção do conteúdo do orçamento


Uma vez aprovado o Orçamento do Estado, ele só pode ser alterado por iniciativa do
Governo. A LEO prevê que o Governo tem competência para realizar só por si algumas
alterações orçamentais, sem necessidade de aprovação parlamentar.

As alterações orçamentais que a LEO reserva à Assembleia da República são exercidas, tal
como a aprovação do Orçamento, por via legislativa, através da aprovação de uma proposta
de lei que só pode ser apresentada pelo Governo. A apresentação de uma proposta de lei de
Revisão Orçamental – “Orçamento Suplementar” ou “Orçamento Retificativo” - é uma opção
livre do Governo. Assim, salvo iniciativa governamental, o conteúdo orçamental não pode
ser alterado. Essa garantia de estabilidade do conteúdo orçamental desdobra-se em 3
aspetos de regime jurídico que é necessário analisar separadamente:
- a lei travão
- o regime da apreciação das propostas de lei de alteração orçamental
- a proteção concedida ao conteúdo do orçamento pelo caráter de lei reforçada da lei
orçamental

A “lei-travão” (art. 167º/2/3 CRP)


Art. 167º CRP:
- nº1: a lei travão
- nº2: conteúdo idêntico aplicado às propostas de Referendo

Não é uma proibição às alterações do Orçamento, é uma proibição de qualquer tipo de


iniciativa legislativa que tenha como efeito o aumento das despesas ou a diminuição das
receitas no ano económico em curso. Esta proibição dirige-se a todos aqueles a que a CRP
confere iniciativa legislativa, salvo o Governo. Esta norma preocupa-se com a estabilidade
orçamental.

Esta norma não se aplica na discussão da proposta de Orçamento (aí ainda não receitas e
despesas previstas), só quando aprovado o Orçamento é que a CRP protege a competência
do Governo para a execução orçamental.

Esta proibição também impede as iniciativas “compensadas”, por exemplo, propostas de


aumento da despesa compensadas com a diminuição de outra despesa ou aumento de
receita. Protege-se o equilíbrio orçamental e a execução do plano financeiro anual tal como
consta do orçamento já aprovado. Assim, evita a aprovação de legislação avulsa que tenha
aqueles efeitos de aumento da despesa ou diminuição da receita. As autorizações
legislativas em matéria fiscal significam receita que faz parte do plano financeiro atual, logo
também a revogação ou alteração dos decretos-lei emitidos no uso dessa autorização deve
ser considerada como abrangida pela proibição da Lei-Travão.

73
Isto não impede que o Parlamento tenha iniciativa legislativa de aumentar a despesa ou
diminuir a receita, mas impede que tal legislação tenha efeitos no ano em curso.

Alteração orçamental (art. 60.º)


● alterações orçamentais da competência do Governo
O Governo tem a competência para delimitar o âmbito das alterações que podem ser feitas,
ou seja, a apreciação de um orçamento retificativo não implica a reabertura do processo
orçamental com a possibilidade de alteração pelo Parlamento de todo o orçamento que está
em vigor, mas apenas das matérias cuja alteração o Governo propõe. O poder da AR é mais
limitado do que na discussão originária do Orçamento.

Essa limitação decorre do equilíbrio de poderes entre Governo e Parlamento. O Tribunal


Constitucional, refere que não cabe nos poderes parlamentares “proceder a modificações
orçamentais que não se inscrevam no âmbito da proposta do Governo” porque “ficaria
descaracterizado o exclusivo governamental da iniciativa de alteração do Orçamento.”

Os poderes parlamentares de emenda estão também condicionados pelo facto da lei travão
ser aplicável à discussão e votação da lei de revisão orçamental, ao contrário do que
acontece no debate do próprio orçamento. Os deputados e grupos parlamentares não
podem no âmbito dessa discussão apresentar propostas de alteração que aumentem a
despesa ou diminuam a receita. Logo, só poderão ser aprovadas medidas nesse sentido se
elas constarem da proposta do Governo.

Nos casos em que o Governo propõe um aumento de despesa ou diminuição da receita, os


deputados poderão ter a iniciativa de propor um aumento ou diminuição menores, sendo
uma iniciativa constitucionalmente legítima (desde que, naturalmente, se trate de reduzir o
efeito da medida proposta pelo Governo e não de propor uma medida substancialmente
diferente).

Revisão orçamental (orçamento rectificativo e suplementar; art. 59.º)


● alterações orçamentais da competência da Assembleia da República e a Lei do
Orçamento como lei de valor reforçado
A Lei do Orçamento é uma lei reforçada pelo procedimento, o que quer dizer que os
conteúdos normativos que devam constar do Orçamento do Estado devem seguir o
procedimento determinado pela Constituição (serem da iniciativa do Governo e seguirem o
processo de elaboração, organização e votação previsto lei de enquadramento orçamental -
artigo 106º da CRP).

A proteção conferida pelo caráter reforçado de uma lei apenas abrange aqueles conteúdos
normativos que pertençam à lei de valor reforçado. Tendo em conta a diversidade de
conteúdos que tendem a constar da lei do Orçamento, a questão é saber quais desses
conteúdos “pertencem” ao Orçamento e estão protegidos de alteração por lei comum.

- normas sem impacto sensível na execução da receita ou da despesa

74
A inclusão na Lei do Orçamento é aliás proibida pelo art. 41º/2 da LEO. Esta categoria de
“cavaleiros orçamentais” pode livremente ser alterada pela legislação comum.

