Sobreimplicação e Implicação
Sobreimplicação e Implicação
Sobreimplicação e Implicação
PROFISSIONAL+
Gilles Monceau++
RESUMO
O artigo busca discutir um dos conceitos bsicos da Anlise Institucional,
a implicao. Para tanto, traz tambm outros conceitos que dela derivam e/
ou modulam: sobreimplicao e implicao profissional. Trazendo exemplos
presentes em diferentes espaos, na escola, na universidade, no hospital analisa
a tendncia da universitarizao das profisses, onde os profissionais so
convocados a trabalhar suas dificuldades prticas pelo discurso, ao modo do
fazer universitrio, como se a anlise discursiva da prtica permitisse fazer
evoluir a prpria prtica.
Palavras-chave: Implicao. Sobreimplicao. Anlise institucional.
ABSTRACT
This article debates one of the basic concepts of Institutional Analysis: implication.
For that purpose, brings two other concepts that stem from it: over implication
and professional implication. Both rather important for the implications analyses
process. Pointing out that implication analyses is a collective work, the text board
the devices that those analyses can construct. Bringing examples of different
spaces, in the school, in the university, in the hospital, it is analysed the tendency
to give a universitarian form to the professions, when professionals are called
to work their practical difficulties, doing it through the discourse, as used in the
universities, as if the discursive analyses of the practice allowed the evolution of
their practice.
Keywords: Implication. Over implication. Institutional analyses.
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Gilles Monceau
Para discutir esse tema, apresento algumas publicaes1 referentes questo da clnica institucional. Comeo pela Revue dAnalyse Institutionnelle. Les
Cahiers de lImplication, nmero 1,2 que reuniu artigos sobre o tema da auto-gesto. Para ns, na Frana, essa temtica parecia algo bem antigo, um conceito muito
ligado aos anos de 1960, 1970 e em particular a maio/68. Naquela poca, particularmente nos anos de 1970, muitos grupos funcionavam sob o modelo da autogesto, tanto em empresas pequenas quanto nos estabelecimentos de educao.
A histria da Anlise Institucional est muito vinculada histria da autogesto. Em particular, nos textos dos anos de 1970 encontramos muitas referncias a esse tema. A idia era que o funcionamento de auto-gesto de certos grupos
permitia analisar as instituies e seus modos de gerenciamento institudos e
burocratizados. Certos grupos, por exemplo, os grupos politizados, vo buscar
alternativas, inventando outras formas de direo, no se submetendo quelas
vigentes, tendo como objetivo lutar contra as formas de alienao. Este objetivo
fragmentou o mundo poltico.
Os militantes da auto-gesto tiveram e, ainda tm hoje, conflitos muito
tensos com os marxistas, por exemplo. A prpria Anlise Institucional tem muitas
dificuldades com os marxistas, com os comunistas. Existem muitas histrias em
certos partidos e tambm dentro da universidade que giram em torno desses conflitos. Os marxistas, por muito tempo, acusaram as pessoas que trabalham com
auto-gesto de impedir a revoluo, porque elas inventam, localmente, formas
alternativas de funcionamento, independente de uma revoluo global.
Ns decidimos re-trabalhar o tema da auto-gesto, mesmo sendo ele considerado algo envelhecido, e trabalhando sobre esse tema, discutindo com alguns
dos autores que nos propuseram seus artigos, percebemos que havia vida em torno
da questo da auto-gesto. Podemos citar o exemplo ocorrido na Argentina com as
empresas recuperadas pelos trabalhadores quando os proprietrios foram embora.
No terreno da educao existem, ainda hoje, estabelecimentos que funcionam de forma auto-gestiva. Da mesma forma, existem prticas de pesquisa,
que eu chamo de scio-clnicas, que seguindo a Anlise Institucional, propem
que para analisar as instituies preciso provocar certa ruptura no funcionamento institudo. Por exemplo, quando fazemos intervenes em estabelecimentos de educao ou mdico-sociais, ficamos atentos para no reproduzir
na interveno o mesmo tipo de funcionamento do cotidiano. Habitualmente,
iniciamos as intervenes fazendo assemblias gerais nas quais todas as pessoas do estabelecimento se encontram presentes, tanto a cozinheira quanto o
psiquiatra. Nessas assemblias falamos tanto da encomenda feita pelo diretor
geral, por exemplo, quanto do dinheiro que foi investido para que o trabalho
fosse realizado. Evidentemente essa maneira de intervir transforma a relao
de saber e de poder desse estabelecimento. Existe a um interesse de trabalho
auto-gestivo que permite produzir anlises novas, mesmo se essa auto-gesto
se limita ao trabalho da interveno. Assim que essa temtica da auto-gesto
deu ensejo a esse nmero da revista.