- normas com conteúdo financeiro que constem do Orçamento do Estado


Podem ser alteradas por lei ordinária? Constam todos os anos do Orçamento disposições
que alteram as leis fiscais, regulam o regime remuneratório, de prestação de trabalho e de
carreiras da administração pública, ou têm impacto no valor das prestações sociais a pagar.
Estas disposições e outras semelhantes têm uma ligação com a execução orçamental, pelo
seu impacto no valor da despesa ou da receita. Podemos dizer que beneficiam de uma
proteção por constarem de lei de valor reforçado? O art. 105º/1 da Constituição apenas
refere “A discriminação das receitas e despesas do Estado” e “O orçamento da segurança
social”, que corresponderá à discriminação das receitas e despesas desta.

Assim sendo, face a disposições orçamentais que, por exemplo, alterem as taxas de IRS ou
regulem a retribuição devida por horas extraordinárias na administração pública, não parece
que se possa dizer que “pertencem” ao Orçamento no sentido de terem um valor reforçado.
Nada na Constituição ou na LEO indica que se trata de matérias que devam ser reguladas na
Lei do Orçamento do Estado.

Estas disposições podem ser alteradas ao longo do ano por legislação ordinária, e essa
legislação não tem um exclusivo de iniciativa do Governo, podendo a iniciativa ser dos
deputados. Se se tratar de competência concorrente, pode o Governo alterá-las através de
Decreto-Lei.

Tratando-se de iniciativa de deputados (ou de qualquer outra entidade que não o Governo),
as normas constantes do Orçamento não podem ser alteradas se tal alteração se traduzir em
aumento da despesa ou diminuição da receita, pois tal implicaria uma violação da lei travão.
Esta limitação, contudo, nada tem a ver com o valor reforçado da Lei do Orçamento.

Concluímos assim que, embora a Lei do Orçamento seja uma lei de valor reforçado, essa
qualificação é irrelevante para a maior parte das normas que em regra integram o articulado
do orçamento, mesmo tratando-se de normas com impacto na receita ou na despesa. O
teste mais relevante face a iniciativas legislativas com conteúdo financeiro é se têm como
efeito um aumento da despesa ou diminuição da receita, violando a lei travão.

7. Execução orçamental
7.1. Competência e princípio da legalidade
A execução do orçamento é a atuação pública através da qual se arrecadam as receitas e
realizam as despesas autorizadas no Orçamento. Essa execução vai ser realizada pela
atuação quotidiana dos serviços do Estado e das restantes entidades incluídas no sector da
administração pública. O Governo é o órgão superior da administração pública (artigo 182º
da Constituição) e é ao Governo que compete fazer executar o Orçamento do Estado, como
determina a alínea b) do 199º da Constituição.

75
A legislação portuguesa reserva dentro do Governo, uma “posição proeminente” ao Ministro
das Finanças, que se traduz na necessidade da sua aprovação para um conjunto de atos de
criação de despesa; para a assunção de compromissos de natureza plurianual; para
utilização da dotação provisional e de parte das restantes dotações orçamentais; e para
certas alterações orçamentais.

Enquanto atuação da administração pública, a execução orçamental está sujeita a um


princípio geral de legalidade. A legalidade dos atos de execução orçamental, tanto da receita
como da despesa, é o primeiro requisito da sua realização (art. 52º/1/3 da LEO) e um
parâmetro do seu controlo (artigos 68º/1 e 70º/2 LEO). A legalidade financeira é um aspeto
dessa legalidade centrada nas questões de respeito pelo disposto no orçamento, no
cumprimento dos procedimentos previstos na legislação financeira e no adequado registo
contabilístico das operações de execução orçamental.

No artigo 53º/3 da LEO, essas normas devem ser agrupadas num único decreto-lei, que é
geralmente designado por Decreto Lei de Execução Orçamental (DLEO).

7.2. Princípios de execução orçamental


Tipicidade orçamental (quantitativa e qualitativa)
O princípio central da execução orçamental é o princípio da tipicidade orçamental: só se
podem arrecadar as receitas e realizar as despesas que tenham inscrição orçamental. É a
decorrência lógica da natureza do Orçamento enquanto lei autorizadora de todas as receitas
e despesas públicas.

Está presente no artigo 52º da LEO, estando previsto tanto para as receitas – alínea b) do
n.º1 – como para as despesas - alínea b) do n.º 3. As receitas e as despesas só se podem
realizar se tiverem “inscrição orçamental” (é necessário fazer a correspondência entre o
valor a gastar ou receber e as tipologias de receita e de despesa que estão nos mapas
orçamentais).

- Se se cobra uma taxa, é necessário que o orçamento das receitas tenha previsto a
arrecadação de uma verba daquela taxa ou tipo de taxa.
- Se se pretende pagar um salário, é necessário que o orçamento tenha previsto, nos
mapas da despesa, o pagamento desse tipo de despesa por aquela entidade.

Modalidades da tipicidade:
- Tipicidade qualitativa
No caso da receita, ver o que dispõe o n.º 2 do artigo 52º da LEO. O valor inscrito para a
receita é uma mera previsão, que pode ser ultrapassada. A autorização para a arrecadação é
dada pela inscrição daquele tipo de receita nos mapas, não sendo relevante qual o valor
inscrito.
- Tipicidade quantitativa
Na execução do orçamento das despesas dizemos que o montante inscrito nos mapas
orçamentais é um limite à despesa que pode ser realizada. Logo é necessário realizar uma

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operação que se designa por verificação do cabimento (ou cabimentação): é necessário
verificar se o valor da despesa a realizar “cabe” na dotação ou crédito orçamental (i.e., se
não ultrapassa o valor da dotação). Pretende-se verificar se existem os meios financeiros
para fazer face à despesa, sendo uma operação de controlo da legalidade financeira que visa
assegurar que aquela despesa está autorizada pelo orçamento da despesa. É necessário
também assegurar que existem os meios financeiros para suportar a despesa que se faz.

Segregação de funções de liquidação e cobrança


● segregação de funções de autorização da despesa e de autorização de pagamento
Pelo facto de a execução orçamental implicar a movimentação de recursos financeiros do
Estado, a nossa legislação rodeia os atos que implicam receita ou despesa de especiais
cuidados, traduzidos designadamente num princípio da segregação de funções (artigo
52º/6/7 da LEO).
Consiste na separação da competência para realizar diferentes atos do procedimento de
cobrança da receita e de realização da despesa, separação que implica que esses atos devem
ser praticados por diferentes serviços ou, caso não exista uma separação entre serviços, pelo
menos por pessoas diferentes do mesmo serviço.
Objetivo - maior controlo dos atos de despesa e receita, impedindo que todo o
procedimento seja autorizado por um único serviço ou agente da administração pública.
- na receita, a segregação acontece entre os momentos de liquidação e de cobrança;
- na despesa, são separados os momentos de autorização da despesa (compromisso) e
realização do respetivo pagamento.

Economia, eficiência e eficácia


Art. 18º LEO - subordina toda a assunção de compromissos e a realização de despesa a um
princípio de boa gestão que designa por princípio da economia, eficiência e eficácia. A
realização da despesa não é uma finalidade, mas um instrumento. A atuação das entidades
públicas visa diversas finalidades de políticas públicas, que devem estar definidas por Lei ou
outro instrumento adequado.

Os atos de despesa utilizam recursos públicos escassos e deve procurar-se maximizar o


resultado pretendido, utilizando os meios adequados à obtenção desse resultado e
minimizando a utilização dos meios financeiros. Não se devem entender as inscrições de
verbas no orçamento das despesas como um comando para gastar na totalidade essa verba,
mas como uma autorização para gastar até aquele limite.

Finalidade - obtenção dos resultados, não a maximização da despesa, e para um


determinado nível de resultados a solução preferível será sempre a que envolver menos
despesa. Por vezes observamos que no momento do anúncio de políticas públicas, parecem
ser mais importantes os milhões de euros envolvidos do que os resultados que se pretende
atingir; ou no momento da avaliação existem críticas por não se ter gasto todo o valor
orçamentado, que parecem sobrelevar o facto de se terem atingido ou não os objetivos
pretendidos.

77
Unidade de tesouraria
O dinheiro é um bem fungível e lógico, do ponto de vista da gestão racional das
disponibilidades financeiras do Estado, que todos os recursos financeiros públicos sejam
geridos conjuntamente.
Art. 54º LEO - estes recursos financeiros estão subordinados ao princípio da unidade de
tesouraria, que “consiste na centralização e manutenção dos dinheiros públicos na
Tesouraria Central do Estado.”

O dinheiro proveniente da cobrança de todas as receitas públicas é encaminhado para essa


tesouraria central – mesmo que se trate de receitas próprias de uma entidade ou de outras
receitas consignadas. É também a partir dessa tesouraria central que são pagas todas as
despesas públicas.

O facto de parte do dinheiro que entra na Tesouraria Central do Estado corresponder a


receitas próprias de várias entidades pública não é obstáculo a este procedimento. Todo o
montante pode ser mobilizado para esse pagamento, mesmo o que tem origem nas várias
receitas próprias. O valor da receita própria cobrada continua registado nas contas
respetivas e, quando for necessário realizar pagamentos de despesa financiada com receita
própria, o Tesouro assegura também que esse pagamento é efetuado.

Vantagens:
- se os dinheiros públicos estivessem compartimentados ou dispersos por várias
entidades, facilmente faltaria dinheiro em algumas enquanto haveria excesso em
outras, obrigando, ou a condicionar o ritmo da execução orçamental, ou a recorrer a
empréstimos de curto prazo
- melhor gestão dos recursos financeiros públicos, maximizando o acesso às
disponibilidades financeiras existentes e restringindo o recurso à dívida flutuante ao
estritamente necessário

Exceções (art. 54º/3 LEO): as cobranças das receitas e os pagamentos de despesas do


sistema de segurança social são geridas por uma tesouraria separada da Tesouraria do
Estado, embora “em articulação” com esta. Outras exceções podem ser autorizadas a título
excecional pelo Ministro das Finanças (nº5). A responsabilidade da gestão da Tesouraria do
Estado cabe atualmente (e desde 2007) à Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida
Pública.

Regimes de autonomia administrativa e autonomia administrativa e financeira


A partir da Lei de Bases de Contabilidade Pública de 1990, a generalidade dos serviços do
Estado deixaram de ser “serviços simples” para passarem a ser serviços com autonomia
administrativa.

Neste regime, perdeu importância o controlo prévio de cada ato de despesa por parte do
Ministério das Finanças, passando esse controlo para o próprio serviço, e prevendo a LBCP
(art. 10º) um “controlo sistemático sucessivo” da gestão orçamental.