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as pessoas lhe perguntaram se ela poderia tirar a bruxaria deles. Quer dizer, as
pessoas com quem ela desenvolvia a pesquisa lhe deram um lugar no sistema de
bruxaria. A partir desse momento, ela pde produzir novos resultados de pesquisa, radicalmente diferente de todos os trabalhos anteriores nos quais os etimlogos interrogavam as pessoas que estavam tomadas pela bruxaria, tentando estar o
mais distanciado possvel.
Existem outros exemplos desse tipo e eu vou lhes dar o nome de um outro autor. O trabalho de George Devereux (1967), particularmente, seu livro Da
angstia ao mtodo, no qual defende a idia que a metodologia de pesquisa ,
sobretudo, criada pelo pesquisador para que ele possa se proteger de perturbaes
e de angstias pessoais que outras culturas, outras prticas podem provocar no
pesquisador. Para Devereux no devemos tentar fazer desaparecer essa perturbao, ela deve ser analisada, pois sua anlise que trar um conhecimento novo.
Esses pesquisadores no se interessavam pela Anlise institucional mas a
Anlise Institucional se interessou muito por eles, em particular pela questo da
implicao. Sobre o tema, alguns artigos so importantes. Um primeiro, intitulado Enqute sur les monographies dinterventions socianalytiques (1962-1999)
(MONCEAU, 2001), resultado de uma enquete feita a partir de 50 intervenes
que utilizaram a Anlise Institucional, entre 1962 e 1999. O que me interessa
nesse trabalho arqueolgico saber de que maneira as regras da scioanlise,
e particularmente a questo da anlise de implicaes, so mais ou menos respeitadas no conjunto dessas intervenes. Um outro, o artigo Transformar as
prticas para conhec-las: pesquisa-ao e profissionalizao docente (MONCEAU, 2005), sobre a pesquisa-ao, o trabalho scio-clnico com professores,
onde trato, sobretudo, da implicao.
O conceito de sobreimplicao, que permite uma melhor compreenso do
conceito de implicao, poderia ser definido como uma impossibilidade de analisar a implicao. Posso dar um exemplo, que no gosto muito e, na Frana, os
pesquisadores em educao tambm no gostam, que a sobreimplicao dos
pesquisadores na instituio escolar. Acredito que na Frana a maior parte dos
trabalhos em sociologia e educao so trabalhos sobre a sobreimplicao. Os
socilogos da educao so muito vinculados instituio escolar. Por exemplo,
eles so os primeiros a fazer abaixo-assinados quando a escola ameaada. Este
elemento pode ser politicamente simptico, eu fao a mesma coisa, mas por outro
lado, essa sobreimplicao escolar nos impede de ver outras coisas. Por exemplo,
quando eu trabalho com certos profissionais de educao, com dispositivos de
educao para jovens que recusam a escola, creio que posso dizer que sou muito
influenciado pelo fato de pessoalmente achar que a escola importe para o desenvolvimento pessoal e poltico dos indivduos.
O fato de o pesquisador achar que a escola desejvel, torna seu trabalho
de anlise particularmente complicado. Para ns, a instituio escolar no um
objeto frio. Tenho uma dificuldade muito grande de imaginar que um jovem possa
estar em outro lugar que no na escola. claro que esse fenmeno vai ser a conjuno de vrias histrias, eu mesmo fui professor primrio, me formei em pedaFractal Revista de Psicologia, v. 20 n. 1, p. 19-26, Jan./Jun. 2008
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NOTAS
1
REFERNCIAS
DEVEREUX, G. De langoisse la mthode dans les sciences du comportement.
Paris: Flamarion, 1967.
LHOMME ET LA SOCIET. Lanalyse institutionnelle: entre socio-clinique et
socio-histoire. Paris: LHarmattan, n. 147-148, 2003.
FAVRET-SAADA, J. Corps pour corps: enqute sur la sorcellerie dans le bocage.
Paris : Gallimard, 1981.
LAMIHI, A.; MONCEAU, G. Instituition et Implication: loeuvre de Ren
Lourau. Paris: Sylepse, 2002.
LOURAU, R. Anlise Institucional. Rio de Janeiro: Vozes, 1975.
______. Le journal de recherche: matriaux pour une thorie de limplication.
Paris: Mridiens-Klincksieck, 1988.
______. Actes manqus de la recherche. Paris: PUF, 1994.
MONCEAU, G. Enqute sur les monographies dinterventions socianalytiques
(1962-1999). Les Etudes Sociales, Paris, n. 133, p. 101-119, 2001.
______. Transformar as prticas para conhec-las: pesquisa-ao e
profissionalizao docente. Educao e Pesquisa, So Paulo, v. 31, n. 3, p. 467482, set./dez. 2005.
REVUE DANAYSE INSTITUTIONNELLE. Les Cahiers de lImplication.
Saint-Denis: L.S.E. E.S.S.I, n. 1, 2006.
Recebido em: junho de 2007
Aceito em: novembro de 2007
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