78
A LBCP prevê também a existência de um regime de autonomia reforçada, o regime de
autonomia administrativa e financeira.
Condições de atribuição deste regime (cumulativas - art. 6º LBCP)
(i) que o regime se justifique para a sua adequada gestão
(ii) que as suas receitas próprias atinjam um mínimo de dois terços das despesas
totais.
Não basta a verificação material das condições, sendo ainda necessário que o regime seja
atribuído à entidade por ato legislativo. Adicionalmente, têm autonomia administrativa e
financeira as entidades em que tal decorra de imperativo constitucional – como é o caso das
universidades (art. 76º CRP).

7.3. Execução do orçamento das despesas


Utilização das dotações orçamentais (a execução do orçamento por duodécimos);
A realização de uma despesa supõe a existência de um crédito ou dotação orçamental que
autoriza a realização dessa mesma despesa e cujo valor é o limite máximo da despesa a
realizar (tipicidade quantitativa), pelo que o cerne da verificação da legalidade orçamental
de uma despesa é a verificação de que a despesa a realizar está prevista nos mapas
orçamentais da despesa e devidamente autorizada pelo orçamento.

Artigo 52º/3 a 5 da LEO: regras centrais da realização da despesa


Nº3; Alínea a) → Qualquer atuação da administração está sujeita ao princípio da legalidade,
que não se esgota na legalidade financeira, referindo que a criação da obrigação de realizar
uma despesa deve respeitar todas as “normas legais aplicáveis”.

Nº3; Alínea c) → A realização da despesa está sujeita ao princípio de economia, eficiência e


eficácia previsto no artigo 18º da LEO

Nº3; Alínea b) → resulta do caráter quantitativo da tipicidade a que estão sujeitas as


despesas: só se pode realizar a despesa se ela estiver inscrita “no programa e no serviço ou
na entidade” e tiver “cabimento.”

A verificação do cabimento, que precede a autorização de qualquer despesa, é a


confrontação do valor da despesa a realizar com o valor ainda disponível na dotação
orçamental. Para verificar o cabimento de cada nova despesa, começa-se por verificar qual a
dotação orçamental que corresponde a essa despesa e compara-se o valor da despesa a
realizar com a parte ainda não comprometida da dotação.

Momentos da realização da despesa


1. o momento do seu pagamento
2. um momento anterior em que surge juridicamente a obrigação de pagar.
A lei diz que o cabimento é prévio à autorização da despesa, ou seja, prévio à criação da
obrigação de pagar. É necessário verificar o cabimento para registar o “compromisso”, que se
traduz em reservar na dotação o valor correspondente.

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As normas de execução orçamental (constantes do OE ou do DLEO) podem estabelecer
regras das quais resulta o condicionamento da utilização de parte do valor da dotação,
designadamente condicionando essa utilização a uma autorização. Logo há uma “cativação”.
A autorização em causa pode ser de uma entidade hierarquicamente superior, mas as
cativações mais relevantes são as que sujeitam a libertação de uma parte da dotação
orçamental a autorização do Ministro das Finanças.

Nº4 → obriga a que o compromisso de despesa obedeça a um requisito legal adicional: que
o seu pagamento seja “assegurado pelo orçamento de tesouraria da entidade”.

Na descrição feita até agora, temos suposto a situação em que o compromisso da despesa e
o seu pagamento são realizados no mesmo ano, ou seja, na execução do mesmo orçamento.
Neste caso, quando se faz o cabimento do compromisso, o valor comprometido fica
indisponível até que, mais tarde nesse ano, se tenha de realizar o pagamento.

O Nº3 do art. 52º, ao referir a dotação do programa orçamental, está a supor a existência de
mapas plurianuais da despesa, e que, ao assumir o compromisso, se faz o cabimento na
dotação global (plurianual) do programa, identificando se o pagamento ocorre em anos
futuros. A dotação prevista no orçamento plurianual funciona assim como teto global da
despesa que pode ser comprometida no âmbito de um programa.

Despesa com receita consignada e lei dos compromissos


A existência de consignação de receitas, ou seja, o facto de uma determinada receita estar
reservada para uma finalidade específica ou para a utilização de uma entidade pública em
concreto (receita própria) implica que a realização da despesa que utiliza essa receita
consignada fica sujeita a um regime jurídico especial.

Continua a ser necessário verificar o cabimento da despesa na respetiva dotação


orçamental, verificar se a receita consignada foi efetivamente cobrada em montante
suficiente, e só após essa cobrança é que a despesa pode ser paga. Há assim uma segunda
verificação de cabimento, duplo cabimento (artigo 20º do RAFE).

Se é contratado e prestado um serviço, no momento estipulado há um dever de pagar por


parte da entidade pública. Contudo, se nesse momento não tiver sido cobrada a receita
consignada correspondente, o que é devido não pode ser pago por não se verificar o
segundo cabimento.

Não se verificando a efetiva cobrança de receita no montante previsto, não era possível
pagar, gerando-se um problema de atraso nos pagamentos, transitando por vezes essas
dívidas para anos subsequentes. A Lei dos compromissos e pagamentos em atraso
introduziu novas exigências aplicáveis no momento da assunção de compromissos.

Se as entidades têm pagamentos em atraso, esta previsão das receitas próprias a cobrar
passa a ser feita por um critério determinado diretamente pela lei, e que assenta na receita
cobrada nos dois anos anteriores. Assim, uma entidade que tenha tido o referido

80
“otimismo” na previsão de receitas, e consequentemente tenha ficado na situação de
pagamentos em atraso, fica impedida de prosseguir a mesma prática.

O ritmo de realização da despesa e orçamento de tesouraria


● o procedimento de libertação de créditos.
A autorização para fazer despesa contida nos mapas orçamentais dá-nos o limite anual de
cada despesa, mas não o momento do ano em que essa despesa tem de ser paga. A previsão
do momento em que ocorrem os pagamentos e recebimentos de cada entidade pública é
fundamental para a gestão do tesouro público, que tem de assegurar que em cada momento
existem disponibilidades financeiras para fazer face aos pagamentos.

Se todos os serviços realizassem a maior parte da despesa no início do ano criar-se-ia uma
situação difícil do ponto de vista da tesouraria do Estado, porque não existiriam os meios
financeiros para fazer os pagamentos. A dotação não está em geral totalmente disponível
para os serviços logo no início do ano, ou seja, a autorização para realizar a despesa não
pode ser logo totalmente utilizada.

Ela vai sendo libertada gradualmente ao longo do ano, através de um procedimento que se
designa por libertação de créditos e que envolve o pedido mensal de libertação da parte da
dotação de despesa necessária à realização dos pagamentos previstos para o mês
correspondente. A definição do ritmo da libertação dos créditos é deixado às normas que
regulam a execução orçamental (presentes no próprio Orçamento ou no DLEO).

A nova LEO introduziu a exigência de que as entidades públicas e o Estado disponham de


orçamentos de tesouraria. O art. 55º da LEO, trata de prever as despesas e receitas
escalonadas pelo momento da sua verificação, de forma deslizante para os doze meses
seguintes, por forma a que seja assegurado que, à medida que se realizar pagamentos,
existem também as disponibilidades financeiras para lhes fazer face.

Estes orçamentos de tesouraria, apesar do nome de “orçamento”, não têm qualquer poder
autónomo para autorizar despesa, limitando-se, do lado da despesa, a registar
compromissos cuja autorização pelo Orçamento do Estado deve ter sido corretamente
verificada (art. 52º/4 da LEO - exigência)

Nos serviços que dependam apenas das receitas gerais do Estado, o orçamento de
tesouraria, do lado da receita, é mera concretização do ritmo a que sejam libertados os
créditos orçamentais da despesa. Quando existam receitas próprias, o orçamento de
tesouraria das entidades incluirá também a previsão dessa receita, para o momento em que
se estima que venha a ser efetivamente cobrada.

A existência de uma orçamentação de tesouraria é assim uma extensão do princípio


introduzido na nossa legislação pela Lei dos Compromissos, ou seja, da limitação da
assunção de compromissos em função da existência de fundos disponíveis.

81
8. Controlo (da execução) orçamental
8.1. Motivações jurídico-política e económica
A fiscalização da execução orçamental é uma das fases da execução orçamental e destina-se
a garantir uma gestão adequada dos dinheiros públicos. Tem como objetivo principal
controlar a execução do orçamento da despesa, ou seja, a forma como o Estado gasta as
suas receitas, mas não omite os problemas relacionados com a cobrança de receitas. Os
estados têm o direito de recolher receitas coativas e de penalizar o incumprimento das
obrigações tributárias, então os contribuintes têm o direito de controlarem diretamente ou
através de entidades legitimadas para o efeito, o destino que é dado a essas receitas.

Apesar do orçamento ser unitário, em muitos aspetos há uma diversidade de tratamento do


orçamento das receitas e do orçamento das despesas. Em Portugal, as regulamentações
base do controlo da execução orçamental encontram-se previstas nos arts. 103.º, 104.º e
105.º CRP, na LEO nos arts. 68.º e ss. e no Decreto-Lei de execução orçamental.

8.2. Classificações quanto à natureza: administrativo, jurisdicional e


político (art. 68.º LEO)
O controlo da despesa pública pode ser organizado tendo em consideração o órgão ou
órgãos com competência para o controlo:
- controlo administrativo: levado a cabo por órgãos da administração pública e pode
variar em função da maior ou menor autonomia de cada órgão ou serviço para a
prática de atos de despesa
- controlo político: efetuado pelo órgão representativo
- controlo jurisdicional: caberá a órgãos com funções jurisdicionais.

8.3. Classificações quanto ao momento


Já se tivermos em conta o momento em que esse controlo é efetuado, a divisão será feita
entre controlo prévio, controlo concomitante e controlo sucessivo.

8.4. Controlo administrativo (breve referência)


O controlo administrativo como controlo interno
É da competência de entidades administrativas às quais tenham sido conferidos poderes
para a fiscalização da execução orçamental e, por se tratar de um controlo efetuado ainda
por órgãos da AP, trata-se de um controlo integrado num sistema interno, mas que se
encontra repartido pela esfera de competência de várias entidades:
(a) da própria entidade, serviço ou organismo que executa o orçamento
(autocontrolo);
(b) da entidade responsável pela coordenação e acompanhamento da execução do
orçamento;
(c) das demais entidades de inspeção e controlo existentes dentro de cada Ministério

82
É um tipo de controlo que permite verificar o cumprimento das regras que subjazem à
execução orçamental de forma mais cuidadosa do que os demais tipos de controlo e que
permite apreciar quer a regularidade dos atos de receita e despesa, quer as justificações
concretas apresentadas para o efeito.

De entre as diferenças de regime destacam-se as que dizem respeito aos serviços dotados de
autonomia administrativa e as que regulam o controlo da execução orçamental dos serviços
com autonomia administrativa e financeira.

Os serviços com autonomia administrativa


São aqueles em que os dirigentes apenas têm competência para autorizar a realização de
despesas e o seu pagamento relativas a atos de gestão corrente – cfr. art.º 2.º a 5.º da LBCP
e art.º 2.º e ss. do RAFE.

Dada falta de autonomia financeira estes serviços têm que manter todas as suas
disponibilidades financeiras junto do IGCP e que requerer, em cada mês, a libertação de
créditos orçamentais à Direcção-Geral do Orçamento (DGO) – art.º 3.º LBCP e art.º 17.º
RAFE. Este pedido é efetuado mediante requerimento e acompanhado do balanço da
execução do mês anterior e da descrição dos pagamentos que se espera que venham a
ocorrer no mês seguinte.

Antes da autorização da despesa, um controlo prévio da despesa, que por ser feito dentro
do próprio serviço se denomina por autocontrolo interno e por ser anterior à realização da
despesa é prévio (a denominada “conferência”) – art.º 26.º do RAFE.

Recebido o pedido de libertação de créditos a Direção-Geral do Orçamento verifica a


existência e a correção legal da inscrição orçamental da despesa e o respetivo cabimento -
art.º 3.º, n.º 3 da LBCP, art.º 18.º, n.os 2 a 4 e art.º 19.º do RAFE. Sempre que esteja em
causa a libertação de créditos para a realização de despesa com receita consignada tem
ainda que ser verificado o cumprimento do duplo cabimento – cfr. art.º 20.º do RAFE. Em
todos os casos, estamos perante um heterocontrolo interno prévio da despesa.

Após a realização da despesa e efetuado o seu pagamento, a DGO efetua um heterocontrolo


interno sucessivo que analisa todos os pressupostos da legalidade da prática do ato, assim
como a eficiência e eficácia da despesa – art.º 10.º LBCP e art.º 22.º do RAFE.

Os serviços com autonomia administrativa e financeira


A existência de receitas próprias - em regra de valor superior ao das transferências do
orçamento do estado e de património próprio - e de orçamento próprio reduzem a
necessidade de transferências de verbas do orçamento de estado e influenciam a execução
orçamental e o controlo que é feito por parte da administração(art.º 6.º ss. da LBCP, artigos
43.º e ss. do RAFE, art.º 53.º do RAFE).

Em termos de controlo, existe um autocontrolo interno prévio (‘conferência’) a efetuar pelos


órgãos do próprio serviço ou organismo (al. a) do n.º 1 art.º 53.º do RAFE), bem como a um

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heterocontrolo interno sucessivo e sistemático, a efetuar trimestralmente pelo Ministério
das Finanças (al. b) do n.º 1 artigo 53.º.)

Nos casos em que seja solicitada a transferência das verbas inscritas no orçamento de
estado, a DGO efetua, um heterocontrolo interno prévio e, quanto a essas verbas, também
um controlo sucessivo por parte do mesmo órgão – art.º 11.º da LBCP e art.º 53.º do RAFE.

o Conselho de Finanças Públicas (art. 7.º LEO)

8.5. Controlo político


A competência da Assembleia da República
É da competência da Assembleia da República (art.º 68.º/5 da LEO). A atribuição desta
competência à Assembleia da República concretiza, mais uma vez, a ideia da existência de
uma relação de supra infra ordenação entre o poder Legislativo e o poder Executivo ao longo
do processo orçamental.

Em especial, a apreciação da Conta Geral do Estado


É reconduzida à tarefa de discussão e votação da Conta Geral do Estado. Devemos
considerar ainda a atividade exercida pela Assembleia da República de acompanhamento da
execução orçamental, para o exercício da qual se prevê (artigo 75º da LEO) um dever de
prestação de informação do Governo à Assembleia da República. Ainda há a possibilidade de
requerer ao governo, em cada exercício orçamental, a realização de duas auditorias, e de
solicitar ao Tribunal de Contas a realização de auditoria a dois organismos do Sistema de
Controlo Interno.

A necessidade de celeridade para a efetivação das responsabilidades políticas


A importância reconhecida à discussão e aprovação da Conta Geral do Estado resulta da
disciplina estabelecida para o efeito. Contudo, dissemelhantemente ao que sucede com a
discussão e votação da proposta da Lei do Orçamento Geral do Estado, a discussão e votação
em plenário não tem sido tão demorada como sucede com a proposta de lei do orçamento.
Há a possibilidade de, a todo o tempo, a AR poder solicitar auditorias suplementares ao
Tribunal de Contas. Será durante este processo de discussão e aprovação da conta que serão
apuradas as eventuais responsabilidades políticas pela execução orçamental.

A discussão e votação da conta – remetida à AR até 30 de junho do ano seguinte ao que diz
respeito - é precedida da receção do parecer do Tribunal de Contas e do parecer do
Conselho de Finanças Públicas bem como dos pareceres da comissão permanente e das
comissões setoriais. O processo orçamental apenas fica completo com a aprovação da conta
e com a sua publicação no Diário da República.

8.6. Controlo jurisdicional


Os tribunais e o Tribunal de Contas enquanto verdadeiro tribunal (art. 68, n.º 4 LEO)
O controlo jurisdicional cabe a órgãos jurisdicionais e é executado pelo Tribunal de Contas e
pelos demais Tribunais no exercício das suas funções (107.º da CRP e 64.º da LEO). O
Tribunal de Contas português, apesar de ser caracterizado pela Constituição (arts. 214.º e

84
216.º) e pela Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas - LOPTC como um
verdadeiro tribunal, tem funções que exorbitam as tradicionais funções jurisdicionais. As
especificidades deste Tribunal alargam-se também à sua composição: os juízes conselheiros,
recrutados por concurso público documental, não são necessariamente magistrados nem
têm que possuir formação jurídica.

● repartição de competências
Do n.º 4 do referido art.º 64.º da LEO decorre que a competência principal de controlo
jurisdicional da execução orçamental cabe ao Tribunal de Contas reconhecendo-se
competência aos demais tribunais. A competência para a efetivação do controlo jurisdicional
da execução orçamental reparte-se entre os vários órgãos jurisdicionais, ou seja, os
Tribunais, de acordo com as várias esferas de competência.

A apreciação da generalidade dos aspetos da execução do orçamento das receitas fica de


fora da competência do Tribunal de Contas, enquanto que a generalidade dos aspetos
relativos ao controlo jurisdicional da execução do orçamento das despesas é da competência
exclusiva deste Tribunal. O mesmo sucede com a competência para o apuramento da
responsabilidade financeira pela execução orçamental (art.º 214/d) da CRP).

Competências do Tribunal de Contas


Ao Tribunal de Contas estão ainda acometidas outras funções relacionadas com o controlo
da execução orçamental:
(a) emissão de Parecer sobre a Conta Geral do Estado, cabendo às respetivas secções
regionais emitir Parecer sobre as Contas das Regiões Autónomas
(b) certificação legal de contas (apenas aplicável a partir da Conta de 2023) – 66.º/6
da LEO

Controlo jurisdicional prévio, concomitante e sucessivo


● Fiscalização prévia
O controlo prévio ou fiscalização prévia tem por finalidade verificar a existência de
conformidade financeira dos atos, contratos ou outros instrumentos de execução
orçamental e é efetuada num momento anterior ao da autorização da despesa. Esta
atividade materializa-se na verificação do cumprimento das normas legais em vigor e da
existência de cabimentação e de fundos disponíveis para o pagamento da mesma - art.º 44.º
ss. da LOPTC.

Estão sujeitos a fiscalização prévia por parte do Tribunal de Contas os atos e contratos que
originem despesa pública, praticados pelas entidades referidas no art.º 2.º da LOPTC, e cujo
valor exceda o valor fixado no art.º 48.º da LOPTC. Ficam sujeitos a fiscalização prévia pelo
Tribunal de Contas todos os atos de realização de despesa, mas apenas aqueles que se
encontrem previstos no art.º 46.º LOPTC e não excetuados pelo art.º 48.º.

85
Submetido o pedido de fiscalização prévia, este é inicialmente analisado pelos Serviços da
Direção-Geral do Tribunal de Contas. Pode ser solicitada qualquer diligência instrutória. Caso
seja possível concluir desde logo pela existência de conformidade, será a própria
Direção-Geral a emitir a declaração de conformidade do ato (art. 83.º/1 LOPTC).

Quando não seja possível a emissão de um juízo de conformidade, os processos são


instruídos com os elementos constantes 84º/1 da LOPTC e remetidos à primeira sessão
diária de visto.
- há fundamento para a concessão do visto, o mesmo será concedido
- há fundamento para a recusa do visto, o processo será remetido para a sessão
plenária da 1.ª secção, acompanhado da proposta de decisão

Assim, a emissão de visto nos casos em que não tenha sido possível a emissão de declaração
de conformidade ou em que tenham existido dúvidas sobre a legalidade dos atos ou
contratos fica sujeita a uma apreciação por 3 juízes ou pelo plenário da secção. Se há
fundamentos para a recusa do visto a apreciação terá sempre que ser feita pelo plenário da
secção. Qualquer que seja a decisão, esta deve ser comunicada à entidade requerente no
próprio dia em que tenha sido proferida.

O processo tem que estar concluído no prazo de 30 dias úteis contados a partir da data de
registo da entrada, prazo este que se suspende quando tenha sido solicitado à entidade
requerente o envio de elementos ou a prática de atos instrutórios. A suspensão ocorre entre
a data em que é ordenado o envio de documentos ou a prática de diligências até à data em
que os elementos solicitados sejam enviados ou as diligências concluídas.

A formação de visto tácito permite à entidade requerente iniciar a execução do ato ou


contrato visado no prazo de 5 dias úteis sobre o prazo do termo para a formação de visto
tácito.

A análise do Tribunal de Contas versa não só sobre a compatibilidade do ato ou contrato


com as normas financeiras, mas também com as demais normas legais. Trata-se de um
verdadeiro juízo de legalidade a que acresce um juízo de legalidade financeira, ou seja,
trata-se de um juízo de legalidade jurídico-financeira.

O visto do TdC assume-se como condição de eficácia financeira do ato apreciado, que não
pode produzir efeitos até à data da notificação da concessão do visto. Se durante esse
período tiverem sido realizados trabalhos ou adquiridos bens pode ser efetuado o seu
pagamento, desde que tal não implique encargos superiores aos previstos para aquele
período.
- atos ou contratos que, estando sujeitos a visto, sejam de valor inferior a € 950 000,00
o ato ou contrato pode produzir apenas efeitos não financeiros (45º/4 a contrario da
LOPTC)
- atos, contratos ou demais instrumentos sujeitos à fiscalização do TdC cujo valor seja
superior a € 950 000,00 apenas se admite a produção de efeitos não financeiros se o

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ato ou contrato sujeito a fiscalização prévia tiver sido praticado na sequência de um
processo de ajuste direto por motivos de urgência imperiosa resultante de
acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante (45º/5 LOPTC)

A recusa de visto tem como efeito direto a cessação de todos os efeitos jurídicos dos atos ou
contratos visados que ocorram após a notificação da decisão do TdC. Estando em regra
suspensos os efeitos financeiros, admite-se, excecionalmente, o pagamento daquelas
despesas cuja contrapartida material já tenha ocorrido, desde que o valor não ultrapasse o
que estava programado para a execução do ato ou do contrato naquele período.

● Fiscalização concomitante
Prevista no art. 49º da LOPTC e tem algumas similitudes com a fiscalização prévia. Contudo,
o procedimento, seus efeitos e vinculatividade dos juízos emitidos pelo TdC são diversos. É
semelhante a finalidade da fiscalização: acautelar o cumprimento das normas
jurídico-financeiras aplicáveis aos atos de gestão pública.

Trata-se de um tipo de fiscalização que se materializa na realização de auditorias levadas a


cabo pela 1.ª secção ou pela 2.ª secção.
1. As auditorias realizadas pela 1.ª secção incidem sobre os procedimentos e atos
administrativos que digam respeito a despesas de pessoal, a contratos que não
estejam sujeitos a fiscalização prévia. Incidem ainda sobre a execução de atos e
contratos sujeitos a fiscalização prévia. Trata-se de um controlo que é exercido
durante a execução dos atos ou contratos ou após a finalização da execução e do
pagamento desse tipo de despesas.
2. As auditorias realizadas pela 2.ª secção são também exercidas durante o processo de
execução dos atos e contratos e versam apenas sobre a atividade financeira. Esta
atividade não deve ser confundida com as auditorias realizadas pelo TdC no âmbito
do art.º 55.º da LOPTC, dada a diferença do âmbito de incidência e da fase em que
ocorrem.

Podem ser detetadas ilegalidades e, quando tal suceda, os processos podem ser remetidos
para apuramento de eventual responsabilidade financeira. Sempre que essa ilegalidade diga
respeito a procedimentos pendentes, deve ser notificada a entidade com competência para
autorizar a despesa ser notificada para remeter o processo para emissão de visto prévio,
suspendendo-se de imediato a possibilidade de execução do ato até ao momento da
emissão de visto favorável.

● Fiscalização sucessiva
Regulada nos arts. 50º e ss. LOPTC distingue-se das restantes porque incide sobre atos e
contratos já executados. Neste tipo de fiscalização são apreciadas (todas) as contas das
entidades sujeitas à jurisdição do TdC, avaliados os sistemas de controlo interno de cada
serviço e a “economia, eficácia e eficiência” da gestão financeira. O TdC assegura, ainda, a

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fiscalização da comparticipação nacional nos recursos da União Europeia e aplicação dos
recursos financeiros oriundos da União Europeia.

Esta análise do TdC não se resume, porém, à apreciação da legalidade jurídico-financeira,


entendendo-se à verificação do cumprimento de exigência de economia, eficiência e eficácia
e às práticas de boa gestão financeira.

As práticas de boa gestão podem incluir ainda a referência ao momento escolhido para a
prática do ato ou execução do contrato. Por se tratar de juízos técnicos que se afastam dos
juízos de legalidade esta atividade constitui uma nuance específica do controlo jurisdicional
efetuado pelo Tribunal de Contas e que não existe nos casos em que a fiscalização
jurisdicional da execução orçamental é efetivada pelos demais Tribunais.

Responsabilidades financeiras sancionatória e reintegratória (breve referência)


Dentro da atividade do TdC há que considerar ainda aquela que se reporta ao apuramento
da responsabilidade financeira pela prática de atos de execução orçamental. Trata-se de uma
atividade exercida de modo contínuo e que tem por base a existência de indícios da prática
de atos que possam gerar responsabilidade financeira. (arts. 59º, 60º, 65º ou 66º).
- responsabilidade financeira sancionatória (65º a 68º)
A responsabilização do agente apenas ocorre nos casos em que este tenha atuado com
culpa, e tem por objetivo a reposição nos cofres do estado do montante material da lesão
dos dinheiros ou dos valores públicos, podendo estes valores ser diminuídos em caso de
negligência.

- responsabilidade financeira reintegratória (59º a 64º)


O que está em causa é o pagamento de uma multa por incumprimento de alguma das
obrigações previstas nos arts. 65º e 66º da LOPTC.

De modo muito sucinto diremos que o apuramento de responsabilidades é feito em


processos de julgamento de contas e em processos de julgamento de responsabilidades
financeiras ou ainda em processos autónomos. De comum a todos estes processos o facto
de apenas existir responsabilidade financeira nos casos especificamente previstos na lei.

A tendência de reforço dos controlos


● da legalidade (formal) ao controlo de natureza substantiva e económica.

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